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1 1 INTRODUÇÃO O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a principal causa de incapacidade crônica por doença neurológica em algumas partes do mundo (LAVADOS, HENNIS, FERNANDES, MEDINA, LEGETIC, HOPPE, SACKS, JADYE & SALINAS, 2007). Tal incapacidade pode ser demonstrada haja vista que cerca de 50 a 70% dos indivíduos pós-AVE adquirem independência funcional, 30 a 50% permanecem incapacitados, dentre os quais alguns necessitam de cuidados institucionais (WRITING GROUP MEMBERS AHA, 2008). Estas variações acerca do grau de comprometimento dependem, de certa maneira, da topografia lesional. Cerca de 61 a 81% dos AVE apresentam acometimento da circulação anterior, que envolve as artérias cerebral anterior (ACA) e média (ACM), sendo que a maioria destes eventos ocorre na ACM (BLACK-SCHAFFER, KIRSTEINS & HARVEY, 1999; WINSTEIN, MERIANS & SULLIVAN, 1999; MINELLI, FEN & MINELLI, 2007). Considerando-se as áreas de irrigação destas artérias e as funções desempenhadas por estas regiões encefálicas, áreas neurais relacionadas à aprendizagem motora poderão ser afetadas após AVE, à direita ou à esquerda. A aprendizagem motora pode ser compreendida como uma série de mudanças, relativamente permanentes, em processos internos que determinam a capacidade de um indivíduo para produzir uma ação motora (SCHMIDT & WRISBERG, 2001). Este fenômeno vem sendo estudado desde a década de 1880 em sujeitos saudáveis, investigando-se o processo em si e os fatores que a influenciam (CLARK & OLIVEIRA, 2006). Poucos estudos foram desenvolvidos a fim de esclarecer esse fenômeno e os fatores que nele interferem (HANLON, 1996; WINSTEIN et al, 1999; BOYD & WINSTEIN, 2004; WARD, 2005) em sujeitos com lesões neurológicas especialmente, quando se considera a aprendizagem de habilidades motoras em paciente pós-lesão encefálica. As habilidades motoras podem ser classificadas segundo diversos critérios, dentre eles, a demanda relativa dos elementos motores ou cognitivos que a compõe. As

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    1 INTRODUÇÃO

    O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a principal causa de incapacidade

    crônica por doença neurológica em algumas partes do mundo (LAVADOS, HENNIS,

    FERNANDES, MEDINA, LEGETIC, HOPPE, SACKS, JADYE & SALINAS, 2007). Tal

    incapacidade pode ser demonstrada haja vista que cerca de 50 a 70% dos indivíduos

    pós-AVE adquirem independência funcional, 30 a 50% permanecem incapacitados,

    dentre os quais alguns necessitam de cuidados institucionais (WRITING GROUP

    MEMBERS AHA, 2008).

    Estas variações acerca do grau de comprometimento dependem, de certa

    maneira, da topografia lesional. Cerca de 61 a 81% dos AVE apresentam acometimento

    da circulação anterior, que envolve as artérias cerebral anterior (ACA) e média (ACM),

    sendo que a maioria destes eventos ocorre na ACM (BLACK-SCHAFFER, KIRSTEINS

    & HARVEY, 1999; WINSTEIN, MERIANS & SULLIVAN, 1999; MINELLI, FEN &

    MINELLI, 2007). Considerando-se as áreas de irrigação destas artérias e as funções

    desempenhadas por estas regiões encefálicas, áreas neurais relacionadas à

    aprendizagem motora poderão ser afetadas após AVE, à direita ou à esquerda.

    A aprendizagem motora pode ser compreendida como uma série de

    mudanças, relativamente permanentes, em processos internos que determinam a

    capacidade de um indivíduo para produzir uma ação motora (SCHMIDT & WRISBERG,

    2001). Este fenômeno vem sendo estudado desde a década de 1880 em sujeitos

    saudáveis, investigando-se o processo em si e os fatores que a influenciam (CLARK &

    OLIVEIRA, 2006). Poucos estudos foram desenvolvidos a fim de esclarecer esse

    fenômeno e os fatores que nele interferem (HANLON, 1996; WINSTEIN et al, 1999;

    BOYD & WINSTEIN, 2004; WARD, 2005) em sujeitos com lesões neurológicas

    especialmente, quando se considera a aprendizagem de habilidades motoras em

    paciente pós-lesão encefálica.

    As habilidades motoras podem ser classificadas segundo diversos critérios,

    dentre eles, a demanda relativa dos elementos motores ou cognitivos que a compõe. As

  • 2

    habilidades com predomínio cognitivo apresentam demanda de processamento relativo

    ao planejamento da ação. O planejamento refere-se a uma ação futura, na qual há

    intenção de atingir uma meta, por meio da seleção de estratégias adequadas para

    alcançá-la (KREITLER & KREITLER, 1987; UNTERRAINER & OWEN, 2006).

    O planejamento da ação é descrito por alguns autores como sendo de função

    predominantemente do hemisfério esquerdo (por exemplo, HAALAND, HARRINGTON &

    KNIGHT, 2000; HAALAND, ELSINGER, MAYER, DURGERIAN & RAO, 2004). Mais

    especificamente, há evidências de que o hemisfério esquerdo apresente predominância

    na função relativa à seleção e armazenamento do programa motor, incluindo o

    processamento do controle temporal e sequencial dos movimentos. Para SAINBURG

    (2002), os mecanismos de controle do movimento predominantes neste hemisfério

    envolvem o controle em circuito aberto, sendo especializado no controle dinâmico do

    movimento do lado direito em destros. Em contrapartida, segundo o mesmo autor, o

    hemisfério direito utiliza, principalmente, um controle em circuito fechado para a

    execução dos movimentos, o que o torna especializado no controle estático, de posição

    final do movimento do lado esquerdo do corpo. Outras funções atribuídas ao hemisfério

    direito, na literatura, são: capacidade de processamento perceptivo e organização de

    parâmetros espaciais (por exemplo, HARRIGTON & HAALAND, 1991; ELLIOT, ROY,

    GOODMAN, CARSON, CHUA & MARAJ, 1993; DAVIDSON, CAVE & SELLNER, 2000).

    Em consequência do exposto, surge a seguinte questão: Será que, em

    pacientes pós-lesão encefálica, a aprendizagem de habilidades motoras é afetada pelo

    lado da lesão?

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    2 REVISÃO DA LITERATURA

    2.1 Acidente Vascular Encefálico

    2.1.1 Definição

    O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é classificado com uma das doenças

    cerebrovasculares (DCV) e é causado pela interrupção do fluxo sanguíneo para o

    encéfalo, seja pelo rompimento de um vaso sanguíneo ou pelo bloqueio por um coágulo.

    Tal interrupção causa danos ao tecido encefálico que variam conforme a área e

    extensão acometidas (WHO, 2008).

    2.1.2 Dados epidemiológicos

    O AVE é a principal causa de incapacidade crônica por doença neurológica

    em algumas partes do mundo, com mais de 50% dos sobreviventes permanecendo com

    graves sequelas físicas e mentais, acarretando enorme impacto econômico e social

    (WRITING GROUP MEMBERS AHA, 2008). É responsável por quase seis milhões de

    mortes ao ano, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2008).

    A cada ano cerca de 780 mil pessoas sofrem um AVE e, em média, 60 mil são

    considerados eventos primários e 180 mil são recorrentes (WRITING GROUP

    MEMBERS AHA, 2008). O AVE é considerado a terceira causa de morte em adultos e,

    mesmo havendo divergências nos dados epidemiológicos mundiais, é também, uma das

    maiores causas de sequelas permanentes que geram a incapacidade funcional

    (SUDLOW & WARLOW, 1996; WHO, 2008).

    No Brasil, embora a mortalidade de AVE esteja diminuindo ao longo dos

    anos, o AVE ainda é a causa de morte mais frequente, com altos índices de morbidade

    e mortalidade (ANDRÉ, CURIONI, CUNHA & VERAS, 2006). Dados do Ministério da

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    Saúde revelam que, em 2005, ocorreram 90.006 mortes relacionadas ao AVE,

    constituindo 10% do total de óbitos do país (DATASUS, 2005). Dados oficiais de

    mortalidade no Brasil revelam que a DCV é responsável por mais óbitos que a doença

    coronária nos últimos 40 anos (PEREIRA, LEMOS, BENEVENUTO & FONSECA, 1993;

    CABRAL, LONGO, MORO, AMARAL & KISS, 1997; RADANOVIC, 2000).

    De forma geral, as DCV representam, portanto, um grande ônus em termos

    sócio-econômicos devido à alta incidência e prevalência de quadros sequelares. Em

    termos numéricos, elas representam para o Sistema de Saúde (no Brasil) 8,2% das

    internações e 19% para os custos hospitalares do Instituto Nacional de Assistência

    Médica da Previdência Social (RADANOVIC, 2000; DATASUS, 2005).

    Em relação à incapacidade gerada após um AVE, cerca de 50 a 70% dos

    indivíduos adquirem independência funcional, 15 a 30% permanecem incapacitados e

    20% necessitam de cuidados institucionais (WOLFE, 2000; WRITING GROUP

    MEMBERS AHA, 2008). Quanto aos impedimentos sociais, nota-se alguma melhora

    funcional entre um e três anos após o evento, porém 50% dos pacientes ainda mantêm

    significativa incapacidade após o terceiro ano do icto (RAYMOND, CHENG, WONG,

    TANG, WONG, WOO, & KWOK, 2008).

    2.1.3 Topografia lesional

    Os processos patológicos que acometem os vasos cerebrais vão interromper

    a circulação de determinadas áreas encefálicas, o que causará necrose e amolecimento

    do tecido nervoso, gerando alterações motoras, perceptuais, sensoriais e/ou psíquicas

    que podem ser características para a área e a artéria lesadas. Diante disso, o quadro

    clínico neurológico apresentado por cada paciente varia de acordo com a diversidade

    etiológica, número, extensão e localização das lesões cerebrais dentro do processo de

    irrigação encefálica (BAXTER, 1987; WHISNANT, BASFORD, BERNSTEIN, COOPER,

    DYKEN, EASTON, LITTLE, MARLER, MILLIKAN, PETITO, PRICE, KAICHLE,

  • 5

    ROBERTSON, THIELE, WALKER & ZIMMERMAN, 1990; DURWARD, BAER & WADE,

    2000).

    A irrigação encefálica é realizada por meio dos sistemas carotídeo e

    vértebro–basilar, sendo que esses dois sistemas vasculares comunicam-se através do

    Polígono de Willis na base do encéfalo (DUUS, 1986; DE JONG, 1979). Essa irrigação

    chega ao encéfalo por meio das duas artérias carótidas internas e das artérias

    vertebrais. As carótidas internas são ramos de bifurcação da artéria carótida comum,

    sendo a direita oriunda do tronco braquiocefálico e a esquerda da aorta (CAMBIER,

    1988; DURWARD et al, 2000; MACHADO, 2000). O ramo da artéria carótida interna,

    após um trajeto ao longo do pescoço, divide-se em dois ramos terminais: as artérias

    cerebrais média (ACM) e anterior (ACA).

    As ACA e ACM dão ramos corticais, que vascularizam o córtex e a substância

    branca subjacente, bem como ramos centrais, que são responsáveis pela

    vascularização do diencéfalo, núcleos da base e a cápsula interna. As partes por elas

    irrigadas são relativamente bem demarcadas e distintas, pois quando uma delas for

    ocluída ocorrerá uma lesão encefálica relativamente estereotipada (DE JONG, 1979;

    JESSEL, 1991; YOUNG & YOUNG, 1997; LENT, 2001).

    Das síndromes clínicas decorrentes do infarto cerebral, o território da ACM é

    o mais frequente, motivo pelo qual a lesão com esta origem vascular será utilizada como

    um dos critérios de inclusão topográfico neste estudo. A incidência de AVE na circulação

    anterior (ACM e ACA) é duas vezes maior que na circulação posterior ou em pequenos

    vasos (SIENG, STEIN, NING & BLACK-SCHAFFER, 2007). A ACM é responsável pela

    irrigação das porções laterais dos lobos frontal, parietal e a porção superior do lobo

    temporal (incluindo o pólo do temporal e a ínsula), além da coroa radiada com extensão

    de forma profunda até o putâmen, núcleo caudado, núcleo lenticular, comissura anterior,

    braço posterior da cápsula interna e a maior parte da face convexa dorsolateral do

    hemisfério. Essas estruturas anatômicas estão relacionadas aos trajetos das vias

    aferentes e eferentes do Sistema Nervoso Central (SNC), o que justifica a frequente

    ocorrência das síndromes sensitivo-motoras decorrentes do AVE e a gama de sequelas

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    estabelecidas com esse tipo de lesão, garantindo uma sintomatologia muito variada, nos

    casos em que não são fatais (BAXTER, 1987; JESSEL, 1991; BLACK-SCHAFFER,

    1999; MACHADO, 2000).

    2.1.4 Quadro Clínico

    Como sinais e sintomas clínicos após o infarto da ACM, característica

    predominante da população estudada, observa-se a hemiplegia (ausência de movimento

    voluntário) ou hemiparesia (diminuição no movimento voluntário) contralateral à lesão

    encefálica. Nota-se também anestesia ou hipoestesia, hipotonia e arreflexia ou

    hiporreflexia no hemicorpo comprometido (BAXTER, 1987; JESSEL, 1991; LENT, 2001;

    (KANDEL, SCHWARTZ & JESSELL, 2003; LAVADOS et al, 2007; SIENG et al, 2007).

    Em relação à função motora, a hemiplegia ou hemiparesia destaca-se como sinal clínico

    mais óbvio da doença, sendo esta nomenclatura, por muitas vezes, empregada

    genericamente a uma extensa variedade de problemas que determinam um AVE

    (BOHANNON, 1986; D’ALTON & NORRIS, 1987; CLARKE, MARSHALL, BLACK,

    COLANTONIO, 2002).

    Assim, as alterações nos movimentos voluntários são tipicamente

    encontradas após um evento vascular e, mesmo ocorrendo padrões de recuperação,

    nota-se com muita frequência, anormalidade na produção de movimento durante tarefas

    funcionais. Inclusive, cerca de 60% dos pacientes continua a apresentar disfunções

    motoras residuais após um ano do evento vascular (CAURAUGH, LIGHT, KIM,

    THIGPEN & BEHRMAN, 2000).

    Além dos danos motores e sensitivos (tanto os discriminativos, quanto os

    proprioceptivos), poderão ocorrer outros prejuízos também incapacitantes, tais como as

    alterações no âmbito cognitivo que incluem alterações no processo mental, danos

    perceptivos, alterações de comportamento, bem como o comprometimento intelectual

    (BOHANNON, 1986; O`SULLIVAN & SCHMITZ, 1993; RYERSON & LEVIT, 1994). As

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    lesões na circulação anterior (ACM e ACA) são descritas como as mais incapacitantes

    funcionalmente, tanto pelo comprometimento motor quanto cognitivo, perdendo apenas

    para as lesões em múltiplos territórios (SIEN et al, 2007).

    As alterações das funções cognitivas têm sido reportadas como diretamente

    relacionadas à incapacidade funcional e ao nível de comprometimento do AVE. Desta

    forma, o comprometimento nas funções executivas acarreta dificuldade no desempenho

    de tarefas básicas, bem como nas atividades de vida diária (AVD´s) (MOK, WONG,

    LAM, FAN, TANG, KWOK, HUI & WONG, 2004; CALASANS & ALOUCHE, 2004).

    De acordo com a porção da ACM afetada (divisão superior, inferior ou ramos

    superficiais ou profundos) poderá haver mais sinais e sintomas associados ou o

    predomínio de um ou outro dos sinais anteriormente descritos (MELARAGNO-FILHO,

    1975; DE JONG, 1979; BAXTER, 1987). Assim, pode ocorrer hemianopsia, se as

    radiações ópticas e/ou as projeções geniculares forem atingidas; afasia global, se o

    hemisfério dominante for atingido; bem como as apraxias e a negligência unilateral, se o

    hemisfério não-dominante for atingido (BAXTER, 1987). No entanto, é desconhecido se

    as alterações no hemisfério dominante ou no não dominante são mais incapacitantes

    em relação à aprendizagem motora. Sabe-se que, os pacientes com alterações nestes

    dois hemisférios apresentam-se com características clínicas distintas que envolvem o

    sistema sensório-motor e perceptual em níveis diferentes de acometimento.

    2.2 Especialização hemisférica

    Ao longo da história das neurociências, muitos dos conhecimentos acerca

    dos fundamentos biológicos do comportamento humano têm surgido estreitamente

    ligados aos conceitos de lateralização hemisférica ou dominância cerebral, isto é, as

    diferenças de função entre os dois hemisférios do cérebro (KOLB & WHISHAW, 2002).

    Ainda que os hemisférios direito e esquerdo pareçam ser uma imagem em

    espelho um do outro, existe uma importante distinção funcional entre eles: a dominância

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    cerebral. O termo dominância cerebral refere-se ao fato de que um dos hemisférios

    cerebrais é o dominante em certas funções (KANDEL et al, 2003). LENT (2001) afirma

    que o termo mais correto não é dominância hemisférica, mas sim especialização

    hemisférica, pois descaracteriza hierarquia de dominante e dominado.

    A diferença relativa às especializações hemisféricas é predominantemente

    percebida na linguagem e nas habilidades manuais, fato este que justifica a natureza da

    tarefa a ser investigada neste estudo. Embora exista uma variabilidade de indivíduo para

    indivíduo, a linguagem (POSNER & RAICHLE, 1998; FINGER & ROE, 1999; BRUST,

    2000) e o raciocínio matemático são essencialmente representados no hemisfério

    esquerdo, enquanto as habilidades não verbais - habilidades manuais, percepções

    visuais, sonoras e do meio ambiente (KIMURA & FOLB, 1968; KANDEL et al, 2003) -

    tendem a ser representadas no hemisfério direito. A área de Broca e a área de Wernicke

    são as áreas responsáveis pelas funções especializadas do Córtex Cerebral. Em cada

    dezenove de vinte pessoas, a área de Wernicke fica localizada na parte posterior da

    circunvolução temporal superior do hemisfério cerebral esquerdo e, pela assimetria, a

    área correspondente do hemisfério oposto tem outras funções. Desta forma, justifica-se

    a denominação de que o lado no qual se encontra a área de Wernicke possua funções

    especializadas sobre o outro lado (GUYTON, 1988; KANDEL et al, 2003).

    A preferência manual, isto é, o fato de utilizar uma das mãos mais do que a

    outra na maioria das tarefas, associada à maior habilidade e força da mão dominante

    em relação à sua oposta passou a ser considerada como a manifestação mais simples e

    mais evidente da especialização hemisférica. Assim, o hemisfério esquerdo, que dirige a

    motricidade fina da mão direita, constitui para a maior parte da população, o hemisfério

    dominante para esta atividade (CALDAS, 2000; LENT, 2001). A dominância manual e

    sua relação com especialização hemisférica foi primeiramente descrita por Paul Broca

    no século 19, em pacientes pós-AVE em região frontal à esquerda (COREY, HURLEY &

    FOUNDAS, 2001)

    A partir deste conceito, ocorreu o desenvolvimento de questionários e outros

    instrumentos para caracterizar a dominância motora manual, como é o caso do

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    Inventário de Dominância Lateral de Edimburgo (OLDFIELD, 1971), cuja função é

    avaliar, na prática diária, este aspecto da lateralização funcional. Este questionário leva

    em conta a forma como são realizadas 20 tarefas motoras comuns no dia-a-dia da

    pessoa. No presente estudo, será utilizada a versão modificada do Inventário de

    Dominância Lateral de Edimburgo, que contém 10 itens e é proposta, inclusive, na

    versão original de 1971.

    Os resultados obtidos em estudos realizados, em diversos países, apontam

    para a probabilidade de os indivíduos destros representarem mais de 90% da

    população, qualquer que seja o seu meio cultural (embora apenas 70% seja puramente

    destra, ou seja, efetue todos os atos exclusivamente com a mão direita).

    Estudos têm demonstrado que as pessoas que possuem dominância na mão

    esquerda dispõem de mais representação e comunicação inter-hemisférica, podendo

    este fato ser atribuído à quantidade e volume de fibras nervosas do corpo caloso,

    responsável pela conexão dos dois hemisférios, cujo tamanho, hipoteticamente, pode

    ser maior (WITELSON & GOLDSMITH, 1991; KANDEL et al, 2003). KIMURA &

    ARCHIBALD (1974) assinalam que a inter-hemisfericidade é o caminho responsável

    pela coordenação de atividades dos hemisférios.

    Muitos estudos têm sido conduzidos com o intuito de investigar a

    especialização hemisférica a fim de caracterizar funções predominantes para o

    hemisfério direito e esquerdo. Porém, a contribuição das funções lateralizadas

    (especialmente as funções motoras lateralizadas) refletindo em especialização

    hemisférica ainda permanece controversa (WANG & SAINBURG, 2007; SCHAEFER,

    HAALAND & SAINBURG, 2009).

    HAALAND (2006) descreve como o conceito envolvido nos estudos em

    sujeitos com lesão encefálica pode favorecer a compreensão do nível de ativação e

    função cortical das áreas encefálicas. Se há lesão na área A ou as áreas A e B

    produzem déficits na tarefa 1, portanto a área A ou áreas A e B devem estar ativas

    quando indivíduos saudáveis desempenham a tarefa 1. Desta forma, as funções de

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    cada hemisfério apresentam-se de maneira distinta devido às assimetrias funcionais e

    especialização dos hemisférios, sendo que tanto estudos em indivíduos saudáveis

    quanto em pacientes com acometimento neurológico permitem maior aprofundamento

    destes conhecimentos (HAALAND et al, 2004; HAALAND, 2006).

    As assimetrias funcionais cerebrais foram primeiramente descritas por

    Liepmann relatando que pacientes com lesão à esquerda (LE) apresentavam déficits

    tanto no hemicorpo ipsilateral quanto no contralateral à lesão, enquanto que pacientes

    com lesão à direita (LD) somente apresentavam déficits no hemicorpo contralateral

    (HAALAND & DELANEY, 1981). Liepmann concluiu que o hemisfério esquerdo

    desempenhava um papel mais importante no controle das habilidades motoras do que o

    hemisfério direito, porém esta afirmação foi considerada simplista e gerou toda a

    investigação até os dias de hoje no que concerne às assimetrias hemisféricas cerebrais.

    Assim, salienta-se que as competências do hemisfério direito são

    predominantes às do esquerdo no que se refere às tarefas espaciais e as não-verbais,

    tais como: percepção e processamento e organização espacial (VALLAR, LOBEL,

    GALATI, BERTHOZ, PIZZAMIGLIO & LÊ BIHAN, 1999; DAVIDSON et al, 2000; VOOS,

    PIEMONTE & VALLE, 2007); manipulação e processamento espacial dos aspectos

    motores, bem como habilidades perceptivas visuo-espaciais (GAZZANIGA, LÊ DOUX &

    WILSON, 1977; LAZAR, FESTA, GELLER, ROMANO & MARSHALL, 2007);

    competência nos processamentos visuo-motores; orientação espacial (profundidade e

    distância); organização do esquema corporal; habilidades musicais (BOGEN &

    GORDON, 1971; LAZAR et al, 2007) e processamento de movimentos rítmicos;

    processamento simultâneo e holístico das informações, bem como processamento de

    tarefas com múltiplas etapas (RUMIATI, 2005; LAZAR et al, 2007); reconhecimento de

    faces, e expressões faciais (GAZZANIGA, LÊ DOUX & WILSON, 1977; LEVINE,

    BANICH & KOCH WESER, 1988); reconhecimento de figuras geométricas por meio do

    tato (estereognosia) e da visão (LEVINE, BANICH & KOCH WESER, 1988);

    processamento perceptual em habilidades grosseiras; mediação de atividades com

    maior demanda atencional e memória de trabalho (HEILMAN & ABELL, 1980; MILLIS,

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    STRAUBE, IRAMANEERAT, SMITH & LYDEN, 2007); integração de informações

    sensório-motoras para a manutenção postural (VOOS et al, 2007).

    Além disso, o hemisfério direito controla estritamente os movimentos no

    hemicorpo contralateral, enquanto o hemisfério esquerdo participa no controle e no

    planejamento dos movimentos dos dois hemicorpos (HAALAND & HARRINGTON, 1994;

    SABATÉ, GONZÁLES & RODRÍGUES, 2004), que parece estar associado aos

    componentes cognitivos da tarefa (HAALAND & HARRINGTON, 1996).

    Como competências do hemisfério esquerdo podem ser destacados o

    predomínio em relação ao direito nos processamentos temporais, verbais, de

    categorização e simbolização entre outros, tais como: processamento da fala (BANICH,

    1997; GAZZANIGA, 2000; MILLIS et al, 2007); no pensamento intelectual, racional,

    verbal e analítico; no processamento de construções gramaticais mais complicadas;

    melhor habilidade para reconhecimento da fala humana; prontidão de ação no

    comportamento humano (BANICH, 1997); superioridade em caracterizar o parâmetro

    temporal no comando motor, precisão e velocidade (HARRIGTON & HAALAND, 1992;

    HAALAND & HARRINGTON, 1996); participação no controle sequencial e no

    armazenamento do programa motor e controle das praxias (especialmente nos lobos

    frontal e parietal) (PLOURDE & SPERRY, 1984; HARRIGTON & HAALAND, 1991;

    ELLIOT, ROY, GOODMAN, CARSON & CHUA, 1993; HAALAND & HARRINGTON,

    1996; HAALAND, HARRINGTON & KNIGHT, 2000; HAALAND et al, 2004; RUMIATI,

    2005; HAALAND, 2006); participação na programação de movimentos sequenciais dos

    dois lados do corpo (GOODALE, 1988; ELLIOT et al, 1993; HAALAND &

    HARRINGTON, 1994; HAALAND et al, 2004); processamento da organização e timing

    do movimento sequencial, bem como tomada de decisões (VELAY & DUBROCARD

    1999; VOOS et al, 2007); papel importante no controle de movimentos balísticos,

    também denominados de controle em circuito aberto (HAALAND & HARRINGTON,

    1994). Assim, o hemisfério esquerdo participa na harmonia da motricidade processando

    o timing da ação do movimento desejado, assim como organizando a seleção do

    programa sequencial do movimento. Auxilia, também, na transição de um movimento

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    para outro, garantindo melhor desempenho a partir da contribuição da informação

    declarativa no processo motor que estiver desempenhando.

    Em síntese, o hemisfério direito participa especialmente na função de

    atividades nervosas de alto nível relacionadas ao reconhecimento visuoespacial,

    imagem corporal e capacidade de planejamento espacial (PINTO, SARAIVA &

    SANVITO, 1990; BARTHELEMY & BOULINGUEZ, 2002). Por esta razão, a negligência

    é muito mais comum em lesões no hemisfério direito (não dominante) ao invés de

    lesões no hemisfério esquerdo (ALBERT, 1973; EGELKO, SIMON & RILEY, 1989;

    STONE, HALLIGAN & GREENWOOD, 1993; SILVA & MARTINS, 2000). Em

    contrapartida, o hemisfério direito é responsável pelo espaço contralateral, considerando

    que o esquerdo toma conta do hemiespaço contralateral e ipsilateral (BARTOLOMEO &

    CHOKRON, 1999).

    As funções hemisféricas especializadas descritas acima podem ser

    analisadas como sistêmicas, pois englobam muitos domínios diferenciados, tais como

    sensorial, motor, perceptual, postural, musical e cognitivo. Porém, no domínio motor

    (considerando uma didática divisão entre domínios) há alguns modelos teóricos que

    visam explicar as principais diferenças entre as funções motoras especializadas entre os

    hemisférios (WANG & SAINBURG, 2007; SCHAEFER, HAALAND & SAINBURG, 2009).

    Estes modelos teóricos serão expostos a seguir.

    2.2.1 Modelos teóricos para especialização hemisférica no domínio motor

    Os modelos teóricos atuais que explicam a especialização hemisférica no

    domínio motor referem-se aos estudos analisando o membro superior, especialmente

    em habilidades relativas ao alcance e arremesso em sujeitos destros. SARLEGNA,

    PRZYBYLA e SAINBURG (2009) descrevem dois componentes de controle necessários

    para a ocorrência de um movimento de alcance: a precisão da posição final do membro

    superior e a otimização dos parâmetros da trajetória, tais como a cinemática do

  • 13

    movimento.

    SAINBURG (2002; 2005) propôs a hipótese da dominância dinâmica no que

    concerne à especialização hemisférica e a estes dois componentes de controle relativos

    ao alcance. Neste modelo, o controle da trajetória de movimento de um membro é feito

    de forma especializada pelo hemisfério esquerdo, ao passo que, o controle de posturas

    estáticas e posição final são feitos pelo hemisfério direito. Desta forma, o hemisfério

    esquerdo é responsável pela coordenação das interações dinâmicas intersegmentares

    de um membro que se move durante a execução de uma ação (SAINBURG, 2002;

    BAGESTEIRO & SAINBURG, 2003; BAGESTEIRO, SARLEGNA & SAINBURG, 2006;

    WANG & SAINBURG, 2007; SHABBOTT & SAINBURG, 2008; SCHAEFER &

    SAINBURG, 2009).

    Enquanto que o hemisfério esquerdo possui especialização para controle da

    coordenação, o hemisfério direito possui especialização para controle espacial

    (especialmente para posição final). Esta especialização do hemisfério direito é

    denominada de vantagem do membro superior não-dominante (esquerdo, pois estes

    estudos são feitos com sujeitos destros). Esta vantagem ocorre para o alcance e

    manutenção das configurações do membro superior durante habilidades de arremesso e

    alcance que investigam efeito de carga compensatória e do sistema proprioceptivo

    (SAINBURG & KALAKANIS, 2000; BAGESTEIRO & SAINBURG, 2002; BAGESTEIRO &

    SAINBURG, 2005; SAINBURG, 2005; WANG & SAINBURG, 2007).

    Estudos, tanto em animais quanto em humanos, reforçam este modelo teórico

    e permitem dissociar o controle postural do controle dinâmico em função da contribuição

    e especialização hemisférica (FRIEL, DREW & MARTIN, 2007; SAINBURG, GHEZ &

    KALAKANIS, 1999; SCHEIDT & GHEZ, 2007).

    Outro modelo teórico sobre a especialização hemisférica é relativo ao

    mecanismo de controle neural, que pode ser feito via circuito aberto ou fechado. Estes

    dois sistemas de controle são fundamentais para explicar as diferentes formas utilizadas

    pelo SNC e periférico para iniciar e controlar uma ação (KAWATO, 1999; HAALAND,

    ELSINGER, MAYER, DURGERIAN & RAO, 2004).

  • 14

    Neste modelo, o hemisfério direito é especializado no mecanismo de controle

    por circuito fechado. No controle por circuito fechado, a informação sensorial (feedback)

    é utilizada para orientar a ação, na medida em que mantém os centros de controle

    atualizados sobre a correção necessária e/ou realizada durante a execução do

    movimento. Ou seja, existe a comparação da resposta gerada com a informação

    recebida e, portanto, a resposta é produzida ou modificada de acordo com tal análise

    comparativa (KAWATO, 1999; MAGILL, 2000; SAINBURG, 2005). Neste mecanismo de

    controle são geradas informações de erro originadas das comparações entre o realizado

    e o previsto e as correções dos erros são feitas online, ou seja, ao longo da execução

    do movimento por intermédio do comando do hemisfério direito (HAALAND et al, 2004).

    O outro mecanismo de controle é via circuito aberto, no qual o feedback não é

    utilizado no controle do movimento durante sua ocorrência. Assim, para que o

    movimento ocorra, é necessário, a priori, que os centros de comandos tenham as

    informações necessárias para que os efetores realizem o movimento planejado

    (KAWATO, 1999; MAGILL, 2000). No modelo de especialização hemisférica, o

    hemisfério esquerdo é o responsável pelo controle via circuito aberto e, sua função é

    selecionar o programa de ação adequado, que contenha os parâmetros necessários

    para a ação, especialmente os parâmetros temporais (HAALAND et al, 2004;

    SAINBURG, 2005; SAINBURG & DUFF, 2006).

    Neste contexto, alguns estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de

    investigar o desempenho motor, funcional e a capacidade de aprendizagem em

    pacientes com lesões encefálicas à direita e à esquerda. Nestes estudos, a natureza

    das habilidades motoras envolvidas tem sido apontada como aspecto crítico a ser

    considerada.

    2.3 Habilidades Motoras

    As habilidades podem ser definidas como tarefas com finalidade específica a

  • 15

    ser atingida, que exigem movimentação voluntária (GALLAHUE, 2002; GENTILE, 2003).

    Quanto ao nível de proficiência, a execução é tida como habilidosa quando contempla a

    obtenção de resultados finais com a máxima certeza e o menor gasto de tempo e

    energia (GUTHRIE, 1952).

    Para possibilitar que conhecimentos científicos produzidos possam ser

    generalizados têm sido propostas classificações de habilidades motoras agrupando-se

    habilidades com características similares. As classificações podem ser unidimensional,

    bidimensional e, ainda, multidimensional, em função do número de características

    consideradas (GALLAHUE, 2002; GENTILE, 2003; SCHMIDT & LEE, 2005).

    A classificação unidimensional é a mais utilizada na área da Aprendizagem

    Motora e foi adotada operacionalmente na classificação da tarefa selecionada para o

    presente estudo. No sistema unidimensional, as características utilizadas para classificar

    as habilidades são: forma de organização do movimento; importância relativa dos

    elementos motores e cognitivos, nível de previsibilidade ambiental e aspectos

    musculares. Em relação à organização do movimento, diferencia-se entre as habilidades

    discretas (com início e término bem definidos), habilidades seriadas (com a ordenação

    de habilidades discretas em uma sequência relevante) e habilidades contínuas, as quais

    são caracterizadas por serem cíclicas e repetitivas (sem um início e término

    determinados). Quanto à importância relativa dos elementos cognitivos e motores, as

    habilidades podem ser vistas como predominantemente cognitivas, quando (para a

    obtenção do sucesso) os componentes perceptivos de tomada de decisão são

    maximizados em relação aos componentes de controle motor. Já as habilidades podem

    ser consideradas predominantemente motoras quando (para a obtenção do sucesso) os

    componentes de controle motor relacionados à qualidade do movimento são

    maximizados em relação aos componentes de tomada de decisão. Esta classificação

    está ilustrada com alguns exemplos no quadro abaixo (FIGURA 1) (FLEISHMAN &

    QUINTANCE, 1984; MAGILL, 2000; SCHMIDT & WRISBERG, 2001).

  • 16

    Habilidades motoras Habilidades cognitivas

    Tomada de decisão minimizada

    Controle motor maximizado

    Alguma tomada de decisão

    Algum controle motor

    Tomada de decisão maximizada

    Controle motor minimizado Salto em altura Jogar de quarto-zagueiro

    no futebol americano

    Jogar xadrez

    Levantamento de peso Dirigir um carro de corrida Cozinhar uma refeição

    Trocar um pneu Caminhar em um terminal

    movimentado de um

    aeroporto

    Treinar uma equipe

    esportiva

    FIGURA 1: Classificação e exemplificação das habilidades motoras quanto

    aos elementos motores e cognitivos (SCHMIDT & WRISBERG, 2001).

    Quanto ao nível de previsibilidade ambiental, as habilidades podem ser

    classificadas em abertas - quando o meio ambiente é considerado variável e

    imprevisível - e fechadas - quando, ao contrário, o meio ambiente é estável e previsível

    (MAGILL, 2000; SCHMIDT & WRISBERG, 2001). E, por fim, a classificação mediante o

    conceito de grupos musculares divide as habilidades em grossas e finas de acordo com

    o tamanho e a precisão dos músculos envolvidos (MAGILL, 2000).

    Deve-se ressaltar que o termo predominantemente é utilizado com o intuito

    de evidenciar uma demanda que se sobressalta em relação à outra. Pois, não existem

    habilidades puramente motoras ou cognitivas, já que se trata de um contínuo, com a

    maioria das habilidades localizadas entre estas extremidades (SCHMIDT & WRISBERG,

    2001).

    Em função da execução de habilidades motoras envolver processos internos

    com diferentes mecanismos de controle e, de sua relevância para o presente estudo,

    esses processos serão mais detalhados a seguir.

  • 17

    2.3.1 Processos internos que precedem a execução de uma habilidade

    motora

    Vários são os modelos conceituais propostos com o intuito de respaldar a

    compreensão dos processos subjacentes à execução de habilidades motoras. As

    diferenças entre estes modelos conceituais concentram-se nos níveis de análise que

    vão desde a compreensão anatômica e neurofisiológica das áreas de ativação durante

    os processos que precedem a ação até as etapas efetoras necessárias para a execução

    de uma habilidade motora.

    O modelo de processamento de informação, ilustrado na FIGURA 2, aponta

    três estágios de processamento: a identificação do estímulo, a seleção da resposta e a

    programação da resposta (SCHMIDT & WRISBERG, 2001). O estímulo é encontrado no

    meio ambiente ou pode ser manipulado por um agente externo, podendo ser uma luz,

    um semáforo que acende, um som, entre outros. A informação ambiental disponível é

    percebida pelo sujeito por meio de um processo de busca ativa que depende dos

    sistemas sensoriais e do sistema de memória (MULDER, 1991). Esta etapa de

    identificação do estímulo é, também, mencionada na literatura como percepção.

    A partir da identificação do ambiente e do objeto, tem-se uma representação

    da informação ambiental que permite que o executante passe para a próxima etapa,

    qual seja, a seleção da resposta. Neste estágio, o executante deve decidir qual a

    resposta mais adequada a ser dada e, portanto, deve haver interação entre o estímulo

    sensorial identificado e as várias possibilidades de formas de respostas. Este estágio de

    seleção da resposta é denominado de mecanismo decisório (SCHMIDT & WRISBERG,

    2001).

    Assim que a decisão acerca do movimento a ser realizado foi tomada, o

    executante passa para o estágio de programação da resposta (ação), estágio no qual o

    sistema músculo-esquelético recebe informações a fim de produzir o movimento

    desejado.

    Cabe ressaltar que o tempo decorrido entre a apresentação do estímulo e o

  • 18

    início da resposta motora é o tempo de reação, utilizado comumente como medida para

    avaliar o desempenho, representando uma medida potencial da duração acumulada dos

    três estágios de processamento (STERNBERG, 2001). VERWEY e ELKELBOOM

    (2003) descrevem que o tempo para programar uma resposta é proporcional à

    complexidade da tarefa sendo que o tempo de reação é dependente do número de

    elementos em sequência para compor a ação (STERNBERG, MONSELL, KNOLL &

    WRIGHT, 1978; IVRY, 1986).

    Assim, tempo de reação é utilizado extensivamente nos estudos do

    comportamento motor como uma medida da velocidade do processamento de

    informação, pois permite presumir sobre eventos mentais, tais como processamento do

    estímulo, tomada de decisão e programação do movimento (SCHMIDT & LEE, 2005).

    Segundo MAGILL (2000), o tempo de reação reflete a preparação específica realizada

    pelo sistema de controle imediatamente antes de iniciar uma ação. O intervalo de tempo

    para esta preparação aumenta à medida que o número de opções de escolha para

    resposta aumenta, já que o sistema tem que selecionar uma das opções disponíveis e

    excluir as demais. Já o tempo de resposta pode ser definido como o tempo transcorrido

    entre o estímulo e a finalização da ação, refletindo o tempo gasto para a execução total

    da tarefa. O tempo de resposta é composto pelo tempo de reação associado ao tempo

    de movimento (SCHMIDT & LEE, 2005). Devido a sua importância, estas medidas

    fazem parte das variáveis dependentes do protocolo experimental do presente estudo.

  • 19

    FIGURA 2: Quadro ilustrativo da teoria de processamento de informações

    adaptado de SCHMIDT e WRISBERG, (2001).

    Com a intenção de explicar a realização de habilidades motoras sob a ótica

    do comportamento e sob a ótica da neurofisiologia, destaca-se o modelo REQUIN

    (1992). REQUIN (1992) sugere um modelo no qual a atividade motora possui três níveis

    de representação e identifica as áreas cerebrais e suas características em cada nível.

    No que concerne ao nível neurológico, REQUIN (1992) afirma que os processos de

    representação envolvidos no controle de ações requerem ativação de redes neurais

    distribuídas em grande parte do córtex cerebral que se apresentam interconectadas de

    modo flexível, conforme a demanda.

    Os três níveis envolvidos no modelo de REQUIN (1992) são: meta da ação

    (nível 1), programa de ação ou programa motor (nível 2) e as unidades motoras básicas

    (nível 3). Segundo a correlação neurofisiológica, a meta da ação corresponde à ativação

    do córtex de associação frontal e parietal; o programa de ação ou motor corresponde à

    ativação das áreas medial e lateral do córtex pré-motor e as unidades básicas são

    representadas no córtex motor primário e vias córtico-espinais.

    TANI (1995; 2005) descreve que o modelo explicativo para habilidades

    motoras deve abranger a intenção, a meta da ação e o programa de ação. Portanto, ao

    Estímulo

    Identificação do estímulo (Percepção)

    Seleção da resposta (Decisão)

    Programação da resposta (Ação)

    Resposta

    Estímulo

    Identificação do estímulo (Percepção)

    Seleção da resposta (Decisão)

    Programação da resposta (Ação)

    Resposta

  • 20

    planejar a execução de uma habilidade motora, o sujeito deve selecionar ou formar um

    programa de ação. A seleção ou a elaboração deste programa está intimamente

    relacionada à natureza da tarefa e à capacidade do sujeito de solucioná-la. Deste modo,

    tanto o modelo de REQUIN (1992), como o de TANI (1995; 2005) destacam a meta da

    ação e o programa da ação como processos distintos entre si. A seguir, na FIGURA 3,

    apresenta-se um quadro ilustrativo de uma possível associação entre os modelos de

    REQUIN (1992) e TANI (1995; 2005).

    Legenda: CX: córtex; 1 ario: primário

    FIGURA 3: Quadro ilustrativo das etapas referentes ao modelo teórico

    REQUIN (1992) e TANI (1995; 2005), bem como esquematização de uma possível

    associação entre os modelos em questão.

    O modelo apresentado possibilita analisar e relacionar os eventos ao nível de

    análise do comportamento, associados ao nível neural. Esta associação torna-se,

    especialmente importante, quando a população estudada apresenta alguma lesão

    neurológica, já que se torna possível fazer predições sobre os possíveis prejuízos

    Intenção

    Meta da ação

    Programa da ação

    Computação do

    Movimento

    Padrões do

    Movimento

    Resultado da ação

    Frontal

    CX associação frontal e parietal

    CX pré-motor

    CX motor 1ªrio

    Sistema muscular

    Intenção

    Meta da ação

    Programa da ação

    Computação do

    Movimento

    Padrões do

    Movimento

    Resultado da ação

    Frontal

    CX associação frontal e parietal

    CX pré-motor

    CX motor 1ªrio

    Sistema muscular

  • 21

    apresentados nestas etapas do controle de uma ação. Neste estudo, pretende-se unir

    tais conceitos e situações descritas, pois a população alvo apresenta lesão cerebral

    vascular e a tarefa selecionada pode ser classificada como predominantemente

    cognitiva, possuindo alta demanda de planejamento.

    Vale ressaltar que, neste modelo, o planejamento é compreendido como

    antever um determinado estado futuro. E é definido operacionalmente como a

    disposição temporal da sequência de operações necessárias para se realizar com

    eficiência uma ação motora. Segundo JEANNEROD (1997), a função principal do

    planejamento é organizar os movimentos que serão executados, relacionando-os com

    dicas internas e externas, na sequência apropriada em função de uma meta específica.

    Operacionalmente, neste estudo, planejamento será considerado como a capacidade de

    antever um estado futuro e, em função do mesmo, organizar a disposição temporal e

    sequencial das operações necessárias para executar uma ação com eficiência.

    Assim, em função da natureza da tarefa de predomínio de planejamento

    (ROSENBAUM, VAUGHAN, BARNES & JORGENSEN, 1992) sugere-se que haja

    necessidade de maior ativação do hemisfério esquerdo e, por conseguinte, maiores

    prejuízos no desempenho devem ser esperados em sujeitos pós-AVE com LE.

    A seguir, apresentam-se os estudos nos quais a natureza das habilidades

    motoras envolvidas e o substrato para sua realização têm sido apontados como

    aspectos críticos para o desempenho motor de pacientes com lesões encefálicas à

    direita e à esquerda.

    2.3.2 Estudos sobre desempenho motor de pacientes pós-AVE em função do lado

    da lesão

    HAALAND e DELANEY (1981) desenvolveram um estudo cujo objetivo foi

    verificar o desempenho em tarefas com diferentes demandas em pacientes pós-lesão

    encefálica (de origem vascular ou tumoral) à direita e à esquerda. Foram avaliados 26

  • 22

    pacientes pós-AVE com LE, 17 com LD, além de 14 pacientes com tumor cerebral

    unilateral à esquerda e 15 pacientes com tumor à direita. Todos os sujeitos foram

    comparados com um grupo controle (GC) compreendido por 40 sujeitos. As tarefas

    avaliadas foram: preensão manual (com dinamômetro), movimentos rápidos de toques

    de dedos, inserção de objeto, teste coordenação de labirinto, estabilidade de inserção

    vertical e estabilidade estática. Foi observado que o desempenho das tarefas com a

    mão ipsilateral à lesão foi comprometido nos dois grupos experimentais (GE -

    compostos por pacientes com AVE e tumores), independentemente do lado da lesão,

    exceto para a tarefa de força manual e para movimentos rápidos dos dedos. Os autores

    salientaram ainda nos resultados, que os pacientes com LE tenderam a apresentar pior

    desempenho de maneira geral na maioria das tarefas, mas sem nenhuma prevalência

    nas tarefas complexas. Assim, os autores contestam a hipótese de KIMURA (1977)

    acerca do maior prejuízo no desempenho em tarefas complexas por parte dos pacientes

    com LE. A tarefa de inserção, por exemplo, envolvia mais de 4 diferentes movimentos

    (alcance, preensão, manipulação e inserção) e não houve maior dificuldade dos

    pacientes com LE em relação às outras tarefas.

    A premissa que embasa o estudo de diferentes complexidades da tarefa

    reside no fato de que tarefas com maior complexidade necessitam de maior colaboração

    inter-hemisférica e, possivelmente, podem estar mais comprometidas em pacientes com

    LE, já que este hemisfério controla os movimentos de ambos os hemicorpos

    (HAALAND, HARRIGTON & YEO, 1987).

    Considerando esta possível diferenciação, HAALAND et al (1987) avaliaram

    19 pacientes pós-AVE (10 com LE e 9 com LD) e 20 sujeitos do GC em uma tarefa de

    movimento rápido de dedo (Fitts Tapping Aparatus), com modificação da complexidade

    em relação ao tamanho do alvo (largo e estreito). Foram realizados 5 Bs de tentativas,

    com duração de 15 segundos cada, para cada tamanho de alvo, sendo alternadas

    aleatoriamente as tentativas nos alvos estreito e largo. Como resultado, foi verificado

    que pacientes com LE apresentaram prejuízos no desempenho da tarefa proposta,

    enquanto que os sujeitos com LD assemelharam-se aos controles. Assim, concluiu-se

  • 23

    que os déficits ipsilaterais são mais comuns em pacientes com LE. Além disso, de forma

    inesperada para os autores, os pacientes com LE apresentaram maior dificuldade na

    tarefa menos complexa, qual seja a de alvo mais largo, que envolve menos feedback

    visual e menor necessidade de ajustes corretivos.

    Na discussão, os autores classificaram a tarefa como balística e justificaram

    tais achados em função do mecanismo de controle em circuito aberto (KAWATO, 1999;

    MAGILL, 2000). Este mecanismo de controle aberto ocorre sem a necessidade de ajuste

    de feedback proprioceptivo e com maior interferência dos programas motores

    selecionados. Assim, esses achados podem ser compreendidos na medida em que o

    hemisfério esquerdo é responsável pela seleção do programa motor e, em tarefas com

    controle em circuito aberto, justificam-se os maiores déficits encontrados nos pacientes

    com LE. A justificativa para a maior dificuldade na tarefa de menor complexidade deve-

    se ao fato desta enfatizar o controle em circuito aberto, enquanto que a tarefa com alvo

    mais estreito exigiu um controle em circuito fechado, portanto, necessitando de ajustes

    online provenientes do feedback.

    Os resultados divergentes em relação às funções hemisféricas podem ser

    explicados em função da demanda da tarefa que se diferencia fortemente nos estudos.

    Assim, torna-se evidente que a característica da tarefa e seu mecanismo de controle

    (circuito aberto ou fechado) são fundamentais para a compreensão do desempenho de

    pacientes com lesões encefálicas.

    HARRIGTON e HAALAND (1991), com o objetivo de investigar o papel dos

    hemisférios relacionados aos déficits cognitivos em uma tarefa de sequenciamento

    motor, avaliaram 16 pacientes com LE e 18 pacientes com LD, comparados a 37

    sujeitos do GC. A tarefa envolvia a realização de sequência de movimentos com a mão

    não acometida para o GE e com a mão dominante para o GC, por meio de um aparato

    interligado a um computador. As sequências propostas variaram de acordo com a

    complexidade e quantidade de dedos envolvidos e foram constantes e variada aleatória

    para todos os grupos. Constatou-se que não houve dificuldade na programação das

    sequências de forma antecipada ao movimento para o GE. Foi encontrado déficit no

  • 24

    grupo com LD, havendo maior tempo total de movimento na realização das sequências

    variadas e constantes, comparado ao GC.

    Estes dados sugeriram aos autores que lesões no hemisfério direito resultam

    em sutil alteração no timing, mas sem ocasionar erros em movimentos complexos,

    provavelmente em função de maior demanda espacial na realização desta tarefa. Em

    contrapartida, os pacientes com lesão no hemisfério esquerdo apresentaram maior

    lentidão na execução dos movimentos e maior dificuldade na seleção dos programas

    motores, traduzidos por maiores tempos de reação. Além disso, os pacientes com LE

    cometeram mais erros nas sequências mais complexas (variadas e com mais dedos

    envolvidos) e apresentaram mais dificuldade em produzir movimentos únicos. Os

    autores concluíram, então, que o hemisfério esquerdo desempenha importante papel na

    seleção dos programas motores em tarefas relacionadas ao sequenciamento.

    É possível, também, analisar tais achados sob o ponto de vista do modelo de

    especialização hemisférica proposto por SAINBURG (2002). Partindo deste ponto, o

    hemisfério esquerdo (dominante) é especializado no controle dinâmico e, por isso,

    possui facilidade de administrar o controle via circuito aberto. Já o hemisfério direito (não

    dominante) é especializado no controle dos ajustes de posição final e controle postural,

    sendo mais apto a administrar o controle via circuito fechado (SAINBURG &

    KALAKANIS, 2000; SCHAEFER et al, 2009). Assim, quando se analisam os achados do

    estudo descrito acima, é possível justificar a lentidão na execução dos movimentos e os

    prejuízos encontrados nos sujeitos com LE em função do controle por circuito aberto.

    Isso porque, atribui-se ao hemisfério esquerdo a função de seleção do programa motor,

    enfatizando seu papel no controle de movimentos que ocorrem na ausência de

    informações sensoriais para correção. Além disso, o hemisfério esquerdo possui

    importante papel especializado no processamento de informação temporal rápida,

    variável mensurada no estudo descrito por HARRIGTON e HAALAND (1991).

    As anormalidades de sequenciamento descritas em pacientes com lesão no

    hemisfério esquerdo têm sido examinadas em tarefas que envolvem movimentos não-

    familiares aos sujeitos, representando pouca validade ecológica. Além disso, alguns

  • 25

    estudos confirmam os déficits de sequenciamento em pacientes com LE (KIMURA &

    ARCHIBALD, 1974; HARRIGTON & HAALAND, 1991), enquanto outros estudos

    complementam estes dados, relatando que LE reflete em dificuldade no desempenho de

    movimentos isolados de forma sequencial (HARRIGTON & HAALAND, 1991). As

    possíveis explicações envolvem o efeito cumulativo da programação de movimentos

    isolados na composição total do movimento, além dos fatores de memória necessários

    em algumas sequências de movimentos.

    Dando continuidade às pesquisas neste paradigma, HARRIGTON e

    HAALAND (1992) investigaram a contribuição dos déficits cognitivos (denotados pela

    presença de apraxia) no sequenciamento motor de tarefas manuais em pacientes com

    lesão no hemisfério esquerdo. Foram avaliados 17 sujeitos controles e 16 pacientes,

    sendo 7 apráxicos e 9 não-apráxicos em uma tarefa de sequenciamento de posturas

    manuais, conectada a um computador. O delineamento experimental foi o mesmo

    descrito no experimento de 1991, com a complexidade variando em relação à sequência

    (constante e variada aleatória) e quanto ao número de dedos envolvidos. Como

    resultados obtiveram que todos os pacientes com LE (total de 16) apresentaram déficits

    na iniciação da sequência, resultando em tempo de reação maior para a execução de

    movimentos únicos e no controle individual da sequência. Porém, somente os apráxicos

    apresentaram prejuízos na programação de sequências variadas aleatoriamente com

    maior número de dedos, tanto antecipadamente quanto durante a realização da tarefa.

    Assim, os autores afirmaram que o processamento de controle de diferentes

    posições da mão, provavelmente, é mais regulado pelos núcleos da base, enquanto que

    o hemisfério esquerdo é mais especializado para o processamento computacional de

    altos níveis cognitivos no que concerne à geração de códigos de movimento temporo-

    espaciais.

    Ainda neste contexto de especializações hemisféricas, HAALAND e

    HARRIGTON (1994) delinearam um estudo cujo objetivo foi investigar o papel dos

    hemisférios em tarefas de sequenciamento que envolvem controle em circuito aberto e

    fechado. Foram avaliados 18 pacientes com LD e 25 com LE, sendo comparados a um

  • 26

    grupo controle de 32 sujeitos. A tarefa foi a mesma apresentada no estudo de 1987,

    caracterizada como em uma tarefa de movimento rápido de dedo (Fitts Tapping

    Aparatus), com modificação da complexidade em relação ao tamanho do alvo em

    diferentes escalas de dificuldade (variando de largo a estreito em vários tamanhos).

    Foram realizadas 5 séries de 20 segundos cada, de forma aleatória em relação aos Bs

    para o tamanho do alvo. Foi avaliado o índice de dificuldade da tarefa em relação à

    complexidade e analisado em relação aos grupos. Notou-se que a velocidade de

    execução da tarefa não foi menor nos alvos menores para os sujeitos com LE. Em

    contrapartida, a velocidade diminuiu conforme o tamanho do alvo aumentou, quando

    comparado ao GC. Enquanto que a acurácia dos sujeitos com LE assemelhou-se ao

    GC, os pacientes com apraxia apresentaram mais erros nos alvos de menor tamanho.

    As explicações para estes achados são as mesmas descritas no estudo anterior e,

    portanto, giram em torno do papel do hemisfério esquerdo no programa motor,

    enfatizando seu papel de controle na ausência de ajustes relacionados ao feedback

    sensorial (controle em circuito aberto), bem como seu papel especializado no

    processamento de informação temporal rápida.

    Uma consideração que pode ser feita aos estudos descritos acima é o fato de

    somente terem sido selecionados sujeitos destros, pois desta forma não é possível

    equacionar a questão da dominância manual interagindo com o lado da lesão e

    interferindo na realização da tarefa. Se somente foram incluídos sujeitos destros e todos

    realizaram a tarefa com a mão ipsilateral à lesão, então os sujeitos com LE fizeram a

    tarefa com a mão esquerda (não dominante), enquanto que os sujeitos com LD

    realizaram a tarefa com a mão direita (dominante).

    Em contrapartida, compreende-se a composição da amostra somente com

    sujeitos destros, pois fica praticamente impossível equacionar o número de destros e

    canhotos em função do lado da lesão e da dominância hemisférica. Esta limitação na

    inclusão de canhotos nos estudos advém de dados consistentes na literatura que

    afirmam que 98% dos sujeitos destros têm a linguagem lateralizada à esquerda,

    enquanto que apenas 70% dos canhotos apresentam a linguagem no hemisfério

  • 27

    esquerdo. Além disso, há uma grande incidência nos canhotos de especialização

    hemisférica para a linguagem bilateral ou à direita. De forma adicional, para gerar ainda

    mais incerteza acerca da especialização hemisférica nos canhotos, estes ainda podem

    ter funções práxicas lateralizadas à direita e a linguagem especializada no hemisfério

    esquerdo (COREY et al, 2001). Segundo HATTA (2007), é possível afirmar que os

    canhotos ou apresentam especialização hemisférica muito fraca, ou realmente, não

    apresentam esta especialização, o que é absolutamente diferente nos sujeitos destros.

    Diante de tal discrepância, não se pode garantir que, com a inclusão de

    canhotos na amostra, seja assegurada a dominância hemisférica à direita. Além disso, o

    fato de ao longo da vida, os canhotos terem de se adaptar às situações propícias e

    exclusivas dos destros (tais como o uso de tesoura, por exemplo) faz com que haja

    certa relativização das funções especializadas nos sinistros, tornando-os mais hábeis

    em comunicar os hemisférios entre si (WITELSON & GOLDSMITH, 1991; KANDEL et al,

    2003).

    Os estudos de HAALAND et al (2004); HARRIGTON e HAALAND (1991)

    relatam que a dominância do hemisfério esquerdo é mais comumente citada em relação

    a tarefas sequenciais, especialmente após lesão nos lobos frontal e parietal esquerdo,

    motivo pelo qual é necessário incluir pacientes com lesão em território de ACA e ACM

    para estes estudos. Além disso, sequências que são mais complexas e envolvem

    planejamento mais evidente encontram-se mais vulneráveis em pacientes com lesão no

    hemisfério esquerdo, especialmente em função da ativação do córtex sensório-motor.

    Isto ocorre devido aos componentes cognitivo-motores da tarefa e o papel das áreas

    associativas dentro do hemisfério esquerdo que controla este processo (HAALAND &

    HARRIGTON, 1996; HAALAND et al, 2000; HAALAND et al, 2004; HAALAND, 2006).

    Tais informações levantam a hipótese de que pacientes com LE podem ter maior

    comprometimento funcional devido à dificuldade de realização de tarefas complexas de

    forma sequenciada, o que caracteriza a maioria das atividades diárias (HAALAND,

    2006).

    Nesse sentido, é possível afirmar que a chave para a compreensão das

  • 28

    diferenças nas performances de pacientes com LD e LE encontra-se na demanda da

    tarefa, pois as tarefas com maior demanda cognitiva tendem a estar mais

    comprometidas em pacientes com LE, fato que necessita de melhor investigação

    (RUMIATI, 2005).

    HAALAND et al (2004) realizaram um estudo objetivando investigar o nível de

    ativação do córtex sensório-motor em função da demanda cognitiva em uma tarefa de

    sequenciamento. Foi selecionada uma tarefa de acionamento de teclas de computador

    em diferentes sequências, variando em relação à complexidade, sendo a menos

    complexa envolvendo 3 toques e a mais complexa 5 toques. Foram realizadas 40

    tentativas dispostas aleatoriamente em relação à complexidade. Como resultado foi

    encontrada a dominância do hemisfério esquerdo para a tarefa que envolvia grande

    controle sequencial, devido à maior demanda de planejamento, principalmente em

    tarefas mais complexas, pois se evidenciou maior tempo de reação. Os resultados dos

    exames de Ressonância Magnética Funcional (RMF) refletiram maior ativação nas

    áreas parietal e dorsal pré-motora, tanto no hemisfério esquerdo quanto no direito.

    Porém, quando a complexidade foi maior, estas áreas no hemisfério esquerdo foram

    mais ativadas, pois envolviam a seleção do efetor e a organização abstrata da

    sequência, independentemente da mão efetora.

    Os resultados deste estudo falharam em testar a hipótese de especialização

    hemisférica via mecanismo de controle neural, pois os pacientes com LD conseguiram

    fazer os ajustes online necessários para a tarefa de forma similar ao GC. Este fato não

    era esperado, já que uma das hipóteses do estudo era de que o hemisfério direito, por

    estar lesionado, levaria a alteração no controle e na correção online necessários durante

    a execução da ação.

    Ainda quanto às comparações das lesões à direita e esquerda, SABATÉ et al

    (2004) investigaram a lateralização da programação motora durante tarefas de prática

    imaginativa, também denominada de prática mental. Foram avaliados 29 sujeitos, sendo

    10 pertencentes ao GC com idade entre 25 e 45 anos, 9 eram sujeitos pós-AVE com

    idade entre 44 e 66 anos e 10 sujeitos controles com idade pareada aos pacientes (45 a

  • 29

    73 anos). A tarefa envolvia movimentos dos dedos da mão em uma sequência pré-

    determinada, variando quanto à complexidade, sendo que antes de cada execução o

    sujeito realizava uma tentativa com a prática mental. Notou-se que ao longo das

    tentativas, tanto o GC quanto o GE melhoraram sua performance, tanto para o

    movimento real quanto para o imaginado. Tanto para a tarefa real quanto para a

    imaginativa, os sujeitos com LE apresentaram lentidão na velocidade da execução dos

    movimentos reais com as duas mãos, enquanto que os sujeitos com LD apresentaram

    os maiores déficits somente na mão contralateral (esquerda). Sugeriu-se, então, que a

    dominância do hemisfério esquerdo ocorre para o planejamento, conforme outros

    estudos já haviam relatado.

    Em síntese, há uma considerável quantidade de estudos que investiga os

    efeitos do lado da lesão encefálica no desempenho motor. A maioria deles aponta para

    o fato de que os sujeitos com LE tendem a apresentar prejuízos no desempenho de

    tarefas motoras, com aumento no tempo de execução dos movimentos, especialmente

    nas tarefas de circuito aberto. Estes estudos apresentaram foco de análise ao nível do

    controle motor e, por isso, as comparações entre grupos foram feitas em razão do

    desempenho. Assim, uma vez que tais diferenças em relação ao lado da lesão foram

    encontradas, pergunta- se qual o impacto da LD e da LE na aprendizagem motora?

    Nesse sentido, faz-se necessário compreender o processo de aquisição de habilidades

    motoras em função do lado da lesão, já que este é um princípio importante na

    recuperação funcional dos pacientes pós-AVE.

    Após um evento vascular podem haver mudanças no sistema a ponto de

    modificar suas características e competências. Em função desta possibilidade de

    modificação, optou-se por uma definição operacional que se refere à aprendizagem de

    uma habilidade motora, sem fazer menção ao termo reaprendizagem. Isso porque,

    apesar de haver grande contribuição das experiências pregressas na formação de um

    repertório motor anterior ao evento vascular, não se sabe se os mesmos circuitos

    formados previamente estarão aptos a ser utilizados e disponibilizados na contribuição

    da aprendizagem de habilidades motoras após uma lesão.

  • 30

    2.4 Aprendizagem Motora

    A aprendizagem motora refere-se às mudanças internas relativamente

    permanentes na capacidade de realizar habilidades motoras, sendo que tais mudanças

    ocorrem no sentido de garantir eficácia e são fruto da experiência e da prática

    (SCHMIDT & LEE, 1999; MAGILL, 2000; SCHMIDT & WRISBERG, 2001; SHUMWAY-

    COOK & WOOLLACOTT, 2003; TANI, FREUDENHEIM, MEIRA-JÚNIOR & CORRÊA,

    2004).

    FITTS e POSNER (1967) propõem três estágios para o processo de

    aprendizagem motora. O primeiro, denominado de cognitivo, caracteriza-se por grande

    quantidade de erros no desempenho, de forma associada à natureza grosseira dos

    erros cometidos. Desta forma, o desempenho apresenta-se inconsistente e os sujeitos

    não são capazes de corrigir seus erros. De acordo com o modelo, neste estágio, o

    iniciante procura fundamentalmente compreender a tarefa. Assim, ele dá atenção a

    dicas, eventos e respostas que, posteriormente, não serão necessários para

    desempenhar a tarefa. No segundo estágio, denominado de associativo, o aprendiz

    começa a desenvolver a capacidade de detecção e correção de erros. Nesse estágio, os

    erros grosseiros do início da aprendizagem, como sequências de ações erradas e

    respostas a estímulos errados, são gradualmente eliminados. Concomitantemente, há

    padronização espaço-temporal das ações motoras e, em consequência, melhora do

    desempenho. O estágio final ou autônomo caracteriza-se pela menor necessidade de

    processamento de informações para a realização das habilidades, de forma que o

    indivíduo passa a poder se engajar simultaneamente em uma segunda tarefa mesmo

    que esta envolva demanda cognitiva. Nesse estágio, o desempenho é consistente e o

    mecanismo de detecção e correção de erros está bem desenvolvido para a habilidade.

    Deste modo, a aprendizagem motora inicia-se com a compreensão da tarefa (fase

    cognitiva) e termina com a estabilização do comportamento (fase autônoma).

    Por sua vez, ADAMS (1971) propôs que a aprendizagem motora ocorre em

    dois estágios: verbal-motor e motor. O estágio verbal-motor consiste, essencialmente,

  • 31

    no fato de o aprendiz reproduzir verbal e/ou mentalmente as características compostas

    na habilidade executada de forma a favorecer sua realização, sendo que no estágio

    motor não há mais a necessidade desta reprodução verbal ou mental.

    Neste contexto, à medida que o aprendiz passa por tais estágios ou fases do

    processo de aprendizagem, espera-se que haja melhora do desempenho. Desta forma,

    a aprendizagem pode ser inferida por meio do desempenho, sendo que sua melhora

    pode ser observada pela melhora da consistência e da fluência no movimento,

    diminuição do erro de execução, bem como diminuição no tempo total de movimento

    para a realização da tarefa (MAGILL, 2000).

    A proposição de ADAMS (1971), faz parte de uma teoria mais ampla de

    aprendizagem motora denominada de Teoria do Circuito Fechado. A teoria de Circuito

    Fechado (ADAMS, 1971) e, posteriormente, a teoria de Esquema (SCHMIDT, 1975)

    foram propostas com o intuito de explicar o processo de aprendizagem motora.

    Para ADAMS (1971), a aprendizagem ocorre mediante a formação de duas

    estruturas chamadas de traço de memória e traço perceptivo. Ao praticar a habilidade, o

    indivíduo recebe o feedback sensorial proveniente de seus movimentos e armazena

    essa informação, formando uma referência para avaliar a correção de seus movimentos:

    o traço perceptivo. A comparação entre o movimento desejado, contido no traço

    perceptivo e o movimento realizado, captado pelos órgãos sensoriais, gera uma

    discrepância (feedback negativo), que é progressivamente eliminada. Por sua vez, o

    traço de memória está representado pelas condições do início do movimento, e ocorre

    sob controle do circuito fechado de feedback. Desta forma, seriam explicadas as

    mudanças observáveis no desempenho a partir das quais se pode inferir a ocorrência de

    aprendizagem que implicaria em mudanças relativamente permanentes.

    Metodologicamente, esta teoria resultou na utilização de testes de retenção (RET) após

    a fase de aquisição (AQ) para testar a ocorrência de aprendizagem (ADAMS, 1987).

    Mas esta teoria mostrou-se limitada para explicar a produção de movimentos

    novos (problema da novidade) e, a partir do armazenamento de uma estrutura para

    cada ação, incorreu no problema da provável superlotação da memória.

  • 32

    Já a Teoria de Esquema foi elaborada por SCHMIDT (1975) para explicar a

    aprendizagem de movimentos discretos e dar conta das limitações da teoria de circuito

    fechado. Assim como ADAMS (1971), SCHMIDT (1975) concebe a existência de dois

    estados de memória (ou esquemas), descritos como: o esquema de lembrança e o

    esquema de reconhecimento. A terminologia esquema refere-se a uma representação

    abstrata, armazenada na memória. O esquema de reconhecimento armazena relações

    entre informações sensoriais, condições iniciais e o resultado no ambiente, sendo

    responsável pela avaliação do movimento. Já o esquema de lembrança armazena

    relações entre parâmetros (como força, amplitude de movimento e velocidade),

    resultados esperados no ambiente (distância a se arremessar um objeto, por exemplo) e

    condições iniciais, além de ser responsável pelo fornecimento dos parâmetros ao

    Programa Motor Generalizado (PMG) (SCHMIDT, 2003).

    O PMG consiste na caracterização de um programa motor que não contém

    especificações para a realização de cada movimento separadamente, mas uma regra

    geral para uma classe de movimentos. Desta forma, o PMG é responsável pela

    execução dos movimentos dentro de uma mesma classe de movimentos e, por meio da

    aplicação de parâmetros provenientes do esquema de lembrança, é capaz de gerar

    inúmeras variações de movimento. Assim, as especificações quanto a tempo, força e

    grupos musculares a serem utilizadas na resposta motora podem ser ajustadas

    especificamente para cada tarefa a ser executada, sendo que estas especificações e as

    consequências sensoriais esperadas são determinadas por regras abstratas

    (esquemas), fortalecidos por meio da prática (SCHMIDT, 2003).

    De acordo com esta teoria, a aprendizagem consiste em atualização de

    esquemas de reconhecimento e lembrança em cada movimento executado, de forma

    que o executante possa produzir e corrigir movimentos nunca antes executados, desde

    que pertençam à mesma categoria de movimentos. Neste contexto, a variabilidade e a

    quantidade de prática constituem fatores que favorecem a aprendizagem motora,

    porque proporcionam o fortalecimento dos esquemas, ou seja, a formação de um

    conjunto de regras abstratas mais complexo (SCHMIDT, 1975; FREUDENHEIM, 1992;

  • 33

    MAGILL, 2000) e, consequentemente, beneficiam o desempenho em uma tarefa nunca

    antes realizada (FREUDENHEIM, 1994).

    A partir da proposição da Teoria de Esquema, passou a ser considerado

    importante avaliar a capacidade de transferência do que foi adquirido após a prática e os

    testes de transferência (TR) começaram a fazer parte do delineamento dos estudos,

    após o teste de RET. Este teste permite observar a aprendizagem como um processo

    que viabiliza a capacidade de transferir a habilidade adquirida, mesmo após

    modificações impostas na tarefa, desde que os movimentos a serem executados

    pertençam a uma mesma classe (SCHMIDT, 1975). Ou seja, quando um indivíduo

    aprende uma nova habilidade adquire, portanto, um programa motor abstrato e amplo

    que pode adaptar-se a uma série de diferentes contextos (MULDER, 1991; SHUMWAY-

    COOK & WOOLLACOTT, 2003).

    As teorias descritas acima (Circuito Fechado e Esquema) compartilham de

    uma visão cognitiva do processo de aquisição de habilidades motoras. Mais

    especificamente, que ao longo do processo de aprendizagem de habilidades motoras

    um traço de memória torna-se suficientemente refinado (Teoria do Circuito Fechado) ou

    que há fortalecimento de regras abstratas (esquemas), capazes de garantir

    fornecimento de parâmetros precisos (Teoria de Esquema) para realização de uma

    gama de tarefas, mesmo nunca antes praticadas, desde que pertençam à mesma classe

    de movimentos. Nesse sentido, ambas apresentam explicação pautada em

    representações mentais ao nível do SNC.

    Ao admitir a participação de representações mentais subjacentes ao

    aprendizado motor, duas questões importantes aparecem: qual a contribuição de cada

    região do encéfalo no processo de aprendizado motor e como interpretar os padrões de

    ativação cerebral os quais estão associados aos estágios iniciais e avançados da

    aprendizagem em termos de circuitos neurais (HALSBAND & LANGE, 2006)?

  • 34

    2.4.1 Substratos neurais para a aprendizagem motora

    CAREY, BHATT e NAGPAL (2005) afirmam que as mudanças observadas no

    desempenho de uma habilidade motora podem refletir um processamento de

    informações que induz modificações morfológicas no sistema nervoso e levam à

    aquisição de uma habilidade. Embora tais modificações morfológicas ocorram em

    diversas áreas cerebrais - que serão mencionadas neste capítulo – atualmente, muita

    atenção tem sido dada ao cerebelo (BLACK, ISAACS, ANDERSON & ALCANTARA,

    1990).

    O cerebelo possui um importante papel nos ajustes de precisão de tarefas

    manuais, especialmente quando há necessidade de controle temporal (SPENCER, IVRY

    & ZELAZNIK, 2005). É destacado também seu papel no planejamento de movimentos

    de precisão, sendo que esta função não é lateralizada, de forma a controlar os dois

    membros, sem cruzamento de vias (FISHER, BOYD & WINSTEIN, 2006). Além disso,

    há fortes evidências de que após um treinamento motor, para que haja consolidação da

    memória e mudanças sinápticas no sistema, é necessária a atuação do córtex

    cerebelar, sendo que a aquisição de uma habilidade visuo-motora exige a integridade do

    cerebelo associadamente ao núcleo estriado (DOYON, GAUDREAU, LAFORCE,

    CASTONGUAY, BÉDARD & BOUCHARD, 1997; KRAKAUER & SHADMEHR, 2006).

    Assim, o cerebelo é ativado para que ocorra aprendizagem de novas habilidades e,

    nesse sentido, pacientes com lesão cerebelar demonstram prejuízos na aprendizagem

    implícita (IVRY, KEELE & DIENER, 1988; GOMEZ-BELDARRAIN, GARCIA-MONCO,

    RUBIO & PASCUAL-LEONE, 1998; STOODLEY, HARRISON & STEIN, 2006).

    As estruturas cerebelares são responsáveis, também, pelo processamento de

    feedback usando informação visual e proprioceptiva e na detecção e correção de erro

    relativo ao movimento executado. Por isso, a alta ativação destas áreas nos estágios

    iniciais de aprendizado reflete a dependência de processamento de feedback. O

    processamento de feedback no cerebelo envolve também a necessidade de

    transformação visuo-motora (HALSBAND & LANGE, 2006).

  • 35

    KRAKAUER e SHADMEHR (2006) afirmam que após treinamento de

    movimentos em experimentos que envolvem tarefas bimanuais, o cerebelo é o local de

    armazenamento de modelos internos de longa duração. Neste sentido, o córtex

    cerebelar é primordial para armazenamento inicial da memória motora podendo haver,

    porém, migração da localização destes mapas internos com o tempo.

    Em estudo com ratos, BLACK et al (1990) demonstraram que a

    aprendizagem, de forma contrária ao exercício físico, é responsável pela sinaptogênese

    no córtex cerebelar. Esta dissociação entre o fenômeno da aprendizagem com o nível

    de atividade motora foi possível, pois foram determinados dois grupos de animais para o

    experimento: um grupo foi submetido a uma tarefa com alta complexidade visuo-motora

    e baixo nível de atividade motora, enquanto que o outro grupo foi submetido à atividade

    física extensiva em esteira elétrica e mínima demanda de aprendizagem. Os resultados

    apontaram que o primeiro grupo aumentou substancialmente o número de sinapses

    cerebelares, enquanto que no grupo de atividade física extensiva houve angiogênese,

    mas não ocorreu formação de novas sinapses.

    Já em estudos em primatas, PLAUTZ, MILLIKEN e NUDO (2000) propuseram

    que a aprendizagem é dependente da plasticidade cerebral durante o processo de

    aquisição de uma habilidade motora que é influenciado diretamente pela natureza e

    complexidade da tarefa. Tarefas com maiores demandas cognitivas necessitam de

    maior processamento e, quando treinadas, induzem a maiores mudanças

    neuroplásticas.

    Estudos em humanos têm demonstrado, também, que a prática induz

    padrões específicos de plasticidade no cerebelo, núcleos da base e no córtex motor,

    incluindo sinaptogênese, potenciação sináptica e reorganização das representações de

    movimentos (KARNI, MEYER, REY-HIPOLITO, JEZZARD, ADAMS, TURNER &

    UNGERLEIDER, 1998; MEISTER, KRINGS, FOLTYS, BOROOJERDI, MÜLLER,

    TÖPPER &THRON, 2005). A aprendizagem de uma habilidade motora, portanto, induz

    a reorganização dos circuitos neurais no córtex motor que garantem a produção e o

    refinamento de sequências de movimentos (ADKINS, BOYCHUK, REMPLE & KLEIM,

  • 36

    2006).

    Especificamente, KARNI et al (1998) propõem que a quantidade de prática

    influencia diretamente nas transformações plásticas ocorridas no sistema nervoso, bem

    como nas representações neurais cerebrais. A prática pode determinar mudanças nos

    processos neurais que perduram após seu término. Porém, mesmo uma pequena

    quantidade de prática pode induzir mudanças na atividade cerebral que são

    fundamentais para flagrarem os efeitos da consolidação da memória em longo prazo. A

    aprendizagem de uma habilidade motora ocorre em duas fases distintas denominadas

    pelos autores de “aprendizagem rápida” (imediata) e “aprendizagem lenta” (em longo

    prazo). A aprendizagem imediata envolve processos de seleção e estabelecimento de

    rotinas ótimas para o planejamento da habilidade. Em contrapartida, a aprendizagem em

    longo prazo pode refletir, de fato, as modificações estruturais dos módulos motores

    básicos.

    A ativação de áreas pré-frontais é comumente relatada durante os estágios

    iniciais da aprendizagem motora explícita a fim de garantir a capacidade de decisão e

    seleção de movimentos e processamento atencional. O papel do córtex pré-frontal na

    memória de trabalho explícita tem sido demonstrado sugerindo que o córtex pré-frontal é

    uma área de armazenamento temporário de associações sensório-motoras para uso em

    curto prazo (HALSBAND & LANGE, 2006).

    A área motora pré-suplementar tem sido mostrada como envolvida no estágio

    inicial da aprendizagem motora, mas não nos estágios tardios. Mais especificamente,

    nesta área há uma região denominada de área pré-motora suplementar que é essencial

    para os estágios iniciais da aprendizagem de habilidades complexas, sendo responsável

    pelas associações visuo-motoras e pelo processo de atenção e memória de trabalho

    (LEE & QUESSY, 2003; MEISTER et al, 2005; HALSBAND & LANGE, 2006).

    Outra importante área que tem sido elucidada como fundamental para a

    aprendizagem de uma habilidade motora (voluntária, bimanual ou sequencial) é a área

    motora suplementar (MS). A função desta área é realizar uma atualização dos planos

    motores e codificar, ordenadamente, as sequências de movimentos necessários (LEE &

  • 37

    QUESSY, 2003; MEISTER et al, 2005). É sabido que a ativação desta área aumenta

    com a prática, tanto na aprendizagem explícita quanto implícita. É útil notar que a

    ativação da área MS existe no hemisfério esquerdo não apenas quando se usa a mão

    direita, mas também em tarefas treinando a mão esquerda ou com ambas as mãos

    (GRAFTON, HAZELTINE & IVRY, 2002; HALSBAND & LANGE, 2006).

    Ainda em relação aos substratos neurais relacionados à aprendizagem, outra

    área que merece destaque é o córtex pré-motor lateral. Durante os estágios iniciais da

    aprendizagem de uma habilidade motora, tem sido observada sua atividade

    bilateralmente, provavelmente pela necessidade de processamento de feedback nos

    estágios iniciais. Há indícios, também, de que a ativação desta área ocorra de forma

    mais acentuada no lado direito porque reflete necessidade de processamento espacial,

    o qual pode ser importante durante o aprendizado motor inicial. Desta forma, esta área

    deve refletir a representação interna do mapeamento entre dicas espaciais e comandos

    motores (HALSBAND & LANGE, 2006).

    Já em relação ao córtex parietal, há evidências de que há um aumento na

    ativação parietal no hemisfério direito nos estágios iniciais do aprendizado motor,

    enquanto atividade mais intensa nos estágios avançados foi encontrada,

    predominantemente, nas áreas parietais posteriores do hemisfério direito. Considerando

    que o hemisfério direito do córtex parietal está predominantemente envolvido durante a

    fase inicial da aprendizagem, o sítio esquerdo ou ambos os sítios são ativados na fase

    tardia do aprendizado motor (HALSBAND & LANGE, 2006).

    Por fim, em relação ao córtex motor primário, o aumento da ativação desta

    área contralateralmente durante o treino de uma habilidade motora tem sido reportado.

    Esta ativação pode ser associada ao aprendizado motor explícito, principalmente

    quando a tarefa envolve modificações nos parâmetros da velocidade (HAZELTINE,

    GRAFTON & IVRY, 1997; KARNI et al, 1998; HALSBAND & LANGE, 2006).

    Em síntese, dado o papel central dos substratos neurais para a aprendizagem

    de habilidades motoras e, sabendo-se que alguns destes substratos estão deficitários

    em sujeitos com lesão encefálica, surge a importância de desenvolverem-se estudos de

  • 38

    aprendizagem motora especificamente com esta população. Concomitantemente,

    considera-se também como importante justificativa para o estudo, o fato de que a

    aprendizagem motora é a base dos programas de reabilitação destes pacientes

    2.4.2 Estudos sobre aprendizagem motora de pacientes pós-lesão encefálica

    A aprendizagem motora é a base da elaboração e implementação dos

    programas de reabilitação dos pacientes acometidos por lesão encefálica. Porém, os

    conhecimentos teórico-científicos a respeito são escassos, pois poucos estudos foram

    desenvolvidos envolvendo o processo de aprendizagem de sujeitos com lesões

    neurológicas (HANLON, 1996; CAURAUGH & KIM, 2003; PLATZ, DENZLER, KADEN &

    MAURITZ, 1994).

    HANLON (1996) e CAURAUGH e KIM (2003) investigaram o efeito das

    diferentes estruturas de prática em tarefas funcionais classificadas como sendo de

    predomínio motor (SCHMIDT & WRINSBERG, 2001). Ambos os estudos foram

    desenvolvidos em pacientes com AVE, usando o membro superior hemiparético, ou

    seja, o membro acometido. Em HANLON (1996), foram avaliados 24 sujeitos

    hemiparéticos por AVE único e unilateral, divididos em três grupos: prática aleatória,

    prática em blocos (Bs) e controle (sem prática). Nos dois testes de RET, 2o e 7o dias

    após a prática, o grupo de prática aleatória apresentou melhor desempenho. O autor

    concluiu que, em tarefas motoras funcionais, a estrutura de prática influencia no efeito

    do tratamento de pacientes hemiparéticos por AVE.

    Por sua vez, no estudo de CAURAUGH e KIM (2003) trinta e quatro sujeitos

    hemiparéticos foram aleatorizados nos três grupos, a fim de praticar movimentos de

    flexo-extensão de punho, extensão de cotovelo e abdução do ombro com o membro

    superior acometido. Mas, diferentemente de HANLON (1996), foi detectada diferença na

    fase de RET somente entre os grupos de prática variada (aleatória e em Bs) e o GC.

    Salienta-se que foram realizados somente testes de RET neste delineamento.

  • 39

    Esses dois estudos foram realizados com o membro acometido, executando

    tarefas com predomínio na demanda motora (SCHMIDT & WRISBERG, 2001). Nesse

    sentido, independentemente da divergência dos resultados, eles não permitem inferir se

    os efeitos foram consequência do processo de aprendizagem e/ou de aspectos

    relacionados às limitações de controle efetor do membro acometido, já descritas na

    literatura (MICHAELSEN, MAGDALON & LEVIN, 2009).

    Para dissociar a capacidade de aprendizado dos déficits de controle motor do

    membro contralateral, WINSTEIN et al (1999) desenvolveram um estudo com 40

    sujeitos pós-AVE, de circulação unilateral anterior, utilizando o membro sadio e 40

    sujeitos controles saudáveis. Todos os participantes praticaram uma tarefa discreta de

    coordenação que envolvia preensão e alcance de alvo, sob uma entre duas condições

    de feedback (mais e menos intenso). Independentemente do feedback, AVEs e

    controles demonstraram aumento de acuidade e consistência com a prática durante a

    fase de AQ e relativa permanência destes ganhos na RET. Assim, utilizando o membro

    sadio, os autores concluíram que AVE unilateral em áreas sensório-motoras afeta o

    controle e a execução de tarefas motoras, mas não o seu aprendizado. Porém, salienta-

    se que não foram realizados testes de TR.

    Por sua vez, na continuidade do estudo do processo de aprendizagem e de

    possíveis fatores que o influenciam, BOYD e WINSTEIN (2001) desenvolveram um

    estudo cujo objetivo foi comparar os efeitos da aprendizagem motora implícita, de uma

    sequência de movimentos manuais e os efeitos da prática prolongada e do

    conhecimento explícito antecipadamente à prática em um grupo de pacientes pós-AVE.

    Foram avaliados 12 sujeitos pós-AVE crônicos em território de ACM, em uma tarefa de

    tempo de reação seriado, com estímulo luminoso colorido. Foram realizados 24 Bs, de

    forma al