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Reflexões sobre a Ciência na Sociedade Fernando M.S. Silva Fernandes Centro de Ciências Moleculares e Materiais Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa A propósito de alguns pensamentos do estadista e dramaturgo Václav Havel sobre ciência e tecnologia, discute-se o papel da ciência na sociedade. Construtivismo social, relativismo e pós-modernismo. É, ou não, a ciência um vector legítimo e indispensável da cultura? Qual a influência da ciência nas teorias económico-financeiras? Contribuiu a ciência para o advento de tiranias políticas? Crise da objectividade? O que significa? São a racionalidade e a ordem prisões do espírito? Desprezam a intuição e o humanismo? No "olho do furacão" da presente viragem entrópico-energética, prevista e descrita pelo economista Jeremy Rifkin, não dá a ciência contribuições fundamentais para a resolução dos problemas? Iliteracia científica versus iliteracia noutros vectores da cultura. Como se avalia a ignorância? Resumo 1 de Fevereiro de 2012 18 horas - Sala 5.1 Faculdade de Letras

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  • Reflexes sobre a Cincia na Sociedade Fernando M.S. Silva Fernandes

    Centro de Cincias Moleculares e Materiais

    Faculdade de Cincias, Universidade de Lisboa

    A propsito de alguns pensamentos do estadista e dramaturgo Vclav Havel

    sobre cincia e tecnologia, discute-se o papel da cincia na sociedade.

    Construtivismo social, relativismo e ps-modernismo.

    , ou no, a cincia um vector legtimo e indispensvel da cultura?

    Qual a influncia da cincia nas teorias econmico-financeiras?

    Contribuiu a cincia para o advento de tiranias polticas?

    Crise da objectividade? O que significa?

    So a racionalidade e a ordem prises do esprito? Desprezam a intuio e o humanismo?

    No "olho do furaco" da presente viragem entrpico-energtica,

    prevista e descrita pelo economista Jeremy Rifkin,

    no d a cincia contribuies fundamentais para a resoluo dos problemas?

    Iliteracia cientfica versus iliteracia noutros vectores da cultura.

    Como se avalia a ignorncia?

    Resumo

    1 de Fevereiro de 201218 horas - Sala 5.1

    Faculdade de Letras

  • Reflexes sobre a Cincia na Sociedade

    Fernando M.S. Silva FernandesCentro de Cincias Moleculares e Materiais

    Departamento de Qumica e BioqumicaFaculdade de Cincias, Universidade de Lisboa

    Ctedra A Razo

    Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

    1 de Fevereiro 2012

  • Renascimento e Iluminismo

    Bacon (1561-1626) Newton (1642-1727)

    Descartes (1596-1650) Lavoisier (1743-1794)

  • Renascimento e Iluminismo

    A cincia, exaltada no sculo XVIII com o Iluminismo, foi precursora da revoluo industrial (substituio da madeira pelo carvo), iniciada no memso sculo, e das revolues cientficas e tecnolgicas do sculo XX.

    Entrou-se no que se designa vulgarmente por Era Moderna O mtodo cientfico, a matemtica entendida como linguagem da Natureza, o

    aparente determinismo dos fenmenos fsicos, com as suas leis, racionalidade e objectividade, a construo dos mais variados instrumentos, a implementao da qumica quantitativa, etc., afirmaram a cincia e a tecnologia como vectores culturais e civilizacionais orientados para o progresso e bem-estar das sociedades.

    Nem sempre devidamente sublinhado que a viso mecnica do universo estabelecida pela cincia do sculo XVII (tambm designada por viso newtoniana) que , em ltima instncia, a base da poca actual da mquina-indstria-economia, diz respeito parte material da Natureza, ou seja, dinmica da matria e da energia, e respectivas relaes. Consideraes sobre o esprito, alma, religio e percepo individual (conscincia) foram, de incio, considerados assuntos metafsicos, embora no menosprezados pela maioria dos cientistas e filsofos.

  • Cincia e Objectividade

    Um dos meios de aquisio, tratamento e transmisso do conhecimento caracterizado por um mtodo racional (o mtodo cientfico) e instrumentao especfica.

    Como produto da actividade intelectual humana , necessariamente, um dos vectores da Cultura.

    Os fenmenos e entidades existem independentemente de preconceitos e opes pessoais, sociais ou polticas, devendo os resultados, modelos e teorias cientficas ser comprovados com rigor lgico e experimental, e divulgados publicamente.

  • Construtivismo social

    Logo que um corpo de resultados cientficos seja comprovado e generalizado, conduzindo a modelos e teorias, estabelece-se um consenso a seu respeito entre os cientistas da mesma gerao e, eventualmente, de outras geraes posteriores, ou seja, esses modelos, teorias e interpretaes consequentes, passam a constituir o que o filsofo americano Thomas Kuhn (1922-1996) designou por paradigma.

    Advogou que a verdade cientfica num determinado momento no pode ser estabelecida apenas por critrios objectivos, mas definida tambm pelo consenso de uma comunidade cientfica.

    Tal a base do construtivismo social, uma corrente filosfica que, na sua interpretao mais fundamentalista, leva os movimentos anti-cincia a declarar a cincia como meras convenes sociais da comunidade cientfica, por vezes ominosas, sem a objectividade e o valor que, pretensiosamente, os cientistas lhe atribuem.

    Daqui, ao que chamam crise da objectividade, e s tentativas de ilegitimao da cincia, um pequeno passo.

  • Relativismo

    Todos os pontos de vista so igualmente vlidos!

  • Movimentos romnticos

    Desde o iluminismo, pelo menos, surgiram os chamados movimentos romnticos, defendendo uma viso do mundo contrria ao racionalismo e objectividade da cincia, ou seja, uma viso baseada na subjectividade, no lirismo, na emoo e no culto do eu.

    Em plena revoluo industrial surgiram os luditas, bandos de artesos britnicos que se revoltaram contra a mecanizao, destruindo as maquinarias emergentes (1811-1816).

    Estes movimentos esto na gnese da filosofia do ps- modernismo, que na sua expresso mais radical tem uma atitude claramente anti-cincia.

  • A viso mecnica do mundo

    A viso mecnica (ou paradigma newtoniano) do mundo foi irresistvel: simples, previsvel, aparentemente unificadora de uma ordem universal, traduzida por equaes matemticas e confirmada por observaes cientficas. As leis de Newton explicavam quer as famosas experincias de Galileu sobre a queda dos corpos, quer o movimento dos astros, prevendo com rigor diferentes fenmenos, e a qumica, por exemplo, comeou a ter uma ordem racional com base na hiptese atmico-molecular

    Como interpretar, ento, a confuso e o caos social? Entram destacados filsofos sociais em aco: John Locke (1632-1704) e Adam Smith (1723-1790), ambos britnicos, com a sua mecnica da sociedade, fundamento das diferentes verses do capitalismo.

  • A mecnica da sociedade de Lock e Smith

    Indivduos assumidos como uma espcie de tomos sociais, e da mesma forma que qualquer corpo no pode evitar a lei universal da gravidade, assim os indivduos no podem escapar s leis naturais (the invisible hand). O caos social foi entendido como uma no- obedincia ordem natural traduzida pela viso mecnica do mundo. Ento, para atenuar o caos, e conduzir ao progresso social, o remdio seria o lessez faire, ou seja, o modo mais eficiente de organizao social, poltica e econmica seria deixar as coisas entregues a essas leis universais, permitindo que as pessoas (os tais tomos) se movessem sem constrangimentos (dos estados e respectivos governos) aco das leis naturais.

    Numa sociedade baseada na razo, onde a moeda existe como meio de troca, no deve impedir-se uma ilimitada acumulao de propriedade. Claro que algumas pessoas acumulam mais propriedade do que outras, mas dado que o mundo foi entregue ao uso dos industriosos e racionais trata-se duma coisa natural.

  • Os Pais do Liberalismo e Economia Poltica

    Aquele que, pelo seu trabalho, se apropria da terra, no reduz antes aumenta o patrimnio comum da humanidade. As provises que suportam a vida humana, produzidas num acre de terra vedada e cultivada, so...dez vezes superiores s que produz um acre de terra de igual riqueza mas abandonado e a todos pertencente. Consequentemente, aquele que veda uma terra e extrai de dez acres maior volume de benefcios do que extrairia de cem acres, entregues natureza, dele se pode dizer que deu humanidade noventa acres

    (John Locke)

    Todo o indivduo se esfora continuamente por descobrir o emprego mais vantajoso para qualquer capital que lhe pertena. O que realmente tem em mente a sua prpria vantagem e no a da sociedade. Todavia, o estudo da sua prpria vantagem conduz naturalmente, ou mesmo necessariamente, a preferir aquela aplicao que mais vantajosa para a sociedade

    (Adam Smith)

  • A mecnica da sociedade de Marx e Engels

    Os alemes Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) apresentaram o marxismo (ou socialismo cientfico)

    As ideias filosficas e politico-sociais fundamentais traduzem uma concepo essencialmente materialista e dialctica da Histria aplicada anlise, assumida como cientfica, da dinmica da produo de riqueza das sociedades e da implcita luta de classes entre patronato e proletariado: concentrao progressiva dos capitais e dos instrumentos de trabalho nas mos dos proprietrios; aumento do proletariado e tendncia de diminuio de salrios quando a cincia comeava a possibilitar o domnio das leis da natureza e, como tal, uma maior riqueza para a sociedade; obrigao dos proletrios de trabalharem ao servio e para proveito dos patres; empobrecimento relativo dos primeiros e enriquecimento dos segundos, etc.

    O marxismo defende um conjunto de princpios orientadores e de aces que se consubstanciaram nas diferentes verses da ideologia comunista: marxismo-leninismo, marxismo-maoismo, etc.

  • A Cincia

    Influenciou, e influencia, as filososofias polticas e os modelos econmico- financeiros associados a qualquer ideologia, desde o capitalismo ao comunismo, passando pelo socialismo democrtico e outros ismos no socialistas

    Como vector da cultura, evolui livremente, essencialmente caracterizada pela racionalidade e objectividade (com o significado j referido), independentemente de quaisquer ismos polticos e respectivos modelos econmico-financeiros.

    Quanto tecnologia e suas aplicaes industriais, descendentes directas da cincia, o caso diferente. Estas podem ser fortemente dependentes da poltica e da economia, mas confundir cincia com tecnologia e indstria um erro, infelizmente cada vez mais repetido (razes do erro?)

    As interaces entre tecnologia-indstria e cincia tm conduzido a considerveis avanos quer na cincia, que alimenta a tecnologia, quer na educao. Exemplos: a termodinmica (sc. XIX) merc a mquina a vapor; alterao dos curriculos em escolas e universidades dos EUA (dcada de 1960) merc a competio com a Unio Sovitica pela conquista do espao.

  • A Termodinmica na Economia e Poltica

    1 lei: A energia do Universo constante. Por outras palavras, pode converter-se um tipo de energia noutro, mas o total mantem-se invariante.

    2 lei: A entropia do Universo aumenta. Por outras palavras, embora a energia do Universo seja constante, impossvel converter, na totalidade, uma dada quantidade de energia em trabalho til (organizao, produo industrial, etc.) pois uma parte sempre degradada ficando irreversivelmente indisponvel para a obteno de mais trabalho til. Isto , uma dada quantidade de energia possui sempre uma componente til (energia livre) e uma componente intil (energia no-livre). A medida da degradao energtica designa-se por entropia. Consequentemente, um transformador de energia (mquina industrial, clula biolgica, etc.) aumenta sempre a entropia do universo, a despeito de localmente conduzir, via trabalho, a estruturas organizadas (produtos consumveis e no consumveis, seres vivos, etc.), mas estas pagam-se inexoravelmente com o aumento de entropia, algures no universo. Em contraste com a ordem obtida pelo trabalho, surge a desordem causada pelo aumento de entropia. Isto significa, tambm, que todos os processos naturais so irreversveis, ou seja, aps uma dada transformao impossvel reconduzir o universo ao seu estado antes da transformao

    Quanto mais rapidamente se consumir a energia livre do universo, maior ser o aumento da desordem e do emprobecimento energtico, com as respectivas consequncias sociais que se tm agravado, tambm, com o crescimento exponencial da populao mundial

  • A Termodinmica na Economia e Poltica

    O aumento de entropia traduz, de modo abrangente, o que se designa por poluio (lixo domstico e industrial, efeito de estufa, destruio da camada de ozono, etc.). Reciclagem? Certamente, mas contabilizando-a devidamente, conclui-se que apenas tem cerca de 30-40% de eficincia, uma vez que a reordenao implcita causa inevitavelmente aumento de entropia

    Se a 2 lei no fosse vlida, viveriamos num paraso. De facto, a energia do universo constante de acordo com a 1 lei e toda ela, ento, estaria completamente livre! Ora a presente e grave situao mundial, econmica, financeira e social , como mostra o economista americano Jeremy Rifkin, o que designa por crise entrpico-energtica, cuja resoluo s pode encontrar-se por uma viragem definitiva da actual poca (baseada na exausto cada vez mais acelerada dos recursos no-renovveis e na viso newtoniana) para o que chama a idade solar, baseada na lei da entropia e na utilizao racional de recursos renovveis. Para isso, no entanto, indispensvel uma mudana da mentalidade econmica, poltica e social, com as contribuies da cincia que h muito estabeleceu e utiliza as leis da termodinmica

  • Jeremy Rifkin (1945- )

  • Jeremy Rifkin e a 3 Revoluo Industrial

    A crise econmico-finaceira que se tem vindo a agravar, especialmente desde 1970, no remedivel enquanto a economia e poltica no aceitarem o que designa paradigma ou viso entrpica do universo, via uma economia baseda maioritariamente em recursos renovveis

    certo que muitos j advogam esta via, embora tentando enxert-la nas polticas de altas tecnologias, indstrias e produtividade que tm resultado na emergncia de outras ainda mais consumidoras de recursos no-renovveis, no aumento do empobrecimento e desemprego, e consequentes conflitos sociais

    Atente-se, por exemplo, presente e reveladora controvrsia sobre a energia solar. De acordo com a lei da entropia, torna-se evidente que se com a energia solar pretendido manter o mesmo estilo de vida consumista, os mesmos automveis e TGVs de altas velocidades, os mesmos gigantestos complexos de cimento, a mesma excessiva produo de bens e consumo de energia, que tipificam algumas zonas restritas do mundo, ento a via solar ser um fracasso

    Em suma, os paradigmas newtoniano e entrpico no so exactamente compatveis, o que d razo a Thomas Kuhn quando afirmou que paradigmas competitivos so frequentemente incomensurveis, ou seja, nem sempre se podem reconciliar coerentemente

  • Isaac Newton

    Foi, indubitavelmente, um grande fsico e matemtico cujas contribuies cientficas, particularmente na mecnica e na ptica, so de excepcional importncia. A sua mecnica continua a ser aplicada proficuamente, certamente dentro dos limites em que vlida e que vieram a ser identificados, posteriormente, pela termodinmica, teoria da relatividade, mecnica quntica e teoria do caos. Julgamos que Newton, pessoalmente, nunca vislumbrou que o seu nome ficasse ligado a interpretaes e a paradigmas que se revelaram incorrectos ou inadequados. curioso citar uma dessas interpretaes produzidas pelo matemtico e astnomo francs Pierre Laplace (1749-1827):

    Uma inteligncia que, num dado instante, conhecesse todas as foras de que a natureza est animada, e a situao respectiva dos seres que a compem, se alm disso fosse suficientemente vasta para submeter estes dados anlise, abarcaria na mesma frmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve tomo: nada seria incerto para ela, e o futuro, tal como o passado, estariam presentes a seus olhos. O esprito humano oferece, na perfeio que soube dar astronomia, um plido esboo de uma tal inteligncia

    Repare-se na crena absoluta no determinismo e reversibilidade dos fenmenos, resultante da interpretao de Laplace sobre a mecnica de Newton. Ora, como vimos, a lei da entropia mostra que todos os processos naturais so irreversveis.

  • Isaac Newton

    Ser que Laplace entendia essa tal inteligncia como Deus? De modo algum. De facto, quando apresentou a 1 edio da Mcanique Cleste, Napoleo disse-lhe:

    Senhor Laplace, dizem-me que escreveu este longo livro acerca do sistema do universo e nem sequer mencionou o seu Criador, ao que Laplace respondeu:No tive necessidade dessa hiptese

    Interpretaes semelhantes de Laplace parecem ter tido Locke e Smith ao traarem os seus modelos scio-econmicos. E, tambm, alguns pensadores recentes como, por exemplo, Vclav Havel ao afirmar que a cincia moderna matou Deus

    Newton no fez afirmaes como as de Laplace nem se assumiu, ao que se sabe, como deicida. Alis, interrogou-se constantemente sobre a natureza intrnseca da misteriosa aco distncia (fora da gravidade) cuja existncia assumiu, como hiptese, e quantificou, para explicar as observaes experimentais

    Por outro lado, dedicou-se activamente a estudos esotricos e msticos sobre alquimia, tendo as notas que escreveu sobre o assunto sido compradas, dois sculos depois, pelo clebre economista John Keynes que, aps o seu estudo, declarou Newton mais um mgico do que um cientista. Uma interessante sentena vinda dum economista!

  • Vclav Havel em O Fim da Era Moderna A era moderna tem sido dominada pela crena maior, expressa de diferentes

    formas, de que o mundo e o ser, do mesmo modo um sistema completamente cognoscvel governado por um nmero finito de leis universais que o homem pode aprender e orientar racionalmente para seu prprio bem. Esta era, que comeou na Renascena e se desenvolveu do iluminismo ao socialismo, do positivismo ao cientismo, da revoluo industrial revoluo na informao, foi caracterizada por rpidos progressos no conhecimento racional, congnitivo. Isto, por sua vez, deu origem orgulhosa crena de que o homem, situado no topo de tudo o que existe, era capaz de, objectivamente, descrever, explicar e controlar tudo o que existe, de possuir a nica verdade sobre o mundo. Foi uma era em que reinou o culto da objectividade despersonalizada, uma era em que se amontoou e explorou tecnologicamente o conhecimento objectivo, uma era de sistemas, instituies, mecanismos e mdias estatsticas. Foi uma era de livre circulao de informao no existencialmente justificada. Foi uma era de ideologias, doutrinas e interpretaes da realidade, uma era em que o objectivo foi encontrar uma teoria universal do mundo e, assim, uma chave universal para lhe abrir as portas da prosperidade.

    O comunismo foi o extremo perverso desta tendncia []. A queda do comunismo pode ser encarada como um sinal de que o pensamento moderno baseado na premissa de que o mundo objectivamente cognoscvel e de que o conhecimento assim obtido pode ser absolutamente generalizado chegou crise final. Esta era criou a primeira civilizao tecnolgica global, ou planetria, mas atingiu o limite das suas potencialidades, o ponto para alm do qual o abismo comea.

    A cincia tradicional, com a sua costumada frieza, pode descrever as diferentes vias passveis de levar nossa autodestruio, mas no nos pode oferecer instrues verdadeiramente efectivas e praticveis para nos afastar dessas vias.

  • Consideraes

    O primeiro pargrafo caracteriza de certo modo (?) a era moderna, embora com exageros injustificados. De facto, a maioria da comunidade cientfica no tem a crena de que o mundo e os seres sejam completamente cognoscveis e governado por um nmero finito de leis universais. Ou seja, a maioria dos cientistas no defendeu, nem defende, o cientismo (Havel parece sugeri-lo) como a Histria da Cincia mostra claramente.

    Os dois ltimos pargrafos deixam-nos perplexos. Tanto o comunismo como o capitalismo so baseados numa viso mecnica do mundo, contribuindo ambos, apesar dos seus diferentes modelos econmicos e polticos, para a actual civilizao tecnolgica. Relativamente conexo entre o comunismo e cincia moderna, implicando o fim desta com a queda do comunismo, vale a pena considerar as palavras do americano Loren Graham, especialista em histria e filosofia da cincia sovitica.

  • Ser cincia?

    Ter sido a formao dada ao maior batalho de engenheiros que o mundo jamais viu gente que viria a dominar toda a burocracia sovitica em moldes tais que esses engenheiros no sabiam praticamente nada da economia e poltica modernas, um triunfo da cincia? E mesmo muito depois da morte de Stalin, j nos anos 80, o que era a insistncia sovitica em manter unidades agrcolas estatais ineficientes e gigantescas fbricas estatais se no uma expresso do dogmatismo obstinado que se esfumou em face de uma montanha de dados empricos? (Loren Graham)

    E sobre a deciso de Mao Tse-Tung, o Grande Timoneiro Chins, no que respeita matana dos pssaros por comerem os cereais?

    Em contraponto, o que dizer do capitalismo, tambm de inspirao cientfica, que nos assalta diariamente em nome de figuras, aparentemente abstractas, como O Mercado e As agncias de rating que hipotecam o futuro das geraes futuras?

  • Mais questes

    A cincia no boa nem m, no dura nem mole, no tradicional ou moderna, poltica ou apoltica, fria ou quente, apenas um vector da cultura, um meio de adquirir conhecimento que perdur, ajustando os seus modelos e teorias de acordo com a lgica de raciocnio e a experimentao. Ao contrrio de algumas tecnologias e indstrias associadas, que podem ser fortemente dependentes das polticas e respectivos pressupostos ideolgicos.

    Mas, afinal, no nos oferece a cincia e algumas tecnologias instrues verdadeiramente efectivas e praticveis para nos afastar dessas vias, da auto-destruio clamada por Havel? Parece-nos que nos oferecem, e cada vez mais medida que a crise entrpico-energtica se agrava. Dois exemplos, bem recentes: os semi-condutores de papel e a refrigerao acelerada desenvolvidos, alis, por cientistas portugueses. E a qumica- verde?

    O fim da era moderna e a entrada no ps-modernismo (que de certo modo um ressurgimento dos movimentos romnticos), preconizado por Havel, no parece, contudo, poder ser compreendida como sugerindo um compromisso entre concepes rivais dado o expresso, sem ambiguidade, noutro excerto dos seus ensaios.

  • No oferece a cincia instrues?

  • Vclav Havel em O Fim da Era Moderna

    [A nossa poca] uma poca que nega a importncia irrecusvel da experincia pessoal incluindo a experincia do mistrio e do absoluto e substitui o absoluto vivenciado pessoalmente como medida do mundo por um absoluto, forjado pelo homem, despido de mistrio, livre dos caprichos da subjectividade e, como tal, impessoal e desumano. o absoluto da chamada objectividade: a cognio objectiva e racional do modelo cientfico do mundo.

    A cincia moderna, ao construir a sua imagem universalmente vlida do mundo rompe as barreiras do mundo natural, do qual s pode ter a imagem de uma priso feita de preconceitos da qual devemos sair para ter acesso luz da verdade objectivamente verificada []. Deste modo, claro, procede abolio, como mera fico, at do mais ntimo fundamento do nosso mundo natural. Mata Deus e ocupa o seu lugar no trono deixado vazio, de modo que, da em diante, seria a cincia a deter a ordem dos seres nas suas mos como a sua nica legtima guardi, tal como seria o nico rbitro legtimo de todas as verdades relevantes. Pois, no fim de contas, apenas a cincia se eleva acima de todas as verdades subjectivas individuais e as substitui por uma verdade superior, transubjectiva e transpessoal, que verdadeiramente objectiva e universal.

    O racionalismo moderno e a cincia moderna, atravs do trabalho do homem, que, como qualquer trabalho humano se desenvolve no interior do nosso mundo natural, pe-o agora sistematicamente de parte, nega-o, degrada-o e difama-o e, claro, ao mesmo tempo coloniza-o

    Questo: Como que os protagonistas da cincia moderna (de facto s eles o podem eventualmente fazer, no a cincia em si) mataram Deus? No admitem e discutem todos os cientistas o conceito de Deus, independentemente de serem deistas, monoteistas, politeistas, agnsticos, budistas, ateus, etc.?

  • Anti-cincia

    O ressurgimento dos movimentos romnticos nas ltimas dcadas do sculo passado, que esto sujacentes filosofia do ps- modernismo, tm implcita uma atitude anti-cincia, embora em diferentes graus e manifestaes

    Entre os fundamentos dessa atitude destacamos:- Confuses sobre o que significa objectividade da cincia- Reducionismo- Financiamentos a projectos cientficos e tecnolgicos, em detrimento de outros vectores da cultura- Aspectos ecolgicos, guerras e conexes com tiranias polticas- Deficiente divulgao da cincia para no-profissionais e sociedade em geral

  • Hitler e Declarao de Erice

    Hitler (1940): Estamos no final da era da razo [...] Um novo perodo de explicao mgica do mundo est a nascer, uma explicao baseada mais na vontade do que no conhecimento. No h verdade, nem no sentido moral nem no cientfico [...] A cincia um fenmeno social e, como tal, delimitada pelos benefcios ou malefcios que possa causar. Com o slogan de cincia objectiva, o professorado apenas se queria libertar da indispensvel superviso do estado. Aquilo a que se chama crise da cincia no mais do que esses senhores estarem a comear a ver por si mesmos o caminho errado a que foram conduzidos pela sua objectividade e pela sua autonomia

    Erice (1982): Technology can be for peace or for war. The choice between peace and war is not a scientific choice. It is a cultural one: the culture of love produces peaceful technology. The culture of hatred produces instruments of war. Love and hatred have existed forever. In the Bronze and Iron Ages, notoriously pre-scientific, mankind invented and built tools for peace and instruments of war. In the so-called 'modern era' it is imperative that the culture of love wins (Paul Dirac e outros)

  • Como se avalia a ignorncia?

    Longe vo os tempos em que as demonstaes cientficas eram objecto de culto em sales nobres, seres animados com cincia, msica e poesia, bem como em exposies mundiais (como a de Colmbia, Chicago, 1893) onde se agregaram cincia, indstria, arquitectura, arte e diferentes comunidades religiosas, num unssono cultural que exaltava o conhecimento e humanismo universais.

    Actualmente, quando se fala em cultura tpico excluir-se a cincia. frequente ouvir-se de cincia no percebo nada, por vezes com certo gudio, e bonmica contemplao por quem se atreveu a invocar semelhante nome.

    Por outro lado, h a tendncia da comunicao social desfechar perguntas relmpago aos cidados desprevenidos, porventura para se avaliar a ignorncia, especialmente da juventude.

  • Miss Carolina do Sul

  • Fulerenos

  • Dilogo na Cmara dos Lordes, Londres!

    Que medidas tem o governo tomado para estimular o uso do buckminsterfulereno na cincia e na indstia?

    Baronesa Seare: Meus senhores, perdoem-me a ignorncia, mas poder o nobre senhor dizer se esta coisa animal, vegetal ou mineral?

    Lord Renton: Meus senhores, referem-se realmente a uma bola de futebol ou a uma bola de rguebi?

    Lorde Reay: Meus senhores, supe-se que possa ter vrias utilizaes: no fabrico de baterias, como lubrificante ou como semi-condutor. No entanto, tudo isto no passa ainda de especulao. Poder vir a demonstrar-se que no serve para nada.

    Lord Russel: Meus senhores, poderemos ento afirmar que, no servindo para nada, o faz muito bem?

  • Clara Ferreira Alaves com Antnio Nogueira Leite Revista nica, Expresso, 29/10/2011

  • Boaventura de Sousa Santos, Um Discurso sobre as Cincias Johannes Kepler, Harmonices Mundi

    A cincia moderna no a nica explicao possvel da realidade e no h sequer qualquer razo cientfica para a considerar melhor que as explicaes alternativas da metafsica, da astrologia, da religio, da arte ou da poesia

    Para no irmos mais longe, quer a teoria das estruturas dissipativas de Prigogine, quer a teoria sinergtica de Haken explicam o comportamento das partculas atravs dos conceitos de revoluo social, violncia, escravatura, dominao, democracia nuclear, todos eles das cincias sociais (da sociologia, da cincia poltica, da histria,etc.)

    E, Kepler: ...Saturno e Jpiter cantam como baixos, Marte como tenor, Vnus e a Terra como contraltos e Mercrio como soprano

    Hiptese de Gaia? (James Lovelock)

    Gaia, a suprema Deusa grega da Terra!

  • A Cincia comea na Filosofiae terminana Arte

  • Crescimento da populao mundial

  • Global World Population

  • Os pases mais populados

  • Liberalismo, Economia Poltica, Macroeconomia

  • Macroeconomia versus Microeconomia

    Cartaz_FFPgina 1

    Presentation.pdfReflexes sobre a Cincia na SociedadeRenascimento e IluminismoRenascimento e IluminismoCincia e ObjectividadeConstrutivismo socialRelativismoMovimentos romnticosA viso mecnica do mundoA mecnica da sociedade de Lock e SmithOs Pais do Liberalismo e Economia PolticaA mecnica da sociedade de Marx e Engels A CinciaA Termodinmica na Economia e PolticaA Termodinmica na Economia e PolticaJeremy Rifkin (1945- )Jeremy Rifkin e a 3 Revoluo IndustrialIsaac NewtonIsaac NewtonVclav Havel em O Fim da Era ModernaConsideraesSer cincia?Mais questesNo oferece a cincia instrues?Vclav Havel em O Fim da Era ModernaAnti-cinciaHitler e Declarao de EriceComo se avalia a ignorncia?Miss Carolina do SulFulerenosDilogo na Cmara dos Lordes, Londres!Clara Ferreira Alaves com Antnio Nogueira Leite Revista nica, Expresso, 29/10/2011Boaventura de Sousa Santos, Um Discurso sobre as CinciasJohannes Kepler, Harmonices MundiSlide Number 33Crescimento da populao mundial Global World PopulationOs pases mais populadosLiberalismo, Economia Poltica, MacroeconomiaMacroeconomia versus Microeconomia