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ATENDIMENTO CLÍNICO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS QUE APRESENTAM SINTOMAS RELACIONADOS AO TDA/H 1 : Aspectos clínicos e possíveis intervenções do professor em sala de aula Eduardo Vicenzi* RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar os fundamentos e princípios técnicos do atendimento clínico psicanalítico de crianças que apresentam sintomas relacionados ao transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade (TDA/H 2 ). Neste artigo utilizaremos a teoria psicanalítica como perspectiva de orientação e, consequentemente, os conceitos próprios deste campo teórico/clínico. 1 * Eduardo Vicenzi é doutor e mestre em linguística e especialista em psicanálise e filosofia, todos pela UFPR. Psicanalista clínico, professor de cursos de pós graduação nas áreas de pedagogia (psicopedagogia) e psicanálise. Psicólogo responsável pelo serviço de psicologia implementado na escola de educação infantil Fraldinhas, Curitiba-PR. ([email protected] e [email protected] ) ? A redação deste artigo seguiu o princípio de torná-lo acessível para profissionais do campo da educação, especialmente professores de crianças de 0 a 12 anos. Neste sentido, abrimos mão de algumas preocupações inerentes à escrita de um artigo exclusivamente psicanalítico, o que exigiria uma diferenciação mais cuidadosa entre termos como psicoterapia e tratamento psicanalítico, entre o uso da categoria diagnóstica (TDA/H), oriunda do campo psiquiátrico e a nomenclatura utilizada por psicanalistas entre outros. Assumimos este ônus em troca de tornar o artigo mais acessível ao público que possui poucas referências sobre psicanálise. 2 Utilizaremos neste artigo a sigla TDA e a barra sucedida da letra H para apontar que o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) pode vir ou não acompanhado de Hiperatividade (H).

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ATENDIMENTO CLÍNICO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS QUE APRESENTAM SINTOMAS RELACIONADOS AO TDA/H1:

Aspectos clínicos e possíveis intervenções

do professor em sala de aula

Eduardo Vicenzi*

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar os fundamentos e princípios técnicos do atendimento clínico psicanalítico de crianças que apresentam sintomas relacionados ao transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade (TDA/H2). Neste artigo utilizaremos a teoria psicanalítica como perspectiva de orientação e, consequentemente, os conceitos próprios deste campo teórico/clínico.

Num primeiro momento abordaremos a questão do atendimento clínico de crianças com TDA/H sob o aspecto teórico. Retomaremos o conceito de TDA/H e as principais formas de se compreendê-lo. Também apresentaremos alguns dos principais conceitos psicanalíticos que norteiam o trabalho clínico com crianças como o de “sintoma”, “transferência”, “inconsciente” e “resistência”. Ainda neste primeiro, de caráter mais teórico, trataremos dos principais fatores relacionados ao surgimento dos sintomas próprios ao TDA/H em crianças como, por exemplo, o processo de separação pais/criança, as dificuldades apresentadas pelos adultos frente à lei, as dinâmicas familiares patogênicas e os assuntos “tabus” à cultura familiar.

Já num segundo momento demonstraremos como os conceitos teóricos se articulam no contexto prático de atendimento. Para isso discutiremos questões como a constituição do vínculo entre paciente, familiares e psicanalista, o processo diagnóstico das entrevistas iniciais e as possibilidades de intervenção junto à criança e sua família.

1* Eduardo Vicenzi é doutor e mestre em linguística e especialista em psicanálise e filosofia, todos pela UFPR. Psicanalista clínico, professor de cursos de pós graduação nas áreas de pedagogia (psicopedagogia) e psicanálise. Psicólogo responsável pelo serviço de psicologia implementado na escola de educação infantil Fraldinhas, Curitiba-PR. ([email protected] e [email protected]) ? A redação deste artigo seguiu o princípio de torná-lo acessível para profissionais do campo da educação, especialmente professores de crianças de 0 a 12 anos. Neste sentido, abrimos mão de algumas preocupações inerentes à escrita de um artigo exclusivamente psicanalítico, o que exigiria uma diferenciação mais cuidadosa entre termos como psicoterapia e tratamento psicanalítico, entre o uso da categoria diagnóstica (TDA/H), oriunda do campo psiquiátrico e a nomenclatura utilizada por psicanalistas entre outros. Assumimos este ônus em troca de tornar o artigo mais acessível ao público que possui poucas referências sobre psicanálise. 2 Utilizaremos neste artigo a sigla TDA e a barra sucedida da letra H para apontar que o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) pode vir ou não acompanhado de Hiperatividade (H).

Por fim, apresentaremos vários assuntos que permitem ao professor visualizar como o conhecimento proveniente da área da psicologia pode auxiliá-lo em situações reais de sala de aula, no convívio com alunos que apresentam TDA/H e realizaremos uma espécie de compilação dos assuntos discutidos no decorrer do artigo, buscando compreender quais são as intervenções possíveis do professor junto ao aluno com TDA/H.

Palavras chaves: TDA/H, psicoterapia de orientação psicanalítica, psicanálise com crianças, inclusão escolar.

INTRODUÇÃO

Com o atual fortalecimento do movimento da educação inclusiva e a progressiva extinção das “classes especiais” nas escolas regulares, nestes últimos anos os educadores começaram a se deparar com uma série de desafios frente à meta de acolher no contexto da sala de aula não só alunos que nele conseguem se adequar, mas também alunos que apresentam os mais variados tipos de dificuldades comportamentais ou de aprendizagem. Em decorrência disso, a cada dia aumenta o interesse dos profissionais que trabalham nas escolas sobre o conhecimento técnico necessário para se conseguir lidar com alunos que apresentam dificuldades como o TDA/H (Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade) e outros tipos de transtornos que se apresentam na esfera do comportamento.

Além de ser responsável por viabilizar o processo de aprendizagem dos alunos e por gerenciar a sala de aula organizada segundo os moldes tradicionais, passou-se a exigir dos educadores um preparo especializado para lidar com situações em que os alunos agem de forma inadequada, que se comportam de forma agitada, agressiva, impulsiva e situações em que alunos não conseguem manter a atenção nas aulas ou não conseguem acompanhar satisfatoriamente o ritmo de aprendizagem dos demais colegas.

Frente a este cenário, naturalmente os profissionais da área da educação passaram a buscar mais informações provenientes dos campos da psicologia, psiquiatria e neurologia como forma de melhor conhecer as dificuldades apresentadas por alguns de seus alunos. Tal busca também passou a ser influenciada pela necessidade do professor trabalhar em conjunto com outros profissionais da área da saúde (psicólogos, psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos entre outros) nos casos em que a escola não consegue auxiliar sozinha os alunos que se encontram em estado de sofrimento e risco psíquico.

Dentre as situações mais complexas e difíceis vivenciadas pelos professores no dia-a-dia da sala de aula destacam-se aquelas em que um ou mais alunos apresentam transtornos de caráter disruptivo como, por exemplo, o TDA/H, transtorno opositor ou transtorno de conduta. Isto porque a criança que sofre com algum destes quadros apresenta comportamentos que conturbam a organização da sala de aula e prejudicam significativamente seu processo de ensino-aprendizagem formal e o dos demais alunos. É o caso, por exemplo, do aluno que não

consegue permanecer em sua carteira durante a aula, do aluno que apresenta dificuldades para se concentrar naquilo que é apresentado pelo professor e que conturba a aula, do aluno que se mostra continuamente agitado e inquieto, do aluno que se comporta de forma agressiva com os colegas ou com o professor entre outros.

A partir de um olhar superficial, as crianças que causam maior incômodo aos educadores e colegas no contexto escolar são consideradas como “mal criadas”, “bagunceiras”, “desagradáveis”, “malandras”, “manipuladoras”. Porém, tais qualificativos fazem com que o mais importante passe despercebido: são crianças que estão em estado de sofrimento psíquico. Tanto as crianças que apresentam sintomas de caráter agressivo, agitado ou impulsivo (geralmente relacionados com a “hiperatividade”) quanto as crianças que apresentam dificuldades em manter a atenção naquilo que é realizado em sala de aula (déficit de atenção) demonstram, a partir de sinais não verbais, que algo não vai bem com elas e que, consequentemente necessitam de auxílio especializado.

Mais preocupantes num contexto de uma sala de aula “inclusiva” são os casos de crianças que padecem de sintomas “silenciosos”, mais próximos ao quadro de transtorno de déficit de atenção sem hiperatividade, pois, devido ao fato de suas dificuldades não causarem incômodo maior aos colegas e aos professores, estas crianças tendem a ser deixadas em sua posição de isolamento, sem que possam contar com o olhar atento do professor. Este gênero de sintoma afeta significativamente a criança em sua capacidade de se socializar e no processo de aprendizagem formal.

Quando as crianças sinalizam pela fala ou por comportamentos que estão em estado de sofrimento psíquico, faz-se necessário encaminhá-las, juntamente com suas famílias, para os programas de avaliação psicológica ou psicopedagógica que funcionam de forma integrada com a escola ou para um profissional de psicologia que atende crianças. Este é o primeiro passo para se verificar se a criança necessita ou não de um acompanhamento clínico sistemático ou se é preciso encaminhá-la a outros tipos de avaliação (fonoaudiológica, psiquiátrica, neurológica, oftalmológica, entre outras especialidades médicas).

Feitas estas considerações iniciais, passaremos à primeira parte do artigo, na qual proporemos uma revisão teórica dos temas “psicanálise com crianças” e do conceito de “TDA/H”. Começaremos pelas principais definições de TDA/H para, em seguida, apresentar os princípios teóricos do atendimento clínico psicanalítico de crianças. Após construirmos uma base conceitual sólida sobre os temas, passaremos à segunda parte do artigo, na qual abordaremos estes temas de forma mais profunda e articulada com a experiência prática clínica.

1-BASE CONCEITUAL: “TDA/H” E “ATENDIMENTO CLÍNICO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS”

Antes de apresentarmos os fundamentos de um atendimento psicanalítico de crianças com TDA/H, precisamos retomar o significado dos conceitos de “atendimento psicanalítico de crianças” e de “TDA/H”, para que assim tenhamos uma base sólida para a compreensão dos fundamentos de um tratamento clínico psicanalítico para crianças que apresentam este

transtorno. Tal necessidade se justifica devido às inúmeras formas de se entender o que é um tratamento psicanalítico, sua função, objetivos, princípios técnicos, e também pelos diversos significados que o TDA/H adquire na literatura psicológica e psiquiátrica. Iniciemos pela noção de TDA/H.

1.1-TDA/H em crianças: conceito e características

Como o nome já diz, o Transtorno de Déficit de Atenção, também definido por alguns autores como Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA), indica uma disfunção que afeta os campos da atenção e da concentração, o que traz como consequência a impossibilidade da criança prestar a atenção ou concentrar-se em determinados tipos de atividades ou tarefas que lhe exijam um esforço mental continuado. Por não conseguir direcionar sua atenção, a criança parece não escutar o que lhe dizem, esquece rapidamente o que lhe é apresentado e distrai-se com quaisquer tipos de estímulos externos. Geralmente as crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção aparentam estar distraídas, “no mundo da lua”, enfim, desconectadas do que ocorre em seu entorno. Consequentemente, tarefas que lhe exijam organização, obediência às regras e às instruções são difíceis ou até impossíveis de serem realizadas, como é o caso, por exemplo, das atividades escolares.

O transtorno de déficit de atenção pode ocorrer de forma isolada ou vir associado com hiperatividade. Neste último caso, além de apresentar as características citadas anteriormente como desatenção, mudanças constantes de interesses e impossibilidade de realizar tarefas de forma contínua, a criança apresenta uma agitação motora significativa e incessante: não consegue ficar sentada na sua carteira, não consegue permanecer em silêncio, tenta encerrar as atividades propostas no menor tempo possível, não tolera esperar, mexe ininterruptamente pés, mãos, apresenta dificuldades em lidar com o “não”, etc.. A hiperatividade pode também desencadear uma série de comportamentos agressivos e violentos, seja na relação com os outros (hetero-agressividade) ou na relação da criança consigo mesma (auto-agressividade).

Existem diferentes pontos de vista sobre quais são as causas do TDA/H e quais são as estratégias de tratamento mais efetivas para este tipo de transtorno. Parte desta diversidade decorre de uma série de questões ainda permanece em aberto como, por exemplo, qual é a parcela de influência dos fatores genéticos, constitucionais e ambientais/relacionais no surgimento e manutenção do TDA/H na criança. De acordo com as psicanalistas Kupfer e Bernardino (2009), tal indefinição é reconhecida por pesquisadores dos campos da medicina e da psicologia como, por exemplo, Antony e Ribeiro (2004), segundo os quais:

“As pesquisas mostram uma alta taxa de comorbidade entre o TDAH e os transtornos disruptivos do comportamento (transtorno da conduta e transtorno desafiador de oposição); depressão; transtorno de ansiedade; e transtorno da aprendizagem. No entanto, não há estudos que expliquem as razões para que ocorram as co-morbidades.” (p. 128, apud KUPFER e BERNARDINO, 2009, p. 55).

Nesta mesma linha, Debroitner e Hart (1997) criticam profissionais e pesquisadores que insistem na idéia de que o TDA/H é uma doença (invisível) do cérebro, pois, esta é uma “explicação simples para um distúrbio que é complexo e multidimensional” (p. 2). Isto significa que incorremos num reducionismo quando tentamos explicar as causas do TDA/H apenas a partir de variáveis genéticas, constitucionais ou devido a um mau funcionamento cerebral.

Barkley, Murphy e Bauermeister (1998) afirmam que “O TDAH envolve interações multidirecionais, recíprocas e dinâmicas entre influências genitais, neurais, psicológicas e comportamentais e ambientais que ocorrem ao longo do desenvolvimento da criança” (apud ANTONY e RIBEIRO, 2004, p. 128). Ou seja, apesar de tendência atual de se buscar as causas de diversos transtornos mentais em fatores exclusivamente orgânicos (genética, constituição, aparato neurológico, deficiência ou excesso de substâncias que interferem o funcionamento cerebral), não existem evidências que comprovem que o TDA/H decorre exclusivamente destes fatores. Ao contrário, pesquisas na área médica e psicológica como as anteriormente citadas indicam uma significativa correlação entre o TDA/H e disfunções de caráter psíquico, comportamental e ambiental. Também sabemos a partir da experiência clínica com crianças que os fatores ambientais não só podem deflagrar um Transtorno de Déficit de Atenção como também podem apresentar relação com o surgimento de outros transtornos disruptivos do comportamento e de outras formas de sofrimento psíquico como a depressão infantil, transtorno de ansiedade, transtorno de pânico (fobias) e outras dificuldades que prejudicam o processo de aprendizagem formal.

Tendo em vista a complexidade do cenário dos estudos sobre TDA/H e os diferentes pontos de vista que se propõem a explicar este fenômeno, a seguir apresentaremos uma das principais perspectivas de tratamento psicológico para crianças com TDA/H: o tratamento psicanalítico. Esta perspectiva assume como ponto de partida o pressuposto de que os sintomas da criança diagnosticada com TDA/H não podem ser explicados apenas por disfunções ocasionadas pelo mau funcionamento cerebral, mas por um estado de sofrimento psíquico consciente ou inconsciente à própria criança, sofrimento este ligado às suas experiências de vida e, principalmente, ao modo como a criança processou tais experiências3.

Após apresentarmos as principais definições e formas de compreensão do TDA/H, passemos a seguir à noção de “atendimento psicanalítico de crianças”.

1.2-Atendimento psicanalítico de crianças

3 De acordo com a perspectiva do senso comum costuma-se pensar que um trauma psíquico ocorre apenas em situações em que a pessoa vivencia fatos violentos, grandes decepções ou situações de risco extremo. Porém, em psicologia sabemos que o trauma não está relacionado apenas aos eventos externos e reais, mas sim ao modo, à forma como a pessoa compreendeu a experiência por ela vivida. Neste sentido, verificamos com frequência na clínica que as crianças vivem como traumáticos uma série de conteúdos que não dizem respeito a situações de risco real (segundo um ponto de vista objetivo).

Tal como ocorre no campo da pedagogia, a psicologia oferece uma série de teorias e métodos ao psicólogo que se propõe a atender crianças, adolescentes ou adultos4. Dentre as principais formas de trabalho psicoterapêutico, enfocaremos neste artigo as práticas fundamentadas em teorias psicanalíticas. São referência para o trabalho clínico em psicanálise autores como Freud (criador do método psicanalítico), Winnicott, Lacan, Dolto, Klein, Bion, Mannoni entre outros.

Apesar de não ser nosso intuito abordá-las no contexto deste artigo, é importante mencionar que existem outras perspectivas de trabalho clínico em psicologia se fundamentam em teorias como o behaviorismo ou psicologia comportamental, a cognitivo-comportamental, a teoria sistêmica e outras menos disseminadas.

Para melhor compreendermos como funciona um tratamento psicanalítico de crianças, primeiramente será necessário conhecermos alguns dos principais conceitos que fundamentam esta prática e o modo como estes conceitos se articulam uns com os outros. Inicialmente discutiremos a noção psicanalítica de “sintoma” e suas distinções frente à noção médico/psiquiátrica do termo. Em seguida apresentaremos os conceitos de “transferência”, “conflito psíquico” e “inconsciente”, segundo o ponto de vista psicanalítico freudiano e de alguns autores pós-freudianos como Lacan (1969/2001), Dolto (1987/2005) e Mannoni (1981).

1.2.1-Conceitos psicanalíticos fundamentais para o tratamento de crianças que apresentam TDA/H: a noção de “sintoma” em psicanálise

Existe uma metáfora amplamente utilizada no campo da psicanálise para se descrever o funcionamento mental humano: a de um circuito elétrico, no qual existem fios, interruptores, transformadores, fusíveis e demais elementos próprios de um sistema do gênero. Quando um fusível queima, a forma mais simples para fazer com que o circuito volte a funcionar é substituir o fusível danificado por um novo.

Contudo, nos casos em que a troca do fusível tem apenas uma eficácia temporária, ou seja, quando cada novo fusível queima pouco tempo após sua instalação, a pessoa que tenta reparar o circuito vê-se frente a um dilema: ou continua substituindo os fusíveis conforme vão queimando (mesmo sabendo que o tempo útil dos fusíveis será curto) ou se propõe a descobrir o motivo das repetidas queimas. A primeira alternativa apresenta-se, em curto prazo, mais simples, rápida e barata. A segunda, por sua vez, exige um trabalho mais minucioso, no qual é preciso verificar qual é a causa das queimas repetidas dos fusíveis – considerando que estes só queimam quando há alguma anormalidade no sistema. O maior dispêndio tanto no quesito custo como no quesito tempo são compensados frente à possibilidade de solução efetiva do problema.

Apesar deste tipo de raciocínio parecer óbvio quando aplicado ao campo da eletricidade, o mesmo não é reconhecido e utilizado por grande parte dos profissionais do

4 Atualmente já existem teorias psicológicas e métodos de intervenção com bebês e crianças menores de três anos. Os atendimentos psicanalíticos realizados com esta população geralmente são realizados juntamente com os pais ou cuidadores. Para mais, ver Dolto (1987/2005, p. 161).

campo da saúde mental, especialmente quando a questão que se coloca é a seguinte: como proceder frente a um paciente que apresenta sintomas comportamentais (déficit de atenção, hiperatividade, agressividade, inibição, fobia, depressão)? Ou seja, são relativamente comuns situações em que o paciente recebe um tipo de tratamento que tem como objetivo único a extinção destes sintomas, independentemente do significado que os mesmos possam ter.

Quando o sentido dos sintomas e suas causas não são identificados, novos sintomas afloram em lugar daqueles eliminados pelo uso exclusivo de medicamentos ou por terapias estritamente comportamentalistas. Adotar a segunda perspectiva apresentada no exemplo do circuito elétrico significa assumir que os sintomas apresentados pelos pacientes sinalizam que algo não vai bem, que há algum “curto-circuito” no modo de funcionamento mental do paciente e que, enquanto este curto-circuito não for descoberto e “reparado”, o sistema continuará apresentando panes frequentes.

O sintoma não tem apenas uma função de trazer um incômodo à criança ou àqueles que com ela se relacionam. Ele equivale a um sinal de que a criança precisa de auxílio, pois não está encontrando uma alternativa saudável para lidar com suas questões e dar conta de seus conflitos subjetivos. O sintoma psíquico, tal como uma dor física, é um sinal de que há uma disfunção e de que esta disfunção precisa ser percebida e tratada.

De acordo com Freud (1917 [1916-1917] /1976), os sintomas psíquicos são:

“atos, prejudiciais, ou, pelo menos, inúteis à vida da pessoa, que por vezes, deles se queixa como sendo indesejados e causadores de desprazer ou sofrimento. O principal dano que causam reside no dispêndio mental que acarretam, e no dispêndio adicional que se torna necessário para se lutar contra eles. Onde existe extensa formação de sintomas, esses dois tipos de dispêndio podem resultar em extraordinário empobrecimento da pessoa no que se refere à energia mental que lhe permanece disponível e, com isso, na paralisação da pessoa para todas as tarefas importantes da vida.” (p. 419)

O dispêndio mental inerente à formação de sintomas psíquicos pode ser verificado no Transtorno de Déficit de Atenção: quando a criança apresenta dificuldade em manter a atenção nos temas que são tratados durante as aulas, em compreender as instruções que o adulto lhe repassa ou nas brincadeiras coletivas com seus colegas. Frente a um cenário como este, a pergunta que devemos fazer é a seguinte: se a criança não consegue prestar a atenção naquilo que está sendo apresentado, em que ela está prestando sua atenção? Em que ela fica pensando enquanto não pensa naquilo que lhe é solicitado?

Podemos observar que, se a criança não se disponibiliza a realizar aquilo que é esperado (prestar a atenção na explicação dada pelo professor, por exemplo), é por que ela já está se ocupando com outro assunto que, para ela, se mostra mais relevante. A necessidade de ficar pensando ou elaborando um determinado assunto que só lhe diz respeito e que foge da proposta escolar, por exemplo, é um indício de que a criança encontra-se envolta em questões

que podem estar associadas a sentimentos ou fantasias de desamparo, medo, risco, rejeição, impotência, tristeza, luto, frustração entre outros conteúdos.

Além destes fatores, também escutamos das crianças que se encontram em tratamento clínico relatos que indicam outra variante: tendo como ponto de partida uma experiência de frustração (real ou imaginária), a criança alimenta devaneios ou fantasias em que suas expectativas e seus desejos são satisfeitos; cenários ideais que fazem uma função de tornar uma realidade difícil mais suportável5.

Pensemos num exemplo clínico: ao escutar a criança durante os atendimentos clínicos ela revela que, durante as aulas, fica pensando em como seria bom ver seu pai e sua mãe juntos novamente, morando na mesma casa onde a criança mora, e não mais separados. Em seus devaneios ela também busca encontrar uma forma de intervir junto ao pai e à mãe para promover a reconciliação entre eles. Enquanto a criança fica imersa neste tipo de pensamento, sua atenção deixa de ser dirigida para aquilo que a professora apresenta em aula.

Da mesma forma que um adulto que não suporta uma realidade que se lhe apresenta difícil encontra nos devaneios, nas fantasias e nos sonhos uma possibilidade de tornar mais suportável a vivência desta realidade, a criança também utiliza tais artifícios quando não consegue encontrar satisfação na sua vida real ou quando vive situações que lhes são insuportáveis. A vivência do sentimento de frustração pela não realização de desejos e a impossibilidade de se lidar com esta frustração encontram-se na base do surgimento de sintomas, chamados no campo da psicanálise de “sintomas neuróticos”.

Sobre a relação entre os sintomas neuróticos e o ato de fantasiar, Freud (1908/1976) afirma que “os sintomas [...] são a realização de uma fantasia inconsciente que serve à realização de um desejo” (p. 167). Trata-se de uma fantasia inconsciente, pois, é comum que a pessoa que a tem não se dê conta da mesma, que não a perceba com clareza. No caso das crianças, a tomada de consciência de suas próprias fantasias ocorre de forma gradual durante o processo de tratamento clínico a partir da interpretação dos seus desenhos, brincadeiras, dos conteúdos que ela expressa verbalmente, dos seus comportamentos e a partir daquilo que é revelado pelos adultos nos momentos em que eles acompanham a criança nas sessões.

À medida que podemos compreender o fato de que os sintomas apresentados pela criança possuem sentido, temos condições de notar que as formas de tratamento que visam simplesmente à eliminação dos sintomas, seja a partir do uso exclusivo de medicamentos (psicofármacos) ou pelo treinamento comportamental da criança equivalem à idéia de se tratar um quadro de enxaqueca crônica apenas com o uso continuado de analgésicos. De acordo com a psicanalista de crianças François Dolto: “[se] a doença é um sinal e nós destruímos esse sinal [,] como essa pessoa vai fazer-nos saber que está em uma situação de fragilidade inter-relacional?” (1987/2005, p. 87). Ou seja, se a queima do fusível é um sinal e nós desprezamos este sinal ao trocar o fusível queimado por um novo, como poderemos saber onde há um curto-circuito no sistema?5 Num trabalho clínico com crianças a questão da realidade factual fica em segundo plano quando se trata do sofrimento psíquico apresentado pela criança. Ou seja, um sofrimento originário de uma situação real ou um sofrimento com origem em conteúdos imaginários possuem mesmo peso, pois, num tratamento é a “realidade psíquica” a que importa. Para mais sobre “realidade psíquica”, ver Freud (1913 [1912-1913]/1958, p. 159).

A iniciativa de “eliminar”, “fazer desaparecer” o sintoma quando o mesmo se apresenta é amplamente aceita pelo senso comum e por uma grande parcela dos profissionais do campo médico/psiquiátrico. Contudo, existe uma importante distinção entre “sintoma” e “doença”, pois: “eliminar os sintomas não equivale a curar a doença. A única coisa tangível que resta da doença, depois de eliminados os sintomas, é capacidade de formar novos sintomas.” (FREUD, 1917 [1916-1917]/1976, p. 419) É devido a este movimento de formação de novos sintomas em lugar dos antigos que um tratamento psicanalítico não tem por objetivo apenas a eliminação dos sintomas, mas a compreensão do seu sentido.

A compreensão da dimensão simbólica dos sintomas psíquicos apresentados pela criança é fundamental num tratamento, pois, o déficit de atenção e a hiperatividade, sintomas estes que caracterizam o TDA/H, podem ser entendidos como equivalentes a uma comunicação não verbal da criança a respeito de alguma dificuldade que está enfrentando, seja em sua vida pessoal, seja no âmbito da sua família. As formas de tratamento exclusivamente medicamentosas – visando o desaparecimento do sintoma que causa incômodo – fazem com que o nível do significado do sintoma e a real questão que traz sofrimento à criança sejam “varridas para debaixo do tapete”.

A perspectiva psicanalítica permite-nos dirigir um novo olhar sobre a criança com déficit de atenção e hiperatividade, pois, não se trata de uma criança doente que não tem capacidade de se relacionar normalmente com as outras crianças e que necessita de acompanhamento medicamentoso pelo resto de sua vida, nem se trata de uma criança “malandra”, “mal educada”, “desrespeitosa” ou “mimada”. Trata-se de uma criança em sofrimento, que necessita de ajuda, auxílio e acolhimento, pois, está vivenciando uma série de conflitos pessoais sem que possa experessá-los verbalmente, mas apenas a partir de comportamentos estranhos, agitação, ou de outras formas que promovem a sua exclusão social.

Após apresentarmos a noção psicanalítica de sintoma, vejamos a seguir como o fenômeno da transferência é definido no campo da psicanálise e qual é a sua importância para a compreensão do que ocorre com as crianças com TDA/H e de como elas devem ser abordadas pelos profissionais da educação e da saúde.

1.2.2-Transferência

Ao se conhecerem, é comum que as pessoas interajam umas com as outras a partir de certos padrões de relacionamento particulares a cada uma delas. Este fenômeno também se apresenta no contexto de um tratamento psicanalítico com crianças, no qual ela e os adultos que a acompanham transferem para o psicanalista uma série de conteúdos e sentimentos que não se justificam pela conduta do psicanalista ou pelas situações ocorridas durante as sessões. Neste sentido, podemos dizer que a relação que a criança e sua família estabelecem com o psicanalista apenas deflagra um processo de transferência de conteúdos potencialmente presentes na vida mental daqueles.

Por saber que os conteúdos que a criança e seus familiares transferem ao psicanalista não são originados na própria relação terapêutica, o terapeuta pode concluir que os mesmos não são atuais e que não se aplicam especificamente à sua pessoa. Equivalem a repetições de algo que foi vivenciado pelo paciente num período anterior ao início do tratamento psicanalítico. Assim, o psicanalista tem condições de perceber que ele apenas é incluído “numa das séries psíquicas que o paciente já formou” (FREUD, 1912/1969a, p. 134) de acordo com seus protótipos e ‘clichês estereotípicos’ utilizados nas situações em que há o estabelecimento de uma nova relação com o outro.

Dito de outra maneira, a forma como o paciente e sua família se portam na relação com o psicanalista, as pressuposições que fazem a respeito do que é um tratamento, como funciona, qual é o papel de cada um, expectativas, todos estes conteúdos são “projetados” na relação com o psicanalista.

Ao observar, reconhecer e analisar os conteúdos que a criança e seus familiares transferem na relação terapêutica, o psicanalista passa a ter acesso a informações significativas sobre a vida psíquica da criança e de seus familiares, especialmente aquelas que não são trazidas à tona de forma direta. Os conteúdos transferidos na relação terapêutica são inconscientes, pois, a criança e os adultos não percebem conscientemente seus padrões relacionais; apenas os repetem nas relações com outras pessoas.

Assim, uma importante tarefa do trabalho terapêutico é auxiliar a criança e sua família a poder falar sobre estes conteúdos que são repetidos em forma de ato, de modo compulsivo e inconsciente. O ato de falar sobre o que é transferido na relação com o psicanalista faz com que tanto a criança quanto a família possam se liberar de forma gradativa destes padrões, os quais, em grande parte das vezes, geram uma quota de sofrimento psíquico.

O trabalho de identificação, reconhecimento e conscientização dos fenômenos transferenciais é ainda mais importante quando realizado não só com a criança, mas também com os adultos que com ela convivem. É comum nos depararmos na clínica com situações em que conteúdos vivenciados pelos adultos enquanto eram criança ressurgem quando estes passam a ocupar o lugar de mãe ou pai, após o nascimento do filho. Fantasmas da história passada ressurgem com força e interferem no modo como os adultos encaminham as situações com a criança. Falas como “não quero que o meu filho passe por o que eu passei”, “quero fazer o contrário do que o meu pai fazia comigo e com meus irmãos”, “não quero que o meu filho passe necessidades como eu passei” entre outras sinalizam uma confusão entre a história da infância do adulto e sua história atual e podem interferir negativamente no processo educativo do filho, especialmente quando o adulto não tem consciência da sua forma de pensar, agir e falar.

Em seu artigo intitulado Recordar, repetir e elaborar, Freud (1914/1969) afirma que o paciente expressa em atos os conteúdos que não podem por ele ser recordados (conteúdos inconscientes). Até que possam ser acessados pela atividade de pensamento consciente, a única maneira destes conteúdos encontrarem expressão é através de atos repetitivos e compulsivos. Ou seja, aquilo que não pode ser pensado e nem falado encontra expressão em comportamentos ou em sintomas.

Para que o psicanalista consiga traduzir em palavras estes conteúdos que só se revelam de forma não verbal, é necessário que ele consiga colocar-se ‘de fora’ da relação, ou seja, que ele entenda que a forma como o paciente e seus familiares se comportam perante ele é a mesma utilizada por eles em outras relações, com outras pessoas.

O psicanalista parte do pressuposto de que a criança e os adultos apenas reeditam com ele uma relação prototípica, ou seja, um tipo de relação originária de outras relações, anteriores ao início do tratamento. Um exemplo: uma criança que já numa primeira sessão de atendimento mexe nos objetos da sala do terapeuta sem que tenha tido permissão para isso, que tenta sair sozinha da sala, que não consegue se dispor a escutar o que os adultos falam, que demonstra uma agitação corporal permanente, apenas apresenta no consultório o seu modo de iniciar qualquer relação com outra pessoa, seja ela quem for, seja em que contexto for. Esta criança reedita com o psicanalista uma forma de estabelecer relação que é aquela utilizada por ela nos outros lugares que frequenta como, por exemplo, na escola e na sua própria casa.

Segundo Freud, o paciente (no nosso caso, a criança e seus pais) repete com o psicanalista/analista:

“[...] experiências mentais pelas quais já passou antes; ele [transfere] para o analista atitudes mentais que estavam prontas nele e intimamente associadas com sua neurose. [...] Assim, o que ele nos está mostrando é o núcleo da história íntima de sua vida: ele o está reproduzindo de forma tangível, como se ele realmente estivesse acontecendo, em vez de recordar-se dele” (1926/1976, p. 257).

Neste sentido, a função principal de um tratamento psicanalítico é auxiliar a criança a expressar seus conflitos psíquicos relacionados à origem aos seus sintomas e seu sentimento de angústia. Isto só é possível na medida em que a criança consegue falar sobre seus conteúdos mentais ou quando consegue expressá-los através de desenhos ou pela atividade do brincar.

Na medida em que o tratamento avança, a criança e sua família têm condições de interromper a repetição compulsiva de determinados atos ou padrões relacionais. Consequentemente, os sintomas apresentam um enfraquecimento progressivo, até o ponto em que deixam de provocar sofrimento psíquico intenso à criança e aos seus familiares.

No contexto mais específico do atendimento de crianças com diagnóstico de TDA/H, a observação do fenômeno da transferência adquire importância devido ao caráter não verbal dos sintomas próprios deste transtorno, ou seja, dos sintomas que se apresentam através de atos e comportamentos repetitivos que envolvem o corpo. A importância da fala nestes casos é servir como instrumento para a tradução dos atos repetitivos e aparentemente sem sentido em memórias e lembranças acessíveis ao pensar consciente. À medida que a criança fala sobre seus conflitos ela deixa de precisar revivê-los em forma de atos.

Após apresentarmos o conceito de transferência e sua função num tratamento psicanalítico de crianças, vejamos no próximo tópico o que significa a noção de “processos mentais inconscientes” e façamos um exame do processo de “repressão” e sua relação com o surgimento de sintomas psíquicos.

1.2.3-Os processos mentais inconscientes e a operação da repressão

Os conceitos psicanalíticos de sintoma e de “transferência” adquirem maior sentido quando correlacionados à noção de “inconsciente”, segundo a definição freudiana. Isto porque aqueles conceitos subentendem a existência de processos mentais inconscientes, inacessíveis ao pensar consciente. Freud propôs uma definição particular de ‘inconsciente’, diferente das anteriores, dando origem à noção até hoje conhecida como ‘inconsciente freudiano’6 é que esta última refere-se aos conteúdos que estão impedidos de acesso pela atividade do pensar cotidiano devido ao fato de estarem relacionados com um conflito psíquico particular ao sujeito.

A noção freudiana de “inconsciente” circunscreve os processos mentais que, por alguma razão, foram reprimidos, ou seja, que perderam a capacidade de serem associados a conteúdos acessíveis ao pensamento consciente. Uma ilustração do que seriam estes conteúdos inconscientes (segundo o ponto de vista psicanalítico): quando a pessoa não admite pensar sobre determinado assunto que lhe é altamente aflitivo – e que a pessoa fez um esforço para esquecê-lo.

A noção de “processos mentais inconscientes” auxilia-nos na compreensão de como são e de que maneira surgem os sintomas decorrentes do TDA/H na criança. Por passarem por um processo de repressão, o qual consiste simplesmente em “afastar determinada coisa do consciente, mantendo-a a distância” (FREUD, 1915/1974, p. 170), certos conteúdos mentais adquirem potencial patogênico, ou seja, passam a causar certo tipo de transtorno na vida do sujeito. Quando os assuntos são afastados da esfera consciente do pensar, estes assuntos só se expressam através de outros meios como, por exemplo, enganos, sonhos, chistes e sintomas mentais ou físicos.

Se o processo de repressão consiste em afastar da percepção consciente certos conteúdos, o tratamento psicanalítico, por sua vez, propõe a via inversa. Segundo as palavras de Freud:

“Transformando a coisa inconsciente em consciente, suspendemos as repressões, removemos as precondições para a formação de sintomas, transformamos o conflito patogênico em conflito normal, para o qual deve ser possível, de algum modo, encontrar uma solução” (FREUD, 1917 [1916-1917]/1976, p. 507).

6 Para mais informações sobre esta distinção, ver Thá (2007, p. 28).

No contexto do trabalho psicanalítico com crianças que apresentam TDA/H, são comuns os conflitos em que algum assunto se torna “tabu” no contexto familiar (eminência ou concretização da separação dos pais, episódios de agressividade entre os adultos ou envolvendo a criança, fatos que não podem ser comentados por gerarem mal estar em algum membro da família, morte de alguma pessoa próxima, desequilíbrio emocional de um ou mais adultos da família entre outros).

Frente aos conflitos familiares, nem sempre reconhecidos conscientemente pelos membros da própria família, o psicanalista assume uma função de ‘tradutor’ durante o tratamento, pois, cabe a ele auxiliá-los a preencherem as lacunas de memórias que surgem em decorrência do processo de repressão de conteúdos psíquicos, tornando-os novamente acessíveis ao pensar consciente. Ou seja, o psicanalista auxilia os familiares a conseguirem falar sobre assuntos que são ao mesmo tempo importantes e aflitivos. O ato de falar sobre tais conteúdos é terapêutico para a criança e para os adultos, pois, faz com que fantasias até então ameaçadoras passem a ser assumidas com mais naturalidade, o que diminui o seu potencial angustiante e patogênico.

Contudo, não devemos confundir a tarefa do psicanalista com a de um professor ou a de um mestre que vai mostrar à criança e a seus familiares o que está acontecendo e que vai esclarecê-los sobre isto. Mesmo que perceba uma série de conteúdos relacionados ao surgimento dos sintomas na criança, o psicanalista deve ser prudente a ponto de não confrontá-los prematuramente com assuntos que ainda encontram-se intensamente reprimidos. Isto porque, quando é esta a situação, o ato do psicanalista informar a criança e seus familiares sobre determinado assunto não gera efeitos terapêuticos, pois, todos tendem a agir como se nada escutassem. Desconsideram a intervenção do psicanalista, independentemente do fato dela tocar num ponto de verdade.

Freud aborda este ponto ao afirmar que: “[...] informar o paciente sobre seu inconsciente redunda, em regra, numa intensificação do conflito nêle e numa exacerbação de seus distúrbios” (1910/1970, p. 211). Ainda sobre esta questão, Freud complementa que, se o tratamento apenas tivesse uma função “informativa”, ‘ouvir conferências ou ler livros’ seria suficiente para a cura do paciente, o que sabemos que não é verdadeiro. As intervenções realizadas pelo psicanalista visam atingir o nível em que as informações não provocam modificações, o nível em que a pessoa sabe o que lhe acontece, sabe o que precisa fazer, mas não consegue colocar em prática as mudanças necessárias.

Neste tópico pudemos conhecer um pouco mais sobre a dinâmica do funcionamento mental inconsciente, sobre o processo de repressão e a relação destes com o surgimento de sintomas na criança. A seguir discutiremos de forma mais específica os principais fatores que se encontram na base da etiologia dos sintomas “déficit de atenção” e “hiperatividade” em crianças.

2-PRINCIPAIS FATORES RELACIONADOS AO SURGIMENTO DE SINTOMAS EM CRIANÇAS COM TDA/H

Depois de abordarmos nos itens anteriores os conceitos psicanalíticos fundamentais para se entender quais são as diretrizes do atendimento psicológico clínico com crianças que apresentam TDA/H, discutiremos nos tópicos seguintes os principais fatores relacionados com o surgimento de sintomas na criança:

- As dinâmicas familiares disfuncionais ou patógenas;

- As dificuldades dos adultos no processo de separação da criança (promoção da sua independência emocional);

- A relação dos adultos com a “lei” que estrutura o psiquismo;

- Os assuntos “tabus” no contexto familiar e sua relação com o surgimento de sintomas na criança.

2.1-Dinâmicas familiares patógenas

Um dos principais fatores que se encontram na base do surgimento dos quadros sintomáticos apresentados por crianças tal como o TDA/H é a existência de conflitos familiares associada com uma impossibilidade dos membros da família de resolvê-los de formas adequadas e protetivas para o desenvolvimento psíquico da criança.

De acordo com Lacan (1969/2001), no processo de cuidado do filho através da satisfação das suas necessidades básicas, a família transmite à criança uma série de elementos simbólicos que interferem no processo de constituição da subjetividade, ou seja, na sua formação psíquica. Quando o funcionamento familiar apresenta dificuldades, especialmente quando existem problemas nas relações entre seus membros, a criança passa a ocupar uma posição vulnerável, propícia para o surgimento de sintomas psíquicos. Lacan é categórico neste ponto ao afirmar que:

“[...] o sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar. [...] O sintoma pode representar a verdade do casal familiar. Esse é o caso mais complexo, mas também o mais acessível a nossas intervenções.” (1969/2001, p. 269).

Em situações como esta, a criança apresenta sintomas como uma forma de revelar, de indicar a existência de uma disfunção familiar como, por exemplo, quando ela é tomada pelos adultos

como justificativa de seus atos sintomáticos. Vejamos algumas formas de pensar em que a criança é colocada numa posição de vulnerabilidade psicológica:

- “os pais não devem se separar, mesmo vivendo num contexto de relações violentas e insuportáveis, por causa do filho”;

- “os pais não mais podem ter sua vida sexual porque o filho tem medo de dormir sozinho e precisa dormir com os pais”, “o filho é o único sentido da vida da mãe”,

- “o filho é o motivo das brigas dos pais”.

Ainda segundo Lacan, o cenário mais perigoso para a criança é quando ela começa a apresentar sintomas em decorrência das dificuldades subjetivas maternas, especialmente quando a mãe torna-se incapaz de reconhecer a criança como um sujeito e inconscientemente a trata como um objeto, como um elemento de alguma fantasia sua também inconsciente (quando a mãe vê a criança como um bebê que nunca irá crescer e que sempre será dependente dela, por exemplo). Caso não haja uma intervenção “paterna” ou terceira nestas situações, a tendência é que a criança fique presa no lugar que a mãe reserva a ela em sua fantasia.

A função terceira ou paterna é aquela que assegura a integridade psíquica da criança, afastando-a de alguns tipos de idealização materna que a colocam em risco. A função paterna pode ser realizada não só pelo pai real da criança, mas por qualquer pessoa ou mesmo por alguns tipos de situações que auxiliem uma separação psíquica entre mãe e filho, de modo que a mãe consiga direcionar seu afeto a outras relações que não só com o filho. Um pai real assume a “função paterna” ou consegue fazer uma “função de terceiro” quando, por exemplo, explicita os limites necessários a uma relação saudável entre a mãe e o bebê, dizendo a ela algo como: “agora chega de ficar só com o bebê; deixa ele ficar um pouco sozinho enquanto dorme para a gente ficar junto”.

Vale ressaltar que a “função materna” não é realizada exclusivamente pela mãe, mas por todos aqueles que assumem esta posição de cuidador da criança, daquele ou daqueles que suprem as suas necessidades físicas e afetivas. Do mesmo modo, a “função paterna” ou a “função de terceiro” é assumida pelas pessoas que fazem com que a relação entre mãe/cuidador e criança não se feche numa díade, mas que tanto mãe quanto bebê vivam a experiência de que existem outros elementos no mundo além deles dois e de que ambos precisam se submeter a algumas leis externas a eles.

O sintoma somático que se apresenta na criança em decorrência de uma confusão no nível das relações familiares tem um caráter paradoxal: serve ao mesmo tempo de alarme para chamar a atenção para algo que não vai bem e serve de motivo para que os adultos se preocupem com a criança e deixem de perceber o que vai mal entre os adultos. Temos um exemplo típico deste último caso quando a mãe “sufoca” e “infantiliza” a criança, justificando que este seu modo de agir deve-se às dificuldades do filho. Contudo, ao se justificar desta maneira a mãe deixa de perceber que é ela quem tem necessidade de ficar nesta posição de alguém que cuida do outro. Situações assim são bastante comuns e geralmente ocorrem devido ao fato desta mãe

não conseguir aceitar e investir em sua própria vida, enquanto “mulher” e não enquanto “mãe”.

O sintoma somático “[...] é o recurso inesgotável, conforme o caso, a atestar a culpa, servir de fetiche ou encarnar uma recusa primordial.” (LACAN, 1969/2001, p. 370) por parte dos adultos. Ou seja, o sintoma da criança surge como uma forma do adulto lidar com uma questão pessoal sua. Atesta sua culpa, por exemplo, quando o adulto precisa vivenciar a experiência de estar sendo punido devido a um sentimento de culpa inconsciente. A criança serve de fetiche quando se torna condição para que o adulto obtenha satisfação (“minha vida só tem sentido e alegria quando estou com meu filho”). Por fim, o sintoma encarna uma recusa primordial quando surge em decorrência de um contexto em que a criança não é aceita pelos adultos, seja devido à dificuldade dos adultos assumirem que desejaram gerá-la, seja por ter nascido com características deferentes da expectativa dos adultos (a mãe esperava uma menina, mas nasceu um menino, no caso de deficiências, síndromes ou doenças próprias do período pós-parto), por ser responsabilizada pela separação dos genitores entre outra série de possibilidades.

Quando afirmamos anteriormente que uma criança com déficit de atenção não apresenta necessariamente uma dificuldade na função psicológica da atenção, mas que direciona inconscientemente sua atenção a assuntos e elementos diferentes daqueles exigidos, por exemplo, durante uma aula estávamos nos referindo a esta variedade de contextos em que a criança é colocada numa situação de risco psíquico. Ao invés de prestar sua atenção a um novo conteúdo apresentado pelo professor, a criança fica imersa numa série de elementos referentes à dinâmica da sua família, seja tentando compreender o que ali ocorre, seja exigindo-se encontrar uma resolução para conflitos entre os membros da família entre outras possibilidades.

A direção do tratamento é a de ajudar a criança a trazer à tona estes conteúdos que ela, conscientemente ou inconscientemente, fica investindo sua energia psíquica. Ao falar e pensar de forma adequada sobre os assuntos que a afligem, a criança fica cada vez mais liberada para realizar as atividades comuns à cultura, que exigem que ela direcione a sua atenção para novos elementos. Tal como o déficit de atenção, a hiperatividade também pode ser compreendida sob esta ótica: trata-se de um sinal de que a criança encontra-se vulnerável sob um aspecto psíquico, geralmente devido a fatores tais como os apresentados e discutidos neste tópico.

Após tratarmos de alguns dos principais elementos patogênicos presentes nas dinâmicas familiares e suas consequências para a criança, passemos a seguir ao exame das relações entre a hiperatividade e as dificuldades apresentadas pelos adultos nos momentos em que se faz necessário um movimento de separação do filho e as relações entre a hiperatividade e os problemas frente à lei – relativa à estruturação psíquica da criança.

2.2-As relações entre a hiperatividade e fatores como o processo de separação pais/criança e dificuldades dos adultos e da criança frente à lei

Entre os anos de 2000 e 2007 um grupo de psicanalistas, a pedido do Ministério da Saúde e em parceria com Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), realizou uma importante pesquisa sobre os fatores que podem colocar em risco o desenvolvimento psíquico da criança. Com uma amostra de 700 crianças atendidas em nove capitais brasileiras, os pesquisadores observaram uma correlação significativa entre a construção da imagem corporal pela criança, seu modo de relacionar-se com a lei7 e o aparecimento de sintomas psíquicos nesta etapa do desenvolvimento. Segundo Kupfer e Bernardino (2009):

“Obteve-se uma relação estatisticamente significativa entre o sintoma clínico “dificuldade de separação dos pais”, de um lado, e os sintomas clínicos “agitação motora”, “condutas agressivas” e “dificuldades de aceitação da lei”, de outro lado” (p. 51).

Frente a estes dados, observou-se que o não bom estabelecimento da função parental ocasiona dificuldades no processo de separação entre a criança e seus pais, “gera distúrbios na construção da imagem corporal e uma agitação motora – aliada à dificuldade de seguir a lei – que seriam correlativos a essa falha no estabelecimento da função parental” (KUPFER e BERNARDINO, 2009, p. 51). Ou seja, as conclusões deste estudo comprovam a existência de uma correlação entre o papel dos pais no processo de desenvolvimento psíquico do filho e a interferência destes no surgimento de sintomas na criança.

Um dos principais fatores relacionados à falha no estabelecimento da função parental pode ser reconhecido no processo de “declínio da função paterna”, processo este que tem o seu ponto culminante nos casos em que o pai é desautorizado pela sua mulher, seja de forma escancarada ou velada. Nestas situações a criança percebe a disfunção entre os adultos de forma consciente ou inconsciente e tende a apresentar sintomas como forma de apontar para esta dificuldade no âmbito familiar.

Podemos entender a sintomatologia do TDA/H (conforme um ponto de vista psicanalítico) como uma forma de apelo, um pedido para que a função paterna se coloque presente no contexto das relações familiares, de forma a proteger a criança de uma “captura do desejo materno” (KUPFER e BERNARDINO, 2009, p. 55). Esta “captura” ocorre quando a mãe apresenta significativas dificuldades de se separar simbolicamente do filho e quando não surge um outro elemento (função paterna) que retire a criança deste lugar de objeto que complementa as faltas maternas (tal como comentamos no tópico anterior).

Cabe ao elemento terceiro/função paterna a inserção da “lei” na relação entre mãe e filho para que este não fique preso a um lugar simbólico que faz com que o seu desenvolvimento psíquico/subjetivo fique vulnerável. A “lei” em psicanálise refere-se àquilo que “deve ser feito”

7 Para os fins deste artigo utilizaremos o sentido de “lei” como princípios gerais que estruturam o desenvolvimento psíquico humano como, por exemplo, a capacidade de se submeter às regras básicas do convívio humano, a relação com a verdade e relação do sujeito com a sua palavra entre outros. A utilização do termo “lei”, neste contexto, refere-se à sua acepção psicanalítica lacaniana e não como correlato da sua acepção jurídica.

no contexto das relações, em oposição àquilo que as pessoas têm “vontade de fazer”, mesmo sabendo que dali surgirão consequências indesejadas.

De forma mais simples, um desejo mediado pela função paterna é aquele que assegura uma relação saudável entre os adultos e a criança. Já um desejo sem mediação de um elemento terceiro é aquele em que a criança é tomada como um objeto, como um meio para que o adulto consiga obter uma satisfação de caráter compulsivo, repetitivo e mórbido. São exemplos comuns aqueles em que a mãe, para não ter que se deparar com um sentimento de solidão (quando o pai não mais está presente), faz com que a criança durma sempre com ela, na mesma cama; quando pai e mãe inconscientemente não admitem que o filho deixe de ser bebê e passe a ser um menino e o continuam tratando de forma que permaneça numa posição infantilizada indefinidamente; quando os pais não conseguem apresentar os limites ao filho por pensarem que o mesmo não vai suportar ou que o filho vai deixar de amá-los.

Após abordarmos os fatores “processo de separação pais/criança” e “a importância da lei nas relações” e suas implicações no desenvolvimento psíquico da criança de no surgimento de quadros sintomáticos, vejamos a seguir como os “tabus” familiares podem adquirir potencial patogênico especialmente para a criança.

2.3-“Tabus” e sua correlação com o surgimento de sintomas na criança

A impossibilidade dos adultos de falar sobre determinados assuntos inerentes às relações humanas tem grande potencial patogênico, ou seja, de gerar sintomas na criança. Segundo Mannoni:

“Naquele ponto em que a linguagem termina, é o comportamento que continua a falar, e quando se trata de crianças perturbadas, é a criança que, pelos seus sintomas, encarna e presentifica as consequências de um conflito vivo, familiar ou conjugal, camuflado e aceito por seus pais”. (1981, p. 13, apud LIMA, s/p)

São exceções as situações nas quais a família que procura atendimento psicológico para o filho que apresenta sintomas de TDA/H não se encontra também adoecida. Já nas primeiras entrevistas, ao relatarem os motivos que os fizeram buscar auxílio profissional, os adultos revelam a existência dos “tabus familiares”. São assuntos que não podem ser falados, contados, pois, pelo menos um dos adultos da família demonstra intensa angústia frente à idéia de abordá-los de forma direta e verdadeira.

É comum que cada família, de acordo com sua tradição simbólica consciente e inconsciente, demonstre dificuldades em abordar determinados assuntos, seja entre os adultos ou frente à criança. No contexto clínico notamos que assuntos como separação dos pais, doenças graves, morte, sexualidade, tristeza, adoção, abandono, crimes, internamentos psiquiátricos, traições,

violência (e outros frente os quais a criança expressa uma incompreensão a respeito de uma realidade que observa) tendem a se tornar “tabus” devido à dificuldade apresentadas pelos adultos de se poder falar sobre os mesmos. Esta dificuldade, por sua vez, encontra-se intimamente relacionada ao surgimento de sintomas na criança.

Para o desenvolvimento psíquico saudável da criança é fundamental que ela possa ser esclarecida sobre as situações que vivencia de maneira aberta e verdadeira, respeitando seus limites de compreensão. A melhor forma de perceber quais são estes limites é observar o tipo de perguntas que a criança faz e acolher a sua curiosidade. Quando uma criança mostra interesse em saber mais sobre determinado assunto significa que ela já está preparada para compreender o que lhe será dito. Se continua perguntando sobre determinado assunto, é porque ainda não ficou satisfeita com o que lhe responderam, pois, de alguma maneira sabe que existem informações que ainda não foram compartilhadas com ela.

Não só é importante que o adulto possa falar com a criança sobre assuntos que lhe geram dúvidas ou angústia, mas que também a criança possa expressar seus sentimentos perante os adultos. Segundo Dolto: “[é] necessário se ocupar das crianças, a fim de prevenir: fazer expressar-se o que, não dito, explodiria mais tarde.” (1987/2005, p. 158). A “explosão”, que pode ser evitada através da expressão pela fala, brincadeiras ou atividades como o desenhar, pode surgir em forma de sintomas na criança – especialmente aqueles que afetam a motricidade pela via da inibição (medos, isolamento, tristeza, desânimo, apatia) ou pela via da agitação (compulsões, tiques, agressividade, descontrole corporal).

Clinicamente observarmos que há uma conexão entre angústia e motricidade, pois, “uma das modalidades que a criança tem de angustiar-se é através do movimento” (Levin, 1997, p. 209 apud KUPFER e BERNARDINO, 2009, p. 52). Quando a criança não encontra vias simbólicas para expressar seus sentimentos, naturalmente ela o faz através de formas “concretas”, seja com comportamentos (chorar, agitar-se, provocar dor), seja pelo seu padecimento físico (sintomas somáticos como disfunções digestivas, diminuição da imunidade, doenças respiratórias, perda do controle esfincteriano, ecoprese, enurese, etc.).

O tratamento psicanalítico tem como uma das principais funções auxiliar a criança em seu processo de expressão dos sentimentos através de formas adequadas e saudáveis, e não pela via sintomática. Sobre a função do tratamento, Dolto afirma que:

“Sabemos hoje a importância que há em comunicar e ventilar emoções para a expressão de alguém. A cura psicanalítica ajuda a colocar palavras sobre aquilo que vivemos. Quando ela tem “palavras para o dizer” [...], a criança que está ligada aos pais, e que é sua detectora, não tem necessidade, por meio de males, de traduzir que ela recebe e sofre os efeitos daquilo que sua mãe e seu pai sabem e que ela percebe.” (1987/2005, p. 160-1)

Devido ao fato da criança não dispor dos mesmos instrumentos simbólicos que os adultos, a criança traduz e expressa sensações ou sentimentos relativos ao contexto familiar através de “males”, ou seja, através de sintomas psíquicos.

Diferentemente do senso comum que recomenda aos pais que “poupem” as crianças das situações ou assuntos difíceis, a possibilidade do adulto colocar em palavras as suas angústias fazem com que a criança entenda o que acontece entre os familiares com “menos impacto desorganizador”. Quando os conteúdos são falados, ditos, a criança sente um alívio imediato, pois, o saber acalma na medida em que desfaz uma série de fantasias criadas pela criança para explicar aquilo que até então ela não conseguia entender. Podemos entender isto de forma bastante simples ao observarmos o quanto a possibilidade de se saber o que está ocorrendo ou o que pode acontecer tem um potencial de nos acalmar. Se estamos num vôo e o avião começa a sofrer uma turbulência, o fato de o comandante informar que isto está ocorrendo devido a uma corrente de ar que em dois minutos tudo voltará ao normal deixa-nos mais calmos e tranquilos. Com a criança é isso que acontece: a possibilidade dela saber o que se passa faz com que ela não precise vivenciar uma série de fantasias de caráter angustiante.

Ainda sobre a questão da relação entre impossibilidade da criança compreender e expressar seus conteúdos e o surgimento de sintomas somáticos, Dolto afirma que:

“Se a linguagem obscura do inconsciente [...] não é dita, é o corpo que fala essa linguagem. Toda a patologia e a psicossomática na criança, e ela continua ainda a sê-lo no adulto naquilo que “ele” não pode “se” dizer”. (1987/2005, p. 172)

O déficit de atenção e a hiperatividade são sintomas que se apresentam no corpo da criança e podem ser interpretados como uma forma de se poder falar sobre os conteúdos que permanecem obscuros, ou seja, inconscientes. Tais conteúdos permanecem obscuros devido ao fato de terem sido censurados ou, por serem assuntos “tabus” – que não podem ser falados abertamente. Os sintomas decorrentes deste tipo de situação não afetam apenas as pessoas durante o período da infância, mas podem persistir na adolescência e na idade adulta sob a forma de fobias, inibições e outros quadros sintomáticos como o transtorno bipolar, transtorno depressivo, transtorno do pânico.

Ao abordarmos neste tópico a questão dos assuntos “tabus” e a sua relação com a gênese de sintomas psíquicos e somáticos na criança concluímos a parte “teórica” deste artigo, a qual tem como função fundamentar os tópicos subsequentes. Vejamos então como é realizado um tratamento psicanalítico com crianças que apresentam TDA/H.

3-ARTICULAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS TEÓRICOS E A PRÁTICA: O ATENDIMENTO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS COM TDA/H

Neste tópico abordaremos os passos de um tratamento psicanalítico com crianças que apresentam TDA/H sob um enfoque prático e técnico, em complementação aos conteúdos teóricos discutidos anteriormente. De início trataremos do que em psicanálise chamamos de

“entrevistas preliminares”; em seguida falaremos sobre o vínculo paciente/familiares/psicanalista e das questões relacionadas com o fenômeno da transferência (conforme o que foi apresentado no tópico 1.2.2). Na sequência discorreremos sobre temas como as características gerais do atendimento com crianças que apresentam TDA/H, a função do diagnóstico para a família e para a escola e as alternativas de atendimentos complementares à criança com TDA/H.

3.1-Sobre o início do tratamento psicanalítico: as entrevistas preliminares

A primeira etapa de um atendimento ou tratamento psicanalítico de crianças corresponde a uma avaliação preliminar das demandas e queixas apresentadas pela família, pela escola e, especialmente, pela criança, queixas estas que motivaram a procura de ajuda profissional.

No caso das crianças trazidas para o atendimento psicanalítico, normalmente são seus pais, pessoas próximas ou a escola que detectam que a criança encontra-se em estado de sofrimento psíquico. Existem, porém, casos em que a criança apresenta sintomas, mas que estes não são percebidos pelos familiares. Nestas situações, o papel da escola é imprescindível para que os pais sejam alertados sobre o filho e para que sejam orientados a buscar atendimento especializado para o filho.

Apesar de variar de profissional para profissional, o processo de avaliação preliminar ou avaliação inicial geralmente dura de uma a três sessões, período este necessário para que o psicólogo possa concluir se a criança realmente necessita de um acompanhamento psicanalítico e/ou se é necessário encaminhá-la a outros tipos de serviços como, por exemplo, avaliação psiquiátrica, neurológica, atendimento médico de outra especialidade (gastroenterologista, urologista, oftalmologista, otorrinolaringologista) ou se a criança necessita de atendimentos de caráter intensivo com equipe multidisciplinar como, por exemplo, em sistema de “clínica dia”, como o realizado em CAPS8.

As sessões de avaliação preliminar são fundamentais para que o psicólogo possa compreender quais são as dificuldades que a criança apresenta nos ambientes sociais (escola, família), avaliar a gravidade dos seus sintomas e o seu nível de sofrimento psíquico. Este é o passo inicial para que o profissional possa estabelecer uma hipótese diagnóstica. Apesar de terem um caráter avaliativo, as sessões preliminares apresentam potencial terapêutico, pois, já nas primeiras sessões a criança e sua família iniciam o processo de reconhecimento dos fatores relacionados ao transtorno apresentado pela criança e iniciam um trabalho de reorganização familiar – ambos passos necessários para a melhora da criança.

No caso das crianças que apresentam TDA/H, durante as entrevistas preliminares o psicanalista fornece uma série de orientações básicas à criança, aos familiares e aos

8 Centro de Atenção Psicossocial. Atendimentos intensivos são indicados para crianças que demonstram severos prejuízos no estabelecimento das relações sociais, que apresentam sinais de risco de tentar suicídio ou que se encontram em alto risco frente a questões como auto ou hetero-agressividade.

profissionais da escola sobre como proceder nos momentos em que a criança expressa suas dificuldades, nos momentos em que ocorrem as crises (distração, agressividade, agitação, descontrole corporal, choro), sobre como reorganizar a rotina familiar, as leis e combinados e sobre o reconhecimento dos papéis familiares.

Apesar de não representarem o cerne de um tratamento psicanalítico, as orientações devem ser apresentadas logo no início do tratamento, pois, são comuns as situações em que, diante a esclarecimentos específicos como os citados anteriormente, uma série de maus entendidos de menor nível de complexidade (mas que efetivamente atrapalham a relação entre a criança e seus familiares) podem ser resolvidos.

3.2-Sobre o vínculo paciente/familiares/psicanalista e questões atinentes ao fenômeno da transferência

As entrevistas preliminares também são decisivas sob o aspecto da constituição do vínculo entre a criança, família e o psicanalista. Para que a criança tenha condições de formar um vínculo terapêutico com o psicólogo, é necessário que este consiga colocar-se numa posição de escuta, interesse, respeito e acolhimento da criança e de sua família, de forma que todos se sintam em confiança e seguros com o profissional.

Em psicanálise pode-se dizer que a formação ou não do vínculo com o psicanalista depende da abertura deste de acolher a transferência que nele será posta pelo paciente e sua família e da sua capacidade de escutá-la de modo analítico, identificando-a e traduzindo-a para a criança e seus familiares no decorrer das sessões. Para tanto, é necessário que o psicanalista tenha experiência e preparo para compreender que o paciente e sua família o farão experimentar determinadas sensações que fazem parte exclusivamente da dinâmica vivida naquele contexto familiar, as quais não têm relação com a pessoa do terapeuta. A possibilidade de identificar tais sensações que lhes são transferidas e traduzi-las em palavras constitui uma das tarefas mais importantes de um tratamento.

É importante que no decorrer das entrevistas preliminares o psicanalista forneça noções básicas à criança e sua família sobre como funciona o tratamento, o tempo necessário para que surjam os primeiros efeitos, as expectativas sobre a remissão dos sintomas e o papel de cada um no tratamento. Ou seja, é importante que o psicanalista estabeleça uma espécie de “contrato” com o paciente e sua família de forma clara, enfatizando fatores como frequência, regras para desmarcação de consultas, pagamento, organização da sessão (presença de familiares), relação com a escola.

Além de ter a função de estabelecer uma base comum para o prosseguimento do tratamento, o contrato também tem a função de servir de baliza ao psicanalista. Ao observar o modo como o paciente e sua família entendem o contrato terapêutico, as dificuldades que os mesmos apresentam para respeitar as regras como o horário combinado, a ocorrência de faltas ou desmarcações, o psicólogo pode ter uma idéia bastante precisa sobre como estas pessoas se

portam nas demais relações – considerando que as pessoas repetem seus padrões de relação nos diferentes ambientes.

Ou seja, ao observar uma criança que já na primeira consulta entra no consultório e mexe em todo tipo de objeto, fica de pé sobre as poltronas, entra e sai da sala, retira os móveis de lugar, o psicanalista apenas tem a possibilidade de vislumbrar como esta criança age nos demais ambientes que frequenta como, por exemplo, a sua casa e sua escola.

Os sentimentos que a criança gera no terapeuta (ansiedade, impotência, nervosismo, raiva ou outros) são os mesmos sentidos por seus pais ou professores. A diferença é que o terapeuta pode perceber que estes sentimentos não são seus, mas que são nele transferidos pela criança. Desta forma, ao invés de agir tal como os professores ou pais quando sentem estes sentimentos, o terapeuta não “re-age” a eles, mas auxilia a criança e seus familiares a percebê-los e compreendê-los. Neste sentido, dizemos que o terapeuta nunca deve agir em reação aos conteúdos que lhes são transferidos, mas que deve identificar e se separar destes conteúdos por saber que não são seus.

Não existe uma forma única de se realizar as sessões de atendimento com crianças, pois, dependendo do estilo do terapeuta, as crianças podem ser atendidas juntamente com os pais ou sozinhas. Dependendo da situação, a família pode ser atendida de início sem a presença da criança – especialmente nos casos em que os adultos demonstram um alto grau de angústia devido ao fato de terem que falar sobre determinados assuntos que são considerados “tabu” no contexto familiar. São exemplos frequentes: quando o filho é adotado e ainda não recebeu a notícia oficialmente, quando alguma pessoa próxima faleceu, doenças graves ou terminais, casal em vias de se separar e outros que podem causar algum tipo de desconforto aos adultos frente à possibilidade de dividi-los com a criança.

Após abordarmos a questão do vínculo entre paciente, família e psicanalista e sua função no tratamento, vejamos a seguir quais são os principais formatos de atendimento e os seus diferentes cenários de complexidade.

3.3-Características gerais do atendimento com crianças que apresentam TDA/H

Uma das formas mais utilizadas no início de um trabalho psicanalítico é o atendimento da criança juntamente com um cuidador, especialmente na primeira parte da sessão. Num segundo momento da sessão, a criança é atendida sozinha, para que então possa se expressar livremente, sem preocupações sobre a opinião dos seus familiares. O atendimento da criança juntamente com um adulto no início da sessão tem a função de servir ao terapeuta como uma espécie de ponto de ancoragem com a realidade concreta da criança. Esta realidade é apresentada pelo adulto que acompanha a criança quando ele relata o modo como a criança se apresenta em casa e no contexto escolar, quando fala das mudanças que a criança experimenta no decorrer do tratamento e quando constata as melhoras e recaídas apresentadas pela criança.

A criança e seus familiares começam a usufruir dos efeitos de um tratamento psicanalítico desde o seu início. Isto porque o simples fato da criança e seu cuidador terem a oportunidade de falar sobre os conflitos a um profissional preparado provoca neles um alívio e uma diminuição da angústia. Contudo, os efeitos decorrentes das primeiras sessões não podem ser considerados de caráter definitivo, mas de caráter temporário, considerando que qualquer situação mais grave que a criança ou a família tenha que enfrentar é capaz de gerar o que chamamos no senso comum de “recaída”.

Para que um tratamento comece a apresentar efeitos mais significativos exige-se ao menos uma média de três meses de trabalho com sessões semanais, período este em que a criança e a sua família têm condições de começar a compreender quais são as dificuldades próprias da dinâmica familiar e de iniciar o trabalho de elaboração de novas alternativas para a solução dos conflitos vivenciados pela criança.

Ainda outra característica do trabalho psicanalítico com crianças que apresentam TDA/H é o nível de complexidade do tratamento. Verificamos pelo menos três grandes cenários distintos de tratamento no que tange à sua complexidade:

- Primeiro cenário: a criança apresenta sintomas em decorrência de um momento de desorganização familiar pontual que, quando superado, a criança recupera-se rapidamente;

- Segundo cenário: a criança apresenta dificuldades mais significativas, associadas a uma disfunção familiar crônica e de difícil resolução. São casos em que se faz necessário um acompanhamento terapêutico dos pais, o qual visa catalisar a operação de desarticulação dos fantasmas familiares. Quando a família não consegue engajar-se no tratamento, este precisa ser realizado apenas com a criança, o que torna o processo mais lento e de difícil resolução.

- Um terceiro cenário é aquele em que não se verificam problemas na dinâmica psíquica da família, o que indica que a criança pode estar sofrendo de algum tipo de disfunção orgânica (lesões no sistema nervoso, más formações, alterações hormonais ou de metabolismo, deficiências ou outras doenças). Nestes casos, o atendimento clínico psicanalítico não pode ser considerado como o principal método de tratamento, mas como uma ferramenta que complementa o tratamento médico (psiquiátrico ou neurológico).

Vale ressaltar que quando se trata do primeiro ou do segundo cenário, as avaliações e exames neurológicos, quando realizados, costumam confirmar o estado de normalidade do sistema nervoso central da criança. E isto é o que ocorre com a maior parte das crianças com TDA/H que são encaminhadas a um serviço de atendimento psicológico.

Após apresentarmos em linhas gerais como um tratamento psicanalítico de crianças se estrutura e quais são os cenários possíveis de complexidade no atendimento de crianças com

TDA/H, vejamos a seguir qual é o papel do diagnóstico em um tratamento psicanalítico, seus usos adequados e inadequados frente à criança, a família e a escola.

3.4-A função do diagnóstico de TDA/H e seus efeitos frente à criança, aos pais e à escola

Em saúde mental, existem duas formas distintas de se compreender a função e utilidade de um diagnóstico. Numa primeira perspectiva o diagnóstico pode ser utilizado como uma forma de justificar uma série de sintomas, inadequações e incapacidades apresentadas pela pessoa, indicando um déficit ou mau funcionamento neuronal, o qual por sua vez precisa ser corrigido com o uso exclusivo de medicamentos.

A segunda perspectiva de se compreender a questão do diagnóstico, adotada por nós neste artigo, entende o diagnóstico como uma espécie de “fotografia” da pessoa no momento em que ela é avaliada. Esta fotografia tem um caráter momentâneo e não é capaz de predizer a forma como a pessoa irá se desenvolver na sequência. Sua função é a de auxiliar os profissionais e familiares que têm contato com a criança de forma a rever padrões relacionais patológicos familiares e sociais, estimular a criança no sentido de superar suas dificuldades, escutá-la, oferecer-lhe novas perspectivas de resolução de problemas entre outros.

Segundo esta vertente, o diagnóstico não tem o poder de predizer e “fechar” o futuro desta criança, mas serve de ferramenta para a superação das suas dificuldades. Dentro desta perspectiva de se pensar a função do diagnóstico, existe atualmente um movimento de substituição da expressão “diagnóstico” por “hipótese diagnóstica”, principalmente quando é aplicada ao campo infantil e relacionada à saúde mental. Isto porque a palavra “hipótese” impede que haja um fechamento do diagnóstico em seu sentido mais nocivo para o tratamento: aquele em que o diagnóstico serve de “tampão” para se reconhecer o que não vai bem na esfera relacional do paciente.

Estes conflitos sobre o conceito de diagnóstico e sua influência para a determinação do tipo de tratamento a ser realizado pela criança com TDA/H reaparece com força nos ambientes escolares, especialmente quando se trata de avaliar se determinada criança tem condições de continuar frequentando o ambiente escolar ou se deve ser encaminhada a outro tipo de instituição.

É esperado que crianças diagnosticadas com TDA/H gerem desconforto e angústia nos professores e nas equipes pedagógicas das escolas, tendo em vista as dificuldades que elas apresentam no convívio social e no processo de aprendizagem formal. Neste tipo de situação o professor tende a sentir-se impotente quando não desrespeitado por crianças que não conseguem se comportar adequadamente no ambiente da sala de aula, que não obedecem às regras colocadas pelo professor e que não acompanham o desenvolvimento apresentado pelo restante dos alunos. É comum nestes casos o professor pedir à família que realize uma avaliação psicológica com o filho e que procure atendimento especializado.

Contudo, são comuns situações em que o professor realiza este tipo de encaminhamento como forma de não mais se envolver com a problemática apresentada pelo aluno, pois “ele é um TDA/H”. O diagnóstico fechado nestes contextos pode ter efeitos devastadores na criança, pois, passa a justificar uma postura de desistência da escola frente à criança. Quando a escola não se engaja no tratamento da criança, a mesma passa a enfrentar uma série de dificuldades que tornam seu tratamento ainda mais lento e menos efetivo.

É falsa a idéia frequentemente adotada por professores e profissionais da escola de que o psicólogo ou o psiquiatra resolverão sozinhos a problemática apresentada pela criança, devolvendo-a à escola quando a mesma tiver concluído o tratamento e se tornado novamente uma criança saudável. Provavelmente devido à angústia sentida por estes profissionais frente às dúvidas de como proceder junto a uma criança que apresenta dificuldades, há uma tendência deles promoverem uma espécie de “abandono” da criança com TDA/H: “Ela não aprende porque tem TDA/H. Enquanto a família não levar ao psicólogo ou ao psiquiatra para tomar Ritalina, ele não vai melhorar”. Especialmente nos casos em que a criança apresenta sintomas em decorrência de uma disfunção familiar, psicólogos e psiquiatras não conseguem promover resultados milagrosos, resultados estes esperados pela escola.

Assim, o diagnóstico só auxilia a criança quando serve de índice, de sinal que aponta para uma dificuldade vivenciada pela criança e, na maioria das vezes, pela sua família também. Segundo esta perspectiva, a escola, a família e o psicanalista podem utilizar o diagnóstico como um símbolo de que a criança necessita de auxílio em todos os âmbitos da sua vida: casa, escola e tratamento psicanalítico. Os professores que adotam esta forma de compreender a função do diagnóstico de TDA/H, por exemplo, se permitem a aprimorar o seu modo de se relacionar com os alunos e de ensiná-los.

Existem várias situações em que o tratamento psicanalítico não se mostra suficiente para auxiliar a criança a superar seus conflitos psíquicos e seus sintomas decorrentes do TDA/H. A seguir apresentaremos algumas alternativas de tratamento que podem ser realizadas em paralelo com o atendimento psicanalítico.

3.5-Trabalhos complementares ao tratamento psicanalítico

Nem toda criança que apresenta TDA/H necessita fazer uso de medicamentos, especialmente no período inicial do tratamento psicanalítico. Isto porque, quando as dificuldades apresentadas pela criança estão intimamente associadas a questões pontuais familiares ou mesmo relativas ao ambiente escolar, o tratamento psicanalítico apresenta eficácia por si só, dispensando o uso de psicofármacos.

Psiquiatras e neurologistas infantis com experiência em trabalhos realizados por equipes multidisciplinares costumam não receitar medicamentos logo no início do tratamento, a não ser que a criança encontre-se em situação de risco ou que esteja vivenciando um estado de intenso sofrimento psíquico. Nos demais contextos, os psiquiatras costumam aguardar as

respostas que a criança apresenta nas primeiras semanas de tratamento (as quais costumam ser significativamente positivas).

O uso de medicamentos se faz necessário nos casos avaliados primeiramente como leves ou moderados que não apresentam melhora com o acompanhamento psicanalítico ou para crianças que apresentam um quadro de maior gravidade (agitação excessiva, risco, violência, descontrole exacerbado, sinais de vivência de angústia intensa, ansiedade, medos e fobias entre outros).

A principal função do uso de psicofármacos é oferecer à criança a possibilidade de conviver com seu quadro sintomático sem que tenha que vivenciar uma quota intensa de sofrimento. O medicamento assegura a criança e a família para que os mesmos possam dar continuidade ao tratamento psicanalítico ou multidisciplinar (quando existe este tipo de necessidade) sem risco de interrupção. À medida que a criança progride no tratamento, a necessidade do uso de medicamentos diminui até o ponto de não mais serem necessários.

Existem, porém, situações (principalmente aquelas descritas pelo terceiro tipo de cenário acima, em que há fortes indícios de que o TDA/H esteja associado a fatores exclusivamente orgânicos) em que o tratamento medicamentoso da criança precisa ser contínuo ou por um longo prazo. Nestes casos, o tratamento psicanalítico não pode ser utilizado como único recurso para o auxílio das crianças que, por exemplo, apresentam outros tipos de transtornos mais graves associados ao TDA/H como autismo, síndromes, retardo mental entre outros.

Outro ponto importante sobre os trabalhos complementares ao atendimento psicanalítico da criança com TDA/H é a verificação da necessidade de acompanhamento terapêutico dos pais ou adultos que convivem com a criança. A indicação de atendimento para os adultos se faz necessária nos casos em que os problemas apresentados pela criança encontram-se intimamente relacionados com dificuldades dos outros membros da sua família. Dolto (1987/2005) identificou este tipo de problema nas seguintes palavras:

“[...] os pais se desorganizavam quando seus filhos iam melhor. Era preciso, portanto, falar com os pais [...]. Em certos casos, eram os pais que tornavam doentes as crianças; em outros, o mal estava feito, e uns e outros não iam bem. Se o estado do filho em tratamento melhorava, eu constatava que o do pai que requisitara o tratamento ia mal. Nunca as crianças se desorganizavam porque os pais vão bem; é o contrário; são sempre os pais que se desorganizam quando o filho vai bem. (p. 159-60)

Dolto observou que não só as crianças necessitavam de ajuda, mas também os adultos que as traziam para os atendimentos. Em alguns momentos do tratamento eram as crianças que mais precisavam ser ouvidas, em outros os pais. Ainda segundo a psicanalista, às vezes, durante uma sessão, um dos pais da criança chegava a dizer algo como: “- Quanto a mim, não estou bem... A criança, agora, vai bem” (1987/2005, p. 160). Se a criança apresenta melhoras e os adultos continuam em estado de sofrimento, este é o caso de encaminhá-los para uma terapia em separado da criança.

Neste tópico elencamos as principais formas de atendimento que podem ser associadas a um tratamento psicanalítico de crianças que apresentam TDA/H. A seguir faremos as considerações finais, utilizando o que foi discutido até aqui para se pensar nos desafios cotidianos que o professor enfrenta junto a alunos com TDA/H e em possíveis formas de trabalho para este tipo de contexto.

4-POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÕES COM ALUNOS QUE APRESENTAM TDA/H

O trabalho do professor junto a uma criança que apresenta TDA/H só adquire eficácia na medida em que o professor percebe que o quadro apresentado pela criança não deve ser compreendido apenas como um problema de fundo orgânico, ou seja, como um problema do sistema nervoso que deve ser tratado exclusivamente com o uso de medicamentos como a Ritalina ou com o “treinamento” reeducativo da criança.

Já de partida o professor deve ser capaz de compreender que os sintomas apresentados pela criança mascaram uma realidade mais complexa que, na grande maioria das vezes, revela uma disfunção familiar. A partir desta ótica, o professor tem condições de compreender a importância de se “dar lugar às perguntas da criança sobre seu corpo, sua possibilidade de representá-lo imaginariamente e seu lugar no mundo, que se manifestam através da sintomatologia” (KUPFER e BERNARDINO, 2009, p. 56).

O papel do professor frente crianças que apresentam TDA/H é próximo ao do terapeuta que a escuta clinicamente. Em alguns casos, a função do professor pode ser ainda mais importante do que a do terapeuta quando se trata de crianças com TDA/H, por exemplo, quando a criança forma um forte vínculo de confiança com o professor. Interessante é o cenário em que o professor permite-se utilizar do poder de influência que ele tem junto ao aluno, pois ele pode auxiliá-lo a superar suas dificuldades em prestar a atenção nos conteúdos acadêmicos e em controlar seu corpo no ambiente da sala de aula.

Considerando a importância da figura do professor perante seus alunos, vejamos abaixo algumas formas possíveis do professor atuar na escola de forma compatível a um tratamento psicanalítico para crianças com TDA/H:

- Engajamento: Qualquer atitude realizada pelo professor deixa de ter potencial modificador se o mesmo não está engajado com sua escolha profissional ou se a realiza de forma mecânica e descompromissada. Os alunos percebem quando o professor não acredita naquilo que faz, ou quando assume uma postura queixosa sobre o seu próprio ofício. Nestes casos, as palavras do professor perdem o potencial de causar modificações significativas nos alunos e a sua pessoa deixa de ser vista como uma referência, como alguém digno de respeito. Em psicanálise utilizamos o conceito de “desejo” para fazer referência a esta questão: “qual é a relação que o professor tem com o seu desejo de ser um educador?”.

- Olhar antecipatório: Cabe ao professor sempre “olhar” para os seus alunos, sejam eles diagnosticados com TDA/H ou não, de forma “antecipatória”, ou seja, supondo e apostando que eles poderão realizar tarefas e adquirir conhecimentos que ainda não possuem no momento. Este olhar antecipatório faz com que o professor veja seus alunos como sujeitos, capazes de superar dificuldades e de ultrapassar suas limitações atuais. De posse deste tipo de “olhar”, o professor naturalmente estimula melhor os seus alunos e exige mais deles, porém, sempre de forma responsável e de modo conectado com a realidade deles.

- Expressão dos afetos: As crianças têm necessidade de expressar seus afetos, seja via fala (conversa), brincadeiras ou atividades como desenhar, modelar massinha entre outras. Crianças que apresentam déficit de atenção podem ser estimuladas a falar ou expressar via desenhos ou brincadeiras os conteúdos que lhe ocupam o pensamento durante os momentos em que deveria estar realizando as atividades escolares. Se a criança sente confiança na figura do professor ela encontra mais facilidade para falar sobre seus conflitos e expressar os sentimentos que a angustiam. Crianças em crises de agitação corporal ou agressividade também podem ser estimuladas a expressar seus afetos nos tipos de atividades.

- Falar do desejo: Todos têm o direito de desejar, especialmente as crianças, mesmo que um desejo não possível de ser realizado. Mais do que ficar restrito ao pólo autoritário ou ao pólo permissivo, o professor pode estimular a criança a “falar” sobre seus desejos, sem que os mesmos tenham que ser reprimidos ou satisfeitos na realidade. Numa situação em que a criança quer sair de sala antes do horário permitido, o professor pode dizer algo como: “Eu entendo que você já quer sair para o pátio para brincar, mas ainda não é hora do recreio. Mas que tal você me dizer o que você pretende fazer quando estiver lá fora? Que tal fazermos um desenho sobre isto ou inventar uma história”. Assim, o professor não fica pressionado a ter que ceder ou negar o pedido da criança, o que o permite auxiliá-la a simbolizar seu desejo.

- Tratar a criança como um sujeito: Apesar de pequena, a criança deve ser tratada como um sujeito desde cedo, e não como alguém incapaz. A diferença é que de acordo com a primeira perspectiva, o adulto pode ensinar a criança a não se colocar em situações de risco, a buscar auxílio quando se sentir ameaçada chamando pessoas de confiança, a não se envolver com os problemas dos adultos da sua casa (brigas entre os pais, eminência de separação, crises financeiras, transtornos psíquicos de um ou de ambos os pais como depressão, transtorno bipolar, internamentos psiquiátricos). Além disso, a criança também pode ser convocada para responder perguntas que digam a seu respeito como, por exemplo: “o que é que pode te ajudar a você conseguir se organizar na sala de aula?”, “no momento em que você começar a pensar nas coisas que não são para serem pensadas na escola, o que o professor pode falar para que você consiga voltar a prestar a atenção na aula?”, “como é que a gente pode te

ajudar?” entre outras. A criança é capaz de falar sobre o que a angustia e sobre o tipo de ajuda que ela necessita.

- O sintoma como forma de perverter os combinados da sala de aula: É também fundamental que o professor compreenda que os sintomas apresentados pela criança têm função de desorganizar a dinâmica da sala de aula e fazer com que o professor desrespeite as regras naturais da sala de aula. É o caso quando, por exemplo, o professo passa a diferenciar a criança com dificuldades das demais, quando o professor fica nervoso frente à criança com transtorno, quando se torna ou muito permissivo ou exageradamente punitivo com ela ou quando inventa regras, ameaças ou castigos aleatórios, no momento em que a criança apresenta uma crise. A melhor forma de o professor lidar com as crises decorrentes dos sintomas de seus alunos é “seguir um protocolo predeterminado”. Inicialmente o professor (e a escola como um todo) deve antecipar os tipos de situações que podem ocorrer no cotidiano da escola (crises de alunos, brigas, desatenção, agitação, saída da sala sem permissão) e estabelecer quais são as atitudes a serem tomadas quando tais situações ocorrerem na realidade. Desta forma, o professor não precisa inventar uma alternativa na hora que surge o problema, mas apenas deve tomar os atos que já foram previstos para cada situação. Por exemplo: quando um aluno sai de sala sem permissão, o professor deve abandonar a sala para buscá-lo ou deixar que o inspetor de pátio o reencaminhe para a sala de aula? Se um aluno agride fisicamente outro, como o professor deve proceder? Não existe um único protocolo que sirva a todas as escolas, mas é fundamental que cada uma discuta a sua forma de encaminhar as situações com os professores, equipe pedagógica e demais profissionais envolvidos no processo educacional. Isto deixa os professores, a equipe de educadores e os próprios alunos mais calmos e seguros.

- Formação da imagem corporal: Crianças que apresentam o sintoma de hiperatividade geralmente têm uma imagem distorcida do próprio corpo. Neste sentido, o professor pode propor atividades em que a criança tenha que representar o seu corpo em desenhos, recorte de figuras ou que proponha atividades “físicas” de reconhecimento do corpo. Uma alternativa interessante é a atividade em que a criança deita sob um papel e outra pessoa faz o contorno do seu corpo. Depois desta etapa a criança “preenche” a parte interna do contorno desenhando com colagens ou desenhos que representam as partes do seu corpo (olhos, boca, nariz, etc.). A partir deste tipo de atividade o professor tem condições de perceber como é a forma da criança representar a si mesma e, consequentemente, quais são as suas dificuldades e distorções no reconhecimento do próprio corpo. Por fim, o professor pode desfazer os maus entendidos da criança e oferecer a ela outras possibilidades de ver a si mesma.

- Estabelecimento dos combinados da sala de aula: apesar de ser uma tarefa simples, a apresentação clara dos combinados antes do início de uma atividade com crianças que possuem TDA/H costuma trazer ótimos resultados, pois, fornece uma espécie de “continente simbólico” à criança que tende a se desorganizar frente limites e regras. Além de estabelecer

os combinados antes do início das atividades, o professor pode retomá-los sempre que houver necessidade, de preferência de forma que coloque a criança como ativa no processo: “o que foi que nós combinamos no início da atividade?”, “será que isto que você está fazendo é permitido ou é proibido?”. Outra alternativa simples e eficaz é fazer este tipo de questionamento para toda a turma, o que faz com que a criança que apresenta dificuldades preste mais atenção ao que é dito pelos colegas.

- Falar sobre assuntos “tabus” de forma aberta e verdadeira: Conforme o que discutimos anteriormente, a impossibilidade da criança encontrar interlocutores para falar sobre sentimentos como tristeza, luto, sexualidade, preocupações sobre os adultos e outros assuntos que lhe geram dúvidas é reconhecidamente uma das principais causas de sintomas psíquicos na criança (incluindo o TDA/H). Dessa forma, o professor pode ter um papel importante no tratamento da criança ao colocar-se à disposição para conversar sobre estes assuntos de forma clara e verdadeira, pois são assuntos “humanos”, inerentes à vida, e que merecem ser tornados acessíveis à criança. Dependendo do tipo de vínculo que a criança faz com o professor, ele pode vir a ser a pessoa mais indicada para ser o interlocutor da criança frente a estes assuntos, especialmente quando os pais não conseguem realizar esta função.

- Intervenção com os pais: A percepção de que a dinâmica familiar influi decisivamente no surgimento de uma série de transtornos nos filhos faz parte do saber dos professores e dos profissionais da escola em geral. Contudo, o professor não deve ver os pais como culpados ou responsáveis pelo adoecimento psíquico da criança, pois, eles também se encontram em estado de desorganização e risco psíquico. Ou seja, a escola não deve colocar-se em oposição aos pais, mas deve acolhê-los da mesma forma que a criança e encaminhá-los para atendimento psicológico assim que haja esta abertura. O engajamento entre a escola e a família só traz vantagens para o tratamento da criança, pois, faz com que o mesmo seja mais eficaz num menor período de tempo.

- Intervenções de caráter preventivo: O paradigma atual que norteia as atividades em saúde mental prioriza a questão da prevenção em contraposição com uma postura de somente oferecer tratamento às pessoas já adoecidas. Há mais de um século atrás Freud já percebia o quanto era comum encontrar crianças em sofrimento psíquico, ou seja, que padecendo de “neuroses de crianças”. Contudo, naquela época (e ainda hoje), tais fenômenos deixavam de ser notados ou eram considerados como sinais de uma “criança má” ou “arteira”. De acordo com sua experiência de consultório, Freud notou que “Se uma neurose emerge posteriormente na vida, a análise revela, regularmente, que ela é continuação direta da doença infantil, que pode ter aparecido como sendo apenas um indício velado” (1917 [1916-1917], p. 425). Quando não tratadas, as crianças continuam a desenvolver sua neurose “numa doença que dura toda a vida.” (FREUD, 1917 [1916-1917], p. 425). Ou seja, o professor, enquanto uma das principais referências para a criança, tem condições de perceber quando seus alunos encontram-se em estado de sofrimento e de agir “preventivamente”,

encaminhando-os para um serviço de avaliação e atendimento de crianças, sinalizando tais situações para a direção da escola ou para a família. São sinais de risco para o desenvolvimento psíquico da criança: aumento da agressividade, desengajamento nas atividades acadêmicas, dificuldade em focar sua atenção, tendência ao isolamento, queixas frequentes sobre dores no corpo, referência a assuntos como “vontade de morrer”, entre outros.

- Afetividade e inteligência: Por fim, a psicanálise permite-nos observar que “[...] é a afetividade que dá sentido à inteligência de todos os humanos. A inteligência sozinha não existe” (DOLTO, 1987/2005, p. 87). Ao invés de insistir na aplicação de técnicas mecânicas de caráter exclusivamente comportamental, com a finalidade de “treinar” a criança a se comportar adequadamente na sala de aula, devemos “acolhê-la” e “escutá-la”. As experiências vividas pela criança no ambiente escolar não são apenas as ligadas com as questões acadêmicas/cognitivas, mas também incluem as de caráter afetivo e relacional. Além de “mestre” em determinados assuntos escolares, o professor ocupa uma função de “educador”, de pessoa “ideal”, “referência” de “modelo” para criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo apresentamos os principais conceitos que fundamentam um atendimento psicanalítico de crianças com TDA/H, sob um ponto de vista psicanalítico. Demonstramos as distinções entre a abordagem organicista, segundo a qual as causas do TDA/H e as formas de tratamento centram-se no uso de medicamentos e na aplicação de técnicas de treinamento comportamental, e o ponto de vista psicanalítico, que busca compreender o TDA/H como um conjunto de sintomas que apontam para a existência de um conflito psíquico na criança (geralmente relacionado a uma desorganização familiar). Ainda na parte teórica deste artigo apresentamos os conceitos psicanalíticos de “sintoma”, “transferência”, “conflito mental”, “resistência” e “inconsciente”.

Após delinearmos uma base teórica consistente, abordamos em seguida temas relativos à prática clínica, demonstrando como funciona um início de tratamento para crianças com TDA/H, o estabelecimento da relação entre a criança, a família e o terapeuta, o tempo necessário para a realização do tratamento, o tema do diagnóstico e sua função para a família e para escola, os temas mais recorrentes neste tipo de atendimento, os primeiros resultados terapêuticos e as alternativas de atendimentos complementares à criança com TDA/H.

Por fim, demonstramos como o conhecimento proveniente do campo da psicologia pode ser utilizado de forma prática pelos professores que precisam ensinar alunos com TDA/H. Discorremos sobre situações cotidianas que se apresentam no ambiente da sala de aula e propusemos estratégias que podem ser utilizadas pelos professores nos momentos em que a criança entra em crise.

Podemos concluir que o professor, enquanto figura que possui extrema importância para a criança, tem ótimas oportunidades de estimulá-la a “falar” ou “expressar” seus conflitos de outras maneiras que não através dos sintomas como agitação ou desvio da atenção. Na medida em que a criança confia em seu professor, ela se dispõe a realizar as tarefas que a ela são propostas. É neste sentido que o professor pode lançar mão de atividades que tenham fundo terapêutico (como escrever, desenhar, utilizar massinha, entre outras) para auxiliar a criança a “expressar” seus afetos. Na medida em que ela consegue se “expressar” ela deixa de precisar colocar em ato tais seus sentimentos.

Para que o seu trabalho tenha efeitos positivos, é fundamental que o professor não tenha uma crença ingênua de que o uso de medicamentos ou que um tratamento psicanalítico tem por si só o potencial de curar rapidamente a criança. Num primeiro momento, quando nos deparamos com situações adversas, nossa tendência é a de isolar o diferente, aquele que sai do padrão: “não posso ficar com esta criança em sala, não sei o que fazer com ela. Ela não tem condições de vir para escola, precisa ser medicada!”. Contudo, estamos vivendo um momento histórico em que cada vez mais o professor adquire papel fundamental no processo de recuperação da criança, o que exige dele um preparo adequado e um constante aprimoramento. A psicologia, e a psicanálise em especial, podem auxiliar o professor a melhor compreender as situações que envolvem crianças com TDA/H. Este é um primeiro passo neste rico e complexo assunto, e neste desafio de aproximação dos campos da educação e da psicologia.

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