09 - setembro - 02

1
ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 2 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 7 2 Quando começou a ser produzida no Brasil, o índice de nacionalização da Kombi era de 50%. Em 1961, já alcançava 95% e Simão Nunes Perei- ra (acima), então com 28 anos, trabalhava há um ano na Volkswagen como ponteador da pe- rua. “O pessoal montava a lateral e a parte tra- seira, depois eu vinha soldando com a pontea- deira", lembra Simão, hoje com 74 anos. Nasci- do no Recife (PE), ele é o exemplo do autêntico metalúrgico brasileiro, que ajudou a construir a indústria automobilística nacional. Começou a trabalhar ainda menino, na feira da Casa Ama- rela, junto com o pai. Depois, passou por qua- tro ou cinco empresas, a maioria têxtil, todas em Pernambuco, até migrar para São Paulo. Em 1960, ingressou nas fileiras da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, onde a Kombi é fabri- cada até hoje. PARADA NO TEMPO Sem o auxílio de robôs, a li- nha de produção é composta por 322 funcioná- rios. O modelo Standart tem 4.620 peças. Simão lembra que, na sua época, entre 1960 e 1963, eram duas linhas e cada uma produzia cerca de 25 uni- dades por dia. Em julho deste ano foram produzi- das 2.125 unidades, uma média de 70 por dia. ORGULHO DE PÉ A Kombi tem uma vantagem para o ponteador: é possível trabalhar em pé, mesmo dentro da carroceria. Depois que saiu da VW, Simão passou por diversas empresas de au- topeças até voltar para a montadora em 1968, quando foi trabalhar na linha de montagem do Fusca ( abaixo). “No Fusquinha dava 134 pontos de solda em dois minutos. Fazia a fixação do banco, mas o problema é que tinha que ficar envergado e acabei com problema na coluna”, conta. O Fusca o aposentou, mas ele não conseguiu dinheiro sufi- ciente para comprar uma Kombi. Queria uma pa- ra vender frutas na rua, já que tinha experiência na feira, no Recife. Esboço da Kombi desenhado em 1947 RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO AQUELE QUE FEZ ROLIMÃ CLASSIFICADOS VEÍCULOS Primeiro modelo produzido em 1957 FOTOS: VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO/REPRODUÇÃO NA LUTA Virou do- no de dois bares em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, e participou como sindicalista da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Ten- tou, sem sucesso, a candida- tura para uma vaga na Câma- ra Municipal de São Bernardo do Campo e hoje se orgulha dos cinco filhos e seis netos. Enche a boca para contar de um rebento, o mais velho, que trabalha na Bosch, e de outro que mora em Brasília e atua no projeto de microcrédito do governo federal. MUDANÇA Foi em 1976 que Simão ficou encos- tado por causa do Fusca. Um ano antes, a Kom- bi passou por sua modificação mais significati- va. As portas dianteiras tinham janelas com duas peças corrediças de vidro, mas o sistema passou a ser manuseado por manivela, como é atualmente, e a entrada de ar, que era no teto, foi instalada entre os piscas. Foram diversas mudanças ao longo de seus 50 anos, principal- mente em relação ao aca- bamento. De 1957 a 1986, a Kombi teve a versão luxo e, de 1997 a 1999, a Carat. SIMPLES A injeção eletrônica só chegou em 1997, fazendo com que a Kombi fosse o último modelo a deixar o carburador. Também foi a últi- ma a abandonar o motor refrigerado a ar, no final de 2006, em ambos os casos forçada pela legisla- ção ambiental. Mas direção hidráulica e ar-condi- cionado são luxos que não existem nem como opcionais para quem quer comprar uma Kombi. Aliás, o único opcional é o desembaçador do vi- dro traseiro. Uma Kombi Standart completa cus- ta R$ 41.385, na cor invariavelmente branca (abaixo à esquerda). TESTE A reportagem do caderno Veículos dirigiu a Kombi por uma semana. O motor 1.4 flex a dei- xou com um som diferente, mas a dureza da dire- ção, a falta de jeito para encontrar uma posição para guiar e os engates pouco precisos levam a pensar que o veículo deve ter um algo a mais pa- ra ter uma vida tão longa. Problemas de conforto e segurança de lado, a Kombi é um barato. Vê-se o trânsito de um andar superior. Também se escu- MARLOS NEY VIDAL/EM ta melhor o som ambiente, pois sem rádio e ar- condicionado os vidros ficam abertos dia e noite. APRENDIZADO Com o tempo, aprende-se que o volante também serve de almofada para esperar o semáforo abrir, que o frentista acha engraçado colocar álcool na Kombi e que manobrar em uma vaga simples com ela é exercício pesado. Porém, depois que se conversa com motoristas experien- tes na arte de guiar uma Kombi, aprende-se que para manobrá-la é preciso usar a técnica do ba- lanço, ou seja, acelerar e pisar no pedal da em- breagem levemente, para amaciar a direção. Ten- tar virá-la parada é um erro crasso, que pode, com o tempo, prejudicar o sistema de direção. DEFEITO Não foi possível, entretanto, devolver a Kombi usada para a reportagem com a caixa de marchas funcionando. Depois de rodar cerca de 500 quilômetros, incluindo trechos em estrada de terra e com capacidade máxima (nove pessoas), a primeira marcha não engatava mais. Aliás, engatar, engatava. O problema é que não segurava e a ala- vanca voltava para a posição de ponto morto. Mas não é nada para um modelo projetado em 1947 e que começou a ser produzido no Brasil há exatos 50 anos. Se fosse um carro moderno, só o reboque daria conta, mas a idade tem sua vantagem e mes- mo com o defeito foi possível guiá-la até a conces- sionária, forçando a primeira no muque, é claro. VELHA FOGOSA Grave mesmo são os incêndios ( abaixo) que contribuíram para a fama de insegu- ra da perua. O desmazelo de alguns proprietários e a idade avançada de muitas Kombis, aliados ao filtro de combustível próximo ao distribuidor, fi- zeram com que o modelo se transformasse em in- cendiário potencial. Porém, com a mudança da geração, em 1997, o risco diminuiu com as altera- ções na disposição dos componentes. Mas a frota circulante de peruas “fogosas” ainda é imensa. ESTEVAM PAIVA/DIVULGAÇÃO - 2/8/07 MARLOS NEY VIDAL/EM

Upload: daniel-camargos

Post on 22-Mar-2016

239 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

MUDANÇA Foi em 1976 que Simão ficou encos- TESTE A reportagem do caderno Veículos dirigiu PARADA NO TEMPO Sem o auxílio de robôs, a li- SIMPLES A injeção eletrônica só chegou em DEFEITO Não foi possível, entretanto, devolver a E STA D O D E M I N A S ● D O M I N G O , Esboço da Kombi desenhado em 1947 ta melhor o som ambiente, pois sem rádio e ar- condicionado os vidros ficam abertos dia e noite. MARLOS VIDAL / EM RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO

TRANSCRIPT

Page 1: 09 - setembro - 02

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 7

2

Quando começou a ser produzida no Brasil, oíndice de nacionalização da Kombi era de 50%.Em 1961, já alcançava 95% e Simão Nunes Perei-ra (acima), então com 28 anos, trabalhava háum ano na Volkswagen como ponteador da pe-rua. “O pessoal montava a lateral e a parte tra-seira, depois eu vinha soldando com a pontea-deira", lembra Simão, hoje com 74 anos. Nasci-do no Recife (PE), ele é o exemplo do autênticometalúrgico brasileiro, que ajudou a construira indústria automobilística nacional. Começoua trabalhar ainda menino, na feira da Casa Ama-rela, junto com o pai. Depois, passou por qua-tro ou cinco empresas, a maioria têxtil, todasem Pernambuco, até migrar para São Paulo. Em1960, ingressou nas fileiras da Volkswagen, emSão Bernardo do Campo, onde a Kombi é fabri-cada até hoje.

PARADA NO TEMPO Sem o auxílio de robôs, a li-nha de produção é composta por 322 funcioná-rios. O modelo Standart tem 4.620 peças. Simãolembra que, na sua época, entre 1960 e 1963, eramduas linhas e cada uma produzia cerca de 25 uni-dades por dia. Em julho deste ano foram produzi-das 2.125 unidades, uma média de 70 por dia.

ORGULHO DE PÉ A Kombi tem uma vantagempara o ponteador: é possível trabalhar em pé,mesmo dentro da carroceria. Depois que saiu daVW, Simão passou por diversas empresas de au-topeças até voltar para a montadora em 1968,quando foi trabalhar na linha de montagem doFusca (abaixo). “No Fusquinha dava 134 pontos desolda em dois minutos. Fazia a fixação do banco,mas o problema é que tinha que ficar envergado eacabei com problema na coluna”, conta. O Fusca oaposentou, mas ele não conseguiu dinheiro sufi-ciente para comprar uma Kombi. Queria uma pa-ra vender frutas na rua, já que tinha experiência nafeira, no Recife.

Esboço da Kombi desenhado em 1947

RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO

AQUELE QUE FEZ

R O L I M ÃCLASSIFICADOSVEÍCULOS

Primeiro modeloproduzido

em 1957

FOTOS: VOLKSWAGEN/DIVULGAÇÃO

RAQUEL CAMARGO/SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC/DIVULGAÇÃO/REPRODUÇÃO

NALUTAVirou do-no de doisbares em SãoBernardo doCampo, no ABCPaulista, e participoucomo sindicalista dafundação do Partido dosTrabalhadores (PT). Ten-tou, sem sucesso, a candida-tura para uma vaga na Câma-ra Municipal de São Bernardodo Campo e hoje se orgulha doscinco filhos e seis netos. Enche a boca para contarde um rebento, o mais velho, que trabalha naBosch, e de outro que mora em Brasília e atua noprojeto de microcrédito do governo federal.

MUDANÇA Foi em 1976 que Simão ficou encos-tado por causa do Fusca. Um ano antes, a Kom-bi passou por sua modificação mais significati-va. As portas dianteiras tinham janelas comduas peças corrediças de vidro, mas o sistemapassou a ser manuseado por manivela, como éatualmente, e a entrada de ar, que era no teto,foi instalada entre os piscas. Foram diversasmudanças ao longo de seus 50 anos, principal-

mente em relação ao aca-bamento. De 1957 a 1986, a

Kombi teve a versão luxo e, de1997 a 1999, a Carat.

SIMPLES A injeção eletrônica só chegou em1997, fazendo com que a Kombi fosse o últimomodelo a deixar o carburador. Também foi a últi-ma a abandonar o motor refrigerado a ar, no finalde 2006, em ambos os casos forçada pela legisla-ção ambiental. Mas direção hidráulica e ar-condi-cionado são luxos que não existem nem comoopcionais para quem quer comprar uma Kombi.Aliás, o único opcional é o desembaçador do vi-dro traseiro. Uma Kombi Standart completa cus-ta R$ 41.385, na cor invariavelmente branca(abaixo à esquerda).

TESTE A reportagem do caderno Veículos dirigiua Kombi por uma semana. O motor 1.4 flex a dei-xou com um som diferente, mas a dureza da dire-ção, a falta de jeito para encontrar uma posiçãopara guiar e os engates pouco precisos levam apensar que o veículo deve ter um algo a mais pa-ra ter uma vida tão longa. Problemas de confortoe segurança de lado, a Kombi é um barato. Vê-se otrânsito de um andar superior. Também se escu-

MAR

LOS

NEY

VIDA

L/EM

ta melhor o som ambiente, pois sem rádio e ar-condicionado os vidros ficam abertos dia e noite.

APRENDIZADO Com o tempo, aprende-se que ovolante também serve de almofada para esperaro semáforo abrir, que o frentista acha engraçadocolocar álcool na Kombi e que manobrar em umavaga simples com ela é exercício pesado. Porém,depois que se conversa com motoristas experien-tes na arte de guiar uma Kombi, aprende-se quepara manobrá-la é preciso usar a técnica do ba-lanço, ou seja, acelerar e pisar no pedal da em-breagem levemente, para amaciar a direção. Ten-tar virá-la parada é um erro crasso, que pode, como tempo, prejudicar o sistema de direção.

DEFEITO Não foi possível, entretanto, devolver aKombi usada para a reportagem com a caixa demarchas funcionando. Depois de rodar cerca de500 quilômetros, incluindo trechos em estrada deterra e com capacidade máxima (nove pessoas), aprimeiramarchanãoengatavamais.Aliás, engatar,engatava. O problema é que não segurava e a ala-vanca voltava para a posição de ponto morto. Masnão é nada para um modelo projetado em 1947 eque começou a ser produzido no Brasil há exatos50 anos. Se fosse um carro moderno, só o reboquedaria conta, mas a idade tem sua vantagem e mes-mo com o defeito foi possível guiá-la até a conces-sionária, forçando a primeira no muque, é claro.

VELHA FOGOSA Grave mesmo são os incêndios(abaixo) que contribuíram para a fama de insegu-ra da perua. O desmazelo de alguns proprietáriose a idade avançada de muitas Kombis, aliados aofiltro de combustível próximo ao distribuidor, fi-zeram com que o modelo se transformasse em in-cendiário potencial. Porém, com a mudança dageração, em 1997, o risco diminuiu com as altera-ções na disposição dos componentes. Mas a frotacirculante de peruas “fogosas” ainda é imensa.

ESTEVAM PAIVA/DIVULGAÇÃO - 2/8/07

MARLOS NEY VIDAL/EM