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RESENHA

HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo:

Annablume, 2005

William Eufrásio Nunes Pereira

Doutorando em Ciências Sociais - UFRN

Professor do Departamento de Economia/UFRN

Não se discute a importância da obra de David Harvey para asciências sociais, em especial a geografia. Desde o fim dos anos 1960,esse autor inglês vem produzindo uma vasta obra, marcada pelacoerência lógica e pela fidelidade aos pressupostos teórico-metodológicos escolhidos pelo mesmo. No principio, seguia umatendência teorética-quantitativista, posteriormente, migrou para ummarxismo não ortodoxo e humanista

O livro intitulado “A produção capitalista do espaço” é novo paraos brasileiros e, não tão novo para os admiradores da obra harveyniana.Trata-se de uma tradução de “Spaces of capital. Towards a critical

geography”, publicada em 2001 em Edinburgh. Consiste em umacoletânea de artigos, escrita ao longo de trinta anos, prefaciada peloHarvey em abril de 2001 e, apresentada pelo professor Antonio CarlosRobert Moraes (USP). Essa coletânea se inicia com uma entrevista doautor, concedida aos editores da New Left Review, em agosto de 2000,na qual Harvey discorre entre outras coisas, de sua formação, dosseus livros, de sua súbita mudança político-ideológica, da ida para osE.U.A., de suas pesquisas etc. A leitura dessa entrevista aproxima oleitor do universo Harveyniano, permitindo-lhe entender o porqueda transdisciplinaridade inerente às obras mais recentes.

O segundo artigo versa sobre a geografia da acumulação capitalista.Nele, Harvey procura reconstruir a teoria marxista, levando emconsideração a dimensão espacial, tão ignorada pelos marxistas. ATeoria Marxista do Estado se constitui no terceiro artigo que tambémfoi publicado em 1976. Resgatando as reminiscências deixadas nosdiversos escritos de Marx, Harvey procura mostrar que existia umaintenção marxiana de elaborar um tratado específico sobre o Estado.Intenção não realizada, devido não somente à morte precoce, mas, àssuas infinitas atividades político-revolucionárias. Independentementedessa intenção, pode-se encontrar nos escritos marxianos uma sériede questões e idéias que possibilitaram aos marxistas pós Marx,elaborar suas respectivas noções sobre o Estado capitalista. Adiversidade de visões sobre o Estado deve-se a compreensão de uma ououtra questão apontada por Marx em seus escritos. O quarto artigo,

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intitulado “O ajuste espacial: Hegel, Von Thünen e Marx”, apresenta avisão de Harvey sobre algumas idéias, de conotações espaciais, dos trêspensadores mencionados. Esses três artigos foram publicados na revistaAntipode entre os anos 1970 e 1980.

“A geopolítica do capitalismo”, título do quinto artigo, discorresobre as conseqüências geopolíticas, percebidas por Harvey, daexistência sob o modo capitalista de produção. Publicado pelaprimeira vez em 1981 em Social relations and spatial structures. Noartigo, Harvey discorre sobre a inevitabilidade das crises nocapitalismo e retoma a questão da importância do espaço e do lugarna perspectiva marxista, enfatizando que Marx admitia talimportância. Nega-se, o autor, a aceitar a idéia de que as relaçõesespaciais, como também, a estrutura geográfica, possam ser reduzidasa uma teoria do Estado. Enfatiza que o espaço, do ponto de vistaabstrato, possui propriedades que além de complexas são especificas,às vezes, mais do que as do tempo.

O sexto artigo discute a questão do empreendedorismo,principalmente do urbanista. No artigo, o autor procura investigar opapel que o processo urbano desempenha na reestruturação que sedesenvolve no processo de distribuição geográfica da atividadehumana. Além do mais, procura investigar como esse processo urbanoinfluencia na dinâmica político-econômica do desenvolvimentogeográfico desigual contemporaneamente. Para realizar esse intuito,Harvey investiga a mudança ocorrida na governança urbana emdireção ao empreendedorismo. No entanto, ressalva que existemestratégias alternativas a essa “corrida” para o empreendedorismourbano tão propugnado e aceito pelas sociedades. Este artigo foi,inicialmente, publicado no Geografiska Annaler em 1989.

No artigo seguinte, cujo titulo é “A geografia do Poder de Classe”,o autor procura reacender e re-emergir a importância do ManifestoComunista de Marx e Engels. Publicado em Socialist Register no anode 1998. Com o intuito mencionado, o autor discute, inicialmente, adimensão espacial relativa ao Manifesto Comunista. Enfatizando ageografia do capitalismo, apresenta dados importantes sobre oprocesso de concentração de renda no mundo, utilizando-se deinformações e pesquisas de instituições internacionais, como o BancoMundial e a Organização das Nações Unidas. Demonstra Harvey, queuma leitura geográfica do Manisfesto revela como a burguesiaconquistou o poder, tanto no capitalismo, como em outros modos deprodução, além de que, enfatiza a não-neutralidade das estruturas edos recursos espaciais na luta de classes.

Por fim, um trabalho recente, apresentando na Conference on

Global and Local em Londres no ano de 2001, discute a influênciado processo de globalização na transformação da cultura emcommodites. Nesta conferência, transformada em artigo, Harvey iniciadiscutindo a renda monopolista e a competição, procurando mostrarque o processo de concorrência no capitalismo estimula o processo

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de centralização do capital em megaempresas e o estabelecimento deamplas alianças, sempre com o intuito de dominar os mercados. Parailustrar esse processo, cita os casos do vinho e da cerveja, que nosúltimos anos se internacionalizaram abruptamente. Dentro dessecontexto, Harvey explora a questão do empreendedorismo urbanomostrando que a governança urbana se volta para a questão dodesenvolvimento urbano-regional. Conclui o artigo procurandochamar a atenção para os “espaços de esperanças” existentes emmeio ao espaço do capital.

O livro de Harvey extrapola o espaço da geografia. Vai muito maisalém. Assume importância para diversas disciplinas, das quais sedestacam: a economia, a sociologia, o urbanismo, a política, etc. Assim,é indicado para todos aqueles que pretendem estudar o espaço em umavisão não ortodoxa. Os artigos não perderam a relevância, mesmoapós quase trinta anos de publicação de alguns deles.