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22-06-22 História da Cultura Portuguesa IPCA - GAT: 2º ano 1 Unidade Curricular: HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA Ano: 1º / Semestre: 1º Horas de contacto: 45 Créditos: 5 Horas de trabalho individual: Total de horas: 140 Docente: José Luís Braga

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Unidade Curricular: HISTÓRIA DA CULTURA PORTUGUESA

Ano: 1º / Semestre: 1º

Horas de contacto: 45

Créditos: 5

Horas de trabalho individual:

Total de horas: 140

Docente: José Luís Braga

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Programa Sucinto (1)1. Fundamentos da cultura portuguesa – a visão etnológica de

Jorge Dias.

2. A cultura e a arte portuguesa a partir de uma perspectiva histórica:

i. Dos primórdios da nacionalidade ao final do século XV (instituições escolares; arte românica e gótica; o lirismo galego-português);

ii. A cultura e a arte no séc. XVI (o renascimento e o humanismo em Portugal);

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Programa Sucinto (2)

i. A época barroca (literatura, música, arte, ensino);

ii. A cultura das luzes; o neoclassicismo na arte;

iii. O séc. XIX: movimento romântico, as transformações artísticas, a reforma do ensino;

iv. A cultura no século XX (1ª República, Estado Novo, o período democrático)

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Módulo 2BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

SERRÃO, Joel e MARQUES A. H. (dir.) – Nova História de Portugal, Vol. III e IV, Lisboa: Editorial Presença, 1987- 1996.

MATTOSO, José – O essencial sobre a Cultura Portuguesa (Séculos XI a XIV), Lisboa: IN-CM, 1993.

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Módulo 2 – parte 1

ENDEREÇOS NA INTERNET

www: <URL: http://www.infopedia.pt>

www: <URL: http://pt.wikipedia.org>

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (1)

• O que aqui ficará referido relativamente à cultura medieval só é válido para um «grupo minoritário privilegiado.» [Mattoso]

• Os conceitos de espírito medieval ou de Cristandade encontram substrato em documentos, textos e elementos produzidos por uma minoria, pertencente ao clero.

• Os representantes mais destacados daquela ordem, principalmente nos sécs. XIII viajavam amiúde e utilizavam a mesma língua em diferentes nações - o latim. 11-04-23 6História da Cultura Portuguesa

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (2)

• E baseavam-se nos mesmos textos: a Bíblia, as obras de Santo Agostinho (354-430) e de S. Gregório Magno (c. 540-604), posteriormente os compêndios da escolástica, Aristóteles, as compilações canónicas, bem como o Decretum de Graciano e o Código Justiniano.

• A despeito desta aparente homogeneidade, existe uma enorme disparidade entre o que se passa na Catalunha e na Galiza, no Lácio (região de Itália) e na Borgonha (região de França), no País de Gales e na Normandia (região de França).

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (3)

• Contudo, estes documentos e testemunhos emanados pelos clérigos não poderão caracterizar as crenças e a mentalidade dos cavaleiros e dos camponeses dessas regiões. A visão do mundo de uns e outros difere em matérias fundamentais.

• Por outro lado, ao longo do intervalo de mil anos que separa o séc. VI do séc. XV, a cultura durante a Idade Média sofre amplas e profundas modificações, pelo que se torna complexo estabelecer definições que sejam aplicáveis a este período extenso.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (4)

• Conceitos difusos como «pensamento simbólico, crença generalizada na intervenção do sobrenatural no mundo físico e humano, respeito habitual pelas ordens e hierarquias estabelecidas», são insuficientes para definir a visão do mundo que percorre toda a Idade Média. [Mattoso]

• Esta definição não será ajustável a toda a Europa Ocidental e à globalidade dos estratos sociais.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (5)

• O mesmo é válido para o território português. O nosso país, apesar da sua exiguidade, também é profundamente diverso a nível geográfico, estratificado socialmente e tão atreito a mutações através dos tempos como qualquer outra região europeia.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (6)

• De facto, a geografia portuguesa determina, à partida, distinções da maior relevância.

• Distinguem-se duas grandes regiões: o Sul mediterrânico e o Norte. Este divide-se em duas zonas, a atlântica e a interior.

• Este contraste também é evidente no âmbito da cultura.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (7)

• «De facto, é quase um lugar-comum dizer-se que o Norte de Portugal é a área por excelência da cultura cristã, clerical, guerreira e rural; o Sul, da cultura árabe ou moçárabe (i.e. cristãos da península submetidos aos muçulmanos antes da Reconquista) e urbana.» [Mattoso]

• Estes sistemas isolados fizeram parte de um processo de aculturação, no qual se confrontaram e influenciaram mutuamente. Este fenómeno contribuiu para que certos elementos fossem obliterados e outros conservados, reflectindo-se ou não na estrutura social.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (8)

• No Norte existem diferenças de vulto entre o litoral e o interior, sendo a primeira zona mais civilizada do que a segunda.

• O Norte atlântico é habitado por comunidades que beneficiam de vias de comunicação terrestres e marítimas que atraem o êxodo de povos oriundos das mais diversas proveniências.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (9)

• No interior encontramos comunidades em isolamento voltadas sobre si mesmas, conservadoras, frustes, que tiram o seu sustento da pastorícia e da guerra, que fornecem constantemente contingentes humanos às primeiras, mas recebem pouca gente externa a si.

• «Por isso, preservam numerosos vestígios de arcaísmos culturais e sociais.» [Mattoso]. Ainda que coetâneas, as comunidades do interior vivenciavam estados mais primitivos de desenvolvimento do que as suas congéneres do litoral.

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Mapas (actuais) de Portugal

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (10)

• Contudo, segundo José Mattoso, elas podem ser tomadas em conjunto, uma vez que lhes é comum um elemento da maior relevância: o carácter rural do seu modo de vida.

• Mesmo os centros mais evoluídos do litoral norte fundamentam a sua visão do mundo «numa profunda dependência da natureza, a que a sua inserção no meio campesino os convida.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (11)

• Ao invés, no Centro e no Sul do País as diferenças entre a cidade e o campo encontram-se bem vincadas. Contudo, no Sul, as diferenças entre litoral e interior são mais ténues que no norte pela ausência de regiões montanhosas.

• As planícies desta parte do país são muito mais permeáveis à influência das cidades. A cultura rural é assaz frágil e acessória da urbana, o que faz com que quase possa ser considerada como inexistente.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (12)

• No campo, pouco povoado, habita somente um campesinato em estrita dependência dos possuidores de poder económico, bélico e político, que vivem sempre na cidade.

• Ainda de acordo com Mattoso: «o que caracteriza o Sul, no seu conjunto, é precisamente o carácter urbano da sua cultura.»

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (13)

• É a cadeia montanhosa central (Montejunto-Estrela) que aparta estas duas grandes zonas culturais do País. Portanto pertence ao Sul o amplo vale do Tejo, com os seus afluentes da margem direita (com planícies e planaltos).

• A zona montanhosa, com altitudes médias em torno dos 400 metros, está localizada a norte desta barreira que constitui a já referida cordilheira central.

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Sistema Sintra-Montejunto-EstrelaFonte: meteo-pt

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (14)

• No Norte, os centros mais activos culturalmente são os mosteiros e os palácios da nobreza local.

• Os mosteiros dão seguimento à tradição legada na era visigótica.

• Ou seja: «com instituições religiosas austeras, em que tomam relevo as práticas penitenciais, e uma nítida preferência por temas e processos simbólicos, pela meditação sobre o sobrenatural, o maravilhoso e a escatologia.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (15)

• Estas tendências contrastam com a tradição monástica hispano-romana, cujo mais ínclito representante é Santo Isidoro de Sevilha (c. 570-636) e que será prosseguida pelos monges de cultura moçárabe depois das invasões muçulmanas.

• Estes preferem instituições religiosas mais flexíveis. Ainda que denotem interesse por toda a sorte de interpretações simbólicas, elegem as de conteúdo moral.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (16)

• Acresce que cultivam a retórica, a gramática e os conhecimentos técnicos (e. g. geografia, a astronomia, a agrimensura, a medicina).

• Esta oposição verificou-se sobretudo em épocas mais remotas e não exclui o contacto entre as duas comunidades.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (17)

• De facto, muitos moçárabes emigraram para o Norte durante as perseguições muçulmanas do séc. X , no derradeiro período califal, e estabeleceram-se nos mosteiros daquela região que se encontrava sob a égide cristã ou acabaram por fundar aí as suas comunidades.

• Posteriormente, «outros se lhes seguiram, em vagas sucessivas, na época das perseguições almorávidas e almóadas dos sécs. XI e XII.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (18)

• Na segunda metade do séc. XI, mormente no seu último quartel (25 anos), os centros de cultura religiosa deparam-se amiúde com uma nova corrente oriunda de além-Pirinéus e difundida no nosso território principalmente por monges francos.

• Entre eles avultam os monges de Cluny (villa no condado de Mâcon, no actual departamento de Saône-et-Loire), «cuja prática litúrgica extremamente aperfeiçoada e esplendorosa os fazia considerar como mediadores privilegiados do mundo sobrenatural.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (19)

• Estes monges serão bem sucedidos já que beneficiam do apoio que lhes concede a alta nobreza e o rei de Leão, Afonso VI (1065-1109). O monarca outorga-lhes chorudas somas e mosteiros para serem reformados.

• Os nobres colocam-nos nas comunidades que se encontram a si adstritas. Os bispos, por seu turno, convidam-nos para as suas dioceses.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (20)

• Perfilhar a exuberante e esplendorosa liturgia cluniacense, bem como as suas práticas disciplinares passa a granjear prestígio aos nobres junto da corte leonesa.

• Os mosteiros das comunidades rurais e da aristocracia inferior não conseguem emular semelhante liturgia.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (21)

• Concomitantemente, a pujante reforma gregoriana, dirigida pelo papado, irá estabelecer os fundamentos para uma maior ingerência de Roma em toda a Cristandade.

• Os seus legados na Hispânia, secundados pelos monges cluniacenses convencem Afonso VI (rei de Leão e Castela) a abdicar da liturgia (i.e. serviço de culto) hispânica ou moçárabe em favor da romana.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (22)

• Os defensores do movimento gregoriano difundem (como vimos em História Geral da Civilização) igualmente novas concepções:

• «acerca das relações entre o clero e o laicado (i.e. que não diz respeito à carreira eclesiástica), o casamento dos leigos, a organização eclesiástica, as exigências morais do comportamento clerical. » [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (23)

• Esta alterações na liturgia, instituídas pelo Concílio de Burgos (1080) não se deverão ter processado sem resistências. Estas transformações decerto abalaram os hábitos ancestrais da maioria da população, bem como do clero inferior.

• A questão da adopção da liturgia romana e da renúncia à liturgia hispânica vem, no entender de José Mattoso, reacender a oposição Norte-Sul, a que antes aduzimos.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (24)

• Por seu turno, a nobreza, ainda que tivesse uma estreita convivência com os monges – da qual dependiam os mosteiros, que albergavam membros de famílias da aristocracia e a elas prestavam os serviços culturais requeridos – possuíam valores culturais próprios.

• A sua primazia a nível social, assente sobretudo no parentesco e nas actividades militares, determina as linhas mestras da sua demanda cultural.

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Cavaleiro do século XIIIFonte: wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (25)

• A estrutura de parentesco e a união familiar presidem à sua produção cultural «daí, as tradições que tão vivamente cultivam acerca das vinganças familiares, que as linhagens conservam na sua memória como identificadoras da sua coesão e da sua capacidade agressiva.» [Mattoso]

• Ainda que os documentos que se conservam não o demonstrem cabalmente, é provável, sustenta Mattoso, que a nobreza cultivasse a memória da sua relação privilegiada com o rei e da sua ascendência sobre o campesinato, cuja protecção ela devia assegurar.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (26)

• De facto, a nobreza devia zelar pela manutenção da paz e da justiça nos seus domínios, o que passava por garantir o cumprimento das hierarquias estabelecidas e proceder à redistribuição [generosa] dos dons (i.e. donativo) em ocasiões festivas.

• Outra incumbência da nobreza era a protecção dos monges e clérigos.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (27)

• Estes últimos, na sua qualidade de intermediários e versados nos poderes sagrados, tinham a função de assegurar indulgência do sobrenatural, que regula o bom e o mau tempo, a fome e a fecundidade, a calamidade e a bonança.

• De facto, a sociedade feudal, das 3 ordens (Clero, Nobreza e Terceiro Estado), é composta por grupos diferenciados em razão das suas funções.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (28)

• Existem uma tripartição funcional: os oratores, que são os clérigos e os monges (que oram); os belatores ou guerreiros e defensores de todo o corpo social; e os laboratores que garantem não somente a sua subsistência e vida material como dos demais membros da comunidade.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (29)

• Às manifestações culturais e sociais desta época subjazem as seguintes questões:

O empenho exigido aos laboratores para dominar a natureza;

A defesa contra as ameaças externas à comunidade, de que estão encarregues os belatores;

A intercessão pedida aos oratores junto das forças ocultas.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (30)

• Também as representações mentais e imaginário colectivo reflectem estas preocupações. A sua formulação estava a cargo dos centros religiosos.

• Este sistema de representações mentais «permitia aos homens conceberem-se a si próprios, individualmente, e sobretudo, em grupo, e conceberem o mundo exterior no seu duplo aspecto visível e invisível.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (31)

• Este sistema de representações mentais continha directrizes que permitiam esconjurar as forças ocultas que habitavam o mundo visível.

• Segundo Mattoso, é possível que no Norte do território que viria a ser Portugal – pesa embora a diferença entre os temas preferidos pelos monges e os eleitos pelos nobres – se assistisse a uma relativa identidade das representações mentais.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (32)

• Contudo, a partir do séc. XI, com a introdução da cultura monástica e clerical oriunda de além-Pirinéus, esta situação sofreu uma transformação.

• Esta modificações baseavam-se numa tendência para purificar a vida religiosa, solenizar a liturgia e adoptar novos modelos gramaticais.

• Na realidade, os monges de Cluny figuravam como intermediários privilegiados do mundo angélico, cuja ordenação devia ser emulada pelo mundo terreno.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (33)

• Daqui decorria um antagonismo entre a vida religiosa e a vida leiga.

• A reforma gregoriana conduziu a um recrudescimento destes contrastes:

Ao exigir a constante vigilância das autoridades diocesanas sobre o clero paroquial, exigindo que ele se mantivesse independente dos leigos, para evitar a simonia (i.e. comércio de bem espiritual);

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (34)

Reivindicando o celibato sacerdotal, advogando assim o paradigma da separação integral do clero relativamente aos leigos.

Através também da instrução do clero nas letras, da dignificação do seu comportamento moral, da abstenção do porte de armas, do uso de vestuário eclesiástico e tonsura (i.e. corte de cabelo ou barbas).

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (35)

• A reforma gregoriana contribuiu assim para opor à religião popular uma religião oficial.

• Posteriormente, ir-se-á generalizar nos meios populares a crença de que as forças ocultas despoletadas pela magia tinham origem no Demónio.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (36)

• O que a magia manipulava era o Demónio, com o qual os seus praticantes faziam um pacto.

• A Igreja antes já havia procurado combater a magia destinada a manipular as forças sagradas ocultas na natureza.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (37)

• De facto, o clero rural, eleito pelas comunidades rurais e que, durante os séculos VI a XI, participava ele próprio nesses ritos ancestrais, tornou-se antagonista da religião tradicional.

• A separação entre clero e laicado, ainda de acordo com Mattoso, fazia parte de uma estratégia que procurava evidenciar a oposição radical entre o bem e o mal, entre as virtudes e os vícios.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (38)

• A Igreja visava assim racionalizar as concepções relativas à natureza e ao sobrenatural reclamando para si o monopólio da definição do sobrenatural e da condução da vida moral.

• Consequentemente, a magia passa a ser perseguida pelas autoridades religiosas e civis. Quando praticada ocultamente e em privado, converter-se-á em bruxaria.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (39)

• Apesar de tudo, a Igreja foi bem sucedida no seu intento de condicionar as novos conceitos do bem e do mal, do visível e do invisível, do tempo e da eternidade.

• «Conseguiu-o, em primeiro lugar, à custa da personificação antropomórfica (i.e. que tem semelhança de forma com o homem) do bem e do mal, atribuindo aquele aos santos e aos anjos e este aos demónios.» [Mattoso]

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As tentações (demónios) de Santo Antão

Fonte: wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (40)

• Por outro lado, como vimos, a Igreja vai-se escorar nas hierarquias angélicas para justificar a bondade da tripartição funcional da sociedade.

• A reforma gregoriana reivindicava um lugar de primazia para o clero, dentro da relação com as outras duas ordens.

• Tal anelo implicava a rejeição liminar da dependência institucional dos monges e dos párocos em relação aos patronos dos seus mosteiros e igrejas.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (41)

• Acresce que obrigava todos os leigos, sejam eles nobres ou vilãos (i.e. plebeus) à veneração dos lugares sacros, à prática frequente dos sacramentos e a sujeição às regras da moral sexual (perseguição do incesto, casamento entre parentes próximos).

• A própria monarquia feudal e a nobreza estavam constrangidos pelo regime de alianças matrimoniais que a Igreja passou a supervisionar.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (42)

• Por vezes, os nobres, fazendo uso do seu poder militar, prevaricavam: afrontando os clérigos, roubando bens eclesiásticos, ou exigindo prestações dos camponeses a eles sujeitos, recusando observar as decisões dos clérigos, designadamente em matéria matrimonial.

• Como consequência, os bispos e abades não tinham pejo «em usar o seu poder espiritual para invocarem maldições e castigos eternos, apelando para o medo colectivo da esterilidade, da doença e da fome.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (43)

• No imaginário colectivo desta época a maldição e a bênção têm a maior importância e influem deveras na vida das populações.

• Esta propensão que, a partir do séc. XI, as três ordens no Norte do nosso território têm para se antagonizarem culturalmente será mitigada pelos cultos populares.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (44)

• As romarias aos santuários e as festas, renovam a harmonia social e efemeramente ou na aparência operam um rombo nas fronteiras hierárquicas, nas regras estabelecidas e «uma certa contestação dos poderes materiais e espirituais.» [Mattoso]

• Durante as romarias cessa a árdua labuta quotidiana, erige-se um reino da abastança pela troca e circulação dos dons (i.e. dádivas). Acercam-se os guerreiros dos camponeses, os clérigos dos mercadores, os homens e as mulheres, os jovens e os velhos, os superiores e os inferiores.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (45)

• Nas festas dos santuários, o duro trabalho volve préstito triunfal ou animada dança ou cântico festivo.

• «O fascínio provocado por estes encontros e trocas, por esta autêntica fusão de todos os grupos e categorias, pela momentânea cessação das proibições e interditos, pressente-se ainda hoje em muitas cantigas de amigo dos trovadores galego-portugueses.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (46)

• A vida cultural do Sul do nosso País, revela-se mais difícil de reconstruir.

• O que se poderia considerar original da sua civilização e da sua cultura foi substancialmente absorvido com o estabelecimento de cavaleiros e de clérigos provenientes do Norte depois da reconquista cristã.

• Esta civilização, como vimos, era essencialmente urbana.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (47)

• Nesta latitude, em termos genéricos predomina a racionalidade sobre o intenso sentimento de submissão às forças ocultas da natureza.

• «A divisão do trabalho confere uma dignidade maior aos ofícios manuais e dá mais importância a uma certa especialização técnica que inclui, por exemplo, o fabrico de tecidos preciosos, a ourivesaria, o trabalho do ferro e dos couros ou da cerâmica.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (48)

• «Mas também as técnicas hortícolas, o conhecimento de maior número de plantas e das suas propriedades, os processos de irrigação e até o cálculo do tempo e a orientação no espaço.» [Mattoso]

• A título de exemplo, a orientação no Sul era normalmente feita recorrendo aos pontos cardinais, enquanto que no Norte os pontos de referência são os acidentes físicos de paisagem: os montes e rios.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (49)

• Esta noção mais objectiva da natureza está também presente na forma como se considera o mar, que não é tanto um lugar caótico onde habitam monstros ou, para além do horizonte remoto, um lugar paradisíaco, como criam os celtas.

• Para os povos do Sul, o mar oferecia recursos piscícolas infindáveis, e era passível de ser navegado por marinheiros conhecedores do regime dos ventos e das correntes marítimas, sendo possível alcançar metrópoles luxuosas donde provinham mercadorias singulares.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (50)

• Por outro lado, no Sul moçárabe e muçulmano, a figura do senhor feudal, que controla tudo e todos, está praticamente ausente «ou então toma a aparência do cobrador de impostos, que não foi investido por ninguém de uma autoridade quase sobrenatural.» [Mattoso]

• No Sul vigora o individualismo e prevalece a família reduzida, composta somente de pai, mãe e filhos e não de uma horda incomensurável de parentes.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (51)

• A pressão social do grupo, que, no Norte, quase dissolve a consciência de identidade pessoal é muito mais frágil no Sul.

• Assim, nas cidades do Sul, o clero «como ordenador das representações mentais tem, por isso mesmo, muito menos relevo.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (52)

• A sua ascendência sobre as cristãos – tolerada pelas autoridades muçulmanas – resulta, no entender de Mattoso, não tanto do clero possuir poderes sagrados, mas das suas virtudes morais e do seu conhecimento técnico da escrita, da Palavra de Deus e do Direito.

• Também a liturgia dos clérigos meridionais não se afigura esplendorosa, nem tampouco recorre a elevados recursos artísticos.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (53)

• O culto escora-se na veneração dos mártires, cujo exemplo dá alento e ajuda os cristãos a suportar as provações e humilhações a que eram sujeitos, enquanto se encontravam debaixo do jugo islâmico.

• No sul manifesta-se mais cedo a lírica popular, expressa nas carjas (i.e.uma pequena composição poética, escrita em moçárabe, que surge no final de uma composição mais extensa e culta, escrita em árabe ou hebreu, a muwaxaha.)

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (54)

• Temática e metricamente próximas das cantigas de amigo galego-portuguesas, evidenciam, desse modo, a existência de um fundo comum de lírica românica de que derivariam ambas as formas.

• A carja, cultivada pelos poetas andaluzes entre os séculos XI e XIII, constitui a primeira manifestação literária documentada em língua vulgar.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (55)

• Mattoso explica a sua existência devido à:

Moral sexual menos repressiva do Islão, se a compararmos com aquela que prevalece no Norte;

A convivência ininterrupta entre culturas e línguas diferentes (o romance, de origem latina, o árabe e o hebraico);

A ausência no Sul de centros intelectuais pujantes próprios dos cristãos.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (56)

• Os temas e a métrica das carjas são muito semelhantes à poesia galaico-portuguesa, mas revelam uma noção diferente do mundo concreto.

• As carjas «exprimem o sentimento humano por meio da evocação de partes do corpo e do seu aspecto – os olhos, os lábios, o pescoço.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (57)

• Ou através de comparações e alusões a objectos também concretos como os frutos, ou ainda as observações que demonstram atenção à cor e à forma.

• Ao invés, a lírica galaico-portuguesa tem outras idiossincrasias: apresenta uma austeridade rústica, um desenho esquemático, uma redução das situações aos seus elementos essenciais, não revelando detalhes eróticos e evoca sentimentos através de situações tipo.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (58)

• Por outro lado, existiria no Sul, de acordo com Mattoso, uma tradição eremítica, com reminiscências dos sufitas (i.e. a corrente mística e contemplativa do Islão) do mundo islâmico.

• No século XIV esta corrente mística espontânea ressurge na forma de uma congregação religiosa de origem popular, os Eremitas de S. Paulo da serra de Ossa, que possuía muitos conventos no Alentejo, ainda que fossem humildes.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (59)

• A cultura moçárabe, como dissemos não possuía centros culturais estáveis e com grande projecção, uma vez que a cultura dominante era a árabe, com núcleos em Toledo, Córdova ou Sevilha.

• Com a reconquista cristã, sobrevieram outros centros locais, mas já inspirados pelos modelos oriundos do Norte.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (60)

• Existiam assim centros de aculturação (i.e. assimilação de um grupo de uma cultura por uma outra cultura, resultando na alteração dessa cultura e em modificações na identidade do grupo) e não de conservação de padrões culturais meridionais.

• Estes novos pólos culturais eram: os mosteiros (Alcobaça e Santa Cruz de Coimbra), as catedrais diocesanas (como Lisboa e Évora), os palácios (como o do Rei ou de D. João Aboim)

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Mosteiro de Santa Cruz de CoimbraFonte: wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (61)

• De facto, os monges, clérigos e cavaleiros do Norte levaram para as cidades da Estremadura e Alentejo a sua visão do mundo, a sua ideologia e as suas atitudes culturais.

• Contudo, durante este processo assimilaram vários elementos da civilização meridional.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (62)

• Esta aculturação já havia sido ensaiada em Coimbra havia muito tempo, durante a ocupação leonesa (de 878 a 994), que reforçou a comunidade cristã, sem eliminar a islâmica.

• Posteriormente, Coimbra foi reconquistada por Almançor em 994, e ulteriormente foi governada por um executivo submetido à taifa (i.e. espécie de principado muçulmano) de Badajoz, que terá sido bastante tolerante relativamente à comunidade cristã.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (63)

• Em 1064, o antigo condado de Coimbra foi reapossado pelo reino de Leão. O governo do moçárabe Sisnando Davides, sob a égide de Afonso VI, pautou-se por um período de convivência entre gente do Norte e do Sul.

• Sisnando defendeu em Coimbra a liturgia moçárabe até à sua morte (1092). Esta cidade tornou-se assim um bastião de resistência às inovações trazidas pelos Francos, um lugar de pelejas e de antagonismos culturais que só cessaram com o triunfo definitivo da liturgia romana (1115/16).

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (64)

• É possível, porém, que um determinado grupo perseverasse na observância das tradições e hábitos locais – mesmo depois da imposição definitiva do ritual romano – provavelmente em redor do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, fundado em 1131.

• Os cónegos regrantes (i.e. clérigos que faziam os seus votos religiosos, viviam em comunidade e faziam voto de pobreza) que ocuparam o mosteiro seguiram o rito romano.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (65)

• Não obstante, muitos deles conheceram o árabe e os livros da época hispano-romana, conservaram obras árabes de medicina e em seu torno reuniram uma clientela onde eram numerosos os cavaleiros de ascendência moçárabe.

• Para Mattoso eles podem «considerar-se, portanto, criadores de uma verdadeira síntese entre a cultura religiosa do Norte e as tradições meridionais.»

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (66)

• Este facto é muito importante já que Santa Cruz de Coimbra começa a ser frequentada por Afonso Henriques, que se fixa na cidade em 1132.

• O futuro monarca surge como chefe dos cavaleiros de Coimbra (entre os quais se acham moçárabes) e aceita recorrer prioritariamente aos serviços culturais dos seus cónegos.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (67)

• Santa Cruz, passa a ser o esteio espiritual da monarquia nascente «quer para justificar a sua autoridade, quer para apresentar o primeiro rei de Portugal como um inspirado por Deus na luta contra o Islão.» [Mattoso]

• Segundo Mattoso não houve uma atitude deliberada de apagar os vestígios da cultura meridional. A sua assimilação deveu-se a 3 factores especiais:

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (68)

i. À sua própria fragilidade, devido à ausência de uma elite culta e de centros com uma efectiva projecção cultural;

ii. Ao facto de esta cultura citadina possuir uma reduzida identidade própria, já que se encontrava em permanente competição com a poderosa influência árabe e de outras correntes cosmopolitas;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (69)

iii. À imigração maciça de gente vinda do Norte, com as suas crenças e tradições, não somente clérigos e cavaleiros, mas também trabalhadores rurais e gente desenraizada em maior ou menor grau, que veio ganhar o seu sustento no Sul.

• Assiste-se assim a uma verdadeira síntese nas palavras de Mattoso:

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (70)«Não é só a cultura moçárabe que definha com a invasão da gente do Norte. É a dos imigrantes que se altera ao entrarem em contacto com os novos padrões de vida e ao deixarem o campo para habitarem na cidade.»

• Deixam de abraçar as suas crenças acerca da dependência da natureza e sem darem por isso abraçam novas noções relativas ao conhecimento objectivo, à medida, à quantidade, ao tempo e ao espaço.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (71)

• Estes contactos não se processaram sem conflitos, intolerância ou mesmo destruição deliberada de edifícios, esculturas ou livros do Sul por indivíduos do Norte.

• Segundo Mattoso, esses actos visaram sobretudo a religião muçulmana e não tanto a civilização meridional como um todo.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (72)

• Os membros do escol do Norte não enjeitaram a geografia ou a história da Península Ibérica escrita por autores árabes, como evidencia a tradução da Crónica do Mouro Rasis mandada elaborar por Pero Anes de Portel (membro da corte de D. Dinis).

• Nem tampouco desprezaram a medicina como demonstra a tradução e compilação de obras medicinais e farmacológicas árabes atribuída a S. Fr. Gil de Santarém e os conhecimentos legados por Pedro Hispano.

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Papa João XXI (Pedro Hispano – séc. XIII)

Fonte: wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (73)

• O que restou da cultura moçárabe?

i. O culto de santos locais vindos de antes da Reconquista, como S. Veríssimo, suas irmãs Máxima e Júlia, em Lisboa; S. Manços em Évora, S. Paio no Centro do País.

Possivelmente S. Iria em Santarém, ou eventualmente santas tão populares como Santa Comba ou Santa Quitéria;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (74)

«Mas acima de todos S. Vicente, o patrono de Lisboa, cuja transladação e milagres foram

escritos por um moçárabe, chantre da Sé de Lisboa.» [Mattoso]

ii. Eventualmente a influência moçárabe terá sido deveras decisiva no aparecimento da lírica galego-portuguesa, ou pelo menos na exploração literária do tema do amor.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (75)

iii. A influência ao mesmo tempo árabe e moçárabe patente em todas as técnicas artesanais das cidades, no conhecimento da medicina, na visão objectiva do mundo.

Estas e outras características desta civilização urbana e mediterrânica tiveram desenvolvimento pleno posterior na época moderna.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (76)

• Com o papel interventivo dos nobres na Reconquista e o reforço da acção pastoral do clero em contacto com os centros exteriores à Península Ibérica, intensifica-se o processo de identificação cultural dos dois grandes grupos da classe dominante.

• «Do património cultural da nobreza passa então a fazer parte um culto especial pela épica, que até então não lhe pertencia exclusivamente. De facto, o seu público principal devia ter sido, até aí, o dos cavaleiros vilãos dos concelhos.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (77)

Cavaleiros-vilãos: na Idade Média, homem livre, do povo, dotado de bens de um determinado valor (estabelecido pelos monarcas), que prestava serviço militar (fossado) a cavalo. Tinha diversos privilégios.

• Nas povoações raianas, constantemente assoladas por guerras ofensivas e defensivas – e que economicamente dependiam das excursões de pilhagem no campo inimigo – as suas actividades militares eram objecto de estímulo pelos jograis e cedreiros.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (78)

• Estes andavam de forma itinerante contando em cada terra as suas histórias e canções de gesta.

Jogral: Músico que tocava em festas populares.

Cedreiro: nome pelo que é designado, na lírica gallego-portuguesa, o jogral que recitava obras épicas ou narrativas, fazendo-se acompanhar por uma cedra, (uma variante da cítara).

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (79)

• Os cavaleiros de corte, que nesta época se tornam profissionais de guerra, almejam expedições mais arrojadas.

• «Entusiasmam-se com as histórias de Cid (nobre guerreiro espanhol que viveu no séc. XI), de Rolando, dos Infantes de Lara, do Cerco de Zamora ou de Bernal del Carpio.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (80)

• Estes nobres pretendem emular os cruzados que se dirigem à Terra Santa e que com eles combatem em Lisboa, Silves ou Alcácer.

• Concebem as suas próprias réplicas às canções castelhanas e às de tema carolíngio (relativo à época de Carlos Magno, séc. IX), como sucede na Gesta de Afonso Henriques.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (81)

• Em meados do séc. XII, muitos jovens sem fortuna, por estarem arredados pelas estruturas linhagísticas do direito de herdar, são atraídos para os exércitos régios.

• Com a formação das cortes senhoriais, em finais do séc. XII e a maior complexidade da corte régia, a produção cultural nobre diversificou-se: surge a poesia lírica e satírica, com as suas cantigas de amor, amigo e de escárnio ou maldizer.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (82)

• A memória linhagística narra agora as proezas dos antepassados, como mostram os livros de linhagens.

• Testemunha-se, então, um recrudescer na actividade criativa, permanentemente reavivada pelos contactos e a competição com cortes estrangeiras.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (83)

• Os jovens cavaleiros sem pecúlio, em busca de melhor fortuna, visitam amiúde aquelas cortes: a castelhana de Fernando III, a de Afonso X e de Sancho IV, a de Aragão e Barcelona, onde chegam bem vivas as influências provençais (Sul de França).

• O conde de Bolonha (futuro Afonso III), que ascende ao trono português em 1248, traz consigo as influências da França setentrional que se consubstanciam nos romances de cavalaria e na matéria da Bretanha.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (84)

Matéria da Bretanha: nome dado colectivamente às lendas que dizem respeito às histórias célticas da Bretanha e das Ilhas Britânicas, especialmente centradas no Rei Artur e nos Cavaleiros da Távola Redonda.

• «Os novos temas são agora os acontecimentos e as intrigas de corte, o amor cortês, o prestígio social e os sinais da hierarquia social, como o vestuário e o dinheiro, as “estórias” de fidelidade e de traição.» [Mattoso]

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (85)

• Os trovadores são geralmente bastardos e cavaleiros sem fortuna, ou seja, um grupo de dependentes que a corte apoia e a quem confia o seu entretenimento nas horas de ócio.

• Este entretenimento, apesar de ser lúdico, não deixa de veicular a ideologia, os valores e as inquietações típicas da nobreza.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (86)

• No século XII, os monges beneditinos dão seguimento ao ideal cluniacense, mas entram em declínio e acabam por abraçar, com pouca criatividade a produção cultural das outras ordens religiosas.

• Os cónegos regrantes, ao invés, formam a escola mais activa e original, com as suas hagiografias (i.e ramo da história da Igreja que trata da vida e do culto dos santos) de S. Teotónio, Telo, S. Martinho de Sousa.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (87)

• Os primeiros cistercenses, pelo contrário, cingiram-se a importar livros, ainda que em grande número, boa parte deles, todavia, eram aqui copiados e iluminados sobre modelos franceses.

• Os monges brancos (assim chamados devido à cor do hábito dos cistercenses) tardam a adaptar-se à cultura local e a denotar interesse pelo ambiente que os rodeia.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (88)

• «Só o farão, creio, já depois de avançado o séc. XIII, então com obras originais em latim e com traduções, revelando, nessa altura, a influência da escolástica e do pensamento difundido pelos Mendicantes.» [Mattoso]

• As traduções levadas a cabo pelos cistercenses ou por eles coleccionadas multiplicaram-se no séc. XIV, e evidenciavam, então, um enorme interesse por temas fantásticos e da literatura moral.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (89)

• Esta intensificação da produção cultural cistercense é concomitante com o declínio ou a especialização dos Regrantes em história em prejuízo aparente do interesse pela pregação.

• O meio eclesiástico torna-se assim diversificado, ainda que manifestando um cuidado comum pelos temas da moral, da exegese (estudo crítico dos livros sagrados) e da mística.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (90)

• O fulcro do interesse do clero secular (i.e. que não fez votos monásticos) é o direito canónico que norteia:

a estruturação diocesana, a hierarquia das várias autoridades eclesiásticas, o poder judicial no seu foro próprio, a administração dos sacramentos e das rendas,

dos dízimos (imposto) e das primícias.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (91)

• O saber que muitos clérigos alcançam e cultivam nesta área será posto à disposição do poder monárquico, que desde o princípio do séc. XIII não pára de se consolidar.

• A utilização destes conhecimentos por parte das burocracias estatal (primeiro com Julião, Chanceler de Afonso II, depois com Afonso III e D. Dinis) e diocesana irá levar ao aparecimento de um verdadeiro grupo de intelectuais.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (92)

• Este grupo é constituído pelos principais agentes da centralização régia e da estruturação das cúrias episcopais.

• Estes especialistas da escrita e do formalismo legal irão exercer poder sobre a própria fisionomia cultural do clero, no seu conjunto, o qual começa a burocratizar-se.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (93)

• Isto leva a uma perda de sentido pastoral, mas, por outro lado, a uma correspondente melhoria dos conhecimentos escolares e a uma gradual abertura ao pensamento racional.

• É deste vivo interesse no direito que surgem canonistas célebres como Vicente Hispano, Silvestre Godinho, João de Deus, entre outros, que procuram ora mitigar os conflitos com o poder régio, ora apoiar a luta dos bispos contra o monarca.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (94)

• A curiosidade pela lógica e pela mística (cultivada por exemplo por Pedro Hispano) escasseia. «Das abstracções filosóficas e teológicas, os Portugueses só conhecem, geralmente, os compêndios de escolástica.» [Mattoso]

• Os nossos académicos preferem frequentar as escolas de Direito e de Medicina de Bolonha e de Montpellier do que as de Filosofia e de Teologia de Paris e de Oxford.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (95)

• As ordens mendicantes, constituem os grandes inspiradores da fisionomia urbana da religiosidade medieval, uma vez que habitam as cidades.

• Os Mendicantes irão retomar a tradição pastoral dos Regrantes, embora devotando menos atenção do que estes à orientação dos chefes políticos e – principalmente no caso dos Franciscanos – dirigindo a sua atenção às camadas populares.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (96)

• Assim, tornam-se pregadores por excelência. «Hesita-se em considerar neste caso, como representativo da cultura portuguesa, a figura de Santo António de Lisboa, que embora formado em Portugal, pregou na Itália e no Sul de França.» [Mattoso]

• Um representante da pregação mendicante portuguesa do séc. XIII foi o dominicano Fr. Paio de Coimbra.

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Santo António de Lisboa (1191-1195?-1231)

Fonte: wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (97)

• Os mendicantes, em conjunto com os meirinhos, os corregedores, tabeliães, mordomos e outros funcionários foram os mais destacados agentes da ainda incipiente, mas crescente, influência da cidade sobre o campo.

• A difusão da cultura urbana foi, nas palavras de Mattoso, um fenómeno de aculturação pelo menos da mesma magnitude, da que sobreveio aos contactos entre o Norte cristão e o Sul moçárabe.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (98)

• Já falámos da diversidade entre regiões culturais e entre grupos sociais, agora debruçar-nos-emos sobre a disparidade diacrónica (i.e. dependente da evolução com o tempo).

• Mattoso enumera os seguintes elementos da distinção diacrónica:

i. A influência franca do final do séc. XI e do princípio do seguinte e as mutações que trouxe à cultura aristocrática e clerical;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (99)

ii. A renovação produzida pelos contactos com árabes e moçárabes, quando as populações do Norte, a partir de meados do séc. XII, abandonaram o campo para viver nas cidades da Estremadura e Alentejo;

iii. As alterações decorrentes do ampliação da corte régia e da gradual complexificação do aparelho político, com o seu período mais activo a partir de meados do séc. XIII;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (100)

iv. As múltiplas fases da guerra com o Islão e as suas repercussões sobre a épica;

v. O reforço da burocracia diocesana e estatal durante todo o séc. XIII;

vi. A expansão dos Mendicantes e a sua acção pastoral nas cidades desde o princípio do séc. XIII;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (101)

vii. Os contactos com a escolástica;

viii. A evolução de um centro cultural como o mosteiro de Alcobaça e de outros mosteiros cistercenses;

ix. O definhamento da cultura moçárabe depois da Reconquista;

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (102)

x. As inovações da poesia lírica e satírica, por influência moçárabe ou provençal;

xi. A recepção dos romances de cavalaria vindos da França do Norte, em meados do séc. XIII.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (103)• Os factores demográficos vão, de acordo com

Mattoso, exercer uma influência profunda e lenta sobre a cultura portuguesa dos sécs. XI a XIV.

• Os séculos XII e XIII constituem uma época de grande efervescência cultural. Não podendo o mesmo ser dito para a centúria seguinte.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (104)• De facto, aqueles dois séculos apresentam, a nível

demográfico, uma população em expansão. Uma pirâmide de idades em que abunda a gente jovem, o que cria um clima favorável à inovação cultural.

• É no Norte que se concentra grande parte da população no séc. XII, no seguinte verifica-se uma deslocação, provavelmente significativa, de gente que aflui principalmente ao Centro do País.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (105)• «Altera-se, assim, o panorama populacional da

Estremadura e das cidades em geral.» [Mattoso]

• Em termos gerais, poder-se-á, provavelmente, opor o superpovoamento do Norte no séc. XII a um envelhecimento relativo da sua população no século XIII, devido à emigração dos jovens para o Centro e Sul.

• Tal se traduzirá numa transferência dos pólos essenciais para o Centro de Portugal.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (107)• É nos centros urbanos do Centro e do Sul do País

que se encontram, no século XIII, a maior parte dos autores que realizaram obras relevantes nos domínios da literatura, do direito e da medicina.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (108)

• Em contraste com o período de expansão precedente, o século XIV apresenta características de certo atrofiamento da criatividade literária, em especial da poética. Verifica-se um quase desaparecimento da lírica.

• Ainda segundo Mattoso, recentemente foi aventada a hipótese do fim da lírica ser consequência da morte da maioria dos trovadores durante a Peste Negra de 1348.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (109)

• «Esta teria, por assim dizer, cortado o fio de uma tradição que implicava a aprendizagem de uma técnica rigorosa.» [Mattoso]

• Para este autor, eventualmente, os factores demográficos actuaram antes de uma forma indirecta.

• Na realidade, a perturbação derivada das mortandades (não só a de 1348, mas também outras, antes e depois) cria um clima de agitação social e política.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (110)

• Como sintomas concretos desse mal-estar temos a guerra civil de 1319-1324 entre D. Dinis e o infante D. Afonso; as contendas que opuseram Afonso IV a D. Pedro depois do assassinato de Inês de Castro; as revoltas contra o rei D. Fernando; e finalmente a revolução de 1383-1385.

• Simultaneamente, uma crescente sucessão de maus anos agrícolas a partir de 1320, a grande peste de 1348 e novos surtos de epidemias em cadeia até ao fim do século, agravam o clima de instabilidade e de angústia colectiva.

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A peste bubónica na Europa Fonte:wikipédia

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (111)• Mattoso advoga que a relação entre os níveis de

população e produção cultural será plausível se se apontar como razão do atrofiamento desta não a mortandade dos poetas, mas o ambiente dramático que na altura se vivia.

• Na realidade, nada nesta época sombria, instila a inspiração lírica. O tipo de criação literária próprio deste período é, por isso mesmo, a escrita moral ou mística.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (112)• «O que era preciso, para os homens se defenderem

do que consideravam castigos divinos, era cumprirem os seus deveres morais e impor “a justiça”, mesmo com a máxima crueldade, como fez D. Pedro em Portugal.» [Mattoso]

• Os que cultivavam a criação literária empolgavam-se, então, com as fantásticas lutas dos heróis contra os inimigos que incarnam o mal ou que buscam um paraíso inatingível.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (113)

• Outros autores optam por encorajar aqueles que tudo aguentam com resignação e acham alento na meditação da vida terrestre e sobretudo da provação do Salvador, na Vita Christi ou na Imitação de Cristo, nos cânticos e louvores espirituais (e.g. mestre André Dias de Escobar).

• Alguns ainda sentem os males da Igreja, e tentam lutar afincadamente contra todos os males e corrupções, coleccionando heresias e esgrimindo os seus argumentos contra os causadores de todos os erros.

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Introdução à Cultura Medieval Portuguesa por José Mattoso (114)

• Ou ainda procurando convencer os príncipes a serem os zeladores implacáveis da Fé e da ordem moral, como fez Álvaro Pais (oficial régio).

• «Para tudo isto, a prosa era mais adequada ao relato das aventuras imaginárias e às instruções de cariz moralizante ou aos devaneios místicos, na sempre renovada tentativa de orientar o homem na sua luta contra os inúmeros inimigos visíveis e invisíveis que por toda a parte o assaltavam»

• [Mattoso]

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