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    25/01/2016 O Estado como problema e soluo

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    Lua Nova: Revista de Cultura e PolticaPrint versionISSN 0102-6445

    Lua Nova no.28-29 So Paulo Apr. 1993

    http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006

    ESTADO, REFORMAS E DESENVOLVIMENTO

    O Estado como problema e soluo*

    Peter Evans

    Professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califrnia,Berkeley

    A teoria do desenvolvimento no ps-guerra iniciou nos anos 50 e 60 com a

    premissa de que os aparelhos de Estado podiam ser usados para promovera mudana estrutural1. 0 principal encargo do Estado era acelerar aindustrializao, mas tambm se esperava que desempenhasse um papelna modernizao da agricultura e no fornecimento da infra-estrutura necessria urbanizao. A experinciadas dcadas subseqentes aviltou a imagem do Estado enquanto principal agente transformador, produzindo emseu lugar uma imagem de espelho do Estado como o obstculo primeiro do desenvolvimento. Na frica atobservadores complacentes no conseguiam ignorar a pardia cruel das esperanas ps-coloniais implantadasno continente pela maioria dos Estados2. Aparelhos de Estado inchados tambm se convertiam em objetos deestudo evidentes para latino-americanos que tentavam compreender as razes da estagnao eivada de crisescom que se defrontavam3.

    A nova imagem do Estado enquanto problema surgiu em parte devido ao seu fracasso em realizar as tarefasestabelecidas pela agenda anterior, mas no apenas por este motivo. Pelo menos em alguns casos, o Estado

    havia, de fato, promovido substantiva mudana estrutural, abrindo caminho rumo a um maior apoio produoindustrial local. Tambm se alterara a definio corrente de mudana estrutural. O decrscimo no crescimentodo comrcio mundial nos anos 70, associado impressionante elevao das taxas de juros reais de fins desseperodo e o enxugamento dos emprstimos comerciais do incio dos anos oitenta, obrigou os pases emdesenvolvimento a se concentrarem de novo nos ajustes s restries impostas pela conjuntura internacionalda a mudana estrutural passar a ser definida basicamente em termos de "ajuste estrutural".

    Alteraes reais na agenda do desenvolvimento e avaliaes negativas de antigos desempenhos interagiramcom mudanas no clima ideolgico e intelectual para trazer ao centro do debate sobre o desenvolvimento aquesto de saber se o Estado deveria mesmo tentar ser um agente econmico ativo. Teorias minimalistas doEstado que enfaticamente limitavam o mbito da ao efetiva deste ao estabelecimento e manuteno derelaes de propriedade privada voltavam a entrar em voga, defendidas por um notvel aparelho analtico "neo-utilitarista". Alm do mais, as teorias neo-utilitaristas do Estado eram bem adequadas ao receiturio econmico

    ortodoxo para o tratamento de problemas de ajuste estrutural. Em meados dos anos oitenta a combinao eraquase irresistvel.

    Como a maioria das correntes polticas e modas intelectuais, o surto de ortodoxia neo-utilitarista era auto-limitante4. Problemas com a implementao de programas de ajuste estrutural e novas dvidas acerca de se oajuste estrutural era suficiente em si mesmo para assegurar o crescimento futuro levou novamente a se

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    repensar o papel do Estado. Ao fim dos anos oitenta, comeava a se cristalizar uma "terceira onda" de reflexosobre o papel do Estado.

    Para comear, analistas como Kahler ressaltavam que as recomendaes da poltica ortodoxa, apesar de seudesprezo pela sabedoria dos polticos, continham a expectativa paradoxal de que o Estado (a raiz do problema)de algum modo seria capaz de se tornar o agente que iniciaria e implementaria programas de ajuste (de setornar a soluo). No se trata apenas de que essa expectativa fosse empiricamente irrealista.

    Na medida em que a liberalizao, privatizao e outras polticas associadas ao ajuste estrutural tinham sido defato empreendidas, os administradores do Estado haviam desempenhado um papel de vanguarda ao inici-las.Contudo, isso no era consistente com o comportamento "orientado para a renda" previsto pela teoria neo-utilitarista do Estado.

    Goste-se ou no, o Estado permanece central ao processo de mudana estrutural, mesmo quando a mudana definida como ajuste estrutural. O reconhecimento da centralidade do Estado inevitavelmente remete de novo aquestes sobre a capacidade de ao do Estado. No se trata apenas de uma questo de ser capaz de identificarpolticas corretas. A aplicao consistente de quaisquer polticas, quer visem "corrigir preos" ou implantarindstria local, exige a institucionalizao permanente de um conjunto complexo de mecanismos polticos e,como salientou vigorosamente Samuel Huntington h uma gerao, tal institucionalizao no pode de formaalguma ser tida como certa. Ao final dos anos oitenta, at antigos expoentes da ortodoxia, como o BancoMundial, esto agora dispostos a considerar a possibilidade de que os problemas de seus clientes possam surgirno apenas de ms polticas, mas de deficincias institucionais corrigveis apenas no longo prazo 5. A respostano est no desmantelamento do Estado, mas sim na sua reconstruo.

    O reconhecimento da importncia da capacidade de ao do Estado no apenas no sentido da percia eperspiccia dos tecnocratas no interior do aparelho de Estado, mas tambm no sentido de uma estruturainstitucional que seja durvel e efetiva caracterstica da "terceira onda" de pensamento sobre o Estado e odesenvolvimento. As expectativas otimistas irrealistas relativas ao Estado enquanto instrumento dedesenvolvimento, que caracterizaram a "primeira onda", foram exorcizadas, mas tambm o foram as visesutpicas de que o papel do Estado podia se limitar ao policiamento para impedir violaes de direitos depropriedade. Entre os que trabalham com problemas de ajuste, Callaghy 6 um bom exemplo dessa terceiraonda. Sua anlise do processo de ajuste admite que a capacidade de lidar com problemas especficos como aestabilizao e o ajuste est enraizada nas caractersticas gerais difusas do aparelho de Estado e sua relaocom estruturas sociais circundantes e que estas, por sua vez, so conseqncias de processos de mudanaestrutural de longo prazo.

    A anlise apresentada a seguir uma tentativa de contribuir para a terceira onda. Sua base emprica no a

    anlise da relao entre a capacidade de ao do Estado e a implementao bem-sucedida de programas deajuste estrutural. Em vez disso, ela reexamina o papel do Estado na agenda desenvolvimentista anterior atransformao industrial e tenta fornecer um retrato analtico das caractersticas institucionais quedistinguem os Estados de maior e menor xito nessa tarefa.

    A estratgia de dar um passo atrs e examinar padres anteriores de transformao industrial no deve sertomada como uma afirmao de que a criao de instituies estatais eficazes invariante ao longo dasagendas econmicas. Algumas das caractersticas institucionais que facilitaram o crescimento da indstria localpodem at ser disfuncionais adoo de uma agenda de estabilizao e ajuste. Contudo, existe uma aparentecorrelao entre desempenho do Estado em torno de uma agenda de transformao industrial e desempenhoem torno de uma agenda de ajuste. Estados africanos que fracassaram em implantar indstrias locais tambmfracassaram em garantir o crescimento por meio de programas de ajuste estrutural. Os casos do Leste asiticoque foram mais bem-sucedidos na implementao de programas de transformao industrial tambm foram osmais bem-sucedidos no tratamento de questes de ajuste. Os Estados latino-americanos se situam em algumponto intermedirio no desempenho com relao a ambas as agendas. Constatar essa correlao genrica estlonge de ser uma demonstrao de que existem importantes aspectos institucionais que facilitam ambos osconjuntos de incumbncias. Mas sugere que uma compreenso da transformao industrial pode no serirrelevante elaborao final de uma anlise do papel do Estado no ajuste bem-sucedido.

    A correlao genrica entre desempenhos do Estado em relao a diferentes incumbncias sugere tambm oquestionamento de conceituaes neo-utilitaristas que concebem as exigncias institucionais de implementaode medidas econmicas ortodoxas como antitticas quelas exigidas para fomentar a industrializao local.Caso sejam necessrios melhores fundamentos tericos, pode fazer sentido revisar as perspectivasinstitucionalistas clssicas de Weber, Gerschen-kron, Hirschman e outros, em lugar de se confiar apenas no"novo institucionalismo".

    Tanto a reformulao conceituai como a anlise histrica comparativa sero aqui empreendidas. Em primeiro

    lugar, examino algumas das inconsistncias da viso neo-utilitarista do Estado. Em seguida, examino alguns dosinsightsda literatura clssica institucionalista comparativa em busca de indcios que possam ajudar a elaboraruma anlise acerca de estruturas de Estado eficazes. A maior parte do ensaio consiste numa anlise indutivacomparativa de Estados com maior ou menor xito. O foco dessa anlise comparativa no se encontra naestabilizao e ajuste dos anos oitenta, e sim nas campanhas de fomento transformao industrial no curso doperodo ps-Segunda Guerra Mundial. Diversos casos so examinados. O Zaire sob o governo de Mobutu

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    tomado como exemplo de um "Estado predatrio" quase puro. Trs casos do Leste asitico Japo, Taiwan eCoria so utilizados para investigar as caractersticas do "Estado desenvolvimentista". Em seguida, essescasos so comparados com dois Estados que alcanaram considervel xito em alguns setores e durante certosperodos de tempo mas que fracassaram em ser consistentemente desenvolvimentistas Brasil e ndia. Porfim, tentarei tirar algumas lies analticas dessa anlise comparativa e especular sobre sua importncia emrelao a problemas de estabilizao e ajuste.

    PERSPECTIVAS SOBRE O ESTADO

    A antipatia em face do Estado enquanto instituio tem muitas razes, como bem nota qualquer um que j tenhaesperado numa fila interminvel em uma agncia de servios ou que tenha se defrontado com um funcionriopblico intransigente. O ataque da "segunda onda" ao Estado obteve sustentao a partir de tais antipatias, bemcomo da evidncia bvia de mal desempenho. A evoluo das perspectivas tericas sobre o Estado tambmdesempenhou um papel importante na gerao da "segunda onda".

    Mesmo as teorias de desenvolvimento que privilegiam o mercado enquanto instituio sempre reconheceramque "a existncia do Estado essencial ao crescimento econmico"7, mas o Estado essencial era um Estadomnimo, "que se limitava em grande parte, se no inteiramente, proteo dos direitos individuais, pessoas epropriedades, e execuo de contratos privados voluntariamente negociados"8. Em sua forma neo-clssicaminimalista, o Estado era encarado como uma "caixa preta" exgena cujas funes internas no constituamassunto adequado ou digno de anlise econmica. Os economistas polticos neo-utilitaristas, contudo,convenceram-se de que as conseqncias econmicas negativas da ao do Estado eram importantes demaispara que se deixasse a caixa preta fechada. Para desemaranhar suas operaes, aplicavam os "instrumentos-padro da otimizao individual" anlise do prprio Estado 9.

    A relao de troca entre ocupantes de cargos e apoiadores a essncia da ao do Estado. Os primeirosnecessitam de apoiadores polticos para sobreviver e os ltimos, por sua vez, devem receber incentivossuficientes para evitar que o apoio que tm se desvie para outros. Os ocupantes de cargos podem distribuirrecursos diretamente aos apoiadores, ora mediante subsdios, emprstimos, empregos, contratos ou ofornecimento de servios, ora usando sua autoridade regulamentadora para criar rendas para gruposprivilegiados pela restrio da capacidade de atuao das foras de mercado. O controle sobre o cmbio, asrestries entrada no mercado pelo credenciamento de produtores e por meio de tarifas, ou restriesquantitativas sobre importaes so formas de gerar rendas. Os ocupantes de cargos podem tambm cobraruma parcela da renda para si prprios. De fato, existe a hiptese de que a "competio pelo ingresso no serviogovernamental , em parte, uma competio por rendas"10. Na economia como um todo, altos retornosoriginados de atividades "lucrativas diretamente improdutivas" desestimulam o investimento em atividadesprodutivas. Declinam a eficincia e o dinamismo econmicos.

    A fim de fugir aos efeitos nocivos da ao do Estado, a esfera deste deveria ser reduzida a um mnimo, e ocontrole burocrtico, sempre que possvel, substitudo por mecanismos de mercado. O mbito das funes deEstado consideradas conversveis ao mercado varivel, mas alguns autores especulam mesmo sobre apossibilidade de utilizar "prmios" e outros incentivos para induzir "privatista? e outros cidados privados afinanciarem pelo menos parte da defesa nacional11 .

    Seria tolice negar que a concepo neo-utilitarista capta um aspecto significativo do funcionamento da maioriados Estados e talvez o aspecto dominante do funcionamento de alguns deles. A "orientao para a renda",conceituada em termos mais primrios como "corrupo", tem sido sempre uma faceta bem conhecida daoperao dos Estados do Terceiro Mundo. Alguns aparelhos de Estado consomem o excedente que extraem,

    incentivam atores privados a se mudarem de atividades produtivas para a improdutiva "orientao para arenda" e fracassam em fornecer bens coletivos. No possuem mais nenhum respeito por suas sociedades doque um predador por sua presa e so legitimamente chamados "predatrios"12.

    Devido sua reintroduo na poltica, a concepo neo-utilitarista deveria mesmo ser considerada umaperfeioamento da concepo neo-clssica tradicional do Estado como rbitro neutro. De fato, a suposio deque as polticas de Estado "refletem capital investido na sociedade"13recupera parcialmente alguns dosdiscernimentos originais de Marx dos vieses que caracterizam a poltica de Estado. Enquanto explicao de umpadro do comportamento do ocupante de cargos, que pode ou no ser dominante em um determinado aparelhode Estado, o pensamento neo-utilitarista uma contribuio valiosa. Enquanto teoria monocausal superioraplicvel genericamente aos Estadoso que a concepo neo-utilitarista tende a se tornar nas mos de seusadeptos mais dedicados , o modelo neo-utilitarista problemtico.

    Em primeiro lugar, se os funcionrios pblicos esto basicamente interessados em rendas individuais, difcilexplicar por que no so todos free-lancers. A lgica neo-utilitarista oferece pouco esclarecimento sobre o queleva os ocupantes de cargos individuais a trabalharem juntos enquanto coletividade. Se postulamos que dealgum modo o Estado resolve seu prprio problema de ao coletiva, no existe motivo algum na lgica dosargumentos neo-utilitaristas para aqueles que dispem de um monoplio de violncia se contentarem em serguardas-noturnos e todos os motivos para que tentem expandir nichos de rendas. Em suma, a adeso estrita e

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    uma lgica neo-utilitarista torna difcil explicar a existncia do Estado e torna o Estado guarda-noturno quaseuma impossibilidade terica14.

    Ao mesmo tempo, a premissa neo-utilitarista de que as relaes de troca so "naturais", ou seja,epistemologicamente anteriores a outros tipos de relaes sociais, no se apia em evidncia emprica. Estudosminuciosos sobre processos reais de troca (quando comparados a resumos analticos de suas conseqncias)descobrem que os mercados apenas funcionam bem quando apoiados por outros tipos de redes sociais15. Nobasta uma rede "eficiente" de relaes de propriedade. A operao fluente da troca exige o clima denso eprofundamente desenvolvido de confiana e entendimentos culturalmente partilhados, sintetizados por Durkheimna expresso enganosamente simples "elementos no-contratuais do contrato".

    Mal ou bem, os mercados esto sempre inextricavelmente inseridos em uma matriz que abrange ao mesmotempo entendimentos culturais e sistemas sociais compostos de laos individuais polivalentes. Em certos casoso apoio s relaes de troca pode ser gerado por interao informal. Em outros, organizaes formaishierrquicas podem "internalizar" relaes de troca16. Se os mercados devem estar envolvidos por outros tiposde estruturas sociais a fim de funcionar, ento as tentativas neo-utilitaristas de "liberar" o mercado do Estadopodem terminar por destruir os apoios institucionais que possibilitem a troca. claro que esta a posio datradio clssica dos estudos institucionalistas comparativos que enfatizavam a complementariedade essencialentre estruturas de Estado e troca de mercado, particularmente na promoo da transformao industrial.

    Essa tradio sempre foi crtica da afirmao de que a troca uma atividade natural que exige apenas os maisreduzidos apoios institucionais. H quarenta anos Polanyi afirmava: "O caminho rumo ao livre mercado estavaaberto e se mantinha aberto por um aumento enorme no intervencionismo contnuo, organizado e controlado

    centralmente"17

    . Desde o princpio, segundo Polanyi, vida do mercado foi entretecida no apenas com outrostipos de laos sociais, mas com as formas e polticas do Estado.

    Considerando as sociedades com mercados consolidados, Weber avanou nessa linha de raciocnio ao afirmarque a operao da empresa capitalista de grande escala dependia da disponibilidade do tipo de ordem queapenas o moderno Estado burocrtico poderia oferecer. Como afirmou ele, "O capitalismo e a burocracia seencontraram e se unem intimamente"18. claro que a premissa weberiana da relao ntima baseava-se emuma concepo do aparelho burocrtico do Estado que era a imagem especular da concepo neo-utilitarista. Osburocratas de Weber estavam envolvidos apenas na execuo de suas atribuies e na contribuio aocumprimento das metas do aparelho como um todo. O uso das prerrogativas oficiais para a maximizao deinteresses privados era, para Weber, uma caracterstica de formas pr-burocrticas anteriores.

    Para Weber, o Estado era til queles que operavam no mercado exatamente porque as aes de seusencarregados obedeciam a uma lgica completamente diferente da lgica da troca utilitarista. A capacidade doEstado de apoiar os mercados e a acumulao capitalista dependia de a burocracia ser uma entidadecorporativamente coerente, na qual os indivduos encaram a implementao de metas corporativas como omelhor meio de maximizar seu prprio interesse individual. A coerncia corporativa exige que em algumamedida os encarregados individuais sejam isolados das demandas da sociedade circundante. O isolamento porsua vez ampliado atravs da atribuio de um statusdistintivo e recompensador aos burocratas. Aconcentrao de competncia tcnica na burocracia pelo recrutamento meritocrtico e pela oferta deoportunidades de longo prazo de recompensa para carreiras tambm era fundamental eficcia da burocracia.Em suma, Weber concebia a construo de uma estrutura slida e competente como um pr-requisitonecessrio ao funcionamento do mercado.

    Observadores posteriores ampliaram a concepo weberiana do papel do Estado. A capacidade de implementarnormas de modo previsvel, embora seja necessrio, no suficiente. O trabalho de Gerschenkron sobre ospases de desenvolvimento tardio complementa Weber ao se concentrar sobre as contribuies especficas do

    aparelho de Estado na superao de problemas criados por uma disjuno entre a escala de atividadeeconmica necessria ao desenvolvimento e o alcance efetivo dos sistemas sociais existentes. 19 Pases deindustrializao tardia, que se depararam com tecnologias de produo exigindo mais capital do que osmercados privados eram capazes de acumular, foram obrigados a se valer do poder do Estado para mobilizaros recursos necessrios. Em vez de simplesmente propiciar um ambiente adequado, como ocorria no modelo deWeber, o Estado agora organizava ativamente um aspecto crucial do mercado. O argumento de Gerschenkronlevanta tambm uma nova questo o problema de assumir riscos. O xis da questo enfrentada por pases deindustrializao tardia que no existem instituies que permitam a distribuio de riscos grandes por umaampla rede de acionistas, e os capitalistas individuais no so capazes nem se interessam em assumi-los. Emtais circunstncias, o Estado precisa funcionar como um empresrio substituto.

    Hirschman assume com preciso muito maior essa nfase na capacidade empresarial como o ingrediente quefalta ao desenvolvimento. Baseando-se em suas observaes sobre os "ltimos dos ltimos" pases de

    desenvolvimento tardio do Terceiro Mundo no sculo vinte, Hirschman afirma que o "capital", no sentido de umexcedente potencialmente passvel de investimento, no o principal ingrediente que est faltando aos pasesem desenvolvimento. O que est faltando iniciativa empresarial no sentido da disposio de arriscar osexcedentes disponveis no investimento em atividades produtivas ou, nas suas prprias palavras, "a percepodas oportunidades de investimento e sua transformao em investimentos reais". Se, como afirma Hirschman,induzir a decises de maximizao for a chave, ento o papel do Estado envolve um grau elevado de

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    "responsividade" ao capital privado. O Estado deve propiciar incentivos desequilibradores para induzir oscapitalistas privados a investir e ao mesmo tempo estar pronto a aliviar gargalos que estejam criandodesincentivos ao investimento.

    Os Estados que conseguem empreender as tarefas que Gerschenkron e Hirschman delineiam, bem comoaquelas estabelecidas por Weber, so legitimamente chamados "desenvolvimentistas"20. Extraem excedentemas tambm fornecem bens coletivos. Fomentam perspectivas empresariais de longo prazo entre elitesprivadas mediante o aumento de incentivos ao engajamento em investimentos transformadores e a reduo dosriscos envolvidos em tais investimentos. Podem no estar imunes "orientao para a renda" ou utilizao departe do excedente social para os fins dos ocupantes de cargos e seus amigos, e no para os da cidadania como

    um todo. No entanto, no fim das contas, as conseqncias de suas aes antes promovem que impedem oajuste econmico e a transformao estrutural.

    Em geral se reconhece a existncia de "Estados desenvolvimentistas". De fato, alguns argumentariam que elesforam o ingrediente essencial ao desenvolvimento "tardio" ou "tardio mais tardio". White e Wade afirmam, porexemplo, que "o fenmeno do desenvolvimento tardio bem-sucedido... deveria ser compreendido... como umprocesso no qual os Estados desempenharam um papel estratgico no controle das foras de mercado internase internacionais e na sua utilizao em favor de um interesse econmico nacional"21. Identificar ascaractersticas estruturais que permitem a esses Estados serem desenvolvimentistas , no entanto, uma tarefamais controvertida.

    Na concepo gerschenkroniana/hirschmaniana, o relacionamento entre "capacidade" e "insulamento" (ou"autonomia") do Estado mais ambguo do que numa perspectiva estritamente weberiana ou, a esse respeito,

    numa perspectiva neo-marxista22

    . Para que o Estado insulado seja eficaz, a natureza de um projeto deacumulao e os meios para implement-lo devem ser imediatamente visveis. Num cenrio gerschenkronianoou hirshmaniano de transformao, o molde de um projeto de acumulao deve ser descoberto, quaseinventado, e sua implementao exige estreitos vnculos com o capital privado. Uma burocracia de estiloprussiano poderia ser mesmo eficaz na preveno da fora e da fraude, mas o tipo de empreendimentosubstituto a que Gerschenkron se refere, ou o tipo de esperteza sutil da iniciativa privada enfatizada porHirshman, exigiriam mais do que um aparelho administrativo insulado corporativamente coerente. Exigeinteligncia acurada, inventividade, reparties geis e respostas elaboradas a uma realidade econmicamutvel. Tais argumentos exigem um Estado que muito mais "inserido" na sociedade que insulado 23.

    Quaisquer que sejam as caractersticas estruturais subjacentes capacidade do Estado, os argumentos em favordo papel central do Estado aplicam-se com mais vigor a situaes nas quais a transformao estrutural est naordem do dia. A industrializao, que o foco dos estudos de caso apresentados a seguir, o exemplo clssicodesse tipo de transformao, mas o ajuste estrutural exige tambm mais do que uma mudana gradual. tambm quando a transformao est na agenda que mais nitidamente se revela o contraste entre o Estadopredatrio e o desenvolvimentista. Como destaca Callaghy, a existncia potencial de um papel positivo doEstado no cria qualquer necessidade lgica de realizao desse potencial. Sociedades e economias que"necessitam" de Estados desenvolvimentistas no os obtm necessariamente, como amplamente o demonstra ocaso do Zaire.

    ZAIRE: UM CASO EXEMPLAR DE PREDAO

    Desde que Joseph Mobutu Sese Seko assumiu o governo do Zaire em 1965, ele e seu crculo ntimo no interiordo aparelho de Estado zairiano tm extrado enormes fortunas pessoais das receitas geradas pela exportao daimpressionante riqueza mineral do pas. Durante estes vinte anos, o PNB per capita do Zaire declinou a uma

    taxa anual de 2,1 % ao ano, levando o pas pouco a pouco para o ltimo lugar na hierarquia mundial das naese deixando a populao do pas numa misria igual ou pior do que a sofrida durante o regime colonial belga. 24

    O Zaire , em suma, um exemplo de manual de um "Estado predatrio" no qual a preocupao da classepoltica com a busca de renda converteu a sociedade em sua presa.

    Na linha de Weber, Callaghy enfatiza as qualidades patrimoniais do Estado zairiano, a mistura detradicionalismo e arbitrariedade que Weber afirmava retardar o desenvolvimento capitalista25. Fiel ao modelopatrimonialista, o controle do aparelho de Estado cabe por direito a um pequeno grupo de indivduos vinculadosem termos pessoais. No pinculo do poder est a "panelinha presidencial", que consiste de "cinqenta e tantosparentes da maior confiana do presidente, ocupando as mais importantes e lucrativas posies, tais como aschefias do Conselho Judicirio, polcia secreta, Ministrio do Interior, gabinete do Presidente e assim pordiante"26. Seguindo-se a estas h a "Irmandade Presidencial" que no consiste de parentes, mas cujos cargostambm dependem de seus laos pessoais com o Presidente e sua panelinha e de seus laos mtuos.

    Um dos aspectos mais chocantes e irnicos do Estado zairiano a extenso em que as relaes de mercadodominam o comportamento administrativo, novamente quase uma caricatura da imagem neo-utilitarista doprovvel funcionamento de aparelhos de Estado criadores de renda. Um arcebispo zairiano descreveu isso daseguinte forma:

    "Por que em nossos tribunais as pessoas apenas obtm seus direitos mediante generoso pagamento

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    ao juiz? Por que os prisioneiros vivem esquecidos nas prises? No dispem de ningum que possapagar o juiz que est de posse de seus dossis. Por que em nossas reparties administrativas,como os servios pblicos, pede-se s pessoas para que voltem dia aps dia para receber o quelhes devido? Se no pagarem ao funcionrio, no sero atendidas".27

    O prprio presidente Mobutu caracterizou o sistema quase da mesma forma dizendo:

    "Tudo para vender, tudo comprado em nosso pas. E nesse trfico, possuir qualquer fatia depoder pblico constitui um verdadeiro instrumento de troca, que pode ser convertido em aquisioilcita de dinheiro ou outros bens."28

    A vigncia de uma tal tica perfeita de mercado poderia primeira vista parecer inconsistente com o queCallaghy29caracteriza como um "incipiente estado absolutista moderno", mas na verdade inteiramenteconsistente. O personalismo e o saque da cpula destroem qualquer possibilidade de comportamento orientadopor normas nos nveis inferiores da burocracia. Alm do mais, a mercantilizao do aparelho de Estado tornaquase impossvel o desenvolvimento de uma burguesia voltada para o investimento produtivo de longo prazodevido corroso da previsibilidade de ao do Estado.

    A persistncia do regime em si mesmo pode ser encarada como evidncia de que Mobutu no mnimo conseguiuconstruir um aparelho repressivo dotado do teor mnimo de coerncia corporativa necessria a rechaarpotenciais concorrentes. Nem mesmo isso certo. Como rudemente afirma Gould, "a burguesia burocrticadeve sua existncia a um apoio externo antigo e contnuo"30. Tanto a ajuda do Banco Mundial como de naesocidentais isoladas desempenham um papel importante, mas a presena de tropas francesas e belgas em

    momentos crticos (como, por exemplo, em Shaba, em 1978) tem sido condio sine qua non da manuteno deMobutu no poder31. Dessa forma, Mobutu oferece apenas uma frgil prova dos limites nos quais pode se mantera orientao para a renda sem minar o aparelho repressivo necessrio sobrevivncia do regime. 32

    O Zaire confirma claramente que no tanto a burocracia que impede o desenvolvimento, mas a ausncia deum aparelho burocrtico coerente. O Estado "clepto-patrimonialista" zairiano uma mescla de personalismo eaparelho administrativo completamente mercantilizado33. precisamente o tipo de Estado dominado pela trocaque os neo-utilitaristas postulam e temem, mas os resultados no se resumem busca feroz de renda e aincentivos distorcidos. A fragilidade do centro do sistema poltico-econmico solapa a previsibilidade da polticanecessria ao investimento privado. O Estado fracassa at em fornecer os mais bsicos pr-requisitos para ofuncionamento de uma economia moderna: cumprimento regular de contratos fornecimento e manuteno deinfra-estrutura, investimento pblico em sade e educao.

    O Zaire coloca tambm alguns problemas s concepes convencionais sobre a importncia da autonomia doEstado na formulao de estratgias coerentes de ajuste e de crescimento. Por um lado, uma vez que o Estadoenquanto entidade corporativa incapaz de formular e implementar metas coerentes e uma vez que asdecises polticas so tomadas em favor de elites privadas, o Estado poderia ser considerado comointeiramente desprovido de autonomia. Essa falta de autonomia o que permite o prevalecimento da orientaocontagiante para a renda. Ao mesmo tempo, no entanto, impressionante como o Estado zairiano no controlado pela sociedade. Ele "autnomo" no sentido de que suas metas no derivam da agregao deinteresses sociais. Essa "autonomia" no amplia a capacidade do Estado de adotar suas prprias metas, e simafasta reaes sociais crticas a sua dominao arbitrria. O caso zairiano sugere que o relacionamento entre acapacidade de ao e a autonomia do Estado precisa ser repensado isso se torna ainda mais evidente noexame dos "Estados desenvolvimentistas" do Leste asitico.

    ESTADOS DESENVOLVIMENTISTASEnquanto Estados como o de Mobutu ofereciam demonstraes prticas das perverses previstas pelasconcepes neo-utilitaristas do Estado, um conjunto diferente de naes a meio caminho ao seu redor estavaescrevendo registros histricos que confirmavam as expectativas institucionalistas. Ao fim dos anos setenta, osucesso econmico dos novos pases industriais (NPIs) do Leste asitico, Coria e Taiwan, era cada vez maisinterpretado como dependente do ativo envolvimento do Estado34, mesmo por observadores dotados de umainclinao neo-clssica35. Os casos do Leste asitico no so apenas importantes porque sugiram que osencraves institucionais da agenda anterior de transformao industrial local no podiam ser irrelevantes execuo bem-sucedida de uma agenda de ajuste. Tais Estados constituem, acima de tudo, os casosparadigmticos tanto da rpida industrializao local como de ajuste a mercados internacionais mutveis.

    O Modelo Japons. Ao procurar bases institucionais sobre as quais promover a industrializao rpida, os NPIs

    do Leste asitico adotaram o modelo regional do Estado ativo o Japo. Anlises do caso japons oferecem umtimo ponto de partida para a compreenso do "Estado desenvolvimentista". O relato de Chalmers Johnsonsobre os anos dourados do MITI (Ministrio do Comrcio Internacional e da Indstria)36 fornece um dosmelhores quadros do Estado desenvolvimentista em ao. Sua descrio particularmente fascinante porquecorresponde de modo inequvoco ao que poderia ser na prtica uma acurada implementao das idias deGershenkron e Hirschman.

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    Nos anos de escassez de capital que se seguiram Segunda Guerra Mundial, o Estado japons funcionava comosubstituto de mercados de capital pouco desenvolvidos, ao mesmo tempo que "induzia" mudanas nas decisesde investimento. As instituies de Estado, desde o sistema de captao de poupana via Correios at o Bancode Desenvolvimento do Japo, foram cruciais na obteno do capital necessrio ao investimento industrial. Acentralidade do Estado no fornecimento de novos capitais, por sua vez, fez com que o MITI assumisse um papelcentral na poltica industrial. Dado seu papel na aprovao de emprstimos de investimento do Banco deDesenvolvimento do Japo, sua participao na alocao de divisas para fins industriais e licenas deimportao de tecnologia estrangeira, sua capacidade de fornecer isenes fiscais e sua capacidade de articular"cartis de orientao administrativa" que regulamentaria a concorrncia em um setor, o MITI estava emperfeitas condies de "maximizar o processo induzido de deciso".37

    Alguns podem achar exagerada a caracterizao que Johnson faz do MITI, "indubitavelmente a maiorconcentrao de capacidade cerebral do Japo", mas poucos negariam o fato de que at recentemente "osrgos pblicos atraem os mais talentosos graduandos das melhores universidades do pas, e os cargos pblicosde maior nvel nesses ministrios foram e ainda so os mais prestigiosos do pas".38

    Portanto, existe um aspecto nitidamente weberiano no Estado desenvolvimentista japons. Os funcionrioscontam com o statusespecial que Weber considerava essencial a uma verdadeira burocracia. Seguem carreirasde longo prazo no interior da burocracia e atuam geralmente de acordo com regras e normas estabelecidas.Tais caractersticas variam um pouco na burocracia japonesa, mas os rgos menos burocrticos e maisclientelistas, como o Ministrio da Agricultura, em geral so encarados como "bolses de bvia ineficincia" 39.Se o Japo confirma as declaraes weberianas relativas necessidade de uma burocracia coerente,meritocrtica, indica tambm a necessidade de ir alm de tais prognsticos. Todas as descries sobre o Estado

    japons enfatizam o carter indispensvel de sistemas informais, tanto internos como externos, aofuncionamento do Estado. Sistemas internos particularmente o "gakubatsu", que consiste em laos entrecolegas de classe nas universidades da elite de onde se recrutam os funcionrios so cruciais coerncia daburocracia.40Tais redes informais conferem burocracia uma coerncia interna e identidade corporativa quepor si s a meritocracia no poderia oferecer. O fato de que a competncia formal, e no os laos clientelistasou lealdades tradicionais, seja o requisito primeiro para o ingresso na rede torna muito mais plausvel que odesempenho eficaz passe a ser um atributo valorizado entre membros leais dos diversos "batsu". O resultadogeral uma espcie de "weberianismo reforado", no qual os "elementos no-burocrticos da burocracia"reforam a estrutura organizacional formal, da mesma forma que os "elementos no-contratuais do contrato"de Durkheim reforam o mercado.41

    Redes externas que vinculam o setor estatal ao privado so ainda mais importantes. Como afirma Chie Nakane,"a teia administrativa tecida de modo mais acabado na sociedade japonesa do que talvez em qualquer outra

    sociedade do mundo"42. A poltica industrial japonesa depende fundamentalmente dos laos que vinculam o MITIe os maiores grupos industriais.43Laos entre a burocracia e o poder privado so reforados pelo papelcontagiante dos ex-alunos do MITI, que, atravs dos amakudar (a "gerao do cu" de aposentadoria precoce),acabam ocupando posies-chave no apenas em empresas individuais, mas tambm nas associaesindustriais e organizaes semi-governamentais que compem "o labirinto de organizaes intermedirias eredes polticas informais, onde ocorre grande parte do demorado trabalho de formao de consenso". 44

    A centralidade dos laos externos levou alguns a afirmar que a eficcia do Estado procede "no de sua prpriacapacidade inerente mas da complexidade e estabilidade de sua interao com atores do mercado". 45 Essaperspectiva um complemento necessrio a descries como as de Johnson, mas implica o perigo de conceberas redes externas e a coerncia corporativa interna como explicaes alternativas opostas. Em vez disso, acoerncia burocrtica interna deveria ser considerada como pr-condio essencial efetiva participao doEstado em redes externas. Se o MITI no fosse uma organizao excepcionalmente competente e coesa, no

    poderia participar em redes externas da forma como o faz. Se o MITI no fosse "autnomo" no sentido de sercapaz de formular suas prprias metas de modo independente e de confiar que seus funcionrios iro encarar aimplementao de suas metas como importante tambm para suas carreiras individuais, pouco teria ento aoferecer ao setor privado. A "autonomia relativa" do MITI o que viabiliza sua dedicao aos problemas deao coletiva do capital privado, ajudando o capital como um todo a encontrar solues que de outra formaseriam difceis de alcanar, mesmo no interior do organizadssimo sistema industrial japons.

    A "autonomia inserida" o inverso da dominao absolutista incoerente do Estado predatrio e constitui a chaveorganizacional para a eficcia do Estado desenvolvimentista. Essa autonomia depende de uma combinaoaparentemente contraditria entre isolamento burocrtico weberiano e insero intensa na estrutura socialcircundante. A forma de se obter tal combinao contraditria depende, claro, tanto do carter historicamentedeterminado do aparelho de Estado como da estrutura social na qual est inserida, como ilustra umacomparao entre o Japo e os NPIs do Leste asitico.

    Coria e Taiwan.A Coria e Taiwan possuem distintas estruturas de Estado associadas a diferentes basessociais de sustentao, padres de organizao industrial e estratgias polticas46. Apesar disso, compartilhamcaractersticas cruciais. Em ambos os pases, as iniciativas polticas que facilitaram a transformao industrialestavam enraizadas em uma organizao burocrtica coerente e competente. Embora ambos os NPIs do Lesteasitico paream mais autnomos que o Estado japons, exibem elementos da "autonomia inserida" que foicrucial ao sucesso do Japo.

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    Ao comparar a burocracia coreana com a mexicana, Kim Byung-Kook ressalta que enquanto o Mxico ainda temde institucionalizar o recrutamento por concurso para o setor pblico, no Estado coreano as provasmeritocrticas para o servio pblico vm sendo realizadas para recrutar encarregados desde 788 D.C., pormais de mil anos47. A despeito da catica histria poltica da Coria no sculo vinte, a burocracia tem sidocapaz de escolher seu staffentre os mais talentosos membros das mais conceituadas universidades. Dadossobre a seletividade dos exames para o servio pblico superior so quase idnticos aos oferecidos por Johnsonpara o Japo. Apesar do nmero anual de recrutados para o servio pblico superior ter aumentado sete vezesentre 1949 e 1980, apenas cerca de 2% daqueles que prestam o concurso so aprovados.48

    Junto com padres similares de recrutamento vem a inculcaao de uma "cultura corporativa" particular. A

    discusso de Choi49sobre o Departamento de Planejamento Econmico, por exemplo, observa o mesmo tipo deconfiana e esprito corporativo que caracteriza o MITI na descrio de Johnson. Por fim, como no Japo, orecrutamento meritocrtico via universidades de elite e a existncia de um forte ethos organizacional criam opotencial para a construo de redes de solidariedade interpessoal de tipo "batsu" no interior da burocracia.Examinando os aprovados no concurso ao servio pblico de 1972, Kim descobriu que 55% eram graduados pelaUniversidade Nacional de Seul e, destes, 40% eram graduados por duas conceituadas escolas secundrias deSeul.50

    Embora a burocracia coreana parea um arqutipo, a experincia da Coria mostra tambm a insuficincia deuma tradio burocrtica. Nos anos cinqenta, no governo de Rhee Syngman, o concurso ao servio pblico foiamplamente dispensado, e apenas cerca de 4% daqueles que ocupavam cargos de nvel superior ingressaramvia concurso. Tampouco aqueles que entraram no servio pblico superior podiam contar com ascenso aescales mais elevados atravs de um processo padro de promoo interna. Em vez disso, os escales

    superiores eram preenchidos principalmente na base de "indicaes especiais" de natureza poltica.51

    O carter da indicao e promoo burocrticas no governo de Rhee , naturalmente, inteiramente coerentecom o carter de seu regime. Embora Rhee governasse mediante uma certa dose de industrializao porsubstituio de importaes, seu regime era mais predatrio que desenvolvimentista. A ajuda massiva dos EUA,na verdade, financiava substancial corrupo governamental. Dependendo de doaes do setor privado parafinanciar sua dominao poltica, Rhee ficava merc de laos clientelistas com homens de negcios e, comoera de esperar, "as atividades voltadas para a renda eram generalizadas e sistemticas".52

    Sem uma tradio burocrtica arraigada, plenamente desenvolvida, nem a reformulao de planos de carreirasburocrticas do regime de Park nem sua reorganizao do aparelho de planejamento poltico-econmico teriamsido possveis. Sem uma poderosa base adicional de coeso nos escales superiores do Estado, a tradioburocrtica teria continuado ineficaz. Sem a combinao de ambas teria sido impossvel transformar a relao

    do Estado com o capital privado.Somente com a ascenso ao poder de um grupo com fortes convices ideolgicas e estreitos laos pessoais eorganizacionais o Estado seria capaz de "reconquistar sua autonomia".53Os funcionrios juniores envolvidos nogolpe liderado por Park Chung Hee eram unidos tanto por convices reformistas quanto por estreitos laosinterpessoais desenvolvidos simultaneamente na experincia de trabalho e em estreitos laos de rede tipo"batsu" originrios da academia militar.54A superposio dessa nova marca de solidariedade organizacional porvezes aviltava a burocracia civil do Estado na medida em que militares eram alados a cargos de cpula, masem geral os militares se valiam da influncia fornecida por sua prpria solidariedade corporativa para fortalecere ao mesmo tempo disciplinar a burocracia. No governo de Park a proporo de cargos de nvel superiorpreenchidos por aprovados em concursos quintuplicou, e a promoo interna se converteu no principal meio depreencher todos os escales acima deles, com exceo das indicaes para os cargos polticos mais elevados.55

    Uma das caractersticas da revitalizao burocrtica do Estado foi a posio relativamente privilegiada mantidapor um "rgo piloto" isolado, o Departamento de Planejamento Econmico (DPE). Dirigido por um deputado eprimeiro ministro, o DPE foi escolhido por Park para ser um "super-rgo" da rea econmica.56 Seu poder decoordenar a poltica econmica mediante o controle do processo oramentrio ampliado por mecanismoscomo o Comit Consultivo dos Ministros Econmicos e pelo fato de que seus dirigentes costumam serpromovidos a cargos de liderana em outros ministrios.57 Como no caso japons, a existncia de um "rgopiloto" no significa que as polticas no sejam contestadas no interior da burocracia. O DPE e o MTI (Ministriodo Comrcio e da Indstria) freqentemente se encontram em fortes desavenas sobre a poltica industrial.58

    Apesar de tudo, a existncia de um determinado rgo dotado de liderana geralmente reconhecida na reaeconmica possibilita a concentrao de talento e especializao e confere poltica econmica uma coernciaque falta a um aparelho de Estado de organizao menos definida.

    Quando o regime de Park assumiu o poder, seu objetivo parecia ser no apenas isolar-se do capital privado,

    mas domin-lo completamente. Processos criminais e confisco de bens foram usados como ameaas, e oslderes da indstria caminhavam pelas ruas, desonrados como parasitas corruptos. Esse quadro logo mudou namedida em que Park percebeu que necessitava aproveitar a iniciativa privada e a percia gerencial paraalcanar suas metas econmicas.59Com o tempo, e particularmente nos anos setenta, os laos entre o regimee os maiores chaebol (conglomerados) tornaram-se to estreitos que economistas visitantes concluam que"Coria S.A." era sem dvida uma descrio mais adequada da situao na Coria do que "Japo S.A."60

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    Tal como no caso do Japo, a relao simbitica entre o Estado e os chaebol estava fundada no fato de que oEstado tinha acesso ao capital num ambiente de escassez de capital.61Atravs de sua capacidade de alocarcapital o Estado promovia a concentrao do poder econmico .nas mos dos chaebol e "orquestravaagressivamente" suas atividades.62Ao mesmo tempo, o regime de Park dependia dos chaebol paraimplementar a transformao industrial que constitua seu projeto principal e a base para sua legitimao.

    A insero do Estado coreano durante o governo de Park era um assunto muito mais "da cpula para baixo" doque o prottipo japons, carecendo de associaes intermedirias bem desenvolvidas e concentrando-se numaquantidade bem menor de empresas. O tamanho e a diversificao dos maiores chaebol realmente lhesconferiam interesses que eram relativamente "abrangentes"63em termos setoriais, de forma que o pequeno

    nmero de atores no limitava o alcance setorial do projeto comum de acumulao. Ademais, o Estado coreanono podia reivindicar a mesma relao institucional generalizada com o setor privado que o sistema MITIfornecia, e nunca conseguiu evitar inteiramente o perigo de que interesses particularistas de firmas individuaispudessem lev-lo de volta rumo improdutiva orientao para a renda. Pelo menos era essa a percepo dostecnocratas "dissidentes" do DPE que sentiam, no incio dos anos oitenta, que j estava mais do que na hora deo Estado comear a se distanciar das demandas de recursos dos maiores chaebol64.

    A Coria est forando os limites nos quais a insero pode se concentrar em uns poucos laos sem sedegenerar em predao particularista. O risco oposto, de enfraquecer os laos com o capital privado,ameaando a capacidade do Estado de garantir informaes plenas e de contar com o setor privado para suaefetiva implementao, representado pela segunda discpula regional proeminente do modelo japons,Taiwan.

    Em Taiwan, como na Coria, o Estado tinha sido central ao processo de acumulao industrial, drenando capitalpara investimentos de risco, ampliando a capacidade de empresas privadas enfrentarem mercadosinternacionais e assumindo funes diretamente empresariais atravs de empresas de propriedade estatal. EmTaiwan, como na Coria, a capacidade de o Estado desempenhar esse papel dependia de uma burocraciaweberiana clssica, de recrutamento meritocrata, crucialmente consolidada por formas organizacionais extra-burocrticas. Tal como no caso do Estado coreano, o regime do KMT (Kuomintang) baseia-se numa combinaoentre tradio perene e transformao radical, mas diferenas na experincia histrica dos dois Estadoslevaram a padres muito diferentes de relaes com o setor privado e, conseqentemente, a padres muitodiferentes de iniciativa estatal. A transformao do Estado do Kuomintang que acompanhou sua chegada aTaiwan to impressionante quanto as mudanas ocorridas entre os governos coreanos de Rhee e Park. Nocontinente, o regime do KMT havia sido amplamente predatrio, crivado pela orientao para a renda e incapazde evitar que interesses particulares de especuladores privados minassem seus projetos econmicos. Na ilha, opartido se recomps. Liberado de sua velha base latifundiria e amparado pelo fato de que os membros "mais

    notoriamente corruptos e nocivos" da elite capitalista no acompanharam Chiang Kai Shek para a ilha65

    , o KMTfoi capaz de reestruturar completamente seus laos com o capital privado. Uma organizao partidria corruptae cheia de faces passou a se aproximar do Estado-partido leninista que havia aspirado ser desde o comeo 66,dotando assim a burocracia de Estado de uma fonte reforadora da coeso e coerncia organizacionais maispoderosa e estvel do que a que teria sido propiciada apenas pela organizao militar.

    Dentro do aparelho governamental consolidado, o KMT reuniu um pequeno conjunto de organizaes da elitepoltico-econmica com amplitude e percia similares s do MITI do Japo, ou do DPE da Coria. 67 O Conselhode Planejamento e Desenvolvimento Econmico (CPDE) a corporificao atual do lado planejador do "staffeconmico geral". No um rgo executivo mas, "em termos japoneses, situa-se em algum ponto entre o MITIe a Secretaria de Planejamento Econmico".68 O Departamento de Desenvolvimento Industrial (DDI) doMinistrio de Assuntos Econmicos ocupado basicamente por engenheiros e desempenha um papel mais diretoem polticas setoriais. Ambos os rgos, tal como seus correlatos na Coria e no Japo, tm tradicionalmente

    obtido sucesso na atrao dos "melhores e mais brilhantes". O staff tende a ser tanto de membros do KMTcomo de graduados pela Universidade Nacional de Taiwan, da elite do pas.69

    Sem negar a transformao fundamental no carter do aparelho do Kuomintang, tambm digno de nota que,tal como no caso da Coria, a existncia de uma antiga tradio burocrtica propiciou ao regime umfundamento sobre o qual se consolidar. No se tratava apenas de uma organizao de partido que propiciavacoeso poltica na cpula, mas havia tambm uma burocracia econmica com considervel experinciagerencial. A Comisso Nacional de Recursos (CNR), por exemplo, fundada em 1932, dispunha de um staff de 12000 funcionrios em 1944 e administrava mais de 100 empresas pblicas cujo capital consorciado representavametade do capital total de todas as empresas chinesas. Era uma ilha de recrutamento relativamentemeritocrtico no interior do regime continental, e seus ex-integrantes passaram posteriormente a desempenharum papel capital na administrao da poltica industrial de Taiwan.70

    A experincia adversa de ser aviltada pelos interesses particularistas de especuladores privados no continentelevou liderana poltica do KMT, bem como aos ex-integrantes da CNR, a depositar uma desconfiana bsicano capital privado e a levar a srio os elementos anticapitalistas dos pronunciamentos ideolgicos de Sun YatSen. Tais predilees eram reforadas pelo fato pragmtico de que o fortalecimento de capitalistas privados emTaiwan envolvia o aumento do poder de uma elite privada etnicamente distinta e politicamente hostil. Portanto,dificilmente surpreende que em vez de passar as propriedades japonesas para o setor privado, comorecomendavam seus conselheiros americanos, o KMT manteve o controle, gerando um dos maiores setores

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    estatizados no mundo no-comunista.71 O que surpreendente que as empresas estatizadas de Taiwan (EEs),ao contrrio do padro de ineficincia e dficit financeiro que em geral se considera intrnseco operao detais empresas72, eram em sua maior parte no s lucrativas como eficientes.

    Em Taiwan, as EEs tm sido instrumentos-chave do desenvolvimento industrial. Alm do setor bancrio, que foiestatizado tal como na Coria ps-Rhee, as empresas estatizadas eram responsveis pela maior parte daproduo industrial nos anos cinqenta e, aps terem declinado um pouco nos anos sessenta, sua participaoexpandiu-se novamente nos anos setenta74. As EEs so particularmente importantes nos setores bsicos eintermedirios. A China Steel, por exemplo, tem possibilitado a Taiwan conseguir sobrepujar todos osexportadores de ao da OECD no mercado japons.75O setor empresarial do Estado no apenas oferece umacontribuio empreendedora direta, mas tambm um campo de treinamento para liderana econmica naburocracia central do Estado.76 Dessa forma, a formao em poltica econmica em Taiwan cresce a partir de"uma pouco compreendida mas aparentemente vigorosa rede poltica que vincula os gabinetes econmicoscentrais s empresas (e) bancos pblicos..."77

    O que choca na comparao de Taiwan com a Coria e o Japo a medida na qual o setor privado taiwanstem estado ausente das redes de poltica econmica. Ainda que a tendncia atual seja "expandir einstitucionalizar elementos de tomada de deciso vindos de industriais, financistas e outros"78, as relaeshistricas entre o Estado do KMT e o capital privado (principalmente taiwans) tm sido suficientementedistantes para que se levante a questo de saber se a "insero" realmente um componente necessrio doEstado desenvolvimentista.

    O Estado taiwans inquestionavelmente opera de forma eficaz com um conjunto menos denso de laos de redepblica-privada do que as verses coreana e japonesa do Estado desenvolvimentista. Apesar de tudo, sua faltade insero no deve ser exagerada. No fcil isol-lo do setor privado.

    Gold demonstrou as estreitas relaes que existiam entre o governo e o nascente setor txtil nos anoscinqenta, bem como o papel intermedirio que o governo desempenhou no desenvolvimento da indstria desemicondutores nos anos setenta. Wade observa que funcionrios do DDI gastam uma frao substancial de seutempo visitando empresas e esto engajados em alguma coisa muito semelhante "orientao administrativa"do MITI79. Esse autor apresenta um exemplo esclarecedor da ntima interao do Estado com o capital privadoem sua discusso sobre as negociaes entre produtores de matria-prima e as companhias txteis no setor defibras sintticas. Enquanto as negociaes formais envolviam a associao industrial (Associao dosFabricantes de Fibras) jusante e o monoplio interno (umajoint-venture entre Estado e o MNC) montante, osadministradores do Estado sempre estiveram envolvidos80. Ao se engajar neste tipo de negociao, osadministradores do Estado garantem que nem os esforos do pas pela retro-integrao em produtosintermedirios nem a competitividade exportadora de seus produtores txteis sejam ameaados por conflitosprivados no resolvidos. As redes informais entre o pblico e o privado podem ser menos densas do que nosoutros dois casos, mas so nitidamente essenciais poltica industrial de Taiwan.

    Alm de definir os limites aos quais se pode reduzir a insero, o caso taiwans ressalta a relao simbiticaentre autonomia do Estado e a preservao da competio de mercado. O papel da autonomia do Estado napreservao das relaes de mercado tambm crucial na Coria e no Japo, mas mais evidente no caso deTaiwan.81

    A evoluo da indstria txtil representa o melhor exemplo.82 No incio dos anos cinqenta, K.Y. Yin, opondo-se sabedoria dos economistas educados nos EUA que aconselhavam seu governo, decidiu que Taiwan deveriadesenvolver uma indstria txtil. O resultado foi o "programa de trustificao" txtil que, ao fornecer ummercado seguro e matrias-primas, minimizava o risco do empreendimento envolvido em ingressar no setor e

    conseguia induzir com xito o ingresso de capital privado. Nessa fase inicial, o Estado era patrocinador numaperspectiva hirschmaniana clssica, induzindo decises de investimento e estimulando a oferta deempreendimentos.83

    O programa de "trustificao" em si mesmo incomum apenas at o ponto em que o Estado se dispunha aparticipar a fim de garantir que a iniciativa fosse promissora caso contrrio, era muito parecida com aspolticas da maioria dos pases latino-americanos nas fases iniciais de industrializao. O que incomum queo programa de trustificao no se tornou um instrumento dos empresrios que o havia gerado. Em vez disso, oregime do KMT progressivamente exps seus "capitalistas de estufa" aos rigores do mercado, tornando as cotasde exportao dependentes da qualidade e preo dos produtos, pouco a pouco desviando incentivos para asexportaes e finalmente diminuindo a proteo com o passar do tempo.84Dessa forma, o Estado foi capaz depropiciar o surgimento de um "livre mercado" em vez de permitir a criao de "abrigos rentveis". Sem aautonomia viabilizada por um poderoso aparelho burocrtico, teria sido impossvel impor o incmodo da livre

    competio a um tal conjunto acomodado de capitalistas.

    O exemplo refora o ponto anteriormente levantado em relao insero e autonomia no Japo. O capitalprivado, principalmente aquele organizado em estreitas redes oligopolistas, no tende a ser uma fora polticaem favor de mercados competitivos. Tampouco pode um Estado que um contador passivo de tais interessesoligopolistas dar a eles aquilo que no esto dispostos a oferecer por si mesmos. Apenas um Estado que

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    capaz de agir de modo autnomo pode fornecer esse bem coletivo essencial. A insero necessria parainformaes e implementao, mas sem autonomia a insero ir degenerar-se em um supercartel voltado,como todos os cartis, proteo de seus membros contra mudanas no status quo.

    Uma ltima caracterstica, igualmente importante do Estado desenvolvimentista tambm ilustrada pelo casotaiwans. Embora o governo tenha se envolvido profundamente em uma srie de setores, o Estado taiwans extremamente seletivo em suas intervenes. A burocracia opera, nas palavras de Wade85, como um"mecanismo filtrante", concentrando a ateno dos planejadores polticos e do setor privado em produtos eprocessos cruciais ao futuro crescimento industrial. Como a maior parte da estratgia taiwanesa do KMT, aseletividade em parte era uma reao experincia prvia no continente, tendo passado pelos desastres de um

    aparelho de Estado superdilatado, o KMT estava determinado a preservar sua capacidade burocrtica no novoambiente.86Contudo, a seletividade parece ser uma caracterstica geral do Estado desenvolvimentista.Johnson87descreve como o Estado japons, tendo experimentado interveno direta e minuciosa no perodopr-Segunda Guerra Mundial, limitou-se a selecionar estrategicamente o envolvimento econmico no ps-guerra, e Okimoto88 chega ao ponto de observar que, em termos de seu tamanho global, o Estado japonspoderia ser considerado "minimalista".

    A Dinmica do Estados Desenvolvimentistas.As caractersticas estruturais salientes do Estadodesenvolvimentista devem agora ser esclarecidas. A coerncia corporativa confere a eles a capacidade deresistir a incurses promovidas pela "mo invisvel" da maximizao individual por burocratas internamente,predominam caractersticas weberianas. Altamente seletivos, o recrutamento meritocrtico e as recompensasde carreiras de longo prazo criam compromisso e um senso de coerncia corporativa. Os Estadosdesenvolvimentistas tm se beneficiado de extraordinrias capacidades administrativas, mas tambm

    restringem suas intervenes s necessidades estratgicas de um projeto transformador, utilizando seu poderpara seletivamente impor foras de mercado. O ntido contraste entre o carter pr-burocrtico, patrimonialistado Estado predatrio e o carter mais estreitamente weberiano dos Estados desenvolvimentistas deveriaprovocar dvidas naqueles que atribuem a ineficcia dos Estados do Terceiro Mundo sua natureza burocrtica.A falta de burocracia pode estar mais prxima do diagnstico correto.

    Ao mesmo tempo, a anlise dos casos do Leste asitico sublinha o fato de que os "elementos no-burocrticosda burocracia" podem ser to importantes quanto os "elementos no-contratuais do contrato"89. Redesinformais de razes histricas, ou organizaes partidrias ou militares de malha apertada, ampliaram acoerncia das burocracias do Leste asitico. Quer sejam esses laos baseados em compromisso com umainstituio corporativa paralela ou em desempenho do sistema educacional, reforam mais o carter aglutinanteda participao na estrutura formal de organizao do que o aviltamento produzido no padro predatrio pelasredes informais baseadas em parentesco ou em lealdades geogrficas paroquianas.

    Tendo conseguido limitar com xito o comportamento dos ocupantes de cargos busca de metas coletivas, oEstado pode atuar com alguma independncia em relao a presses societais particularistas. A "autonomia" doEstado desenvolvimentista , contudo, de um carter completamente diferente da dominao desorientada,absolutista do Estado predatrio. No se trata apenas de "autonomia relativa" no sentido estrutural marxista deser constrangido pelas exigncias genricas da acumulao de capital. uma autonomia inserida em umconjunto concreto de laos sociais que amarra o Estado sociedade e fornece canais institucionalizados para acontnua negociao e renegociao de metas e polticas.

    A fim de compreender como surgiu essa feliz combinao de autonomia e insero, necessrio colocar oEstado desenvolvimentista no contexto de uma conjuntura de fatores nacionais e internacionais. Os Estadosdesenvolvimentistas do Leste asitico iniciaram o perodo ps-Segunda Guerra Mundial com heranas de antigastradies burocrticas e considervel experincia pr-guerra em interveno econmica direta, na Coria eTaiwan sob colonialismo japons. A Segunda Guerra Mundial e suas conseqncias dotaram todos esses Estados

    de ambientes sociais incomuns. As elites agrrias tradicionais estavam dizimadas, grupos industriaisdesorganizados e descapitalizados e os recursos externos se escoavam pelo aparelho de Estado. O resultado daguerra, incluindo, ironicamente, a ocupao americana no Japo e na Coria, 90 aumentou qualitativamente aautonomia desses Estados em face das elites nacionais privadas. A combinao da capacidade burocrticahistoricamente acumulada com a autonomia gerada conjunturalmente colocava-os em uma situaohistoricamente excepcional.

    Ao mesmo tempo, a autonomia do Estado era restringida pelo contexto internacional, tanto geopoltico quantoeconmico. Esses Estados certamente no estavam livres para fazer a histria como quisessem. O contextointernacional exclua a expanso militar, mas gerava claras ameaas externas. A expanso econmica no eraapenas a base de sustentao da legitimidade, mas tambm de manuteno de capacidades defensivas em facede tais ameaas. A hegemonia americana, de um lado, e o expansionismo do comunismo asitico, por outro,no lhes deixava muita escolha a no ser confiar basicamente no capital privado enquanto instrumento de

    industrializao. O ambiente conspirou para criar a convico de que a industrializao rpida e voltada aomercado era necessria sobrevivncia do regime. O tamanho reduzido desses Estados e sua falta de recursostornava bvio o papel da competitividade exportadora na industrializao bem-sucedida.

    O compromisso com a industrializao motivava esses Estados a promover o crescimento do capital industriallocal. Sua excepcional autonomia lhes permitia dominar (pelo menos inicialmente) a formao dos laos que

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    uniam o capital e o Estado. A partir dessa conjuntura surgiu o tipo de "autonomia inserida" que caracterizouesses Estados durante os perodos mais marcantes de seu crescimento industrial: um projeto partilhado por umaparelho burocrtico altamente desenvolvido e um conjunto relativamente organizado de atores privados quepodia fornecer informaes teis e implementao descentralizada.

    Desenvolvimentos recentes sugerem que a autonomia inserida no uma caracterstica esttica do Estadodesenvolvimentista. Em contraste com a dominao absolutista do Estado predatrio, que parece ser auto-consolidante, a autonomia inserida tem sido, numa extenso surpreendente, seu prprio coveiro. O prpriosucesso do Estado desenvolvimentista na estruturao da acumulao de capital industrial alterou a naturezadas relaes entre o capital e o Estado. Na medida em que o capital privado se torna menos dependente dos

    recursos fornecidos pelo Estado, diminui a relativa predominncia deste. A influncia do MITI nos anos oitentano pode ser comparada com a era de ouro dos anos cinqenta e do incio dos sessenta. Os chaebolcoreanosatualmente podem penetrar diretamente nos mercados internacionais de capital91, e a capacidade do Estado devetar seus projetos conseqentemente tem se desgastado.92

    A capacidade dos aparelhos de Estado de comandar as lealdades dos mais talentosos graduados das melhoresuniversidades tambm comeou a se desgastar na medida em que as carreiras privadas passaram a ser maiscompensadoras. Wade93observa, por exemplo, que a proporo de mestres e PhDs que ingressam no serviogovernamental em Taiwan tm decrescido substancialmente enquanto se eleva a cota dos que ingressam nosetor privado, o que no de admirar dado o crescimento diferencial dos salrios entre o setor pblico e oprivado. Resta saber se o corporativismo tradicional e a coerncia corporativa da burocracia pode ser mantidaem face de tais tendncias. De modo ainda mais fundamental, o crescimento econmico tornou mais difcillegitimar um projeto nacional que se concentre estritamente na acumulao de capital. O renascimento de

    demandas distributivistas, tanto em termos polticos como econmicos, no se adapta de modo harmonioso comas redes da elite e as estruturas burocrticas que fomentaram o projeto original de acumulao industrial.94

    No existe motivo para supor que o Estado desenvolvimentista permanecer na forma que aqui foi descrita.Tampouco podemos presumir que se tais aparelhos de Estado persistissem na forma atual iriam promover asatisfao de futuras metas sociais. Eles se mostraram terrveis instrumentos de incentivo acumulao decapital industrial mas, com toda a probabilidade, tero de se transformar a fim de dar conta de problemas eoportunidades criadas pelo sucesso de seu projeto inicial.

    BRASIL E NDIA: CASOS "INTERMEDIRIOS"

    Depois de caracterizar o contraste entre a "autonomia inserida" do Estado desenvolvimentista do Leste asitico

    e o absolutismo incoerente do regime predatrio zairiano, hora de examinar como os elementos desses doistipos ideais podem se combinar de diferentes formas para produzir resultados que nem so puramentepredatrios nem consistentemente desenvolvimentistas. O Brasil e a ndia oferecem ampla ilustrao de comoos elementos do tipo desenvolvimentista ideal podem se combinar com caractersticas que negam o isolamentoweberiano e reduzem a insero.

    Ambos os Estados fomentaram significativas transformaes. Pas de impossvel segmentao, abrigo de umaenorme populao de agricultores extremamente pobres cuja fonte de recursos est se exaurindo rapidamente,apesar de tudo, a ndia conseguiu uma industrializao substancial e considerveis taxas de crescimento nosanos cinqenta e incio dos sessenta. Depois de cambalear nos anos setenta, o pas cresceu de novorapidamente nos anos oitenta. O Brasil mantinha altas taxas de crescimento durante o curso do perodo ps-Segunda Guerra Mundial e experimentou um surto "milagroso" de industrializao nos anos setenta. Adeteriorao do "milagre brasileiro" nos anos oitenta reduziu sua pretenso de ser um "Estado desenvolvi

    mentista", mas a Coria at poderia invejar os massivos excedentes comerciais que sua indstria continuava aproduzir ao final dos anos oitenta.

    Brasil.Uma abundncia de pesquisas histricas e contemporneas esclarece as diferenas entre o Brasil e otipo ideal de "Estado desenvolvimentista".95As diferenas comeam na simples questo de como as pessoasobtm cargos no governo. Barbara Geddes96historia a descomunal extenso dos poderes de indicao poltica ea conseqente dificuldade que o Brasil tem experimentado na institucionalizao de procedimentos derecrutamento meritocrtico. Ben Schneider97 destaca que enquanto os primeiros ministros japoneses indicamapenas dzias de funcionrios e os presidentes norte-americanos centenas, os presidentes brasileiros indicammilhares. Causa pouca espcie que o Estado brasileiro seja conhecido como um massivo "cabide de emprego"preenchido mais na base de contatos pessoais que de competncia.

    As conseqncias negativas do apadrinhamento so exacerbadas pelo carter dos padres de carreira que um

    tal sistema promove. Em vez de serem afinados com os ganhos de longo prazo via promoes baseadas emdesempenho organizacional relevante, os burocratas brasileiros enfrentam carreiras em staccato, pontuadaspelos ritmos de mudana na liderana poltica e a gestao peridica de novas organizaes. Um levantamentofeito por Schneider (1987) entre 281 burocratas brasileiros descobriu que mudavam de rgo a cada quatro oucinco anos. Considerando que quatro ou cinco escales superiores da maioria das organizaes so indicadas defora do prprio rgo, o compromisso de longo prazo cm o rgo tem apenas um retorno limitado, sendo

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    difcil a construo de um ethose de uma percia organizacional e politicamente relevantes. Dessa forma existepouca coisa a restringir estratgias voltadas ao ganho individual e poltico.98

    Incapaz de transformar a burocracia como um todo, os lderes brasileiros tentaram criar "bolses de eficincia"no interior da burocracia99, modernizando o aparelho de Estado antes por acrscimo do que atravs de umatransformao mais ampla.100O BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento), privilegiado principalmente porKubitschek enquanto instrumento de seu desenvolvimentismo nos anos cinqenta, era, at bem pouco tempo,um bom exemplo de "bolso de eficincia".101Ao contrrio da maior parte da burocracia do Brasil, o BNDEoferecia "um plano de carreira bem definido, encargos desenvolvimentistas e uma tica do servio pblico".102

    No incio de sua vida institucional (1956), o BNDE implantou um sistema de concursos pblicos pararecrutamento. Desenvolveram-se normas contra a reverso arbitrria das avaliaes do pessoal tcnico doBanco ("opinio do tcnico") pelos superiores. Uma maioria consistente dos diretores era recrutadainternamente e desenvolvia-se um claro esprito corporativo no interior do Banco. 103

    No de admirar que rgos como o BNDE sejam mais eficazes em temos desenvolvimentistas do que oscomponentes tradicionais da burocracia brasileira.104 Segundo Goddes105, os projetos do Plano de Metas deKubitschek que estiveram sob a jurisdio seja de grupos executivos ou de grupos de trabalho e sob o abrigofinanceiro do BNDE cumpriram 102% de suas metas, ao passo que os projetos que eram de responsabilidade daburocracia tradicional atingiram apenas 32%. Devido ao fato de o BNDE ter sido uma importante fonte definanciamentos de longo prazo, seu profissionalismo era um estmulo melhoria de desempenho de outrossetores.106Tendler observa, por exemplo, que a necessidade de concorrer a fundos de crdito foi um estmuloimportante ao aperfeioamento de propostas pelas companhias de gerao de energia eltrica do Brasil. 107

    Infelizmente a estratgia de "bolses de eficincia" apresenta uma srie de desvantagens. Na medida em queos "bolses de eficincia" esto cercados por um mar de normas clientelistas tradicionais, dependem deproteo pessoal dos presidentes. Geddes108, por exemplo, historia o declnio da eficcia do DepartamentoAdministrativo do Servio Pblico (DASP) criado por Vargas em 1938 como parte do "Estado Novo" a partirdo momento em que no se dispunha mais da proteo daquele presidente. Willis109 enfatiza a dependncia doBNDE em relao ao apoio presidencial, tanto em termos da definio de sua misso como em termos de suacapacidade de manter sua integridade institucional.

    O incrementalismo, ou reforma por acrscimo, provavelmente resulta em expanso descoordenada e dificultamuito mais a execuo da seletividade estratgica. Tendo assumido o poder com a inteno de encolher oEstado em pelo menos 200 000 cargos, os militares brasileiros acabaram criando "centenas de novos rgos eempresas, muitas vezes redundantes" e ampliando a burocracia federal de 700 000 para 1 600 000 cargos. 110

    Tentar modernizar por meio de acrscimo gradativo tambm reduz a coerncia organizacional do aparelho deEstado como um todo. Na medida em que novas unidades so acrescentadas, surge uma estrutura maior eainda mais barroca. O aparelho resultante tem sido caracterizado como "segmentado" 111, "dividido"112 ou"fragmentado"113. uma estrutura que no somente dificulta a coordenao poltica, como estimula o recurso asolues personalistas.

    Tal como a estrutura interna do aparelho de Estado brasileiro limita sua capacidade de igualar o desempenhodos Estados desenvolvimentistas do Leste asitico, o carter de sua "insero" atrapalha a construo de umprojeto de transformao industrial em conjunto com as elites industriais. Embora o Estado brasileiro tenha sidouma constante e poderosa presena no desenvolvimento econmico e social do pas desde os tempos coloniais, importante ter em mente que, como tm destacado Fernando Urichochea, Jos Murilo de Carvalho e outros, "aeficincia do governo... era dependente... da cooperao da oligarquia agrria". 114 Apesar do aumento do pesodo capital industrial na economia, a herana persistente do poder rural continua a moldar o carter do Estado.

    Hogopian115afirma que as elites rurais contemporneas tm cada vez mais se voltado tentativa de utilizar oEstado como um instrumento de reforo de suas redes clientelistas tradicionais. Dessa forma, em lugar de sercapaz de se concentrar em seu relacionamento com o capital industrial, o Estado teve sempre de se confrontarsimultaneamente com as elites tradicionais ameaadas pela transformao conflitiva das relaes de classerurais.

    Ao mesmo tempo, as relaes com o capital industrial tm sido complicadas pela antiga e massiva presena docapital fabril transnacional no mercado interno.116A ameaa de dominao por corporaes transnacionais(CTNs) gerou um clima de nacionalismo defensivo e tornou mais difcil disciplinar o capital interno. muitomais complicado obrigar o capital industrial a enfrentar o mercado, como fez K. Y. Yin com a indstria txtiltaiwanesa, quando o capital transnacional o provvel beneficirio de qualquer "vendaval de destruiocriativa".

    Problemas gerados por divises entre as elites econmicas dominantes foram agravados pela natureza dasestruturas do Estado. A falta de uma estrutura burocrtica estvel tambm complica o estabelecimento de laosregulares com o setor privado do tipo "orientao administrativa" e joga a interao pblico-privado para canaisindividualizados. Mesmo o regime militar, que tinha o maior potencial estrutural para o "isolamento" depresses dientelistas, mostrou-se incapaz de construir uma relao de "orientao administrativa" com a eliteindustrial local.117O regime era "altamente legtimo aos olhos da burguesia local, ainda que no se vinculasse

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    a ele por nenhum sistema de articulao bem institucionalizado". 118Em vez de se institucionalizarem, asrelaes se individualizaram, assumindo a forma do que Cardoso 119 chamou "anis burocrticos": pequenosconjuntos de industriais vinculados a igualmente pequenos conjuntos de burocratas, em geral atravs daarticulao de algum detentor de cargo pblico. Como ressalta Schneider 120, o carter ad hoc, personalizado,de tais vnculos torna-os ao mesmo tempo indignos do ponto de vista dos industriais e arbitrrios em termos deseus resultados. Em suma, constituem o exato oposto do tipo de laos Estado sociedade descritos porSamuels e outros em suas discusses sobre o Estado desenvolvimentista.

    Em termos gerais, essa leitura da estrutura interna e dos laos externos do Estado brasileiro consistente coma queixa de Schneider de que "a estrutura e operao do Estado brasileiro o impedem at de cumprir funes

    mnimas de governo"121. Mas importante sublinhar que apesar de seus problemas o Estado brasileiro foieficaz em termos de empreendimento em uma diversidade de reas industriais e que estas sem dvidacontriburam para o crescimento e industrializao de longo prazo. Tais xitos, como se poderia esperar,encontram-se em reas em que as organizaes relevantes do Estado dispunham de excepcional coerncia ecapacidade. Tais organizaes coerentes do Estado, por sua vez, tambm se apoiavam em um conjunto devnculos com o setor privado, mais eficaz em termos institucionais, exatamente o padro visvel nos Estadosdesenvolvimentistas do Leste asitico.

    A discusso de Shapiro sobre o papel do Grupo Executivo para a Indstria Automobilstica (GEIA) naimplantao da indstria automotiva brasileira, durante o final dos anos cinqenta e incio dos sessenta, umbom exemplo. Ela conclui que em geral "a estratgia brasileira foi um sucesso" e que a capacidade deplanejamento e os subsdios fornecidos pelo Estado atravs do GELA foram cruciais induo dos investimentosnecessrios122. O GEIA funcionou como um "mini-rgo piloto" setorialmente especfico. Uma vez que

    articulava as representaes de todos os diferentes rgos que necessitavam aprovar planos, "podiaimplementar seu programa independentemente do fragmentado organismo de deciso poltica" que contaminavao governo como um todo.123Sua capacidade de tomar decises previsveis e oportunas era "crtica para reduzirriscos" na medida em que envolviam as CTNs que estavam sendo convidadas a investir. Alm disso, e tambmde modo muito parecido com o MITI ou o DDI, desempenhava "um papel crtico de coordenao entre asmontadoras e os fabricantes de peas".124

    O desenvolvimento posterior da indstria petroqumica se mostrou uma variante ainda mais poderosa deautonomia inserida.125Trebat126 conclui que o investimento comandado pelo Estado no setor petroqumicopoupou divisas e era economicamente justificvel, dados os custos vigentes de oportunidade do capital. 127 Nocorao da iniciativa estava a Petrobrs, a mais autnoma e coerente organizao em termos corporativos nointerior do sistema de empresas estatais. Tambm crucial, contudo, ao crescimento explosivo da capacidadepetroqumica do Brasil nos anos setenta foi a densa rede de laos que se construram para vincular o sistemaPetrobrs ao capital privado, tanto interno como transnacional.

    A partir desses exemplos setoriais emerge uma ntida diferena geral entre os Estados brasileiro edesenvolvimentista arquetpico. A autonomia inserida um atributo mais parcial que global, que se limita acertos "bolses de eficincia". A persistncia de caractersticas clientelistas e patrimoniais tem impedido aconstruo da coerncia corporativa weberiana. A complexa e contenciosa estrutura da elite brasileira tornaainda mais problemtica a insero. No de admirar que a autonomia inserida permanea parcial.

    ndia.O Estado indiano est situado de modo ainda mais ambguo que o brasileiro no espao entre o predatrioe o desenvolvimentista. Sua estrutura interna, pelo menos no seu pice, assemelha-se norma weberiana, massua relao com a estrutura social convulsiva do pas limita de modo mais global sua capacidade de agir. Seuscrticos mais speros consideram-no como nitidamente predatrio e encaram sua expanso como talvez a maisimportante causa isolada de estagnao da ndia128. Outros, como Pranab Bardhan, assumem o ponto de vista

    quase contrrio, afirmando que o investimento estatal foi essencial ao crescimento industrial da ndia nos anoscinqenta e incio dos sessenta e que o afastamento do Estado de uma postura desenvolvimentista maisagressiva foi um fator importante no crescimento relativamente lento da ndia nos anos sessenta e setenta.129

    Na poca da independncia, o Servio Pblico Indiano (SPI) era o pice de uma burocracia respeitvel. Era aculminao de uma tradio que remontava no mnimo ao imprio Mughal. 130 Seus 1 100 membros formavamuma elite prestigiosa, fornecendo "a estrutura de ao do imprio" por duzentos anos.131Seu sucessor, oServio Administrativo Indiano (SAI), continuou a tradio. O ingresso se d basicamente via um concurso dembito nacional que, pelo menos historicamente, tem sido to competitivo quanto seus correlatos do Lesteasitico.132Embora o sistema educacional no se concentre em uma nica universidade nacional da formacomo aconteceno Leste asitico, redes solidrias criam-se pelo fato de que cada classe de candidatos convivedurante um ano na Academia Nacional de Administrao.133Apesar de uma tradio historicamente enraizada

    de burocracia estatal slida, as tradies coloniais herdadas pelo SAI de forma alguma constituem umavantagem sem ambigidade do ponto de vista do desenvolvimento. A assimilao da cultura imperial e de umensino humanista era um critrio importante de admisso ao SPI. Mesmo depois que os ingleses se foram, asprovas ao SAI ainda constam de trs partes: ingls, redao em ingls e conhecimentos gerais. 134 claro queum generalista inteligente poderia ter bom desempenho, se os padres de carreira oferecessem a oportunidadepara a aquisio gradual de conhecimentos e habilidades tcnicas relevantes. Infelizmente, os padres de

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    carreira geralmente no oferecem esse tipo de oportunidade. As carreiras se caracterizam pelo mesmo tipo derotao rpida de pessoas em cargos que caracteriza a burocracia brasileira. Rudolf e Rudolf135relatam, porexemplo, que as principais chefias no setor petroqumico apresentam uma durao mdia no cargo de cerca dequinze meses. Alm dos problemas da tradio do SAI em si mesmo, questiona-se at que ponto a "estruturade ao" permanece ntegra. Os Rudolfs136afirmam que houve um "desgaste das instituies do Estado", pelomenos desde a morte de Nehru, e estudos de campo137 contemporneos constataram que a corrupo no apenas endmica mas irresistvel. Pode ser que o desgaste se deva em parte a problemas internos burocracia, mas as dificuldades de estabelecer conexes com a estrutura social envolvente parecem ser a causamais grave do desgaste. Em um "Estado subcontinental, multinacional" como a ndia, as relaes Estado-

    sociedade so qualitativamente mais complexas do que nos casos do Leste asitico

    138

    . Dadas as deseconomiasde escala inerentes s organizaes administrativas, seria necessrio um aparelho burocrtico de capacidaderealmente extraordinria para produzir resultados comparveis ao que pode ser obtido em uma ilha de 20milhes de pessoas ou uma pennsula de 40 milhes. Divises de classes, tnicas, religiosas e regionaisconstituem obstculos administrativos.

    A partir da poca da independncia, a sobrevivncia poltica dos regimes indianos exigiu simultaneamenteagradar uma classe proprietria rural permanentemente poderosa e um conjunto muito concentrado decapitalistas industriais. Os interesses comuns de grandes proprietrios de terra e os milhes de "novilhoscapitalistas" na zona rural conferem a este grupo um peso poltico assustador. Ao mesmo tempo, as grandescasas comerciais como as Tatas e Birlas devem ser mantidas a bordo. 140 Uma vez que as casas comerciais eos proprietrios de terra no compartilham qualquer projeto desenvolvimentista "abrangente", a elite divididase confronta com o Estado em busca de vantagens particulares. Nas palavras de Bardhan, constituem "umafrgil e heterognea coalizo dominante dedicada a uma orgia de pilhagem anrquica dos recursos pblicos".141

    A micropoltica de interaes Estado-setor privado diminui ainda mais a possibilidade de o Estado conduzir umprojeto desenvolvimentista coerente. Historicamente, o esteretipo do veterano do SAI era o de um brmaneanglfilo com emprstimos ideolgicos do socialismo fabiano. Os capitalistas com quem ele lidavaprovavelmente eram de casta inferior, possuam diferentes preferncias culturais e ideologia oposta.Entretanto, esses esteretipos tm se alterado gradualmente com o passar do tempo. Muitas vezes ainda falta acomunho de discursos e concesses, sobre cuja base seria possvel elaborar um projeto comum, e a nicaalternativa ao impasse hostil continua a ser a troca de favores materiais. No existem redes polticas quepermitam aos peritos em indstria no interior do aparelho de Estado captar e disseminar informaes, construirconsenso, tutelar e adular. Tampouco encontramos redes setorialmente especficas comparveis quelas quevinculam o Estado e o capital privado na indstria petroqumica brasileira. Ao contrrio dos Estados desenvolvimentistas, o Estado indiano no pode contar com o setor privado, seja enquanto fonte de informaes so