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 LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Bibliografia Indicada: Hugo Nigro Mazilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo (Saraiva). Luiz Manoel Gomes nior – Curso de Direito Processual Coletivo (SRS Editora) Ricardo de Barros Leonel – Manual do Processo Coletivo (RT) Hermes Janeti Júnior – 4º Livro da Coleção. Escreve com o Didier 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGI CA Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos na necessidade de se desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado de certos direitos. Vamos analisar a evolução histórico-metodológica sob duas ordens: Cla ss ifi cação do pr ocesso coletivo s dentro das ger ações de direit os fundamentais.  Análise do process o coletivo dentro das fases metodol ógicas do direito  process ual civil. 1.1. Clas sific ação dos proc essos col etivo s dentro das geraç ões de direitos fundamentais  Todos os que se dedicam à análise do tema e, principal mente, os constitucionalistas, costumam fazer uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem visualizar, com bastante clareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitos fundamentais. 1ª Geração: Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partir do Século XVII, em que se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foi a Revolução Francesa que combateu o poder absoluto do rei que. E depois de deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar o arbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o de propriedade, pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus na terra). Então, quando nascem esses direitos civis e políticos, eles nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas: “rei, não se meta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da própria negação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase de fase de liberdades negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais básicos, que vocês conhecem até hoje: liberdade, propriedade, livre iniciati va, herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a primeira fase dos direitos fundamentais. 1

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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO

Bibliografia Indicada:

• Hugo Nigro Mazilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo (Saraiva).• Luiz Manoel Gomes Júnior – Curso de Direito Processual Coletivo (SRS

Editora)• Ricardo de Barros Leonel – Manual do Processo Coletivo (RT)• Hermes Janeti Júnior – 4º Livro da Coleção. Escreve com o Didier

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGICA

Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos nanecessidade de se desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado decertos direitos. Vamos analisar a evolução histórico-metodológica sob duas ordens:

• Classificação do processo coletivos dentro das gerações de direitosfundamentais.

•  Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito

 processual civil.

1.1. Classificação dos processos coletivos dentro das gerações dedireitos fundamentais

 Todos os que se dedicam à análise do tema e, principalmente, osconstitucionalistas, costumam fazer uma avaliação de como foram construídos osdireitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem visualizar, com bastanteclareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitosfundamentais.

1ª Geração: Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partirdo Século XVII, em que se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foia Revolução Francesa que combateu o poder absoluto do rei que. E depois dedeposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar oarbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o depropriedade, pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus naterra). Então, quando nascem esses direitos civis e políticos, eles nascem com afinalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas: “rei, não semeta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da próprianegação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase defase de liberdades negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais

básicos, que vocês conhecem até hoje: liberdade, propriedade, livre iniciativa,herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a primeira fasedos direitos fundamentais.

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2ª Geração: Direitos Econômicos e Sociais – De acordo com osconstitucionalistas, esses direitos nascem a partir do Século XIX. Junto com a primeirageração de direitos que dizia “Estado, não se meta!”, começa uma nova fase do

pensamento moderno, chamada Liberalismo, junto com o movimento cultural,chamado Iluminismo. Esses dois movimentos levaram a uma omissão completa doEstado, exatamente para preservar o distanciamento do Estado da vida do indivíduo.Só que essa ausência do Estado gerou uma desigualdade social absurda. NaRevolução Industrial, crianças foram submetidas a trabalho forçado, pessoastrabalhando 20 horas por dia. Então, a própria condição de liberdade acabou fazendocom que não fossem impostos limites ao capitalismo. Por isso, os constitucionalistaspercebem, a partir dessa segunda geração de direitos fundamentais, uma retomadada intervenção do Estado para garantir direitos mínimos do ponto de vista econômicoe social. Não dá para ficar com a liberdade absoluta em que os indivíduos se tornamdesiguais, uns com saúde, outros morrendo, crianças bem-tratadas, criançasmaltratadas. Por isso, surge uma segunda geração de direitos em que os própriosconstitucionalistas chamam de a era das liberdades positivas. É exatamente ocontrário da Era anterior em que o Estado não se metia. Agora, a ordem é: Estado, semeta, para garantir um mínimo de condições econômicas e sociais para todas aspessoas. É nessa fase que surgem alguns direitos fundamentais básicos como direitoà saúde, saneamento básico, primeiros direitos trabalhistas.

3ª Geração: Direitos da coletividade – De acordo com osconstitucionalistas, passaram a ser estudados a partir do Século XX. O quecomeçaram a observar? Que a humanidade não se basta em um único indivíduo. Nãoadianta garantir a liberdade absoluta ou um direito econômico, social e político paraum indivíduo se você não conseguir fazer com que esse indivíduo exerça o seu direito

respeitando os direitos dos demais. Significa dizer que nessa fase, eles começaram aperceber que há alguns direitos que transcendem ao individualismo e que só podemser exercitados de forma coletiva. A principal mola impulsionadora, a primeiraprevisão de direitos coletivos no sistema mundial foi o sindicato. Os trabalhadorescomeçaram a se aglomerar para buscar objetivos comuns à categoria representadapelo sindicato. Depois disso, os direitos coletivos foram se estendendo para outrasáreas. Nessa fase, começamos a observar o nascimento de direitos das categoriasprofissionais, meio ambiente, patrimônio público, etc. São direitos que não há comoserem exercidos mediante uma titularidade única. O direito ao meio ambiente, aopatrimônio público não são exercitados individualmente, mas por um corpo, que é acoletividade.

Eu poderia parar aqui, já que queria chegar ao nascimento dos direitoscoletivos. Mas apenas por amor ao debate, devo acrescentar que há autores quefalam ainda de uma quarta geração de direitos fundamentais

4ª Geração: Direitos da globalização – Aqui eu estaria falando de pazmundial, livre comércio, direitos relacionados à formação de blocos econômicos,direitos da transnacionalidade. Mas isso não é objeto do nosso tema.

Para fechar esse tópico, uma informação que eu reputo das mais importantes.Para você nunca esquecer essas três gerações, vai uma dica (lógico que para nósinteressa a terceira geração): lembrar o lema da Revolução Francesa: Liberdade,

Igualdade, Fraternidade. Primeiro eu quis liberdade (que o Estado não se metesse),quando essa liberdade foi muito longe, buscou-se a interferência do Estado paraassegurar um mínimo de igualdade. Mas não adianta a liberdade e nem a igualdade

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se não há fraternidade, que é o amor coletivo que existe entre as pessoas. O direitoda coletividade nasce como símbolo da fraternidade que deve nascer entre oshomens, entre as categorias. Portanto, liberdade, igualdade e fraternidaderepresentam o lema da Revolução Francesa e espelha bem o que a gente chegou a

conquistar a partir das várias gerações de direitos fundamentais.

  1.2. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas dodireito processual civil

A doutrina mais moderna diz que o estudo do direito processual civil, como umtodo, pode ser dividido em três grandes fases metodológica:

Fase do Sincretismo ou Civilismo – Nasce com o direito romano, que foi oprimeiro povo a desenvolver o sistema jurídico, e vai mais ou menos até 1868. Nessafase, havia uma confusão metodológica entre direito e processo. Desse modo, nãohavia autonomia do processo. Dizia-se que o processo era um apêndice do direitomaterial. E é graças a essa fase que surgiu a ideia do processo como direito adjetivo,e o adjetivo serve para qualificar o substantivo. O direito adjetivo (processo) servepara qualificar o substantivo (direito material). Dizia-se nessa época que só tem ação(processo) se há direito. Só havia ação se você ganhasse, caso contrário, não haviaação. O Savigny usava uma expressão sobre o sincretismo: o processo era o direitocivil armado para a guerra. Isso porque não havia autonomia. Era o direito civilarmado para brigar.

Fase do Autonomismo ou Autonomista – Em 1868 surgiu uma obraclássica que inaugurou essa nova fase do processo civil, escrita por um caboclo que

ninguém sabe se é alemão ou austríaco, chamado Oskar von Bülow. Ele escreveuuma obra fantástica sobre as teorias das exceções no processo civil. E o que eleconseguiu perceber? Isso parece imbecilidade hoje. Mas ele conseguiu visualizar,naquela época, que quando há uma relação jurídica entre duas pessoas, ela é dedireito material e bilateral. Ele entendeu e conseguiu distinguir que quando uma daspartes achar que essa relação jurídica material não está sendo respeitada, surge parao titular do direito um outro direito, que não é mais um direito contra a partecontrária, mas um direito que é exercitado pelo Estado no sentido de que ele façarespeitar a relação jurídica de direito material. E aí eu estaria falando de uma relação

 jurídica trilateral, à qual ele deu o nome de relação jurídica processual. A partir desseraciocínio, extremamente simples, Bülow conseguiu perceber que a relação jurídicamaterial é uma coisa e que a relação jurídica processual é outra coisa. De modo que

o exercício do direito de ação, é um exercício de um direito diferente do exercício dopróprio direito material. Temos aí fincadas as premissas da fase autonomista doprocesso civil brasileiro vivida até hoje. Hoje, ninguém mais fala que o direitoprocessual é o direito civil armado para a guerra. O processo implica em uma relação

 jurídica autônoma esquecida contra o Estado e a relação jurídica material tem umabilateralidade apenas entre as partes contratantes.

Fase do Instrumentalismo – Superado o autonomismo, entretanto, surgiuum problema porque sempre que você não tem uma coisa e obtém, você costumaexagerar. Aqui, houve a mesma coisa. A relação jurídica material, com a descobertada autonomia processual, acabou esquecida. Graças a isso, os direitos começaram a

ser deixados de ser tutelados, o acesso à justiça ficou prejudicado. Isso porque euficava discutindo a relação jurídica processual e esquecia do direito material, que erao que interessava. Afinal, o processo serve ao direito material. Então, surge uma

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terceira fase metodológica do estudo do direito processual que ficou e ainda éconhecida como instrumentalismo, que tem início mais ou menos em 1950, com aobra de dois autores, um italiano e um americano: Mauro Cappelletti e Bryant Garth.Os dois escreveram uma obra clássica: “O Acesso à Justiça.” Esses autores defendem

que deve haver um resgate dos verdadeiros fins do processo. O processo deve sereaproximar do direito material. Só através do resgate do direito material é que oprocesso realmente se torna um meio de acesso à justiça. Para sustentar essemovimento novo, para que o processo se tornasse, realmente, um instrumento deacesso à justiça, eles dizem que todos os ordenamentos jurídicos do mundo deveriamobservar aquilo que eles chamaram de As 3 Ondas Renovatórias de acesso à Justiça:

1. Onda de Tutela aos Pobres – Se o processo quer tutelar o direitomaterial e ampliar o acesso à justiça, a primeira pessoa que tem que ser trazida paradentro do sistema judicial é aquele que não tem condições de entrar com a ação. Aconsequência é que o sistema só será acessível se o pobre tiver direito. Aconsequência disso é que nasce a justiça gratuita, a defensoria pública, tribunais depequenas causas.

2. Onda da Coletivização do Processo – O grande momento dessa fasemetodológica é a segunda onda renovatória, que é aquela em que eles sustentam anecessidade de coletivização do processo. Nessa onda renovatória, nós promover arepresentação em juízo dos direitos metaindividuais. Sobre esse tema, quatroobservações:

1ª Observação. Esses autores viram a necessidade de se tutelarduas situações básicas pelas quais nasceu o processo coletivo.

a) A primeira delas é a questão da tutela dos direitos detitularidade indeterminada. Os direitos da coletividade (da 3ª Geração) sãodireitos que pertenciam ao corpo social, só que não existia um representante, emprincípio, que tinha autorização do corpo social para entrar com a ação coletiva.Então, o Garth e Cappelletti sustentam que é necessário que o sistema criemecanismos para permitir a tutela desses direitos metaindividuais através daprevisão de quem vai ser o titular, quem vai responder por essa titularidadeindeterminada. Sim, porque se você pegar o exemplo do meio ambiente, vê que émeu, mas é seu, é dele, de todo mundo. Quem vai responder? Então, a titularidadeindeterminada precisa ser determinada para que se possam tutelar esses direitos.Graças a essa necessidade de se tutelar esses direitos é que surge a necessidade de

coletivização do processo porque se eu pego as regras de um processoeminentemente individual e jogo para o coletivo, a consequência é que não serápossível tutelar esses direitos coletivos. Mas não é só por isso.

b) Eles dizem que também havia a necessidade de se  tutelardireitos economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. Alémde precisar criar o processo coletivo para a tutela dos bens e direitos de titularidadeindeterminada, como é o caso do meio ambiente, é necessário que haja processocoletivo para que haja a tutela de determinados direitos que, do ponto de vistaindividual, economicamente não seriam tuteláveis. o exemplo deixará claro: um diavocê resolve medir o leite que você compra todos os dias e vê que, na verdade, ao

invés de 1L anunciado no rótulo, há dentro da caixa apenas 900ml. No final de 1 mês,você tem o direito de reclamar 3 litros da empresa. Agora você vai ajuizar uma açãopara obrigar a empresa a te devolver 3 litros de leite? Definitivamente, não. Esses

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direitos, portanto, acabam não sendo dos por ninguém, porque ninguém vai sesubmeter a isso. E isso gera na sociedade toda uma instabilidade. Então, qual a ideiadesses dois autores? É preciso criar uma hipótese em que esses direitoseconomicamente intuteláveis, do ponto de vista individual, possam ser tutelados e

você vai fazer isso através do processo coletivo, através da coletivização do processo.

O processo coletivo, portanto, nasce, portanto, com um imperativo de duasordens: primeiro para a tutela dos bens de titularidade indeterminada, aquelesdireitos que, por não terem ninguém para tutelar, acabam não sendo tutelados porninguém. É por isso que é preciso que haja um processo permitindo que alguémtutele os interesses de todo mundo (ações coletivas) e, segundo, pra permitir quealguém tutele os interesses que, do ponto de vista individual, são economicamenteinviáveis.

2ª Observação. O processo coletivo nasce em virtude dainadequação do direito processual civil individual para a tutela dessassituações, dos interesses metaindividuais. Ele nasce porque o processo civilindividual não dá conta de responder a essas demandas. A regra geral do processocivil ordinário é que cada um defende direito seu. No processo civil coletivo éexatamente o contrário porque há uma pessoa escolhida para defender toda acoletividade. A legitimidade do processo individual não encaixa no processo coletivo.Foi preciso criar um regramento próprio. A regra dos elementos subjetivo da coisa

 julgada no CPC atinge só as partes. Mas no processo coletivo, a coisa julgada atingenão somente as partes. Então, temas como legitimidade e coisa julgada sãoincompatíveis entre o processo civil individual e o coletivo. Você nunca vai entenderprocesso coletivo se você pensar o processo coletivo com cabeça do CPC. Ele tem umsistema separado, próprio. Por isso, essas regrinhas do CPC têm que ser esquecidas.

3ª Observação. O processo coletivo não disputa o espaço como processo individual. O sistema prevê as tutelas coletivas sem prejuízo de vocêexercitar sua pretensão individual. Eu já vi cair no Cespe: O individual tem um fimegoístico porque é um processo só de um. Agora, o processo coletivo tem um fimaltruístico, porque ele vale para mim e para todos os demais membros dacoletividade. E você vê que o processo coletivo nasce da própria evolução do serhumano. A ideia de sociedade, de bem-estar comum, só surge depois de um tempoda nossa evolução. E essa noção de coletividade só foi incluída depois.

4ª Observação. No Brasil, o processo coletivo surge com a AçãoPopular, só que se consolida com a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A Lei de Ação

Civil Pública, que é um marco do processo coletivo brasileiro passou por avanços eretrocessos. Avanços: A CF/88 ao criar o suporte da ACP, o CDC, o ECA. Mas essa leitambém passou por vários retrocessos: o Executivo federal limita o alcance da APCvia medida provisória Lei 9.494/97 foi uma MP que virou lei, acabou com o processocoletivo no Brasil, ao alterar o art. 16, da Lei de Ação Civil Pública:

 Art. 16 -  A sentença civil fará coisa julgada "ergaomnes", nos limites da competência territorial do órgão

 prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico

fundamento, valendo-se de nova prova. (  Alterado pela L-009.494-1997 )

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Isso é um absurdo porque se eu separo só a cidade de SP, em Campinas nãovai valer.

Hoje, no Brasil, houve tentativa de se elaborar um Código Brasileiro de

Processo Coletiva. Houve dois projetos, um coordenado pela Ada Pelegrini e outroelaborado pela Emerj (Juiz Federal Alouisio Mendes). Eles colocam o processo coletivodentro de uma maneira equilibrada, com princípios e regras próprias. O objetivodesses dois códigos era fazer com que se entendesse que não dava para aplicar oCPC na esfera do processo coletivo. O problema é que isso demora muito. Em 2008 oMinistério da Justiça nomeou uma comissão de juristas para dar um destino para oprocesso coletivo brasileiro porque estava confuso e com a aplicação dificultada. Essacomissão foi criada (Ada, Alouisio Mendes, etc.) e logo na primeira reunião, chegou-seà seguinte conclusão: vamos transformar a Lei de Ação Civil Pública numa lei geral deprocesso coletivo. Foram três ou quatro meses de trabalhos intensos que culminou nanova lei de ação civil pública. O trabalho foi concluído e foi encaminhado aocongresso e já é um projeto de lei 5139/09. E você vai ouvir falar muito nele. Agora abriga agora é política. Essa é a parte histórica do processo coletivo no Brasil.

3. Onda da Efetividade do Processo – Sobre essa última ondarenovatória não há quase consideração a ser feita. Estamos vivendo essa nova ondaneste momento: súmula vinculante, repercussão geral, nova lei de execução, tudopara aperfeiçoar a sistema, para que ele se torne mais eficiente, mais eficaz.

2. NATUREZA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS

A natureza dos direitos metaindividuais é extremamente simples de serentendida. Sempre que você estuda Geral do Direito você sabe que a suma divisio sedá entre Direito Público e Direito Privado. Mas hoje você tem direito público cominfluência privada e direito privado com influência pública. Ou você nega que o direitocivil tem, cada vez mais, influência das normas de ordem pública? O que é a funçãosocial da propriedade? Não é um conceito de direito público? Enfim, essa classificaçãose mostra cada vez mais artificial, notadamente quando se quer classificar osinteresses metaindividuais entre o público e o privado. Esses interesses pertencem aque ramo do direito, afinal de contas? Se você fizer todo o esforço do mundo, vaiverificar que os interesses metaindividuais têm uma carga muito grande de interessesocial, o que levaria a uma conclusão que eles se aproximam mais do direito público.Só que, ao mesmo tempo, o processo coletivo não necessariamente envolve o Poder

Público. Basta lembrar uma associação de defesa do meio ambiente que ajuíza umaACP. O que o Estado tem a ver com isso?

Depois de muito debater, a doutrina chegou à conclusão de que não dá paraclassificar os direitos metaindividuais entre o público e o privado. E chegaram a umaprimeira conclusão. Se for para classificar, isso tem que acontecer entre o público, oprivado e o metaindividual. Seria o direito metaindividual uma mistura entre público eprivado.

Existem alguns autores, entretanto, entre eles o promotor Gregório Assagara,de MG, que, ao invés de dividir entre público e privado e metaindividual, eles dizem

que tem que vir uma nova suma divisio entre os ramos do direito, já que a divisãoentre público e privado está superada. Portanto, deveria vir uma nova suma divisioentre os ramos do direito. De acordo com Assagara, com Mancuso, a suma divisio

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agora seria entre individual e metaindividual. E, com isso, os problemas estariamacabados. Isso é mais fácil mesmo do que entre público e privado.

3. CLASSIFICAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO

Eu vou trabalhar as classificações mais interessantes. Não todas.

3.1. O processo coletivo quanto aos sujeitos

• Processo coletivo ativo• Processo coletivo passivo

O ativo não tem segredo nenhum. É aquele cuja titularidade da ação é dacoletividade. Quem ajuíza a ação é alguém que representa a coletividade.Praticamente, todas as ações coletivas são ativas. O MP defende os interesses dacoletividade do ponto de vista ativo. Uma associação de defesa dos consumidores,para obstar a propaganda enganosa, pode ser a autora da ação.

A grande discussão que nós temos na academia e na prática é quanto à açãocoletiva passiva que seria aquela em que a coletividade é ré. Ou seja, entrariam umaação contra nós. Será que isso existe? Existem duas posições absolutamente opostasna doutrina sobre a existência de ação coletiva passiva, que é essa em que acoletividade é ré.

1ª Corrente: Dinamarco – Não existe ação coletiva passiva porque nãohá lei falando sobre isso.

2ª Corrente: Ada Pelegrini – Ela sustenta que existe processo coletivopassivo simplesmente por um argumento natural. Apesar de não haver previsãolegal, a sua existência decorre do sistema. A exceção de pré-executividade, porexemplo, não existe na lei. Mas existe porque é algo que decorre do própriosistema.

E eu gostaria de te provar que existe processo coletivo passivo através dealguns exemplos. Ações coletivas ajuizadas pelo MPT para evitar greve de metrô éum exemplo. Aqui, o processo é ativo também porque a coletividade é defendida doponto de vista ativo. Mas é ativo e passivo porque quem é réu é uma coletividadedeterminada, ou seja, os metroviários. Outro exemplo: o MPF ajuíza ação paraimpedir greve da PF. É o mesmo raciocino. Existe uma coletividade ativa que somos,nós, defendidos, e existe uma coletividade passiva, que são os policiais federais.

Qual o único problema, entretanto, de se admitir a ação coletiva passiva? Euconcordo com a Ada. Tem ação coletiva passiva e a prática já demonstra. Mas qual éo grande problema da ação coletiva passiva? É definir quem representa acoletividade passiva. O grande problema da ação coletiva passiva, à míngua deprevisão legal, é definir quem representa a coletividade ré. Nos dois exemplos que eudei, geralmente, quem representa é a associação dos servidores, o sindicato. Mas há

hipóteses em que a coletividade não tem representação. Imagine que um grupo depescadores invadiu uma área de reserva. Você quer tirar os caras de lá mas não háum órgão que os represente. No caso da greve de metrô, tem um monte de

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metroviário que não é sindicalizado. O sindicato poderia representá-los? Exatamentepara facilitar esse estudo, estou passando para vocês um material de aula sobre açãocoletiva passiva (o troço é longo, mas me pareceu interessante, portanto, taí):

1. Nota introdutória.

O processo coletivo passivo é um dos temas menos versados nos estudossobre a tutela jurisdicional coletiva, que costumam concentrar-se na definição dassituações jurídicas coletivas ativas(direitos difusos, direitos coletivos e direitosindividuais homogêneos), no exame da legitimidade ad causam e do regime jurídicoda coisa julgada. Sobre o processo coletivo passivo, a escassez de produçãodoutrinária é ainda mais grave: os ensaios e livros publicados costumam restringir aabordagem apenas à análise da legitimidade e da coisa julgada. Nada se fala sobreoutros aspectos do processo coletivo sobre os aspectos substanciais da tutela

 jurisdicional coletiva passiva. Esse ensaio tem o objetivo de contribuir para odesenvolvimento teórico dessa questão: a definição do objeto litigioso do processocoletivo passivo. Destaca-se, assim, a investigação sobre quais são as situações

 jurídicas substanciais objeto de um processo coletivo passivo. Após dodesenvolvimento da categoria “situações jurídicas coletivas passivas” será mais fácilcompreender a finalidade e a utilidade do o processo coletivo passivo, para que,então, se possa preparar uma legislação processual adequada ao tratamento dessefenômeno.

2. Ação coletiva ativa e situações jurídicas coletivas ativas.

 A ação coletiva ativa é a demanda pela qual se afirma a existência de umdireito coletivo lato sensu (uma situação jurídica coletiva ativa) e se busca a

certificação, a efetivação ou a proteção a esse direito. Denominam-se direitoscoletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais sãoespécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitosindividuais homogêneos. Em conhecida sistematização doutrinária, haveria osdireitos/interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) eos direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos).

Reputam-se direitos difusos aqueles transindividuais (metaindividuais,supraindividuais), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo),

 pertencente a uma coletividade composta por pessoas indeterminadas (ou seja,indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato. Assim, por exemplo, são direitos difusos o direito à proteção

ambiental, o direito à publicidade não-enganosa, o direito à preservação damoralidade administrativa etc.

Os direitos coletivos stricto sensu são os direitos transindividuais, de naturezaindivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas,mas determináveis, ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação

 jurídica base. Essa relação jurídica base pode dar-se entre os membros do grupo“affectio societatis” ou pela sua ligação com a “parte contrária”. No primeiro casotemos os advogados inscritos no conselho profissional (ou qualquer associação de

 profissionais); no segundo, os contribuintes de determinado imposto. Os primeirosligados ao órgão de classe, configurando-se como “classe de pessoas” (advogados);

os segundos ligados ao ente estatal responsável pela tributação, configurando-secomo “grupo de pessoas” (contribuintes). Cabe ressalvar que a relação-basenecessita ser anterior à lesão. A relação-base forma-se entre os associados de uma

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determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados,enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis,elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelovínculo jurídico que os liga a parte contrária, e.g., contribuintes de um mesmo

tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de seguro com um mesmotipo de seguro etc. No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a partecontrária também ocorre, só que em razão da lesão e não de vínculo precedente, oque a configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu (propriamente dito).

Os direitos individuais homogêneos são aqueles direitos individuaisdecorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da

 própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar oumomento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dosdiversos titulares de pretensões individuais. O que esses direitos têm em comum é a

 procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária,questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade,a revelar, assim, a prevalência de questões comuns e superioridade na tutelacoletiva. Os direitos individuais homogêneos é uma ficção jurídica, “criada pelodireito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteçãocoletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Semessa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitosindividuais estaria vedada”. O fato de ser possível determinar individualmente oslesados não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traçodistintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em relação à fragmentaçãoda tutela (tratamento atomizado) nas ações individuais. É evidente a vantagem dotratamento unitário das pretensões em conjunto, para obtenção de um provimento

genérico. Como bem anotou Antonio Gidi as ações coletivas garantem três objetivos: proporcionar economia processual, acesso à justiça e a aplicação voluntária eautoritativa do direito material.

Observe-se que uma característica marcante dos direitos coletivos em sentidoamplo é exatamente a sua titularidade: eles pertencem a uma coletividade, a umgrupo. Trata-se de direitos com titulares coletivos. Muito conveniente é a menção ao

 parágrafo único do art. 1º da Lei antitruste brasileira (Lei Federal n. 8.884/1994), queregula a proteção contra o abuso de concorrência: “A coletividade é a titular dos bens

 jurídicos protegidos por esta Lei”. Eis o panorama conceitual das situações jurídicascoletivas ativas, objeto das ações coletivas ativas.

3. Conceito e classificação das ações coletivas passivas.

 As situações jurídicas passivas coletivas: deveres e estados de sujeição difusose individuais homogêneos. Há ação coletiva passiva quando um agrupamentohumano é colocado como sujeito passivo de uma relação jurídica afirmada na petiçãoinicial. Formula-se demanda contra uma dada coletividade. Os direitos afirmados peloautor da demanda coletiva podem ser individuais ou coletivos (lato sensu) — nessaúltima hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interessesenvolve duas comunidades distintas.

Seguindo o regime jurídico de toda ação coletiva, exige-se para a

admissibilidade da ação coletiva passiva que a demanda seja proposta contra um“representante adequado” (legitimado extraordinário para a defesa de uma situação

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 jurídica coletiva) e que a causa se revista de “interesse social”. Neste aspecto, portanto, nada há de peculiar na ação coletiva passiva.

O que torna a ação coletiva passiva digna de um tratamento diferenciado é a

circunstância de a situação jurídica titularizada pela coletividade ser uma situação jurídica passiva. A demanda é dirigida contra uma coletividade, que é o sujeito deuma situação jurídica passiva (um dever ou um estado de sujeição, por exemplo). Damesma forma que a coletividade pode ser titular de direitos (situação jurídica ativa,examinado no item precedente), ela também pode ser titular de um dever ou umestado de sujeição (situações jurídicas passivas). É preciso desenvolver dogmaticamente a categoria das situações jurídicas coletivas passivas: deveres eestado de sujeição coletivos.

O conceito dessas situações jurídicas deverá ser extraído dos conceitos dos“direitos”, aplicados em sentido inverso: deveres e estados de sujeição indivisíveis edeveres e estados de sujeição individuais homogêneos (indivisíveis para fins detutela, mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento). Há, pois,situações jurídicas coletivas ativas e passivas. Essas situações relacionam-se entre sie com as situações individuais.

Um direito coletivo pode estar relacionado a uma situação passiva individual(p. ex.: o direito coletivo de exigir que uma determinada empresa proceda à correçãode sua publicidade). Um direito individual pode estar relacionado a uma situação

 jurídica passiva coletiva (p. ex.: o direito do titular de uma patente impedir a suareiterada violação por um grupo de empresas). Um direito coletivo pode estar relacionado, finalmente, a uma situação jurídica coletiva (p. ex.: o direito de umacategoria de trabalhadores a que determinada categoria de empregadores reajuste o

salário-base). Haverá uma ação coletiva passiva, portanto, em toda demanda ondeestiver em discussão uma situação coletiva passiva. Seja como correlata a um direitoindividual, seja como correlata a um direito coletivo. Mas isso não é o bastante paraapresentar o tema.

 A ação coletiva passiva pode ser classificada em original ou derivada. Açãocoletiva passiva original é a que dá início a um processo coletivo, sem qualquer vinculação a um processo anterior. Ação coletiva passiva derivada é aquela quedecorre de um processo coletivo “ativo” anterior e é proposta pelo réu desse

 processo, como a ação de rescisão da sentença coletiva e a ação cautelar incidentala um processo coletivo. A classificação é importante, pois nas ações coletivas

 passivas derivadas não haverá problema na identificação do “representante

adequado”, que será aquele legitimado que propôs a ação coletiva de onde ela seoriginou.

De fato, um dos principais problemas da ação coletiva passiva é a identificaçãodo “representante adequado”, o que levou Antonio Gidi a defender que “paragarantir a adequação da representação de todos os interesses em jogo, seriarecomendável que a ação coletiva passiva fosse proposta contra o maior número

 possível de associações conhecidas que congregassem os membros do grupo-réu. Asassociações eventualmente excluídas da ação deveriam ser notificadas e poderiamintervir como assistentes litisconsorciais”. Em tese, qualquer um dos possíveislegitimados à tutela coletiva poderá ter, também, legitimação extraordinária passiva.

Imprescindível, no particular, o controle jurisdicional da “representação adequada”,conforme já defendido alhures pelos autores deste artigo. Neste aspecto, merececrítica a proposta de Antonio Gidi de Código para processos coletivos em países de

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direito escrito (CM-GIDI), que restringe, parcialmente, a legitimação coletiva passivaàs associações. Eis o texto da proposta de Gidi: “A ação coletiva poderá ser propostacontra os membros de um grupo de pessoas, representados por associação que oscongregue”. Em uma ação coletiva passiva derivada de uma ação coletiva proposta

 pelo Ministério Público, o réu será esse mesmo Ministério Público. A melhor solução émanter o rol dos legitimados em tese para a proteção das situações jurídicascoletivas e deixar ao órgão jurisdicional o controle in concreto da adequação darepresentação.

4. Exemplos de ações coletivas passivas

 Alguns exemplos podem ser úteis à compreensão do tema. Os litígiostrabalhistas coletivos são objetos de processos duplamente coletivos: em cada umdos pólos, conduzidos pelos sindicatos das categorias profissionais (empregador eempregado), discutem-se situações jurídicas coletivas. No direito brasileiro, inclusive,

 podem ser considerados como os primeiros exemplos de ação coletiva passiva.

No foro brasileiro, têm surgido diversos exemplos de ação coletiva passiva. Em2004, em razão da greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal ingressoucom demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Federais e oSindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno dasatividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva passiva, pois acategoria “policial federal” encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídicadeduzida em juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar aotrabalho. Desde então, sempre que há greve, o empregador que se sente prejudicadoe que reputa a greve injusta vai ao Judiciário pleitear o retorno da categoria detrabalhadores ao serviço.

Há notícia de ação coletiva proposta contra o sindicato de revendedores decombustível, em que se pediu uma adequação dos preços a limites máximos delucro, como forma de proteção da concorrência e dos consumidores.

Em 2008, alunos da Universidade de Brasília invadiram o prédio da Reitoria,reivindicando a renúncia do Reitor, que estava sendo acusado de irregularidades. AUniversidade ingressou em juízo, pleiteando a proteção possessória do seu bem.Trata-se de ação coletiva passiva: propõe-se a demanda em face de uma coletividadede praticantes de ilícitos. A Universidade afirma possuir direitos individuais contracada um dos invasores, que teriam, portanto, deveres individuais homogêneos. Emvez de propor uma ação possessória contra cada aluno, “coletivizou” o conflito,

reunindo os diversos “deveres” em uma ação coletiva passiva. A demanda foi proposta contra o órgão de representação estudantil (Diretório Central dosEstudantes), considerado, corretamente, como o “representante adequado” dogrupo. Neste caso, está diante de uma pretensão formulada contra deveresindividuais homogêneos: o comportamento ilícito imputado a todos os envolvidos

 possui origem comum. Em vez de coletividade de vítimas, como se costuma referir aos titulares dos direitos individuais homogêneos, tem-se aqui uma coletividade deautores de ato ilícito.

 Antonio Gidi traz outros exemplos: “...a ação coletiva poderá ser utilizadaquando todos os estudantes de uma cidade ou de um Estado tiverem uma pretensão

contra todas as escolas, cada um desses grupos sendo representado por umaassociação que os reúna. Igualmente, ações coletivas poderão ser propostas contralojas, cartórios, órgãos públicos, planos de seguro-saúde, prisões, fábricas, cidades

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etc., em benefício de consumidores, prisioneiros, empregados, contribuintes deimpostos ou taxas ou mesmo em benefício do meio ambiente”.

Pedro Dinamarco traz exemplos de ações coletivas passivas declaratórias:

a) ação declaratória, proposta por empresa, para reconhecer a regularidadeambiental do seu projeto: de um lado, se ganhasse, evitaria futura açãocoletiva contra ela, de outro, se perdesse, desistiria de implantar o projeto,economizando dinheiro e não prejudicando o meio-ambiente;

 b) ação declaratória, proposta por empresa que se vale de contrato deadesão, com o objetivo de reconhecer a licitude de suas cláusulascontratuais.

Embora seja possível imaginar demandas coletivas passivas declaratóriasnegativas (p. ex.: declarar a inexistência de um dever coletivo), não é disso quetratam os exemplos de Pedro Dinamarco. Nos casos citados, temos uma açãocoletiva ativa reversa. Busca-se a declaração de que não existe uma situação jurídicacoletiva ativa (inexistência de um direito pela ausência de poluição ambiental, por exemplo). Não se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, comoacontece em ações coletivas passivas declaratórias positivas, constitutivas oucondenatórias. Não basta dizer, como pioneiramente fez Antonio Gidi, que tais açõessão inadmissíveis por falta de interesse de agir ou dificuldade na identificação dolegitimado passivo, embora a lição seja correta. É preciso ir além: rigorosamente, nãosão ações coletivas passivas.

Para que haja ação coletiva passiva, é preciso, como dito, que uma situação jurídica coletiva passiva seja afirmada, o que não ocorre nesses exemplos. E mais: é preciso reconhecer, como em qualquer ação coletiva, uma potencial vantagem ao

interesse público, sem o que as demandas passam a ser meramente individuais (oque legitima a ficção jurídica “direitos individuais homogêneos” é a particular circunstância da presença do interesse público na sua tutela, que ficaria prejudicadoem face de uma tutela fragmentada e individual).

Isso não significa que não haja ação coletiva passiva declaratória. No âmbitotrabalhista, por exemplo, cogita-se da ação declaratória para certificação da corretainterpretação de um acordo coletivo, em que são fixadas as situações jurídicascoletivas ativas e passivas.

Há ainda a possibilidade de utilização da ação coletiva passiva para efetivar achamada responsabilidade anônima ou coletiva, “em que se permite aresponsabilização do grupo caso o ato gerador da lesão tenha sido ocasionado pelaunião de pessoas, sendo impossível individualizar o autor ou os autores específicosdo dano”. No exemplo da invasão do prédio da Universidade, além da ação dereintegração de posse, seria possível manejar ação de indenização pelos prejuízoseventualmente sofridos contra o grupo, acaso não fosse possível a identificação doscausadores do dano. Na demanda, o autor afirmaria a existência de um de dever deindenizar, cujo sujeito passivo é o grupo.

Diogo Maia menciona o exemplo de uma ação coletiva ajuizada contra oscomerciantes de uma cidade, acusados de utilização indevida das calçadas para aexposição dos produtos. Trata-se de um claro exemplo de ilícitos individuais

homogêneos, que geram deveres individuais homogêneos.

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 Ainda é possível cogitar de uma ação coletiva proposta contra umacomunidade indígena, que esteja, por exemplo, sendo acusada de impedir o acesso aum determinado espaço público. A tribo é a titular do dever coletivo difuso de nãoimpedir o acesso ao espaço público. A comunidade indígena é, ainda, a legitimada a

estar em juízo na defesa dessa acusação. Não se trata de uma pessoa jurídica. É umgrupo humano. Trata-se de caso raro, talvez único, de legitimação coletiva ordinária, pois o titular da situação jurídica coletiva é, também, o legitimado a defendê-la em juízo. Com relação ao objeto, o Judiciário deverá analisar se se trata de uma legítimamanifestação política, pacífica e organizada, ou de um ato ilícito, gerador de deveresindividuais homogêneos. Aqui faz muito sentido insistir na necessidade decertificação da demanda como uma ação coletiva, o juiz poderá indeferir liminarmente pretensões que não sejam escoradas em deveres coletivos.

5. Consideração final

No Brasil, um dos principais argumentos contra a ação coletiva passiva é ainexistência de texto legislativo expresso. Sucede que a permissão da ação coletiva

 passiva é decorrência do princípio do acesso à justiça (nenhuma pretensão pode ser afastada da apreciação do Poder Judiciário). Não admitir a ação coletiva passiva énegar o direito fundamental de ação àquele que contra um grupo pretende exercer algum direito: ele teria garantido o direito constitucional de defesa, mas não poderiademandar. Negar a possibilidade de ação coletiva passiva é, ainda, fechar os olhos

 para a realidade: os conflitos de interesses podem envolver particular-particular, particular-grupo e grupo-grupo. Na sociedade de massas, há conflitos de massa econflitos entre massas.

 A inexistência de texto legal expresso que confira legitimação coletiva passiva

não parece obstáculo intransponível. A atribuição de legitimação extraordinária não precisa constar de texto expresso, bastando que se a retire do sistema jurídico. A partir do momento em que não se proíbe o ajuizamento de ação rescisória, cautelar incidental ou qualquer outra ação de impugnação pelo réu de ação coletiva ativa,admite-se, implicitamente, que algum sujeito responderá pela coletividade, ou seja,admite-se a ação coletiva passiva.

3.2. O processo coletivo quanto ao objeto

• Processo coletivo especial 

• Processo coletivo comum

Processo coletivo especial é o das ações de controle abstrato deconstitucionalidade. São as ADI’s, ADPF’s, ADECON’s. Ninguém encara dessamaneira, mas vocês têm que encarar. Você não pode negar que essas ações sãocoletivas e tanto é assim que o que fica decidido nelas, vale para todo mundo.Portanto, não há como negar que são ações coletivas, só que não são estudadas noâmbito do processo coletivo. Geralmente, isso é estudado no direito constitucional enão no direito processual.

Mas o que interessa para o nosso estudo é o processo coletivo comum, queengloba todas as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não se

relacionam ao controle de constitucionalidade. É um conceito por negação. A açãocoletiva comum é conceituada através da negação do que é a coletiva especial. Açãocoletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle abstrato de

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constitucionalidade. O foco do estudo do processo coletivo está aqui, no processocoletivo comum. E quais são os representantes do processo coletivo comum? Voucitar pela ordem de importância:

a) Ação Civil Pública b)  Ação Coletiva* (para os que adotam)c) AIA – Ação de Improbidade Administrativad) AP – Ação Popular e) Mandado de Segurança Coletivo

*Existem alguns autores que chamam de ação coletiva a ACP fundada no CDC. Já há outros autores (entre os quais eu me incluo) que usam ação coletiva para tudo,porque não há diferença entre ela e a ACP. A única diferença é que uma é fundada noCDC e a outra, no resto do sistema. Então, essa é uma briga besta. Até porque noprojeto do código vão acabar com essa distinção. Vai ser tudo ACP. Mas não estressa

com isso. Se o examinador colocar “na ação coletiva e na ACP a cosia julgada é”, eleestá apenas colocando a posição dos diferentes autores. Mas se ele só falar em ACPou ação coletiva, você vai saber que, para ele, não há diferença alguma. E não hámesmo. Aqui é apenas uma questão de nomenclatura. Quando eu falar em açãocoletiva, estou me referindo a todas porque para mim é gênero que engloba todas asoutras. Mas há os que entendem que ação coletiva é a ação civil pública do CDC.

4. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM

“Comum” para evitar que você pense que se aplicam aos procedimentos

coletivos especiais. Aqui, eu vou trabalhar só os principais. Tem que autor que falaem quarenta, mas eu vou falar em dez. Em momento algum, a existência dessesprincípios afasta os princípios constitucionais do processo que também se aplicam aoprocesso coletivo.

(Intervalo – 01:27:00)  4.1. Princípio da Indisponibilidade Mitigada da Ação Coletiva

 Tem previsão no art. 9.º, da Lei de Ação Popular e de forma melhor ainda, noart. 5º, § 3º, da Lei de ACP.

LAP - Art. 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editaisnos prazos e condições previstos no Art. 7º, II, ficandoassegurado a qualquer cidadão bem como aorepresentante do Ministério Público, dentro do prazo de 90(noventa) dias da última publicação feita, promover o

 prosseguimento da ação.

LACP - § 3º - Em caso de desistência infundada ouabandono da ação por associação legitimada, o MinistérioPúblico ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

O objeto do processo coletivo não pertence a quem ajuíza a ação. A tutela é deum direito cuja titularidade seja indeterminada (Cappelletti e outro), atribuindo-se aalguém a função de defender esse direito, que é o caso do MP, Defensoria,

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Associações. Então, o objeto do processo coletivo não pertence ao autor, mas àcoletividade. Desse modo, esse princípio estabelece que o autor da ação coletiva nãopode simplesmente desistir da ação.

No processo individual, se eu desisto da ação, o juiz extingue. No processocoletivo, o autor não pode desistir da ação. Mas se desistir, não haverá extinção, massim, sucessão processual. E o motivo é que o objeto da ação coletiva não pertence aele, mas à coletividade. E a consequência, não é a extinção, mas a sucessãoprocessual. É o que diz o § 3º, art. 5º, da Lei de ACP. Outros legitimados sãochamados à suceder.

Por que indisponibilidade “mitigada”? O motivo está na palavra “infundada” do§ 3º. É possível a desistência fundada. A infundada não é possível. Traduzindo,significa dizer que pode acontecer, em algumas circunstâncias de ser admitida adesistência. Em que hipótese isso acontecerá? No caso de haver um motivo. Semmotivo, sucessão. Com motivo, extinção do processo.

Eu tive uma ACP que objetivava que uma empresa que produzia parafusosfizesse uma proteção acústica porque naquele bairro ninguém dormia, ninguém tinhapaz. No meio do processo, a empresa faliu e parou de funcionar. O promotor, nessecaso, desistiu. E, sendo assim, homologa-se a desistência.

  4.2. Princípio da Indisponibilidade da Execução Coletiva

 Tem previsão nos arts. 15 da LACP e no art. 16, da LAP:

LACP Art. 15 - Decorridos 60 (sessenta) dias dotrânsito em julgado da sentença condenatória, sem que aassociação autora lhe promova a execução, deverá fazê-loo Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demaislegitimados.

LAP Art. 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de segunda instância,sem que o autor ou terceiro promova a respectivaexecução, o representante do Ministério Público a

 promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de faltagrave.

Você vê que, uma vez obtida a condenação do réu a determinada obrigação, éobrigatória a execução da sentença caso não haja cumprimento. E para o réu, tanto éassim, que o art. 15, da Lei de Ação Civil Pública diz que se em 60 dias o autor nãoexecuta a sentença, qualquer legitimado pode executar. E caso ninguém execute, oMP deverá executar.

E qual é o motivo desse princípio? Para evitar a corrupção. Se uma pessoa écondenada a reparar o dano ambiental ou devolver determinada quantia para oscofres públicos, transita em julgado a sentença, o violador do direito pode oferecerdinheiro em troca da não-execução da sentença. Não adianta. Se ele não executar,

vai outro e executa no lugar dele.

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Está certo que aqui não há a palavra mitigada. Aqui, sempre vai ter queexecutar, sem exceção.

  4.3. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito

Na minha opinião, esse princípio tinha que ser de todo o processo civil, mas eleé especialmente forjado para o processo coletivo. Esse princípio, diferentemente dosoutros dois, não tem previsão legal. É meramente interpretativo. Esse princípiobasicamente estabelece que a aplicação do art. 267, do CPC, deve ser sempreevitada. Deve-se evitar ao máximo a extinção do processo sem julgamento do méritopor um motivo muito simples, porque essa extinção não resolve o conflito. E, nestecaso, o conflito não é um conflito que atinja apenas uma pessoa, mas de magnitudeextraordinária. Como é um conflito que atinge muitas pessoas, o ideal é que o juizfaça tudo para não extinguir o processo sem julgamento do mérito.

Um exemplo: o indivíduo entra com uma ação popular. O legitimado, nessecaso, é o cidadão, ou seja, tem que estar no gozo dos direitos políticos. Na metade doprocesso, ele é condenado criminalmente com trânsito em julgado. E você sabe queum dos efeitos da condenação penal, previsto na CF, é a suspensão dos direitospolíticos. Automaticamente, aquele cara que era parte legítima, se tornou parteilegítima. Se fosse um processo individual, seria extinto sem julgamento do méritoante a ilegitimidade superveniente. Mas o juiz deve convidar outros cidadãos paraassumir a titularidade ativa, evitando, assim, a extinção do processo.

  4.4. Princípio da Prioridade na Tramitação

Esse também é um princípio sem previsão legal expressa. Na nova lei de açãocivil pública, vai ter, mas não há. A própria nomenclatura é óbvia. O processo coletivotem que ter andamento preferencial por um motivo simples: porque ele atende a umnúmero maior de pessoas. Por isso, ele passa na frente da pilha.

  4.5. Princípio do Máximo Benefício da Tutela Jurisdicional Coletiva

Isso é muito legal. Tem previsão nos arts. 103, §§ 3º e 4º, do CDC:

 § 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art.

16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostasindividualmente ou na forma prevista neste Código, mas,se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seussucessores, que poderão proceder à liquidação e àexecução, nos termos dos artigos 96 a 99.

 § 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior àsentença penal condenatória.

O nosso sistema fez uma opção de risco e que causa muitos problemaspráticos, mas, atualmente, a opção do sistema é essa. O sistema estabeleceu que acoisa julgada coletiva, quer dizer, a decisão do processo coletivo só beneficia o

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indivíduo, nunca prejudica. Isso significa que, se vem uma ação coletiva para discutiro índice da poupança do mês de março de 1990, de 32%, para que todos ospoupadores de determinado banco tenham essa correção. Se o juiz da ação coletiva

 julga improcedente a ação, o tribunal mantém a improcedência, e essa

improcedência transita em julgado, isso significa que a ação coletiva foiimprocedente. Isso não prejudica e permite entrar com a ação individual para discutirexatamente a mesma coisa. Do contrário, se eventualmente ganha a coletiva, não énecessário entrar com a ação individual. Apenas me beneficio da coisa julgadacoletiva. Por ora, para entender o que é o princípio, basta saber que o sistemabrasileiro adota a máxima utilidade, ou seja, a coisa julgada nunca prejudica oindivíduo.

E esse fenômeno processual que faz com que o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva, tem um nome em latim, que eu gostaria que você anotasse. Adoutrina chama de: transporte in  utilibus da coisa julgada coletiva. É apossibilidade de a coisa julgada benéfica ser trazida em favor da parte.

Aqui está o grande problema do processo coletivo brasileiro. E esse é só umcomentário crítica que não precisa anotar. A ACP tramita pela primeira, segundainstância, passa pelo STJ e chega até o STF que decide que eu não tenho o índice de32%. Em vez de isso pacificar, graças a esse sistema, qualquer indivíduo pode ajuizaruma ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Ou seja, o processocoletivo que veio para potencializar a atividade do Judiciário acaba não servindo paraabsolutamente nada porque acaba tendo que julgar 3 milhões de ações para discutirexatamente a mesma coisa. Por isso, na nova lei, a comissão entendeu por adotar umsistema diferente: a coisa julgada, se for matéria unicamente de direito, vai ser  pro et contra. Pega todo mundo. Se você não confia no autor, você tem até a sentença da

coletiva a possibilidade de pedir para você ficar fora daquela coisa julgada. Se apessoa vem e diz que não quer a coisa julgada coletiva, você dará a ela o direito detocar a ação por si. Do contrário, vai ter que aceitar. O sistema hoje é melhor para aparte. Mas vai melhorar para o sistema, inclusive para os advogados.

  4.6. Princípio Máxima Efetividade do Processo Coletivo ou doAtivismo Judicial

Esse princípio, que também não tem previsão legal expressa e é decorrente dosistema, descaradamente foi copiado do modelo americano, de algo que eleschamam de

 

defining function. Lá se fala que o juiz, diante do processo coletivo,

tem poderes extravagantes, tem funções extraordinárias, funções que superam oslimites daquilo que existe no processo individual. No processo coletivo, ele parte deum ativismo judicial, de uma posição proativa que, em princípio, ele não tem noprocesso individual. O juiz busca a máxima efetividade e toma atitudes heterodoxaspara poder decidir a respeito, daí falar-se em ativismo judicial.

Quando se fala nesse princípio, na verdade, isso tem que representar paravocê, quatro ideias. São quatro atitudes que o juiz pode tomar no processo coletivo eque no processo individual ele não pode.

a) Instruir o processo de forma mais acentuada do que o processo

individual – esse é o primeiro “poder” do juiz. O juiz tem poderes instrutórios maisacentuados do que no processo individual. O juiz pode determinar a produção deprovas de maneira mais incisiva do que no processo individual. Por exemplo, se ele

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perceber a inércia probatória das partes, ele pode, oficiosamente, determinar perícia,determinar a produção de provas que, sequer foi cogitada pelas partes.

b) Flexibilização procedimental – É a segunda atitude que o juiz no

processo coletivo pode ter e que não cabe no processo individual. A flexibilizaçãoprocedimental permite que o juiz, no âmbito do processo coletivo adapte oinstrumento ao direito material em debate. Como ele faz isso? Vou dar um exemplo:ampliando prazos. O CPC estabelece que no processo individual, a parte tem prazo de10 dias para apresentar réplica. O juiz no processo coletivo pode flexibilizar esseprazo para 30 dias dependendo da complexidade do caso. Se ele percebe que faltouum litisconsórcio necessário, haverá flexibilização do procedimento, junto com aquelaregra do interesse jurisdicional do conhecimento do mérito. Essa mesma situação, noprocesso individual, ensejaria a extinção do processo. Aqui, então, ele cita olitisconsórcio necessário que não estava no processo, dá para o cara o direito dedefesa e de produzir prova e faz seguir o processo. Também cabe aqui a inversão deatos processuais. Tudo isso pode ser feito no processo coletivo e não pode, aprincípio, ser feito no processo individual.

c) Possibilidade de o juiz desvincular-se do pedido ou da causa de pedir – Esse poder do juiz é altamente discutível. Em outros termos, significa dizerque o juiz, nesse poder, pode permitir a alteração dos elementos da demanda após osaneamento do processo. O art. 264, do CPC, proíbe expressamente que depois dosaneamento se altere o pedido ou a causa de pedir. Mas isso é processo individual.Se você aplicar isso aqui, se ferra porque no processo coletivo, a defining function(ativismo judicial) permite que o juiz autorize a alteração do pedido e da causa depedir garantindo ao réu o direito defesa, contraditório e tudo o mais. Mas ele podeaproveitar o processo, mesmo que o pedido e a causa de pedir estejam equivocados.

Eu tive na minha carreira um caso emblemático da aplicação dessa hipótese dedefining function. Eu sempre conto esse exemplo para você perceber que o processocoletivo para você perceber que o processo coletivo tem uma nuance diferente doprocesso individual. O promotor entrou com uma ACP de reparação de danos contra oprefeito sob o fundamento de que no mês de março/99 teria dado um rombo noscofres da prefeitura. Foi preciso fazer perícia na contabilidade da prefeitura.Descobriu-se que não havia absolutamente nenhum superfaturamento e nenhumdesvio de verba. Estava tudo bonitinho. Eu teria que julgar improcedente a ação. Sóque nas contas da perícia foi descoberto que o cara não repassou determinada verba,que era gigantesca, para a educação do município. E, pela lei, sobre o ato incidiamsanções e, entre elas, a devolução do dinheiro que não foi aplicado. O promotor,espertamente, pediu para mudar a causa de pedir: “eu quero que ele devolva, não

por causa do desvio, mas por causa da não aplicação da verba de forma adequada.”Eu admiti a alteração da causa de pedir. Foi preciso produzir novas provas, formularnovos quesitos ao perito para julgar o processo. Qual é a vantagem disso é que euteria que julgar a ação improcedente, caso não considerasse a possibilidade dealteração. E aí o MP teria que entrar com uma nova ação, com prejuízo ao erário, que

 já tinha acontecido já que a perícia foi caríssima.

d) Controle das políticas públicas – Cada vez mais o Judiciário estásendo chamado para resolver através dos processos coletivos o quê? Opções políticasda Administração. Por exemplo, determinar a construção de determinado hospital, decreche, aquisição de medicamentos. Todas essas são opções políticas que estão

sendo tomadas pelo Judiciário através de ações coletivas. Sobreleva-se, dessa forma,um papel de ativismo judicial gigantesco e o processo coletivo tem que se prestar aessa finalidade. Eu, recentemente, tive uma ação civil pública de aumento de efetivo

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policial no município onde trabalho. O promotor encasquetou que tinha pouca políciano município. Fez uma conta, umas análises e chegou à conclusão que tinha poucoefetivo. O Judiciário teve que interferir para aumentar o efetivo. Percebe arepercussão direta na política de segurança pública do Estado? Isso é ativismo

 judicial.

4.7. Princípio Máxima Amplitude ou da Atipicidade ou Não-taxatividade do Processo Coletivo – Art. 83, CDC

 Art. 83 - Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas asespécies de ações capazes de propiciar sua adequada eefetiva tutela.

É fácil entender esse princípio. De acordo com o CDC, para a defesa dosinteresses metaindividuais, são admissíveis todas as espécies de ações capaz deprovidenciar a adequada tutela. Qualquer ação pode ser coletivizada! O que significadizer que eu não tenho só, para tutelar processo coletivo, a ação civil pública, a açãopopular. Eu posso ter , por exemplo, uma reintegração de posse coletiva, umamonitória coletiva, desde que o que esteja sendo discutido no processo sejam osinteresses metaindividuais. Então, não fica com a cabeça fixa de que o processocoletivo é ação civil pública, popular e improbidade administrativa. Qualquer açãopode ser coletivizada.

Acontece que o MP encasquetou que tudo o que é difuso e coletivo, ele temque chamar de ação civil pública. Então, se eventualmente se trata de uma

reintegração de posse para retirar um pessoal que invadiu uma área de reservaambiental, ele entra com ação civil pública com pedido de recuperação de posse. Sóque isso não é uma ação civil pública, mas uma ação de reintegração de possecoletivizada. A nomenclatura não muda nada. Causa confusões

Vocês conhecem a discussão sobre se o MP pode entrar com a ACP paradiscutir direito de uma pessoa só (liberação de medicamento, por exemplo). Opromotor tem legitimidade para isso porque o direito é indisponível. A ação é deobrigação de fazer, mas usa a ACP. E dando o nome de ação civil pública para tudo,não permite que se desenvolva esse princípio. Usa-se ACP para tudo, esquecendo quequalquer ação pode ser coletivizada.

  4.8. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda

 Tem previsão no art. 94, do CDC:

 Art. 94 - Proposta a ação, será publicado edital noórgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampladivulgação pelos meios de comunicação social por partedos órgãos de defesa do consumidor.

Aqui, mais uma vez, copiamos o sistema norteamericano, que eles chamam de

 

fair notice. Pelo princípio da fair notice, que adotamos aqui com o nome de princípioda ampla divulgação da demanda, o fato é o seguinte: uma ação coletiva pode

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interessar a particular? Sem dúvida, que sim! Os particulares estão sofrendo danosindividuais exatamente por conta do fato discutido na ação coletiva. Exatamente porisso, o estabelecido no art. 94. Ele estabelece que toda vez que haja uma açãocoletiva, se promova uma ampla divulgação por edital. O problema é que isso não

funciona. No projeto, isso virá melhorado: será feito via expediente que acessediretamente a comunidade lesada. Você vai discutir numa ACP a questão de tarifa deenergia elétrica. Os consumidores de energia elétrica são os interessados. Hoje, essacomunicação é feita por edital. No exemplo dado, pelo projeto, virá na conta, comoforma de aviso: “existe uma ação civil pública discutindo que o índice tal está errado.Se você quiser, se habilitar, fique à vontade”. Se discute questão bancária, o avisopoderá vir no site do banco ou no extrato. Essa é a ideia. É trocar o edital por ummeio de divulgação mais eficaz.

  4.9. Princípio da Integratividade do Microssistema Processual Coletivo

O que disciplina o processo coletivo no Brasil? Que lei é essa? Eu costumo dizerque a primeira coisa que você precisa ter para estudar processo coletivo no Brasil éuma mesa grande. Porque há mais de 15 leis que tratam de processo coletivo noBrasil. Exatamente por isso, que esse sistema que é composto por inúmeras leis,forma um microssistema. No centro do microssistema haverá sempre duas leis: umaé a Lei de Ação Civil Pública e a outra é o Código de Defesa do Consumidor.Essas duas leis têm aquilo que nós chamamos no processo de

 

norma de reenvio. Sevocê olhar o art. 90, do CDC, ele fala assim: aplica-se a mim tudo o que está previstona Lei de Ação Civil pública. Ele manda aplicar para ele tudo o que está na LACP. Aí você vai na Lei de Ação Civil Pública e lá encontra o art. 21 que fala assim: “aplica-se

a mim tudo o que está previsto no CDC.” Ou seja, a Lei de Ação Civil Pública e o CDCcompõem um núcleo de aplicação central, pois tudo o que existe em uma aplica-sena outra e vice-versa. E aí, você faz aquela constatação extremamente importante:eu posso aplicar o CDC numa ação civil pública ambiental. Claro que sim! “Mas não éconsumidor, Gajardoni.” Não interessa!! É que como existe essa norma de reenvio,você aplica o CDC em ação ambiental. E pode, inclusive, aplica a inversão do ônus daprova, pois o sistema é integrado com norma de reenvio. Isso quer dizer que vocêpode ter uma ACP discutindo o direito do idoso, com base no Estatuto do Idoso eaplicar o CDC. É para aplicar! Exatamente porque se trata do núcleo central doprocesso coletivo.

Como se isso não bastasse, e não basta, às vezes, o legislador tem disciplina

específica para algumas determinadas ações. Então, por exemplo, tem previsãosobre ACP no ECA, tem previsão no Estatuto do Idoso, no Estatuto da Cidade, na Leidos Deficientes, na Lei de Ação Popular, tem previsão na Lei de ImprobidadeAdministrativa. Então, gravitando como planetas ao redor do sol, que é a ACP e oCDC, o ECA, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Cidade, a Lei dos Deficientes, a Lei deAção Popular e a Lei de improbidade administrativa.

Estatuto Lei de Açãoda Cidade Popular

Estatuto ACP

do Idoso CDC

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Lei do Lei de ImprobidadeDeficientes Administrativa

O nosso legislador diz que além do núcleo, também é possível haver a

aplicação das normas específicas a respeito dos respectivos temas, de modo queesses diplomas constantemente vão trocar informações, permitindo-se, por exemplo,que na ação popular, aplique-se o CDC, que no Estatuto do Idosos aplique-se a Lei deACP.

Mais do que isso, nosso sistema diz que esse microssistema processual é ummicrossistema aberto. Isso significa que, além de se comunicar com o núcleo central,as leis também se comunicam entre si. E é assim que funciona o microssistemaprocessual coletivo. Há um núcleo central que se comunica com as demais leis dosistema e depois essas leis passam a se comunicar entre si. Esse é o sistemaprocessual aberto. Vou dar alguns exemplos, incluindo uma decisão dadarecentemente pelo STJ, invocando esse sistema processual aberto, esse sistema da

integratividade.

Reexame necessário – Condição de eficácia da sentença consistente nanecessidade de a sentença ser submetida a uma nova apreciação pelo tribunal. Nãoexiste previsão na LACP para reexame necessário. Consideremos uma ACP ambiental.Eu vou ao microssistema: vejo que não há regra sobre reexame necessário nem naLACP e nem no CDC. Eu vou passear pelo microssistema buscando se há essaprevisão. E, quando eu faço isso, automaticamente descubro que na LAP umdispositivo que estabelece que o reexame necessário é em favor do autor popular enão da Fazenda Pública. Qual a conclusão que o STJ chegou a partir desse raciocínio?Se a ACP é julgada improcedente, quem perde é a coletividade. Assim, por se tratar

de um microssistema e pelo fato de a previsão do reexame necessário não constar aLACP, eu vou aplicá-lo mesmo assim, buscando o seu fundamento de validade naLAP. Portanto, o STJ está entendendo que na ACP, mesmo sem previsão legal, aplica-se o modelo de reexame necessário da LAP.

Código de Processo Civil – Você não sentiu falta dele no microssistemaaberto? O CPC NÃO compõe o microssistema processual coletivo. E se é assim, elenão tem aplicação integrativa. No caso do processo coletivo, a aplicação do CPC éapenas subsidiária. O CPC é só se faltar, se não tiver nada. Só depois que eu passarpor todas as leis, se não houver previsão, aí, sim, eu vou ao CPC.

  4.10. Princípio da Adequada Representação ou do Controle Judicial daLegitimação Coletiva

Esse é o mais importante. Neste caso especifico, eu vou ditar porque esseponto é confuso e complexo. Eu peço que vocês compreendam o que eu vou explicare depois eu dito.

Isso é muito interessante! Para você entender como funciona essa coisa darepresentação adequada, você tem que entender como copiamos mal do sistemanorteamericano. No sistema norteamericano, de onde copiamos quase tudo, ecopiamos mal, funciona da seguinte forma: qualquer pessoa pode propor açãocoletiva nos EUA. Aqui, temos um rol predeterminado de pessoas que podem proporação coletiva. Lá, qualquer um pode fazer isso. Só que, em contrapartida, o sistemanorteamericano fala que o juiz é a pessoa que deve controlar se a pessoa representaadequadamente os interesses daquele grupo, daquela categoria. Você tem que

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entender que para uma pessoa entrar com uma ação coletiva ela tem que, nomínimo, ter condições de defender adequadamente aquele interesse que é de muitaspessoas. Então, o sistema norteamericano fala o seguinte: “juiz, qualquer pessoapode entrar com uma ação coletiva, mas você controla a representação.” E como se

verifica se a pessoa representa adequadamente os interesses que ela estápostulando na ação? Isso é feito lá da seguinte forma: checando se a pessoa temhistórico, antecedente, na defesa dos interesses sociais. Verifica também se a pessoafaz parte ou representa o grupo de prejudicados. Ela poderia ser uma vítima de umdano ou receber uma autorização de todas as vítimas do dano para querepresentasse a todas em juízo. Eles exigem que a pessoa tenha dinheiro. No sistemanorteamericano, se você não tem dinheiro, não entra com a ação. E processo coletivoé extremamente caro. E o juiz verifica, ainda, se o advogado é especializado emprocesso coletivo. Ou seja, o juiz faz um controle rigoroso da adequadarepresentação. Se o autor da ação representa adequadamente os interesses daquelacoletiva.

 Tem um filme com a Julia Roberts que trata disso: “Erin Brockovich – Umamulher de talento”. A história é de uma maluquinha, que bate no carro de umadvogado e pede emprego para o cara, em vez de pagar o dano do carro dele. Aí ocara dá o emprego para ela e ela começa a levantar a questão de umas pessoas quetomavam uma água que era cancerígena. O fato é que ela começa a angariar aconfiança da comunidade e as pessoas passam a querer que ela represente osinteresses daquela coletividade. O filme quase que acaba numa audiência (audiênciade certification), em que o juiz basicamente diz: “eu aceito que ela representeadequadamente os interesses daquela categoria”. A coisa foi confusa porque ela nãotinha dinheiro para pagar o processo coletivo. E no final, acaba com um acordo.Quando a ela foi reconhecida a adequada representação, no final, as vítimas foram

indenizadas. Esse é o raciocínio lá.No Brasil, vamos ter um sistema diferente. Não é qualquer pessoa que pode

entrar com a ação coletiva. A ação popular tem um objeto muito específico, mas nocaso da ACP, os únicos legitimados são os do art. 5º, da lei:

 Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (  Alterado pela L-011.448-2007 )

I - o Ministério Público; (  Alterado pela L-011.448-2007 )

II - a Defensoria Pública; (  Alterado pela L-011.448-2007

 

 )

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios; (  Acrescentado pela L-011.448-2007

 

 )IV  - a autarquia, empresa pública, fundação ou

sociedade de economia mista; (  Acrescentado pela L-011.448-2007

 

 )V  - a associação que, concomitantemente:

(  Acrescentado pela L-011.448-2007

 

 )a ) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos

termos da lei civil;b ) inclua, entre suas finalidades institucionais, a

 proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem

econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico.

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Esses são os que podem propor ação coletiva no Brasil. Portanto, a adequadarepresentação foi presumida pela lei. Não é o juiz que controla. É a lei que diz quemsão as pessoas que representam adequadamente os interesses. No Brasil, portanto,ninguém nega que o nosso sistema adotou o sistema da adequada representação

presumida porque a lei já fala que mesmo que o promotor, mesmo que o defensor jamais tenha ajuizado uma ação coletiva na vida, mesmo assim, a lei diz que ele temcapacidade para ajuizar.

A grande discussão que há aqui, portanto, é se o juiz pode, no caso concreto,controlar? Apesar da previsão legal, o juiz poderia, no caso concreto, controlar ou nãopoderia controlar? Existem duas correntes absolutamente separadas e sobre elas, euvou falar, depois de ditar essa parte inicial:

“Diversamente do sistema da “class action” do direito norteamericano, noBrasil, nosso legislador presumiu que os legitimados para a propositura das açõescoletivas (art. 5.º, da LACP) representam adequadamente os interessesmetaindividuais em debate. A grande discussão, entretanto, que há na doutrinabrasileira, é se além do controle legislativo do tema também há controle judicialsobre a representação adequada, de modo a permitir ao juiz o reconhecimento dailegitimidade com base na falta de representação.” 

São duas posições:

1ª Corrente: Néri, entre outros. Estabelece que, salvo para asassociações, não é possível controle judicial. Para ele, então, o controle darepresentação adequada é ope legis. É o legislador que define se o juiz controla ounão a representação adequada. E não o juiz do caso. Por que a associação fica de

fora? É que quando o legislador fala da associação, que pode ajuizar a ACP, ele colocaque pode ajuizar, desde que estejam em funcionamento há mais de um ano e estejaentre suas finalidades, a proteção do bem jurídico tutelado, ou seja, Néri estabeleceque, para as associações, há a tal da pertinência temática. E, neste caso, o juizpoderia controlar a associação com base no tema. Então, só no caso da associação.Nos demais casos, o juiz não teria como controlar.

Vou dar um exemplo extremado para você entender a controvérsia: o GreanPeace entrou com uma ACP e ele só pode entrar com ACP para discutir meioambiente porque a tutela dessa associação é o meio ambiente. O IDEC, Instituto deDefesa do Consumidor, só pode entrar com ACP de defesa do consumidor porque,para a associação, o juiz pode fazer o controle com base na própria lei. Se a

defensoria entrar com uma ação para discutir a alíquota de importação de umaFerrari (esse é o exemplo extremado), de acordo com Néri, o juiz não pode controlaressa representação porque o legislador presumiu que se o defensor entendeu que eletem que atuar aqui, não compete ao juiz se imiscuir aqui. A defensoria pública podeatuar em todas as ACP’s que quiser, sem sofrer controle por parte do Judiciário.

2ª Corrente: Ada Pellegrini – Para ela, sem prejuízo do controlelegislativo, também é possível o controle judicial da representação de todos oslegitimados. Não só da associação. Para ela, o controle da representação não é sóope legis, mas também ope litis. Não importa que o legislador já tenha previsto quempode propor a ação civil pública. Além do legislador ter previsto, e é uma presunção

de que aquele legitimado representa adequadamente os interesses do grupo, dacategoria, o que o juiz poderia fazer? No caso concreto, ele poderia rever, reapreciarse naquele caso concreto específico, quem entrou com a ação representa ou não os

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interesses daquela coletividade. Atenção, porque agora é a ligação do raciocínio: qualseria o critério que o juiz usaria para fazer o controle dessa representação? Nos EUA,há muitos critérios, como vimos. Mas qual seria o critério, dentro dessa segundaposição, o critério para controle? Seria a finalidade institucional e pertinência

temática do autor. O juiz faria o controle da finalidade institucional e dapertinência temática do autor.

Vamos traduzir. O art. 127, da CF, estabelece qual é a finalidade institucionaldo MP:

 Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis.

O que interessa aqui é atentar para o fato de o MP tutelar a defesa dosinteresses sociais e individuais indisponíveis, que interessam a toda sociedade, ou osinteresses individuais que, pelo fato de serem indisponíveis, merecem uma atençãoespecial por um órgão do Estado.

Isso quer dizer que se você adotar a primeira posição, quem decide quandoatua ou não é o MP e o juiz não tem controle nenhum. Se você adotar a segundaposição, quem decide é o MP, mas sem prejuízo de o MP fazer o juízo sobre se eledeve ou não atuar, o próprio juiz também poderia fazer esse controle.

Esses casos são altamente complexos, mas vou dar um exemplo extremado

para você entender: Você tem uma empresa de TV a cabo que tirou da grade umcanal de 100 canais que disponibilizava. O MP entrou com uma ação para obrigar aempresa a devolver o dinheiro correspondente àquele canal para todos osconsumidores. O MP tem legitimidade? Pela primeira corrente, tem e não compete ao

 juiz achar que não tem porque é o MP que decide isso. Se você adotar a segundaposição, você vai falar que o juiz no caso concreto vai avaliar se tem ou não. Os quedizem que o MP tem legitimidade, sustentam que quando há um número muitogrande de lesados, o interesse acaba sendo social. Eu discordo. Diria que não tem,porque esse tipo de direito (canal de TV a cabo) não é indisponível, é meramentepatrimonial e não atinge nem 1% da população porque é uma minoria que tem TV acabo. Consequentemente, o interesse não seria social. Tem que pensarprincipiologicamente. Mas tem interesse do consumidor. Nesse caso, que a

associação dos usuários de TV a cabo que deve ter por aí em algum canto queingresse com a ação.

Lembra do exemplo da Defensoria Pública? Sua finalidade institucional está noart. 134, da CF:

 Art. 134 - A Defensoria Pública é instituiçãoessencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhea orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dosnecessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.

Ou seja, a finalidade institucional é a defesa dos hipossuficientes em qualquergrau. No caso da Ferrari: pela primeira posição, o juiz não poderia controlar. Pelasegunda posição, o juiz poderia dizer: você não representa adequadamente os

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interesses dessa categoria. Seria o caso de chamar outro legitimado para defender.Não há posição dominante. Mas havendo dúvida, reconheça que há legitimidade parao ajuizamento porque, afinal de contas, se trata de interesse metaindividual e quemerece um tratamento especial do sistema.

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