001_curso ciência e espiritismo

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Curso Cincia & EspiritismoAlexandre Fontes da Fonseca Brasil Em comemorao aos 12 anos do GEAE

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ndiceTexto Introdutrio...................................................................................................3 Aula 1: Introduo e Conceito de Cincia.................................................................5 Aula 2: O Mtodo Cientfico e um pouco mais sobre Cincia.....................................8 Aula 3: A Cincia Esprita e a divulgao dos trabalhos cientficos.........................11 Aula 4: Tpicos de pesquisa multidisciplinar entre algumas Cincias e o Espiritismo. - O mtodo de anlise por pares.........................................................14 Aula 5: Contribuies da Matemtica. Peridicos espritas.....................................17 Aula 6: Fsica e Espiritismo I: propriedades da matria. A diferena entre livros e artigos...................................................................................................................20 Aula 7: Fsica e Espiritismo II: energia e matria. Referncias cientficas na pesquisa esprita....................................................................................................23 Aula 8: Fsica e Espiritismo III: Anlise dos Fenmenos Espritas. Exemplos de pesquisas com valor cientfico...............................................................................26 Aula 9: Fsica e Espiritismo IV: Fenmenos Espritas: clssicos ou qunticos?.......29 Aula 10: Fsica e Espiritismo V: Deus, Esprito e funo de onda............................32 Aula 11: Comprovao cientfica versus caracterstica cientfica............................36 Aula 12: Fsica e Espiritismo VI: consideraes finais............................................39 Aula 13: O Espiritismo e a Universidade.................................................................43 Aula 14: O que um Projeto de Pesquisa?.............................................................47 Aula 15: Exemplo de Projeto de Pesquisa Esprita.................................................51 Aula 16: O Estudo e a Orientao no trabalho de pesquisa esprita........................54 Aula 17: O Laboratrio da Pesquisa Esprita...........................................................57 Aula 18 - Concluses Finais....................................................................................60

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Texto Introdutrio Ademir Xavier Jr. - Editor GEAE Seja por constituir um objeto de grande interesse do pblico, seja pelo sua ampla notoriedade frente aos novos desenvolvimentos da civilizao, a Cincia provocou, certo, uma profunda revoluo na histria da humanidade. A histria diz que acontecimentos como a revoluo industrial e as guerras recentes tiveram como arcabouo o lento porm profundo desenvolvimento das disciplinas cientficas. O impacto das cincias com consequncias tecnolgicas foi decisivo para a estrutura econmica contempornea, criando uma fissura de origem nitidamente tcnica entre pases ricos e pobres. "Pases em desenvolvimento" esforam-se por se livrar de seu passado menos desenvolvido, buscando polticas pblicas de fomento pesquisa e o desenvolvimento tecnolgico. Nesse panorama em que a Cincia substituiu a religio em muitos aspectos do dia-a-dia moderno, existe alguma receita para se ter boa cincia? Como se d o processo de gerao de conhecimento genuinamente cientfico? Como se distingue uma disciplina em seus aspectos cientficos, e quem responsvel por essa distino? A parte do interesse geral que respostas a essas questes podem ter, surge tambm naturalmente dvidas, na mente de muitos espritas, sobre a estruturao cientfica da Doutrina Esprita. H um consenso geral de que o Espiritismo deva se curvar (embora no implicando se modificar) frente a novas descobertas e teorias da Cincia, embora no se saiba muito bem como isso deva acontecer. H muitos espritas que apressadamente propem uma "reviso" dos fundamentos ou de partes secundrias da doutrina, embasando-se em aparentes justificativas fundamentadas em novas teorias cientficas. Tal situao cria climas de conflitos sem justificativa, quando as tenses aparecem por falta de conhecimento das sutilezas do processo de desenvolvimento da cincia e de sua prpria conceituao. para dirimir essas dvidas e esclarecer os aspectos verdadeiramente cientficos do Espiritismo que os textos do Alexandre foram escritos. Partindo da experincia adquirida em seu treinamento em fsica, que uma das cincias de maior prestgio na atualidade e que maior influncia teve sobre o desenvolvimento de vrios campos do conhecimento (inclusive sobre psicologia moderna), feita uma descrio do modo de operao e desenvolvimento dessa cincia. Uma definio suficientemente ampla de cincia difcil de ser concebida em poucas linhas, mas podemos ter uma boa ideia do que fazer cincia fsica genuinamente por uma descrio detalhada do processo de pesquisa em fsica, o que muito mais simples. Parte-se, ento, a partir de um paralelo com os estudos espritas para a concluso nitidamente kardequiana de que o Espiritismo uma cincia genuna, embora o objeto de estudo dessa cincia no seja da mesma natureza que o de outras cincias materiais. A distino entre objetos de estudo crucial para se compreender bem que, longe de querer modificar o Espiritismo ou de pretender que ele dispute com a Fsica ou disciplinas correlacionadas um status de igualdade, devemos compreend-lo como o grande complemento a uma viso unificada das coisas ao nosso redor, onde matria e esprito so os grandes constituintes. Desta forma, no necessrio que a Fsica desvende as ltimas dimenses da matria e encontre o esprito para que o Espiritismo tenha reconhecimento, pois esse valor, independentemente do reconhecimento, ele j o tem. Muito menos precisa a Doutrina Esprita se torcer para incluir entre seus postulados determinadas descobertas recentes, posto que tais descobertas so feitas sobre objetos do munto material que no coincidem com os objetos de estudo da Doutrina Esprita, alm do carter quase sempre transitrio das teorias construdas em torno dessas pesquisas. prejudicial ao desenvolvimento natural da Doutrina Esprita como cincia querer fundi-la com qualquer teoria fsica justamente porque essas teorias fsicas se alteram dia-a-dia, alm de versarem sobre objetos que tem pouca relao com o interesse principal da pesquisa esprita. Aps ler os textos do Alexandre passamos a compreender que todo esprita deve reconhecer nos progressos das cincias (no importando a origem deles, seja em novas descobertas nucleares ou no desvendamento do mecanismo dos genes) um avano na direo oposta ignorncia. Embora o desenvolvimento cientfico no se prenda, em princpio, aplicaes eticamente corretas, devemos entender que todo desenvolvimento assim para o

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bem, uma vez que as sementes desses desenvolvimentos sero utilizadas no futuro para facilitar ou amenizar nossas dificuldades materiais, alm das possibilidades sempre presente de se fazer o bem com tais descobertas. Os que se impressionam com essas novas descobertas no tem razo assim para maiores temores: assim como o Espiritismo, a Cincia caminha em direo verdade, fonte de toda libertao. (Artigo extrado do GEAE - Boletim 483)

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Aula 1: Introduo e Conceito de Cincia 1. INTRODUO Podemos dizer que o interesse do movimento esprita por questes cientficas to antigo quanto a prpria doutrina esprita. No Brasil, isso fato comum como se pode verificar atravs das datas das primeiras edies de algumas publicaes como, por exemplo, as obras do nosso irmo Hernani G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Esprito (1958) [1] e Novos Rumos Experimentao Espirtica (1960) [2]. O nmero de publicaes, em livros e revistas, sobre questes cientficas ligadas ou aplicadas ao Espiritismo bastante expressivo nos dias de hoje. Determinados avanos cientficos como, por exemplo, as teorias modernas da Fsica e as pesquisas na rea de Biologia, como a lei de evoluo de Darwin, o projeto Genoma e as experincias com a clonagem de animais, despertam o interesse pois esses temas parecem ter alguma conexo, de um jeito ou de outro, com algumas questes espritas relacionadas interface esprito-matria. A maioria dos espritas, como a maioria das pessoas em geral, no possui formao profissional em Cincia. Isso dificulta o uso da ferramenta do bom senso na anlise de ideias e propostas de carter cientfico para os conceitos espritas, originadas de irmos desencarnados ou, mesmo, encarnados. Mesmo sabendo que prefervel rejeitar 10 verdades do que aceitar uma s mentira [3], os espritas ficam sem jeito de questionar algumas ideias, mesmo aquelas muito difceis, seja de um esprito cujo nome retm enorme respeito, seja de um irmo encarnado que possui ttulos universitrios ou respeito no movimento esprita. Muitos preferem evitar o ato de questionar para evitar melindres e ofensas j que ns espritas, muitas vezes, consideramos pessoal uma crtica alguma de nossas ideias. No entanto, essa postura um engano que pode gerar inconvenientes ainda mais srios, cedo ou tarde, para o movimento esprita. O progresso exige que tenhamos o entendimento daquilo que nos chega atravs do intelecto, e quando no podemos alcanar esse entendimento com relao a determinados assuntos, a prudncia orienta que aguardemos o futuro antes de lhes dar crdito. perfeitamente possvel compreender que crticas a quaisquer ideias esto longe de representar uma ofensa ao autor das mesmas. O dilogo sobre Cincia e Espiritismo, que vem sendo apresentado em partes no Boletim de GEAE (N. de 476 a 482) nos levou a uma percepo de que mesmo entre cientistas profissionais existem diferenas em suas opinies e pontos de vista com relao questo sobre como a Cincia se insere e contribui com o Espiritismo e vice-versa, isto , como o Espiritismo, em seu aspecto cientfico, se coloca diante da Cincia e das vrias cincias. As ideias suscitadas no dilogo acima mencionado e a necessidade de nos munirmos com mais ferramentas para a verificao do critrio do bom-senso ensinado por Kardec para com todo o contedo esprita que vem sendo divulgado como cientfico, motivaram o conselho editorial do GEAE a propor-nos a preparao de um conjunto de artigos sobre ao assunto. Iremos, talvez exageradamente, chamar esses artigos de aulas sobre Cincia e Espiritismo e o objetivo principal iniciar uma ampla discusso e orientao com e para os leitores do Boletim do GEAE, sobre questes atuais como: o que cincia; o que Fsica; como o Espiritismo se insere no aspecto cientfico; o que ou como as cincias, como a Fsica, podem contribuir para o desenvolvimento ou entendimento de determinados conceitos espritas; como se produz o conhecimento dito cientfico e que critrios e mtodos existem para analisar se um artigo cientfico vlido ou no; etc. Assim, perguntas, dvidas e comentrios sobre o assunto podem ser enviados a qualquer momento. Mais ou menos a cada trs aulas (dependendo do nmero de perguntas) uma aula de dvidas ser preparada para respond-las. Neste curso buscaremos abordar no apenas algumas definies presentes na literatura esprita sobre aspectos filosficos da cincia, mas tambm oferecer um ponto de vista do dia-a-dia profissional deste autor sobre a prtica de pesquisa e cincia. Discutiremos algumas orientaes bsicas para a realizao de pesquisas espritas, tericas ou prticas, de forma sria e consistente.

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Enfatizamos que estes apontamentos no so absolutos sobre o assunto. Comentrios, crticas e sugestes sero sempre bem vindos. 2. CONCEITO DE CINCIA O conceito de cincia no algo simples que possa ser apresentado com uma ou duas frases. Essa palavra traz mltiplos significados que, em conjunto, refletem a prtica e o produto da atividade dita cientfica. Um dos autores que, ao nosso ver, melhor contribuiu no entendimento desse aspecto e sua relao com o Espiritismo o Prof. Silvio S. Chibeni. Recomendamos fortemente a leitura e o estudo de seus trabalhos. Ao falar do aspecto filosfico do Espiritismo, Chibeni [4] comenta que o que hoje chamamos de cincia est historicamente ligado ao que se entendia de filosofia nos primeiros tempos da nossa cultura ocidental. Em outras palavras, a filosofia significa a busca da verdade[5]. E Chibeni, atravs dos conhecimentos filosficos modernos, j h mais de 10 anos, analisou e discutiu a ideia de Cincia Esprita [6]. No nossa inteno repetir aqui sua anlise e argumentao mas sim apresentar um resumo dos pontos principais. O leitor encontrar nas respostas dadas pelo Prof. Ademir Xavier (Boletins ns. 476 a 482) esse aspecto do conceito de cincia. Os cientistas, em geral, possuem vises particulares que diferem desta anlise. Mas j existe algum consenso dentre vrios irmos espritas (que so cientistas) de que essa anlise legtima. Uma viso leiga e antiga de cincia diz que a atividade cientfica compreende os seguintes passos: i) extensa observao dos fatos e aquisies de dados experimentais; ii) anlise dos dados e a obteno de leis gerais; iii) testes experimentais e controlados destas leis gerais atravs de novas observaes e experimentos. Apesar da atividade cientfica envolver esses trs itens, a ordem pela qual eles ocorrem est longe de ser a que apresentamos acima. Os filsofos, ao analisarem como os cientistas trabalham, perceberam que impossvel observar os fatos sem ter uma hiptese ou ideia prconcebida. Isto significa que o item (ii) sempre anda de mos dadas com o item (i) quando no vai a frente como, por exemplo, em algumas descobertas importantes na rea de Fsica de partculas. Por exemplo, a previso da existncia do psitron (anti-partcula associada ao eltron), foi realizada anos antes de sua descoberta experimental. Um aspecto muito interessante ressaltado por Chibeni [6] e Xavier Jr. [7] que a atividade cientfica envolve uma grande dose de criatividade. No existe um mtodo geral para se obter uma teoria a partir apenas da observao dos fatos. Se isso fosse possvel, os cientistas perderiam o emprego uma vez que bastaria programar um computador para seguir tal mtodo. Portanto, cincia uma atividade humana que envolve o uso da imaginao tanto na proposio de leis e teorias quanto na preparao de ferramentas experimentais ou observacionais para a verificao dos fatos ou da realidade. O desenvolvimento daquilo que chamamos mtodo cientfico tambm faz parte dessa criatividade. Lembremos que Kardec criou um mtodo para a anlise das mensagens medinicas. Podemos dizer que a funo bsica do mtodo cientfico ajudar os cientistas a selecionarem, dentre as mil e uma ideias que passam pelas suas cabeas, aquelas que sejam as mais simples e eficazes para a explicao das leis bsicas que esto por trs dos fenmenos. Discutiremos mais a respeito do mtodo cientfico na prxima aula. Os estudiosos da Filosofia da Cincia perceberam que todas as disciplinas cientficas possuem determinadas caractersticas que independem da disciplina em si. Essas caractersticas que definem o adjetivo cientfico de cada disciplina, envolvem a existncia de um ncleo terico principal ou conjunto de hipteses principais (os fundamentos e leis bsicas da disciplina cientfica). Este ncleo possui sua volta um conjunto de hipteses auxiliares que complementam e fazem o contacto ou a conexo entre os dados experimentais ou fatos observados e o ncleo terico principal. Essa estrutura , ainda, acompanhada de regras mais ou menos explcitas que norteiam o desenvolvimento da disciplina. Uma parte dessas regras, ditas negativas garante que o ncleo principal nunca deve ser alterado. As discrepncias devero ser resolvidas atravs de ajustes nas partes no centrais, isto , dentro do conjunto de hipteses auxiliares. O conjunto de regras positivas orientam sobre como e onde essas correes devero ocorrer. A esse conjunto de hipteses principais ou ncleo terico principal chamamos de paradigma da disciplina cientfica.

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Com base nestes aspectos filosficos sobre o que uma cincia, Chibeni[6] conclui que o Espiritismo uma verdadeira disciplina cientfica. E isso um fato independente das outras disciplinas cientficas ortodoxas mais conhecidas como a Fsica, a Qumica e a Biologia. Em outras palavras, o aspecto cientfico do Espiritismo no depende dos conceitos das outras cincias. Alm das referncias abaixo, os leitores so referidos aos comentrios do Ademir Xavier Jr. no dilogo sobre Cincia e Espiritismo, publicados nos boletins ns. de 476 a 482 e aos artigos do Prof. Silvio S. Chibeni, referncias [4,5]. Na prxima aula, discutiremos o conceito de mtodo cientfico e como ele se relaciona com as definies de cincia acima e com o Espiritismo.

Referncias [1] H. G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Esprito, Editado pelo autor, (1958). [2] H. G. Andrade, Novos Rumos Experimentao Perispritica, Editado pelo autor (1960). [3] Erasto (Esprito desencarnado), Revista Esprita 8, p. 257, (1861). [4] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu trplice aspecto Parte II 2003, Reformador Setembro, pp. 38-41. [5] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu trplice aspecto Parte I 2003, Reformador Agosto, pp. 39-41. [6]S. S. Chibeni, Cincia Esprita 1991, Revista Internacional de Espiritismo Maro, pp.45-52. [7] A. Xavier Junior, Como se deve entender a relao entre o Espiritismo e a Cincia 2004, Boletim do GEAE 472. (Artigo extrado do GEAE - Boletim 483)

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Aula 2: O Mtodo Cientfico e um pouco mais sobre Cincia 1. MTODO CIENTFICO Todas as atividades na vida requerem mtodos para a sua execuo. Desde o simples ato de respirar aos mais complexos mecanismos de produo em uma indstria, utilizam mtodos de execuo. Como no poderia deixar de ser, a prtica cientfica requer a definio de mtodos especficos tanto para o estudo bsico de uma disciplina cientfica (mtodos pedaggicos) quanto para o desenvolvimento, propriamente dito, do conhecimento cientfico. sobre este ltimo tipo de mtodo que vamos discutir nesta aula. A expresso mtodo cientfico se refere, portanto, ao conjunto de orientaes e passos pelos quais uma pesquisa cientfica deve passar para que seus resultados sejam vlidos. O mtodo cientfico envolve o uso de ferramentas especiais que, muitas vezes, s servem para as pesquisas em uma nica disciplina cientfica ou em uma nica rea especfica dentro dela. Essas ferramentas que compem o mtodo cientfico de cada cincia so definidas pelo paradigma ou ncleo terico central (ver aula anterior) da mesma. Por exemplo, em Fsica, os desenvolvimentos tericos devem seguir com muita fidelidade as propriedades e leis matemticas. Em Biologia, eles devem seguir os conceitos e funes biolgicas j estudados anteriormente. As experincias devem ser criadas e preparadas de modo a garantir que os efeitos observados s dependam das causas mais relevantes que esto sendo estudadas. Enfatizamos que so os paradigmas que determinaro as causas mais relevantes para cada fenmeno. Desta forma, percebemos que no existe uma receita de bolo para o mtodo cientfico. No existe um nico mtodo que seja vlido e aplicvel a todo e qualquer fenmeno ou todo e qualquer problema terico de qualquer cincia. Mas o que comum a todos os casos a necessidade de seguir-se um mtodo que garanta, qualifique e/ou quantifique a validade do resultado do trabalho de pesquisa. Atribui-se ao mtodo cientfico a funo de fornecer o nvel de exatido ou de impreciso (dependendo do caso) dos resultados das pesquisas. essa informao que torna o resultado da pesquisa vlido, aplicvel ou til dentro de determinados limites (tambm em acordo com o paradigma da cincia). A diferena entre a mera especulao intelectual e um resultado verdadeiramente cientfico que o segundo foi obtido aplicando-se um mtodo cientfico na sua anlise e desenvolvimento. Como dito na aula anterior, a criatividade gera ideias que so, ento, especulaes intelectuais. Quando se usam as ferramentas do mtodo cientfico da respectiva rea do conhecimento para estudar e desenvolver essas especulaes, os resultados da pesquisa se tornam cientficos. O que no pode acontecer considerar ideias iniciais como verdades cientficas mesmo que elas se refiram a temas cientficos. Allan Kardec definiu um mtodo que claramente merece o adjetivo cientfico, para anlise das mensagens provindas do plano superior. Elas visam garantir que o contedo das mesmas tenha validade e utilidade. Primeiramente, devemos aplicar o bom senso para ver se o contedo fere princpios bsicos conhecidos sobre a moral, os costumes, a cincia e a natureza. Em seguida, nos casos onde o contedo no pode ser avaliado por nossos conhecimentos, deve-se aplicar o consenso universal dos espritos que diz que Uma s garantia sria existe para o ensino dos Espritos: a concordncia que haja entre as revelaes que eles faam espontaneamente, servindo-se de grande nmero de mdiuns estranhos uns aos outros e em vrios lugares. (Item II da Introduo do Evangelho Segundo o Espiritismo [1]. Fonte em itlico original). Toda a codificao esprita teve base na aplicao destes dois mtodos. J dissemos que uma funo do mtodo cientfico atribuir valores aos resultados. Existe um consenso de que toda teoria deve ser verificada atravs dos fatos, mesmo que essa verificao se d em acordo com os princpios do ncleo terico central ou paradigma da disciplina cientfica. Nesse aspecto, Kardec foi claro (item VII da Introduo de O Livro dos Espritos [2]): Desde que a Cincia sai da observao material dos fatos, em se tratando de os apreciar e explicar, o campo est aberto s conjeturas. Cada um arquiteta o seu sistemazinho, disposto a sustent-lo com fervor, para faz-lo prevalecer. No vemos todos os dias as mais opostas opinies serem alternativamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas

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como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades incontestveis? Os fatos, eis o verdadeiro critrio dos nossos juzos, o argumento sem rplica. Na ausncia dos fatos, a dvida se justifica no homem ponderado. (grifos nossos). Portanto, a verificao das teorias atravs dos fatos, sejam eles provocados atravs de experimentos controlados ou, simplesmente, observados na natureza, faz parte daquilo que chamamos de mtodo cientfico. Abaixo discutiremos alguns outros aspectos sobre cincia e sobre como se define o mtodo cientfico no caso de uma pesquisa dita interdisciplinar, isto , que envolve objetos de estudo que pertencem, ao mesmo tempo, a mais de uma disciplina cientfica. 2. UM POUCO MAIS SOBRE CINCIA A estrutura de uma disciplina cientfica, apresentada na aula passada, composta por um ncleo terico central, um conjunto de hipteses auxiliares que fazem a ponte entre o ncleo central e os fatos e um conjunto de regras negativas e positivas que mantm o processo em desenvolvimento, constitui aquilo que Imre Lakatos (filsofo da cincia) designou como sendo um programa cientfico de pesquisa[3]. Segundo Chibeni a exigncia fundamental de um programa cientfico de pesquisa que a sua estrutura terica fornea previses corretas para novos e diferentes fatos. Que diramos de um servio de meteorologia que no acertasse uma de suas previses ou se as pontes cassem na passagem do primeiro automvel? No mnimo diramos que a Meteorologia e a Engenharia no so cincias! Ainda bem que ambas so, de fato, nobres cincias cujo desenvolvimento tem oferecido mais conforto em nossas vidas. Uma boa teoria cientfica deve possuir, portanto, as seguintes caractersticas[3]: i) consistncia a teoria no pode conter contradies; ii) coerncia a teoria deve possuir princpios que se apoiam mutuamente; e iii) abrangncia a teoria deve explicar o maior nmero de fenmenos possveis dentro do conjunto de objetos estudados pela disciplina cientfica. A funo do mtodo cientfico, portanto, assegurar que essas trs condies so satisfeitas em qualquer trabalho de pesquisa cientfico. O nvel de desenvolvimento atingido pelas disciplinas cientficas aliado descoberta ou percepo de que muitos fenmenos da natureza possuem caractersticas e propriedades pertencentes a mais de uma disciplina, esto incentivando o desenvolvimento de projetos de pesquisa interdisciplinares ou multidisciplinares, isto , que envolvem mais do que uma disciplina cientfica. Pesquisas sobre a vida, sobre novos materiais e sobre questes de ordem social e econmica, por exemplo, so exemplos de temas multidisciplinares. Nesses casos o mtodo cientfico que trar informao sobre a validade dessas pesquisas incluir mtodos especficos de todas as disciplinas cientficas envolvidas. O aspecto coerncia deve ser satisfeito. Se, por exemplo, em uma pesquisa sobre a estrutura da molcula do DNA que envolve, ao mesmo tempo, Fsica, Qumica, Matemtica e Biologia, culminar com um resultado que contradiz os princpios biolgicos, por exemplo, esse resultado no ter valor pois estar incoerente com o ncleo central de uma das disciplinas cientficas bsicas. Desta forma, os rigores dos mtodos de pesquisa de todas as disciplinas envolvidas devem ser aplicados de modo a obter-se resultados que sejam vlidos em todas as reas envolvidas. Qualquer projeto de pesquisa esprita, ou de interesse esprita, terico ou prtico, que envolva conceitos e ideias provenientes de outras disciplinas cientficas (como a Fsica que, ultimamente, est na moda) tem, por definio do conceito de cincia, que satisfazer aos paradigmas ou ncleos centrais de cada uma delas, incluindo os da cincia esprita. imprescindvel aplicar-se os rigores dos mtodos de pesquisa, ou mtodos cientficos, de cada disciplina cientfica e do Espiritismo, de forma coerente e consistente de modo a produzir-se um resultado que tenha validade ou utilidade. Isso distingue a mera especulao de um verdadeiro resultado cientfico. importante lembrar que o trabalho de Kardec seguiu todos esses rigores. Kardec, diante dos fenmenos das mesas girantes, primeiro analisou o problema sob a luz dos conhecimentos cientficos de sua poca, aplicando os rigores pertinentes ao fenmeno. Somente depois de verificar que o fenmeno apresentava uma realidade espiritual por detrs, que Kardec mudou o rumo de suas pesquisas. Alm disso, Kardec, de forma muito sbia e cientfica, no props, com base na cincia de sua poca, teorias para determinados tpicos espritas como, por exemplo, a constituio ntima da substncia que compe o perisprito. Neste caso, importante mencionar que Kardec no teria como verificar

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nenhuma proposta desse tipo experimentalmente ou atravs da observao de fatos. O mximo que Kardec fez foi emprestar dos conhecimentos cientficos de sua poca alguma terminologia ao usar, por exemplo, a palavra fluidos em analogia quilo que se acreditava existir para a eletricidade e o magnetismo. Na prxima aula, comearemos a falar sobre algumas propostas de pesquisa cientfica dentro, apenas, dos paradigmas do Espiritismo ou da Cincia Esprita. Falaremos ainda sobre como os trabalhos de pesquisa cientfica so analisados antes de serem divulgados para a comunidade cientfica. Discutiremos um pouco mais sobre a ideia de comprovao cientfica de algum conceito ou resultado novo.

Referncias [1] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112a. Edio (1996). [2] A. Kardec, O Livro dos Espritos, Editora FEB, 76a. Edio, (1995). [3] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu trplice aspecto Parte II 2003, Reformador Setembro, pp. 38-41. (Artigo extrado do GEAE - Boletim 484)

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Aula 3: A Cincia Esprita e a divulgao dos trabalhos cientficos 1. CINCIA ESPRITA Nas aulas anteriores, falamos sobre os conceitos bsicos que definem uma cincia e sua forma de trabalho e desenvolvimento. Vimos o que e para que serve o mtodo cientfico e discutimos como ele deve ser considerado em pesquisas de carter multidisciplinar. No entanto, comum enxergar valor cientfico apenas em textos que contm conceitos e anlises oriundos de outras cincias como a Fsica, a Qumica ou a Biologia, por exemplo. Imagina-se, equivocadamente, que um trabalho s cientfico se conter termos e conceitos modernos, tcnicos ou cientficos e alguns pensam que para ressaltar o valor cientfico e a atualidade da Doutrina dos Espritos, preciso fazer o mesmo. Com base nas aulas anteriores, compreendemos que o Espiritismo uma cincia legtima, no necessitando do emprego de conceitos de outras disciplinas cientficas. Nesta aula, conversaremos sobre como produzir conhecimento de valor cientfico trabalhando, apenas, dentro do paradigma esprita. Em O Livro dos Espritos [1], encontramos o ncleo terico central do Espiritismo [2]. Como diz Chibeni, o estudo dessa obra revela a adequao da teoria com os fatos, sua consistncia e seu alto grau de coeso e simplicidade, bem como a amplitude de seu escopo. Retiramos do artigo da referncia [3] as seguintes sugestes de reas de investigao espritas: 1. Evoluo do esprito: o elemento espiritual dos seres dos reinos inferiores; origem dos espritos humanos; encarnao e reencarnao; pluralidade dos mundos habitados. 2. O mundo espiritual. 3. Interao esprito-corpo: perisprito, efeitos psicossomticos, mediunidade. 4. Implicaes morais (uma rea cientfica e filosfica): livre-arbtrio, lei de causa e efeito. Esses itens so exemplos de grandes temas de estudo que podem ser analisados e pesquisados sem a necessidade de introduzirem-se conceitos e teorias de outras cincias. O estudo terico (anlise das obras espritas) e prtico (anlise dos fenmenos espritas), pode ser realizado sem a necessidade de usarmos conceitos de Fsica, Qumica ou Biologia. Isso no significa que no se pode estudar esses tpicos de forma multidisciplinar, isto , de forma conjunta com alguma outra cincia. Vamos discutir esse lado multidisciplinar da pesquisa esprita nas prximas aulas. Aqui, nossa nfase ser dizer que possvel fazer pesquisa cientfica de qualidade sem apelar para mtodos e terminologias de outras cincias. Um importante exemplo de trabalho de pesquisa esprita que merece o adjetivo cientfico, a obra de Hermnio C. Miranda, intitulada Dilogo Com as Sombras [4]. Nesta obra, o autor apresenta os resultados de suas vivncias e pesquisas em uma atividade genuinamente esprita: o esclarecimento de espritos em desequilbrio. Os estudos sobre a obsesso, o evangelho, os efeitos das influncias dos espritos sobre nossas vidas, etc. so tambm assuntos legtimos que so de enorme interesse para o Movimento Esprita. Como exemplo recente, no boletim do GEAE n. 484, Jader Sampaio apresentou uma cpia da assinatura de Lon Denis, para ser comparado com a psicografia de Divaldo P. Franco feita por ocasio do 4. Congresso Internacional de Espiritismo em Paris, 2004. Esse tipo de trabalho de pesquisa tem um valor cientfico muito grande pois contribui com um resultado positivo a favor da realidade da existncia e sobrevivncia da alma. Chibeni [3] ressalta que alm desses fenmenos espritas propriamente ditos, o Espiritismo se apoia em vrios fenmenos ordinrios relacionados ao nosso cotidiano como, por exemplo, os nossos sentimentos, os acontecimentos marcantes da vida, sonhos, efeitos psicossomticos, etc. digno de nota a citao de alguns trabalhos que servem de referncia para o pesquisador esprita. So elas os pronturios das obras de Kardec [5] e de Andr Luiz [6], e outros menos conhecidos como um trabalho intitulado O Indicador de Joo Gonalves [7]. Alguns trabalhos de reviso, ou seja, de anlise de todos os estudos e pesquisas feitos at ento sobre um assunto, tambm merecem destaque onde temos como exemplos os livros Perisprito, do Prof. Zalmino Zimmermann [8], O Passe, do Sr. Jacob Melo [9] e Darwin e

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Kardec, Um Dilogo Possvel, (multidisciplinar) da Prof. Hebe Laghi de Souza [10]. Recentemente, foi publicada a obra Introduo Cincia Esprita, do Prof. Acio Chagas [11]. O leitor encontrar nessas obras um importante material de pesquisa e referncia bibliogrfica. Certamente, outras obras tambm merecem destaque mas a limitao de espao no permite que citemos todas. Devido grande nfase que o movimento esprita tem dado pesquisa multidisciplinar envolvendo o Espiritismo, as prximas aulas sero dedicadas anlise das condies para que os resultados desses estudos e pesquisas tenham valor cientfico, sem deixarem de satisfazer os critrios necessrios para serem espritas. 2. DIVULGAO DOS TRABALHOS CIENTFICOS Nesta aula vamos, ainda, introduzir o leitor questo sobre a forma pela qual os trabalhos cientficos so divulgados. Isto ocorre, em sua grande maioria, atravs dos peridicos cientficos. Nesse aspecto, como em outros, Allan Kardec demonstrou estar bem frente de seu tempo. Numa poca em que a cincia estava longe da organizao que possui hoje, alm de agir de forma cientfica no trabalho de codificao, Kardec props a criao da Revista Esprita que teve um grande papel na propagao do Espiritismo, na unificao dos grupos espritas e no desenvolvimento do conhecimento esprita. Os peridicos ditos cientficos so destinados publicao de artigos cientficos que alm de possurem um formato geral padronizado, seguem um mtodo de seleo para publicao que se constitui no corao da atividade de divulgao cientfica profissional. Discutiremos, em detalhes, essa metodologia de publicao e seus valores na prxima aula. Aqui, descreveremos as partes que compem um artigo cientfico: 1) Ttulo; 2) Autores; 3) Endereo ou afiliao dos autores; 4) Resumo; 5) Palavras chave; 6) Texto principal do artigo subdividido em: a) Introduo; b) Sees descritivas e c) Discusses ou Concluses finais; d) Apndice (quando necessrio); 7) Bibliografia ou Referncias. Veja abaixo uma curta explicao de cada parte: 1. Ttulo: Frase que apresenta o trabalho de pesquisa descrito no artigo. Deve ser, ao mesmo tempo, informativa e sucinta. 2. Autor(es): Nome e sobrenome de cada autor ou co-autor do artigo. A ordem dos autores pode refletir a importncia de cada um para o artigo, mas isso no regra geral. Pode-se abreviar os primeiros nomes. O ltimo sobrenome deve ser escrito por extenso. 3. Endereo ou Afiliao: O objetivo divulgar as instituies dos autores. Isso ajuda a valorizar os centros de pesquisas tornando-os internacionalmente conhecidos. 4. Resumo: Um pargrafo deve ser preparado com um resumo do trabalho de pesquisa apresentado no artigo, os mtodos empregados e as concluses principais. O objetivo fornecer informaes bsicas para os leitores discernirem se o artigo lhes interessa leitura. 5. Palavras chave: algumas expresses que definem o tpico de pesquisa a que se refere o artigo. Isso destinado classificao do artigo facilitando os servios de informao e busca cientfica. 6. Texto: Texto propriamente dito do artigo. 1. Introduo: A introduo deve apresentar um pequeno histrico das pesquisas sobre o assunto contendo sucessos e insucessos das pesquisas realizadas a respeito. Deve conter tambm as motivaes do trabalho. As referncias de cada pesquisa ou informao usadas na descrio acima devem ser feitas ao longo do texto e colocadas em sequncia no final do artigo. 2. Sees: Aps a introduo, sees contendo os dados medidos, a teoria bsica empregada, os clculos realizados, as novas equaes obtidas, as explicaes necessrias, etc. devem ser preparadas de forma clara e didtica. Figuras e tabelas que ilustram e mostram os resultados da pesquisa so, geralmente, colocadas nestas sees. 3. Discusso ou concluso: A anlise final do trabalho de pesquisa que est sendo divulgado no artigo deve ser feita e apresentada nesta ltima seo e

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consiste na apresentao dos resultados do mesmo dentro dos objetivos previstos pelos autores. 4. Apndice: Detalhes demasiadamente tcnicos que sobrecarregariam a leitura do artigo, mas que so necessrios para a avaliao do trabalho realizado. So colocados ao final, aps as concluses, antes das referncias. 7. Bibliografia ou Referncia: Uma lista com todos os artigos, livros e demais obras citadas ao longo do texto. Cada item da lista deve conter: nomes dos autores; nome do peridico (se for artigo), do livro ou da mdia onde a referncia foi publicada; dados sobre a editora e edio (para livros); nmero e volume (para peridicos); pginas e ano da publicao. Existem vrios padres para a formao desta lista como por ordem alfabtica (de sobrenomes) ou ordem numrica de citao ao longo do texto. Na prxima aula, iniciaremos a falar sobre os vrios tpicos cientficos que esto na fronteira com o Espiritismo e discutiremos o chamado mtodo de anlise por pares utilizado para avaliar cada artigo cientfico submetido para publicao.

Referncias [1] A. Kardec, O Livro dos Espritos, Editora FEB, 76a Edio (1995). [2] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu trplice aspecto Parte II 2003, Reformador Setembro, pp. 38-41. [3] S. S. Chibeni, Cincia Esprita 1991, Revista Internacional de Espiritismo Maro, pp. 45-52. [4] H. C. Miranda, Dilogo Com as Sombras, Teoria e Prtica da Doutrinao, Editora FEB, 8a Edio, (1994). [5] N. S. Pinheiro, Pronturio das obras de Allan Kardec, Editora Edicel, 2a. Edio (1998). [6] N. S. Pinheiro, Pronturio de Andr Luiz, Editora IDE (1998). [7] J. G. Filho, O Indicador, http://www.guia.heu.nom.br/joao_goncalves_filho.htm [8] Z. Zimmermann, O Perisprito, Editora Allan Kardec (2000). [9] J. Melo, O Passe, Editora FEB, 2a Edio (1992). [10] H. M. L. de Souza, Darwin e Kardec Um Dilogo Possvel, Editora Allan Kardec (2002). [11] A. P. Chagas, Introduo Cincia Esprita, Editora Publicaes Lachtre (2004). (Artigo extrado do GEAE - Boletim 485)

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Aula 4: Tpicos de pesquisa multidisciplinar entre algumas Cincias e o Espiritismo. O mtodo de anlise por pares 1. TPICOS PERTENCENTES ALGUMAS CINCIAS E O ESPIRITISMO Nas aulas anteriores, falamos sobre o carter cientfico do Espiritismo e do campo de trabalho puramente esprita. Aqui, vamos iniciar uma srie de aulas onde discutiremos o outro campo de trabalho que tem atrado e recebido muita ateno do Movimento Esprita. Trata-se do estudo de tpicos de pesquisas multidisciplinares: assuntos que pertencem ao escopo de alguma cincia ordinria e ao Espiritismo. No pretendemos apresentar em detalhes cada pesquisa, mas sim divulgar sua existncia e a referncia para que o leitor interessado busque maiores informaes. Nesta aula, apresentaremos exemplos gerais de pesquisas cientficas na rea de Medicina que esto contribuindo com o Espiritismo. MEDICINA: Hoje em dia, a disciplina cientfica que nos parece ser a mais promissora para a introduo de assuntos espritas e espiritualistas em seus projetos de pesquisa acadmicos a Medicina. E, na verdade, isso j vem acontecendo conforme os exemplos que veremos a seguir. Nosso primeiro exemplo de pesquisa na rea mdica de interesse esprita o resultado de um trabalho de reviso sobre diversas experincias sobre os efeitos da prece nos tratamentos de diversos tipos de pacientes [1]. Os autores analisaram estatisticamente os diversos casos publicados na literatura cientfica e concluram que se por um lado no se pode confirmar, dentro dos critrios cientficos, os efeitos da prece sobre a recuperao de doentes, eles reconhecem que um nmero significativo de casos positivos incentiva a realizao de mais pesquisas nessa rea. Em Psiquiatria temos alguns trabalhos interessantes. Um dos maiores nomes na rea de pesquisa relacionada com conceitos espiritualistas o Prof. Ian Stevenson. Aqui no Brasil, o trabalho mais conhecido de Stevenson o livro 20 casos sugestivos de reencarnao [2]. digno de nota dizer que Stevenson no se limitou a escrever, somente, livros divulgando o seu trabalho de pesquisa1. Ele publicou vrios artigos cientficos em revistas internacionais levantando dvidas sobre casos estranhos que no podem ser explicados nem pela gentica nem pelas influncias do ambiente [3]. Dentre esses fatos estranhos esto as fobias observadas em crianas, marcas de nascimento incomuns, diferenas entre gmeos monozigticos2, brincadeiras e comportamento incomuns na infncia, etc. No Brasil, o Dr. Hernani G. Andrade repetiu algumas das experincias de Stevenson sobre casos sugestivos de reencarnao [4]. O mdico psiquiatra Dr. Alexander de Almeida est trabalhando em um projeto de tese de doutoramento, na Universidade de So Paulo, intitulado Mediunidade: uma experincia dissociativa num contexto religioso, tendo j publicado alguns artigos sobre o assunto [5-7]. Esses so alguns exemplos que tem tido repercusso cientfica. O campo de pesquisa imenso dentro da medicina e aos poucos novos pesquisadores vo se interessando por esses tpicos de estudo. Na prxima aula comentaremos a respeito de uma interessante pesquisa em matemtica cujos resultados levam a interpretaes morais. Abaixo falaremos sobre o chamado mtodo de anlise por pares. 2. O MTODO DE ANLISE POR PARES Na aula anterior, expomos o formato geral de um artigo cientfico. Aqui falaremos do corao da atividade de divulgao cientfica: o mtodo de anlise por pares. A palavra pares significa semelhantes. Cada rea do conhecimento formada por contedo e terminologia prprias. O enorme progresso em todas as reas tornou muito difcil, para no dizer impossvel, a uma nica pessoa, conhecer profundamente mais de um assunto. Mesmo dentro de uma rea do conhecimento, as especializaes se desenvolveram a tal ponto que as pessoas levam anos para dominarem um nico tpico. Assim, apenas uma pessoa formada em uma rea especfica pode analisar com segurana as atividades de outras pessoas na mesma rea. Somente um semelhante ou par pode verificar se outros trabalhos, sobre

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determinado assunto, foram realizados com todo o rigor que se espera nesse campo de estudo. A comunidade cientfica adotou, ento, um mtodo de anlise de artigos onde os pares, isto , outros cientistas especialistas na mesma rea de que trata o artigo, fazem a anlise do mesmo. Isto ocorre, em geral, da seguinte maneira. Cada revista cientfica possui um conjunto de editores, geralmente cientistas experientes, que so responsveis por garantir que os artigos passem pelo mtodo de anlise por pares de forma correta e idnea. Os editores, em geral, fazem uma primeira leitura no artigo para verificar se o mesmo pertence ao escopo da revista, isto , (s) rea(s) de pesquisa para a(s) qual(is) a revista foi criada. Se o artigo estiver dentro do escopo da revista os editores escolhem um ou mais cientistas especialistas no tema do artigo e enviam-lhes uma cpia para que faam uma anlise crtica de acordo com o conjunto de critrios da revista. Os autores nunca sabem quem faz a anlise de seus artigos. Mas, em alguns casos, aqueles que vo analisar o artigo sabem quem so os autores do mesmo. Os cientistas convidados a analisarem um artigo, em geral, no possuem vnculo formal com a revista. Isso ajuda a assegurar a imparcialidade no processo de anlise do artigo. Essas pessoas so chamadas de rbitros (referees em ingls) e esse processo tambm conhecido como processo de arbitragem. Algumas revistas possuem, tambm, uma espcie de conselho editorial que colabora na anlise dos artigos e na escolha dos rbitros. Encontramos, ainda, a denominao de pareceristas para os rbitros. A grande vantagem deste mtodo a maximizao da imparcialidade na anlise dos artigos j que aqueles que a faro no pertencem formalmente revista ou a sua editora. Revistas cientficas de grande impacto costumam enviar os artigos para duas ou mais pessoas de modo a evitar que pareceres desonestos baseados em motivos pessoais (como, por exemplo, a concorrncia em pesquisa) possam ocorrer. Desta forma, os leitores tero mais garantia de que os artigos publicados correspondem a resultados de pesquisa realizados de forma sria e criteriosa. Para ilustrar o processo, considere o seguinte exemplo. Vamos supor que o cientista X escreveu um artigo sobre suas pesquisas com um novo remdio para o combate ao cncer. O cientista X submete o seu artigo para publicao na revista A. O editor da revista A, chamemolo EA, recebe o artigo e faz uma leitura do mesmo. EA percebe que o artigo muito interessante e seus resultados so muito importantes. Mas o editor EA no entende nada de cncer e no pode avaliar se o artigo est correto ou no. O editor EA, ao invs de publicar um artigo somente por ser interessante, decide enviar o artigo do cientista X para um outro cientista, chamemo-lo Y, fazer uma anlise. O cientista Y escolhido por ser especialista em drogas contra o cncer. O cientista Y inicia, ento, a leitura e anlise dos mtodos empregados pelo cientista X para obteno dos resultados de sua pesquisa. Y verificar, por exemplo, se nenhum experimento ou mtodo de anlise foi esquecido ou mal realizado por X. Y verificar se no existem pesquisas j publicadas sobre o assunto que no foram citadas por X no artigo. Y verificar se X fez todos os testes cabveis para assegurar que os efeitos e consequncias da nova droga no se devem a outros fatores possveis. Enfim, o cientista Y verificar se o artigo satisfaz todos os critrios cientficos de pesquisa dentro de sua rea. Se o cientista Y verificar que os resultados das pesquisas do cientista X seguiram todos ou quase todos os requisitos necessrios, o cientista Y emitir um parecer positivo quanto publicao do artigo. Certamente, o cientista Y recomendar pequenas modificaes no artigo mas ele ser aceito. Nesse caso, o editor EA agradecer a ambos (cientistas X e Y) e emitir o parecer final de aceitao do artigo para publicao. Se o cientista Y verificar que alguns requisitos importantes no foram abordados ou realizados pelo cientista X, ele emitir parecer negativo decisivo ou parecer negativo condicional. O parecer negativo decisivo significa que Y no recomenda a publicao do artigo, nem se forem feitas correes no mesmo, porque ele no contm resultados confiveis sobre o assunto. O parecer negativo condicional significa que Y no recomenda a publicao do artigo como ele est agora, mas sugere vrias alteraes e recomendaes sobre vrios passos que precisam ser realizados pelo cientista X de modo a assegurar os resultados apresentados. Em ambos os casos, o editor EA tambm agradece e expe o parecer final de recusa do artigo para publicao, apresentando todas as explicaes emitidas pelo parecerista (cientista Y) que

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foram usadas como base para a deciso editorial. O processo de anlise por pares no perfeito j que envolve a atuao de seres humanos que, como sabemos, somos falveis. Porm, no conhecemos nenhuma outra forma mais imparcial e produtiva de analisar os artigos cientficos submetidos para publicao. Na prtica, esse mtodo tem se mostrado muito eficiente e a enorme quantidade e variedade de peridicos cientficos permitem que autores que se sintam injustiados, tentem publicar seus trabalhos em outras revistas j que elas enviaro os artigos para anlise de outros rbitros. Na prxima aula comentaremos sobre os peridicos espritas e a anlise que seus editores podem realizar dos artigos e matrias submetidos para a publicao.

Edition (1974). [3] I. Stevenson, The phenomenon of claimed memories of previous lives: possible interpretations and importance 2000, Medical Hypotheses 54, pp. 652-659. [4] H. G. Andrade, Reencarnao no Brasil (Oito Casos que Sugerem Renascimento), Editora Casa Editora O Clarim (1980). [5] A. M. de Almeida, Cirurgia espiritual: uma investigao 2000, Revista Associao Medica Brasileira 46 (3), pp. 194-200. [6] A. M. de Almeida,Diretrizes metodolgicas para investigar estados alterados de conscincia e experincias anmalas 2003, Revista de Psiquiatria Clnica 30 (1), http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/ vol30/n1/21.html [7] A. M. de Almeida e F. L. Neto, A mediunidade vista por alguns pioneiros da rea mental 2004, Revista de Psiquiatria Clnica 31 (3), pp. 132-141.1 Em aula futura falaremos sobre a diferena de valor cientfico entre livros e artigos. 2 Isto , entre gmeos que possuem o mesmo genoma.

Referncias [1] J. A. Austin, E. Harkness e E. Ernest, The efficacy of distant healing: a systematic review of randomized trials 2000, Annals of Internal Medicine132, pp. 903-910. [2] I. Stevenson, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, University Press of Virginia, 2nd

(Artigo extrado do GEAE - Boletim 486)

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Aula 5: Contribuies da Matemtica. Peridicos espritas. 1. CONTRIBUIES DA MATEMTICA Na aula anterior, iniciamos a falar sobre alguns tpicos de pesquisa multidisciplinar entre a Cincia e o Espiritismo. Hoje, comentaremos sobre uma interessante pesquisa na rea de Matemtica. MATEMTICA: Recentemente, dois artigos de nossa autoria foram publicados na revista FidelidadESPRITA [1,2] onde comentamos os resultados interessantes de alguns trabalhos na rea de Matemtica Aplicada. Trata-se de uma divulgao dos resultados de pesquisas com a chamada Teoria de Jogos. Essa teoria foi desenvolvida para, entre outras coisas, estudar o comportamento de grupos sociais com aplicaes na rea de Economia. Veremos uma relao entre os resultados das pesquisas acima e alguns conceitos morais. Um tipo de jogo conhecido como o jogo dos bens pblicos. Nesse jogo, os participantes recebem uma determinada quantia inicial para investirem em uma atividade rentvel comum. Segundo as regras, a soma de todo o valor investido dobrada e depois repartida igualmente entre todos os participantes. O mximo lucro que o grupo, como um todo, pode obter ocorre se todos investirem tudo o que tem. O mnimo lucro ocorre quando ningum investe nada. A deciso de investir algum valor considerada como sendo uma atitude cooperativa dentro do jogo e a de no investir como no-cooperativa. Existe, neste jogo, uma tentao: no investir nada e receber os lucros do investimento dos outros jogadores. Apesar da soma total dos lucros do grupo ser menor nesse caso, o jogador que no investe mas recebe parte do lucro, s custas dos outros, termina a rodada do jogo com mais dinheiro do que se ele tivesse investido algum valor (faa as contas para ver!). No entanto, uma atitude no-cooperativa motiva os outros jogadores a no-cooperarem e o grupo, aps algumas rodadas, tende para o lucro mnimo. Os cientistas decidiram fazer uma anlise computacional de estratgias diferentes para verificar qual delas leva a um maior lucro do grupo. A simulao numrica consiste em considerar um grupo elevado de indivduos que, a cada rodada, decidem se cooperam ou no-cooperam de acordo com a estratgia adotada pela maioria dos vizinhos mais prximos. Alguns exemplos de estratgias so scooperar, s-no-cooperar, cooperar se os outros cooperarem, etc. O resultado obtido mostra que a atitude de somente cooperar favorece o progresso do grupo enquanto que no-cooperar leva ao prejuzo total. Esse resultado bastante lgico mas no corresponde realidade j que as pessoas so diferentes e adotam estratgias diferentes. Os cientistas, ento, testaram a estratgia de cooperar se os outros cooperarem. Ela s funciona se ningum no-cooperar. Basta que um indivduo no-coopere para que todos passem a no-cooperar. Essa situao parece um pouco mais real por considerar a reao perante as estratgias dos outros, mas ainda no corresponde realidade. Curiosamente, os cientistas testaram a seguinte estratgia: cooperar algumas vezes mesmo que o outro no-cooperar. O resultado obtido foi que o grupo evolui para uma situao em que os lucros so maximizados beneficiando a todos. Isso ocorre pois as pessoas desejam obter lucros e at aceitam algum equvoco por parte de um vizinho e s decidem parar de colaborar quando percebem que o grupo realmente no est ajudando. Mas o detalhe que de interesse para ns o fato de que se reagirmos cooperando mesmo diante de algumas no-cooperaes, o grupo progride. Esse resultado verificado matematicamente ilustra o que o Evangelho ensina: retribuir o mal com o bem. Mesmo que isso parea prejuzo para ns, num primeiro momento, a atitude de perdoar, esquecer e, se possvel, ajudar aquele que nos persegue e calunia certamente resultar em progresso espiritual para ns e para ele. Existe um outro tipo de jogo chamado jogo do ultimato, onde dois indivduos so chamados para dividir uma quantia de R$100,00, por exemplo. Pelas regras do jogo um dos jogadores faz a proposta de diviso da quantia e o outro decide se aceita-a ou no. Se o outro jogador aceitar a proposta de diviso, ambos ficam com o dinheiro conforme proposto; se ele recusar a proposta, ambos saem com nada. Analisando esse jogo do ponto de vista puramente racional, o jogador que faz a proposta de diviso deve fazer a oferta de menor valor possvel enquanto que o outro jogador deve aceit-la pois receber qualquer valor, mesmo que baixo, melhor do que no receber nada.

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No entanto, pesquisas realizadas com pessoas no mundo inteiro (ver artigo da referncia [3]) mostraram que a maioria daquelas que fazem a proposta, oferece valores prximos de 50% da quantia inicial, e a maioria das pessoas na posio dos que aceitam ou no uma proposta, rejeita ofertas menores que 30%. Esse resultado considerado pelos cientistas, sem teor pejorativo, como irracional. Uma das explicaes para isso considerada pelos cientistas que as pessoas, durante a vida, interagem mais de uma vez umas com as outras fazendo com que aqueles que rejeitam ofertas menos justas adquiram uma reputao que favorece o recebimento de ofertas mais justas no futuro. O que digno de nota, que esse resultado demonstra cientificamente que a Humanidade j progrediu no ponto de vista moral. A vida em sociedade levou a Humanidade a buscar formas mais justas de interao entre os seus membros. Isso demonstra a afirmativa dos espritos nas questes 766 e 767 de O Livro dos Espritos, de que os homens foram feitos para a vida em sociedade e que todos devem concorrer para o progresso. Nas prximas aulas comentaremos relacionamento entre a Fsica e o Espiritismo. 2. PERIDICOS ESPRITAS O movimento esprita dispe de muitos peridicos espritas. Jornais e revistas, impressos em papel ou hospedados em bonitas e modernas home pages, divulgam o conhecimento esprita em todo o nosso pas e no mundo. Nesta aula, vamos discutir como os peridicos espritas podem contribuir para o desenvolvimento de estudos espritas de carter cientfico, identificando alguns problemas e fazendo algumas sugestes. Vejamos, primeiro, a importncia da criao da Revista Esprita pelas prprias palavras de Kardec (ref. [4], pg. 2): Seria desnecessrio contestar a utilidade de um rgo especial, que ponha o pblico a par do progresso desta nova Cincia e a premuna contra os exageros da credulidade, tanto quanto do cepticismo. uma tal lacuna que nos propomos preencher com a publicao desta Revista, com o fito de oferecer um meio de comunicao a todos quantos se interessam por estas questes e de ligar, por um lao comum, os que compreendem a doutrina esprita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prtica do bem e a caridade evanglica para com todos. (Grifos nossos). Mais adiante, na mesma referncia anterior, Kardec diz: O exame raciocinado dos fatos e das consequncias deles decorrentes , pois, um complemento, sem o qual nossa publicao seria de medocre utilidade e apenas ofereceria um interesse secundrio a quem reflete e quer dar-se conta do que v. (grifos nossos). Vemos que Kardec apresenta e define os objetivos da Revista Esprita de uma forma que podemos considerar como cientfica no s porque nasceu dedicada ao aprimoramento e progresso desta nova Cincia, mas porque os peridicos cientficos possuem as caractersticas acima destacadas. Podemos dizer que, de uma certa forma, toda a comunidade cientfica est ligada atravs das publicaes em peridicos especializados. Hoje em dia, todas as cincias (e mesmo reas ainda no cientficas) dispem de peridicos especficos atravs dos quais os trabalhos de pesquisa so divulgados. Nenhuma cincia ou rea do conhecimento humano progrediu sem o concurso desse tipo de publicao e o movimento esprita, desde poca de Kardec, no prescindiu dessa importante ferramenta de divulgao e desenvolvimento. Hoje, os peridicos espritas tm contribudo com muita eficincia para que sejam criados e mantidos os laos entre os espritas. De vrios anos pra c, o interesse do movimento esprita no aspecto cientfico do Espiritismo cresceu bastante em decorrncia do desenvolvimento natural das cincias ordinrias. Cresceu, tambm, a preocupao de vrios companheiros espritas em buscar concordncias entre os conceitos espritas e aqueles oriundos das novas teorias como, por exemplo, os da Fsica. Entretanto, o processo editorial atual de publicao de artigos e livros espritas no permite que os editores e responsveis pelas publicaes possam avaliar, com segurana, a parte tcnica do contedo das mesmas, se limitando a verificar o aspecto doutrinrio. O exame raciocinado dos novos fatos e teorias (como Kardec recomendou no trecho acima) no est ocorrendo pois impossvel, nos dias de hoje, que um editor tenha formao em diversos campos do conhecimento. Assim, sugerimos que os peridicos espritas que publiquem artigos e matrias de teor sobre as contribuies e dificuldades no

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cientfico, adotem o chamado processo de anlise por pares, explicado na aula anterior. Isso permitiria que o exame raciocinado de todo material cientfico pudesse ser realizado prevenindo o Movimento Esprita contra possveis excessos de credulidade e de cepticismo (parafraseando Kardec) com relao aos contedos de ordem tcnicos e cientficos. O Boletim do GEAE, de forma informal (e indita no Movimento Esprita), j vem realizando esse tipo de processo, seja atravs da anlise que os membros do Conselho Editorial podem realizar, de acordo com a especialidade de cada um, seja atravs de pedidos de anlise junto a companheiros espritas com formao e experincia em determinada rea especfica do conhecimento. Estamos vivendo um momento na Histria onde os conhecimentos esto muito desenvolvidos e crescem de forma muito rpida e especializada. Somente os profissionais de uma determinada rea podem realizar um exame raciocinado, como mencionado e recomendado por Kardec, de uma proposta ou ideia nova que relacione o Espiritismo a tal rea. preciso lembrar que o trabalho de divulgao do Espiritismo e do desenvolvimento de ideais e conceitos novos est constantemente sendo avaliado pela sociedade e os olhos da crtica so altamente especializados. preciso que o Movimento Esprita tenha mais certeza sobre tudo aquilo que diz e publica. O prprio progresso no conhecimento requer que cada pesquisador e estudioso esprita busque as informaes necessrias para assegurar a validade dos resultados de suas pesquisas. O Movimento Esprita no pode prescindir do exame raciocinado a que Kardec se referia e o mtodo de anlise por pares um importante auxiliar para que editores e editoras espritas realizem esse exame raciocinado e ofeream aos leitores mais certeza sobre o contedo divulgado. Na prxima aula falaremos sobre o valor de um artigo cientfico em comparao com livros do tipo texto e de divulgao cientfica.

Referncias [1] A. F. da Fonseca, Aliana entre Cincia e Religio: Uma contribuio da Matemtica 2003, FidelidadESPRITA 13, pp. 26-29. [2] A. F. da Fonseca, Jogo do ultimato e o progresso da Humanidade 2004, FidelidadESPRITA, submetido para publicao. [3] K. M. Page, M. A. Nowak e K. Sigmund, Proceedings of the Royal Society of London B Vol. 267, p. 2177 (2000). [4] A. Kardec, Introduo 1858, Revista Esprita, Jornal de Estudos Psicolgicos 1, pp. 1-6. (Artigo extrado do GEAE - Boletim 487)

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Aula 6: Fsica e Espiritismo I: propriedades da matria. A diferena entre livros e artigos. 1. FSICA E ESPIRITISMO I: PROPRIEDADES DA MATRIA Nas aulas anteriores, falamos sobre o conceito de Cincia, sobre pesquisas puramente espritas e pesquisas multidisciplinares, isto , que envolvem conceitos de alguma disciplina cientfica e o Espiritismo. Hoje, iniciaremos uma srie de aulas sobre as contribuies e problemas, acertos e equvocos no uso de conceitos da Fsica na tentativa de explicar ou entender alguns conceitos Espritas. Na aula de hoje, falaremos sobre as afirmativas dos Espritos Superiores, contidas em O Livro dos Espritos [1], que s podem ser entendidas com o intermdio da teoria conhecida como Mecnica Quntica. Vejamos as seguintes questes de O Livro dos Espritos [1]: 22. Define-se geralmente a matria como sendo o que tem extenso, o que capaz de nos impressionar os sentidos, o que impenetrvel. So exatas estas definies? Do vosso ponto de vista, elas o so, porque no falais seno do que conheceis. Mas a matria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, to etrea e sutil que nenhuma impresso vos cause aos sentidos. Contudo, sempre matria. Para vs, porm, no o seria. (Grifos nossos). Como exemplo do que est grifado acima, sabemos hoje da existncia de um tipo de partcula subatmica chamada neutrino. Essa partcula foi descoberta quando se estudou o chamado decaimento(1) de um nutron em um prton mais um eltron. Ela to leve e interage to pouco com a matria densa que em um nico segundo mais de 100 trilhes de neutrinos vindos do sol atravessam nosso corpo sem percebermos. Portanto, como os Espritos disseram acima, a matria pode ser to sutil que nenhuma impresso nos causa. 34. As molculas tm forma determinada? Certamente, as molculas tm uma forma, porm no sois capazes de apreci-la. a) - Essa forma constante ou varivel? Constante a das molculas elementares primitivas; varivel a das molculas secundrias, que mais no so do que aglomeraes das primeiras porque, o que chamais molcula longe ainda est da molcula elementar. (Grifos nossos). A questo sobre a forma de tomos e molculas , de fato, algo impossvel de se resolver com preciso. Portanto, mesmo com todo o avano cientfico,somos incapazes de apreci-la. A cincia possui modelos para a estrutura e forma dos tomos e molculas (como o modelo do tomo de Rutherford, que formado por pequenas esferas (eltrons) que circulam em torno do ncleo, de forma similar a um sistema solar), mas por razes que a teoria quntica apresenta, impossvel determinar com preciso absoluta a forma, o tamanho ou as dimenses de um tomo ou partcula. A partcula que delimita a fronteira do tomo o eltron. Segundo a teoria quntica, possvel calcular a chamada densidade de probabilidade da posio de um eltron em um tomo. Nos locais onde essa densidade de probabilidade maior, temos maior chance de encontrarmos um eltron. Portanto, a regio espacial onde essa densidade de probabilidade atinge seus valores mximos pode ser usada como definio para os limites espaciais de um tomo. Por exemplo, a regio espacial onde h maior probabilidade de encontrarmos o eltron quando ele est na chamada camada K (que representa o estado quntico em que o eltron possui menor energia) possui a forma de uma casca esfrica. Na camada L, temos outro tipo de formato para essa regio e assim por diante. O conjunto de todas as regies onde os eltrons tm mais probabilidade de serem encontrados chamado de nuvem eletrnica de um tomo. Atravs dela podemos definir a forma espacial do tomo. Notem que isso define apenas a forma mais provvel pois, na verdade, os eltrons em torno de um ncleo podem ocupar regies diferentes do espao. Quanto mais primitiva, ou melhor, mais simples uma molcula, mais simples a funo densidade de probabilidade associada sua nuvem eletrnica o que, por sua vez, torna

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mais simples a sua forma de acordo com a definio apresentada. Molculas mais complexas como as protenas, por exemplo, admitem muitos tipos de formas, onde cada uma delas corresponde a algum tipo de funo qumica ou biolgica. 36. O vcuo absoluto existe em alguma parte no Espao universal? No, no h o vcuo. O que te parece vazio est ocupado por matria que te escapa aos sentidos e aos instrumentos. (Grifos nossos). O neutrino que produzido em reaes nucleares dentro de uma estrela viaja por enormes distncias no Universo sem quase interagir com nenhum outro objeto fsico. S isso j bastaria para confirmar o fato de que o que nos parece o vazio (o espao interestelar) est ocupado por matria que escapa aos nossos instrumentos. Mas o chamado Princpio de Incerteza de Heisenberg levou a uma descoberta ainda mais fascinante: possvel a ocorrncia de processos de criao e destruio de partculas em um curto intervalo de tempo. Nas proximidades de um ncleo pesado, partculas surgem e desaparecem literalmente do nada desde que esse processo seja suficientemente rpido. Portanto, em regies que deveriam estar vazias de matria, ocorre constantemente esse processo de criao e destruio de partculas enchendo o vazio com partculas de matria que, a rigor, escapa aos nossos sentidos. 2. DIFERENA CIENTFICA ENTRE LIVROS E ARTIGOS No Movimento Esprita, o livro possui um papel extremamente importante na difuso dos conhecimentos espritas. Obras medinicas psicografadas por Chico Xavier, Divaldo P. Franco, Raul Teixeira e outros, se tornaram leitura necessria a todo aquele que deseja no s estudar aprofundadamente os conceitos espritas, mas tambm trabalhar na seara esprita de modo eficiente. J em Cincia, o livro tambm possui um papel importante tanto na divulgao quanto no ensino. No entanto, livros de divulgao e livros texto destinados aos estudantes possuem status diferentes e se originam de forma diferente. Livros de divulgao como, por exemplo, aqueles que o famoso fsico Stephen Hawking e outros cientistas escrevem, tm como objetivo esclarecer o pblico leigo sobre um determinado assunto cientfico. Um livro texto aquele que resultou de muitos trabalhos de pesquisa em determinada rea e que de tanto serem confirmados, se tornaram bsicos a ponto de fazerem parte da grade curricular de um curso cientfico. O livro texto, apesar de possuir uma forma didtica de expor o conhecimento, no se dedica ao pblico leigo e quase sempre requer do leitor (o estudante) algum conhecimento adquirido em determinados mtodos de anlise. Por exemplo, os livros texto de Fsica requerem que o estudante j tenha algum domnio em clculo diferencial e integral. Mas o ponto mais importante que os livros texto sobre determinado assunto s surgem aps a publicao de inmeros artigos cientficos sobre um determinado assunto demonstrando que o mesmo est bem estabelecido e possui muitas aplicaes. O livro texto no contm opinies de seus autores pois deve refletir apenas o conhecimento cientfico em sua forma mais simples e segura. J o livro de divulgao, se por um lado possui algumas informaes cientficas, por outro, contm muitas opinies, pensamentos prprios e toda uma srie de reflexes pertencentes ao autor e que no constituem resultados de algum trabalho de pesquisa. Portanto, o valor de um livro de divulgao cientfica muito menor do que o de um livro texto no tocante ao contedo cientfico ou a validade do contedo cientfico. Ao escrever um conceito cientfico em termos compreensveis ao leitor leigo em cincia, importantes partes do prprio conceito se perdem pelo simples fato de que a linguagem tcnica, muitas vezes, a nica que o representa de forma precisa. As editoras, quase sempre, publicam esses livros com objetivo de obter lucros e no esto preocupadas (nem so obrigadas a tal) com a veracidade cientfica do que publicado. J para publicar um livro texto, h que verificar se os autores seguiram a risca os resultados cientficos confirmados pela comunidade cientfica atravs de diversas publicaes cientficas. Como exposto em aula anterior (aula 4, Boletim 486), os artigos cientficos passam por um processo de avaliao conhecido como anlise por pares. Nesse processo, cada artigo submetido a um ou mais rbitros annimos para apreciao e emisso de um parecer positivo ou negativo quanto publicao do mesmo de acordo com critrios exclusivamente cientficos. Isso permite que os resultados dos artigos publicados tenham alguma validade dentro de determinados limites cientficos. Com o tempo, as pesquisas so confirmadas ou refutadas

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atravs de novos artigos, de autoria de outros cientistas e isso vai consolidando o conhecimento a respeito de determinada rea ou assunto. Em contrapartida, existem os peridicos destinados a publicao de artigos de divulgao cientfica, isto , destinados ao pblico leigo. Temos, por exemplo, a revista Scientific American [2], com sua verso em portugus [3], a serssima revista Pesquisa FAPESP [4] e outras mais antigas e conhecidas como a Super Interessante [5], etc. Apesar da subjetividade referente s opinies dos autores ser um pouco menor nesses artigos de divulgao do que num livro de divulgao, as explicaes dos conceitos cientficos so feitas, tambm, de forma mastigada o que as tornam explicaes incompletas. Portanto, artigos cientficos tm muito mais valor cientfico do que artigos de divulgao cientfica. Raramente artigos de divulgao cientfica so citados em artigos cientficos e, mesmo assim, isso acontece apenas com algumas poucas revistas de divulgao como a prestigiada Scientific American. Portanto, em Cincia, podemos hierarquizar as publicaes de acordo com o seu valor cientfico em: 1) livros texto; 2) artigos cientficos; 3) artigos de divulgao cientfica e; 4) livros de divulgao cientfica. Na prxima aula, comentaremos as implicaes dessas diferenas em trabalhos de pesquisa esprita.(1) Um decaimento um tipo de processo ou reao em que uma partcula se desfaz gerando outras.

Referncias [1] A. Kardec, O Livro dos Espritos, Editora FEB, 76a Edio (1995). [2] http://www.sciam.com [3] http://www2.uol.com.br/sciam [4] http://revistapesquisa.fapesp.br [5] http://super.abril.com.br (Artigo extrado do GEAE - Boletim 488)

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Aula 7: Fsica e Espiritismo II: energia e matria. Referncias cientficas na pesquisa esprita. 1. FSICA E ESPIRITISMO II: ENERGIA E MATRIA Na aula anterior comentamos sobre como a teoria quntica da matria confirma algumas afirmativas feitas pelos espritos sobre as propriedades da matria, em resposta a algumas questes de O Livro dos Espritos [1]. Aqui comentaremos sobre um conceito associado matria, frequentemente lembrado em textos espritas: a energia. Ao tempo de Kardec, energia e matria eram conceitos dissociados e somente no incio do sculo passado, ambos os conceitos foram conectados. Isso decorre da Teoria da Relatividade, ilustrada pela clebre equao de Albert Einstein: E = mc. Essa equao demonstra a equivalncia em energia de determinada poro de matria cuja massa vale m (). Como c um nmero relativamente elevado (da ordem de 10 kms- em unidades do Sistema Internacional), uma pequena quantidade de massa contm uma grande quantidade de energia. Ao tempo de Kardec, o conceito de energia era algo independente do conceito de matria. Isso pode ser verificado atravs dos teoremas ou leis de conservao, em Fsica Clssica, para a energia total e para a quantidade de massa em um sistema isolado. Energia e massa eram conservados de forma separada em cada fenmeno fsico. Contudo, com a Teoria da Relatividade, energia e matria se tornaram ligadas, e um novo teorema surgiu: a lei de conservao de massa-energia. Alm da energia associada ao movimento, a chamada energia de repouso de um objeto tem que ser levada em considerao nos fenmenos em que a teoria clssica no vale. Experimentos modernos constataram que tanto a matria pode ser transformada em energia quanto a energia pode se transformar em matria. Isso demonstra que a matria no , em sua essncia, algo slido e denso como os nossos cinco sentidos nos fazem pensar. Ela tem que ser algo muito mais sutil e dinmico para que possa se transformar em algo que , por natureza, sutil e dinmico. mais apropriado dizer, portanto, que energia e matria so dois estados de um mesmo elemento universal. O Espiritismo fornece uma informao que se encaixa perfeitamente a isso ao dizer que toda a matria que conhecemos decorre de um elemento primitivo batizado de Fluido Universal. Desde que matria pode se transformar em energia e vice-versa, conclumos diretamente que a energia tambm algo que decorre de alguma transformao do Fluido Universal. Isso nos leva a uma interessante concluso esprita: se energia algo de natureza material, a essncia do Esprito (ou princpio inteligente) no pode ser energtica. Segundo os espritos (questes 27 e 79 de O Livro dos Espritos [1]), existem dois princpios gerais no Universo: um elemento primitivo material (Fluido Universal) do qual decorre tudo o que chamamos de matria; e um princpio inteligente do qual se individualizam os espritos. Como o princpio inteligente no pode estar sujeito s leis que regem o comportamento da matria, ele no pode ter natureza energtica pois estaria suscetvel s leis que regem as diversas transformaes de energia. Em outras palavras, se o esprito fosse, em sua essncia, uma outra forma de energia ele estaria sujeito processos que poderiam transform-lo em outras formas de energia ou mesmo em matria j que, como vimos, energia pode ser transformada em matria. Este comentrio serve de apoio para analisarmos uma afirmativa do nosso amigo Chico Xavier: esprito e energia so a mesma coisa (ver pgina 25 da referncia [2]). Como podemos verificar, perante conhecimentos atuais em Fsica, essa afirmativa est em desacordo com a Doutrina Esprita e a recomendao de Emmanuel ficarmos com o Espiritismo. Um ponto muito importante sobre a ideia de energia e matria que a realidade material que os nossos sentidos nos fazem perceber nossa volta verdadeiramente ilusria. A matria possui uma estrutura cujas partes possuem propriedades diferentes do que estamos acostumados a perceber. Para ns espritas, a matria uma transformao de uma dada poro de Fluido Universal que, por natureza, o elemento material mais sutil disseminado pelo Universo. Para os cientistas, a matria algo misterioso. Levando-se em conta o desenvolvimento da teoria quntica da matria, os cientistas no podem mais dizer com preciso o que ou em que consiste aquilo que se chama matria. O que um eltron ou um

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quark? Ningum sabe por enquanto. Apenas sabemos que eles existem, possuem determinadas propriedades fsicas e obedecem a determinadas leis. A viso cientfica do mundo material se alterou bastante desde o tempo de Kardec e essa mudana positiva pois a matria, hoje, vista como algo mais dinmico e sutil. Nas prximas aulas, iniciaremos a discutir se os fenmenos medinicos podem ou no ser chamados de qunticos. 2. REFERNCIAS CIENTFICAS NA PESQUISA ESPRITA Na aula anterior comentamos sobre a diferena de valor cientfico entre um livro texto, um artigo cientfico, um artigo de divulgao e um livro de divulgao. A partir desta aula, iniciaremos a falar sobre o uso dessas fontes de informao na pesquisa esprita. Pretendemos analisar o valor cientfico() de um trabalho de pesquisa esprita que utiliza conceitos de outras reas do conhecimento. Em outras palavras, desejamos desenvolver critrios que possam guiar os estudiosos e pesquisadores espritas em seus trabalhos. No estamos considerando os trabalhos que apenas citam ou retransmitam os resultados recentes de outras pesquisas. Muito menos, estamos considerando aqui as ideias e especulaes baseadas na opinio pessoal (mesmo a de um cientista) ou com base em alguma intuio pessoal. Estamos considerando o caso em que um trabalho de pesquisa resultar em conhecimento novo, mesmo que simples, ou em uma nova anlise de um assunto j conhecido. Em outras palavras, estamos tratando de uma contribuio real ao conhecimento esprita, mesmo que seja algo simples (a simplicidade amiga da cincia). Alm de estarem em acordo com o Espiritismo e com as cincias bsicas que foram utilizadas, as ideias decorrentes de um trabalho de pesquisa esprita devem ser teis para o progresso da Humanidade, mesmo que, repetimos, se trate de algo simples. Por essa razo, extremamente importante saber se a base que estamos estudando e usando para construir o conhecimento slida. Se o assunto de estudo esprita envolver questes de ordem cientfica, as diferenas de valor cientfico entre livros e artigos, apresentadas na aula anterior (Boletim 488) pode determinar o grau de validade ou utilidade daquilo que produzimos. Se, por exemplo, utilizarmos somente livros de divulgao como base de nossas pesquisas, aumentamos a probabilidade de ter o valor dos nossos resultados reduzido a mera especulao pois o contedo desses livros bastante mesclado de opinies e pontos de vista de seus autores. Se, ao menos, conhecermos profundamente a rea cientfica relacionada com o(s) livro(s) de divulgao utilizado(s), poderemos separar o que opinio do autor dos conceitos cientficos presentes no(s) livro(s). Certamente, que isso transparecer no trabalho e precisamos estar seguros do nosso conhecimento para no cometer equvocos de ordem cientfica. Essa , apenas, uma face do problema sobre conhecer a fundo aquilo que pretendemos estudar. Muitas vezes nos interessamos em estudar coisas que no so de nossa especialidade e apesar de termos capacidade de aprender qualquer coisa, no ser com fontes bibliogrficas destinadas divulgao pblica (livros e artigos de divulgao) que nos tornaremos especialistas e conhecedores profundos de uma rea qualquer do conhecimento. Por isso recomendamos aos que pretendem escrever artigos ou livros para o pblico esprita sobre temas ligados a tpicos cientficos que desconhecem, que procurem fontes bsicas de reconhecido valor cientfico (livros texto e artigos cientficos) para embasar o seu estudo; ou procure profissionais cientistas na rea do assunto que se deseja estudar para consulta, ajuda e orientao. Vejamos o ponto de vista de Kardec: Kardec, ao dizer que um cientista no tem autoridade para ajuizar se a Doutrina Esprita correta ou no, simplesmente, por ser um cientista, sem querer nos fornece um valioso argumento com relao aos cuidados com os trabalhos de ordem cientfica. No item VII da Introduo de O Livro dos Espritos [1] Kardec diz: Com relao s coisas notrias, a opinio dos sbios , com toda razo, fidedigna, porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo. Mais adiante, nesse mesmo pargrafo, ele diz: Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maior confiana, um qumico sobre uma questo de anlise, um fsico sobre a potncia eltrica, um mecnico sobre uma fora motriz. Diante do grande desenvolvimento e da enorme complexidade atingida em todas as reas do conhecimento, mais prudente que os especialistas de cada rea analisem como os conceitos de sua rea se ligam (ou no) com o

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Espiritismo. Muitas vezes somos incapazes de ler e entender os livros texto por causa da linguagem tcnica e do emprego de notao especializada. mais fcil para ns lermos artigos ou livros de divulgao. Certamente, h muitas informaes teis em livros e artigos de divulgao, que podem servir de insight para algumas ideias espritas. Mas o trabalho cientfico requer algo mais do que apenas o primeiro insight. Alm disso, em face do volume do conhecimento adquirido e da enorme tendncia mundial para justificar atividades msticas de forma cientfica, a situao pode ser comparada a um campo onde procuramos determinada erva sem conhecermos quase nada sobre ela e sobre outras plantas. A chance de colhermos um joio acreditando ser a erva muito grande quando consultamos livros de divulgao sem termos base mais aprofundada sobre o assunto. E, se no temos condies de avaliar se algo cientificamente correto ou no, a recomendao esprita que mais vale repelir 10 verdades que admitir uma s mentira, uma s teoria falsa (Esprito de Erasto no item 230 da ref. [3], e ref. [4]). Notem que os comentrios acima no sugerem que no se deve ler essa ou aquela obra; esse ou aquele determinado tipo de publicao. A recomendao que estamos fazendo aqui diz respeito ao significado da palavra discernir presente na seguinte afirmativa de Paulo de Tarso Discerni tudo e ficai com o que bom (1 Ts 5,21). A dificuldade que em matria de cincia, em geral, no temos base segura para discernir tudo. Na prxima aula citaremos alguns exemplos de pesquisa esprita ou de interesse esprita que possuem valor cientfico.(1) m aqui, se refere massa de repouso da partcula, isto , a massa medida num referencial inercial que esteja em repouso com relao a ela. (2) Alis, esse um dos objetivos desse conjunto de aulas sobre Cincia e Espiritismo: fornecer subsdios diversos para o pesquisador esprita avaliar a qualidade de seu trabalho de pesquisa esprita.

Referncias [1] A. Kardec, O Livro dos Espritos, Editora FEB, 76a Edio (1995). [2] M. S. Maior, Por trs do vu de sis. Uma investigao sobre a comunicao entre vivos e mortos, Editora Planeta, (2004). [3] A. Kardec, O Livro dos Mdiuns, Editora FEB, 62 Edio (1996). [4] A. Kardec, Revista Esprita 8, p.257, (1861). (Artigo extrado do GEAE - Boletim 489)

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Aula 8: Fsica e Espiritismo III: Anlise dos Fenmenos Espritas. Exemplos de pesquisas com valor cientfico 1. FSICA E ESPIRITISMO III: ANLISE DOS FENMENOS ESPRITAS Nas ltimas aulas, comentamos a respeito da relao entre energia e matria e como a teoria quntica nos leva a compreender algumas questes de O Livro dos Espritos [1]. Hoje, iniciaremos uma importante discusso sobre os fenmenos espritas, analisando se eles teriam ou no caractersticas qunticas. Por fenmeno esprita estamos querendo dizer os fenmenos que se caracterizam pela mediunidade de efeitos inteligentes e de efeitos fsicos. Nesta aula, relembraremos algumas caractersticas dos fenmenos medinicos luz do Espiritismo e comentaremos sobre algumas caractersticas dos fenmenos qunticos. Na prxima aula, analisaremos se os fenmenos espritas so ou no qunticos. A caracterstica bsica da mediunidade de efeitos inteligentes, incluindo a intuio, a forma como os espritos se comunicam. Segundo os espritos, em resposta questo nmero 282 de O Livro dos Espritos [1]: 282. Como se comunicam entre si os Espritos? "Eles se veem e se compreendem. A palavra material: o reflexo do Esprito. O fluido universal estabelece entre eles constante comunicao; o veculo da transmisso de seus pensamentos, como, para vs, o ar o do som. uma espcie de telgrafo universal, que liga todos os mundos e permite que os Espritos se correspondam de um mundo a outro. (Grifos nossos). A mesma explicao pode ser encontrada para o mecanismo de ao da prece (item 10 do cap. XXVII do Evangelho Segundo o Espiritismo[2]). Os fenmenos de efeitos fsicos requerem a presena de mdiuns com uma aptido especial (Cap. II da Segunda Parte de O Livro dos Mdiuns [3]) para fornecerem fluidos ditos animalizados. A mesma referncia acima define as manifestaes fsicas como aquelas que se traduzem por efeitos sensveis, tais como rudos, movimentos e deslocao de corpos slidos. Para ressaltar melhor uma caracterstica que nos interessa em nossa anlise, vamos estudar a explicao dada pelo esprito de Erasto para o fenmeno de transporte (itens de 96 a 99 de O Livro dos Mdiuns [3]). Segundo Erasto, esse fenmeno requer a combinao dos fluidos do esprito com o fluido vital do mdium. Vamos transcrever uma das perguntas de Kardec sobre o assunto, feitas a um esprito que se prestou a realizar o fenmeno de transporte de flores, e ao esprito de Erasto. A resposta de Erasto contm um ponto importante para ns: 8 Ser possvel trazer flores de outro planeta? "No; a mim no me possvel." - (A Erasto) Teriam outros Espritos esse poder? "No, isso no possvel, em virtude da diferena dos meios ambientes." Essa questo interessante porque se no possvel trazer um objeto de outro planeta em virtude das diferenas na atmosfera fludica entre a Terra e o planeta, podemos deduzir diretamente que o fenmeno de transporte no ocorre por meios instantneos e imateriais. O fenmeno requer que o esprito v at o local onde se encontra o objeto e, de alguma forma, traga-o consigo viajando atravs do espao at o ponto onde ele o apresentar. Vejamos, agora, algumas caractersticas importantes dos fenmenos qunticos. No nosso objetivo expor uma longa explicao de todas as propriedades dos sistemas qunticos. O leitor que se interessar pelo assunto poder estud-lo profundamente em livros textos como o da referncia [4]. Aqui, exporemos as ideias bsicas que forem necessrias para nossa anlise. A primeira caracterstica importante para ns (chamemo-la C1) o fato de que ao nvel microscpico, as trocas de energia somente ocorrem atravs de quantidades finitas pequenas (os quanta) de energia. No limite macroscpico, as quantidades de energia so to grandes em comparao com os fenmenos em escala microscpica, que tudo funciona como se as trocas

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de energia fossem feitas com qualquer quantidade. A segunda caracterstica (chamemo-la C2) a chamada dualidade onda-partcula, isto , ora um objeto se comporta como se fosse uma onda; ora se comporta como se fosse uma partcula. Isso depende da forma como o observador prepara o experimento. Interpretaes posteriores da Mecnica Quntica consideram que isso uma consequncia do chamado Princpio da Complementaridade que diz que a realidade nunca pode ser percebida em todas as suas caractersticas, mas que as vrias formas se complementam na descrio da realidade. A terceira caracterstica (chamemo-la C3) decorrente do aspecto ondulatrio dos fenmenos qunticos, a propriedade conhecida como no-localidade. Alguns fenmenos como o chamado colapso da funo de onda, o salto quntico e o chamado emaranhamento de duas ou mais partes de um sistema, apresentam a caracterstica no-local. Nesses fenmenos, a prpria partcula ou alguma informao relacionada ao sistema transferida de um lugar para outro do espao de forma instantnea sem que tenha havido ocupao dos espaos intermedirios nesse deslocamento. Essas caractersticas decorrem das propriedades daquilo que chamamos funo de onda do sistema. Segundo a interpretao de Copenhague da Mecnica Quntica, atualmente mais aceita, o quadrado do mdulo da funo de onda de um sistema quntico contm a informao sobre as probabilidades de ocorrncia para os valores das diversas grandezas fsicas que o sistema pode apresentar em uma determinada medida experimental. Discutiremos, em aula futura, como essa caracterstica probabilstica pode gerar um conflito com um importante princpio esprita caso atribuamos ao esprito ou a Deus a existncia de uma funo de onda. Na prxima aula faremos a anlise dos fenmenos espritas com base nas caractersticas dos fenmenos qunticos acima apresentados. 2. EXEMPLOS DE PESQUISAS DE INTERESSE ESPRITA COM VALOR CIENTFICO Na aula anterior fizemos uma orientao com relao a busca de bibliografia com maior valor cientfico para os trabalhos de pesquisa de ordem cientfica, de interesse esprita. Tais bibliografias se justificam quando o trabalho de pesquisa visa trazer contribuies reais ao conhecimento esprita. Se a inteno apenas divulgar outras pesquisas cientficas e teorias novas ou expor ideias particulares baseadas em intuio ou opinio (deixando claro que se tratam de ideias ou opinies apenas, sem valor cientfico), o rigor que comentamos no necessita ser to severo j que esse tipo de trabalho ou texto no tem nenhum valor cientfico. Opinio, por mais respeitvel que seja, por si s no tem valor cientfico. Faz parte do nosso estudo, aprender a discernir esse tipo de publicao daquela resultante de um trabalho de pesquisa mais elaborado. Para no ocupar muito espao vamos citar alguns exemplos de pesquisas de interesse esprita que possuem valor cientfico em funo da qualidade das citaes utilizadas e dos mtodos e argumentos empregados no trabalho de pesquisa. As pesquisas citadas na aula 4 (Boletim 486) na rea mdica, so bons exemplos de trabalhos de pesquisa mais elaborados. Como se pode perceber, os autores possuem formao acadmica e cientfica na rea em questo, o que favorece a realizao do trabalho em moldes mais cientficos. A rea mdica, ao nosso ver, muito promissora para pesquisas de interesse esprita por lidar diretamente com o ser humano. Os exemplos que apresentamos na aula 5 (Boletim 487) sobre contribuies da matemtica, so trabalhos voltados para a divulgao no meio esprita de pesquisas cientficas na rea de Matemtica Aplicada cujas consequncias so de interesse esprita. Buscamos citar algumas referncias originais (artigos cientficos) dos trabalhos de pesquisa para que o leitor possa verificar que se tratam de pesquisa profissional e para que nosso trabalho tenha o respaldo cientfico. Um conjunto de artigos de grande valor cientfico, filosfico e doutrinrio so de autoria do Prof. Silvio Chibeni. Eles podem ser obtidos na home page da referncia [5]. Alguns outros trabalhos sero apresentados em aulas futuras de acordo com a oportunidade. Na prxima aula comentaremos, a ttulo de exemplo, sobre as pesquisas do Dr. Masaru Emoto com os cristais da gua. Esse trabalho tem sido considerado por muitos grupos espiritualistas (incluindo os espritas) como sendo cientificamente comprovado quando esse no o caso.

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Referncias [1] A. Kardec, O Livro dos Espritos, Editora FEB, 76a Edio (1995). [2] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112a Edio, Rio de Janeiro (1996). [3] A. Kardec, O Livro dos Mdiuns, Editora FEB, 62a Edio, Rio de Janeiro (1996). [4] R. Eisberg, R. Resnick, Fsica Quntica, tomos, Molculas, Slidos, Ncleos e Partculas, Traduo de Paulo Costa Ribeiro, Enio Frota da Silveira e Marta Feij Barroso, Editora Campus, 21 Tiragem, (2003). [5] http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482/ (Artigo extrado do GEAE - Boletim 490)

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Aula 9: Fsica e Espiritismo IV: Fenmenos Espritas: clssicos ou qunticos? 1. FSICA E ESPIRITISMO IV: FENMENOS ESPRITAS: CLSSICOS OU QUNTICOS? Na aula anterior (Boletim 490), apresentamos algumas caractersticas dos fenmenos espritas, especialmente, os fenmenos medinicos inteligentes e de efeitos fsicos. Apresentamos, tambm, algumas propriedades dos fenmenos qunticos que caracterizam o mundo microscpico. Chamamos de C1, C2 e C3 as caractersticas relacionadas com a quantizao da troca de energia, dualidade onda-partcula e no-localidade, respectivamente. Pedimos aos leitores que leiam novamente a aula anterior antes de prosseguir de modo a perceberem mais claramente os argumentos que sero apresentados a seguir. Tanto a mediunidade de efeitos inteligentes quanto a de efeitos fsicos no podem ser analisadas sob os aspectos relacionados s caractersticas C1 e C2. Primeiramente porque eles so macroscpicos, isto , os volumes de informao nos efeitos inteligentes, e do objeto utilizado nos efeitos fsicos so macroscpicos. Todos esses fenmenos envolvem processos de trocas e interaes fludicas em quantidades macroscpicas. Portanto, a caracterstica C1 impossvel de ser medida ou inferida pois no temos como avaliar se as trocas fludicas ocorrem de forma quantizada ou em pacotes mltiplos de alguma quantidade pequena (um quantum) nos fenmenos medinicos. A caracterstica C2 tambm no pode ser avaliada pois impossvel testar se esses fenmenos possuem caractersticas duais com relao a alguma propriedade ou caracterstica qualquer. No caso da matria, os efeitos do tipo onda para objetos macroscpicos so muitas ordens de grandeza menores