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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ANA CRISTINA DE SOUSA SAMPAIO OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA:Uma análise das experiências da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu-Ce Orientadora: Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo NATAL/RN 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

ANA CRISTINA DE SOUSA SAMPAIO

OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: Uma análise das experiências

da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu-Ce

Orientadora: Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo

NATAL/RN

2012

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ANA CRISTINA DE SOUSA SAMPAIO

OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA : uma análise das experiências

da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu – Ce

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em Serviço Social, área de concentração: Serviço Social, Cultura e Relações Sociais, Linha de pesquisa: Serviço Social, Sociabilidade, Cotidiano, Cultura e Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sob a orientação da Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo.

NATAL/RN

2012

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Sampaio, Ana Cristina de Sousa.

Os caminhos da transição agroecológica: uma análise das experiências da agricultura familiar camponesa no território dos Vales do Curu e Aracatiaçu - CE / Ana Cristina de Sousa Sampaio. - Natal, RN, 2012.

172 f.: il.

Orientadora: Drª. Severina Garcia de Araújo. Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social.

1. Agricultura familiar - Camponesa - Dissertação. 2. Agroecologia -

Transição – Dissertação. 3. Agricultura - Modernização - Dissertação. I. Araújo, Severina Garcia de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 631.115.11

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Dedico esse trabalho a Daniele Medeiros (in memoriam) mulher,

ecologista, mãe de Rudá (in memoriam) e companheira de Felipe (in

memoriam). Compartilhamos o primeiro trabalho, as estradas, as

histórias contadas e vividas por agricultores e agricultoras. Bem

como os livros, as músicas, os poemas, os/as amigos, os sonhos. Dani

(xuxu) era uma força da natureza, fruto da mãe-terra. Deixou para

nós lições, saudades e a convicção de que precisamos continuar

lutando para construirmos um mundo melhor para todos/as.

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AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos nascem da certeza de que esse trabalho é fruto de um

processo coletivo, partilhado durante os últimos anos no exercício profissional como

Assistente Social e durante o mestrado. Coletivo, porque muitos e muitas foram convocados a

participar desse estudo, diálogo e reflexão. Assim gostaria de agradecer inicialmente aos

agricultores e agricultoras que contribuíram com o presente trabalho. Ouvir suas trajetórias

de vida e compartilhar de suas experiências fortaleceu ainda mais minha convicção de que o

mundo não é uma mercadoria, que o alimento é sagrado, porque constitui fruto do trabalho

humano. A vocês, muito obrigada!

Aos meus pais, Iris e Assis, por compreenderem minha ausência, pelo carinho e

todo o incentivo para que eu pudesse estudar, crescer e seguir meu próprio caminho. Com

vocês aprendi que a nossa casa é o mundo.

Agradeço de modo especial a Silvano, meu companheiro de vida, sempre ao meu

lado, compartilhando os estudos, os sonhos, as luas e as lutas cotidianas.

À professora Severina Garcia, principalmente pela cumplicidade e o respeito

com o meu processo de (re)construçãodo conhecimento. As orientações foram sempre

provocativas, repletas de questionamentos e de muita esperança. Essa combinação permitiu

que, pouco a pouco, eu pudesse traçar meu caminho no estudo realizado.

À minha irmã Janaina e ao seu companheiro Ygor Buracovas. Jana, seu olhar é

que melhora o meu!

À amiga Valdênia, pelo diálogo constante e leitura dos meus escritos. Obrigada

por trazer a esse processo generosidade, suavidade e fé.

O meu muito obrigada ao amigo, vizinho e Professor Deribaldo Santos, cúmplice

no ofício da ciência e por toda ética e estética e, em especial, pelo poema “A Nice”, de

Florbela Espanca, quando precisei alagar meus horizontes.

Às amigas Carla Galiza e Juliana Antero, por tudo o que nos une.

À Iza por estar comigo desde o início.

Às amigas Cristina Nascimento, Margarida Pinheiro , Neila, Suyane, Meire,

Erika e Gleycianemulheres guerreiras com quem pude aprender muito.

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ÀElizângela e a sua família por terem me acolhido. Por causa de vocês, hoje

tenho uma verdadeira família em Natal.

À amiga Rayane, pela delicadeza e o esforço que encontrei em você.

ÀLúcia, que sempre deixava meus dias em Natal mais leves. Compartilhamos

reflexões, inquietações e desafios desse caminho que proporcionou nosso encontro.

Às companheiras de turma, Assistentes Sociais que se jogaram no desafio de

refletir suas práticas, problematizar a realidade e construir conhecimento. Rose, Sayonara,

Janine, Jeane, Rayane, Patrícia, Elizangela, Lucinha,Isabelle, Genocléciavocês têm

minha admiração e carinho.

Às professoras que colaboraram com o processo de reflexão durante as disciplinas

do mestrado, trazendo importantes contribuições para a compreensão do real: Denise

Câmara, Rita de Lourdes, Celia Nicolau, Iris de Oliveira, Eliana Guerra, Odília e

Marcia.

De modo especial, à professora Silvana Mara que estimulou para que eu

avançasse na análise crítica, sem ocultar minha militância e identificação com a realidade

estudada. Obrigada pela leitura criteriosa e contribuição para com o presente estudo.

Ao Professor Joaquim Araújo, que me possibilitou reexaminar as minhas

estratégias de pesquisas e aprofundar meu referencial teórico. Obrigada por compartilhar

comigo sua experiência nesse desafio.

À toda a equipe do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria do

Trabalhador - CETRA que contribuiu com o desenvolvimento da pesquisa em campo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, pela oportunidade de realizar importantes reflexões acerca do mundo

rural e as condições de vida dos camponeses.

À CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -pela

bolsa de estudos de demanda social, proporcionando-me melhores condições materiais para a

realização da pesquisa.

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Sinto-me pobre por viver numa sociedade em que índios e camponeses precisem proclamar de voz viva que são humanos, que não são animais, e menos ainda selvagens. Por identificar- me com eles, fico em dúvida sobre o lugar que ocupo, na escala que vai do animal ao homem, numa sociedade que não titubeia em proclamar a animalidade de seres que não são considerados pessoas unicamente porque são diferentes – falam outra língua, temoutracor, outros costumes. Uma sociedade, que no final, não tem certeza sobre a linha – limite que separa o homem do animal. (José de Sousa Martins, A chegada do estranho)

“Perdón si cuando quiero

Contar mi vida

Es tierra que lo que cuento.

Está es la tierra.

Crece en tu sangre

Y creces.

Si se apaga en tu sangre

Tú te apagas.”

(Pablo Neruda)

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RESUMO

Esse estudo tem como universo temático a agricultura familiar camponesa na perspectiva agroecológica. Pretende analisar as mudanças decorrentes do processo de transição da agricultura convencional para agricultura agroecológica no cotidiano dos agricultores e agricultoras articulados à Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, lócus da pesquisa empírica. Como caminho para o aprofundamento desse objetivo, procuramos identificar as formas de organização social anteriormente presentes no cotidiano desses sujeitos, além de apreender os determinantes que os levam ou os levaram a adotar a agroecologia, atentando para a necessidade de verificar as formas de resistência e, por fim, as estratégias construídas pelos agricultores e como estas se articulam coletivamente. A tematização da agroecologia coloca-se como uma problemática complexa, o que implica em articular a dimensão sociotécnica com as lutas sociais e ecológicas em resposta à marginalização e degradação impostas pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante. A partir do método histórico e dialético, buscamos apanhar as implicações da modernização técnica da agricultura sob as condições de produção e reprodução dos camponeses e, assim, situar a emergência da agroecologia, enfoque que nasce como contraponto ao padrão convencional de desenvolvimento agrícola baseado no paradigma da Revolução Verde. Estruturamos o presente estudo em torno das práticas, processos e formas de organização desenvolvidas e internalizadas ao longo da trajetória dos agricultores que enveredaram por essa prática. Devido à especificidade de nosso objeto, optamos pela pesquisa qualitativa e observação sistemática. Para as análises, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental - referencial teórico-metodológico – associadas à pesquisa de campo. As análises das experiências revelaram que a transição agroecológica é um processo amplo de mudanças. Assim, tais mudanças revelaram-se nas práticas produtivas, na diversificação da produção e práticas alimentares, na consciência ecológica e nas formas de organização construídas pelos agricultores para enfrentar as dificuldades trazidas pela imposição do modelo de desenvolvimento agrícola dominante que combina degradação ambiental, concentração fundiária e concentração de riquezas. PALAVRAS-CHAVE: Transição Agroecológica. Agricultura Familiar Camponesa.

Modernização da Agricultura.

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ABSTRACT

This study examines peasant family farming from an agroecological perspective. It intends to analyze the changes resulting from the transition from conventional to agro-ecological agriculture in the daily practices of farmers articulated associated with the Network of Agroecological and Solidarity Farmers of the Curu and Aracatiaçu Valleys Territory, the locus of this empirical research, and a space which has highlighted the social dynamics of agroecological innovation, as well as articulating environmental exchanges and knowledge development. As a way to further that goal, we seek to identify the forms of social organization previously present in the daily lives of these subjects, in addition to grasping the determinants that lead or led them to adopt agroecology, noting the need to verify the forms of resistance, and the strategies adopted by farmers and how they articulate collectively. Through the historical and dialectical methods, we seek to take the implications of technical modernization of agriculture under the conditions of production and reproduction of peasants and thus situate the emergence of agroecology, a focus that is born as a counterpoint to conventional patterns of agricultural development based on the paradigm of the Green Revolution. We structured this study around the trajectory of agroecological farmers that developed and internalized agroecological practices, processes, and organizational forms. For the analysis, we used theoretical and methodological frameworks from literature related to field research. The systematization and analysis of experiments revealed that agroecological transition is a broad process of change, not restricted to technical matters. We observed changes in production practices, diversification of production and feeding practices, ecological awareness, production autonomy, and organizations formed to face the challenges resulting from the imposition of the dominant agricultural development model that combines environmental degradation, land ownership concentration, and wealth concentration.

KEYWORDS: Agroecological Transition. Peasant Family Farming. Agriculture Modernization.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Coreografia da condição camponesa ....................................................................... 61

Figura 2 - Participação da agricultura familiar no Brasil ......................................................... 70

Figura 3 - Valor bruto da produção por área total .................................................................... 71

Figura 4 - Participação da agricultura familiar no pessoal ocupado......................................... 71

Figura 5 - Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu .............................................................. 81

Figura 6 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca .......................................................... 94

Figura 7 - Reunião da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território ........ 95

Figura 8 - Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômicas Solidária....................... 97

Figura 9 - Ciranda de encerramento do ETA ........................................................................... 97

Figura 10 - Aberbaldo preparando compostagem (esquerda), quintal agroecológico (direita)

................................................................................................................................................ 103

Figura 11 - Conceição e Aberbaldo (esquerda), poço Amazonas (direita) ............................ 103

Figura 12 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca ...................................................... 107

Figura 13 - Quintal Produtivo de Zeza .................................................................................. 114

Figura 14 - Intercâmbio de experiências ................................................................................ 115

Figura 15 - Feira Agroecológica e participação no ENA ....................................................... 118

Figura 16 - Dona Rosa e Sr. Raimundo .................................................................................. 125

Figura 17 - Quintal Roçado agroecológico (esquerda), mandala (direita) ............................. 127

Figura 18 - Criação de pequenos animais ............................................................................... 128

Figura 19 - Quintal Produtivo de Dona Graça Patricio .......................................................... 137

Figura 20 - Roçado (esquerda), tanque utilizado para irrigar o quintal (direita) .................... 137

Figura 21 - Reunião da rede ................................................................................................... 139

Figura 22 - Quintal produtivo de Dona Rita ........................................................................... 143

Figura 23 - Tecnologia social (Mandala) dotada na unidade produtiva de Dona Rita .......... 143

Figura 24 - Visita de intercâmbio em quintal produtivo ........................................................ 144

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LISTA DE SIGLAS

ABCAR: Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural

ASA: Articulação do Semiárido Brasileiro

AGROVALE : Companhia Agroindustrial do Vale do Curu

ANVISA: Agencia Nacional de Vigilância Sanitária

ATER: Assistência Técnica e Extensão Rural

BNB: Banco do Nordeste

CEASA :Central de Abastecimento

CEBs: Comunidades Eclesiais de Base

CBA: Congresso Brasileiro de Agroecologia

CDT : Conselho de Desenvolvimento Territorial

CETRA : Centro de Estudos do Trabalho e de Assessória ao Trabalhador

CODEVASF: Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco

CONAB :Companhia Nacional de Abastecimento

CONTAG : Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPT: Comissão Pastoral da Terra

DNOCS :Departamento Nacional de Obras Contra Seca

ECONSA :Encontro Nacional do Semiárido

EMATERCE : Empresa de Assistência Técnica de Extensão Rural do Ceará

EMBRATER : Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

ETAS: Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômica Solidária

ETR: Estatuto do Trabalhador Rural

ENA: Encontro Nacional de Agroecologia

FAO:Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

IMO : Instituto Movimento Operário

INCRA : Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MDA : Ministério do Desenvolvimento Agrário

MMTR : Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais

MST:Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PAA:Programa de Aquisição de Alimentos

PIB: Produto Interno Bruto

PDRSS : Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário

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PRONAF: Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PNATER : Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura

Familiar e Reforma Agrária

PNAE : Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRONATER: Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura

Familiar e na Reforma Agrária

REDE ATER (NE): Rede de Assistência Técnica e Extensão Rural do Nordeste

SAF: Secretaria de Agricultura Familiar

SENAR: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SIBRATER :Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural

SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

STRs : Sindicatos de trabalhadores rurais

UECE: Universidade Estadual do Ceará

UFC: Universidade Federal do Ceará

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14

2 TRANFORMAÇÕES DA AGRICULTURA BRASILEIRA E A AGROECOLOGIA 22

2.1 A modernização conservadora da agricultura no Brasil ................................................. 23

2.2 As expressões do capitalismo nas relações de produção no campo ................................ 29

2.3 Alternativas do capitalismo à questão ambiental e sua contraposição: Agroecologia .... 34

2.3.1 Agroecologia: ciência, prática e movimento ................................................................... 38

2.3.2 Contexto político brasileiro e o desafio do fazer agroecológico ..................................... 42

3 TRAVESSIA: OS REFERENCIAIS QUE ILUMINARAM A PESQUISA .................. 48

3.1 Orientação teórico-metodológica .................................................................................... 48

3.2 Os sujeitos, procedimentos da pesquisa e trabalho de campo ......................................... 51

3.3 Categorias fundamentais: agricultura familiar camponesa e transição agroecológica .... 54

3.3.1 Agricultura familiar camponesa: uma aproximação ....................................................... 55

3.3.2 Estreitando os nós: sistemas produtivos familiares de base agroecológica .................... 67

3.3.3 Transição agroecológica: um conceito em construção.................................................... 73

4 A CONFIGURAÇÃO DE UM ESPAÇO TERRITORIAL ............................................ 78

4.1 Experiências de modernização no Território .................................................................. 82

4.2 Alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o

semiárido .................................................................................................................................. 90

4.3 Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do Território dos Vales do

Curu e Aracatiaçu ..................................................................................................................... 92

5 OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: PRÁTICAS, PROCESSOS

E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO. ......................................................................................... 98

5.1 Agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu:

aproximando-se das experiências de transição agroecologia ................................................... 99

5.1.1 “Agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza” - Experiência de

Aberbaldo e Conceição, assentamento Córrego dos Tanques, município de Itapipoca-CE..... 99

5.1.2 “Tudo dentro de um processo só, com histórias diferentes mais um processo só” -

Experiência familiar de Maria José Alves, Assentamento Maceió, município de Itapipoca . 113

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5.1.3 “O conhecimento é tudo” – Experiência Raimundo Diniz e Rosemeire, comunidade

Gengibre, município do Trairi ................................................................................................ 124

5.1.4 “Mudou tudo, virou pelo avesso. Mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra,

de lidar com as pessoas”. - Experiência familiar de Graça Patrício, assentamento Novo

Horizonte, município de Tururu ............................................................................................. 134

5.1.5 “Minha sobrevivência eu tiro da terra”. - Experiência da Dona Rita, comunidade

Cemoaba, município de Tururu .............................................................................................. 139

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 154

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 161

ANEXOS ................................................................................................................................ 171

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1 INTRODUÇÃO

Devemos afirmar, de partida, que esse trabalho busca analisar as experiências de

agricultores e agricultoras que vivenciam um processo de transição agroecológica, conceito

central para a agroecologia. Para tanto, consideramos a complexidade dos processos de

transição da agricultura convencional para a de base agroecológica, que inclui uma variedade

de condições socioeconômicas, produtivas e ecológicas em territórios historicamente

constituídos. Desse modo, estruturamos nossa discussão em torno das práticas, processos e

formas de organização desenvolvidas e internalizadas ao longo da trajetória dessas

experiências. Como caminho, buscamos, a partir da trajetória social dos agricultores e

agricultoras, apanhar as condições objetivas que possibilitaram esses sujeitos a se apropriarem

dos princípios da agroecologia com base nas práticas produtivas, visando, com isso,

identificar as motivações, bem como as mudanças cotidianas, sobretudo aquelas relacionadas

ao processo produtivo em si, a produção para o autoconsumo, a comercialização e a

organização social.

A agroecologia, nas duas últimas décadas do século XX, apresentou-se como

“ciência, prática e movimento”, voltada à defesa e promoção de formas sustentáveis de

agricultura, contrapondo-se ao padrão convencional de desenvolvimento agrícola baseado no

paradigma da Revolução Verde. Nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil, a crítica concentrava-

se em torno do “modelo agroquímico”, sendo as primeiras experiências identificadas como

“agricultura alternativa”. Na década de 1990, particularmente na América Latina, essa

denominação foi substituída pelo termo “Agroecologia” (WEID, 2012). Sociopoliticamente

construída, a agroecologia no Brasil teve sua origem nas lutas por democracia, justiça social e

pela valorização de saberes de agricultores familiares, camponeses, assentados entre outros

sujeitos sociais (MOREIRA , 2010).

Esse estudo tem como universo temático a agricultura familiar camponesa na

perspectiva agroecológica. Optamos pela denominação de agricultura familiar camponesa por

compreender que a maioria das unidades de produção, que compõe o extenso setor da

agricultura familiar, é portadora de características camponesas e, mais ainda, essa noção reúne

um conjunto de elementos essenciais que vão para além dos parâmetroseconômicos utilizados

pelas políticas públicas ao definir esse segmento social. Dessa forma, a agricultura familiar

camponesa traz elementos constitutivos de um modo de produção e reprodução social em que

sua centralidade é assumida pela família.

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Assim sendo, o sujeito social desse estudo, de forma particular, é “o pequeno

agricultor familiar, proprietário ou não de terra, que organiza sua vida mediante diferentes

graus de modalidade de combinação da produção para o mercado com a produção direta dos

meios de vida” (MARTINS, 2004, p. 45).

Quanto aos sistemas agroecológicos, compreendemos que esses mantêm uma

sinergia com a racionalidade produtiva camponesa, na medida em que combinam elementos

do conhecimento tradicional com métodos da ciência agrícola moderna. Nessa perspectiva, a

agricultura camponesa é a base sociocultural para a agroecologia.

A tematização da agroecologia coloca-se como uma problemática complexa,

quando analisada sob uma perspectiva de totalidade. O que implica em articular a dimensão

sociotécnica com as lutas sociais e ecológicas em resposta à marginalização e degradação

impostas pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante (MOREIRA, 2010; CANUTO,

1998).

É a vida concreta desses sujeitos que ocupa o centro de nossa atenção, mas não

como figuras míticas, personagens estáticos, tão pouco sujeitos pretéritos. Embora, muitos

esforços tenham sido empreendidos para negar-lhes um lugar na história. Pensar quem são

esses sujeitos, seus modos de vida, formas de resistência, de produção e reprodução, sob a

constante expropriação e exploração própria nas relações capitalistas de produção, é um

permanente desafio.

O nosso interesse em apreender de forma sistemática o universo rural e as

questões relativas à agricultura familiar camponesa, especialmente as experiências

agroecológicas, está fortemente relacionado ao nosso exercício profissional como Assistente

Social vivenciado no Centro de Estudos do Trabalho e de Assessória ao Trabalhador –

CETRA1, onde atuamos em uma equipe de Assessoria Técnica junto a agricultores do norte

do Estado do Ceará2, cenário desta investigação.

Apesar de termos, no período de graduação, oportunidade de estagiar em um

projeto de extensão em comunidade rural, acreditamos que nossa formação acadêmica

privilegiou substancialmente as dimensões da questão social relacionadas às demandas

1 O Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - CETRA é uma organização não-governamental, com sede em Fortaleza, criada em 1981, com o objetivo de prestar assessoria sócio jurídica a agricultores familiares para o acesso ao direito de propriedade da terra. Atualmente, suas ações estão voltadas para a construção do Desenvolvimento Rural Sustentável e Fortalecimento da Agricultura Familiar, numa perspectiva solidária e agroecológica. Prioritariamente, a instituição atua em duas regiões do estado do Ceará: região Norte com influencia do município de Itapipoca e micro região do Sertão Central com influencia do município de Quixeramobim. 2 Essa região corresponde ao atual Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, antes chamado de Território de Itapipoca.

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urbanas. Desse modo, a experiência de trabalho no CETRA ganha destaque, pois foi a que nos

revelou as particularidades do meio rural e, de modo especial, a realidade vivida por

agricultores e agricultoras do semiárido cearense. Nesse espaço compreendemos que a região

não é formada só de clima, vegetação, solo, sol ou água, mas de música, festa, arte, religião,

política e história (MALVEZZI, 2007).

A ação profissional voltada aos processos de organização social vivenciados no

cotidiano dos assentamentos e comunidades rurais possibilitou a nossa aproximaçãocom os

agricultores familiares, concomitantemente, com suas estratégias de produção, reprodução e

resistência, materializadas e expressas por meio dos seus modos de vida, cotidiano e

organização social. Nesse contexto, a agroecologia emerge enquanto objeto de pesquisa

passando a ser aprendida de forma mais ampla, isto é, como crítica ao padrão de

desenvolvimento hegemônico, expressão de resistência e alternativa em contraposição às

formas dominantes de produção agrícola imposta pelo agronegócio.

Contribuíram ainda para essa aproximação a participação, junto aos movimentos

sociais do campo, as ações mobilizadas pela Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA3e, de

forma particular, os encontros de formação promovidos pela Rede de Assistência Técnica e

Extensão Rural do Nordeste4 (Rede ATER - NE), ambos herdeiros dos movimentos de

contestação e crítica que tomaram força na segunda metade da década de 1970 e início dos

anos 1980, questionando o paradigma da agricultura moderna baseada na revolução verde.

3 Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA é um fórum de organizações da sociedade civil, que vem lutando pelo desenvolvimento social, econômico, político e cultural do semi-árido brasileiro, desde 1999. Atualmente, mais de 700 entidades dos mais diversos segmentos, como igrejas católicas e evangélicas, ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais, fazem parte da ASA”. Seus principais programas são: Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC); o projeto demonstrativo do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2); e o Programa Bomba D'Água Popular (BAP) e outros. Disponível em : <http://www.asabrasil.org.br/>. 4 A Rede ATER - NE é composta por 13 organizações não governamentais que atuam no fortalecimento da agricultura familiar na região Nordeste, estas entidades são detentoras de um amplo acúmulo no campo da organização comunitária, das tecnologias sociais, do crédito, do cooperativismo, da assessoria jurídica entre outros. São elas: Movimento de Organização comunitária (MOC), Associação de Orientação à Cooperativas do Nordeste (Assocene - Recife), Centro de Estudos do Trabalho e Assessória ao Trabalhador (CETRA) e Diaconia, além das entidade que compunham a antiga Rede PTA no Nordeste, como Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (Caatinga), Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (Patac), o Cetro Sabiá, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), o Serviço de Assessoria às Populações Rurais (Sasop) e o Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar). A participação do CETRA na dinâmica da Rede caracteriza a intencionalidade de se desenvolver um projeto coletivo pautado na construção do conhecimento agroecológico, no aprimoramento técnico-metodológico, no fomento ao diálogo com organizações públicas e privadas, no sentido da efetivação da Política Pública de ATER e mobilização de recursos para a sua execução.

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Assim sendo, a presente pesquisa parte do exercício profissional cotidiano de uma

Assistente Social5 que busca, em seu processo de trabalho, romper com uma visão endógena

de sua profissão, ao mesmo tempo em que busca apreender as determinações que incidem

sobre a realidade em que está situada, para melhor intervir, apontar respostas, alternativas e

caminhos. A realidade é espaço fértil no qual se tecem as relações sociais e as diversas

expressões socioculturais dos camponeses do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu.

Experiências concretas de homens e mulheres que atribuem à terra a razão de seu trabalho e

vida.

Nesse sentido, o II Encontro Nacional de Agroecologia – ENA6, realizado no ano

de 2006, na cidade do Recife, permitiu-nos observar a pujança das experiências que

apontavam para “[...] outras práticas, antigas, novas ou renovadas, sinalizadoras de um jeito

diferente de produzir, distribuir, escolher, valorizar e consumir alimentos” (SCHIMITT, 2011,

p. 4). Como porta-vozes dessa realidade, estavam camponeses, agricultores familiares,

indígenas, pescadores, quilombolas, extrativistas, bem como técnicos, gestores públicos,

representantes de movimentos sociais, estudantes e pesquisadores de diferentes cantos do

Brasil e de países da América Latina. Todos os participantes traziam múltiplas experiências:

produção orgânica, agroecológica, feiras livres, comercializaçãode produtos ecológicos,

venda direta para o consumidor, redes informais, distribuição de alimentos para a merenda

escolar, além de experimentação de tecnologias sociais adaptadas a cada agroecossistema

(SCHIMITT, 2011).

Mais do que práticas de produção, mobilização, comercialização, preservação e

construção de saber, essas experiências têm se colocado em defesa da autonomia e reprodução

familiar.

O referido encontro motivou-nos a buscar o entendimento sobre o repertório de

experiências que compõe a transição agroecológica em curso. Inicialmente, questionávamos a

5 No Serviço Social a produção de conhecimento relativo à questão agrária e ao mundo rural ainda é pequena e recente, contudo fértil. Há um esforço tanto em nível da graduação quanto da pós-graduação, no sentido de buscar compreender essa particularidade da questão social, inserido na dinâmica contraditória do real. Na opinião de Iamamoto, decifrar e intervir no mundo rural exige dos Assistentes Socais “[...] uma compreensão do que seja a propriedade privada capitalista, o Estado, e as políticas agrárias e agrícolas, estrutura fundiária, a luta pela reforma agrária na sociedade brasileira e os impedimentos para a sua realização etc.” (2000, p. 73). Nesse sentido destacamos a militância e contribuição da Profa. Severina Garcia de Araújo quanto aos estudos realizados no âmbito do Serviço Social acerca da questão agrária, e particularmente, dos assentamentos rurais. 6Participaram desse evento 1.731 pessoas, vindas de diferentes regiões do país. Do total de participantes 57% no ato da inscrição se auto - identificaram como extrativistas, agricultores familiares, quilombolas, indígenas, agricultores urbanos e artesão , enquanto os 43% dos inscritos eram compostos por técnicos, gestores públicos, agentes da pastoral, extensionistas, agentes de saúde, professores e consumidores (SCHIMITT e TYGEL, 2009).

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respeito das mudanças na vida das famílias agricultoras, desencadeadas pelos processos de

transição de uma agricultura convencional para a agricultura agroecológica. Para tentar nos

aproximar das possíveis respostas, questionávamos: quem são esses sujeitos sociais, como e

quando passam a praticar uma agricultura baseada no enfoque agroecológico? Em que

contexto essa experiências são desenvolvidas?

Em face dessas questões, passamos a compreender que tal processo se coloca,

ainda que de forma restrita, como contraponto a esse padrão homogeneizante imposto pela

agricultura considerada moderna. Processo aquele que envolve mudanças relativas ao uso de

insumos químicos pelos naturais, resgate e fortalecimento das práticas tradicionais,

diversificação dos sistemas produtivos, conservação e preservação das sementes, produção

voltada para o autoconsumo, bem como a busca por uma maior gestão dos recursos naturais e

produtivos e participação direta na comercialização.

Diante dessas questões, a investigação objetiva analisar as mudanças decorrentes

do processo de transição da agricultura convencional para a agricultura agroecológica no

cotidiano dos agricultores familiares articulados à Rede de Agricultores Agroecológicos e

Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Como caminho para o

aprofundamento desse objetivo, procuramos identificar as formas de organização social

anteriormente presentes no cotidiano desses sujeitos, apreender os determinantes que os

levam ou os levaram a adotar a agroecologia, atentando para verificar as formas de resistência

e, por fim, as estratégias construídas pelos agricultores e como elas se articulam

coletivamente.

O estudo das experiências de base ecológica e, especificamente para esta

investigação, de transição agroecológica foi realizado no Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu, historicamente marcados pela presença da agricultura familiar camponesa,

marginalizada pelo processo de modernização técnica da agricultura. Esse universo empírico

foi escolhido, em princípio, por concentrar as dinâmicas sociais de inovação agroecológica

desse Território, além de se configurar como ambiente que tem se afirmado como espaço de

articulação, troca e construção de conhecimento agroecológico7 entre os agricultores

familiares, Organizações não-governamentais e movimentos sociais do campo em geral.

Com base em estudos de Costabeber e Moyano (2009), entendemos que as

investigações referentes ao universo da agricultura familiar camponesa têm privilegiado a

7 O termo “conhecimento agroecológico” é utilizado pelas organizações e movimentos sociais que compõe a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA. Ele diz respeito ao processo de elaboração de novos saberes a partir do diálogo entre os conhecimentos tradicionais dos agricultores com o saber técnico-acadêmico.

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dimensão econômica nas análises teóricas e empíricas. Para os autores, essas explicações são

superficiais no que se referem à “complexa e heterogênea realidade da agricultura enquanto

espaço de produção e reprodução sociocultural, econômica e ambiental” Para essa análise,

tomamos como base o pensamento de Guzmán (2001, p. 18), quando fala que a “[...]

agroecologia tem uma natureza social, uma vez que se apoia na ação social coletiva de

determinados setores da sociedade civil vinculados ao manejo dos recursos naturais, razão

pela qual é também, nesse sentido, sociológica”.

Buscamos, dessa forma, tematizar a agroecologia em uma perspectiva sócio

política e ambiental no âmbito das lutas sociais no campo o que inclui as dimensões técnicas,

econômicas e culturais, com atenção voltada para os processos sócio históricos em que estas

dimensões são estruturadas (MOREIRA, 2010). Pois, conforme alerta os estudos críticos,

muitos conceitos e proposições têm dado um novo direcionamento social às práticas e ao

desenvolvimento sem analisar profundamente as determinações entre a sociabilidade do

capital e a vida cotidiana.

Os altos índices de pobreza rural, insegurança alimentar, degradação dos recursos

naturais, perda da biodiversidade e o agravamento das mudanças climáticas são manifestações

da crise ambiental, que alguns pesquisadores dizem tratar-se de uma crise civilizatória.

Chesnais e Serfatir (2003) argumentam que essa crise na realidade é a própria crise do

capitalismo, de modo que, acrescentam os autores, é impossível dissociar as formas

econômicas de dominação da problemática ambiental da questão social e das condições de

vida de milhares de trabalhadores do campo e da cidade. Esse cenário leva-nos ainda a

questionar as estratégias adotadas pelo capital para se apropriar de todas as formas de

manutenção da vida, sejam elas materiais e imateriais.

Mais recentemente, dados divulgados pela FAO registram que o número de

famintos voltou a assustar o mundo pelo ressurgimento de problemas ligados à produção de

alimentos, o que faz aproximar ainda mais a produção de alimentos da questão ambiental. É

evidente que o padrão convencional de produção, baseado nos princípios técnico-científicos

da revolução verde, além de contribuir com o esgotamento dos recursos naturais, não cumpriu

sua promessa de eliminar a fome no mundo. A insustentabilidade desse modelo tem

provocado crescentemente o debate em torno da agroecologia, “utopia” que nasce das

experiências concretas vivenciadas por camponeses de todo o mundo.

Em 2010, o relator das Nações Unidas para o Direito Humano à Alimentação,

divulgou um relatório que afirmava que a Agroecologia “pode a um só tempo aumentar a

produtividade agrícola e a segurança alimentar, melhorar a renda de agricultores familiares e

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conter a tendência de erosão genética gerada pela agricultura industrial” (WEID, 2012, p. 10).

Em um contexto onde o hegemônico é o agronegócio, quais desafios estão colocados para a

proposição agroecológica ?

No Brasil, o campo agroecológico caracteriza-se como um território heterogêneo,

tanto em relação aos contextos ambientais, aos sujeitos que dele participam quanto à

diversidade de abordagens metodológicas, vivenciadas de forma desigual entre as

organizações de assessoria à agricultura familiar, movimentos sociais rurais e instituições de

ensino, pesquisa e extensão. Adicionalmente, Petersen e Caporal (2012) analisam que, no

caso brasileiro, tanto a sociedade civil organizada, e, especificamente, os movimentos

camponeses e da agricultura familiar ainda não têm a defesa da agroecologia como

fundamento de suas pautas de negociação com os governos. Desse modo, pode-se afirmar que

o país não conta com um projeto nacional orientado para o desenvolvimento mais sustentável,

uma vez que o conjunto das políticas voltadas ao meio rural permanece reproduzindo a lógica

produtivista do projeto de modernização impulsionado a partir de 1960 (ibidem, p. 63).

Como amplamente desenvolvido em outros estudos, essa discussão dá-se em um

contexto de disputa onde, de um lado está o agronegócio (agricultura empresarial capitalista),

do outro a agricultura familiar camponesa. O primeiro conta com o Estado para afirmar sua

hegemonia nos planos político, econômico e ideológico.

O estudo ora apresentado mostra, para enriquecer esse debate, os caminhos da

transição agroecológica, construídos e percorridos cotidianamente por agricultores e

agricultoras sob a pressão continua desses embates. As experiências, ainda que restritas, têm

contribuído no estabelecimento de novas solidariedades, conhecimentos, relações, valores que

estão abrindo caminhos para a construção de uma nova racionalidade produtiva.

Ainda, baseados em Marx, entendemos que as transformações e a própria

revolução social nascem da realidade concreta da vida dos homens, elas “[...] não se fazem

com leis” (2003, p. 863). Ianne enriquece a reflexão ao dizer que “[...] não são

necessariamente uma ruptura, total, violenta. Pode ser lenta, desigual, contraditória. Sempre

engendram ou dinamizam forças adversas, contrarrevolucionárias. Vem de longe, vai longe”

(1986, p. 135).

Essa realidade provoca a atenção de estudiosos de diferentes áreas do

conhecimento, comprovando sua pertinência nos aspectos sociais e políticos, bem como nos

interesses científicos. Por esse viés, a pesquisa se justifica, por um lado, porque as respostas

ou os resultados obtidos poderão fornecer pistas importantes para melhor compreender a

presença e reprodução das formas de agricultora familiar camponesa; por outro, porque

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iluminam os desafios cotidianos lançados aos profissionais que atuam junto a esse universo,

particularmente ao Assistente Social, no enfrentamento da questão social no campo e, ainda,

essas experiências podem aclarar outras formas de produzir e vivenciar a agricultura.

A dissertação encontra-se apresentada em quatro capítulos, sendo o primeiro

dedicado a uma reflexão crítica, situando historicamente a problemática de estudo bem como

os principais conceitos que permitiram a análise da realidade: modernização da agricultura,

questão ambiental e agroecologia. O segundo capítulo apresenta os referenciais teórico-

metodológicos, os sujeitos, os procedimentos de pesquisa e trabalho de campo, assim como as

categorias fundamentais, enquanto o terceiro capítulo traz uma caracterização do contexto

sócio histórico do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, a fim de situar as experiências

de transição agroecológica. O quarto capítulo, por sua vez, trata da análise das experiências a

partir da trajetória social, identificando as motivações, principais dificuldades, as estratégias,

as formas de resistências como forma de buscar por autonomia produtiva e reprodutiva das

famílias. Por fim, a última sessão dedica-se às considerações finais do trabalho e referencias

bibliográficas.

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CAPÍTULO 1

2 TRANFORMAÇÕES DA AGRICULTURA BRASILEIRA E A AGROECO LOGIA

Já não é mais possível ocultar a crescente insustentabilidade socioambiental do

modelo hegemônico de desenvolvimento e, particularmente, da produção agropecuária

baseada na industrialização da agricultura (da revolução verde, do agronegócio empresarial).

Em contraposição a essa lógica dominante, vem sendo construídas, ao longo das últimas

décadas do século XX no Brasil, estratégias de desenvolvimento rural pautadas em

experiências concretas da agricultura familiar camponesa em diferentes regiões do país

(PETERSEN & CAPORAL, 2012). Dentre essas propostas, destacam-se aquelas articuladas

em torno da agroecologia – proposição que nasce em reação aos impactos sociais e ambientais

causados pelo processo de modernização da agricultura implantada pelo Estado ditatorial em

consonância com os interesses dos (grandes) proprietários de terra e de grandes grupos

econômicos.

Essa modernização seguiu a Revolução Verde, provocando profundas mudanças

na base produtiva agrícola brasileira, bem como danos quase irreparáveis à terra, aos recursos

naturais e aos seres humanos. Se por um lado resultou no aumento da produção e da

produtividade fortemente integrados a mercados agroalimentares, por outro, resultou na

expropriação e exploração de milhões de trabalhadores do campo, tanto pelos latifundiários,

quanto pelas grandes empresas nacionais e internacionais ligadas ao capital financeiro. A

resistência dos camponeses a essa dupla violência fez da questão agrária um problema de

segurança nacional (SILVA, 2004).

Segundo Silva (2004), o processo de modernização da agricultura não pode ser

compreendido somente pela ótica da elevação da produtividade e da adoção de novas

tecnologias, há de considerá-lo como um produto histórico do avanço das relações capitalistas

de produção no campo. Associado a isso, a modernização aprofundou a concentração da

propriedade da terra e a exclusão de milhares de camponeses ao seu acesso, já precário, assim

como o afastamento do seu meio de trabalho - a terra.

A expropriação e a exclusão da população rural constituem, segundo encontramos

em Marx (2003, p. 873), a base da acumulação primitiva do capital. Assim,

[...] a transformação dos meios de produção individualmente dispersos em meios socialmente concentrados, da propriedade minúscula de muitos na propriedade gigantesca de poucos; a expropriação da grande massa da população, despojada de suas terras, de seus meios de subsistência e de seus instrumentos de trabalho; essa terrível e difícil expropriação constitui a pré-história do capital.

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Marx desenvolveu, segundo analisa Martins (2004), uma compreensão que faz do

campesinato um agente histórico da transformação social, ainda que tenha um papel

complementar a outros grupos sociais, especialmente a classe operária. Coube, portanto, ao

campesinato revelar a desumanização própria da acumulação primitiva, papel que o

proletariado não pode cumprir. “É no campesinato e nas lutas camponesas que Marx encontra

a consciência reveladora das destruições sociais que o capital propõe e realiza para se apossar

tanto da força de trabalho quanto da terra” (MARTINS, 2004, p. 57).

Atualmente vivemos novos episódios da guerra do capital, mas, ao arrancar o

campesinato da terra, esta guerra evidencia que serviu de fundamento para o modo de

produção capitalista e as formas de dominação que lhes são próprias. Chesnais e Serfati

(2003) avaliam que essa expropriação continua presente nos dias atuais, pois seu núcleo situa-

se nas relações de produção e de dominação.

Para apreendermos a realidade que caracteriza o desenvolvimento de agriculturas

mais sustentáveis, onde se encontram as experiências agroecológicas, procuramos situar o

processo de modernização da agricultura. Pois, longe de serem consideradas “vítimas

passivas” da modernização, conforme analisa Ferrari (2010,p.1), os camponeses continuam

revelando e desenvolvendo estratégias de reprodução social e econômica, “tanto aqueles que

buscam enfrentar os efeitos de sua inserção no processo de modernização, como aqueles que

se viram excluídos das políticas que lhe deram sustentação”.

Baseado em Petersen e Caporal (2012), entendemos que o conjunto das políticas

públicas para o espaço rural continua sendo orientado pela lógica produtivista e mercantilista,

daí a necessidade de atualizar a discussão acerca da modernização a fim de iluminar o nosso

objeto de estudo. Discussão essa que se inicia a seguir.

2.1 A modernização conservadora da agricultura no Brasil

Conforme Kageyama, citado por Wanderley (2009, p. 36), “a modernização da

agricultura foi um projeto que se impôs ao conjunto da sociedade sob o argumento de que

seria o portador do progresso para todos”. Porém, o que se observou, segundo Wanderley, foi

o financiamento dos grandes proprietários com recursos públicos e o acirramento da

concentração da terra. Nesse caso, a introdução do moderno se deu pela reprodução das

tradicionais formas de dominação. Para a autora, o processo de modernização resultou na

“expulsão da grande maioria dos trabalhadores não proprietários de suas terras e na

inviabilização das condições mínimas de reprodução de um campesinato em busca de um

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espaço de estabilidade” (2009, p. 37), o que determinaria ao longo da história o lugar social

desses sujeitos na sociedade brasileira.

Delgado (2010) destaca duas características marcantes desse período: uma

relacionada ao importante papel do Estado na implantação da modernização, e a outra que diz

respeito ao caráter conservador do processo, já que não representou qualquer rompimento

com as elites agrárias.

As orientações político-econômicas do Estado voltadas para a agricultura e para

os setores estratégicos no período de 1950-1964 foram, conforme destaca Iamamoto, parte de

um processo de construção de novas bases à acumulação. O Estado nesse período mantém um

crescimento do tipo dependente, explica a autora (2006, p. 1270):

[...] investe no setor produtivo, produtor de mercadorias, e serviços e que socializa os custos da industrialização, favorecendo o capital internacional ,e, secundariamente a burguesia nacional. O tripé em que se apoia a base produtiva é formado por empresas estatais, burguesia nacional e capital estrangeiro de importantes setores da estrutura produtiva. Nesse período, desenvolve-se um novo estágio do processo de internacionalização da economia nacional. Passa o país a figurar com um dos núcleos dinâmicos do circuito monopolista na periferia dos centros econômicos mundiais.

Sobre a modernização conservadora, Delgado (2010, p. 22-23) destaca algumas

características:

O credito agrícola subsidiado concentrou-se nas regiões Sul e Sudeste, acentuando os desequilíbrios regionais existentes; (2) privilegiou principalmente os grandes produtores e alguns médios, aumentando a concentração fundiária (houve uma queda do número de estabelecimentos com menos de 5 há); (3) favoreceu basicamente os produtos agrícolas destinados à exportação, o que, justamente com o aumento da relação preços das exportações/preço dos produtos alimentícios, provocou um acentuado desequilíbrio nas relações entre produção para exportação e produção para a alimentação, piorando a distribuição de renda no meio rural; (4) a modernização da agricultura esteve intimamente associada a uma onda de internalização do que na época se chamou de “complexo industrial, a montante e jusante, com a liderança das empresas multinacionais, num processo que foi também conhecido como “industrialização (e internacionalização) da agricultura” ou da “revolução verde”; (5) é impensável sem a conjuntura internacional extremamente favorável, tanto do ponto de vista da demanda por exortações de produtos agrícolas, como pela disponibilidade de crédito no sistema financeiro mundial; (6) promoveu um violento processo de expulsão de mão de obra no campo, especialmente onde a modernização foi mais intensa: o Sudeste e o Sul foram responsáveis por cerca de 60% do total das migrações ligadas ao meio rural nas décadas de 1960 e 1970.

Esse processo produziu profundas transformações socioeconômicas no meio rural,

mas não só isso. Se por um lado permitiu um aumento da produtividade, maior oferta de

alimentos e ampliação da capacidade de exportação de produtos primários, por outro

provocou grande desequilíbrio nos biomas, mudanças nas práticas agrícolas tradicionais,

agravamento da concentração fundiária, aprofundando um processo de luta pela terra e a

expulsão de milhões de trabalhadores do campo em direção à periferia das cidades.

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É importante ressaltarmos que o processo migratório não é recente no meio rural

brasileiro. Da década de 30 até os anos de 1960, houve um expressivo êxodo provocado,

sobretudo, pela exclusão dos camponeses do acesso a terra e das condições de trabalho que

lhes assegurassem a sobrevivência. A agricultura familiar camponesa constitui-se, nas

palavras de Wanderley (2009, p. 60), como um setor bloqueado e, historicamente,

impossibilitado de desenvolver suas potencialidades. Sobre esse bloqueio, a autora explica:

O acesso à terra e a constituição de um sistema de produção, capaz de “fechar o circulo” da subsistência familiar sempre foram elementos sabidamente frágeis na história do campesinato brasileiro e raramente ofereceram a garantia necessária para a fundação de uma economia camponesa estável e próspera.

No que tange às políticas públicas e visões dominantes sobre a pequena produção

familiar rural, predominou, de acordo com Moreira (2011, p. 6), a “ideologia de subsistência,

com base na ideologia nas relações sociais da morada de favor[...]”. Tanto os trabalhadores

do Nordeste açucareiro quanto os colonos do Café em São Paulo costumavam morar no

interior das plantações. Essa concessão, explica o autor, “de um lado, não reconhecia os

direitos trabalhistas e, de outro, garantia a fixação de trabalhadores nas plantações”

produzindo a cana, o café e ainda os principais itens alimentícios como o arroz, o feijão, a

macaxeira, entre outros.

A produção de alimentos no interior das grandes fazendas, conclui Moreira

(2011), fez com que essa atividade passasse a ser entendida como de subsistência e,

consequentemente, os sujeitos a ela associados - os moradores, os parceiros, os posseiros e os

pequenos proprietários independentes - tratados como incapazes ao desenvolvimento

econômico e social.

Essa visão orientou ideologicamente a formulação das políticas públicas voltadas

a esse segmento e que só foi alterada mais recentemente. Quanto à condição de subsistência,

ela se naturalizou e, paulatinamente, foi materializada na forma políticas assistenciais, na qual

se buscava, por meio de ações mitigadoras, suavizar a frágil condição de trabalho e vida das

famílias no campo e, ao mesmo tempo, preservar a precária condição produtiva e as condições

de subsistência (MOREIRA, 2011). Em que medida essa realidade mudou e, atualmente,

quais são as estratégias política, econômica e social que têm potencializado o

desenvolvimento da autonomia desse importante segmento social?

Na década de 1960, o movimento migratório se intensificou motivado pela

modernização acelerada da agricultura, particularmente no segmento exportador voltado à

produção de insumos para as agroindústrias. Kageyama (2008, p. 73), baseada em Cano,

aponta que a modernização da agricultura, além de expulsar um contingente de mão – de –

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obra, foi responsável também em transformar parte dos trabalhadores em “boias frias, que

vivem produtivamente no mundo rural, mas socialmente no mundo urbano”.

Araújo, ao comentar Martine, nos lembra de que foram expulsos 16 milhões de

agricultores apenas na década de 1970 e quase 30 milhões entre a década de 1960 e a década

de 1980 (ARAÚJO, 2005).

Embora baseada em lei, a modernização foi dolorosa para os agricultores

(WANDERLEY, 2010) e foi acompanhada da expropriação e da exploração dos pobres do

campo, conforme demonstra Silva (1999, p. 66):

Arrancam-lhe não só a roça, os animais, os instrumentos de trabalho. Desenraizam-nos. Retiram-lhe, sobretudo, a identidade cultural, negando-lhe a condição de trabalhador [...] . A condição de trabalhador rural, posseiro, colono, arrendatário, parceiro, sitiante é substituída pelo volante, eventual, ocasional, aquele que voa, irresponsável, que não para em nenhum lugar, que não tem responsabilidades.

Por outro lado, essa modernização conservadora e excludente intensificou, no

final dos anos 1970 e o inicio dos 1980, os conflitos e a luta de resistência de outros milhões

de camponeses em confronto com os latifundiários, empresas e grupos econômicos

beneficiários das benesses das políticas públicas do Estado ditatorial. O esgotamento do

“milagre brasileiro”, o aprofundamento da crise da ditadura militar e outros acontecimentos

políticos, tais como a anistia, a volta do exílio, o fim do bipartidarismo, as pressões por

reforma agrária - articulados pela igreja, partidos políticos, sindicatos e federações de

trabalhadores -, a liberdade de imprensa, as greves rurais e urbanas trouxeram para a cena

politica novos atores8 (MEDEIROS, 1989; SILVA, 1999).

Do ponto de vista dos trabalhadores do campo, diz Medeiros (1989), essas lutas

deram um salto de qualidade, a reforma agrária que até então ficava restrita aos conflitos do

campo passa a ter visibilidade política. Duas razões são importantes para compreender esse

período, explica a autora. Uma é o novo momento vivido no país possibilitando um novo

espaço para sua expressão e a outra é a entrada de novos mediadores na disputa pela

representação dos trabalhadores, como por exemplo, a constituição da Confederação Nacional

dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e de setores da igreja, sensíveis aos anseios desse

segmento social como a Comissão Pastoral da Terra.

8No inicio dos anos 80, agregam-se à luta pela terra novos personagens gerados, de acordo com Medeiros (1989, p. 139), na “exclusão de seringueiros dos seringais nativos, para transformá-los em pastagens, na construção de estradas para usinas hidroelétricas ou pela exclusão a que milhares de trabalhadores agrícolas foram condenados frente ao rápido avanço da modernização no campo”.

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Dentro de um amplo leque de lutas e reivindicações em resposta à crise

econômica provocada pelo modelo dominante, a questão da reforma agrária passou a ganhar

visibilidade política sem precedentes na história do país, mas também outras manifestações,

como acrescenta Medeiros (1989 p. 15) “as greves dos assalariados em diversas regiões, lutas

dos pequenos produtores marginalizados e integrados por melhores preços para os produtos”.

Nesse quadro, as lutas no campo vão se abrir e se diversificar “[...] passando os movimentos a

não mais visarem especificamente à questão da terra”, como registra Almeida (1999, p. 55).

Para esse autor, tais ações em prol da Reforma Agrária passam a englobar, pouco a pouco,

além dessa questão, temas vinculados ao meio ambiente e também à modernização da

agricultura.

Nesse período, ganha revelo no âmbito internacional e nacional, a crítica

contundente ao caráter excludente dos efeitos ambientais, culturais, econômicos e sociais do

processo de modernização agrícola da revolução verde implantados no Brasil e nos países da

América Latina a partir da década de 1970 (DELGADO, 2010).

A legitimação política e ideológica da Revolução Verde significou a gradativa

perda de autonomia das famílias agricultoras. Isso ocorreu na medida em que foi introduzido

de forma significativa na produção agrícola o uso de motores a explosão ou elétrica, tratores,

maquinas complexas, adubos inorgânicos e agrotóxicos. Esse processo tornou os agricultores

dependentes da indústria agroquímica para obtenção de sementes e outros insumos. Isto é, a

capacidade de decisão dessas famílias sobre o que, como e onde produzir passou a ser imposta

mais diretamente pelas necessidades do mercado (CARVALHO, 2009).

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia nunca foi neutro. Por detrás da "autonomia da pesquisa" (que o capital financeiro não tolera nem mais como um mito), sempre houve possantes mecanismos objetivos (o financiamento, os modos derecompensa do sucesso) e subjetivos (a interiorização dos valores da sociedade burguesa) que a orientaram segundo os impulsos da acumulação e da hierarquia dos objetivos do capitalismo (CHESNAIS & SERFATI, 2003, p. 24)

As transformações na agricultura brasileira e, de forma específica, a disseminação

e o uso dos “pacotes tecnológicos” da revolução verde não fugiram a essa regra, provocando

profundas modificações no sistema de produção e no cotidiano camponês. Segundo Guzmán

(2001, p. 35), este fato ocasionou sobre as zonas rurais forte homogeneização sociocultural e,

consequentemente, certa corrosão do conhecimento local que, conforme argumenta esse autor,

fora “desenvolvido e apropriado mediante a integração entre homem e a natureza, em cada

ecossistema específico”.

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Esse processo significou também a erosão dos recursos bióticos, a perda da

diversidade dos recursos silvestres e da variedade das espécies cultivadas. Leff (2000)explica

que os cultivos diversificados que conservavam alta produtividade natural se transformaram

em monoculturas, alterando a base de produção das comunidades rurais, então baseadas no

consumo de culturas autóctones adaptadas às condições ecológicas e climáticas específicas,

resultando na alteração dos níveis nutricionais e alimentares da população. Até a década de

1970, os sistemas de policultivo e criação animal eram responsáveis pelo autoabastecimento

das famílias, estas então responsáveis pelo cuidado e conservação das sementes, reprodutores,

forragem, grãos, raízes, esterco entre outros (MAZOYER & LAURENCE, 2010).

O uso das técnicas ditas “modernas” em maior escala de investimentos de capital

em substituição aos recursos tradicionais trouxeram, além da destruição do meio físico e

biológico, a degradação da qualidade de vida tanto de quem vivia no campo quanto na cidade.

Essa realidade rompeu com os sistemas culturais de cultivo na medida em que as famílias

agricultoras foram integradas a uma nova racionalidade produtiva. De acordo com Navarro

(2011), a mercantilização da vida social, característica desse processo, findou pouco a pouco

com a relativa autonomia experimentada por alguns grupos em outros tempos.

É consenso entre os pesquisadores que essa modernização não se implantou de

maneira homogênea na realidade brasileira, ficando predominantemente concentrada em

certas regiões. Na região Sul, por exemplo, berço da modernização da agricultura, esse

processo significou segundo Schmitt (2003, p. 62)

A especialização excessiva, a dependência em relação a insumos externos, a fraca integração entre os diferentes sistemas de cultivo e criação, a perda das variedades localmente adaptadas, a erosão do conhecimento referente ao manejo da biodiversidade local, a degradação da qualidade do solo e da água, e a crescente desvalorização pelos agricultores das atividades produtivas destinadas à reprodução dos sistemas agrícolas são alguns dos impasses enfrentados por técnicos e agricultores que trabalham com agroecologia naquelas áreas da Região Sul mais fortemente afetadas pelo processo de modernização.

Ainda de acordo com autora (ibidem, p. 62), também encontramos

[...] áreas historicamente marginalizadas pela Revolução Verde, marcadas por grande riqueza biológica e cultural, mas nas quais os agricultores enfrentam problemas de acesso ao mercado e de exclusão em relação às políticas públicas.

Na região do semiárido, a modernização expressou-se de maneira localizada, pois

não se verificou a generalização do pacote tecnológico nem a constituição dos complexos

agroindustriais assim como ocorreu em outras regiões. Para Barbosa (2003), uma das

principais transformações vivenciadas nesse espaço, diz respeito às mudanças nas relações

sociais de produção, em especial na relação de parceria entre os grandes proprietários

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fundiários e as famílias agricultoras, que moravam e trabalhavam nas grandes fazendas,

gerando assim situações de conflito social.

Ainda segundo o autor (BARBOSA, 2003, p,26), esse cenário também gerou

grande diferenciação nos empreendimentos agrícolas, passando a conviver “nos mesmos

espaços empresas agrícolas modernizadas, empresas tradicionais poucotecnificadas,

latifúndios improdutivos, agricultores familiares modernizados e tradicionais”.

2.2 As expressões do capitalismo nas relações de produção no campo

A apreensão das determinações que a estrutura do sistema do capitalismo impõe

sobre a agricultura e a questão ambiental na contemporaneidade exigem uma compreensão de

sua gênese e de seu desenvolvimento no campo brasileiro. Gorender (1994, p. 16), inspirado

em Marx, define assim o capitalismo:

[...] como um modo de produção em que operários assalariados, despossuídos de meios de produção e juridicamente livres, produzem mais-valia; em que a força de trabalho se converte em mercadoria, cuja oferta e demanda se processam nas condições de existência de um exercito industrial de reserva; em que os bens de produção assumem a forma de capital, isto é, não de mero patrimônio mas de capital, de propriedade privada destinada à reprodução ampliada sob a forma de valor, não de valor de uso, mas de valor que se destina ao mercado.

Essa definição estende-se também à agricultura, ainda que de forma incompleta,

uma vez que ela se insere no sistema capitalista como um dos ramos da indústria, da

tecelagem, da siderurgia, do ramo mecânico entre outros (GORENDER, 1994).

Sobre a instituição da propriedade nas mãos da burguesia, denominada por Marx

(2003, p. 875) de acumulação primitiva, é decorrente “da expropriação da grande massa da

população [os camponeses], despojada de suas terras, de seus meios de subsistência e desses

instrumentos de trabalho” para transformar “[...] em capital os meios sociais de subsistência e

os de produção e converte em assalariados os produtores diretos” (MARX, 2003, p. 828).

O assalariado e o capitalista têm suas raízes na sujeição do trabalhador, isto é, na

metamorfose da exploração feudal em exploração capitalista9. Marx (2003, p. 829), assim

descreve a pré-história do capitalismo:

Marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seu meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários

9 O processo clássico de origem do capitalismo estudado por Marx não pode ser tomado como um processo universal, uma vez que foi peculiar a Europa Ocidental, especificamente a Inglaterra. Ainda para o autor baseado em Marx o capitalismo nasce das entranhas do feudalismo beneficiando-se de formas de acumulação primitiva de capital, como o colonialismo e o trafico de escravos (GORENDER, 1994).

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destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do camponês, que fica privado de terras, constitui a base de todo o processo.

No Brasil pós-abolicionista, foi implantado um regime de trabalho baseado no

trabalho livre, leia-se forçosamente livre, uma vez que com a liberalização da mão-de-obra

escrava instituiu-se em 1850 a Lei de Terra10, impedindo que as terras fossem livremente

ocupadas e ao mesmo tempo passando a acessá-las somente aquele que por ela pudesse pagar,

desse modo, “cessado o cativeiro do trabalhador, foi necessário instituir o cativeiro da terra”

(MARTINS, 2002, p. 167), pois o objetivo era garantir força de trabalho para atender a

expansão da grande lavoura e não a redistribuição de terra, conforme demonstrou Martins.

A gênese do capitalismo no campo brasileiro, estudado por Gorender, consiste na

transformação da renda da terra, seja pré-capitalista ou capitalista, em capital agrário.

Conforme Martins (2002), houve uma espécie de pacto, onde a grande lavoura possibilitou a

um só tempo a acumulação capitalista e a diversificação econômica. Se em outros países

predominou a separação entre a propriedade do capital e a propriedade da terra e, ao mesmo

tempo, a separação da classe dos capitalistas da dos proprietários de terra, no Brasil, revela o

autor, ambos se fundiram. Martins (1993, p. 86) destaca como exemplo o governo militar que

passou a subsidiar os grandes capitalistas, tornando-os, também, grandes proprietários de

terra. E, atualmente, nos fala o autor que, “[...] os grandes bancos, os grandes industriais, as

grandes empresas são proprietárias de terra, ou interessados na propriedade de terra mediante

a associação com outros grupos econômicos [...]”. Daí resulta a especificidade da questão

agrária brasileira, a do passado e a do presente.

É pelo mundo rural e pela penetração das relações capitalistas de produção na

agricultura e na pecuária, que as análises devem iniciar, assim justificam Chesnais e Serfati

(2003, p. 14):

Ali se situa um dos fundamentos mais cruciais do modo de produção e de dominação ao qual estamos submetidos e que se encontra também a origem de um dos mais permanentes mecanismos de agressão aos metabolismos sobre os quais a reprodução física da sociedade humana repousa. Estamos em presença de uma esfera em que o capital financeiro prossegue, mais ferozmente ainda, sua busca simultânea de lucro e de forças renovadas de dominação social. Ele se apoia num processo que remonta aos primórdios do capitalismo, mas que conheceu fases de trégua que, hoje, fazem figura da "idade de ouro".

10 A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 – Lei de Terras dispõe sobre normas do Direito Agrário brasileiro. Trata-se de uma legislação específica para a questão fundiária, que estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra. Esta Lei foi regulamentada em 30 de janeiro de 1854, pelo Decreto Imperial n°1318.

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O modo de produção capitalista, concentrador de riquezas, alterou radicalmente as

relações entre a sociedade e a natureza. Deslocou a satisfação das necessidades humanas

(valor de uso) para a produção de excedentes, estratégia necessária ao consumo e acumulação

de lucro (valor de troca). Mészáros (2002) chama esse fenômeno de “taxa decrescente do

valor de uso das mercadorias”, isto é, se produz cada vez mais mercadorias, porém com uma

menor vida útil.

O capitalismo tem levado ao extremo essa relação. Como expressão desse avanço,

destacam-se a destruição da força de trabalho e a degradação da natureza. Nas palavras de

Mészáros (2002, p. 18),

Sob as condições de uma crise estrutural do capital, seus conteúdos destrutivos aparecem em cena trazendo uma vingança, ativando o espectro de uma incontrolabilidade total, em uma forma que prefigura a autodestruição tanto do sistema reprodutivo social como da humanidade em geral

A consciência da interconexão entre as destruições ecológicas e as agressões

contra as condições de existência dos agricultores e agricultoras tem sido pauta dos

movimentos camponeses contemporâneos. Dentre eles, destacamos a Via Campesina,

organização internacional autônoma que congrega organizações de camponesas, pequenos e

médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas cujas

ações de mobilização têm denunciado entre outras questões os impactos negativos àsáude

humana e ao meio ambiente provocados pelo uso abusivo dos agrotóxicos, assim como

pautado a insustentabilidade do modelo agrícola dominante, no caso brasileiro, baseado no

agronegócio.

Com efeito, nas décadas de 1970 e 1980, a problemática ambiental, ganha força

na agenda de diferentes segmentos da sociedade mundial. As duas grandes crises do petróleo

ocorridas em 1973 e 1979 contribuíram “para alertar ainda mais sobre o perigo que

representaria a aproximação aos limites físicos do planeta, e o risco que suporia a

transferência do modelo produtivista dos países industrializados aos países em

desenvolvimento”11 (COSTABEBER. 2012, p. 17).

A publicação de A Primavera Silenciosa, de Raquel Carson, em 1962, representou

um marco para o movimento ambientalista da década de 1970 ao denunciar os efeitos do uso

de substâncias químicas, como agrotóxicos e insumos industriais sobre a qualidade de vida

das populações. Esses estudos foram duramente atacados pelas indústrias produtoras de

11Trecho da tese de doutorado de José Antônio Costabeber (1998) intitulada de Accioncolectiva y processos de transición agroecológica em Rio Grande do Sul, Brasil.

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agrotóxicos, o que não evitou que essa obra tornar-se um clássico na literatura ambientalista.

De acordo com Lisboa (2009), até a publicação dessa obra, os produtos da indústria química

eram vistos com entusiasmo.

Nessa década, a onda ambientalista12 começou a chamar atenção da sociedade,

também, para os impactos danosos causados pelos testes atômicos, usinas nucleares,

indústrias químicas e agrotóxicas. Os movimentos ambientalistas13 desse período passam a

pautar a proibição e uso de substâncias tóxicas, herbicidas, pesticidas, agrotóxicos (LISBOA,

2009).

Os sinais de esgotamento dos recursos naturais, antes considerados inesgotáveis

chamam atenção, pouco a pouco, para a questão ambiental, ainda que de forma difusa.

Baseado em Silva (2010, p.67), entendemos por questão ambiental “um conjunto de

deficiências na reprodução do sistema, o qual se origina na indisponibilidade ou escassez de

elementos do processo produtivo advindos da natureza, tais como matérias-primas e energia e

seus deslocamentos ideopolíticos”.

Outra produção importante para esse debate foi a publicação em 1972 do relatório

“The limitsofgrowth” (Os limites do crescimento) pelo Clube de Roma. O documento

anunciava, catastroficamente na perspectiva de Faladori e Tommasino (2000), que a

continuação do ritmo de crescimento levaria a uma catástrofe ecológica e humana, sobretudo

pela escassez de recursos naturais.

As teses do Clube de Roma apontavam o crescimento demográfico e a pressão

que este tem sobre os recursos naturais da terra como um problema a ser enfrentado por toda a

sociedade. No entanto, não questionava o consumo dos países centrais, ao mesmo tempo,

culpabilizava os “pobres” pela degradação do planeta.

12 Lisboa comenta Alier ao buscar diferenciar as diferentes tendências que compõe o movimento ambientalista internacional, propõe dividi-la em três correntes. A primeira carrega o nome de culto à natureza selvagem, possuía o caráter preservacionista e conservacionista, surgiu no final do século XIX e início do século XX , defendia fundamentalmente os ambientes naturais do avanço da modernidade. A segunda corrente agrega aqueles que consideram importante a conservação dos recursos naturais e, acreditam ser possível conciliar atividades econômicas e técnicas menos poluidoras de recursos naturais, ela é chamada por Alier de modernização ecológica. Por ultimo, a terceiro grupo , é formado por povos que lutam para preservar o meio ambiente em que vivem , são geralmente alvo de interesses políticos e econômicos, essa terceira corrente foi classificada pelo autor de ecologismo dos pobres, nela encontram-se os “povos indígenas e populações tradicionais - como extrativistas, pescadores artesanais, quilombolas e agricultores familiares – bem como, operários e moradores de áreas urbanas degradadas”. Lisboa esclarece que essa última corrente está em sintonia com o movimento de justiça social, nascido nas regiões urbanas degradadas no sul dos EUA (LISBOA, 2009, p. 130). 13Cabe lembrar que “os movimento ambientalistas têm como antecessores históricos os movimentos feministas, pacifistas, hippies etc.- movimentos de “contracultura” de larga visibilidade na década de 1960 - portadores de ideais de contestação às noções de progresso, de industrialização e de consumo, embora também estivessem aí implícitas outras problemáticas como as que dizem respeito à participação das mulheres, às contribuições da ciência e às questões étnicas” (SILVA, 2010, p. 83).

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Para Silva (2010), o documento é conservador e de inspiração neomalthusiana14,

na medida em que associa a miséria e a degradação ambiental ao crescimento populacional.

De acordo com os ideólogos do Clube de Roma (SILVA, 2010, p.169), “a pobreza não resulta

da desigualdade social, mas ao contrário: são as expressões desta última [...] que explicam o

aumento da pobreza e da depreciação das condições de vida na sociedade industrial”.

O relatório trouxe à cena as graves consequências do uso indiscriminado e

irracional dos recursos naturais, denúncias antes restritas aos movimentos ambientalistas e,

sinalizou ainda a “impossibilidade de crescimento ilimitado num sistema que depende da

existência de recursos naturais finitos” (SILVA, 2010, p 67).

Nesse processo de incorporar à problemática ambiental a agenda econômica e

social, destaca-se a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

(PNUMA), em 1972. No mesmo ano, foi realizada em Estocolmo, Suécia, a Conferência das

Nações Unidas sobre o Homem e Meio Ambiente. Na ocasião, foram definidos novos

conceitos e estratégias relacionadas às ideias de “desenvolvimento” e “meio ambientes” 15.

Os defensores do desenvolvimentismo apontam o crescimento econômico como

condição para a melhoria das condições de vida da população em contraponto às concepções

neomalthusianas do Clube de Roma, ao mesmo tempo em que celebraram o “progresso”

produzido indústria. O texto final expressa o acordo entre estas duas correntes quando afirma

a proteção ao meio ambiente humano como fundamental, ao mesmo tempo em que coloca o

desenvolvimento econômico e social como caminho para assegurar as melhores condições de

trabalho e de vida na terra (SILVA, 2010).

A incorporação da problemática da crise ambiental, bem como as questões de

preservação e conservação dos recursos naturais expressas na declaração, estavam longe de

sugerir uma alteração que fosse ao ritmo da produção, consumo e mudanças no padrão de

vida dos países desenvolvidos. Seu mérito, então, consistiu em dar maior visibilidade à

“questão ambiental”, já que permaneceram praticamente intocadas as causas da “questão

ambiental” e sua relação como o modo de produção capitalista (SILVA, 2010).

14 Segundo Malthus a população cresce conforme uma progressão geométrica, enquanto a produção de alimento cresce seguindo uma progressão aritmética. Embora posteriormente esta formulação tenha se mostrado equivocada, sua proposição quanto a contenção do crescimento populacional como garantia de meios de sobrevivência para todos, mostrou-se bastante influente. Segundo Silva (2010, p. 168) ao relacionar as variáveis: população, produção de alimentos e poluição, os neomalthusianos constataram que os países de desenvolvimento industrial avançado têm as menores taxas de natalidade, ocorrendo o inverso com os de industrialização tardia, levando estes últimos a exercerem uma maior pressão sobre os recursos naturais, levando os ideólogos do capital a justificarem os problemas ambientais como sendo criados por razões externas aos processos produtivos. 15Foram ainda criados nesse encontro o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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Nesse contexto, cabe destacar a concepção de Ecodesenvolvimento utilizada em

1973, por Maurice Strong, então diretor executivo PNUMA e, posteriormente, ampliada por

Ignacy Sachs (1994, apud FOLADORI & TOMMASINO, 2000, p. 43), o qual estabeleceu os

seguintes princípios básicos deste conceito, a saber:

i) satisfação das necessidades básicas, ii) solidariedade com as gerações futuras, iii) participação da população envolvida, iv) preservação dos recursos naturais e meio ambiente em geral, v) elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas, vi) programas de educação, vii) defesa da separação de países centrais e periféricos para garantir o desenvolvimento dos últimos.

A concepção de “ecodesenvolvimento” passou assim a ser amplamente

difundida, dando o tom das discussões a respeito da questão ambiental, até ser,

posteriormente,substituída pelo termo “desenvolvimento sustentável”.

Vinte anos após a primeira Conferência Mundial, foi realizada a II Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (Convenção RIO-92),

ocasião em que, de acordo com Leff (2000), tentou-se dissolver as contradições entre meio

ambiente e desenvolvimento, por meio do estabelecimento de um plano de ação mundial

voltado a “questão ambiental” - Agenda 21. A Rio-92 evidenciou-se como uma etapa

importante no contexto da proteção ambiental a nível planetário, complementam Chesnais e

Serfati (2003, p.36), mas confirma o reforço dos “direitos” do capital sobre a natureza.

Decerto, ela reconhece que os camponeses e as comunidades utilizaram e conservaram os recursos genéticos, desde tempos imemoriais, mas não lhes concede nenhum direito de gestão ou de propriedade sobre esses recursos. De fato, a conferência consagrou os direitos de propriedade intelectual sobre o vivente, legitimando em escala internacional aquilo que os grupos americanos tinham começado a obter em seu país desde o início dos anos oitenta.

2.3 Alternativas do capitalismo à questão ambiental e sua contraposição: Agroecologia

Antes de adentramos na principal temática do nosso trabalho, convém fazermos

algumas considerações acerca do conceito de Desenvolvimento Sustentável, termo

apresentado pelas Nações Unidas no relatório Nosso futuro Comum de 1987 (Relatório de

Brundtland), entendido como aquele que busca satisfazer as necessidades do presente, sem

colocar em risco a satisfação das necessidades das gerações futuras.

O desenvolvimento sustentável incorpora à conservação da natureza externa

(sustentabilidade ecológica) a sustentabilidade social e econômica (FOLADORI, 2002). O

desenvolvimento sustentável, portanto, inclui três dimensões básicas (tridimensionalidade): a

ecológica, a econômica e a social. Porém, segundo Foladori (2002), alguns autores,

instituições e práticas de política ambiental continuam privilegiando ou considerando

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exclusivamente a sustentabilidade ambiental. Ainda segundo esse autor, apesar de existirem

dezenas ou talvez centenas de definições de desenvolvimento sustentável, quando essas

definições são analisadas e explicadas, na maioria dos casos, os aspectos sociais e econômicos

da sustentabilidade sempre complementam os da sustentabilidade ecológica.

Apesar dos avanços, tanto no âmbito teórico como nas práticas, a questão em

torno da sustentabilidade continua restrita a um desempenho técnico e vista como uma

questão ligada à melhoria do nível de vida de determinados segmentos.

Na perspectiva corrente, o Desenvolvimento Sustentável não questiona as relações

de propriedade e apropriação, que geram pobreza, diferenciação social e injustiça. Atua sobre

as consequências de um processo de injustiça social, produto das relações de mercado

capitalistas. “Por isso, por não afetar as próprias relações de produção que geram a

desigualdade, sua atividade tem um enfoque técnico e limites estruturais” (FOLADORI,

2002,p. 112).

O meio ambiente surge como uma questão da agricultura a partir da crítica aos

impactos sociais e ambientais provocados pela modernização da agricultura baseada na

revolução verde. No caso brasileiro, essa questão foi fortemente subsidiada pelo Estado e

encabeçada mais diretamente pelas associações de agrônomos, bem como por ONG´S e,

pouco a pouco, assumida pelos movimentos sociais rurais, iniciando um processo de debate

em torno das chamadas “agriculturas alternativas”16 (DELGADO, 2010).

Esse movimento defendia o uso de tecnologias que rompessem com as técnicas

ditas convencionais de produção agrícola. Nessa perspectiva, a tecnologia, conforme afirma

Almeida (1999), não era vista como um conjunto de procedimentos isolados, mas um

conjunto de meios colocados à disposição dos indivíduos para alcançar objetivos sociais

específicos. O autor destaca que as noções de “autonomia e autoconstrução” eram

fundamentais, pois graças a eles os agricultores poderiam definir as técnicas e procedimentos

16 Almeida conceitua a agricultura alternativa diferente da agricultura de tipo convencional ou moderna. O autor, a “grosso modo” destaca as seguintes características centrais: 1) “a agricultura alternativa (ou seus homônimos) determina uma relação mais estreita e mais equilibrada entre o meio ambiente natural e aquele criado pelo homem; 2) beneficia a diversidade social, econômica, ecológica e cultural; 3) implica na criação e a gestão de sistemas de produção que buscam um maior engajamento pessoal e uma produção mais direta, promovendo uma maior autonomia no plano produtivo; 4) conduz à construção de um futuro no qual os indivíduos sejam livres e possam construir uma sociedade verdadeiramente autônoma e democrática” (1999, p. 69). Brandenburg acrescenta que o movimento de agricultura alternativa, hoje chamada de agricultura ecológica, antecedeu a própria revolução verde. As primeiras experiências foram realizadas na Alemanha em 1924, na França em 1940 e na Inglaterra em 1946. Embora não haja registros da organização desse tipo de movimento no Brasil anterior a década de 1970, o autor destaca que seus fundamentos práticos estavam presentes antes mesmo da modernização, especialmente entre os nativos, descendentes dos índios e os imigrantes europeus. Ainda que fruto de trajetórias diferenciadas, a agricultura por eles praticada estava fundada a principio no saber desenvolvido na relação com a natureza, assim como, na gestão dos recursos naturais (2011, p. 01).

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a serem utilizados em função da disponibilidade de recursos e necessidades locais

(ALMEIDA, 1999). No Brasil, assinala Brandenburg (2011), os trabalhadores, pequenos

agricultores e camponeses ainda não revelavam preocupação com a questão do meio ambiente

ou com aspectos relacionados com a preservação ou destruição dos recursos naturais.

Nos anos 1980, várias organizações da sociedade civil começam a desenvolver,

junto aos agricultores familiares, ações no campo da assessoria técnica orientadas pela critica

ao caráter excludente da modernização. Nesse momento, algumas experiências pioneiras no

campo da ecologização de sistemas de produção começam a ser implementadas (PETERSEN

& CAPORAL, 2012). Dessa maneira, um conjunto de novas práticas e metodologias que

buscam resgatar as práticas tradicionais é experimentado, ainda que na perspectiva da difusão

de tecnologias alternativas. “Não é sem razão, como marca Petersen, que a perspectiva de

difundir tecnologias alternativas marcou dominantemente esse período inicial de atuação das

assessorias” (2007, p. 11).

No final daquela década e inicio dos anos 1990, o debate em torno da

agroecologia entra em cena, reorientando metodologicamente as ações das entidades de

assessoria. A incorporação do agroecossistema17 como unidade de organização e

planejamento possibilitou às entidades de assessoria alcançar uma melhor compreensão sobre

a agricultura familiar camponesa, bem como sobre os princípios que lhes dão apoio, deixou

mais evidente a necessidade da preservação e da ampliação da biodiversidade e ainda reforçou

a valorização da dinâmica cultural local. Entre as várias conquistas, destacam-se

principalmente os avanços alcançados no sentido da superação do enfoque metodológico

centrado em tecnologias pontuais e a construção de novas relações entre a assessoria e os

agricultores.

É relevante dizer que o serviço de extensão rural oficial18 foi criado para atender

ao processo de modernização do campo, cujo pano de fundo foi à expansão do

17 Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustíveis e outros produtos para consumo e utilização humana. A agroecologia é o estudo holístico dos agroecossistemas, abrangendo todos os elementos ambientais e humanos” (ALTIERI, 2012, p. 105). 18 Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER, no Brasil, teve início na década de 1940, no contexto da política de pós-guerra. Foi implantada como um serviço privado ou paraestatal, com apoio de entidades públicas e privadas. Em 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, foi criada a Associação Brasileira de Credito e Assistência Rural – ABCAR. Em meados da década de 1970 o governo de Ernesto Geisel estatizou o serviço, implantado o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural - SIBRATER, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMBRATER e as EMATER. Já na década de 1990, o governo do presidente Collor de Mello extinguiu a EMBRATER, dando origem ao desmonte do serviço (BRASIL, MDA, 2004).

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desenvolvimento capitalista no Brasil. Moreira a esse respeito (2010) assinala que as forças

políticas presentes na política agrícola e agrária em 1964, incluindo a política científica e

tecnológica, quanto à extensão rural, são reveladoras da aliança nacional-internacional que no

contexto da Guerra Fria serviu de base para a implantação da “revolução verde” na América

Latina, de forma especifica no Brasil. Ao comparar os “cinquenta anos em cinco” de

Juscelino Kubitchek, Moreira (2010) diz que a “revolução verde”, enquanto política de

governo, consolidou a modernização tecnológica da agricultura capitalista, também em cinco

anos, de 1965-1970.

O pacote tecnológico levado aos camponeses não tinha por objetivo permitir que

eles pudessem ter acesso a novos conhecimentos e tecnologias. Na realidade, seu objetivo

segundo Martins (2004, p. 46) “é a guerra cultural contra a mentalidade, os costumes e as

tradições dos pequenos agricultores pobres, de modo a convertê-los em um apêndice da

indústria de insumos e equipamentos agrícolas”.

Bergamasco, baseada em inúmeras análises, esclarece que o desempenho dessa

extensão rural não foi capaz de melhorar os níveis de vida das famílias rurais. Para a autora,

isso se deve, em grande medida, pela exclusão de grande massa da população do modelo de

desenvolvimento. Ela conclui destacando que coube “a extensão rural apenas o mérito de ter

colaborado no aumento da produção e da produtividade de alguns produtos” (1993

apudSCHMITZ, 2010, p.118).

A principal característica da agroecologia no Brasil, de acordo Petersen e Caporal

(2012), é a sua relação com a agricultura familiar camponesa. Nesse sentido, os autores

afirmam que o movimento agroecológico se coloca em um campo social e cientifico de

disputa na sociedade, especialmente ao vincular-se a defesa das mudanças estruturais no

campo, aliados aos históricos movimentos camponeses e da agricultura familiar. Entretanto, a

defesa do campo agroecológico pela agricultura familiar camponesa é frequentemente

analisada a partir de um idealismo utópico, conforme explicam Petersen e Caporal. Em

contraponto, os autores chamam atenção para as resistências construídas cotidianamente pelo

próprio campesinato, especialmente no que se refere ao controle de frações do território com o

objetivo de “reduzir o poder de apropriação das riquezas socialmente geradas pelo capital

industrial e financeiro ligado ao agronegócio” (PETRESEN & CAPORAL, 2012, p. 66).

A América Latina e, de modo particular, o Brasil recebeu mais fortemente

influencia da “escola agroecológica”, então formada por pesquisadores de diferentes campos

do conhecimento reunidos em torno dos aspectos técnico-produtivos e sociais. Essa escola

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recebeu influências de muitas teorias mais só ampliou seu campo teórico quando estendeu as

bases científicas da ecologia à realidade dos sistemas camponeses (CANUTO, 1998).

2.3.1 Agroecologia: ciência, prática e movimento

A agroecologia é, ao mesmo tempo, uma ciência, uma prática e um movimento

social, afirmou Stephen R. Gliessman, durante o VII Congresso Brasileiro de Agroecologia19.

Como um enfoque científico, Gliessman (2000, p. 13) ensina que a agroecologia estuda “a

aplicação de principios ecológicos ao desenho e manejo de agoecossitemas sustentáveis”. Por

sua vez, Altieri, acrescenta que ela articula “os princípios agronômicos, ecológicos,

socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas

agrícolas e a sociedade como um todo” (2004, p.23). Altieri, conforme explicam Petersen e

Caporal (2012), introduziu em 1983, a ideia de agroecologia como “bases cientificas para

agricultura alternativa” e, logo após, se estendeu para bases cientificas para uma agricultura

sustentável. Dadas às evidencias dos fracassos socioambientais e econômicos provocados pela

Revolução Verde, nasce como contraponto, à aproximação entre agronomia e ecologia

(PETRESEN & CAPORAL, 2012).

A perspectiva agroecológica se destina a apoiar e dar sustentação à transição dos

atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de

desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis (CAPORAL, COSTABEBER e

PAULUS, 2006). Essa compreensão está fundamentada na afirmação de Altieri (2012, p. 16):

Como ciência, baseia-se na aplicação da Ecologia para o estudo, o desenho e o manejo de agroecossistemas sustentáveis. Isso conduz à diversificação agrícola projetada intencionalmente para promover interações biológicas e sinergias benéficas entre os componentes do agroecossistema, de modo a permitir a regeneração da fertilidade do solo e a manutenção da produtividade e da produção de culturas.

Caporal (2009, p. 292) afirma que as contribuições trazidas por essa disciplina

científica, “[...] vão mais além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da

produção, incorporando dimensões mais amplas e complexas que aquelas das ciências

agrárias puras [...]”, incluindo, além das dimensões econômicas, sociais e ambientais, as

dimensões culturais, políticas e éticas da sustentabilidade.

19 O VII Congresso Brasileiro de Agroecologia foi realizado na cidade de Fortaleza em 2011. Nessa ocasião, Gliessman, ao discutir a agroecologia como um novo paradigma de mudança social para desenvolvimento rural sustentável, afirmou que “a agroecologia é uma ciência, uma prática e um movimento social” e, se esses três não estiverem acontecendo, não está se fazendo agroecologia (informação verbal).

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Enquanto um conjunto de práticas, a agroecologia baseia-se em uma diversidade

de conhecimentos e técnicas fortemente vinculadas ao processo de experimentação dos

agricultores. Daí a ênfase dessa perspectiva, “na capacidade das comunidades locais para

experimentar, avaliar e expandir seu poder de inovação por meio da pesquisa de agricultor a

agricultor e utilizando ferramentas de extensão baseadas em relações mais horizontais entre os

atores” (ALTIERI, 2012, p. 16). Nesse sentido, a dimensão local tem um papel central,

acrescenta Caporal (2009, p. 293), “por ser portadora de um potencial endógeno, rico em

recursos, conhecimentos e saberes que facilitam a implementação de estilos de agriculturas

potencializadoras da biodiversidade ecológica e da diversidade sociocultural”.

Segundo Altieri20(2011, p. 7) a agroecologia:

[...] oferece conhecimentos e as metodologias necessárias para desenvolver uma agricultura que seja, por um lado, ambientalmente adequada e, por outro, altamente produtiva, socialmente equitativa e economicamente viável. Através da aplicação dos princípios agroecológicos, poderão ser superados os desafios básicos na construção de agriculturas sustentáveis, ou seja, fazer um melhor uso dos recursos internos; minimizar o uso dos recursos externos; reciclar e gerar recursos e insumos no interior dos agroecossistemas; usar com mais eficiências as estratégias de diversificação que aumentam o sinergismo entre os componentes – chave de cada agroecossistema.

Nos sistemas de produção baseados na agroecologia, a aplicação dos conceitos e

principios da ecologia ao manejo dos agoecossitemas extrapolam uma visão unidimensional,

centrada em aspectos particulares, isto é, genética, edafológica entre outros. Nela prevalece

uma visão holísticana, na qual os processos sociais, biológicos e ambientais estão em inter-

relação, passando a ser analisados em seu conjunto (ALTIERI, 2012; CAPORAL &

COSTABEBER, 2004).

Belarmino Neto (2006) nos fala da existência de diferentes tipos de sistemas

sejam eles agrícolas, urbanos e orgânicos, todos passíveis de interações. Porém, a noção de

agroecossistema anteriormente definido na lógica do capitalista fica restrita ao campo dos

significados e conceitos científicos. Daí torna-se fundamental diferenciar um sistema agrícola

de um agroecossistema. Interessa a agroecologia produzir alimentos, reduzir danos ambientais

e melhorar as condições de vida da população. Enquanto que, no modo de produção e de vida

capitalista, essas mesmas “preocupações” passam, necessariamente, pela lógica do mercado

(abastecimento, preços, energia, uso de solo e insumos entre outros).

20 Esse texto foi traduzido e adaptado por Francisco Roberto Caporal, do artigo “Agroecológia: principios y estratégias para una agricultura sustetentable em América Latina delsiglo XXI” de Miguel A . Altieri, publicado no livro O desenvolvimento rural como forma de aplicação dos direitos no campo: Principios de tecnologias( MOURA. E. G e AGUIAR, A . C. F. São Luís. UEMA, 2006.

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Partindo de uma perspectiva mais ampla e complexa, Guzmán oferece à

agroecologia a seguinte definição (2006,p. 202):

A agroecologia pode ser definida como manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas a atual crise da modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo desde os âmbitos da produção a da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para enfrentar a crise ecológica e social, e com ele restaurar o curso alterado da coevolução social e ecológica.

Nessa passagem, observa-se a convergência entre os novos estilos de agricultura e

formas de ação coletiva. Para o processo de transição agroecológica, a gestão produtiva dos

recursos naturais passa, necessariamente, pela adesão dos atores coletivos, com seus

interesses, projetos e valores comuns, podendo, em seu conjunto, representar, “uma

alternativa para superar a crise socioambiental percebida pelos agricultores” (COSTABEBER

& MOYANO, 2009).

Para Caporal e Costabeber (2004), a terminologia “agricultura de base

agroecológica” explicita, de modo geral, a diferenciação entre os estilos de agricultura

resultantes da aplicação dos princípios e conceitos da agroecologia na agricultura

convencional21. Os autores chamam-nos atenção ao explicarem que a agricultura de base

ecológica, fundamentada nos princípios da agroecologia, não pode ser confundida com outros

estilos de agriculturas ecológicas. Segundo esses estudiosos, uma produção agroecológica não

é simplesmente aquela que não utiliza agrotóxicos ou fertilizantes químicos em seus

processos produtivos.

Nesse sentido, é preciso estar atento para o fato que tanto a agricultura ecológica,

quanto a agricultura orgânica, podem resultar da aplicação de técnicas e métodos

diferenciados de pacotes convencionais, cujo único objetivo é atender o mercado dos produtos

ditos “ecológicos”, “orgânicos” ou” limpos” (CAPORAL & COSTABEBER, 2004). A esse

respeito, Petersen e Caporal (2012) dizem que, no Brasil, a agroecologia distingue-se dos

modelos convencionais dos econegócios orgânicos, ao defender o direito universal de acesso a

alimentos sadios para todos, colocando, ainda, como prerrogativa a obrigação das atuais

gerações assegurarem a base de recursos da qual as futuras gerações dependerão.

A agroecologia aparece com diferentes significados, tanto no discurso dos

protagonistas das ações, quanto na literatura que trata do tema. De modo geral, está

21 Baseados em Canuto utilizamos o termo agricultura convencional ao nos referirmos a agricultura introduzida pelos complexos industriais. O mesmo equivale à expressão agricultura moderna ou agricultura baseada na revolução verde (1998).

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comumente associada a um estilo de vida mais saudável, à produção baseada nas leis da

natureza, que se concretiza de forma mais justa, uma vez que preserva e não destrói o meio

ambiente e que estabelece em seus processos maior equilíbrio entre homem e natureza. Há

também quem a compreenda como um conjunto de técnicas e/ou procedimentos. Entretanto,

de acordo com Caporal e Costabeber (2004), tais interpretações são imprecisas, pois

obscurecem o entendimento da agroecologia como ciência que estabelece as bases para a

construção de estilos de agriculturas sustentáveis. Os autores ainda esclarecem que a

agroecologia não oferece nenhuma teoria sobre desenvolvimento rural sustentável ou sobre

metodologias participativas, mas busca nutrir-se de métodos e formas de investigação que

partam das experiências concretas e de conhecimentos já acumulados.

A proposição agroecológica confere de modo especial aos camponeses e às

comunidades tradicionais, como legítimos sujeitos do processo de desenvolvimento rural,

dando destaque ao conhecimento local, considerado ponto de partida para o processo de

dialogo entre conhecimento técnico - cientifico com diferentes saberes, para a construção de

novos conhecimentos (CAPORAL & COSATBEBER, 2004). Abre-se, assim, um espaço

para a valorização do saber/fazer dos agricultores. Essa perspectiva distancia-se dos

procedimentos adotados pela ciência convencional ao negar o papel dos camponeses “como

agentes da produção e de disseminação de novidades, com isso procurando deslegitimar todo

e qualquer conhecimento não cientifico e reservando à comunidade acadêmica o monopólio

da geração e da difusão de tecnologia” (PETERSENet al., 2009, p 87).

Sobre o sistema de conhecimento tradicional na agroecologia, Altieri e Nicholls

(2004) destacam quatro aspectos que consideram importantes, são eles: o conhecimento sobre

o meio ambiente, a diversidade biológica local, o conhecimento de práticas agrícolas e a

natureza experimental do conhecimento tradicional. Esses aspectos são reveladores da

complexa natureza do saber camponês, forjado a partir das necessidades do cotidiano,

especialmente sobre solo, climas, vegetação, animais e ecossistemas. Com isso, podemos

afirmar que o desenvolvimento da agricultura não é um campo restrito ao progresso cientifico

como querem fazer crer a ciência burguesa (PETERSEN et al., 2009).

A construção do campo agroecológico no Brasil nasce por dentro do movimento

de critica em reação aos impactos sociais e ambientais provocados pela modernização da

agricultura baseada na Revolução verde. Nesse contexto, destacam-se a reorganização dos

movimentos sociais no campo, o movimento ambientalista a partir da segunda metade da

década de 1970, a realização dos encontros da Rede Projeto Tecnologias Alternativas (Rede

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PTA) e o surgimento em diferentes regiões do país, de experiências baseadas na disseminação

de práticas alternativas (SCHMITT, 2009).

Dessa rica trajetória de resistência formou-se o campo agroecológico, movimento

informal criado a partir da diversidade de sujeitos e de contextos socioeconômicos.

Caracteriza-se, de modo geral, como um espaço social de expressão nacional que articula

redes e mobiliza um conjunto heterogêneo de dinâmicas sociais, seja no âmbito local e/ou

regional (ALMEIDA, 2009). Nesse caminho, destacam-se as redes de agricultores

experimentadores, as casas de sementes, os fundos rotativos, as feiras agroecológicas, as

associações de consumidores, grupos de consumo consciente, os grupos produtivos, entre

outros exemplos espalhados em todo o território brasileiro.

Esse movimento ainda envolve um conjunto de entidades de assessorias a

organizações de agricultores familiares, instituições oficiais de ensino, pesquisa e extensão,

bem como diferentes categorias de profissionais na área do desenvolvimento rural.

2.3.2 Contexto político brasileiro e o desafio do fazer agroecológico

Para apreendermos essa realidade sob o ponto de vista político, é fundamental,

como demonstra Delgado (2010), retomarmos a década de 1990, período considerado crucial

tanto pela continuidade do padrão dominante no meio rural no Brasil quanto pela gestação de

uma visão alternativa acerca do significado do rural e de seu desenvolvimento e, portanto,

pelas possibilidades de democratização das relações sociais e políticas no campo.

Esse cenário tenciona dois projetos políticos contraditórios e em disputa. Nas

palavras de Delgado (2010), um projeto neoliberal, leia-se do agronegócio e o outro é o

projeto democratizante, onde se insere o novo desenvolvimento rural baseado na agricultura

familiar, cuja origem remonta a década de 1970.

A década 1990, mais especificamente no governo de Fernando Collor de Mello

(1990-1992), foi marcada pelo desmonte do Sistema Nacional de Assistência Técnica,

tendência seguida em função da crise financeira do Estado e do desmonte da política pública

de regulação do Complexo Trigo Brasil, abrindo como explica Delgado (2010, p. 29)

[...] a porta para o abandono do sistema de politica agrícola baseado na coordenação do mercado interno e na intervenção direta nos mercados agrícolas e para a opção por uma estratégia de liberalização de mercado e de privatização de instrumentos de politica, que veio a ser implementada [...] numa conjuntura de abundancia de créditos internacionais para a economia brasileira - com efeitos negativos para a agricultura, principalmente a familiar.

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Em seguida, Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) governou de

forma a coadunar com o projeto neoliberal, promoveu a abertura ao sistema financeiro e

concedeu aos empresários rurais empréstimos a juros mais baixos do que os destinados para

os agricultores familiares. A proposta desse projeto seguia as seguintes orientações

(DELGADO, 2010,p. 33):

(1) de privatização do setor produtivo estatal e de redução do protagonismo do Estado no crescimento econômico, (2) de ênfase no papel ativo das empresas internacionais em mercados domésticos desregulados e liberalizados, através da abertura comercial, e (3) do papel estratégico das exportações agrícolas para enfrentar o estrangulamento recorrente da balança de pagamentos - especialmente em uma economia que se estava tornando mais aberta e desregulada – e alavancar a retomada do crescimento econômico.

Delgado (2010, p. 35) assevera que a relativa desindustrialização parece ter

induzido nas décadas de 1980 e 1990 o retorno do país ao projeto de “vocação

agroexportador” defendido historicamente pela elite agrária. Essa política consolidou a

agricultura moderna de exportação, favorecendo o agronegócio, definido a partir do caso

brasileiro, como: “[...] um bloco econômico e de poder bastante amplo e internacionalizado,

relacionado a diversas atividades agrícolas, agrárias e agroindustriais domésticas, e que inclui

produtores e empresários capitalistas, latifundiários e setores industriais e financeiros

nacionais e estrangeiros”.

Para Delgado (2010, p. 35), a análise concreta da economia, da sociedade e da

política de agronegócio precede o rompimento com uma perspectiva de analise que o toma

como um “bloco monolítico”, uma vez que se trata de uma realidade que precisa ser

apreendida a partir da sua diversidade, heterogeneidade e de sua especificidade de

componentes, sobretudo no que se refere a sua relação com o Estado e a sociedade.

Nossa intenção não é realizar uma análise profunda sobre atuação desses governos

sobre o meio rural, contudo destacar algumas tendências e, portanto, situar as experiências da

agricultura familiar camponesa na perspectiva agroecológica por nós investigada.

No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007- 2010), verificou-se

a continuidade do projeto neoliberal, especialmente em relação à agricultura e ao meio rural,

materializada na defesa da convivência equilibrada entre o modelo do agronegócio e da

agricultura familiar. Delgado (2010) ilustra essa tendência a partir dos seguintes elementos: a

manutenção da lógica neoliberalizante assumida por Fernando Henrique Cardoso; a

importância conferida ao agronegócio, que continuou determinando a agenda de negociações

comerciais sobre a agricultura no país, em que pese a decisão governamental de permitir a

produção de produtos transgênicos; verificou-se, também, a inflexão na importância assumida

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pela reforma agrária. A esse respeito, o autor afirma que as políticas parecem dissociar a

necessidade histórica de reforma agrária das políticas destinadas à agricultura familiar, o que

faz o governo de Lula se aproximar do governo de Fernando Henrique Cardoso. De modo

geral, houve um prosseguimento do padrão predominante de modernização da agricultura,

“não obstante sua preocupação anunciada com a redução das desigualdades no campo, em

espacial através da inclusão de agricultores até aqui excluídos do processo de modernização”

(DELGADO, 2010, p. 41).

O que não significa dizer que não houve oportunidades, especialmente àquelas

ligadas ao segmento da agricultura familiar e outas populações e povos que vivem no meio

rural. Foi construído um aparato governamental22 para esse segmento. Nesse contexto,

destacamos a reconstrução da Política Nacional de Assessoria Técnica e Extensão Rural23

(2003), a aprovação a Lei da Agricultura Familiar24 (2006) e a institucionalização da à

Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e

Reforma Agrária - PNATER25 e do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão

Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER26 (2010).

Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, por meio da

Secretaria de Agricultura Familiar – SAF, iniciou a reconstrução da Política Nacional de

Assessoria Técnica e Extensão Rural (PNATER). A elaboração dessa nova política resultou

de um processo de discussão entre as esferas do governo, os segmentos da sociedade civil e os

movimentos sociais do campo. A PNATER foi fortemente influenciada pelas práticas

inovadoras de ATER das ONGs, sendo, reconhecidamente, uma conquista resultante das lutas

dos movimentos e organizações sociais do campo. A agroecologia aparece pela primeira vez

22 Em relação às políticas publicas de desenvolvimento rural baseados na agricultura familiar se destacam: o Plano Safra para a Agricultura familiar, a criação pela Conab, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa da Alimentação Escolar (PNAE) e, mais recentemente, o Programa Brasil sem Miséria (2011) destinado às famílias que se encontram abaixo da linha da pobreza (incluindo ainda comunidades e povos tradicionais e assentados da reforma agrária). 23 As atividades da ATER voltadas a atender agricultores familiares, assentados, quilombolas, pescadores artesanais, povos indígenas e outros passam a ser coordenadas pela SAF/MDA, como estabelece o decreto nº 4739 de 13 de junho de 2003. 24 A lei Nº 11.326, de 24 de junho de 2006, estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Nela considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que prática atividade no meio rural e que atende um conjunto de requisitos que contemplam a heterogeneidade de caraterísticas desse segmento. 25Lei Nº 12.188, de 11 janeiro de 2010. 26 Para essa lei, entende-se por Assistência Técnica e Extensão Rural: serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais; (BRASIL, 2010).

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em uma política pública nacional, sob a forma de princípios norteadores para as ações de

assistência técnica e extensão rural, como segue (BRASIL, 2004):

Contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, apoiando os agricultores familiares e demais públicos descritos anteriormente, na potencialização do uso sustentável dos recursos naturais.

Adotar uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, estimulando a adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da Agroecologia.

Desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a partir de um enfoque dialético, humanista e construtivista, visando à formação de competências, mudanças de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e de promoção do desenvolvimento rural sustentável.

Apesar dos avanços alcançados no campo agroecológico, observa-se um

retrocesso na PNATER. Petersen e Caporal (2012), ao discutirem as Políticas públicas e

agroecologia no Brasil, avaliam queum conjunto de proposições de caráter metodológico,

introduzidas na lei de Ater (2010), contradizem os princípios básicos para o desenvolvimento

de serviços de Ater baseados na perspectiva agroecológica. Não houve um esforço para o

aperfeiçoamento da política, ao contrário, houve a reedição de uma abordagem difusionista,

em que os editais públicos de contratação dos serviços de Ater, por exemplo, continuam

apostando em práticas individualizadas e, totalmente na contramão dos avanços

metodológicos estimulados pelas dinâmicas territoriais de inovação agroecológica. Os

movimentos sociais rurais e representantes do segmento da agricultura familiar denunciam

não haverem participado da reelaboração da política, de modo que esta não reflete as

demandas postas pelos sujeitos implicados nestas ações.

Nesse mesmo período, o Brasil passou a ostentar o titulo de campeão mundial no

consumo de agrotóxicos, sendo que, em 2008, movimentou 6, 62 bilhões de dólares “[...] para

um consumo de 725,6 mil toneladas de agrotóxicos - o que representa 3,7 quilos de

agrotóxicos por habitante. Em 2009, as vendas atingiram 789.974 toneladas, e em 2010

ultrapassaram a casa de 1 milhão de toneladas” 27 (RIGOTTO, et al., p. 219, 2011).

Em se tratando da assistência técnica, na pesquisa de campo realizada junto a

agricultores familiares, no sentido de subsidiar as reflexões trazidas no presente trabalho,

foram destacados dois aspectos: um diz respeito à dificuldade para acessar os serviços de

27 A Via Campesina em 2011 encabeçou a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e nesse mesmo sentido o diretor Sílvio Tendler lançou o filme O Veneno Está na Mesa, ambos discutem o trágico efeito à agricultura brasileira do uso de agrotóxicos. É uma alerta e ao mesmo tempo uma convocatória a sociedade brasileira para se envolver nessa discussão.

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assistência técnica e o segundo diz respeito à descontinuidade da assistência prestada. Dona

Rita, da comunidade de Cimuaba, no município de Tururu-CE, situa esse problema da

seguinte forma:

É muito difícil. Nós tivemos apoio do SENAR [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] as capacitações e do Cetra na informalidade. A gente fica tirando um pouquinho de cada um. A gente pediu uma agente rural à EMATERCE e o agente rural passou três anos. É um projeto pobre, quando a pessoa acaba de se adaptar àquele meio aí começa a trabalhar, aí acaba o contrato e aí não renova não! Acho isso muito errado. Nosso problema é assistência técnica, também falta recurso, mas aí agente pega de um, se arranja com outro e se vira, porque a mão de obra é da família, né?(silêncio) Infelizmente é assim!

Referente às políticas para agricultura familiar, a lógica continua no sentido da

“modernização”, restrita às mudanças de base técnica, sem questionar o uso de agroquímicos,

ao financiamento de maquinas e equipamentos destinados a “modernizar” as unidades

produtivas. Nesse sentido, destaca-se o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar -

PRONAF28, política que nasceu a partir das reivindicação dos trabalhadores rurais e do

movimento sindical e proporciona o acesso aos serviços ofertados pelo sistema financeiro

nacional. O Pronaf se constituiu, durante a última década, como a principal política pública do

Governo Federal para apoiar os agricultores familiares (SCHNEIDER et al., 2004).

Petersen e Caporal (2012) registram que no Pronaf encontram-se linhas

específicas para o financiamento de agriculturas alternativas, como o Pronaf Agroecologia,

Pronaf Florestas, Pronaf Semiárido entre outros. No entanto, os agricultores apontam

dificuldades para acessar essas linhas, visto que os agentes financeiros não têm o devido

esclarecimento sobre os programas e, ainda continuam a operar sob a lógica dos pacotes

tecnológicos da revolução verde, ignorando a racionalidade das unidades de produtivas da

agricultura familiar camponesa. Esses problemas são vivenciados cotidianamente pelos

camponeses quando buscam acessar estes recursos, conforme explica o agricultor José Júlio,

do assentamento Várzea do Mundaú, no município de Trairi-Ce:

Nunca consegui acessar crédito para esse tipo de produção. Existem muitas dificuldades; o banco só quer liberar recurso para comprar veneno. Tem toda uma burocracia. No papel tem crédito para a agroecologia, mas, na realidade, é difícil. Tem a história, mas não tem o dinheiro para o agricultor.

28 O PRONAF foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1996, através do Decreto Presidencial nº 1.946, de 28/07/1996 por meio da reivindicação da Contag e, negociada pelo Movimento dos trabalhadores sem Terra (MST) com o Governo Federal. A partir de 2003 houve um aumento da disponibilidade de recursos, o volume total de crédito passou de R$ 2,3 bilhões na safra 2002/2003 para R$ 10,7 bilhões 2008/2009, o que corresponde um acréscimo de 365% (DELGADO, 2010).

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A existência por si só dessaslinhas de crédito não garantemseu acesso pelos

agricultores, sendo ainda bastante restritas.Já as agências de financiamento oficiais ao lado

dos serviços de assistência técnica (governamental e não governamental) , como se observou

ao longo desse estudo, reproduzem, de modo geral, o modelo de modernização técnica

baseado nos pacotes convencionais. Zé Júlio, em seu depoimento, expressa a dificuldade de

acessar as linhas de crédito específicas à produção de base ecológica, destacando as

dificuldades e ao mesmo tempo denunciando a burocracia que cerca os investimentos

disponibilizados aos agricultores , em muitos casos determinantes para a estruturação e

restruturação das unidades familiares - compra de insumos e animais e construção de

pequenas infraestruturas entre outras necessidades que não são atendidas pelo crédito

destinado aos agricultores e agricultoras. As experiências analisadas ao longo da pesquisa

deflagram essa realidade que tende a ser desigual quando se parte para analisar diferentes

regiões do país.

Nessa perspectiva, a discussão sobre as políticas públicas dirigidas ao segmento

da agricultura familiar camponesa nos leva ainda a outro conjunto de questões, quais sejam:

como são produzidos os alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, quem os produz, sob

quais condições e quem tem acesso a eles?

Nesse caminho, questionamos ainda: quais são as possibilidades de se construir

outro modelo de produção e tecnológico no campo, a partir da interação entre conhecimento

técnico científico e as experiências camponesas inspiradas na agroecologia?

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CAPÍTLO 2

3 TRAVESSIA: OS REFERENCIAIS QUE ILUMINARAM A PESQUIS A

Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai darna outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou [...] o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...” (João Guimarães Rosa)

3.1 Orientação teórico-metodológica

Nos últimos duzentos anos, acreditava-sequeo crescimento da atividade industrial

levaria a superação do caráter limitado das formas pré-industriais de interação do homem com

a natureza. No entanto, após dois séculos de intenso crescimento econômico, os chamados

“limites naturais”, “[...] exigem a superação de práticas agrícolas que a sociedade tende a

considerar vulneráveis e nocivas em demasia” (VEIGA, 2003, p. 210).

Em face disso, pode-se dizer que não são os tais “limites naturais” os responsáveis

diretos, tampouco as práticas convencionais, como costumam apregoar alguns ideólogos, os

responsáveis pela insustentabilidade da vida no planeta. Mas a própria natureza destrutiva do

capital, enquanto “contradição viva”, que impõe a subordinação da produção e do consumo

aos imperativos da acumulação (SILVA, 2010, p. 48). Silva entende que:

[...] o capitalismo não pode sustentar-se indefinidamente, sem que os avanços tecnológicos e científicos por este obtidos resultem em crescente perdularidade e destruição. O assombroso aumento da produtividade do capital o faz senhor e voraz devorador dos recursos humanos e matérias do planeta para, em seguida, retomá-los como mercadorias de consumo de massa, cada vez mais subutilizados ou, diretamente, como armamentos com imenso poder destrutivo.

Para a autora, a dinâmica destrutiva desse sistema, mantém-se e aprofunda-se no

mesmo ritmo das discussões que pautam a necessidade de preservação/conservação dos bens

naturais. Ocorre, então, o investimento do Estado, no que diz respeito ao desenvolvimento de

novas tecnologias, a intensificação dos processos de educação ambiental ou até mesmo a

incorporação de indicadores socioambientais nas atividades mercantis, tal como ocorre nas

empresas (SILVA, 2010).

Partindo do pressuposto de que é nas marcas de uma sociedade cindida em duas

classes que a agricultura familiar camponesa se realiza como um modo de produção e de vida,

a reflexão acerca da articulação entre a lógica destrutiva e suas repercussões para esse modo

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de vida apontam o materialismo histórico e dialético como caminho metodológico para esta

investigação.

Ao discutir a construção de uma categoria de análise no processo de apreensão do

objeto, Ianni explica que o movimento dialético é sempre uma análise crítica sobre a história

concreta dos seres sociais porque “primeiro parte da preliminar de que a realidade não se dá a

conhecer a não ser pela reflexão demorada, reiterada, obstinada [...] essa observação de fato se

demora sobre o objeto para desvendar, no objeto dimensões que não são visíveis, que não são

dadas” (IANNI,1986, p. 3). Trata-se de um exercício de dedicação daqueles que buscam um

acercamento da verdade.

Marx (1984, p. 14) formula assim a questão:

As premissas com que começamos não são arbitrárias, não são dogmas, são premissas reais, e delas só na imaginação se pode abstrair. São os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto as que encontram como as que produzem pela própria ação. Estas premissas são, portanto, constatáveis de modo puramente empírico.

Quanto à questão do método em Marx29, Morais (2004, p. 49) sintetiza que o

processo de conhecimento “[...] significa desvendar e reproduzir teoricamente o concreto real,

no plano da consciência, como concreto pensado”. Nessa perspectiva, o concreto real se

apresenta como uma unidade de múltiplas determinações cabendo à investigação e à

exposição apanhar a racionalidade imanente ao objeto real, ou seja, apreender a sua

totalidade, nesse aspecto que reside o critério de verdade do método.

Esse encontro - na análise da dinâmica da realidade por nós estudada –dá-se,

prioritariamente, no cotidiano, terreno no qual os agricultores familiares e camponeses

produzem e reproduzem as formas de praticar e viver agricultura, onde elaboram estratégias

de organização social, vivem novas relações sociais e constroem saberes.

Na cotidianidade, eles participam com seu trabalho, necessidades, sentimentos,

habilidades, sentidos, paixões, ideias, como homens inteiros30. Assim, vão tomando

consciência da sua relação com o mundo objetivo, em sua totalidade e contradições, e se

29 O método não é uma receita, mapa, bula, mas como caminho, rumo, direção. Essa preocupação se justifica quando se entende que a escolha do método é “[...] uma via de acesso que permite interpretar com maior coerência e correção possíveis às questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador” (OLIVEIRA, 1998, p. 17). 30Entendemos conceito “o homem inteiro” da mesma forma como refletiu Santos (2009) que o concebe a partir de diálogo feito com a Estética (1982) de Lukács. Conforme esclarece Santos, o filósofo húngaro entende que o homem inteiro é aquele imerso no cotidiano em toda a extensão de sua existência, em contraposição ao homem inteiramente que ultrapassa o imediatamente caótico da cotidianidade através, por exemplo, da ciências, da arte ou da religião. Uma vez elevado por sobre o cotidiano, o homem inteiro retorna a este solo enriquecendo-o com as objetivações superiores. Contudo, não há separação mecânica entre os dois momentos e ambos se processam na mesma esfera. Com efeito, o homem inteiro e o homem inteiramente existem a partir da cotidianidade.

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reconhecendo como humano-genéricos, portanto, sujeitos históricos capazes de fazer

escolhas, embora sempre dentro do campo de possibilidades posto no seu cotidiano, pela

mediação da sua capacidade de produção. A esse respeito, assim expressa Heller:

A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja o seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade. E, ao contrário, não há nenhum homem, por mais ‘insubstancial’ que seja que viva tão-somente na cotidianidade, embora essa o absorva preponderantemente (1989, p. 17).

Evidenciar as trajetórias individual e coletiva, as relações com o Estado e as

políticas públicas, com o mercado, as realidades específicas e o esforço de transformar

coletivamente as formas de praticar agricultura a partir dessa esfera essencial da vida requer

um movimento de ida e volta, o que significa dizer que na ”ida” o movimento vai do empírico

ao abstrato e na “volta”, do abstrato ao concreto (MORAIS, 2004).

Esse movimento parte do cotidiano enriquece e volta para o próprio cotidiano,

para entender melhor essa dialética Lukács31assinala que (1982 p. 11):

Se nós representarmos a cotidianidade como um grande rio, pode ser dito que dele se desprendem em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, e essas se diferenciam e se constituem de acordo com suas finalidades específicas, e alcançam sua forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza da vida cotidiana. Essa, por sua vez, se enriquece constantemente com os resultados superiores do espírito humano, o assimila as suas necessidades cotidianas práticas, dando assim lugar a questões e a exigências que originam ramificações de formas superiores de objetivação.

Com o entendimento de que a vida dos agricultores se dá na cotidianidade, as

mudanças que nossa investigação busca desvelar junto às experiências vividas por esse grupo

de pessoas, que, por sua vez, experimenta a transição agroecológica, apresentam como recorte

à dimensão do social, que no entendimento de Siliprandi (2002 p. 39):

[...] abrange a dimensão produtiva e econômica, não só na preocupação com os resultados físicos ou financeiros, ou no entendimento do por que se adota ou não uma certa tecnologia; mas na forma como se organiza essa produção, nas relações de poder que estrutura na ação das pessoas, nas implicações que os processos de organização social trazem para as mudanças concretas na vida de todos.

Desse modo, ao reconhecer o sujeito e garantir sua centralidade na pesquisa, não

se nega a importância da dimensão econômica. Como bem formulou Iamamoto (2010) em

31A tradução da Estética I de Lukács é fruto das reflexões produzidas pelo grupo de estudos Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social, vinculado ao Instituto de Estudos e Pesquisa do Movimento Operário da Universidade Estadual do Ceará (IMO-Universidade Estadual do Ceará).

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diálogo com Marx, o mundo não pode ser compreendido unicamente através da experiência

subjetiva. Portanto, o entendimento adotado para esta pesquisa é que a problemática deve ser

analisada a partir da dialética objetividade-subjetividade. Com efeito, as determinações

objetivas e a subjetividade dos sujeitos não podem ser concebidas separadamente. A

subjetividade, explica-nos Saffiotti (apud BURGUIGNON, 2008), dá-se na relação entre o

indivíduo e as estruturas culturais. Assim, a condição de vida e trabalho dos agricultores

envolvidos com novos formatos de produção é, ao mesmo tempo, a história de suas relações

sociais. Para Marx (1984), os homens ao produzirem seus meios de vida, produzem

indiretamente sua vida material.

O ponto de encontro das experiências aqui estudadas é a Rede Agricultores

Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Essa escolha

fundamenta-se no estudo da ação social coletiva, como um elemento fundamental para

compreendermos a consolidação de novos estilos de agricultura sustentável. Essa ação

coletiva ou práxis libertadora proporciona, de acordo com Iamamoto baseado em Lukásc,

“[...] a transformação dos explorados em sujeitos históricos conscientes [...]” (2010, p. 269).

Iamamoto inspirada em Löwy (2010, p. 269), fala ainda que essa ação coletiva, embora não

negue a cotidianidade, considerada categoria incomprimível da vida social, “conduz a sua

suspensão durante o movimento revolucionário, e, sobretudo, ao mais largo prazo, à

superação da natureza reificada das relações sociais no cotidiano”.

Para Lefebvre (1991), o cotidiano não é só um conceito, mas um fio condutor para

captar, penetrar e definir a sociedade, situando o cotidiano no global. Como refletimos com

Guimaraes Rosa na epígrafe desse capítulo, “[...] o real não está na saída nem na chegada: ele

se dispõe para a gente é no meio da travessia”. A travessia revelará o que tem alimentado o

movimento afirmativo sobre uma nova forma de produzir, materializado nas experiências de

transição agroecológica, que combina as respostas econômicas e sociais imediatas postas

pelos camponeses com a sua perspectiva estratégica de transformação do mundo

(CARVALHO, 2009).

3.2 Os sujeitos, procedimentos da pesquisa e trabalho de campo

Para analisar as experiências de transição agroecológica vivenciadas por

agricultores familiares, tomamos como universo empírico a Rede de Agricultores

Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. A referida Rede

foi criada no ano de 2005 após o processo de Formação de Multiplicadores em Agroecologia

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promovido pelo CETRA, então, baseada em uma metodologia participativa voltada para a

construção coletiva de saberes, bastante influenciada pela participação da entidade na Rede

Assistência Técnica Extensão Rural do Nordeste (REDE ATER-NE). A construção do

conhecimento em agroecologia constitui-se como um dos eixos estruturadores do diálogo

entre o saber tradicional dos camponeses e comunidades tradicionais e o conhecimento

técnico-acadêmico, sendo esta denominação bastante utilizada pelas organizações e

movimentos sociais ligados ao campo agroecológico e a Articulação Nacional de

Agroecologia (ANA).

Tal enfoque é o resultado de um processo de experimentação iniciado ainda na

década 1980, especialmente pelas organizações não governamentais, em contraponto aos

pacotes tecnológicos da revolução verde difundidos pelos serviços de assistência técnica e

extensão rural.

Iniciamos o estudo com uma pesquisa bibliográfica e documental. Privilegiamos

os trabalhos de Wanderley (1996, 2009), Petersen e Caporal (2012), Moyano e Costabeber

(2009) Altieri (2012), Guzmán (2001,2002,2006), Ploeg (2009, 2010), Schmitt (2003, 2009)

Thomáz Júnior (2008), Delgado (2008, 2010), Carvalho (2004,2009, 2010) dentre outros que

alinham seus trabalhos no sentido de compreender o universo da agricultura familiar

camponesa e a agroecologia.

A pesquisa de campo foi realizada de maio a julho de 2012. Apresentamos a

proposta da investigação no mês de abril, durante a primeira reunião da Rede de Agricultores

Agroecológicos e Solidários do Território. Esse contato com a Rede foi um reencontro, pois já

havia uma convivência com muito dos agricultores e agricultoras, desde o período que

atuamos na mediação junto aos processos de promoção da agroecologia e do desenvolvimento

rural sustentável no território.

Com alguns agricultores e agricultoras construímos laços de amizade fruto da

identidade tecidas na luta cotidiana para garantir as condições de permanecer na terra,

produzindo alimentos, preservando espécies, sementes, nascentes de água. Luta para dar

continuidade e, ao mesmo tempo, reinventar as tradições socioculturais que moldam a

agricultura familiar camponesa nesse território.

Dessa experiência, colhemos lições e novos desafios. Por esse motivo, retornamos

ao Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu para dar continuidade ao diálogo iniciado em

2004, quando do acompanhamento do processo de formação de Agentes Multiplicadores em

Agroecologia, do qual muito dos agricultores que entrevistamos participaram, bem como da

criação da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários e da Feira Agroecológica. Como

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parte desse processo de reaproximação, participamos em novembro de 2011 do V Encontro

Territorial de Agroecologia e Socioeconômica Solidária (ETAS) organizado pelo CETRA em

parceria com a Rede.

A partir das nossas questões de pesquisa e com a colaboração dos técnicos do

CETRA, que acompanharam e/ou acompanham algumas das experiências, identificamos dez

experiências de agricultores e agricultoras que participam da Rede e se reconhecem como

praticantes de uma agricultura inspirada nos princípios da agroecologia. Constatamos que não

há um número preciso de agricultores articulados a Rede. Os técnicos estimam que cerca de

cem agricultores participem mais sistematicamente dessa dinâmica, estão concentrados

nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu, Apuiarés, Amontada e Irauçuba, contando com

aqueles que fizeram os cursos de formação, os que comercializam nas feiras, os que

participam dos ETAS e das reuniões trimestrais da Rede, sem contar com aqueles que estão

em processo de aproximação, por contarem com o acompanhamento técnico da entidade.

Uma das preocupações iniciais da investigação envolvia a elucidação das

mudanças que ocorriam na vida dos agricultores e em quais dimensões da vida essas

mudanças repercutiam, e quais delas iríamos privilegiar para a análise do processo de

transição agroecológica a partir do cotidiano das familiais agricultoras. Estivemos atentos aos

limites que a pesquisa enfrenta, especialmente porque estamos lidando com um repertório de

experiências multifacetadas, fluidas e processuais. Passamos a identificar, na própria

realidade, que, tanto as mudanças, quanto os fundamentos analíticos, estavam na lógica da

construção do objeto. Assim, buscamos dar visibilidade às trajetórias de vida dos agricultores,

sinalizando motivações, dificuldades, formas de resistência, estratégias socioeconômicas e,

sobretudo, os caminhos percorridos na luta para conquistarem maior autonomia.

Devido à especificidade de nosso objeto, optamos pela pesquisa qualitativa,

justificada pelo lugar que ocupa os “significados, motivos, aspirações e atitudes, o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações” (MINAYO, 2000, p.22) e o uso da

observação sistemática. Para a coleta de informações complementares, acompanhamos

algumas atividades, tais como: reunião da Rede, visita de intercâmbio entre agricultores, feira

agroecológica do município de Itapipoca. Ainda que a realidade e seus sujeitos nos fossem

familiares, foi preciso estabelecer um novo espaço de diálogo para obtenção das informações

necessárias à apreensão das determinações objetivas e subjetivas que incidem sob o cotidiano

dos sujeitos sociais implicados em outra forma de fazer agricultura.

Realizamos entrevistas nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu e Apuiares. A

maior parte das entrevistas foi realizada nas unidades familiares, caminhando entre as áreas de

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cultivo, criação, fontes de água utilizadas na produção e entre as inovações experimentadas e

desenvolvidas pelos agricultores. Algumas das entrevistas foram também realizadas durante

as feiras. Todos os agricultores entrevistados autorizaram o uso das informações repassadas,

para efeito da pesquisa, bem como a sua divulgação, no sentido de colaborar com as reflexões

sobre os processos de transição agroecológica e organização/gestão de uma rede sociotécnica

de inovação.

A coleta de informações abrangeu fontes secundárias como os dados do Censo

Agropecuário de 2006, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatísticas (IBGE), boletins de

experiências, assim como estudos, revistas especializadas entre outras.

As entrevistas foram gravadas em meio digital e posteriormente transcritas. Para a

organização e análise dos dados, apoiamo-nos na lógica da trajetória dos agricultores em seus

processos de inovação, ingresso e participação nas redes sociotécnicas de inovação. Na

analise e seleção dos depoimentos, após exaustiva leitura, decidimos nos concentrar em cinco

experiências, nas quaisos agricultores apresentavam vivência profunda sobre as questões

abordadas. Na exposição, as demais experiências dialogam especialmente quando as falas são

semelhantes. Aparecem quando trazem questões que ainda não haviam sido abordadas. De

modo geral, as falas refletem o espírito do conjunto.

As experiências também foram registradas por meio de fotografias, além de

contarmos com imagens institucionais cedidas pelo CETRA, que retratam as unidades

familiares, as feiras, os encontros e as reuniões.

Ainda referente às técnicas, adotamos a observação direta entre os agricultores,

especialmente durante a Feira Agroecológica de Itapipoca e encontros, bem como o uso de

um diário de campo onde registramos nossas impressões e observações. As técnicas se

complementaram dialeticamente entre si, ajudando-nos a confrontar os dados no sentido de

diminuir as incertezas encontradas ao longo da pesquisa.

3.3 Categorias fundamentais: agricultura familiar camponesa e transição agroecológica

A seguir, apresentamos o referencial teórico por meio do qual analisamos as

experiências inspiradas na agroecologia. Para tanto, é importante situar que as categorias

agricultura familiar camponesa e transição agroecológica são carregadas de realidade e utopia,

face ao confronto com a lógica destrutiva imposta pela modernização técnica baseada na

revolução verde e nas expressões do agronegócio na atualidade. Nesse esforço, Löwy (2008)

chama nossa atenção para o papel das utopias e, consequentemente, da visão social de mundo

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nos processos de conhecimento acerca da realidade. Para o autor, a ideologia é uma mediação

que não pode ser desprezada, pois a “[...] transformação de nossas idéias sobre a realidade e a

transformação da realidade são processos que caminham juntos”(Ibidem, p. 29)

3.3.1 Agricultura familiar camponesa: uma aproximação

Mas afinal,que vem a ser agricultura familiar? Em que medida o sujeito social que

aí está se distingue do camponês tradicional, do agricultor de subsistência, do pequeno

produtor? Estas categorias não são novas entre os estudiosos que se dedicam ao mundo rural,

embora nos últimos anos tenham adquirido novas leituras (WANDERLEY, 2009).

No Brasil, a partir da década de 1990, ganha força o debate acerca da importância

da agricultura familiar, sobretudo a partir da implantação do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Essa percepção não é compartilhada por

todos, visto que, para uns, o conceito de agricultura familiar32 define uma tipologia de

beneficiário a partir da capacidade de atendimento. Para outros, a agricultura familiar

contempla uma camada de agricultores que se adaptaram às exigências do mercado em

contraposição aos “pequenos agricultores” que não se adaptaram a essas exigências, o

entendimento é que as políticas públicas devem apoiar a formação desse segmento

(WANDERLEY, 2009). Nessa perspectiva, explica Wanderley (2009, p. 186), “o agricultor

familiar é um ator social da agricultura moderna e, de uma forma, ele é o resultado da própria

atuação do Estado”.

Para Carvalho (2004, p. 16)33, a denominação “agricultor familiar” tem

conotações ideológicas, não porque é insuficiente para dar conta da diversidade de formas

sociais cuja reprodução está centrada no trabalho familiar, mas, sobretudo, porque se apoia

em um “discurso teórico e político que afirma a diferenciação e o fim do campesinato em

duas categorias”, uma baseada na transformação deste em empresa capitalista pelo

desenvolvimento das forças produtivas e a outra a sua proletarização ou dependência

permanente em relação às políticas públicas.

32Explicitamos mais a diante o posicionamento acerca da noção de agricultura familiar camponesa que orienta esse estudo. 33Extraído do “Campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil” (versão preliminar) organizado por Horácio Martins de Carvalho após o seminário de representantes da Via Campesina do Brasil. Curitiba/ Brasília, nov. de 2004. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/bernardo/INTERCAMBIO%20BRASIL%20CANADA%20COLOMBIA/O%20CAMPESINATO%20NO%20SECULO%20XXI.pdf >. Acesso em: 14 jun. de 2012.

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Thomáz Junior (2008) chama-nos à atenção para o uso desse termo e dos sentidos

conferidos nas atuais políticas desenvolvidas pelo Estado brasileiro. Assim como Carvalho

(2004), o autor analisa que o deslocamento do termo camponês para o de agricultor familiar

não se dá de forma despretensiosa. Há, para os autores, um processo que busca desqualificar o

debate em torno da questão agrária e da luta pela terra e com isso transferir a solução dessas

questões para o mercado. Retirando “[...] dos agricultores a [compreensão da] sujeição da

renda da terra ao capital e, portanto, os aspectos econômicos de classe, esvaziando

politicamente a necessidade de Reforma Agrária, alijando qualquer vínculo dos trabalhadores

sem terra a essa lógica” (THOMÁZ JUNIOR, 2008, p. 291).

Buscando se aproximar da grande diversidade de formas sociais que comporta

esse conceito, Wanderley (2009, p. 156) estabelece algumas hipóteses sobre essa questão,

entre as quais:

a) Agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações especificas e particulares;

b) Ao campesinato corresponde uma destas formas particulares da agricultura familiar, que se constitui enquanto um modo específico de produzir e de viver em sociedade;

c) A agricultura familiar que se reproduz nas sociedades modernas deve adaptar-se a um contexto sócio-econômico próprio destas sociedades, que a obriga a realizar modificações importantes em sua forma de produzir e em sua vida social tradicional.

Para Wanderley (2009), o “agricultor familiar”, não rompe definitivamente com o

“camponês tradicional”, há elementos de continuidade, o que despensa qualquer análise em

termos de decomposição do campesinato. Na agricultura camponesa, tal como uma categoria

genérica da agricultura familiar, a família é, ao mesmo tempo, proprietária dos meios de

produção e assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Para a pesquisadora, o caráter

familiar não é um simples detalhe descritivo. A esse respeito, ela ainda acrescenta que o “fato

de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem consequências

fundamentais para a forma como ela age economicamente e socialmente”, há ainda

particularidades que a especificam no interior do conjunto maior da agricultura familiar, estas

dizem respeito aos objetivos da atividade econômica, às experiências de sociabilidade e à

formação de sua integração na sociedade global (ibidem, p. 156).

A partir dessas reflexões, passamos a nos questionar: tendo como ponto de partida

a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários, quais são as características das trajetórias

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dos agricultores familiares que estão vivenciando propostas inspiradas na agroecologia no

Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu? Quais são suas motivações e os principais desafios

desse caminho? A partir da introdução de novas práticas de cultivo e manejo, quais mudanças

na forma de se organizar e comercializar estão sendo tramadas? De modo geral, qual é a

importância da agroecologia para viabilização econômica, social e ecológica da agricultura

familiar camponesa?

Para tanto, recorremos novamente a Wanderley (2009, p. 156) para entendemos

que o campesinato brasileiro tem características particulares, quando comparado ao conceito

clássico de camponês. O sujeito que aí está, “é resultado do enfrentamento de situações

próprias da história social do país”, nas palavras de Sabourin (2009, p. 281), de uma herança

camponesa diversa:

[...] a dos pequenos agricultores livres do Nordeste da época colonial, que ocupam os interstícios entre as grandes fazendas, a dos vaqueiros que compraram algumas léguas após a lei da Terra, no Nordeste e Centro-Oeste, a de escravos africanos foragidos ou libertados; no Sul e Sudeste do país, a dos colonos camponeses europeus do século XIX e XX, oriundos da Alemanha, Itália, Polônia, Holanda e, por fim, a dos colonos japoneses produtores de hortaliças e frutas.

Acrescentamos ainda os moradores de fazendas (morada de favor) que compunha

a grande massa de trabalhadores “livres” na lavoura de exportação da cana de açúcar no

Nordeste.

Assim sendo, não é possível alinhar-se a uma conceituação que não leve em

consideração a diversidade e heterogeneidade de identidades presentes nesse território. Uma

definição conceitual sobre esses sujeitos sociais, seja como estratégia de análise ou de

intervenção, deve se referenciar nas diversas situações geográficas (espaço), tradições,

identidades construídas e contextos históricos nos quais o campesinato está presente.

Os termos “camponês” e “campesinato” passaram a compor o vocabulário

brasileiro a partir dos anos de 1950. De origem política, foram introduzidos pelos movimentos

populares de esquerda, no momento em que brotavam pelo país as lutas de trabalhadores do

campo, fomentadas, principalmente, pelo Partido Comunista. Antes, aqueles, eram chamados

de caipiras, caboclos, tabaréus, a depender da região que faziam parte. Estas expressões

tinham sempre duplo sentido e, em seu conjunto, eram depreciativas, ofensivas. O

personagem Jeca Tatu do escrito Monteiro Lobato ilustra bem essa visão (MARTINS, 1983).

Em 1964, o termo “camponês” foi banido do vocabulário oficial. O Estado

ditatorial impõe grandes obstáculos às alternativas contidas nas organizações de pequenos

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produtores e trabalhadores rurais autônomos, nesse contexto se destacam as Ligas

Camponesas34 (SABOURIN, 2009).

Mas, até a década de 1970, o debate no Brasil acerca do campesinato, foi

inspirado nos clássicos do marxismo, discutia-se a “natureza do campesinato e seu potencial

histórico na transformação das sociedades modernas” (WANDERLEY, 2009, p. 12). O

campesinato, de modo geral, era visto como uma categoria pré-capitalista, cuja presença nas

sociedades modernas não passava de um resíduo, explica a autora. “Tendo em vistas sua

importância numérica e seu peso econômico, nas sociedades em transição, os camponeses

eram compreendidos como anticapitalistas, portadores de um grande potencial

revolucionário” (ibidem). Duas perspectivas apontavam para o futuro do campensiato, uma

que apostava na sua decomposição nas classes fundamentais do capitalismo (perspectiva

Leninista) e a outra na sua diferenciação interna, o que presumia a extinção dessa categoria na

sociedade.

Após a década de 1970, o debate se concentrou em torno da diversidade e

complexidade do universo camponês e não mais em sua decomposição. Nesse mesmo

período, consolidava-se a concepção da natureza capitalista da sociedade brasileira, o que

possibilitou aos novos estudos (WANDERLEY, ibidem, p. 13).

[...] explicar a reprodução histórica do campesinato e o então processo considerado de “persistência” de um amplo setor de pequenos produtores familiares, numa agricultura que se modernizava e se capitalizava rapidamente, mais não como resíduo de relações pretéritas, mas como um produto gerado pelas formas dominantes do próprio capitalismo brasileiro.

Ainda que não seja o nosso objetivo fazer uma análise profunda sobre o

campesinato e para tanto existe uma ampla bibliografia disponível, tanto de estudos clássicos

quanto contemporâneos, consideramos necessário sublinhar alguns aspectos importantes para

nosso exame. Para nós, como já dissemos, os camponeses são sujeitos históricos, expressões

vivas das contradições da luta de classe (THOMAZ JÚNIOR, 2008). Ao mesmo tempo em

que estão subordinados ao capital, conseguem manter as possibilidades de reprodução não

capitalista, por meio do trabalho baseado na família e na afirmação de valores sociais cuja

racionalidade se diferencia da racionalidade do capital.

34Essas lutam se expressaram diferentemente em todo pais, no Nordeste elas ganharam visibilidade em torno do que ficou conhecido como Ligas Camponesas. Sobre a história das ligas recomenda-se a leitura do livro “O que são as ligas camponesas”, escrito por Francisco Julião e, publicada pela Civilização Brasileira em 1962 e o vídeo em VHS “Cabra marcado para morrer” dirigido por Eduardo Coutinho, o documentário resgata a memória dos fatos políticos no nordeste , foi gravado em dois períodos, em 1964 (quando interrompido) e em 1983 (20 anos depois).

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Dito isso, não resta dúvidas, os camponeses são sujeitos ativos do mundo

contemporâneo, sua presença no início do século XXI contraria o terrível prognóstico de seu

desaparecimento. Estudos comprovam que a maioria dos produtores, ainda é formada por

camponeses ou pequenos agricultores familiares. “Estima-se que cerca de 960 milhões de

hectares de terra cultivada (cultura anuais e permanentes) na África, Ásia e América Latina,

dos quais 10 a 15 % são geridos por agricultores tradicionais” (ALTIERI, 2012, p. 162).

Existe, portanto, uma atualidade no estudo da agricultura familiar camponesa.

Considerando a especificidade da formação da história do espaço agrário

brasileiro, a heterogeneidade, como já registrado, aparece como a principal característica

desse segmento, que, teimosamente, como frisa Wanderley (2009), resiste e se reproduz entre

nós contrariando todas as previsões da modernidade, da industrialização, da urbanização. Mas

afinal, quem são os camponeses? São aqueles que combinam família-produção-trabalho,

fazem do rural seu lugar de vida, onde tiram seu sustento e o fazem aliando diversos tipos de

atividade (extrativista, agrícola e não agrícola). Nessa condição, encontram-se os seguintes

sujeitos sociais (WANDERLEY, 2009, p. 40):

[...] pequenos ou médios agricultores, proprietários ou não de terras que trabalham; os assentados dos projetos de reforma agrária; trabalhadores assalariados que permanecem residindo no campo; povos das florestas; dentre os quais; agroextrativistas; caboclos, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, açaizeiros; seringueiros, as comunidades de fundo de pasto, geraiseiros; trabalhadores dos rios e dos mares, como os caiçaras, pescadores artesanais; e ainda comunidades indígenas e quilombolas.

Não obstante, os aspectos econômicos são insuficientes para explicar o processo

de permanência desses sujeitos ao longo da história. Necessitam ser considerados na

reprodução social da família camponesa aspectos ligados a identidade local, as relações de

reciprocidade, a ética, a convivência com a natureza, o local de trabalho (pertencimento) e a

família (SABOURIN, 2009; CARVALHO 2010). Nesta investigação compartilhamos da

compreensão que a agricultura familiar camponesa é uma forma de vida muito mais

complexa, trata-se de um “universo portador de um patrimônio sócio–cultural”, como afirma

Lamarche (1993 apud WANDERLEY, 1996, p. 3) “não é um mero elemento da diversidade,

mas contém em si mesma, a diversidade”.

Thomáz Júnior (2008) registra que a diferença ente o camponês brasileiro e o

camponês europeu é o seu modo de vida, uma vez que o seu acesso a terra ocorreu, e ocorre,

de forma precária e conflituosa. Daí vem sua importância em muitas das lutas camponesas de

ontem e de hoje. A esse respeito encontramos em Marx (1984, p 15):

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O modo como os homens produzem os seus meios de vida depende, em primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a reproduzir [...] Como exprimem a sua vida, assim os indivíduos são, coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também com o como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das contribuições materiais da sua produção.

A terra, portanto, é o meio de sobrevivência da família camponesa, tanto do ponto

de vista material quanto simbólico, enquanto que na agricultura do tipo capitalista, a terra é

objeto de negócio, instrumento de exploração do trabalho alheio e de especulação. As

empresas do tipo capitalista supõe a necessidade do lucro, para estas, a terra é objeto de

negócio, instrumento de exploração do trabalho alheio e de especulação (PAULINO, 2005).

Para a autora, essa dualidade entre “terra de negócio” versus “terra de trabalho” explicita o

caráter contraditório do desenvolvimento capitalista, que, por sua vez, oferece condições para

o desenvolvimento das duas formas de propriedade da terra, embora nessa relação prevaleça à

subordinação da propriedade camponesa à capitalista, dominante e hegemônica na formação

econômica e social brasileira (ibidem).

No entanto, essa diferenciação não exclui a presença de excedente na agricultura

familiar camponesa, nem tampouco significa um retorno à economia de subsistência, nem seu

isolamento diante ao mercado (CARVALHO, 2010). Essas questões devem ser entendidas da

seguinte forma: enquanto as empresas capitalistas acumulam para aumentar os seus lucros, a

unidade camponesa busca satisfazer as necessidades da família, em alguns raros e nomeados

casos, procura, com o pouco que lhe sobra, melhorar a eficiência da reprodução social do que

produz.

Mendras, citado por Wanderley (2009, p. 157), acrescenta cinco características

das sociedades camponesas:

a) uma relativa à autonomia em face da sociedade global;

b) a importância estrutural dos grupos domésticos,

c) um sistema econômico de autarquia relativa;

d) uma sociedade de interconhecimento e a função decisiva dos mediadores entre

a sociedade local e a sociedade global.

Em recente revisão dos estudos do campesinato, Ploeg (2010) procura responder

qual o lugar que os camponeses ocupam nas sociedades atuais. Ele aborda o campesinato não

como um remanescente do passado, mas como sujeito social do nosso tempo e da sociedade.

No Brasil, essa realidade envolve milhões de famílias e, no mundo, cerca de um quarto de

toda humanidade, acrescenta Carvalho (2010).

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Em resenha realizada por Sabourin (2009, p. 32), encontramos a definição

realizada por Ploeg acerca da “condição camponesa”, na qual a agricultura camponesa e/ou

modo de produção camponês estão imersos: Ela é defina por seis características:

a) Uma relação de coprodução com a natureza;

b) A construção e autogestão de uma base autônoma de recursos próprios (terra, fertilidade, trabalho, capital);

c) Uma relação diferenciada com os mercados diversificados, resguardada certa autonomia;

d) Um projeto de sobrevivência e resistência à reprodução da unidade familiar;

e) A pluriatividade

f) A cooperação das relações de reciprocidade.

No quadro abaixo, denominado por Ploeg (2009) de “Coreografia da condição

camponesa”, podemos visualizar como estas características se conjugam para compor a

natureza da agricultura camponesa.

Figura 1 - Coreografia da condição camponesa

Fonte: PLOEG (p. 18, 2009).

Observamos que os camponeses estão inseridos em um ambiente hostil e por vez

submetidos a níveis diferenciados de dependência. A busca por autonomia, nessa leitura,

passa pela criação e desenvolvimento de uma base de recursos autogerida envolvendo fatores

de produção (terra, trabalho, gado, esterco, irrigação), como também fatores sociais

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(conhecimento, redes, formação, etc.). Nessas condições, a relação do camponês com o

mercado é de fundamental importância na busca de autonomia, mesmo porque a produção

envolve custos monetários e a família não produz todos os itens que lhe são necessários

(PLOEG, 2009). A produção e a reprodução da agricultura familiar camponesanecessitam

também do apoio do Estado, isso como regra geral, explica Carvalho (2010), devido às

condições desiguais com demais setores da economia. De modo, que para o autor sua

possibilidade de reprodução, manutenção e de expansão dependem das politicas públicas e da

ação dos movimentos e organizações sociais e sindicais (ibidem).

Sabourin (2009) diz que as unidades de produção que compõe o heterogêneo

segmento da agricultura familiar no Brasil encontram-se revestidas de características

camponesas. A trajetória do campesinato brasileiro, na percepção de Wanderley (2009, p.

168), se expressa na luta para conseguir um espaço próprio na economia e na sociedade e as

principais estratégias na busca de autonomia são “as lutas por um espaço produtivo, pela

constituição do patrimônio familiar e pela estruturação do estabelecimento como um espaço

de trabalho da família”.

Postas estas questões, faremos, a seguir, algumas considerações sobre as noções

de autonomia e de resistência, consideradas fundamentais para esse estudo.

A busca por autonomia é constante para os camponeses como forma de garantir

produção e reprodução social da família, sobretudo em um contexto adverso caracterizado por

relações de dependência, marginalização e privação. Essa busca apresenta-se de muitas e

diferentes formas e, comumente, de maneira inter-relacionada nas lutas abertas e, com maior

frequência, em ações aparentemente invisíveis como “[...] ocorre nos campos, currais e

estábulos através de muitas decisões que precisam ser tomadas sobre a criação dos animais, a

seleção de sementes, irrigação e o trabalho” (PLOEG, 2010, p. 61, tradução nossa). A noção

de autonomia em Ploeg (ibidem) não está restrita a um estado de não dependência, ao

contrário, ele se refere à autonomia do tipo relativa.

Wanderley, por sua vez, explica porque a autonomia da agricultura camponesa é

sempre relativa (2009, p. 161).

A necessidade de reservar parte de seus recursos para as trocas com o conjunto da sociedade e para atender a suas imposições, termina por introduzir no interior do próprio modo de funcionamento do campesinato certos elementos que lhe são, originalmente, externos. De fato, o sistema de policultura-pequena produção é concebido como um todo, estruturado de forma a garantir a subsistência da família camponesa. Porém, ele não elimina a fragilidade da agricultura camponesa, nem impede a emergência das situações de miséria e de grandes crises: seus resultados dependem de suas causas aleatórias, de origem natural - os efeitos das intempéries - ou das implicações das relações político-sociais dominantes, especialmente a extração da renda da terra.

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No caso do Brasil, esses sujeitos, na sua maioria, foram constantemente alijados

das melhores terras e das condições para produzir (tecnologias, fomento agrícola entre

outros). O Estado sempre teve um papel fundamental no sentido de apoiar a classe dominante

e a reprodução das relações capitalistas, desde a Lei de Terras de 1850 até os dias atuais.

Assim em que medida a transição agroecológica, objeto dessa investigação, pode

diminuir a dependência dos camponeses? Tomada como um processo amplo que vai além da

convenção de sistemas convencionais em sistemas produtivos diversificados com menos

dependência de insumos externos, a transição agroecológica implica também na “[...]

reconexão da agricultura aos ecossistemas locais, na defesa de territórios e formas

sustentáveis de vida [...] vinculada a formas de manejo e gestão dos recursos naturais dos

povos e comunidades locais”. Estas, de forma geral, devem contribuir para o fortalecimento

da autonomia dos agricultores familiares na produção e reprodução de sua base de recursos

(SCHMITT & TYGEL, 2009, p. 105).

O fortalecimento da base de recursos ocorre, como observado ao longo da

pesquisa, através da participação em redes sociotécnicas, pela ação social coletiva e não

somente por meio dos recursos em si, nesse contexto as relações e os espaços de organização

desemprenham um papel fundamental, no sentido da articulação e mobilização social

(PLOEG, 2009).

Conforme Almeida (1999), a autonomia ocupa o centro das aspirações dos

movimentos de contestação e, de modo específico, àqueles que integram os movimentos

ligados às agriculturas de base ecológicas. Para o autor, a noção de autonomia está em

contraposição ao de heteronomização35, isto é, a perca da auto regulação da agricultura

camponesa. Por exemplo, as experiências de “agriculturas ecológicas”, de modo geral,

caminham na contra mão da modernização que, permanentemente, ameaça a produção e

reprodução camponesa, principalmente quando nega seus conhecimentos, saberes e técnicas

tradicionais.

Ainda para o autor, essa noção se relaciona com uma espécie de reinvindicação-

aspiração vinculada ao plano da produção, de modo particular, do trabalho. Nesse plano,

Almeida (1999, p. 149) destaca três dimensões essenciais, quais sejam:

35Almeida toma emprestado de Ivan Illichi o termo heteronomização que significa na agricultura camponesa a perda capacidade de sua auto regulação. “Em seu sentido etimológico é aquele ‘ que recebe do exterior as leis que regem sua conduta’ (ao inverso do que autonomia). Essa palavra vem do grego ‘heteros’ (outro) + ‘ nomos’ (lei)” (ALMEIDA 1999, p. 147).

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a) a busca, por parte do trabalhador/agricultor, de uma autonomia na sua estrutura de produção, através de uma combinação entre energia e informação, esta aqui entendida no seu sentido mais amplo, reagrupando as atitudes o agricultor e os seus conhecimentos necessários à produção; b) uma autonomia baseada no espaço ou no território específico, que permite certo conhecimento e domínio da situação e que abre possibilidade de invenção do próprio trabalho e da aplicação dos conhecimentos acumulados em um lugar determinado; e c) a possibilidade de gerir o próprio tempo de trabalho segundo diferentes modalidades, o que significa, em última instância, restituir o agricultor da dimensão essencial da existência, que é o domínio do tempo.

Almeida (1999, p. 152), em sua análise, acrescenta que a participação dos

agricultores em um maior número de atividades produtivas como as “[...]ligadas diretamente

ao setor industrial, ao artesanato, ou mesmo propriamente agrícolas, comerciais ou de

manutenção/conservação do meio ambiente[...]”, desde que haja, adverte o autor, um

equilíbrio entre estas, possibilitando um maior nível de autonomia dos agricultores. É o que

pode ser observado em seu estudo junto às famílias agricultoras da região sul do país

(ALMEIDA, 1999, p 152).

Em um bom número das unidades de produção analisadas, é justamente essa diversidade que garante rendas familiares razoáveis, pelo menos suficientes para a reprodução da família. Por outro lado, é essa relativa pluriatividade de fontes de entrada de dinheiro, mesmo que advinda mais seguidamente de atividades ainda propriamente agrícolas, através da policultura e da criação de animais, que assegura uma certa autonomia da família, ao grupo e a cada um de seus membros, da mesma forma que uma considerável integração entre unidades de produção, garantindo a solidariedade dos grupos e autonomia de certas comunidades em relação ao exterior.

A noção de autonomia camponesa, além disso, envolve sentidos e valores ligados

à tradição, vínculos comunitários e familiares, história, religião, política entre outros

elementos que permeiam a vida cotidiana desses sujeitos.

Santos (2012) reconhece que a flexibilidade presente nas estratégias de produção

dos camponeses tem lhes assegurado uma autonomia do tipo relativa, seja pela via da

integração ou da diferenciação. Portanto, a combinação entre atividades agrícolas e não

agrícolas na produção e reprodução da agricultura camponesa é um fato histórico. A

novidade, registra a autora, é que estas diversas atividades realizadas pelas famílias

camponesas, por meio da pluriatividade, acontecem em um “[...] contexto de desemprego

estrutural, de globalização financeira e de transformação do papel do Estado no âmbito das

politicas públicas e na regulação entre capital e trabalho.” (2012, p. 258; grifos originais).

A pluriatividade entre os trabalhadores e, de modo particular entre os camponeses,

revela a generalização das relações mercantis de trabalho e, portanto, sua proletarização

(SANTOS, 2012). Trata-se, nos termos usados por Iamamoto (2006, p. 155-156), de um

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processo de proletarização inconcluso, porque os sujeitos já não encontram um espaço no

mercado formal de trabalho.

Processo de proletarização inconcluso, porque nos marcos da expansão oligopolista tem-se um excedente de força de trabalho que já não encontra lugar no mercado formal de trabalho, fazendo com que o surgimento de trabalhadores livres não signifique necessariamente o surgimento de trabalhadores que sobrevivam fundamentalmente de rendimentos percebidos sob a forma de salário. A expansão capitalista na era da ‘acumulação flexível’ dissocia o trabalhador livre da condição assalariada. Faz crescer os longos períodos de desemprego, formas de trabalho eventual e subcontratado, que se combinam com outros meios de sobrevivência através do trabalho autônomo por tarefas, do trabalho em domicílio, do artesanato, da posse provisória da terra em outras regiões etc. Produz o trabalho assalariado e não assalariado, formas de subordinação real e formal do capital (grifos originais).

Nesse contexto, conclui Santos (2012, p.258) que os riscos são altos para a

agricultura familiar camponesa, podendo esse segmento, “apenas contribuir para a valorização

do capital em geral, na medida em que o trabalho excedente é retido no processo de

circulação”.

Grzbowski (1987), ao abordar o conjunto de lutas dos trabalhadores rurais contra

a subordinação do trabalho ao capital, considera que a apreensão do sentido histórico das

formas de resistência camponesa “[...] contra a subordinação e exploração, embutidos nas

condições de produção e comercialização de seus produtos, a sua emergência, alternativas e

limites [...]” fornece elementos essenciais para que possamos compreender como essa

produção se insere na estrutura agrária na atualidade e como ocorre sua integração na divisão

social do trabalho no conjunto da economia (1987, p. 38). Nessa perspectiva, pode-se

reconhecer que as condições de existência da produção camponesa mudaram qualitativamente

nos últimos anos, especialmente no que diz respeito a sua capacidade de se confrontar e se

opor ao capital e ao Estado – o objeto estudado é uma expressão dessa realidade. No entanto,

as contradições desse processo se manifestam na “[...] forma de seleção/exclusão, de um lado,

modernização e integração de um importante segmento; de outro, pauperização, exclusão e

até expropriação de uma grande massa de camponeses” (idem, p. 39 - 40). Esse processo de

diferenciação social descrito pelo autor não ocorreu exclusivamente em termos de

capitalização e proletarização, ele também gerou uma nova forma de produção camponesa

que “[...] acumula meios de produção (e não capital) e permanece em regime familiar de

produção” (GRZBOWKI,1987, p. 40).

Assim, a luta por liberdade e a iminente subordinação andam passo a passo com

os camponeses, diz Ploeg (2010, p. 11-12, tradução nossa) no prefácio do livro Novos

camponeses: camponeses e impérios alimentares. Como forma de elucidar essa luta, ele

comenta o filme Novecentode Bertolucci:

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A expressão mais reveladora dessa ligação íntima é, provavelmente, a desenvolvida por Bertolucci em seu filme original Novecento [...] A subordinação e a desobediência, a humildade e o desejo de liberdade, o feio e o sublime estão fortemente ligados e, apresentam uma combinação inegável de elementos opostos, uma combinação através da qual um dos elementos se provocam mutualmente. É precisamente o que Bertolucci demonstra de forma magistral. Esse é também um dos temas centrais deste livro .

Nesse trecho, observa-se que, historicamente, as práticas de submissão e

resistência têm marcado o cotidianodos camponeses. O mundo moderno, pelo que parece, diz

o autor, não tem prestado atenção a esse fenômeno. Essa aparente invisibilidade encontra

respaldo nas conotações negativas associadas à palavra camponês, mas não na realidade

empírica, pois nessa, segundo Ploeg (ibidem), existem muito mais camponeses do que

registram as estatísticas, para estes milhões de camponeses, acrescenta, não existe outra

alternativa à vida se não essa.

As concepçõesclássicas tratam as formas de resistência a partir das “greves,

rebeliões, ações contra o Estado, organizações institucionais como espaço de expressão

política”(SCOTT, 2002, p. 10). Na noção de “formas cotidiana de resistência” desenvolvida

por Scott, as ações na esfera política, mesmo que considerando sua relevância, “dizem pouco

sobre a luta mais vital e cotidiana levada na fábrica pela jornada de trabalho, pelo salário, pela

autonomia, por direitos e respeito” (ibidem). Propõe, então, um referencial téorico-

metodológico para apreender o “amplo leque de formas cotidianas, fragmentárias e difusas de

resistência“ (SCOTT, 2002).

Contudo, não nos afastemos da perspectiva teórico-metodológica marxiana, já que

“um dos grandes méritos de Marx foi o de ter demostrado que o mundo não pode ser

compreendido unicamente através da experiência subjetiva que dele se tenha” (IAMAMOTO,

2010, p. 398). O que não significa negar as experiências vivenciadas pelos operários das

fábricas, pelos trabalhadores informais e pelas famílias camponesas. Nesse aspecto, Harvey

(1990 apud IAMAMOTO 2010, p. 399) chama nossa atenção quando diz:

É vital entender como os trabalhadores enfrentam sua situação, os “jogos” que inventam para tornar suportável o processo de trabalho, as formas particulares de camaradagem e competição através das quais se relacionam, as táticas de cooperação, de confrontação e como se esquivam de maneira sutil na relação com a autoridade. E, sobretudo, as aspirações e o sentido de moralidade que colocam em suas próprias vidas. É preciso compreender como os trabalhadores constroem uma cultura distinta, como criam instituições e a elas integram outras instituições construindo sua própria defesa.

Por sua vez, Ploeg (2010) fazendo referência a Scott, diz que a resistência

camponesa não pode ser resumir às práticas rotineiras/cotidianas. É preciso analisar um

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campo mais amplo de ação na qual se materializam as resistências. Assim formula Ploeg

(2010,p. 370 – 371, tradução nossa):

A resistência se encontra em uma vasta gama de práticas heterogêneas e cada vez mais interligadas através das quais o campesinato se constitui como distintamente diferente. A resistência se encontra nos campos, na forma de fazer “estrume bom”, de criar “vacas nobres” e de construir “belas propriedades”. Por mais antigas e irrelevantes que essas práticas possam parecer se consideradas isoladas, no contexto do Império36 elas são cada vez mais veículos através dos quais se expressa e organiza a resistência. Elase encontra igualmente na criação de novas unidades de produção, de consumo em terrasconsideradas inaptas para a agricultura ou que deveriam manter-se improdutivos ou ser usados para a produção de culturas de exportação em grande escala. Em síntese, a resistência do campesinato se encontra, acima de tudo, na multiplicidade de respostas continuadas ou recém-criadas a fim de enfrentar o Império como principal modo de ordenamento. Por meios dessas respostas os camponeses são capazes de remar contra a maré (grifo do autor).

São essas novas formas de resistência, intervindo nos processos produtivos e de

trabalho, que fazem da agroecologia, conforme Ploeg (2009), a principal força motriz de

muitas formas de desenvolvimento rural autóctones presentes em diversas partes do mundo, a

exemplo daquelas encontradas no território rural investigado.

3.3.2 Estreitando os nós: sistemas produtivos familiares de base agroecológica

Sobre as considerações de Ploeg, entendemos ser necessário aprofundar, mesmo

que brevemente a partir de agora, algumas de suas questões: a agricultura camponesa é

ambientalmente sustentável? Os diferentes tipos de campesinatos são capazes de alimentar o

mundo?

Leroy (2002) responde essas questões nos seguintes termos: a diferença entre um

camponês do agreste Pernambucano ou um assentado de Minas Gerais e do produtor de cana

do triangulo mineiro, não é só o tamanho da produção, mas o balanço energético entre essas

duas produções. O autor então explica(LEROY, p. 64):

Produzir grãos de maneira muito intensiva supõe o emprego de muito mais energia do que a produção camponesa tradicional. Esse modelo produtivista está em crise: além de devorador de energia e de água, é concentrador de terra e de renda, provocador de graves impactos sobre o ambiente e a saúde e não resolve a fome no mundo.

Complementa ainda (ibidem, p. 65):

A combinação do latifúndio e de empresas rurais produtivistas provoca a destruição das paisagens e dos ecossistemas, erosão do solo, comprometendo a sua capacidade

36Ploeg (2010) define Império como um modo de ordenação dominante, é formado por grupos industriais agrícolas, grandes revendedores, estruturas estatais, modelos científicos, tecnologias entre outros.

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produtiva no futuro, erosão genética, diminuição das reservas hídricas e assoreamento dos rios, poluição das águas de superfície e subterrâneas, comprometendo a saúde dos que trabalham e dos consumidores, fim da diversificação do sistema de produção que facilitava a sustentação no tempo das famílias produtoras e da biodiversidade agrícola, empobrecimento da dieta alimentar, ameaças sobre a segurança alimentar no médio e longo prazo, migração e expulsão da terra, etc.

A agricultura no Brasil, historicamente, foi destruidora do meio ambiente, como

lembra Leroy (2002) e, especialmente, das florestas. Mas de que agricultura e de quais

agricultores estamos nos referindo?

Ploeg (2009) pensa ser impossível que as pessoas em situação de miséria sejam

ambientalistas. Nesse sentido, é um fato que a presença dos pequenos agricultores tenha

causado devastação dos ecossistemas brasileiros, mas ela se torna secundária frente à

destruição promovida pelo latifúndio, conforme observamos na exposição do autor (LEROY,

2002,p. 62):

Na Mata Atlântica, a responsabilidade pela destruição é das monoculturas de café e de cana, da pecuária extensiva, da exploração madeireira, da cultura de árvores com fins de produção de papel-celulose e carvão vegetal e da expansão urbano-industrial. Na caatinga nordestina, os recursos públicos, que sempre afluíram à região e que poderiam ter sido dirigidos para reorientar o modelo agrícola num ambiente espacialmente frágil, voltaram-se sempre para lubridiar o clientelismo político e a indústria da seca. A frente de produção de grãos e algodão avança sobre o cerrado e as fronteiras de expansão amazônica, as empresas madeireiras passam a ocupar um papel preponderante no processo de destruição florestal, no lugar dos grandes projetos agropecuários financiados com incentivos fiscais no passado.

Frente a isso, Alier (2002 apud PLOEG 2009, p. 29) argumenta que “[...] na

distribuição ecológica dos conflitos, os pobres estão frequentemente do lado da conservação

dos recursos e de um ambiente limpo”.

Estudos, com base empírica e teórica, confirmam que o caminho de uma

agricultura camponesa sustentável é viável e representa uma solução melhor do que a

agricultura empresarial, do ponto de vista socioambiental e econômico. Os camponeses

podem ocupar um lugar insubstituível na luta contra a mercantilização da vida, como

guardiões da biodiversidade, das sementes, das águas (LEROY, 2002). Como bem expressou

Leonardo Boff em depoimento durante o II Encontro Nacional de Agroecologia37:

Vocês estão ensaiando, em nível mundial, esse processo de libertação. Por que a lógica, hoje, é submeter, escravizar tudo à mercadoria. Primeiro, foi o trabalho feito mercadoria, a ser vendido na forma de salário. Depois as terras foram transformadas em mercadoria e, hoje, são os alimentos e a sementes. São menos de dez grandes empresas que controlam todas as sementes e manipulam as sementes para que elas

37 II Encontro Nacional de Agroecologia (Recife-PE, em 2006).

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não sejam mais fecundas. Vocês não; criam bancos de sementes crioulas para preservar essa herança milenar das gerações.

Por sua vez, Carvalho (2010) enfatiza no texto Na sobra da imaginação: reflexão

a favor dos camponeses e, tem defendido em demais estudos, a necessidade de uma afirmação

dos camponeses como projeto social para o campo e, não como alternativa à reprodução do

capital, mas como negação desse modo de produção. Para o autor, de maneira ampla e geral,

as experiências da agricultura camponesa e as práticas da agroecologia possibilitam a

construção e a reprodução de outro modelo de produção e tecnológico para o campo.

Carvalho ainda explica que a unidade de produção/consumo camponesa não se fecharia nela

mesma como unidade autossuficiente e, sua relação com o mercado se daria de uma maneira

mais crítica, por meio, acrescenta o autor (2010, p. 7):

[...] de redução da importação de insumos e da garantia de controle familiar, inclusive de beneficiamento e de agroindustrialização de seus produtos, mas de maneira que a oferta de produtos nos mercados, onde obtém a sua renda monetária, não determine mudanças interna na unidade de produção camponesa incompatíveis com a presença do trabalho familiar , com a relação ecológica camponês-natureza - baseada predominantemente nos principios da agroecologia, no beneficiamento e agroindustrailização dos seus produtos e nos processos mais amplos de cooperação entre os camponeses.

Nessa perspectiva, Petersen e Caporal (2012) afirmam que a opção na

agroecologia é, portanto, a opção pela agricultura familiar camponesa.

No Brasil, a agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da comida que

chega à mesa dos brasileiros, cumprindo assim o papel vinculado a segurança alimentar do

país, revelam os dados do Censo Agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatísticas – IBGE (BRASIL, 2009), enquanto que a maior parte da produção do agronegócio

é destinada ao mercado de exportação.

O estudo evidencia que o setor agrícola familiar está representado por mais de 4,3

milhões de unidades de produção, o que corresponde a 84,4% dos estabelecimentos rurais,

embora ocupe apenas 24,3% da área agrícola total.

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Figura 2 - Participação da agricultura familiar no Brasil

Fonte: Brasil (2009).

Segundo o Censo, a produtividade na agricultura familiar é superior às áreas do

agronegócio considerando que a renda gerada por hectare é de R$ 667,00 e R$ 358,00,

respectivamente. Os dados revelam que a importância da agricultura familiar para a economia

do país, representa 38% do PIB (R$ 54 bilhões) e sendo responsável pela ocupação de 74,4%

de trabalhadores rurais. Em contrapartida, o agronegócio proporcionou a ocupação de 24,6%

dos trabalhadores rurais, e respondeu por 62% PIB (R$ 89 bilhões).

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Figura 3 - Valor bruto da produção por área total

Fonte: Brasil (2009). Figura 4 - Participação da agricultura familiar no pessoal ocupado

Fonte: Brasil (2009).

O valor bruto da produção por hectare das unidades familiares é superior ao das

unidades da agricultura patronal, esses dados rompem com a visão de que agricultura familiar

é um setor pouco produtivo. Outro aspecto relevante é que a agricultura familiar ocupa quase

8 de cada 10 postos de trabalho na agricultura nacional, o que significa mais de 12 milhões de

pessoas contra as 4 milhões ocupadas na agricultura não familiar. E mais, a cada 100 hectares

a agricultura familiar ocupa 15,3 pessoas, enquanto a não familiar ocupa apenas 1,7 pessoas.

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As informações geradas pelo Censo expressam a atualidade e a importância

econômica e social da produção familiar camponesa, além de demonstrarem que a

concentração de terras na estrutura agrária ainda se constitui como fator preponderante para a

análise da questão agrária brasileira, visto que se manteve praticamente inalterada a situação

da distribuição de terras ao longo de vinte anos, representando um dos maiores impedimentos

para a implantação de outro estilo de desenvolvimento rural. Os dados confirmam o que há

décadas tem sido alvo de denúncias por parte das organizações de agricultores, pesquisadores,

movimentos sociais rurais e outros sujeitos sociais, ou seja, há uma expressiva concentração

de terras em poder do agronegócio, impactando diretamente sob os índices de violência no

campo e violação dos direitos humanos.

Em referência à violência no campo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2012)

registra que em 2011 foram assassinados 29 trabalhadores rurais, número menor do que o ano

anterior, quando foram assassinados 34 trabalhadores. Além disso, houve um aumento no

número de trabalhadores e trabalhadoras ameaçados de morte, de 117, 6%. Os dados revelam

que o aumento da violência tem caminhado junto aos conflitos de terra no Brasil, envolvendo

os posseiros em suas diferentes denominações: ribeirinhos, fecho de fundos de pastos,

seringueiros, castanheiros, vazanteiros, geraiseiros e pescadores além dos sem-terra.

O ano de 2012 inicia com mais violência, revela o relatório. Somente durante os

quatro primeiros meses do ano, 12 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinados em

conflitos no campo (CPT, 2012). A violência se expressa também por meio da ameaça a

muitos trabalhadores, indígenas, militantes, sindicalistas e lideranças ao denunciarem as

injustiças no campo, o trabalho escravo, o uso criminoso de agrotóxicos, entre outros

aspectos. O assassinato, em 2010, do agricultor José Maria do Tomé38, em Limoeiro do

Norte, por denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos na região, indica a face violenta da

tensão existente entre camponeses e os representantes do agronegócio e a situação de

impunidade existente no país.

Nesse contexto,esses dados revelam o processo de violação dos direitos humanos,

tanto a violência quanto os assassinatos são expressões da questão agrária brasileira, daí a

relevância das reflexões e informações apresentadas, bem como a convicção que a agricultura,

numa perspectiva ampla, não podem ser analisada separadamenteda história de ocupação do

espaço brasileiro, destacadamente os vividos no Nordeste. É nesse amplo contexto que se

38Para obter mais informações sobre o assassinato de José Maria do Tomé, consultar Brasil de Fato, disponível em <http://www.brasildefato.com.br/node/9449>. Acesso em: 18 set. 2012

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situa nosso objeto de estudo. Desvelar as mudanças ocorridas ou que ocorrem na “vida

cotidiana” das famílias agriculturas que vivenciam experiências inspiradas na agroecologia

exigiu uma aproximação teórica das categorias “agricultura familiar camponesa” e

“agroecologia” (conforme expresso ao longo do capitulo) , no sentido de compreender como

estas se configuram na própria realidade, em movimento.

3.3.3 Transição agroecológica: um conceito em construção

A transição agroecológica se constitui como um conceito central para a

Agroecologia. Trata-se de uma expressão empregada, de forma geral, para designar as

interações entre os processos sociais e ecológicos. É, ao mesmo tempo, uma referência de

análise no processo de investigação e uma ferramenta para orientar processos de intervenção

(SCHMITT, 2009).

De acordo com Costabeber (2012, p. 49), a transição agroecológica pode ser

entendida como:

[...] um processo gradual de câmbio através do tempo nas formas de manejo e gestão dos agoecossitemas, tendo como meta a passagem de um sistema de produção “convencional” (que pode ser mais ou menos intensivo em insumos externos) a outro sistema de produção que incorpore principios, métodos e tecnologias com base ecológica.

Sua meta é ir além das práticas agrícolas alternativas. Nesse sentido, é preciso

diferenciar os “sistemas alternativos de base ecológica” da “agroecologia”. O primeiro se

caracteriza por promover uma “maior diversidade de cultivos, o usos de rotações com

leguminosas, a integração da produção animal e vegetal, a reciclagem e uso de resíduos

agrícolas e o uso reduzido de agroquímicos sintéticos” (COSTABEBER, 2012, p. 48).

Enquanto campo multidisciplinar a agroecologia fornece princípios para estudar, projetar e

manejar agroecossistemas com dependência mínima de agroquímicos e energia externa

(ALTIERI, 2012).

Entretanto, Weid (2012) verifica que os níveis de ruptura com sistemas

convencionais podem ocorrer de formas diversas, indo da simples redução ou substituição de

insumos agroquímicos até uma nova organização da lógica técnica e econômica dos

agroecossistemas. Em casos mais avançados, o desenho dos agroecossistemas podem se

aproximar dos ecossistemas naturais. Nos mais complexos, explica Altieri (2012), as

complementariedades ecológicas e as sinergias entre os elementos biológicos proporcionam

mecanismos para que os próprios sistemas garantam a fertilidade do solo, sua produtividade e

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sanidade das culturas, como exemplo se destacam os policultivos e os sistemas agroflorestais

(ALTIERI, 2012).

A transição para agroecossistemas mais sustentáveis, registra Caporal baseado na

classificação realizada por Gliessman (2000 apud CAPORAL, 2009), pode se diferenciar em

quatro níveis, a saber:

1. Relativo aos valores - diz respeito à ética que orienta decisões de

produção, consumo e organização social;

2. Relacionada à agricultura - incremento da eficiência das práticas

convencionais para reduzir o uso de insumos externos caros, escassos e

daninhos ao meio ambiente;

3. O foco é à substituição de insumos e práticas convencionais por práticas

alternativas;

4. Redesenho dos agroecossistemas, para que funcionem com base em novo

conjunto de processos ecológicos. Mais complexos, mas indispensáveis

para se alcançar sustentabilidade.

A comprovação empírica demostra que há uma variedade de situações produtivas

e muitos pontos de partida possíveis rumo a sistemas mais sustentáveis. Diante dessa

informação, por onde começa a transição?

Se tomarmos como referência os sistemas produtivos tradicionais, que não

incluíram práticas de manejo e insumos do pacote da revolução verde (monocultura, uso

intensivo de produtos químicos, mecanização, agrotóxicos, entre outras práticas), o ponto de

partida, conforme defende Araújo (2009), é a valorização das práticas tradicionais e a

introdução de práticas mais sustentáveis, conhecimentos que a agroecologia tem se dedicando

a ampliar. “Isso porque, nesse caso, o ambiente e os recursos naturais não foram devastados,

significando um maior equilíbrio do entorno e uma possibilidade de avançar em manejos

conservacionistas” (ibidem, 2009, p. 85).

Outro ponto de partida possível, diz respeito aos sistemas produtivos que

adentram de forma intensiva a agricultura convencional. Para esse caso, é preciso estabelecer

estratégias mais longas. Pode-se começar, ainda segundo o autor (ARAÚJO, 2009), com a

recuperação do solo intensivamente explorado com uso de fertilizantes e uso de agrotóxicos

como método de controle de pragas e doenças. As práticas convencionais representam, no

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entendimento de Gliessman, o ponto principal para iniciar a transição para sistemas mais

sustentáveis (2000).

Um dos principais obstáculos para a disseminação da agroecologia (ALTIERI,

2012) diz respeito a sua aplicação, pois, ao contrário dos sistemas convencionais que utilizam

pacotes tecnológicos homogêneos, os sistemas agroecológicos exigem, de modo particular,

dos agricultores e dos técnicos, outro “jeito de olhar” os agroecossistemas. Convém

sublinharmos que, muitas das vezes, os agricultores já possuem esse olhar integrado de sua

unidade familiar. O quintal, as criações, o roçado, as práticas, os tempos de plantio e colheita,

a distribuição dos recursos, tudo está interconectado.

A intervenção técnica baseada no produtivismo, com o desejo de alcançar a

máxima rentabilidade econômica da exploração agrícola alterou essa racionalidade que

atualmente se busca recuperar. O cotidiano do trabalho foi homogeneizado através das

técnicas e práticas, mas também o conhecimento peculiar ao fazer produtivo desses sujeitos

sociais, de modo que, para a convenção de sistemas produtivos sustentáveis, é necessário mais

do que processos técnicos. Esse câmbio exige mudança nas atitudes e valores dos atores

sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais, o que faz da transição

agroecologia um processo social complexo, haja vista as dimensões socioculturais,

econômicos e ecológicos que mobiliza (CAPORAL, 2009).

O uso do conceito de transição agroecológica como recurso analítico é um

processo em construção. A partir desse entendimento, Schmitt (2009, p.199) faz uma síntese

das principais questões que cercam essa noção:

(a) resgate dos atores sociais e suas distintas visões de mundo como um elemento essencial na análise dos processos de mudança socioambiental na agricultura, evitando-se uma visão tecnicista da transição agroecológica como um processo de conversão de sistemas convencionais de produção (pouco diversificados e dependestes de insumos externos) para sistemas diversificados e autorregulados; (b) a visão de que a construção do conhecimento agroecológico, a partir de um diálogo entre conhecimento cientifico e o chamado saber popular ou conhecimento prático, envolve dinâmicas de conflito e negociação entre diferentes mundos, nos quais se expressam complementariedades, mas também descontinuidades entre diferentes sistemas ou formas de conhecimento; (c) necessária articulação entre as dimensões locais (os atores locais, suas estratégias, seus modos de vida, sua base natural de recursos) e as dimensões globais envolvidas na transição agroecológica, considerando-se as inúmeras mediações existentes entre esses diferentes níveis de interpretação.

Por conseguinte, o desenvolvimento de estilos de agriculturas mais sustentáveis

nos chama atenção para as formas de ação coletiva que tem apoiado essas experiências, seja

em nível local, regional e nacional e na sua articulação dentro e fora do território. A

consolidação dessa “outra forma” de fazer agricultura tem colocado como desafio o

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fortalecimento de novas redes de relações. Pois, conforme encontramos em Schmitt (2009, p.

196), a transição agroecológica

[...] implica na reapropriação e/ou fortalecimento da capacidade de gestão individual ou coletiva, dos camponeses e agricultores familiares sobre os recursos naturais que servem de base a sua reprodução econômica e social, envolvendo, muito frequentemente, restruturações importantes nos vínculos estabelecidos com diferentes agentes sociais [...]

Costabeber e Moyano (2009) demostram haver complementariedade entre a

ecologização característica dos processos de transição agroecológica e a ação coletiva, espaço

compartilhado entre sujeitos sociais (com expectativas, crenças e valores) e projetos coletivos

com o intuito de construir estratégias para superar a invisibilidade, a estagnação e a

marginalização econômica a que estariam submetidos.

Sob o ponto de vista técnico-produtivo, Almeida (1999, p. 145) apresenta três

cenários possíveis para a materialização da agroecologia, três etapas de desenvolvimento, a

saber:

[...] uma concebida como sendo a institucionalização da marginalização da agricultura alternativa ou ecológica; outra, que corresponde a uma “ecologização” da agricultura moderna ou convencional e a última, em que a agricultura ecológica é apreendida como uma verdadeira alternativa técnico-cientifica global.

Almeida (1999) analisa que, inicialmente, estas proposições foram apreendidas

por certo tipo de agricultor e de agricultura e, de forma específica, por aquele pequeno

agricultor sem acesso a recursos materiais, físicos e financeiros, e produzindo, para sua

subsistência. A segunda etapa, que diz respeito à “ecologização”, esta já pode ser observada,

em alguma medida, na agricultura convencional, especialmente no uso de práticas voltadas à

conservação da natureza e no crescente incentivo às agriculturas mais sustentáveis. E,

finalmente, a terceira etapa de apreensão da agricultura ecológica como alternativa técnico-

produtiva global, o autor avalia que esta exigirá profundas mudanças nas orientações sociais e

políticas.

As experiências de transição agroecologia estão longe de significar um campo

homogêneo, conforme nos alerta Almeida (1999). Sua contribuição ao nosso objeto de estudo

é fundamental no sentido de demonstrar que o processo de construção social de uma nova

agricultura(grifo nosso)se constitui na interação de diferentes atores39, experiências,

39Nessa trama de relações, o autor destaca os seguintes atores sociais: “[...] organizações não governamentais (Ong’s), associações e grupos de inspiração comunitária, grupos de cooperação agrícola, sindicatos profissionais, militantes de partidos políticos, algumas correntes da igreja, segmentos de setores industriais e da distribuição-comercialização, técnicos, assim como o próprio Estado através de seus organismos e agentes de enquadramento técnico, econômico e social’ (ALMEIDA, 1999, p. 23).

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proposições, recursos, projetos e ações, cuja expressão é “[...] uma trama de relações sociais e

de poder através da qual se afrontam ou se associam os interesses de diferentes grupos e

categorias” (ALMEIDA, 1999, p. 23).

A promoção de iniciativas agroecológicas e a melhoria da qualidade de vida das

famílias agricultoras, já evidenciada em vários estudos, não foram, de acordo com Almeida

(1999), suficientes para alçá-la a um lugar de maior destaque no interior da agricultura

brasileira. Esse lento desenvolvimento, analisa o autor, se deve em parte pelo fato de se apoiar

mais em critérios culturais e técnico-econômicos, do que em critérios sociopolíticos (ibidem).

Concordando com autor e valendo da posição defendida por Altieri (2012),

Molina (2009), Ploeg (2009, 2010), Caporal e Petersen (2012), entendemos que será

necessário mais do que a substituição de insumos, práticas agrícolas ou diminuição no uso de

agrotóxicos, ainda que sejam fundamentais para garantir a transição para agriculturas mais

sustentáveis. A implantação de iniciativas de agriculturas sustentáveis e o enfrentamento da

crise socioambiental exigem mudanças na esfera das instituições, nas agendas de pesquisa e,

sobretudo, uma nova direção das políticas que definem o processo de desenvolvimento

(CAPORAL, 2009).

Consideramos deveras importante debruçarmo-nos sobre o universo da agricultura

familiar camponesa, como forma de contribuir com o debate sobre a transição agroecológica,

não entendida aqui como um conceito fechado. Trata-se, sob muitos aspectos, de um caminho

novo, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, mesmo que muito já tenha se

avançado. Alçar a agroecologia por todo o território é um desafio no plano político, sobretudo

quando o Estado, principal indutor das políticas públicas, sustenta econômico, ideológico e

politicamente o segmento do agronegócio. Nesse sentido, nossa contribuição é dar

visibilidade aos sujeitos sociais e suas experiências, tendo como ponto de partida o Território

dos Vales do Curu e Aracatiaçu, particularmente a articulação na Rede de Agricultores

Agroecológicos e Solidários.

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CAPÍTULO 3

4 A CONFIGURAÇÃO DE UM ESPAÇO TERRITORIAL

Nesse capítulo, situaremos o contexto da pesquisa no Território dos Vales do

Curu e Aracatiaçu procurando nos acercar dos aspectos sociohistóricos e ambientais que

moldam a agricultura familiar camponesa nesse cenário típico do semiarido nordestino. Para

tanto, foi dada ênfase às primeiras experiências de modernização implantadas na região e às

alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o semiárido,

de forma particular a ação da Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Soliadários/as.

Para efeito desse estudo, cabe-nos destacar, que nos últimos anos, no Brasil, a

abordagem em torno da estratégia “de desenvolvimento territorial” passou orientar a política

governamental. Com isso, o enfoque territorial passa a ser eixo central das políticas de

desenvolvimento rural desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)

por meio da Secretária de Desenvolvimento Territorial (SDT).

Nessa perspectiva, o território, espaço físico geograficamente determinado, passou

a ser pensado como uma unidade que dimensiona laços de proximidade e identidade entre

pessoas, grupos sociais e instituições e, que poderia converter-se numa estratégia

para estimular e favorecer o desenvolvimento territorial das regiões, considerando para tanto

sua heterogeneidade (BRASIL, 2003).

Desde 2003, por meio da SDT, foram homologados os territórios rurais que, em

2009, passaram a integrar o Programa Territórios da Cidadania40, ampliando o número de

territórios.Posteriormente, com a criação da Secretária de Desenvolvimento Agrário o

governo do estado passou a adotar a política territorial, criandodesse modo novos territórios.

Dentre os treze41 territórios definidos, para efeito de intervenção governamental, destacamos o

Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, espaço no qual estão inseridas as experiências que

nos propomos a analisar.

40 O Programa Territórios da Cidadania, desenvolvido pelo Governo Federal, conforme encontrado em documentos oficiais tem por objetivo: “promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”. Sendo fundamental para a execução dessas ações a integraçãodo Governo Federal, estados e municípios. Disponivel em <www.territoriosdacidadania.gov.br> Acesso em 25 agt. 2012. 41Inicialmente foram criados os Territórios dos Vales do Curu e Aracatiaçu, Sertão de Canindé, Sertão Central, Sobral, Inhamuns e Crateús (Territórios da Cidadania) e posteriormente foram acrecidos os territórios Centro Sul e Vale do Salgado, Litoral Extremo Oeste, Litoral Leste, Maciço de Baturité, Metropolitado José de Alencar, Serra da Ibiapaba, Vale do Jaguaribe, totalizando treze territórios.

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Como estratégia teórico-metodológica, recorremos a um recorte histórico do

território, por compreendermos, baseados em Marx e Engels (1984), que a natureza e sua

modificação ao longo da história só podem ser compreendidas pela ação dos homens (estes

são indissociáveis). Partindo dessa premissa, o espaço do Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu passa a ser entendido, segundo definiu Santos (2002, p. 85), como:

O território não é a penas um conjunto de formas naturais, mas um conjunto de sistemas naturais e artificiais, junto com as pessoas, as instituições e as empresas que abriga, não importa seu poder. O território deve ser considerado em suas divisões jurídico-políticas, suas heranças históricas e seu atual conteúdo econômico, financeiro, fiscal e normativo [...]

Somente desse modo, acrescenta o autor (ibidem):

[...] ele constitui, lugares, aquele quadro de vida social onde tudo é interdependente, levando, também, à fusão entre o local, o global invasor e o nacional sem defesa (no caso do Brasil).

O lugar, acrescenta Silva (2004), define o pertencimento social, o enraizamento

em determinado território. Assim, a autora corrobora com Santos (2002),quando diz que o

território não diz respeito apenas ao espaço geográfico, físico, mas também ao espaço

simbólico, envolvendo aspectos da cultura e da vida social ali presentes.

Em Fernandes (2008, p. 283), o território passa a ser apreendido a partir das

relações de poder sobre os espaços socialmente construídos, de forma continua e descontinua

e se expressa pela luta por soberania, qualidade ou propriedade exclusiva de todos os tipos de

território. “Embora não seja interrupta, a soberania está sempre em questão por meio da

conflitualidade na disputa territorial no interior do território da nação”.

Ainda para o autor (ibidem), o capital detém o poder de se territorializar mais

rápido do que o campensiato, especialmente ao gerar desigualdade e a expropriação dos

camponeses, movimento inerente ao modo de produção capitalista, especialmente nesse

momento histórico de domínio dos grupos transnacionais, onde a desterritorialização ocorre

de maneira acelerada.

Vejamos algumas diferenças entre o território camponês (isso se estende ao

indígena, quilombolas) e o do agronegócio. Enquanto o último está organizado em torno da

produção de mercadorias, os camponeses organizam seu território primeiramente para garantir

sua existência, envolvendo nesse esforço diversas dimensões da vida. A paisagem do

território do agronegócio é homogênea, nela predomina a monocultura, enquanto a paisagem

do território camponês é heterogênea e, portanto, caraterizada pela grande presença de

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pessoas. “Homens, mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias, produção de mercadorias,

culturas e infraestrutura social, entre outros” (FENANDES, 2008, p. 286).

Nesse sentido, a problemática ambiental vem imprimindo um novo significado às

demandas e às lutas sociais no meio rural, conforme salienta Leff (2000,p. 336):

As lutas camponesas estão caminhando, de seu sentido reinvidicatório pelo emprego, salário e uma melhor distribuição da riqueza, assim como pela restituição às comunidades rurais de suas terras para reverter os processos de empobrecimento do campo, para um movimento político e econômico pela reapropriação de suas condições de vida e dos processos produtivos.

Posto isto, nosso esforço se encaminha no sentido caracterizar, em linhas gerais, o

Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, solo das experiências protagonizadas pelos

camponeses no desenvolvimento de agriculturas mais sustentáveis, a exemplo da agroecologia

que será refletiva no quarto capítulo.

O Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu está localizado na região noroeste do

estado do Ceará. Ocupa uma área de 12.143,70 Km² e abriga 536.385 pessoas, das quais

252.978 vivem na área rural, o que corresponde a 47,16% do total de habitantes (BRASIL,

2010). A agricultura de base familiar sempre teve grande expressão nesse território, que se

caracteriza por minifúndios, sendo que a maioria possuía área inferior a cinco hectares, com

percentual de 56% do total. O território possui 22.229 agricultores familiares, 3.301 famílias

assentadas, 4.536 famílias pescadoras, duas comunidades quilombolas e duas comunidades

indígenas (BRASIL, 2010). Abrange dezoito municípios42, e três zonas geoambientais:

depressão sertaneja, tabuleiro costeiro e a serra unida. Essas diversificações regionais

integradas às atividades humanas - religiosas, comerciais, culturais, ajudaram a moldaram a

identidade do território, que tem 62 % de seus municípios inseridos no semiarido43 (SOUZA,

2010).

O Território, embora inserido no Programa Territórios da Cidadania do Governo

Federal , a noção de identidade antecede a incidência das politicas públicas orientadas pelo

MDA. Data, especificamente, da década de 1970 quando da instalação da Diocese de

Itapipoca, que, desmembrada das Dioceses de Fortaleza e da de Sobral, passou a agregar os

42 É composto pelos seguintes municípios: Apuiares, General Sampaio, Irauçuba, Itapagé, Amontada, Itapipoca, Itarema, Miraíma, Paracuru, Paraipaba, Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu, Umirim e Uruburetama. Estes estão distantes cerca de 110 km de Fortaleza e o acesso entre os municípios além da BR-222 é feito também pelas CE-168, CE-71, CE- 085, CE-368, CE-362, CE-354, e CE-178 (BRASIL, 2010). 43 O semiárido brasileiro compreende os sertões dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, parte do Maranhão e norte dos Estados de Minas Gerais e Espirito Santo.

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municípios que ainda hoje compõe o território. Essa identidade contou, em princípio, com a

ação pastoral e as Comunidades de Base (CEBs), sobretudo na articulação e mobilização dos

agricultores e movimentos sociais e de suas lutas em torno da terra (SOUZA, 2010).

Figura 5 - Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu

Fonte: BRASIL (2010).

O território está situado numa região em que predomina o clima tropical,

caracterizado pela alta temperatura, com ocorrência de chuva concentrada e irregular durante

o ano. Os efeitos do regime de chuvas atingem também as áreas de tabuleiro costeiro, ainda

que não sejam consideradas de domínios do semiárido. Maior parte desse território é

recoberto pela caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro. Cabe ainda destacar que esse

bioma não é uniforme em toda a sua extensão, apresentando uma grande variedade de

paisagens, de espécies animal e vegetal, nativas e adaptadas (ASA, 2012).

Por se tratar de um bioma muito diverso e com inúmeras especificidades

relacionadas aos recursos naturais, não poderia deixar de existir um reflexo direto no modo de

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vida do povo, através das suas necessidades ligadas à alimentação, medicação, energia,

habitação e renda, até hoje, este mantem relação com sua biodiversidade (ELIAS, 2005).

O território foi marcado, historicamente, pela resistência44 dos camponeses frente

à violência e à expropriação no campo. O depoimento de Benedito Gonçalves da Guia (o

Benedito da Rita), agricultor do Assentamento Maceió45, município de Itapipoca, dá tom da

luta vivenciada na década de 1980 pelas comunidades camponesas no enfrentamento com os

fazendeiros e empresários pelo direito a terra, lugar de trabalho e vida há gerações como está

expresso na seguinte fala (NADDAF, 2006, p. 111):

A luta se deu porque o pouco que a gente exigia era a terra que a gente vivia desde a época do meu avô Raimundo Gonçalves da Guia, que faleceu com quase cem anos, e de meu pai Raimundo Gonçalves Filho, que faleceu com oitenta e tantos outros. Pois daí veio o pessoal com aquela história que a terra era deles, e o que a gente plantou eles consideravam que era deles também. Por conta disso começou uma certa resistência pela parte dos moradores, por nossa parte, daí começou a confusão. Em função disso, eles achavam por bem vender a terra para Tasso Jereissati. E segundo a história que a gente sabe, eles venderam a terra com tudo que tinha dentro, inclusive nossas casinhas.

Esse depoimento diz respeito ao processo de modernização conservadora

conduzida pelo Estado ditatorial que priorizou apoio incondicional aos latifundiários e grupos

econômicos nacionais e externos. Tratou-se, principalmente de uma modernização técnica,

como mencionado, não alterou o histórico e concentrado sistema de posse e uso de terra, ao

contrário o processo de concentração tornou-se mais forte e, em reação os camponeses

passaram a se organizar apoiados pelos movimentos sociais no campo, com apoio das

comunidades eclesiais de base.

4.1 Experiências de modernização no Território

Segundo Elias (2005), ao longo da sua história, o Ceará ocupou uma posição

periférica na divisão do trabalho agropecuário no Brasil. Até o inicio da década de 1960, o

padrão de desenvolvimento rural adotado pelo Estado se baseava na pecuária extensiva, na

44Mas foram os índios os primeiros habitantes destas terras a demostrarem resistência, conforme foi documentado por Pompeu Sobrinho em Topônimos indígenas dos séculos 16 e 17 no litoral cearense): “[...] os tapuias – Tremembés, notáveis pela sua valentia, conseguiram manter-se por muito tempo nas praias, especialmente, ao norte do rio Curu. Foram também estas praias os últimos redutos dos franceses no Ceará. Na nossa opinião, estes indígenas dominaram toda costa das margens do rio Curu ao Maranhão” (1945 apud MARTINS, 2008, p. 53). Além das tribos Tremembés, registramos também, a forte presença, Anacés, Guaranacés e Jaguaruanas na formação desse território cuja ocupação pelos homens brancos se deu a custa de muito sangue, nestas como em outras terras, por meio da catequese e do aldeamento, os índios foram forçados a deixarem o lugar em que viviam, sua religião e suas famílias (CETRA, 2012). 45 Primeiro assentamento de reforma agrária na zona costeira do Estado do Ceará, está localizado a 198 km de Fortaleza, mais precisamente na planície litorânea oeste do Ceará, distrito de Marinheiros em Itapipoca/CE.

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agricultura de subsistência, no extrativismo vegetal e na produção comercial de algodão. A

produção de milho, feijão, arroz, mandioca, castanha de caju, cana de açúcar, algodão,

juntamente com a carne e leite de bovinos, caprinos e ovinos ocupava boa parte das terras

cultivadas e eram responsáveis pela maior percentual do valor bruto da produção agropecuária

do estado. Boa parte da agricultura praticada era de sequeiro, causando, com o passar dos

anos, sérios impactos ao meio ambiente, somada às práticas agrícolas como o uso de

queimadas, desmatamentos e, mais tarde, as técnicas improprias de irrigação aceleraram o

processo de destruições das condições biológicas.

Economicamente, o território dos Vales do Curu e Aracatiaçu se baseou, até a

década de 1960, “na cultura dos tradicionais sistemas de produção de carne, couros e peles,

algodão, cera de carnaúba, milho, farinha, mamona, rapadura e mel”, assim como café,

murici, cebola, batata – doce, manga, banana entre outros (VASCONCELOS, 2010, p.6).

Parte desses produtos atendia o abastecimento local, já o excedente era comercializado em

Fortaleza, Caucaia e Sobral. O beneficiamento da produção, como registra Martins (2008, p.

68-69), “era feito em casa de farinha, engenhos, usinas e barracões, geralmente na própria

área”.

De modo geral, a economia do território se baseava na produção familiar,

desenvolvia uma produção diversificada e, até então, não conhecia a monocultura,

sedesenvolvendo a partir de uma dinâmica que envolvia múltiplas relações sociais. Assim,

descreve a autora (MARTINS, 2008, p. 70):

Os agricultores faziam dois plantios anuais: no inverno, a chapada ou o arisco; no verão a vazante ou croa. Trabalhavam na diária, na empreitada e cultivavam terras de terceiros. A parceria (um terço de todos os produtos ou metade do algodão ou percentual de farinha) predominava na vazante e o arrendamento (uma quantia fixa de dinheiro, trabalho ou produto) na caatinga.

E complementa (ibidem, p. 71):

A atividade mais rentável da agricultura era a coleta de excedente pelo capital comercial. Além de receber as parcelas devidas pela renda da terra, o fazendeiro emprestava dinheiro a juros, financiava e reunia a produção, comprava barato as sobras da colheita e vendia a mercadoria fiado.

Outra prática comum entre os pequenos proprietários era o arrendamento em

produto. “Na época da colheita, contratavam assalariados que se juntava aos familiares. O que

não dispunha de condições para plantar um quadro separado em terras alheias trabalhavam em

empreitada ou como diaristas, nas fazendas” (MARTINS, p 74). Nesse contexto, é importante

destacarmos as condições de exploração e sujeição a que eram submetidos esses camponeses

como ou terra insuficiente à reprodução do núcleo familiar.

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Em meados do século XX, sob a lógica desenvolvimentista, o Brasil inicia um

amplo debate sobre as desigualdades regionais brasileiras. Nesse contexto, destaca-se a

criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Banco do

Nordeste (BNB), da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

De acordo com Elias (2005), esse momento marca a ação do governo federal no meio rural

nordestino, particularmente por meio da criação de políticas públicas orientadas para gerar

condições técnicas e econômicas necessárias ao desenvolvimento do setor primário. Até então

não existiam de forma significativa ações públicas voltadas à agricultura familiar, categoria

que vai se fazer presente somente na década de 1990 com a criação do Pronaf.

Nessa perspectiva, integrar o Nordeste, lugar considerado atrasado e de homens

bárbaros, tornou-se estratégico ao crescimento industrial. A respeito da política de ajuda

externa praticada no Nordeste, Martins (2005) explica que as vésperas do golpe militar de

1964, a região era o centro das atenções, menos pela miséria e mais pelo processo de

mobilização dos trabalhadores rurais pró-reforma agrária e melhorias salariais46. Essa situação

ameaçava as oligarquias nordestinas e, ao mesmo tempo, tencionava, nas palavras da autora, a

burguesia industrial do sul, principal beneficiada da força de trabalho e dos mercados

regionais. Enquanto isso, o capital internacional preocupava-se em manter o equilíbrio

mundial, especialmente após a revolução cubana, daí o interesse dos Estados Unidos e o

desenvolvimento das ações da Aliança para o Progresso naquele momento era estratégico

“garantir o padrão de consumo dos trabalhadores norte-americanos [e, ao mesmo tempo,

tentar], evitar rupturas na dominação exercida sobre o continente” (MARTINS, 2005, p. 34).

Com a implantação do regime militar, em 1964, o Estado ditatorial por meio da

repressão política extinguiu as Ligas Camponesas, organização mais importante naquele

momento histórico, bem como silenciou também a organização sindical articulada em torno

do Estatuto do Trabalhador Rural47.

A modernização da agricultura levado a cabo pelo Estado Brasileiro, como

registrado nesse estudo, passou a subsidiar com vastos recursos públicos grandes

proprietários, empresas nacionais e internacionais. No estado do Ceará, assim como ocorreu

46Destaca-se em 1955 a formação das Ligas Camponesas. 47 O Estatuo do Trabalhador Rural (ETR) foi votado em 1963, quando as leis trabalhistas eram vigentes desde 1943. De acordo com Silva (2004) o ETR foi o principal instrumento para a expulsão dos camponeses das fazendas. Ele determinava que o empregador pagasse 27, 1% sobre a jornada dos trabalhadores permanentes, passando os trabalhadores a ser mais “caros”, isso se explica, porque até então os gastos sociais não eram computados. O Estatuto, nessa perspectiva, não representou melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, ao contrário, colaborou com sua expulsão.

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em outras regiões do país, os pequenos proprietários e os sem terra das regiões da serra, litoral

e sertão, no entanto, não tiveram acesso ao crédito, às novas tecnologias e ao financiamento,

especialmente como explica o autor, “por não terem garantias a oferecer ao sistema bancário

ou por não dispor de apadrinhamento político influente” (HOLANDA, 2006, p. 22).

Principalmente porque não faziam parte dos sujeitos sociais contemplados nas estratégias dos

governos militares para o desenvolvimento da modernização da agricultura - conservadora e

excludente.

Além da herança histórica do processo de ocupação territorial, com base no

acúmulo do capital e detenção do poder e dos fatores relacionados ao solo e ao clima, a

adoção do modelo desenvolvimentista baseado na substituição de importações, instalado no

Brasil pós-1945, o que intensificou ainda mais as desigualdades regionais já existentes,

contribuiu para expulsão dos camponeses para as periferias dos grandes centros urbanos,

conforme Holanda (2006). Elias (2005,p. 433) ao analisar as realidades regional e nacional ,

acrescenta outros aspectos:

[...] as relações sociais de produção e de organização do espaço, em especial as condições sociais e técnicas da estrutura agrária, que se caracterizam, principalmente, por uma estrutura fundiária concentrada e uma base técnica na sua maioria rudimentar, determinantes para as relações de trabalho e os regimes de exploração do solo predominantes, além, naturalmente, de uma estrutura de poder extremamente oligárquica e reacionária.

A década de 1970 registra a criação de importantes políticas voltadas aos projetos

de irrigação48, destacando-se o Programa de Irrigação do Nordeste, com ênfase no

aproveitamento dos vales úmidos do semiárido (ELIAS, 2005). O processo de modernização

da atividade agropecuária nordestina e, consequentemente, a cearense, pode ser dividida em

dois momentos, conforme analisa a autora (ibidem, 2005, p. 437):

O primeiro, na década de 1970, quando passou a ser priorizada em toda região Nordeste a construção de grandes perímetros irrigados públicos. Um segundo momento, viria com o Novo Modelo de irrigação, em meados da década de 1980. Nesse primeiro momento de incentivo à irrigação, os programas propostos associavam-se à irrigação pública, aos projetos de assentamento, à produção de alimentos, à colonização e ao incentivo à produção familiar como componente da política de desenvolvimento regional.

Vale salientar, contudo, que tais iniciativas, não objetivavam melhorar as

condições de vida dos camponeses, tendo em vista que os investimentos subsidiados pelo

Estado em infraestrutura (canais, barragens, perímetros irrigados entre outros), bem como em

assistência técnica, foram disponibilizadas, na maior parte, para o incremento da

48 Elias aponta que na região Nordeste foram construídos 27 perímetros irrigados, nos quais nove destes se encontram no Ceará (2005).

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agroindústria. Esse modelo de desenvolvimento, presente ainda nos dias atuais, além de

manter a estrutura fundiária tradicional, extremamente concentrada, passou longe de atender

as demandas dos camponeses (ELIAS, 2005).

No Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, as primeiras iniciativas de

modernização tiveram inicio na década de 1960, quando o DNOCS objetivando incentivar o

desenvolvimento da agricultura irrigada, implantou um Posto Agrícola no município de

Pentecoste e, logo em seguida, o Projeto Curu-Pentecoste, “passando a beneficiar irrigantes

particulares que pagavam ao governo o acesso à água que recebiam de um sistema que se

estendia ao longo da bacia de irrigação dos açudes” (VASCONCELOS, 2010, p, 7). A

modernização se intensifica em 1974 com a implantação de uma nova política de irrigação

baseada na desapropriação de terras e no parcelamento em lotes entre proprietários

individuais selecionados pelo DNOCS, sendo projeto Curu-Paraipaba49 o primeiro projeto

implantado sob essa lógica (ibidem).

Nesse período, destaca-se a implantação da Companhia Agroindustrial do Vale do

Curu (Agrovale) 50, indústria voltada para a produção de cana-de-açúcar e álcool no sertão

cearense. Foi desafiando a natureza e as tradições culturais, mas também o modo de vida

sertanejo, assinala Martins baseado em Saes (2008), que o Estado ditatorial afastou os

obstáculos ao crescimento agroindustrial e criou as condições necessárias à reprodução das

relações de produção capitalista no campo.

De cunho desenvolvimentista, essa experiência causou profundas alterações

sociais e ambientais no território, sobretudo na produção agrícola, na organização do espaço e

nas relações de trabalho. Já a monocultura e o uso intensivo de insumo industrial mudaram a

paisagem da caatinga, especialmente na região irrigada, causando inúmeros danos ambientais

e contribuindo fortemente com o processo de desertificação já em curso. Martins descreve

assim (2008, p. 176):

Acentuou-se a erosão dos solos: compactados por erosão constantes na semeadura, desgastados pelas sucessivas queimadas para facilitar o corte da cana, salinizados e encharcados pelo manejo inadequado do sistema de irrigação. Em vintes anos, a produtividade da cultura decresceu, em média, de 120 para 30 toneladas por hectare, apenas do uso, em largas quantidades, de fertilizantes e agrotóxicos. Além disso, a

49 Projeto de irrigação alinhado à missão do DNOCS de combate à seca. 50A Agrovale foi fundada pelo empresário João Gomes Granjeiro em 1 de outubro de 1964. A usina foi responsável pela introdução da produção de cana de açúcar em grande escala a base de uma agricultura tecnicamente moderna, com vultuosos investimentos em irrigação, variedades genéticas e insumos químicos. Segundo Martins, sua pretensão era se tornar o maior produtor de cana e de álcool do estado do Ceará. Para tanto, contou com apoio do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e do Dnocs. Para garantir a matéria-prima necessária para a produção firmou contrato exclusivo para a compra de cana , como explica a autora, junto a 522 irrigantes do projeto Curu-Paraipaba (MARTINS, 2002).

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adoção de práticas modernas destruiu a camada de matéria orgânica que, arrastada pelas águas, assoreou e poluiu os rios.

A Agrovale encerrou suas atividades após trinta e quatro anos produzindo açúcar

no sertão. A passagem da caatinga, antes com seus carnaubais, oiticicas, capoeiras e pastos foi

substituída pela cana irrigada. “A terra verdejante orgulhou os moradores, extasiou os

visitantes, ilustrou a propaganda oficial” (2002, p. 143). Tudo era aparência, diz Martins, ao

observar as consequências que essa experiência trouxe para a vida dos camponeses, bem

como para todo ecossistema da região. Assim é ilustrado pela autora (2008, p. 176):

Espécies xerófilas diversas e adaptadas ao semiarido foram destruídas por tratores que deixaram a terra sem proteção, exposta ao sol e à chuva. A lógica do lucro imediato menosprezou o resultado de experiências seculares de produção agrícola e animal, tornando plantas e bichos mais vulneráveis a seca, pragas e doenças.

Além da Agrovale, outras agroindústrias incorporaram-se ao Projeto Curu-

Paraipaba, são elas a Ypióca51, a FAISA e, mais recentemente, a Paraipaba Agroindustrial52

(VASCONCELOS, 2010).

Nos municípios de Paracuru, Paraipaba e Trairi predomina a fruticultura irrigada

voltada à exportação, principalmente de abacaxi, coco verde, floricultura entre outros plantios.

Nos municípios de Itapipoca e Itarema, empresas voltadas para o cultivo de coqueiro em larga

escala com apoio financeiro da SUDENE se instalaram em terras habitadas pelo povo

Tremembé e por trabalhadores rurais (BRASIL, 2010).

Além da fruticultura irrigada para exportação, se desenvolve no território

atividades ligadas à piscicultura, caprinocultura e apicultura ao lado de atividades tradicionais

como o artesanato, principalmente de palha e renda de bilro (SOUZA, 2010). Mais

recentemente, a luta tem sido contra a especulação imobiliária e instalação de

empreendimentos turísticos que ocupam terras de populações indígenas e costeiras e contra o

avanço das fazendas de criação de camarão, principalmente nos municípios de Itapipoca,

Amontada e Itarema (BRASIL, 2010).

A década de 1990 marca, de forma mais intensiva, a reestruturação produtiva do

território cearense. Essa reestruturação de base econômica tem como principal agente o

Estado que passa a criar as condições necessárias para inserir o Ceará no circuito da produção

51 A produção dos canaviais, do Grupo Ypióca se destina a fabricação de aguardente de cana-de-açúcar. No território há duas fabricas, uma em Paraipaba e a outra, a maior do grupo, no Pecém, em São Gonçalo do Amarante. 52 A FAISA abriu falência no final da década 90,já a Paraipaba agroindustrial foi implantada em 2005, importa agua de coco envasada. A empresa, segundo Vasconcelos , não negocia com as organizações dos irrigantes, compra individualmente o que é produzido no perímetro (VASCONCELOS, 2010).

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e do consumo globalizados, passando a investir em atividades de modernização da agricultura

(agronegócio), como a implantação de novas indústrias, incremento no setor turístico

litorâneo, expansão do comércio e dos serviços, assim como construção de infraestrutura

ligada aos setores de transporte, comunicação, recursos hídricos entre outros (ELIAS, 2002).

Todavia, esse processo enfrentou e enfrenta resistências, fazendo ressurgir, em muitos

lugares, uma “nova luta” pela terra, dessa vez a luta pela terra incorpora outras dimensões

como a preservação da identidade, do bioma local, do espaço de vida e trabalho das

comunidades camponesas em sua diversidade.

No campo da resistência, no município de Itapipoca se destacana luta das famílias

do assentamento Maceió contra a instalação do “Projeto Pirata” pelo empresário português

Júlio de Jesus Trindade53. A instalação deste empreendimento turístico ameaça o acesso

daquelas famílias à praia, local onde pescadores e artesãs dedicadas à renda de bilro,

principalmente das comunidades dos Apliques e Maceió, retiravam sua sobrevivência.

Outra iniciativa nesse sentido é a do Grupo Nova Atlântida, empreendimento

espanhol que envolve várias bandeiras internacionais e prevê a construção de uma cidade

turística na paria da Baleia, localizada a 200 km da capital, atingindo uma área da reserva

indígena Tremembé, na comunidade São José dos Buritis (SOUZA, 2010).

Em termos da integração das famílias agricultoras ao processo de modernização,

evidências empíricas e teóricas demostram que o processo de modernização agiu de forma

seletiva sobre esse território, privilegiando especialmente aqueles segmentos aptos à

integração competitiva. Grandes proprietários tiveram investimentos subsidiados com crédito

agrícola liberado pelo Estado, para a construção dos perímetros irrigados, açudes, plantios de

monocultura, grandes criações de gado e aquisição de máquinas agrícolas, seguindo a

tendência nacional.

Os estudos realizados por Martins (2008), Vasconcelos (2010) e Elias (2005) nos

possibilitaram uma maior compreensão sobre a ofensiva capitalista no estado do Ceará e, de

modo particular, no que hoje se constitui o Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu.

Ao analisar os processos em curso no estado do Ceará, Elias (2003, p. 67)

questiona o desenvolvimento sustentável tão propagado pelo governo estadual. Por sua vez, a

pesquisadora pondera que as políticas públicas voltadas

[...] à questão agrária; aos recursos hídricos, com destaque para as grandes obras de engenharia; a expansão da agricultura irrigada, ainda moldada na construção de

53 O empresário português Júlio de Jesus Trindade, também conhecido como “o Pirata”, faleceu no dia 30 de julho de 2011.

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grandes perímetros; a expansão da monocultura, especialmente a fruticultura [...]”, tem como beneficiário principal o setor empresarial – o agronegócio.

O governo do estado através daSecretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado

(SDA), então criada em 2007, antes denominada de Secretaria da Agricultura e Pecuária,

seguindo a tendência do Governo Federal, passou a desenvolver e executar políticas públicas

voltadas ao segmento da agricultora familiar. Cabe salientar que o conjunto dos projetos e

programas são respostas às demandas históricas, alcançadas, de forma restrita,há bem pouco

tempo em um contexto marcado por muitas tensões, especialmente no que se refere ao modelo

de desenvolvimento, como exposto ao longo do estudo.

O Estado, ao mesmo tempo em que apoia o incremento do agronegócio, a

expansão da agricultura irrigada, com destaque para a fruticultura, floricultura, olericultura e

pesca, desenvolve ações voltadas ao segmento da agricultura familiar,explicitandoa disputa

desses dois projetos - do agronegócio e da agricultura familiar, embora o primeiro exerça

primazia sobre o segundo.

Apesar dos princípios da agroecologia orientar a elaboração do Plano de

Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS), ela não se efetiva enquanto ação concreta, sendo

invisíveis as iniciativas desenvolvidas nessa área. Quanto às atividades no sentido de

fortalecer a agricultura familiar, destacam-se os Programas de Práticas Agrícolas, as

mandalas, a extensão rural desenvolvida pela EMATER, o Projeto São José produtivo, antes

restrito apenas à infraestrutura e água e agora passa a apoiar projetos produtivos, a exemplo

das feiras da agricultura familiar. Além disso, a SDA também executa programas do Governo

Federal, como o Garantia Safra, quintais produtivos com as cisternas de enxurradas, barragens

subterrâneas, cisternas de placas, água para todos entre outros.

Ainda no campo das contradições, desde 2008, o Ceará passou a ocupar o quarto

lugar em quantidade de estabelecimentos que usam agrotóxicos54, sendo o maior do Nordeste,

atrás apenas dos estados da região Sul. Ademais, a utilização é estimulada pelo Governo do

Estado por meio da isenção de impostos, como ICMS. Dentre os produtos, encontram-se,

inclusive, aqueles que estão sendo reavaliados pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária

(Anvisa) e que foram proibidos em seus países de origem. Não obstante, essa tendência segue

a regra do Brasil, que em dois anos subiu do terceiro para o primeiro lugar mundial em

consumo de agrotóxicos.

54São isentos os seguintes tipos de defensivos: inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores, vacinas, soros, bem como, medicamentos produzidos para o uso na agricultura e na pecuária. Disponível em <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=967742>Acesso em 22 de set. 2012.

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A partir do panorama da agricultura no Brasil, questionamos o modelo de

desenvolvimento vigente. Que lugar tem sido reservado à agricultura familiar camponesa,

segmento responsável pela produção de alimentos no Brasil? Em que direção estão sendo

construídas as políticas públicas voltadas a esses sujeitos sociais? Elas têm caminhado no

sentido da construção da autonomia ou da domesticação pelo mercado?

Posto isso, os camponeses, conforme as palavras de Delgado (2010), só poderão

progredir em outra concepção de desenvolvimento. Concepção essa que, segundo Elias

(2003), precisa basear-se em interesses endógenos que articulem viabilidade econômica,

sustentabilidade ecológica e igualdade social. Para superar a ideologia do consumo propagado

pelo neoliberalismo, obstáculos para uma conivência realmente solidária, são necessárias

mudanças estruturais, dentre as quais, destaca-se a reforma agrária. Caso contrário, assegura

Elias, as políticas, programas e projetos não passarão de respostas paliativas para atender

superficialmente o descontentamento e, assim, evitar a mobilização popular.

Nesse contexto, duas lógicas, a do mercado (agronegócio) e a dos camponeses e

comunidades tradicionais (agricultura familiar camponesa) disputam a noção de

desenvolvimento territorial, o que faz dele um espaço de conflito. Conflito porque a lógica

governamental de desenvolvimento agrícola baseado na modernização tecnológica não é o

único caminho. Os camponeses e os movimentos sociais utilizando-se de outras formas de

produzir, cooperar e se relacionar têm construído alternativas ao desenvolvimento inspiradas

na agroecologia e na conivência com o semiárido como veremos a seguir.

4.2 Alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o

semiárido

No semiárido cearense, assim como ocorre em outras regiões do país, também

estão sendo desenvolvidas diversas dinâmicas de promoção da agroecologia, passando

diretamente pelos atores sociais e suas lutas. Nos últimos dez anos, no território dos Vales do

Curu e Aracatiaçu, muitas famílias vivenciam experiências inspiradas na agroecologia,

consolidando-se através da transformação dos seus sistemas produtivos e relações sociais,

com apoio de organizações sociais e outros sujeitos sociais envolvidos direta e indiretamente

com o enfoque agroecológico, tais como a Caritas Diocesana de Itapipoca, o CETRA, o MST,

o Instituto Sesemar, o Fórum Microrregional de Conivência com o Semiárido, a Rede de

Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras

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Rurais (MMTR), a Rede Cearense de ATER, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais,dentre

outros.

De forma diferenciada, essas organizações desenvolvem ações no sentido de

estimular à adoção de práticas agroecológicas para convivência com o semiárido e também

para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. Uma das estratégias utilizadas é

a ampliação do debate sobre as temáticas da segurança alimentar e nutricional, das

tecnologias sociais de convivência com o semiárido, da assistência técnica já que a prioridade

econômica da maioria das famílias agricultoras dessa região gira em torno de se ter uma

regularidade da produção de alimentos, mesmo considerando as irregularidades do regime de

chuvas (BARBOSA, 2003). O ponto de partida dessas ações, conforme explica Barbosa

(2003, p. 29), baseia-se na “[...] diversificação dos roçados e quintais, das cisternas de placa,

das pequenas barragens subterrâneas, dos cacimbões, dos barreiros trincheiras, das hortas, dos

pomares, da apicultura e da criação de pequenos animais”.

Mas também, complementa o autor (2003, p. 29):

[...] as técnicas de recuperação e conservação dos solos; a captação, o armazenamento e a utilização da água na propriedade, o manejo da vegetação, em especial da caatinga, mediantes sistemas silvopastoris ou agropastoris, a criação de bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves caipiras, agroindustialização familiar ou comunitária de diversos produtos e muitas tecnologias apropriadas às condições da agricultura familiar no semi-árido.

As ações não se restringem à superação de dificuldades práticas como o manejo

em áreas de pouca incidência de chuva, mas ensejam também novas formas de se organizar e

comercializar. Destacam-se, assim, os processos de autogestão de recursos coletivos, o

fortalecimento das economias comunitárias, a exemplo das redes sociotécnicas de inovação,

dos fundosrotativos solidários, das casas de sementes, das bodegas comunitárias, dos grupos

produtivos, das feiras.

Entretanto, estas proposições e experiências se materializam em um contexto

adverso, sobretudo porque o modelo de Política Territorial em desenvolvimento no território

está voltado para atender as demandas das cadeias produtivas, especificamente aquelas

ligadas a cajucultura, a caprinocultura e a apicultura. Essa realidade evidencia a força

destrutiva e o caráter excludente desse projeto de desenvolvimento assentado, como frisa

Silveira (2010), em uma lógica econômica e ideológica do agronegócio. Os projetos, a partir

dessa direção social, não são concebidos como base nas especificidades do território, isto é,

ecossistemas, habitantes, culturas locais, mas nos recursos a serem explorados em curto prazo.

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4.3 Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do Território dos Vales do

Curu e Aracatiaçu

Em contraponto à lógica do agronegócio, que se esforça para moldar a agricultura

familiar camponesa, foi criada no ano de 2006 a Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e

Solidários/as, logo após o processo de formação em agroecologia realizado pelo CETRA.

Participaram dessa primeira formação 54 agricultores e agricultoras dos municípios de

Itapipoca, Tururu, Trairi, Apuiares, Amontada e Irauçuba mobilizados por essa entidade,

sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) e outras organizações que atuam no território. Desde

então, a Rede tem se constituído como um espaço social de mobilização, formação e

irradiação de experiências no campo da agroecologia.

O curso, realizado em módulos temáticos, trabalhou de maneira articulada

aspectos teóricos e práticos do conhecimento agroecológico, conferindo maior destaque para a

trajetória de vida de agricultores e agricultoras e as formas como praticavam agricultura,

quase sempre aprendida com os pais e na observação da própria natureza. Na medida em que

o curso avançava, os participantes compartilhavam suas histórias de luta pela terra, de

enfrentamento para defender os interesses das comunidades, de organização e do esforço para

dar visibilidade ao trabalho realizado pelas mulheres na agricultura, tudo de forma integrada

às discussões das práticas de recuperação e conservação do solo, da água e do seu

armazenamento, das tecnologias apropriadas para o semiárido. Era a agroecologia sendo

incorporada por meio das práticas, do encontro e, muitas vezes, do confronto entre os antigos

e novos conhecimentos.

No processo de formação, as visitas de intercâmbio às unidades dos agricultores

participantes da formação, tiveram um papel fundamental, como expressa Dona Fátima,

agricultora agroecológica da comunidade Genipapo, município de Itapipoca:

O intercâmbio mais importante para mim foi lá no Recife [recorda], acho que é o da Dona Francisca. Foi bem no comecinho, quando nós iniciamos. Ela conta a sustentabilidade dela, o que ela era antes e o que ela é hoje. A gente viu a sustentabilidade dela, olhou o quintal dela cheio de plantas diferentes, de variedades, então aquilo ali incentivou mais a gente, pois a gente tava começando. Aí incentivou mais a gente a fazer no quintal da gente. Eu nunca esqueci do jeito dela, do acolhimento dela, do marido dela. Tinha o plantio de sabiá e eu disse para mim que na minha área dava pra fazer, então eu estava fazendo. Hoje, se eu tiver que comprar uma estaca, eu já não compro. Se eu não tivesse visto isso lá talvez não tivesse fazendo. O intercambio é bom por isso. Marcou muito, apesar de ter sido o primeiro que a gente visitou.

A participação no intercâmbio foi significativa para Dona Fátima, que, entre

outras coisas, observou a utilização do sabiá como cerca viva e, logo voltando do intercâmbio,

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tratou de adaptá-la a necessidade de sua unidade. Trata-se de um exemplo simples dentre

tantos outros colhidos durante a pesquisa para mostrar a função que esses espaços de troca

exercem, no sentido de estimular o potencial inovador dos agricultores, levando-os a buscar

respostas técnicas a partir de problemas enfrentados em âmbito local.

Os agricultores envolvidos no processo de formação de multiplicadores em

agroecologiaforam, pouco a pouco, experimentando em suas unidades familiares grande parte

dos aprendizados obtidos durante os intercâmbios. Durante os módulos, relatavam as

dificuldades e resistências enfrentadas no dia a dia, tanto no nível individual, quanto junto à

família, especialmente quando resolviam experimentar trabalhar nas áreas sem queimar e

brocar, utilizando adubos orgânicos a partir de insumos encontrados na própria unidade. Para

muitos dos que estavam ali esses foram, certamente, os primeiros passos para mudar a forma

de praticar agricultura, ainda que houvesse um longo caminho pela frente.

Outra estratégia utilizada durante a formação foi estimular a diversificação da

produção, antes restrita basicamente a roça de milho, feijão e mandioca. Importante destacar

que muitos agricultores trabalhavam com hortas tanto para o consumo quanto para

comercializar no mercado local, mais, basicamente, limitada ao coentro e cebolinha. Uma das

principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores dessa região é o acesso e a escassez de

água.

Devido a sua pouca abrangência e a descontinuidade de ações, o acesso à

assistência técnica era muito restrito, presente, ainda que de forma frágil, em áreas de

assentamento federal. Um grande número dos agricultores que estavam no curso recebia

assistência através do CETRA, por meio de projetos financiados por organizações da

cooperação internacional, e/ou por fundos públicos.

Ao final do curso, os participantes junto ao CETRA e entidades parceiras

realizaram, em dezembro de 2005, na praça Perillo Teixeira, ao lado da Igreja matriz de

Itapipoca, a primeira Feira Agroecológica e Solidária. Os agricultores e agricultoras

trouxeram de seus roçados e quintais, frutas, verduras, ovos mel, goma, gergelim, plantas

medicinais e produtos beneficiados como a tapioca, os bolos tradicionais, sucos, galinha

guisada, entre outros. Além de aproximar os agricultores e consumidores, a feira possibilitou

que esses produtores passassem a valorizar seus produtos que, antes, não tinham valor

monetário para eles. Convém registar que, para maioria, a feira era a primeira experiência de

comercialização, se não, a primeira experiência de venda direta.

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Figura 6 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca

Fonte: Ana Cristina , pesquisa de campo (2012).

Desde então, a feira acontece quinzenalmente no mesmo local. Essa dinâmica

exigiu uma nova organização dos agricultores que passaram a se reunir uma vez por mês para

discutir questões relativas à produção e a comercialização, conforme explica Souza (2010, p.

24):

Agricultores e agricultoras passaram a desenvolver estratégias de comercialização que se baseavam em planejamentos coletivos sobre o que levar para feira, em que condições e em que quantidade, reforçando as ligações do grupo e considerando sugestões de consumidores.

Contudo, as reuniões não conseguiam agregar todos aqueles que participaram da

formação, muitas vezes as discussões giravam entorno de questões específicas do cotidiano da

feira. Daí surgiu à necessidade de criar um espaço para dar continuidade ao diálogo sobre os

processos de transição agroecológica e, ao mesmo tempo, organizar os agricultores. Assim,

em maio de 2006, foi criada a Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do

Território.

Zeza, agricultora agroecológica, do assentamento Maceió, município de Itapipoca,

justifica assim a criação da Rede:

Quando terminou a formação, logo surgiu à feira, aí a gente perguntou: vai ficar só na feira? O pessoal vai ficar tudo debandado? A gente tinha que organizar um grupo, a gente não podia parar. Então, pra que a gente tivesse contato e a organização do grupo de agricultores, foi aí que a gente pensou na Rede. Por que a Rede? A Rede tinha outras pessoas de outros municípios que não só pessoal de Itapipoca, então a Rede é que abrangia mais municípios.

Quanto à organização da Rede, reuniões acontecem trimestralmente, das quais e

participam, além dos feirantes, agricultores multiplicadores55, agricultores envolvidos com os

55 Agricultores responsáveis em replicar e desenvolver junto a suas comunidades as práticas inspiradas na agroecologia, são chamados frequentemente de agricultores – experimentadores.

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quintais produtivos, com sistemas agroflorestais, apicultores, técnicos das entidades de apoio

e lideranças ligadas às organizações de base dos agricultores. A Rede possui com um

regimento interno e uma carta de principios, ambos construídos através de um amplo processo

de discussão, onde estão expressos os objetivos, valores e compromissos assumidos por esse

coletivo. A Rede é conduzida por uma coordenação colegiada, tendo uma coordenação geral e

uma secretária, cada um composta de dois agricultores/as. Os técnicos não fazem parte da

coordenação, mas apoiam no processo de gestão, formação e assistência técnica.

Figura 7 - Reunião da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território

Fonte: Ana Cristina, pesquisa de campo (2012).

Desde que foi criada, a Rede conta com assessoria técnica do CETRA e apoio

financeiro desta entidade, que se dá por meio de aportes provenientes da cooperação

internacional, hoje de forma reduzida, e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA,

entre outras organizações. De acordo com Souza (2010), a sustentabilidade financeira para

garantir a realização das reuniões, intercâmbios e demais atividades é um dos maiores

desafios enfrentados pela Rede, visto que captação de recursos e sua manutenção dependem

ainda de projetos executados pela entidade que presta assessoria.

Buscando ampliar a articulação no âmbito institucional, em 2009 a rede passou a

participar do Conselho de Desenvolvimento Territorial (CDT)56 , onde passou a pautar a

agroecologia no debate sobre o desenvolvimento rural, abrindo, portanto, um importante canal

de comunicação e articulação política. A participação da rede no CDT tenciona a disputa no

56 O CDT é uma estrutura criada para dinamizar as políticas de desenvolvimento territorial, através da articulação dos mais variados atores. É composta de forma diversa, assim, participam órgãos públicos, ligados ao governo federal, estadual e municipal, movimentos sociais, organizações populares, instituições de apoio e fomento, universidades, entre outros (SOUZA, 2010).

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território, sobretudo, ao negar o modelo convencional de agricultura, baseado na monocultura

e no uso de agrotóxicos e, ao mesmo tempo, defende um enfoque sistêmico, baseado na

experimentação, na diversificação, no diálogo de saberes. Nesse sentido, sua presença é

percebida como uma forma de resistência, não a única, como encontrada em Ploeg (2009),

quando diz que a resistência camponesa tem que ser apreendida a partir de (2009) um

conjunto de práticas heterogêneas e crescentemente interligadas.

Esse enfrentamento está presente nas dinâmicas locais de experimentação,

intercâmbios e processos de comercialização apoiados pela Rede. A feira de Itapipoca tem

seteanos onde participam diretamente dozeagricultores; a feira de Trairi, três anos e a de

Tururu, dois anos, onde estão envolvidos dez e seis agricultores, respectivamente. Outra ação

de grande visibilidade no território, na perspectiva de construção e de fortalecimento das

experiências inspiradas na agroecologia, é o Encontro Territorial de Agroecológica e

Socioeconômica Solidária (ETAs), realizado anualmente desde 2006. Para sua realização, a

Rede estabeleceu uma articulação com o Fórum Microrregional pela Vida no Semiárido de

Itapipoca e entidades parceiras. Consolidou-se no território como um espaço de formação,

articulação e diálogo entre agricultores, técnicos e gestores das politicas públicas. É também

um palco para as expressões culturais e do encontro da gente da praia, serra e sertão.

As visitas de intercâmbio são um dos pontos fortes do encontro, tanto para os

participantes quanto para as famílias agricultoras que recebem um grupo de visitantes em suas

unidades. São experiências diversas da agricultura familiar camponesa: quintais produtivos,

sistemas agroflorestais, hortas orgânicas, viveiros, cooperativas de mulheres, casas digitais

geridas por jovens, além de experiências que envolvem a riqueza cultural de comunidades

quilombolas e indígenas. Os agricultores conduzem os visitantes por dentro dos terreiros,

quintais e roçados e lá contam como se deu o início da sua experiência, as dificuldades e

aprendizados. Descrevem como era sua unidade antes e como ela se encontra em face ao

processo de transição agroecológica. Com isso se percebe que a construção de novos valores

de convivência social e ambiental estão fortemente integradas às práticas de manejo adotadas

e desenvolvidas pelas famílias.

O encontro se encerra com um ato público, geralmente com um cortejo pelas

principais ruas da cidade, ocasião em que os agricultores, agricultoras, indígenas, jovens,

mulheres, quilombolas e técnicos caminham embalando bandeiras de luta, de denúncia e

reinvindicação, ao mesmo tempo em que entoam músicas que expressam suas vivências e

desejos coletivos.

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Figura 8 - Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômicas Solidária

Fonte: A autora, pesquisa de campo, cortejo pelo centro de Itapipoca (2011). Figura 9 - Ciranda de encerramento do ETA

Fonte: A autora, pesquisa de campo, Praça Perilo Teixeira ao lado da Igreja Matriz (2011).

Desse modo, a articulação em rede, conclui Souza (2010), acrescentou novos

significados ao trabalho dos agricultores, permitindo avançar nas dimensões produtivas,

políticas, organizativas, de formação, de capacitação. No entanto, as experiências analisadas a

seguir, demostram que esse caminho é formado de meandros: avanços, recuos, dificuldades e

desafios, elementos que constituem o cotidiano dos agricultores e agricultoras.

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CAPÍTULO 4

5 OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: PRÁTICAS,

PROCESSOS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO.

A observação e a reflexão sobre a transição agroecológica revelada através do

cotidiano, da trajetória das famílias, das experiências sociais foi o recurso metodológico

utilizado para apreender a compreensão que os sujeitos sociais têm sobre agroecologia, as

motivações para seguir esse caminho, as dificuldades enfrentadas, as formas de resistências e

suas estratégias de organização.

Para compreender nossa problemática, optamos por dialogar com agricultores e

agricultoras que participam de redes sociotécnicas57, espaço organizado em torno de relações

mais ou menos estruturadas entre agricultores, ou entre outros sujeitos sociais, tendo como

ponto de partida as relações socioculturais, afetivas, profissionais entre outras (SABOURIN,

2009). Estudamos dez experiências que demostram como esse processo é diverso e

multidimensional58, o que nos exigiu uma visão mais ampla da agricultura, não só como

espaço de transação econômica, mas como espaço de vida formada a partir das dimensões

objetivas e subjetivas. Sob essa ótica, nosso primeiro passo foi reconhecer a singularidade dos

sujeitos, o que nos levou, em muitos casos, reencontrá-los, conhecê-los, ouvi-los e, assim,

permitir que se revelassem por meio do seu trabalho, das atividades socioculturais, do seu

modo de vida. Por trabalhamos com a concepção de sujeito coletivo, os agricultores e

agricultoras aqui mencionados expressam um conjunto de vivências compartilhadas por

aqueles que integram, em alguma medida, o universo da agricultura familiar camponesa

(MARTINELLI, 1999).

No sentido de expormos da melhor forma possível os resultados dessa

investigação e, ao mesmo tempo, reconhecer os limites de uma pesquisa social, priorizamos o

exame dos relatos e os apresentamos com as devidas e rigorosas mediações necessárias ao

fazer acadêmico. É oportuno esclarecer que algumas das análises terão maior peso no corpo

57 Para Sabourin (2009, p. 206), o espaço sociotécnico local “é desenhado por relações de interconhecimento e por prestações recíprocas no que diz respeito à produção ou redistribuição de produtos e conhecimentos, características das sociedades rurais e principalmente camponesas”. Nessa perspectiva, a constituição das redes se dá na inter-relação entre pessoas , locais e objetos. 58O enfoque multidimensional refere-se às dimensões econômica, social e ambiental em contraponto a unidimensionalidade que enfatiza a dimensão econômica principalmente quando toma agricultura em sua relação com o mercado, nesse sentido esse enfoque é insuficiente explicar a complexa e heterogênea realidade da agricultura, espaço de produção, reprodução, sociocultural, econômica e ambiental (COSTABEBER e MOYANO, 2009).

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geral da exposição, no entanto, não desprezaremos aspectos contidos nas demais, pois

consideramos relevante pormenorizar alguns depoimentos que trazem importantes elementos

para compreendermos melhor o que denominamos de caminhos da transição agroecológica.

5.1 Agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu: aproximando-se das experiências de transição agroecologia

As experiências analisadas compartilham, de modo geral, de uma referência

comum: a agroecologia, termo que, em sua origem, não abrange, nem resume o conjunto de

práticas, sentidos e identidades que surgem no movimento de crítica e resistência imposto

pela modernização conservadora da agricultura brasileira (SCHMITT e TYGEL, 2009).

Por conta disto, partimos do pressuposto de que o enfoque agroecológico é um

processo complexo que mescla múltiplas dimensões, nesse sentido não pode ser

compreendido somente no ponto de vista técnico da convenção de sistemas convencionais de

agricultura em sistemas que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.Desta

feita, ao longo do trabalho, buscamos evidenciar e analisar o processo social que alimenta as

experiências de transição agroecológica, especialmente no contexto do Território dos Vales

do Curu e Aracatiaçu e, de modo específico, junto aos agricultores que formam a Rede de

Agricultores Agroecológicos e Solidários.

5.1.1 “Agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza59” - Experiência de

Aberbaldo e Conceição, assentamento Córrego dos Tanques, município de Itapipoca-CE

A primeira experiência a ser apresentada é a de Aderbaldo Moura de Araújo e

Conceição Irineu Araújo, quefazem parte da Rede de Agricultores Agroecológicos e

Solidários do Território.

Marcamos a entrevista para o dia de realização da Feira Agroecológica e Solidária

de Itapipoca, pois seria um momento para conversar com o casal, mas, devido a uma reforma

em sua casa, Aderbaldo não pode comparecer, explicou Conceição na ocasião. A conversa

seria, então, noutro dia em que os dois agricultores estivessem juntos. Houve uma dificuldade

em manter contato telefônico com o casal. Devido a isso, resolvemos ir à sua casa, mesmo

sem agendamento prévio. Aderbaldo e Conceição nos receberam com muita alegria, contudo

nos explicaram que ainda estavam muito ocupados tocando a obra e as demais atividades

59 Cada sub item desse capitulo inicia com trechos extraídos das entrevistas como os agricultores e as agricultoras.

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produtivas, assim, marcamos outra data. No dia acertado, Conceição necessitou ir à sede do

município de Itapipoca, desse modo, a entrevista foi realizada apenas com Aderbaldo.

Aderbaldo e Conceição têm cinco filhos, destes, dois moram em casa com os pais.

Vivem, desde 1996, na comunidade de Torém, no Assentamento Córrego dos Tanques,

situado na região litorânea, onde atualmente vivem cerca de quarenta famílias agricultoras.

Aberbaldo nasceu na comunidade de Olho D’água, próxima ao Assentamento

Várzea do Mundaú, no município de Trairi. Sua família veio para região quando ele ainda era

adolescente. Seu pai era vaqueiro de uma fazenda e sua mãe agricultora. Já a família de

Conceição é da região de Itapipoca. Aderbaldo sempre trabalhou na agricultura, mas, aos

dezessete anos, foi para Itapipoca procurar emprego, trabalhou em empresa de ônibus, depois

em oficina mecânica e, após quatro anos, retornou para o interior.

Aderbaldo, assim como muitos outros camponeses , não foram atraídos pelas

“luzes” da cidade, mas forçado a deixar seu lugar, entendido aqui não só com espaço físico,

mas como espaço de sociabilidade, de laços entre parentes e vizinhos, religiosidade,

convivência com a natureza (SILVA, 2004), em busca de outras oportunidades de trabalho. A

saída do agricultor compõe uma trajetória em que a modernização da agricultura não pode ser

compreendida a partir da elevação da produção e do emprego de novas tecnologias no campo.

Essas mudanças que fizeram parte do desenvolvimento do capitalismo no campo tiveram

como efeito, dentre outros, o agravamento das contradições e desigualdades, tanto no campo

como na cidade, na medida em que a modernização técnica não veio acompanhada de

mudanças na estrutura agrária.

Estas contradições forjaram, ao mesmo tempo, condições objetivas e subjetivas

para a criação de espaços de organização coletiva e, portanto, política, possibilitando que

Aderbaldo, assim como muitos outros camponeses, passassem a tomar consciência da sua

condição de excluídos60 – excluídos do direito a terra, dos recursos naturais, das políticas

públicas, do direito à vida. O não acesso a terra ou a perda dela pelos camponeses incorre no

risco da desagregação e do desenraizamento. Daí sua luta, daí sua resistência.

Não obstante, Aberbaldo diz que, mesmo enfrentando as todas as dificuldades,

prefere a vida no interior. A partir desta afirmativa, o agricultor revela o caráter identitário de

60 Martins (2009, p. 26) chama nossa atenção quanto ao uso do conceito de exclusão, para o autor não existe sociologicamente exclusão no sistema capitalista de produção, o que existe é “uma inclusão precária e instável, marginal”. E acrescenta , o discurso produzido a cerca da exclusão é produto de um equivoco, de uma fetichização, assim dentro desse contexto a exclusão é utilizada como uma palavra mágica como se fosse capaz de explicar todas as formas de precarização, sujeições, exploração e espoliação, próprias desse sistema que tem como lógica “desenraizar e a todos excluir porque tudo dever ser lançado ao mercado” (ibidem, 30).

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sua condição camponesa, e, ainda, põe em cheque a ideia de que o espaço urbano das cidades

é o lócus da realização profissional para todos.

O depoimento seguinte revela as razões que motivaram Aberbaldo a retornar ao

interior, o pertencimento a um lugar e a negação da racionalidade imposta pelos padrões

dominantes. Vejamos:

Me sinto melhor no interior, andando no meio das plantas, livre no meio da noite. A cidade não oferece isso pra gente, né? A gente aqui sai, chega dez horas, onze horas, deixa as coisas aí na área, vai par casa de amigos, para a igreja e volta mais tranquilo. Na cidade era ruim. As pessoas nem olham pra gente, baixam é a cabeça. Se agente fala, eles dizem que agente é matuto. Aqui no interior é falar, apertar a mão, abraçar e seguir a viagem – nos tem esse hábito. Outra coisa que eu não me acostumei foi que aqui a gente acorda cinco da manhã, na cidade, quando dá sete horas, o povo tá todo dormindo e você se torcendo dentro de uma rede, rolando pro lado e pro outro e a rua toda fechada – aí esse não é nosso jeito. Quando dá cinco horas, aqui já tem café feito e a gente já esta começando a labuta.

Essa passagem ainda suscita um breve comentário realizado pela pensadora

francesa e militante, Simone Weil sobre a resistência e o desenraizamento. “Um ser humano

tem uma raiz pela sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade, que

conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” (1979 apud,

SILVA, 2004, p. 123). Essa reflexão igualmente se estende as demais experiências que

compõem esse estudo, cuja construção de outra forma de fazer agricultura é também a história

de luta de homens e mulheres pelo direito a terra para nela produzir e viver.

O sítio onde Aderbaldo vive com a família hoje está muito diferente de quando

chegou ao assentamento. Aderbaldo lembra que, para produzir, tiveram que desmatar, pois era

a única forma que conheciam. Como as demais famílias da região, o casal trabalhava com

culturas de sequeiro61 e dependiam praticamente do período chuvoso para plantar. Praticavam

agricultura de subsistência utilizando-se do desmatamento, queima e plantio de culturas como

a mandioca, milho e feijão.

O agroecossistema manejado pela família é composto pelos subsistemas: setor

experimentação, ou quintal agroecológico (em frente a casa) como costuma chamar

Aberbaldo, quintal (atrás da casa), o campo produtivo (onde são cultivados a macaxeira, o

milho e o feijão), bovinos, ovinos e casa de farinha. O trabalho é desenvolvido em oito

hectares, mas o setor da experimentação (inovação) ocupa apenas um hectare. A produção do

campo produtivo, segundo Aberbaldo, “é orgânica, mas não é agroecológica, porque tem que

passar as grades.” O entrevistado tem conhecimento que essa prática representa um modelo de

61 Trata-se de uma agricultura realizada sem irrigação em regiões onde a precipitação anual é inferior a 500 mm. A cultura de sequeiro depende de técnicas de cultivo específicas que permitem um uso eficaz e eficiente da limitada umidade do solo. São exemplos de cultura de sequeiro, o plantio do milho, da mandioca e do feijão.

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agricultura convencional e que poderia utilizar-se de outras técnicas com base no manejo

agroecológico como o plantio direto. No entanto, em face ao processo de

transiçãoagroecológica, o agricultor também explica que o manejo de cada um dos

subsistemas é diferente, mas todos têm sentido o efeito de sua experimentação. O que

remonta o caráter processual da conversão, já que ruptura com as práticas convencionais

ocorre através da experimentação dos agricultores, responsáveis diretos pelo manejo e gestão

dos agroecossistemas.

Referente ao quintal agroecológico, o solo é arenoso e, em boa parte, tem cobertura de matéria orgânica. Ali se encontram os canteiros das hortaliças, as fruteiras como coco, goiaba, manga, abacaxi, limão, banana, mamão, caju, seriguela, graviola, maracujá, acerola, ata, cajá, todas integradas às plantas nativas, tais como o marmeleiro, mororó, pitombeira, pereiro, barbatimão. Boa parte das mudas foram trazidas dos intercâmbios a área de outros agricultores e também do viveiro do CETRA. Com relação aos insumos, algumas sementes de hortaliça (híbridas), como a alface, pimentão, tomate, cenoura, são compradas no comércio local, já as sementes de cebolinha, coentro, urucum, milho e da maniva62 são produzidas na propriedade. O espaço conta com uma nascente d’água bastante sombreada e um poço, ambos utilizados na irrigação da área. Aderbaldo explica as mudanças ocorridas nessa área.

Era uma área onde eu pensei em possuir uma cajueirada. A gente pensava muito curto. Aí, a gente começou a plantar cajueiro, cajueiro, cajueiro e foi cobrindo a área, e quando se começou a despertar a consciência agroecológica, começou a dispensar alguns cajueiros e a consorciar com algumas plantas e a gente conseguiu fazer esse pomar verde que você está vendo, todo consorciado. Hoje, a gente deve ter aqui, aproximadamente, vinte e cinco espécies de plantas nesse pequeno lugar.

Caminhando pelo quintal agroecológico, Aderbaldo mostrou as plantas que

adquiriu durante os intercâmbios, falou do consorciamento das espécies, do controle dos

insetos, o papel das abelhas na polinização, das formigas, as formas de manejo e as estratégias

para captação, armazenamento e aproveitamento da água disponível. Sobre as plantas nativas

explicou:

Uma planta nativa dessa faz todas as plantas se sentirem nativas. Esse é um marmeleiro; você vê as plantas que estão ao redor dele, olha o tamanho da pinha! Quem está em volta dela esta protegida. Agora ele sufocou a pobre dessa mangueirinha, mas deixa ela ai, quem for mais forte sobrevive.

Como se observa, é bastante detalhado o conhecimento que o agricultor tem sobre

as modificações agrícolas desse ambiente físico. Ele explica, ao seu modo, que a

biodiversidade proporcionada pela diversidade vegetal encontrada nessa área, juntamente com

presença de insetos predadores, polinizadores e um conjunto de organismos desempenham

funções ecológicas importantes naquele ambiente (ALTIERI, 2012).

62 Parte do caule da macaxeira ou mandioca que é plantado nascendo dele um novo pé.

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Figura 10 - Aberbaldo preparando compostagem (esquerda), quintal agroecológico (direita)

Fonte: CETRA (institucional). Figura 11 - Conceição e Aberbaldo (esquerda), poço Amazonas (direita)

Fonte: CETRA (institucional).

No inicio da experiência, a família foi assessorada pelo CETRA, todavia

atualmente é uma outra entidade que assiste o assentamento. Ao questionarmos sobre

assistência técnica e se esta atendia ou não às necessidades de sua unidade, Aderbaldo toca

em uma das questões fundamentais do processo de transição, qual seja, o processo de

formação dos técnicos. Embora se tenham alcançado avanços significativos, especialmente na

educação formal 63, a ação da assessoria técnica continua voltada a orientação de atividades

agropecuárias do tipo convencional, como adverte Aberbaldo:

63Segundo Petersen e Caporal (2012), foram criados a partir de 2003, no Brasil, mais de 100 cursos de agroecologia ou baseado no enfoque em agroecologia, o que levou o Ministério da Educação (MEC) a incluir a

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[...] o INCRA manda um técnico um a vez por mês. É mais uma conversa de amigo do que de assistência técnica. O técnico não tem a mínima experiência na área agroecológica, por isso que eu digo que é mais uma conversa de amigo, de se conhecer mais. O técnico tem outros conhecimentos, só que, quando a gente chega numa área agroecológica, a história é outra, a realidade é outra, só quem entende é quem já fez a formação, tem o sangue da agroecologia nas veias, a gente tem mais um encontro do que uma visita.

Atualmente, é significativo o número de agricultores que vêm transformando seus

sistemas produtivos com a adoção de práticas agroecológicas. Essa realidade tem colocado

novos desafios às políticas públicas que tratam do rural e das ações de assistência técnica e

extensão rural. As famílias que já passaram por processo inicial de sensibilização, formação e

mudanças relacionadas à prática e manejo do agroecossistema demandam outra modalidade

de acompanhamento como expressa Aderbaldo:

Hoje, a gente não tem tanto uma carência de ter um técnico à vista, é mais para gente criar junto, entender as coisas. Sinto falta de uma assessoria que fale a nossa língua. Este é caso dos técnicos do CETRA, que entendem muito de agroecologia e isso é muito importante. Eu aprendi muito com a Carla, Pequeno, Paulo Maciel, uns que vinham botar a mão na massa, pra gente fazer agroecologia [...] Isso é muito importante, no tempo dos Caminhos da Sustentabilidade64 com o Pequeno e o Sergio a gente ia fazer mesmo, o Pequeno foi quem ensinou como moldava os canteiros de frente para o outro e ajudou muito, ele fazia o primeiro, fazia o segundo e a agente sente a necessidade desses técnicos que são da linhagem de agroecologia.

O contato do agricultor com a agroecologia ocorreu em 2004, quando foi

convidado a participar do curso de multiplicadores em agroecologia promovido pelo CETRA.

No início, resistiu porque teria que passar um final de semana do mês, durante dois anos, fora

de casa, mas resolveu participar e conhecer uma nova experiência. Ao longo do curso, o

Aberbaldo percebeu que já praticava agroecologia sem saber, pois já se preocupava com

preservação de espécies nativas e o cuidado com as reservas de água. Mais conta que foram os

intercâmbios nas unidades de outros agricultores que despertaram seu desejo de fazer

agroecologia. Quando lhe perguntamos se havia algum intercâmbio em especial, respondeu:

Muitos. Quase todos. No Tianguá, conhecemos a área de carrasco e do cinturão verde; foi muito bom pesquisar ali. Teve outro muito bom lá em Pernambuco, em Surubim. Eu estava ali aprendendo, abrindo os olhos para muitas coisas. Tivemos uma visita lá na Ibiapaba, estas coisas me fez despertar para agroecologia.

Formação em Agroecologia em seus catálogos de curso de nível médio e superior. Encontram-se também em curso inúmeros cursos de tecnólogo, bacharel em agroecologia, assim como de espacialização, mestrado e doutorado com linhas dentro do campo de conhecimento da agroecologia 64 O Projeto Caminhos da Sustentabilidade foi um projeto desenvolvido pelo CETRA em comunidades do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, no período de 2003 a 2007, com o apoio financeiro da Manus Unidas, que tinha como principal objetivo estimular a adoção de prática agroecológicas através da implantação de unidades demonstrativas (UDS).

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Para Petersen e Tardin(1999) 65os processos de formação são espaços que

estimulam o intercâmbio de ideais, opiniões e discussões entre os agricultores

experimentadores. Os intercâmbios de experiência, assim como as suas sistematizações e os

testemunhos em forma de vídeo, são instrumentos pedagógicos adotados por um conjunto de

entidades que desenvolvem ações no campo da agroecologia. Ainda sobre os intercâmbios, os

autores consideram que os avanços do conhecimento técnico nesse processo “é tanto mais

efetivo, quanto maior for o número e mais diversificada for a origem das referências práticas

e/ou teóricas no debate, ou seja, quanto maior for a dialógica cultural (ibidem, p.6).

Há mais de dez anos, a família de Aberbaldo trabalha com a produção de

hortaliças, sendo que um pouco mais de cinco anos produzindo de forma convencional. Essa

produção era comercializa nos distritos vizinhos, distante 20 quilômetros do assentamento,

percorridos de bicicleta e vendidos, de porta em porta, por Aderbaldo.

Segundo ele, os agricultores que aderem às propostas de agricultura de base

ecológica, em um primeiro momento, são considerados “loucos” por suas comunidades. Com

ele a história não foi diferente, visto que enfrentou a desconfiança dos amigos e familiares,

que constantemente recomendavam:

Meu filho, tira essas moitas do meio, acaba com isso! Meu cunhado chega e manda eu limpar tudo, ai eu digo se eu limpar acaba os frutos, aqui é agroecológico, é assim mesmo, é planta dentro da floresta. O povo quer ver tudo limpinho, passar o rastelo no chão. Aí eu digo: aqui é outra forma, é assim mesmo.

Por essas e outras questões, “mudar a forma de produzir foi duro”, conta

Aderbaldo, mas as inovações e adaptações incorporadas ao agroecossistema abriram novas

perspectivas para a família. Na busca por autonomia, a família passou adotar, como estratégia

produtiva, a lógica de intensificação do uso do espaço, a segurança alimentar, diversificação

da renda e uma maior sustentabilidade do sistema. “Eu não quero um pedacinho do sítio que

não produza. Aqui eu quero dinheiro e alimentação saudável”, afirma o agricultor.

A produção de sua unidade familiar é voltada para o autoconsumo e gera

autonomia produtiva e reprodutiva à família. “Hoje a gente já tem consciência do que pode

consumir e procura consumir o que produz. Pouca coisa a gente traz do comércio – o açúcar,

o café e o arroz. Agora, a carne, o feijão, a farinha, as verduras, as frutas são produzidos

aqui”, orgulha-se o agricultor. Como se observa, por manter interna a unidade produtiva,

principal responsável pela reprodução da família, Aderbaldo consegue diminuir a dependência

65 PETERCEN, Paulo ; TARDIN, José Maria. Gestão do conhecimento Agroecológico. AS-PTA, [1999?] (não publicada). Texto elaborado para seminário interno da entidade e depois utilizado durante as capacitações da Rede ATER-NE (2006).

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externa à unidade de produção e, portanto, se reproduzir socialmente. “É por meio da

produção para o autoconsumo que o agricultor familiar não depende, totalmente, do ambiente

social e econômico em que está inserido e, principalmente, não depende das constantes

flutuações das condições de troca do mercado”, conforme explicam Schneider e Gazolla

(2007, p. 101).

A agricultura familiar camponesa combina, para sua reprodução, a lógica da

produção para o autoconsumo e para o mercado. Segundo Schneider e Gazolla (2007), estas

esferas estão dialeticamente ligadas e vão determinar “os caminhos” que os agricultores vão

seguir. No caso da família, a comercialização “do excedente e não do que sobra”, diz

Aderbaldo, é feita na comunidade, nos distritos vizinhos e na Feira Agroecológica e Solidária

realizada quinzenalmente em Itapipoca. Conceição participa mais ativamente do processo de

colheita, processamento e comercialização dos produtos, juntamente com um de seus filhos,

que vive e trabalha em Itapipoca. São levados para feira, além da goma fresca e da tapioca,

bolos e frutas como coco, goiaba, e banana, produção que dura os doze meses do ano, não

faltando trabalho, ressalta Aderbaldo. Quanto às hortaliças produzidas, estas são

comercializadas toda semana nas comunidades e comércio local. Não levam essa produção

para feira para não comprometer a venda de outros agricultores que já comercializam estes

produtos. 66

Perguntamos ao agricultor se alguma vez comercializou para os programas

institucionais, como o PAA67 e o PNAE68·. Respondeu que não e justificou que a demanda

pelos produtos sem agrotóxicos tem uma clientela garantida hoje na região, além do mais a

feira e a venda no mercado local adsorvem sua produção, preferindo não “ariscar”, uma vez

que outros agricultores participantes dos referidos programas relatam dificuldades

operacionais, principalmente no que se refere ao pagamento dos produtos comercializados.

Os principais consumidores da feira agroecológica hoje são os comerciantes,

lojistas e funcionários públicos. Segundo Aderbaldo, “o pessoal tem uma consciência do que é

66 Os agricultores feirantes decidem coletivamente quais os produtos serão levados à comercialização, a partir da identificação do que é produzido em maior escala em cada unidade familiar. Destaca-se que não se trata de uma especialização da produção ou limitação da diversidade produtiva das unidades, mas sim uma organização do processo de comercialização acordada entre o conjunto de feirantes. 67O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado em 2003, pelo Governo Federal, utiliza mecanismos de comercialização que possibilitam a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção. Parte dos alimentos é adquirida para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em maior vulnerabilidade social. 68 A Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, estabeleceu que no mínimo 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos municípios, para aquisição de alimentos destinados à alimentação escolar, deverão ser usados na compra de alimentos oriundos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural.

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agroecologia, eles ficam marcando o dia da nossa feira”, que acontece há sete anos na Praça

da Igreja matriz, da cidade de Itapipoca. Indagamos ao agricultor se os consumidores

diferenciam a produção convencional da orgânica e agroecológica e ele explica:

A gente sempre tem que ficar falando sobre agroecologia para os nossos consumidores – para difundir. Só que, o consumidor, ele sabe o que está consumindo. O pique da nossa feira é de seis e meia até sete meia, antes que ele chegue a seu estabelecimento de trabalho ele tem que fazer a sua feira pra que não fique sem nada. Tem muitos deles que ligam pra gente: “não me deixe sem meus ovos caipira, não me deixe sem minha goma!

Figura 12 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca

Fonte: A autora, acervo da pesquisadora, Conceição comercializando.

Importante destacarmos que a relação construída entre os feirantes e

consumidores reflete a crescente preocupação com consumo de produtos livre de

agroquímicos que respeitem o meio ambiente. Muitos consumidores optam em comprar seus

produtos na feira agroecológica mesmo que o preço de alguns produtos esteja um pouco

acima do cobrado no mercado convencional. Muitos desses consumidores reconhecem e

valorizam a produção da agricultura familiar de base agroecológica.

Aderbaldo utilizou agrotóxicos há dez anos, influenciado por uma empresa que se

instalou na região e, em relação a essa prática, expõe alguns resultados: “[...] cheguei a entrar

nessa, algumas vezes, para combater os animais que atacam a produção”. Ele observou que

“[...] os coqueiros mudaram o comportamento, melhoraram o coco e afinaram a madeira.

Sugou muito meus coqueiros, aí eu voltei a fazer camadas de palha embaixo e se

transformaram em uma planta agroecológica”. Inicialmente o agricultor observou um ganho,

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mas segundo sua fala não compensou o ônus causado à planta, fazendo-o adotar adubo

orgânico.

Interessante destacar que, dos dez agricultores entrevistados, quatro disseram que

não haviam feito uso de nenhum tipo de agrotóxico, uns responderam que eram caros, outros

porque achavam que fazia mal à saúde. Já os que utilizaram, disseram que compravam os

mais baratos, sendo que o mais comum eram os carrapaticidas, recomendados por técnicos e

outros agricultores. Observou-se que eles levaram em consideração a possibilidade de uso,

mas descartaram quando avaliaram a relação custo x beneficio, custo aqui entendido não

apenas como recursos financeiros.

A esse respeito, Sr. Raimundo Patrício, agricultor agroecológico do assentamento

Novo Horizonte, município de Tururu, conta que antes de entrar para o movimento

agroecológico costumava utilizar “venenos” para combater as pragas no cultivo do feijão e

das hortaliças, sob a orientação dos técnicos da Ematerce. Este era o “único órgão que a gente

tinha disponível para consultar, ele passava uma receita de veneno e a gente achava que era

certo. Depois a gente foi participando e chegando a conclusão de que o veneno não era a

solução”. Raimundo conta que deixou de fazer uso de agrotóxicos depois que se intoxicou:

[...] eu não morava aqui ainda, eu morava em Itapipoca. Usei tanto veneno que eu fiquei, acho que fiquei intoxicado. Apareceu uma dor de cabeça com febre e a dor, né? E fui tomar medicamentos. Eu mesmo cheguei à consciência que era por causa do veneno. Por causa do veneno! Não peguei mais o veneno.

Por sua vez, Dona Fátima, da comunidade de Genipapo e multiplicadora em

agroecologia diz que nunca fez uso de agrotóxicos, não por não ter acesso. Ela explica:

Sempre foi coisa minha, eu via que nos vidros tinha um homem cego, era um tal de Andrex para aguar o feijão. Tinha um boneco véi cego, aquilo tava dizendo que fazia mal a gente. Os companheiros me perguntavam se eu não ia utilizar, mesmo sabendo que eles plantavam na nascente e ia pro meu roçado.

Com referência nas experiências, consideramos que as mudanças nas práticas

produtivas vieram acompanhadas da consciência agroecológica, como expressa o Aderbaldo,

o que tem elevado sua autoestima e ampliado sua percepção enquanto sujeito partícipe de

transformação da realidade.

Antes eu tinha um horizonte fechado, uma mente curta, só fazia a mesma coisa. Ai quando você desperta para uma vida com a natureza, num sentido mais aberto para agroecologia, você começa a despertar sua consciência como um todo. Você começa a se sentir outra pessoa, você consegue se sentir seguro nas suas criatividades, acredita que tudo vai dar certo e começa a mudar. Tem pessoas que... ele não é o senhor da sua história, ele tá sempre olhando a história de outra pessoa e não escreve a sua própria história. Hoje eu acho interessante a minha própria história e já posso repassar minha história pra outras pessoas.

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Trata-se de um depoimento rico e, ao mesmo tempo, comum entre aqueles

agricultores e agricultoras que vêm se dedicando à agroecologia. Destaca-se inicialmente essa

conexão do camponês com a terra, seu lugar de trabalho e de pertencimento. Em segundo

lugar, fala de ampliação da visão a partir do conhecimento, tanto no que se refere à natureza

quanto ao entendimento de mundo e do seu papel como mediador desse processo. Terceiro,

esse depoimento trás o que Ploeg (2010, p. 382) denomina de “princípio camponês”, que trata

do enfrentamento e da superação de dificuldades, a fim de construir as condições para garantir

a produção e reprodução do grupo familiar. Esse princípio carrega consigo, segundo o autor, a

esperança. “A esperança que, através do trabalho duro, com cooperação, ações conjuntas e

abertas, se pode forjar o progresso” (ibidem, tradução nossa). Ele também chama nossa

atenção para a questão da subjetividade e, nesse sentido, nos ajuda a entender a importância

das visões particulares de mundo dos camponeses, bem como os sentidos e significados

conferidos ao trabalho com a natureza, a produção de alimentos, a gestão coletiva dos

recursos naturais, o orgulho nas suas habilidades e conquistas. E finalmente, a confiança em

suas próprias forças e entendimentos de mundo (PLOEG, 2010). Apesar deste entendimento,

não se pode perder de vista outros depoimentos de camponeses, que nos colocam que a

realidade não é homogênea, dadas as precárias condições de vida desses sujeitos no Brasil,

quando muitos não têm nem garantido o acesso a terra.

Chama-nosà atenção o cuidado que esse agricultor tem com a unidade familiar.

Seu filho mais velho casou, mas continua morando com os pais. O agricultor expressou

preocupação com a possibilidade da saída do filho de casa em função do casamento e disse

que fez questão que ele permanecesse, pois, assim, poderia ajudar nos trabalhos no sítio, da

produção agroecológica. Nos termos de Lamarche comentado por Wanderley (2009), a

reprodução camponesa significa a reprodução do estabelecimento familiar e não

necessariamente a alocação de todos os filhos na agricultura.

Além da preocupação do agricultor com a manutenção da unidade pela família,

Aderbaldo percebe que aumentar a disponibilidade e o acesso a recursos financeiros é uma

necessidade. Nesse caso, quando se refere à manutenção da unidade, “a gente fica vendo a

cerca se acabando, mas a gente tem que se preocupar com o autoconsumo. Como é que eu

estou? Como é que eu vivo? A gente fica sem ter alguma coisa para retornar ao sítio [...]”.

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Quando da instalação do assentamento, a família, assim como os demais

assentados, tiveram acesso aos recursos do Procera69, porém o agricultor avalia que pouco foi

operacionalizado, devido à inexperiência do grupo para administrar aquele recurso, restando

desta experiência apenas receio de acessar novos créditos e não cumprir as obrigações

contratuais, ou não atingir as melhorias esperadas na unidade familiar.

De modo geral, os agricultores descrevem o crédito rural como uma dificuldade,

não somente pelo acesso, mas pelas regras de operacionalização do crédito e pela defasagem

de orientação, o que leva muitos agricultores a utilizar os recursos de forma muito diferente

do que esta prevista no projeto. Isto é, os agricultores findam por utilizar os recursos da forma

como melhor atendem suas necessidades e não conforme as diretrizes do programa.

Em face das dificuldades, os agricultores integrantes da Rede de Agricultores

Agroecológicos Solidários passaram a privilegiar o acesso aos créditos por meio do Fundo

Rotativo Solidário70, que, apesar do valor inferior aos créditos oficiais, garante ao agricultor

maior segurança e autonomia na aplicação do recurso, pois recebe orientação técnica para a

elaboração do projeto e estudo de viabilidade. Além desses fatores, há o acompanhamento da

aplicação dos recursos, tanto pela equipe técnica do CETRA, quanto pelo Grupo Gestor do

Fundo Rotativo.

Este foi caso do agricultor Aderbaldo que, com mais experiência e orientação, fez

um planejamento prevendo no que ia investir e como iria efetivar a devolução do recurso

tomado em empréstimo. Aderbaldo solicitou dois empréstimos ao Fundo Rotativo Solidário,

sendo que, no primeiro acessou R$ 1.000,00 e, no segundo, R$ 2.200,00, pagos em doze e

vinte quatro parcelas, respectivamente. Tais recursos viabilizaram a compra de um motor

bomba, de eletrodutos para irrigação e para a implantação de um poço Amazonas71, que

ampliou a capacidade de armazenamento de água.

69O Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) foi criado em 1985, pelo Conselho Monetário Nacional, com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade agrícolas dos assentamentos da reforma agrária e, assim, possibilitar a inserção no mercado e a independência econômica do assentamento. 70Em 2008, Cetra em parceria com a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários acessou um edital do Banco do Nordeste para apoiar a constituição do Fundo Rotativo Solidário disponibilizando para a proposta o valor de 120.000,00 (cento e vinte mil reais) com o objetivo de possibilitar aos agricultores articulados a Rede a reestruturação e estruturação de suas unidades produtivas com base nas experiências agroecológicas. O fundo conta com um conselho gestor constituído por quatro agricultores escolhidos em Assembleia Geral do Conselho Deliberativo e por três técnicos do CETRA. O núcleo se reúne periodicamente para avaliar os financiamentos e nesta são realizados as deliberações dos projetos. Os agricultores avaliam a viabilidade das propostas e se o agricultor terá condições de pagar o recurso solicitado. Disponível em: < http://www.cetra.org.br/biblioteca-multimidia/cartilhas/fundo-rotativo-agroecologico-solidario/>. Acesso em: agosto de 2012. 71 Poço Amazonas é um dos tipos mais comuns de poços utilizados para a captação de água do lençol freático. São construídos manualmente utilizando peças pré-fabricadas. São poços para pequenas vazões, destinados a abastecerem pequenas áreas.

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Para o entrevistado, o fundo rotativo permite que os agricultores tenham mais

liberdade na hora de definir o que é prioritário para a sua produção. Refere-se com

entusiasmo sobre o fundo gerido pelos próprios agricultores que integram a Rede:

Trabalhar com o que é da gente é coisa boa né? Gerenciado por nos da Rede, pelo grupo gestor, a burocracia é mínima. Não tem consulta ao Serasa, ao SPC. O agricultor escolhe o que vai plantar e como vai usar o dinheiro, a gente discute só a viabilidade pra não ver o colega agricultor se imprensar se não der certo. Discute a viabilidade pra saber se aquilo que ele quer é útil para ele e, a partir daí, liberar o dinheiro.

Como Dona Fátima, muitos agricultores e agricultoras têm associado o crédito

rural oficial ao Fundo Rotativo da Rede para construir pequenas infraestruturas, adquirir

insumos entre outros:

A minha maior dificuldade é o acesso ao crédito, porque minha dificuldade aqui é a questão da energia porque área é longe de energia . Hoje eu já consegui mais não é do jeito que eu gostaria que fosse né, eu consegui com o crédito do Agroamigo do Banco do Nordeste, mesmo não achando muito bom eu me arrisquei a fazer porque precisava da energia, precisava de comprar um motor e do encanamento, R$ 2.000,00 reais dava. Mais os 2.000,00 também não deu pra fazer do jeito que eu queria. Deu par comprar o motor, os fios. Só a carência que eu acho pouco, pra horta era 6 meses. Se eu fosse fazer para ovelha era um ano de carência, mais como era par horta era só seis meses, eu tive que correr contra o tempo, mesmo eu achando que a produção melhorou não dava par pagar a primeira parcela que era 501,00 reais. Hoje graças Deus tem a água com já falei , acessei R$ 1.000,00 reaisdo fundo rotativo para a horta também, mais não deu par tudo que eu queria [...]. Acho que o suficiente tinha que ser R$ 5.000,00 pra ficar do jeito que eu sonhava, mais pouco a pouco a gente vai levando.

Aderbaldo e Conceição participam da Rede de Agricultores Agroecológicos e

Solidários, ambiente social que vem se consolidando no Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu, sobretudo, no processo de articulação, formação e comercialização. A Rede

nasceu a partir da necessidade do grupo de agricultores que participaram da formação em

agroecologia, especialmente para dar continuidade aos encontros e discutir questões referentes

à transição agroecológica, conforme detalha Aderbaldo, presente na Rede desde sua

construção:

[...] era assim: um agricultor em Itapipoca, outros no Trairi, outros na região da serra e isso dificultaria a gente se encontrar. Se encontrar em nome de quem, como? E quando se falava em comercializar, ficava solto esse comércio, como é que a gente ia interligar todos esses negócios? Foi depois de todas as discussões, dentro da nossa necessidade, a gente criou a Rede, para gente saber que todos os agricultores estavam ligados a uma organização, saber o que os agricultores estão fazendo. Nos momentos trimestrais a gente vê como está o comércio no território. Esse encontro é a forma de saber como está o outro agricultor do outro lado de lá, na serra, no sertão, aqui na praia. A Rede veio facilitar a interligação dos agricultores agroecológicos.

Nesse relato destaca-se o caráter indentitário presente nas chamadas redes

sociotécnicas e políticas de inovação. A identidade de agricultor experimentador,

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multiplicador e/ou agricultor agroecológico exerce um papel decisivo no sentido de fortalecer

as relações com a coletividade de agricultores e outros atores sociais do território. Os

agricultores integram-se a rede baseados em interesses comuns, expectativas e valores,

buscam coletivamente construir alternativas técnicas, econômicas e sócio organizativas para

superar questões que, em um primeiro momento, colocam-se como problemas isolados, mas

que, na realidade, repercutem socialmente, pois tratam-se de dificuldades geradas pelo não

acesso as politicas públicas, conhecimento técnico, assessoria e formação.

A luta pela terra e depois pelas condições para nela permanecer, no caso da

família de Aberbaldo, vem de mais longe, baseia-se na “condição camponesa” definida por

Ploeg (2010), como uma busca por autonomia, situando os camponeses como sujeitos sociais

do mundo contemporâneo.

Há um tempo atrás, eu participei de um movimento social – as CEBS72. Elas eram ligadas a igreja católica e lá a gente já lutava para uma vida melhor. Eu trabalhei, militei nove anos nas CEBS e tive uma história boa. Aí, as áreas que nos lutamos foram desapropriadas e outras não e, dentro dos critérios exigidos, eu fiquei de fora dessas áreas. Quando o governo demarcava os moradores que já tinham, era além da conta e fui ficando fora, até que, por último, ganhei esse assentamento aqui. Eu me sinto feliz porque eu trabalhei para alguns companheiros. Após eu fiz parte do movimento sindical e depois eu resolvi parar de fazer movimentação. Mas depois tudo começou de novo, quando eu me inseri na agroecologia, no movimento da comunidade, a gente não para, sai para dar alguma aula fora, orientação para as pessoas que procuram a gente e isso é bom – ter uma nova vida nos movimentos. Essa é uma nova fase.

A busca por autonomia é uma estratégia de reprodução socioeconômica da

agricultura familiar camponesa e, para tanto, o acesso a terra é fundamental, assim como o

acesso a informação, ao conhecimento, aos fatores de produção. Como encontramos em

Costabeber e Moyano (2009, p. 13) há um número significativo de agricultores que procuram

construir alternativas para escapar e superar a crise socioambiental na agricultura, crise que

afeta tanto a sua produção quanto a sua reprodução social. O ingresso ou participação dos

agricultores nas redes sociotécnicas e políticas de inovação social e tecnológica tem buscado

[...] assegurar maiores graus de autonomia a respeito do processo produtivo; diversificar e ampliar as rendas agrárias; oferecer a possibilidade de participar na geração de renda e socialização de tecnologias e conhecimentos; aumentar a qualidade de vida e melhorar as condições de trabalho; e recuperar e preservar os recursos do meio ambiente, como forma de ampliar seus espaços de produção e reprodução social e econômica desde uma perspectiva de gestão sustentável do agroecossistema.

72As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs são comunidades ligadas à Igreja Católica que, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pela Teologia da Libertação, que se espalharam nosanos 1970 e 1980 no Brasil e na América Latina. Constituem-se como uma experiência que traduz para os seus participantes uma mudança significativa no campo religioso, cuja relação com o sagrado dar-se por meio da conscientização, dos compromissos ético e político com ênfase na participação em lutas populares.

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A dinâmica de inovação agroecológica no Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu está pautada nas experiências de convivência com o semiárido, no acesso a

tecnologias sociais adaptadas a região e nos princípios da agroecologia, definida assim por

Aderbaldo:

Eu vejo agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza, a preservação daquilo que é bom e é útil para a vida do planeta e do ser humano. A produção agroecológica é diferente da produção orgânica. A produção orgânica basta não colocar química, veneno; na agroecologia, é toda essa ligação de homem, de terra, de natureza, de preservação, de água limpa, de ambiente limpo, de plantas bem zeladas e isso faz a nossa ligação com a natureza, isso é que é agroecologia.

A trajetória de vida de Aderbaldo é reveladora de um dos caminhos que levou os

agricultores a enveredarem pela agricultura de base ecológica, isto é, a percepção da

dificuldade em manter a produção e a reprodução da unidade familiar a partir de um modelo

que degrada sua principal base de recursos, a terra. Chegar a essa conclusão não é um

caminho linear como podemos observar, daí a necessidade de dar visibilidade ao contexto e as

condições nas quais essas experiências são forjadas, no caso, a luta pela terra, depois, a luta

por transformá-la em terra de trabalho e, ainda, a luta por politicas públicas que efetivamente

apoie os camponeses, que teimosamente resistem e se reinventam, contrariando com

mencionado, o trágico prognóstico de seu desaparecimento.

5.1.2 “Tudo dentro de um processo só, com histórias diferentes mais um processo só” - Experiência

familiar de Maria José Alves, Assentamento Maceió, município de Itapipoca

No Assentamento Maceió73, localizado a cerca de 60 quilômetros do município de

Itapipoca, vivem Maria José Alves, conhecida por todo como Zeza, com seu companheiro

Raimundo José Santos, chamado de Pequeno e seus três filhos Bárbara, Gustavo e Otávio.

Para a entrevista, Zeza nos recebeu em um espaço arejado, entre a cozinha e o

quintal, onde costuma acolher os agricultores durante as visitas de intercâmbio. O espaço

abriga também um antigo sonho de Zeza: o forno ecológico, utilizado no preparo dos

alimentos da família e mais os bolos, doces, biscoitos e tapiocas feitos pela agricultora.

O envolvimento de Zeza com a agroecologia, assim como o de Aberbaldo,

aconteceu em 2004, durante o curso de agentes multiplicadores em agroecologia promovido

pelo CETRA, entidade que acompanha o assentamento desde o período de luta pela terra e

73O Assentamento Maceió, fruto da luta pela terra que se deu na década de 1980, está localizado na planície litorânea oeste do Ceará, em Itapipoca, a cerca de 60 km da sede desse município. São aproximadamente 900 famílias de pescadores, algueiras, agricultores, rendeiras e artesãos, comerciantes, professores agentes de saúde, estudantes, gente da terra e do mar que lutam cotidianamente para preservar seu lugar e modo de vida.

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posterior desapropriação74. Filha de Dona Mariana, que também é assentada, agricultora

envolvida com a produção de base ecológica e com questões relacionadas à organização

social e política do assentamento, Zeza relata que manteve boa parte de sua vida distante das

questões que envolviam o assentamento, principalmente a organização, mas sempre gostou de

viver ali. Quando se casou, foi morar na Comunidade de Coqueiro, uma das doze que compõe

o assentamento, onde viviam os pais de Pequeno. No início, recorda, foi difícil entender o

engajamento e o tempo que Pequeno dedicava ao assentamento e sua participação em

reuniões nas comunidades. Na percepção de Zeza, naquele momento, o que estava em questão

era o pouco tempo que ele dedicava à recém-formada família. Deve-se aqui informar que

Pequeno, nesse período, trabalhava como técnico agrícola no CETRA.

Mas “o conhecimento leva a gente a pensar as coisas de maneira diferente”,

enfatiza Zeza, ao se referir a sua participação no curso de multiplicadores, processo que

possibilitou a agricultora estabelecer um reencontro com a agricultura. A partir dos

intercâmbios realizados ao longo da formação, Zeza começou a experimentar outra forma de

viver e praticar agricultura. Todavia, foram nos anos de 2005 e 2006 que o quintal de,

aproximadamente, umhectare, onde, antes, só havia “quatro pés de coqueiro, uns cajueiros e

algumas mangueiras” pouco a pouco foi dando espaço à diversificação, quando introduzidas

fruteiras e plantas nativas.

Figura 13 - Quintal Produtivo de Zeza

Fonte: A autora, pesquisa de campo (2012).

74Nos anos de 1981, o CETRA iniciou um trabalho de assessoria advocatícia junto ao Assentamento Maceió, no sentido de contribuir com as discussões travadas pelas comunidades locais e efetivas ações de luta pela terra. Após a conquista da terra e desapropriada para a criação do assentamento, o CETRA deu continuidade ao seu trabalho, mas desenvolvendo ações de assessoria técnica no âmbito da organização social e produtiva. .

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Por meio dos intercâmbios, Zeza conheceu experiências de agricultores do Ceará

e de outros estados. Acompanhamos, durante o Encontro Territorial de Agroecologia (ETAs),

realizado em novembro de 2011, um intercâmbio a sua unidade familiar. Nesse evento

observamos Zeza, sua desenvoltura ao receber os agricultores, com muita satisfação,

procurando deixá-los à vontade. Ela facilitou uma oficina para ensinar aos visitantes a fazer

produtos à base de mel (sabonete, shampoo e óleos, entre outros), matéria prima colhida

também em sua unidade, uma vez que Zeza também é apicultora. No final da tarde, em

círculo, olhando todos para os produtos que haviam feito, os agricultores agradeceram o casal

pela recepção, elogiaram o trabalho do quintal eexpressaram o quanto aquele dia havia sido

especial. Uma agricultora disse: “estou com muita vontade de voltar logo pra casa, quero

experimentar também”. Nesse clima, foram compartilhadas técnicas, saberes, sabores e novos

laços foram estabelecidos.

A inserção da agricultora nesse processo se deu por meio da assessoria técnica do

CETRA, especialmente no inicio da experiência. Para ela foi fundamental tanto a participação

no processo de formação, quanto o acompanhamento realizado pela equipe técnica, pois “[...]

eles orientam os agricultores na produção, discutem a importância da conservação. Ele

[técnico] não vem para fazer, mas as pessoas da própria comunidade é que têm que praticar.

Os técnicos estimulam muito a comunidade”. Esse relato aponta a mudança no enfoque

metodológico da assistência técnica, sobretudo, aquelas de inspiração agroecológica, onde a

relação agricultor-técnico busca ser horizontal, estimulando não apenas a participação, mas a

autonomia dos agricultores. “O técnico vinha dar orientação, mas quem decidia era eu. Se eu

visse que era bom para mim eu fazia, não existia uma imposição. Quem tem que avaliar o que

tem que ser feito é o agricultor”, afirma Zeza.

Figura 14 - Intercâmbio de experiências

.Fonte: A autora, pesquisa de campo, na unidade familiar de Zeza durante o ETA (2011).

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A área de cultivo utilizada pela família é de dois hectares, sendo que o

agroecossistema manejado é composto pelo quintal, agricultura de subsistência, horta e

criação de pequenos animais. No quintal, hoje, tem: banana, mamão, abacaxi, coco, seriguela,

acerola, carambola, ata, caju, manga, pitanga, entre outras fruteiras. São cultivados, ainda,

milho, feijão, urucum, gergelim, mandioca e plantas medicinais. A partir da formação, Zeza

passou a se preocupar com formas de garantir a recuperação do solo e o trabalho com a horta

começou nesse período, a qual produzia beterraba, cenoura, couve, pimentão, tomate.

Entretanto, após o nascimento de seu terceiro filho, Otávio, teve que se afastar de algumas

atividades e logo depois vieram às dores na coluna. Com isso os canteiros foram deixados de

lado por algum tempo. Em uma nova tentativa, Zeza trouxe os canteiros para mais próximo de

casa. A mudança foi planeja para evitar que as raízes da outras plantas atingissem à horta e, ao

mesmo tempo, diminuir a sobrecarga de trabalho, uma vez que Pequeno só podia dedicar-se

ao quintal nos finais de semana.

Minha maior dificuldade, hoje, é trabalhar sozinha. É muito difícil, não dá para fazer muito coisa, por mais que você queira, por mais que você tente, o negócio é divagar e não cresce. Eu já tentei levantar a horta três vezes sem sucesso para fora, mas o que a genteproduz dá para comer. A horta é para o consumo, porque aqui na comunidade todo mundo tem um canteiro em casa e quando alguém não tem, vai na casa do vizinho e pede uma palhinha de cebola, um pimentãozinho, a gente sempre troca. Agora estou esperando que meus filhos cresçam para me ajudar (grifo nosso).

Uma das questões destacadas na fala de Zeza diz respeito à “troca” ou doação de

alimentos aos vizinhos mais próximos75, característica presente nas relações de reciprocidade

comuns às comunidades camponesas. Entendemos por reciprocidade, baseado em Sabourin

(2009), a dinâmica de reprodução de prestação, geradora de vínculo social. Para o autor,

baseado em Temple e Chabal (1995 apud SABOURIN, 2009, p. 56), a troca se diferencia da

reciprocidade. “A operação de troca corresponde a uma permutação de objetos, ao passo que a

estrutura da reciprocidade constitui uma relação reversível entre sujeitos”. Sabourin (2009, p.

64) detalha:

A troca supõe a relação prévia de duas pessoas – ou seja, um mínimo de reciprocidade; mas subordina o vínculo criado pela reciprocidade ao interesse. Por outra parte, a reciprocidade pode envolver objetos (a reciprocidade das dádivas, por exemplo); é por isso, às vezes, é confundido com a troca. Já que a troca e a reciprocidade são coisas diferentes, é melhor dar a elas nomes diferentes.

75 No Assentamento Maceió, especificamente na comunidade Coqueiro, onde vive a família da Zeza, é muito comum, no período das farinhadas, que se compartilhem, entre as famílias agricultoras, tapiocas, feitas ali mesmo na casa de farinha. É um momento de confraternização que envolve, inclusive, aqueles que não estiveram durante o processo, vizinhos e familiares.

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Para o autor (2009) as práticas de reciprocidade ligadas às comunidades

camponesas se estruturam de diversas formas: na produção, no manejo dos recursos naturais,

na organização dos agricultores, na relação entre a comunidade e na própria família, na

comercialização, entre outros. No contexto estudado, a produção para o autoconsumo é

também responsável pela geração de processos de sociabilidade e de reciprocidade entre os

agricultores (CÂNDIDO, 1987 apud SCHNEIDER e GAZOLLA, 2007). A esse respeito,

Aderbaldo expressa:

A feira, eu tenho dito, é um espaço onde a gente troca experiência e troca os nossos produtos entre os feirantes. Meu sítio tem uma produção que o outro não tem, porque a gente esta num território diversificado, então a gente faz uma troca entre nós na feira. No caso de fazer a compra, a gente faz a troca [...] já leva para casa um produto que tem em outra região, sem precisar da gente desembolsar dinheiro. Com a mesma produção, a gente compra de outra pessoa e ali se dar um processo de troca de saberes e sabores.

As relações de reciprocidade, como se observa, extrapolam o espaço da

comunidade e superam as trocas em si, criando valores éticos que se tornam valores

econômicos característicos de uma economia de reciprocidade, conforme assinala Sabourin

(2009). Na consideração feita por Zeza, “a troca” não se limita transmutação de

objetos/produtos no sentido clássico da troca mercantil, as relações de reciprocidade, nas

quais as trocas estão presentes, o que ganha evidencia é a relação entre as pessoas e seus

valores, ainda que não sejam percebidos por todos.

Quando perguntamos a Zeza sobre a importância de produzir os próprios

alimentos com base nas práticas agroecológicas, a agricultora nos apontou três razões

objetivas. “Primeiro de não está comprando, gastando, [segundo] dos meninos estarem

comendo comida boa e saudável e [terceiro] estar ganhado dinheiro com isso.” A venda dos

produtos do quintal, tanto na Feira Agroecológica quanto na comunidade, foi decisiva para a

diversificação da renda da família anteriormente restrita ao salário de Pequeno. “Com esse

dinheiro a gente compra outras coisas. Vai comprando uns armários, fogão, essas coisas. Até

um notebook comprei com o dinheiro daqui”, fala, com orgulho.

Outro aspecto que merece destaque, diz respeito ao acesso das agricultoras em

atividades geradoras de renda, as quais, como pode ser observado, criam condições para que

as mulheres desenvolvam maior autonomia e poder de decisão. Esse argumento se baseia no

empoderamento que ocorre por meio das condições materiais. Não menos importante, é dar

visibilidade à preocupação com segurança alimentar, papel histórico que cumprem as

mulheres no campo (PACHECO, 2009). Daí ser fundamental que os “projetos agroecológicos

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passassem a dar destaque àqueles espaços de produção em que as mulheres assumissem o

papel principal e, com isso, passassem a reconhecer as próprias mulheres como sujeitos

produtivos” (PACHECO,1997 apud SILIPRANDI, p. 143, 2009).

Figura 15 - Feira Agroecológica e participação no ENA

Baseados em Siliprandi (2009),

Fonte: CETRA (institucional), Zeza comercializando na Feira (esquerda) e durante o Seminário de Construção do Conhecimento Agroecológico (ENA – Recife - 2006).

Entendemos que a invisibilidade do trabalho desenvolvido pelas mulheres na

agricultura está relacionada às formas como se organiza a divisão sexual do trabalho e de

poder, onde a condução produtiva da unidade familiar é socialmente concedida ao homem.

Ainda que as mulheres trabalhem efetivamente nas atividades de preparo do solo, plantio,

colheita, criação de animais, beneficiamento de produtos e outros, o reconhecimento das

atividades adquirem um status inferior, embora sejam determinantes na condução e gestão dos

sistemas produtivos.

Para inverter essa situação de invisibilidade e de estrutura do poder, Pacheco

(2002 apud SILIPRANDI, 2009) recomenda, entre outras medidas, que seja oferecido apoio

organizativo às mulheres e acesso a recursos produtivos como terra, crédito, formação técnica,

condições objetivas para que possam desenvolver suas capacidades.

A produção agroecológica articulada às vivências nas formações, intercâmbios,

feiras, redes e encontros têm contribuído para o empoderamento dos agricultores e, de modo

especial, das mulheres que começaram a transpor o espaço doméstico, elevando sua

autoestima e autonomia. No depoimento seguinte, Zeza descreve um diálogo entre técnicos do

INCRA e da Prefeitura Municipal de Itapipoca com os agricultores durante uma reunião no

assentamento para tratar da construção irregular de um trecho da estrada que corta o

assentamento. Nesse episódio Zeza surpreende-se com sua intervenção, vejamos:

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Hoje eu sou diferente do que eu era antes, porque tenho outros conhecimentos, agora eu sei o meu papel, conheço os meus direitos, sei o momento certo de me colocar. Você acredita que na reunião que teve aqui com um cara do INCRA e um secretário do Ney Barroso eu mandei ele se calar? Onde que eu tinha coragem de dizer uma coisa dessas antes? Eu tava no meu direito, eles chegaram todo armado, no ponto de briga com os agricultores e todo mundo caladinho, né? A gente tá discutindo o problema da construção da estrada porque associação mandou um oficio para o INCRA. Eles chegaram tamanha onze meia, os agricultores já estavam esperando fazia era tempo. Ai eles começaram a falar e um agricultor quis falar e eles disseram: pera aí que nós estamos falando, quando a gente calar, vocês falam na hora de vocês. Eu estava controlando a hora, ai tudo bem, passou. Aí, quando chegou a hora dos agricultores falarem o secretário do Ney Barroso se levantou e começou a falar. Ai eu disse: O senhor me desculpe, mas, no momento que vocês estavam falando, tava todo mundo calado, agora tá no memento de vocês escutarem. Ai ele perguntou se ele tinha que concordar com o que o outro estava dizendo. Eu disse que não, mas ia chegar a hora dele discordar. Vocês devem respeito aos agricultores, do jeito que eles escutam vocês também. Ele se sentou, o cara do INCRA também se sentou, baixou o tom da voz e começou a negociar com a gente. E antes eu não tinha coragem disso não, hoje eu já tenho (sorrisos). Eu acho que isso faz parte desses movimentos, dessas capacitações, dessas viagens, acho que é isso. Eu nunca acreditei que eu tivesse uma capacidade daquelas.

Tais processos podem implicar em mudanças nas relações de gênero, entre família

e também entre classe. Zeza diz que aprendeu a falar, expor suas ideias e sentimentos, o que,

em alguma medida, mudou sua relação com seu companheiro.

Hoje eu sei cobrar as coisas das pessoas, principalmente do Pequeno. Eu cobro muito dele, da questão política, porque ele quer que eu sempre acompanhe ele. Mas um dia a gente foi para um evento e aí, simplesmente, quando terminou a passeata, ele entrou no carro com um pessoal e foi dar uma entrevista na rádio e eu fiquei lá com outro pessoal. Quando eu cheguei em casa fui cobrar isso dele. Pequeno [disse Zeza], eu sou tua mulher, não sou outra pessoa qualquer não. Se as pessoas lhe convidaram para ir pra rádio, era pra você ter dito: vocês vão andando que eu vou atrás, com a minha mulher. Ele ficou calado, só disse que, realmente, reconhecia. Eu não tinha coragem de dizer uma coisa dessas para o Pequeno, eu era bem bestinha. Achava melhor ficar chorando em casa, hoje eu já sei cobrar dele e de outras pessoas também.

Zeza é uma das agricultoras que, após o término do curso de multiplicadores em

agroecologia, ajudou a criar, em 2006, a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do

território, da qual, hoje, é uma das coordenadoras. A constituição da Rede, assim como da

Feira Agroecológica, contou com o envolvimento de agricultores e agricultoras que haviam

passado pela formação, mas também de outros agricultores que desenvolviam práticas

ecológicas, servindo, portanto, de referência76 para aquele momento inicial. De acordo com

Zeza, o CETRA desenvolveu um papel fundamental na formação da Rede, pois, além de

76 Uma dessas experiências é a de Genésio Manuel Soares, conhecido por Seu Genésio, do Assentamento Escalvado, localizado na serra de Arapari, no município de Itapipoca. Liderança da comunidade coordenou com outros agricultores e agricultores do assentamento a luta pela conquista da terra na qual viviam e trabalhavam há varias gerações. Seu Genésio é um sujeito social muito conhecido na região, sobretudo, por seu espírito de luta, criatividade e ativismo ecológico.

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garantir apoio técnico às experiências e implantação de algumas unidades demonstrativas,

também viabilizou a dinâmica de reuniões, intercâmbios e encontros do grupo, como ainda

acontece hoje.

No que se refere à Rede, o depoimento de Zeza trás elementos relacionados ao seu

papel político, no que tange ao protagonismo, a autonomia, a organização desse espaço, que

tem como principal finalidade “fortalecer o debate político sobre a Agroecologia e a

Socioeconomia Solidária”. Os demais objetivos descritos na Carta de Princípios da Rede são

demonstrativos da intencionalidade dessa organização de agricultores:

Trocar experiências no campo da agroecologia; melhorar condições de trabalho e renda do grupo; valorizar a produção da agricultura familiar; construir uma sociedade melhor; melhorar a qualidade de vida (relações humanas e condições financeiras); sensibilizar e contribuir para o consumo de alimentos agroecológicos buscando a segurança alimentar e nutricional; incentivar, apoiar e difundir uma forma de agricultura ecológica e economicamente sustentável, e que seja socialmente justa; incentivar a agricultura familiar a partir dos multiplicadores em agroecologia; proporcionar a comercialização direta ao consumidor, criando novas relações sociais, divulgando a qualidade de seus produtos; promover o intercâmbio entre as diversas instituições, agricultores/as ligadas ao trabalho com agricultura familiar sustentável.

O primeiro aspecto positivo destacado por Zeza é a expressão política dentro do

território, materializado pelo assento da Rede no Conselho de Desenvolvimento Territorial

visto que “[...] lá a gente briga pelos projetos, pela agroecologia no território, nas assembleias,

no momento de votação e avaliação dos projetos”. Outro reconhecimento nesse sentido

aconteceu ano passado quando a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários recebeu

da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, uma homenagem em comemoração ao Dia

Mundial da Alimentação, pela realização de feiras agroecológicas e solidárias regulares nos

municípios de Itapipoca, Trairí e Tururu.

Mas, ao mesmo tempo, Zeza avalia que a Rede “deu uma pausa, esfriou um

pouquinho”. Em sua percepção isso se explica pelo afastamento daqueles “agricultores mais

antigos”, pois para ela a rede “não teve pernas para trazer esse povo pra dar continuidade ao

processo”. Explica então:

Quando entram pessoas novas, elas não entendem o processo, porque já chegaram com o processo já pronto, é diferente de quem construiu o processo [Mais a rede não é um espaço dinâmico?] É, mais eu acho que era pra ter uma informação, explicar pro povo. Quando eu vejo, nem todas as reuniões eu participo, quando eu vejo aquela pessoa na feira e depois já vai pra rede. Não tem o processo de chegar até a feira, chegar até a rede. Acho que ai é que quebra o negócio.

De acordo com Sabourin (2009) a ação coletiva não é um fenômeno natural, mas

uma construção social na qual a constituição de regras e normas tem por finalidade organizar

um grupo de pessoas e de atividades. A institucionalização destas regras elaboradas

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coletivamente tende a estimular a cooperação e o compartilhamento. Do contrário, podem

comprometer a organização e durabilidade da ação coletiva. A preocupação de Zeza vai nesse

sentido. Para ela os critérios criados para participação e ingresso na Rede, formulados após

um longo processo de discussão entre os agricultores e técnicos, não estão sendo seguidos.

Para que as regras funcionem, diz Sabourin (2009), é preciso que elas sejam transparentes e

conhecidas por todos. Zeza explicita que “a idéia era que os agricultores mais antigos, que

conhecem o processo, indicassem as pessoas para participar da rede. Muitas vezes são outras

entidades que indicam e não outro agricultor”.

Perguntamos a Zeza se a articulação dos agricultores envolvidos em processos de

experimentação e inovação não seria um dos objetivos da Rede. Ela respondeu que sim,

porém essa participação tem que obedecer a critérios que foram criados. Para ela essa questão

tem dois aspectos, um positivo e outro negativo. Positivo porque possibilita que um maior

número de agricultores do território possam trocar experiências e ter acesso a novos

conhecimentos e negativo porque os agricultores entram nesse espaço sem compreender sua

lógica, seu funcionamento, o mesmo acontece com a Feira Agroecológica, considerada sua

extensão. Sobre os agricultores que chegam à feira, ainda que levando produtos das

comunidades, Zeza expressa uma preocupação:

Hoje tem muita gente que compra o produto de fulano para vender na feira e o nosso processo não é esse. O processo é de você produzir no quintal e de levar, trocando ou vendendo coisas desse tipo. Vai chegar um ponto que as pessoas precisam passar por uma avaliação e a gente precisa fazer essa discussão. A estrutura da rede, a estrutura da feira, tudo isso é importante pra gente. É um espaço que a gente tem de se comunicar com os outros para adquirir mais conhecimento, mas a gente tem que seguir a Carta de Princípios que a gente construiu.

Como podemos observar, é muito presente na fala dessa agricultora engajada a

preocupação com os processos, tantos aqueles ligados à questão produtiva em si, envolvendo

as práticas de manejo compatíveis com os princípios da agroecologia, quanto aos relacionados

à organização e à comercialização. Nesse sentido, a autonomia dos agricultores na gestão da

unidade familiar e/ou na ação coletiva representa uma questão essencial para a continuidade e

ampliação destas experiências (SCHMITT, 2009).

O discurso da agricultora parece revelar certo incomodo com o processo de gestão

da Rede, impressão que se confirmou durante a pesquisa de campo. A coordenação da Rede

espera que o CETRA mobilize os agricultores, por ter mais estrutura para realizar essa

atividade, mas também espera que conduza os processos organizativos. Nessa questão, Zeza

sempre alertou o conjunto dos agricultores e os chamou à responsabilidade, uma vez que a

gestão da Rede pelos agricultores demanda compromisso, vontade e dedicação. A instituição

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de uma coordenação colegiada da Rede foi uma estratégia para estimular envolvimento das

pessoas no processo de gestão da Rede e execução de atividades, mas, na maior parte das

vezes, um grupo muito reduzido assumia as responsabilidades. Para fazer com que as os

processos caminhassem, a entidade assumiu muito da gestão, o que não suprime os processos

diálogo, correlações de forças e enfrentamento entre os agricultores e a entidade.

Nesse contexto, a luta por autonomia tem que ser assumida pelo conjunto dos

sujeitos sociais (agricultores) e, para tanto é preciso superar as relações culturais e subjetivas e

avançar nas sociopolíticas, o que demanda um movimento de duas vias, no sentido de

compreender as atribuições e limites dos sujeitos coletivos, nesse caso das entidades

mediadoras (âmbito da assessoria) e redes sociotécnicos e políticas (âmbito da gestão/

agricultores).

No trecho a seguir, Zeza faz a seguinte reflexão:

A gente faz parte da coordenação e é chamada para vir à reunião, como convidado? Não é a gente que realiza o encontro com os agricultores. Sei que talvez a gente não tenha pernas para isso, mas já aconteceu da reunião ser feita só com os agricultores. Não lembro com quem era [o técnico] na época, que não pode vir e ai ligaram pra gente e a gente fez os encaminhamentos. A reunião da Rede é pra gente estar junto, elaborar a pauta, teve vezes que a gente elaborava pauta e hoje não está acontecendo isso. [Quais os prejuízos para Rede?] Os agricultores não se empoderam do processo, é uma coisa que é pra ser do agricultor, que acaba não sendo [silencio].

Essa preocupação também se estende à Feira Agroecológica de Itapipoca,

conforme expressa outro agricultor entrevistado, Zé Júlio, ao colocar a autonomia nos termos

da sustentabilidade socioeconômica:

Agente precisa trabalhar para ficar independente [...] o CETRA está nos ajudando, mais a feira é da gente. Muitos agricultores tem essa preocupação. A feira é nossa. O papel do CETRA é muito importante para captar recurso para gente, ela é uma organização, é muito importante. Nos passamos dois anos sem recurso e não tínhamos dinheiro para mobilização , ninguém tinha recurso para fazer intercâmbio, encontro. A gente chegou pegar dinheiro do fundo. Ai o CETRA consegui um recurso com a Manos Unidas para continuar o trabalho.

O papel das organizações (mediadores), esclarece Sabourin (2000, p. 05) “[...] é,

precisamente, contribuir para identificar e para tornar mais visíveis e acessíveis , e finalmente,

para qualificar, as formas de inovação local e os atributos específicos das sociedades locais”.

E o segundo passo seria “qualificar as relações de intermediação entre a ação individual, ação

coletiva e ação pública de maneira a poder desenhar e logo coordenar planos locais ou

microrregionais de desenvolvimento territorial”.

A presença e o estímulo de mediadores (pessoas e organizações) como pôde ser

observado na pesquisa de campo é fundamental para o surgimento e continuidade das

experiências agroecológicas. Para Schmitt (2009, p. 182) “dificilmente poderiam se manter se

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não tivessem sido capazes de construir uma determinada base de legitimação”. Isso não quer

dizer que esses conhecimentos e modos de fazer construídos nas redes sóciotecnica e políticas

de inovação, sejam apenas marcados por encontros, convergências, harmonia, solidariedade.

Sabourin (2009) acrescenta que isso não se dá sem conflito/tensões, relações de poder,

disputas políticas entre sujeitos pertencentes a categorias diversas, “a mundos diferentes”

(grifo do autor, 2009, p. 93).

No nosso modo de ver, o depoimento da Zeza converge com o que defendem

Petersen, Caporal (2012) e Molina (2009) quando afirmam que o principal desafio hoje para

generalização das experiências de inovação agroecológica é política. Ao mesmo tempo, a

agricultura aponta dificuldades e estrangulamentos a partir da vivência no território, base de

ação para processo de construção da resistência.

Ainda segundo a agricultora, “a Rede tem um papel político e de formação. Mas a

prefeitura não sabe quem é Rede [...] as entidades ligadas ao governo precisam conhecer a

Rede, só quem conhece a Rede são algumas entidades”. Para ela esse enfrentamento tem que

ser realizado pela Rede, mas quanto a esta afirmativa devemos fazer algumas ponderações. A

prefeitura conhece sim a Rede, pois a Rede partilha, com representantes do poder público

local e outras organizações da sociedade civil, espaços comuns de debate, como é o caso do

Conselho de Desenvolvimento Territorial, contudo não há uma expressão clara da Prefeitura

no que diz respeito ao reconhecimento do papel da Rede como agente político. Observamos

que a Prefeitura vê no Sindicato, por exemplo, que é uma organização com maior capilaridade

e maior poder de influência no âmbito municipal e territorial, a importância desse sujeito

político. Ou seja, a Prefeitura conhece a Rede, mas dedica maior atenção às ações e demandas

dos maiores agentes políticos de mobilização. Além do mais, a Rede carrega o discurso da

agroecologia e da socioeconomia solidária que ainda não foi assumido pela totalidade dos

agentes públicos (governamentais e não governamentais). Essa “marca” da Rede ainda tem

que crescer, mas não se pode tirar dela o mérito de ter contribuído para deflagrar esse

processo.

Em seu depoimento, Zeza faz uma reflexão política sobre esse processo, que tem

implicações na forma de produzir, de alimentar a família, de se relacionar, de gerar renda e de

se organizar. Procuramos saber ao longo do estudo como os agricultores definem

agroecologia e interessa-nos, explicitar como essa definição se dá a partir de suas práticas

cotidianas. Zeza define:

Acho que é isso tudo é um processo, como agroecologia, que engloba tudo. As pessoas acham que agroecologia é só não queimar não usar veneno, não é só isso.

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Uma menina do Banco do Nordeste veio aqui fazer uma entrevista em relação a isso. Ela achava que agroecologia era só não queimar e produzir sem química, essas coisas. Quando eu comecei a falar da questão de gênero, da questão da própria família, do sistema que a gente faz na própria agroecologia ela ficou assim... ela disse: valha é muita coisa que vocês fazem. Agroecologia é isso tudo ali que está dentro do sistema, não dá para dizer que vou cuidar do quintal e na casa é totalmente diferente, ou vou cuidar da casa de um jeito, do quintal de outro, da comunidade de outro. Tudo é dentro de um processo só, com histórias diferentes mais num processo só.

A realidade vista em movimento, evidencia que agroecologia, para os agricultores,

não é somente um processo de conversão técnica, ela é um processo social complexo de

mudanças. Com base nas entrevistas, podemos afirmar que a participação nas redes

agroecológicas de inovação sociotécnicas e políticas tem levado as mulheres a

experimentarem transformações em sua vida cotidiana, levando-as a questionar a tradicional

divisão sexual do trabalho, na qual suas atividades são reconhecidas apenas no espaço

privado, embora determinantes para a produção e reprodução da unidade familiar e, com isso,

questionando o modelo agrícola e social que molda as relações e as políticas públicas e, nesse

movimento, vão se assumindo como sujeitos políticos (PACHECO, 2009).

5.1.3 “O conhecimento é tudo” – Experiência Raimundo Diniz e Rosemeire, comunidade Gengibre,

município do Trairi

Sr.Raimundo Diniz Guedes, conhecido por Bebê, e Dona Maria André da Silva

Guedes, chamada de Dona Rosa, vivem com três de seus cinco filhos, na comunidade de

Gengibre, localizada a 12 quilômetros da sede do município de Trairi.

O casal chegou à comunidade no ano de 1975. Lembram que não existia

estrada, o acesso era difícil e os únicos transportes eram o cavalo, o jumento e o burro.

Daquele tempo para cá muita coisa mudou, inclusive o jeito da família praticar agricultura.

A unidade familiar possui uma área de dezenove hectares, mas o trabalho é

realizado só em oito deles, que estão divididos em duas áreas. A primeira é o quintal de

aproximadamente três hectares e a outra fica em frente a casa, onde fica uma das hortas, o

apiário e uma área de reserva. No quintal de Raimundo e Rosa, a diversidade chama atenção,

mas lembram de que nem sempre foi assim. Antes a área era ocupada por carnaúbas e para

produzir o milho, feijão e mandioca se “tocava fogo em tudo”, “jeito” que aprenderam com

pais.

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Figura 16 - Dona Rosa e Sr. Raimundo

Fonte: A autora, pesquisa campo, agricultores ao lado plantação de iame (2012).

Os pais de Raimundo, junto com seus cinco filhos, deixaram o município de

Maranguape, na região metropolitana de Fortaleza, no estado do Ceará, em direção ao Trairi.

Buscavam uma terra onde pudessem trabalhar e criar seus filhos, pois onde viviam, conforme

explica Raimundo, “a área era pequena e a família grande”. Após a entrevista, quando

esperávamos o transporte que nos levaria de volta a Itapipoca, o entrevistado fala sobre as

dificuldades que enfrentou para garantir a reprodução de sua família.

As dificuldades aumentaram depois que constituiu sua própria família, o que fez

com que passasse a procurar emprego, pois só praticavam a agricultura no período do inverno.

Viveu e trabalhou durante vinte anos em uma fazenda na região, onde o proprietário permitiu

que a família plantasse e criasse alguns animais, dessa maneira, além de garantir alimentação,

rendia-lhe um dinheiro extra. Seu Raimundo dedicava-se muito a esse trabalho, mas depois de

algum o tempo o proprietário, que planejava implantar uma granja na fazenda, proibiu que a

família continuasse a plantar e começou a pressioná-la a deixar a propriedade,o que “obrigou”

Raimundo a deixar o emprego. Ele lembra que não recebeu nenhum tipo de direito pelos anos

de trabalho e que isso lhe deixou mais decepcionado. De volta para casa, Raimundo passou

mais de um ano com a saúde comprometida. Desde lá, até os dias atuais, a família passou a

viver da produção e comercialização da farinha, goma e hortaliças. Chegou, também a

combinar, no período do verão, a produção agrícola com a prestação de serviços fora da

propriedade, não sendo mais necessário atualmente.

Esse relato é importante sobre muitos aspectos, porque expressa não somente a

realidade de expropriação/exploração vivida por Raimundo e Dona Rosa, mas também aquela

vivenciada por grande massa de camponeses que buscam, a duras penas, garantir sua

produção e reprodução socioeconômica no campo. O contexto de exploração fez um conjunto

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heterogêneo de trabalhadores do campo (moradores, colonos, posseiros, índios, pequenos

proprietários de terra, atingidos por barragens, sem terras entre outros), vivenciar a violência

provocada pela modernização da agricultura, esta entendida no seu sentido amplo, ou seja,

física, simbólica, cultural, mas também da negação dos direitos dos trabalhadores rurais, os

quais foram expropriados e expulsos do meio rural, para dar condições à implantação de

empreendimentos capitalistas e/ou constituírem-se como força de trabalho para atender as

necessidades do processo de acumulação.

Essa situação levou tais sujeitos a vagarem em busca de trabalho para garantir a

sobrevivência de suas famílias, tendo como destino a periferia das cidades. Por sua vez, a

postura dos camponeses não foi de passividade. Ao contrário, gerou várias experiências de

luta e resistência. Boa parte dos assentamentos rurais hoje existentes no Território dos Vales

do Curu e Aracatiaçu é fruto da luta contra a expropriação da terra (expulsão). Fazem parte

dessa história, despejo, morte, conflito, injustiças, mas também, organização social, coragem,

fé, solidariedade, fome de justiça. Dentre os inúmeros conflitos ocorridos nessa na região,

destacamos o caso do Assentamento Várzea do Mundaú. A desapropriação do imóvel acirrou

o conflito entre os moradores e a empresa, resultando no assassinato de três líderes do

movimento, membros de uma mesma família77.

Sobre aproximação com a agroecologia, Sr. Raimundo e Dona Rosa dizem que

receberam de seu Luiz Gonzaga78, agricultor e amigo da família, um convite para conhecerem

a Feira Agroecológica e Solidaria em Itapipoca, da qual seu Luiz já participava

comercializando seus produtos, principalmente a cajuína. O agricultor conta que nunca havia

ouvido falar de agroecologia, mas já praticava “alguma coisa”. Em 2006, passou a levar seus

produtos para feira, pois já havia uma preocupação em produzir sem o uso de venenos,

usados, até então, na lavoura de feijão para combater o pulgão. “A gente via o povo fazendo e

fazia também”.

Já comercializando na feira, Raimundo participou de uma formação mais curta em

agroecologia realizada pelo CETRA voltada, principalmente, àqueles agricultores que

estavam inseridos na feira e não haviam passado por processo de formação e também para

outros agricultores acompanhados pela entidade. Em sua fala, avalia que apesar de não ter

participado de todos os módulos, porque não podia deixar por muito tempo a produção sem

cuidados, soube aproveitar bem a oportunidade. Afirma que “quando a pessoa vai conhecendo

77 Foram assassinados, em 09 de junho de 1986, Manuel Verissimo Neto (pai), Francisco Verissimo Carlos (filho) e Raimundo Verissimo Mano (filho) , no Assentamento Várzea do Mundaú, município de Trairi. 78 Luiz Gonzaga vive na comunidade de Gualdrapas, no município de Trairi. É sindicalista e agricultor.

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não quer deixar mais, até vê resultados”. Assim aconteceu com Raimundo. Primeiro ele

deixou de queimar, depois passou a juntar toda a matéria orgânica e misturar produzindo um

composto para ser aplicado no solo “cansado” depois de tantos anos de queima. “Hoje eu não

compro insumo de fora, tudo é da propriedade, a gente tem que fazer tudo na certeza de que é

orgânico. A gente tá confiando que esta fazendo certo”, diz orgulhoso.

Sr. Raimundo e Dona Rosa nos conduzem para conhecer o quintal. Mostram as

criações de bodes e ovelhas (que passam de quarenta), as duzentas “cabeças de pinto”, as

galinhas e os porcos. Caminhando um pouco mais, encontramos uma mandala, tecnologia

social implantada em 2011 pelo CETRA, por meio do Projeto PAES79 com apoio da

Fundação Banco do Brasil, onde são produzidas principalmente hortaliças. Mais adiante,

encontramos outra horta integrada às fruteiras como goiaba, cajarana, acerola, seriguela,

laranja, caju, banana, tangerina, mamão, tamarindo, coco, cana-de-açúcar, ata e manga, onde

também encontram-se macaxeira, milho e inhame. Sr. Raimundo conta, orgulhoso, que neste

ano arrancou inhame de 25 quilos, “não tem quem acredite. Imagine se tivesse tido inverno”.

Mais adiante, apontando para um milho diz “você está vendo essa espiga de milho aí? É só no

composto, nada de veneno”.

Figura 17 - Quintal Roçado agroecológico (esquerda), mandala (direita)

Fonte: A autora, pesquisa campo (2012).

79 O Projeto Produção Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS) trata-se de um sistema de produção agrícola que tem como objetivo potencializar o agroecossistema familiar por meio da integração das atividades já existentes. Une a criação de galinhas à horticultura em um esquema circular com irrigação integrada, numa perspectiva de otimizar os recursos naturais, minimizando a dependência de energias não-renováveis,

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As experiências expostas pelos agricultores entrevistados parecem revelar o que

alguns estudiosos analisam em relação às inúmeras formas de resistência camponesa. Assim,

segundo Ploeg (2010) a resistência está presente em uma multiplicidade de práticas, não se

limita à ação/organização dos movimentos sociais, lutas abertas, sabotagem. Pode ser

verificada também na forma como os camponeses criam, manejam e fazem gestão do

agroecossistema e, ao fazê-lo, eles se distanciam dos procedimentos impostos pelos sistemas

dominantes, por exemplo, do uso de adubos químicos. Em vez disso, Raimundo Diniz,

Aberbaldo, Mirtes, Zeza e outros utilizam adubação verde, que ajuda a repor os nutrientes do

solo depois de tanto anos de cultivo, fazem uso de esterco, baganas, folhas secas, restos

vegetais de podas, capina, manipueira, cama do galinheiro, o que representa, igualmente,

mudanças na economia das famílias, principalmente ao reduzir e/ou eliminar o uso de

insumos externos. A mesma mudança se aplica ao uso das tecnologias, quando,

anteriormente, a centralidade do processo produtivo estava na utilização de pacotes

tecnológicos e, na perspectiva da Agroecologia, passa pela habilidade e capacidade de

experimentação dos agricultores e, no caso da região semiárida, o uso de tecnologias

adequadas as suas condições climáticas (PLOEG, 2010).

Figura 18 - Criação de pequenos animais

Fonte: A autora, pesquisa campo.Pequenos animais: galinhas, gansos e patos (esquerda), cabras (direita), (2012).

A boa produção da unidade de Dona Rosa e Sr. Raimundo se deve aos cuidados

da família, que “tem que se reunir para ter produção. Pode ser bom o investimento, mas tem

que ter 100% de trabalho”, fala o agricultor. No entanto, o casal já não conta mais com os

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filhos no trabalho diário, realidade comum entre as famílias camponesas. No caso deles, um

filho mora na cidade e os que vivem em casa dedicam-se aos estudos e trabalham fora da

unidade. Estaríamos diante de um processo que, para muitos, indicaria o fim próximo do

campesinato? Ou a urbanização inexorável? Ou se trata de transformações/mudanças

inerentes ao mundo contemporâneo, no qual o campesinato cria novas formas de resistência e

aperfeiçoa outras já existentes em sua vivência cultural? O caso em análise parece apontar na

direção da combinação entre pluriatividade80 e trabalho externo dos membros da família, os

quais não representa, segundo Wanderley, baseada na pesquisa de Lamarche, necessariamente

a desagregação da agricultura familiar camponesa “mas constituem, frequentemente,

elementos positivos, com o qual a própria família pode contar para viabilizar suas estratégias

de reprodução presentes e futuras” (2009, p. 162).

Essa questão precisa ser melhor situada, uma vez que o trabalho externo é, na

maioria dos casos, uma necessidade estrutural. Entretanto a mesma autora adverte:

[...] não se trata simplesmente de demostrar que os estabelecimentos camponeses não conseguem gerar renda suficiente para manter a família; trata-se, ao contrário, de compreender os mecanismos deste equilíbrio precário e instável, pelos quais o estabelecimento familiar se reproduz, adespeito do trabalho externo e, muito casos, em estreita dependência deste mesmo trabalho externo.

Na perspectiva de análise da autora, na melhor das hipóteses, as estratégias

desenvolvidas pelos camponeses são limitadas e restritas aos espaços estabelecidos pelo

capital. Ainda que mantendo sua base produtiva a fim de garantir sua reprodução, os

camponeses se veem obrigados a complementar sua renda com a alocação da força de

trabalho que dispõe, fora da unidade familiar de produção. A propriedade da terra, segundo

Wanderley, revela-se incapaz de eliminar a dependência dos camponeses, cuja mão de obra é

absorvida pela grande propriedade e hoje mais frequentemente pelo subemprego e a

informalidade.

80 Wanderley (2009, p. 193) considera oportuno esclarecer que para alguns autores, o fenômeno da pluriatividade representa, um processo gradual e que em última analise os agricultores estariam caminhando rumo ao abandono das atividades agrícolas ou a perda relativa de sua importância para a reprodução da unidade familiar. Para a autora esses destino não é inexorável. Ela compreende que esse processo pode caminhar em um sentido inverso, quando a “pluriatividade, seria nesse caso, uma estratégia da família , a fim de, diversificando suas atividades, fora do estabelecimento, assegura a reprodução deste e sua permanência como ponto de referência central e de convergência para todos os membros da família”. Acredita ainda, que a verdadeira pluriatividade é exercida pelo trabalho externo do chefe da família, pois nesse caso, diferente do trabalho dos filhos estaria destinado a garantir a reprodução da unidade familiar, já que o trabalho dos filhos aponta para um processo de individuação, de busca de autonomia destes. Já o trabalho da mulher, destaca duas significações: “às vezes é o caminho que a mulher adquire uma maior capacidade de participar dos ganhos da família : ela contribui para a família com o dinheiro que ela mesma ganhou [Em outros casos, acrescenta a autora] o trabalho externo da mulher tende a criar um distanciamento dela em relação ao estabelecimento familiar” (ibidem, p. 194).

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A autonomia que o camponês dispõe ao nível de organização interna do seu

trabalho, seja ela terra, insumos e mesmo força de trabalho ainda que restrita como se observa

nas experiências analisadas não elimina o espaço que foi reservado a sua condição, isto é, a de

trabalhador para o capital. Essa condição impede as possibilidades de acumulação, pelo

próprio camponês, “porém o torna – e é para isso que ele é reproduzido - um agente

necessário da acumulação, que se realiza a partir do seu sobretrabalho, mas fora da unidade de

produção e não em seu próprio proveito” (WANDERLEY, 2009, p. 127).

Ao voltarmos à análise da experiência, observamos que na horta havia a presença

de luz elétrica, então Raimundo explica que trabalha até à noite, “eu limpo, faço mudas,

águo”, diz, ainda, que, em alguns períodos, prefere aguar a horta mais tarde e com o uso da

mangueira, assim pode aproveitar melhor a água. As folhas e os restos orgânicos são

incorporados ao solo para assegurar, portanto, a umidade nas plantações. A água utilizada

para a irrigação da área vem de um poço e a família também conta com uma cisterna de placa

para uso das necessidades domésticas. Para o casal, a água é a maior dificuldade na produção,

“pois um adubo sem água não dá certo.” Foi instalada, recentemente, uma barraginha81, pela

Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado, mas, até aquele momento, Sr. Raimundo

não sabia muito bem como funcionava a tecnologia. Ele diz que preferia que tivesse sido

“cavada uma barragem grande”. Essa fala revela o risco das tecnologias sociais estarem sendo

disseminadas em forma de pacotes, posto que o agricultor somente obteve maiores

informações sobre a tecnologia após sua implantação, ainda que necessária a sua unidade

familiar. A necessidade da implantação de tecnologias de captação de água para a produção, e

a urgência da instalação deflagrada pelo projeto, fez com que o agricultor não questionasse

quanto ao seu funcionamento. Afinal, como explica, “era mais uma fonte de água na

propriedade”.

Duas estratégias de reprodução socioeconômicas adotadas pela família foram:a

diversificação da produção e sua inserção no mercado local. Sr. Raimundo e Dona Rosa

comercializam atualmente na Feira Agroecologia que ocorre quinzenalmente em Trairi, e

deixaram de ir para Itapipoca, na medida em que a feira daquele município foi se

81 Trata-se de uma tecnologia social que consiste na construção de pequenos barramentos dispersos nas pastagens e lavouras, de forma a recuperar áreas degradadas pelo escorrimento das águas de chuvas sobre solos compactados (enxurradas). São como pequenos açudes que captam a água da chuva e a mantém represada, forçando a infiltração no solo e recarregando, reservas subterrâneas. Com o barramento da água, ocorre o umedecimento da área e aumento do nível do lençol freático, favorecendo o desenvolvimento da agricultura familiar, dando condições para o plantio de hortas, pomares, canaviais, bosques, assim como a criação de pequenos animais. Informação disponível em: <http://www.fbb.org.br/acoes-tematicas/barraginhas/>- Acesso em: 03 de set. de 2012.

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fortalecendo. A feira de Trairi é mais próxima da casa dos agricultores, desta feita, os

agricultores diminuíram as despesas com transportes. Além das frutas e hortaliças como

alface, coentro, couve, cebolinha, tomate, pimentão, pimenta de cheiro, berinjela, maxixe,

quiabo, entre outras, são levados também para feira milho, ovos, bolos, grude, pé de moleque,

pamonha, galinha cozida e abatida e mel (a apicultura é outra fonte de renda da família).

Outro canal de comercialização é o mercado institucional. A partir de 2008, o

agricultor, por meio da associação de apicultores, começou a vender o mel para CONAB, mas

hoje, com a diversificação da produção, prefere comercializar a produção de mel “na porta de

casa” e na feira. Atualmente, entrega hortaliças, semanalmente, nas escolas atendendo à

demanda do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esses diferentes acessos ao

mercado ajudou a minimizar a dependência que mantinha com intermediários. Segundo

Raimundo, estes preferiam os produtos vindos da CEASA aos produzidos na região e “isso

colocava a gente lá pra baixo, cansei de trazer batata de volta”, conta. A experiência de

comercialização direta (feiras, pontos de venda, cooperativas, entre outros) reduz a distância

entre a produção e o consumidor, com isso os circuitos curtos locais são valorizados e

potencializados. A comercialização direta abriu caminho para que a família passasse a

valorizar sua produção e a organizasse conforme a demanda do mercado e necessidades da

família, conforme expressa Sr. Raimundo:

A gente não tinha muito aquele estímulo de trabalhar, porque não tinha onde vender, só o que eu fazia mais era farinha. Hoje, eu só não deixei de plantar macaxeira porque a Rosa faz o bolo e a gente vende na feira. Hoje, tem poucas pessoas para trabalhar nas farinhadas, porque a família é pouca. Antigamente, a gente fazia uma farinhada com o pessoal daqui de casa, mais os filhos começaram a sair de casa eu estou sozinho, as filhas trabalham e estudam.

Essa fala expressa as dificuldades diferenciadas na trajetória passada e presente

dos camponeses que são reveladoras de como reagem e resistem às conjunturas adversas a sua

reprodução. Nesse sentido, Ploeg (2010) lembra que os camponeses estão constantemente se

adaptando a novas conjunturas, sem que isso implique na descaracterização de sua condição

camponesa. Realmente, afirma Delgado (1995 apud SABOURIN, 2000, p. 2), ela “se adapta

às reconversões sucessivas e rápidas, responde às mudanças dos mercados e aos impulsos das

politicas publicas”. Mas questiona o autor: “Mas a quê custo, como, que tipo de remuneração

do capital, da força de trabalho e gerando que renda?”.

A família, na impossibilidade de continuar produzindo a farinha, como antes,

tanto pela redução da mão de obra familiar, quanto pelo baixo preço pago pelo produto,

devido à concorrência com as outras regiões, Sr. Raimundo e Dona Rosa passaram, então, a se

dedicar a outros cultivos e ao beneficiamento de produtos e subprodutos, mas não deixaram

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de produzir a farinha, ainda que em menor quantidade, para o autoconsumo e venda. Além do

valor monetário a farinha esta ligada aos laços culturais e a sociabilidade das famílias

camponesas dessa região.

Sr. Raimundo participa da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários há

seis anos e faz questão de não perder nenhuma reunião. Considera o espaço da Rede

importante para os agricultores, pois “conhecimento é tudo”. Leva para a Rede sua

experiência como presidente da associação da comunidade, a participação no sindicato e na

associação de apicultores do Trairi.

Sobre as políticas públicas destinadas ao meio rural, Sr. Raimundo Diniz

considera que, nos últimos anos, os agricultores passaram a ser valorizados. “Antigamente, as

pessoas tinham vergonha de ser agricultores, hoje o povo tem orgulho. Antigamente não tinha

valor de nada, hoje é diferente”. Perguntamos a Raimundo a que se deve essa mudança, ele

respondeu:

Porque hoje o governo incentiva mais os agricultores, porque toda a produção sai do agricultor, se não for o agricultor o mundo passa fome. Mesmo que a minha seja pouca, mas, pelo menos, tem pra alimentação da gente, não tem muito dinheiro no bolso, mas tem comida pra comer todo dia.

É oportuno, a partir dessa colocação, destacar que existe uma ausência histórica

de políticas públicas voltadas a esse segmento e que muitas das políticas existentes hoje

voltadas à agricultura família é fruto de muitas lutas, a exemplo daquelas iniciadas a partir da

segunda metade dos anos de 1950 e só alcançadas, no âmbito da luta por reforma agrária,

principalmente. A propagada modernização técnica da agricultura não beneficiou, como

registrado anteriormente, os camponeses. Tanto o crédito público quanto a assistência

técnica, na maioria das vezes, direcionou- se os proprietários rurais e as grandes empresas.

A participação de Sr. Raimundo e Dona Rosa na dinâmica sóciotecnica da rede de

inovação agroecológica (acesso a assessoria técnica, intercâmbios, formação, feira, entre

outros) levou o casal, pouco a pouco, a substituir as práticas convencionais e a reduzir o uso

de insumos externos, pela produção de alimentos de forma ecológica, aumentando, com isso,

a diversidade da produção antes restrita a mandioca, milho e feijão e, no caso das hortaliças,

restrita ao coentro e a cebolinha.

A troca de conhecimento despertou esse casal para as questões ecológicas, bem

como estimulou sua criatividade tanto para buscarem respostas aos problemas técnicos

enfrentados na unidade, como para o melhor aproveitamento dos recursos hídricos

disponíveis, uso dos insumos internos e proporcionando os primeiros passos para o redesenho

do agroecossistema. Levou-os, também, a se articularem com outros agricultores da região

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para a construção de estratégias e alternativas para enfrentarem os problemas comuns, por

exemplo, a comercialização. A necessidade de comercializarem a produção levou o casal a se

integrar ao mercado, mas, ao fazê-lo, não negaram sua condição camponesa, ao contrário, ela

foi fortalecida.

Processo semelhante ocorre com outro agricultor agroecológico e feirante, Sr.

Raimundo Patrício, que em seu depoimento destaca a diferença entre o espaço de

comercialização da Feira Agroecológica de Itapipoca com os demais. O que nos faz pensar

que o dilema do acesso ao mercado, especificamente, com a produção familiar de base

agroecológica não envolve só a questão dos produtos. O que está em jogo, conforme Schmitt

e Tygel (2009) são os processos de produção, as relações sociais , o beneficiamento, a

distribuição proveniente desse segmento. É nesse sentido que é preciso construir estratégias

ajustadas com as características da produção agroecológica (diversidade, sazonalidade,

capacidade de produção entre outros) e ao mesmo tempo ampliar o seu acesso às diversas

formas de comercialização (SCHMITT; TYGEL, 2009). Sr. Raimundo Patrício expõe bem a

especificidade dessa produção:

Olha, a feira agroecologia e solidaria que eu participo para mim foi o melhor espaço para comercialização que eu já pude encontrar, porque tudo que eu produzo eu já tenho certeza para onde vou levar e tenho certeza que eu vou vender, porque lá já tem os clientes que já chega diretamente procurando meus produtos, eu não levo produtos mais para estas feiras para voltar para casa com produto. Então a outra vantagem é de eu estar produzindo, eu mesmo produzo e eu mesmo comercializo, quando o consumidor chega para me comprar , eu sei a qualidade daquele produto, e sei repassar para ele a qualidade daquele produto e importância daquele produto, se surgir pergunta de algum cliente eu já estou respondendo a altura. A importância daquele produto, a importância para nossa feira é a maneira que a gente produz [...](grifo nosso).

O agricultor acrescenta outra questão a ser enfrentada pela agricultura de base

agroecologia, ou seja, a crescente demanda por produtos livres de agrotóxicos, ecológicos,

saudáveis entre outras denominações utilizadas no sendo comum para denominar esse tipo de

produção. Questionamos ainda se ele percebia alguma diferença entre os consumidores da

Feira Agroecológica da feira convencional:

Com certeza tem diferença, tem vários consumidores que já tem cobrado a gente muitas vezes porque a gente não esta levando nossos produtos todas as semanas ou uma vez por semana. Porque a gente tem, sente que tem consumidor que interessa usar diretamente no nosso produto e não consumido outro produto. O nosso que tem garantia que é um produto limpo então o que a gente diz para eles que é uma preocupação para a gente isso ai, mas a outra preocupação é que a gente tem que produzir lá na comunidade, tem que esta comercializando e nosso tempo é pouco. A ideia seria eu mesmo esta realizando esta feira semanalmente mas por conta do nosso tempo, pois somos poucos e a gente tem que esta na unidade de produção e tem que esta lá na feira.

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A resistência dessa e das demais experiências reside, ainda, no fato da gestão do

processo de trabalho permanecer familiar, os camponeses continuarem produzindo seus

próprios alimentos, gerando renda e oferecendo à sociedade novas formas de produzir no

campo, negando, por meio de suas práticas cotidianas, a racionalidade do agronegócio e,

porque não dizer, do próprio capital (CARVALHO, 2009).

5.1.4 “Mudou tudo, virou pelo avesso. Mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra, de

lidar com as pessoas”. - Experiência familiar de Graça Patrício, assentamento Novo Horizonte,

município de Tururu

Essa experiência é ilustrativa, articulada pela Rede de Agricultores

Agroecológicos e Solidários do Território, identificada pelo enfoque agroecológico. Dona

Graça Patrício e sua família que vivem há mais de quinze anos no Assentamento Novo

Horizonte, município de Tururu. Deixaram Itapipoca para se reunirem a outras famílias na

luta pela terra.

Dona Graça e o Sr. Zé Iranildo, seu esposo, trabalhavam como camelôs na feira

em Itapipoca antes de viverem no assentamento, sonhavam em ter um pedaço de terra onde

pudessem trabalhar. Dona Graça recorda o período em que viajavam em cima de um

caminhão para participar das feiras na região e pedia a Deus que lhe desse um pedaço de terra

onde pudesse produzir a sua própria comida. Naquele período, pelo mês de junho de 1997, um

rapaz que sabia da “movimentação” da família, disse: “Zé tu quer ir para o Tururu? Lá

ocuparam uma terra”.

Zé Iranildo, juntamente com Raimundo Patrício, irmão de Dona Graça, chegaram

ao acampamento em agosto. Naquele momento, enfrentaram resistência dos que já estavam lá,

pois a ocupação oficial havia ocorrido em 22 de julho, mês que a família esteve no hospital

acompanhando a mãe de Iranildo, internada com problemas saúde. Enfrentaram a hostilidade

do grupo e continuaram entre os acampados. Quando as cestas básicas do INCRA chegaram,

os dois observaram que havia cestas sobrando, então perceberam que o número informado ao

órgão não correspondia ao número de famílias que ali estavam. Foi aí que eles decidiram

permanecer. Entraram na área e prepararam a terra para plantar. Dona Graça explica o motivo

da resistência dos acampados e, ao fazê-lo, afirma sua condição camponesa através de seu

vínculo com a terra, recorrendo, por sua vez, à atividade no comércio para garantir condições

de vida para sua família:

Mesmo assim, sentimos muita resistência, principalmente, porque éramos da cidade, porque eles conheciam a gente lá de Itapipoca quando a gente trabalhava na feira. Só

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que, pela manhã, a gente tava lá na feira e a tarde trabalhava na agricultura, na terra de outras pessoas, fazendo canteiros. A gente nunca perdeu o vínculo com a agricultura, pois somos filhos de agricultores.

O casal tem sete filhos, dos quais, somente dois moram com eles e os demais

vivem em Itapipoca, Fortaleza e São Paulo. Nenhum, atualmente, trabalha diretamente na

agricultura, seguiram outros caminhos, “[...] tem um que é serralheiro, um que trabalha na

Receita Federal, duas na educação, outro trabalha na Ducoco (agroindústria) e um que é

mestre padeiro, o que faz o melhor pão da região. Aqui tem de tudo”, diz dona Graça.

A renda da família advém da aposentadoria do casal, da produção da agricultura e

da mercearia, onde funciona também a padaria de um de seus filhos. A família, hoje, vive em

uma boa casa, ampla e arejada, reformada há pouco tempo, possuem veículos e mantem um

padrão de vida confortável. Dona Graça mostra a cozinha onde prepara os bolos, galinhas e

produtos fitoterápicos que leva para feira quinzenalmente.

Chama atenção o envolvimento de Dona Graça, sua disposição em participar de

atividades coletivas, de se envolver com processos de organização. Assim, por exemplo, no

início do assentamento, a família, assim como as demais, se dedicava a produção coletiva de

mandioca, feijão e milho, embora fosse insuficiente para satisfação necessidades das famílias,

era uma atividade importante para a formação dos vínculos dentro do assentamento, explica

Graça. A produção que prevalecia era a familiar, onde se criava e plantava um pouco de tudo.

Entre as atividades coletivas que participou no assentamento, Dona Graça destaca

a coordenação da bodega coletiva, a participação do horto medicinal e, por último, a

experiência da Mandala, da qual participaram treze famílias. A partir dessas iniciativas, a

agricultora foi experimentando novas práticas, apoiadas pelo Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST) presente no assentamento desde o período de sua ocupação. Ela

explica que a horta não era completamente convencional, “porque toda vida a gente foi meio

contra os venenos e quando a gente chegou aqui o MST já chegou com a idéia das não

queimadas e já trabalhava com biofertilizantes, mas a gente usava algum veneno”, diz Graça.

Nesse período, Sr. Iranildo, seu esposo, participou de um curso no sindicato que orientava os

agricultores sobre os riscos do uso de agrotóxicos e estimulava o uso dos defensivos naturais.

Em 2005, quando Dona Graça trabalhava como agente sindical, recebeu o convite

para participar do curso de agentes multiplicadores em agroecologia promovido pelo CETRA.

No entanto, seu primeiro contato com esse enfoque ocorreu durante as capacitações realizadas

pelo MST. Ela comenta que “[...] a agroecologia que o MST trabalhava era muito pesada, era

difícil de resistir com ela. Na agroecologia que eu comecei não pode prender os porcos,

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castrar nenhum animal, é muito severa, ficava difícil, mas a gente ia seguindo algumas

coisas”. Uma das lições mais importantes que o MST deixou para agricultora foi a de que “na

agroecologia o respeito começa pela terra, pela mãe, aquela que lhe dá o sustento”. Mas foi

durante o curso de multiplicadores que Dona Graça começou a se “especializar”. Ela explica

que primeiro “[...] foi não queimar e ai vem puxando [...] eu aprendi a separar o lixo, que,

mesmo sem queimar as roças, eu queimava o lixo [...] o que eu posso aproveitar como a casca

do coco, o resto do milho, do feijão, casca do ovo, essas coisas vai para o adubo orgânico”.

Ao longo do curso foi experimentando novas técnicas estimuladas também pela

participação nos intercâmbios. Além de visitar as experiências na região, consideraimportante

conhecer a realidade dos agricultores de Tianguá e participar, no Crato, do VI Encontro

Nacional da ASA (ECONSA), onde teve a oportunidade de participar com demais

agricultores da região semiárida da feira de saberes e sabores.

Nesse momento de aproximação com a agroecologia, além do curso e dos

intercâmbios, Dona Graça destaca o papel dos mediadores82. Afirma que aprendeu com

muitos técnicos que passaram por sua área, mas um lhe marcou de forma especial, “o Narciso

me fez descobrir uma coisa que eu vivi na agricultura e não tinha visto: que a gente derruba

noventa qualidades de planta para plantar uma ou duas”. Chamou atenção da agricultora, a

forma como o técnico abordava os agricultores, de modo que aprendeu que não se pode

chegar à casa de um agricultor dizendo para ele não brocar. Então ela explica:

Eu não posso fazer isso porque vem de um processo muito grande. Ele nem sabe como fazer, mas eu posso chegar lá e pedir para ele não derrubar aquela árvore e dizer que ela vai acampar os passarinhos, ela vai servir para colocar sua cabaça d’água e descansar quando você for merendar e você pode vir para aqui debaixo. Então tudo isso foi coisa que eu aprendi com o Narciso.

Aproximadamente há dois anos, Dona Graça começou a reestruturar uma nova

área de trabalho, o quintal. Dois motivos contribuíram para a mudança: é mais próximo de

casa e o local tem água, medindo cerca de cento e sessenta metros de comprimento por vinte

de largura. Antes, esse espaço era ocupado pelo curral das vacas, pocilgas e cajueiros

gigantes, mas hoje, o quintal produtivo, como chama Dona Graça, está todo ocupado por

canteiros de hortaliças, plantas medicinais, fruteiras, flores e dois tanques, um para irrigação

da área e outro para criação de peixes. A estruturação do espaço contou com as economias da

82 Naquela ocasião MST prestava assessoria técnica ao assentamento, mas, em função de Dona Graça participar do curso, a equipe técnica do CETRA passou a fazer visitas periódicas a sua unidade familiar.

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família, principalmente da aposentadoria e dos rendimentos de Dona Graça quando esteve à

frente da Secretaria de Agricultura do Município de Tururu. Ela diz que foi uma longa

caminhada até chegar à situação em que vive hoje.

Figura 19 - Quintal Produtivo de Dona Graça Patricio

Fonte: A autora, pesquisa campo, quintal (esquerda) e viveiro de mudas (direita), (2012).

Quanto à assistência técnica, a agricultora considera insuficiente para atender à

demanda do assentamento, mas destaca, como aspecto positivo, o fato ter acesso à assessoria

do MST, cuja orientação é inspirada na agroecologia. Hoje, a prática das queimadas é evitada

e muitos agricultores passaram a fazer uso de matéria orgânica no preparo do solo, mas, de

modo geral, no assentamento prevalecem as práticas convencionais.

Figura 20 - Roçado (esquerda), tanque utilizado para irrigar o quintal (direita)

Fonte: A autora, pesquisa campo (2012)

A Feira Agroecologia e Solidária de Itapipoca foi um espaço que Dona Graça

ajudou a construir. Durante muitos anos, comercializou com sua família hortaliças, tapiocas,

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bolos, galinha cozida, mudas medicinais e produtos fitoterápicos. Nesse período, os filhos

ajudavam,“[...] Cristiane fazia os rótulos e embalagens, o Paulo Henrique ajudava nos bolos e

também ia vender, na época, eu levava arroz dos companheiros daqui e cheguei a apurar até

R$ 300,00 numa feira dentro de duas horas”. Contudo, sua experiência passou um período de

descontinuidade, voltando a participar, no presente, a partir da restruturação do quintal

produtivo. Sua fala expressa preocupação com a manutenção desse espaço conquistado pelos

agricultores. Nesse sentido, ressalta a responsabilidade dos agricultores com a produção

destinada a comercialização. Assinala que a feira para ela “é uma prioridade. A feira só existe

se tiver consumidor, só tem consumidor se tiver produtos”, chama ainda atenção para os

companheiros que vendem os produtos na comunidade deixando de atender os consumidores

da feira. Para ela, quem se propõe a participar da feira tem que planejar sua produção, “[...] eu

tenho dias de produzir o ovo para vender na feira. Domingo que passou, eu comecei a juntar o

ovo pra levar”.

Essa discussão é recorrente durante as reuniões dos feirantes, como observamos

durante a pesquisa de campo e a partir de nossa experiência acompanhando esse grupo. Nas

reuniões são discutidas questões relacionadas à apresentação dos produtos, à abordagem feita

junto ao consumidor, aos preços cobrados, às dificuldades enfrentadas, cotidianamente, pelos

agricultores na produção, seja pela dificuldade de acesso à água durante os períodos mais

secos do ano, seja pela presença de pragas que comprometem a produção. Também são

abordadas questões ligadas à operacionalização da feira, como a arrecadação do fundo de

manutenção da feira83, que é cobrado de cada feirante, a pintura e limpeza das barracas, o

som, as balança, o transporte e o empréstimo das barracas, quando solicitadas pelas

comunidades, associações e sindicatos.

A importância da Feira Agroecológica é ressaltada por essa agricultora, que já

participou de outras feiras tradicionais, ao afirmar que a Feira Agroecológica se diferencia das

demais. Considera que além dos produtos frescos, produzidos na região e comprados

diretamente dos agricultores, “os consumidores encontram também amor, alegria, saberes e

sabores”. Além do aspecto econômico, essencial para garantir a reprodução socioeconômica

das famílias, princípios como solidariedade, respeito ao meio ambiente e a diversidade

83 Todos os feirantes que comercializam na Feira Agroecológica e Solidária contribui monetariamente, a cada dia de feira, como fundo de manutenção. Trata-se de um valor mínimo, que, atualmente, é de R$ 3,00, destinado a cobrir despesas com recuperação de barracas, balança, equipamento de som, dentre outros equipamentos ou materiais necessários à realização da feira. Fica isento do pagamento aquele feirante que obtiver um resultado nas vendas inferior ao seu gasto com deslocamento

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cultural fazem com que os agricultores lutem pela conservação desse espaço por eles

legitimado.

Figura 21 - Reunião da rede

Fonte: A autora, pesquisa campo- discussão em grupos sobre o Fundo Rotativo (2012).

5.1.5 “Minha sobrevivência eu tiro da terra”. - Experiência da Dona Rita, comunidade Cemoaba,

município de Tururu

A experiência de Dona Rita84 ilustra que o processo de ecologização das

práticas agrárias articuladas a dinâmicas territoriais de ação coletiva, representa o motor do

processo de transição agroecológica. Ainda que a princípio a transição agroecológica dependa

das ações isoladas dos agricultores, sobretudo, em relação à mudança nas práticas produtivas,

sua consolidação gera a necessidade de abordar de forma coletiva os desafios que se

estabelecem ao longo do caminho (COSTABEBER e MOYANO, 2009).

Dona Rita é natural de Santana do Acaraú, município localizado na região norte

do estado do Ceará, chegou à comunidade de Cemoaba em 1981, atraída pela extração da

palha de carnaúba, principal fonte de renda da região à época. Em seguida, conseguiu comprar

uma pequena propriedade de 0,5 hectare onde vive até hoje, sendo que, ao longo dos anos, a

agricultora conseguiu ampliar a área, por meio da compra de terra.

Com a agricultura criou seus sete filhos, dos quais dois moram em Fortaleza e

cinco na comunidade e também se dedicam a agricultura. Combinado o trabalho de

84 A entrevista com Dona Rita foi realizada em dois momentos, um durante a feira no Tururu e o outro em sua unidade familiar. Também conversamos com a agricultora na Feira Agroecológica e Solidária em Itapipoca.

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professora85com o de agricultora, criou e educou, sozinha, os filhos, o que para ela não foi

nada fácil, assim como não foi fácil conciliar as duas profissões. Solicitava ao pessoal da

escola para lhe deixar trabalhar no horário da tarde, pois assim poderia se dedicar às

atividades de casa e da agricultura. Diz que era uma correria, apesar de sempre contar com a

ajuda dos filhos.

O salário de professora, ainda que pouco, reconhece Dona Rita, tem e teve um

papel importante na estratégia econômica da família, principalmente no período em que seus

filhos eram crianças. No entanto, não esconde sua preferência quando diz “[...] eu sou

professora, amo minha profissão, [mas] minha sobrevivência eu tiro da terra, o salário de

professor é um complemento. Eu sou agricultora porque sem ela [a terra] eu não vivo”. Em

outro momento acrescenta “[...] eu amo ser agricultora. O agricultor tem que ser respeitado

porque é a profissão mais importante no mundo, porque é onde você produz comida e sem

comida o mundo não vive”.

A aproximação de Dona Rita com as práticas ecológicas ocorreu por intermédio

de seu filho Regilandio, quando este fazia o segundo grau, atualmente o ensino médio. Em

2003, “período que Lula entrou no governo”, conta, a escola incentivou os alunos a escrever

propostas para serem enviadas a Brasília, tendo como mote “Vamos construir o país juntos”.

Regilandio, após fazer algumas pesquisas com a colaboração de uma assessora do SENAR86,

que na época facilitava um curso sobre cooperativismo na comunidade, elaborou uma

proposta de como trabalhar na agricultura sem destruir a natureza. Essa proposta foi aprovada

e possibilitou que o filho de Rita fosse à Brasília debater com outros jovens a questão do meio

ambiente. Retornou para casa cheio de ideias. Nesse período, mãe e filho entraram em conato

com a Fundação Konrad Adenauer, pois sabiam que a entidade apoiava projetos ligados à

agricultura família e à agroecologia na região.

Começaram, então, os trabalhos de conscientização junto à comunidade. No

início, a comunidade rejeitou a proposta de não fazer uso de queimadas e inseticidas, práticas

comuns na região, especialmente nas áreas de cultivo do caju, que se constitui como principal

fonte de renda juntamente com a mandioca, que é, prioritariamente, destinada à produção de

farinha. Aos poucos, alguns agricultores aderiram às práticas agroecológicas, primeiro

abandonando a prática das queimadas e substituído o uso de inseticidas por compostos

85 Dona Rita trabalha na rede municipal de educação do município, mas atualmente esta afastada das atividades em sala de aula em função de um problema nas cordas vocais. Enquanto aguarda a aposentadoria, exerce, temporariamente, outra função na escola. 86 Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).

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orgânicos a base de folhas dos cajueiros. Dona Rita explica que “[...] hoje eles poupam o

cajueiro, plantam as folhas em baixo do cajueiro. A gente já chegou à conclusão que se ficar

tirando toda a força, a terra vai perdendo a utilidade dela e o cajueiro não vai mais produzir,

porque não tem o que ele tirar da terra”.

Atualmente, Dona Rita trabalha em uma área de cerca de 12ha e já acessou o

Pronaf C87 para realizar o plantio do cajueiro anão precoce. Produz milho, feijão, caju,

mandioca, macaxeira, batata, jerimum, hortaliças em geral, frutas, peixe e ovinos. A área

produtiva está subdividida em quintal, onde são criadas galinhas, patos, ovelhas, porcos e,

ainda foi construído um tanque para a criação de peixes; a segunda área, pertencente à

associação, lá foi implantada uma mandala por meio de um projeto apoiado pela Secretaria de

DesenvolvimentoAgrário do Estado, onde são cultivadas hortaliças, banana, melão, melancia,

maracujá e plantas medicinais; a terceira localiza-se na comunidade Batata e é reservada para

as roças de milho e feijão e os cajueiros.

Desde que Dona Rita começou a incorporar, gradualmente, novas formas de

manejo às práticas cotidianas, algumas mudanças foram percebidas, sendo que a primeira

refere-se, mais precisamente à relação com a natureza. No princípio queimava, brocava e não

tinha nenhuma preocupação com o destino do lixo. Depois de 2003, passou a se questionar

como iria produzir sem o uso dessas práticas e, pouco a pouco, começou a abandonar as

queimadas, a selecionar a matéria orgânica do lixo e aproveitar “[...] os garranchos usados na

poda dos cajueiros. Deixa ali uns três anos, os cupins comem, depois ficam só aqueles

pedacinhos e fica muito bom para adubar. É impressionante o valor daquela madeira que a

gente nem imagina”. Dona Rita também passou a fazer uso compostagem e logo percebeu que

a área desertificada na qual trabalhavam, começou a reagir positivamente num curto período

de tempo. O uso das práticas de manejo dos agoecossitemas tem sido uma das estratégias

utilizadas pelos mediadores (técnicos e instituições) para estimular os agricultores envolvidos

em processo de transição agroecológica no território. Para a agricultora, a adoçãodas práticas

de manejo e conservação da fertilidade do solo ajudou a minimizar os efeitos da estiagem,

conforme afirma:

8787 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Este programa dispõe de linhas de crédito específicas, com vistas a atender às características do público a que é dirigida. O PRONAF Custeio (PRONAF “C”) é destinado ao financiamento das atividades agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização e comercialização da produção própria ou de terceiros, desde que sejam agricultores familiares que atendam aos critérios do programa. Informações disponíveis em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/pronaf > Acesso em: 03 de set. 2012.

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[...] num ano como esse não dava nada. Essa história de fazer compostagem deixa a terra úmida por mais tempo, aí a gente consegue produzir alguma coisa. Onde a gente não colocou a compostagem é impressionante, não tem nada. No meu roçado, onde a gente enterrou o mato, o milho é uma beleza. Em todo o canto é todo enroladinho, mas lá deu diferente, está bem verdinho. A água fica retida por mais tempo nessa área.

À medida que foi incorporando as práticas e os princípios da agroecologia, Dona

Rita passou a produzir mais em uma área menor. “Antigamente a gente trabalhava com um

monte de terra para produzir o que eu produzo hoje com um hectare [...], naquela época, eu

trabalhava em uma terra que não estava enriquecida e produzia pouco”.

A adoção de práticas de convivência com o semiárido associada ao manejo do

agroecossistema baseado nos princípios da agroecologia tem elevado a produtividade das

unidades familiares camponesas. Produz-se mais e com maior diversificação, em um menor

espaço, como se verifica no depoimento de Zé Júlio, assentado da Várzea do Mundaú,

município de Trairi, que há mais de dez anos pratica agroecologia:

Hoje é consorciado, não é mais um hectare de uma cultura só, trabalho menos para produzir mais. Passei a produzir outras culturas e arranjei outras fontes de renda a partir da agroecologia. Passei a lidar com a abelha. Para criar abelha você tem que cuidar do meio ambiente. Você não pode usar veneno, pois, além de acabar com as abelhas, você acaba com meio ambiente [...] Minha produção não é grande, mas é média. A gente planta várias plantas: a banana, o mamão, a laranja, o pepino, limão, a cebola, alface, o coentro, a pimenta, hortelã, o capim santo, o quiabo. Tudo isso existe onde não existia, nem conhecia, só ouvia falar. A grande mudança que a gente teve com a agroecologia foi isso aí.

Em sistemas agrícolas em que se intensifica a diversificação, como os que

estamos estudando, onde os agricultores combinam a produção de grãos, frutas, hortaliças e

produtos animais tendem a superar, de acordo com Altieri (2012), os rendimentos por unidade

de produção obtida com o plantio de uma única cultura em grandes propriedades. Uma grande

propriedade pode produzir mais milho por hectare do que uma propriedade menor, mas o

milho é apenas um dos produtos do consórcio, que também inclui feijão, jerimum, batata,

macaxeira. “A relação inversa entre o tamanho da propriedade rural e a produção pode ser

atribuída a um uso mais eficiente da terra, água, biodiversidade e outros recursos por parte dos

pequenos produtores” (ALTIERI, 2012, p. 371). Portanto, para o autor, áreas que apresentam

maior nível de diversificação, produzem mais alimentos, exibem maiores rendimentos quando

comparadas às áreas convencionais e o fazem com um menor impacto ao meio ambiente. De

modo que, os camponeses tendo acesso a uma base de recursos, à terra e às inovações técnico-

cientificas apropriadas quando associam esses fatores a força de trabalho familiar, são capazes

de garantir não somente a produção e a reprodução social de suas famílias, mas também

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propiciar a oferta de alimentos para a sociedade brasileira, como inúmeras pesquisas vem

demonstrando (CARVALHO, 2009).

Figura 22 - Quintal produtivo de Dona Rita

Fonte: A autora, pesquisa de campo, criação de pequenos animais (2012). Figura 23 - Tecnologia social (Mandala) dotada na unidade produtiva de Dona Rita

Fonte: A autora, pesquisa de campo, produção diversificada, hortaliças, frutas, plantas medicinais (2012).

A aproximação com a comercialização nas feiras ocorreu em 2010, com a

participação de Dona Rita, inicialmente na Feira Agroecológica em Fortaleza, a convite do

Instituto Sesemar88 que assessorava grupos de agricultores do território no processo de

comercialização e, posteriormente, com o convite de Dona Graça Patrício, da Feira

88 O INSTITUTO SESEMAR é uma organização não-governamental, com atuação no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Desenvolve trabalhos de assessoria técnica nas áreas de desenvolvimento territorial, juventude, comercialização, dentre outras temáticas.

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Agroecológica e Solidária de Itapipoca. Daí em diante, passou a comercializar nesse espaço.

Na barraca da agricultora encontramos bolos típicos da região, galinha caipira, tapioca, frutas,

macaxeira, pimentão, tomate, cheiro verde e artesanato feito a partir de garrafas pet. Dona

Rita diz que “a renda gerada na feira é importante, mas o espaço para divulgar a produção

agroecológica, esse não tem preço”. Como se vê, a agroecologia associada a um modo de vida

e não apenas a uma atividade lucrativa tem tido muito peso nos depoimentos colhidos. A

comercialização na feira lhe aproximou da Rede de Agricultores Agroecológicos. Trata-se,

segundo suas palavras, “de um espaço que dá suporte aos agricultores que estão dando seus

primeiros passos na agroecologia”.

Com o apoio do CETRA, a Rede tem viabilizado intercâmbios entre os

agricultores, principalmente entre aqueles que estão envolvidos em processo comercialização.

Uma vez por mês, é realizado um intercâmbio na unidade produtiva dos agricultores que

participam da feira, além de conhecerem de perto a produção, trocarem ideias, sementes e

organizam, eventualmente, junto como os técnicos a demonstração de práticas de manejo,

produção de biofertilizantes ou outras demandadas trazidas pelo grupo.

Figura 24 - Visita de intercâmbio em quintal produtivo

Fonte: A autora, pesquisa de campo, quintal produtivo Dona Graça Patricio (2012).

O intercâmbio é, comprovadamente, uma importante estratégia metodológica para

o processo de transição agroecológica. Foi durante as visitas de intercâmbios que Dona Rita

teve acesso às técnicas de manejo e às práticas produtivas que hoje utiliza.

Nos intercâmbios a gente aprende muito. Cada pessoa tem uma maneira diferente de trabalhar e uma enriquece [a outra], eu contribuo mais e eles contribuem mais com o meu trabalho. Como é que se faz melhor? Como é que eu posso economizar mais água? É uma troca mesmo. É maravilhoso. Toda última sexta feira do mês, a gente da feira conhece uma experiência diferente.

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Outro aspecto abordado por essa agricultora refere-se às dificuldades relacionadas

à assistência técnica, quando afirma que o acesso à assistência técnica sistemática é uma das

dificuldades enfrentada pelos agricultores, principalmente entre aqueles em transição. Ela

explica, “[...] nós estamos num processo novo, a gente está engatinhando”. A troca de

experiências entre agricultores e técnicos durante as vistas de intercâmbios, como pudemos

observar no depoimento de Dona Rita, tem, muitas vezes, substituído a assessoria técnica

realizada, pontualmente, pelo órgão governamental de assistência técnica (Ematerce) na

comunidade.

Quanto à organização da Rede, essa entrevistada avalia que a coordenação, hoje

composta por três agricultores, está muito distante do grupo. Entende que, “a coordenação

tem que estar presente para dar força à gente, a gente dar força a eles e eles dar força à gente”.

Avalia também que a execução das ações da Rede está concentrada na entidade que dá apoio

a ela, nesse sentido, a Rede deixa muito a desejar “[...] eu nem sei como vou dizer isso pro

povo, mas eu vou dizer”. Avaliação semelhante também foi realizada por Zeza, José Júlio,

Mirtes, Dona Graça que levantam questões relacionadas à autonomia, ainda que relativa, e ao

empoderamento dos agricultores, essenciais para construção de uma gestão participativa desse

espaço irradiador de experiência agroecológicas no território. Essa não é uma questão

simples, remonta à importância de tematizar a mediação social (mediadores e mediados) nos

processo de desenvolvimento rural, ainda que não seja possível fazer essa discussão nesse

estudo, Sabourin (2000) nos ajuda a entender que a questão da autonomia, assim como da

viabilidade economia e técnica da agricultura familiar camponesa e, especificamente de base

ecológica, não pode ser visualizada somente do ponto de vista da produção e do mercado.

Para uma análise crítica, há de ser levada em conta a organização social na qual essas

experiências encontram-se estruturadas, bem como os aspectos produtivos e técnicos que

envolvem essas práticas.

Dona Rita, atualmente, é presidente da associação de moradores da comunidade,

organização que ajudou a criar logo quando chegou a Cemoaba. Muitos projetos foram

conquistados com o trabalho da associação, mas teve um período anterior a sua gestão que

associação caiu em descrédito devido à má gestão dos recursos, fato este que afastou muito os

associados. Nesse período mais difícil, Dona Rita continuava representando a comunidade nas

reuniões junto a EMATERCE e ao Sindicato.

A partir destes depoimentos, identificamos que os agricultores, antes de darem

início à prática de uma agricultura feita com base em princípios agroecológicos, já tinham

vínculos com processos de organização junto aos movimentos sociais de luta pela terra, as

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associações comunitárias, grupos ligados à igreja, sindicatos e movimentos de mulheres

trabalhadoras rurais, formas de organização e mobilização social forjadas para garantir a

produção e a reprodução da agricultura familiar camponesa no território. Dona Graça, assim

como observamos em outros depoimentos, explica a dificuldade de trazer agricultores para

“esse movimento da agroecologia”, afirmando que “[...] a gente consegue trazer aquelas

pessoas que já têm um vínculo com a organização, assim como a gente trouxe a Dona Rita e a

comadre Francisquinha”.

Ao mesmo tempo, essas experiências funcionam como irradiadores de inovação

local. Dona Fátima (Fafá), representante do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais

(MMTR) e agricultora agroecológica, diz que, primeiro sua família e, em segundo lugar, a

comunidade sempre resistiram à prática de uma agricultura com base na agroecologia.

Participavam das capacitações e das reuniões realizadas pelo CETRA, mas continuavam

brocando, queimando, usando agrotóxicos e, depois, abandonando a terra que não dava mais

nada.

No que tange ao envolvimento das mulheres no processo de transição

agroecológica, Dona Fátima assinala que, em 2012, as coisas começaram a mudar, visto que o

CETRA, por meio de uma chamada pública direcionada às mulheres (ATER- Mulher),

começou a desenvolver atividades com o grupo de mulheres e adotou os quintais produtivos,

como ponto de partida para esse trabalho. Foi nesse momento que a experiência de Fafá

começou a dialogar com as demais. Ela diz que hoje “[...] sempre tem alguém que vem pegar

alguma muda aqui no meu quintal, perguntar alguma coisa. O grupo de nove mulheres já

começou a diversificar o quintal. O espaço é pequeno, mas, se você chega lá, tem o urucum, a

acerola, coqueiro, banana”. O problema agora, explicou a agricultora, é que o projeto que

garante o acesso à assistência técnica para as mulheres acabou e não se sabe se a entidade que

acompanha a comunidade ganhará uma nova chamada para dar continuidade ao trabalho

iniciado ou será outra entidade.

A dificuldade de acesso e a descontinuidade das ações de assistência técnica

foram apontadas, durante a pesquisa, como um dos principais problemas enfrentados pelas

famílias agricultoras, sejam elas assentadas por programas de reforma agrária ou não, sendo

estas últimas de modo mais acentuado. O corte no orçamento e a burocratização dos

convênios e chamada públicas, como observado, impossibilitam a realização de ações

sistemáticas das equipes de assessoria técnica, o que leva a interrupção dos trabalhos de

campo, provocando desestimulo por parte dos agricultores e dos profissionais envolvidos

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nessas atividades, condições que favorecem tanto a rotatividade destes, quanto a criação de

obstáculos ao planejamento e à execução de projetos no médio e longo prazo.

Essa questão aponta para o fato de que as políticas públicas voltadas para esse

segmento não são estruturantes, ainda que tenha havido avanços, estes não passam de

políticas emergenciais, fragmentadas e focalistas que atendem aos interesses imediatos do

neoliberalismo, assim, incapazes de modificar as condições de vida daqueles que vivem e

trabalham no campo, em particular, dos que vivem no semiárido.

Para Molina (2009), um dos problemas enfrentados pelas experiências inspiradas

na agroecologia é que elas estão confinadas à esfera local. Isso porque a estratégia teórica e

metodológica adotadas pelos mediadores (universidades, agentes governamentais, Ong´s e

outras organizações da sociedade civil) gira em torno dos próprios agricultores, da produção

agrícola e da comunidade local. Para o autor, não se pode confundir métodos com objetivos.

As ações centram-se mais nos aspectos técnicos e práticos e esquecendo-se dos sociais e

políticos. As experiências não podem ser condenadas a se converterem, segundo Molina

(2009, p. 55), baseado em Altieri e Rosset, em “ilhas de êxito em um mar de privação,

pobreza e degradação ambiental”.

A realização de um processo de transição agroecológica, somente será possível se

ações na esfera local, desenvolvidas no cotidiano pelos pequenos grupos, comunidades ou

famílias isoladas, entrarem em sintonia com projetos estruturantes (ARAÚJO, 2009).

Nesse sentido, é preciso transformar a agroecologia em uma força política capaz

de enfrentar o agronegócio. Se por um lado o discurso do governo tenta fazer a conciliação

entre os interesses do agronegócio e da agricultura familiar, por outro os movimento sociais,

que não foram silenciados, gritam por todos os cantos que o agronegócio é um entrave para a

construção de um projeto sustentável de desenvolvimento para o país. Na perspectiva de

Delgado (2010, p. 106), isso só é possível, a partir de uma proposta que enfrente a questão

agrária atual e desmonte as condições que hoje garantem a hegemonia do agronegócio, quais

sejam: “(1) frouxidão da política fundiária; (2) restrição à expansão da demanda interna do

conjunto da economia; (3) restrição à incorporação da massa de trabalhadores do setor de

subsistência ao projeto rural”. Contudo, acrescenta autor, o atual arranjo da politica

econômica nacional e internacional bloqueia a superação dessas restrições, impedindo,

portanto, a construção de uma política de desenvolvimento nacional. Nesse contexto, o

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grande contingente de camponeses que compõe o setor subsistência89 apenas poderá

progredir, nos termos de Delgado, a partir de outra concepção de desenvolvimento, isso

implica “necessariamente de desbloquear essa rede de restrições. Sem isso, não será viável um

projeto de desenvolvimento autônomo” (DELGADO, 2010, p. 98).

Quanto ao nosso objeto de estudo, Moreira90 (2010) entende que uso de práticas

agroecológicas não têm levado os agricultores a um processo de “emancipação”. Nesse

sentido, critica aquelas formulações que não problematizam as formas sociais na ordem

capitalista, bem como, os seus processos de acumulação e as estruturas de poder na qual se

inserem. Os processos emancipatórios, acrescenta o autor, envolvem dimensões sociopolíticas

para além das dimensões técnicas e científicas da agroecologia.

Com efeito, verificamos que os agricultores e agricultoras inseridos na dinâmica

da Rede se apropriaram dos princípios da agroecologia a partir de suas práticas produtivas

cotidianas. Nesse âmbito, destacam-se os seguintes avanços: diversificação da produção

mediada pela discussão do uso de práticas e tecnologias adequadas às condições hídricas do

semiárido e da disponibilidade de água em cada agroecossistema manejado pelas famílias

agricultoras; diversificação dos agoecossitemas (roçados, quintais, hortas, pomares, apiários,

pequenos animais, casa de farinha, entre outros); adoção de práticas de conservação e manejo

do solo (adubação verde, cobertura morta, rotação de culturas, consórcio entre outras);

utilização de bioprotetores e biofertilizantes (manipueira, cinza oriundas dos fogões a lenha,

fumo de rolo, gergelim, infusões com plantas repelentes – fumo, pimenta, nim); maior

entendimento sobre a importância das matas ciliares e espécies nativas para o equilíbrio e

manutenção do ecossistema e associadas a crescente preocupação com a preservação das

sementes crioulas, esse movimento que é antes de tudo político, de resistência. Através das

diversas iniciativas entorno da agroecologia, os camponeses passam crescentemente a tomar

89 Entende-se por setor de subsistência, nas palavras de Delgado, “[...] o conjunto de atividades econômicas e relações de trabalho não assalariado no meio rural que proporcionam meios de subsistência a parte expressiva da população rural” (2010, p. 96). 90Nesse artigo o autor faz um apanhado dos trabalhos realizados no âmbito do Programa do CPDA que discutem as temáticas relacionadas à questão ambiental, agricultura familiar e agroecologia. Trás questões relevantes para a discussão, especialmente, ao questionar que “boa parte do conhecimento visto pelo discurso agroecológico como “tradicional” foi gerado a partir de vivencias dos “agricultores livres”, da ordem escravocrata [...] dos “colonos do sul” [...] dos “moradores de favor”[...] dos “colonos do café”. [Para Moreira] Tal conhecimento “tradicional” é valorizado, sem critica, como matriz cultural fundadora das formas sociais agroecológicas no Brasil” (2010, p. 153). Nesses termos, a convenção da agricultura convencional para a agricultura “tradicional”, de acordo com o autor, precisa ser melhor qualificada.

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para si essa luta como forma de garantir maior autonomia. Cabe registrar que eles exercem

historicamente o papel de guardiões das sementes, guardiões da vida.

Ao lado desses avanços técnicos, verificamos, de modo geral, uma fragilidade na

discussão política da agroecologia entre os agricultores (individual) e na rede sociotécnica de

inovação, consolidada pelos agricultores e agricultoras como espaço de irradiação de

conhecimento, formação e organização social. Com base no referencial teórico utilizado,

entendemos que a difusão da agroecologia depende cada vez mais do grau de consciência,

mobilização social e estratégias de poder construídos coletivamente por agricultores e

agricultoras. Nesse sentido, faz-se necessário que as Redes sociotécnicas e politicas

extrapolem os limites das próprias experiências e possam desenvolve-se como agentes

políticos de modo a influenciar junto a outros sujeitos coletivos a construção de um projeto de

desenvolvimento em escalas que vão desde o local até o nacional inspirados nas experiências

de inovação da agricultura familiar camponesa de base agroecológica.

Como observamos nas experiências estudadas, o ponto de partida para o processo

de transição agroecológica não são sistemas modernos dependentes de insumos, mas manejos

que se aproximam dos sistemas tradicionais, onde os agricultores ainda enfrentam problemas

de acesso a terra, à água, a recursos técnicos, acesso ao mercado e a uma diversidade de

políticas públicas garantidoras da permanência no meio rural com qualidade de vida.

Associado a estas determinações objetivas também encontramos nos depoimentos

motivações subjetivas para a adoção de novas práticas baseadas na agroecologia. Elas dizem

respeito à produção de alimentos livre de agrotóxicos e mais saudáveis, à preocupação com a

conservação e preservação da biodiversidade, o que tem sido acompanhado de uma

consciência coletiva em relação às questões socioambientais, exercendo papel fundamental no

fortalecimento da identidade dos agricultores, como sujeitos sociais. Nessa perspectiva, é

expressivo o depoimento de Dona Graça quando se refere à amplitude das mudanças:

Mudou tudo, virou pelo avesso, mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra, de plantar [...] Mudou a maneira de lidar com as pessoas, aceitar as pessoas com elas são e não como eu quero que elas sejam. O amor aos animais, o respeito aos animais, o tratamento com as águas. Mas dentro de tudo isso vem o sofrimento, porque eu me revolto com o lixo nos rios, eu me revolto com as queimadas, eu me revolto com quem esta matando os passarinhos, com quem pega os passarinhos para vender. Você se sente bem por um lado, mas, por outro, você se revolta. Hoje, antes de tacar o pé no besouro, eu sei que ele tem um trabalho a fazer, ele faz a polinização das flores, então assim mudou tudo, tudo, tudo.

A análise da realidade empírica, a partir da pesquisa de campo, também permitiu

que observássemos mudanças no hábito alimentar das famílias, que passaram a consumir

maisfrutas e hortaliças, à medida em que passaram a diversificar sua produção de hortifrútis,

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ao lado da criação de pequenos animais, sobretudo ovinos, caprinos e galinhas. O

fortalecimento do autoconsumo das famílias camponesas têm sido uma das principais

estratégias de convensão para sistemas agroecológicos. Entende-se que produzir parte da

demanda alimentar está relacionado à segurança alimentar das famílias camponesas e, ao

mesmo tempo, permite diminuir os gastos com alimentação, condição que provoca numa

autonomia produtiva e reprodutiva, além de manter interno o controle do processo produtivo

(SCHNEIDER; GAZOLLA, 2007).

A diversificação da produção além de atender o autoconsumo, também se destaca

como uma estratégia socioeconômica, pois o excedente, juntamente com os produtos

beneficiados nas unidades familiares é destinado à comercialização nas próprias comunidades,

no mercado local, feiras agroecológicas e mercado institucional. As mudanças entre aqueles

agricultores que já comercializavam sua produção, antes mesmo de adotar às práticas

agroecológicas, correspondem à relativa diversidade de produtos hoje disponibilizados ao

autoconsumo e mercado.

Em relação à inserção dos produtos agroecológicos no mercado, as feiras

agroecológicas cumprem um importante papel. Os chamados “circuitos curtos de

comercialização” de acordo com os agricultores apresentam as seguintes vantagens: diminui

as despesas com transporte e logísticas, elimina a presença dos atravessadores e aproxima os

agricultores dos consumidores. Essa relação foi bastante evidenciada pelos agricultores -

feirantes. Nesse sentido, destacamos o trabalho político pedagógico realizado pelos

agricultores quando, durante a comercialização, fazem questão de explicar como são

produzidos aqueles alimentos e em que condições, isto é, pela família, sem agrotóxico,

saudáveis e sem poluir a natureza, “bom para quem produz e para quem consome”, como

explica Mirtes, agricultora agroecológica e feirante do Município de Apuiarés.

Ao mesmo tempo, os agricultores passaram a se preocupar com o aumento e a

continuidade da produção a fim de atender uma demanda crescente do mercado. No ponto

vista da unidade familiar, as condições e estratégias variam bastante, desde o tamanho da área,

acesso e a disponibilidade de água, insumos, mão de obra familiar, crédito, recursos técnicos

entre outros. A dinâmica de comercialização das feiras se diferencia daquelas praticadas pelas

famílias no âmbito das comunidades (vizinhança), requerendo um planejamento produtivo das

unidades familiares para que possam garantir o abastecimento dos espaços ocupados, quer

sejam as feiras e/ou os programas institucionais como o PAA e PNAE.

O acesso dos agricultores a esses programas não foi suficientemente aprofundado

nas entrevistas. Das informações que colhemos, podemos destacar que os agricultores

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consideram os programas como formas complementares de comercialização relativamente as

já praticadas. Contudo, entre os que acessaram os programas alguns apontam o atraso no

pagamento dos produtos como uma dificuldade. Já os agricultores que não acessaram esses

programas não o fizeram por receio de não ter condições de cumprir com o compromisso

firmado.

A comercialização é um dos desafios enfrentados pelos agricultores e agricultoras,

não é raro verificarmos a desistência de alguns agricultores, justificando ou que o mercado é

restrito e impõe condicionantes que os agricultores familiares em sua totalidade ainda não

conseguem cumprir91, ou que não têm produção suficiente para atender a demanda dos

programas institucionais. Cabe lembrar que estamos abordando um repertório de experiências

cuja diversidade produtiva muitas vezes entra em choque com especialização imposta pelo

mercado. Nesse sentido, a assistência técnica é fundamental para a transição agroecológica,

principalmente quando seus processos, métodos e técnicas estão de acordo comàs estratégias

de reprodução socioeconômicas e de manejos dos recursos naturaisencontrados

cotidianamente pelos agricultores e agricultoras.

Nesse sentido, a articulação em Rede foi uma estratégia fomentada pela entidade

mediadora no sentido de estimular a troca de experiências e o debate no âmbito da

agroecologia, da socioeconômica solidária e da convivência com o semiárido, construída e

apropriada pelos agricultores agroecológicos, experimentadores, multiplicadores entre tantas

dimensões constitutivas das identidades sociais que se forja nesse processo.

A Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários cumpre um importante papel

no espaço de aprendizagem social do território na medida em que promove o encontro de

diversas experiências no campo da inovação nas práticas de manejo dos agroecossistemas e da

gestão coletiva dos recursos naturais. Dentre essas experiências articuladas pela Rede,

destacam-se as hortas orgânicas, quintais produtivos, sistemas agroflorestais, resgate e uso de

sementes crioulas, o cultivo das plantas medicinais, fundos rotativos, feiras agroecológicas,

experiências que articulam relações sociais e técnicas, “motor” da agroecologia. As

mudançasverificadas a partir da proposição agroecológica no cotidiano das famílias

agricultoras são reveladas na produção para o autoconsumo sem resíduos de agrotóxico,

diversificação da produção, segurança alimentar, fortalecimento da base de recurso,

diversificação da renda, fortalecimento das relações com a coletividade de agricultores e

91 A exigência da certificação dos produtos, regularidade e volume da produção são exemplos citados como fatores limitantes para o acesso ao mercado pelos agricultores familiares.

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outros atores sociais do território, na redução da dependência e ampliação da autonomia

(FERRARI, 2010).

Não obstante, identifica-se uma ameaça a esse processo quando os agricultores

são unicamente responsabilizados pelo processo de transformação dos seus sistemas

produtivos com a adoção de práticas agroecológicas, como se não dependessem de um

conjunto de fatores externos aos próprios grupos. É determinante, portanto, compreender que,

na maioria das vezes, os agricultores estão inseridos em contextos de privações ou em um

ambiente de hostilidades nos termos de Ploeg (2009) - com pouca ou nenhuma terra,

descapitalizados, com dívidas, sem assistência técnica, sem acesso a crédito. Além da falta

desses recursos para investir na inovação ou para exporem-se aos riscos, Sabourin (2009),

acrescenta outra questão bastante observada, isto é, a norma familiar ou pressão social do

grupo. Muitos agricultores ao longo da pesquisa relataram as dificuldades enfrentadas quando

começaram a introduzir mudanças nos sistemas produtivos, sendo frequentemente chamados

de loucos por familiares e pessoas da comunidade. Essas condições certamente impõem

limites à adesão dos agricultores às propostas agroecológicas, ainda que para outros estas se

mostrem determinantes na busca de alternativas, como pudemos constatar.

Outro aspecto a ser destacado é que a participação nas redes sociotécnicas de

inovação agroecológica não leva, necessariamente, o agricultor a adotar ou a integrar as

inovações ao sistema de produção e a sua estratégia familiar. Por outra parte, conforme

pudemos acompanhar, a participação dos agricultores e agricultoras nesses espaços tem

contribuído significativamente para o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, visto

que tem estimulado a adesão desses sujeitos sociais a espaços sócios organizativos tal como ,

associações e sindicatos rurais e, ainda, de um conjunto de ações que buscam provocar

respostas de ações públicas, que impactem no desenvolvimento local. Quando vistas de

forma integrada, compõe o repertório de estratégias construídas pelos camponeses para

ampliar sua reprodução socioeconômica.

Finalmente, segundo a percepção dos agricultores e agricultoras entrevistadas, a

proposição agroecológica não diz respeito somente à substituição de insumos químicos por

orgânicos, nem tão pouco se resume às práticas produtivas em si, adquire um sentido muito

mais complexo. É preciso compreender que os agricultores não fazem distinção entre

situações técnicas e sociais, uma vez que, essas dimensões são por eles consideradas

indissociáveis, já concebem a agroecologia como sendo um modo de vida, pois envolvem

seus sentimentos, valores, crenças, costumes e práticas cotidianas, indo de encontro à

racionalidade camponesa, onde a terra tem não só valor material, mas também simbólico;ela

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não é só um meio de produção é também um espaço de vida. O que implica afirmarmos que a

natureza dos vínculos que os camponeses estabelecem com a terra aparece como uma forma

de resistência (FABRINI, 2008). Os caminhos da transição agroecológica apontam que a

socialização do conhecimento é uma arma para construir outra cultura na produção, não

menos importante e urgente do que reforma agrária, para além do acesso a terra e de um

conjunto de politicas públicas que respondam às demandas historicamente pautadas pelas

famílias camponesas.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo rural começou a nosinquietar no período da graduação, mas só se

constituiu como objeto de pesquisa principalmente depois da nossa atuação profissional como

Assistente Social junto a famílias camponesas no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu,

região norte do estado Ceará. Ali integramos uma equipe multidisciplinar de assessoria

técnica em assentamentos e comunidades rurais, envolvendo agrônomos/as, técnicos

agrícolas, assistentes sociais e economistas domésticas, em um período marcado pela

reestruturação da Politica de Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER).

Nesse contexto, a política assumiu como prioridade o fortalecimento da agricultura familiar e

a promoção da agroecologia, proposição relativamente nova para maior parte das entidades,

sejam elas governamentais ou não, que atuavam na execução desses serviços, salvo alguns

estados como a Paraíba e o Rio Grande do Sul onde a experiência já existia com maior

expressão, orientando inclusive a formulação de políticas públicas.

A articulação em redes sociotécnicas foi fundamental para muitas entidades

que passaram a reorientar sua intervenção junto às famílias agricultoras a partir de seu

acumulo institucional (experiências no campo de tecnologias sociais, da agroecologia, da

produção e comercialização, do cooperativismo entre outras). Destacamos na região nordeste

duas dessas redes sociais, a saber: Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e Rede de

Assistência Técnica e Extensão Rural do Nordeste (Rede Ater-NE). Do processo de

incorporação da proposição agroecológica às estratégias de intervenção das entidades,

passamos, pouco a pouco, a reunir elementos para construir a problemática central desse

estudo, qual seja: Analisar as mudanças decorrentes do processo de transição da agricultura

convencional para a agricultura agroecológica no cotidiano dos agricultores articulados à

Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e

Aracatiaçu.

Para tanto, partimos do pressuposto que a transição agroecologia, conceito central

para a agroecologia, é um processo gradual e multilinear de mudanças. Importante ressaltar

que a ideia de mudança não se restringe ao processo técnico de convenção de sistemas

tradicionais ou convencionais de produção (mais ou menos intensivo no uso de mecanização,

fertilizantes, agrotóxicos, sementes hibridas entre outros) em sistemas produtivos que

incorporem princípios e tecnologias de base ecológica. Trata-se de um processo social

complexo, haja vista as dimensões socioculturais, econômicas e ecológicas que envolvem.

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Assim posto, nossa preocupação fundamental na presente investigação consistiu

em compreender a agricultura familiar camponesa em interface com o enfoque agroecológico,

alternativa adotada pelos agricultores e agricultoras como forma de superar as dificuldades

ligadas às condições de vida e reprodução das famílias, resultantes da insustentabilidade

econômica e ambiental de um modelo de agricultura que degrada os recursos naturais, reduz a

biodiversidade e concentra terra e riqueza.

Diante desse panorama estrutural e conjuntural adverso, um conjunto heterogêneo

de camponeses, entidades de assessorias, instituições oficiais de ensino, pesquisa e extensão,

bem como diferentes categorias de profissionais na área do desenvolvimento rural, em todas

as regiões do país, reúnem-se em trono de experiências concretas inspiradas na agroecologia

No território estudado, essas experiências dão dinâmica às redes de inovação

técnico e sócio-organizativas. Contudo, as mesmas encontram-se constrangidas pelo modelo

de política territorial em desenvolvimento, voltado a atender às demandas das cadeias

produtivas, resultando na adoção dos pacotes tecnológicos, financiamento para compra de

veneno, máquinas agrícolas e especialização da produção. Nesse contexto, o Estado é

extremamente eficiente para garantir a difusão desses pacotes para o agronegócio e, em

contraposição, é “fraco” para investir na agricultura familiar camponesa, na agroecologia, na

reforma agrária.

Por sua vez, os agricultores que não usam veneno em suas unidades são

frequentemente intimidados quando necessitam de recursos e buscam os bancos, pois o

“normal” para estes é fazê-lo aliado, mais recentemente, ao uso das sementes transgênicas92.

O que isso representa para a agricultura familiar camponesa? Perda da sua autonomia, maior

subordinação às empresas produtoras de sementes e por sua vez dependência aos agrotóxicos

que tais sementes muitas vezes passam a exigir.

As experiências da agricultura familiar camponesa, inspiradas na agroecologia,

colocam para a sociedade que é possível uma outra forma de agricultura, que seja ao mesmo

tempo produtiva e atenda aos critérios socioambientais. Utopia? Não, realidade. Ainda que

enfrente inúmeras dificuldades para se desenvolver, compreendemos a partir do referencial

teórico adotado e dos limites postos a esse estudo, que, em seu conjunto, as experiências por

92 De acordo com Altieri “os agentes que promovem o desenvolvimento e a comercialização desses transgênicos são empresas multinacionais como a Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont, Dow AgroScience, seja adquirindo ou em parceria com empresas nacionais e apoiada por centros de pesquisa dos respectivos países ( por exemplo, a Embrapa) [...]” ( 2012, p. 50).

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nós abordadas revelam importantes avanços, limites e desafios para agroecologia que é, ao

mesmo tempo, “uma ciência, uma prática e um movimento”.

O estudo evidenciou, portanto, que o trabalho desenvolvido pelos mediadores

(assessoria técnica) foi fundamental para que as famílias agricultoras passassem a

experimentar práticas inspiradas nos princípios das agroecologia, uma vez que estas não

surgem espontaneamente. A agricultura familiar camponesa precisa de espaço para realizar

seus potenciais (PLOEG, 2009). Nesse sentido, os depoimentos revelam o quanto foi

determinante a assessoria técnica no processo, sobretudo, ao apoiar processos de formação,

intercâmbios, encontros, bem como a construção de estratégias sócio organizativas com base

no território, promovendo a troca de conhecimento e crescente visibilidade das experiências

desenvolvidas pelos agricultores e agricultoras em suas unidades familiares.

Ao mesmo tempo, os depoimentos denunciam as dificuldades de acesso aos

serviços de assessoria técnica (governamental e não governamental), de modo particular às

ações sistemáticas que atendam às necessidades quanto ao planejamento da produção,

comercialização e acesso ao crédito, assim como relativas ao associativismo comunitário, aos

grupos específicos de mulheres e jovens, dentre outras demandas. Segundo os entrevistados,

as equipes técnicas chegam às comunidades, fazem inicialmente um trabalho de

sensibilização e mobilização, conhecem as áreas e, quando começam a realizar as atividades

de campo, têm que interromper o trabalho porque o convênio e/ou contrato já se encerrou,

conforme explicou uma agricultora: “quando a pessoa acaba de se adaptar àquele meio aí

começa a trabalhar, aí acaba o contrato e aí não renova não”. Nessa perspectiva, a assessoria

técnica continua sendo uma problemática para o conjunto dos agricultores, tanto em relação

ao acesso quanto pela forma fragmentada e pontual que é executada.

Outra questão identificada diz respeito às estratégias técnico-metodológicas

adotadas pelos mediadores que compõem, conforme diz o agricultor, a “linhagem da

agroecologia”, onde a intervenção é pautada na construção do conhecimento agroecológico,

cuja base é o diálogo entre o conhecimento técnico-cientifico e o saber popular dos

agricultores, reconhecendo estes como protagonistas no desenvolvimento de seus próprios

projetos e inovações, o que demanda respeito ao saber dos camponeses, e sobretudo o

entendimento da dimensão politica dessa “ciência, prática, movimento”. As questões técnicas

relativas à transição agroecológica, ainda que tenham avançado, permanecem como desafios

para a assistência técnica, uma vez que a assessoria técnica convencional fundamentada nas

abordagens difusionistas, continua impondo projetos, tecnologias e créditos com o objetivo de

atender aos interesses do mercado.

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Nesse sentido, a abertura nas instituições de ensino, pesquisa e extensão à

perspectiva agroecológica aponta sinais mudanças, dados os efeitos deletérios do processo de

modernização e da crise socioambiental que afeta a todos. É importante mencionar que a

própria Emater tem realizado formação com base na agroecologia para seus técnicos. Esse

avanço reflete o processo de experimentação, diálogo, pesquisa e articulação de um conjunto

de sujeitos sociais entorno da agroecologia, da conivência com o semiárido, da justiça

ambiental. A consolidação das experiências em todo o país, ainda que enfrentando fortes e

severas restrições, já aponta que não é mais uma realidade vivenciada por um conjunto

isolado de agricultores e entidades. Ao contrário, há sim um movimento, sua expressão se dá

nos Territórios e também repercute na formulação de politicas públicas, a exemplo da

recentePolítica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, fruto da pressão e das

reinvindicações articuladas através do movimento agroecológico.

Isso não significa, todavia, que o processo de transição agroecológica /a

agroecologia é assunto pacificado. Ao contrário, é um projeto que se faz em disputa contra o

agronegócio, que se mantém hegemônico no plano político, econômico e ideológico e conta

com financiamentodo Estado. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se celebram os

avanços na perspectiva da ação pública em prol da agricultura familiar camponesa na

perspectiva agroecológica, é encaminhado para a aprovação o Condigo Florestal que, de

acordo com os ambientalistas e estudiosos, representa um retrocesso no ponto de vista

socioambiental, sobretudo porque anistia desmatadores.

A partir das unidades familiares analisadas, identificamos uma diversidade de

situações ou níveis diferenciados dos processos de transição. De modo geral, não são sistemas

modernos que dependem de insumos externos, mas manejos que se aproximam dos sistemas

tradicionais, onde os agricultores ainda preservam antigas práticas de cultivo, utilizam-se da

broca e da queima que, muitas vezes, têm levado ao esgotamento da fertilidade do solo e à

degradação das fontes de água. Nesse contexto, as estratégias adotadas pelas entidades que

promovem essas experiências partem, em sua maioria, da introdução de práticas mais

sustentáveis, associadas ao uso de tecnologias sociais de convivência com o semiárido e a

organização dos grupos.

Nessa perspectiva, a motivação de muitos agricultores e agricultoras que passam a

enveredar pela agroecologia se dá em oposição à agricultura convencional. Outras motivações

bastante evidenciadas na pesquisa foram: a preocupação com o meio ambiente, a produção de

alimentos que proporcionem saúde à família e a comercialização direta, em seu conjunto são

estratégias socioeconômicas na qual os agricultores têm experimentado e procuram

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disseminar e multiplicar. Nesse processo de construção da autonomia, tais recusas podem ser

entendidas também como uma materialização da resistência.

A expropriação pela qual foram submetidos os camponeses no âmbito do

Território gerou processos de luta e de resistência largamente conhecidos, como as clássicas

lutas abertas e a ação/organização dos movimentos sociais. Énesses espaços contraditórios, de

dominação, de violência e de subordinação, muitas vezes velados, que os camponeses têm

forjado as lutas cotidianas.Assim, procuramos identificar como se materializa a resistência,

presente no processo produtivo e em sua alteração, a partir do cotidiano do roçado, do

terreiro, da horta, da feira e dos espaços coletivos como os da Rede (PLOEG, 2009),

particularmente quando os agricultores passaram a adotar como estratégia produtiva as

práticas agroecológicas.

Daí a resistência encontra-se em uma multiplicidade de formas: está no modo

como os agricultores cultivam os alimentos, diversificam a produção para atender às

necessidades alimentares da família e da comercialização. Igualmente, está na adoção da

adubação verde, no uso de espécies vegetais que repõe a fertilidade do solo, na utilização da

matéria orgânica produzida nas unidades, nas práticas de convivência com o semiárido e nas

relações de reciprocidade e solidariedade tão presentes nas comunidades camponesas. Há

resistências também, na forma como estas experiências passam a se organizar a fim de

construir estratégias coletivas no enfrentamento das dificuldades trazidas pela fragilidade de

políticas públicas e pela imposição de um modelo insustentável, que desenraiza os

camponeses e aniquila a sua principal base de recurso, a terra. Concordamos, assim, com

Ploeg (2009, p. 27) ao afirmar que “individualmente, essas expressões são inocentes e

inofensivas, mas se tomadas em seu conjunto tornam-se poderosas e podem mudar o

panorama atual”.

Diante do exposto, verifica-se ainda que a Rede tem se apresentado como uma

alternativa sócio-organizativa e de enfrentamento político no território, na medida em que

vem promovendo através dos intercâmbios a descentralização do conhecimento e de

tecnologias sociais, novas dinâmicas de comercialização baseadas na cooperação entre as

famílias agricultoras e gestão de recursos, como é o caso do Fundo Rotativo, que, gerido pelos

agricultores, tem contribuído para a estruturar as unidades produtivas, diminuir o uso de

insumos externo e manter a gestão e controle nas mãos das famílias, ainda que sob forte

pressão do modelo de produção hegemônico via políticas públicas indutoras dospacotes

tecnológicos e creditícios incompatíveis com as condições da maioria das unidades de

produção camponesa.

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Com efeito, há ainda um conjunto de experiências de enfrentamento/negação ao

modo de produção imposto pelo capital, ainda que o horizonte não seja sua superação. No

sentido do fortalecimento de práticas da agricultura familiar camponesa que se materializam

no âmbito do território, mas que não estão aglutinadas diretamente a rede, destacam-se

comunidades quilombolas, as mulheres rendeiras/agricultoras e agueiras/agricultoras, as

experiências de agrofloresta, de banco se sementes, os pescadores artesanais, a organização de

jovens entre outros. Em seu conjunto, a produção, materializada por essas famílias, partilha de

valores camponeses fundamentados na terra, no trabalho e na família.

A partir dos dados encontrados, e do referencial teórico adotado durante esta

investigação, compreendemos que apesar de relativa autonomia, no sentido dado por Thomaz

Júnior (2008), os camponeses têm resistido à homogeneização imposta pelo modelo

dominante de agricultura. Por ter clareza do risco que correm enquanto sujeitos ativos, os

agricultores resistem, ainda conforme esse autor, à adoção de pacotes tecnológicos, à

espacialização, ao endividamento, à proletarização, ao pagamento da renda da terra, entre

outros fatores. Desse modo, sua existência tem sido garantida através dessa resistência que de

acordo com Thomáz Júnior (2008) são expressões das múltiplas determinações do

desenvolvimento das forças produtivas capitalistas.

O depoimento do Sr. Zé Júlio, Dona Fátima e Zeza sobre essa resistência é

bastante representativa: “Tenho preocupação com as sementes, sempre guardei minhas

sementes para plantar. Desde muitos anos, eu não vou esperar pelo governo. Se eu quiser

plantar na primeira chuva eu planto, se quiser plantar na segunda eu planto, depende só do

inverno”.

Assim com a fala anterior do Sr. Zé Júlio, Dona Fátima assim se pronunciou:

“Um dia me convidaram pra trabalhar pra ganhar meio salário, eu disse: quero nada! Porque

eu acho que aqui na agricultura como eu faço eu ganho mais de meio salário, melhor do que

eu tá lá levando carão dos outros e deixar o meu serviço”. Em sua visão se trabalhasse

ganharia menos do que ganha na agricultura. Concluindo ela afirma: “Se eu não vendo pra

arrumar um salário o que eu tiro daqui dá pra comer, tá bom, pois se eu for só vender eu

arrumo mais do que esse salário. Eu mesmo faço as minhas contas, eu anoto ao final do mês

eu vou olhar, como é que está, ai eu sei que eu tenho lucro”.

Zeza, por sua vez, afirma que não se deixa seduzir, em suas firmes palavras:

“Penso que, como agricultora, nunca vou ser uma desempregada. Todos os meus planos estão

ligados à agricultura. Não me vejo fora dessa vida”.

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Essas recusas compõe o repertório de motivações que tem levado as famílias

agricultoras a permanecerem na terra e a alterarem seu sistema produtivo com a adoção de

práticas agroecológicas. Todavia vale salientar que as atuais políticas públicas, de modo geral,

continuam impondo a prática de uma agricultura predatória e excludente à revelia do

agravamento da questão ambiental e da crise agroalimentar. No Brasil, essa tendência se

revela na expansão do agronegócio, sob o comando de grupos transacionais combinada com a

histórica concentração fundiária.

Por fim, o estudo aqui exposto tem fundamental significado para o Serviço Social,

no sentido de contribuir para o aprofundamento de reflexões acerca da questão social,

particularizada no mundo rural, nas condições de vida dos camponeses, nas circunstâncias em

que esses sujeitos sociais garantem sua produção e reprodução em um mundo hegemonizado

pelos valores e a sociabilidade do capital que segue se apropriando da natureza e das riquezas

produzidas socialmente pela sociedade. Nesse sentido, priorizamos analisar as experiências da

agricultura familiar camponesa na perspectiva da agroecologia, situando os camponeses em

seu contexto sócio histórico, portanto no mundo contemporâneo. Buscamos, por fim, desvelar

as determinações objetivas e subjetivas presentes no cotidiano, solo da espoliação, da

violência, da exploração, mas também da resistência, da organização e da transformação.

Destarte, trata-se de um estudo pleno de intencionalidade, ancorado no Projeto Ético-político

de Serviço Social, no qual a apreensão da realidade não se dá apenas como forma de

compreendê-la, e sim pela possibilidade de transformá-la. O que requer de nós a defesa

intransigente dos direitos sociais dos camponeses, da reforma agrária, da justiça social e

ambiental. Entendemos que essa construção não se restringe ao universo camponês, porém ao

conjunto da sociedade, camponeses, operários, trabalhadores urbanos.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Pesquisadora responsável: Ana Cristina de Sousa Sampaio Pesquisa: Transição Agroecológica: uma análise das experiências da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu - Ce

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Nome agricultor/a:__________________________________________________________ Município: ________________________ Comunidade ____________________________ 1. Como ocorreu seu encontro com a agroecologia ? Como a define?

2. Como era sua unidade familiar antes de iniciar essa experiência? E como é hoje?

3. Relativa à produção, se voltada para a comercialização, se voltada para auto consumo, que mudanças de comportamento relativos ao habito alimentar são percebidas no dia a dia de sua família?

4. Qual a importância de produzir alimentos em sua unidade familiar?

5. Comercializa a produção, quais os principais produto, onde e quem são os consumidores?

6.Quais são as suas maiores dificuldades em relação à produção ?

7. Em relação à assessoria técnica e a agroecologia, como ocorre a orientação dos/as técnicos/as?

8. Qual é a frequência das visitas técnicas e elas são adequadas às necessidades de sua unidade familiar?

9. Na produção, usa fertilizantes sintéticos e/ou agrotóxicos? Em que culturas?

10. Quais formas de organização social que participou ou participa ?

11. Que atividades (encontros, cursos, oficinas, intercâmbios etc.) estimularam seu processo de experimentação e por quê?

12. A Rede contribui para o aprimoramento das atividades produtivas (produção/beneficiamento/comercialização)?

13. A Rede de Agricultores Agroecológicos contribui para o aprimoramento do exercício político, ou para a formação?