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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ANA CRISTINA DE SOUSA SAMPAIO
OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: Uma análise das experiências
da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu-Ce
Orientadora: Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo
NATAL/RN
2012
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ANA CRISTINA DE SOUSA SAMPAIO
OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA : uma análise das experiências
da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu – Ce
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em Serviço Social, área de concentração: Serviço Social, Cultura e Relações Sociais, Linha de pesquisa: Serviço Social, Sociabilidade, Cotidiano, Cultura e Violência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sob a orientação da Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo.
NATAL/RN
2012
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Sampaio, Ana Cristina de Sousa.
Os caminhos da transição agroecológica: uma análise das experiências da agricultura familiar camponesa no território dos Vales do Curu e Aracatiaçu - CE / Ana Cristina de Sousa Sampaio. - Natal, RN, 2012.
172 f.: il.
Orientadora: Drª. Severina Garcia de Araújo. Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social.
1. Agricultura familiar - Camponesa - Dissertação. 2. Agroecologia -
Transição – Dissertação. 3. Agricultura - Modernização - Dissertação. I. Araújo, Severina Garcia de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 631.115.11
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Dedico esse trabalho a Daniele Medeiros (in memoriam) mulher,
ecologista, mãe de Rudá (in memoriam) e companheira de Felipe (in
memoriam). Compartilhamos o primeiro trabalho, as estradas, as
histórias contadas e vividas por agricultores e agricultoras. Bem
como os livros, as músicas, os poemas, os/as amigos, os sonhos. Dani
(xuxu) era uma força da natureza, fruto da mãe-terra. Deixou para
nós lições, saudades e a convicção de que precisamos continuar
lutando para construirmos um mundo melhor para todos/as.
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AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos nascem da certeza de que esse trabalho é fruto de um
processo coletivo, partilhado durante os últimos anos no exercício profissional como
Assistente Social e durante o mestrado. Coletivo, porque muitos e muitas foram convocados a
participar desse estudo, diálogo e reflexão. Assim gostaria de agradecer inicialmente aos
agricultores e agricultoras que contribuíram com o presente trabalho. Ouvir suas trajetórias
de vida e compartilhar de suas experiências fortaleceu ainda mais minha convicção de que o
mundo não é uma mercadoria, que o alimento é sagrado, porque constitui fruto do trabalho
humano. A vocês, muito obrigada!
Aos meus pais, Iris e Assis, por compreenderem minha ausência, pelo carinho e
todo o incentivo para que eu pudesse estudar, crescer e seguir meu próprio caminho. Com
vocês aprendi que a nossa casa é o mundo.
Agradeço de modo especial a Silvano, meu companheiro de vida, sempre ao meu
lado, compartilhando os estudos, os sonhos, as luas e as lutas cotidianas.
À professora Severina Garcia, principalmente pela cumplicidade e o respeito
com o meu processo de (re)construçãodo conhecimento. As orientações foram sempre
provocativas, repletas de questionamentos e de muita esperança. Essa combinação permitiu
que, pouco a pouco, eu pudesse traçar meu caminho no estudo realizado.
À minha irmã Janaina e ao seu companheiro Ygor Buracovas. Jana, seu olhar é
que melhora o meu!
À amiga Valdênia, pelo diálogo constante e leitura dos meus escritos. Obrigada
por trazer a esse processo generosidade, suavidade e fé.
O meu muito obrigada ao amigo, vizinho e Professor Deribaldo Santos, cúmplice
no ofício da ciência e por toda ética e estética e, em especial, pelo poema “A Nice”, de
Florbela Espanca, quando precisei alagar meus horizontes.
Às amigas Carla Galiza e Juliana Antero, por tudo o que nos une.
À Iza por estar comigo desde o início.
Às amigas Cristina Nascimento, Margarida Pinheiro , Neila, Suyane, Meire,
Erika e Gleycianemulheres guerreiras com quem pude aprender muito.
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ÀElizângela e a sua família por terem me acolhido. Por causa de vocês, hoje
tenho uma verdadeira família em Natal.
À amiga Rayane, pela delicadeza e o esforço que encontrei em você.
ÀLúcia, que sempre deixava meus dias em Natal mais leves. Compartilhamos
reflexões, inquietações e desafios desse caminho que proporcionou nosso encontro.
Às companheiras de turma, Assistentes Sociais que se jogaram no desafio de
refletir suas práticas, problematizar a realidade e construir conhecimento. Rose, Sayonara,
Janine, Jeane, Rayane, Patrícia, Elizangela, Lucinha,Isabelle, Genocléciavocês têm
minha admiração e carinho.
Às professoras que colaboraram com o processo de reflexão durante as disciplinas
do mestrado, trazendo importantes contribuições para a compreensão do real: Denise
Câmara, Rita de Lourdes, Celia Nicolau, Iris de Oliveira, Eliana Guerra, Odília e
Marcia.
De modo especial, à professora Silvana Mara que estimulou para que eu
avançasse na análise crítica, sem ocultar minha militância e identificação com a realidade
estudada. Obrigada pela leitura criteriosa e contribuição para com o presente estudo.
Ao Professor Joaquim Araújo, que me possibilitou reexaminar as minhas
estratégias de pesquisas e aprofundar meu referencial teórico. Obrigada por compartilhar
comigo sua experiência nesse desafio.
À toda a equipe do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria do
Trabalhador - CETRA que contribuiu com o desenvolvimento da pesquisa em campo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, pela oportunidade de realizar importantes reflexões acerca do mundo
rural e as condições de vida dos camponeses.
À CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -pela
bolsa de estudos de demanda social, proporcionando-me melhores condições materiais para a
realização da pesquisa.
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Sinto-me pobre por viver numa sociedade em que índios e camponeses precisem proclamar de voz viva que são humanos, que não são animais, e menos ainda selvagens. Por identificar- me com eles, fico em dúvida sobre o lugar que ocupo, na escala que vai do animal ao homem, numa sociedade que não titubeia em proclamar a animalidade de seres que não são considerados pessoas unicamente porque são diferentes – falam outra língua, temoutracor, outros costumes. Uma sociedade, que no final, não tem certeza sobre a linha – limite que separa o homem do animal. (José de Sousa Martins, A chegada do estranho)
“Perdón si cuando quiero
Contar mi vida
Es tierra que lo que cuento.
Está es la tierra.
Crece en tu sangre
Y creces.
Si se apaga en tu sangre
Tú te apagas.”
(Pablo Neruda)
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RESUMO
Esse estudo tem como universo temático a agricultura familiar camponesa na perspectiva agroecológica. Pretende analisar as mudanças decorrentes do processo de transição da agricultura convencional para agricultura agroecológica no cotidiano dos agricultores e agricultoras articulados à Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, lócus da pesquisa empírica. Como caminho para o aprofundamento desse objetivo, procuramos identificar as formas de organização social anteriormente presentes no cotidiano desses sujeitos, além de apreender os determinantes que os levam ou os levaram a adotar a agroecologia, atentando para a necessidade de verificar as formas de resistência e, por fim, as estratégias construídas pelos agricultores e como estas se articulam coletivamente. A tematização da agroecologia coloca-se como uma problemática complexa, o que implica em articular a dimensão sociotécnica com as lutas sociais e ecológicas em resposta à marginalização e degradação impostas pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante. A partir do método histórico e dialético, buscamos apanhar as implicações da modernização técnica da agricultura sob as condições de produção e reprodução dos camponeses e, assim, situar a emergência da agroecologia, enfoque que nasce como contraponto ao padrão convencional de desenvolvimento agrícola baseado no paradigma da Revolução Verde. Estruturamos o presente estudo em torno das práticas, processos e formas de organização desenvolvidas e internalizadas ao longo da trajetória dos agricultores que enveredaram por essa prática. Devido à especificidade de nosso objeto, optamos pela pesquisa qualitativa e observação sistemática. Para as análises, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental - referencial teórico-metodológico – associadas à pesquisa de campo. As análises das experiências revelaram que a transição agroecológica é um processo amplo de mudanças. Assim, tais mudanças revelaram-se nas práticas produtivas, na diversificação da produção e práticas alimentares, na consciência ecológica e nas formas de organização construídas pelos agricultores para enfrentar as dificuldades trazidas pela imposição do modelo de desenvolvimento agrícola dominante que combina degradação ambiental, concentração fundiária e concentração de riquezas. PALAVRAS-CHAVE: Transição Agroecológica. Agricultura Familiar Camponesa.
Modernização da Agricultura.
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ABSTRACT
This study examines peasant family farming from an agroecological perspective. It intends to analyze the changes resulting from the transition from conventional to agro-ecological agriculture in the daily practices of farmers articulated associated with the Network of Agroecological and Solidarity Farmers of the Curu and Aracatiaçu Valleys Territory, the locus of this empirical research, and a space which has highlighted the social dynamics of agroecological innovation, as well as articulating environmental exchanges and knowledge development. As a way to further that goal, we seek to identify the forms of social organization previously present in the daily lives of these subjects, in addition to grasping the determinants that lead or led them to adopt agroecology, noting the need to verify the forms of resistance, and the strategies adopted by farmers and how they articulate collectively. Through the historical and dialectical methods, we seek to take the implications of technical modernization of agriculture under the conditions of production and reproduction of peasants and thus situate the emergence of agroecology, a focus that is born as a counterpoint to conventional patterns of agricultural development based on the paradigm of the Green Revolution. We structured this study around the trajectory of agroecological farmers that developed and internalized agroecological practices, processes, and organizational forms. For the analysis, we used theoretical and methodological frameworks from literature related to field research. The systematization and analysis of experiments revealed that agroecological transition is a broad process of change, not restricted to technical matters. We observed changes in production practices, diversification of production and feeding practices, ecological awareness, production autonomy, and organizations formed to face the challenges resulting from the imposition of the dominant agricultural development model that combines environmental degradation, land ownership concentration, and wealth concentration.
KEYWORDS: Agroecological Transition. Peasant Family Farming. Agriculture Modernization.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Coreografia da condição camponesa ....................................................................... 61
Figura 2 - Participação da agricultura familiar no Brasil ......................................................... 70
Figura 3 - Valor bruto da produção por área total .................................................................... 71
Figura 4 - Participação da agricultura familiar no pessoal ocupado......................................... 71
Figura 5 - Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu .............................................................. 81
Figura 6 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca .......................................................... 94
Figura 7 - Reunião da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território ........ 95
Figura 8 - Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômicas Solidária....................... 97
Figura 9 - Ciranda de encerramento do ETA ........................................................................... 97
Figura 10 - Aberbaldo preparando compostagem (esquerda), quintal agroecológico (direita)
................................................................................................................................................ 103
Figura 11 - Conceição e Aberbaldo (esquerda), poço Amazonas (direita) ............................ 103
Figura 12 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca ...................................................... 107
Figura 13 - Quintal Produtivo de Zeza .................................................................................. 114
Figura 14 - Intercâmbio de experiências ................................................................................ 115
Figura 15 - Feira Agroecológica e participação no ENA ....................................................... 118
Figura 16 - Dona Rosa e Sr. Raimundo .................................................................................. 125
Figura 17 - Quintal Roçado agroecológico (esquerda), mandala (direita) ............................. 127
Figura 18 - Criação de pequenos animais ............................................................................... 128
Figura 19 - Quintal Produtivo de Dona Graça Patricio .......................................................... 137
Figura 20 - Roçado (esquerda), tanque utilizado para irrigar o quintal (direita) .................... 137
Figura 21 - Reunião da rede ................................................................................................... 139
Figura 22 - Quintal produtivo de Dona Rita ........................................................................... 143
Figura 23 - Tecnologia social (Mandala) dotada na unidade produtiva de Dona Rita .......... 143
Figura 24 - Visita de intercâmbio em quintal produtivo ........................................................ 144
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LISTA DE SIGLAS
ABCAR: Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural
ASA: Articulação do Semiárido Brasileiro
AGROVALE : Companhia Agroindustrial do Vale do Curu
ANVISA: Agencia Nacional de Vigilância Sanitária
ATER: Assistência Técnica e Extensão Rural
BNB: Banco do Nordeste
CEASA :Central de Abastecimento
CEBs: Comunidades Eclesiais de Base
CBA: Congresso Brasileiro de Agroecologia
CDT : Conselho de Desenvolvimento Territorial
CETRA : Centro de Estudos do Trabalho e de Assessória ao Trabalhador
CODEVASF: Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
CONAB :Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG : Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT: Comissão Pastoral da Terra
DNOCS :Departamento Nacional de Obras Contra Seca
ECONSA :Encontro Nacional do Semiárido
EMATERCE : Empresa de Assistência Técnica de Extensão Rural do Ceará
EMBRATER : Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
ETAS: Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômica Solidária
ETR: Estatuto do Trabalhador Rural
ENA: Encontro Nacional de Agroecologia
FAO:Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IMO : Instituto Movimento Operário
INCRA : Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MDA : Ministério do Desenvolvimento Agrário
MMTR : Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
MST:Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PAA:Programa de Aquisição de Alimentos
PIB: Produto Interno Bruto
PDRSS : Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário
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PRONAF: Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PNATER : Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura
Familiar e Reforma Agrária
PNAE : Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRONATER: Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura
Familiar e na Reforma Agrária
REDE ATER (NE): Rede de Assistência Técnica e Extensão Rural do Nordeste
SAF: Secretaria de Agricultura Familiar
SENAR: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SIBRATER :Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
STRs : Sindicatos de trabalhadores rurais
UECE: Universidade Estadual do Ceará
UFC: Universidade Federal do Ceará
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
2 TRANFORMAÇÕES DA AGRICULTURA BRASILEIRA E A AGROECOLOGIA 22
2.1 A modernização conservadora da agricultura no Brasil ................................................. 23
2.2 As expressões do capitalismo nas relações de produção no campo ................................ 29
2.3 Alternativas do capitalismo à questão ambiental e sua contraposição: Agroecologia .... 34
2.3.1 Agroecologia: ciência, prática e movimento ................................................................... 38
2.3.2 Contexto político brasileiro e o desafio do fazer agroecológico ..................................... 42
3 TRAVESSIA: OS REFERENCIAIS QUE ILUMINARAM A PESQUISA .................. 48
3.1 Orientação teórico-metodológica .................................................................................... 48
3.2 Os sujeitos, procedimentos da pesquisa e trabalho de campo ......................................... 51
3.3 Categorias fundamentais: agricultura familiar camponesa e transição agroecológica .... 54
3.3.1 Agricultura familiar camponesa: uma aproximação ....................................................... 55
3.3.2 Estreitando os nós: sistemas produtivos familiares de base agroecológica .................... 67
3.3.3 Transição agroecológica: um conceito em construção.................................................... 73
4 A CONFIGURAÇÃO DE UM ESPAÇO TERRITORIAL ............................................ 78
4.1 Experiências de modernização no Território .................................................................. 82
4.2 Alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o
semiárido .................................................................................................................................. 90
4.3 Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do Território dos Vales do
Curu e Aracatiaçu ..................................................................................................................... 92
5 OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: PRÁTICAS, PROCESSOS
E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO. ......................................................................................... 98
5.1 Agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu:
aproximando-se das experiências de transição agroecologia ................................................... 99
5.1.1 “Agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza” - Experiência de
Aberbaldo e Conceição, assentamento Córrego dos Tanques, município de Itapipoca-CE..... 99
5.1.2 “Tudo dentro de um processo só, com histórias diferentes mais um processo só” -
Experiência familiar de Maria José Alves, Assentamento Maceió, município de Itapipoca . 113
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5.1.3 “O conhecimento é tudo” – Experiência Raimundo Diniz e Rosemeire, comunidade
Gengibre, município do Trairi ................................................................................................ 124
5.1.4 “Mudou tudo, virou pelo avesso. Mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra,
de lidar com as pessoas”. - Experiência familiar de Graça Patrício, assentamento Novo
Horizonte, município de Tururu ............................................................................................. 134
5.1.5 “Minha sobrevivência eu tiro da terra”. - Experiência da Dona Rita, comunidade
Cemoaba, município de Tururu .............................................................................................. 139
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 154
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 161
ANEXOS ................................................................................................................................ 171
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1 INTRODUÇÃO
Devemos afirmar, de partida, que esse trabalho busca analisar as experiências de
agricultores e agricultoras que vivenciam um processo de transição agroecológica, conceito
central para a agroecologia. Para tanto, consideramos a complexidade dos processos de
transição da agricultura convencional para a de base agroecológica, que inclui uma variedade
de condições socioeconômicas, produtivas e ecológicas em territórios historicamente
constituídos. Desse modo, estruturamos nossa discussão em torno das práticas, processos e
formas de organização desenvolvidas e internalizadas ao longo da trajetória dessas
experiências. Como caminho, buscamos, a partir da trajetória social dos agricultores e
agricultoras, apanhar as condições objetivas que possibilitaram esses sujeitos a se apropriarem
dos princípios da agroecologia com base nas práticas produtivas, visando, com isso,
identificar as motivações, bem como as mudanças cotidianas, sobretudo aquelas relacionadas
ao processo produtivo em si, a produção para o autoconsumo, a comercialização e a
organização social.
A agroecologia, nas duas últimas décadas do século XX, apresentou-se como
“ciência, prática e movimento”, voltada à defesa e promoção de formas sustentáveis de
agricultura, contrapondo-se ao padrão convencional de desenvolvimento agrícola baseado no
paradigma da Revolução Verde. Nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil, a crítica concentrava-
se em torno do “modelo agroquímico”, sendo as primeiras experiências identificadas como
“agricultura alternativa”. Na década de 1990, particularmente na América Latina, essa
denominação foi substituída pelo termo “Agroecologia” (WEID, 2012). Sociopoliticamente
construída, a agroecologia no Brasil teve sua origem nas lutas por democracia, justiça social e
pela valorização de saberes de agricultores familiares, camponeses, assentados entre outros
sujeitos sociais (MOREIRA , 2010).
Esse estudo tem como universo temático a agricultura familiar camponesa na
perspectiva agroecológica. Optamos pela denominação de agricultura familiar camponesa por
compreender que a maioria das unidades de produção, que compõe o extenso setor da
agricultura familiar, é portadora de características camponesas e, mais ainda, essa noção reúne
um conjunto de elementos essenciais que vão para além dos parâmetroseconômicos utilizados
pelas políticas públicas ao definir esse segmento social. Dessa forma, a agricultura familiar
camponesa traz elementos constitutivos de um modo de produção e reprodução social em que
sua centralidade é assumida pela família.
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Assim sendo, o sujeito social desse estudo, de forma particular, é “o pequeno
agricultor familiar, proprietário ou não de terra, que organiza sua vida mediante diferentes
graus de modalidade de combinação da produção para o mercado com a produção direta dos
meios de vida” (MARTINS, 2004, p. 45).
Quanto aos sistemas agroecológicos, compreendemos que esses mantêm uma
sinergia com a racionalidade produtiva camponesa, na medida em que combinam elementos
do conhecimento tradicional com métodos da ciência agrícola moderna. Nessa perspectiva, a
agricultura camponesa é a base sociocultural para a agroecologia.
A tematização da agroecologia coloca-se como uma problemática complexa,
quando analisada sob uma perspectiva de totalidade. O que implica em articular a dimensão
sociotécnica com as lutas sociais e ecológicas em resposta à marginalização e degradação
impostas pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante (MOREIRA, 2010; CANUTO,
1998).
É a vida concreta desses sujeitos que ocupa o centro de nossa atenção, mas não
como figuras míticas, personagens estáticos, tão pouco sujeitos pretéritos. Embora, muitos
esforços tenham sido empreendidos para negar-lhes um lugar na história. Pensar quem são
esses sujeitos, seus modos de vida, formas de resistência, de produção e reprodução, sob a
constante expropriação e exploração própria nas relações capitalistas de produção, é um
permanente desafio.
O nosso interesse em apreender de forma sistemática o universo rural e as
questões relativas à agricultura familiar camponesa, especialmente as experiências
agroecológicas, está fortemente relacionado ao nosso exercício profissional como Assistente
Social vivenciado no Centro de Estudos do Trabalho e de Assessória ao Trabalhador –
CETRA1, onde atuamos em uma equipe de Assessoria Técnica junto a agricultores do norte
do Estado do Ceará2, cenário desta investigação.
Apesar de termos, no período de graduação, oportunidade de estagiar em um
projeto de extensão em comunidade rural, acreditamos que nossa formação acadêmica
privilegiou substancialmente as dimensões da questão social relacionadas às demandas
1 O Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - CETRA é uma organização não-governamental, com sede em Fortaleza, criada em 1981, com o objetivo de prestar assessoria sócio jurídica a agricultores familiares para o acesso ao direito de propriedade da terra. Atualmente, suas ações estão voltadas para a construção do Desenvolvimento Rural Sustentável e Fortalecimento da Agricultura Familiar, numa perspectiva solidária e agroecológica. Prioritariamente, a instituição atua em duas regiões do estado do Ceará: região Norte com influencia do município de Itapipoca e micro região do Sertão Central com influencia do município de Quixeramobim. 2 Essa região corresponde ao atual Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, antes chamado de Território de Itapipoca.
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urbanas. Desse modo, a experiência de trabalho no CETRA ganha destaque, pois foi a que nos
revelou as particularidades do meio rural e, de modo especial, a realidade vivida por
agricultores e agricultoras do semiárido cearense. Nesse espaço compreendemos que a região
não é formada só de clima, vegetação, solo, sol ou água, mas de música, festa, arte, religião,
política e história (MALVEZZI, 2007).
A ação profissional voltada aos processos de organização social vivenciados no
cotidiano dos assentamentos e comunidades rurais possibilitou a nossa aproximaçãocom os
agricultores familiares, concomitantemente, com suas estratégias de produção, reprodução e
resistência, materializadas e expressas por meio dos seus modos de vida, cotidiano e
organização social. Nesse contexto, a agroecologia emerge enquanto objeto de pesquisa
passando a ser aprendida de forma mais ampla, isto é, como crítica ao padrão de
desenvolvimento hegemônico, expressão de resistência e alternativa em contraposição às
formas dominantes de produção agrícola imposta pelo agronegócio.
Contribuíram ainda para essa aproximação a participação, junto aos movimentos
sociais do campo, as ações mobilizadas pela Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA3e, de
forma particular, os encontros de formação promovidos pela Rede de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Nordeste4 (Rede ATER - NE), ambos herdeiros dos movimentos de
contestação e crítica que tomaram força na segunda metade da década de 1970 e início dos
anos 1980, questionando o paradigma da agricultura moderna baseada na revolução verde.
3 Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA é um fórum de organizações da sociedade civil, que vem lutando pelo desenvolvimento social, econômico, político e cultural do semi-árido brasileiro, desde 1999. Atualmente, mais de 700 entidades dos mais diversos segmentos, como igrejas católicas e evangélicas, ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais, fazem parte da ASA”. Seus principais programas são: Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC); o projeto demonstrativo do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2); e o Programa Bomba D'Água Popular (BAP) e outros. Disponível em : <http://www.asabrasil.org.br/>. 4 A Rede ATER - NE é composta por 13 organizações não governamentais que atuam no fortalecimento da agricultura familiar na região Nordeste, estas entidades são detentoras de um amplo acúmulo no campo da organização comunitária, das tecnologias sociais, do crédito, do cooperativismo, da assessoria jurídica entre outros. São elas: Movimento de Organização comunitária (MOC), Associação de Orientação à Cooperativas do Nordeste (Assocene - Recife), Centro de Estudos do Trabalho e Assessória ao Trabalhador (CETRA) e Diaconia, além das entidade que compunham a antiga Rede PTA no Nordeste, como Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (Caatinga), Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (Patac), o Cetro Sabiá, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), o Serviço de Assessoria às Populações Rurais (Sasop) e o Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar). A participação do CETRA na dinâmica da Rede caracteriza a intencionalidade de se desenvolver um projeto coletivo pautado na construção do conhecimento agroecológico, no aprimoramento técnico-metodológico, no fomento ao diálogo com organizações públicas e privadas, no sentido da efetivação da Política Pública de ATER e mobilização de recursos para a sua execução.
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Assim sendo, a presente pesquisa parte do exercício profissional cotidiano de uma
Assistente Social5 que busca, em seu processo de trabalho, romper com uma visão endógena
de sua profissão, ao mesmo tempo em que busca apreender as determinações que incidem
sobre a realidade em que está situada, para melhor intervir, apontar respostas, alternativas e
caminhos. A realidade é espaço fértil no qual se tecem as relações sociais e as diversas
expressões socioculturais dos camponeses do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu.
Experiências concretas de homens e mulheres que atribuem à terra a razão de seu trabalho e
vida.
Nesse sentido, o II Encontro Nacional de Agroecologia – ENA6, realizado no ano
de 2006, na cidade do Recife, permitiu-nos observar a pujança das experiências que
apontavam para “[...] outras práticas, antigas, novas ou renovadas, sinalizadoras de um jeito
diferente de produzir, distribuir, escolher, valorizar e consumir alimentos” (SCHIMITT, 2011,
p. 4). Como porta-vozes dessa realidade, estavam camponeses, agricultores familiares,
indígenas, pescadores, quilombolas, extrativistas, bem como técnicos, gestores públicos,
representantes de movimentos sociais, estudantes e pesquisadores de diferentes cantos do
Brasil e de países da América Latina. Todos os participantes traziam múltiplas experiências:
produção orgânica, agroecológica, feiras livres, comercializaçãode produtos ecológicos,
venda direta para o consumidor, redes informais, distribuição de alimentos para a merenda
escolar, além de experimentação de tecnologias sociais adaptadas a cada agroecossistema
(SCHIMITT, 2011).
Mais do que práticas de produção, mobilização, comercialização, preservação e
construção de saber, essas experiências têm se colocado em defesa da autonomia e reprodução
familiar.
O referido encontro motivou-nos a buscar o entendimento sobre o repertório de
experiências que compõe a transição agroecológica em curso. Inicialmente, questionávamos a
5 No Serviço Social a produção de conhecimento relativo à questão agrária e ao mundo rural ainda é pequena e recente, contudo fértil. Há um esforço tanto em nível da graduação quanto da pós-graduação, no sentido de buscar compreender essa particularidade da questão social, inserido na dinâmica contraditória do real. Na opinião de Iamamoto, decifrar e intervir no mundo rural exige dos Assistentes Socais “[...] uma compreensão do que seja a propriedade privada capitalista, o Estado, e as políticas agrárias e agrícolas, estrutura fundiária, a luta pela reforma agrária na sociedade brasileira e os impedimentos para a sua realização etc.” (2000, p. 73). Nesse sentido destacamos a militância e contribuição da Profa. Severina Garcia de Araújo quanto aos estudos realizados no âmbito do Serviço Social acerca da questão agrária, e particularmente, dos assentamentos rurais. 6Participaram desse evento 1.731 pessoas, vindas de diferentes regiões do país. Do total de participantes 57% no ato da inscrição se auto - identificaram como extrativistas, agricultores familiares, quilombolas, indígenas, agricultores urbanos e artesão , enquanto os 43% dos inscritos eram compostos por técnicos, gestores públicos, agentes da pastoral, extensionistas, agentes de saúde, professores e consumidores (SCHIMITT e TYGEL, 2009).
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respeito das mudanças na vida das famílias agricultoras, desencadeadas pelos processos de
transição de uma agricultura convencional para a agricultura agroecológica. Para tentar nos
aproximar das possíveis respostas, questionávamos: quem são esses sujeitos sociais, como e
quando passam a praticar uma agricultura baseada no enfoque agroecológico? Em que
contexto essa experiências são desenvolvidas?
Em face dessas questões, passamos a compreender que tal processo se coloca,
ainda que de forma restrita, como contraponto a esse padrão homogeneizante imposto pela
agricultura considerada moderna. Processo aquele que envolve mudanças relativas ao uso de
insumos químicos pelos naturais, resgate e fortalecimento das práticas tradicionais,
diversificação dos sistemas produtivos, conservação e preservação das sementes, produção
voltada para o autoconsumo, bem como a busca por uma maior gestão dos recursos naturais e
produtivos e participação direta na comercialização.
Diante dessas questões, a investigação objetiva analisar as mudanças decorrentes
do processo de transição da agricultura convencional para a agricultura agroecológica no
cotidiano dos agricultores familiares articulados à Rede de Agricultores Agroecológicos e
Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Como caminho para o
aprofundamento desse objetivo, procuramos identificar as formas de organização social
anteriormente presentes no cotidiano desses sujeitos, apreender os determinantes que os
levam ou os levaram a adotar a agroecologia, atentando para verificar as formas de resistência
e, por fim, as estratégias construídas pelos agricultores e como elas se articulam
coletivamente.
O estudo das experiências de base ecológica e, especificamente para esta
investigação, de transição agroecológica foi realizado no Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu, historicamente marcados pela presença da agricultura familiar camponesa,
marginalizada pelo processo de modernização técnica da agricultura. Esse universo empírico
foi escolhido, em princípio, por concentrar as dinâmicas sociais de inovação agroecológica
desse Território, além de se configurar como ambiente que tem se afirmado como espaço de
articulação, troca e construção de conhecimento agroecológico7 entre os agricultores
familiares, Organizações não-governamentais e movimentos sociais do campo em geral.
Com base em estudos de Costabeber e Moyano (2009), entendemos que as
investigações referentes ao universo da agricultura familiar camponesa têm privilegiado a
7 O termo “conhecimento agroecológico” é utilizado pelas organizações e movimentos sociais que compõe a Articulação Nacional de Agroecologia – ANA. Ele diz respeito ao processo de elaboração de novos saberes a partir do diálogo entre os conhecimentos tradicionais dos agricultores com o saber técnico-acadêmico.
19
dimensão econômica nas análises teóricas e empíricas. Para os autores, essas explicações são
superficiais no que se referem à “complexa e heterogênea realidade da agricultura enquanto
espaço de produção e reprodução sociocultural, econômica e ambiental” Para essa análise,
tomamos como base o pensamento de Guzmán (2001, p. 18), quando fala que a “[...]
agroecologia tem uma natureza social, uma vez que se apoia na ação social coletiva de
determinados setores da sociedade civil vinculados ao manejo dos recursos naturais, razão
pela qual é também, nesse sentido, sociológica”.
Buscamos, dessa forma, tematizar a agroecologia em uma perspectiva sócio
política e ambiental no âmbito das lutas sociais no campo o que inclui as dimensões técnicas,
econômicas e culturais, com atenção voltada para os processos sócio históricos em que estas
dimensões são estruturadas (MOREIRA, 2010). Pois, conforme alerta os estudos críticos,
muitos conceitos e proposições têm dado um novo direcionamento social às práticas e ao
desenvolvimento sem analisar profundamente as determinações entre a sociabilidade do
capital e a vida cotidiana.
Os altos índices de pobreza rural, insegurança alimentar, degradação dos recursos
naturais, perda da biodiversidade e o agravamento das mudanças climáticas são manifestações
da crise ambiental, que alguns pesquisadores dizem tratar-se de uma crise civilizatória.
Chesnais e Serfatir (2003) argumentam que essa crise na realidade é a própria crise do
capitalismo, de modo que, acrescentam os autores, é impossível dissociar as formas
econômicas de dominação da problemática ambiental da questão social e das condições de
vida de milhares de trabalhadores do campo e da cidade. Esse cenário leva-nos ainda a
questionar as estratégias adotadas pelo capital para se apropriar de todas as formas de
manutenção da vida, sejam elas materiais e imateriais.
Mais recentemente, dados divulgados pela FAO registram que o número de
famintos voltou a assustar o mundo pelo ressurgimento de problemas ligados à produção de
alimentos, o que faz aproximar ainda mais a produção de alimentos da questão ambiental. É
evidente que o padrão convencional de produção, baseado nos princípios técnico-científicos
da revolução verde, além de contribuir com o esgotamento dos recursos naturais, não cumpriu
sua promessa de eliminar a fome no mundo. A insustentabilidade desse modelo tem
provocado crescentemente o debate em torno da agroecologia, “utopia” que nasce das
experiências concretas vivenciadas por camponeses de todo o mundo.
Em 2010, o relator das Nações Unidas para o Direito Humano à Alimentação,
divulgou um relatório que afirmava que a Agroecologia “pode a um só tempo aumentar a
produtividade agrícola e a segurança alimentar, melhorar a renda de agricultores familiares e
20
conter a tendência de erosão genética gerada pela agricultura industrial” (WEID, 2012, p. 10).
Em um contexto onde o hegemônico é o agronegócio, quais desafios estão colocados para a
proposição agroecológica ?
No Brasil, o campo agroecológico caracteriza-se como um território heterogêneo,
tanto em relação aos contextos ambientais, aos sujeitos que dele participam quanto à
diversidade de abordagens metodológicas, vivenciadas de forma desigual entre as
organizações de assessoria à agricultura familiar, movimentos sociais rurais e instituições de
ensino, pesquisa e extensão. Adicionalmente, Petersen e Caporal (2012) analisam que, no
caso brasileiro, tanto a sociedade civil organizada, e, especificamente, os movimentos
camponeses e da agricultura familiar ainda não têm a defesa da agroecologia como
fundamento de suas pautas de negociação com os governos. Desse modo, pode-se afirmar que
o país não conta com um projeto nacional orientado para o desenvolvimento mais sustentável,
uma vez que o conjunto das políticas voltadas ao meio rural permanece reproduzindo a lógica
produtivista do projeto de modernização impulsionado a partir de 1960 (ibidem, p. 63).
Como amplamente desenvolvido em outros estudos, essa discussão dá-se em um
contexto de disputa onde, de um lado está o agronegócio (agricultura empresarial capitalista),
do outro a agricultura familiar camponesa. O primeiro conta com o Estado para afirmar sua
hegemonia nos planos político, econômico e ideológico.
O estudo ora apresentado mostra, para enriquecer esse debate, os caminhos da
transição agroecológica, construídos e percorridos cotidianamente por agricultores e
agricultoras sob a pressão continua desses embates. As experiências, ainda que restritas, têm
contribuído no estabelecimento de novas solidariedades, conhecimentos, relações, valores que
estão abrindo caminhos para a construção de uma nova racionalidade produtiva.
Ainda, baseados em Marx, entendemos que as transformações e a própria
revolução social nascem da realidade concreta da vida dos homens, elas “[...] não se fazem
com leis” (2003, p. 863). Ianne enriquece a reflexão ao dizer que “[...] não são
necessariamente uma ruptura, total, violenta. Pode ser lenta, desigual, contraditória. Sempre
engendram ou dinamizam forças adversas, contrarrevolucionárias. Vem de longe, vai longe”
(1986, p. 135).
Essa realidade provoca a atenção de estudiosos de diferentes áreas do
conhecimento, comprovando sua pertinência nos aspectos sociais e políticos, bem como nos
interesses científicos. Por esse viés, a pesquisa se justifica, por um lado, porque as respostas
ou os resultados obtidos poderão fornecer pistas importantes para melhor compreender a
presença e reprodução das formas de agricultora familiar camponesa; por outro, porque
21
iluminam os desafios cotidianos lançados aos profissionais que atuam junto a esse universo,
particularmente ao Assistente Social, no enfrentamento da questão social no campo e, ainda,
essas experiências podem aclarar outras formas de produzir e vivenciar a agricultura.
A dissertação encontra-se apresentada em quatro capítulos, sendo o primeiro
dedicado a uma reflexão crítica, situando historicamente a problemática de estudo bem como
os principais conceitos que permitiram a análise da realidade: modernização da agricultura,
questão ambiental e agroecologia. O segundo capítulo apresenta os referenciais teórico-
metodológicos, os sujeitos, os procedimentos de pesquisa e trabalho de campo, assim como as
categorias fundamentais, enquanto o terceiro capítulo traz uma caracterização do contexto
sócio histórico do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, a fim de situar as experiências
de transição agroecológica. O quarto capítulo, por sua vez, trata da análise das experiências a
partir da trajetória social, identificando as motivações, principais dificuldades, as estratégias,
as formas de resistências como forma de buscar por autonomia produtiva e reprodutiva das
famílias. Por fim, a última sessão dedica-se às considerações finais do trabalho e referencias
bibliográficas.
22
CAPÍTULO 1
2 TRANFORMAÇÕES DA AGRICULTURA BRASILEIRA E A AGROECO LOGIA
Já não é mais possível ocultar a crescente insustentabilidade socioambiental do
modelo hegemônico de desenvolvimento e, particularmente, da produção agropecuária
baseada na industrialização da agricultura (da revolução verde, do agronegócio empresarial).
Em contraposição a essa lógica dominante, vem sendo construídas, ao longo das últimas
décadas do século XX no Brasil, estratégias de desenvolvimento rural pautadas em
experiências concretas da agricultura familiar camponesa em diferentes regiões do país
(PETERSEN & CAPORAL, 2012). Dentre essas propostas, destacam-se aquelas articuladas
em torno da agroecologia – proposição que nasce em reação aos impactos sociais e ambientais
causados pelo processo de modernização da agricultura implantada pelo Estado ditatorial em
consonância com os interesses dos (grandes) proprietários de terra e de grandes grupos
econômicos.
Essa modernização seguiu a Revolução Verde, provocando profundas mudanças
na base produtiva agrícola brasileira, bem como danos quase irreparáveis à terra, aos recursos
naturais e aos seres humanos. Se por um lado resultou no aumento da produção e da
produtividade fortemente integrados a mercados agroalimentares, por outro, resultou na
expropriação e exploração de milhões de trabalhadores do campo, tanto pelos latifundiários,
quanto pelas grandes empresas nacionais e internacionais ligadas ao capital financeiro. A
resistência dos camponeses a essa dupla violência fez da questão agrária um problema de
segurança nacional (SILVA, 2004).
Segundo Silva (2004), o processo de modernização da agricultura não pode ser
compreendido somente pela ótica da elevação da produtividade e da adoção de novas
tecnologias, há de considerá-lo como um produto histórico do avanço das relações capitalistas
de produção no campo. Associado a isso, a modernização aprofundou a concentração da
propriedade da terra e a exclusão de milhares de camponeses ao seu acesso, já precário, assim
como o afastamento do seu meio de trabalho - a terra.
A expropriação e a exclusão da população rural constituem, segundo encontramos
em Marx (2003, p. 873), a base da acumulação primitiva do capital. Assim,
[...] a transformação dos meios de produção individualmente dispersos em meios socialmente concentrados, da propriedade minúscula de muitos na propriedade gigantesca de poucos; a expropriação da grande massa da população, despojada de suas terras, de seus meios de subsistência e de seus instrumentos de trabalho; essa terrível e difícil expropriação constitui a pré-história do capital.
23
Marx desenvolveu, segundo analisa Martins (2004), uma compreensão que faz do
campesinato um agente histórico da transformação social, ainda que tenha um papel
complementar a outros grupos sociais, especialmente a classe operária. Coube, portanto, ao
campesinato revelar a desumanização própria da acumulação primitiva, papel que o
proletariado não pode cumprir. “É no campesinato e nas lutas camponesas que Marx encontra
a consciência reveladora das destruições sociais que o capital propõe e realiza para se apossar
tanto da força de trabalho quanto da terra” (MARTINS, 2004, p. 57).
Atualmente vivemos novos episódios da guerra do capital, mas, ao arrancar o
campesinato da terra, esta guerra evidencia que serviu de fundamento para o modo de
produção capitalista e as formas de dominação que lhes são próprias. Chesnais e Serfati
(2003) avaliam que essa expropriação continua presente nos dias atuais, pois seu núcleo situa-
se nas relações de produção e de dominação.
Para apreendermos a realidade que caracteriza o desenvolvimento de agriculturas
mais sustentáveis, onde se encontram as experiências agroecológicas, procuramos situar o
processo de modernização da agricultura. Pois, longe de serem consideradas “vítimas
passivas” da modernização, conforme analisa Ferrari (2010,p.1), os camponeses continuam
revelando e desenvolvendo estratégias de reprodução social e econômica, “tanto aqueles que
buscam enfrentar os efeitos de sua inserção no processo de modernização, como aqueles que
se viram excluídos das políticas que lhe deram sustentação”.
Baseado em Petersen e Caporal (2012), entendemos que o conjunto das políticas
públicas para o espaço rural continua sendo orientado pela lógica produtivista e mercantilista,
daí a necessidade de atualizar a discussão acerca da modernização a fim de iluminar o nosso
objeto de estudo. Discussão essa que se inicia a seguir.
2.1 A modernização conservadora da agricultura no Brasil
Conforme Kageyama, citado por Wanderley (2009, p. 36), “a modernização da
agricultura foi um projeto que se impôs ao conjunto da sociedade sob o argumento de que
seria o portador do progresso para todos”. Porém, o que se observou, segundo Wanderley, foi
o financiamento dos grandes proprietários com recursos públicos e o acirramento da
concentração da terra. Nesse caso, a introdução do moderno se deu pela reprodução das
tradicionais formas de dominação. Para a autora, o processo de modernização resultou na
“expulsão da grande maioria dos trabalhadores não proprietários de suas terras e na
inviabilização das condições mínimas de reprodução de um campesinato em busca de um
24
espaço de estabilidade” (2009, p. 37), o que determinaria ao longo da história o lugar social
desses sujeitos na sociedade brasileira.
Delgado (2010) destaca duas características marcantes desse período: uma
relacionada ao importante papel do Estado na implantação da modernização, e a outra que diz
respeito ao caráter conservador do processo, já que não representou qualquer rompimento
com as elites agrárias.
As orientações político-econômicas do Estado voltadas para a agricultura e para
os setores estratégicos no período de 1950-1964 foram, conforme destaca Iamamoto, parte de
um processo de construção de novas bases à acumulação. O Estado nesse período mantém um
crescimento do tipo dependente, explica a autora (2006, p. 1270):
[...] investe no setor produtivo, produtor de mercadorias, e serviços e que socializa os custos da industrialização, favorecendo o capital internacional ,e, secundariamente a burguesia nacional. O tripé em que se apoia a base produtiva é formado por empresas estatais, burguesia nacional e capital estrangeiro de importantes setores da estrutura produtiva. Nesse período, desenvolve-se um novo estágio do processo de internacionalização da economia nacional. Passa o país a figurar com um dos núcleos dinâmicos do circuito monopolista na periferia dos centros econômicos mundiais.
Sobre a modernização conservadora, Delgado (2010, p. 22-23) destaca algumas
características:
O credito agrícola subsidiado concentrou-se nas regiões Sul e Sudeste, acentuando os desequilíbrios regionais existentes; (2) privilegiou principalmente os grandes produtores e alguns médios, aumentando a concentração fundiária (houve uma queda do número de estabelecimentos com menos de 5 há); (3) favoreceu basicamente os produtos agrícolas destinados à exportação, o que, justamente com o aumento da relação preços das exportações/preço dos produtos alimentícios, provocou um acentuado desequilíbrio nas relações entre produção para exportação e produção para a alimentação, piorando a distribuição de renda no meio rural; (4) a modernização da agricultura esteve intimamente associada a uma onda de internalização do que na época se chamou de “complexo industrial, a montante e jusante, com a liderança das empresas multinacionais, num processo que foi também conhecido como “industrialização (e internacionalização) da agricultura” ou da “revolução verde”; (5) é impensável sem a conjuntura internacional extremamente favorável, tanto do ponto de vista da demanda por exortações de produtos agrícolas, como pela disponibilidade de crédito no sistema financeiro mundial; (6) promoveu um violento processo de expulsão de mão de obra no campo, especialmente onde a modernização foi mais intensa: o Sudeste e o Sul foram responsáveis por cerca de 60% do total das migrações ligadas ao meio rural nas décadas de 1960 e 1970.
Esse processo produziu profundas transformações socioeconômicas no meio rural,
mas não só isso. Se por um lado permitiu um aumento da produtividade, maior oferta de
alimentos e ampliação da capacidade de exportação de produtos primários, por outro
provocou grande desequilíbrio nos biomas, mudanças nas práticas agrícolas tradicionais,
agravamento da concentração fundiária, aprofundando um processo de luta pela terra e a
expulsão de milhões de trabalhadores do campo em direção à periferia das cidades.
25
É importante ressaltarmos que o processo migratório não é recente no meio rural
brasileiro. Da década de 30 até os anos de 1960, houve um expressivo êxodo provocado,
sobretudo, pela exclusão dos camponeses do acesso a terra e das condições de trabalho que
lhes assegurassem a sobrevivência. A agricultura familiar camponesa constitui-se, nas
palavras de Wanderley (2009, p. 60), como um setor bloqueado e, historicamente,
impossibilitado de desenvolver suas potencialidades. Sobre esse bloqueio, a autora explica:
O acesso à terra e a constituição de um sistema de produção, capaz de “fechar o circulo” da subsistência familiar sempre foram elementos sabidamente frágeis na história do campesinato brasileiro e raramente ofereceram a garantia necessária para a fundação de uma economia camponesa estável e próspera.
No que tange às políticas públicas e visões dominantes sobre a pequena produção
familiar rural, predominou, de acordo com Moreira (2011, p. 6), a “ideologia de subsistência,
com base na ideologia nas relações sociais da morada de favor[...]”. Tanto os trabalhadores
do Nordeste açucareiro quanto os colonos do Café em São Paulo costumavam morar no
interior das plantações. Essa concessão, explica o autor, “de um lado, não reconhecia os
direitos trabalhistas e, de outro, garantia a fixação de trabalhadores nas plantações”
produzindo a cana, o café e ainda os principais itens alimentícios como o arroz, o feijão, a
macaxeira, entre outros.
A produção de alimentos no interior das grandes fazendas, conclui Moreira
(2011), fez com que essa atividade passasse a ser entendida como de subsistência e,
consequentemente, os sujeitos a ela associados - os moradores, os parceiros, os posseiros e os
pequenos proprietários independentes - tratados como incapazes ao desenvolvimento
econômico e social.
Essa visão orientou ideologicamente a formulação das políticas públicas voltadas
a esse segmento e que só foi alterada mais recentemente. Quanto à condição de subsistência,
ela se naturalizou e, paulatinamente, foi materializada na forma políticas assistenciais, na qual
se buscava, por meio de ações mitigadoras, suavizar a frágil condição de trabalho e vida das
famílias no campo e, ao mesmo tempo, preservar a precária condição produtiva e as condições
de subsistência (MOREIRA, 2011). Em que medida essa realidade mudou e, atualmente,
quais são as estratégias política, econômica e social que têm potencializado o
desenvolvimento da autonomia desse importante segmento social?
Na década de 1960, o movimento migratório se intensificou motivado pela
modernização acelerada da agricultura, particularmente no segmento exportador voltado à
produção de insumos para as agroindústrias. Kageyama (2008, p. 73), baseada em Cano,
aponta que a modernização da agricultura, além de expulsar um contingente de mão – de –
26
obra, foi responsável também em transformar parte dos trabalhadores em “boias frias, que
vivem produtivamente no mundo rural, mas socialmente no mundo urbano”.
Araújo, ao comentar Martine, nos lembra de que foram expulsos 16 milhões de
agricultores apenas na década de 1970 e quase 30 milhões entre a década de 1960 e a década
de 1980 (ARAÚJO, 2005).
Embora baseada em lei, a modernização foi dolorosa para os agricultores
(WANDERLEY, 2010) e foi acompanhada da expropriação e da exploração dos pobres do
campo, conforme demonstra Silva (1999, p. 66):
Arrancam-lhe não só a roça, os animais, os instrumentos de trabalho. Desenraizam-nos. Retiram-lhe, sobretudo, a identidade cultural, negando-lhe a condição de trabalhador [...] . A condição de trabalhador rural, posseiro, colono, arrendatário, parceiro, sitiante é substituída pelo volante, eventual, ocasional, aquele que voa, irresponsável, que não para em nenhum lugar, que não tem responsabilidades.
Por outro lado, essa modernização conservadora e excludente intensificou, no
final dos anos 1970 e o inicio dos 1980, os conflitos e a luta de resistência de outros milhões
de camponeses em confronto com os latifundiários, empresas e grupos econômicos
beneficiários das benesses das políticas públicas do Estado ditatorial. O esgotamento do
“milagre brasileiro”, o aprofundamento da crise da ditadura militar e outros acontecimentos
políticos, tais como a anistia, a volta do exílio, o fim do bipartidarismo, as pressões por
reforma agrária - articulados pela igreja, partidos políticos, sindicatos e federações de
trabalhadores -, a liberdade de imprensa, as greves rurais e urbanas trouxeram para a cena
politica novos atores8 (MEDEIROS, 1989; SILVA, 1999).
Do ponto de vista dos trabalhadores do campo, diz Medeiros (1989), essas lutas
deram um salto de qualidade, a reforma agrária que até então ficava restrita aos conflitos do
campo passa a ter visibilidade política. Duas razões são importantes para compreender esse
período, explica a autora. Uma é o novo momento vivido no país possibilitando um novo
espaço para sua expressão e a outra é a entrada de novos mediadores na disputa pela
representação dos trabalhadores, como por exemplo, a constituição da Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e de setores da igreja, sensíveis aos anseios desse
segmento social como a Comissão Pastoral da Terra.
8No inicio dos anos 80, agregam-se à luta pela terra novos personagens gerados, de acordo com Medeiros (1989, p. 139), na “exclusão de seringueiros dos seringais nativos, para transformá-los em pastagens, na construção de estradas para usinas hidroelétricas ou pela exclusão a que milhares de trabalhadores agrícolas foram condenados frente ao rápido avanço da modernização no campo”.
27
Dentro de um amplo leque de lutas e reivindicações em resposta à crise
econômica provocada pelo modelo dominante, a questão da reforma agrária passou a ganhar
visibilidade política sem precedentes na história do país, mas também outras manifestações,
como acrescenta Medeiros (1989 p. 15) “as greves dos assalariados em diversas regiões, lutas
dos pequenos produtores marginalizados e integrados por melhores preços para os produtos”.
Nesse quadro, as lutas no campo vão se abrir e se diversificar “[...] passando os movimentos a
não mais visarem especificamente à questão da terra”, como registra Almeida (1999, p. 55).
Para esse autor, tais ações em prol da Reforma Agrária passam a englobar, pouco a pouco,
além dessa questão, temas vinculados ao meio ambiente e também à modernização da
agricultura.
Nesse período, ganha revelo no âmbito internacional e nacional, a crítica
contundente ao caráter excludente dos efeitos ambientais, culturais, econômicos e sociais do
processo de modernização agrícola da revolução verde implantados no Brasil e nos países da
América Latina a partir da década de 1970 (DELGADO, 2010).
A legitimação política e ideológica da Revolução Verde significou a gradativa
perda de autonomia das famílias agricultoras. Isso ocorreu na medida em que foi introduzido
de forma significativa na produção agrícola o uso de motores a explosão ou elétrica, tratores,
maquinas complexas, adubos inorgânicos e agrotóxicos. Esse processo tornou os agricultores
dependentes da indústria agroquímica para obtenção de sementes e outros insumos. Isto é, a
capacidade de decisão dessas famílias sobre o que, como e onde produzir passou a ser imposta
mais diretamente pelas necessidades do mercado (CARVALHO, 2009).
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia nunca foi neutro. Por detrás da "autonomia da pesquisa" (que o capital financeiro não tolera nem mais como um mito), sempre houve possantes mecanismos objetivos (o financiamento, os modos derecompensa do sucesso) e subjetivos (a interiorização dos valores da sociedade burguesa) que a orientaram segundo os impulsos da acumulação e da hierarquia dos objetivos do capitalismo (CHESNAIS & SERFATI, 2003, p. 24)
As transformações na agricultura brasileira e, de forma específica, a disseminação
e o uso dos “pacotes tecnológicos” da revolução verde não fugiram a essa regra, provocando
profundas modificações no sistema de produção e no cotidiano camponês. Segundo Guzmán
(2001, p. 35), este fato ocasionou sobre as zonas rurais forte homogeneização sociocultural e,
consequentemente, certa corrosão do conhecimento local que, conforme argumenta esse autor,
fora “desenvolvido e apropriado mediante a integração entre homem e a natureza, em cada
ecossistema específico”.
28
Esse processo significou também a erosão dos recursos bióticos, a perda da
diversidade dos recursos silvestres e da variedade das espécies cultivadas. Leff (2000)explica
que os cultivos diversificados que conservavam alta produtividade natural se transformaram
em monoculturas, alterando a base de produção das comunidades rurais, então baseadas no
consumo de culturas autóctones adaptadas às condições ecológicas e climáticas específicas,
resultando na alteração dos níveis nutricionais e alimentares da população. Até a década de
1970, os sistemas de policultivo e criação animal eram responsáveis pelo autoabastecimento
das famílias, estas então responsáveis pelo cuidado e conservação das sementes, reprodutores,
forragem, grãos, raízes, esterco entre outros (MAZOYER & LAURENCE, 2010).
O uso das técnicas ditas “modernas” em maior escala de investimentos de capital
em substituição aos recursos tradicionais trouxeram, além da destruição do meio físico e
biológico, a degradação da qualidade de vida tanto de quem vivia no campo quanto na cidade.
Essa realidade rompeu com os sistemas culturais de cultivo na medida em que as famílias
agricultoras foram integradas a uma nova racionalidade produtiva. De acordo com Navarro
(2011), a mercantilização da vida social, característica desse processo, findou pouco a pouco
com a relativa autonomia experimentada por alguns grupos em outros tempos.
É consenso entre os pesquisadores que essa modernização não se implantou de
maneira homogênea na realidade brasileira, ficando predominantemente concentrada em
certas regiões. Na região Sul, por exemplo, berço da modernização da agricultura, esse
processo significou segundo Schmitt (2003, p. 62)
A especialização excessiva, a dependência em relação a insumos externos, a fraca integração entre os diferentes sistemas de cultivo e criação, a perda das variedades localmente adaptadas, a erosão do conhecimento referente ao manejo da biodiversidade local, a degradação da qualidade do solo e da água, e a crescente desvalorização pelos agricultores das atividades produtivas destinadas à reprodução dos sistemas agrícolas são alguns dos impasses enfrentados por técnicos e agricultores que trabalham com agroecologia naquelas áreas da Região Sul mais fortemente afetadas pelo processo de modernização.
Ainda de acordo com autora (ibidem, p. 62), também encontramos
[...] áreas historicamente marginalizadas pela Revolução Verde, marcadas por grande riqueza biológica e cultural, mas nas quais os agricultores enfrentam problemas de acesso ao mercado e de exclusão em relação às políticas públicas.
Na região do semiárido, a modernização expressou-se de maneira localizada, pois
não se verificou a generalização do pacote tecnológico nem a constituição dos complexos
agroindustriais assim como ocorreu em outras regiões. Para Barbosa (2003), uma das
principais transformações vivenciadas nesse espaço, diz respeito às mudanças nas relações
sociais de produção, em especial na relação de parceria entre os grandes proprietários
29
fundiários e as famílias agricultoras, que moravam e trabalhavam nas grandes fazendas,
gerando assim situações de conflito social.
Ainda segundo o autor (BARBOSA, 2003, p,26), esse cenário também gerou
grande diferenciação nos empreendimentos agrícolas, passando a conviver “nos mesmos
espaços empresas agrícolas modernizadas, empresas tradicionais poucotecnificadas,
latifúndios improdutivos, agricultores familiares modernizados e tradicionais”.
2.2 As expressões do capitalismo nas relações de produção no campo
A apreensão das determinações que a estrutura do sistema do capitalismo impõe
sobre a agricultura e a questão ambiental na contemporaneidade exigem uma compreensão de
sua gênese e de seu desenvolvimento no campo brasileiro. Gorender (1994, p. 16), inspirado
em Marx, define assim o capitalismo:
[...] como um modo de produção em que operários assalariados, despossuídos de meios de produção e juridicamente livres, produzem mais-valia; em que a força de trabalho se converte em mercadoria, cuja oferta e demanda se processam nas condições de existência de um exercito industrial de reserva; em que os bens de produção assumem a forma de capital, isto é, não de mero patrimônio mas de capital, de propriedade privada destinada à reprodução ampliada sob a forma de valor, não de valor de uso, mas de valor que se destina ao mercado.
Essa definição estende-se também à agricultura, ainda que de forma incompleta,
uma vez que ela se insere no sistema capitalista como um dos ramos da indústria, da
tecelagem, da siderurgia, do ramo mecânico entre outros (GORENDER, 1994).
Sobre a instituição da propriedade nas mãos da burguesia, denominada por Marx
(2003, p. 875) de acumulação primitiva, é decorrente “da expropriação da grande massa da
população [os camponeses], despojada de suas terras, de seus meios de subsistência e desses
instrumentos de trabalho” para transformar “[...] em capital os meios sociais de subsistência e
os de produção e converte em assalariados os produtores diretos” (MARX, 2003, p. 828).
O assalariado e o capitalista têm suas raízes na sujeição do trabalhador, isto é, na
metamorfose da exploração feudal em exploração capitalista9. Marx (2003, p. 829), assim
descreve a pré-história do capitalismo:
Marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seu meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários
9 O processo clássico de origem do capitalismo estudado por Marx não pode ser tomado como um processo universal, uma vez que foi peculiar a Europa Ocidental, especificamente a Inglaterra. Ainda para o autor baseado em Marx o capitalismo nasce das entranhas do feudalismo beneficiando-se de formas de acumulação primitiva de capital, como o colonialismo e o trafico de escravos (GORENDER, 1994).
30
destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do camponês, que fica privado de terras, constitui a base de todo o processo.
No Brasil pós-abolicionista, foi implantado um regime de trabalho baseado no
trabalho livre, leia-se forçosamente livre, uma vez que com a liberalização da mão-de-obra
escrava instituiu-se em 1850 a Lei de Terra10, impedindo que as terras fossem livremente
ocupadas e ao mesmo tempo passando a acessá-las somente aquele que por ela pudesse pagar,
desse modo, “cessado o cativeiro do trabalhador, foi necessário instituir o cativeiro da terra”
(MARTINS, 2002, p. 167), pois o objetivo era garantir força de trabalho para atender a
expansão da grande lavoura e não a redistribuição de terra, conforme demonstrou Martins.
A gênese do capitalismo no campo brasileiro, estudado por Gorender, consiste na
transformação da renda da terra, seja pré-capitalista ou capitalista, em capital agrário.
Conforme Martins (2002), houve uma espécie de pacto, onde a grande lavoura possibilitou a
um só tempo a acumulação capitalista e a diversificação econômica. Se em outros países
predominou a separação entre a propriedade do capital e a propriedade da terra e, ao mesmo
tempo, a separação da classe dos capitalistas da dos proprietários de terra, no Brasil, revela o
autor, ambos se fundiram. Martins (1993, p. 86) destaca como exemplo o governo militar que
passou a subsidiar os grandes capitalistas, tornando-os, também, grandes proprietários de
terra. E, atualmente, nos fala o autor que, “[...] os grandes bancos, os grandes industriais, as
grandes empresas são proprietárias de terra, ou interessados na propriedade de terra mediante
a associação com outros grupos econômicos [...]”. Daí resulta a especificidade da questão
agrária brasileira, a do passado e a do presente.
É pelo mundo rural e pela penetração das relações capitalistas de produção na
agricultura e na pecuária, que as análises devem iniciar, assim justificam Chesnais e Serfati
(2003, p. 14):
Ali se situa um dos fundamentos mais cruciais do modo de produção e de dominação ao qual estamos submetidos e que se encontra também a origem de um dos mais permanentes mecanismos de agressão aos metabolismos sobre os quais a reprodução física da sociedade humana repousa. Estamos em presença de uma esfera em que o capital financeiro prossegue, mais ferozmente ainda, sua busca simultânea de lucro e de forças renovadas de dominação social. Ele se apoia num processo que remonta aos primórdios do capitalismo, mas que conheceu fases de trégua que, hoje, fazem figura da "idade de ouro".
10 A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 – Lei de Terras dispõe sobre normas do Direito Agrário brasileiro. Trata-se de uma legislação específica para a questão fundiária, que estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra. Esta Lei foi regulamentada em 30 de janeiro de 1854, pelo Decreto Imperial n°1318.
31
O modo de produção capitalista, concentrador de riquezas, alterou radicalmente as
relações entre a sociedade e a natureza. Deslocou a satisfação das necessidades humanas
(valor de uso) para a produção de excedentes, estratégia necessária ao consumo e acumulação
de lucro (valor de troca). Mészáros (2002) chama esse fenômeno de “taxa decrescente do
valor de uso das mercadorias”, isto é, se produz cada vez mais mercadorias, porém com uma
menor vida útil.
O capitalismo tem levado ao extremo essa relação. Como expressão desse avanço,
destacam-se a destruição da força de trabalho e a degradação da natureza. Nas palavras de
Mészáros (2002, p. 18),
Sob as condições de uma crise estrutural do capital, seus conteúdos destrutivos aparecem em cena trazendo uma vingança, ativando o espectro de uma incontrolabilidade total, em uma forma que prefigura a autodestruição tanto do sistema reprodutivo social como da humanidade em geral
A consciência da interconexão entre as destruições ecológicas e as agressões
contra as condições de existência dos agricultores e agricultoras tem sido pauta dos
movimentos camponeses contemporâneos. Dentre eles, destacamos a Via Campesina,
organização internacional autônoma que congrega organizações de camponesas, pequenos e
médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas cujas
ações de mobilização têm denunciado entre outras questões os impactos negativos àsáude
humana e ao meio ambiente provocados pelo uso abusivo dos agrotóxicos, assim como
pautado a insustentabilidade do modelo agrícola dominante, no caso brasileiro, baseado no
agronegócio.
Com efeito, nas décadas de 1970 e 1980, a problemática ambiental, ganha força
na agenda de diferentes segmentos da sociedade mundial. As duas grandes crises do petróleo
ocorridas em 1973 e 1979 contribuíram “para alertar ainda mais sobre o perigo que
representaria a aproximação aos limites físicos do planeta, e o risco que suporia a
transferência do modelo produtivista dos países industrializados aos países em
desenvolvimento”11 (COSTABEBER. 2012, p. 17).
A publicação de A Primavera Silenciosa, de Raquel Carson, em 1962, representou
um marco para o movimento ambientalista da década de 1970 ao denunciar os efeitos do uso
de substâncias químicas, como agrotóxicos e insumos industriais sobre a qualidade de vida
das populações. Esses estudos foram duramente atacados pelas indústrias produtoras de
11Trecho da tese de doutorado de José Antônio Costabeber (1998) intitulada de Accioncolectiva y processos de transición agroecológica em Rio Grande do Sul, Brasil.
32
agrotóxicos, o que não evitou que essa obra tornar-se um clássico na literatura ambientalista.
De acordo com Lisboa (2009), até a publicação dessa obra, os produtos da indústria química
eram vistos com entusiasmo.
Nessa década, a onda ambientalista12 começou a chamar atenção da sociedade,
também, para os impactos danosos causados pelos testes atômicos, usinas nucleares,
indústrias químicas e agrotóxicas. Os movimentos ambientalistas13 desse período passam a
pautar a proibição e uso de substâncias tóxicas, herbicidas, pesticidas, agrotóxicos (LISBOA,
2009).
Os sinais de esgotamento dos recursos naturais, antes considerados inesgotáveis
chamam atenção, pouco a pouco, para a questão ambiental, ainda que de forma difusa.
Baseado em Silva (2010, p.67), entendemos por questão ambiental “um conjunto de
deficiências na reprodução do sistema, o qual se origina na indisponibilidade ou escassez de
elementos do processo produtivo advindos da natureza, tais como matérias-primas e energia e
seus deslocamentos ideopolíticos”.
Outra produção importante para esse debate foi a publicação em 1972 do relatório
“The limitsofgrowth” (Os limites do crescimento) pelo Clube de Roma. O documento
anunciava, catastroficamente na perspectiva de Faladori e Tommasino (2000), que a
continuação do ritmo de crescimento levaria a uma catástrofe ecológica e humana, sobretudo
pela escassez de recursos naturais.
As teses do Clube de Roma apontavam o crescimento demográfico e a pressão
que este tem sobre os recursos naturais da terra como um problema a ser enfrentado por toda a
sociedade. No entanto, não questionava o consumo dos países centrais, ao mesmo tempo,
culpabilizava os “pobres” pela degradação do planeta.
12 Lisboa comenta Alier ao buscar diferenciar as diferentes tendências que compõe o movimento ambientalista internacional, propõe dividi-la em três correntes. A primeira carrega o nome de culto à natureza selvagem, possuía o caráter preservacionista e conservacionista, surgiu no final do século XIX e início do século XX , defendia fundamentalmente os ambientes naturais do avanço da modernidade. A segunda corrente agrega aqueles que consideram importante a conservação dos recursos naturais e, acreditam ser possível conciliar atividades econômicas e técnicas menos poluidoras de recursos naturais, ela é chamada por Alier de modernização ecológica. Por ultimo, a terceiro grupo , é formado por povos que lutam para preservar o meio ambiente em que vivem , são geralmente alvo de interesses políticos e econômicos, essa terceira corrente foi classificada pelo autor de ecologismo dos pobres, nela encontram-se os “povos indígenas e populações tradicionais - como extrativistas, pescadores artesanais, quilombolas e agricultores familiares – bem como, operários e moradores de áreas urbanas degradadas”. Lisboa esclarece que essa última corrente está em sintonia com o movimento de justiça social, nascido nas regiões urbanas degradadas no sul dos EUA (LISBOA, 2009, p. 130). 13Cabe lembrar que “os movimento ambientalistas têm como antecessores históricos os movimentos feministas, pacifistas, hippies etc.- movimentos de “contracultura” de larga visibilidade na década de 1960 - portadores de ideais de contestação às noções de progresso, de industrialização e de consumo, embora também estivessem aí implícitas outras problemáticas como as que dizem respeito à participação das mulheres, às contribuições da ciência e às questões étnicas” (SILVA, 2010, p. 83).
33
Para Silva (2010), o documento é conservador e de inspiração neomalthusiana14,
na medida em que associa a miséria e a degradação ambiental ao crescimento populacional.
De acordo com os ideólogos do Clube de Roma (SILVA, 2010, p.169), “a pobreza não resulta
da desigualdade social, mas ao contrário: são as expressões desta última [...] que explicam o
aumento da pobreza e da depreciação das condições de vida na sociedade industrial”.
O relatório trouxe à cena as graves consequências do uso indiscriminado e
irracional dos recursos naturais, denúncias antes restritas aos movimentos ambientalistas e,
sinalizou ainda a “impossibilidade de crescimento ilimitado num sistema que depende da
existência de recursos naturais finitos” (SILVA, 2010, p 67).
Nesse processo de incorporar à problemática ambiental a agenda econômica e
social, destaca-se a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), em 1972. No mesmo ano, foi realizada em Estocolmo, Suécia, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Homem e Meio Ambiente. Na ocasião, foram definidos novos
conceitos e estratégias relacionadas às ideias de “desenvolvimento” e “meio ambientes” 15.
Os defensores do desenvolvimentismo apontam o crescimento econômico como
condição para a melhoria das condições de vida da população em contraponto às concepções
neomalthusianas do Clube de Roma, ao mesmo tempo em que celebraram o “progresso”
produzido indústria. O texto final expressa o acordo entre estas duas correntes quando afirma
a proteção ao meio ambiente humano como fundamental, ao mesmo tempo em que coloca o
desenvolvimento econômico e social como caminho para assegurar as melhores condições de
trabalho e de vida na terra (SILVA, 2010).
A incorporação da problemática da crise ambiental, bem como as questões de
preservação e conservação dos recursos naturais expressas na declaração, estavam longe de
sugerir uma alteração que fosse ao ritmo da produção, consumo e mudanças no padrão de
vida dos países desenvolvidos. Seu mérito, então, consistiu em dar maior visibilidade à
“questão ambiental”, já que permaneceram praticamente intocadas as causas da “questão
ambiental” e sua relação como o modo de produção capitalista (SILVA, 2010).
14 Segundo Malthus a população cresce conforme uma progressão geométrica, enquanto a produção de alimento cresce seguindo uma progressão aritmética. Embora posteriormente esta formulação tenha se mostrado equivocada, sua proposição quanto a contenção do crescimento populacional como garantia de meios de sobrevivência para todos, mostrou-se bastante influente. Segundo Silva (2010, p. 168) ao relacionar as variáveis: população, produção de alimentos e poluição, os neomalthusianos constataram que os países de desenvolvimento industrial avançado têm as menores taxas de natalidade, ocorrendo o inverso com os de industrialização tardia, levando estes últimos a exercerem uma maior pressão sobre os recursos naturais, levando os ideólogos do capital a justificarem os problemas ambientais como sendo criados por razões externas aos processos produtivos. 15Foram ainda criados nesse encontro o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
34
Nesse contexto, cabe destacar a concepção de Ecodesenvolvimento utilizada em
1973, por Maurice Strong, então diretor executivo PNUMA e, posteriormente, ampliada por
Ignacy Sachs (1994, apud FOLADORI & TOMMASINO, 2000, p. 43), o qual estabeleceu os
seguintes princípios básicos deste conceito, a saber:
i) satisfação das necessidades básicas, ii) solidariedade com as gerações futuras, iii) participação da população envolvida, iv) preservação dos recursos naturais e meio ambiente em geral, v) elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas, vi) programas de educação, vii) defesa da separação de países centrais e periféricos para garantir o desenvolvimento dos últimos.
A concepção de “ecodesenvolvimento” passou assim a ser amplamente
difundida, dando o tom das discussões a respeito da questão ambiental, até ser,
posteriormente,substituída pelo termo “desenvolvimento sustentável”.
Vinte anos após a primeira Conferência Mundial, foi realizada a II Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (Convenção RIO-92),
ocasião em que, de acordo com Leff (2000), tentou-se dissolver as contradições entre meio
ambiente e desenvolvimento, por meio do estabelecimento de um plano de ação mundial
voltado a “questão ambiental” - Agenda 21. A Rio-92 evidenciou-se como uma etapa
importante no contexto da proteção ambiental a nível planetário, complementam Chesnais e
Serfati (2003, p.36), mas confirma o reforço dos “direitos” do capital sobre a natureza.
Decerto, ela reconhece que os camponeses e as comunidades utilizaram e conservaram os recursos genéticos, desde tempos imemoriais, mas não lhes concede nenhum direito de gestão ou de propriedade sobre esses recursos. De fato, a conferência consagrou os direitos de propriedade intelectual sobre o vivente, legitimando em escala internacional aquilo que os grupos americanos tinham começado a obter em seu país desde o início dos anos oitenta.
2.3 Alternativas do capitalismo à questão ambiental e sua contraposição: Agroecologia
Antes de adentramos na principal temática do nosso trabalho, convém fazermos
algumas considerações acerca do conceito de Desenvolvimento Sustentável, termo
apresentado pelas Nações Unidas no relatório Nosso futuro Comum de 1987 (Relatório de
Brundtland), entendido como aquele que busca satisfazer as necessidades do presente, sem
colocar em risco a satisfação das necessidades das gerações futuras.
O desenvolvimento sustentável incorpora à conservação da natureza externa
(sustentabilidade ecológica) a sustentabilidade social e econômica (FOLADORI, 2002). O
desenvolvimento sustentável, portanto, inclui três dimensões básicas (tridimensionalidade): a
ecológica, a econômica e a social. Porém, segundo Foladori (2002), alguns autores,
instituições e práticas de política ambiental continuam privilegiando ou considerando
35
exclusivamente a sustentabilidade ambiental. Ainda segundo esse autor, apesar de existirem
dezenas ou talvez centenas de definições de desenvolvimento sustentável, quando essas
definições são analisadas e explicadas, na maioria dos casos, os aspectos sociais e econômicos
da sustentabilidade sempre complementam os da sustentabilidade ecológica.
Apesar dos avanços, tanto no âmbito teórico como nas práticas, a questão em
torno da sustentabilidade continua restrita a um desempenho técnico e vista como uma
questão ligada à melhoria do nível de vida de determinados segmentos.
Na perspectiva corrente, o Desenvolvimento Sustentável não questiona as relações
de propriedade e apropriação, que geram pobreza, diferenciação social e injustiça. Atua sobre
as consequências de um processo de injustiça social, produto das relações de mercado
capitalistas. “Por isso, por não afetar as próprias relações de produção que geram a
desigualdade, sua atividade tem um enfoque técnico e limites estruturais” (FOLADORI,
2002,p. 112).
O meio ambiente surge como uma questão da agricultura a partir da crítica aos
impactos sociais e ambientais provocados pela modernização da agricultura baseada na
revolução verde. No caso brasileiro, essa questão foi fortemente subsidiada pelo Estado e
encabeçada mais diretamente pelas associações de agrônomos, bem como por ONG´S e,
pouco a pouco, assumida pelos movimentos sociais rurais, iniciando um processo de debate
em torno das chamadas “agriculturas alternativas”16 (DELGADO, 2010).
Esse movimento defendia o uso de tecnologias que rompessem com as técnicas
ditas convencionais de produção agrícola. Nessa perspectiva, a tecnologia, conforme afirma
Almeida (1999), não era vista como um conjunto de procedimentos isolados, mas um
conjunto de meios colocados à disposição dos indivíduos para alcançar objetivos sociais
específicos. O autor destaca que as noções de “autonomia e autoconstrução” eram
fundamentais, pois graças a eles os agricultores poderiam definir as técnicas e procedimentos
16 Almeida conceitua a agricultura alternativa diferente da agricultura de tipo convencional ou moderna. O autor, a “grosso modo” destaca as seguintes características centrais: 1) “a agricultura alternativa (ou seus homônimos) determina uma relação mais estreita e mais equilibrada entre o meio ambiente natural e aquele criado pelo homem; 2) beneficia a diversidade social, econômica, ecológica e cultural; 3) implica na criação e a gestão de sistemas de produção que buscam um maior engajamento pessoal e uma produção mais direta, promovendo uma maior autonomia no plano produtivo; 4) conduz à construção de um futuro no qual os indivíduos sejam livres e possam construir uma sociedade verdadeiramente autônoma e democrática” (1999, p. 69). Brandenburg acrescenta que o movimento de agricultura alternativa, hoje chamada de agricultura ecológica, antecedeu a própria revolução verde. As primeiras experiências foram realizadas na Alemanha em 1924, na França em 1940 e na Inglaterra em 1946. Embora não haja registros da organização desse tipo de movimento no Brasil anterior a década de 1970, o autor destaca que seus fundamentos práticos estavam presentes antes mesmo da modernização, especialmente entre os nativos, descendentes dos índios e os imigrantes europeus. Ainda que fruto de trajetórias diferenciadas, a agricultura por eles praticada estava fundada a principio no saber desenvolvido na relação com a natureza, assim como, na gestão dos recursos naturais (2011, p. 01).
36
a serem utilizados em função da disponibilidade de recursos e necessidades locais
(ALMEIDA, 1999). No Brasil, assinala Brandenburg (2011), os trabalhadores, pequenos
agricultores e camponeses ainda não revelavam preocupação com a questão do meio ambiente
ou com aspectos relacionados com a preservação ou destruição dos recursos naturais.
Nos anos 1980, várias organizações da sociedade civil começam a desenvolver,
junto aos agricultores familiares, ações no campo da assessoria técnica orientadas pela critica
ao caráter excludente da modernização. Nesse momento, algumas experiências pioneiras no
campo da ecologização de sistemas de produção começam a ser implementadas (PETERSEN
& CAPORAL, 2012). Dessa maneira, um conjunto de novas práticas e metodologias que
buscam resgatar as práticas tradicionais é experimentado, ainda que na perspectiva da difusão
de tecnologias alternativas. “Não é sem razão, como marca Petersen, que a perspectiva de
difundir tecnologias alternativas marcou dominantemente esse período inicial de atuação das
assessorias” (2007, p. 11).
No final daquela década e inicio dos anos 1990, o debate em torno da
agroecologia entra em cena, reorientando metodologicamente as ações das entidades de
assessoria. A incorporação do agroecossistema17 como unidade de organização e
planejamento possibilitou às entidades de assessoria alcançar uma melhor compreensão sobre
a agricultura familiar camponesa, bem como sobre os princípios que lhes dão apoio, deixou
mais evidente a necessidade da preservação e da ampliação da biodiversidade e ainda reforçou
a valorização da dinâmica cultural local. Entre as várias conquistas, destacam-se
principalmente os avanços alcançados no sentido da superação do enfoque metodológico
centrado em tecnologias pontuais e a construção de novas relações entre a assessoria e os
agricultores.
É relevante dizer que o serviço de extensão rural oficial18 foi criado para atender
ao processo de modernização do campo, cujo pano de fundo foi à expansão do
17 Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustíveis e outros produtos para consumo e utilização humana. A agroecologia é o estudo holístico dos agroecossistemas, abrangendo todos os elementos ambientais e humanos” (ALTIERI, 2012, p. 105). 18 Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER, no Brasil, teve início na década de 1940, no contexto da política de pós-guerra. Foi implantada como um serviço privado ou paraestatal, com apoio de entidades públicas e privadas. Em 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, foi criada a Associação Brasileira de Credito e Assistência Rural – ABCAR. Em meados da década de 1970 o governo de Ernesto Geisel estatizou o serviço, implantado o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural - SIBRATER, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMBRATER e as EMATER. Já na década de 1990, o governo do presidente Collor de Mello extinguiu a EMBRATER, dando origem ao desmonte do serviço (BRASIL, MDA, 2004).
37
desenvolvimento capitalista no Brasil. Moreira a esse respeito (2010) assinala que as forças
políticas presentes na política agrícola e agrária em 1964, incluindo a política científica e
tecnológica, quanto à extensão rural, são reveladoras da aliança nacional-internacional que no
contexto da Guerra Fria serviu de base para a implantação da “revolução verde” na América
Latina, de forma especifica no Brasil. Ao comparar os “cinquenta anos em cinco” de
Juscelino Kubitchek, Moreira (2010) diz que a “revolução verde”, enquanto política de
governo, consolidou a modernização tecnológica da agricultura capitalista, também em cinco
anos, de 1965-1970.
O pacote tecnológico levado aos camponeses não tinha por objetivo permitir que
eles pudessem ter acesso a novos conhecimentos e tecnologias. Na realidade, seu objetivo
segundo Martins (2004, p. 46) “é a guerra cultural contra a mentalidade, os costumes e as
tradições dos pequenos agricultores pobres, de modo a convertê-los em um apêndice da
indústria de insumos e equipamentos agrícolas”.
Bergamasco, baseada em inúmeras análises, esclarece que o desempenho dessa
extensão rural não foi capaz de melhorar os níveis de vida das famílias rurais. Para a autora,
isso se deve, em grande medida, pela exclusão de grande massa da população do modelo de
desenvolvimento. Ela conclui destacando que coube “a extensão rural apenas o mérito de ter
colaborado no aumento da produção e da produtividade de alguns produtos” (1993
apudSCHMITZ, 2010, p.118).
A principal característica da agroecologia no Brasil, de acordo Petersen e Caporal
(2012), é a sua relação com a agricultura familiar camponesa. Nesse sentido, os autores
afirmam que o movimento agroecológico se coloca em um campo social e cientifico de
disputa na sociedade, especialmente ao vincular-se a defesa das mudanças estruturais no
campo, aliados aos históricos movimentos camponeses e da agricultura familiar. Entretanto, a
defesa do campo agroecológico pela agricultura familiar camponesa é frequentemente
analisada a partir de um idealismo utópico, conforme explicam Petersen e Caporal. Em
contraponto, os autores chamam atenção para as resistências construídas cotidianamente pelo
próprio campesinato, especialmente no que se refere ao controle de frações do território com o
objetivo de “reduzir o poder de apropriação das riquezas socialmente geradas pelo capital
industrial e financeiro ligado ao agronegócio” (PETRESEN & CAPORAL, 2012, p. 66).
A América Latina e, de modo particular, o Brasil recebeu mais fortemente
influencia da “escola agroecológica”, então formada por pesquisadores de diferentes campos
do conhecimento reunidos em torno dos aspectos técnico-produtivos e sociais. Essa escola
38
recebeu influências de muitas teorias mais só ampliou seu campo teórico quando estendeu as
bases científicas da ecologia à realidade dos sistemas camponeses (CANUTO, 1998).
2.3.1 Agroecologia: ciência, prática e movimento
A agroecologia é, ao mesmo tempo, uma ciência, uma prática e um movimento
social, afirmou Stephen R. Gliessman, durante o VII Congresso Brasileiro de Agroecologia19.
Como um enfoque científico, Gliessman (2000, p. 13) ensina que a agroecologia estuda “a
aplicação de principios ecológicos ao desenho e manejo de agoecossitemas sustentáveis”. Por
sua vez, Altieri, acrescenta que ela articula “os princípios agronômicos, ecológicos,
socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas
agrícolas e a sociedade como um todo” (2004, p.23). Altieri, conforme explicam Petersen e
Caporal (2012), introduziu em 1983, a ideia de agroecologia como “bases cientificas para
agricultura alternativa” e, logo após, se estendeu para bases cientificas para uma agricultura
sustentável. Dadas às evidencias dos fracassos socioambientais e econômicos provocados pela
Revolução Verde, nasce como contraponto, à aproximação entre agronomia e ecologia
(PETRESEN & CAPORAL, 2012).
A perspectiva agroecológica se destina a apoiar e dar sustentação à transição dos
atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de
desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis (CAPORAL, COSTABEBER e
PAULUS, 2006). Essa compreensão está fundamentada na afirmação de Altieri (2012, p. 16):
Como ciência, baseia-se na aplicação da Ecologia para o estudo, o desenho e o manejo de agroecossistemas sustentáveis. Isso conduz à diversificação agrícola projetada intencionalmente para promover interações biológicas e sinergias benéficas entre os componentes do agroecossistema, de modo a permitir a regeneração da fertilidade do solo e a manutenção da produtividade e da produção de culturas.
Caporal (2009, p. 292) afirma que as contribuições trazidas por essa disciplina
científica, “[...] vão mais além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da
produção, incorporando dimensões mais amplas e complexas que aquelas das ciências
agrárias puras [...]”, incluindo, além das dimensões econômicas, sociais e ambientais, as
dimensões culturais, políticas e éticas da sustentabilidade.
19 O VII Congresso Brasileiro de Agroecologia foi realizado na cidade de Fortaleza em 2011. Nessa ocasião, Gliessman, ao discutir a agroecologia como um novo paradigma de mudança social para desenvolvimento rural sustentável, afirmou que “a agroecologia é uma ciência, uma prática e um movimento social” e, se esses três não estiverem acontecendo, não está se fazendo agroecologia (informação verbal).
39
Enquanto um conjunto de práticas, a agroecologia baseia-se em uma diversidade
de conhecimentos e técnicas fortemente vinculadas ao processo de experimentação dos
agricultores. Daí a ênfase dessa perspectiva, “na capacidade das comunidades locais para
experimentar, avaliar e expandir seu poder de inovação por meio da pesquisa de agricultor a
agricultor e utilizando ferramentas de extensão baseadas em relações mais horizontais entre os
atores” (ALTIERI, 2012, p. 16). Nesse sentido, a dimensão local tem um papel central,
acrescenta Caporal (2009, p. 293), “por ser portadora de um potencial endógeno, rico em
recursos, conhecimentos e saberes que facilitam a implementação de estilos de agriculturas
potencializadoras da biodiversidade ecológica e da diversidade sociocultural”.
Segundo Altieri20(2011, p. 7) a agroecologia:
[...] oferece conhecimentos e as metodologias necessárias para desenvolver uma agricultura que seja, por um lado, ambientalmente adequada e, por outro, altamente produtiva, socialmente equitativa e economicamente viável. Através da aplicação dos princípios agroecológicos, poderão ser superados os desafios básicos na construção de agriculturas sustentáveis, ou seja, fazer um melhor uso dos recursos internos; minimizar o uso dos recursos externos; reciclar e gerar recursos e insumos no interior dos agroecossistemas; usar com mais eficiências as estratégias de diversificação que aumentam o sinergismo entre os componentes – chave de cada agroecossistema.
Nos sistemas de produção baseados na agroecologia, a aplicação dos conceitos e
principios da ecologia ao manejo dos agoecossitemas extrapolam uma visão unidimensional,
centrada em aspectos particulares, isto é, genética, edafológica entre outros. Nela prevalece
uma visão holísticana, na qual os processos sociais, biológicos e ambientais estão em inter-
relação, passando a ser analisados em seu conjunto (ALTIERI, 2012; CAPORAL &
COSTABEBER, 2004).
Belarmino Neto (2006) nos fala da existência de diferentes tipos de sistemas
sejam eles agrícolas, urbanos e orgânicos, todos passíveis de interações. Porém, a noção de
agroecossistema anteriormente definido na lógica do capitalista fica restrita ao campo dos
significados e conceitos científicos. Daí torna-se fundamental diferenciar um sistema agrícola
de um agroecossistema. Interessa a agroecologia produzir alimentos, reduzir danos ambientais
e melhorar as condições de vida da população. Enquanto que, no modo de produção e de vida
capitalista, essas mesmas “preocupações” passam, necessariamente, pela lógica do mercado
(abastecimento, preços, energia, uso de solo e insumos entre outros).
20 Esse texto foi traduzido e adaptado por Francisco Roberto Caporal, do artigo “Agroecológia: principios y estratégias para una agricultura sustetentable em América Latina delsiglo XXI” de Miguel A . Altieri, publicado no livro O desenvolvimento rural como forma de aplicação dos direitos no campo: Principios de tecnologias( MOURA. E. G e AGUIAR, A . C. F. São Luís. UEMA, 2006.
40
Partindo de uma perspectiva mais ampla e complexa, Guzmán oferece à
agroecologia a seguinte definição (2006,p. 202):
A agroecologia pode ser definida como manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas a atual crise da modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo desde os âmbitos da produção a da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e consumo que contribuam para enfrentar a crise ecológica e social, e com ele restaurar o curso alterado da coevolução social e ecológica.
Nessa passagem, observa-se a convergência entre os novos estilos de agricultura e
formas de ação coletiva. Para o processo de transição agroecológica, a gestão produtiva dos
recursos naturais passa, necessariamente, pela adesão dos atores coletivos, com seus
interesses, projetos e valores comuns, podendo, em seu conjunto, representar, “uma
alternativa para superar a crise socioambiental percebida pelos agricultores” (COSTABEBER
& MOYANO, 2009).
Para Caporal e Costabeber (2004), a terminologia “agricultura de base
agroecológica” explicita, de modo geral, a diferenciação entre os estilos de agricultura
resultantes da aplicação dos princípios e conceitos da agroecologia na agricultura
convencional21. Os autores chamam-nos atenção ao explicarem que a agricultura de base
ecológica, fundamentada nos princípios da agroecologia, não pode ser confundida com outros
estilos de agriculturas ecológicas. Segundo esses estudiosos, uma produção agroecológica não
é simplesmente aquela que não utiliza agrotóxicos ou fertilizantes químicos em seus
processos produtivos.
Nesse sentido, é preciso estar atento para o fato que tanto a agricultura ecológica,
quanto a agricultura orgânica, podem resultar da aplicação de técnicas e métodos
diferenciados de pacotes convencionais, cujo único objetivo é atender o mercado dos produtos
ditos “ecológicos”, “orgânicos” ou” limpos” (CAPORAL & COSTABEBER, 2004). A esse
respeito, Petersen e Caporal (2012) dizem que, no Brasil, a agroecologia distingue-se dos
modelos convencionais dos econegócios orgânicos, ao defender o direito universal de acesso a
alimentos sadios para todos, colocando, ainda, como prerrogativa a obrigação das atuais
gerações assegurarem a base de recursos da qual as futuras gerações dependerão.
A agroecologia aparece com diferentes significados, tanto no discurso dos
protagonistas das ações, quanto na literatura que trata do tema. De modo geral, está
21 Baseados em Canuto utilizamos o termo agricultura convencional ao nos referirmos a agricultura introduzida pelos complexos industriais. O mesmo equivale à expressão agricultura moderna ou agricultura baseada na revolução verde (1998).
41
comumente associada a um estilo de vida mais saudável, à produção baseada nas leis da
natureza, que se concretiza de forma mais justa, uma vez que preserva e não destrói o meio
ambiente e que estabelece em seus processos maior equilíbrio entre homem e natureza. Há
também quem a compreenda como um conjunto de técnicas e/ou procedimentos. Entretanto,
de acordo com Caporal e Costabeber (2004), tais interpretações são imprecisas, pois
obscurecem o entendimento da agroecologia como ciência que estabelece as bases para a
construção de estilos de agriculturas sustentáveis. Os autores ainda esclarecem que a
agroecologia não oferece nenhuma teoria sobre desenvolvimento rural sustentável ou sobre
metodologias participativas, mas busca nutrir-se de métodos e formas de investigação que
partam das experiências concretas e de conhecimentos já acumulados.
A proposição agroecológica confere de modo especial aos camponeses e às
comunidades tradicionais, como legítimos sujeitos do processo de desenvolvimento rural,
dando destaque ao conhecimento local, considerado ponto de partida para o processo de
dialogo entre conhecimento técnico - cientifico com diferentes saberes, para a construção de
novos conhecimentos (CAPORAL & COSATBEBER, 2004). Abre-se, assim, um espaço
para a valorização do saber/fazer dos agricultores. Essa perspectiva distancia-se dos
procedimentos adotados pela ciência convencional ao negar o papel dos camponeses “como
agentes da produção e de disseminação de novidades, com isso procurando deslegitimar todo
e qualquer conhecimento não cientifico e reservando à comunidade acadêmica o monopólio
da geração e da difusão de tecnologia” (PETERSENet al., 2009, p 87).
Sobre o sistema de conhecimento tradicional na agroecologia, Altieri e Nicholls
(2004) destacam quatro aspectos que consideram importantes, são eles: o conhecimento sobre
o meio ambiente, a diversidade biológica local, o conhecimento de práticas agrícolas e a
natureza experimental do conhecimento tradicional. Esses aspectos são reveladores da
complexa natureza do saber camponês, forjado a partir das necessidades do cotidiano,
especialmente sobre solo, climas, vegetação, animais e ecossistemas. Com isso, podemos
afirmar que o desenvolvimento da agricultura não é um campo restrito ao progresso cientifico
como querem fazer crer a ciência burguesa (PETERSEN et al., 2009).
A construção do campo agroecológico no Brasil nasce por dentro do movimento
de critica em reação aos impactos sociais e ambientais provocados pela modernização da
agricultura baseada na Revolução verde. Nesse contexto, destacam-se a reorganização dos
movimentos sociais no campo, o movimento ambientalista a partir da segunda metade da
década de 1970, a realização dos encontros da Rede Projeto Tecnologias Alternativas (Rede
42
PTA) e o surgimento em diferentes regiões do país, de experiências baseadas na disseminação
de práticas alternativas (SCHMITT, 2009).
Dessa rica trajetória de resistência formou-se o campo agroecológico, movimento
informal criado a partir da diversidade de sujeitos e de contextos socioeconômicos.
Caracteriza-se, de modo geral, como um espaço social de expressão nacional que articula
redes e mobiliza um conjunto heterogêneo de dinâmicas sociais, seja no âmbito local e/ou
regional (ALMEIDA, 2009). Nesse caminho, destacam-se as redes de agricultores
experimentadores, as casas de sementes, os fundos rotativos, as feiras agroecológicas, as
associações de consumidores, grupos de consumo consciente, os grupos produtivos, entre
outros exemplos espalhados em todo o território brasileiro.
Esse movimento ainda envolve um conjunto de entidades de assessorias a
organizações de agricultores familiares, instituições oficiais de ensino, pesquisa e extensão,
bem como diferentes categorias de profissionais na área do desenvolvimento rural.
2.3.2 Contexto político brasileiro e o desafio do fazer agroecológico
Para apreendermos essa realidade sob o ponto de vista político, é fundamental,
como demonstra Delgado (2010), retomarmos a década de 1990, período considerado crucial
tanto pela continuidade do padrão dominante no meio rural no Brasil quanto pela gestação de
uma visão alternativa acerca do significado do rural e de seu desenvolvimento e, portanto,
pelas possibilidades de democratização das relações sociais e políticas no campo.
Esse cenário tenciona dois projetos políticos contraditórios e em disputa. Nas
palavras de Delgado (2010), um projeto neoliberal, leia-se do agronegócio e o outro é o
projeto democratizante, onde se insere o novo desenvolvimento rural baseado na agricultura
familiar, cuja origem remonta a década de 1970.
A década 1990, mais especificamente no governo de Fernando Collor de Mello
(1990-1992), foi marcada pelo desmonte do Sistema Nacional de Assistência Técnica,
tendência seguida em função da crise financeira do Estado e do desmonte da política pública
de regulação do Complexo Trigo Brasil, abrindo como explica Delgado (2010, p. 29)
[...] a porta para o abandono do sistema de politica agrícola baseado na coordenação do mercado interno e na intervenção direta nos mercados agrícolas e para a opção por uma estratégia de liberalização de mercado e de privatização de instrumentos de politica, que veio a ser implementada [...] numa conjuntura de abundancia de créditos internacionais para a economia brasileira - com efeitos negativos para a agricultura, principalmente a familiar.
43
Em seguida, Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) governou de
forma a coadunar com o projeto neoliberal, promoveu a abertura ao sistema financeiro e
concedeu aos empresários rurais empréstimos a juros mais baixos do que os destinados para
os agricultores familiares. A proposta desse projeto seguia as seguintes orientações
(DELGADO, 2010,p. 33):
(1) de privatização do setor produtivo estatal e de redução do protagonismo do Estado no crescimento econômico, (2) de ênfase no papel ativo das empresas internacionais em mercados domésticos desregulados e liberalizados, através da abertura comercial, e (3) do papel estratégico das exportações agrícolas para enfrentar o estrangulamento recorrente da balança de pagamentos - especialmente em uma economia que se estava tornando mais aberta e desregulada – e alavancar a retomada do crescimento econômico.
Delgado (2010, p. 35) assevera que a relativa desindustrialização parece ter
induzido nas décadas de 1980 e 1990 o retorno do país ao projeto de “vocação
agroexportador” defendido historicamente pela elite agrária. Essa política consolidou a
agricultura moderna de exportação, favorecendo o agronegócio, definido a partir do caso
brasileiro, como: “[...] um bloco econômico e de poder bastante amplo e internacionalizado,
relacionado a diversas atividades agrícolas, agrárias e agroindustriais domésticas, e que inclui
produtores e empresários capitalistas, latifundiários e setores industriais e financeiros
nacionais e estrangeiros”.
Para Delgado (2010, p. 35), a análise concreta da economia, da sociedade e da
política de agronegócio precede o rompimento com uma perspectiva de analise que o toma
como um “bloco monolítico”, uma vez que se trata de uma realidade que precisa ser
apreendida a partir da sua diversidade, heterogeneidade e de sua especificidade de
componentes, sobretudo no que se refere a sua relação com o Estado e a sociedade.
Nossa intenção não é realizar uma análise profunda sobre atuação desses governos
sobre o meio rural, contudo destacar algumas tendências e, portanto, situar as experiências da
agricultura familiar camponesa na perspectiva agroecológica por nós investigada.
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007- 2010), verificou-se
a continuidade do projeto neoliberal, especialmente em relação à agricultura e ao meio rural,
materializada na defesa da convivência equilibrada entre o modelo do agronegócio e da
agricultura familiar. Delgado (2010) ilustra essa tendência a partir dos seguintes elementos: a
manutenção da lógica neoliberalizante assumida por Fernando Henrique Cardoso; a
importância conferida ao agronegócio, que continuou determinando a agenda de negociações
comerciais sobre a agricultura no país, em que pese a decisão governamental de permitir a
produção de produtos transgênicos; verificou-se, também, a inflexão na importância assumida
44
pela reforma agrária. A esse respeito, o autor afirma que as políticas parecem dissociar a
necessidade histórica de reforma agrária das políticas destinadas à agricultura familiar, o que
faz o governo de Lula se aproximar do governo de Fernando Henrique Cardoso. De modo
geral, houve um prosseguimento do padrão predominante de modernização da agricultura,
“não obstante sua preocupação anunciada com a redução das desigualdades no campo, em
espacial através da inclusão de agricultores até aqui excluídos do processo de modernização”
(DELGADO, 2010, p. 41).
O que não significa dizer que não houve oportunidades, especialmente àquelas
ligadas ao segmento da agricultura familiar e outas populações e povos que vivem no meio
rural. Foi construído um aparato governamental22 para esse segmento. Nesse contexto,
destacamos a reconstrução da Política Nacional de Assessoria Técnica e Extensão Rural23
(2003), a aprovação a Lei da Agricultura Familiar24 (2006) e a institucionalização da à
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e
Reforma Agrária - PNATER25 e do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER26 (2010).
Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, por meio da
Secretaria de Agricultura Familiar – SAF, iniciou a reconstrução da Política Nacional de
Assessoria Técnica e Extensão Rural (PNATER). A elaboração dessa nova política resultou
de um processo de discussão entre as esferas do governo, os segmentos da sociedade civil e os
movimentos sociais do campo. A PNATER foi fortemente influenciada pelas práticas
inovadoras de ATER das ONGs, sendo, reconhecidamente, uma conquista resultante das lutas
dos movimentos e organizações sociais do campo. A agroecologia aparece pela primeira vez
22 Em relação às políticas publicas de desenvolvimento rural baseados na agricultura familiar se destacam: o Plano Safra para a Agricultura familiar, a criação pela Conab, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa da Alimentação Escolar (PNAE) e, mais recentemente, o Programa Brasil sem Miséria (2011) destinado às famílias que se encontram abaixo da linha da pobreza (incluindo ainda comunidades e povos tradicionais e assentados da reforma agrária). 23 As atividades da ATER voltadas a atender agricultores familiares, assentados, quilombolas, pescadores artesanais, povos indígenas e outros passam a ser coordenadas pela SAF/MDA, como estabelece o decreto nº 4739 de 13 de junho de 2003. 24 A lei Nº 11.326, de 24 de junho de 2006, estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Nela considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que prática atividade no meio rural e que atende um conjunto de requisitos que contemplam a heterogeneidade de caraterísticas desse segmento. 25Lei Nº 12.188, de 11 janeiro de 2010. 26 Para essa lei, entende-se por Assistência Técnica e Extensão Rural: serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais; (BRASIL, 2010).
45
em uma política pública nacional, sob a forma de princípios norteadores para as ações de
assistência técnica e extensão rural, como segue (BRASIL, 2004):
Contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, apoiando os agricultores familiares e demais públicos descritos anteriormente, na potencialização do uso sustentável dos recursos naturais.
Adotar uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, estimulando a adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da Agroecologia.
Desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a partir de um enfoque dialético, humanista e construtivista, visando à formação de competências, mudanças de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de melhoria da qualidade de vida e de promoção do desenvolvimento rural sustentável.
Apesar dos avanços alcançados no campo agroecológico, observa-se um
retrocesso na PNATER. Petersen e Caporal (2012), ao discutirem as Políticas públicas e
agroecologia no Brasil, avaliam queum conjunto de proposições de caráter metodológico,
introduzidas na lei de Ater (2010), contradizem os princípios básicos para o desenvolvimento
de serviços de Ater baseados na perspectiva agroecológica. Não houve um esforço para o
aperfeiçoamento da política, ao contrário, houve a reedição de uma abordagem difusionista,
em que os editais públicos de contratação dos serviços de Ater, por exemplo, continuam
apostando em práticas individualizadas e, totalmente na contramão dos avanços
metodológicos estimulados pelas dinâmicas territoriais de inovação agroecológica. Os
movimentos sociais rurais e representantes do segmento da agricultura familiar denunciam
não haverem participado da reelaboração da política, de modo que esta não reflete as
demandas postas pelos sujeitos implicados nestas ações.
Nesse mesmo período, o Brasil passou a ostentar o titulo de campeão mundial no
consumo de agrotóxicos, sendo que, em 2008, movimentou 6, 62 bilhões de dólares “[...] para
um consumo de 725,6 mil toneladas de agrotóxicos - o que representa 3,7 quilos de
agrotóxicos por habitante. Em 2009, as vendas atingiram 789.974 toneladas, e em 2010
ultrapassaram a casa de 1 milhão de toneladas” 27 (RIGOTTO, et al., p. 219, 2011).
Em se tratando da assistência técnica, na pesquisa de campo realizada junto a
agricultores familiares, no sentido de subsidiar as reflexões trazidas no presente trabalho,
foram destacados dois aspectos: um diz respeito à dificuldade para acessar os serviços de
27 A Via Campesina em 2011 encabeçou a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e nesse mesmo sentido o diretor Sílvio Tendler lançou o filme O Veneno Está na Mesa, ambos discutem o trágico efeito à agricultura brasileira do uso de agrotóxicos. É uma alerta e ao mesmo tempo uma convocatória a sociedade brasileira para se envolver nessa discussão.
46
assistência técnica e o segundo diz respeito à descontinuidade da assistência prestada. Dona
Rita, da comunidade de Cimuaba, no município de Tururu-CE, situa esse problema da
seguinte forma:
É muito difícil. Nós tivemos apoio do SENAR [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] as capacitações e do Cetra na informalidade. A gente fica tirando um pouquinho de cada um. A gente pediu uma agente rural à EMATERCE e o agente rural passou três anos. É um projeto pobre, quando a pessoa acaba de se adaptar àquele meio aí começa a trabalhar, aí acaba o contrato e aí não renova não! Acho isso muito errado. Nosso problema é assistência técnica, também falta recurso, mas aí agente pega de um, se arranja com outro e se vira, porque a mão de obra é da família, né?(silêncio) Infelizmente é assim!
Referente às políticas para agricultura familiar, a lógica continua no sentido da
“modernização”, restrita às mudanças de base técnica, sem questionar o uso de agroquímicos,
ao financiamento de maquinas e equipamentos destinados a “modernizar” as unidades
produtivas. Nesse sentido, destaca-se o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar -
PRONAF28, política que nasceu a partir das reivindicação dos trabalhadores rurais e do
movimento sindical e proporciona o acesso aos serviços ofertados pelo sistema financeiro
nacional. O Pronaf se constituiu, durante a última década, como a principal política pública do
Governo Federal para apoiar os agricultores familiares (SCHNEIDER et al., 2004).
Petersen e Caporal (2012) registram que no Pronaf encontram-se linhas
específicas para o financiamento de agriculturas alternativas, como o Pronaf Agroecologia,
Pronaf Florestas, Pronaf Semiárido entre outros. No entanto, os agricultores apontam
dificuldades para acessar essas linhas, visto que os agentes financeiros não têm o devido
esclarecimento sobre os programas e, ainda continuam a operar sob a lógica dos pacotes
tecnológicos da revolução verde, ignorando a racionalidade das unidades de produtivas da
agricultura familiar camponesa. Esses problemas são vivenciados cotidianamente pelos
camponeses quando buscam acessar estes recursos, conforme explica o agricultor José Júlio,
do assentamento Várzea do Mundaú, no município de Trairi-Ce:
Nunca consegui acessar crédito para esse tipo de produção. Existem muitas dificuldades; o banco só quer liberar recurso para comprar veneno. Tem toda uma burocracia. No papel tem crédito para a agroecologia, mas, na realidade, é difícil. Tem a história, mas não tem o dinheiro para o agricultor.
28 O PRONAF foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1996, através do Decreto Presidencial nº 1.946, de 28/07/1996 por meio da reivindicação da Contag e, negociada pelo Movimento dos trabalhadores sem Terra (MST) com o Governo Federal. A partir de 2003 houve um aumento da disponibilidade de recursos, o volume total de crédito passou de R$ 2,3 bilhões na safra 2002/2003 para R$ 10,7 bilhões 2008/2009, o que corresponde um acréscimo de 365% (DELGADO, 2010).
47
A existência por si só dessaslinhas de crédito não garantemseu acesso pelos
agricultores, sendo ainda bastante restritas.Já as agências de financiamento oficiais ao lado
dos serviços de assistência técnica (governamental e não governamental) , como se observou
ao longo desse estudo, reproduzem, de modo geral, o modelo de modernização técnica
baseado nos pacotes convencionais. Zé Júlio, em seu depoimento, expressa a dificuldade de
acessar as linhas de crédito específicas à produção de base ecológica, destacando as
dificuldades e ao mesmo tempo denunciando a burocracia que cerca os investimentos
disponibilizados aos agricultores , em muitos casos determinantes para a estruturação e
restruturação das unidades familiares - compra de insumos e animais e construção de
pequenas infraestruturas entre outras necessidades que não são atendidas pelo crédito
destinado aos agricultores e agricultoras. As experiências analisadas ao longo da pesquisa
deflagram essa realidade que tende a ser desigual quando se parte para analisar diferentes
regiões do país.
Nessa perspectiva, a discussão sobre as políticas públicas dirigidas ao segmento
da agricultura familiar camponesa nos leva ainda a outro conjunto de questões, quais sejam:
como são produzidos os alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, quem os produz, sob
quais condições e quem tem acesso a eles?
Nesse caminho, questionamos ainda: quais são as possibilidades de se construir
outro modelo de produção e tecnológico no campo, a partir da interação entre conhecimento
técnico científico e as experiências camponesas inspiradas na agroecologia?
48
CAPÍTLO 2
3 TRAVESSIA: OS REFERENCIAIS QUE ILUMINARAM A PESQUIS A
Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai darna outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou [...] o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...” (João Guimarães Rosa)
3.1 Orientação teórico-metodológica
Nos últimos duzentos anos, acreditava-sequeo crescimento da atividade industrial
levaria a superação do caráter limitado das formas pré-industriais de interação do homem com
a natureza. No entanto, após dois séculos de intenso crescimento econômico, os chamados
“limites naturais”, “[...] exigem a superação de práticas agrícolas que a sociedade tende a
considerar vulneráveis e nocivas em demasia” (VEIGA, 2003, p. 210).
Em face disso, pode-se dizer que não são os tais “limites naturais” os responsáveis
diretos, tampouco as práticas convencionais, como costumam apregoar alguns ideólogos, os
responsáveis pela insustentabilidade da vida no planeta. Mas a própria natureza destrutiva do
capital, enquanto “contradição viva”, que impõe a subordinação da produção e do consumo
aos imperativos da acumulação (SILVA, 2010, p. 48). Silva entende que:
[...] o capitalismo não pode sustentar-se indefinidamente, sem que os avanços tecnológicos e científicos por este obtidos resultem em crescente perdularidade e destruição. O assombroso aumento da produtividade do capital o faz senhor e voraz devorador dos recursos humanos e matérias do planeta para, em seguida, retomá-los como mercadorias de consumo de massa, cada vez mais subutilizados ou, diretamente, como armamentos com imenso poder destrutivo.
Para a autora, a dinâmica destrutiva desse sistema, mantém-se e aprofunda-se no
mesmo ritmo das discussões que pautam a necessidade de preservação/conservação dos bens
naturais. Ocorre, então, o investimento do Estado, no que diz respeito ao desenvolvimento de
novas tecnologias, a intensificação dos processos de educação ambiental ou até mesmo a
incorporação de indicadores socioambientais nas atividades mercantis, tal como ocorre nas
empresas (SILVA, 2010).
Partindo do pressuposto de que é nas marcas de uma sociedade cindida em duas
classes que a agricultura familiar camponesa se realiza como um modo de produção e de vida,
a reflexão acerca da articulação entre a lógica destrutiva e suas repercussões para esse modo
49
de vida apontam o materialismo histórico e dialético como caminho metodológico para esta
investigação.
Ao discutir a construção de uma categoria de análise no processo de apreensão do
objeto, Ianni explica que o movimento dialético é sempre uma análise crítica sobre a história
concreta dos seres sociais porque “primeiro parte da preliminar de que a realidade não se dá a
conhecer a não ser pela reflexão demorada, reiterada, obstinada [...] essa observação de fato se
demora sobre o objeto para desvendar, no objeto dimensões que não são visíveis, que não são
dadas” (IANNI,1986, p. 3). Trata-se de um exercício de dedicação daqueles que buscam um
acercamento da verdade.
Marx (1984, p. 14) formula assim a questão:
As premissas com que começamos não são arbitrárias, não são dogmas, são premissas reais, e delas só na imaginação se pode abstrair. São os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto as que encontram como as que produzem pela própria ação. Estas premissas são, portanto, constatáveis de modo puramente empírico.
Quanto à questão do método em Marx29, Morais (2004, p. 49) sintetiza que o
processo de conhecimento “[...] significa desvendar e reproduzir teoricamente o concreto real,
no plano da consciência, como concreto pensado”. Nessa perspectiva, o concreto real se
apresenta como uma unidade de múltiplas determinações cabendo à investigação e à
exposição apanhar a racionalidade imanente ao objeto real, ou seja, apreender a sua
totalidade, nesse aspecto que reside o critério de verdade do método.
Esse encontro - na análise da dinâmica da realidade por nós estudada –dá-se,
prioritariamente, no cotidiano, terreno no qual os agricultores familiares e camponeses
produzem e reproduzem as formas de praticar e viver agricultura, onde elaboram estratégias
de organização social, vivem novas relações sociais e constroem saberes.
Na cotidianidade, eles participam com seu trabalho, necessidades, sentimentos,
habilidades, sentidos, paixões, ideias, como homens inteiros30. Assim, vão tomando
consciência da sua relação com o mundo objetivo, em sua totalidade e contradições, e se
29 O método não é uma receita, mapa, bula, mas como caminho, rumo, direção. Essa preocupação se justifica quando se entende que a escolha do método é “[...] uma via de acesso que permite interpretar com maior coerência e correção possíveis às questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador” (OLIVEIRA, 1998, p. 17). 30Entendemos conceito “o homem inteiro” da mesma forma como refletiu Santos (2009) que o concebe a partir de diálogo feito com a Estética (1982) de Lukács. Conforme esclarece Santos, o filósofo húngaro entende que o homem inteiro é aquele imerso no cotidiano em toda a extensão de sua existência, em contraposição ao homem inteiramente que ultrapassa o imediatamente caótico da cotidianidade através, por exemplo, da ciências, da arte ou da religião. Uma vez elevado por sobre o cotidiano, o homem inteiro retorna a este solo enriquecendo-o com as objetivações superiores. Contudo, não há separação mecânica entre os dois momentos e ambos se processam na mesma esfera. Com efeito, o homem inteiro e o homem inteiramente existem a partir da cotidianidade.
50
reconhecendo como humano-genéricos, portanto, sujeitos históricos capazes de fazer
escolhas, embora sempre dentro do campo de possibilidades posto no seu cotidiano, pela
mediação da sua capacidade de produção. A esse respeito, assim expressa Heller:
A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja o seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade. E, ao contrário, não há nenhum homem, por mais ‘insubstancial’ que seja que viva tão-somente na cotidianidade, embora essa o absorva preponderantemente (1989, p. 17).
Evidenciar as trajetórias individual e coletiva, as relações com o Estado e as
políticas públicas, com o mercado, as realidades específicas e o esforço de transformar
coletivamente as formas de praticar agricultura a partir dessa esfera essencial da vida requer
um movimento de ida e volta, o que significa dizer que na ”ida” o movimento vai do empírico
ao abstrato e na “volta”, do abstrato ao concreto (MORAIS, 2004).
Esse movimento parte do cotidiano enriquece e volta para o próprio cotidiano,
para entender melhor essa dialética Lukács31assinala que (1982 p. 11):
Se nós representarmos a cotidianidade como um grande rio, pode ser dito que dele se desprendem em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, e essas se diferenciam e se constituem de acordo com suas finalidades específicas, e alcançam sua forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para logo, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza da vida cotidiana. Essa, por sua vez, se enriquece constantemente com os resultados superiores do espírito humano, o assimila as suas necessidades cotidianas práticas, dando assim lugar a questões e a exigências que originam ramificações de formas superiores de objetivação.
Com o entendimento de que a vida dos agricultores se dá na cotidianidade, as
mudanças que nossa investigação busca desvelar junto às experiências vividas por esse grupo
de pessoas, que, por sua vez, experimenta a transição agroecológica, apresentam como recorte
à dimensão do social, que no entendimento de Siliprandi (2002 p. 39):
[...] abrange a dimensão produtiva e econômica, não só na preocupação com os resultados físicos ou financeiros, ou no entendimento do por que se adota ou não uma certa tecnologia; mas na forma como se organiza essa produção, nas relações de poder que estrutura na ação das pessoas, nas implicações que os processos de organização social trazem para as mudanças concretas na vida de todos.
Desse modo, ao reconhecer o sujeito e garantir sua centralidade na pesquisa, não
se nega a importância da dimensão econômica. Como bem formulou Iamamoto (2010) em
31A tradução da Estética I de Lukács é fruto das reflexões produzidas pelo grupo de estudos Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social, vinculado ao Instituto de Estudos e Pesquisa do Movimento Operário da Universidade Estadual do Ceará (IMO-Universidade Estadual do Ceará).
51
diálogo com Marx, o mundo não pode ser compreendido unicamente através da experiência
subjetiva. Portanto, o entendimento adotado para esta pesquisa é que a problemática deve ser
analisada a partir da dialética objetividade-subjetividade. Com efeito, as determinações
objetivas e a subjetividade dos sujeitos não podem ser concebidas separadamente. A
subjetividade, explica-nos Saffiotti (apud BURGUIGNON, 2008), dá-se na relação entre o
indivíduo e as estruturas culturais. Assim, a condição de vida e trabalho dos agricultores
envolvidos com novos formatos de produção é, ao mesmo tempo, a história de suas relações
sociais. Para Marx (1984), os homens ao produzirem seus meios de vida, produzem
indiretamente sua vida material.
O ponto de encontro das experiências aqui estudadas é a Rede Agricultores
Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Essa escolha
fundamenta-se no estudo da ação social coletiva, como um elemento fundamental para
compreendermos a consolidação de novos estilos de agricultura sustentável. Essa ação
coletiva ou práxis libertadora proporciona, de acordo com Iamamoto baseado em Lukásc,
“[...] a transformação dos explorados em sujeitos históricos conscientes [...]” (2010, p. 269).
Iamamoto inspirada em Löwy (2010, p. 269), fala ainda que essa ação coletiva, embora não
negue a cotidianidade, considerada categoria incomprimível da vida social, “conduz a sua
suspensão durante o movimento revolucionário, e, sobretudo, ao mais largo prazo, à
superação da natureza reificada das relações sociais no cotidiano”.
Para Lefebvre (1991), o cotidiano não é só um conceito, mas um fio condutor para
captar, penetrar e definir a sociedade, situando o cotidiano no global. Como refletimos com
Guimaraes Rosa na epígrafe desse capítulo, “[...] o real não está na saída nem na chegada: ele
se dispõe para a gente é no meio da travessia”. A travessia revelará o que tem alimentado o
movimento afirmativo sobre uma nova forma de produzir, materializado nas experiências de
transição agroecológica, que combina as respostas econômicas e sociais imediatas postas
pelos camponeses com a sua perspectiva estratégica de transformação do mundo
(CARVALHO, 2009).
3.2 Os sujeitos, procedimentos da pesquisa e trabalho de campo
Para analisar as experiências de transição agroecológica vivenciadas por
agricultores familiares, tomamos como universo empírico a Rede de Agricultores
Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. A referida Rede
foi criada no ano de 2005 após o processo de Formação de Multiplicadores em Agroecologia
52
promovido pelo CETRA, então, baseada em uma metodologia participativa voltada para a
construção coletiva de saberes, bastante influenciada pela participação da entidade na Rede
Assistência Técnica Extensão Rural do Nordeste (REDE ATER-NE). A construção do
conhecimento em agroecologia constitui-se como um dos eixos estruturadores do diálogo
entre o saber tradicional dos camponeses e comunidades tradicionais e o conhecimento
técnico-acadêmico, sendo esta denominação bastante utilizada pelas organizações e
movimentos sociais ligados ao campo agroecológico e a Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA).
Tal enfoque é o resultado de um processo de experimentação iniciado ainda na
década 1980, especialmente pelas organizações não governamentais, em contraponto aos
pacotes tecnológicos da revolução verde difundidos pelos serviços de assistência técnica e
extensão rural.
Iniciamos o estudo com uma pesquisa bibliográfica e documental. Privilegiamos
os trabalhos de Wanderley (1996, 2009), Petersen e Caporal (2012), Moyano e Costabeber
(2009) Altieri (2012), Guzmán (2001,2002,2006), Ploeg (2009, 2010), Schmitt (2003, 2009)
Thomáz Júnior (2008), Delgado (2008, 2010), Carvalho (2004,2009, 2010) dentre outros que
alinham seus trabalhos no sentido de compreender o universo da agricultura familiar
camponesa e a agroecologia.
A pesquisa de campo foi realizada de maio a julho de 2012. Apresentamos a
proposta da investigação no mês de abril, durante a primeira reunião da Rede de Agricultores
Agroecológicos e Solidários do Território. Esse contato com a Rede foi um reencontro, pois já
havia uma convivência com muito dos agricultores e agricultoras, desde o período que
atuamos na mediação junto aos processos de promoção da agroecologia e do desenvolvimento
rural sustentável no território.
Com alguns agricultores e agricultoras construímos laços de amizade fruto da
identidade tecidas na luta cotidiana para garantir as condições de permanecer na terra,
produzindo alimentos, preservando espécies, sementes, nascentes de água. Luta para dar
continuidade e, ao mesmo tempo, reinventar as tradições socioculturais que moldam a
agricultura familiar camponesa nesse território.
Dessa experiência, colhemos lições e novos desafios. Por esse motivo, retornamos
ao Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu para dar continuidade ao diálogo iniciado em
2004, quando do acompanhamento do processo de formação de Agentes Multiplicadores em
Agroecologia, do qual muito dos agricultores que entrevistamos participaram, bem como da
criação da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários e da Feira Agroecológica. Como
53
parte desse processo de reaproximação, participamos em novembro de 2011 do V Encontro
Territorial de Agroecologia e Socioeconômica Solidária (ETAS) organizado pelo CETRA em
parceria com a Rede.
A partir das nossas questões de pesquisa e com a colaboração dos técnicos do
CETRA, que acompanharam e/ou acompanham algumas das experiências, identificamos dez
experiências de agricultores e agricultoras que participam da Rede e se reconhecem como
praticantes de uma agricultura inspirada nos princípios da agroecologia. Constatamos que não
há um número preciso de agricultores articulados a Rede. Os técnicos estimam que cerca de
cem agricultores participem mais sistematicamente dessa dinâmica, estão concentrados
nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu, Apuiarés, Amontada e Irauçuba, contando com
aqueles que fizeram os cursos de formação, os que comercializam nas feiras, os que
participam dos ETAS e das reuniões trimestrais da Rede, sem contar com aqueles que estão
em processo de aproximação, por contarem com o acompanhamento técnico da entidade.
Uma das preocupações iniciais da investigação envolvia a elucidação das
mudanças que ocorriam na vida dos agricultores e em quais dimensões da vida essas
mudanças repercutiam, e quais delas iríamos privilegiar para a análise do processo de
transição agroecológica a partir do cotidiano das familiais agricultoras. Estivemos atentos aos
limites que a pesquisa enfrenta, especialmente porque estamos lidando com um repertório de
experiências multifacetadas, fluidas e processuais. Passamos a identificar, na própria
realidade, que, tanto as mudanças, quanto os fundamentos analíticos, estavam na lógica da
construção do objeto. Assim, buscamos dar visibilidade às trajetórias de vida dos agricultores,
sinalizando motivações, dificuldades, formas de resistência, estratégias socioeconômicas e,
sobretudo, os caminhos percorridos na luta para conquistarem maior autonomia.
Devido à especificidade de nosso objeto, optamos pela pesquisa qualitativa,
justificada pelo lugar que ocupa os “significados, motivos, aspirações e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações” (MINAYO, 2000, p.22) e o uso da
observação sistemática. Para a coleta de informações complementares, acompanhamos
algumas atividades, tais como: reunião da Rede, visita de intercâmbio entre agricultores, feira
agroecológica do município de Itapipoca. Ainda que a realidade e seus sujeitos nos fossem
familiares, foi preciso estabelecer um novo espaço de diálogo para obtenção das informações
necessárias à apreensão das determinações objetivas e subjetivas que incidem sob o cotidiano
dos sujeitos sociais implicados em outra forma de fazer agricultura.
Realizamos entrevistas nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu e Apuiares. A
maior parte das entrevistas foi realizada nas unidades familiares, caminhando entre as áreas de
54
cultivo, criação, fontes de água utilizadas na produção e entre as inovações experimentadas e
desenvolvidas pelos agricultores. Algumas das entrevistas foram também realizadas durante
as feiras. Todos os agricultores entrevistados autorizaram o uso das informações repassadas,
para efeito da pesquisa, bem como a sua divulgação, no sentido de colaborar com as reflexões
sobre os processos de transição agroecológica e organização/gestão de uma rede sociotécnica
de inovação.
A coleta de informações abrangeu fontes secundárias como os dados do Censo
Agropecuário de 2006, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatísticas (IBGE), boletins de
experiências, assim como estudos, revistas especializadas entre outras.
As entrevistas foram gravadas em meio digital e posteriormente transcritas. Para a
organização e análise dos dados, apoiamo-nos na lógica da trajetória dos agricultores em seus
processos de inovação, ingresso e participação nas redes sociotécnicas de inovação. Na
analise e seleção dos depoimentos, após exaustiva leitura, decidimos nos concentrar em cinco
experiências, nas quaisos agricultores apresentavam vivência profunda sobre as questões
abordadas. Na exposição, as demais experiências dialogam especialmente quando as falas são
semelhantes. Aparecem quando trazem questões que ainda não haviam sido abordadas. De
modo geral, as falas refletem o espírito do conjunto.
As experiências também foram registradas por meio de fotografias, além de
contarmos com imagens institucionais cedidas pelo CETRA, que retratam as unidades
familiares, as feiras, os encontros e as reuniões.
Ainda referente às técnicas, adotamos a observação direta entre os agricultores,
especialmente durante a Feira Agroecológica de Itapipoca e encontros, bem como o uso de
um diário de campo onde registramos nossas impressões e observações. As técnicas se
complementaram dialeticamente entre si, ajudando-nos a confrontar os dados no sentido de
diminuir as incertezas encontradas ao longo da pesquisa.
3.3 Categorias fundamentais: agricultura familiar camponesa e transição agroecológica
A seguir, apresentamos o referencial teórico por meio do qual analisamos as
experiências inspiradas na agroecologia. Para tanto, é importante situar que as categorias
agricultura familiar camponesa e transição agroecológica são carregadas de realidade e utopia,
face ao confronto com a lógica destrutiva imposta pela modernização técnica baseada na
revolução verde e nas expressões do agronegócio na atualidade. Nesse esforço, Löwy (2008)
chama nossa atenção para o papel das utopias e, consequentemente, da visão social de mundo
55
nos processos de conhecimento acerca da realidade. Para o autor, a ideologia é uma mediação
que não pode ser desprezada, pois a “[...] transformação de nossas idéias sobre a realidade e a
transformação da realidade são processos que caminham juntos”(Ibidem, p. 29)
3.3.1 Agricultura familiar camponesa: uma aproximação
Mas afinal,que vem a ser agricultura familiar? Em que medida o sujeito social que
aí está se distingue do camponês tradicional, do agricultor de subsistência, do pequeno
produtor? Estas categorias não são novas entre os estudiosos que se dedicam ao mundo rural,
embora nos últimos anos tenham adquirido novas leituras (WANDERLEY, 2009).
No Brasil, a partir da década de 1990, ganha força o debate acerca da importância
da agricultura familiar, sobretudo a partir da implantação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Essa percepção não é compartilhada por
todos, visto que, para uns, o conceito de agricultura familiar32 define uma tipologia de
beneficiário a partir da capacidade de atendimento. Para outros, a agricultura familiar
contempla uma camada de agricultores que se adaptaram às exigências do mercado em
contraposição aos “pequenos agricultores” que não se adaptaram a essas exigências, o
entendimento é que as políticas públicas devem apoiar a formação desse segmento
(WANDERLEY, 2009). Nessa perspectiva, explica Wanderley (2009, p. 186), “o agricultor
familiar é um ator social da agricultura moderna e, de uma forma, ele é o resultado da própria
atuação do Estado”.
Para Carvalho (2004, p. 16)33, a denominação “agricultor familiar” tem
conotações ideológicas, não porque é insuficiente para dar conta da diversidade de formas
sociais cuja reprodução está centrada no trabalho familiar, mas, sobretudo, porque se apoia
em um “discurso teórico e político que afirma a diferenciação e o fim do campesinato em
duas categorias”, uma baseada na transformação deste em empresa capitalista pelo
desenvolvimento das forças produtivas e a outra a sua proletarização ou dependência
permanente em relação às políticas públicas.
32Explicitamos mais a diante o posicionamento acerca da noção de agricultura familiar camponesa que orienta esse estudo. 33Extraído do “Campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil” (versão preliminar) organizado por Horácio Martins de Carvalho após o seminário de representantes da Via Campesina do Brasil. Curitiba/ Brasília, nov. de 2004. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/docentes/geo/bernardo/INTERCAMBIO%20BRASIL%20CANADA%20COLOMBIA/O%20CAMPESINATO%20NO%20SECULO%20XXI.pdf >. Acesso em: 14 jun. de 2012.
56
Thomáz Junior (2008) chama-nos à atenção para o uso desse termo e dos sentidos
conferidos nas atuais políticas desenvolvidas pelo Estado brasileiro. Assim como Carvalho
(2004), o autor analisa que o deslocamento do termo camponês para o de agricultor familiar
não se dá de forma despretensiosa. Há, para os autores, um processo que busca desqualificar o
debate em torno da questão agrária e da luta pela terra e com isso transferir a solução dessas
questões para o mercado. Retirando “[...] dos agricultores a [compreensão da] sujeição da
renda da terra ao capital e, portanto, os aspectos econômicos de classe, esvaziando
politicamente a necessidade de Reforma Agrária, alijando qualquer vínculo dos trabalhadores
sem terra a essa lógica” (THOMÁZ JUNIOR, 2008, p. 291).
Buscando se aproximar da grande diversidade de formas sociais que comporta
esse conceito, Wanderley (2009, p. 156) estabelece algumas hipóteses sobre essa questão,
entre as quais:
a) Agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações especificas e particulares;
b) Ao campesinato corresponde uma destas formas particulares da agricultura familiar, que se constitui enquanto um modo específico de produzir e de viver em sociedade;
c) A agricultura familiar que se reproduz nas sociedades modernas deve adaptar-se a um contexto sócio-econômico próprio destas sociedades, que a obriga a realizar modificações importantes em sua forma de produzir e em sua vida social tradicional.
Para Wanderley (2009), o “agricultor familiar”, não rompe definitivamente com o
“camponês tradicional”, há elementos de continuidade, o que despensa qualquer análise em
termos de decomposição do campesinato. Na agricultura camponesa, tal como uma categoria
genérica da agricultura familiar, a família é, ao mesmo tempo, proprietária dos meios de
produção e assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Para a pesquisadora, o caráter
familiar não é um simples detalhe descritivo. A esse respeito, ela ainda acrescenta que o “fato
de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem consequências
fundamentais para a forma como ela age economicamente e socialmente”, há ainda
particularidades que a especificam no interior do conjunto maior da agricultura familiar, estas
dizem respeito aos objetivos da atividade econômica, às experiências de sociabilidade e à
formação de sua integração na sociedade global (ibidem, p. 156).
A partir dessas reflexões, passamos a nos questionar: tendo como ponto de partida
a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários, quais são as características das trajetórias
57
dos agricultores familiares que estão vivenciando propostas inspiradas na agroecologia no
Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu? Quais são suas motivações e os principais desafios
desse caminho? A partir da introdução de novas práticas de cultivo e manejo, quais mudanças
na forma de se organizar e comercializar estão sendo tramadas? De modo geral, qual é a
importância da agroecologia para viabilização econômica, social e ecológica da agricultura
familiar camponesa?
Para tanto, recorremos novamente a Wanderley (2009, p. 156) para entendemos
que o campesinato brasileiro tem características particulares, quando comparado ao conceito
clássico de camponês. O sujeito que aí está, “é resultado do enfrentamento de situações
próprias da história social do país”, nas palavras de Sabourin (2009, p. 281), de uma herança
camponesa diversa:
[...] a dos pequenos agricultores livres do Nordeste da época colonial, que ocupam os interstícios entre as grandes fazendas, a dos vaqueiros que compraram algumas léguas após a lei da Terra, no Nordeste e Centro-Oeste, a de escravos africanos foragidos ou libertados; no Sul e Sudeste do país, a dos colonos camponeses europeus do século XIX e XX, oriundos da Alemanha, Itália, Polônia, Holanda e, por fim, a dos colonos japoneses produtores de hortaliças e frutas.
Acrescentamos ainda os moradores de fazendas (morada de favor) que compunha
a grande massa de trabalhadores “livres” na lavoura de exportação da cana de açúcar no
Nordeste.
Assim sendo, não é possível alinhar-se a uma conceituação que não leve em
consideração a diversidade e heterogeneidade de identidades presentes nesse território. Uma
definição conceitual sobre esses sujeitos sociais, seja como estratégia de análise ou de
intervenção, deve se referenciar nas diversas situações geográficas (espaço), tradições,
identidades construídas e contextos históricos nos quais o campesinato está presente.
Os termos “camponês” e “campesinato” passaram a compor o vocabulário
brasileiro a partir dos anos de 1950. De origem política, foram introduzidos pelos movimentos
populares de esquerda, no momento em que brotavam pelo país as lutas de trabalhadores do
campo, fomentadas, principalmente, pelo Partido Comunista. Antes, aqueles, eram chamados
de caipiras, caboclos, tabaréus, a depender da região que faziam parte. Estas expressões
tinham sempre duplo sentido e, em seu conjunto, eram depreciativas, ofensivas. O
personagem Jeca Tatu do escrito Monteiro Lobato ilustra bem essa visão (MARTINS, 1983).
Em 1964, o termo “camponês” foi banido do vocabulário oficial. O Estado
ditatorial impõe grandes obstáculos às alternativas contidas nas organizações de pequenos
58
produtores e trabalhadores rurais autônomos, nesse contexto se destacam as Ligas
Camponesas34 (SABOURIN, 2009).
Mas, até a década de 1970, o debate no Brasil acerca do campesinato, foi
inspirado nos clássicos do marxismo, discutia-se a “natureza do campesinato e seu potencial
histórico na transformação das sociedades modernas” (WANDERLEY, 2009, p. 12). O
campesinato, de modo geral, era visto como uma categoria pré-capitalista, cuja presença nas
sociedades modernas não passava de um resíduo, explica a autora. “Tendo em vistas sua
importância numérica e seu peso econômico, nas sociedades em transição, os camponeses
eram compreendidos como anticapitalistas, portadores de um grande potencial
revolucionário” (ibidem). Duas perspectivas apontavam para o futuro do campensiato, uma
que apostava na sua decomposição nas classes fundamentais do capitalismo (perspectiva
Leninista) e a outra na sua diferenciação interna, o que presumia a extinção dessa categoria na
sociedade.
Após a década de 1970, o debate se concentrou em torno da diversidade e
complexidade do universo camponês e não mais em sua decomposição. Nesse mesmo
período, consolidava-se a concepção da natureza capitalista da sociedade brasileira, o que
possibilitou aos novos estudos (WANDERLEY, ibidem, p. 13).
[...] explicar a reprodução histórica do campesinato e o então processo considerado de “persistência” de um amplo setor de pequenos produtores familiares, numa agricultura que se modernizava e se capitalizava rapidamente, mais não como resíduo de relações pretéritas, mas como um produto gerado pelas formas dominantes do próprio capitalismo brasileiro.
Ainda que não seja o nosso objetivo fazer uma análise profunda sobre o
campesinato e para tanto existe uma ampla bibliografia disponível, tanto de estudos clássicos
quanto contemporâneos, consideramos necessário sublinhar alguns aspectos importantes para
nosso exame. Para nós, como já dissemos, os camponeses são sujeitos históricos, expressões
vivas das contradições da luta de classe (THOMAZ JÚNIOR, 2008). Ao mesmo tempo em
que estão subordinados ao capital, conseguem manter as possibilidades de reprodução não
capitalista, por meio do trabalho baseado na família e na afirmação de valores sociais cuja
racionalidade se diferencia da racionalidade do capital.
34Essas lutam se expressaram diferentemente em todo pais, no Nordeste elas ganharam visibilidade em torno do que ficou conhecido como Ligas Camponesas. Sobre a história das ligas recomenda-se a leitura do livro “O que são as ligas camponesas”, escrito por Francisco Julião e, publicada pela Civilização Brasileira em 1962 e o vídeo em VHS “Cabra marcado para morrer” dirigido por Eduardo Coutinho, o documentário resgata a memória dos fatos políticos no nordeste , foi gravado em dois períodos, em 1964 (quando interrompido) e em 1983 (20 anos depois).
59
Dito isso, não resta dúvidas, os camponeses são sujeitos ativos do mundo
contemporâneo, sua presença no início do século XXI contraria o terrível prognóstico de seu
desaparecimento. Estudos comprovam que a maioria dos produtores, ainda é formada por
camponeses ou pequenos agricultores familiares. “Estima-se que cerca de 960 milhões de
hectares de terra cultivada (cultura anuais e permanentes) na África, Ásia e América Latina,
dos quais 10 a 15 % são geridos por agricultores tradicionais” (ALTIERI, 2012, p. 162).
Existe, portanto, uma atualidade no estudo da agricultura familiar camponesa.
Considerando a especificidade da formação da história do espaço agrário
brasileiro, a heterogeneidade, como já registrado, aparece como a principal característica
desse segmento, que, teimosamente, como frisa Wanderley (2009), resiste e se reproduz entre
nós contrariando todas as previsões da modernidade, da industrialização, da urbanização. Mas
afinal, quem são os camponeses? São aqueles que combinam família-produção-trabalho,
fazem do rural seu lugar de vida, onde tiram seu sustento e o fazem aliando diversos tipos de
atividade (extrativista, agrícola e não agrícola). Nessa condição, encontram-se os seguintes
sujeitos sociais (WANDERLEY, 2009, p. 40):
[...] pequenos ou médios agricultores, proprietários ou não de terras que trabalham; os assentados dos projetos de reforma agrária; trabalhadores assalariados que permanecem residindo no campo; povos das florestas; dentre os quais; agroextrativistas; caboclos, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, açaizeiros; seringueiros, as comunidades de fundo de pasto, geraiseiros; trabalhadores dos rios e dos mares, como os caiçaras, pescadores artesanais; e ainda comunidades indígenas e quilombolas.
Não obstante, os aspectos econômicos são insuficientes para explicar o processo
de permanência desses sujeitos ao longo da história. Necessitam ser considerados na
reprodução social da família camponesa aspectos ligados a identidade local, as relações de
reciprocidade, a ética, a convivência com a natureza, o local de trabalho (pertencimento) e a
família (SABOURIN, 2009; CARVALHO 2010). Nesta investigação compartilhamos da
compreensão que a agricultura familiar camponesa é uma forma de vida muito mais
complexa, trata-se de um “universo portador de um patrimônio sócio–cultural”, como afirma
Lamarche (1993 apud WANDERLEY, 1996, p. 3) “não é um mero elemento da diversidade,
mas contém em si mesma, a diversidade”.
Thomáz Júnior (2008) registra que a diferença ente o camponês brasileiro e o
camponês europeu é o seu modo de vida, uma vez que o seu acesso a terra ocorreu, e ocorre,
de forma precária e conflituosa. Daí vem sua importância em muitas das lutas camponesas de
ontem e de hoje. A esse respeito encontramos em Marx (1984, p 15):
60
O modo como os homens produzem os seus meios de vida depende, em primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a reproduzir [...] Como exprimem a sua vida, assim os indivíduos são, coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também com o como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das contribuições materiais da sua produção.
A terra, portanto, é o meio de sobrevivência da família camponesa, tanto do ponto
de vista material quanto simbólico, enquanto que na agricultura do tipo capitalista, a terra é
objeto de negócio, instrumento de exploração do trabalho alheio e de especulação. As
empresas do tipo capitalista supõe a necessidade do lucro, para estas, a terra é objeto de
negócio, instrumento de exploração do trabalho alheio e de especulação (PAULINO, 2005).
Para a autora, essa dualidade entre “terra de negócio” versus “terra de trabalho” explicita o
caráter contraditório do desenvolvimento capitalista, que, por sua vez, oferece condições para
o desenvolvimento das duas formas de propriedade da terra, embora nessa relação prevaleça à
subordinação da propriedade camponesa à capitalista, dominante e hegemônica na formação
econômica e social brasileira (ibidem).
No entanto, essa diferenciação não exclui a presença de excedente na agricultura
familiar camponesa, nem tampouco significa um retorno à economia de subsistência, nem seu
isolamento diante ao mercado (CARVALHO, 2010). Essas questões devem ser entendidas da
seguinte forma: enquanto as empresas capitalistas acumulam para aumentar os seus lucros, a
unidade camponesa busca satisfazer as necessidades da família, em alguns raros e nomeados
casos, procura, com o pouco que lhe sobra, melhorar a eficiência da reprodução social do que
produz.
Mendras, citado por Wanderley (2009, p. 157), acrescenta cinco características
das sociedades camponesas:
a) uma relativa à autonomia em face da sociedade global;
b) a importância estrutural dos grupos domésticos,
c) um sistema econômico de autarquia relativa;
d) uma sociedade de interconhecimento e a função decisiva dos mediadores entre
a sociedade local e a sociedade global.
Em recente revisão dos estudos do campesinato, Ploeg (2010) procura responder
qual o lugar que os camponeses ocupam nas sociedades atuais. Ele aborda o campesinato não
como um remanescente do passado, mas como sujeito social do nosso tempo e da sociedade.
No Brasil, essa realidade envolve milhões de famílias e, no mundo, cerca de um quarto de
toda humanidade, acrescenta Carvalho (2010).
61
Em resenha realizada por Sabourin (2009, p. 32), encontramos a definição
realizada por Ploeg acerca da “condição camponesa”, na qual a agricultura camponesa e/ou
modo de produção camponês estão imersos: Ela é defina por seis características:
a) Uma relação de coprodução com a natureza;
b) A construção e autogestão de uma base autônoma de recursos próprios (terra, fertilidade, trabalho, capital);
c) Uma relação diferenciada com os mercados diversificados, resguardada certa autonomia;
d) Um projeto de sobrevivência e resistência à reprodução da unidade familiar;
e) A pluriatividade
f) A cooperação das relações de reciprocidade.
No quadro abaixo, denominado por Ploeg (2009) de “Coreografia da condição
camponesa”, podemos visualizar como estas características se conjugam para compor a
natureza da agricultura camponesa.
Figura 1 - Coreografia da condição camponesa
Fonte: PLOEG (p. 18, 2009).
Observamos que os camponeses estão inseridos em um ambiente hostil e por vez
submetidos a níveis diferenciados de dependência. A busca por autonomia, nessa leitura,
passa pela criação e desenvolvimento de uma base de recursos autogerida envolvendo fatores
de produção (terra, trabalho, gado, esterco, irrigação), como também fatores sociais
62
(conhecimento, redes, formação, etc.). Nessas condições, a relação do camponês com o
mercado é de fundamental importância na busca de autonomia, mesmo porque a produção
envolve custos monetários e a família não produz todos os itens que lhe são necessários
(PLOEG, 2009). A produção e a reprodução da agricultura familiar camponesanecessitam
também do apoio do Estado, isso como regra geral, explica Carvalho (2010), devido às
condições desiguais com demais setores da economia. De modo, que para o autor sua
possibilidade de reprodução, manutenção e de expansão dependem das politicas públicas e da
ação dos movimentos e organizações sociais e sindicais (ibidem).
Sabourin (2009) diz que as unidades de produção que compõe o heterogêneo
segmento da agricultura familiar no Brasil encontram-se revestidas de características
camponesas. A trajetória do campesinato brasileiro, na percepção de Wanderley (2009, p.
168), se expressa na luta para conseguir um espaço próprio na economia e na sociedade e as
principais estratégias na busca de autonomia são “as lutas por um espaço produtivo, pela
constituição do patrimônio familiar e pela estruturação do estabelecimento como um espaço
de trabalho da família”.
Postas estas questões, faremos, a seguir, algumas considerações sobre as noções
de autonomia e de resistência, consideradas fundamentais para esse estudo.
A busca por autonomia é constante para os camponeses como forma de garantir
produção e reprodução social da família, sobretudo em um contexto adverso caracterizado por
relações de dependência, marginalização e privação. Essa busca apresenta-se de muitas e
diferentes formas e, comumente, de maneira inter-relacionada nas lutas abertas e, com maior
frequência, em ações aparentemente invisíveis como “[...] ocorre nos campos, currais e
estábulos através de muitas decisões que precisam ser tomadas sobre a criação dos animais, a
seleção de sementes, irrigação e o trabalho” (PLOEG, 2010, p. 61, tradução nossa). A noção
de autonomia em Ploeg (ibidem) não está restrita a um estado de não dependência, ao
contrário, ele se refere à autonomia do tipo relativa.
Wanderley, por sua vez, explica porque a autonomia da agricultura camponesa é
sempre relativa (2009, p. 161).
A necessidade de reservar parte de seus recursos para as trocas com o conjunto da sociedade e para atender a suas imposições, termina por introduzir no interior do próprio modo de funcionamento do campesinato certos elementos que lhe são, originalmente, externos. De fato, o sistema de policultura-pequena produção é concebido como um todo, estruturado de forma a garantir a subsistência da família camponesa. Porém, ele não elimina a fragilidade da agricultura camponesa, nem impede a emergência das situações de miséria e de grandes crises: seus resultados dependem de suas causas aleatórias, de origem natural - os efeitos das intempéries - ou das implicações das relações político-sociais dominantes, especialmente a extração da renda da terra.
63
No caso do Brasil, esses sujeitos, na sua maioria, foram constantemente alijados
das melhores terras e das condições para produzir (tecnologias, fomento agrícola entre
outros). O Estado sempre teve um papel fundamental no sentido de apoiar a classe dominante
e a reprodução das relações capitalistas, desde a Lei de Terras de 1850 até os dias atuais.
Assim em que medida a transição agroecológica, objeto dessa investigação, pode
diminuir a dependência dos camponeses? Tomada como um processo amplo que vai além da
convenção de sistemas convencionais em sistemas produtivos diversificados com menos
dependência de insumos externos, a transição agroecológica implica também na “[...]
reconexão da agricultura aos ecossistemas locais, na defesa de territórios e formas
sustentáveis de vida [...] vinculada a formas de manejo e gestão dos recursos naturais dos
povos e comunidades locais”. Estas, de forma geral, devem contribuir para o fortalecimento
da autonomia dos agricultores familiares na produção e reprodução de sua base de recursos
(SCHMITT & TYGEL, 2009, p. 105).
O fortalecimento da base de recursos ocorre, como observado ao longo da
pesquisa, através da participação em redes sociotécnicas, pela ação social coletiva e não
somente por meio dos recursos em si, nesse contexto as relações e os espaços de organização
desemprenham um papel fundamental, no sentido da articulação e mobilização social
(PLOEG, 2009).
Conforme Almeida (1999), a autonomia ocupa o centro das aspirações dos
movimentos de contestação e, de modo específico, àqueles que integram os movimentos
ligados às agriculturas de base ecológicas. Para o autor, a noção de autonomia está em
contraposição ao de heteronomização35, isto é, a perca da auto regulação da agricultura
camponesa. Por exemplo, as experiências de “agriculturas ecológicas”, de modo geral,
caminham na contra mão da modernização que, permanentemente, ameaça a produção e
reprodução camponesa, principalmente quando nega seus conhecimentos, saberes e técnicas
tradicionais.
Ainda para o autor, essa noção se relaciona com uma espécie de reinvindicação-
aspiração vinculada ao plano da produção, de modo particular, do trabalho. Nesse plano,
Almeida (1999, p. 149) destaca três dimensões essenciais, quais sejam:
35Almeida toma emprestado de Ivan Illichi o termo heteronomização que significa na agricultura camponesa a perda capacidade de sua auto regulação. “Em seu sentido etimológico é aquele ‘ que recebe do exterior as leis que regem sua conduta’ (ao inverso do que autonomia). Essa palavra vem do grego ‘heteros’ (outro) + ‘ nomos’ (lei)” (ALMEIDA 1999, p. 147).
64
a) a busca, por parte do trabalhador/agricultor, de uma autonomia na sua estrutura de produção, através de uma combinação entre energia e informação, esta aqui entendida no seu sentido mais amplo, reagrupando as atitudes o agricultor e os seus conhecimentos necessários à produção; b) uma autonomia baseada no espaço ou no território específico, que permite certo conhecimento e domínio da situação e que abre possibilidade de invenção do próprio trabalho e da aplicação dos conhecimentos acumulados em um lugar determinado; e c) a possibilidade de gerir o próprio tempo de trabalho segundo diferentes modalidades, o que significa, em última instância, restituir o agricultor da dimensão essencial da existência, que é o domínio do tempo.
Almeida (1999, p. 152), em sua análise, acrescenta que a participação dos
agricultores em um maior número de atividades produtivas como as “[...]ligadas diretamente
ao setor industrial, ao artesanato, ou mesmo propriamente agrícolas, comerciais ou de
manutenção/conservação do meio ambiente[...]”, desde que haja, adverte o autor, um
equilíbrio entre estas, possibilitando um maior nível de autonomia dos agricultores. É o que
pode ser observado em seu estudo junto às famílias agricultoras da região sul do país
(ALMEIDA, 1999, p 152).
Em um bom número das unidades de produção analisadas, é justamente essa diversidade que garante rendas familiares razoáveis, pelo menos suficientes para a reprodução da família. Por outro lado, é essa relativa pluriatividade de fontes de entrada de dinheiro, mesmo que advinda mais seguidamente de atividades ainda propriamente agrícolas, através da policultura e da criação de animais, que assegura uma certa autonomia da família, ao grupo e a cada um de seus membros, da mesma forma que uma considerável integração entre unidades de produção, garantindo a solidariedade dos grupos e autonomia de certas comunidades em relação ao exterior.
A noção de autonomia camponesa, além disso, envolve sentidos e valores ligados
à tradição, vínculos comunitários e familiares, história, religião, política entre outros
elementos que permeiam a vida cotidiana desses sujeitos.
Santos (2012) reconhece que a flexibilidade presente nas estratégias de produção
dos camponeses tem lhes assegurado uma autonomia do tipo relativa, seja pela via da
integração ou da diferenciação. Portanto, a combinação entre atividades agrícolas e não
agrícolas na produção e reprodução da agricultura camponesa é um fato histórico. A
novidade, registra a autora, é que estas diversas atividades realizadas pelas famílias
camponesas, por meio da pluriatividade, acontecem em um “[...] contexto de desemprego
estrutural, de globalização financeira e de transformação do papel do Estado no âmbito das
politicas públicas e na regulação entre capital e trabalho.” (2012, p. 258; grifos originais).
A pluriatividade entre os trabalhadores e, de modo particular entre os camponeses,
revela a generalização das relações mercantis de trabalho e, portanto, sua proletarização
(SANTOS, 2012). Trata-se, nos termos usados por Iamamoto (2006, p. 155-156), de um
65
processo de proletarização inconcluso, porque os sujeitos já não encontram um espaço no
mercado formal de trabalho.
Processo de proletarização inconcluso, porque nos marcos da expansão oligopolista tem-se um excedente de força de trabalho que já não encontra lugar no mercado formal de trabalho, fazendo com que o surgimento de trabalhadores livres não signifique necessariamente o surgimento de trabalhadores que sobrevivam fundamentalmente de rendimentos percebidos sob a forma de salário. A expansão capitalista na era da ‘acumulação flexível’ dissocia o trabalhador livre da condição assalariada. Faz crescer os longos períodos de desemprego, formas de trabalho eventual e subcontratado, que se combinam com outros meios de sobrevivência através do trabalho autônomo por tarefas, do trabalho em domicílio, do artesanato, da posse provisória da terra em outras regiões etc. Produz o trabalho assalariado e não assalariado, formas de subordinação real e formal do capital (grifos originais).
Nesse contexto, conclui Santos (2012, p.258) que os riscos são altos para a
agricultura familiar camponesa, podendo esse segmento, “apenas contribuir para a valorização
do capital em geral, na medida em que o trabalho excedente é retido no processo de
circulação”.
Grzbowski (1987), ao abordar o conjunto de lutas dos trabalhadores rurais contra
a subordinação do trabalho ao capital, considera que a apreensão do sentido histórico das
formas de resistência camponesa “[...] contra a subordinação e exploração, embutidos nas
condições de produção e comercialização de seus produtos, a sua emergência, alternativas e
limites [...]” fornece elementos essenciais para que possamos compreender como essa
produção se insere na estrutura agrária na atualidade e como ocorre sua integração na divisão
social do trabalho no conjunto da economia (1987, p. 38). Nessa perspectiva, pode-se
reconhecer que as condições de existência da produção camponesa mudaram qualitativamente
nos últimos anos, especialmente no que diz respeito a sua capacidade de se confrontar e se
opor ao capital e ao Estado – o objeto estudado é uma expressão dessa realidade. No entanto,
as contradições desse processo se manifestam na “[...] forma de seleção/exclusão, de um lado,
modernização e integração de um importante segmento; de outro, pauperização, exclusão e
até expropriação de uma grande massa de camponeses” (idem, p. 39 - 40). Esse processo de
diferenciação social descrito pelo autor não ocorreu exclusivamente em termos de
capitalização e proletarização, ele também gerou uma nova forma de produção camponesa
que “[...] acumula meios de produção (e não capital) e permanece em regime familiar de
produção” (GRZBOWKI,1987, p. 40).
Assim, a luta por liberdade e a iminente subordinação andam passo a passo com
os camponeses, diz Ploeg (2010, p. 11-12, tradução nossa) no prefácio do livro Novos
camponeses: camponeses e impérios alimentares. Como forma de elucidar essa luta, ele
comenta o filme Novecentode Bertolucci:
66
A expressão mais reveladora dessa ligação íntima é, provavelmente, a desenvolvida por Bertolucci em seu filme original Novecento [...] A subordinação e a desobediência, a humildade e o desejo de liberdade, o feio e o sublime estão fortemente ligados e, apresentam uma combinação inegável de elementos opostos, uma combinação através da qual um dos elementos se provocam mutualmente. É precisamente o que Bertolucci demonstra de forma magistral. Esse é também um dos temas centrais deste livro .
Nesse trecho, observa-se que, historicamente, as práticas de submissão e
resistência têm marcado o cotidianodos camponeses. O mundo moderno, pelo que parece, diz
o autor, não tem prestado atenção a esse fenômeno. Essa aparente invisibilidade encontra
respaldo nas conotações negativas associadas à palavra camponês, mas não na realidade
empírica, pois nessa, segundo Ploeg (ibidem), existem muito mais camponeses do que
registram as estatísticas, para estes milhões de camponeses, acrescenta, não existe outra
alternativa à vida se não essa.
As concepçõesclássicas tratam as formas de resistência a partir das “greves,
rebeliões, ações contra o Estado, organizações institucionais como espaço de expressão
política”(SCOTT, 2002, p. 10). Na noção de “formas cotidiana de resistência” desenvolvida
por Scott, as ações na esfera política, mesmo que considerando sua relevância, “dizem pouco
sobre a luta mais vital e cotidiana levada na fábrica pela jornada de trabalho, pelo salário, pela
autonomia, por direitos e respeito” (ibidem). Propõe, então, um referencial téorico-
metodológico para apreender o “amplo leque de formas cotidianas, fragmentárias e difusas de
resistência“ (SCOTT, 2002).
Contudo, não nos afastemos da perspectiva teórico-metodológica marxiana, já que
“um dos grandes méritos de Marx foi o de ter demostrado que o mundo não pode ser
compreendido unicamente através da experiência subjetiva que dele se tenha” (IAMAMOTO,
2010, p. 398). O que não significa negar as experiências vivenciadas pelos operários das
fábricas, pelos trabalhadores informais e pelas famílias camponesas. Nesse aspecto, Harvey
(1990 apud IAMAMOTO 2010, p. 399) chama nossa atenção quando diz:
É vital entender como os trabalhadores enfrentam sua situação, os “jogos” que inventam para tornar suportável o processo de trabalho, as formas particulares de camaradagem e competição através das quais se relacionam, as táticas de cooperação, de confrontação e como se esquivam de maneira sutil na relação com a autoridade. E, sobretudo, as aspirações e o sentido de moralidade que colocam em suas próprias vidas. É preciso compreender como os trabalhadores constroem uma cultura distinta, como criam instituições e a elas integram outras instituições construindo sua própria defesa.
Por sua vez, Ploeg (2010) fazendo referência a Scott, diz que a resistência
camponesa não pode ser resumir às práticas rotineiras/cotidianas. É preciso analisar um
67
campo mais amplo de ação na qual se materializam as resistências. Assim formula Ploeg
(2010,p. 370 – 371, tradução nossa):
A resistência se encontra em uma vasta gama de práticas heterogêneas e cada vez mais interligadas através das quais o campesinato se constitui como distintamente diferente. A resistência se encontra nos campos, na forma de fazer “estrume bom”, de criar “vacas nobres” e de construir “belas propriedades”. Por mais antigas e irrelevantes que essas práticas possam parecer se consideradas isoladas, no contexto do Império36 elas são cada vez mais veículos através dos quais se expressa e organiza a resistência. Elase encontra igualmente na criação de novas unidades de produção, de consumo em terrasconsideradas inaptas para a agricultura ou que deveriam manter-se improdutivos ou ser usados para a produção de culturas de exportação em grande escala. Em síntese, a resistência do campesinato se encontra, acima de tudo, na multiplicidade de respostas continuadas ou recém-criadas a fim de enfrentar o Império como principal modo de ordenamento. Por meios dessas respostas os camponeses são capazes de remar contra a maré (grifo do autor).
São essas novas formas de resistência, intervindo nos processos produtivos e de
trabalho, que fazem da agroecologia, conforme Ploeg (2009), a principal força motriz de
muitas formas de desenvolvimento rural autóctones presentes em diversas partes do mundo, a
exemplo daquelas encontradas no território rural investigado.
3.3.2 Estreitando os nós: sistemas produtivos familiares de base agroecológica
Sobre as considerações de Ploeg, entendemos ser necessário aprofundar, mesmo
que brevemente a partir de agora, algumas de suas questões: a agricultura camponesa é
ambientalmente sustentável? Os diferentes tipos de campesinatos são capazes de alimentar o
mundo?
Leroy (2002) responde essas questões nos seguintes termos: a diferença entre um
camponês do agreste Pernambucano ou um assentado de Minas Gerais e do produtor de cana
do triangulo mineiro, não é só o tamanho da produção, mas o balanço energético entre essas
duas produções. O autor então explica(LEROY, p. 64):
Produzir grãos de maneira muito intensiva supõe o emprego de muito mais energia do que a produção camponesa tradicional. Esse modelo produtivista está em crise: além de devorador de energia e de água, é concentrador de terra e de renda, provocador de graves impactos sobre o ambiente e a saúde e não resolve a fome no mundo.
Complementa ainda (ibidem, p. 65):
A combinação do latifúndio e de empresas rurais produtivistas provoca a destruição das paisagens e dos ecossistemas, erosão do solo, comprometendo a sua capacidade
36Ploeg (2010) define Império como um modo de ordenação dominante, é formado por grupos industriais agrícolas, grandes revendedores, estruturas estatais, modelos científicos, tecnologias entre outros.
68
produtiva no futuro, erosão genética, diminuição das reservas hídricas e assoreamento dos rios, poluição das águas de superfície e subterrâneas, comprometendo a saúde dos que trabalham e dos consumidores, fim da diversificação do sistema de produção que facilitava a sustentação no tempo das famílias produtoras e da biodiversidade agrícola, empobrecimento da dieta alimentar, ameaças sobre a segurança alimentar no médio e longo prazo, migração e expulsão da terra, etc.
A agricultura no Brasil, historicamente, foi destruidora do meio ambiente, como
lembra Leroy (2002) e, especialmente, das florestas. Mas de que agricultura e de quais
agricultores estamos nos referindo?
Ploeg (2009) pensa ser impossível que as pessoas em situação de miséria sejam
ambientalistas. Nesse sentido, é um fato que a presença dos pequenos agricultores tenha
causado devastação dos ecossistemas brasileiros, mas ela se torna secundária frente à
destruição promovida pelo latifúndio, conforme observamos na exposição do autor (LEROY,
2002,p. 62):
Na Mata Atlântica, a responsabilidade pela destruição é das monoculturas de café e de cana, da pecuária extensiva, da exploração madeireira, da cultura de árvores com fins de produção de papel-celulose e carvão vegetal e da expansão urbano-industrial. Na caatinga nordestina, os recursos públicos, que sempre afluíram à região e que poderiam ter sido dirigidos para reorientar o modelo agrícola num ambiente espacialmente frágil, voltaram-se sempre para lubridiar o clientelismo político e a indústria da seca. A frente de produção de grãos e algodão avança sobre o cerrado e as fronteiras de expansão amazônica, as empresas madeireiras passam a ocupar um papel preponderante no processo de destruição florestal, no lugar dos grandes projetos agropecuários financiados com incentivos fiscais no passado.
Frente a isso, Alier (2002 apud PLOEG 2009, p. 29) argumenta que “[...] na
distribuição ecológica dos conflitos, os pobres estão frequentemente do lado da conservação
dos recursos e de um ambiente limpo”.
Estudos, com base empírica e teórica, confirmam que o caminho de uma
agricultura camponesa sustentável é viável e representa uma solução melhor do que a
agricultura empresarial, do ponto de vista socioambiental e econômico. Os camponeses
podem ocupar um lugar insubstituível na luta contra a mercantilização da vida, como
guardiões da biodiversidade, das sementes, das águas (LEROY, 2002). Como bem expressou
Leonardo Boff em depoimento durante o II Encontro Nacional de Agroecologia37:
Vocês estão ensaiando, em nível mundial, esse processo de libertação. Por que a lógica, hoje, é submeter, escravizar tudo à mercadoria. Primeiro, foi o trabalho feito mercadoria, a ser vendido na forma de salário. Depois as terras foram transformadas em mercadoria e, hoje, são os alimentos e a sementes. São menos de dez grandes empresas que controlam todas as sementes e manipulam as sementes para que elas
37 II Encontro Nacional de Agroecologia (Recife-PE, em 2006).
69
não sejam mais fecundas. Vocês não; criam bancos de sementes crioulas para preservar essa herança milenar das gerações.
Por sua vez, Carvalho (2010) enfatiza no texto Na sobra da imaginação: reflexão
a favor dos camponeses e, tem defendido em demais estudos, a necessidade de uma afirmação
dos camponeses como projeto social para o campo e, não como alternativa à reprodução do
capital, mas como negação desse modo de produção. Para o autor, de maneira ampla e geral,
as experiências da agricultura camponesa e as práticas da agroecologia possibilitam a
construção e a reprodução de outro modelo de produção e tecnológico para o campo.
Carvalho ainda explica que a unidade de produção/consumo camponesa não se fecharia nela
mesma como unidade autossuficiente e, sua relação com o mercado se daria de uma maneira
mais crítica, por meio, acrescenta o autor (2010, p. 7):
[...] de redução da importação de insumos e da garantia de controle familiar, inclusive de beneficiamento e de agroindustrialização de seus produtos, mas de maneira que a oferta de produtos nos mercados, onde obtém a sua renda monetária, não determine mudanças interna na unidade de produção camponesa incompatíveis com a presença do trabalho familiar , com a relação ecológica camponês-natureza - baseada predominantemente nos principios da agroecologia, no beneficiamento e agroindustrailização dos seus produtos e nos processos mais amplos de cooperação entre os camponeses.
Nessa perspectiva, Petersen e Caporal (2012) afirmam que a opção na
agroecologia é, portanto, a opção pela agricultura familiar camponesa.
No Brasil, a agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da comida que
chega à mesa dos brasileiros, cumprindo assim o papel vinculado a segurança alimentar do
país, revelam os dados do Censo Agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas – IBGE (BRASIL, 2009), enquanto que a maior parte da produção do agronegócio
é destinada ao mercado de exportação.
O estudo evidencia que o setor agrícola familiar está representado por mais de 4,3
milhões de unidades de produção, o que corresponde a 84,4% dos estabelecimentos rurais,
embora ocupe apenas 24,3% da área agrícola total.
70
Figura 2 - Participação da agricultura familiar no Brasil
Fonte: Brasil (2009).
Segundo o Censo, a produtividade na agricultura familiar é superior às áreas do
agronegócio considerando que a renda gerada por hectare é de R$ 667,00 e R$ 358,00,
respectivamente. Os dados revelam que a importância da agricultura familiar para a economia
do país, representa 38% do PIB (R$ 54 bilhões) e sendo responsável pela ocupação de 74,4%
de trabalhadores rurais. Em contrapartida, o agronegócio proporcionou a ocupação de 24,6%
dos trabalhadores rurais, e respondeu por 62% PIB (R$ 89 bilhões).
71
Figura 3 - Valor bruto da produção por área total
Fonte: Brasil (2009). Figura 4 - Participação da agricultura familiar no pessoal ocupado
Fonte: Brasil (2009).
O valor bruto da produção por hectare das unidades familiares é superior ao das
unidades da agricultura patronal, esses dados rompem com a visão de que agricultura familiar
é um setor pouco produtivo. Outro aspecto relevante é que a agricultura familiar ocupa quase
8 de cada 10 postos de trabalho na agricultura nacional, o que significa mais de 12 milhões de
pessoas contra as 4 milhões ocupadas na agricultura não familiar. E mais, a cada 100 hectares
a agricultura familiar ocupa 15,3 pessoas, enquanto a não familiar ocupa apenas 1,7 pessoas.
72
As informações geradas pelo Censo expressam a atualidade e a importância
econômica e social da produção familiar camponesa, além de demonstrarem que a
concentração de terras na estrutura agrária ainda se constitui como fator preponderante para a
análise da questão agrária brasileira, visto que se manteve praticamente inalterada a situação
da distribuição de terras ao longo de vinte anos, representando um dos maiores impedimentos
para a implantação de outro estilo de desenvolvimento rural. Os dados confirmam o que há
décadas tem sido alvo de denúncias por parte das organizações de agricultores, pesquisadores,
movimentos sociais rurais e outros sujeitos sociais, ou seja, há uma expressiva concentração
de terras em poder do agronegócio, impactando diretamente sob os índices de violência no
campo e violação dos direitos humanos.
Em referência à violência no campo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2012)
registra que em 2011 foram assassinados 29 trabalhadores rurais, número menor do que o ano
anterior, quando foram assassinados 34 trabalhadores. Além disso, houve um aumento no
número de trabalhadores e trabalhadoras ameaçados de morte, de 117, 6%. Os dados revelam
que o aumento da violência tem caminhado junto aos conflitos de terra no Brasil, envolvendo
os posseiros em suas diferentes denominações: ribeirinhos, fecho de fundos de pastos,
seringueiros, castanheiros, vazanteiros, geraiseiros e pescadores além dos sem-terra.
O ano de 2012 inicia com mais violência, revela o relatório. Somente durante os
quatro primeiros meses do ano, 12 trabalhadores e trabalhadoras foram assassinados em
conflitos no campo (CPT, 2012). A violência se expressa também por meio da ameaça a
muitos trabalhadores, indígenas, militantes, sindicalistas e lideranças ao denunciarem as
injustiças no campo, o trabalho escravo, o uso criminoso de agrotóxicos, entre outros
aspectos. O assassinato, em 2010, do agricultor José Maria do Tomé38, em Limoeiro do
Norte, por denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos na região, indica a face violenta da
tensão existente entre camponeses e os representantes do agronegócio e a situação de
impunidade existente no país.
Nesse contexto,esses dados revelam o processo de violação dos direitos humanos,
tanto a violência quanto os assassinatos são expressões da questão agrária brasileira, daí a
relevância das reflexões e informações apresentadas, bem como a convicção que a agricultura,
numa perspectiva ampla, não podem ser analisada separadamenteda história de ocupação do
espaço brasileiro, destacadamente os vividos no Nordeste. É nesse amplo contexto que se
38Para obter mais informações sobre o assassinato de José Maria do Tomé, consultar Brasil de Fato, disponível em <http://www.brasildefato.com.br/node/9449>. Acesso em: 18 set. 2012
73
situa nosso objeto de estudo. Desvelar as mudanças ocorridas ou que ocorrem na “vida
cotidiana” das famílias agriculturas que vivenciam experiências inspiradas na agroecologia
exigiu uma aproximação teórica das categorias “agricultura familiar camponesa” e
“agroecologia” (conforme expresso ao longo do capitulo) , no sentido de compreender como
estas se configuram na própria realidade, em movimento.
3.3.3 Transição agroecológica: um conceito em construção
A transição agroecológica se constitui como um conceito central para a
Agroecologia. Trata-se de uma expressão empregada, de forma geral, para designar as
interações entre os processos sociais e ecológicos. É, ao mesmo tempo, uma referência de
análise no processo de investigação e uma ferramenta para orientar processos de intervenção
(SCHMITT, 2009).
De acordo com Costabeber (2012, p. 49), a transição agroecológica pode ser
entendida como:
[...] um processo gradual de câmbio através do tempo nas formas de manejo e gestão dos agoecossitemas, tendo como meta a passagem de um sistema de produção “convencional” (que pode ser mais ou menos intensivo em insumos externos) a outro sistema de produção que incorpore principios, métodos e tecnologias com base ecológica.
Sua meta é ir além das práticas agrícolas alternativas. Nesse sentido, é preciso
diferenciar os “sistemas alternativos de base ecológica” da “agroecologia”. O primeiro se
caracteriza por promover uma “maior diversidade de cultivos, o usos de rotações com
leguminosas, a integração da produção animal e vegetal, a reciclagem e uso de resíduos
agrícolas e o uso reduzido de agroquímicos sintéticos” (COSTABEBER, 2012, p. 48).
Enquanto campo multidisciplinar a agroecologia fornece princípios para estudar, projetar e
manejar agroecossistemas com dependência mínima de agroquímicos e energia externa
(ALTIERI, 2012).
Entretanto, Weid (2012) verifica que os níveis de ruptura com sistemas
convencionais podem ocorrer de formas diversas, indo da simples redução ou substituição de
insumos agroquímicos até uma nova organização da lógica técnica e econômica dos
agroecossistemas. Em casos mais avançados, o desenho dos agroecossistemas podem se
aproximar dos ecossistemas naturais. Nos mais complexos, explica Altieri (2012), as
complementariedades ecológicas e as sinergias entre os elementos biológicos proporcionam
mecanismos para que os próprios sistemas garantam a fertilidade do solo, sua produtividade e
74
sanidade das culturas, como exemplo se destacam os policultivos e os sistemas agroflorestais
(ALTIERI, 2012).
A transição para agroecossistemas mais sustentáveis, registra Caporal baseado na
classificação realizada por Gliessman (2000 apud CAPORAL, 2009), pode se diferenciar em
quatro níveis, a saber:
1. Relativo aos valores - diz respeito à ética que orienta decisões de
produção, consumo e organização social;
2. Relacionada à agricultura - incremento da eficiência das práticas
convencionais para reduzir o uso de insumos externos caros, escassos e
daninhos ao meio ambiente;
3. O foco é à substituição de insumos e práticas convencionais por práticas
alternativas;
4. Redesenho dos agroecossistemas, para que funcionem com base em novo
conjunto de processos ecológicos. Mais complexos, mas indispensáveis
para se alcançar sustentabilidade.
A comprovação empírica demostra que há uma variedade de situações produtivas
e muitos pontos de partida possíveis rumo a sistemas mais sustentáveis. Diante dessa
informação, por onde começa a transição?
Se tomarmos como referência os sistemas produtivos tradicionais, que não
incluíram práticas de manejo e insumos do pacote da revolução verde (monocultura, uso
intensivo de produtos químicos, mecanização, agrotóxicos, entre outras práticas), o ponto de
partida, conforme defende Araújo (2009), é a valorização das práticas tradicionais e a
introdução de práticas mais sustentáveis, conhecimentos que a agroecologia tem se dedicando
a ampliar. “Isso porque, nesse caso, o ambiente e os recursos naturais não foram devastados,
significando um maior equilíbrio do entorno e uma possibilidade de avançar em manejos
conservacionistas” (ibidem, 2009, p. 85).
Outro ponto de partida possível, diz respeito aos sistemas produtivos que
adentram de forma intensiva a agricultura convencional. Para esse caso, é preciso estabelecer
estratégias mais longas. Pode-se começar, ainda segundo o autor (ARAÚJO, 2009), com a
recuperação do solo intensivamente explorado com uso de fertilizantes e uso de agrotóxicos
como método de controle de pragas e doenças. As práticas convencionais representam, no
75
entendimento de Gliessman, o ponto principal para iniciar a transição para sistemas mais
sustentáveis (2000).
Um dos principais obstáculos para a disseminação da agroecologia (ALTIERI,
2012) diz respeito a sua aplicação, pois, ao contrário dos sistemas convencionais que utilizam
pacotes tecnológicos homogêneos, os sistemas agroecológicos exigem, de modo particular,
dos agricultores e dos técnicos, outro “jeito de olhar” os agroecossistemas. Convém
sublinharmos que, muitas das vezes, os agricultores já possuem esse olhar integrado de sua
unidade familiar. O quintal, as criações, o roçado, as práticas, os tempos de plantio e colheita,
a distribuição dos recursos, tudo está interconectado.
A intervenção técnica baseada no produtivismo, com o desejo de alcançar a
máxima rentabilidade econômica da exploração agrícola alterou essa racionalidade que
atualmente se busca recuperar. O cotidiano do trabalho foi homogeneizado através das
técnicas e práticas, mas também o conhecimento peculiar ao fazer produtivo desses sujeitos
sociais, de modo que, para a convenção de sistemas produtivos sustentáveis, é necessário mais
do que processos técnicos. Esse câmbio exige mudança nas atitudes e valores dos atores
sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais, o que faz da transição
agroecologia um processo social complexo, haja vista as dimensões socioculturais,
econômicos e ecológicos que mobiliza (CAPORAL, 2009).
O uso do conceito de transição agroecológica como recurso analítico é um
processo em construção. A partir desse entendimento, Schmitt (2009, p.199) faz uma síntese
das principais questões que cercam essa noção:
(a) resgate dos atores sociais e suas distintas visões de mundo como um elemento essencial na análise dos processos de mudança socioambiental na agricultura, evitando-se uma visão tecnicista da transição agroecológica como um processo de conversão de sistemas convencionais de produção (pouco diversificados e dependestes de insumos externos) para sistemas diversificados e autorregulados; (b) a visão de que a construção do conhecimento agroecológico, a partir de um diálogo entre conhecimento cientifico e o chamado saber popular ou conhecimento prático, envolve dinâmicas de conflito e negociação entre diferentes mundos, nos quais se expressam complementariedades, mas também descontinuidades entre diferentes sistemas ou formas de conhecimento; (c) necessária articulação entre as dimensões locais (os atores locais, suas estratégias, seus modos de vida, sua base natural de recursos) e as dimensões globais envolvidas na transição agroecológica, considerando-se as inúmeras mediações existentes entre esses diferentes níveis de interpretação.
Por conseguinte, o desenvolvimento de estilos de agriculturas mais sustentáveis
nos chama atenção para as formas de ação coletiva que tem apoiado essas experiências, seja
em nível local, regional e nacional e na sua articulação dentro e fora do território. A
consolidação dessa “outra forma” de fazer agricultura tem colocado como desafio o
76
fortalecimento de novas redes de relações. Pois, conforme encontramos em Schmitt (2009, p.
196), a transição agroecológica
[...] implica na reapropriação e/ou fortalecimento da capacidade de gestão individual ou coletiva, dos camponeses e agricultores familiares sobre os recursos naturais que servem de base a sua reprodução econômica e social, envolvendo, muito frequentemente, restruturações importantes nos vínculos estabelecidos com diferentes agentes sociais [...]
Costabeber e Moyano (2009) demostram haver complementariedade entre a
ecologização característica dos processos de transição agroecológica e a ação coletiva, espaço
compartilhado entre sujeitos sociais (com expectativas, crenças e valores) e projetos coletivos
com o intuito de construir estratégias para superar a invisibilidade, a estagnação e a
marginalização econômica a que estariam submetidos.
Sob o ponto de vista técnico-produtivo, Almeida (1999, p. 145) apresenta três
cenários possíveis para a materialização da agroecologia, três etapas de desenvolvimento, a
saber:
[...] uma concebida como sendo a institucionalização da marginalização da agricultura alternativa ou ecológica; outra, que corresponde a uma “ecologização” da agricultura moderna ou convencional e a última, em que a agricultura ecológica é apreendida como uma verdadeira alternativa técnico-cientifica global.
Almeida (1999) analisa que, inicialmente, estas proposições foram apreendidas
por certo tipo de agricultor e de agricultura e, de forma específica, por aquele pequeno
agricultor sem acesso a recursos materiais, físicos e financeiros, e produzindo, para sua
subsistência. A segunda etapa, que diz respeito à “ecologização”, esta já pode ser observada,
em alguma medida, na agricultura convencional, especialmente no uso de práticas voltadas à
conservação da natureza e no crescente incentivo às agriculturas mais sustentáveis. E,
finalmente, a terceira etapa de apreensão da agricultura ecológica como alternativa técnico-
produtiva global, o autor avalia que esta exigirá profundas mudanças nas orientações sociais e
políticas.
As experiências de transição agroecologia estão longe de significar um campo
homogêneo, conforme nos alerta Almeida (1999). Sua contribuição ao nosso objeto de estudo
é fundamental no sentido de demonstrar que o processo de construção social de uma nova
agricultura(grifo nosso)se constitui na interação de diferentes atores39, experiências,
39Nessa trama de relações, o autor destaca os seguintes atores sociais: “[...] organizações não governamentais (Ong’s), associações e grupos de inspiração comunitária, grupos de cooperação agrícola, sindicatos profissionais, militantes de partidos políticos, algumas correntes da igreja, segmentos de setores industriais e da distribuição-comercialização, técnicos, assim como o próprio Estado através de seus organismos e agentes de enquadramento técnico, econômico e social’ (ALMEIDA, 1999, p. 23).
77
proposições, recursos, projetos e ações, cuja expressão é “[...] uma trama de relações sociais e
de poder através da qual se afrontam ou se associam os interesses de diferentes grupos e
categorias” (ALMEIDA, 1999, p. 23).
A promoção de iniciativas agroecológicas e a melhoria da qualidade de vida das
famílias agricultoras, já evidenciada em vários estudos, não foram, de acordo com Almeida
(1999), suficientes para alçá-la a um lugar de maior destaque no interior da agricultura
brasileira. Esse lento desenvolvimento, analisa o autor, se deve em parte pelo fato de se apoiar
mais em critérios culturais e técnico-econômicos, do que em critérios sociopolíticos (ibidem).
Concordando com autor e valendo da posição defendida por Altieri (2012),
Molina (2009), Ploeg (2009, 2010), Caporal e Petersen (2012), entendemos que será
necessário mais do que a substituição de insumos, práticas agrícolas ou diminuição no uso de
agrotóxicos, ainda que sejam fundamentais para garantir a transição para agriculturas mais
sustentáveis. A implantação de iniciativas de agriculturas sustentáveis e o enfrentamento da
crise socioambiental exigem mudanças na esfera das instituições, nas agendas de pesquisa e,
sobretudo, uma nova direção das políticas que definem o processo de desenvolvimento
(CAPORAL, 2009).
Consideramos deveras importante debruçarmo-nos sobre o universo da agricultura
familiar camponesa, como forma de contribuir com o debate sobre a transição agroecológica,
não entendida aqui como um conceito fechado. Trata-se, sob muitos aspectos, de um caminho
novo, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, mesmo que muito já tenha se
avançado. Alçar a agroecologia por todo o território é um desafio no plano político, sobretudo
quando o Estado, principal indutor das políticas públicas, sustenta econômico, ideológico e
politicamente o segmento do agronegócio. Nesse sentido, nossa contribuição é dar
visibilidade aos sujeitos sociais e suas experiências, tendo como ponto de partida o Território
dos Vales do Curu e Aracatiaçu, particularmente a articulação na Rede de Agricultores
Agroecológicos e Solidários.
78
CAPÍTULO 3
4 A CONFIGURAÇÃO DE UM ESPAÇO TERRITORIAL
Nesse capítulo, situaremos o contexto da pesquisa no Território dos Vales do
Curu e Aracatiaçu procurando nos acercar dos aspectos sociohistóricos e ambientais que
moldam a agricultura familiar camponesa nesse cenário típico do semiarido nordestino. Para
tanto, foi dada ênfase às primeiras experiências de modernização implantadas na região e às
alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o semiárido,
de forma particular a ação da Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Soliadários/as.
Para efeito desse estudo, cabe-nos destacar, que nos últimos anos, no Brasil, a
abordagem em torno da estratégia “de desenvolvimento territorial” passou orientar a política
governamental. Com isso, o enfoque territorial passa a ser eixo central das políticas de
desenvolvimento rural desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
por meio da Secretária de Desenvolvimento Territorial (SDT).
Nessa perspectiva, o território, espaço físico geograficamente determinado, passou
a ser pensado como uma unidade que dimensiona laços de proximidade e identidade entre
pessoas, grupos sociais e instituições e, que poderia converter-se numa estratégia
para estimular e favorecer o desenvolvimento territorial das regiões, considerando para tanto
sua heterogeneidade (BRASIL, 2003).
Desde 2003, por meio da SDT, foram homologados os territórios rurais que, em
2009, passaram a integrar o Programa Territórios da Cidadania40, ampliando o número de
territórios.Posteriormente, com a criação da Secretária de Desenvolvimento Agrário o
governo do estado passou a adotar a política territorial, criandodesse modo novos territórios.
Dentre os treze41 territórios definidos, para efeito de intervenção governamental, destacamos o
Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, espaço no qual estão inseridas as experiências que
nos propomos a analisar.
40 O Programa Territórios da Cidadania, desenvolvido pelo Governo Federal, conforme encontrado em documentos oficiais tem por objetivo: “promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”. Sendo fundamental para a execução dessas ações a integraçãodo Governo Federal, estados e municípios. Disponivel em <www.territoriosdacidadania.gov.br> Acesso em 25 agt. 2012. 41Inicialmente foram criados os Territórios dos Vales do Curu e Aracatiaçu, Sertão de Canindé, Sertão Central, Sobral, Inhamuns e Crateús (Territórios da Cidadania) e posteriormente foram acrecidos os territórios Centro Sul e Vale do Salgado, Litoral Extremo Oeste, Litoral Leste, Maciço de Baturité, Metropolitado José de Alencar, Serra da Ibiapaba, Vale do Jaguaribe, totalizando treze territórios.
79
Como estratégia teórico-metodológica, recorremos a um recorte histórico do
território, por compreendermos, baseados em Marx e Engels (1984), que a natureza e sua
modificação ao longo da história só podem ser compreendidas pela ação dos homens (estes
são indissociáveis). Partindo dessa premissa, o espaço do Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu passa a ser entendido, segundo definiu Santos (2002, p. 85), como:
O território não é a penas um conjunto de formas naturais, mas um conjunto de sistemas naturais e artificiais, junto com as pessoas, as instituições e as empresas que abriga, não importa seu poder. O território deve ser considerado em suas divisões jurídico-políticas, suas heranças históricas e seu atual conteúdo econômico, financeiro, fiscal e normativo [...]
Somente desse modo, acrescenta o autor (ibidem):
[...] ele constitui, lugares, aquele quadro de vida social onde tudo é interdependente, levando, também, à fusão entre o local, o global invasor e o nacional sem defesa (no caso do Brasil).
O lugar, acrescenta Silva (2004), define o pertencimento social, o enraizamento
em determinado território. Assim, a autora corrobora com Santos (2002),quando diz que o
território não diz respeito apenas ao espaço geográfico, físico, mas também ao espaço
simbólico, envolvendo aspectos da cultura e da vida social ali presentes.
Em Fernandes (2008, p. 283), o território passa a ser apreendido a partir das
relações de poder sobre os espaços socialmente construídos, de forma continua e descontinua
e se expressa pela luta por soberania, qualidade ou propriedade exclusiva de todos os tipos de
território. “Embora não seja interrupta, a soberania está sempre em questão por meio da
conflitualidade na disputa territorial no interior do território da nação”.
Ainda para o autor (ibidem), o capital detém o poder de se territorializar mais
rápido do que o campensiato, especialmente ao gerar desigualdade e a expropriação dos
camponeses, movimento inerente ao modo de produção capitalista, especialmente nesse
momento histórico de domínio dos grupos transnacionais, onde a desterritorialização ocorre
de maneira acelerada.
Vejamos algumas diferenças entre o território camponês (isso se estende ao
indígena, quilombolas) e o do agronegócio. Enquanto o último está organizado em torno da
produção de mercadorias, os camponeses organizam seu território primeiramente para garantir
sua existência, envolvendo nesse esforço diversas dimensões da vida. A paisagem do
território do agronegócio é homogênea, nela predomina a monocultura, enquanto a paisagem
do território camponês é heterogênea e, portanto, caraterizada pela grande presença de
80
pessoas. “Homens, mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias, produção de mercadorias,
culturas e infraestrutura social, entre outros” (FENANDES, 2008, p. 286).
Nesse sentido, a problemática ambiental vem imprimindo um novo significado às
demandas e às lutas sociais no meio rural, conforme salienta Leff (2000,p. 336):
As lutas camponesas estão caminhando, de seu sentido reinvidicatório pelo emprego, salário e uma melhor distribuição da riqueza, assim como pela restituição às comunidades rurais de suas terras para reverter os processos de empobrecimento do campo, para um movimento político e econômico pela reapropriação de suas condições de vida e dos processos produtivos.
Posto isto, nosso esforço se encaminha no sentido caracterizar, em linhas gerais, o
Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, solo das experiências protagonizadas pelos
camponeses no desenvolvimento de agriculturas mais sustentáveis, a exemplo da agroecologia
que será refletiva no quarto capítulo.
O Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu está localizado na região noroeste do
estado do Ceará. Ocupa uma área de 12.143,70 Km² e abriga 536.385 pessoas, das quais
252.978 vivem na área rural, o que corresponde a 47,16% do total de habitantes (BRASIL,
2010). A agricultura de base familiar sempre teve grande expressão nesse território, que se
caracteriza por minifúndios, sendo que a maioria possuía área inferior a cinco hectares, com
percentual de 56% do total. O território possui 22.229 agricultores familiares, 3.301 famílias
assentadas, 4.536 famílias pescadoras, duas comunidades quilombolas e duas comunidades
indígenas (BRASIL, 2010). Abrange dezoito municípios42, e três zonas geoambientais:
depressão sertaneja, tabuleiro costeiro e a serra unida. Essas diversificações regionais
integradas às atividades humanas - religiosas, comerciais, culturais, ajudaram a moldaram a
identidade do território, que tem 62 % de seus municípios inseridos no semiarido43 (SOUZA,
2010).
O Território, embora inserido no Programa Territórios da Cidadania do Governo
Federal , a noção de identidade antecede a incidência das politicas públicas orientadas pelo
MDA. Data, especificamente, da década de 1970 quando da instalação da Diocese de
Itapipoca, que, desmembrada das Dioceses de Fortaleza e da de Sobral, passou a agregar os
42 É composto pelos seguintes municípios: Apuiares, General Sampaio, Irauçuba, Itapagé, Amontada, Itapipoca, Itarema, Miraíma, Paracuru, Paraipaba, Pentecoste, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu, Tejuçuoca, Trairi, Tururu, Umirim e Uruburetama. Estes estão distantes cerca de 110 km de Fortaleza e o acesso entre os municípios além da BR-222 é feito também pelas CE-168, CE-71, CE- 085, CE-368, CE-362, CE-354, e CE-178 (BRASIL, 2010). 43 O semiárido brasileiro compreende os sertões dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, parte do Maranhão e norte dos Estados de Minas Gerais e Espirito Santo.
81
municípios que ainda hoje compõe o território. Essa identidade contou, em princípio, com a
ação pastoral e as Comunidades de Base (CEBs), sobretudo na articulação e mobilização dos
agricultores e movimentos sociais e de suas lutas em torno da terra (SOUZA, 2010).
Figura 5 - Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu
Fonte: BRASIL (2010).
O território está situado numa região em que predomina o clima tropical,
caracterizado pela alta temperatura, com ocorrência de chuva concentrada e irregular durante
o ano. Os efeitos do regime de chuvas atingem também as áreas de tabuleiro costeiro, ainda
que não sejam consideradas de domínios do semiárido. Maior parte desse território é
recoberto pela caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro. Cabe ainda destacar que esse
bioma não é uniforme em toda a sua extensão, apresentando uma grande variedade de
paisagens, de espécies animal e vegetal, nativas e adaptadas (ASA, 2012).
Por se tratar de um bioma muito diverso e com inúmeras especificidades
relacionadas aos recursos naturais, não poderia deixar de existir um reflexo direto no modo de
82
vida do povo, através das suas necessidades ligadas à alimentação, medicação, energia,
habitação e renda, até hoje, este mantem relação com sua biodiversidade (ELIAS, 2005).
O território foi marcado, historicamente, pela resistência44 dos camponeses frente
à violência e à expropriação no campo. O depoimento de Benedito Gonçalves da Guia (o
Benedito da Rita), agricultor do Assentamento Maceió45, município de Itapipoca, dá tom da
luta vivenciada na década de 1980 pelas comunidades camponesas no enfrentamento com os
fazendeiros e empresários pelo direito a terra, lugar de trabalho e vida há gerações como está
expresso na seguinte fala (NADDAF, 2006, p. 111):
A luta se deu porque o pouco que a gente exigia era a terra que a gente vivia desde a época do meu avô Raimundo Gonçalves da Guia, que faleceu com quase cem anos, e de meu pai Raimundo Gonçalves Filho, que faleceu com oitenta e tantos outros. Pois daí veio o pessoal com aquela história que a terra era deles, e o que a gente plantou eles consideravam que era deles também. Por conta disso começou uma certa resistência pela parte dos moradores, por nossa parte, daí começou a confusão. Em função disso, eles achavam por bem vender a terra para Tasso Jereissati. E segundo a história que a gente sabe, eles venderam a terra com tudo que tinha dentro, inclusive nossas casinhas.
Esse depoimento diz respeito ao processo de modernização conservadora
conduzida pelo Estado ditatorial que priorizou apoio incondicional aos latifundiários e grupos
econômicos nacionais e externos. Tratou-se, principalmente de uma modernização técnica,
como mencionado, não alterou o histórico e concentrado sistema de posse e uso de terra, ao
contrário o processo de concentração tornou-se mais forte e, em reação os camponeses
passaram a se organizar apoiados pelos movimentos sociais no campo, com apoio das
comunidades eclesiais de base.
4.1 Experiências de modernização no Território
Segundo Elias (2005), ao longo da sua história, o Ceará ocupou uma posição
periférica na divisão do trabalho agropecuário no Brasil. Até o inicio da década de 1960, o
padrão de desenvolvimento rural adotado pelo Estado se baseava na pecuária extensiva, na
44Mas foram os índios os primeiros habitantes destas terras a demostrarem resistência, conforme foi documentado por Pompeu Sobrinho em Topônimos indígenas dos séculos 16 e 17 no litoral cearense): “[...] os tapuias – Tremembés, notáveis pela sua valentia, conseguiram manter-se por muito tempo nas praias, especialmente, ao norte do rio Curu. Foram também estas praias os últimos redutos dos franceses no Ceará. Na nossa opinião, estes indígenas dominaram toda costa das margens do rio Curu ao Maranhão” (1945 apud MARTINS, 2008, p. 53). Além das tribos Tremembés, registramos também, a forte presença, Anacés, Guaranacés e Jaguaruanas na formação desse território cuja ocupação pelos homens brancos se deu a custa de muito sangue, nestas como em outras terras, por meio da catequese e do aldeamento, os índios foram forçados a deixarem o lugar em que viviam, sua religião e suas famílias (CETRA, 2012). 45 Primeiro assentamento de reforma agrária na zona costeira do Estado do Ceará, está localizado a 198 km de Fortaleza, mais precisamente na planície litorânea oeste do Ceará, distrito de Marinheiros em Itapipoca/CE.
83
agricultura de subsistência, no extrativismo vegetal e na produção comercial de algodão. A
produção de milho, feijão, arroz, mandioca, castanha de caju, cana de açúcar, algodão,
juntamente com a carne e leite de bovinos, caprinos e ovinos ocupava boa parte das terras
cultivadas e eram responsáveis pela maior percentual do valor bruto da produção agropecuária
do estado. Boa parte da agricultura praticada era de sequeiro, causando, com o passar dos
anos, sérios impactos ao meio ambiente, somada às práticas agrícolas como o uso de
queimadas, desmatamentos e, mais tarde, as técnicas improprias de irrigação aceleraram o
processo de destruições das condições biológicas.
Economicamente, o território dos Vales do Curu e Aracatiaçu se baseou, até a
década de 1960, “na cultura dos tradicionais sistemas de produção de carne, couros e peles,
algodão, cera de carnaúba, milho, farinha, mamona, rapadura e mel”, assim como café,
murici, cebola, batata – doce, manga, banana entre outros (VASCONCELOS, 2010, p.6).
Parte desses produtos atendia o abastecimento local, já o excedente era comercializado em
Fortaleza, Caucaia e Sobral. O beneficiamento da produção, como registra Martins (2008, p.
68-69), “era feito em casa de farinha, engenhos, usinas e barracões, geralmente na própria
área”.
De modo geral, a economia do território se baseava na produção familiar,
desenvolvia uma produção diversificada e, até então, não conhecia a monocultura,
sedesenvolvendo a partir de uma dinâmica que envolvia múltiplas relações sociais. Assim,
descreve a autora (MARTINS, 2008, p. 70):
Os agricultores faziam dois plantios anuais: no inverno, a chapada ou o arisco; no verão a vazante ou croa. Trabalhavam na diária, na empreitada e cultivavam terras de terceiros. A parceria (um terço de todos os produtos ou metade do algodão ou percentual de farinha) predominava na vazante e o arrendamento (uma quantia fixa de dinheiro, trabalho ou produto) na caatinga.
E complementa (ibidem, p. 71):
A atividade mais rentável da agricultura era a coleta de excedente pelo capital comercial. Além de receber as parcelas devidas pela renda da terra, o fazendeiro emprestava dinheiro a juros, financiava e reunia a produção, comprava barato as sobras da colheita e vendia a mercadoria fiado.
Outra prática comum entre os pequenos proprietários era o arrendamento em
produto. “Na época da colheita, contratavam assalariados que se juntava aos familiares. O que
não dispunha de condições para plantar um quadro separado em terras alheias trabalhavam em
empreitada ou como diaristas, nas fazendas” (MARTINS, p 74). Nesse contexto, é importante
destacarmos as condições de exploração e sujeição a que eram submetidos esses camponeses
como ou terra insuficiente à reprodução do núcleo familiar.
84
Em meados do século XX, sob a lógica desenvolvimentista, o Brasil inicia um
amplo debate sobre as desigualdades regionais brasileiras. Nesse contexto, destaca-se a
criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Banco do
Nordeste (BNB), da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).
De acordo com Elias (2005), esse momento marca a ação do governo federal no meio rural
nordestino, particularmente por meio da criação de políticas públicas orientadas para gerar
condições técnicas e econômicas necessárias ao desenvolvimento do setor primário. Até então
não existiam de forma significativa ações públicas voltadas à agricultura familiar, categoria
que vai se fazer presente somente na década de 1990 com a criação do Pronaf.
Nessa perspectiva, integrar o Nordeste, lugar considerado atrasado e de homens
bárbaros, tornou-se estratégico ao crescimento industrial. A respeito da política de ajuda
externa praticada no Nordeste, Martins (2005) explica que as vésperas do golpe militar de
1964, a região era o centro das atenções, menos pela miséria e mais pelo processo de
mobilização dos trabalhadores rurais pró-reforma agrária e melhorias salariais46. Essa situação
ameaçava as oligarquias nordestinas e, ao mesmo tempo, tencionava, nas palavras da autora, a
burguesia industrial do sul, principal beneficiada da força de trabalho e dos mercados
regionais. Enquanto isso, o capital internacional preocupava-se em manter o equilíbrio
mundial, especialmente após a revolução cubana, daí o interesse dos Estados Unidos e o
desenvolvimento das ações da Aliança para o Progresso naquele momento era estratégico
“garantir o padrão de consumo dos trabalhadores norte-americanos [e, ao mesmo tempo,
tentar], evitar rupturas na dominação exercida sobre o continente” (MARTINS, 2005, p. 34).
Com a implantação do regime militar, em 1964, o Estado ditatorial por meio da
repressão política extinguiu as Ligas Camponesas, organização mais importante naquele
momento histórico, bem como silenciou também a organização sindical articulada em torno
do Estatuto do Trabalhador Rural47.
A modernização da agricultura levado a cabo pelo Estado Brasileiro, como
registrado nesse estudo, passou a subsidiar com vastos recursos públicos grandes
proprietários, empresas nacionais e internacionais. No estado do Ceará, assim como ocorreu
46Destaca-se em 1955 a formação das Ligas Camponesas. 47 O Estatuo do Trabalhador Rural (ETR) foi votado em 1963, quando as leis trabalhistas eram vigentes desde 1943. De acordo com Silva (2004) o ETR foi o principal instrumento para a expulsão dos camponeses das fazendas. Ele determinava que o empregador pagasse 27, 1% sobre a jornada dos trabalhadores permanentes, passando os trabalhadores a ser mais “caros”, isso se explica, porque até então os gastos sociais não eram computados. O Estatuto, nessa perspectiva, não representou melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, ao contrário, colaborou com sua expulsão.
85
em outras regiões do país, os pequenos proprietários e os sem terra das regiões da serra, litoral
e sertão, no entanto, não tiveram acesso ao crédito, às novas tecnologias e ao financiamento,
especialmente como explica o autor, “por não terem garantias a oferecer ao sistema bancário
ou por não dispor de apadrinhamento político influente” (HOLANDA, 2006, p. 22).
Principalmente porque não faziam parte dos sujeitos sociais contemplados nas estratégias dos
governos militares para o desenvolvimento da modernização da agricultura - conservadora e
excludente.
Além da herança histórica do processo de ocupação territorial, com base no
acúmulo do capital e detenção do poder e dos fatores relacionados ao solo e ao clima, a
adoção do modelo desenvolvimentista baseado na substituição de importações, instalado no
Brasil pós-1945, o que intensificou ainda mais as desigualdades regionais já existentes,
contribuiu para expulsão dos camponeses para as periferias dos grandes centros urbanos,
conforme Holanda (2006). Elias (2005,p. 433) ao analisar as realidades regional e nacional ,
acrescenta outros aspectos:
[...] as relações sociais de produção e de organização do espaço, em especial as condições sociais e técnicas da estrutura agrária, que se caracterizam, principalmente, por uma estrutura fundiária concentrada e uma base técnica na sua maioria rudimentar, determinantes para as relações de trabalho e os regimes de exploração do solo predominantes, além, naturalmente, de uma estrutura de poder extremamente oligárquica e reacionária.
A década de 1970 registra a criação de importantes políticas voltadas aos projetos
de irrigação48, destacando-se o Programa de Irrigação do Nordeste, com ênfase no
aproveitamento dos vales úmidos do semiárido (ELIAS, 2005). O processo de modernização
da atividade agropecuária nordestina e, consequentemente, a cearense, pode ser dividida em
dois momentos, conforme analisa a autora (ibidem, 2005, p. 437):
O primeiro, na década de 1970, quando passou a ser priorizada em toda região Nordeste a construção de grandes perímetros irrigados públicos. Um segundo momento, viria com o Novo Modelo de irrigação, em meados da década de 1980. Nesse primeiro momento de incentivo à irrigação, os programas propostos associavam-se à irrigação pública, aos projetos de assentamento, à produção de alimentos, à colonização e ao incentivo à produção familiar como componente da política de desenvolvimento regional.
Vale salientar, contudo, que tais iniciativas, não objetivavam melhorar as
condições de vida dos camponeses, tendo em vista que os investimentos subsidiados pelo
Estado em infraestrutura (canais, barragens, perímetros irrigados entre outros), bem como em
assistência técnica, foram disponibilizadas, na maior parte, para o incremento da
48 Elias aponta que na região Nordeste foram construídos 27 perímetros irrigados, nos quais nove destes se encontram no Ceará (2005).
86
agroindústria. Esse modelo de desenvolvimento, presente ainda nos dias atuais, além de
manter a estrutura fundiária tradicional, extremamente concentrada, passou longe de atender
as demandas dos camponeses (ELIAS, 2005).
No Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, as primeiras iniciativas de
modernização tiveram inicio na década de 1960, quando o DNOCS objetivando incentivar o
desenvolvimento da agricultura irrigada, implantou um Posto Agrícola no município de
Pentecoste e, logo em seguida, o Projeto Curu-Pentecoste, “passando a beneficiar irrigantes
particulares que pagavam ao governo o acesso à água que recebiam de um sistema que se
estendia ao longo da bacia de irrigação dos açudes” (VASCONCELOS, 2010, p, 7). A
modernização se intensifica em 1974 com a implantação de uma nova política de irrigação
baseada na desapropriação de terras e no parcelamento em lotes entre proprietários
individuais selecionados pelo DNOCS, sendo projeto Curu-Paraipaba49 o primeiro projeto
implantado sob essa lógica (ibidem).
Nesse período, destaca-se a implantação da Companhia Agroindustrial do Vale do
Curu (Agrovale) 50, indústria voltada para a produção de cana-de-açúcar e álcool no sertão
cearense. Foi desafiando a natureza e as tradições culturais, mas também o modo de vida
sertanejo, assinala Martins baseado em Saes (2008), que o Estado ditatorial afastou os
obstáculos ao crescimento agroindustrial e criou as condições necessárias à reprodução das
relações de produção capitalista no campo.
De cunho desenvolvimentista, essa experiência causou profundas alterações
sociais e ambientais no território, sobretudo na produção agrícola, na organização do espaço e
nas relações de trabalho. Já a monocultura e o uso intensivo de insumo industrial mudaram a
paisagem da caatinga, especialmente na região irrigada, causando inúmeros danos ambientais
e contribuindo fortemente com o processo de desertificação já em curso. Martins descreve
assim (2008, p. 176):
Acentuou-se a erosão dos solos: compactados por erosão constantes na semeadura, desgastados pelas sucessivas queimadas para facilitar o corte da cana, salinizados e encharcados pelo manejo inadequado do sistema de irrigação. Em vintes anos, a produtividade da cultura decresceu, em média, de 120 para 30 toneladas por hectare, apenas do uso, em largas quantidades, de fertilizantes e agrotóxicos. Além disso, a
49 Projeto de irrigação alinhado à missão do DNOCS de combate à seca. 50A Agrovale foi fundada pelo empresário João Gomes Granjeiro em 1 de outubro de 1964. A usina foi responsável pela introdução da produção de cana de açúcar em grande escala a base de uma agricultura tecnicamente moderna, com vultuosos investimentos em irrigação, variedades genéticas e insumos químicos. Segundo Martins, sua pretensão era se tornar o maior produtor de cana e de álcool do estado do Ceará. Para tanto, contou com apoio do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e do Dnocs. Para garantir a matéria-prima necessária para a produção firmou contrato exclusivo para a compra de cana , como explica a autora, junto a 522 irrigantes do projeto Curu-Paraipaba (MARTINS, 2002).
87
adoção de práticas modernas destruiu a camada de matéria orgânica que, arrastada pelas águas, assoreou e poluiu os rios.
A Agrovale encerrou suas atividades após trinta e quatro anos produzindo açúcar
no sertão. A passagem da caatinga, antes com seus carnaubais, oiticicas, capoeiras e pastos foi
substituída pela cana irrigada. “A terra verdejante orgulhou os moradores, extasiou os
visitantes, ilustrou a propaganda oficial” (2002, p. 143). Tudo era aparência, diz Martins, ao
observar as consequências que essa experiência trouxe para a vida dos camponeses, bem
como para todo ecossistema da região. Assim é ilustrado pela autora (2008, p. 176):
Espécies xerófilas diversas e adaptadas ao semiarido foram destruídas por tratores que deixaram a terra sem proteção, exposta ao sol e à chuva. A lógica do lucro imediato menosprezou o resultado de experiências seculares de produção agrícola e animal, tornando plantas e bichos mais vulneráveis a seca, pragas e doenças.
Além da Agrovale, outras agroindústrias incorporaram-se ao Projeto Curu-
Paraipaba, são elas a Ypióca51, a FAISA e, mais recentemente, a Paraipaba Agroindustrial52
(VASCONCELOS, 2010).
Nos municípios de Paracuru, Paraipaba e Trairi predomina a fruticultura irrigada
voltada à exportação, principalmente de abacaxi, coco verde, floricultura entre outros plantios.
Nos municípios de Itapipoca e Itarema, empresas voltadas para o cultivo de coqueiro em larga
escala com apoio financeiro da SUDENE se instalaram em terras habitadas pelo povo
Tremembé e por trabalhadores rurais (BRASIL, 2010).
Além da fruticultura irrigada para exportação, se desenvolve no território
atividades ligadas à piscicultura, caprinocultura e apicultura ao lado de atividades tradicionais
como o artesanato, principalmente de palha e renda de bilro (SOUZA, 2010). Mais
recentemente, a luta tem sido contra a especulação imobiliária e instalação de
empreendimentos turísticos que ocupam terras de populações indígenas e costeiras e contra o
avanço das fazendas de criação de camarão, principalmente nos municípios de Itapipoca,
Amontada e Itarema (BRASIL, 2010).
A década de 1990 marca, de forma mais intensiva, a reestruturação produtiva do
território cearense. Essa reestruturação de base econômica tem como principal agente o
Estado que passa a criar as condições necessárias para inserir o Ceará no circuito da produção
51 A produção dos canaviais, do Grupo Ypióca se destina a fabricação de aguardente de cana-de-açúcar. No território há duas fabricas, uma em Paraipaba e a outra, a maior do grupo, no Pecém, em São Gonçalo do Amarante. 52 A FAISA abriu falência no final da década 90,já a Paraipaba agroindustrial foi implantada em 2005, importa agua de coco envasada. A empresa, segundo Vasconcelos , não negocia com as organizações dos irrigantes, compra individualmente o que é produzido no perímetro (VASCONCELOS, 2010).
88
e do consumo globalizados, passando a investir em atividades de modernização da agricultura
(agronegócio), como a implantação de novas indústrias, incremento no setor turístico
litorâneo, expansão do comércio e dos serviços, assim como construção de infraestrutura
ligada aos setores de transporte, comunicação, recursos hídricos entre outros (ELIAS, 2002).
Todavia, esse processo enfrentou e enfrenta resistências, fazendo ressurgir, em muitos
lugares, uma “nova luta” pela terra, dessa vez a luta pela terra incorpora outras dimensões
como a preservação da identidade, do bioma local, do espaço de vida e trabalho das
comunidades camponesas em sua diversidade.
No campo da resistência, no município de Itapipoca se destacana luta das famílias
do assentamento Maceió contra a instalação do “Projeto Pirata” pelo empresário português
Júlio de Jesus Trindade53. A instalação deste empreendimento turístico ameaça o acesso
daquelas famílias à praia, local onde pescadores e artesãs dedicadas à renda de bilro,
principalmente das comunidades dos Apliques e Maceió, retiravam sua sobrevivência.
Outra iniciativa nesse sentido é a do Grupo Nova Atlântida, empreendimento
espanhol que envolve várias bandeiras internacionais e prevê a construção de uma cidade
turística na paria da Baleia, localizada a 200 km da capital, atingindo uma área da reserva
indígena Tremembé, na comunidade São José dos Buritis (SOUZA, 2010).
Em termos da integração das famílias agricultoras ao processo de modernização,
evidências empíricas e teóricas demostram que o processo de modernização agiu de forma
seletiva sobre esse território, privilegiando especialmente aqueles segmentos aptos à
integração competitiva. Grandes proprietários tiveram investimentos subsidiados com crédito
agrícola liberado pelo Estado, para a construção dos perímetros irrigados, açudes, plantios de
monocultura, grandes criações de gado e aquisição de máquinas agrícolas, seguindo a
tendência nacional.
Os estudos realizados por Martins (2008), Vasconcelos (2010) e Elias (2005) nos
possibilitaram uma maior compreensão sobre a ofensiva capitalista no estado do Ceará e, de
modo particular, no que hoje se constitui o Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu.
Ao analisar os processos em curso no estado do Ceará, Elias (2003, p. 67)
questiona o desenvolvimento sustentável tão propagado pelo governo estadual. Por sua vez, a
pesquisadora pondera que as políticas públicas voltadas
[...] à questão agrária; aos recursos hídricos, com destaque para as grandes obras de engenharia; a expansão da agricultura irrigada, ainda moldada na construção de
53 O empresário português Júlio de Jesus Trindade, também conhecido como “o Pirata”, faleceu no dia 30 de julho de 2011.
89
grandes perímetros; a expansão da monocultura, especialmente a fruticultura [...]”, tem como beneficiário principal o setor empresarial – o agronegócio.
O governo do estado através daSecretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado
(SDA), então criada em 2007, antes denominada de Secretaria da Agricultura e Pecuária,
seguindo a tendência do Governo Federal, passou a desenvolver e executar políticas públicas
voltadas ao segmento da agricultora familiar. Cabe salientar que o conjunto dos projetos e
programas são respostas às demandas históricas, alcançadas, de forma restrita,há bem pouco
tempo em um contexto marcado por muitas tensões, especialmente no que se refere ao modelo
de desenvolvimento, como exposto ao longo do estudo.
O Estado, ao mesmo tempo em que apoia o incremento do agronegócio, a
expansão da agricultura irrigada, com destaque para a fruticultura, floricultura, olericultura e
pesca, desenvolve ações voltadas ao segmento da agricultura familiar,explicitandoa disputa
desses dois projetos - do agronegócio e da agricultura familiar, embora o primeiro exerça
primazia sobre o segundo.
Apesar dos princípios da agroecologia orientar a elaboração do Plano de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS), ela não se efetiva enquanto ação concreta, sendo
invisíveis as iniciativas desenvolvidas nessa área. Quanto às atividades no sentido de
fortalecer a agricultura familiar, destacam-se os Programas de Práticas Agrícolas, as
mandalas, a extensão rural desenvolvida pela EMATER, o Projeto São José produtivo, antes
restrito apenas à infraestrutura e água e agora passa a apoiar projetos produtivos, a exemplo
das feiras da agricultura familiar. Além disso, a SDA também executa programas do Governo
Federal, como o Garantia Safra, quintais produtivos com as cisternas de enxurradas, barragens
subterrâneas, cisternas de placas, água para todos entre outros.
Ainda no campo das contradições, desde 2008, o Ceará passou a ocupar o quarto
lugar em quantidade de estabelecimentos que usam agrotóxicos54, sendo o maior do Nordeste,
atrás apenas dos estados da região Sul. Ademais, a utilização é estimulada pelo Governo do
Estado por meio da isenção de impostos, como ICMS. Dentre os produtos, encontram-se,
inclusive, aqueles que estão sendo reavaliados pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) e que foram proibidos em seus países de origem. Não obstante, essa tendência segue
a regra do Brasil, que em dois anos subiu do terceiro para o primeiro lugar mundial em
consumo de agrotóxicos.
54São isentos os seguintes tipos de defensivos: inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores, vacinas, soros, bem como, medicamentos produzidos para o uso na agricultura e na pecuária. Disponível em <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=967742>Acesso em 22 de set. 2012.
90
A partir do panorama da agricultura no Brasil, questionamos o modelo de
desenvolvimento vigente. Que lugar tem sido reservado à agricultura familiar camponesa,
segmento responsável pela produção de alimentos no Brasil? Em que direção estão sendo
construídas as políticas públicas voltadas a esses sujeitos sociais? Elas têm caminhado no
sentido da construção da autonomia ou da domesticação pelo mercado?
Posto isso, os camponeses, conforme as palavras de Delgado (2010), só poderão
progredir em outra concepção de desenvolvimento. Concepção essa que, segundo Elias
(2003), precisa basear-se em interesses endógenos que articulem viabilidade econômica,
sustentabilidade ecológica e igualdade social. Para superar a ideologia do consumo propagado
pelo neoliberalismo, obstáculos para uma conivência realmente solidária, são necessárias
mudanças estruturais, dentre as quais, destaca-se a reforma agrária. Caso contrário, assegura
Elias, as políticas, programas e projetos não passarão de respostas paliativas para atender
superficialmente o descontentamento e, assim, evitar a mobilização popular.
Nesse contexto, duas lógicas, a do mercado (agronegócio) e a dos camponeses e
comunidades tradicionais (agricultura familiar camponesa) disputam a noção de
desenvolvimento territorial, o que faz dele um espaço de conflito. Conflito porque a lógica
governamental de desenvolvimento agrícola baseado na modernização tecnológica não é o
único caminho. Os camponeses e os movimentos sociais utilizando-se de outras formas de
produzir, cooperar e se relacionar têm construído alternativas ao desenvolvimento inspiradas
na agroecologia e na conivência com o semiárido como veremos a seguir.
4.2 Alternativas ao desenvolvimento inspiradas na agroecologia e na conivência com o
semiárido
No semiárido cearense, assim como ocorre em outras regiões do país, também
estão sendo desenvolvidas diversas dinâmicas de promoção da agroecologia, passando
diretamente pelos atores sociais e suas lutas. Nos últimos dez anos, no território dos Vales do
Curu e Aracatiaçu, muitas famílias vivenciam experiências inspiradas na agroecologia,
consolidando-se através da transformação dos seus sistemas produtivos e relações sociais,
com apoio de organizações sociais e outros sujeitos sociais envolvidos direta e indiretamente
com o enfoque agroecológico, tais como a Caritas Diocesana de Itapipoca, o CETRA, o MST,
o Instituto Sesemar, o Fórum Microrregional de Conivência com o Semiárido, a Rede de
Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras
91
Rurais (MMTR), a Rede Cearense de ATER, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais,dentre
outros.
De forma diferenciada, essas organizações desenvolvem ações no sentido de
estimular à adoção de práticas agroecológicas para convivência com o semiárido e também
para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade. Uma das estratégias utilizadas é
a ampliação do debate sobre as temáticas da segurança alimentar e nutricional, das
tecnologias sociais de convivência com o semiárido, da assistência técnica já que a prioridade
econômica da maioria das famílias agricultoras dessa região gira em torno de se ter uma
regularidade da produção de alimentos, mesmo considerando as irregularidades do regime de
chuvas (BARBOSA, 2003). O ponto de partida dessas ações, conforme explica Barbosa
(2003, p. 29), baseia-se na “[...] diversificação dos roçados e quintais, das cisternas de placa,
das pequenas barragens subterrâneas, dos cacimbões, dos barreiros trincheiras, das hortas, dos
pomares, da apicultura e da criação de pequenos animais”.
Mas também, complementa o autor (2003, p. 29):
[...] as técnicas de recuperação e conservação dos solos; a captação, o armazenamento e a utilização da água na propriedade, o manejo da vegetação, em especial da caatinga, mediantes sistemas silvopastoris ou agropastoris, a criação de bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves caipiras, agroindustialização familiar ou comunitária de diversos produtos e muitas tecnologias apropriadas às condições da agricultura familiar no semi-árido.
As ações não se restringem à superação de dificuldades práticas como o manejo
em áreas de pouca incidência de chuva, mas ensejam também novas formas de se organizar e
comercializar. Destacam-se, assim, os processos de autogestão de recursos coletivos, o
fortalecimento das economias comunitárias, a exemplo das redes sociotécnicas de inovação,
dos fundosrotativos solidários, das casas de sementes, das bodegas comunitárias, dos grupos
produtivos, das feiras.
Entretanto, estas proposições e experiências se materializam em um contexto
adverso, sobretudo porque o modelo de Política Territorial em desenvolvimento no território
está voltado para atender as demandas das cadeias produtivas, especificamente aquelas
ligadas a cajucultura, a caprinocultura e a apicultura. Essa realidade evidencia a força
destrutiva e o caráter excludente desse projeto de desenvolvimento assentado, como frisa
Silveira (2010), em uma lógica econômica e ideológica do agronegócio. Os projetos, a partir
dessa direção social, não são concebidos como base nas especificidades do território, isto é,
ecossistemas, habitantes, culturas locais, mas nos recursos a serem explorados em curto prazo.
92
4.3 Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do Território dos Vales do
Curu e Aracatiaçu
Em contraponto à lógica do agronegócio, que se esforça para moldar a agricultura
familiar camponesa, foi criada no ano de 2006 a Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e
Solidários/as, logo após o processo de formação em agroecologia realizado pelo CETRA.
Participaram dessa primeira formação 54 agricultores e agricultoras dos municípios de
Itapipoca, Tururu, Trairi, Apuiares, Amontada e Irauçuba mobilizados por essa entidade,
sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) e outras organizações que atuam no território. Desde
então, a Rede tem se constituído como um espaço social de mobilização, formação e
irradiação de experiências no campo da agroecologia.
O curso, realizado em módulos temáticos, trabalhou de maneira articulada
aspectos teóricos e práticos do conhecimento agroecológico, conferindo maior destaque para a
trajetória de vida de agricultores e agricultoras e as formas como praticavam agricultura,
quase sempre aprendida com os pais e na observação da própria natureza. Na medida em que
o curso avançava, os participantes compartilhavam suas histórias de luta pela terra, de
enfrentamento para defender os interesses das comunidades, de organização e do esforço para
dar visibilidade ao trabalho realizado pelas mulheres na agricultura, tudo de forma integrada
às discussões das práticas de recuperação e conservação do solo, da água e do seu
armazenamento, das tecnologias apropriadas para o semiárido. Era a agroecologia sendo
incorporada por meio das práticas, do encontro e, muitas vezes, do confronto entre os antigos
e novos conhecimentos.
No processo de formação, as visitas de intercâmbio às unidades dos agricultores
participantes da formação, tiveram um papel fundamental, como expressa Dona Fátima,
agricultora agroecológica da comunidade Genipapo, município de Itapipoca:
O intercâmbio mais importante para mim foi lá no Recife [recorda], acho que é o da Dona Francisca. Foi bem no comecinho, quando nós iniciamos. Ela conta a sustentabilidade dela, o que ela era antes e o que ela é hoje. A gente viu a sustentabilidade dela, olhou o quintal dela cheio de plantas diferentes, de variedades, então aquilo ali incentivou mais a gente, pois a gente tava começando. Aí incentivou mais a gente a fazer no quintal da gente. Eu nunca esqueci do jeito dela, do acolhimento dela, do marido dela. Tinha o plantio de sabiá e eu disse para mim que na minha área dava pra fazer, então eu estava fazendo. Hoje, se eu tiver que comprar uma estaca, eu já não compro. Se eu não tivesse visto isso lá talvez não tivesse fazendo. O intercambio é bom por isso. Marcou muito, apesar de ter sido o primeiro que a gente visitou.
A participação no intercâmbio foi significativa para Dona Fátima, que, entre
outras coisas, observou a utilização do sabiá como cerca viva e, logo voltando do intercâmbio,
93
tratou de adaptá-la a necessidade de sua unidade. Trata-se de um exemplo simples dentre
tantos outros colhidos durante a pesquisa para mostrar a função que esses espaços de troca
exercem, no sentido de estimular o potencial inovador dos agricultores, levando-os a buscar
respostas técnicas a partir de problemas enfrentados em âmbito local.
Os agricultores envolvidos no processo de formação de multiplicadores em
agroecologiaforam, pouco a pouco, experimentando em suas unidades familiares grande parte
dos aprendizados obtidos durante os intercâmbios. Durante os módulos, relatavam as
dificuldades e resistências enfrentadas no dia a dia, tanto no nível individual, quanto junto à
família, especialmente quando resolviam experimentar trabalhar nas áreas sem queimar e
brocar, utilizando adubos orgânicos a partir de insumos encontrados na própria unidade. Para
muitos dos que estavam ali esses foram, certamente, os primeiros passos para mudar a forma
de praticar agricultura, ainda que houvesse um longo caminho pela frente.
Outra estratégia utilizada durante a formação foi estimular a diversificação da
produção, antes restrita basicamente a roça de milho, feijão e mandioca. Importante destacar
que muitos agricultores trabalhavam com hortas tanto para o consumo quanto para
comercializar no mercado local, mais, basicamente, limitada ao coentro e cebolinha. Uma das
principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores dessa região é o acesso e a escassez de
água.
Devido a sua pouca abrangência e a descontinuidade de ações, o acesso à
assistência técnica era muito restrito, presente, ainda que de forma frágil, em áreas de
assentamento federal. Um grande número dos agricultores que estavam no curso recebia
assistência através do CETRA, por meio de projetos financiados por organizações da
cooperação internacional, e/ou por fundos públicos.
Ao final do curso, os participantes junto ao CETRA e entidades parceiras
realizaram, em dezembro de 2005, na praça Perillo Teixeira, ao lado da Igreja matriz de
Itapipoca, a primeira Feira Agroecológica e Solidária. Os agricultores e agricultoras
trouxeram de seus roçados e quintais, frutas, verduras, ovos mel, goma, gergelim, plantas
medicinais e produtos beneficiados como a tapioca, os bolos tradicionais, sucos, galinha
guisada, entre outros. Além de aproximar os agricultores e consumidores, a feira possibilitou
que esses produtores passassem a valorizar seus produtos que, antes, não tinham valor
monetário para eles. Convém registar que, para maioria, a feira era a primeira experiência de
comercialização, se não, a primeira experiência de venda direta.
94
Figura 6 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca
Fonte: Ana Cristina , pesquisa de campo (2012).
Desde então, a feira acontece quinzenalmente no mesmo local. Essa dinâmica
exigiu uma nova organização dos agricultores que passaram a se reunir uma vez por mês para
discutir questões relativas à produção e a comercialização, conforme explica Souza (2010, p.
24):
Agricultores e agricultoras passaram a desenvolver estratégias de comercialização que se baseavam em planejamentos coletivos sobre o que levar para feira, em que condições e em que quantidade, reforçando as ligações do grupo e considerando sugestões de consumidores.
Contudo, as reuniões não conseguiam agregar todos aqueles que participaram da
formação, muitas vezes as discussões giravam entorno de questões específicas do cotidiano da
feira. Daí surgiu à necessidade de criar um espaço para dar continuidade ao diálogo sobre os
processos de transição agroecológica e, ao mesmo tempo, organizar os agricultores. Assim,
em maio de 2006, foi criada a Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as e Solidários/as do
Território.
Zeza, agricultora agroecológica, do assentamento Maceió, município de Itapipoca,
justifica assim a criação da Rede:
Quando terminou a formação, logo surgiu à feira, aí a gente perguntou: vai ficar só na feira? O pessoal vai ficar tudo debandado? A gente tinha que organizar um grupo, a gente não podia parar. Então, pra que a gente tivesse contato e a organização do grupo de agricultores, foi aí que a gente pensou na Rede. Por que a Rede? A Rede tinha outras pessoas de outros municípios que não só pessoal de Itapipoca, então a Rede é que abrangia mais municípios.
Quanto à organização da Rede, reuniões acontecem trimestralmente, das quais e
participam, além dos feirantes, agricultores multiplicadores55, agricultores envolvidos com os
55 Agricultores responsáveis em replicar e desenvolver junto a suas comunidades as práticas inspiradas na agroecologia, são chamados frequentemente de agricultores – experimentadores.
95
quintais produtivos, com sistemas agroflorestais, apicultores, técnicos das entidades de apoio
e lideranças ligadas às organizações de base dos agricultores. A Rede possui com um
regimento interno e uma carta de principios, ambos construídos através de um amplo processo
de discussão, onde estão expressos os objetivos, valores e compromissos assumidos por esse
coletivo. A Rede é conduzida por uma coordenação colegiada, tendo uma coordenação geral e
uma secretária, cada um composta de dois agricultores/as. Os técnicos não fazem parte da
coordenação, mas apoiam no processo de gestão, formação e assistência técnica.
Figura 7 - Reunião da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território
Fonte: Ana Cristina, pesquisa de campo (2012).
Desde que foi criada, a Rede conta com assessoria técnica do CETRA e apoio
financeiro desta entidade, que se dá por meio de aportes provenientes da cooperação
internacional, hoje de forma reduzida, e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA,
entre outras organizações. De acordo com Souza (2010), a sustentabilidade financeira para
garantir a realização das reuniões, intercâmbios e demais atividades é um dos maiores
desafios enfrentados pela Rede, visto que captação de recursos e sua manutenção dependem
ainda de projetos executados pela entidade que presta assessoria.
Buscando ampliar a articulação no âmbito institucional, em 2009 a rede passou a
participar do Conselho de Desenvolvimento Territorial (CDT)56 , onde passou a pautar a
agroecologia no debate sobre o desenvolvimento rural, abrindo, portanto, um importante canal
de comunicação e articulação política. A participação da rede no CDT tenciona a disputa no
56 O CDT é uma estrutura criada para dinamizar as políticas de desenvolvimento territorial, através da articulação dos mais variados atores. É composta de forma diversa, assim, participam órgãos públicos, ligados ao governo federal, estadual e municipal, movimentos sociais, organizações populares, instituições de apoio e fomento, universidades, entre outros (SOUZA, 2010).
96
território, sobretudo, ao negar o modelo convencional de agricultura, baseado na monocultura
e no uso de agrotóxicos e, ao mesmo tempo, defende um enfoque sistêmico, baseado na
experimentação, na diversificação, no diálogo de saberes. Nesse sentido, sua presença é
percebida como uma forma de resistência, não a única, como encontrada em Ploeg (2009),
quando diz que a resistência camponesa tem que ser apreendida a partir de (2009) um
conjunto de práticas heterogêneas e crescentemente interligadas.
Esse enfrentamento está presente nas dinâmicas locais de experimentação,
intercâmbios e processos de comercialização apoiados pela Rede. A feira de Itapipoca tem
seteanos onde participam diretamente dozeagricultores; a feira de Trairi, três anos e a de
Tururu, dois anos, onde estão envolvidos dez e seis agricultores, respectivamente. Outra ação
de grande visibilidade no território, na perspectiva de construção e de fortalecimento das
experiências inspiradas na agroecologia, é o Encontro Territorial de Agroecológica e
Socioeconômica Solidária (ETAs), realizado anualmente desde 2006. Para sua realização, a
Rede estabeleceu uma articulação com o Fórum Microrregional pela Vida no Semiárido de
Itapipoca e entidades parceiras. Consolidou-se no território como um espaço de formação,
articulação e diálogo entre agricultores, técnicos e gestores das politicas públicas. É também
um palco para as expressões culturais e do encontro da gente da praia, serra e sertão.
As visitas de intercâmbio são um dos pontos fortes do encontro, tanto para os
participantes quanto para as famílias agricultoras que recebem um grupo de visitantes em suas
unidades. São experiências diversas da agricultura familiar camponesa: quintais produtivos,
sistemas agroflorestais, hortas orgânicas, viveiros, cooperativas de mulheres, casas digitais
geridas por jovens, além de experiências que envolvem a riqueza cultural de comunidades
quilombolas e indígenas. Os agricultores conduzem os visitantes por dentro dos terreiros,
quintais e roçados e lá contam como se deu o início da sua experiência, as dificuldades e
aprendizados. Descrevem como era sua unidade antes e como ela se encontra em face ao
processo de transição agroecológica. Com isso se percebe que a construção de novos valores
de convivência social e ambiental estão fortemente integradas às práticas de manejo adotadas
e desenvolvidas pelas famílias.
O encontro se encerra com um ato público, geralmente com um cortejo pelas
principais ruas da cidade, ocasião em que os agricultores, agricultoras, indígenas, jovens,
mulheres, quilombolas e técnicos caminham embalando bandeiras de luta, de denúncia e
reinvindicação, ao mesmo tempo em que entoam músicas que expressam suas vivências e
desejos coletivos.
97
Figura 8 - Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômicas Solidária
Fonte: A autora, pesquisa de campo, cortejo pelo centro de Itapipoca (2011). Figura 9 - Ciranda de encerramento do ETA
Fonte: A autora, pesquisa de campo, Praça Perilo Teixeira ao lado da Igreja Matriz (2011).
Desse modo, a articulação em rede, conclui Souza (2010), acrescentou novos
significados ao trabalho dos agricultores, permitindo avançar nas dimensões produtivas,
políticas, organizativas, de formação, de capacitação. No entanto, as experiências analisadas a
seguir, demostram que esse caminho é formado de meandros: avanços, recuos, dificuldades e
desafios, elementos que constituem o cotidiano dos agricultores e agricultoras.
98
CAPÍTULO 4
5 OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA: PRÁTICAS,
PROCESSOS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO.
A observação e a reflexão sobre a transição agroecológica revelada através do
cotidiano, da trajetória das famílias, das experiências sociais foi o recurso metodológico
utilizado para apreender a compreensão que os sujeitos sociais têm sobre agroecologia, as
motivações para seguir esse caminho, as dificuldades enfrentadas, as formas de resistências e
suas estratégias de organização.
Para compreender nossa problemática, optamos por dialogar com agricultores e
agricultoras que participam de redes sociotécnicas57, espaço organizado em torno de relações
mais ou menos estruturadas entre agricultores, ou entre outros sujeitos sociais, tendo como
ponto de partida as relações socioculturais, afetivas, profissionais entre outras (SABOURIN,
2009). Estudamos dez experiências que demostram como esse processo é diverso e
multidimensional58, o que nos exigiu uma visão mais ampla da agricultura, não só como
espaço de transação econômica, mas como espaço de vida formada a partir das dimensões
objetivas e subjetivas. Sob essa ótica, nosso primeiro passo foi reconhecer a singularidade dos
sujeitos, o que nos levou, em muitos casos, reencontrá-los, conhecê-los, ouvi-los e, assim,
permitir que se revelassem por meio do seu trabalho, das atividades socioculturais, do seu
modo de vida. Por trabalhamos com a concepção de sujeito coletivo, os agricultores e
agricultoras aqui mencionados expressam um conjunto de vivências compartilhadas por
aqueles que integram, em alguma medida, o universo da agricultura familiar camponesa
(MARTINELLI, 1999).
No sentido de expormos da melhor forma possível os resultados dessa
investigação e, ao mesmo tempo, reconhecer os limites de uma pesquisa social, priorizamos o
exame dos relatos e os apresentamos com as devidas e rigorosas mediações necessárias ao
fazer acadêmico. É oportuno esclarecer que algumas das análises terão maior peso no corpo
57 Para Sabourin (2009, p. 206), o espaço sociotécnico local “é desenhado por relações de interconhecimento e por prestações recíprocas no que diz respeito à produção ou redistribuição de produtos e conhecimentos, características das sociedades rurais e principalmente camponesas”. Nessa perspectiva, a constituição das redes se dá na inter-relação entre pessoas , locais e objetos. 58O enfoque multidimensional refere-se às dimensões econômica, social e ambiental em contraponto a unidimensionalidade que enfatiza a dimensão econômica principalmente quando toma agricultura em sua relação com o mercado, nesse sentido esse enfoque é insuficiente explicar a complexa e heterogênea realidade da agricultura, espaço de produção, reprodução, sociocultural, econômica e ambiental (COSTABEBER e MOYANO, 2009).
99
geral da exposição, no entanto, não desprezaremos aspectos contidos nas demais, pois
consideramos relevante pormenorizar alguns depoimentos que trazem importantes elementos
para compreendermos melhor o que denominamos de caminhos da transição agroecológica.
5.1 Agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu: aproximando-se das experiências de transição agroecologia
As experiências analisadas compartilham, de modo geral, de uma referência
comum: a agroecologia, termo que, em sua origem, não abrange, nem resume o conjunto de
práticas, sentidos e identidades que surgem no movimento de crítica e resistência imposto
pela modernização conservadora da agricultura brasileira (SCHMITT e TYGEL, 2009).
Por conta disto, partimos do pressuposto de que o enfoque agroecológico é um
processo complexo que mescla múltiplas dimensões, nesse sentido não pode ser
compreendido somente no ponto de vista técnico da convenção de sistemas convencionais de
agricultura em sistemas que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica.Desta
feita, ao longo do trabalho, buscamos evidenciar e analisar o processo social que alimenta as
experiências de transição agroecológica, especialmente no contexto do Território dos Vales
do Curu e Aracatiaçu e, de modo específico, junto aos agricultores que formam a Rede de
Agricultores Agroecológicos e Solidários.
5.1.1 “Agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza59” - Experiência de
Aberbaldo e Conceição, assentamento Córrego dos Tanques, município de Itapipoca-CE
A primeira experiência a ser apresentada é a de Aderbaldo Moura de Araújo e
Conceição Irineu Araújo, quefazem parte da Rede de Agricultores Agroecológicos e
Solidários do Território.
Marcamos a entrevista para o dia de realização da Feira Agroecológica e Solidária
de Itapipoca, pois seria um momento para conversar com o casal, mas, devido a uma reforma
em sua casa, Aderbaldo não pode comparecer, explicou Conceição na ocasião. A conversa
seria, então, noutro dia em que os dois agricultores estivessem juntos. Houve uma dificuldade
em manter contato telefônico com o casal. Devido a isso, resolvemos ir à sua casa, mesmo
sem agendamento prévio. Aderbaldo e Conceição nos receberam com muita alegria, contudo
nos explicaram que ainda estavam muito ocupados tocando a obra e as demais atividades
59 Cada sub item desse capitulo inicia com trechos extraídos das entrevistas como os agricultores e as agricultoras.
100
produtivas, assim, marcamos outra data. No dia acertado, Conceição necessitou ir à sede do
município de Itapipoca, desse modo, a entrevista foi realizada apenas com Aderbaldo.
Aderbaldo e Conceição têm cinco filhos, destes, dois moram em casa com os pais.
Vivem, desde 1996, na comunidade de Torém, no Assentamento Córrego dos Tanques,
situado na região litorânea, onde atualmente vivem cerca de quarenta famílias agricultoras.
Aberbaldo nasceu na comunidade de Olho D’água, próxima ao Assentamento
Várzea do Mundaú, no município de Trairi. Sua família veio para região quando ele ainda era
adolescente. Seu pai era vaqueiro de uma fazenda e sua mãe agricultora. Já a família de
Conceição é da região de Itapipoca. Aderbaldo sempre trabalhou na agricultura, mas, aos
dezessete anos, foi para Itapipoca procurar emprego, trabalhou em empresa de ônibus, depois
em oficina mecânica e, após quatro anos, retornou para o interior.
Aderbaldo, assim como muitos outros camponeses , não foram atraídos pelas
“luzes” da cidade, mas forçado a deixar seu lugar, entendido aqui não só com espaço físico,
mas como espaço de sociabilidade, de laços entre parentes e vizinhos, religiosidade,
convivência com a natureza (SILVA, 2004), em busca de outras oportunidades de trabalho. A
saída do agricultor compõe uma trajetória em que a modernização da agricultura não pode ser
compreendida a partir da elevação da produção e do emprego de novas tecnologias no campo.
Essas mudanças que fizeram parte do desenvolvimento do capitalismo no campo tiveram
como efeito, dentre outros, o agravamento das contradições e desigualdades, tanto no campo
como na cidade, na medida em que a modernização técnica não veio acompanhada de
mudanças na estrutura agrária.
Estas contradições forjaram, ao mesmo tempo, condições objetivas e subjetivas
para a criação de espaços de organização coletiva e, portanto, política, possibilitando que
Aderbaldo, assim como muitos outros camponeses, passassem a tomar consciência da sua
condição de excluídos60 – excluídos do direito a terra, dos recursos naturais, das políticas
públicas, do direito à vida. O não acesso a terra ou a perda dela pelos camponeses incorre no
risco da desagregação e do desenraizamento. Daí sua luta, daí sua resistência.
Não obstante, Aberbaldo diz que, mesmo enfrentando as todas as dificuldades,
prefere a vida no interior. A partir desta afirmativa, o agricultor revela o caráter identitário de
60 Martins (2009, p. 26) chama nossa atenção quanto ao uso do conceito de exclusão, para o autor não existe sociologicamente exclusão no sistema capitalista de produção, o que existe é “uma inclusão precária e instável, marginal”. E acrescenta , o discurso produzido a cerca da exclusão é produto de um equivoco, de uma fetichização, assim dentro desse contexto a exclusão é utilizada como uma palavra mágica como se fosse capaz de explicar todas as formas de precarização, sujeições, exploração e espoliação, próprias desse sistema que tem como lógica “desenraizar e a todos excluir porque tudo dever ser lançado ao mercado” (ibidem, 30).
101
sua condição camponesa, e, ainda, põe em cheque a ideia de que o espaço urbano das cidades
é o lócus da realização profissional para todos.
O depoimento seguinte revela as razões que motivaram Aberbaldo a retornar ao
interior, o pertencimento a um lugar e a negação da racionalidade imposta pelos padrões
dominantes. Vejamos:
Me sinto melhor no interior, andando no meio das plantas, livre no meio da noite. A cidade não oferece isso pra gente, né? A gente aqui sai, chega dez horas, onze horas, deixa as coisas aí na área, vai par casa de amigos, para a igreja e volta mais tranquilo. Na cidade era ruim. As pessoas nem olham pra gente, baixam é a cabeça. Se agente fala, eles dizem que agente é matuto. Aqui no interior é falar, apertar a mão, abraçar e seguir a viagem – nos tem esse hábito. Outra coisa que eu não me acostumei foi que aqui a gente acorda cinco da manhã, na cidade, quando dá sete horas, o povo tá todo dormindo e você se torcendo dentro de uma rede, rolando pro lado e pro outro e a rua toda fechada – aí esse não é nosso jeito. Quando dá cinco horas, aqui já tem café feito e a gente já esta começando a labuta.
Essa passagem ainda suscita um breve comentário realizado pela pensadora
francesa e militante, Simone Weil sobre a resistência e o desenraizamento. “Um ser humano
tem uma raiz pela sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade, que
conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” (1979 apud,
SILVA, 2004, p. 123). Essa reflexão igualmente se estende as demais experiências que
compõem esse estudo, cuja construção de outra forma de fazer agricultura é também a história
de luta de homens e mulheres pelo direito a terra para nela produzir e viver.
O sítio onde Aderbaldo vive com a família hoje está muito diferente de quando
chegou ao assentamento. Aderbaldo lembra que, para produzir, tiveram que desmatar, pois era
a única forma que conheciam. Como as demais famílias da região, o casal trabalhava com
culturas de sequeiro61 e dependiam praticamente do período chuvoso para plantar. Praticavam
agricultura de subsistência utilizando-se do desmatamento, queima e plantio de culturas como
a mandioca, milho e feijão.
O agroecossistema manejado pela família é composto pelos subsistemas: setor
experimentação, ou quintal agroecológico (em frente a casa) como costuma chamar
Aberbaldo, quintal (atrás da casa), o campo produtivo (onde são cultivados a macaxeira, o
milho e o feijão), bovinos, ovinos e casa de farinha. O trabalho é desenvolvido em oito
hectares, mas o setor da experimentação (inovação) ocupa apenas um hectare. A produção do
campo produtivo, segundo Aberbaldo, “é orgânica, mas não é agroecológica, porque tem que
passar as grades.” O entrevistado tem conhecimento que essa prática representa um modelo de
61 Trata-se de uma agricultura realizada sem irrigação em regiões onde a precipitação anual é inferior a 500 mm. A cultura de sequeiro depende de técnicas de cultivo específicas que permitem um uso eficaz e eficiente da limitada umidade do solo. São exemplos de cultura de sequeiro, o plantio do milho, da mandioca e do feijão.
102
agricultura convencional e que poderia utilizar-se de outras técnicas com base no manejo
agroecológico como o plantio direto. No entanto, em face ao processo de
transiçãoagroecológica, o agricultor também explica que o manejo de cada um dos
subsistemas é diferente, mas todos têm sentido o efeito de sua experimentação. O que
remonta o caráter processual da conversão, já que ruptura com as práticas convencionais
ocorre através da experimentação dos agricultores, responsáveis diretos pelo manejo e gestão
dos agroecossistemas.
Referente ao quintal agroecológico, o solo é arenoso e, em boa parte, tem cobertura de matéria orgânica. Ali se encontram os canteiros das hortaliças, as fruteiras como coco, goiaba, manga, abacaxi, limão, banana, mamão, caju, seriguela, graviola, maracujá, acerola, ata, cajá, todas integradas às plantas nativas, tais como o marmeleiro, mororó, pitombeira, pereiro, barbatimão. Boa parte das mudas foram trazidas dos intercâmbios a área de outros agricultores e também do viveiro do CETRA. Com relação aos insumos, algumas sementes de hortaliça (híbridas), como a alface, pimentão, tomate, cenoura, são compradas no comércio local, já as sementes de cebolinha, coentro, urucum, milho e da maniva62 são produzidas na propriedade. O espaço conta com uma nascente d’água bastante sombreada e um poço, ambos utilizados na irrigação da área. Aderbaldo explica as mudanças ocorridas nessa área.
Era uma área onde eu pensei em possuir uma cajueirada. A gente pensava muito curto. Aí, a gente começou a plantar cajueiro, cajueiro, cajueiro e foi cobrindo a área, e quando se começou a despertar a consciência agroecológica, começou a dispensar alguns cajueiros e a consorciar com algumas plantas e a gente conseguiu fazer esse pomar verde que você está vendo, todo consorciado. Hoje, a gente deve ter aqui, aproximadamente, vinte e cinco espécies de plantas nesse pequeno lugar.
Caminhando pelo quintal agroecológico, Aderbaldo mostrou as plantas que
adquiriu durante os intercâmbios, falou do consorciamento das espécies, do controle dos
insetos, o papel das abelhas na polinização, das formigas, as formas de manejo e as estratégias
para captação, armazenamento e aproveitamento da água disponível. Sobre as plantas nativas
explicou:
Uma planta nativa dessa faz todas as plantas se sentirem nativas. Esse é um marmeleiro; você vê as plantas que estão ao redor dele, olha o tamanho da pinha! Quem está em volta dela esta protegida. Agora ele sufocou a pobre dessa mangueirinha, mas deixa ela ai, quem for mais forte sobrevive.
Como se observa, é bastante detalhado o conhecimento que o agricultor tem sobre
as modificações agrícolas desse ambiente físico. Ele explica, ao seu modo, que a
biodiversidade proporcionada pela diversidade vegetal encontrada nessa área, juntamente com
presença de insetos predadores, polinizadores e um conjunto de organismos desempenham
funções ecológicas importantes naquele ambiente (ALTIERI, 2012).
62 Parte do caule da macaxeira ou mandioca que é plantado nascendo dele um novo pé.
103
Figura 10 - Aberbaldo preparando compostagem (esquerda), quintal agroecológico (direita)
Fonte: CETRA (institucional). Figura 11 - Conceição e Aberbaldo (esquerda), poço Amazonas (direita)
Fonte: CETRA (institucional).
No inicio da experiência, a família foi assessorada pelo CETRA, todavia
atualmente é uma outra entidade que assiste o assentamento. Ao questionarmos sobre
assistência técnica e se esta atendia ou não às necessidades de sua unidade, Aderbaldo toca
em uma das questões fundamentais do processo de transição, qual seja, o processo de
formação dos técnicos. Embora se tenham alcançado avanços significativos, especialmente na
educação formal 63, a ação da assessoria técnica continua voltada a orientação de atividades
agropecuárias do tipo convencional, como adverte Aberbaldo:
63Segundo Petersen e Caporal (2012), foram criados a partir de 2003, no Brasil, mais de 100 cursos de agroecologia ou baseado no enfoque em agroecologia, o que levou o Ministério da Educação (MEC) a incluir a
104
[...] o INCRA manda um técnico um a vez por mês. É mais uma conversa de amigo do que de assistência técnica. O técnico não tem a mínima experiência na área agroecológica, por isso que eu digo que é mais uma conversa de amigo, de se conhecer mais. O técnico tem outros conhecimentos, só que, quando a gente chega numa área agroecológica, a história é outra, a realidade é outra, só quem entende é quem já fez a formação, tem o sangue da agroecologia nas veias, a gente tem mais um encontro do que uma visita.
Atualmente, é significativo o número de agricultores que vêm transformando seus
sistemas produtivos com a adoção de práticas agroecológicas. Essa realidade tem colocado
novos desafios às políticas públicas que tratam do rural e das ações de assistência técnica e
extensão rural. As famílias que já passaram por processo inicial de sensibilização, formação e
mudanças relacionadas à prática e manejo do agroecossistema demandam outra modalidade
de acompanhamento como expressa Aderbaldo:
Hoje, a gente não tem tanto uma carência de ter um técnico à vista, é mais para gente criar junto, entender as coisas. Sinto falta de uma assessoria que fale a nossa língua. Este é caso dos técnicos do CETRA, que entendem muito de agroecologia e isso é muito importante. Eu aprendi muito com a Carla, Pequeno, Paulo Maciel, uns que vinham botar a mão na massa, pra gente fazer agroecologia [...] Isso é muito importante, no tempo dos Caminhos da Sustentabilidade64 com o Pequeno e o Sergio a gente ia fazer mesmo, o Pequeno foi quem ensinou como moldava os canteiros de frente para o outro e ajudou muito, ele fazia o primeiro, fazia o segundo e a agente sente a necessidade desses técnicos que são da linhagem de agroecologia.
O contato do agricultor com a agroecologia ocorreu em 2004, quando foi
convidado a participar do curso de multiplicadores em agroecologia promovido pelo CETRA.
No início, resistiu porque teria que passar um final de semana do mês, durante dois anos, fora
de casa, mas resolveu participar e conhecer uma nova experiência. Ao longo do curso, o
Aberbaldo percebeu que já praticava agroecologia sem saber, pois já se preocupava com
preservação de espécies nativas e o cuidado com as reservas de água. Mais conta que foram os
intercâmbios nas unidades de outros agricultores que despertaram seu desejo de fazer
agroecologia. Quando lhe perguntamos se havia algum intercâmbio em especial, respondeu:
Muitos. Quase todos. No Tianguá, conhecemos a área de carrasco e do cinturão verde; foi muito bom pesquisar ali. Teve outro muito bom lá em Pernambuco, em Surubim. Eu estava ali aprendendo, abrindo os olhos para muitas coisas. Tivemos uma visita lá na Ibiapaba, estas coisas me fez despertar para agroecologia.
Formação em Agroecologia em seus catálogos de curso de nível médio e superior. Encontram-se também em curso inúmeros cursos de tecnólogo, bacharel em agroecologia, assim como de espacialização, mestrado e doutorado com linhas dentro do campo de conhecimento da agroecologia 64 O Projeto Caminhos da Sustentabilidade foi um projeto desenvolvido pelo CETRA em comunidades do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu, no período de 2003 a 2007, com o apoio financeiro da Manus Unidas, que tinha como principal objetivo estimular a adoção de prática agroecológicas através da implantação de unidades demonstrativas (UDS).
105
Para Petersen e Tardin(1999) 65os processos de formação são espaços que
estimulam o intercâmbio de ideais, opiniões e discussões entre os agricultores
experimentadores. Os intercâmbios de experiência, assim como as suas sistematizações e os
testemunhos em forma de vídeo, são instrumentos pedagógicos adotados por um conjunto de
entidades que desenvolvem ações no campo da agroecologia. Ainda sobre os intercâmbios, os
autores consideram que os avanços do conhecimento técnico nesse processo “é tanto mais
efetivo, quanto maior for o número e mais diversificada for a origem das referências práticas
e/ou teóricas no debate, ou seja, quanto maior for a dialógica cultural (ibidem, p.6).
Há mais de dez anos, a família de Aberbaldo trabalha com a produção de
hortaliças, sendo que um pouco mais de cinco anos produzindo de forma convencional. Essa
produção era comercializa nos distritos vizinhos, distante 20 quilômetros do assentamento,
percorridos de bicicleta e vendidos, de porta em porta, por Aderbaldo.
Segundo ele, os agricultores que aderem às propostas de agricultura de base
ecológica, em um primeiro momento, são considerados “loucos” por suas comunidades. Com
ele a história não foi diferente, visto que enfrentou a desconfiança dos amigos e familiares,
que constantemente recomendavam:
Meu filho, tira essas moitas do meio, acaba com isso! Meu cunhado chega e manda eu limpar tudo, ai eu digo se eu limpar acaba os frutos, aqui é agroecológico, é assim mesmo, é planta dentro da floresta. O povo quer ver tudo limpinho, passar o rastelo no chão. Aí eu digo: aqui é outra forma, é assim mesmo.
Por essas e outras questões, “mudar a forma de produzir foi duro”, conta
Aderbaldo, mas as inovações e adaptações incorporadas ao agroecossistema abriram novas
perspectivas para a família. Na busca por autonomia, a família passou adotar, como estratégia
produtiva, a lógica de intensificação do uso do espaço, a segurança alimentar, diversificação
da renda e uma maior sustentabilidade do sistema. “Eu não quero um pedacinho do sítio que
não produza. Aqui eu quero dinheiro e alimentação saudável”, afirma o agricultor.
A produção de sua unidade familiar é voltada para o autoconsumo e gera
autonomia produtiva e reprodutiva à família. “Hoje a gente já tem consciência do que pode
consumir e procura consumir o que produz. Pouca coisa a gente traz do comércio – o açúcar,
o café e o arroz. Agora, a carne, o feijão, a farinha, as verduras, as frutas são produzidos
aqui”, orgulha-se o agricultor. Como se observa, por manter interna a unidade produtiva,
principal responsável pela reprodução da família, Aderbaldo consegue diminuir a dependência
65 PETERCEN, Paulo ; TARDIN, José Maria. Gestão do conhecimento Agroecológico. AS-PTA, [1999?] (não publicada). Texto elaborado para seminário interno da entidade e depois utilizado durante as capacitações da Rede ATER-NE (2006).
106
externa à unidade de produção e, portanto, se reproduzir socialmente. “É por meio da
produção para o autoconsumo que o agricultor familiar não depende, totalmente, do ambiente
social e econômico em que está inserido e, principalmente, não depende das constantes
flutuações das condições de troca do mercado”, conforme explicam Schneider e Gazolla
(2007, p. 101).
A agricultura familiar camponesa combina, para sua reprodução, a lógica da
produção para o autoconsumo e para o mercado. Segundo Schneider e Gazolla (2007), estas
esferas estão dialeticamente ligadas e vão determinar “os caminhos” que os agricultores vão
seguir. No caso da família, a comercialização “do excedente e não do que sobra”, diz
Aderbaldo, é feita na comunidade, nos distritos vizinhos e na Feira Agroecológica e Solidária
realizada quinzenalmente em Itapipoca. Conceição participa mais ativamente do processo de
colheita, processamento e comercialização dos produtos, juntamente com um de seus filhos,
que vive e trabalha em Itapipoca. São levados para feira, além da goma fresca e da tapioca,
bolos e frutas como coco, goiaba, e banana, produção que dura os doze meses do ano, não
faltando trabalho, ressalta Aderbaldo. Quanto às hortaliças produzidas, estas são
comercializadas toda semana nas comunidades e comércio local. Não levam essa produção
para feira para não comprometer a venda de outros agricultores que já comercializam estes
produtos. 66
Perguntamos ao agricultor se alguma vez comercializou para os programas
institucionais, como o PAA67 e o PNAE68·. Respondeu que não e justificou que a demanda
pelos produtos sem agrotóxicos tem uma clientela garantida hoje na região, além do mais a
feira e a venda no mercado local adsorvem sua produção, preferindo não “ariscar”, uma vez
que outros agricultores participantes dos referidos programas relatam dificuldades
operacionais, principalmente no que se refere ao pagamento dos produtos comercializados.
Os principais consumidores da feira agroecológica hoje são os comerciantes,
lojistas e funcionários públicos. Segundo Aderbaldo, “o pessoal tem uma consciência do que é
66 Os agricultores feirantes decidem coletivamente quais os produtos serão levados à comercialização, a partir da identificação do que é produzido em maior escala em cada unidade familiar. Destaca-se que não se trata de uma especialização da produção ou limitação da diversidade produtiva das unidades, mas sim uma organização do processo de comercialização acordada entre o conjunto de feirantes. 67O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado em 2003, pelo Governo Federal, utiliza mecanismos de comercialização que possibilitam a aquisição direta de produtos de agricultores familiares ou de suas organizações, estimulando os processos de agregação de valor à produção. Parte dos alimentos é adquirida para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em maior vulnerabilidade social. 68 A Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, estabeleceu que no mínimo 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos municípios, para aquisição de alimentos destinados à alimentação escolar, deverão ser usados na compra de alimentos oriundos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural.
107
agroecologia, eles ficam marcando o dia da nossa feira”, que acontece há sete anos na Praça
da Igreja matriz, da cidade de Itapipoca. Indagamos ao agricultor se os consumidores
diferenciam a produção convencional da orgânica e agroecológica e ele explica:
A gente sempre tem que ficar falando sobre agroecologia para os nossos consumidores – para difundir. Só que, o consumidor, ele sabe o que está consumindo. O pique da nossa feira é de seis e meia até sete meia, antes que ele chegue a seu estabelecimento de trabalho ele tem que fazer a sua feira pra que não fique sem nada. Tem muitos deles que ligam pra gente: “não me deixe sem meus ovos caipira, não me deixe sem minha goma!
Figura 12 - Feira Agroecológica e Solidária de Itapipoca
Fonte: A autora, acervo da pesquisadora, Conceição comercializando.
Importante destacarmos que a relação construída entre os feirantes e
consumidores reflete a crescente preocupação com consumo de produtos livre de
agroquímicos que respeitem o meio ambiente. Muitos consumidores optam em comprar seus
produtos na feira agroecológica mesmo que o preço de alguns produtos esteja um pouco
acima do cobrado no mercado convencional. Muitos desses consumidores reconhecem e
valorizam a produção da agricultura familiar de base agroecológica.
Aderbaldo utilizou agrotóxicos há dez anos, influenciado por uma empresa que se
instalou na região e, em relação a essa prática, expõe alguns resultados: “[...] cheguei a entrar
nessa, algumas vezes, para combater os animais que atacam a produção”. Ele observou que
“[...] os coqueiros mudaram o comportamento, melhoraram o coco e afinaram a madeira.
Sugou muito meus coqueiros, aí eu voltei a fazer camadas de palha embaixo e se
transformaram em uma planta agroecológica”. Inicialmente o agricultor observou um ganho,
108
mas segundo sua fala não compensou o ônus causado à planta, fazendo-o adotar adubo
orgânico.
Interessante destacar que, dos dez agricultores entrevistados, quatro disseram que
não haviam feito uso de nenhum tipo de agrotóxico, uns responderam que eram caros, outros
porque achavam que fazia mal à saúde. Já os que utilizaram, disseram que compravam os
mais baratos, sendo que o mais comum eram os carrapaticidas, recomendados por técnicos e
outros agricultores. Observou-se que eles levaram em consideração a possibilidade de uso,
mas descartaram quando avaliaram a relação custo x beneficio, custo aqui entendido não
apenas como recursos financeiros.
A esse respeito, Sr. Raimundo Patrício, agricultor agroecológico do assentamento
Novo Horizonte, município de Tururu, conta que antes de entrar para o movimento
agroecológico costumava utilizar “venenos” para combater as pragas no cultivo do feijão e
das hortaliças, sob a orientação dos técnicos da Ematerce. Este era o “único órgão que a gente
tinha disponível para consultar, ele passava uma receita de veneno e a gente achava que era
certo. Depois a gente foi participando e chegando a conclusão de que o veneno não era a
solução”. Raimundo conta que deixou de fazer uso de agrotóxicos depois que se intoxicou:
[...] eu não morava aqui ainda, eu morava em Itapipoca. Usei tanto veneno que eu fiquei, acho que fiquei intoxicado. Apareceu uma dor de cabeça com febre e a dor, né? E fui tomar medicamentos. Eu mesmo cheguei à consciência que era por causa do veneno. Por causa do veneno! Não peguei mais o veneno.
Por sua vez, Dona Fátima, da comunidade de Genipapo e multiplicadora em
agroecologia diz que nunca fez uso de agrotóxicos, não por não ter acesso. Ela explica:
Sempre foi coisa minha, eu via que nos vidros tinha um homem cego, era um tal de Andrex para aguar o feijão. Tinha um boneco véi cego, aquilo tava dizendo que fazia mal a gente. Os companheiros me perguntavam se eu não ia utilizar, mesmo sabendo que eles plantavam na nascente e ia pro meu roçado.
Com referência nas experiências, consideramos que as mudanças nas práticas
produtivas vieram acompanhadas da consciência agroecológica, como expressa o Aderbaldo,
o que tem elevado sua autoestima e ampliado sua percepção enquanto sujeito partícipe de
transformação da realidade.
Antes eu tinha um horizonte fechado, uma mente curta, só fazia a mesma coisa. Ai quando você desperta para uma vida com a natureza, num sentido mais aberto para agroecologia, você começa a despertar sua consciência como um todo. Você começa a se sentir outra pessoa, você consegue se sentir seguro nas suas criatividades, acredita que tudo vai dar certo e começa a mudar. Tem pessoas que... ele não é o senhor da sua história, ele tá sempre olhando a história de outra pessoa e não escreve a sua própria história. Hoje eu acho interessante a minha própria história e já posso repassar minha história pra outras pessoas.
109
Trata-se de um depoimento rico e, ao mesmo tempo, comum entre aqueles
agricultores e agricultoras que vêm se dedicando à agroecologia. Destaca-se inicialmente essa
conexão do camponês com a terra, seu lugar de trabalho e de pertencimento. Em segundo
lugar, fala de ampliação da visão a partir do conhecimento, tanto no que se refere à natureza
quanto ao entendimento de mundo e do seu papel como mediador desse processo. Terceiro,
esse depoimento trás o que Ploeg (2010, p. 382) denomina de “princípio camponês”, que trata
do enfrentamento e da superação de dificuldades, a fim de construir as condições para garantir
a produção e reprodução do grupo familiar. Esse princípio carrega consigo, segundo o autor, a
esperança. “A esperança que, através do trabalho duro, com cooperação, ações conjuntas e
abertas, se pode forjar o progresso” (ibidem, tradução nossa). Ele também chama nossa
atenção para a questão da subjetividade e, nesse sentido, nos ajuda a entender a importância
das visões particulares de mundo dos camponeses, bem como os sentidos e significados
conferidos ao trabalho com a natureza, a produção de alimentos, a gestão coletiva dos
recursos naturais, o orgulho nas suas habilidades e conquistas. E finalmente, a confiança em
suas próprias forças e entendimentos de mundo (PLOEG, 2010). Apesar deste entendimento,
não se pode perder de vista outros depoimentos de camponeses, que nos colocam que a
realidade não é homogênea, dadas as precárias condições de vida desses sujeitos no Brasil,
quando muitos não têm nem garantido o acesso a terra.
Chama-nosà atenção o cuidado que esse agricultor tem com a unidade familiar.
Seu filho mais velho casou, mas continua morando com os pais. O agricultor expressou
preocupação com a possibilidade da saída do filho de casa em função do casamento e disse
que fez questão que ele permanecesse, pois, assim, poderia ajudar nos trabalhos no sítio, da
produção agroecológica. Nos termos de Lamarche comentado por Wanderley (2009), a
reprodução camponesa significa a reprodução do estabelecimento familiar e não
necessariamente a alocação de todos os filhos na agricultura.
Além da preocupação do agricultor com a manutenção da unidade pela família,
Aderbaldo percebe que aumentar a disponibilidade e o acesso a recursos financeiros é uma
necessidade. Nesse caso, quando se refere à manutenção da unidade, “a gente fica vendo a
cerca se acabando, mas a gente tem que se preocupar com o autoconsumo. Como é que eu
estou? Como é que eu vivo? A gente fica sem ter alguma coisa para retornar ao sítio [...]”.
110
Quando da instalação do assentamento, a família, assim como os demais
assentados, tiveram acesso aos recursos do Procera69, porém o agricultor avalia que pouco foi
operacionalizado, devido à inexperiência do grupo para administrar aquele recurso, restando
desta experiência apenas receio de acessar novos créditos e não cumprir as obrigações
contratuais, ou não atingir as melhorias esperadas na unidade familiar.
De modo geral, os agricultores descrevem o crédito rural como uma dificuldade,
não somente pelo acesso, mas pelas regras de operacionalização do crédito e pela defasagem
de orientação, o que leva muitos agricultores a utilizar os recursos de forma muito diferente
do que esta prevista no projeto. Isto é, os agricultores findam por utilizar os recursos da forma
como melhor atendem suas necessidades e não conforme as diretrizes do programa.
Em face das dificuldades, os agricultores integrantes da Rede de Agricultores
Agroecológicos Solidários passaram a privilegiar o acesso aos créditos por meio do Fundo
Rotativo Solidário70, que, apesar do valor inferior aos créditos oficiais, garante ao agricultor
maior segurança e autonomia na aplicação do recurso, pois recebe orientação técnica para a
elaboração do projeto e estudo de viabilidade. Além desses fatores, há o acompanhamento da
aplicação dos recursos, tanto pela equipe técnica do CETRA, quanto pelo Grupo Gestor do
Fundo Rotativo.
Este foi caso do agricultor Aderbaldo que, com mais experiência e orientação, fez
um planejamento prevendo no que ia investir e como iria efetivar a devolução do recurso
tomado em empréstimo. Aderbaldo solicitou dois empréstimos ao Fundo Rotativo Solidário,
sendo que, no primeiro acessou R$ 1.000,00 e, no segundo, R$ 2.200,00, pagos em doze e
vinte quatro parcelas, respectivamente. Tais recursos viabilizaram a compra de um motor
bomba, de eletrodutos para irrigação e para a implantação de um poço Amazonas71, que
ampliou a capacidade de armazenamento de água.
69O Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) foi criado em 1985, pelo Conselho Monetário Nacional, com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade agrícolas dos assentamentos da reforma agrária e, assim, possibilitar a inserção no mercado e a independência econômica do assentamento. 70Em 2008, Cetra em parceria com a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários acessou um edital do Banco do Nordeste para apoiar a constituição do Fundo Rotativo Solidário disponibilizando para a proposta o valor de 120.000,00 (cento e vinte mil reais) com o objetivo de possibilitar aos agricultores articulados a Rede a reestruturação e estruturação de suas unidades produtivas com base nas experiências agroecológicas. O fundo conta com um conselho gestor constituído por quatro agricultores escolhidos em Assembleia Geral do Conselho Deliberativo e por três técnicos do CETRA. O núcleo se reúne periodicamente para avaliar os financiamentos e nesta são realizados as deliberações dos projetos. Os agricultores avaliam a viabilidade das propostas e se o agricultor terá condições de pagar o recurso solicitado. Disponível em: < http://www.cetra.org.br/biblioteca-multimidia/cartilhas/fundo-rotativo-agroecologico-solidario/>. Acesso em: agosto de 2012. 71 Poço Amazonas é um dos tipos mais comuns de poços utilizados para a captação de água do lençol freático. São construídos manualmente utilizando peças pré-fabricadas. São poços para pequenas vazões, destinados a abastecerem pequenas áreas.
111
Para o entrevistado, o fundo rotativo permite que os agricultores tenham mais
liberdade na hora de definir o que é prioritário para a sua produção. Refere-se com
entusiasmo sobre o fundo gerido pelos próprios agricultores que integram a Rede:
Trabalhar com o que é da gente é coisa boa né? Gerenciado por nos da Rede, pelo grupo gestor, a burocracia é mínima. Não tem consulta ao Serasa, ao SPC. O agricultor escolhe o que vai plantar e como vai usar o dinheiro, a gente discute só a viabilidade pra não ver o colega agricultor se imprensar se não der certo. Discute a viabilidade pra saber se aquilo que ele quer é útil para ele e, a partir daí, liberar o dinheiro.
Como Dona Fátima, muitos agricultores e agricultoras têm associado o crédito
rural oficial ao Fundo Rotativo da Rede para construir pequenas infraestruturas, adquirir
insumos entre outros:
A minha maior dificuldade é o acesso ao crédito, porque minha dificuldade aqui é a questão da energia porque área é longe de energia . Hoje eu já consegui mais não é do jeito que eu gostaria que fosse né, eu consegui com o crédito do Agroamigo do Banco do Nordeste, mesmo não achando muito bom eu me arrisquei a fazer porque precisava da energia, precisava de comprar um motor e do encanamento, R$ 2.000,00 reais dava. Mais os 2.000,00 também não deu pra fazer do jeito que eu queria. Deu par comprar o motor, os fios. Só a carência que eu acho pouco, pra horta era 6 meses. Se eu fosse fazer para ovelha era um ano de carência, mais como era par horta era só seis meses, eu tive que correr contra o tempo, mesmo eu achando que a produção melhorou não dava par pagar a primeira parcela que era 501,00 reais. Hoje graças Deus tem a água com já falei , acessei R$ 1.000,00 reaisdo fundo rotativo para a horta também, mais não deu par tudo que eu queria [...]. Acho que o suficiente tinha que ser R$ 5.000,00 pra ficar do jeito que eu sonhava, mais pouco a pouco a gente vai levando.
Aderbaldo e Conceição participam da Rede de Agricultores Agroecológicos e
Solidários, ambiente social que vem se consolidando no Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu, sobretudo, no processo de articulação, formação e comercialização. A Rede
nasceu a partir da necessidade do grupo de agricultores que participaram da formação em
agroecologia, especialmente para dar continuidade aos encontros e discutir questões referentes
à transição agroecológica, conforme detalha Aderbaldo, presente na Rede desde sua
construção:
[...] era assim: um agricultor em Itapipoca, outros no Trairi, outros na região da serra e isso dificultaria a gente se encontrar. Se encontrar em nome de quem, como? E quando se falava em comercializar, ficava solto esse comércio, como é que a gente ia interligar todos esses negócios? Foi depois de todas as discussões, dentro da nossa necessidade, a gente criou a Rede, para gente saber que todos os agricultores estavam ligados a uma organização, saber o que os agricultores estão fazendo. Nos momentos trimestrais a gente vê como está o comércio no território. Esse encontro é a forma de saber como está o outro agricultor do outro lado de lá, na serra, no sertão, aqui na praia. A Rede veio facilitar a interligação dos agricultores agroecológicos.
Nesse relato destaca-se o caráter indentitário presente nas chamadas redes
sociotécnicas e políticas de inovação. A identidade de agricultor experimentador,
112
multiplicador e/ou agricultor agroecológico exerce um papel decisivo no sentido de fortalecer
as relações com a coletividade de agricultores e outros atores sociais do território. Os
agricultores integram-se a rede baseados em interesses comuns, expectativas e valores,
buscam coletivamente construir alternativas técnicas, econômicas e sócio organizativas para
superar questões que, em um primeiro momento, colocam-se como problemas isolados, mas
que, na realidade, repercutem socialmente, pois tratam-se de dificuldades geradas pelo não
acesso as politicas públicas, conhecimento técnico, assessoria e formação.
A luta pela terra e depois pelas condições para nela permanecer, no caso da
família de Aberbaldo, vem de mais longe, baseia-se na “condição camponesa” definida por
Ploeg (2010), como uma busca por autonomia, situando os camponeses como sujeitos sociais
do mundo contemporâneo.
Há um tempo atrás, eu participei de um movimento social – as CEBS72. Elas eram ligadas a igreja católica e lá a gente já lutava para uma vida melhor. Eu trabalhei, militei nove anos nas CEBS e tive uma história boa. Aí, as áreas que nos lutamos foram desapropriadas e outras não e, dentro dos critérios exigidos, eu fiquei de fora dessas áreas. Quando o governo demarcava os moradores que já tinham, era além da conta e fui ficando fora, até que, por último, ganhei esse assentamento aqui. Eu me sinto feliz porque eu trabalhei para alguns companheiros. Após eu fiz parte do movimento sindical e depois eu resolvi parar de fazer movimentação. Mas depois tudo começou de novo, quando eu me inseri na agroecologia, no movimento da comunidade, a gente não para, sai para dar alguma aula fora, orientação para as pessoas que procuram a gente e isso é bom – ter uma nova vida nos movimentos. Essa é uma nova fase.
A busca por autonomia é uma estratégia de reprodução socioeconômica da
agricultura familiar camponesa e, para tanto, o acesso a terra é fundamental, assim como o
acesso a informação, ao conhecimento, aos fatores de produção. Como encontramos em
Costabeber e Moyano (2009, p. 13) há um número significativo de agricultores que procuram
construir alternativas para escapar e superar a crise socioambiental na agricultura, crise que
afeta tanto a sua produção quanto a sua reprodução social. O ingresso ou participação dos
agricultores nas redes sociotécnicas e políticas de inovação social e tecnológica tem buscado
[...] assegurar maiores graus de autonomia a respeito do processo produtivo; diversificar e ampliar as rendas agrárias; oferecer a possibilidade de participar na geração de renda e socialização de tecnologias e conhecimentos; aumentar a qualidade de vida e melhorar as condições de trabalho; e recuperar e preservar os recursos do meio ambiente, como forma de ampliar seus espaços de produção e reprodução social e econômica desde uma perspectiva de gestão sustentável do agroecossistema.
72As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs são comunidades ligadas à Igreja Católica que, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pela Teologia da Libertação, que se espalharam nosanos 1970 e 1980 no Brasil e na América Latina. Constituem-se como uma experiência que traduz para os seus participantes uma mudança significativa no campo religioso, cuja relação com o sagrado dar-se por meio da conscientização, dos compromissos ético e político com ênfase na participação em lutas populares.
113
A dinâmica de inovação agroecológica no Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu está pautada nas experiências de convivência com o semiárido, no acesso a
tecnologias sociais adaptadas a região e nos princípios da agroecologia, definida assim por
Aderbaldo:
Eu vejo agroecologia como um consórcio do ser humano com a natureza, a preservação daquilo que é bom e é útil para a vida do planeta e do ser humano. A produção agroecológica é diferente da produção orgânica. A produção orgânica basta não colocar química, veneno; na agroecologia, é toda essa ligação de homem, de terra, de natureza, de preservação, de água limpa, de ambiente limpo, de plantas bem zeladas e isso faz a nossa ligação com a natureza, isso é que é agroecologia.
A trajetória de vida de Aderbaldo é reveladora de um dos caminhos que levou os
agricultores a enveredarem pela agricultura de base ecológica, isto é, a percepção da
dificuldade em manter a produção e a reprodução da unidade familiar a partir de um modelo
que degrada sua principal base de recursos, a terra. Chegar a essa conclusão não é um
caminho linear como podemos observar, daí a necessidade de dar visibilidade ao contexto e as
condições nas quais essas experiências são forjadas, no caso, a luta pela terra, depois, a luta
por transformá-la em terra de trabalho e, ainda, a luta por politicas públicas que efetivamente
apoie os camponeses, que teimosamente resistem e se reinventam, contrariando com
mencionado, o trágico prognóstico de seu desaparecimento.
5.1.2 “Tudo dentro de um processo só, com histórias diferentes mais um processo só” - Experiência
familiar de Maria José Alves, Assentamento Maceió, município de Itapipoca
No Assentamento Maceió73, localizado a cerca de 60 quilômetros do município de
Itapipoca, vivem Maria José Alves, conhecida por todo como Zeza, com seu companheiro
Raimundo José Santos, chamado de Pequeno e seus três filhos Bárbara, Gustavo e Otávio.
Para a entrevista, Zeza nos recebeu em um espaço arejado, entre a cozinha e o
quintal, onde costuma acolher os agricultores durante as visitas de intercâmbio. O espaço
abriga também um antigo sonho de Zeza: o forno ecológico, utilizado no preparo dos
alimentos da família e mais os bolos, doces, biscoitos e tapiocas feitos pela agricultora.
O envolvimento de Zeza com a agroecologia, assim como o de Aberbaldo,
aconteceu em 2004, durante o curso de agentes multiplicadores em agroecologia promovido
pelo CETRA, entidade que acompanha o assentamento desde o período de luta pela terra e
73O Assentamento Maceió, fruto da luta pela terra que se deu na década de 1980, está localizado na planície litorânea oeste do Ceará, em Itapipoca, a cerca de 60 km da sede desse município. São aproximadamente 900 famílias de pescadores, algueiras, agricultores, rendeiras e artesãos, comerciantes, professores agentes de saúde, estudantes, gente da terra e do mar que lutam cotidianamente para preservar seu lugar e modo de vida.
114
posterior desapropriação74. Filha de Dona Mariana, que também é assentada, agricultora
envolvida com a produção de base ecológica e com questões relacionadas à organização
social e política do assentamento, Zeza relata que manteve boa parte de sua vida distante das
questões que envolviam o assentamento, principalmente a organização, mas sempre gostou de
viver ali. Quando se casou, foi morar na Comunidade de Coqueiro, uma das doze que compõe
o assentamento, onde viviam os pais de Pequeno. No início, recorda, foi difícil entender o
engajamento e o tempo que Pequeno dedicava ao assentamento e sua participação em
reuniões nas comunidades. Na percepção de Zeza, naquele momento, o que estava em questão
era o pouco tempo que ele dedicava à recém-formada família. Deve-se aqui informar que
Pequeno, nesse período, trabalhava como técnico agrícola no CETRA.
Mas “o conhecimento leva a gente a pensar as coisas de maneira diferente”,
enfatiza Zeza, ao se referir a sua participação no curso de multiplicadores, processo que
possibilitou a agricultora estabelecer um reencontro com a agricultura. A partir dos
intercâmbios realizados ao longo da formação, Zeza começou a experimentar outra forma de
viver e praticar agricultura. Todavia, foram nos anos de 2005 e 2006 que o quintal de,
aproximadamente, umhectare, onde, antes, só havia “quatro pés de coqueiro, uns cajueiros e
algumas mangueiras” pouco a pouco foi dando espaço à diversificação, quando introduzidas
fruteiras e plantas nativas.
Figura 13 - Quintal Produtivo de Zeza
Fonte: A autora, pesquisa de campo (2012).
74Nos anos de 1981, o CETRA iniciou um trabalho de assessoria advocatícia junto ao Assentamento Maceió, no sentido de contribuir com as discussões travadas pelas comunidades locais e efetivas ações de luta pela terra. Após a conquista da terra e desapropriada para a criação do assentamento, o CETRA deu continuidade ao seu trabalho, mas desenvolvendo ações de assessoria técnica no âmbito da organização social e produtiva. .
115
Por meio dos intercâmbios, Zeza conheceu experiências de agricultores do Ceará
e de outros estados. Acompanhamos, durante o Encontro Territorial de Agroecologia (ETAs),
realizado em novembro de 2011, um intercâmbio a sua unidade familiar. Nesse evento
observamos Zeza, sua desenvoltura ao receber os agricultores, com muita satisfação,
procurando deixá-los à vontade. Ela facilitou uma oficina para ensinar aos visitantes a fazer
produtos à base de mel (sabonete, shampoo e óleos, entre outros), matéria prima colhida
também em sua unidade, uma vez que Zeza também é apicultora. No final da tarde, em
círculo, olhando todos para os produtos que haviam feito, os agricultores agradeceram o casal
pela recepção, elogiaram o trabalho do quintal eexpressaram o quanto aquele dia havia sido
especial. Uma agricultora disse: “estou com muita vontade de voltar logo pra casa, quero
experimentar também”. Nesse clima, foram compartilhadas técnicas, saberes, sabores e novos
laços foram estabelecidos.
A inserção da agricultora nesse processo se deu por meio da assessoria técnica do
CETRA, especialmente no inicio da experiência. Para ela foi fundamental tanto a participação
no processo de formação, quanto o acompanhamento realizado pela equipe técnica, pois “[...]
eles orientam os agricultores na produção, discutem a importância da conservação. Ele
[técnico] não vem para fazer, mas as pessoas da própria comunidade é que têm que praticar.
Os técnicos estimulam muito a comunidade”. Esse relato aponta a mudança no enfoque
metodológico da assistência técnica, sobretudo, aquelas de inspiração agroecológica, onde a
relação agricultor-técnico busca ser horizontal, estimulando não apenas a participação, mas a
autonomia dos agricultores. “O técnico vinha dar orientação, mas quem decidia era eu. Se eu
visse que era bom para mim eu fazia, não existia uma imposição. Quem tem que avaliar o que
tem que ser feito é o agricultor”, afirma Zeza.
Figura 14 - Intercâmbio de experiências
.Fonte: A autora, pesquisa de campo, na unidade familiar de Zeza durante o ETA (2011).
116
A área de cultivo utilizada pela família é de dois hectares, sendo que o
agroecossistema manejado é composto pelo quintal, agricultura de subsistência, horta e
criação de pequenos animais. No quintal, hoje, tem: banana, mamão, abacaxi, coco, seriguela,
acerola, carambola, ata, caju, manga, pitanga, entre outras fruteiras. São cultivados, ainda,
milho, feijão, urucum, gergelim, mandioca e plantas medicinais. A partir da formação, Zeza
passou a se preocupar com formas de garantir a recuperação do solo e o trabalho com a horta
começou nesse período, a qual produzia beterraba, cenoura, couve, pimentão, tomate.
Entretanto, após o nascimento de seu terceiro filho, Otávio, teve que se afastar de algumas
atividades e logo depois vieram às dores na coluna. Com isso os canteiros foram deixados de
lado por algum tempo. Em uma nova tentativa, Zeza trouxe os canteiros para mais próximo de
casa. A mudança foi planeja para evitar que as raízes da outras plantas atingissem à horta e, ao
mesmo tempo, diminuir a sobrecarga de trabalho, uma vez que Pequeno só podia dedicar-se
ao quintal nos finais de semana.
Minha maior dificuldade, hoje, é trabalhar sozinha. É muito difícil, não dá para fazer muito coisa, por mais que você queira, por mais que você tente, o negócio é divagar e não cresce. Eu já tentei levantar a horta três vezes sem sucesso para fora, mas o que a genteproduz dá para comer. A horta é para o consumo, porque aqui na comunidade todo mundo tem um canteiro em casa e quando alguém não tem, vai na casa do vizinho e pede uma palhinha de cebola, um pimentãozinho, a gente sempre troca. Agora estou esperando que meus filhos cresçam para me ajudar (grifo nosso).
Uma das questões destacadas na fala de Zeza diz respeito à “troca” ou doação de
alimentos aos vizinhos mais próximos75, característica presente nas relações de reciprocidade
comuns às comunidades camponesas. Entendemos por reciprocidade, baseado em Sabourin
(2009), a dinâmica de reprodução de prestação, geradora de vínculo social. Para o autor,
baseado em Temple e Chabal (1995 apud SABOURIN, 2009, p. 56), a troca se diferencia da
reciprocidade. “A operação de troca corresponde a uma permutação de objetos, ao passo que a
estrutura da reciprocidade constitui uma relação reversível entre sujeitos”. Sabourin (2009, p.
64) detalha:
A troca supõe a relação prévia de duas pessoas – ou seja, um mínimo de reciprocidade; mas subordina o vínculo criado pela reciprocidade ao interesse. Por outra parte, a reciprocidade pode envolver objetos (a reciprocidade das dádivas, por exemplo); é por isso, às vezes, é confundido com a troca. Já que a troca e a reciprocidade são coisas diferentes, é melhor dar a elas nomes diferentes.
75 No Assentamento Maceió, especificamente na comunidade Coqueiro, onde vive a família da Zeza, é muito comum, no período das farinhadas, que se compartilhem, entre as famílias agricultoras, tapiocas, feitas ali mesmo na casa de farinha. É um momento de confraternização que envolve, inclusive, aqueles que não estiveram durante o processo, vizinhos e familiares.
117
Para o autor (2009) as práticas de reciprocidade ligadas às comunidades
camponesas se estruturam de diversas formas: na produção, no manejo dos recursos naturais,
na organização dos agricultores, na relação entre a comunidade e na própria família, na
comercialização, entre outros. No contexto estudado, a produção para o autoconsumo é
também responsável pela geração de processos de sociabilidade e de reciprocidade entre os
agricultores (CÂNDIDO, 1987 apud SCHNEIDER e GAZOLLA, 2007). A esse respeito,
Aderbaldo expressa:
A feira, eu tenho dito, é um espaço onde a gente troca experiência e troca os nossos produtos entre os feirantes. Meu sítio tem uma produção que o outro não tem, porque a gente esta num território diversificado, então a gente faz uma troca entre nós na feira. No caso de fazer a compra, a gente faz a troca [...] já leva para casa um produto que tem em outra região, sem precisar da gente desembolsar dinheiro. Com a mesma produção, a gente compra de outra pessoa e ali se dar um processo de troca de saberes e sabores.
As relações de reciprocidade, como se observa, extrapolam o espaço da
comunidade e superam as trocas em si, criando valores éticos que se tornam valores
econômicos característicos de uma economia de reciprocidade, conforme assinala Sabourin
(2009). Na consideração feita por Zeza, “a troca” não se limita transmutação de
objetos/produtos no sentido clássico da troca mercantil, as relações de reciprocidade, nas
quais as trocas estão presentes, o que ganha evidencia é a relação entre as pessoas e seus
valores, ainda que não sejam percebidos por todos.
Quando perguntamos a Zeza sobre a importância de produzir os próprios
alimentos com base nas práticas agroecológicas, a agricultora nos apontou três razões
objetivas. “Primeiro de não está comprando, gastando, [segundo] dos meninos estarem
comendo comida boa e saudável e [terceiro] estar ganhado dinheiro com isso.” A venda dos
produtos do quintal, tanto na Feira Agroecológica quanto na comunidade, foi decisiva para a
diversificação da renda da família anteriormente restrita ao salário de Pequeno. “Com esse
dinheiro a gente compra outras coisas. Vai comprando uns armários, fogão, essas coisas. Até
um notebook comprei com o dinheiro daqui”, fala, com orgulho.
Outro aspecto que merece destaque, diz respeito ao acesso das agricultoras em
atividades geradoras de renda, as quais, como pode ser observado, criam condições para que
as mulheres desenvolvam maior autonomia e poder de decisão. Esse argumento se baseia no
empoderamento que ocorre por meio das condições materiais. Não menos importante, é dar
visibilidade à preocupação com segurança alimentar, papel histórico que cumprem as
mulheres no campo (PACHECO, 2009). Daí ser fundamental que os “projetos agroecológicos
118
passassem a dar destaque àqueles espaços de produção em que as mulheres assumissem o
papel principal e, com isso, passassem a reconhecer as próprias mulheres como sujeitos
produtivos” (PACHECO,1997 apud SILIPRANDI, p. 143, 2009).
Figura 15 - Feira Agroecológica e participação no ENA
Baseados em Siliprandi (2009),
Fonte: CETRA (institucional), Zeza comercializando na Feira (esquerda) e durante o Seminário de Construção do Conhecimento Agroecológico (ENA – Recife - 2006).
Entendemos que a invisibilidade do trabalho desenvolvido pelas mulheres na
agricultura está relacionada às formas como se organiza a divisão sexual do trabalho e de
poder, onde a condução produtiva da unidade familiar é socialmente concedida ao homem.
Ainda que as mulheres trabalhem efetivamente nas atividades de preparo do solo, plantio,
colheita, criação de animais, beneficiamento de produtos e outros, o reconhecimento das
atividades adquirem um status inferior, embora sejam determinantes na condução e gestão dos
sistemas produtivos.
Para inverter essa situação de invisibilidade e de estrutura do poder, Pacheco
(2002 apud SILIPRANDI, 2009) recomenda, entre outras medidas, que seja oferecido apoio
organizativo às mulheres e acesso a recursos produtivos como terra, crédito, formação técnica,
condições objetivas para que possam desenvolver suas capacidades.
A produção agroecológica articulada às vivências nas formações, intercâmbios,
feiras, redes e encontros têm contribuído para o empoderamento dos agricultores e, de modo
especial, das mulheres que começaram a transpor o espaço doméstico, elevando sua
autoestima e autonomia. No depoimento seguinte, Zeza descreve um diálogo entre técnicos do
INCRA e da Prefeitura Municipal de Itapipoca com os agricultores durante uma reunião no
assentamento para tratar da construção irregular de um trecho da estrada que corta o
assentamento. Nesse episódio Zeza surpreende-se com sua intervenção, vejamos:
119
Hoje eu sou diferente do que eu era antes, porque tenho outros conhecimentos, agora eu sei o meu papel, conheço os meus direitos, sei o momento certo de me colocar. Você acredita que na reunião que teve aqui com um cara do INCRA e um secretário do Ney Barroso eu mandei ele se calar? Onde que eu tinha coragem de dizer uma coisa dessas antes? Eu tava no meu direito, eles chegaram todo armado, no ponto de briga com os agricultores e todo mundo caladinho, né? A gente tá discutindo o problema da construção da estrada porque associação mandou um oficio para o INCRA. Eles chegaram tamanha onze meia, os agricultores já estavam esperando fazia era tempo. Ai eles começaram a falar e um agricultor quis falar e eles disseram: pera aí que nós estamos falando, quando a gente calar, vocês falam na hora de vocês. Eu estava controlando a hora, ai tudo bem, passou. Aí, quando chegou a hora dos agricultores falarem o secretário do Ney Barroso se levantou e começou a falar. Ai eu disse: O senhor me desculpe, mas, no momento que vocês estavam falando, tava todo mundo calado, agora tá no memento de vocês escutarem. Ai ele perguntou se ele tinha que concordar com o que o outro estava dizendo. Eu disse que não, mas ia chegar a hora dele discordar. Vocês devem respeito aos agricultores, do jeito que eles escutam vocês também. Ele se sentou, o cara do INCRA também se sentou, baixou o tom da voz e começou a negociar com a gente. E antes eu não tinha coragem disso não, hoje eu já tenho (sorrisos). Eu acho que isso faz parte desses movimentos, dessas capacitações, dessas viagens, acho que é isso. Eu nunca acreditei que eu tivesse uma capacidade daquelas.
Tais processos podem implicar em mudanças nas relações de gênero, entre família
e também entre classe. Zeza diz que aprendeu a falar, expor suas ideias e sentimentos, o que,
em alguma medida, mudou sua relação com seu companheiro.
Hoje eu sei cobrar as coisas das pessoas, principalmente do Pequeno. Eu cobro muito dele, da questão política, porque ele quer que eu sempre acompanhe ele. Mas um dia a gente foi para um evento e aí, simplesmente, quando terminou a passeata, ele entrou no carro com um pessoal e foi dar uma entrevista na rádio e eu fiquei lá com outro pessoal. Quando eu cheguei em casa fui cobrar isso dele. Pequeno [disse Zeza], eu sou tua mulher, não sou outra pessoa qualquer não. Se as pessoas lhe convidaram para ir pra rádio, era pra você ter dito: vocês vão andando que eu vou atrás, com a minha mulher. Ele ficou calado, só disse que, realmente, reconhecia. Eu não tinha coragem de dizer uma coisa dessas para o Pequeno, eu era bem bestinha. Achava melhor ficar chorando em casa, hoje eu já sei cobrar dele e de outras pessoas também.
Zeza é uma das agricultoras que, após o término do curso de multiplicadores em
agroecologia, ajudou a criar, em 2006, a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do
território, da qual, hoje, é uma das coordenadoras. A constituição da Rede, assim como da
Feira Agroecológica, contou com o envolvimento de agricultores e agricultoras que haviam
passado pela formação, mas também de outros agricultores que desenvolviam práticas
ecológicas, servindo, portanto, de referência76 para aquele momento inicial. De acordo com
Zeza, o CETRA desenvolveu um papel fundamental na formação da Rede, pois, além de
76 Uma dessas experiências é a de Genésio Manuel Soares, conhecido por Seu Genésio, do Assentamento Escalvado, localizado na serra de Arapari, no município de Itapipoca. Liderança da comunidade coordenou com outros agricultores e agricultores do assentamento a luta pela conquista da terra na qual viviam e trabalhavam há varias gerações. Seu Genésio é um sujeito social muito conhecido na região, sobretudo, por seu espírito de luta, criatividade e ativismo ecológico.
120
garantir apoio técnico às experiências e implantação de algumas unidades demonstrativas,
também viabilizou a dinâmica de reuniões, intercâmbios e encontros do grupo, como ainda
acontece hoje.
No que se refere à Rede, o depoimento de Zeza trás elementos relacionados ao seu
papel político, no que tange ao protagonismo, a autonomia, a organização desse espaço, que
tem como principal finalidade “fortalecer o debate político sobre a Agroecologia e a
Socioeconomia Solidária”. Os demais objetivos descritos na Carta de Princípios da Rede são
demonstrativos da intencionalidade dessa organização de agricultores:
Trocar experiências no campo da agroecologia; melhorar condições de trabalho e renda do grupo; valorizar a produção da agricultura familiar; construir uma sociedade melhor; melhorar a qualidade de vida (relações humanas e condições financeiras); sensibilizar e contribuir para o consumo de alimentos agroecológicos buscando a segurança alimentar e nutricional; incentivar, apoiar e difundir uma forma de agricultura ecológica e economicamente sustentável, e que seja socialmente justa; incentivar a agricultura familiar a partir dos multiplicadores em agroecologia; proporcionar a comercialização direta ao consumidor, criando novas relações sociais, divulgando a qualidade de seus produtos; promover o intercâmbio entre as diversas instituições, agricultores/as ligadas ao trabalho com agricultura familiar sustentável.
O primeiro aspecto positivo destacado por Zeza é a expressão política dentro do
território, materializado pelo assento da Rede no Conselho de Desenvolvimento Territorial
visto que “[...] lá a gente briga pelos projetos, pela agroecologia no território, nas assembleias,
no momento de votação e avaliação dos projetos”. Outro reconhecimento nesse sentido
aconteceu ano passado quando a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários recebeu
da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, uma homenagem em comemoração ao Dia
Mundial da Alimentação, pela realização de feiras agroecológicas e solidárias regulares nos
municípios de Itapipoca, Trairí e Tururu.
Mas, ao mesmo tempo, Zeza avalia que a Rede “deu uma pausa, esfriou um
pouquinho”. Em sua percepção isso se explica pelo afastamento daqueles “agricultores mais
antigos”, pois para ela a rede “não teve pernas para trazer esse povo pra dar continuidade ao
processo”. Explica então:
Quando entram pessoas novas, elas não entendem o processo, porque já chegaram com o processo já pronto, é diferente de quem construiu o processo [Mais a rede não é um espaço dinâmico?] É, mais eu acho que era pra ter uma informação, explicar pro povo. Quando eu vejo, nem todas as reuniões eu participo, quando eu vejo aquela pessoa na feira e depois já vai pra rede. Não tem o processo de chegar até a feira, chegar até a rede. Acho que ai é que quebra o negócio.
De acordo com Sabourin (2009) a ação coletiva não é um fenômeno natural, mas
uma construção social na qual a constituição de regras e normas tem por finalidade organizar
um grupo de pessoas e de atividades. A institucionalização destas regras elaboradas
121
coletivamente tende a estimular a cooperação e o compartilhamento. Do contrário, podem
comprometer a organização e durabilidade da ação coletiva. A preocupação de Zeza vai nesse
sentido. Para ela os critérios criados para participação e ingresso na Rede, formulados após
um longo processo de discussão entre os agricultores e técnicos, não estão sendo seguidos.
Para que as regras funcionem, diz Sabourin (2009), é preciso que elas sejam transparentes e
conhecidas por todos. Zeza explicita que “a idéia era que os agricultores mais antigos, que
conhecem o processo, indicassem as pessoas para participar da rede. Muitas vezes são outras
entidades que indicam e não outro agricultor”.
Perguntamos a Zeza se a articulação dos agricultores envolvidos em processos de
experimentação e inovação não seria um dos objetivos da Rede. Ela respondeu que sim,
porém essa participação tem que obedecer a critérios que foram criados. Para ela essa questão
tem dois aspectos, um positivo e outro negativo. Positivo porque possibilita que um maior
número de agricultores do território possam trocar experiências e ter acesso a novos
conhecimentos e negativo porque os agricultores entram nesse espaço sem compreender sua
lógica, seu funcionamento, o mesmo acontece com a Feira Agroecológica, considerada sua
extensão. Sobre os agricultores que chegam à feira, ainda que levando produtos das
comunidades, Zeza expressa uma preocupação:
Hoje tem muita gente que compra o produto de fulano para vender na feira e o nosso processo não é esse. O processo é de você produzir no quintal e de levar, trocando ou vendendo coisas desse tipo. Vai chegar um ponto que as pessoas precisam passar por uma avaliação e a gente precisa fazer essa discussão. A estrutura da rede, a estrutura da feira, tudo isso é importante pra gente. É um espaço que a gente tem de se comunicar com os outros para adquirir mais conhecimento, mas a gente tem que seguir a Carta de Princípios que a gente construiu.
Como podemos observar, é muito presente na fala dessa agricultora engajada a
preocupação com os processos, tantos aqueles ligados à questão produtiva em si, envolvendo
as práticas de manejo compatíveis com os princípios da agroecologia, quanto aos relacionados
à organização e à comercialização. Nesse sentido, a autonomia dos agricultores na gestão da
unidade familiar e/ou na ação coletiva representa uma questão essencial para a continuidade e
ampliação destas experiências (SCHMITT, 2009).
O discurso da agricultora parece revelar certo incomodo com o processo de gestão
da Rede, impressão que se confirmou durante a pesquisa de campo. A coordenação da Rede
espera que o CETRA mobilize os agricultores, por ter mais estrutura para realizar essa
atividade, mas também espera que conduza os processos organizativos. Nessa questão, Zeza
sempre alertou o conjunto dos agricultores e os chamou à responsabilidade, uma vez que a
gestão da Rede pelos agricultores demanda compromisso, vontade e dedicação. A instituição
122
de uma coordenação colegiada da Rede foi uma estratégia para estimular envolvimento das
pessoas no processo de gestão da Rede e execução de atividades, mas, na maior parte das
vezes, um grupo muito reduzido assumia as responsabilidades. Para fazer com que as os
processos caminhassem, a entidade assumiu muito da gestão, o que não suprime os processos
diálogo, correlações de forças e enfrentamento entre os agricultores e a entidade.
Nesse contexto, a luta por autonomia tem que ser assumida pelo conjunto dos
sujeitos sociais (agricultores) e, para tanto é preciso superar as relações culturais e subjetivas e
avançar nas sociopolíticas, o que demanda um movimento de duas vias, no sentido de
compreender as atribuições e limites dos sujeitos coletivos, nesse caso das entidades
mediadoras (âmbito da assessoria) e redes sociotécnicos e políticas (âmbito da gestão/
agricultores).
No trecho a seguir, Zeza faz a seguinte reflexão:
A gente faz parte da coordenação e é chamada para vir à reunião, como convidado? Não é a gente que realiza o encontro com os agricultores. Sei que talvez a gente não tenha pernas para isso, mas já aconteceu da reunião ser feita só com os agricultores. Não lembro com quem era [o técnico] na época, que não pode vir e ai ligaram pra gente e a gente fez os encaminhamentos. A reunião da Rede é pra gente estar junto, elaborar a pauta, teve vezes que a gente elaborava pauta e hoje não está acontecendo isso. [Quais os prejuízos para Rede?] Os agricultores não se empoderam do processo, é uma coisa que é pra ser do agricultor, que acaba não sendo [silencio].
Essa preocupação também se estende à Feira Agroecológica de Itapipoca,
conforme expressa outro agricultor entrevistado, Zé Júlio, ao colocar a autonomia nos termos
da sustentabilidade socioeconômica:
Agente precisa trabalhar para ficar independente [...] o CETRA está nos ajudando, mais a feira é da gente. Muitos agricultores tem essa preocupação. A feira é nossa. O papel do CETRA é muito importante para captar recurso para gente, ela é uma organização, é muito importante. Nos passamos dois anos sem recurso e não tínhamos dinheiro para mobilização , ninguém tinha recurso para fazer intercâmbio, encontro. A gente chegou pegar dinheiro do fundo. Ai o CETRA consegui um recurso com a Manos Unidas para continuar o trabalho.
O papel das organizações (mediadores), esclarece Sabourin (2000, p. 05) “[...] é,
precisamente, contribuir para identificar e para tornar mais visíveis e acessíveis , e finalmente,
para qualificar, as formas de inovação local e os atributos específicos das sociedades locais”.
E o segundo passo seria “qualificar as relações de intermediação entre a ação individual, ação
coletiva e ação pública de maneira a poder desenhar e logo coordenar planos locais ou
microrregionais de desenvolvimento territorial”.
A presença e o estímulo de mediadores (pessoas e organizações) como pôde ser
observado na pesquisa de campo é fundamental para o surgimento e continuidade das
experiências agroecológicas. Para Schmitt (2009, p. 182) “dificilmente poderiam se manter se
123
não tivessem sido capazes de construir uma determinada base de legitimação”. Isso não quer
dizer que esses conhecimentos e modos de fazer construídos nas redes sóciotecnica e políticas
de inovação, sejam apenas marcados por encontros, convergências, harmonia, solidariedade.
Sabourin (2009) acrescenta que isso não se dá sem conflito/tensões, relações de poder,
disputas políticas entre sujeitos pertencentes a categorias diversas, “a mundos diferentes”
(grifo do autor, 2009, p. 93).
No nosso modo de ver, o depoimento da Zeza converge com o que defendem
Petersen, Caporal (2012) e Molina (2009) quando afirmam que o principal desafio hoje para
generalização das experiências de inovação agroecológica é política. Ao mesmo tempo, a
agricultura aponta dificuldades e estrangulamentos a partir da vivência no território, base de
ação para processo de construção da resistência.
Ainda segundo a agricultora, “a Rede tem um papel político e de formação. Mas a
prefeitura não sabe quem é Rede [...] as entidades ligadas ao governo precisam conhecer a
Rede, só quem conhece a Rede são algumas entidades”. Para ela esse enfrentamento tem que
ser realizado pela Rede, mas quanto a esta afirmativa devemos fazer algumas ponderações. A
prefeitura conhece sim a Rede, pois a Rede partilha, com representantes do poder público
local e outras organizações da sociedade civil, espaços comuns de debate, como é o caso do
Conselho de Desenvolvimento Territorial, contudo não há uma expressão clara da Prefeitura
no que diz respeito ao reconhecimento do papel da Rede como agente político. Observamos
que a Prefeitura vê no Sindicato, por exemplo, que é uma organização com maior capilaridade
e maior poder de influência no âmbito municipal e territorial, a importância desse sujeito
político. Ou seja, a Prefeitura conhece a Rede, mas dedica maior atenção às ações e demandas
dos maiores agentes políticos de mobilização. Além do mais, a Rede carrega o discurso da
agroecologia e da socioeconomia solidária que ainda não foi assumido pela totalidade dos
agentes públicos (governamentais e não governamentais). Essa “marca” da Rede ainda tem
que crescer, mas não se pode tirar dela o mérito de ter contribuído para deflagrar esse
processo.
Em seu depoimento, Zeza faz uma reflexão política sobre esse processo, que tem
implicações na forma de produzir, de alimentar a família, de se relacionar, de gerar renda e de
se organizar. Procuramos saber ao longo do estudo como os agricultores definem
agroecologia e interessa-nos, explicitar como essa definição se dá a partir de suas práticas
cotidianas. Zeza define:
Acho que é isso tudo é um processo, como agroecologia, que engloba tudo. As pessoas acham que agroecologia é só não queimar não usar veneno, não é só isso.
124
Uma menina do Banco do Nordeste veio aqui fazer uma entrevista em relação a isso. Ela achava que agroecologia era só não queimar e produzir sem química, essas coisas. Quando eu comecei a falar da questão de gênero, da questão da própria família, do sistema que a gente faz na própria agroecologia ela ficou assim... ela disse: valha é muita coisa que vocês fazem. Agroecologia é isso tudo ali que está dentro do sistema, não dá para dizer que vou cuidar do quintal e na casa é totalmente diferente, ou vou cuidar da casa de um jeito, do quintal de outro, da comunidade de outro. Tudo é dentro de um processo só, com histórias diferentes mais num processo só.
A realidade vista em movimento, evidencia que agroecologia, para os agricultores,
não é somente um processo de conversão técnica, ela é um processo social complexo de
mudanças. Com base nas entrevistas, podemos afirmar que a participação nas redes
agroecológicas de inovação sociotécnicas e políticas tem levado as mulheres a
experimentarem transformações em sua vida cotidiana, levando-as a questionar a tradicional
divisão sexual do trabalho, na qual suas atividades são reconhecidas apenas no espaço
privado, embora determinantes para a produção e reprodução da unidade familiar e, com isso,
questionando o modelo agrícola e social que molda as relações e as políticas públicas e, nesse
movimento, vão se assumindo como sujeitos políticos (PACHECO, 2009).
5.1.3 “O conhecimento é tudo” – Experiência Raimundo Diniz e Rosemeire, comunidade Gengibre,
município do Trairi
Sr.Raimundo Diniz Guedes, conhecido por Bebê, e Dona Maria André da Silva
Guedes, chamada de Dona Rosa, vivem com três de seus cinco filhos, na comunidade de
Gengibre, localizada a 12 quilômetros da sede do município de Trairi.
O casal chegou à comunidade no ano de 1975. Lembram que não existia
estrada, o acesso era difícil e os únicos transportes eram o cavalo, o jumento e o burro.
Daquele tempo para cá muita coisa mudou, inclusive o jeito da família praticar agricultura.
A unidade familiar possui uma área de dezenove hectares, mas o trabalho é
realizado só em oito deles, que estão divididos em duas áreas. A primeira é o quintal de
aproximadamente três hectares e a outra fica em frente a casa, onde fica uma das hortas, o
apiário e uma área de reserva. No quintal de Raimundo e Rosa, a diversidade chama atenção,
mas lembram de que nem sempre foi assim. Antes a área era ocupada por carnaúbas e para
produzir o milho, feijão e mandioca se “tocava fogo em tudo”, “jeito” que aprenderam com
pais.
125
Figura 16 - Dona Rosa e Sr. Raimundo
Fonte: A autora, pesquisa campo, agricultores ao lado plantação de iame (2012).
Os pais de Raimundo, junto com seus cinco filhos, deixaram o município de
Maranguape, na região metropolitana de Fortaleza, no estado do Ceará, em direção ao Trairi.
Buscavam uma terra onde pudessem trabalhar e criar seus filhos, pois onde viviam, conforme
explica Raimundo, “a área era pequena e a família grande”. Após a entrevista, quando
esperávamos o transporte que nos levaria de volta a Itapipoca, o entrevistado fala sobre as
dificuldades que enfrentou para garantir a reprodução de sua família.
As dificuldades aumentaram depois que constituiu sua própria família, o que fez
com que passasse a procurar emprego, pois só praticavam a agricultura no período do inverno.
Viveu e trabalhou durante vinte anos em uma fazenda na região, onde o proprietário permitiu
que a família plantasse e criasse alguns animais, dessa maneira, além de garantir alimentação,
rendia-lhe um dinheiro extra. Seu Raimundo dedicava-se muito a esse trabalho, mas depois de
algum o tempo o proprietário, que planejava implantar uma granja na fazenda, proibiu que a
família continuasse a plantar e começou a pressioná-la a deixar a propriedade,o que “obrigou”
Raimundo a deixar o emprego. Ele lembra que não recebeu nenhum tipo de direito pelos anos
de trabalho e que isso lhe deixou mais decepcionado. De volta para casa, Raimundo passou
mais de um ano com a saúde comprometida. Desde lá, até os dias atuais, a família passou a
viver da produção e comercialização da farinha, goma e hortaliças. Chegou, também a
combinar, no período do verão, a produção agrícola com a prestação de serviços fora da
propriedade, não sendo mais necessário atualmente.
Esse relato é importante sobre muitos aspectos, porque expressa não somente a
realidade de expropriação/exploração vivida por Raimundo e Dona Rosa, mas também aquela
vivenciada por grande massa de camponeses que buscam, a duras penas, garantir sua
produção e reprodução socioeconômica no campo. O contexto de exploração fez um conjunto
126
heterogêneo de trabalhadores do campo (moradores, colonos, posseiros, índios, pequenos
proprietários de terra, atingidos por barragens, sem terras entre outros), vivenciar a violência
provocada pela modernização da agricultura, esta entendida no seu sentido amplo, ou seja,
física, simbólica, cultural, mas também da negação dos direitos dos trabalhadores rurais, os
quais foram expropriados e expulsos do meio rural, para dar condições à implantação de
empreendimentos capitalistas e/ou constituírem-se como força de trabalho para atender as
necessidades do processo de acumulação.
Essa situação levou tais sujeitos a vagarem em busca de trabalho para garantir a
sobrevivência de suas famílias, tendo como destino a periferia das cidades. Por sua vez, a
postura dos camponeses não foi de passividade. Ao contrário, gerou várias experiências de
luta e resistência. Boa parte dos assentamentos rurais hoje existentes no Território dos Vales
do Curu e Aracatiaçu é fruto da luta contra a expropriação da terra (expulsão). Fazem parte
dessa história, despejo, morte, conflito, injustiças, mas também, organização social, coragem,
fé, solidariedade, fome de justiça. Dentre os inúmeros conflitos ocorridos nessa na região,
destacamos o caso do Assentamento Várzea do Mundaú. A desapropriação do imóvel acirrou
o conflito entre os moradores e a empresa, resultando no assassinato de três líderes do
movimento, membros de uma mesma família77.
Sobre aproximação com a agroecologia, Sr. Raimundo e Dona Rosa dizem que
receberam de seu Luiz Gonzaga78, agricultor e amigo da família, um convite para conhecerem
a Feira Agroecológica e Solidaria em Itapipoca, da qual seu Luiz já participava
comercializando seus produtos, principalmente a cajuína. O agricultor conta que nunca havia
ouvido falar de agroecologia, mas já praticava “alguma coisa”. Em 2006, passou a levar seus
produtos para feira, pois já havia uma preocupação em produzir sem o uso de venenos,
usados, até então, na lavoura de feijão para combater o pulgão. “A gente via o povo fazendo e
fazia também”.
Já comercializando na feira, Raimundo participou de uma formação mais curta em
agroecologia realizada pelo CETRA voltada, principalmente, àqueles agricultores que
estavam inseridos na feira e não haviam passado por processo de formação e também para
outros agricultores acompanhados pela entidade. Em sua fala, avalia que apesar de não ter
participado de todos os módulos, porque não podia deixar por muito tempo a produção sem
cuidados, soube aproveitar bem a oportunidade. Afirma que “quando a pessoa vai conhecendo
77 Foram assassinados, em 09 de junho de 1986, Manuel Verissimo Neto (pai), Francisco Verissimo Carlos (filho) e Raimundo Verissimo Mano (filho) , no Assentamento Várzea do Mundaú, município de Trairi. 78 Luiz Gonzaga vive na comunidade de Gualdrapas, no município de Trairi. É sindicalista e agricultor.
127
não quer deixar mais, até vê resultados”. Assim aconteceu com Raimundo. Primeiro ele
deixou de queimar, depois passou a juntar toda a matéria orgânica e misturar produzindo um
composto para ser aplicado no solo “cansado” depois de tantos anos de queima. “Hoje eu não
compro insumo de fora, tudo é da propriedade, a gente tem que fazer tudo na certeza de que é
orgânico. A gente tá confiando que esta fazendo certo”, diz orgulhoso.
Sr. Raimundo e Dona Rosa nos conduzem para conhecer o quintal. Mostram as
criações de bodes e ovelhas (que passam de quarenta), as duzentas “cabeças de pinto”, as
galinhas e os porcos. Caminhando um pouco mais, encontramos uma mandala, tecnologia
social implantada em 2011 pelo CETRA, por meio do Projeto PAES79 com apoio da
Fundação Banco do Brasil, onde são produzidas principalmente hortaliças. Mais adiante,
encontramos outra horta integrada às fruteiras como goiaba, cajarana, acerola, seriguela,
laranja, caju, banana, tangerina, mamão, tamarindo, coco, cana-de-açúcar, ata e manga, onde
também encontram-se macaxeira, milho e inhame. Sr. Raimundo conta, orgulhoso, que neste
ano arrancou inhame de 25 quilos, “não tem quem acredite. Imagine se tivesse tido inverno”.
Mais adiante, apontando para um milho diz “você está vendo essa espiga de milho aí? É só no
composto, nada de veneno”.
Figura 17 - Quintal Roçado agroecológico (esquerda), mandala (direita)
Fonte: A autora, pesquisa campo (2012).
79 O Projeto Produção Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS) trata-se de um sistema de produção agrícola que tem como objetivo potencializar o agroecossistema familiar por meio da integração das atividades já existentes. Une a criação de galinhas à horticultura em um esquema circular com irrigação integrada, numa perspectiva de otimizar os recursos naturais, minimizando a dependência de energias não-renováveis,
128
As experiências expostas pelos agricultores entrevistados parecem revelar o que
alguns estudiosos analisam em relação às inúmeras formas de resistência camponesa. Assim,
segundo Ploeg (2010) a resistência está presente em uma multiplicidade de práticas, não se
limita à ação/organização dos movimentos sociais, lutas abertas, sabotagem. Pode ser
verificada também na forma como os camponeses criam, manejam e fazem gestão do
agroecossistema e, ao fazê-lo, eles se distanciam dos procedimentos impostos pelos sistemas
dominantes, por exemplo, do uso de adubos químicos. Em vez disso, Raimundo Diniz,
Aberbaldo, Mirtes, Zeza e outros utilizam adubação verde, que ajuda a repor os nutrientes do
solo depois de tanto anos de cultivo, fazem uso de esterco, baganas, folhas secas, restos
vegetais de podas, capina, manipueira, cama do galinheiro, o que representa, igualmente,
mudanças na economia das famílias, principalmente ao reduzir e/ou eliminar o uso de
insumos externos. A mesma mudança se aplica ao uso das tecnologias, quando,
anteriormente, a centralidade do processo produtivo estava na utilização de pacotes
tecnológicos e, na perspectiva da Agroecologia, passa pela habilidade e capacidade de
experimentação dos agricultores e, no caso da região semiárida, o uso de tecnologias
adequadas as suas condições climáticas (PLOEG, 2010).
Figura 18 - Criação de pequenos animais
Fonte: A autora, pesquisa campo.Pequenos animais: galinhas, gansos e patos (esquerda), cabras (direita), (2012).
A boa produção da unidade de Dona Rosa e Sr. Raimundo se deve aos cuidados
da família, que “tem que se reunir para ter produção. Pode ser bom o investimento, mas tem
que ter 100% de trabalho”, fala o agricultor. No entanto, o casal já não conta mais com os
129
filhos no trabalho diário, realidade comum entre as famílias camponesas. No caso deles, um
filho mora na cidade e os que vivem em casa dedicam-se aos estudos e trabalham fora da
unidade. Estaríamos diante de um processo que, para muitos, indicaria o fim próximo do
campesinato? Ou a urbanização inexorável? Ou se trata de transformações/mudanças
inerentes ao mundo contemporâneo, no qual o campesinato cria novas formas de resistência e
aperfeiçoa outras já existentes em sua vivência cultural? O caso em análise parece apontar na
direção da combinação entre pluriatividade80 e trabalho externo dos membros da família, os
quais não representa, segundo Wanderley, baseada na pesquisa de Lamarche, necessariamente
a desagregação da agricultura familiar camponesa “mas constituem, frequentemente,
elementos positivos, com o qual a própria família pode contar para viabilizar suas estratégias
de reprodução presentes e futuras” (2009, p. 162).
Essa questão precisa ser melhor situada, uma vez que o trabalho externo é, na
maioria dos casos, uma necessidade estrutural. Entretanto a mesma autora adverte:
[...] não se trata simplesmente de demostrar que os estabelecimentos camponeses não conseguem gerar renda suficiente para manter a família; trata-se, ao contrário, de compreender os mecanismos deste equilíbrio precário e instável, pelos quais o estabelecimento familiar se reproduz, adespeito do trabalho externo e, muito casos, em estreita dependência deste mesmo trabalho externo.
Na perspectiva de análise da autora, na melhor das hipóteses, as estratégias
desenvolvidas pelos camponeses são limitadas e restritas aos espaços estabelecidos pelo
capital. Ainda que mantendo sua base produtiva a fim de garantir sua reprodução, os
camponeses se veem obrigados a complementar sua renda com a alocação da força de
trabalho que dispõe, fora da unidade familiar de produção. A propriedade da terra, segundo
Wanderley, revela-se incapaz de eliminar a dependência dos camponeses, cuja mão de obra é
absorvida pela grande propriedade e hoje mais frequentemente pelo subemprego e a
informalidade.
80 Wanderley (2009, p. 193) considera oportuno esclarecer que para alguns autores, o fenômeno da pluriatividade representa, um processo gradual e que em última analise os agricultores estariam caminhando rumo ao abandono das atividades agrícolas ou a perda relativa de sua importância para a reprodução da unidade familiar. Para a autora esses destino não é inexorável. Ela compreende que esse processo pode caminhar em um sentido inverso, quando a “pluriatividade, seria nesse caso, uma estratégia da família , a fim de, diversificando suas atividades, fora do estabelecimento, assegura a reprodução deste e sua permanência como ponto de referência central e de convergência para todos os membros da família”. Acredita ainda, que a verdadeira pluriatividade é exercida pelo trabalho externo do chefe da família, pois nesse caso, diferente do trabalho dos filhos estaria destinado a garantir a reprodução da unidade familiar, já que o trabalho dos filhos aponta para um processo de individuação, de busca de autonomia destes. Já o trabalho da mulher, destaca duas significações: “às vezes é o caminho que a mulher adquire uma maior capacidade de participar dos ganhos da família : ela contribui para a família com o dinheiro que ela mesma ganhou [Em outros casos, acrescenta a autora] o trabalho externo da mulher tende a criar um distanciamento dela em relação ao estabelecimento familiar” (ibidem, p. 194).
130
A autonomia que o camponês dispõe ao nível de organização interna do seu
trabalho, seja ela terra, insumos e mesmo força de trabalho ainda que restrita como se observa
nas experiências analisadas não elimina o espaço que foi reservado a sua condição, isto é, a de
trabalhador para o capital. Essa condição impede as possibilidades de acumulação, pelo
próprio camponês, “porém o torna – e é para isso que ele é reproduzido - um agente
necessário da acumulação, que se realiza a partir do seu sobretrabalho, mas fora da unidade de
produção e não em seu próprio proveito” (WANDERLEY, 2009, p. 127).
Ao voltarmos à análise da experiência, observamos que na horta havia a presença
de luz elétrica, então Raimundo explica que trabalha até à noite, “eu limpo, faço mudas,
águo”, diz, ainda, que, em alguns períodos, prefere aguar a horta mais tarde e com o uso da
mangueira, assim pode aproveitar melhor a água. As folhas e os restos orgânicos são
incorporados ao solo para assegurar, portanto, a umidade nas plantações. A água utilizada
para a irrigação da área vem de um poço e a família também conta com uma cisterna de placa
para uso das necessidades domésticas. Para o casal, a água é a maior dificuldade na produção,
“pois um adubo sem água não dá certo.” Foi instalada, recentemente, uma barraginha81, pela
Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado, mas, até aquele momento, Sr. Raimundo
não sabia muito bem como funcionava a tecnologia. Ele diz que preferia que tivesse sido
“cavada uma barragem grande”. Essa fala revela o risco das tecnologias sociais estarem sendo
disseminadas em forma de pacotes, posto que o agricultor somente obteve maiores
informações sobre a tecnologia após sua implantação, ainda que necessária a sua unidade
familiar. A necessidade da implantação de tecnologias de captação de água para a produção, e
a urgência da instalação deflagrada pelo projeto, fez com que o agricultor não questionasse
quanto ao seu funcionamento. Afinal, como explica, “era mais uma fonte de água na
propriedade”.
Duas estratégias de reprodução socioeconômicas adotadas pela família foram:a
diversificação da produção e sua inserção no mercado local. Sr. Raimundo e Dona Rosa
comercializam atualmente na Feira Agroecologia que ocorre quinzenalmente em Trairi, e
deixaram de ir para Itapipoca, na medida em que a feira daquele município foi se
81 Trata-se de uma tecnologia social que consiste na construção de pequenos barramentos dispersos nas pastagens e lavouras, de forma a recuperar áreas degradadas pelo escorrimento das águas de chuvas sobre solos compactados (enxurradas). São como pequenos açudes que captam a água da chuva e a mantém represada, forçando a infiltração no solo e recarregando, reservas subterrâneas. Com o barramento da água, ocorre o umedecimento da área e aumento do nível do lençol freático, favorecendo o desenvolvimento da agricultura familiar, dando condições para o plantio de hortas, pomares, canaviais, bosques, assim como a criação de pequenos animais. Informação disponível em: <http://www.fbb.org.br/acoes-tematicas/barraginhas/>- Acesso em: 03 de set. de 2012.
131
fortalecendo. A feira de Trairi é mais próxima da casa dos agricultores, desta feita, os
agricultores diminuíram as despesas com transportes. Além das frutas e hortaliças como
alface, coentro, couve, cebolinha, tomate, pimentão, pimenta de cheiro, berinjela, maxixe,
quiabo, entre outras, são levados também para feira milho, ovos, bolos, grude, pé de moleque,
pamonha, galinha cozida e abatida e mel (a apicultura é outra fonte de renda da família).
Outro canal de comercialização é o mercado institucional. A partir de 2008, o
agricultor, por meio da associação de apicultores, começou a vender o mel para CONAB, mas
hoje, com a diversificação da produção, prefere comercializar a produção de mel “na porta de
casa” e na feira. Atualmente, entrega hortaliças, semanalmente, nas escolas atendendo à
demanda do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esses diferentes acessos ao
mercado ajudou a minimizar a dependência que mantinha com intermediários. Segundo
Raimundo, estes preferiam os produtos vindos da CEASA aos produzidos na região e “isso
colocava a gente lá pra baixo, cansei de trazer batata de volta”, conta. A experiência de
comercialização direta (feiras, pontos de venda, cooperativas, entre outros) reduz a distância
entre a produção e o consumidor, com isso os circuitos curtos locais são valorizados e
potencializados. A comercialização direta abriu caminho para que a família passasse a
valorizar sua produção e a organizasse conforme a demanda do mercado e necessidades da
família, conforme expressa Sr. Raimundo:
A gente não tinha muito aquele estímulo de trabalhar, porque não tinha onde vender, só o que eu fazia mais era farinha. Hoje, eu só não deixei de plantar macaxeira porque a Rosa faz o bolo e a gente vende na feira. Hoje, tem poucas pessoas para trabalhar nas farinhadas, porque a família é pouca. Antigamente, a gente fazia uma farinhada com o pessoal daqui de casa, mais os filhos começaram a sair de casa eu estou sozinho, as filhas trabalham e estudam.
Essa fala expressa as dificuldades diferenciadas na trajetória passada e presente
dos camponeses que são reveladoras de como reagem e resistem às conjunturas adversas a sua
reprodução. Nesse sentido, Ploeg (2010) lembra que os camponeses estão constantemente se
adaptando a novas conjunturas, sem que isso implique na descaracterização de sua condição
camponesa. Realmente, afirma Delgado (1995 apud SABOURIN, 2000, p. 2), ela “se adapta
às reconversões sucessivas e rápidas, responde às mudanças dos mercados e aos impulsos das
politicas publicas”. Mas questiona o autor: “Mas a quê custo, como, que tipo de remuneração
do capital, da força de trabalho e gerando que renda?”.
A família, na impossibilidade de continuar produzindo a farinha, como antes,
tanto pela redução da mão de obra familiar, quanto pelo baixo preço pago pelo produto,
devido à concorrência com as outras regiões, Sr. Raimundo e Dona Rosa passaram, então, a se
dedicar a outros cultivos e ao beneficiamento de produtos e subprodutos, mas não deixaram
132
de produzir a farinha, ainda que em menor quantidade, para o autoconsumo e venda. Além do
valor monetário a farinha esta ligada aos laços culturais e a sociabilidade das famílias
camponesas dessa região.
Sr. Raimundo participa da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários há
seis anos e faz questão de não perder nenhuma reunião. Considera o espaço da Rede
importante para os agricultores, pois “conhecimento é tudo”. Leva para a Rede sua
experiência como presidente da associação da comunidade, a participação no sindicato e na
associação de apicultores do Trairi.
Sobre as políticas públicas destinadas ao meio rural, Sr. Raimundo Diniz
considera que, nos últimos anos, os agricultores passaram a ser valorizados. “Antigamente, as
pessoas tinham vergonha de ser agricultores, hoje o povo tem orgulho. Antigamente não tinha
valor de nada, hoje é diferente”. Perguntamos a Raimundo a que se deve essa mudança, ele
respondeu:
Porque hoje o governo incentiva mais os agricultores, porque toda a produção sai do agricultor, se não for o agricultor o mundo passa fome. Mesmo que a minha seja pouca, mas, pelo menos, tem pra alimentação da gente, não tem muito dinheiro no bolso, mas tem comida pra comer todo dia.
É oportuno, a partir dessa colocação, destacar que existe uma ausência histórica
de políticas públicas voltadas a esse segmento e que muitas das políticas existentes hoje
voltadas à agricultura família é fruto de muitas lutas, a exemplo daquelas iniciadas a partir da
segunda metade dos anos de 1950 e só alcançadas, no âmbito da luta por reforma agrária,
principalmente. A propagada modernização técnica da agricultura não beneficiou, como
registrado anteriormente, os camponeses. Tanto o crédito público quanto a assistência
técnica, na maioria das vezes, direcionou- se os proprietários rurais e as grandes empresas.
A participação de Sr. Raimundo e Dona Rosa na dinâmica sóciotecnica da rede de
inovação agroecológica (acesso a assessoria técnica, intercâmbios, formação, feira, entre
outros) levou o casal, pouco a pouco, a substituir as práticas convencionais e a reduzir o uso
de insumos externos, pela produção de alimentos de forma ecológica, aumentando, com isso,
a diversidade da produção antes restrita a mandioca, milho e feijão e, no caso das hortaliças,
restrita ao coentro e a cebolinha.
A troca de conhecimento despertou esse casal para as questões ecológicas, bem
como estimulou sua criatividade tanto para buscarem respostas aos problemas técnicos
enfrentados na unidade, como para o melhor aproveitamento dos recursos hídricos
disponíveis, uso dos insumos internos e proporcionando os primeiros passos para o redesenho
do agroecossistema. Levou-os, também, a se articularem com outros agricultores da região
133
para a construção de estratégias e alternativas para enfrentarem os problemas comuns, por
exemplo, a comercialização. A necessidade de comercializarem a produção levou o casal a se
integrar ao mercado, mas, ao fazê-lo, não negaram sua condição camponesa, ao contrário, ela
foi fortalecida.
Processo semelhante ocorre com outro agricultor agroecológico e feirante, Sr.
Raimundo Patrício, que em seu depoimento destaca a diferença entre o espaço de
comercialização da Feira Agroecológica de Itapipoca com os demais. O que nos faz pensar
que o dilema do acesso ao mercado, especificamente, com a produção familiar de base
agroecológica não envolve só a questão dos produtos. O que está em jogo, conforme Schmitt
e Tygel (2009) são os processos de produção, as relações sociais , o beneficiamento, a
distribuição proveniente desse segmento. É nesse sentido que é preciso construir estratégias
ajustadas com as características da produção agroecológica (diversidade, sazonalidade,
capacidade de produção entre outros) e ao mesmo tempo ampliar o seu acesso às diversas
formas de comercialização (SCHMITT; TYGEL, 2009). Sr. Raimundo Patrício expõe bem a
especificidade dessa produção:
Olha, a feira agroecologia e solidaria que eu participo para mim foi o melhor espaço para comercialização que eu já pude encontrar, porque tudo que eu produzo eu já tenho certeza para onde vou levar e tenho certeza que eu vou vender, porque lá já tem os clientes que já chega diretamente procurando meus produtos, eu não levo produtos mais para estas feiras para voltar para casa com produto. Então a outra vantagem é de eu estar produzindo, eu mesmo produzo e eu mesmo comercializo, quando o consumidor chega para me comprar , eu sei a qualidade daquele produto, e sei repassar para ele a qualidade daquele produto e importância daquele produto, se surgir pergunta de algum cliente eu já estou respondendo a altura. A importância daquele produto, a importância para nossa feira é a maneira que a gente produz [...](grifo nosso).
O agricultor acrescenta outra questão a ser enfrentada pela agricultura de base
agroecologia, ou seja, a crescente demanda por produtos livres de agrotóxicos, ecológicos,
saudáveis entre outras denominações utilizadas no sendo comum para denominar esse tipo de
produção. Questionamos ainda se ele percebia alguma diferença entre os consumidores da
Feira Agroecológica da feira convencional:
Com certeza tem diferença, tem vários consumidores que já tem cobrado a gente muitas vezes porque a gente não esta levando nossos produtos todas as semanas ou uma vez por semana. Porque a gente tem, sente que tem consumidor que interessa usar diretamente no nosso produto e não consumido outro produto. O nosso que tem garantia que é um produto limpo então o que a gente diz para eles que é uma preocupação para a gente isso ai, mas a outra preocupação é que a gente tem que produzir lá na comunidade, tem que esta comercializando e nosso tempo é pouco. A ideia seria eu mesmo esta realizando esta feira semanalmente mas por conta do nosso tempo, pois somos poucos e a gente tem que esta na unidade de produção e tem que esta lá na feira.
134
A resistência dessa e das demais experiências reside, ainda, no fato da gestão do
processo de trabalho permanecer familiar, os camponeses continuarem produzindo seus
próprios alimentos, gerando renda e oferecendo à sociedade novas formas de produzir no
campo, negando, por meio de suas práticas cotidianas, a racionalidade do agronegócio e,
porque não dizer, do próprio capital (CARVALHO, 2009).
5.1.4 “Mudou tudo, virou pelo avesso. Mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra, de
lidar com as pessoas”. - Experiência familiar de Graça Patrício, assentamento Novo Horizonte,
município de Tururu
Essa experiência é ilustrativa, articulada pela Rede de Agricultores
Agroecológicos e Solidários do Território, identificada pelo enfoque agroecológico. Dona
Graça Patrício e sua família que vivem há mais de quinze anos no Assentamento Novo
Horizonte, município de Tururu. Deixaram Itapipoca para se reunirem a outras famílias na
luta pela terra.
Dona Graça e o Sr. Zé Iranildo, seu esposo, trabalhavam como camelôs na feira
em Itapipoca antes de viverem no assentamento, sonhavam em ter um pedaço de terra onde
pudessem trabalhar. Dona Graça recorda o período em que viajavam em cima de um
caminhão para participar das feiras na região e pedia a Deus que lhe desse um pedaço de terra
onde pudesse produzir a sua própria comida. Naquele período, pelo mês de junho de 1997, um
rapaz que sabia da “movimentação” da família, disse: “Zé tu quer ir para o Tururu? Lá
ocuparam uma terra”.
Zé Iranildo, juntamente com Raimundo Patrício, irmão de Dona Graça, chegaram
ao acampamento em agosto. Naquele momento, enfrentaram resistência dos que já estavam lá,
pois a ocupação oficial havia ocorrido em 22 de julho, mês que a família esteve no hospital
acompanhando a mãe de Iranildo, internada com problemas saúde. Enfrentaram a hostilidade
do grupo e continuaram entre os acampados. Quando as cestas básicas do INCRA chegaram,
os dois observaram que havia cestas sobrando, então perceberam que o número informado ao
órgão não correspondia ao número de famílias que ali estavam. Foi aí que eles decidiram
permanecer. Entraram na área e prepararam a terra para plantar. Dona Graça explica o motivo
da resistência dos acampados e, ao fazê-lo, afirma sua condição camponesa através de seu
vínculo com a terra, recorrendo, por sua vez, à atividade no comércio para garantir condições
de vida para sua família:
Mesmo assim, sentimos muita resistência, principalmente, porque éramos da cidade, porque eles conheciam a gente lá de Itapipoca quando a gente trabalhava na feira. Só
135
que, pela manhã, a gente tava lá na feira e a tarde trabalhava na agricultura, na terra de outras pessoas, fazendo canteiros. A gente nunca perdeu o vínculo com a agricultura, pois somos filhos de agricultores.
O casal tem sete filhos, dos quais, somente dois moram com eles e os demais
vivem em Itapipoca, Fortaleza e São Paulo. Nenhum, atualmente, trabalha diretamente na
agricultura, seguiram outros caminhos, “[...] tem um que é serralheiro, um que trabalha na
Receita Federal, duas na educação, outro trabalha na Ducoco (agroindústria) e um que é
mestre padeiro, o que faz o melhor pão da região. Aqui tem de tudo”, diz dona Graça.
A renda da família advém da aposentadoria do casal, da produção da agricultura e
da mercearia, onde funciona também a padaria de um de seus filhos. A família, hoje, vive em
uma boa casa, ampla e arejada, reformada há pouco tempo, possuem veículos e mantem um
padrão de vida confortável. Dona Graça mostra a cozinha onde prepara os bolos, galinhas e
produtos fitoterápicos que leva para feira quinzenalmente.
Chama atenção o envolvimento de Dona Graça, sua disposição em participar de
atividades coletivas, de se envolver com processos de organização. Assim, por exemplo, no
início do assentamento, a família, assim como as demais, se dedicava a produção coletiva de
mandioca, feijão e milho, embora fosse insuficiente para satisfação necessidades das famílias,
era uma atividade importante para a formação dos vínculos dentro do assentamento, explica
Graça. A produção que prevalecia era a familiar, onde se criava e plantava um pouco de tudo.
Entre as atividades coletivas que participou no assentamento, Dona Graça destaca
a coordenação da bodega coletiva, a participação do horto medicinal e, por último, a
experiência da Mandala, da qual participaram treze famílias. A partir dessas iniciativas, a
agricultora foi experimentando novas práticas, apoiadas pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) presente no assentamento desde o período de sua ocupação. Ela
explica que a horta não era completamente convencional, “porque toda vida a gente foi meio
contra os venenos e quando a gente chegou aqui o MST já chegou com a idéia das não
queimadas e já trabalhava com biofertilizantes, mas a gente usava algum veneno”, diz Graça.
Nesse período, Sr. Iranildo, seu esposo, participou de um curso no sindicato que orientava os
agricultores sobre os riscos do uso de agrotóxicos e estimulava o uso dos defensivos naturais.
Em 2005, quando Dona Graça trabalhava como agente sindical, recebeu o convite
para participar do curso de agentes multiplicadores em agroecologia promovido pelo CETRA.
No entanto, seu primeiro contato com esse enfoque ocorreu durante as capacitações realizadas
pelo MST. Ela comenta que “[...] a agroecologia que o MST trabalhava era muito pesada, era
difícil de resistir com ela. Na agroecologia que eu comecei não pode prender os porcos,
136
castrar nenhum animal, é muito severa, ficava difícil, mas a gente ia seguindo algumas
coisas”. Uma das lições mais importantes que o MST deixou para agricultora foi a de que “na
agroecologia o respeito começa pela terra, pela mãe, aquela que lhe dá o sustento”. Mas foi
durante o curso de multiplicadores que Dona Graça começou a se “especializar”. Ela explica
que primeiro “[...] foi não queimar e ai vem puxando [...] eu aprendi a separar o lixo, que,
mesmo sem queimar as roças, eu queimava o lixo [...] o que eu posso aproveitar como a casca
do coco, o resto do milho, do feijão, casca do ovo, essas coisas vai para o adubo orgânico”.
Ao longo do curso foi experimentando novas técnicas estimuladas também pela
participação nos intercâmbios. Além de visitar as experiências na região, consideraimportante
conhecer a realidade dos agricultores de Tianguá e participar, no Crato, do VI Encontro
Nacional da ASA (ECONSA), onde teve a oportunidade de participar com demais
agricultores da região semiárida da feira de saberes e sabores.
Nesse momento de aproximação com a agroecologia, além do curso e dos
intercâmbios, Dona Graça destaca o papel dos mediadores82. Afirma que aprendeu com
muitos técnicos que passaram por sua área, mas um lhe marcou de forma especial, “o Narciso
me fez descobrir uma coisa que eu vivi na agricultura e não tinha visto: que a gente derruba
noventa qualidades de planta para plantar uma ou duas”. Chamou atenção da agricultora, a
forma como o técnico abordava os agricultores, de modo que aprendeu que não se pode
chegar à casa de um agricultor dizendo para ele não brocar. Então ela explica:
Eu não posso fazer isso porque vem de um processo muito grande. Ele nem sabe como fazer, mas eu posso chegar lá e pedir para ele não derrubar aquela árvore e dizer que ela vai acampar os passarinhos, ela vai servir para colocar sua cabaça d’água e descansar quando você for merendar e você pode vir para aqui debaixo. Então tudo isso foi coisa que eu aprendi com o Narciso.
Aproximadamente há dois anos, Dona Graça começou a reestruturar uma nova
área de trabalho, o quintal. Dois motivos contribuíram para a mudança: é mais próximo de
casa e o local tem água, medindo cerca de cento e sessenta metros de comprimento por vinte
de largura. Antes, esse espaço era ocupado pelo curral das vacas, pocilgas e cajueiros
gigantes, mas hoje, o quintal produtivo, como chama Dona Graça, está todo ocupado por
canteiros de hortaliças, plantas medicinais, fruteiras, flores e dois tanques, um para irrigação
da área e outro para criação de peixes. A estruturação do espaço contou com as economias da
82 Naquela ocasião MST prestava assessoria técnica ao assentamento, mas, em função de Dona Graça participar do curso, a equipe técnica do CETRA passou a fazer visitas periódicas a sua unidade familiar.
137
família, principalmente da aposentadoria e dos rendimentos de Dona Graça quando esteve à
frente da Secretaria de Agricultura do Município de Tururu. Ela diz que foi uma longa
caminhada até chegar à situação em que vive hoje.
Figura 19 - Quintal Produtivo de Dona Graça Patricio
Fonte: A autora, pesquisa campo, quintal (esquerda) e viveiro de mudas (direita), (2012).
Quanto à assistência técnica, a agricultora considera insuficiente para atender à
demanda do assentamento, mas destaca, como aspecto positivo, o fato ter acesso à assessoria
do MST, cuja orientação é inspirada na agroecologia. Hoje, a prática das queimadas é evitada
e muitos agricultores passaram a fazer uso de matéria orgânica no preparo do solo, mas, de
modo geral, no assentamento prevalecem as práticas convencionais.
Figura 20 - Roçado (esquerda), tanque utilizado para irrigar o quintal (direita)
Fonte: A autora, pesquisa campo (2012)
A Feira Agroecologia e Solidária de Itapipoca foi um espaço que Dona Graça
ajudou a construir. Durante muitos anos, comercializou com sua família hortaliças, tapiocas,
138
bolos, galinha cozida, mudas medicinais e produtos fitoterápicos. Nesse período, os filhos
ajudavam,“[...] Cristiane fazia os rótulos e embalagens, o Paulo Henrique ajudava nos bolos e
também ia vender, na época, eu levava arroz dos companheiros daqui e cheguei a apurar até
R$ 300,00 numa feira dentro de duas horas”. Contudo, sua experiência passou um período de
descontinuidade, voltando a participar, no presente, a partir da restruturação do quintal
produtivo. Sua fala expressa preocupação com a manutenção desse espaço conquistado pelos
agricultores. Nesse sentido, ressalta a responsabilidade dos agricultores com a produção
destinada a comercialização. Assinala que a feira para ela “é uma prioridade. A feira só existe
se tiver consumidor, só tem consumidor se tiver produtos”, chama ainda atenção para os
companheiros que vendem os produtos na comunidade deixando de atender os consumidores
da feira. Para ela, quem se propõe a participar da feira tem que planejar sua produção, “[...] eu
tenho dias de produzir o ovo para vender na feira. Domingo que passou, eu comecei a juntar o
ovo pra levar”.
Essa discussão é recorrente durante as reuniões dos feirantes, como observamos
durante a pesquisa de campo e a partir de nossa experiência acompanhando esse grupo. Nas
reuniões são discutidas questões relacionadas à apresentação dos produtos, à abordagem feita
junto ao consumidor, aos preços cobrados, às dificuldades enfrentadas, cotidianamente, pelos
agricultores na produção, seja pela dificuldade de acesso à água durante os períodos mais
secos do ano, seja pela presença de pragas que comprometem a produção. Também são
abordadas questões ligadas à operacionalização da feira, como a arrecadação do fundo de
manutenção da feira83, que é cobrado de cada feirante, a pintura e limpeza das barracas, o
som, as balança, o transporte e o empréstimo das barracas, quando solicitadas pelas
comunidades, associações e sindicatos.
A importância da Feira Agroecológica é ressaltada por essa agricultora, que já
participou de outras feiras tradicionais, ao afirmar que a Feira Agroecológica se diferencia das
demais. Considera que além dos produtos frescos, produzidos na região e comprados
diretamente dos agricultores, “os consumidores encontram também amor, alegria, saberes e
sabores”. Além do aspecto econômico, essencial para garantir a reprodução socioeconômica
das famílias, princípios como solidariedade, respeito ao meio ambiente e a diversidade
83 Todos os feirantes que comercializam na Feira Agroecológica e Solidária contribui monetariamente, a cada dia de feira, como fundo de manutenção. Trata-se de um valor mínimo, que, atualmente, é de R$ 3,00, destinado a cobrir despesas com recuperação de barracas, balança, equipamento de som, dentre outros equipamentos ou materiais necessários à realização da feira. Fica isento do pagamento aquele feirante que obtiver um resultado nas vendas inferior ao seu gasto com deslocamento
139
cultural fazem com que os agricultores lutem pela conservação desse espaço por eles
legitimado.
Figura 21 - Reunião da rede
Fonte: A autora, pesquisa campo- discussão em grupos sobre o Fundo Rotativo (2012).
5.1.5 “Minha sobrevivência eu tiro da terra”. - Experiência da Dona Rita, comunidade Cemoaba,
município de Tururu
A experiência de Dona Rita84 ilustra que o processo de ecologização das
práticas agrárias articuladas a dinâmicas territoriais de ação coletiva, representa o motor do
processo de transição agroecológica. Ainda que a princípio a transição agroecológica dependa
das ações isoladas dos agricultores, sobretudo, em relação à mudança nas práticas produtivas,
sua consolidação gera a necessidade de abordar de forma coletiva os desafios que se
estabelecem ao longo do caminho (COSTABEBER e MOYANO, 2009).
Dona Rita é natural de Santana do Acaraú, município localizado na região norte
do estado do Ceará, chegou à comunidade de Cemoaba em 1981, atraída pela extração da
palha de carnaúba, principal fonte de renda da região à época. Em seguida, conseguiu comprar
uma pequena propriedade de 0,5 hectare onde vive até hoje, sendo que, ao longo dos anos, a
agricultora conseguiu ampliar a área, por meio da compra de terra.
Com a agricultura criou seus sete filhos, dos quais dois moram em Fortaleza e
cinco na comunidade e também se dedicam a agricultura. Combinado o trabalho de
84 A entrevista com Dona Rita foi realizada em dois momentos, um durante a feira no Tururu e o outro em sua unidade familiar. Também conversamos com a agricultora na Feira Agroecológica e Solidária em Itapipoca.
140
professora85com o de agricultora, criou e educou, sozinha, os filhos, o que para ela não foi
nada fácil, assim como não foi fácil conciliar as duas profissões. Solicitava ao pessoal da
escola para lhe deixar trabalhar no horário da tarde, pois assim poderia se dedicar às
atividades de casa e da agricultura. Diz que era uma correria, apesar de sempre contar com a
ajuda dos filhos.
O salário de professora, ainda que pouco, reconhece Dona Rita, tem e teve um
papel importante na estratégia econômica da família, principalmente no período em que seus
filhos eram crianças. No entanto, não esconde sua preferência quando diz “[...] eu sou
professora, amo minha profissão, [mas] minha sobrevivência eu tiro da terra, o salário de
professor é um complemento. Eu sou agricultora porque sem ela [a terra] eu não vivo”. Em
outro momento acrescenta “[...] eu amo ser agricultora. O agricultor tem que ser respeitado
porque é a profissão mais importante no mundo, porque é onde você produz comida e sem
comida o mundo não vive”.
A aproximação de Dona Rita com as práticas ecológicas ocorreu por intermédio
de seu filho Regilandio, quando este fazia o segundo grau, atualmente o ensino médio. Em
2003, “período que Lula entrou no governo”, conta, a escola incentivou os alunos a escrever
propostas para serem enviadas a Brasília, tendo como mote “Vamos construir o país juntos”.
Regilandio, após fazer algumas pesquisas com a colaboração de uma assessora do SENAR86,
que na época facilitava um curso sobre cooperativismo na comunidade, elaborou uma
proposta de como trabalhar na agricultura sem destruir a natureza. Essa proposta foi aprovada
e possibilitou que o filho de Rita fosse à Brasília debater com outros jovens a questão do meio
ambiente. Retornou para casa cheio de ideias. Nesse período, mãe e filho entraram em conato
com a Fundação Konrad Adenauer, pois sabiam que a entidade apoiava projetos ligados à
agricultura família e à agroecologia na região.
Começaram, então, os trabalhos de conscientização junto à comunidade. No
início, a comunidade rejeitou a proposta de não fazer uso de queimadas e inseticidas, práticas
comuns na região, especialmente nas áreas de cultivo do caju, que se constitui como principal
fonte de renda juntamente com a mandioca, que é, prioritariamente, destinada à produção de
farinha. Aos poucos, alguns agricultores aderiram às práticas agroecológicas, primeiro
abandonando a prática das queimadas e substituído o uso de inseticidas por compostos
85 Dona Rita trabalha na rede municipal de educação do município, mas atualmente esta afastada das atividades em sala de aula em função de um problema nas cordas vocais. Enquanto aguarda a aposentadoria, exerce, temporariamente, outra função na escola. 86 Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).
141
orgânicos a base de folhas dos cajueiros. Dona Rita explica que “[...] hoje eles poupam o
cajueiro, plantam as folhas em baixo do cajueiro. A gente já chegou à conclusão que se ficar
tirando toda a força, a terra vai perdendo a utilidade dela e o cajueiro não vai mais produzir,
porque não tem o que ele tirar da terra”.
Atualmente, Dona Rita trabalha em uma área de cerca de 12ha e já acessou o
Pronaf C87 para realizar o plantio do cajueiro anão precoce. Produz milho, feijão, caju,
mandioca, macaxeira, batata, jerimum, hortaliças em geral, frutas, peixe e ovinos. A área
produtiva está subdividida em quintal, onde são criadas galinhas, patos, ovelhas, porcos e,
ainda foi construído um tanque para a criação de peixes; a segunda área, pertencente à
associação, lá foi implantada uma mandala por meio de um projeto apoiado pela Secretaria de
DesenvolvimentoAgrário do Estado, onde são cultivadas hortaliças, banana, melão, melancia,
maracujá e plantas medicinais; a terceira localiza-se na comunidade Batata e é reservada para
as roças de milho e feijão e os cajueiros.
Desde que Dona Rita começou a incorporar, gradualmente, novas formas de
manejo às práticas cotidianas, algumas mudanças foram percebidas, sendo que a primeira
refere-se, mais precisamente à relação com a natureza. No princípio queimava, brocava e não
tinha nenhuma preocupação com o destino do lixo. Depois de 2003, passou a se questionar
como iria produzir sem o uso dessas práticas e, pouco a pouco, começou a abandonar as
queimadas, a selecionar a matéria orgânica do lixo e aproveitar “[...] os garranchos usados na
poda dos cajueiros. Deixa ali uns três anos, os cupins comem, depois ficam só aqueles
pedacinhos e fica muito bom para adubar. É impressionante o valor daquela madeira que a
gente nem imagina”. Dona Rita também passou a fazer uso compostagem e logo percebeu que
a área desertificada na qual trabalhavam, começou a reagir positivamente num curto período
de tempo. O uso das práticas de manejo dos agoecossitemas tem sido uma das estratégias
utilizadas pelos mediadores (técnicos e instituições) para estimular os agricultores envolvidos
em processo de transição agroecológica no território. Para a agricultora, a adoçãodas práticas
de manejo e conservação da fertilidade do solo ajudou a minimizar os efeitos da estiagem,
conforme afirma:
8787 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. Este programa dispõe de linhas de crédito específicas, com vistas a atender às características do público a que é dirigida. O PRONAF Custeio (PRONAF “C”) é destinado ao financiamento das atividades agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização e comercialização da produção própria ou de terceiros, desde que sejam agricultores familiares que atendam aos critérios do programa. Informações disponíveis em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/pronaf > Acesso em: 03 de set. 2012.
142
[...] num ano como esse não dava nada. Essa história de fazer compostagem deixa a terra úmida por mais tempo, aí a gente consegue produzir alguma coisa. Onde a gente não colocou a compostagem é impressionante, não tem nada. No meu roçado, onde a gente enterrou o mato, o milho é uma beleza. Em todo o canto é todo enroladinho, mas lá deu diferente, está bem verdinho. A água fica retida por mais tempo nessa área.
À medida que foi incorporando as práticas e os princípios da agroecologia, Dona
Rita passou a produzir mais em uma área menor. “Antigamente a gente trabalhava com um
monte de terra para produzir o que eu produzo hoje com um hectare [...], naquela época, eu
trabalhava em uma terra que não estava enriquecida e produzia pouco”.
A adoção de práticas de convivência com o semiárido associada ao manejo do
agroecossistema baseado nos princípios da agroecologia tem elevado a produtividade das
unidades familiares camponesas. Produz-se mais e com maior diversificação, em um menor
espaço, como se verifica no depoimento de Zé Júlio, assentado da Várzea do Mundaú,
município de Trairi, que há mais de dez anos pratica agroecologia:
Hoje é consorciado, não é mais um hectare de uma cultura só, trabalho menos para produzir mais. Passei a produzir outras culturas e arranjei outras fontes de renda a partir da agroecologia. Passei a lidar com a abelha. Para criar abelha você tem que cuidar do meio ambiente. Você não pode usar veneno, pois, além de acabar com as abelhas, você acaba com meio ambiente [...] Minha produção não é grande, mas é média. A gente planta várias plantas: a banana, o mamão, a laranja, o pepino, limão, a cebola, alface, o coentro, a pimenta, hortelã, o capim santo, o quiabo. Tudo isso existe onde não existia, nem conhecia, só ouvia falar. A grande mudança que a gente teve com a agroecologia foi isso aí.
Em sistemas agrícolas em que se intensifica a diversificação, como os que
estamos estudando, onde os agricultores combinam a produção de grãos, frutas, hortaliças e
produtos animais tendem a superar, de acordo com Altieri (2012), os rendimentos por unidade
de produção obtida com o plantio de uma única cultura em grandes propriedades. Uma grande
propriedade pode produzir mais milho por hectare do que uma propriedade menor, mas o
milho é apenas um dos produtos do consórcio, que também inclui feijão, jerimum, batata,
macaxeira. “A relação inversa entre o tamanho da propriedade rural e a produção pode ser
atribuída a um uso mais eficiente da terra, água, biodiversidade e outros recursos por parte dos
pequenos produtores” (ALTIERI, 2012, p. 371). Portanto, para o autor, áreas que apresentam
maior nível de diversificação, produzem mais alimentos, exibem maiores rendimentos quando
comparadas às áreas convencionais e o fazem com um menor impacto ao meio ambiente. De
modo que, os camponeses tendo acesso a uma base de recursos, à terra e às inovações técnico-
cientificas apropriadas quando associam esses fatores a força de trabalho familiar, são capazes
de garantir não somente a produção e a reprodução social de suas famílias, mas também
143
propiciar a oferta de alimentos para a sociedade brasileira, como inúmeras pesquisas vem
demonstrando (CARVALHO, 2009).
Figura 22 - Quintal produtivo de Dona Rita
Fonte: A autora, pesquisa de campo, criação de pequenos animais (2012). Figura 23 - Tecnologia social (Mandala) dotada na unidade produtiva de Dona Rita
Fonte: A autora, pesquisa de campo, produção diversificada, hortaliças, frutas, plantas medicinais (2012).
A aproximação com a comercialização nas feiras ocorreu em 2010, com a
participação de Dona Rita, inicialmente na Feira Agroecológica em Fortaleza, a convite do
Instituto Sesemar88 que assessorava grupos de agricultores do território no processo de
comercialização e, posteriormente, com o convite de Dona Graça Patrício, da Feira
88 O INSTITUTO SESEMAR é uma organização não-governamental, com atuação no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. Desenvolve trabalhos de assessoria técnica nas áreas de desenvolvimento territorial, juventude, comercialização, dentre outras temáticas.
144
Agroecológica e Solidária de Itapipoca. Daí em diante, passou a comercializar nesse espaço.
Na barraca da agricultora encontramos bolos típicos da região, galinha caipira, tapioca, frutas,
macaxeira, pimentão, tomate, cheiro verde e artesanato feito a partir de garrafas pet. Dona
Rita diz que “a renda gerada na feira é importante, mas o espaço para divulgar a produção
agroecológica, esse não tem preço”. Como se vê, a agroecologia associada a um modo de vida
e não apenas a uma atividade lucrativa tem tido muito peso nos depoimentos colhidos. A
comercialização na feira lhe aproximou da Rede de Agricultores Agroecológicos. Trata-se,
segundo suas palavras, “de um espaço que dá suporte aos agricultores que estão dando seus
primeiros passos na agroecologia”.
Com o apoio do CETRA, a Rede tem viabilizado intercâmbios entre os
agricultores, principalmente entre aqueles que estão envolvidos em processo comercialização.
Uma vez por mês, é realizado um intercâmbio na unidade produtiva dos agricultores que
participam da feira, além de conhecerem de perto a produção, trocarem ideias, sementes e
organizam, eventualmente, junto como os técnicos a demonstração de práticas de manejo,
produção de biofertilizantes ou outras demandadas trazidas pelo grupo.
Figura 24 - Visita de intercâmbio em quintal produtivo
Fonte: A autora, pesquisa de campo, quintal produtivo Dona Graça Patricio (2012).
O intercâmbio é, comprovadamente, uma importante estratégia metodológica para
o processo de transição agroecológica. Foi durante as visitas de intercâmbios que Dona Rita
teve acesso às técnicas de manejo e às práticas produtivas que hoje utiliza.
Nos intercâmbios a gente aprende muito. Cada pessoa tem uma maneira diferente de trabalhar e uma enriquece [a outra], eu contribuo mais e eles contribuem mais com o meu trabalho. Como é que se faz melhor? Como é que eu posso economizar mais água? É uma troca mesmo. É maravilhoso. Toda última sexta feira do mês, a gente da feira conhece uma experiência diferente.
145
Outro aspecto abordado por essa agricultora refere-se às dificuldades relacionadas
à assistência técnica, quando afirma que o acesso à assistência técnica sistemática é uma das
dificuldades enfrentada pelos agricultores, principalmente entre aqueles em transição. Ela
explica, “[...] nós estamos num processo novo, a gente está engatinhando”. A troca de
experiências entre agricultores e técnicos durante as vistas de intercâmbios, como pudemos
observar no depoimento de Dona Rita, tem, muitas vezes, substituído a assessoria técnica
realizada, pontualmente, pelo órgão governamental de assistência técnica (Ematerce) na
comunidade.
Quanto à organização da Rede, essa entrevistada avalia que a coordenação, hoje
composta por três agricultores, está muito distante do grupo. Entende que, “a coordenação
tem que estar presente para dar força à gente, a gente dar força a eles e eles dar força à gente”.
Avalia também que a execução das ações da Rede está concentrada na entidade que dá apoio
a ela, nesse sentido, a Rede deixa muito a desejar “[...] eu nem sei como vou dizer isso pro
povo, mas eu vou dizer”. Avaliação semelhante também foi realizada por Zeza, José Júlio,
Mirtes, Dona Graça que levantam questões relacionadas à autonomia, ainda que relativa, e ao
empoderamento dos agricultores, essenciais para construção de uma gestão participativa desse
espaço irradiador de experiência agroecológicas no território. Essa não é uma questão
simples, remonta à importância de tematizar a mediação social (mediadores e mediados) nos
processo de desenvolvimento rural, ainda que não seja possível fazer essa discussão nesse
estudo, Sabourin (2000) nos ajuda a entender que a questão da autonomia, assim como da
viabilidade economia e técnica da agricultura familiar camponesa e, especificamente de base
ecológica, não pode ser visualizada somente do ponto de vista da produção e do mercado.
Para uma análise crítica, há de ser levada em conta a organização social na qual essas
experiências encontram-se estruturadas, bem como os aspectos produtivos e técnicos que
envolvem essas práticas.
Dona Rita, atualmente, é presidente da associação de moradores da comunidade,
organização que ajudou a criar logo quando chegou a Cemoaba. Muitos projetos foram
conquistados com o trabalho da associação, mas teve um período anterior a sua gestão que
associação caiu em descrédito devido à má gestão dos recursos, fato este que afastou muito os
associados. Nesse período mais difícil, Dona Rita continuava representando a comunidade nas
reuniões junto a EMATERCE e ao Sindicato.
A partir destes depoimentos, identificamos que os agricultores, antes de darem
início à prática de uma agricultura feita com base em princípios agroecológicos, já tinham
vínculos com processos de organização junto aos movimentos sociais de luta pela terra, as
146
associações comunitárias, grupos ligados à igreja, sindicatos e movimentos de mulheres
trabalhadoras rurais, formas de organização e mobilização social forjadas para garantir a
produção e a reprodução da agricultura familiar camponesa no território. Dona Graça, assim
como observamos em outros depoimentos, explica a dificuldade de trazer agricultores para
“esse movimento da agroecologia”, afirmando que “[...] a gente consegue trazer aquelas
pessoas que já têm um vínculo com a organização, assim como a gente trouxe a Dona Rita e a
comadre Francisquinha”.
Ao mesmo tempo, essas experiências funcionam como irradiadores de inovação
local. Dona Fátima (Fafá), representante do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
(MMTR) e agricultora agroecológica, diz que, primeiro sua família e, em segundo lugar, a
comunidade sempre resistiram à prática de uma agricultura com base na agroecologia.
Participavam das capacitações e das reuniões realizadas pelo CETRA, mas continuavam
brocando, queimando, usando agrotóxicos e, depois, abandonando a terra que não dava mais
nada.
No que tange ao envolvimento das mulheres no processo de transição
agroecológica, Dona Fátima assinala que, em 2012, as coisas começaram a mudar, visto que o
CETRA, por meio de uma chamada pública direcionada às mulheres (ATER- Mulher),
começou a desenvolver atividades com o grupo de mulheres e adotou os quintais produtivos,
como ponto de partida para esse trabalho. Foi nesse momento que a experiência de Fafá
começou a dialogar com as demais. Ela diz que hoje “[...] sempre tem alguém que vem pegar
alguma muda aqui no meu quintal, perguntar alguma coisa. O grupo de nove mulheres já
começou a diversificar o quintal. O espaço é pequeno, mas, se você chega lá, tem o urucum, a
acerola, coqueiro, banana”. O problema agora, explicou a agricultora, é que o projeto que
garante o acesso à assistência técnica para as mulheres acabou e não se sabe se a entidade que
acompanha a comunidade ganhará uma nova chamada para dar continuidade ao trabalho
iniciado ou será outra entidade.
A dificuldade de acesso e a descontinuidade das ações de assistência técnica
foram apontadas, durante a pesquisa, como um dos principais problemas enfrentados pelas
famílias agricultoras, sejam elas assentadas por programas de reforma agrária ou não, sendo
estas últimas de modo mais acentuado. O corte no orçamento e a burocratização dos
convênios e chamada públicas, como observado, impossibilitam a realização de ações
sistemáticas das equipes de assessoria técnica, o que leva a interrupção dos trabalhos de
campo, provocando desestimulo por parte dos agricultores e dos profissionais envolvidos
147
nessas atividades, condições que favorecem tanto a rotatividade destes, quanto a criação de
obstáculos ao planejamento e à execução de projetos no médio e longo prazo.
Essa questão aponta para o fato de que as políticas públicas voltadas para esse
segmento não são estruturantes, ainda que tenha havido avanços, estes não passam de
políticas emergenciais, fragmentadas e focalistas que atendem aos interesses imediatos do
neoliberalismo, assim, incapazes de modificar as condições de vida daqueles que vivem e
trabalham no campo, em particular, dos que vivem no semiárido.
Para Molina (2009), um dos problemas enfrentados pelas experiências inspiradas
na agroecologia é que elas estão confinadas à esfera local. Isso porque a estratégia teórica e
metodológica adotadas pelos mediadores (universidades, agentes governamentais, Ong´s e
outras organizações da sociedade civil) gira em torno dos próprios agricultores, da produção
agrícola e da comunidade local. Para o autor, não se pode confundir métodos com objetivos.
As ações centram-se mais nos aspectos técnicos e práticos e esquecendo-se dos sociais e
políticos. As experiências não podem ser condenadas a se converterem, segundo Molina
(2009, p. 55), baseado em Altieri e Rosset, em “ilhas de êxito em um mar de privação,
pobreza e degradação ambiental”.
A realização de um processo de transição agroecológica, somente será possível se
ações na esfera local, desenvolvidas no cotidiano pelos pequenos grupos, comunidades ou
famílias isoladas, entrarem em sintonia com projetos estruturantes (ARAÚJO, 2009).
Nesse sentido, é preciso transformar a agroecologia em uma força política capaz
de enfrentar o agronegócio. Se por um lado o discurso do governo tenta fazer a conciliação
entre os interesses do agronegócio e da agricultura familiar, por outro os movimento sociais,
que não foram silenciados, gritam por todos os cantos que o agronegócio é um entrave para a
construção de um projeto sustentável de desenvolvimento para o país. Na perspectiva de
Delgado (2010, p. 106), isso só é possível, a partir de uma proposta que enfrente a questão
agrária atual e desmonte as condições que hoje garantem a hegemonia do agronegócio, quais
sejam: “(1) frouxidão da política fundiária; (2) restrição à expansão da demanda interna do
conjunto da economia; (3) restrição à incorporação da massa de trabalhadores do setor de
subsistência ao projeto rural”. Contudo, acrescenta autor, o atual arranjo da politica
econômica nacional e internacional bloqueia a superação dessas restrições, impedindo,
portanto, a construção de uma política de desenvolvimento nacional. Nesse contexto, o
148
grande contingente de camponeses que compõe o setor subsistência89 apenas poderá
progredir, nos termos de Delgado, a partir de outra concepção de desenvolvimento, isso
implica “necessariamente de desbloquear essa rede de restrições. Sem isso, não será viável um
projeto de desenvolvimento autônomo” (DELGADO, 2010, p. 98).
Quanto ao nosso objeto de estudo, Moreira90 (2010) entende que uso de práticas
agroecológicas não têm levado os agricultores a um processo de “emancipação”. Nesse
sentido, critica aquelas formulações que não problematizam as formas sociais na ordem
capitalista, bem como, os seus processos de acumulação e as estruturas de poder na qual se
inserem. Os processos emancipatórios, acrescenta o autor, envolvem dimensões sociopolíticas
para além das dimensões técnicas e científicas da agroecologia.
Com efeito, verificamos que os agricultores e agricultoras inseridos na dinâmica
da Rede se apropriaram dos princípios da agroecologia a partir de suas práticas produtivas
cotidianas. Nesse âmbito, destacam-se os seguintes avanços: diversificação da produção
mediada pela discussão do uso de práticas e tecnologias adequadas às condições hídricas do
semiárido e da disponibilidade de água em cada agroecossistema manejado pelas famílias
agricultoras; diversificação dos agoecossitemas (roçados, quintais, hortas, pomares, apiários,
pequenos animais, casa de farinha, entre outros); adoção de práticas de conservação e manejo
do solo (adubação verde, cobertura morta, rotação de culturas, consórcio entre outras);
utilização de bioprotetores e biofertilizantes (manipueira, cinza oriundas dos fogões a lenha,
fumo de rolo, gergelim, infusões com plantas repelentes – fumo, pimenta, nim); maior
entendimento sobre a importância das matas ciliares e espécies nativas para o equilíbrio e
manutenção do ecossistema e associadas a crescente preocupação com a preservação das
sementes crioulas, esse movimento que é antes de tudo político, de resistência. Através das
diversas iniciativas entorno da agroecologia, os camponeses passam crescentemente a tomar
89 Entende-se por setor de subsistência, nas palavras de Delgado, “[...] o conjunto de atividades econômicas e relações de trabalho não assalariado no meio rural que proporcionam meios de subsistência a parte expressiva da população rural” (2010, p. 96). 90Nesse artigo o autor faz um apanhado dos trabalhos realizados no âmbito do Programa do CPDA que discutem as temáticas relacionadas à questão ambiental, agricultura familiar e agroecologia. Trás questões relevantes para a discussão, especialmente, ao questionar que “boa parte do conhecimento visto pelo discurso agroecológico como “tradicional” foi gerado a partir de vivencias dos “agricultores livres”, da ordem escravocrata [...] dos “colonos do sul” [...] dos “moradores de favor”[...] dos “colonos do café”. [Para Moreira] Tal conhecimento “tradicional” é valorizado, sem critica, como matriz cultural fundadora das formas sociais agroecológicas no Brasil” (2010, p. 153). Nesses termos, a convenção da agricultura convencional para a agricultura “tradicional”, de acordo com o autor, precisa ser melhor qualificada.
149
para si essa luta como forma de garantir maior autonomia. Cabe registrar que eles exercem
historicamente o papel de guardiões das sementes, guardiões da vida.
Ao lado desses avanços técnicos, verificamos, de modo geral, uma fragilidade na
discussão política da agroecologia entre os agricultores (individual) e na rede sociotécnica de
inovação, consolidada pelos agricultores e agricultoras como espaço de irradiação de
conhecimento, formação e organização social. Com base no referencial teórico utilizado,
entendemos que a difusão da agroecologia depende cada vez mais do grau de consciência,
mobilização social e estratégias de poder construídos coletivamente por agricultores e
agricultoras. Nesse sentido, faz-se necessário que as Redes sociotécnicas e politicas
extrapolem os limites das próprias experiências e possam desenvolve-se como agentes
políticos de modo a influenciar junto a outros sujeitos coletivos a construção de um projeto de
desenvolvimento em escalas que vão desde o local até o nacional inspirados nas experiências
de inovação da agricultura familiar camponesa de base agroecológica.
Como observamos nas experiências estudadas, o ponto de partida para o processo
de transição agroecológica não são sistemas modernos dependentes de insumos, mas manejos
que se aproximam dos sistemas tradicionais, onde os agricultores ainda enfrentam problemas
de acesso a terra, à água, a recursos técnicos, acesso ao mercado e a uma diversidade de
políticas públicas garantidoras da permanência no meio rural com qualidade de vida.
Associado a estas determinações objetivas também encontramos nos depoimentos
motivações subjetivas para a adoção de novas práticas baseadas na agroecologia. Elas dizem
respeito à produção de alimentos livre de agrotóxicos e mais saudáveis, à preocupação com a
conservação e preservação da biodiversidade, o que tem sido acompanhado de uma
consciência coletiva em relação às questões socioambientais, exercendo papel fundamental no
fortalecimento da identidade dos agricultores, como sujeitos sociais. Nessa perspectiva, é
expressivo o depoimento de Dona Graça quando se refere à amplitude das mudanças:
Mudou tudo, virou pelo avesso, mudou a alimentação, a maneira de lidar com a terra, de plantar [...] Mudou a maneira de lidar com as pessoas, aceitar as pessoas com elas são e não como eu quero que elas sejam. O amor aos animais, o respeito aos animais, o tratamento com as águas. Mas dentro de tudo isso vem o sofrimento, porque eu me revolto com o lixo nos rios, eu me revolto com as queimadas, eu me revolto com quem esta matando os passarinhos, com quem pega os passarinhos para vender. Você se sente bem por um lado, mas, por outro, você se revolta. Hoje, antes de tacar o pé no besouro, eu sei que ele tem um trabalho a fazer, ele faz a polinização das flores, então assim mudou tudo, tudo, tudo.
A análise da realidade empírica, a partir da pesquisa de campo, também permitiu
que observássemos mudanças no hábito alimentar das famílias, que passaram a consumir
maisfrutas e hortaliças, à medida em que passaram a diversificar sua produção de hortifrútis,
150
ao lado da criação de pequenos animais, sobretudo ovinos, caprinos e galinhas. O
fortalecimento do autoconsumo das famílias camponesas têm sido uma das principais
estratégias de convensão para sistemas agroecológicos. Entende-se que produzir parte da
demanda alimentar está relacionado à segurança alimentar das famílias camponesas e, ao
mesmo tempo, permite diminuir os gastos com alimentação, condição que provoca numa
autonomia produtiva e reprodutiva, além de manter interno o controle do processo produtivo
(SCHNEIDER; GAZOLLA, 2007).
A diversificação da produção além de atender o autoconsumo, também se destaca
como uma estratégia socioeconômica, pois o excedente, juntamente com os produtos
beneficiados nas unidades familiares é destinado à comercialização nas próprias comunidades,
no mercado local, feiras agroecológicas e mercado institucional. As mudanças entre aqueles
agricultores que já comercializavam sua produção, antes mesmo de adotar às práticas
agroecológicas, correspondem à relativa diversidade de produtos hoje disponibilizados ao
autoconsumo e mercado.
Em relação à inserção dos produtos agroecológicos no mercado, as feiras
agroecológicas cumprem um importante papel. Os chamados “circuitos curtos de
comercialização” de acordo com os agricultores apresentam as seguintes vantagens: diminui
as despesas com transporte e logísticas, elimina a presença dos atravessadores e aproxima os
agricultores dos consumidores. Essa relação foi bastante evidenciada pelos agricultores -
feirantes. Nesse sentido, destacamos o trabalho político pedagógico realizado pelos
agricultores quando, durante a comercialização, fazem questão de explicar como são
produzidos aqueles alimentos e em que condições, isto é, pela família, sem agrotóxico,
saudáveis e sem poluir a natureza, “bom para quem produz e para quem consome”, como
explica Mirtes, agricultora agroecológica e feirante do Município de Apuiarés.
Ao mesmo tempo, os agricultores passaram a se preocupar com o aumento e a
continuidade da produção a fim de atender uma demanda crescente do mercado. No ponto
vista da unidade familiar, as condições e estratégias variam bastante, desde o tamanho da área,
acesso e a disponibilidade de água, insumos, mão de obra familiar, crédito, recursos técnicos
entre outros. A dinâmica de comercialização das feiras se diferencia daquelas praticadas pelas
famílias no âmbito das comunidades (vizinhança), requerendo um planejamento produtivo das
unidades familiares para que possam garantir o abastecimento dos espaços ocupados, quer
sejam as feiras e/ou os programas institucionais como o PAA e PNAE.
O acesso dos agricultores a esses programas não foi suficientemente aprofundado
nas entrevistas. Das informações que colhemos, podemos destacar que os agricultores
151
consideram os programas como formas complementares de comercialização relativamente as
já praticadas. Contudo, entre os que acessaram os programas alguns apontam o atraso no
pagamento dos produtos como uma dificuldade. Já os agricultores que não acessaram esses
programas não o fizeram por receio de não ter condições de cumprir com o compromisso
firmado.
A comercialização é um dos desafios enfrentados pelos agricultores e agricultoras,
não é raro verificarmos a desistência de alguns agricultores, justificando ou que o mercado é
restrito e impõe condicionantes que os agricultores familiares em sua totalidade ainda não
conseguem cumprir91, ou que não têm produção suficiente para atender a demanda dos
programas institucionais. Cabe lembrar que estamos abordando um repertório de experiências
cuja diversidade produtiva muitas vezes entra em choque com especialização imposta pelo
mercado. Nesse sentido, a assistência técnica é fundamental para a transição agroecológica,
principalmente quando seus processos, métodos e técnicas estão de acordo comàs estratégias
de reprodução socioeconômicas e de manejos dos recursos naturaisencontrados
cotidianamente pelos agricultores e agricultoras.
Nesse sentido, a articulação em Rede foi uma estratégia fomentada pela entidade
mediadora no sentido de estimular a troca de experiências e o debate no âmbito da
agroecologia, da socioeconômica solidária e da convivência com o semiárido, construída e
apropriada pelos agricultores agroecológicos, experimentadores, multiplicadores entre tantas
dimensões constitutivas das identidades sociais que se forja nesse processo.
A Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários cumpre um importante papel
no espaço de aprendizagem social do território na medida em que promove o encontro de
diversas experiências no campo da inovação nas práticas de manejo dos agroecossistemas e da
gestão coletiva dos recursos naturais. Dentre essas experiências articuladas pela Rede,
destacam-se as hortas orgânicas, quintais produtivos, sistemas agroflorestais, resgate e uso de
sementes crioulas, o cultivo das plantas medicinais, fundos rotativos, feiras agroecológicas,
experiências que articulam relações sociais e técnicas, “motor” da agroecologia. As
mudançasverificadas a partir da proposição agroecológica no cotidiano das famílias
agricultoras são reveladas na produção para o autoconsumo sem resíduos de agrotóxico,
diversificação da produção, segurança alimentar, fortalecimento da base de recurso,
diversificação da renda, fortalecimento das relações com a coletividade de agricultores e
91 A exigência da certificação dos produtos, regularidade e volume da produção são exemplos citados como fatores limitantes para o acesso ao mercado pelos agricultores familiares.
152
outros atores sociais do território, na redução da dependência e ampliação da autonomia
(FERRARI, 2010).
Não obstante, identifica-se uma ameaça a esse processo quando os agricultores
são unicamente responsabilizados pelo processo de transformação dos seus sistemas
produtivos com a adoção de práticas agroecológicas, como se não dependessem de um
conjunto de fatores externos aos próprios grupos. É determinante, portanto, compreender que,
na maioria das vezes, os agricultores estão inseridos em contextos de privações ou em um
ambiente de hostilidades nos termos de Ploeg (2009) - com pouca ou nenhuma terra,
descapitalizados, com dívidas, sem assistência técnica, sem acesso a crédito. Além da falta
desses recursos para investir na inovação ou para exporem-se aos riscos, Sabourin (2009),
acrescenta outra questão bastante observada, isto é, a norma familiar ou pressão social do
grupo. Muitos agricultores ao longo da pesquisa relataram as dificuldades enfrentadas quando
começaram a introduzir mudanças nos sistemas produtivos, sendo frequentemente chamados
de loucos por familiares e pessoas da comunidade. Essas condições certamente impõem
limites à adesão dos agricultores às propostas agroecológicas, ainda que para outros estas se
mostrem determinantes na busca de alternativas, como pudemos constatar.
Outro aspecto a ser destacado é que a participação nas redes sociotécnicas de
inovação agroecológica não leva, necessariamente, o agricultor a adotar ou a integrar as
inovações ao sistema de produção e a sua estratégia familiar. Por outra parte, conforme
pudemos acompanhar, a participação dos agricultores e agricultoras nesses espaços tem
contribuído significativamente para o fortalecimento da agricultura familiar camponesa, visto
que tem estimulado a adesão desses sujeitos sociais a espaços sócios organizativos tal como ,
associações e sindicatos rurais e, ainda, de um conjunto de ações que buscam provocar
respostas de ações públicas, que impactem no desenvolvimento local. Quando vistas de
forma integrada, compõe o repertório de estratégias construídas pelos camponeses para
ampliar sua reprodução socioeconômica.
Finalmente, segundo a percepção dos agricultores e agricultoras entrevistadas, a
proposição agroecológica não diz respeito somente à substituição de insumos químicos por
orgânicos, nem tão pouco se resume às práticas produtivas em si, adquire um sentido muito
mais complexo. É preciso compreender que os agricultores não fazem distinção entre
situações técnicas e sociais, uma vez que, essas dimensões são por eles consideradas
indissociáveis, já concebem a agroecologia como sendo um modo de vida, pois envolvem
seus sentimentos, valores, crenças, costumes e práticas cotidianas, indo de encontro à
racionalidade camponesa, onde a terra tem não só valor material, mas também simbólico;ela
153
não é só um meio de produção é também um espaço de vida. O que implica afirmarmos que a
natureza dos vínculos que os camponeses estabelecem com a terra aparece como uma forma
de resistência (FABRINI, 2008). Os caminhos da transição agroecológica apontam que a
socialização do conhecimento é uma arma para construir outra cultura na produção, não
menos importante e urgente do que reforma agrária, para além do acesso a terra e de um
conjunto de politicas públicas que respondam às demandas historicamente pautadas pelas
famílias camponesas.
154
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo rural começou a nosinquietar no período da graduação, mas só se
constituiu como objeto de pesquisa principalmente depois da nossa atuação profissional como
Assistente Social junto a famílias camponesas no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu,
região norte do estado Ceará. Ali integramos uma equipe multidisciplinar de assessoria
técnica em assentamentos e comunidades rurais, envolvendo agrônomos/as, técnicos
agrícolas, assistentes sociais e economistas domésticas, em um período marcado pela
reestruturação da Politica de Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER).
Nesse contexto, a política assumiu como prioridade o fortalecimento da agricultura familiar e
a promoção da agroecologia, proposição relativamente nova para maior parte das entidades,
sejam elas governamentais ou não, que atuavam na execução desses serviços, salvo alguns
estados como a Paraíba e o Rio Grande do Sul onde a experiência já existia com maior
expressão, orientando inclusive a formulação de políticas públicas.
A articulação em redes sociotécnicas foi fundamental para muitas entidades
que passaram a reorientar sua intervenção junto às famílias agricultoras a partir de seu
acumulo institucional (experiências no campo de tecnologias sociais, da agroecologia, da
produção e comercialização, do cooperativismo entre outras). Destacamos na região nordeste
duas dessas redes sociais, a saber: Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e Rede de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Nordeste (Rede Ater-NE). Do processo de
incorporação da proposição agroecológica às estratégias de intervenção das entidades,
passamos, pouco a pouco, a reunir elementos para construir a problemática central desse
estudo, qual seja: Analisar as mudanças decorrentes do processo de transição da agricultura
convencional para a agricultura agroecológica no cotidiano dos agricultores articulados à
Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e
Aracatiaçu.
Para tanto, partimos do pressuposto que a transição agroecologia, conceito central
para a agroecologia, é um processo gradual e multilinear de mudanças. Importante ressaltar
que a ideia de mudança não se restringe ao processo técnico de convenção de sistemas
tradicionais ou convencionais de produção (mais ou menos intensivo no uso de mecanização,
fertilizantes, agrotóxicos, sementes hibridas entre outros) em sistemas produtivos que
incorporem princípios e tecnologias de base ecológica. Trata-se de um processo social
complexo, haja vista as dimensões socioculturais, econômicas e ecológicas que envolvem.
155
Assim posto, nossa preocupação fundamental na presente investigação consistiu
em compreender a agricultura familiar camponesa em interface com o enfoque agroecológico,
alternativa adotada pelos agricultores e agricultoras como forma de superar as dificuldades
ligadas às condições de vida e reprodução das famílias, resultantes da insustentabilidade
econômica e ambiental de um modelo de agricultura que degrada os recursos naturais, reduz a
biodiversidade e concentra terra e riqueza.
Diante desse panorama estrutural e conjuntural adverso, um conjunto heterogêneo
de camponeses, entidades de assessorias, instituições oficiais de ensino, pesquisa e extensão,
bem como diferentes categorias de profissionais na área do desenvolvimento rural, em todas
as regiões do país, reúnem-se em trono de experiências concretas inspiradas na agroecologia
No território estudado, essas experiências dão dinâmica às redes de inovação
técnico e sócio-organizativas. Contudo, as mesmas encontram-se constrangidas pelo modelo
de política territorial em desenvolvimento, voltado a atender às demandas das cadeias
produtivas, resultando na adoção dos pacotes tecnológicos, financiamento para compra de
veneno, máquinas agrícolas e especialização da produção. Nesse contexto, o Estado é
extremamente eficiente para garantir a difusão desses pacotes para o agronegócio e, em
contraposição, é “fraco” para investir na agricultura familiar camponesa, na agroecologia, na
reforma agrária.
Por sua vez, os agricultores que não usam veneno em suas unidades são
frequentemente intimidados quando necessitam de recursos e buscam os bancos, pois o
“normal” para estes é fazê-lo aliado, mais recentemente, ao uso das sementes transgênicas92.
O que isso representa para a agricultura familiar camponesa? Perda da sua autonomia, maior
subordinação às empresas produtoras de sementes e por sua vez dependência aos agrotóxicos
que tais sementes muitas vezes passam a exigir.
As experiências da agricultura familiar camponesa, inspiradas na agroecologia,
colocam para a sociedade que é possível uma outra forma de agricultura, que seja ao mesmo
tempo produtiva e atenda aos critérios socioambientais. Utopia? Não, realidade. Ainda que
enfrente inúmeras dificuldades para se desenvolver, compreendemos a partir do referencial
teórico adotado e dos limites postos a esse estudo, que, em seu conjunto, as experiências por
92 De acordo com Altieri “os agentes que promovem o desenvolvimento e a comercialização desses transgênicos são empresas multinacionais como a Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont, Dow AgroScience, seja adquirindo ou em parceria com empresas nacionais e apoiada por centros de pesquisa dos respectivos países ( por exemplo, a Embrapa) [...]” ( 2012, p. 50).
156
nós abordadas revelam importantes avanços, limites e desafios para agroecologia que é, ao
mesmo tempo, “uma ciência, uma prática e um movimento”.
O estudo evidenciou, portanto, que o trabalho desenvolvido pelos mediadores
(assessoria técnica) foi fundamental para que as famílias agricultoras passassem a
experimentar práticas inspiradas nos princípios das agroecologia, uma vez que estas não
surgem espontaneamente. A agricultura familiar camponesa precisa de espaço para realizar
seus potenciais (PLOEG, 2009). Nesse sentido, os depoimentos revelam o quanto foi
determinante a assessoria técnica no processo, sobretudo, ao apoiar processos de formação,
intercâmbios, encontros, bem como a construção de estratégias sócio organizativas com base
no território, promovendo a troca de conhecimento e crescente visibilidade das experiências
desenvolvidas pelos agricultores e agricultoras em suas unidades familiares.
Ao mesmo tempo, os depoimentos denunciam as dificuldades de acesso aos
serviços de assessoria técnica (governamental e não governamental), de modo particular às
ações sistemáticas que atendam às necessidades quanto ao planejamento da produção,
comercialização e acesso ao crédito, assim como relativas ao associativismo comunitário, aos
grupos específicos de mulheres e jovens, dentre outras demandas. Segundo os entrevistados,
as equipes técnicas chegam às comunidades, fazem inicialmente um trabalho de
sensibilização e mobilização, conhecem as áreas e, quando começam a realizar as atividades
de campo, têm que interromper o trabalho porque o convênio e/ou contrato já se encerrou,
conforme explicou uma agricultora: “quando a pessoa acaba de se adaptar àquele meio aí
começa a trabalhar, aí acaba o contrato e aí não renova não”. Nessa perspectiva, a assessoria
técnica continua sendo uma problemática para o conjunto dos agricultores, tanto em relação
ao acesso quanto pela forma fragmentada e pontual que é executada.
Outra questão identificada diz respeito às estratégias técnico-metodológicas
adotadas pelos mediadores que compõem, conforme diz o agricultor, a “linhagem da
agroecologia”, onde a intervenção é pautada na construção do conhecimento agroecológico,
cuja base é o diálogo entre o conhecimento técnico-cientifico e o saber popular dos
agricultores, reconhecendo estes como protagonistas no desenvolvimento de seus próprios
projetos e inovações, o que demanda respeito ao saber dos camponeses, e sobretudo o
entendimento da dimensão politica dessa “ciência, prática, movimento”. As questões técnicas
relativas à transição agroecológica, ainda que tenham avançado, permanecem como desafios
para a assistência técnica, uma vez que a assessoria técnica convencional fundamentada nas
abordagens difusionistas, continua impondo projetos, tecnologias e créditos com o objetivo de
atender aos interesses do mercado.
157
Nesse sentido, a abertura nas instituições de ensino, pesquisa e extensão à
perspectiva agroecológica aponta sinais mudanças, dados os efeitos deletérios do processo de
modernização e da crise socioambiental que afeta a todos. É importante mencionar que a
própria Emater tem realizado formação com base na agroecologia para seus técnicos. Esse
avanço reflete o processo de experimentação, diálogo, pesquisa e articulação de um conjunto
de sujeitos sociais entorno da agroecologia, da conivência com o semiárido, da justiça
ambiental. A consolidação das experiências em todo o país, ainda que enfrentando fortes e
severas restrições, já aponta que não é mais uma realidade vivenciada por um conjunto
isolado de agricultores e entidades. Ao contrário, há sim um movimento, sua expressão se dá
nos Territórios e também repercute na formulação de politicas públicas, a exemplo da
recentePolítica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, fruto da pressão e das
reinvindicações articuladas através do movimento agroecológico.
Isso não significa, todavia, que o processo de transição agroecológica /a
agroecologia é assunto pacificado. Ao contrário, é um projeto que se faz em disputa contra o
agronegócio, que se mantém hegemônico no plano político, econômico e ideológico e conta
com financiamentodo Estado. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se celebram os
avanços na perspectiva da ação pública em prol da agricultura familiar camponesa na
perspectiva agroecológica, é encaminhado para a aprovação o Condigo Florestal que, de
acordo com os ambientalistas e estudiosos, representa um retrocesso no ponto de vista
socioambiental, sobretudo porque anistia desmatadores.
A partir das unidades familiares analisadas, identificamos uma diversidade de
situações ou níveis diferenciados dos processos de transição. De modo geral, não são sistemas
modernos que dependem de insumos externos, mas manejos que se aproximam dos sistemas
tradicionais, onde os agricultores ainda preservam antigas práticas de cultivo, utilizam-se da
broca e da queima que, muitas vezes, têm levado ao esgotamento da fertilidade do solo e à
degradação das fontes de água. Nesse contexto, as estratégias adotadas pelas entidades que
promovem essas experiências partem, em sua maioria, da introdução de práticas mais
sustentáveis, associadas ao uso de tecnologias sociais de convivência com o semiárido e a
organização dos grupos.
Nessa perspectiva, a motivação de muitos agricultores e agricultoras que passam a
enveredar pela agroecologia se dá em oposição à agricultura convencional. Outras motivações
bastante evidenciadas na pesquisa foram: a preocupação com o meio ambiente, a produção de
alimentos que proporcionem saúde à família e a comercialização direta, em seu conjunto são
estratégias socioeconômicas na qual os agricultores têm experimentado e procuram
158
disseminar e multiplicar. Nesse processo de construção da autonomia, tais recusas podem ser
entendidas também como uma materialização da resistência.
A expropriação pela qual foram submetidos os camponeses no âmbito do
Território gerou processos de luta e de resistência largamente conhecidos, como as clássicas
lutas abertas e a ação/organização dos movimentos sociais. Énesses espaços contraditórios, de
dominação, de violência e de subordinação, muitas vezes velados, que os camponeses têm
forjado as lutas cotidianas.Assim, procuramos identificar como se materializa a resistência,
presente no processo produtivo e em sua alteração, a partir do cotidiano do roçado, do
terreiro, da horta, da feira e dos espaços coletivos como os da Rede (PLOEG, 2009),
particularmente quando os agricultores passaram a adotar como estratégia produtiva as
práticas agroecológicas.
Daí a resistência encontra-se em uma multiplicidade de formas: está no modo
como os agricultores cultivam os alimentos, diversificam a produção para atender às
necessidades alimentares da família e da comercialização. Igualmente, está na adoção da
adubação verde, no uso de espécies vegetais que repõe a fertilidade do solo, na utilização da
matéria orgânica produzida nas unidades, nas práticas de convivência com o semiárido e nas
relações de reciprocidade e solidariedade tão presentes nas comunidades camponesas. Há
resistências também, na forma como estas experiências passam a se organizar a fim de
construir estratégias coletivas no enfrentamento das dificuldades trazidas pela fragilidade de
políticas públicas e pela imposição de um modelo insustentável, que desenraiza os
camponeses e aniquila a sua principal base de recurso, a terra. Concordamos, assim, com
Ploeg (2009, p. 27) ao afirmar que “individualmente, essas expressões são inocentes e
inofensivas, mas se tomadas em seu conjunto tornam-se poderosas e podem mudar o
panorama atual”.
Diante do exposto, verifica-se ainda que a Rede tem se apresentado como uma
alternativa sócio-organizativa e de enfrentamento político no território, na medida em que
vem promovendo através dos intercâmbios a descentralização do conhecimento e de
tecnologias sociais, novas dinâmicas de comercialização baseadas na cooperação entre as
famílias agricultoras e gestão de recursos, como é o caso do Fundo Rotativo, que, gerido pelos
agricultores, tem contribuído para a estruturar as unidades produtivas, diminuir o uso de
insumos externo e manter a gestão e controle nas mãos das famílias, ainda que sob forte
pressão do modelo de produção hegemônico via políticas públicas indutoras dospacotes
tecnológicos e creditícios incompatíveis com as condições da maioria das unidades de
produção camponesa.
159
Com efeito, há ainda um conjunto de experiências de enfrentamento/negação ao
modo de produção imposto pelo capital, ainda que o horizonte não seja sua superação. No
sentido do fortalecimento de práticas da agricultura familiar camponesa que se materializam
no âmbito do território, mas que não estão aglutinadas diretamente a rede, destacam-se
comunidades quilombolas, as mulheres rendeiras/agricultoras e agueiras/agricultoras, as
experiências de agrofloresta, de banco se sementes, os pescadores artesanais, a organização de
jovens entre outros. Em seu conjunto, a produção, materializada por essas famílias, partilha de
valores camponeses fundamentados na terra, no trabalho e na família.
A partir dos dados encontrados, e do referencial teórico adotado durante esta
investigação, compreendemos que apesar de relativa autonomia, no sentido dado por Thomaz
Júnior (2008), os camponeses têm resistido à homogeneização imposta pelo modelo
dominante de agricultura. Por ter clareza do risco que correm enquanto sujeitos ativos, os
agricultores resistem, ainda conforme esse autor, à adoção de pacotes tecnológicos, à
espacialização, ao endividamento, à proletarização, ao pagamento da renda da terra, entre
outros fatores. Desse modo, sua existência tem sido garantida através dessa resistência que de
acordo com Thomáz Júnior (2008) são expressões das múltiplas determinações do
desenvolvimento das forças produtivas capitalistas.
O depoimento do Sr. Zé Júlio, Dona Fátima e Zeza sobre essa resistência é
bastante representativa: “Tenho preocupação com as sementes, sempre guardei minhas
sementes para plantar. Desde muitos anos, eu não vou esperar pelo governo. Se eu quiser
plantar na primeira chuva eu planto, se quiser plantar na segunda eu planto, depende só do
inverno”.
Assim com a fala anterior do Sr. Zé Júlio, Dona Fátima assim se pronunciou:
“Um dia me convidaram pra trabalhar pra ganhar meio salário, eu disse: quero nada! Porque
eu acho que aqui na agricultura como eu faço eu ganho mais de meio salário, melhor do que
eu tá lá levando carão dos outros e deixar o meu serviço”. Em sua visão se trabalhasse
ganharia menos do que ganha na agricultura. Concluindo ela afirma: “Se eu não vendo pra
arrumar um salário o que eu tiro daqui dá pra comer, tá bom, pois se eu for só vender eu
arrumo mais do que esse salário. Eu mesmo faço as minhas contas, eu anoto ao final do mês
eu vou olhar, como é que está, ai eu sei que eu tenho lucro”.
Zeza, por sua vez, afirma que não se deixa seduzir, em suas firmes palavras:
“Penso que, como agricultora, nunca vou ser uma desempregada. Todos os meus planos estão
ligados à agricultura. Não me vejo fora dessa vida”.
160
Essas recusas compõe o repertório de motivações que tem levado as famílias
agricultoras a permanecerem na terra e a alterarem seu sistema produtivo com a adoção de
práticas agroecológicas. Todavia vale salientar que as atuais políticas públicas, de modo geral,
continuam impondo a prática de uma agricultura predatória e excludente à revelia do
agravamento da questão ambiental e da crise agroalimentar. No Brasil, essa tendência se
revela na expansão do agronegócio, sob o comando de grupos transacionais combinada com a
histórica concentração fundiária.
Por fim, o estudo aqui exposto tem fundamental significado para o Serviço Social,
no sentido de contribuir para o aprofundamento de reflexões acerca da questão social,
particularizada no mundo rural, nas condições de vida dos camponeses, nas circunstâncias em
que esses sujeitos sociais garantem sua produção e reprodução em um mundo hegemonizado
pelos valores e a sociabilidade do capital que segue se apropriando da natureza e das riquezas
produzidas socialmente pela sociedade. Nesse sentido, priorizamos analisar as experiências da
agricultura familiar camponesa na perspectiva da agroecologia, situando os camponeses em
seu contexto sócio histórico, portanto no mundo contemporâneo. Buscamos, por fim, desvelar
as determinações objetivas e subjetivas presentes no cotidiano, solo da espoliação, da
violência, da exploração, mas também da resistência, da organização e da transformação.
Destarte, trata-se de um estudo pleno de intencionalidade, ancorado no Projeto Ético-político
de Serviço Social, no qual a apreensão da realidade não se dá apenas como forma de
compreendê-la, e sim pela possibilidade de transformá-la. O que requer de nós a defesa
intransigente dos direitos sociais dos camponeses, da reforma agrária, da justiça social e
ambiental. Entendemos que essa construção não se restringe ao universo camponês, porém ao
conjunto da sociedade, camponeses, operários, trabalhadores urbanos.
161
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ANEXOS
172
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Pesquisadora responsável: Ana Cristina de Sousa Sampaio Pesquisa: Transição Agroecológica: uma análise das experiências da agricultura familiar camponesa no Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu - Ce
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Nome agricultor/a:__________________________________________________________ Município: ________________________ Comunidade ____________________________ 1. Como ocorreu seu encontro com a agroecologia ? Como a define?
2. Como era sua unidade familiar antes de iniciar essa experiência? E como é hoje?
3. Relativa à produção, se voltada para a comercialização, se voltada para auto consumo, que mudanças de comportamento relativos ao habito alimentar são percebidas no dia a dia de sua família?
4. Qual a importância de produzir alimentos em sua unidade familiar?
5. Comercializa a produção, quais os principais produto, onde e quem são os consumidores?
6.Quais são as suas maiores dificuldades em relação à produção ?
7. Em relação à assessoria técnica e a agroecologia, como ocorre a orientação dos/as técnicos/as?
8. Qual é a frequência das visitas técnicas e elas são adequadas às necessidades de sua unidade familiar?
9. Na produção, usa fertilizantes sintéticos e/ou agrotóxicos? Em que culturas?
10. Quais formas de organização social que participou ou participa ?
11. Que atividades (encontros, cursos, oficinas, intercâmbios etc.) estimularam seu processo de experimentação e por quê?
12. A Rede contribui para o aprimoramento das atividades produtivas (produção/beneficiamento/comercialização)?
13. A Rede de Agricultores Agroecológicos contribui para o aprimoramento do exercício político, ou para a formação?