revista camponesa agosto de 2010

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1 Camponesa - Agosto de 2010 www.aaccrn.org.br Ano I - Número 02 - Agosto de 2010 A vantagem é poder escolher Tânia Bacelar Conceitos novos para a realidade política brasileira Durval Muniz Quando a política é boa Viviane Siqueira C A M P O N E S A R e vista d a Associação de Apoio às Com unidades do Cam po do RN - AACC/RN

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Page 1: Revista camponesa agosto de 2010

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Camponesa - Agosto de 2010 www.aaccrn.org.br

Ano I - Número 02 - Agosto de 2010

A vantagem é poder escolherTânia Bacelar

Conceitos novos para a realidade política brasileira

Durval Muniz

Quando a política é boaViviane Siqueira

CAMPONESARevista da Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN

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Camponesa - Agosto de 2010 www.aaccrn.org.br

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Camponesa - Agosto de 2010

Estamos de volta após alguns meses. Em primeiro lugar, agradecendo a cari-nhosa recepção da primeira edição. Neste número, resolvemos refletir sobre a Política aproveitando o clima proporcionado pelas Eleições Gerais, no Brasil, apesar do sentimento de aversão de grande parte da sociedade à política de

representação, muitas vezes nutrido para afastar as pessoas da política quando, na verdade, trata-se de estar mais presente na perspectiva de fortalecer a democracia. Esta segunda edição da Revista Camponesa, de forma mais plural possível, quer contribuir neste debate e, para isso, entrevistou as seguintes pessoas: Tânia Bacelar, doutora em Economia pela Universidade de Paris I e sócia diretora da CE-PLAN – Consultoria Econômica e Planejamento, no Recife; Durval Muniz, doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e atual presidente da Associação Nacional de História (ANPUH); Humberto Dantas, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e superintendente da Fundação Mário Covas; Sérgio Abranches, PhD em Ciência Política pela Universidade Cornell, Nova York e comentarista da rádio CBN; João Emanuel Evangelista, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e pró-reitor de Planejamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Lúcia Avelar, doutora em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e profes-sora da Universidade de Brasília (UNB); Viviane Siqueira, integrante da Associação Algas, Pescados, Pitangui, Extremoz/RN. A grande maioria das entrevistas foi rea-lizada entre o final de maio e meados de junho do corrente ano. Além disso, optamos por ouvir a opinião de algumas mulheres sobre a política, o que resultou na reportagem A maturidade política das mulheres, de Bethânia Lima.

A arte da capa é do jovem Vítor Bezerra, com formação em Comunicação Social e Jornalismo pela UFRN. Na contracapa, a poesia “Da Palavra”, da poeta parai-bana Nivaldete Ferreira, residente em Natal.

Boa leitura e boas escolhas.

Conselho editorial: Antonia Geane Costa Bezerra

Bethânia Lima SilvaEmerson Inácio Cenzi

Haroldo Gomes da SilvaJoaquim Apolinar Nóbrega Diniz

Textos: Bethânia Lima Silva

Haroldo Gomes da Silva

Fotografia: Rodrigo Sena

Bethânia Lima SilvaHaroldo Gomes da Silva

Revisão: Bethânia Lima Silva

Haroldo Gomes da Silva

Projeto gráficoe Diagramação:

Robson Nunes

Impressão: Offset Gráfica

Tiragem: 3000 exemplares

Editorial

Esta publicação foi realizada com apoio da Fundação Konrad Adenauer

Fortaleza. O seu conteúdo não expressa necessariamente a opinião da Fundação

Konrad Adenauer.

Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN

Rua Doutor Múcio Galvão, 449, Lagoa SecaNatal - RN - Cep: 59022-530

Telefone: 84.3211.6131/6415E-mail: [email protected]

Capa: Vítor Bezerra

“Agradeço o envio dos exemplares da revista Camponesa, fiquei muito

bem impressionado com a qualidade editorial, tanto dos textos como do

projeto gráfico, parabéns!” Henrique Carneiro – Professor da USP –

São Paulo/SP

“Caros colegas, gostaria de cumprimentá-los pela brilhante iniciativa

e desejar vida longa para mais este importante veículo de comunicação no

campo das lutas socioambientais. Um abraço fraterno com nosso desejo

de muito sucesso.” Francisco Caporal – Brasília/DF

“Muito bacana a revista, encontrei-a através do twitter de curioso que sou, e

achei uma preciosidade!” Rafael Reinehr, Araranguá-SC, do blog

http://opensadorselvagem.org

“Parabéns pela revista. Ela está muito interessante. Li-a de cabo a rabo. Já

usei numa assessoria em Florianópolis. Sem pedir autorização, reproduzimos a entrevista com o Petrini nas Notícias do Dia do sítio do IHU. Achamos que era uma maneira de contribuir com a divulgação da revista. Será um prazer

poder contribuir com a luta daí.” Inácio Neutzling - Diretor do Instituto

Humanitas/UNISINOS - RS

ERRATA: Na Revista Camponesa, nº 01, a foto de Carlo Petrini é do Archivio Slow Food.

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NESTA EDIÇÃO

Entrevistas

Reportagem

04

06

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13

15

20

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Tânia Bacelar

Durval Muniz

Humberto Dantas

Sérgio Abranches

João Emanuel Evangelista

Lúcia Avelar

Viviane Siqueira

A vantagem é poder escolher

Conceitos novos para a realidade política brasileira

Educação política é essencial

Está em jogo o debate sobre o futuro do Brasil

Mudança com predominância de elementos de continuidade

Participação e discernimento político

Quando a política é boa

Elas participam pouco da política institucional mas, cada vez mais, ampliam sua in�uência na vida política do país

26 A maturidade política das mulheres

Seções

023031

Fale Conosco

Para Aprofundar

Notas

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A vantagem é poder escolherO Brasil pode liderar um novo padrão de desenvolvimento que marque o século

XXI: desenvolvimento econômico com respeito à natureza

E stamos num desses momentos em que a onda liberal arrefece, mas não há sinais de sua exaustão”, afirma Tânia Bacelar sobre a recente crise do euro, a crise financeira inter-

nacional de 2007 e o neoliberalismo, em entrevista exclusiva, por e-mail, à Revista Camponesa. Entre outras questões, Tânia Bacelar aborda as políticas públicas para a agricultura familiar no Brasil, o lugar do semiárido no desenvolvimento econômico e so-cial do país, o RN no cenário econômico nacional, a importância do Bolsa Família para a economia nor-destina, as relações entre capitalismo industrial e crise ecológica e as Eleições/2010. Tânia Bacelar de Araújo é economista e so-cióloga, doutora em economia pela Universidade de Paris I. Atualmente trabalha como professora em tempo parcial na Universidade Federal de Per-nambuco – UFPE e como sócia diretora da CEPLAN – Consultoria Econômica e Planejamento, no Recife. Entre suas publicações, destaca-se o livro Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranças e urgên-cias. Rio de Janeiro: REVAN, 2000.

Entrevista: Tânia Bacelar

REVISTA CAMPONESA - O sociólogo Alain Touraine, no jornal O Clarin, do dia 31/05/2010, sobre a crise europeia, afirma: “a Europa deve se voltar para o mundo e recuperar a influência que seus próprios erros a fizeram perder. Esta nova etapa de construção europeia tropeça apenas em um obstáculo: o neoliberalismo, cujos cen-tros estiveram e estão nos Estados Unidos e no Reino Unido. Países que lhe tiraram toda autoridade e a transferiram para os bancos, cujo poder sobre as empresas aumenta.” A recente crise do euro e a crise financeira internacional de 2007 são sinais de que o neoliberalismo está chegando ao fim? Es-tamos diante do surgimento de um capita-lismo mais regulamentado pelo Estado?TÂNIA BACELAR - A história do capitalismo rima, às vezes, com intervencionismo (tem-pos iniciais, com o mercantilismo ou mais re-centemente, no século XX, no pós-Segunda Guerra Mundial) e às vezes com liberalismo (como no final do século passado e começo deste). Estamos num desses momentos em que a onda liberal arrefece, mas não há sinais de sua exaustão. Para as grandes corporações globais – especialmente no seu braço finan-ceiro -, quanto menos regulação melhor...

Mas não resta dúvida que a temáti-ca da presença do Estado na vida social ganhou importância em meio à crise. Para países como o Brasil, ainda em fase de cons-trução/consolidação de seu projeto de na-ção (Celso Furtado1 chamou de “construção interrompida”) este debate é muito impor-tante. Liberalismo exacerbado em socie-dade muito desigual, como a nossa, tende a ampliar as desigualdades e não é isso que queremos. Mas não queremos recriar o estado desenvolvimentista conservador do século XX que resultou na oitava eco-nomia do mundo com indicadores sociais vergonhosos e liderança mundial – junto com Honduras e Serra Leoa - em padrões de concentração de renda e riqueza. O Brasil do começo do século XXI marchou noutra direção. Ainda bem! Mais uma razão para debater o papel do Estado.

REVISTA CAMPONESA - Os dados do Cen-so Agropecuário 2006 informa que a agri-cultura familiar alimenta o Brasil. Como a senhora avalia as políticas públicas para a agricultura familiar, nos últimos anos, no país? O que pode ser feito ainda para fortalecê-la?TÂNIA BACELAR - Penso que avançamos. Primeiro conceitualmente. As políticas públicas deixaram de trabalhar com o corte de “grande e pequeno” produtor e pas-saram a usar um conceito que identifica o tipo de agricultura com as relações so-ciais dominantes na unidade de produção (patronal ou familiar). Isso impede que os grandes produtores se metamorfoseiem em pequenos para capturar os benefícios orientados a eles. Outro avanço foi a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do PRONAF em pleno auge da onda liberali-zante que privatizava tudo na década final do século XX: uma conquista dos movimen-tos sociais, em especial da CONTAG e MST. No governo Lula o orçamento do PRONAF cresceu significativamente (passou de R$ 2,5 bilhões para R$ 15 bilhões na safra atual). Ainda está longe do valor do Plano

“A temática da presença do Estado na vida social ganhou importância em meio à crise”

1 Celso Monteiro Furtado (1920 - 2004) foi um economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX.

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Safra do agronegócio, mas sextuplicou em poucos anos. Além disso, outros instrumen-tos de política sinalizam apoio mais firme a esse tipo de agricultor: Seguro Safra, priori-dade em parte das compras da merenda es-colar, Programa de Aquisição de Alimentos, entre outros. Acho importante os dados do Censo Agropecuário, pois dá mais ar-gumento para defender a importância que a agricultura familiar tem no campo brasileiro. Em termos de capacidade de gerar empregos ela é imbatível, e se não fosse viável economicamente não teria o peso que tem na oferta de alimentos do país. Penso que este debate é muito im-portante para nosso futuro, pois como defendem os movimentos sociais, o Brasil crescerá seu peso como país importante na produção rural mundial, mas o projeto é: um Brasil rural com gente, e não apenas com máquinas. Gente educada e produ-tiva. Gente competente e feliz. Melhor que jogar os camponeses nas periferias urba-nas, como fizemos no século XX.

REVISTA CAMPONESA - Que lugar ocupa o semiárido numa proposta de desenvolvi-mento econômico e social do Brasil?TÂNIA BACELAR - Esta subregião deve ocu-par lugar central no debate do Brasil do século XXI: este é um grande desafio, pois como lembra o professor Aziz Ab Saber2, é o mais densamente povoado espaço semi-árido do mundo. Não é à toa que alguns propõem esvaziá-lo... Mas este não é o pro-jeto dos sertanejos nordestinos. Para que possam lá viver, algo positivo já aconteceu: o tripé básico (gado/algodão/policultura) que estruturava um modelo gerador de mi-séria e que durou séculos, ruiu... Ao desmonte, seguiu-se uma pro-posta mais consistente: montar nova estru-tura econômica que CONVIVA com o semi- árido. É uma boa diretriz. Por que gado bovino e não ovino e caprino, por exemplo? A ovinocaprinocultura é mais adequada ao quadro de escassez típico deste ecos-sistema e gera uma cadeia produtiva muito interessante. E não era valorizada porque no modelo anterior, o gado era a atividade dominante para os latifundiários da região. A caprinocultura era tida como “coisa de po-bre” e desvalorizada. Por outro lado, a caatinga está para ser estudada nas suas reais potencialidades. E o semiárido se urbanizou ao mes-mo tempo em que a pluriatividade é a marca

do mundo rural contemporâneo. O debate exige, portanto, novas propostas para a região. Especialmente agora, que a porção onde o déficit hídrico era maior vai receber as águas do São Francisco e muitas bacias vão ser perenizadas. Se foi difícil viabilizar as obras hídricas – com empreiteiras nacionais capazes de realizá-las e ávidas por serviços – mais difícil será o debate mais relevante: como será o modelo de aproveitamentos das terras boas que serão viabilizadas? Qual o espaço da agricultura familiar, por exemplo, neste mo-delo? Os produtores familiares são mais de 80% dos ocupados na zona rural da região.

REVISTA CAMPONESA - Dados da CEPLAN informam que o RN, com taxas de 3,3% ao ano, foi o estado que menos cresceu economicamente no Nordeste, de 2002 a 2007. Considerando o cenário nacional econômico e político favorável desses anos, como se explica isso?TÂNIA BACELAR - Não valorizaria tanto a taxa de crescimento da economia. O mes-mo estudo da CEPLAN mostra que o RN é o estado nordestino que tem o menor per-centual de pessoas com renda inferior a ¼ do salário mínimo (consideradas pessoas em extrema pobreza): 13,5%, um indicador bem abaixo da média regional. E no IDH o RN é o terceiro melhor estado do Nor-deste. Estes são indicadores de desenvolvi-mento melhores que o mero crescimento da produção em certo período. É melhor crescer menos, distribuindo mais, que o contrário. E uma taxa de 3,3% não é tão ruim para os padrões brasileiros do período 2002-2007, quando a economia nacional começa a retomar seu dinamismo.

REVISTA CAMPONESA - O Bolsa Família é um dos programas do atual governo que mais recebe críticas, embora, por outro lado, tenha reconhecimento internacio-nal. Qual a importância do Bolsa Família para a economia nordestina?TÂNIA BACELAR - Além de dar cobertura mínima de renda a milhões de pessoas – obrigação do Estado – o fluxo significativo de recursos captado pelo Nordeste (cerca de R$ 5,5 bi/ano, por ter mais de metade dos po-bres do país) impactou positivamente a eco-nomia regional. O “Bolsa Família” ao dinamizar o consumo popular, estimulou as economias locais de muitos municípios, especialmente dos mais pobres. Basta ver o impacto nas fei-

ras semanais, nos armazéns, nas mercearias...As críticas de parte das elites diminuíram quando tais resultados se firmaram. Mas vale lembrar que nos anos recentes, o Nordeste liderou a criação de empregos formais no país e que o aumento real significativo do salário mínimo tam-bém foi muito positivo para a região, pois temos 28% da população total do Brasil, mas temos mais de metade dos que ga-nham salário mínimo.

REVISTA CAMPONESA - Há quem diga que o modelo do capitalismo industrial se es-gotou e que a crise ecológica impõe limites estruturais a uma retomada do desenvolvi-mento nos moldes desse modelo. Aumento do consumo e condições ecológicas, am-bientais e energéticas parecem incom-patíveis. Como a senhora vê a situação?TÂNIA BACELAR - O padrão de relação sociedade x natureza que prevaleceu pós- revolução industrial está se exaurindo. Ele é ecologicamente inviável. A variável estraté-gica é a mudança no padrão de consumo (e de desperdício). As próximas gerações vão precisar aprender a ser felizes com outro padrão de consumo. Mas a mudança será lenta e dolorosa.

REVISTA CAMPONESA - Em sua opinião, qual o significado das Eleições 2010 no Bra-sil? O que está em jogo neste momento?TÂNIA BACELAR - Está em jogo a construção de um país crescentemente importante no contexto mundial e que tem escolhas estratégicas importantes a fazer. E isso é uma vantagem: poder escolher. Escolher, por exemplo, aproveitar o fato de que é uma das fronteiras mundiais de recursos naturais num ambiente internacional que está mais consciente do desafio da sustentabilidade ambiental. Aqui vai se travar uma batalha importante para a construção de um outro padrão de desenvolvimento. Outro desafio importante é o da educação. Não dá mais para postergar. Temos que discutir uma verdadeira e ne-cessária “revolução” educacional, para usar uma palavra forte. Avançamos, mas o que precisa ser feito é de outra dimensão e as forças con-servadoras são muito fortes no nosso país. O projeto delas é mesquinho, excludente: inserir apenas as partes modernas do Brasil no mundo e tratar “o resto” no máximo com políticas sociais. Mas a redemocratização do país as enfraqueceu e espero que os avanços pros-sigam. O Brasil é um dos poucos países que pode liderar um novo padrão de desenvolvi-mento que marque o século XXI: desenvolvi-mento econômico com respeito à natureza e envolvimento de todos na vida produtiva, social, cultural e política do país.

“O padrão de relação socie-dade x natureza que preva-leceu pós-revolução indus-

trial está se exaurindo”

“As próximas geraçõesvão precisar aprender a ser felizes com outro padrão de consumo”

2 Aziz Nacib Ab’Saber é geógrafo e professor uni-versitário brasileiro, considerado referência em assuntos relacio-nados ao meio ambiente.

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Conceitos novos para a realidade política brasileira

Vivemos uma crise da política de representação e um impasse teórico-político que impõem a necessidade de novos instrumentos teóricos para pensar

a política no Brasil

Em entrevista exclusiva à Revista Camponesa, o professor Durval Muniz co-menta sobre a crise da palavra “política”, o lugar das utopias e da resistência no contexto de biopolítica, a politização dos corpos, o “lulismo”, a atualidade do conceito de coronelismo na política e sua leitura sobre os projetos em disputa

nas Eleições 2010, no Brasil. E afirma: “Vivemos um impasse teórico-político porque estamos acostumados a pensar a política com instrumentos teóricos que não servem mais para pensá-la. Precisamos pensar num outro modelo, transitar para outro para-digma ou para um outro conjunto de conceitos. O impasse, quase sempre, é um mo-mento em que, na verdade, se tem várias possibilidades de caminhos e não se sabe direito qual deles tomar. Existem várias virtualidades, no momento, do que pode vir a ser a política e as pessoas não estão muito certas de qual delas seguir até porque não vai ter mais esse caminho único.” Durval Muniz de Albuquerque Junior é doutor em História pela Univer-sidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em História desta mesma Universidade, além de ser presidente da Associação Nacional de História (ANPUH). Autor dos livros: A Invenção do Nordeste e outras artes (Editora Cortez,1999); Nordestino: uma invenção do falo – uma história do gênero masculino - Nordeste, 1920/1940 (Editora Catavento, 2003); Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia (Editora Cortez, 2007); História: a arte de inventar o passado (Edusc, 2007); Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional (Bagaço, 2008).

Entrevista: Durval Muniz

REVISTA CAMPONESA - Em que medida vivemos uma crise da palavra “política”? Que crise é esta?DURVAL MUNIZ - Existe uma crise da política de representação, da ideia de que a pessoa em quem você vota te representa ou representa os interesses de uma par-cela da sociedade da qual você faz parte. Isso é notório no mundo inteiro, em todos os países há um declínio do interesse das populações pelas eleições, principalmente, naqueles países onde você não tem o voto obrigatório. Como o homem é um ser emi-nentemente político, não há uma crise da política em geral, há uma crise de uma for-ma de compreender a política que é essa da política de representação, essa política par-lamentar, das nações, dos Estados nacionais. Essa forma de compreender a política está em crise. E temos, por outro lado, o sur-gimento de outras formas de fazer política como, por exemplo, a micropolítica enquan-

to política que passa por outras instâncias não necessariamente de representação ou estatais. Existe uma política hoje que passa, em grande medida, ao largo do Estado. Você tem um crescimento de instâncias políticas fora do plano do Estado, como, por exem-plo, as próprias organizações não-governa-mentais, uma série de organizações da so-ciedade civil, movimentos sociais, que são muito importantes no mundo da política e que aumentam sua importância na medida em que cresce a decepção ou o desencanto com a política de representação.

REVISTA CAMPONESA - Temos entrado em uma nova etapa de controle biopolíti-co, onde o capital enquanto comando transcende em muito o velho marco fa-bril, resultando em uma paisagem onde alcança os interstícios da vida mesma, implantando de maneira capilar novos e modernos dispositivos de controle. O biopoder avança gerando novos espaços. Como resistir?DURVAL MUNIZ - À medida que a bio-política tem como alvo de exercício o corpo, os corpos humanos, qualquer resistência política hoje passa por uma politização dos corpos, pela recolocação do corpo no campo da política. Daí a crise da política de representação que, na verdade, é uma política onde o que é fundamental é a ima-gem, a representação, onde a política não tem corpo, é desencarnada, quer dizer, al-guém representa um corpo político que não tem rosto, uma massa que não tem corpo, que sequer sabe quem é, que vai lá, no dia

“Qualquer resistência política hoje passa por uma politização dos corpos, pela

recolocação do corpo no campo da política”

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da eleição, vota naquele outro corpo, em grande medida fabricado via propaganda, um simulacro a representar corpos que não têm efetividade, visibilidade, que nunca têm sequer sido vistos ou mobilizados. A política, cada vez mais, se encarna em corpos e rostos concretos. Então, à medi-da que o corpo se torna o grande alvo de in-vestimento do poder e do capital, a resistên-cia também passa pelos corpos, pela rebelião dos próprios corpos à docilização, à discipli-narização. A sociedade moderna foi uma so-ciedade que investiu na disciplinarização, na docilização dos corpos e a política passa por essa tentativa de submissão dos corpos, e, ao mesmo tempo, pela resistência dos corpos de se submeterem, expressa nas formas de par-ticipação direta, em corpos que não querem mais ser apenas números, não querem ser simplesmente estatísticas eleitorais, cifras, mas corpos que querem estar efetivamente presentes, cada vez mais, participando dire-tamente, como teorizam o Antonio Negri1 e o Giorgio Agamben2.

REVISTA CAMPONESA - Atualmente, pa-rece haver uma grande dificuldade de suportar o sofrimento de uma vida de sobreviventes justamente por não visua-lizarmos uma alternativa de saída deste momento de insegurança. Que lugar ocupa a utopia no momento de impasse teórico-político que vivemos?DURVAL MUNIZ - A utopia é uma forma de pensar o projeto ou o futuro político que está vinculada à política de representação. A utopia é uma imagem de uma sociedade futura perfeita. Com a crise da política de representação não tem mais lugar para essa grande representação do futuro. O futuro vem para o presente. Nosso horizonte de ex-pectativas encurtou. Temos horizontes cada vez menos largos e a urgência de agir se torna cada vez mais premente. Por exemplo, ou se age agora em relação à questão do meio ambiente ou não se vai ter horizonte nenhum daqui a pouco porque o planeta vai estar desaparecendo, a própria espécie vai estar ameaçada. Então, não há mais lugar para utopias no sentido de esperar um futu-ro perfeito, que vai se construir num grande processo. A política hoje é muito do aqui e agora, da urgência. Não digo que não haja projetos, sonhos, mas esses sonhos e projetos são muito mais a curto prazo. Têm que ser mais pragmáticos, vinculados a ações concretas imediatas, diferente de como pensavam aquelas utopias do século XIX, onde se

projetava um futuro a longo prazo, como se a humanidade tivesse um longo tempo pela frente. O que aconteceu no século XX é que nosso futuro se encurtou. A nossa perspectiva de futuro, inclusive como espécie, está cada vez menor. A corrida armamentista, as ogi-vas nucleares colocam a possibilidade de desaparecermos como espécie amanhã. O horizonte da política ficou muito curto, cada vez mais urgente, o futuro se faz ago-ra. Não se tem mais esse tempo da espera, da esperança. Vivemos um impasse teórico-político porque estamos acostumados a pensar a política com instrumentos teóricos que não servem mais para pensá-la. Pre-cisamos pensar num outro modelo, transi-tar para outro paradigma ou para um outro conjunto de conceitos. O impasse, quase sempre, é um momento em que, na verdade, se tem várias possibilidades de caminhos e não se sabe direito qual deles tomar. Existem várias virtualidades, no momento, do que pode vir a ser a política e as pessoas não estão muito certas de qual delas seguir até porque não vai ter mais esse caminho único. Vivemos uma sociedade caracterizada pela pluralidade, pela multiplicidade dos própri-os projetos. Possivelmente não teremos mais esse momento de uma utopia reinante, de uma determinada visão hegemônica, majoritária. Talvez a crise do neoliberalismo decrete justamente o fim da ideia de pensa-mento único. Os pensamentos únicos de-moram cada vez menos a se esboroar. Se o socialismo levou quase dois séculos para se esboroar como ideia, o neoliberalismo le-vou algumas décadas pra desaparecer como uma possibilidade. A velocidade do fim dos projetos globalizantes universais vai ser cada vez maior e aí vem a necessidade de projetos mais pragmáticos, menores, situa-dos. Vivemos uma política cada vez mais de projetos situados, específicos, é o que Fou-cault3 chama da crise do intelectual univer-sal e o surgimento do intelectual específico. O intelectual específico não tem resposta para os impasses do mundo, mas tem para o impasse nas negociações de paz com o Irã, na questão do desarmamento nuclear. Cada vez mais teremos intelectuais a pensar questões urgentes, situadas num determi-nado contexto, que não vão ter como refe-rência esse grande projeto universal.

REVISTA CAMPONESA - O cientista políti-co André Singer levantou recentemente a hipótese de emergência na política brasileira de um fenômeno por ele de-nominado “lulismo”, que expressaria, em suas palavras, “representação de uma fração de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”. O “lulismo” seria resultado da inclusão de milhares de pobres (subproletários) ao consumo, com programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família. A demo-cracia é reconhecida como um regime de governo que exige instituições fortes, portanto, o “lulismo”, caracterizado pela forte identificação do chamado subprole-tariado com a figura de Lula, não repre-sentaria um enfraquecimento da demo-cracia brasileira? DURVAL MUNIZ - Depende muito de como se pensa a democracia. Só o fato dessas pessoas terem sido incluídas minimamente na renda e no consumo, significa uma am-pliação da democracia brasileira porque poderão agora minimamente participar. Ex-pressar o “lulismo” já é um avanço no sentido de que essas pessoas, durante muito tempo, não expressaram absolutamente nada. Elas eram, praticamente, uma parte morta da política brasileira, simples massa de mano-bra. Eram pessoas que trocavam o voto por qualquer coisa, pessoas vilmente manipu-ladas. Só o simples fato delas aderirem a uma figura política hoje, de expressar uma posição política, já é uma mudança bastante profunda na sociedade brasileira e que tem incomodado profundamente as elites. Vê-se um incômodo geral com isso, desde entre os intelectuais passando pela grande imprensa até as forças conservadoras tradicionais do país porque essas camadas, pela primeira vez, têm opinião. Elas têm maior dificuldade de serem manipuladas por quem sempre às manipularam. A grande questão nessa eleição é: a grande imprensa e as forças con-servadoras vão conseguir manipular essas pessoas que até bem pouco tempo forma-vam sua base política? A base, por exemplo, do antigo PFL no Nordeste eram ou não essas popu-lações? Que eram compradas, manipuladas, usadas em troca de uma verba na seca, de um acesso à água. Nas últimas eleições, vi-mos a catástrofe que foi para o velho PFL, no Nordeste, porque justamente essas ca-madas aderiram a um projeto encabeçado por Lula. Então, não vejo isso como algo negativo até porque acho que Lula está longe de ser uma figura despolitizante. Se essas camadas prestam atenção no discurso dele e o ouvem, elas ganharão em politiza-ção, em aprendizado da política. O “lulismo” não é uma simples adesão cega por motivos econômicos, isso é um reducionismo. Não é

“Possivelmente não teremos mais esse momento de uma

utopia reinante, de uma determinada visão

hegemônica, majoritária”

1 Antonio Negri, também conhecido como Toni Negri, é um filósofo político italiano, que ganhou notoriedade internacional nos primeiros anos do século XXI, após o lançamento do livro Império e sua sequência, Multidão, ambos escritos em co-autoria com seu ex-aluno Michael Hardt. 2 Giorgio Agamben é um filósofo italiano, autor de várias obras, que percorrem temas que vão da estética à política. Seus trabalhos mais conhecidos incluem sua investigação sobre os conceitos de estado de exceção e homo sacer.

3 Michel Foucault (1926 - 1984) foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensa-mento no Collège de France desde 1970 a 1984.

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uma simples Bolsa Família que faz as pessoas aderirem a Lula. Lula explica o mundo e a política para essas pessoas e elas entendem. Ou seja, ele trouxe para a política brasileira uma gramática que não existia. Essas popu-lações tinham que ir para o comício ouvir o político tradicional falar em “dialética”, não sabiam nem que palavra era esta. Ficavam ouvindo um discurso que não entendiam, achando bonito, mas perplexos diante da-quilo. Lula se dirige a esta população e ela entende o que ele diz. Então, é muito reducionista o ar-gumento de que essas pessoas votam com o estômago, que essas pessoas votam sim-plesmente por causa do Bolsa Família como se votar pelo Bolsa Família não significasse, para estas pessoas, defender seus inte-resses. Por que é legítimo e democrático que o empresário vote defendendo seus interesses e não é legítimo que a pessoa que recebe o Bolsa Família vote defen-dendo o Bolsa Família? Há tanto raciona-lidade aqui, quanto racionalidade ali. São racionalidades! Se sua vida melhorou com o Pronaf, com o Bolsa Família, defender a melhora de sua vida é uma coisa racional. Não é uma coisa irracional, não é uma ame-aça à democracia, pelo contrário, é um for-talecimento da democracia porque essas pessoas, pela primeira vez, têm interesses legítimos a defender, já que durante muito tempo elas não tinham conquista alguma a defender. Elas não tinham nada.

REVISTA CAMPONESA - A cada eleição tem-se a sensação de estar votando nos administradores de um Estado que cada vez menos podem decidir sobre o que im-porta realmente para a maioria da popu-lação. Como resgatar a possibilidade de ação política fora desta lógica da disputa eleitoral de governos?DURVAL MUNIZ - Os próprios governos percebem que não conseguem administrar isoladamente. Um dos avanços do governo Lula é o fato de que o Estado brasileiro pas-sou a administrar com uma série de outros atores da sociedade civil. O que, inclusive, é muito mal visto por determinados setores conservadores, onde prevalece a ideia de que é ilegítimo e até criminoso se repassar recursos para ONGs, para os movimentos sociais. Instalou-se, inclusive, uma CPI das ONGs pra questionar esse repasse de recur-sos, coisa que sempre houve em qualquer governo. Só que as instituições para onde outros governos repassavam recursos eram outras que não essas instituições que estão recebendo os recursos atualmente, e através das quais uma parte das políticas públicas é operacionalizada. Governante nenhum tem mais a ilusão de que se faz política pública apenas com as instituições estatais. Ou você tem uma participação das instâncias da so-

ciedade civil, uma capilarização das ações, ou efetivamente a administração não acon-tece. É claro que o momento eleitoral é um momento mistificador nesse sentido porque é um momento que tende, normalmente, a colocar todas as mudanças nas costas de um candidato, a apresentar o candidato como alguém que vai ter solução para todos os problemas. Centraliza-se tudo em sua figura quando o próprio candidato sabe que não vai conseguir resolver os problemas se não tiver parcerias na sociedade civil, inclusive, na iniciativa privada. Sociedades complexas como a nossa são inadministráveis apenas pelo Estado.

REVISTA CAMPONESA - Em 2001, em artigo publicado no Jornal do Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho de-fendeu a ideia de que o coronelismo, com nova roupagem, continua presente na sociedade brasileira mesclando formas antigas de autoritarismo e arrogância com formas modernas de clientelismo e paternalismo. Olhando para o Nordeste brasileiro, o coronelismo é uma catego-ria que ajuda a compreender as relações políticas nesta região atualmente?DURVAL MUNIZ - Categorias do passado não servem para interpretar o presente. O historiador aprende que cada categoria nomeia uma situação singular, que tem um tempo. O coronelismo não é um conceito que possa ser aplicado a qualquer época. Ele foi aplicado a uma determinada forma de exercício da política, para nomear uma dada forma de como se realizavam as eleições, não podendo ser usado para qualquer épo-ca. É claro que você vai ter traços do que era o coronelismo em outras formas de exercício da política. Se formos chamar toda “política clientelística” ou “clientelismo na política” de coronelismo, vamos ter coronelismo no mundo inteiro. Isso simplesmente acaba com o conceito, pois o conceito é algo que nomeia uma realidade específica num dado contexto. Eu acho que o coronelismo, prin-cipalmente no Nordeste, é um conceito que deve ser evitado porque é um tema central na construção de uma dada ima-gem pejorativa do Nordeste. Quando se chama o Nordeste de coronelístico é para mostrar que somos uma região atrasa-da politicamente em relação às outras, como se relações clientelísticas de apa-

“Expressar o “lulismo” já é um avanço no sentido de que

essas pessoas, durante muito tempo, não expressaram

absolutamente nada”

drinhamento não existissem em qualquer lugar da sociedade brasileira. Ora, as práti-cas políticas do Nordeste contemporâneo não são distintas das práticas políticas de outras partes do Brasil e de outras par-tes do mundo. Há uma presença enorme da mídia, da propaganda, do marketing político que é um elemento fundamental na política hoje, mas a troca de favores, as relações pessoais, o nepotismo, continuam presentes porque estão em qualquer lugar. Esses são traços do exercício da política da representação, da política moderna. Não é simplesmente do coronelismo. Relações autoritárias? Se formos caracterizar o coro-nelismo pelo autoritarismo, este conceito vai servir pra conceituar qualquer ditadura do mundo ou qualquer relação de poder autoritário. Temos relações profunda-mente autoritárias na sociedade brasileira porque somos uma sociedade que carrega toda uma herança histórica de relações autoritárias. Os conceitos quando vão sendo retomados o tempo todo denotam falta de criatividade para criar categorias que ajudem a entender a política. Usa-mos conceitos antigos para caracterizar a atual realidade política brasileira, que é completamente diferente e nova. O que não significa que não existam todos esses elementos da troca de favores, da compra de votos etc. Todos esses elementos ainda existem, mas a política não se explica só por isso, não é fundamentalmente isso, hoje. O papel que a propaganda tem, que a mídia tem, o papel que a internet vai jogar nes-sas eleições é uma outra coisa, uma nova realidade da política. Precisamos é criar conceitos novos para pensar a realidade política brasileira, inclusive, no Nordeste, onde nós temos relações e práticas políticas para todos os gostos, de todos os tipos. Até porque a ideia de Nordeste como uma homogeneidade é outra coisa completamente equivocada, a forma como acontece a política na cidade do Recife não é a mesma como acontece a política em Afogados da Ingazeira, a forma como se dá a política em Fortaleza não é a mesma que se dá no Crato ou em Barbalha. Essa ideia de um Nordeste homogêneo ca-racterizado pelo coronelismo é uma coisa completamente fora de lugar.

REVISTA CAMPONESA - Em sua opinião, que importância tem as Eleições 2010 no Brasil? O que está em jogo neste momento?DURVAL MUNIZ - Na verdade existem dois projetos de Brasil em disputa, que não são projetos novos. Tem-se um projeto que vem de toda uma herança do que poderíamos chamar de nacional-desenvolvimentismo, que vem da Era Vargas e passa pelo pensa-mento cepalino. Uma certa forma de pensar

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4 Maria da Conceição de Almeida Tavares é uma economista portuguesa naturalizada brasileira, professora-titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 5 Guido Mantega é um economista de origem judaico-italiana, atualmente no cargo de ministro de estado da Fazenda do Governo Lula.

“Precisamos é criar conceitos novos para pensar a realidade

política brasileira, inclusive, no Nordeste, onde nós temos

relações e práticas políticas para todos os gostos”

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o processo histórico, o papel da economia brasileira, a inserção do país no mundo etc. Um projeto que tem sido levado adiante pelo Governo Lula e que, do ponto de vis-ta econômico, tem a ver com as reflexões defendidas por uma escola de pensadores brasileiros como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares4, que é esta ideia do nacional-desenvolvimentismo, de que se pode ter um desenvolvimento do capita-lismo no Brasil movimentado pelo próprio mercado interno que o Brasil dispõe. O que significa a necessidade de se incluir so-cialmente, cada vez mais pessoas, através do consumo, daí a ideia do Bolsa Família, dos programas de renda social, expansão do crédito. Tese sempre muito cara a Celso Furtado, alavancar o desenvolvimento do capitalismo no país fortalecendo o merca-do interno, permitindo a inserção cada vez maior de pessoas no mercado de trabalho e uma diminuição das próprias desigual-dades regionais através de políticas regio-nais compensatórias. E tem uma outra tradição, que vem do liberalismo, da Velha República, que passa pela teoria da dependência, en-cabeçada por Fernando Henrique Cardoso e companhia, que é uma outra forma de pensar a inserção do Brasil no mundo, o papel do Estado, o desenvolvimento. O que se tem por esse lado, liderado pelo PSDB e o DEM, é um projeto claramente de in-serção dependente do Brasil na globaliza-ção, pautada no pensamento neoliberal. O governo Fernando Henrique, durante oito anos, foi neoliberal e os depoimentos

que Serra tem dado deixa muito claro qual será a sua perspectiva. Está falando de es-tado monstruoso, inchado, fazendo críticas abertas à recente política externa, que foi feita no sentido do Brasil ter uma relação mais igualitária com os países do chamado Primeiro Mundo, enquanto no governo Fernando Henrique tivemos uma política externa de subserviência aos Estados Uni-dos. O governo Fernando Henrique teve a ver com o financiamento externo da eco-nomia nacional, uma dependência externa enorme, extinção de setores inteiros da in-dústria nacional em detrimento de investi-mentos internacionais a partir da ideia de competitividade, onde prevaleceu a visão de um Estado que, cada vez mais, se retira e deixa na mão da iniciativa privada a realiza-ção dos investimentos. O Governo Lula fez o contrário, o Estado passou a ter um papel fundamental, enquanto financiador e indu-tor do desenvolvimento. O que aconteceu em São Paulo nos sucessivos governos tucanos? Você tem um processo de privatização de quase todas as empresas estatais e as concessionárias privadas é que realizam a maior parte dos

serviços. São Paulo é uma vitrine do que é a política do PSDB: privatização das estradas, dos bancos. Você tem claramente o que é um projeto e o que é o outro. O PSDB diz que o Governo Lula é a continuidade do Governo Fernando Hen-rique mas é completamente diferente, não tem nada de continuidade, houve uma ruptura. Não é simples coincidência que se tem como Ministro da Fazenda um es-tudioso do pensamento de Celso Furtado. Guido Mantega5 tem como tese de douto-rado um trabalho sobre o pensamento de Celso Furtado. Na verdade o que existe aí é um modelo, que não é uma coisa nova, mas que é um modelo pensado há muito tempo na sociedade brasileira, que formou escolas de economistas no Brasil, que é a ideia do nacional-desenvolvimentismo. Estes dois projetos são encarnados atualmente pelas duas principais candida-turas. Até porque não fica muito claro qual o projeto que a candidatura de Marina Silva encarna, não se sabe o que é o PV no Brasil. O PV não tem a mínima nitidez ideológica, é um em cada estado e Marina, além de sua identificação com o pensamento ecológico, qual é a concepção mais global de país que ela teria? Acho que ela ainda vai apresentar ao longo da campanha, mas não fica muito claro o que representa.

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Educação política é essencialConhecer as regras do jogo é condição fundamental para o fortalecimento da

democracia enquanto bem cultural presente no cotidiano de nossas vidas

No Brasil, temos uma democracia ainda muito vinculada às eleições, uma demo-cracia quantitativa. A crise da política, que é mundial, relaciona-se com o dis-tanciamento dos cidadãos de seus representantes. “Os cidadãos não se sentem formalmente representados, questionando aqueles que os representam quanto

à agilidade, respostas aos problemas da vida cotidiana, efetivação de direitos etc”, afirma Humberto Dantas, em entrevista por e-mail à Revista Camponesa. Precisamos avançar na construção de uma cultura política democrática e, nesse aspecto, a educação política tem um papel fundamental no sentido de fazer as pessoas conhecerem a regra do jogo. “A pobreza vai arrefecer de forma expressiva quando as pessoas aprenderem a agir em comunidade”, diz ele. A formalidade da nossa democracia, a Reforma Política, o fim do neoliberalismo e as eleições 2010 são outros temas abordados por ele nessa entrevista. Humberto Dantas é doutor em ciência política pela USP, professor universitário desde 1999 e superintendente da Fundação Mário Covas, uma organização privada e sem vínculos partidários. Desde 2003, coordena cursos de educação política suprapartidários, tendo formado mais de 120 turmas em parcerias com organizações públicas e privadas. Organizador do livro Introdução à Política Brasileira, da Editora Paulus, com o cientista políti-co José Paulo Martins Jr. Desde dezembro de 2007, apresenta nas manhãs de sábado o programa Despertar da Cidadania na Rede Canção Nova de rádio. Conselheiro de orga-nizações como o Movimento Voto Consciente, Instituto Brasil 2022 e a Oficina Municipal.

REVISTA CAMPONESA – Em que medida vivemos uma crise da palavra “política”? Que crise é esta?HUMBERTO DANTAS – Vivemos uma crise da política em múltiplos sentidos. A democracia representativa, por exemplo, atravessa uma crise mundial. Os cidadãos não se sentem formal-mente representados, questionando aqueles que os representam quanto à agilidade, respos-tas aos problemas da vida cotidiana, efetiva-ção de direitos etc. Sentem-se distantes e a alternativa vem por meio do fortalecimento do conceito de democracia participativa, onde o cidadão é levado a ampliar sua área de atuação além das consultas eleitorais para áreas de maior interesse, que podem ser bairros, regiões ou políticas públicas específicas. No Brasil criamos diversas fer-ramentas para elevar essa participação, mas ainda estamos distantes desse reconheci-mento. Isso porque parte expressiva daquilo que temos à nossa disposição – conselhos gestores, orçamento participativo, gestão participativa entre outros – se tornaram are-nas partidarizadas ou à mercê de um grupo político específico. Isso desvenda a verda-deira crise da política em minha opinião: a falta de educação, instrução formal para o exercício da política. Legitimaremos a de-mocracia quando formos formalmente pre-parados para ela. Não podemos considerar democrático um jogo que as pessoas atuam

sem conhecer as regras. A origem da crise está associada a esse fenômeno, a esse fato.

REVISTA CAMPONESA – No Brasil, o re-gime democrático pós-ditadura militar, existente há 25 anos, é considerado um grande avanço, pois, afinal, temos re-gras e procedimentos que regulam a vida política, eleições regulares, pluriparti-darismo e eleições transparentes. Nessa perspectiva não se discute a qualidade da nossa democracia a partir de outros indicadores, por exemplo, como o grau de satisfação dos cidadãos com o regime, que lhe dá legitimação e estabilidade; o respeito dos cidadãos às regras vigen-tes e seu consequente envolvimento na política. Observando-se por este ângulo, nossa democracia não é meramente for-mal? Como fortalecê-la?HUMBERTO DANTAS – A democracia no Brasil é o que podemos chamar de uma democracia quantitativa. Ela soluciona o problema da adesão às eleições. Temos 132 milhões de eleitores num contingente infe-

rior a 200 milhões de habitantes. Ofertamos aos jovens de 16 e 17 anos a oportunidade de participar, algo raro no planeta. Desde 1985 atingimos o sufrágio universal, com a inclusão do analfabeto, e a mulher passou a participar em 1932. Isso tudo é relevante mas está associado à quantidade, e sobretu-do às formalidades da democracia represen-tativa, que tem como seu ponto máximo as eleições livres, diretas e idôneas realizadas sob os princípios do sufrágio universal. Pois bem, falta agora a segunda página dessa história, ou se preferir o lado B desse disco. Não existe teoria acerca da Democracia na história da filosofia que não a defina como algo associado à participação – que no caso representativo se dá por meio do voto – e educação ou informação. Esse viés quali-tativo deve ser contemplado nas escolas de maneira suprapartidária e formal. Meni-nos e meninas precisam saber o que é uma eleição proporcional, um pleito majoritário, para que servem os cargos que estamos preenchendo, como funcionam os poderes, quais seus direitos, o que é uma Consti-tuição e assim por diante. Isso tudo resolve parte expressiva dos seus questionamentos acerca da qualidade da democracia. Além disso, precisamos alterar, e essa educação ajuda muito, a nossa Cultura Democrática. Norberto Bobbio1 dizia que a democracia não pode ser compreendida como um gesto

“Não podemos considerar democrático um jogo que

as pessoas atuam sem conhecer as regras”

Entrevista: Humberto Dantas

Fotógrafo: Manduca Leal, set/2008

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vez menos pode decidir sobre o que im-porta realmente para a maioria da popu-lação. Como pensar a possibilidade de ação política fora desta lógica da disputa eleitoral de governos?HUMBERTO DANTAS – Precisaríamos refun-dar a democracia, mas existe um modo mais simples. Veja o caso dos empresários. Orga-nizam-se em associações, pressionam os go-vernantes, conquistam espaços relevantes. Muito do que ocorre na relação associação x poder público é legal e legítimo. Veja o caso de alguns sindicatos, que em muitos casos conseguem vitórias significativas. E o cidadão comum que não é empresário e sequer sindi-calizado? Ele precisa se organizar também, e mostrar seu peso político. O peso político, para a classe de representantes, se mede pelo potencial de votos. Assim, quanto mais parruda for uma organização, quanto mais ela demonstrar poder de associação e peso político, maior a probabilidade de a realidade ser mudada no âmbito legal existente para isso: o campo da política, do estado e dos governos. Quem não chora não mama, e isso quem afirma em seu relatório sobre democra-cia no mundo é a ONU, em 2002: a pobreza vai arrefecer de forma expressiva quando as pes-soas aprenderem a agir em comunidade, em agrupamentos. Esse é um valor novo para um mundo tão individualista e representa uma nova revolução cultural, a segunda sobre a qual tratamos aqui.

REVISTA CAMPONESA – Quais os pontos focais de uma Reforma Política no Brasil?HUMBERTO DANTAS – Vocês encontraram um cara que é contra a reforma política sob o ponto de vista institucional. Mudar regras de eleições não vai adiantar nada. Os joga-dores serão os mesmos, e pior: os torcedores serão os mesmos. Na minha opinião, a verda-deira reforma política deve partir de quatro pontos essenciais: funcionamento do Poder Judiciário, que é tão ou mais corrupto que os demais poderes; diminuição dos cargos de livre provimento no país, que só no âmbito municipal ultrapassa 1,3 milhão e representa a corrupção sob a forma de empregabilidade; estabilidade das regras eleitorais, pois nunca antes na história desse país uma eleição foi disputada estritamente sob as regras da eleição passada e; ações expressivas de edu-cação política para capacitar o eleitor acerca do jogo que ele está jogando. Se depois de tudo isso a gente perceber que o problema é o sistema tentamos melhorar alguma coisa. Por sinal, se há uma única coisa que eu en-tendo que deva mudar é a possibilidade de haver coligação em eleição proporcional e o baixo rigor com a infidelidade partidária. Somente isso.

REVISTA CAMPONESA – O sociólogo Alain Touraine, no jornal O Clarin, do

“A pobreza vai arrefecer de forma expressiva quando

as pessoas aprenderem a agir em comunidade, em

agrupamentos”

de escolha formal com data marcada. Ela deve ser compreendida como um bem cul-tural presente cotidianamente em nossas vidas. Carecemos de democracia em nossas relações profissionais, familiares, escolares, comunitárias etc. Esse desafio é mais com-plexo e demandaria cerca de um século de esforços, mas a educação política poderia impactar de forma significativa a sociedade em espaço de 30 anos, e receberia o nome de Revolução Cultural, ou como prefiro di-zer: da verdadeira Reforma Política.

REVISTA CAMPONESA – Do ponto de vista do desenvolvimento democrático, a par-ticipação conseqüente dos cidadãos é considerada essencial. Quanto mais uma pessoa participa de redes e associações, maiores as possibilidades de desenvolver virtudes cívicas que tornem palpáveis o bem coletivo. No entanto, nas últimas décadas, no Brasil, as organizações não-governamentais, importantes agentes de produção de capital social no país, têm sofrido um cerco violento do Estado. Sem a colaboração da cooperação inter-nacional e com acesso limitado aos recur-sos públicos, parece se viver o ocaso das ONGs no Brasil. Como o senhor vê as rela-ções entre Estado e ONGs no país? A que se pode atribuir o “cerco” que as ONGs vi-vem atualmente?HUMBERTO DANTAS – Não sei se consigo enxergar com absoluta clareza esse cerco de forma ilimitada. Faço parte de uma organiza-ção chamada Movimento Voto Consciente que fiscaliza cotidianamente o trabalho da Câ-mara Municipal de São Paulo e da Assembleia Legislativa do Estado. Temos um trânsito mui-to positivo na imprensa e não costumamos aliviar no conteúdo de nossas críticas. Nunca fomos processados e poucas foram as amea-ças. E olha que as causas levantadas já re-sultaram em cassação de mandato e tudo o mais. Mas sei de muitas ONG`s que sofreram os mais absurdos golpes por parte, sobretu-do, de governos locais. Essa truculência com o terceiro setor é resultado desse caráter de cultura democrática ao qual eu me referia na pergunta anterior. O ambiente democrático deve estar presente para que possamos desenvolver liberdades essenciais como aquelas ligadas à expressão, agrupamento, oferta de apoio político etc. Esses parâme-tros são expressivos para a democracia. As-sim, se uma ONG é cercada, ou cerceada, isso guarda relação com a dificuldade que a sociedade ainda tem de viver sob liber-dade e diversidade. Falta assim: tolerância. A despeito disso, devemos lembrar que a Constituição de 1988 é muito clara em seus

princípios, e a liberdade de organização é preceito fundamental em nosso país. A bri-ga em alguns é grande, mas a regra precisa ser maior.

REVISTA CAMPONESA – A discussão sobre emendas ao Orçamento Público da União é a principal atividade parlamentar de muitos deputados. Ao ponto das emendas ao Orçamento serem consideradas o com-bustível da atividade parlamentar e sua sistemática demonstra como, muitas ve-zes, o Poder Executivo age para controlar mais ou menos o Parlamento. Como fazer para resolver essa situação? HUMBERTO DANTAS – Não concordo que isso seja uma questão associada à União. Isso é a realidade dos estados e municípios também. Mas devemos lembrar o porquê desse combustível. Os municípios brasileiros vivem à míngua porque arrecadam pouco e precisam passar o chapéu em Brasília e nas Assembleias estaduais em busca de recursos extras. O que poderia ser alterado com uma reforma tributária depende da aprovação de quem mais se beneficia desse gesto: os depu-tados. A sobrevivência desses despachantes de territórios está pautada numa troca muito clara: eu lhe arrumo dinheiro para suas obras e você me arruma prestígio político e votos. Na época das eleições é nas bases pelas quais lutou que os deputados pedirão voto com o apoio do prefeito. Dois anos depois, ou ele é candidato, ou vai prestar seu apoio ao can-didato de plantão que lhe manterá as portas abertas. Onde está o interesse em melhorar alguma coisa se o ciclo político está fechado? O grande problema é que nesses casos a política deixa de ser a arena da consolidação de direitos sob o formato de políticas públi-cas para se transformar na seara dos favores, das gentilezas, das trocas e da perpetuação das desgraças sociais. A forma mais clara de acabar com esse jogo é ofertando poder ao cidadão por meio de educação. O tema pode se tornar repetitivo, mas sem a educação a gente estaria tentando verificar como colher frutas melhores de uma bela árvore que não tem raiz. A instrução é a base de qualquer ação em benefício da democracia, pois essa informação é quesito essencial à consolida-ção do conceito.

REVISTA CAMPONESA – A cada eleição tem-se a sensação de estar votando nos administradores de um Estado que cada

1 Norberto Bobbio (1909 - 2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político e senador vitalício italiano. A mais recente bibliografia dos seus escritos enumera 2025 títulos entre obras de ensaio, direito, ética, filosofia, peças de comentário político.

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dia 31/05/2010, sobre a crise europeia, afirma: “a Europa deve se voltar para o mundo e recuperar a influência que seus próprios erros a fizeram perder. Esta nova etapa de construção euro-peia tropeça apenas em um obstáculo: o neoliberalismo, cujos centros estiveram e estão nos Estados Unidos e no Reino Unido. Países que lhe tiraram toda auto-ridade e a transferiram para os bancos, cujo poder sobre as empresas aumenta.” A recente crise do euro e a crise finan-ceira internacional de 2007 são sinais de que o neoliberalismo está chegando ao fim? Estamos diante do surgimento de um capitalismo mais regulamentado pelo Estado?HUMBERTO DANTAS – O capitalismo regu-lamentado pelo Estado, na minha opinião, foi um golpe do setor privado que notou que esses estados estavam muito capi-talizados. O capitalismo gosta da máxima de que dinheiro foi feito para circular, e quando esse dinheiro está concentrado em grandes reservas estatais ele perde parte do sentido. Assim, crises podem auxiliar para a mudança dessa tendência. Além dis-so, não acredito em fim do neoliberalismo, e entendo que esse papel forte dos estados pode um dia esmorecer.

REVISTA CAMPONESA – Em sua opinião, que importância tem as Eleições 2010 no Brasil? O que está em jogo neste momento?HUMBERTO DANTAS – Está em jogo a con-solidação da democracia, o quanto estamos verdadeiramente preparados para enfren-tar um processo eleitoral onde as partes envolvidas têm reais condições de ocupar o poder. O grande problema é que até aqui não passamos nesse teste. Os governantes preferem ultrapassar as leis, legitimando a vitória a qualquer preço. Os exageros da situação e da oposição em gestos que ante-cipam as eleições são aviltantes. Precisamos tomar vergonha na cara, isso aqui é um país

que sonha em ser democrático, e os gestos dos dois principais concorrentes não estão contribuindo para tais valores. Outra coisa relevante e que, nesse caso, pode auxiliar muito o país: PT e PSDB, com uma ajuda do PV, estão começando a notar que não existe governo BOM com a presença dos velhos partidos parasitas. Se olharmos para os últi-mos 25 anos, veremos que algumas legen-das nunca largaram o poder a despeito de quem estivesse ocupando o Palácio do Pla-nalto. E pior: uma dessas legendas é gigante e tem peso absoluto na governabilidade. Se a prática do governismo for levada adiante nessa nação, continuaremos gastando muita energia para andar meio metro por ano no sentido da democracia e da BOA política, ou da governança. Entendo que seja o momento de PT e PSDB conversarem um pouco mais e criarem uma agenda positiva de temas co-muns. Olhar para os oito anos de FHC e para os sete anos de LULA nos permite ver que es-ses dois grupos têm valores comuns que só não são levados adiante com maior ênfase porque ambos têm condições, na qualidade de adversários, de governar. A política preci-sa ser mais colaborativa, mas isso é sonho de gente que acredita em um plano maior que não contabiliza a mediocridade de alguns poucos parasitas.

“Olhar para os oito anos de FHC e para os sete anos de LULA nos permite ver que esses dois grupos têm va-

lores comuns que só não são levados adiante com maior ênfase porque ambos têm

condições, na qualidade de adversários, de governar”

Calendário das Feiras Agroecológicase de Economia Solidária dos

Núcleos da Rede Xique Xique:

Rede de Comercialização Solidária Xique XiqueRua Mário Negócio, 158A- Centro

Mossoró-RN- Cep: 59610-080Fone: (084) 3316-1315

e-mail: [email protected]

Governador Dix Sept Rosado - Domingo Tibau - Domingo Baraúna - Domingo São Miguel do Gostoso - Segunda-feira Janduís - Segunda-feira Apodi - Sábado Mossoró - SábadoSerra do Mel - Segunda-feira Messias Targino - Domingo

Rede

de ComercializaçãoSolidária

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Está em jogo o debate sobre o futuro do Brasil

A economia brasileira precisa se transformar em uma economia competitiva de baixo carbono

As Eleições de 2010, no Brasil, configuram-se em momento privilegiado para se fazer o de-bate sobre o futuro do país. É a

opinião de Sérgio Abranches, em entre-vista concedida por e-mail à Revista Cam-ponesa, onde trata de questões relativas à reforma do Código Florestal, a crise da política e as bases da eco-política, o “lu-lismo” e o desenvolvimento sustentável. Abranches considera que o “Brasil tem que superar o jogo de personalidades e as idiossincrasias partidárias do passado, e construir uma aliança progressista com visão de futuro”. Sérgio Abranches é PhD em Ciência Política pela Universidade Cor-nell, em Nova York, e professor visitante do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ). Atua também como editor do blog Ecopolítica e como comentarista da rádio CBN.

Entrevista: Sérgio Abranches

REVISTA CAMPONESA – O que está em jogo na proposta de reforma do Código Florestal em discussão no Congresso Na-cional? Que interesses se confrontam?SÉRGIO ABRANCHES – A busca de mudança no Código Florestal é uma ação unilateral de setores ligados às atividades agropecuárias mais atrasadas, que jamais respeitaram a le-gislação que regulamenta as áreas de preser-vação permanente (APPs) e a reserva legal de biodiversidade. Não é que o Código não comporte mudanças para ser atualizado. O problema é que a proposta de mudança apenas reduz as áreas de proteção e anistia os que estão em situação ilegal. O risco é au-mentar o desmatamento e colocar em perigo os mananciais. Na verdade, as APPs são parte da boa agricultura. O confronto é entre todos os que defendem uma agricultura sustentá-vel e competitiva e o valor da biodiversidade e os setores atrasados do campo.

REVISTA CAMPONESA – Em que medida vivemos uma crise da palavra “política”? Que crise é esta?

SÉRGIO ABRANCHES – Não creio que este-jamos vivendo uma crise da política. Estamos vivendo, no mundo todo, uma transição que nos levará a uma democracia diferente, que se aproveite melhor das novas tecnologias de comunicação e interação. No caso do Brasil, essa transição tem características próprias porque nossa democracia ainda não preser-va traços da semi-democracia populista que marcou a América Latina no período anterior aos golpes militares. Ainda mantemos traços do populismo e do mandonismo local.

REVISTA CAMPONESA – Quais são as bases de sustentação de uma eco-política?SÉRGIO ABRANCHES – A eco-política é um modelo emergente de gestão que tem sus-tentação em setores também emergentes da sociedade, mais conscientes do desafio climático que marcará as próximas décadas do século XXI. Setores que estão ligados àquelas atividades que já são de baixo car-bono ou que podem se beneficiar de uma rápida conversão e os setores novos que sur-gem da demanda por sequestro de carbono ou alternativas de baixo carbono. Além disso, os setores emergentes da classe média que aderem ao consumo consciente.

REVISTA CAMPONESA – O cientista políti-co André Singer levantou recentemente a hipótese de emergência na política brasileira de um fenômeno por ele de-nominado “lulismo”, que expressaria, em suas palavras, “representação de uma fra-ção de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”. O “lu-

“Estamos vivendo, no mundo todo, uma transição que nos

levará a uma democracia diferente, que se aproveite melhor das novas tecnolo-

gias de comunicação e interação”

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lismo” seria resultado da inclusão de mi-lhares de pobres (subproletários) ao con-sumo, com programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família. A democracia é reconhecida como um regime de governo que exige instituições fortes, portanto, o “lulismo”, caracterizado pela forte identi-ficação do chamado subproletariado com a figura de Lula, não representaria um en-fraquecimento da democracia brasileira? SÉRGIO ABRANCHES – Eu não consigo seguir essa linha de interpretação. Não creio que análises baseadas na teoria de classes própria ao capitalismo da revolução industrial e do primeiro terço do século XX consigam captar adequadamente o jogo de forças do capitalismo contemporâneo, maduro ou emergente. Eu vejo o “lulismo” como uma forma atualizada, “aggiornata” do populismo e do caudilhismo latino-america-no. Um “neopopulismo”. Inclusive na aliança com o capital industrial e comercial, que ca-racterizou o nacional-desenvolvimentismo populista. O resultado é, sem dúvida al-guma, de qualquer modo, uma movimento político que é incompatível com instituições democráticas fortes.

REVISTA CAMPONESA – A questão ambi-ental está no centro dos debates políti-cos no mundo contemporâneo. No Brasil, há uma tendência forte em se opor meio ambiente e desenvolvimento mesmo com o advento do conceito de “desen-volvimento sustentável”. Em nome do crescimento econômico, as políticas de preservação ambiental muitas vezes são deixadas de lado. Se é desenvolvimento, tem como ser sustentável? Há como fa-zer essa combinação?SÉRGIO ABRANCHES – O Brasil está entre os poucos países do mundo desenvolvido e do mundo emergente que tem condições de transitar para um modelo de desenvolvimen-to sustentável nos padrões que serão impos-tos pela própria realidade física ao longo do século XXI. Seria a grande chance do Brasil de dar um grande salto quantitativo e qualitati-

“Eu vejo o “lulismo” como uma forma atualizada,

“aggiornata” do populismo e do caudilhismo latino-

americano”

“Essa transformação da economia brasileira em

uma economia competitiva de baixo carbono está ao

nosso alcance e nos projeta-ria como uma das potências

econômicas verdes do século XXI”

vo. A sustentabilidade atualmente é determi-nada pela exigência climática de desenvolver atividades de baixo carbono. O Brasil poderia desenvolver em seus três principais biomas - Amazônico, Cerrado e Mata Atlântica - pólos bioindustriais de ponta capazes de ofertar materiais, fármacos, combustíveis e nutrien-tes de baixo carbono. Paralelamente, poderia desenvolver uma matriz energética limpa, baseada em boas hidrelétricas - de baixa emissão de metano - biomassa, eólica, solar e maremotriz. Finalmente, dotar o país de uma logística sustentável, com transportes coleti-vos urbanos elétricos, e transportes de carga a longa distância ferroviário, aquaviário e por navegação de cabotagem. Essa transforma-ção da economia brasileira em uma econo-mia competitiva de baixo carbono está ao nosso alcance e nos projetaria como uma das potências econômicas verdes do século XXI.

REVISTA CAMPONESA – O sociólogo Alain Touraine, no jornal O Clarin, do dia 31/05/2010, sobre a crise europeia, afirma: “a Europa deve se voltar para o mundo e recuperar a influência que seus próprios erros a fizeram perder. Esta nova etapa de construção europeia tropeça apenas em um obstáculo: o neoliberalis-mo, cujos centros estiveram e estão nos Estados Unidos e no Reino Unido. Países que lhe tiraram toda autoridade e a trans-feriram para os bancos, cujo poder sobre as empresas aumenta.” A recente crise do euro e a crise financeira internacional de 2007 são sinais de que o neoliberalismo está chegando ao fim? Estamos diante do surgimento de um capitalismo mais regu-lamentado pelo Estado?SÉRGIO ABRANCHES – Certamente vamos caminhar para um modelo de capitalismo regulado e com maior orientação social, no sentido de maior transparência e maior po-der do consumidor. As características desse modelo já estão emergindo na Europa, nos EUA e até mesmo por aqui. As exigências crescentes de governança responsável e transparente das empresas, o imperativo de metas de emissões nacionais e empresariais mensuráveis, reportáveis e verificáveis faz parte desse movimento. O capitalismo pas-sará por uma transformação tanto na relação entre mercado e estado, quanto na gover-nança das grandes empresas privadas.

REVISTA CAMPONESA – As eleições 2010

para presidente da República parecem marcadas por um debate inevitável em torno do que foram os governos FHC e Lula. Em sua opinião, o governo Lula re-presenta uma ruptura ou continuidade do governo FHC?SÉRGIO ABRANCHES – Pode até ser que a dinâmica política imponha um debate sobre esses governos. Será uma marca de nosso atraso político. Ambos são governos marca-dos por políticas superadas, que foram inca-pazes de entender os desafios dos século XXI. Não houve ruptura entre eles. Cada um deles respondeu a necessidades e passivos de nos-sa história. Mas agora precisamos abandonar o retrovisor e ter um olhar de longo prazo. Um olhar de longo prazo aponta para duas questões fundamentais: educação de quali-dade - nosso déficit fundamental - e uma economia de baixo carbono.

REVISTA CAMPONESA – Em sua opinião, que importância tem as Eleições 2010 no Brasil? O que está em jogo neste momento?SÉRGIO ABRANCHES – Eleição é sempre importante. É um teste democrático. No mo-mento o que está em jogo é saber se haverá um debate sobre o futuro do Brasil ou uma campanha narcisista em torno da perso-nalidade do presidente Lula em confronto com a gestão FHC. O Brasil tem que superar o jogo de personalidades e as idiossincra-sias partidárias do passado e construir uma aliança progressista com visão de futuro. Uma aliança que permita superar nossas persistentes vulnerabilidades na educação, nas relações de gênero e na discriminação racial e aproveitar nossas claras vantagens para dar o salto de qualidade no desenvolvi-mento. Volto a dizer nós podemos ser uma das primeiras sociedades a entrar realmente no modelo socioeconômico sustentável do século XXI.

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Mudança com predominância de elementos de continuidade

A política brasileira tem experimentado, ao longo dos anos, uma lógica de transformação passiva

As profundas transformações da sociedade capitalista no mundo contemporâneo, que repercute nas instituições políticas; o en-

fraquecimento dos movimentos sociais e a necessidade de se investir na organiza-ção política e social das massas popula-res; o caráter das mudanças na política brasileira; a disputa eleitoral no RN e a tensão existente entre, de um lado, o agronegócio e, do outro, os movimentos sociais do campo e o movimento ambi-entalista no quadro político brasileiro são alguns dos temas aprofundados nessa conversa com João Emanuel Evangelista. Doutor em Ciências da Comu-nicação pela Universidade de São Paulo (USP), João Emanuel Evangelista é profes-sor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Pró-Reitor de Planeja-mento desta mesma Universidade. Entre outros, publicou os livros: Crise do Mar-xismo e Irracionalismo Pós-Moderno, Ed. Cortez, 2002 e Teoria social pós-moderna: introdução crítica, Editora Sulina, 2007.

Entrevista: João Emanuel Evangelista

REVISTA CAMPONESA – Existe uma crise da palavra “política”? Que crise é esta?JOÃO EMANUEL – A política, como todas as outras dimensões da sociedade capita-lista experimentou transformações internas e sofreu reestruturação nas suas relações com as demais esferas. O capitalismo, nas últimas três décadas do final do século XX, passou por uma reestruturação sistêmica que modificou profundamente suas estrutu-ras econômica, social e política, e houve uma repercussão dessas transformações sobre o espaço da política, sobre os atores políticos que caracterizaram o cenário praticamente desde o início da Revolução Industrial até agora. A base para isso foi uma profunda re-estruturação na base técnica do capitalismo, com o advento da revolução informacional que universalizou as tecnologias de comu-nicação e informação e criou, pela primeira vez, a base técnica para que o capitalismo

se tornasse efetivamente um sistema mun-dial de produção de mercadorias. Com isso, produziu-se uma nova dimensão de tempo e de espaço global que abalou as estruturas de tempo e de espaço dos atores políticos, que historicamente foram muito importantes ao longo da história do capitalismo. Os movi-mentos sociais, as classes sociais, os parti-dos políticos, as instituições políticas todas, atuavam e atuam no âmbito nacional e lo-cal e não conseguem mais responder a essa

nova configuração, em escala planetária, do capitalismo. O capitalismo se mundializou, mas a esfera da política, os atores políticos, as instituições políticas continuaram finca-das no Estado-Nação e isso criou uma crise que repercute nas perspectivas que hoje se tem de mudanças e transformações sociais. Quem são os sujeitos contemporâneos de uma transformação social? Eu diria que, atu-almente, diante dessas transformações, as forças emancipatórias estão diante de um impasse porque não conseguem encontrar mecanismos para atuar nessa nova configu-ração do capitalismo.

A CRISE É DAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS Portanto, não se tem uma crise da política, mas uma crise das instituições políticas, dos partidos políticos, das classes sociais e dos movimentos sociais que eram protagonistas fundamentais da política mo-

“As forças emancipatórias estão diante de um impasse

porque não conseguem encontrar mecanismos para atuar nessa nova configura-

ção do capitalismo”

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“Os chamados novos movimentos sociais plu-ralizaram de forma muito intensa a sociedade civil e a representação política, e isso não foi acompanhado de uma adequada reflexão teórica que acompanhasse

essa nova realidade”

“A força política de Lula de-riva, em grande medida, da sua capacidade de dialogar

e produzir alto nível de iden-tificação com esses segmen-tos que são majoritários no Brasil, e são politicamente desorganizados, estão na

informalidade ou excluídos socialmente”

derna. Isso não significa dizer que tenhamos o fim das classes sociais, dos movimentos sociais, dos partidos políticos. O fato é que as instituições políticas não foram gestadas para atuar nessa nova ambiência criada pelo capitalismo mundial, que exige uma nova sociedade civil mundial, uma nova esfera pública mundial, na qual os sujeitos sociais e os atores políticos possam desenvolver e dis-putar efetivamente a direção e a hegemonia dos processos sociais. É nesse contexto que fica também evidente uma crise da represen-tação política e uma erosão da legitimidade da democracia representativa como forma de responder aos problemas cotidianos. É curioso que isso aconteça agora porque, já no século XIX, os trabalhadores se coloca-vam a questão de uma instância de articula-ção política que tivesse uma ação para além das fronteiras nacionais, uma internacional. Naquele momento, as potencialidades de mundialização do capitalismo ainda eram muito limitadas. Hoje se faz necessária uma nova internacional, num novo contexto, em que as questões da emancipação social e do projeto de uma nova sociedade não-capita-lista, uma sociedade onde a lógica mercantil não organize as relações sociais, na verdade, estão a desafiar todas as forças políticas e so-ciais comprometidas direta ou indiretamente com a contestação e a resistência à domina-ção capitalista.

REVISTA CAMPONESA – No Brasil, entre di-versos analistas, prevalece a ideia de que os movimentos sociais estão “acuados”, “fragmentados” e “enfraquecidos”. Em sua compreensão, qual o impasse dos movi-mentos sociais? JOÃO EMANUEL – Essa transformação es-trutural do capitalismo, a que fiz referência anteriormente, foi antecipada por alguns acontecimentos que já apontavam para uma mudança no cenário político e social do capi-talismo contemporâneo. A partir dos anos 60 do século passado, surgem novos movi-mentos sociais que deslocam o movimento operário e os partidos a ele vinculados do protagonismo político. Ou seja, é como se as forças sociais se fragmentassem, surgissem

novas demandas sociais, uma nova agenda com as questões relativas ao meio ambiente, igualdade do sexo, questões étnicas, questão da paz, etc. Surge um conjunto de novas de-mandas que vão tomando corpo nos anos 60 e, nos anos 80, vão fazer com que a política da identidade substitua em importância a política de classe, que caracterizava, por exemplo, os movimentos sociais do final do século XIX e a maior parte do século XX. Os chamados novos movimentos sociais plura-lizaram de forma muito intensa a sociedade civil e a representação política, e isso não foi acompanhado de uma adequada reflexão teórica. Em especial porque o pensamento marxista, que mais expressava a luta eman-cipatória, estava centrado, muitas vezes de forma conservadora, na análise das relações capital e trabalho e na ideia de que a classe operária industrial era o sujeito que sofria di-retamente a exploração e, portanto, tinha as condições de organizar uma resistência, uma luta pela transformação social. Houve, então, um atraso da reflexão da esquerda na análise dessas mudanças. As mudanças aconteceram e o pensamento teórico e político ficaram de-fasados. Isso criou uma espécie de acefalia política e intelectual no processo de reposi-cionamento dos atores políticos e sociais do mundo contemporâneo.

A SITUAÇÃO NO BRASIL Ao lado disso, no Brasil, houve um processo particular. Os movimentos sociais tiveram um papel importante durante a dita-dura militar e um protagonismo fundamental para o processo de transição para a democra-cia. Essa energia cívica animou os movimen-tos sociais até meados dos anos 80. Contudo, com o neoliberalismo como novo ideário hegemônico mundial, nos anos 90, o Estado passa a desenvolver ações de cooptação sele-tiva dos movimentos sociais ao transferir para o mercado funções que anteriormente eram funções estatais, estimulando o que podemos chamar de “onguização” dos movimentos so-ciais. Esse processo terminou fazendo com que os interesses particulares se sobrepuses-sem aos interesses universais e aí se tem, real-mente, uma redução da importância do papel político com a fragmentação de interesses e das lutas dos movimentos sociais a partir dos anos 90. Poucos são os movimentos sociais que continuaram a ter uma agenda universal ou uma agenda que tivesse interesses para além dos seus interesses imediatos. Eu diria que o único movimento que resistiu a esse processo de “onguização” foi o MST. E não por acaso é o MST que sofre o recente processo de demonização ou “crimininalização” pelo pen-samento conservador, tendo a grande mídia como seu principal porta-voz. Particularmente no Brasil, o MST é o único bastião de resistên-cia a esse processo de cooptação através do Estado, que vigorou durante o chamado neo-

liberalismo. É isso que faz com que os movi-mentos sociais pareçam “acuados”, “fragmen-tados”, “enfraquecidos”. Hoje temos outro desenho do pon-to de vista do horizonte político e é possível pensar na constituição de uma nova ordem social mundial, algo que estava completa-mente fora da discussão e fora da percepção política dos anos 90. Com o surgimento do Fórum Social Mundial há um embrião de uma nova forma de articulação e interação entre os movimentos sociais que pode ser um ponto de partida para criação de respostas mais adequadas a essas transformações sistêmicas. Para tanto, faz-se necessário a superação da fragmentação política ainda dominante e a construção de um projeto universalizante, com objetivos contra-hegemônicos, pelas for-ças sociais e políticas subalternas e populares. Os movimentos sociais continuam a ter uma importância fundamental, mas, para que eles recuperem o protagonismo político e social, é preciso que haja uma compreensão adequada das transformações sistêmicas do capitalismo mundial na atualidade.

REVISTA CAMPONESA – O cientista políti-co André Singer levantou recentemente a hipótese de emergência na política brasileira de um fenômeno por ele de-nominado “lulismo”, que expressaria, em suas palavras, “representação de uma fra-ção de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”. O “lu-lismo” seria resultado da inclusão de mi-lhares de pobres (subproletários) ao con-sumo, com programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família. A democracia é reconhecida como um regime de governo que exige instituições fortes, portanto, o “lulismo”, caracterizado pela forte identi-ficação do chamado subproletariado com a figura de Lula, não representaria um en-fraquecimento da democracia brasileira? JOÃO EMANUEL – Na verdade, André Singer detecta um fenômeno importante na políti-ca brasileira atual, que é reflexo da perda da ação universalista que a “onguização” provo-

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cou, tendo como conseqüência uma espécie de reversão particularista na organização da sociedade civil. O Brasil tem uma particulari-dade histórica paradoxal. A esquerda chegou ao poder, através da eleição de Lula em 2002, num contexto político em que as suas bases sociais não conseguem mais responder ativa-mente a um processo de lutas mais universais. A ascensão do PT e de Lula na política insti-tucional não foi acompanhada da capacidade de mobilização social que lhe desse condições imediatas para propor e adotar um projeto radical de transformações sociais. É como se houvesse uma espécie de atraso no tempo histórico entre as forças políticas e as forças sociais, como se o movi-mento da política se autonomizasse e não mais refletisse a realidade social que anteri-ormente lhe produziu e originou. Nos anos 90, a reestruturação produtiva resultou em grandes mudanças nos processos de trabalho, acompanhadas de muitas formas de precarização do traba-lho e redução de direitos dos trabalhadores, num contexto de hegemonia neoliberal que fragilizou as formas de ação coletivas e fo-mentou as perspectivas individualistas de solução dos problemas cotidianos. Muitas categorias de trabalhadores foram drastica-mente reduzidas ou quase desapareceram. O mundo do trabalho sofreu uma transfor-mação radical e os sindicatos diminuíram sua capacidade de luta e sua força política como instrumento de mobilização social. Então, isso criou uma situação curiosa: é como se Lula não fosse mais um representante orgâni-co da classe operária no Brasil porque a classe operária sofreu um processo de redução, de reestruturação e fragmentação através da reestruturação produtiva. A representação política perdeu sua base social original, com as mudanças sofridas pelo mundo do trabalho e o “encolhimento” social dos trabalhadores no setor produtivo moderno. Lula precisava, então, de uma nova base social, pois, afinal, a representação política não pode deixar de ex-pressar algum tipo de vínculo com as classes e/ou as frações de classes e seus respectivos interesses sociais. A força política de Lula de-riva, em grande medida, da sua capacidade de dialogar e produzir alto nível de identificação com esses segmentos que são majoritários no Brasil, e são politicamente desorganizados, estão na informalidade ou excluídos social-mente. Como esses segmentos sociais nunca tiveram uma intermediação mais consistente das organizações sociais e políticas, esse es-paço passou a ser ocupado por Lula, criando uma nova relação entre uma liderança política de origem popular e sindical com as grandes massas desorganizadas do mundo urbano e do mundo rural do Brasil. Tem-se um novo quadro político que poderá suscitar problemas orgânicos no fu-turo. Ou seja, a relação de Lula com essas mas-

sas não tem necessariamente uma mediação institucional. É uma relação de mediação neo-carismática. Lula tem uma espécie de carisma político que cria um laço de empatia entre ele e essas massas desorganizadas do campo e da cidade. Isso, eventualmente, produziu um movimento positivo na sociedade brasileira porque a liderança está no campo democráti-co e de esquerda, mas poderia ter produzido um movimento completamente negativo caso a liderança fosse conservadora.

LULA FALA A LINGUAGEM DAS MASSAS Isso cria uma relação nova, mas cria também um problema novo. O populismo, nos anos 50 e 60, era um fenômeno basica-mente urbano, envolvendo as massas recém egressas do mundo rural, sem direitos e, por-tanto, ingressam no mundo urbano e passam a desfrutar de alguns direitos sociais e expe-rimentar novas condições sociais de existên-cia. O “lulismo” é um fenômeno distinto que acontece num contexto diferente, em que o processo de urbanização se generaliza e a modernização capitalista seletiva e excluden-te produz seus efeitos de precarização social em escala ampliada, sobretudo nas regiões metropolitanas. Ao mesmo tempo, o avanço dos meios de comunicação de massas, espe-cialmente a televisão, permitiu um nível de difusão das informações que permite e faci-lita a integração nacional. Na verdade, esses segmentos se identificam com uma liderança que consegue se comunicar a partir de uma linguagem que lhe é comum. Essa é outra característica importante do que estamos vi-vendo no Brasil. É a primeira vez que um líder político fala a linguagem das próprias mas-sas. Essa identidade cultural termina sendo reforçada pelas políticas públicas que fazem com que as condições de vida dessas massas comecem a sofrer mudanças e melhorias que elas não experimentaram ao longo de toda sua existência. Isso reforça essa identificação.

A questão é: quem vai substituir essa relação de Lula com as massas populares? Mesmo com a continuidade de governo, dificilmente Dilma Roussef teria condições, inclusive cul-turais, para alimentar e dar continuidade a esse nível de identidade com essas massas. O que será a sociedade brasileira numa situa-ção pós-Lula?

A DESFIGURAÇÃO DO PROJETO ORIGINAL DO “FOME ZERO” As políticas sociais de combate à pobreza foram desfiguradas no projeto origi-nal do Fome Zero, que era um modelo que es-timularia e geraria uma organização da socie-dade civil local. Isso teria criado as condições para dar organicidade a essas massas e fazer com que suas demandas tivessem uma ca-nalização institucional. Em decorrência das características do nosso sistema partidário e eleitoral, o partido político que vence as eleições presidenciais (e as demais eleições executivas) nunca ou quase nunca obtém maioria parlamentar, obrigando-o a formar um governo de coalização com os partidos com representação no congresso nacional. No caso do governo Lula, como o governo não tinha maioria parlamentar, teve que fazer uma coalizão com a participação do PMDB, que é o partido que detém o maior número de prefeituras. Com isso, os prefeitos conseguiram evitar a constituição de conse-lhos locais autônomos que teriam a respon-sabilidade pela execução das políticas sociais do governo federal e continuaram a manter um controle relativo sobre quem teria acesso a essas políticas sociais em cada município. Des-montou-se, assim, o mecanismo que poderia ter permitido a disseminação do associati-vismo autônomo na maioria das pequenas e médias cidades brasileiras. Uma das principais tarefas políticas que se tem pela frente é fazer com que esses segmentos tenham o maior nível de organização possível para que não fiquem a mercê de alguma aventura populista de caráter conservador no Brasil. Há, porém, outros elementos que devem ser considerados. A política econômica e as políticas sociais do governo Lula, com destaque para a elevação do salário mínimo e o programa Bolsa Família, possibilitaram um significativo crescimento da economia e a ascensão social de expressivos segmen-tos da sociedade brasileira. Houve redução das desigualdades sociais e a incorporação de milhões de brasileiros a novos padrões de consumo. Isso implica em novos padrões de organização e inserção sociais que, jun-tamente, com a disseminação de uma nova cultura política baseada na consciência dos di-reitos de cidadania, impulsiona o movimento de associativismo, organização da sociedade civil e práticas de cidadania ativa na sociedade brasileira. Se houver continuidade e apro-fundamento do atual modelo de desenvolvi-

“A política econômica e as políticas sociais do governo Lula, com destaque para a

elevação do salário mínimo e o programa Bolsa Família, possibilitaram um significa-tivo crescimento da econo-mia e a ascensão social de expressivos segmentos da

sociedade brasileira”

“A questão é: quem vai subs-tituir essa relação de Lula

com as massas populares?”

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mento econômico e social, há grandes pos-sibilidades para a superação das condições sociais que deram origem ao fenômeno do “lulismo” e, ao mesmo tempo, para a consoli-dação da democracia na sociedade brasileira.

REVISTA CAMPONESA – As eleições 2010 para presidente da República parecem marcadas por um debate inevitável em torno do que foram os governos FHC e Lula. Em sua opinião, o governo Lula re-presenta uma ruptura ou continuidade do governo FHC? JOÃO EMANUEL – A política brasileira, in-cluindo o governo Lula, pode ser caracte-rizada pelo fenômeno que Antonio Gramsci, teórico italiano, denominou de “Revolução Passiva”. As mudanças acontecem com a pre-dominância dos elementos de continuidade. Isso tem marcado a política brasileira desde o Império. No Brasil, não experimentamos, em nenhum momento da história, transfor-mações radicais de caráter revolucionário clássico. Quem faz a nossa Independência é um português (D. Pedro I). Quem proclama a República é uma pessoa da intimidade do Imperador (Marechal Deodoro da Fonseca). Quem cria as bases da industrialização e da revolução burguesa no Brasil é um oligarca regional (Getúlio Vargas). Durante a ditadura de Getúlio Vargas, quem conduz a redemo-cratização é um militar ligado ao regime getulista (Marechal Dutra). O único momento em que se configuraram os elementos ca-racterísticos de uma ruptura de caráter revo-lucionário mais clássico foi o período pré-64, crise política cujo desfecho foi uma contra-revolução executada pelo golpe civil-militar e pelo regime militar em 1964. Mas essa lógica de transformação passiva da política brasileira continuou durante o regime mili-tar e a transição democrática. Quem liderou a transição, o primeiro presidente civil eleito foi o ex-presidente do partido de sustentação da ditadura militar, na época, ARENA e, de-pois, PDS. Então, essa é a lógica que orienta a política brasileira. O contexto social da eleição de Lula é de erosão radical do mundo do trabalho e de fragmentação e retrocesso na capacidade de organização e mobilização dos movimen-tos sociais. O governo Lula não poderia fazer um enfrentamento radical ao neoliberalismo e nunca pretendeu ser um governo de es-querda. Há um elemento de continuidade que está claro desde a composição da aliança para disputar as eleições, com a indicação do

empresário José Alencar para ser o candidato a vice-presidente. A Carta aos Brasileiros diz, claramente, que todos os acordos serão cum-pridos e que o projeto do novo governo é criar as bases de um capitalismo de consumo de massas no Brasil. O governo Lula é um governo de compromisso, composto por for-ças heterogêneas e contraditórias. As políti-cas para o campo deixam isso bem claro. As políticas governamentais contemplam os in-teresses do agronegócio e, ao mesmo tempo, os interesses da agricultura familiar numa in-tensidade nunca vista. A grande competência política do Lula foi dar, gradativamente, uma nova feição ao governo, fazendo com que os elementos de descontinuidade e de mu-dança fossem ganhando corpo e densidade. No segundo governo de Lula, as mudanças são mais claras do que no primeiro. Mas isso tem sido feito através de um processo nego-ciado em que nunca enfrenta e se contrapõe claramente aos interesses que antes condu-ziam as políticas econômicas e governamen-tais no governo Fernando Henrique. Tem-se, hoje, um governo que não é neoliberal, mas que mantém uma política econômica mo-netarista, ao mesmo tempo em que resta-belece a capacidade do Estado como indutor do processo de desenvolvimento econômico, um governo que, cada vez mais, consolida as políticas públicas e os investimentos públicos como forma de resolver ou de minimizar as desigualdades sociais e a pobreza. Passados oito anos, sem dúvida, esse é o governo que produziu mais mudanças no Brasil apesar de ter iniciado como um governo de continui-dade, particularmente, na política econômica e financeira.

REVISTA CAMPONESA – Em recente pes-quisa do Instituto Vox Populi sobre as eleições para o governo do RN, a candi-data do DEM, senadora Rosalba Ciarlini, aparece com 49% das intenções de votos. Por outro lado, a aprovação do Governo Lula ultrapassou os 80% no Brasil, com os índices até maiores na região Nordeste do Brasil. O DEM é o mais ferrenho oposi-tor do Governo Lula. Como se explica essa posição do eleitorado potiguar? JOÃO EMANUEL – O Rio Grande do Norte talvez seja o único estado onde o DEM tem a possibilidade de sobreviver politicamente e isso não se deve ao atual contexto eleitoral. Nas duas últimas eleições, o DEM adotou uma estratégia política vitoriosa, desde a eleição da

própria senadora Rosalba, quando derrotou o senador Fernando Bezerra. A eleição de Rosal-ba para o Senado foi a primeira grande vitória do DEM, num processo de recuperação do seu espaço político no Rio Grande do Norte. E de-pois, na última eleição para prefeito de Natal, quando o bloco político liderado pelo senador José Agripino, mesmo tendo uma candidata do PV, a atual prefeita Micarla de Souza, con-seguiu ganhar as eleições e derrotar as de-mais forças políticas do Estado. É um processo de recuperação do terreno político que não começa de agora. Esse é o primeiro elemento que é importante considerar. A política local termina fornecendo elementos para entender essa contradição entre o que acontece no plano nacional e o que acontece no plano local. Agora isso também deriva da capacidade da senadora Rosalba Ciarlini de construir uma imagem pública positiva. Mesmo sendo uma típica representante de uma oligarquia regional, o grupo familiar dos Rosado, de Mossoró, con-segue aparecer como um fenômeno novo, uma liderança nova. Essa imagem pública de uma liderança nova num contexto mar-cado por grupos oligárquicos pode ser uma das explicações para o seu posicionamento tão favorável nessas eleições. Contudo, a situação não é tranqüila. Apesar desse posi-cionamento muito favorável, já tivemos nas eleições do RN situações em que um candi-dato estava muito bem colocado no início da campanha eleitoral, com números seme-lhantes aos que Rosalba tem hoje, e não con-seguiu ganhar a eleição. Por exemplo: a dis-puta entre João Faustino e Geraldo Melo, nos anos 80, quando Geraldo Melo começou com números muito baixos e terminou ganhando a eleição; a disputa entre Garibaldi Alves e Wilma de Faria, quando Garibaldi era o franco favorito e terminou perdendo a eleição. Ou seja, o posicionamento favorável de Rosalba não lhe assegura a vitória nas eleições. Como o eleitor vai reagir ao discur-so do senador José Agripino, principal oposi-tor político e ideológico ao governo Lula e a esse projeto de um outro modelo de de-senvolvimento? Temos ainda um enigma do ponto de vista eleitoral. Será que o eleitor vai combinar essa situação paradoxal de forma tranqüila? Aprova o governo Lula e provavel-mente vota na candidata do presidente Lula à sua sucessão e vai votar no seu adversário aqui? Essa é uma equação que não está re-

“O governo Lula não pode-ria fazer um enfrentamento

radical ao neoliberalismo e nunca pretendeu ser um

governo de esquerda”

“O Rio Grande do Norte talvez seja o único estado

onde o DEM tem a possibili-dade de sobreviver politica-mente e isso não se deve ao

atual contexto eleitoral”

“No Brasil, não experimenta-mos, em nenhum momento da história, transformações radicais de caráter revolu-

cionário clássico”

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solvida e que só a campanha eleitoral vai poder dizer como os candidatos do DEM e seus adversários vão resolvê-la.

REVISTA CAMPONESA – O atual quadro político do RN parece marcado pela am-biguidade. Um exemplo concreto disso é a posição do PMDB no estado, quando suas duas principais lideranças (o senador Garibaldi Alves e o deputado federal Hen-rique Alves) estarão em palanques dife-rentes, opostos até. Como se configura a disputa política no RN hoje? Quais são os projetos em disputa?JOÃO EMANUEL – O primeiro aspecto que chama a atenção é que a esquerda desapare-ceu como um dos principais protagonistas da política no estado. A disputa hoje se dá entre grupos tradicionais e é isso que faz com que você não tenha tanta diferença assim entre os principais candidatos. A exceção a isso pode ser a candidatura do ex-prefeito Carlos Edu-ardo Alves, que, talvez, nessa campanha, apre-sente um discurso mais afinado com o campo tradicional da esquerda. O PT, por exemplo, virou um partido satélite do PSB. E isso tem reflexos importantes na política local porque o PT abriu mão de ter um projeto próprio, de construir uma alternativa, e, em razão do quadro e da política de alianças nacional, foi quase compelido a apoiar uma candidatura do PSB no Rio Grande do Norte. O enigma elei- toral está posto: a candidatura de Rosalba tem um potencial alto e está bem posicionada, Iberê é uma candidatura que não consegue empolgar e, até agora, o ex-prefeito Carlos Eduardo demonstra ter um grande potencial eleitoral, particularmente, na região metropo-litana de Natal. O grande problema de Carlos Eduardo são as pequenas e médias cidades do estado, pois a sua candidatura não demonstra ter capacidade de capilaridade nelas. Na análise das últimas eleições para o governo do estado, fica evidente que o re-sultado eleitoral depende fortemente de um bom posicionamento nos grandes colégios eleitorais, mas de uma grande capilaridade nas pequenas e médias cidades. Não basta você ter um bom posicionamento e uma presença forte nos grandes colégios eleito-rais. É fundamental ter um bom desempenho

nas pequenas cidades. Esse me parece ser o ponto fraco e a principal dificuldade da can-didatura de Carlos Eduardo. É esse quadro que explica um pou-co as ambiguidades do próprio PMDB. Nessa questão do PMDB, os interesses do senador Garibaldi Alves terminaram por prevalecer dentro do partido, prejudicando, inclusive, o nome nacional do deputado Henrique Edu-ardo Alves. É ruim para Henrique Eduardo, que pretende ser presidente da Câmara dos Deputados numa indicação da base aliada ao governo Lula, que aqui no estado o PMDB não esteja afinado com a base aliada do go-verno Lula. Isso mostra que Garibaldi parece ter o controle do PMDB aqui. Essa solução ambígua do PMDB de não aprovar seu apoio a um candidato a governador para deixar o senador Garibaldi livre para apoiar a candida-tura de Rosalba e, ao mesmo tempo, permitir que Henrique Eduardo possa apoiar a candi-datura de Iberê ou do candidato do PSB, isso mostra um pouco dessas marcas gerais da política no estado e da fragilidade dos pro-jetos em disputa. Na verdade, os projetos em disputa são muito parecidos, com exceção da candidatura do ex-prefeito Carlos Eduardo, que não sabe até que ponto terá fôlego para, efetivamente, constituir-se numa alternativa de poder no primeiro e no segundo turno.

REVISTA CAMPONESA – Em sua opinião, qual o significado das Eleições 2010 no Bra-sil? O que está em jogo neste momento?JOÃO EMANUEL – Mesmo o governo Lula, no seu início, tendo dado continuidade à política econômica e financeira do governo Fernando Henrique Cardoso, o que se tem hoje, claramente configurado, é uma disputa de dois projetos de país. De um lado, um pro-jeto político que significaria um retrocesso até diante do quadro nacional e internacional de crise do neoliberalismo e de retorno das políticas keynesianas nos países capitalistas avançados. O Estado voltou a ter um papel

“A esquerda desapareceu como um dos principais protagonistas da política

no estado”

fundamental na reprodução direta do sistema capitalista. O retorno do PSDB/DEM ao poder seria, na verdade, fazer com que a experiência do governo Lula se tornasse um hiato progres-sista numa história conservadora no Brasil. Então, o Brasil que teremos no fu-turo em grande medida vai depender dessas eleições. Se nós vamos aprofundar as trans-formações sociais em curso no país ou se va-mos encerrar esse ciclo e recuperar um proje-to que se revela fracassado no mundo inteiro: de retorno dos valores de mercado, da com-petição, do individualismo, diante de uma sociedade extremamente desigual marcada pela desigualdade extrema de riqueza e de oportunidade para a maioria dos brasileiros.

REVISTA CAMPONESA – No âmbito do campo, existe uma tensão cada vez maior entre, de um lado, o agronegócio e, do outro, os movimentos sociais (por exem-plo, o MST) e o movimento ambientalista. Como isso pode refletir na disputa das eleições 2010?JOÃO EMANUEL – Pela lógica do capita-lismo brasileiro, orientado pela lógica da “revolução passiva”, a tendência é que haja uma continuidade nessa contradição. Não é possível hoje, do ponto de vista estratégico do país, abrir mão da importância econômica do agronegócio em algumas áreas. Contudo, do ponto de vista social, não se pode abrir mão da consolidação da agricultura familiar autossustentável do ponto de vista ecológi-co. Nenhuma candidatura, mesmo a de Ma-rina Silva, vai propor uma contraposição clara entre esses dois grandes interesses, esses dois grandes projetos que organizam as for-ças sociais e políticas no campo brasileiro. Essa tendência de contemplar os dois inte-resses contraditórios tende a perdurar inde-pendentemente do governo que ganhe as eleições. É claro que a candidatura do PSDB vai significar claramente uma opção prefe-rencial pelo agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Mas a candidatura de Dil-ma Roussef e a de Marina Silva tendem a fazer uma política de conciliação entre os interesses do agronegócio e os da pequena agricultura familiar, e da defesa do meio ambiente na produção agropecuária brasileira.

VISITE O SITE DA FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER:

www.kas.de/brasil

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Participação e discernimento político

A sociedade civil brasileira vive uma constelação de focos de organização jamais vista em nossa história

Os movimentos feministas, que se adensaram nas primeiras décadas do século passado, representam a autonomia das mulheres na luta por seus direitos”, afirma Lúcia Avelar, em entrevista exclusiva, por e-mail, à Revista Camponesa, onde aborda os movimentos sociais no Brasil na atualidade, a

crise da política como “crise de legitimidade do sistema representativo”, o desencanto dos jovens com a política, a validade dos conceitos de “direita” e “esquerda”, a disputa de projetos políticos nas Eleições/2010, entre outros. Lúcia Avelar é doutora em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com pós-doutorado na Universidade de Yale (EUA). Atualmente é professora da Universidade de Brasília com atuação no Instituto de Ciência Política dessa mesma Universidade, e faz parte também da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Entre outras, publicou, com o professor Antonio Octávio Cintra, o livro “Sistema Político Brasileiro – Uma introdução” pela Fundação Konrad Adenauer e a Editora da UNESP. Uma preocupação sempre presente nos trabalhos de Lúcia Avelar é estudar a mulher na política, os entraves sociais e institucionais que impedem sua maior participação.

Entrevista: Lúcia Avelar

REVISTA CAMPONESA – No Brasil, ao mesmo tempo em que se tem um aumento da par-ticipação das mulheres em várias instâncias da sociedade e o fortalecimento dos movi-mentos feministas, reconhecidamente dos mais bem articulados e influentes movimen-tos da América Latina, tem-se uma pouca presença das mulheres no poder executivo e legislativo. A participação das mulheres no Congresso Nacional gira em torno de 10%, apenas. Como se explica isso?LÚCIA AVELAR – Devemos nos lembrar que o sistema representativo foi uma invenção liberal e conduzida pelos homens à época da construção do Estado moderno. As mu-lheres não estavam envolvidas nas inova-ções tecnológicas do mundo capitalista e na construção das instituições políticas que se forjavam nos séculos XVII e XVIII. Quando as mulheres participavam, o faziam lateral-mente, embora sua presença tenha sido fun-damental no apoio à construção democráti-ca. As mulheres acompanharam os homens na difusão das ideias de igualdade, nos mo-vimentos socialistas e nas lutas por direitos. Mas os protagonistas destes movimentos eram os homens da classe trabalhadora que defendiam ser necessário, primeiro, fazer a revolução socialista, e depois lutar pelas demandas das mulheres. Os movimentos feministas que se adensaram nas primeiras

décadas do século passado representam a autonomia das mulheres na luta por seus direitos, pela constatação de que, com seus companheiros trabalhadores, suas preten-sões eram sempre adiadas. Ainda hoje, há muito por fazer, por exemplo, desconcen-trar o poder masculino e de classe, reformar a legislação eleitoral construída à luz dos interesses das elites políticas tradicionais, predominantemente masculina, superar a herança patriarcal e escravocrata. É um pro-cesso histórico a ser cumprido.

REVISTA CAMPONESA – Que avaliação a senhora faz dos movimentos sociais no Brasil, atualmente?LÚCIA AVELAR – Há uma constelação de fo-cos de organização da sociedade civil como jamais vista em nossa história. E o mais sur-preendente é que estes movimentos conse-guem, progressivamente, maior interface com o Estado, muitas vezes influenciando políticas públicas e processos legislativos.

“O sistema representativo foi uma invenção liberal e conduzido pelos homens à época da construção do

Estado moderno”

A Constituição de 1988 criou possi-bilidades para que a sociedade fosse ouvida, como a legislação participativa. O controle-cidadão em relação às políticas vai sendo progressivamente construído. Não estamos mais no marco zero, basta ver como, em alguns municípios, a sociedade organizada acompanha a execução do orçamento, exer-cendo pressões sobre maior transparência dos governos, isto apenas para dar um exem-plo de uma grande diversidade de movi-mentos. O que dizer dos movimentos negros e de mulheres, os movimentos indígenas, o Movimento dos Sem Terra, as Pastorais que re-percutem em vários setores desprivilegiados. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, o protago-nismo maior foi o dos sindicatos, dos movi-mentos populares urbanos, na luta contra os militares. Muita coisa aconteceu depois, a so-ciedade “descobriu” a cultura da participação, tal como registrado em publicações que vêm tentando dar conta desta rica constelação de grupos atuantes na sociedade. Estamos tam-bém diante dos movimentos que se utilizam da militância digital como meio de mobiliza-ção. São iniciativas que incluem o controle sobre vereadores, deputados, orçamentos, como vemos em sites tais como: Datamasher1, Twitter2, Projeto Adote um Vereador3, Legis-dados4, Sac SP5, Vote na web6, Da sua conta7, Cidade Democrática8 e Fix My Street9.

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Acho que há muito ainda por ser feito para construirmos uma sociedade civil participativa e zelosa da coisa pública. Mas este processo já foi deflagrado e, agora, temos de expandi-lo, inclusive para as camadas mais pobres da população. É difícil para uma pessoa em condição social com privações entender como a política tem a ver com a sua vida. Os movimentos têm este papel pedagógico de mostrar como a política funciona, como uma decisão “deles”, os políticos, afeta sua vida para melhor ou pior. Não poderíamos deixar de lem-brar nossos vizinhos em suas mobilizações étnicas. Tenho esperança nos movimentos como propulsores de uma identidade latino-americana voltada à maior sustentabilidade de nossos países. Acho que agora podemos sonhar com Estados mais independentes do capitalismo central que cuidem de suas res-pectivas populações.

REVISTA CAMPONESA – Em que medida vivemos uma crise da palavra “política”? Que crise é esta?LÚCIA AVELAR – É uma crise de legitimi-dade do sistema representativo. É grande a desconfiança com nossos representantes. A corrupção política está no centro desta dis-cussão. Sabemos que em todas as sociedades muito desiguais, onde há, de um lado, pes-

soas muito ricas e, de outro, amplas camadas em situação de miséria e pobreza, a corrup-ção encontra aí o terreno favorável. Não é só no Brasil, como mostram os estudos sobre a Ásia, África, por exemplo. O caso do Distrito Federal é ilustrativo. É um dos municípios mais desiguais do mundo. Como podemos ver nos dados abaixo. Se você percorre cada dimensão apontada na Tabela 1 e pensa o que isto sig-nifica em termos de vida cotidiana, como não achar que naqueles lugares em que as pessoas não sabem ler nem escrever, não têm acesso à informação, elas são facilmente manipuláveis pelos políticos que lhes dão qualquer coisa em troca do seu voto? Mas é importante mencionar que o aumento da participação política fez emergir o que chamamos de “diferenciação democrática”, pois não é apenas pelo voto que o cidadão tem participado. Mais pes-soas acompanham o que fazem os políticos que antes ficavam livres de qualquer pressão da sociedade depois de eleitos. Agora eles começam a sentir que a irresponsabilidade em seus mandatos tem um custo de legi-timidade. É uma realidade mais promissora.

REVISTA CAMPONESA – Como se explica o desinteresse dos jovens pelos pleitos eleitorais?LÚCIA AVELAR – Pelo desencanto com o mundo da política. Os jovens são idealistas e esperam um desempenho muito mais ético dos que cuidam das coisas públicas. Se nos lembrarmos dos movimentos dos jovens em décadas anteriores, tão envolvidos em movi-mentos, projetando um país menos injusto… tenho a impressão de que este entusiasmo voltará, ainda é cedo para afirmar um total afastamento dos jovens, afinal eles estão aí lutando pelo equilíbrio ambiental, pela eco-nomia solidária. Um novo período de socia-lização política retiraria os jovens desta situa-ção de desencanto. Um outro ciclo, como aqueles vivenciados nos anos 1960 e 1970. REVISTA CAMPONESA – Os conceitos de “esquerda” e “direita” ainda são válidos para compreender a realidade política brasileira?LÚCIA AVELAR – É muito diferente ser adepto de um ideal de país menos desigual, mesmo que isto custe níveis menores de renda para al-guns ou ser defensor da estrutura de desigual-dade que está aí. Os adeptos da igualdade são de esquerda; os inconformados com os atuais níveis de pobreza, marginalidade, também

são. Não que isto tenha a ver necessariamente com partidos políticos e sim com correntes de pensamento que permeiam a sociedade. O Partido dos Trabalhadores foi o principal beneficiário dos que acreditavam em um país mais justo, daqueles que militavam em movi-mentos de esquerda. O que aconteceu com o PT é que ele se descolou destes movimentos, justamente quando se esperava que amplas camadas da sociedade representadas pelos movimentos seriam ouvidas. O pragmatismo eleitoral do PT acabou afastando muitos dos que ainda hoje estão aí, trabalhando na socie-dade organizada e em defesa dos direitos de cidadania para todos. São os adeptos da es-querda e isto não acabou.

REVISTA CAMPONESA – No debate sobre os horizontes políticos no Brasil parece que ficamos demasiadamente presos à opção entre o liberalismo, em suas diver-sas faces, e um certo desenvolvimentismo estatal-nacional. Temos alternativas fora desse dualismo?LÚCIA AVELAR – Temos que trabalhar em uma outra alternativa, pois sabemos que os modelos históricos tanto do liberalismo quanto do estatal-nacional, eles mesmos es-tão sendo rediscutidos. Concordo com pes-quisadores como o Márcio Pochmann10 que acredita que o Brasil tem condições de pro-tagonizar um outro modelo de Estado. Hoje conhecemos com propriedade quais serão as necessidades para um país que daqui a quinze anos, se continuar reproduzindo o ta-manho atual da desigualdade, será ainda mais injusto, a menos que haja políticas governa-mentais que revertam esta situação. Sabemos onde atuar e resta-nos pensar qual modelo de Estado pode cuidar de nossas carências e impossibilitar um cenário que não queremos. Qual Estado é este? Esta é “A pergunta” que se coloca para nós.

REVISTA CAMPONESA – O cientista políti-co André Singer levantou recentemente a hipótese de emergência na política brasileira de um fenômeno por ele de-nominado “lulismo”, que expressaria, em suas palavras, “representação de uma fra-ção de classe que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização”. O “lu-lismo” seria resultado da inclusão de mi-

“É difícil para uma pessoa em condição social com priva-

ções entender como a políti-ca tem a ver com a sua vida”

“Os jovens são idealistas e esperam um desempenho muito mais ético dos que

cuidam das coisas públicas”

“O ‘lulismo’ é temporário, os subproletários vão apren-dendo o que são direitos

de cidadania”

10 Professor da Unicamp desde 1995, Pochmann é professor livre-docente licenciado na área de economia social e do trabalho e também pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp desde 1989. Foi secretário mu-nicipal do desenvolvimento, trabalho e solidariedade da cidade de São Paulo entre 2001 e 2004, durante a gestão de Marta Suplicy.

1 Serviço criado por Joe Pringle que permite a reti-rada de dados do Data.gov (iniciativa digital do governo Obama) e crie relações entre eles. Dá para produzir, por exemplo, uma ligação entre o indíce de pessoas com diabetes e os estados que consomem mais fastfood. Ver: www.datamasher.com (em inglês). 2 É uma rede social e servidor para microblogging que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 140 caracteres, conhecidos como “tweets”), por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de gerenciamento. Ver: http://twitter.com/. 3 O Projeto Adote um Vereador tem por objetivo fazer com que os cidadãos acompanhem um vereador em suas atividades parlamentares. Ver: http://vereadores.wikia.com/wiki/P%C3%A1gina_principal. 4 Um sistema criado por uma comunidade de pro-gramadores, designers, comunicadores, com o objetivo de proces-sar dados sobre casas legislativas para accountability e delibera-ção pública. Ver: http://legisdados.org/. 5 Site que tem por missão ajudar os munícipes de São Paulo a fiscalizarem o trabalho público em seus bairros usando a plataforma web. Sistema criado por estudante para rastrear as reclamações do serviço de atendimento ao cidadão em SP e ge-rando um mapa de reclamações por meio do Google Maps. Ver: http://sacsp.mamulti.com/. 6 Sistema que permite o acompanhamento, dis-cussão e votação das proposições que tramitam no Congresso e permite gerar perfis de parlamentares e compará-los com seu próprio perfil de votação. Ver: http://www.votenaweb.com.br/. 7 Rede Social do Tribunal de Contas do Ceará, para fomentar fiscalização, denúncias e trocas de informações entre os cidadãos. Ver: http://www.dasuaconta.com.br/. 8 É uma plataforma de participação política, onde cidadãos e entidades podem se expressar, se comunicar e gerar mobilização para a construção de uma sociedade cada vez melhor. Ver: http://www.cidadedemocratica.com.br/. 9 Site inglês que permite o cadastramento com texto e imagens de problemas nas comunidades e cria um canal direto de comunicação com o poder público. Ver: http://www.fixmys-treet.com/.

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Tabela 1 - Indicadores Educacionais e Culturais por Agrupamento de Regiões Administrativas – 2004

IndicadoresTaxa de analfabetismo1 3,4

2,6

14,1

73,1

31,6

22,6

11,7

10,1

0,6

1,6

42,1

94,3

71,3

63,5

43,9

31,6

1,9

1,8

17,6

82,8

42,8

27,9

9,4

10,4

4,3

2,5

5,5

66,6

18,9

10,4

3,6

4

5,5

3,1

2,2

63,3

9,5

3,9

0,9

2,2

8

5,4

0,3

2,1

0,2

0,1

0

0

População de 7 a 14 anos forada escola% da População com nível superior% de domicílios com telefone �xo (linha)% de domicílios com computadorAssinatura de InternetTV por assinatura

Assinatura de jornais

Distrito Federal Grupo I Grupo II Grupo III Grupo IV Grupo V

lhares de pobres (subproletários) ao con-sumo, com programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família. A democracia é reconhecida como um regime de governo que exige instituições fortes, portanto, o “lulismo”, caracterizado pela forte identi-ficação do chamado subproletariado com a figura de Lula, não representaria um en-fraquecimento da democracia brasileira? LÚCIA AVELAR – Todos os estudos sobre participação política são unânimes em afir-mar que para participar os indivíduos de-vem ter um mínimo de escolaridade ou de compreensão da relação da política com sua vida cotidiana. Os subproletários a quem o professor André Singer se refere são os indi-víduos desta camada que não teve acesso à educação, à informação, aos movimentos so-ciais de qualquer natureza, por sua condição de marginalidade que lhe priva inclusive do acesso à alimentação. Os programas sociais constituídos pelo governo Lula dão, no início, a impressão de um paternalismo estatal, mas

“Não estaríamos avançando no caminho do discer-nimento em relação ao

processo político?”

Fonte: PDAD - Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios - SEPLAN / CODEPLAN – 2004.Notas: 1. Relação entre as pessoas que não sabem ler/escrever e a população de 15 anos ou mais multiplicado por cem.Grupo I: Lago Sul, Sudoeste, Octogonal, Lago Norte, Brasília, Park Way;Grupo II: Guará, Águas Claras, Cruzeiro, Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Sobradinho, Candangolandia;Grupo III: Sobradinho II, Gama, Riacho Fundo, São Sebastião, Ceilândia, Paranoá;Grupo IV: Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, Riacho Fundo II, Varjão, Brasilândia, Planaltina;Grupo V: Estrutural (SCIA), Itapoã.

todos sabemos que esta camada tem primei-ro de ser retirada de onde está para, em um futuro próximo, com seus filhos que puderam estudar e se alimentar, tenham condições de entrar no mercado de trabalho e aspirar uma vida melhor. Neste sentido o “lulismo” é tem-porário, os subproletários vão aprendendo o que são direitos de cidadania, e ultrapassarão esta etapa. Inclusive em condições de ingres-sarem em movimentos. É uma etapa, não é todo o processo. Uma das maiores evidências de que a democracia brasileira está fortalecida é o fato de que, em 2003 e 2004, sequer sabía-mos se o Presidente Lula chegaria ao final do seu mandato. Cumprir um primeiro mandato e depois um segundo, foi um ganho institu-cional. Mas, ainda temos que caminhar muito no fortalecimento e aperfeiçoamento das nossas instituições, por exemplo, elegendo representantes com mais responsabilidade, tornar o Judiciário muito mais transparen-te e com critérios de recrutamento mais democráticos, construir a instituição do controle-cidadão para o aperfeiçoamento da representação, tornar os partidos mais permeáveis à entrada de novos postulantes, fortalecer a instituição da vereança, e assim por diante.

REVISTA CAMPONESA – Em sua opinião, que importância tem as Eleições 2010 no Brasil? O que está em jogo neste momento?LÚCIA AVELAR – As eleições de 2010 trazem duas mulheres correndo na disputa e muito bem aceitas pela sociedade. É uma novidade histórica. Se a Ministra Dilma se apresenta como a possibilidade de aprofundar os pro-gramas sociais e reafirmar as políticas de de-senvolvimento com a presença do Estado, a Ministra Marina vem com outra proposta, a do desenvolvimento sustentável. O interes-sante é que a Marina, fruto da militância em movimentos sociais e movimentos feministas, amplia as alternativas já adotadas no governo Lula e luta por valores que são muito caros aos jovens, por exemplo, o planeta, a paz, a oposição responsável. Agora, uma pergunta: - por que as oposições não têm apresentado com clareza seus projetos? Outra coisa instigante neste período pré-eleitoral: a grande mídia bateu no gover-no Lula durante todos estes anos e, contudo, não conseguiu resultados muito favoráveis. A população continua aprovando o governo na contramão deste poder. Não teríamos de nos perguntar as razões desta ineficácia? Não es-taríamos avançando no caminho do discerni-mento em relação ao processo político?

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Quando a política é boaA política é para atender as necessidades da população

e não para beneficiar poucas pessoas

A experiência da Associação Algas, Pescados, Pitangui é contada nessa entre-vista por Viviane Siqueira. O que o grupo produz e para onde vai a produção, a forma como os componentes organizam seu trabalho, o surgimento da associação, como a experiência tem modificado a vida dos seus integrantes até a difícil

abordagem da política são temas tratados por Viviane nessa conversa feita no alpendre da casa de sua sogra, em Pitangui, município de Extremoz/RN. E afirma: “Hoje em dia, a comunidade vê a nossa associação com outros olhos. Uma das componentes do grupo foi convidada a ser candidata a presidente da Colônia, mas ela não quis, pelo menos compôs a chapa. O município não era incluído no Território da Cidadania e foi incluído porque a associação correu atrás... Basicamente isso é fazer política”. Viviane Siqueira é integrante da Associação Algas, Pescados, Pitangui, que conta com um grupo de 21 pessoas, destes, 17 mulheres e 4 homens. A associação é um grupo que produz linguiça, hambúrguer e almôndega de sardinha e se constitui hoje numa das ricas experiências na área da economia solidária no Rio Grande do Norte. O grupo vem sendo acompanhado pelo Núcleo Estadual de Assistência Técnica em Eco-nomia Solidária - Neates, através da parceria AACC/RN, Rede Xique Xique e o Ministério do Trabalho e Emprego.

Entrevista: Viviane Siqueira

REVISTA CAMPONESA – O que a Associa-ção produz e para onde vai a produção?VIVIANE SIQUEIRA – O grupo produz lin-guiça, hambúrguer e almôndega de peixe. Destina-se um pouco para venda local. Para a merenda escolar e instituições carentes através do Programa Compra Direta (Emater/RN) e do Programa de Aquisição de Alimen-tos – PAA (CONAB1). Quando fizemos o primeiro projeto da Associação pelo Programa de Desenvolvi-mento Solidário - PDS veio uma capacita-ção feita por uma pessoa da Emater/RN so-bre linguiça, hambúrguer e almôndega de peixe. Fizemos a capacitação e em seguida começamos a produzir. Veio o técnico local da Emater de Extremoz, fez a negociação e começamos a produzir. Depois, participando de outro encontro, recebemos a indicação do PAA. Fomos lá, fizemos o projeto, eles vieram conhecer o local, tiraram fotos e o projeto foi aprovado. Já estamos no quarto projeto com a CONAB. Nós escolhemos as entidades ca-rentes e as escolas. Agora, pela CONAB, não pode mais escolher escolas porque eles ale-gam que já vai verba pra merenda escolar. Só pode creche e entidades carentes. Aí nossa associação faz o cadastro, vai na entidade, conhece a entidade, vê se realmente ela necessita pra não dar problema pra gente porque a CONAB faz a fiscalização. A gente cadastra a entidade, produz e entrega para essas entidades. No ano passado, nós estáva-mos com nove entidades. No projeto que a gente renovou vai ser com dez entidades. As pessoas gostam do produto e se a gente pudesse contemplaria mais en-

tidades. Mas não podemos atender a todas. Temos entidades que trabalham com famí-lias carentes, com portadores de HIV e com usuários de droga.

REVISTA CAMPONESA – Como se dá a or-ganização do trabalho na Associação?VIVIANE SIQUEIRA – Dividimos em turnos de trabalho. A sala não é grande e não comporta muitas pessoas pra trabalhar porque tem o maquinário, mesa, freezer. Daí a divisão em turno. Trabalhamos cinco horas pela manhã e cinco horas à tarde. Mas, quando precisa, a gente emenda, trabalha sábado, domingo. O sábado a gente trabalha normal, manhã e tarde. Trabalha à noite também quando a entrega está atrasada. Não temos problema com isso. Todas as componentes fazem o mesmo trabalho, mas a gente divide as-sim: um dia, uma faz uma coisa e no outro, a outra faz outra coisa. Se vamos fazer uma produção de 100kg por dia, dividimos 50kg para quem trabalha pela manhã e 50kg para quem trabalha à tarde. Uma lava parte da louça, a outra ajuda. Não tem essa história de dizer “Eu só faço isso”. Quando saímos do turno já deixamos tudo limpo, organizado para outra equipe quando for chegar para o trabalho encontrar tudo lim-

“Não dá um retorno econômico tão grande, mas

a experiência faz a gente conhecer bastante pessoas”

po, pois quando forem sair devem deixar tudo limpo. Se tirarmos o dia pra fazer só lin-guiça, então é só linguiça. Se tiver apenas 80kg de peixe, a gente divide: 40kg pra turma da manhã e 40kg pra turma da tarde. A maior produção que tivemos durante um dia foi de 140kg.

REVISTA CAMPONESA – Quando e como a Associação surgiu?VIVIANE SIQUEIRA – Algumas das meninas já tinham feito o curso de algas e outras de pescado pelo PRONAGER2. Só que oferece-ram o curso e deixaram pra lá. Eu e outras componentes fizemos o curso de algas e outras fizeram o curso de pescado (linguiça, hambúrguer e almôndega), juntamente com o curso de salgados. O grupo de dona Lu ten-tou inventar uma Associação mas não deu certo. Aí foi quando apareceu aqui na cidade um rapaz de São Paulo, Carlos, ele veio e fi-cou morando na casa de dona Edivalda. Ela o hospedou como um filho. Ele apareceu aqui e se deu muito bem com a gente. E, no início, foi uma pessoa que incentivou muito. Ele viu que era uma boa oportunidade na comuni-dade, até porque aqui não tinha nada. Tinha um Conselho Comunitário, mas não funcio-nava e até hoje o pessoal mal vê falar, acho que nem existe mais. Existe um Centro Social, mas pouco se ouve falar, é o grupo de idosos que toma conta hoje. Ele convidou as meninas que ti-nham feito os dois cursos e a gente fez uma reunião aqui nesse alpendre mesmo, que é a casa da minha sogra. Trinta e duas pessoas. Fomos fazendo bingo, alguma brincadeiras,

1 Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB.

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“Conhecemos a AACC/RN nos encontros do Fórum de Economia Solidária”

“Do governo do Presidente Lula, as pessoas falam bem porque é um governo que

está trabalhando para o lado dos pobres”

toda semana se reunia. Muita gente desistiu, dessas que começaram só tem 10. As outras componentes do grupo atual são novatas. Conhecemos a AACC/RN nos encon-tros do Fórum de Economia Solidária. Foi lá que conhecemos várias pessoas de diversos grupos. A Associação está com 6 anos. Ela sur-giu antes, mas a data de sua fundação é 4 de julho de 2004. A sede era um prédio abandona-do de um antigo frigorífico, que foi construído quando o atual senador José Agripino era go-vernador do RN. O prédio ficou abandonado um tempão, o mato estava tomando conta do prédio. Aí, dona Edivalda teve a ideia de utilizá-lo. Só que outras pessoas da comunidade es-tavam interessadas no prédio, principalmente quando souberam que a gente estava que-rendo esse prédio. Fizeram algumas coisas pra gente não dar certo, mas conseguimos ocupar o prédio. Fomos à Secretaria de Agricultura e Pesca, ficamos sabendo que o prédio era de lá, não era da Colônia nem era do município. Fizemos plantão na porta da Governadoria pra poder ser atendidas, chegamos pela manhã e saímos no final da tarde, esperando pra ser atendidas e não fomos. Depois fomos de novo e conseguimos o comodato por quatro anos, que já venceu e renovamos de novo. Temos mais quatro anos, mas o prédio ainda não é nosso. Ele é cedido por comodato pela Secre-taria de Agricultura e Pesca do RN. Estamos reformulando-o. O primei-ro recurso foi do PDS. Descobrimos que tinha um Conselho do FUMAC3 inativo. Fomos atrás, no PDS, em Natal, aí descobrimos que tinha que ser feita uma nova eleição porque este Conselho do FUMAC estava desativado no município. Foi feita a eleição e aprovamos o primeiro projeto no valor de 49 mil reais. Nesse valor estava inserida a contrapartida da associação. Agora aprovamos o segundo projeto no valor de 93 mil reais, também com contrapartida da Associação. É daí que esta-mos fazendo a reforma, com recursos do PDS. As duas reformas.

REVISTA CAMPONESA – Como o projeto modificou a vida das pessoas da Associa-ção?VIVIANE SIQUEIRA – Foi uma mudança radical, muito grande na vida das pessoas do grupo. Tem pessoas que param a gente na rua querendo uma vaga pra participar da Associação. Só que agora nós não podemos abrir as portas para outras pessoas, quere-mos primeiro nos estruturar fisicamente pra poder abranger um número maior de pes-

soas. Precisamos confirmar outras propostas de entrega e venda pra poder ver quantas pessoas vamos poder contemplar mais. As pessoas querem entrar hoje porque sabem que a Associação está dando algum retorno, mas antes não queriam entrar. Quem está dentro hoje não quer sair. Não dá um retorno econômico tão grande mas a experiência faz a gente conhecer bastante pessoas. A gente vai a encontros, oficinas, faz viagens. Fizemos viagens pra lugares que nunca imagináva-mos que íamos conhecer. As meninas foram para Brasília, eu fui pra Fortaleza. Viajo esse mês para Brasília também. Tinha um edital circulando de or-ganização e políticas públicas para mulheres rurais. Aí eu preenchi o edital e a Associação foi contemplada, inclusive, era só pra quem estava na área do Território e a Associação, nessa época, não estava na área do Território. Era um curso em três módulos. O primeiro foi aqui em Natal, na Via Costeira, o segundo foi em Fortaleza e, esse ano, o encerramento, vai ser em Brasília. Sempre viajamos pra Mos-soró pelo Fórum de Economia Solidária. Mas também tem alguns casos que as pessoas in-dicam o nosso grupo. Fomos para Maracajaú dar uma palestra sobre a nossa experiência. Já veio grupo de Recife conhecer nossa ex-periência. Fomos à Conferência da Pesca, em Brasília. Lá elas conheceram outros grupos e esse de Recife, do Pina, veio conhecer. Como nós trabalhamos com sardinha, eles vieram pegar a experiência. Ficaram dois dias aqui na comunidade. Nós trabalhamos com a sardinha e com outros peixes, mas neste úl-timo caso o custo fica mais alto. Mudou a cidadania, a renda. Hoje o projeto está parado e estamos sem renda mas quando estamos com produção pe-

gamos uma renda. Muitas mulheres eram paradas, as que coletavam algas faziam um trabalho mais sacrificado e hoje, se precisar, trabalhamos o dia todo, mas o comum é tra-balhar meio dia, tem tempo pra cuidar da casa, dos filhos, tempo de estudar que muitas não estudavam e voltaram a estudar. A mudança foi radical. Dentro de casa não eram valori-zadas e hoje são. Hoje em dia, a comunidade vê a nossa associação com outros olhos. Uma das componentes do grupo foi convidada a ser candidata a presidente da Colônia mas ela não quis, pelo menos compôs a chapa. O município não era incluído no Território da Cidadania e foi incluído porque a asso-ciação correu atrás. Está vindo agora a Casa Digital pra cá, pra comunidade, e foi através da Associação. O projeto, pelo Território da Cidadania, que contemplou uma bomba de óleo diesel e uma câmara fria para os pes-cadores, pra comunidade, pro Território, foi através da Associação. Nós fomos, não deu certo, vimos que tínhamos que levar outros grupos da comunidade, buscamos a Prefei-tura, a Secretaria Municipal da Pesca, e fomos buscando, buscando e está vindo o retorno hoje em dia. Basicamente isso é fazer política. É uma forma de política correta. Eu não gosto do lado da política incorreta.

REVISTA CAMPONESA – O que você pensa da política?

2 Programa Nacional de Geração de Emprego e Ren-da – PRONAGER. 3 Fundo Municipal de Apoio às Associações Comuni-tárias – FUMAC.

Fotógrafo: Aldo Rocha

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VIVIANE SIQUEIRA – A política, por um lado, é boa. Agora quando ela é usada pela corrup-ção e não atinge as pessoas que necessitam, ela não é boa. O lado bom da política está nas benfeitorias nas comunidades, nos mu-nicípios, quando os vereadores trabalham em prol da comunidade e não de si próprios. Esse é o lado bom. Por exemplo, nossa comu-nidade é basicamente esquecida pelos políti-cos no aspecto da infraestrutura. Todo ano chove e todo mundo sabe que algumas áreas aqui alagam. O pessoal corre atrás e não se resolve nada. A iluminação aqui, na minha rua mesmo, só acende a luz de um poste. Agora, quando chega o veraneio, parece que quem manda aqui são os veranistas, aí é tudo aceso, tudo limpo. A única coisa que funciona aqui é o carro do lixo. A boa política é a boa administração. Quando não se faz uma boa administração, a política não é boa. As pessoas que conseguem um car-go com os políticos falam bem. Mas as pes-soas da comunidade que não estão sendo beneficiadas reclamam muito. A política fun-

ciona assim. Do governo do Presidente Lula, as pessoas falam bem porque é um governo que está trabalhando para o lado dos pobres. A gente da Associação não tem o que falar. Embora, no Brasil, ainda tenha muita coisa que deixa a desejar na área da saúde, da edu-cação. As pessoas mais pobres falam muito bem do Bolsa Família. Na nossa Associação, a maioria é beneficiada com o Bolsa Família.

REVISTA CAMPONESA – Como você está acompanhando as Eleições 2010 no Brasil?VIVIANE SIQUEIRA – Eu espero que os candi-datos apresentem propostas para as áreas de saúde e educação. Apesar de já ter evoluído bastante, deveriam ser as prioridades. O ENEM, por exemplo, deu mais chance pras pessoas que necessitam fazer faculdade. Eu sou uma que fui contemplada junto com a maioria das minhas colegas da Associação com o PROUNI, o PROEDUC. Mas eu acho que ainda precisa melhorar o nível das escolas, dos professores. A educação é o que leva a pessoa a saber distinguir as coisas e crescer. Ao investir

na área de educação, investe-se na criança, reduz-se o risco de doenças porque você pode trabalhar coisas relacionadas à saúde, reduz-se a criminalidade porque se vai edu-car a família e possibilitar que os jovens en-contrem bons empregos. A demanda na saúde é muito grande, muita gente pra poucas unidades de saúde, poucos médicos. Aqui na unidade de saúde da comunidade é um clínico geral pra tudo, o dentista vem mais é muito raro, se vier e tiver algum equipamento quebrado não atende, na outra semana não atende. Aqueles problemas que quase todos os mu-nicípios têm. Falta termômetro, o pessoal faz o pedido, não vem, a gente não sabe porque não vem. A escola, por exemplo, está parada. Meu menino está sem aula. A escola do mu-nicípio está em greve. O pessoal está reivin-dicando a merenda que não tem, produtos de limpeza que não estão vindo e ninguém sabe por quê. Por que acontece isso? Acho que falta fiscalização. As pessoas têm medo de denunciar.

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A maturidade política das mulheres

Elas participam pouco da política institucional mas, cada vez mais, ampliam sua influência

na vida política do país

Por Bethânia Lima

“Sabemos o que agora está em jogoe o que está agora acontecendo.

A hora da coragem soa em nossos relógiose a coragem não nos há de desertar”

(Coragem, de Anna Akhmátova, 1889-1966)

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É inegável que as mulheres têm ampliado sua participação nos di-versos segmentos da sociedade, inclusive, ocupando setores que

antes eram tidos como “exclusivamente” masculinos. No entanto, elas têm tido mui-ta dificuldade de ocupar espaço na política partidária. No Congresso Nacional, apenas 9% dos parlamentares são mulheres; na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, dos 24 deputados estaduais, apenas 3 são mulheres; dos 167 municípios do estado, apenas 25 são administrados por mulheres; entre os 21 vereadores da atual Câmara Municipal de Natal, temos apenas duas mulheres. A professora de ciências políticas da Universidade de Brasília, Lúcia Avelar, afirma que elas podem se candida-tar, mas na hora da distribuição do recurso para campanha e da definição do tempo de aparecimento na mídia, sempre ficam em desvantagem e isto independe da sigla. É, nesse contexto, que milhões de mulheres brasileiras vão às urnas, agora em 2010, para exercer a cidadania e votar para presi-dente, governador, senador, deputado(a) federal e deputado(a) estadual.

Mas, a pequena participação das mulheres no poder legislativo e executivo em nosso país, e consequentemente a baixa representação no Congresso Nacional não significa, necessariamente, a falta de em-poderamento político das mulheres. Pelo contrário, é cada vez maior a participação das mulheres em várias instâncias da socie-dade e o fortalecimento dos movimentos sociais e feministas atuando como mobili-zadores das causas das mulheres. “Acredito que sou uma pessoa política, eu vivo no meio dela através de muito trabalho e da participação”, assegura a agricultora Sônia Maria Tenório. Sônia é uma mulher consci-ente dos seus direitos e deveres enquanto cidadã, liderança reconhecida na região em que vive está disputando a presidência da Associação de sua comunidade. “Busco sa-ber e participar das ‘coisas’ no meu lugar”, diz Sônia, que é moradora da Agrovila Paraíso, no Assentamento Arizona, em São Miguel do Gostoso. “A sociedade é muito conservado-ra. O Congresso é um espelho da sociedade que temos (classista, racista, sexista), e o fato de termos poucas mulheres na represen-tação política é uma questão das relações desiguais de gênero”, comenta Conceição Dantas, coordenadora do Centro Feminista 8 de Março - CF8 e da Marcha Mundial de

Mulheres - MMM. O CF8 é uma organização não go-vernamental que tem como missão contri-buir com a construção do feminismo, a partir do fortalecimento dos grupos de mulheres e de sua auto-organização, como forma de impulsionar as transformações necessárias para a construção de uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres. Atu-ando na assessoria a grupos de mulheres adultas e jovens rurais e urbanas, em mu-nicípios da região Oeste do Rio Grande do Norte e ainda desenvolvendo projetos nos outros estados do Nordeste, esta Ong tem a prática de estimular os grupos a acreditarem e exercerem a auto-organização, de forma que as mulheres se fortaleçam e consigam

Mulheres Politicamente mais Empoderadas

construir sua própria história. “A auto-orga-nização é fundamental para a conquista da autonomia, e nessa autonomia está a possi-bilidade da participação nos movimentos, e a possibilidade de tornar-se uma liderança”, diz Conceição Dantas. Um processo demorado e que exige muito trabalho, mas não é impossível. “A par-ticipação das mulheres nos movimentos, em sua maioria, não reflete a sua total au-tonomia nos processos políticos. A política acaba não sendo almejada ou priorizada, pois temos outras necessidades a serem superadas, como vem sendo ao longo da história: o direito ao voto, não à violência, não à discriminação, o direito à inclusão no trabalho”, considera Lidiane Freire, inte-grante da equipe técnica da AACC/RN. Os entraves culturais, econômicos e sociais, os quais as mulheres sempre ti-veram que enfrentar ainda são bem fortes, por isso, destacar a questão da auto-orga-nização para elas se faz tão importante. “Minimamente a sociedade reconhece que as mulheres tiveram desvantagens, e desconstruir essa invisibilidade política é preciso”, alerta Francisca Gomes Torres Filha, mais conhecida por Francineide, da Coope-rativa de Assessoria e Serviços Múltiplos do Desenvolvimento Rural – Coopervida.

São inúmeras as experiências, aqui no RN, de grupos de mulheres que recebem formação/capacitação política e passam de forma organizada a conquistar espaços e ter

Sônia Maria Pereira Tenório, agricultora de São Miguel do Gostoso

Conceiçao Dantas, do CF8

Fortalecer a Formação e Ampliar a Cidadania

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Camponesa - Agosto de 2010

maior participação nas políticas públicas. As instituições sem fins lucrativos, federações e movimentos sociais estão sempre promo-vendo capacitações e tantas outras ativi-dades que possibilitam gerar mudanças na vida das mulheres.“Discutimos vários assun-tos nas nossas atividades com as mulheres e sabemos que elas assumem novas postu-ras”, destaca Francineide, da Coopervida. O trabalho executado no município de Apodi, região Oeste do estado, junto aos grupos é semelhante à ação da AACC/RN no município de São Miguel do Gostoso. São atividades de assessoria que buscam envolver diretamente as mulheres, valorizando e desenvolvendo práticas que favoreçam a inclusão social de-las. Ao estimular a realização de experiên-cias agroecológicas em consonância com os princípios da economia solidária, a auto-organização é algo que pode modificar as condições de vida dessas mulheres, e con-sequentemente refletir na capacidade de representação política. A Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Fami- liar do RN – Fetraf – também incentiva as mulheres a se auto-organizarem, e con-segue articular mais de 300 agricultoras, de forma direta e indireta, em suas ações. “Trabalhamos com mais de 50 sindicatos de trabalhadores(as) rurais e nos preocu-pamos em promover as políticas públicas e a organização na vida das mulheres”, ex-

Lidiane Freire, AACC/RN

Maria Cícera Franco e Josana de Lima, Fetraf-RN

plica Maria Cícera Franco, Coordenadora de Mulheres da Fetraf/RN. A participação das mulheres nos conselhos, associações, sindicatos e fóruns são exemplos do quanto esta represen-tatividade vem aumentando e como é vi-sível o resultado do trabalho realizado em torno da formação sindical. “Com as com-panheiras na ponta, a organização é bem mais visível e elas conciliam muito bem a produção e a política”, afirma Cícera. Porém, como todo processo democrático construtivo as mulheres enfrentam mui-tas barreiras, dentre elas o “cuidado fami-liar” com os filhos(as) e parceiro, além das dificuldades econômicas. As limitações que, por vezes, os maridos querem tentam impor para que as mulheres não participem das atividades ainda restringe, principalmente, a partici-pação daquelas que possuem filhos. “So-mos educadas para uma ‘coisa’, e assumir outras atividades requer outra lógica”, ex-plica Conceição Dantas, ao lembrar que a lógica do “mundo público” foi pensada para o homem e a lógica do “cuidado” foi deixada sob a responsabilidade da mu-lher, e, ainda que essa divisão seja muito antiga, ela perdura e é um desafio enfren-tado atualmente pelas mulheres. “É preciso muito apoio para uma liderança se manter porque passa a sofrer um grande ataque de preconceitos”, ressalta Conceição. Para Josana de Lima, a Coordena-dora de Juventude da Fetraf, as jovens so-frem mesmo muito preconceito por estarem ocupando os espaços públicos. “As jovens participam e querem avanços com as políti-cas e isso, às vezes, assusta os homens”, diz Josana. A partir do momento que as mu-

lheres se inserem nas discussões políticas, o comprometimento é bem forte, e a iden-tidade com a luta pelos seus direitos e ideais passa a ganhar destaque. “Eu sou filiada a um partido político, militante da Marcha Mundial das Mulheres, faço parte da associação do assentamento, apoio ações do grupo produtivo de mulheres e sonho com mais comprometimento políti-co para as mulheres”, fala Rejane Ângela da Silva, de São Miguel do Gostoso. O compro-misso e o papel político que deve ser assumi-do pelos(as) nossos(as) representantes é algo muito sério, segundo as mulheres engajadas nos movimentos e que estão envolvidas nos espaços políticos vinculados à sociedade ci-vil. Pensar a presença da mulher nos espaços de representação política como o legislativo

Francisca Gomes Torres Filha, Coopervida

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Quatro anos de Lei Maria da Penha

Lei 11.340

e o executivo trazem a reflexão sobre a ampli-ação de suas conquistas. Trata-se de pensar as diversas pautas políticas que contemplem as mulheres tais como: políticas de com-bate à violência contra a mulher, políticas de acesso ao crédito no meio rural, políticas que garantam o direito de ter ou não ter filhos e quando tê-los, entre tantas outras. Contudo, não adianta, de repente, aumentar a representação das mulheres no espaço político institucional se isso não vier acompanhado de um maior compromisso com as causas sociais e com a ampliação dos espaços de organização política das mu-lheres. Esse ano, a eleição já apresenta um novo painel ao trazer mais de uma mulher concorrendo ao cargo de presidente no país. “Estamos vivendo um momento histórico; a presença de mulheres nas eleições majori-tárias é muito significativa para o avanço da política brasileira. São mulheres de perso-nalidades fortes, que vem ao longo de suas vidas políticas e públicas contribuindo para a história e para o desenvolvimento do país”, afirma Lidiane Freire. Há um acúmulo nas lu-tas. Os feminismos possibilitaram conquistas muito significativas e isso se reflete no dis-

cernimento político, na sagacidade de saber qual é o melhor momento, o espaço mais adequado, a arena mais favorável para avan-çar nas conquistas. Que ninguém se engane: a maturidade política das mulheres, resultado da participação nas organizações feministas,

Rejane Ângelo da Silva, São Miguel do Gostoso

C onhecida como Lei Maria da Penha, a lei  número 11.340 decretada pelo Congresso Nacional  e san-cionada pelo presidente do Brasil

Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de agosto de 2006, completa 4 anos de existência. Den-tre as várias mudanças promovidas pela lei

está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher  quando ocor-ridas no âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor  no dia 22 de setem-bro de 2006, e já no dia seguinte o primei-

ro agressor foi preso, no Rio de Janeiro, após tentar estrangular a ex-esposa. O nome da Lei é uma homenagem a Maria da Penha (também conhecida

como Leticia Rabelo) Maia Fernandes, que foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou

assassiná-la. Na primeira com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na se-gunda por eletrocução e afogamento. O

marido de Maria da Penha só foi punido de-pois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado. A lei alterou o Código Penal Bra- sileiro  e possibilitou que agressores de mu-

com certeza se refletirá na hora do voto, na sabedoria de escolher quem melhor as re-presenta politicamente sem perder a com-preensão de que os feminismos têm muito a contribuir com a criação de outras formas de institucionalidade política no Brasil.

lheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão  preventiva decretada, estes agresso-res também não poderão mais ser punidos com penas alternativas, a legislação também aumenta o tempo máximo de detenção pre-visto de um para três anos, a nova lei ainda prevê medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida e filhos. A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR) divulgou, no início de agosto, o balanço semestral da Central de Atendimento à Mu-lher - Ligue 180. Nos primeiros seis meses do ano, registrou-se um aumento de 112% no número de denúncias recebidas, em com-paração com o mesmo período de 2009. Até junho de 2010, houve 343.063 atendi-mentos, contra 161.774 no ano passado. Em metade dos casos a vítima afirma correr risco de morte. No RN, para cada 50 mil mulheres, 159 ligam para o disque-denúncia da violên-cia contra a mulher. A Lei Maria da Penha é um exemplo concreto da capacidade de mobilização políti-ca das mulheres na defesa de seus direitos.

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Camponesa - Agosto de 2010

Introdução à Política BrasileiraOrganizadores: MARTINS JUNIOR, José Paulo; DANTAS, HumbertoEditora: Paulus EditoraAssunto: Ciências Sociais e PolíticasSinopse: O objetivo desta obra é mostrar para o cidadão que política, em países democráticos, por princípio, deve ser debatida e requer participação ativa, que transcende o voto. Para tanto, somos obrigados a conhecer as regras do jogo. Eis aqui o

convite para desvendarmos esse mundo do qual nos sentimos tão afastados e que, na verdade, está presente e é responsável por nosso cotidiano na sociedade.

Vida CapitalEnsaios de Biopolítica

2ª Edição Revisada e Ampliada

Autor: PELBART, Peter PalEditora: IluminurasAssunto: Filoso�a

Sinopse: Este volume apresenta variações sobre a questão da vida no contexto contemporâneo. Como o capital penetra a vida de todo mundo, desde o corpo à subjetividade? De que modo aparece, no auge dessa captura, uma força vital

inusitada? Que tradução política essa biopotência estaria em vias de conquistar para si? Ao percorrer domínios dos mais diversos, da �loso�a ao teatro, da política à loucura, o pensamento é deslocado de suas certezas, e pode reencontrar sua vocação maior - no extremo do perigo, sondar as forças que pedem outras composições.

Sistema Político Brasileiro: Uma Introdução

Autor: AVELAR, Lúcia; CINTRA,Antônio OctavioEditora: UnespAssunto: Ciências Sociais e PolíticaSinopse: Dividida em sete partes, esta obra, que contou com a colaboração de acadêmicos de

expressão, aborda questões que envolvem o recente passado autoritário do Brasil. Tendo como pano de fundo preocupações quanto à consolidação de um regime plural, que assegure os valores da liberdade e de participação ampliada e a incorporação crescente de todos para uma cidadania plena, apresenta indagações com relação - às relações entre os níveis de governo; às atribuições do Estado Federal, dos estados e municípios; às di�culdades da vida municipal, sob os aspectos político e administrativo; à separação entre o público e o privado; ao papel das forças armadas, das igrejas e das elites empresariais e políticas, na construção da política e do Estado brasileiro.

ParaAprofundarParaAprofundar

A Invenção do Nordeste e Outras ArtesAutor: ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval MunizEditora: CortezAssunto: Ciência PolíticaSinopse: O livro busca respostas para uma inusitada questão: a invenção do Nordeste, o surgimento de um recorte espacial, de um lugar imaginário e real no mapa do Brasil, que todos nós

conhecemos profundamente, não importa de que maneira, mas que nunca pudemos imaginar com uma existência tão recente. E falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa, composto por alguns estados e cidades. É mobilizar todo o universo de imagens, socialmente reconhecidas e consagradas, que criaram a própria ideia de Nordeste.

Autora: ARAÚJO, Tânia BacelarEditora: RevanAssunto: Ciências Sociais

Heranças e urgências

Sinopse: A reunião de uma seleção de trabalhos produzidos nos últimos vinte anos pela autora representa uma contribuição consistente para nortear pesquisas e ações pelo entendimento dos

rumos do crescimento econômico brasileiro; um processo dinâmico e potente marcado pelas suas características de exclusão social e de injustiça espacial, comprometendo o alcance do desenvolvimento. A clareza das análises, a sugestão de alternativas, a experiência nas instâncias de planeja-mento, a disposição para interlocução com outras disciplinas e com atores sociais das mais diversas matizes, caracterizam uma trajetória de produção intelectual. Os ensaios de Tânia Bacelar de Araújo iluminam problemas e questões que a elite brasileira, tradicionalmente, não tem nenhum interesse em ver compreendidos e discutidos, objetivamente, pelos que não a integram. É certamente uma leitura pouco cômoda para alguns e da maior importância e signi�cado para muitos.

Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro:

Introdução Crítica

Sinopse: Neste livro, o cientista político e profes-sor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Emanuel Evangelista, nos introduz no mundo da teoria social pós-moderna, colando as contribuições dos seus demiurgos, para construir

um todo coerente e orgânico, arrolando e elegendo, como contraditório, os principais críticos dos princípios e postulações dos pós-modernos Jürgen Habermas, Fredric Jameson, David Harvey e Terry Eagleton.

Teoria Social Pós-Moderna

Autor: EVANGELISTA, João EmanuelEditora: SulinaAssunto: Sociologia

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Introdução à Política BrasileiraOrganizadores: MARTINS JUNIOR, José Paulo; DANTAS, HumbertoEditora: Paulus EditoraAssunto: Ciências Sociais e PolíticasSinopse: O objetivo desta obra é mostrar para o cidadão que política, em países democráticos, por princípio, deve ser debatida e requer participação ativa, que transcende o voto. Para tanto, somos obrigados a conhecer as regras do jogo. Eis aqui o

convite para desvendarmos esse mundo do qual nos sentimos tão afastados e que, na verdade, está presente e é responsável por nosso cotidiano na sociedade.

Vida CapitalEnsaios de Biopolítica

2ª Edição Revisada e Ampliada

Autor: PELBART, Peter PalEditora: IluminurasAssunto: Filoso�a

Sinopse: Este volume apresenta variações sobre a questão da vida no contexto contemporâneo. Como o capital penetra a vida de todo mundo, desde o corpo à subjetividade? De que modo aparece, no auge dessa captura, uma força vital

inusitada? Que tradução política essa biopotência estaria em vias de conquistar para si? Ao percorrer domínios dos mais diversos, da �loso�a ao teatro, da política à loucura, o pensamento é deslocado de suas certezas, e pode reencontrar sua vocação maior - no extremo do perigo, sondar as forças que pedem outras composições.

Sistema Político Brasileiro: Uma Introdução

Autor: AVELAR, Lúcia; CINTRA,Antônio OctavioEditora: UnespAssunto: Ciências Sociais e PolíticaSinopse: Dividida em sete partes, esta obra, que contou com a colaboração de acadêmicos de

expressão, aborda questões que envolvem o recente passado autoritário do Brasil. Tendo como pano de fundo preocupações quanto à consolidação de um regime plural, que assegure os valores da liberdade e de participação ampliada e a incorporação crescente de todos para uma cidadania plena, apresenta indagações com relação - às relações entre os níveis de governo; às atribuições do Estado Federal, dos estados e municípios; às di�culdades da vida municipal, sob os aspectos político e administrativo; à separação entre o público e o privado; ao papel das forças armadas, das igrejas e das elites empresariais e políticas, na construção da política e do Estado brasileiro.

ParaAprofundarParaAprofundar

A Invenção do Nordeste e Outras ArtesAutor: ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval MunizEditora: CortezAssunto: Ciência PolíticaSinopse: O livro busca respostas para uma inusitada questão: a invenção do Nordeste, o surgimento de um recorte espacial, de um lugar imaginário e real no mapa do Brasil, que todos nós

conhecemos profundamente, não importa de que maneira, mas que nunca pudemos imaginar com uma existência tão recente. E falar do Nordeste é inventariar os muitos estereótipos e mitos que emergiram com o próprio espaço físico reconhecido no mapa, composto por alguns estados e cidades. É mobilizar todo o universo de imagens, socialmente reconhecidas e consagradas, que criaram a própria ideia de Nordeste.

Autora: ARAÚJO, Tânia BacelarEditora: RevanAssunto: Ciências Sociais

Heranças e urgências

Sinopse: A reunião de uma seleção de trabalhos produzidos nos últimos vinte anos pela autora representa uma contribuição consistente para nortear pesquisas e ações pelo entendimento dos

rumos do crescimento econômico brasileiro; um processo dinâmico e potente marcado pelas suas características de exclusão social e de injustiça espacial, comprometendo o alcance do desenvolvimento. A clareza das análises, a sugestão de alternativas, a experiência nas instâncias de planeja-mento, a disposição para interlocução com outras disciplinas e com atores sociais das mais diversas matizes, caracterizam uma trajetória de produção intelectual. Os ensaios de Tânia Bacelar de Araújo iluminam problemas e questões que a elite brasileira, tradicionalmente, não tem nenhum interesse em ver compreendidos e discutidos, objetivamente, pelos que não a integram. É certamente uma leitura pouco cômoda para alguns e da maior importância e signi�cado para muitos.

Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro:

Introdução Crítica

Sinopse: Neste livro, o cientista político e profes-sor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Emanuel Evangelista, nos introduz no mundo da teoria social pós-moderna, colando as contribuições dos seus demiurgos, para construir

um todo coerente e orgânico, arrolando e elegendo, como contraditório, os principais críticos dos princípios e postulações dos pós-modernos Jürgen Habermas, Fredric Jameson, David Harvey e Terry Eagleton.

Teoria Social Pós-Moderna

Autor: EVANGELISTA, João EmanuelEditora: SulinaAssunto: Sociologia

www.polis.org.br O Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais é uma organização não governamental de atuação nacional, constituída como associação civil sem �ns lucrativos, apartidária, pluralista e reconhe-cida como entidade de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal.

www.votenaweb.com.br Sistema que permite o acompanhamento e discussão das proposições que tramitam no Congresso e permite gerar per�s de parlamentares e compará-los com seu próprio per�l de votação.

www.cidadedemocratica.com.br É uma plataforma de participação política, onde os cidadãos e entidades podem se expressar, se comunicar e gerar mobilização para a construção de uma sociedade .

www.ibase.org.brO Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. Entre os fundadores está o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.  É uma instituição sem �ns lucrativos, sem vinculação religiosa e partidária. A missão é aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade.  Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e in�uência sobre políticas públicas.

Rosalba CiarliniDas 43 matérias propostas pela senadora Rosalba Ciarlini, durante o seu mandato no Senado, 17 (39,5%) são consideradas irrelevantes pelo site do Transparência Brasil (www.transparenciabrasil.org.br). Destas, 13 se tratam de homenagens diversas.

Bancada Ruralista na Câmara dos DeputadosDos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados, 78 (ou 15,2%) podem ser classi�cados como ruralistas devido a seus interesses na área. A informação sobre se o parlamentar é proprietário rural ou pecuarista é obtida de suas declarações de bens à Justiça Eleitoral, a partir do que eles informam em seus per�s nas respectivas Casas Legislativas e em outras fontes. Considera-se que a pessoa é ruralista se o valor declarado de propriedades/rebanhos corresponde a um percentual relevante de seus bens.

Candidato terá que apresentar Carta de PrincípiosTramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado proposta que obriga os candidatos a cargos eletivos a registrarem, na Justiça Eleitoral, uma carta de princípios e seu programa de trabalho. O projeto de lei (PLS 195/06), que tramita na CCJ em caráter terminativo, de�ne como carta de princípios uma declaração do candidato com informações sobre os fundamentos pelos quais postula a sua eleição. Já o programa de trabalho é a indicação dos objetivos que pretende realizar no decorrer do mandato. O Projeto de Lei é de autoria do Senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

Bancada da “Comunicação” na Câmara dos DeputadosUm total de 55 deputados federais (10,7% da Casa) detém concessões de radiodifusão, direta ou indiretamente. O Rio Grande do Norte encabeça o ranking de maiores bancadas detentoras de concessões de radiodifusão na Câmara dos Deputados: nada menos de metade de seus integrantes detêm tais concessões.

Informação do documento “Como são nossos parlamentares”, produzido pela Transparência Brasil, em 2008, disponível no seguinte endereço eletrônico: www.transparencia.org.br/docs/excelencias.pdf

Informação do documento “Como são nossos parlamentares”, produzido pela Transparência Brasil, em 2008, disponível no seguinte endereço eletrônico: www.transparencia.org.br/docs/excelencias.pdf

CPMI do MSTA Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre supostas irregulari-dades no repasse de recursos públicos ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) concluiu que não houve qualquer desvio de verbas na execução de convênios entre a União e o MST. Segundo o relator da Comissão, deputado Jilmar Tatto (PT-SP), “a oposição criou esta CPMI somente para fazer disputa política e eleitoral, e não para investigar qualquer irregularidade”.

www.ihuonline.unisinos.br O site da Revista do Instituto Humanitas Unisinos apresenta, semanalmente, a discussão de várias temáticas importantes, levando em consideração as novas questões e grandes desa�os da nossa época, a partir de uma visão do humanismo social cristão.

www.sof.org.br A SOF é uma  organização não governamental feminista em funcionamento desde 1963, que tem por objetivo institucional contribuir na construção de uma política feminista articulada ao projeto democrático-popular, que esteja presente na formulação de propostas e nos processos organizativos e de luta dos movimentos sociais. Esta política deve transformar as relações de gênero e favorecer a autodeterminação das mulheres.

Page 32: Revista camponesa agosto de 2010

Camponesa - Agosto de 2010 www.aaccrn.org.br

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Toda palavra traz em si a não-palavraO maior silêncio está por vezes

No que se diz, contido

O que se gera no vácuoInexoravelmente cumpre

A lei do habitar-se dele

Dizer é querer revelar o que éE nenhum ser será

Tão perfeitamente exprimívelQue perfeitamente se diga

E quanta vez o dizer-se se desdizNo escultórico trabalho

De se plasmar a idéia

Dizer e não-dizer coexistem

DA PALAVRA

A poesia “Da Palavra” é de autoria de Nivaldete Ferreira, poeta natural de Nova Palmeira (PB). A poesia está no livro Sertania, publicado em 1979.