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MARGEANDO A EXCELÊNCIA: TRAJETÓRIA DOS TÉCNICOS EM EDUCAÇÃO DO COLÉGIO PEDRO II, DE 1932 A 2010. Alessandra Pio UFRJ [email protected] Palavras-chave: Pedagogia – História – Colégio Pedro II OBJETIVOS O texto que segue demonstra grande esforço em buscar no campo empírico tratado, o Colégio Pedro II, novas formas de contar sua história. Neste caso a opção foi investigar o trabalho desempenhado por seus diversos agentes ao longo de sua trajetória, já bem explorada. Dessa forma a escolha foi pelo grupo menos investigado, o técnico-administrativo, mais especificamente, os técnicos em educação. Este trabalho pretende, à medida que resgata e expõe a trajetória dos técnicos em educação, servir de fomento a pesquisas que enfatizem a formação da identidade profissional do pedagogo e o trabalho técnico da escola. METODOLOGIA Logrando alcançar os objetivos expostos foi feita uma busca documental – decretos, leis, portarias, projetos da escola, planos de trabalho etc. – para auxiliar a pesquisa quanto ao recorte temporal, mas, também, para possibilitar a verificação dos dados por várias fontes. Todos esses anos de história já foram investigados, com persistência, pelas vias do currículo, das práticas docentes ou discentes e/ou pelas histórias de glória da escola. De uma forma ou de outra, essa é uma instituição constantemente revisitada. O Núcleo de Documentação e Memória – NUDOM – está com a agenda repleta de nomes de pesquisadores que querem subsidiar suas teses e dissertações. É, ainda, fator relevante à compreensão deste campo o número expressivo de docentes que pesquisam as suas práticas, ou aquelas de docentes que consideram um ícone, um exemplo a ser seguido na disciplina que ministram. Encontramos, então, um quantitativo ímpar de teses de cunho histórico: a história da disciplina história, ciências, matemática, biologia, química e língua portuguesa, são alguns exemplos. Pequenas histórias de professores célebres também podem ser encontradas. 1

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MARGEANDO A EXCELÊNCIA: TRAJETÓRIA DOS TÉCNICOS EM EDUCAÇÃO DO COLÉGIO PEDRO II, DE 1932 A 2010.Alessandra [email protected]: Pedagogia – História – Colégio Pedro II

OBJETIVOSO texto que segue demonstra grande esforço em buscar no campo empírico tratado, o

Colégio Pedro II, novas formas de contar sua história. Neste caso a opção foi investigar o trabalho desempenhado por seus diversos agentes ao longo de sua trajetória, já bem explorada. Dessa forma a escolha foi pelo grupo menos investigado, o técnico-administrativo, mais especificamente, os técnicos em educação.

Este trabalho pretende, à medida que resgata e expõe a trajetória dos técnicos em educação, servir de fomento a pesquisas que enfatizem a formação da identidade profissional do pedagogo e o trabalho técnico da escola.

METODOLOGIALogrando alcançar os objetivos expostos foi feita uma busca documental – decretos,

leis, portarias, projetos da escola, planos de trabalho etc. – para auxiliar a pesquisa quanto ao recorte temporal, mas, também, para possibilitar a verificação dos dados por várias fontes.

Todos esses anos de história já foram investigados, com persistência, pelas vias do currículo, das práticas docentes ou discentes e/ou pelas histórias de glória da escola. De uma forma ou de outra, essa é uma instituição constantemente revisitada. O Núcleo de Documentação e Memória – NUDOM – está com a agenda repleta de nomes de pesquisadores que querem subsidiar suas teses e dissertações.

É, ainda, fator relevante à compreensão deste campo o número expressivo de docentes que pesquisam as suas práticas, ou aquelas de docentes que consideram um ícone, um exemplo a ser seguido na disciplina que ministram. Encontramos, então, um quantitativo ímpar de teses de cunho histórico: a história da disciplina história, ciências, matemática, biologia, química e língua portuguesa, são alguns exemplos. Pequenas histórias de professores célebres também podem ser encontradas.

Yolanda Lôbo1 nos mostra como o conceito de “invenção das tradições” pode nos auxiliar na compreensão deste processo que, se utilizado no intuito de compreender a estrutura (organizacional) do CPII, possivelmente proporcionará pistas sobre a “persistência” de determinados assuntos em detrimento de outros nas pesquisas encontradas sobre o Colégio.

Tomando o conceito de "invenção das tradições" (Hobsbawn & Ranger, 1997) - processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, ainda que apenas imposto pela repetição - pode-se dizer que o Pedro II inventa a tradição que produz culturalmente, uma representação do mundo social imediatamente ajustada à estrutura das relações socioeconômicas que, doravante, que passam a ser percebidas como naturais e, desse modo, passam a contribuir para a conservação simbólica das relações de forças vigentes.2

Percebendo essa “ratificação histórica” que possibilita a manutenção da tradição de excelência, busco enveredar pelo caminho das práticas menos óbvias para compreender como se dão os embates e conflitos que, caso realmente existam, permaneceram fora da grande maioria das teses e dissertações construídas.

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Como o quadro técnico-administrativo é composto por níveis de formação amplamente heterogêneos – desde porteiros, habilitados com o primeiro segmento do ensino fundamental, até psicólogos e advogados, com habilitação superior – poderíamos afirmar que, o impacto de suas produções acadêmicas não demandariam relevância. Provavelmente, abarcando a teoria de Hobsbawn, a cultura do CPII optou (opta?) por não evidenciar o que foge à imagem de excelência que prefere manter.

Não poderíamos, sem incorrer em leviandade, afirmar que exista uma relação de culpabilidade no “apagamento” destes agentes: se, por essa baixa representatividade intelectualizada3 do segmento técnico-administrativo, estes agentes não possuam uma inserção significativa no plano decisório do Colégio; ou, se por permanecerem tantas décadas fora das “esferas de poder” da escola, é que continuam a ocupar as margens do processo decisório – seja este administrativo ou pedagógico. Fato é que a ideia de inaptidão da maioria para ocupar cargos de destaque ou chefia – ainda que seja sua especialidade, como veremos o caso dos Técnicos em Assuntos Educacionais, está cristalizada.

Inseri-me, então, dentre os pesquisadores que optam pela história da educação para investigar as instituições escolares porque

"Percebendo as instituições escolares como coletivos de trabalho e como sistemas de relações onde os atores interagem entre si segundo lógicas hierárquicas e classificatórias, e em acordo com as normas burocráticas de agrupamento e de relacionamento, [os estudos nessa linha] nos permitem perceber os mecanismos de organização e funcionamento, de reprodução e de transformação das práticas e das normas vigentes nas escolas, em diferentes momentos da sua história, muitas vezes, partindo de sua criação e instalação e analisando o seu desenvolvimento, outras vezes, esquadrinhando suas condições e estratégias de funcionamento na contemporaneidade” 4. Grifos meus.

Ousando enveredar pelos caminhos da história, não há como escapar de seus métodos e teorias. Mas, por sorte, ainda há como optar pelo caminho que melhor se adapte à pesquisa e, por que não, à pesquisadora e suas limitações nesta que é uma área desconhecida.

A apresentação a Droysen5 e Rüsen6 possibilitou algumas ponderações essenciais ao tratamento das informações, mas não só: fez com que a disciplina voltasse a ser ponto preponderante para conseguir organizar o aglomerado de dados que todo o bom e tolo pesquisador iniciante teima em armazenar.

Tratando de identificar, desde 2004, a organização da Secretaria de Ensino do CPII, tratei de buscar a norma vigente à cada época na escola. São inúmeros decretos e leis, aprovando ou não a estrutura do Colégio e definindo nas mãos de quem estaria o poder deste ou daquele setor. Algumas vezes a atividade pedagógica é tratada de forma mais específica, outras, apenas se mostra quem está subordinado a qual departamento – deixando claro o que é valorizado na instituição.

Também armazenei cópias de atas de reuniões de técnicos de educação – os “ancestrais” do técnico em assuntos educacionais, por assim dizer – o que é útil para comparar as determinações com as ações, bem como vislumbrar alguma intencionalidade nestas.

Nesta etapa de leitura, e decorrente fichamento, foram listadas as informações. A partir das datas de cada documento, parti em busca dos acontecimentos externos à escola. Em 1932, por exemplo, ocorreu uma reforma no ensino secundário. Não seria de se estranhar, então, que encontrássemos diversos decretos no período entre 1933 e 1936 regulamentando mudanças. Esses fatos nos levam a acreditar que este Colégio sempre tentou manter-se de acordo com as normas do Estado – isso não significa que estivesse em consonância com tais

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regras, este dado pode ser observado pelas atas, que acabam por descrever práticas que se distanciavam das normas.

Foram consultadas as teses e dissertações sobre o Colégio, armazenadas no Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II – NUDOM –, onde há um catálogo com tais pesquisas até o ano de 2007. Busquei nestas leituras dados sobre a atuação auxiliar à prática docente. O objetivo era perceber até que ponto esse auxílio ocorre pela percepção daqueles que deveriam receber tal apoio. Considerei, ainda, artigos sobre a escola, publicados em revistas acadêmicas que, naturalmente, também continham textos dos pesquisadores da instituição que divulgavam pesquisas sobre suas disciplinas e práticas pedagógicas.

Dando prosseguimento ao trabalho, em etapa ainda por vir, e, buscando uma lógica para esses escritos, partirei em busca do contexto filosófico, ou de formação, dos principais autores utilizados. No caso das fontes documentais citadas inicialmente, buscarei compreender o papel de seus outorgantes na educação da época, sua formação e seu papel social.

Por fim, será dado o tempo ao trabalho de conexões, ou seja, partirei em busca do sentido psicológico, das reflexões sobre as referências trabalhadas. Neste ponto vale buscar a leitura sobre a vida e obra dos principais autores, caso o tempo ainda seja um aliado.

A forma pela qual proponho investigar as fontes é pautada pelo método hermenêutico. Isso é positivo, ao passo que dá todas as perspectivas de conhecer o que se pesquisa, tanto pela prática, quanto pela interpretação do que o objeto abarca. Mas, por outro lado, é difícil conseguir atingir tamanha organização nas primeiras investidas.

Ficará óbvio ao decorrer deste trabalho, que caminho, ainda, na primeira etapa. Mas, ainda que tentando manter o rigor no exame das fontes, já tratei de interpretar alguns dados, ainda que não fosse o objetivo central da atividade. Se isso atrasou, bastante, o trabalho, possibilitou o aproveitamento de alguns dados e a exclusão de outros, que considerei secundários.

As experiências temporais trazidas por Rüsen poderão ser melhor identificadas quando a pesquisa estiver em sua terceira fase, mas poderemos investir em algumas possibilidades, como o exemplo do tempo humano e do tempo histórico.

O primeiro pode ser verificado, se conseguirmos constatar que as normas não foram seguidas de forma premeditada (intencionalidade), se encontramos relatórios que descrevam fundamentações para as ações feitas em contrário; o segundo parte para a verificação das ações imprevistas, diante de certos padrões de organização que nos remetem a determinadas atitudes – cito como exemplo a norma que equaliza orientadores e docentes, em 1946, já que era de se esperar que houvesse manifestos dos docentes catedráticos, mas o decreto não foi revogado, apenas lhe acrescentaram uma nota “limitando” essa equidade aos salários.

Quanto aos métodos, pois para cada uma das experiências há um específico, será possível detectar neste trabalho artimanhas do método hermenêutico – dado à experiência do tempo humano. Já o método dialético, para a experiência do tempo histórico, será melhor desenvolvido na terceira etapa da pesquisa, como descrito acima.

Fica imposto, tanto pela raridade de material produzido sobre o tema, quanto pela necessidade de contrapor ainda mais dados, a metodologia da história oral. Nisso, utilizando-me de Sarlo7, tratarei com cautela das memórias, por concordar que “essas modalidades do discurso implicam uma concepção do social e, eventualmente, também da natureza. Introduzem um tom dominante nas visões de passado.”

Tratarei, então, de discorrer sobre a fase de pesquisa concluída: a listagem das informações consultadas.

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PROBLEMÁTICAA definição do que vem a ser a função de Técnico em Assuntos Educacionais – TAE –

só é possível se buscarmos estabelecer conexões com sua origem, pois, apesar do que alguns possam acreditar, esta não é uma “novidade na administração pública”.

A investigação através da Legislação Federal – Decretos, Leis, Portarias e o Diário Oficial da União (DOU) – possibilita-nos elaborar um pequeno histórico que demonstra, inclusive, possíveis causas para os entraves enfrentados atualmente no desenvolvimento do trabalho deste funcionário da educação. A escolha por este segmento da legislação se dá pelo fato do campo empírico, o Colégio Pedro II, ser uma autarquia federal, ou seja, é um órgão que possui a administração indireta da União.

O primeiro profissional que poderia se aproximar à atuação atual do TAE era chamado Inspetor. A função foi regulamentada pelo Decreto nº 18.890, de 18 de abril de 1931, que exigia que este profissional fosse aprovado em concursos elaborados pela própria Instituição para, após, ser nomeados pelo Diretor. Teria de ser brasileiro-nato ou naturalizado, ter entre 22 e 35 anos, apresentar atestado de idoneidade moral e sanidade, além de Certificado De Aprovação entre todas as disciplinas do Curso Secundário.

O Serviço de Inspeção estava subordinado diretamente ao “Departamento Nacional de Ensino”, uma espécie de órgão regulador. Os Inspetores agiam dentro das instituições de ensino secundário, já os Inspetores Gerais agiam supervisionando distritos de acordo com a determinação do “Ministério da Educação e Saúde Pública”. Seu trabalho assemelhava-se ao dos Supervisores que, no município de Duque de Caxias/RJ, por exemplo, são responsáveis por determinadas escolas de algum distrito (neste caso, a escolha do distrito ocorre no ato da inscrição no processo de seleção do concurso e é feita pelos próprios candidatos. No caso dos Inspetores da década de 40, isso era determinado pelo Departamento Nacional de Ensino, órgão diretamente ligado ao Ministério de Educação e Saúde Pública).

O Inspetor chegava a assistir aulas, atribuindo notas aos professores através de relatórios detalhados entregues periodicamente. Esse trabalho era feito dividindo-se os profissionais por três áreas de conhecimento: Letras; Ciências Matemáticas, Físicas e Químicas; Ciências Biológicas e Sociais. Ainda caberia prova sobre Higiene Escolar e Educação Física, aos candidatos desta última área. O concurso à vaga de Inspetor versava sobre todas as disciplinas da área para a qual se inscreveu, além de Pedagogia Geral e Metodologias dessas disciplinas. O Decreto também deixava clara a pretensão de, posteriormente, passar a exigir Certificado Especial de Estudos da Faculdade de Educação, Ciências e Letras.

O pagamento deste profissional, bem como dos outros funcionários do CPII à mesma época, era pelo sistema de diárias. O DOU de 21 de fevereiro de 1940 relata a listagem de pagamento de quinze Inspetores diaristas e outros profissionais de serviços gerais. Esta ocorrência se repete diversas vezes e evidenciando a oscilação do número de Inspetores, possibilitando-nos inferir que alguns profissionais não permaneciam pelos quatro anos iniciais propostos pelo Regimento. A oscilação da freqüência dos funcionários também era um problema, fato revelado pelas solicitações de providências acerca da falta de assiduidade de funcionários feitas do Diretor do Colégio para o Ministro da Educação e Saúde Pública.

Em 1960, através da Lei nº 3.780, os cargos do Serviço Civil do Poder Executivo são classificados e, diante desta outra fase, é feito novo quadro de vencimentos.

É possível compreender que a diferença entre este Inspetor e o Técnico de Educação era a atuação, pois ambos possuem curso superior com habilitação em Pedagogia – como era possível na Faculdade de Educação, Ciências e Letras – além da exigência, ao prestar o concurso, das provas para as áreas às quais concorreriam, no caso dos Inspetores.

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Destarte, os dois cargos passam a integrar o mesmo Grupo Ocupacional – “Pesquisa e Orientação Educacional”. O Grupo é subdividido em Classes onde a formação difere os cargos em nível de maior ou menor qualificação.

Importante observar o enquadramento do Orientador Educacional neste Grupo, pois este personagem mereceu destaque na organização pedagógica do CPII, evidenciada pelos Regimentos Internos. Enquanto os Inspetores, Inspetores Gerais e Técnicos de Educação desempenhavam um papel de supervisão e controle docente, preocupando-se com a questão curricular e a avaliação, por exemplo, os Orientadores Educacionais lidavam com a dinâmica discente e com as famílias destes.

Vale citar o Decreto-Lei nº 8.558, de 4 de janeiro de 1946, que criou os cargos de Orientador Educacional para o quadro permanente do CPII (Internato e Externato). O provimento dos cargos seria feito por Técnico de Educação indicado pelo Diretor. No mesmo ano de sua inclusão no quadro efetivo da escola, foi determinado, pelo Decreto nº 893, de 24 de janeiro de 1946, que os vencimentos e vantagens deste fossem equiparados aos dos Professores Catedráticos. Era, pois, um profissional reconhecido no meio educacional daquela escola. Apesar do impacto causado por essa decisão, o Regimento foi alterado pelo Decreto nº 39.037, de 18 de abril de 1956, que incluía como opção à Chefia do Gabinete de Educação os Professores Catedráticos.

O Regimento Interno do Colégio, Decreto nº 34.742, de 2 de dezembro de 1953, mantinha-o como pertencente ao corpo docente, com suas “atribuições específicas”. Compreensível, pois, como dito anteriormente, este especialista era, antes de tudo, um professor – com habilitação em Pedagogia.

Além destas prerrogativas, ficava a cargo do Orientador Educacional a chefia do Gabinete de Educação, setor de orientação e questões ligadas ao aluno e às famílias, subordinado diretamente ao Diretor. A função do Orientador era principalmente de aconselhamento, visando o “ajustamento” discente às regas da escola. Também constituíam-se como objetivos do setor: “Desenvolver nos adolescentes a compreensão do valor e de respectivo pela pessoa humana; Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, o amor e a veneração pelos grandes feitos da história pátria bem como pelas ideias e interesses na Nação Brasileira; Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, o amor e a veneração pelos grandes feitos da história pátria bem como pelas ideias e interesses na Nação Brasileira”.

O nome Técnico em Assuntos Educacionais só surge oficialmente quando em 1970 o Decreto nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, agrupa diversas Classes distintas no Grupo “Outras Atividades de Nível Superior”. Sua regulamentação específica, o Decreto nº 72.493, de 19 de julho de 1973, distribui o Grupo em sete níveis hierárquicos com características específicas de suas respectivas áreas. São características da Categoria Técnico em Assuntos Educacionais: “Atividades de supervisão, programação, coordenação ou execução especializada, em grau de maior complexidade, referentes: a trabalhos de pesquisa e estudos pedagógicos, visando a solução dos problemas da educação, à orientação e técnicas educacionais e à administração escolar”.

Ainda segundo essa norma, os profissionais cujas atividades se identificassem também poderiam ser enquadrados na mesma Categoria, qual sejam: Técnico de Educação, Sociólogo, Psicólogo, Inspetor de Ensino, Instrutor de Ensino Superior. Mas também, por transformação, o Assistente de Educação que possuísse diploma de Bacharel em Pedagogia devidamente registrado.

Para ingressar nas Categorias Funcionais do Grupo “Outras Atividades de Nível Superior” o funcionário deveria prestar concurso, pois as vagas eram limitadas, designadas pelo Ministério da Educação e Cultura. Seria verificada a capacitação para o cargo pleiteado, além do diploma correlato à área. No caso daqueles que pretendiam ser enquadrados como

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Técnicos em Assuntos Educacionais seria necessário apresentar o diploma de Bacharel em Pedagogia ou dos cursos de Psicologia, Filosofia, Ciências Sociais e Educação Física.

Houve, no Colégio Pedro II concursos para transposição de cargos. O DOU de 15 de março de 1976 divulga o resultado de três funcionários que pleiteavam o cargo de Assistente em Administração. Apesar de ser este um trabalho árduo e demorado, a busca minuciosa pelos editais e resultados destes concursos poderiam nos indicar quais conhecimentos eram solicitados destes funcionários e como eles respondiam a essas exigências.

Faz-se necessário ressaltar que, em momento algum, fala-se em Coordenador Pedagógico nesta Categoria. O Inspetor seria equivalente a um Supervisor Educacional dos dias atuais; o Técnico em Educação tratava das questões pedagógico-administrativas como calendários, organização de horários etc. No CPII este trabalho era organizado pelo Setor Técnico de Ensino e Avaliação que, ao contrário do antigo Gabinete de Educação – chefiado por Técnicos de Educação – era chefiado por professores e surgiu após a década de 70.

A função de Coordenador Pedagógico era desempenhada por professores, escolhidos entre o próprio grupo para ser o elo entre as Chefias de Departamento e as equipes docentes. Os Departamentos mantinham dentre seus objetivos a observância da unidade entre os conteúdos oferecidos nas Unidades Escolares e a elaboração de planos de estudos, visando o melhor desempenho da aplicação dos conteúdos.

Após esses dados podemos pontuar que os professores mantinham entre si a Coordenação Pedagógica e uma espécie de “intra-supervisão”, onde a avaliação era voltada ao grupo discente.

Não houve maiores transformações para os TAEs, depois dos eventos já citados, excetuando-se o recente Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE), estruturado pela Lei nº 11.091, de 12 de janeiro de 2005. A importância deste plano é a de proporcionar uma perspectiva inédita para um segmento de servidores onde quase 40% do grupo, segundo dados oferecidos pela Direção de Gestão de Pessoas do Colégio Pedro II8, permanece sem curso superior. Enquanto isso a mesma proporção de docentes possui mestrado, beneficiados por uma trajetória marcada por ilustres participantes onde a formação era sempre exigência primordial. Essas questões fomentam o debate acerca da qualificação técnica para o trabalho desempenhado pelo Inspetor, de “super-visionar” o trabalho docente. A alusão deste profissional ao Supervisor Educacional leva-nos à necessidade de uma breve abordagem sobre sua trajetória.

Os debates sobre Supervisão Educacional no Brasil, sobretudo a partir dos anos finais do século XX, têm girado, entre outras questões, em torno das que dão centralidade ao papel do Supervisor Educacional no processo de transformação da escola em um espaço mais democrático. Mas, para que consigamos compreender um pouco das dificuldades que circundam a prática desse profissional, precisamos conhecê-lo em sua gênese. Trataremos de fazer esta abordagem sem a pretensão de esgotar o debate neste momento inicial.

Entre os séculos XVIII e XIX, para fazer valer os princípios de um Estado voltado aos interesses da classe dominante, a escola utilizou-se de vários mecanismos hegemônicos, dentre eles a supervisão. A função de controlar a qualidade do ensino marcou, desde então, o Supervisor Educacional como aquele que vigia e fiscaliza. Isabel Alarcão ilustra este estigma:

Em nome da eficiência e da eficácia, defendidas por abordagens de influência taylorista que subjazem a filosofias tecnocráticas – as quais valorizam a racionalidade -, o supervisor é considerado o instrumento de execução das políticas públicas centralmente decididas e, simultaneamente, o verificador de que essas mesmas políticas eram efetivamente seguidas (In: RANGEL, 2001, p. 11).

O modelo de educação americano forma, nas décadas de 50 e 60, grupos de supervisores que adentram as escolas de ensino primário com a prática pautada em pressupostos de uma “pedagogia tecnicista – que se apóia na neutralidade científica e se

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inspira nos princípios da racionalidade, eficácia e produtividade do sistema” (SAVIANI, 1988).

Tal modelo era fornecido e implantado pelo Programa Americano-Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar – PABAEE, que teve maior expansão entre 1957 e 1963. Utilizando-se deste programa a ação norte-americana encontra o caminho necessário para disseminar a ideologia capitalista “promovendo cursos, encontros, produzindo vários tipos de material didático, difundindo obras da literatura americana, concedendo bolsas de estudos e custeando excursões para bolsistas aos Estados Unidos” (LIMA, In: RANGEL, 2001, p. 73).

A educação pós-64 torna-se assunto de interesse econômico e de segurança nacional, tendo na supervisão uma parceria que soma esforços na finalidade controladora. Não por acaso, o Supervisor Educacional passa a ter sua formação em cursos de graduação:

(...) a partir da lei 5540/68, a supervisão escolar passa a ter sua formação em cursos de graduação, sendo processada a partir da linha em que se davam os cursos promovidos pelo Pabaee e Pamp. Isto é, fundamentada nos pressupostos da pedagogia tecnicista – que se apóia na neutralidade científica e se inspira nos princípios da racionalidade, eficácia e produtividade do sistema” (SAVIANI, 1988, p. 15).

Esses especialistas serviam, dentro dessa perspectiva, ao desenvolvimento de uma concepção “funcionalista”, que enfatizava a importância de papéis – aqui compreendidos como cristalizações de relações de forças - a serem desempenhados. O tipo de formação baseada nesta concepção possui também indicadores como: “a ênfase no processo de como fazer, ou seja, nos meios, sem a percepção dos fins, de quem está a serviço e no controle da ação pedagógica do docente, como meio de garantir a qualidade do ensino” (MEDEIROS, 1985).

A trajetória do supervisor culmina com a resistência acirrada contra a supervisão nos anos 80, que chegava a fomentar a idéia de eliminá-la das escolas. Podemos depreender que grande parte da resistência atual do corpo docente em estabelecer parcerias com a supervisão ainda hoje advém destas raízes.

Hoje começamos a conceber o Supervisor Educacional como um especialista capaz de fazer uso de suas técnicas sem utilizar-se de tecnicismo. Trata-se, segundo Lima (In: RANGEL, 2001), “de uma função que, contextualizada, insere-se nos fundamentos e nos processos pedagógicos, auxiliando e promovendo a coordenação das atividades desse processo e sua atualização, pelo estudo e pelas práticas coletivas dos professores”. Acrescentaria algo que considero fundamental: pelo estudo e pelas práticas coletivas com os professores.

Silva Junior considera alguns pontos que precisam ser esclarecidos e repensados na pretensão de reordenar a práxis do supervisor, pois eles poderão influenciar na reelaboração do processo de formação e de atuação desse profissional. O autor destaca dois pontos: um é a consciência da necessidade de desburocratizar a prática pedagógica, ou seja, fugir da concepção taylorista de trabalho que percebemos nos parágrafos anteriores. Outro é a necessidade de “construir novas referências teóricas que decorram da análise da prática do supervisor e, ao mesmo tempo, observem a natureza peculiar do trabalho pedagógico como princípio orientador do trabalho a ser desenvolvido” (In: RANGEL, 1997, p. 104). Grifo meu.

A análise do Projeto Político Pedagógico da escola (MEC, 2002) foi essencial para compreender melhor como a relação, evidenciada pelo pequeno histórico e pelas questões acima, é demarcada no cotidiano co CPII.

O PPP, como é popularmente conhecido, possui quatrocentas páginas organizadas da seguinte forma: Lista de Ilustrações (p. 15-17); Apresentação (p. 21); Introdução (p. 25); 1)Histórico – Escola: espaço de memória (p. 29-30); 2)Caracterização: Escola: espaços de diferenças (p. 33-39); 3)Análise da Realidade: - Escola: espaço de contradições (p. 43-62);

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4)Fundamentos do Projeto – Escola: espaço de cidadania (p. 65-78); 5)Proposta Curricular: Escola: espaço de conhecimento (p. 73-357); 6)Estrutura Curricular – Escola: espaço de organização (p. 361-368; 371-378); 7)Avaliação – Escola: espaço de inclusão (p. 381-387); Equipe Técnica, Administrativa e Pedagógica do Colégio Pedro II (p. 389-400).

A divisão acima nos evidencia a centralidade do currículo organizado disciplinarmente. O “espaço de conhecimento” ocupa quase trezentas páginas, enquanto a “análise da realidade” somada aos “fundamentos do projeto” não somam quarenta. Não precisaremos nos deter à comparações como essa para concluir que não há propostas para o trabalho dos setores técnico-administrativos no PPP.

A leitura do documento pode causar as seguintes impressões: a centralidade dos conteúdos disciplinares ofusca as propostas de trabalho “interdisciplinar” da escola (há algumas propostas de disciplinas eletivas que dariam conta dos conteúdos transversalizados); o Setor Técnico de Ensino e Avaliação contribuiu de forma decisiva organizando dados estatísticos sobre “A Realidade Escolar”, mas não há descrição, mesmo que breve, de sua função, filosofia e atuação na escola, deixando a pergunta sobre qual a finalidade deste; o mesmo ocorreu com todos os outros setores técnico-administrativos, demonstrando que estes agentes ou possuem pouca relevância no desenvolvimento do trabalho pedagógico, ou nenhuma. Além disso, o trecho do “PPP” intitulado “Equipe Técnica, Administrativa e Pedagógica do Colégio Pedro II” não traz nenhum integrante destes setores e, sim, chefes dos respectivos departamentos.

Acreditamos na seguinte hipótese: que se trata, segundo Ilma Passos (2003), de um projeto pautado em “mudanças” que continuam revelando o mesmo entrave de décadas atrás, uma “relação regulatória”. Uma continuidade da vigilância, da normatização e inspeção dos trâmites educacionais por um órgão instituidor que se utiliza, neste caso, da centralidade curricular para refrear as estratégias da comunidade escolar que objetiva uma democratização real. Para sair desta conjuntura, a autora discorre sobre aspectos importantes, a saber:

A elaboração do projeto político-pedagógico sob a perspectiva da inovação emancipatória é um processo de vivência democrática à medida que todos os segmentos que compõem a comunidade escolar e acadêmica participam dela, tendo compromisso com seu acompanhamento e, principalmente, nas escolhas das trilhas que a instituição irá seguir. Dessa forma, caminhos e descaminhos, acertos e erros não serão mais da responsabilidade da direção ou da equipe coordenadora, mas do todo que será responsável por recuperar o caráter público, democrático e gratuito da educação estatal, no sentido de atender os interesses da maioria da população (VEIGA, 2003).

Tratamos, anteriormente, da questão da diferenciação entre o segmento técnico e docente, entretanto percebemos que o conhecimento tratado como peça fundamental da Instituição – tanto para o corpo discente, aprendiz, quanto para o docente, que possui o poder de conhecer – não poderia deixar a realidade apresentar-se de outra forma.

Conseguimos captar as vicissitudes que persistem em ocorrer através de práticas clientelistas, advindas de períodos em que apenas alguns técnicos, e não todos como ocorre atualmente, eram admitidos por concurso público e, assim sendo, ficavam a dever favores por toda a vida profissional. Talvez essas questões dêem conta de revelar o motivo da pouca participação deste segmento no processo decisório da escola.

O Regimento Interno regulamentado pelo Decreto nº 34.742, de 2 de dezembro de 1953, possui muitos aspectos, já citados, que demonstram uma afinidade da escola com o aconselhamento. Não poderia o “Colégio Padrão” do país deixar de cumprir a exigência de ter em seu quadro os orientadores, que atendiam, concomitantemente com suas “funções capitais”, ao objetivo de “acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, o amor e a veneração pelos grandes feitos da história pátria bem como pelas ideias e interesses na Nação Brasileira”.

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“A função do orientador educacional no Colégio é de guia, conselheiro e confiante e confidente dos alunos; de coordenador das atividades da educação social de todo o Colégio; de colaborador leal e diligente dos professores e da administração do estabelecimento”, conforme define bem o Artigo 321 do Regimento de 1953. Era preciso, realmente, zelar pelos alunos que elevariam, por séculos, o nome do Colégio.

São características deste Regimento a escolha feita pelo Ministro da Educação e Cultura, dentre os Catedráticos concursados e nomeados pelo Presidente da República, para as Direções – do Externato e do Internato – do Colégio. Estão bem demarcadas e especificadas as funções técnicas e de apoio: disciplina, bedelaria, secretaria, portaria, biblioteca, almoxarifado, refeitórios, dormitórios, caixa escolar, associação de alunos.

O Regimento publicado pelo Decreto nº 55.235, de 17 de Dezembro de 1964, revoga o anterior e faz algumas alterações. A contratação de pessoal temporário é uma delas, e merece destaque porque alguns destes prestadores permaneceram até obter a vaga permanente como servidor público, antes da definição da Constituição de 1988.

Grande mudança ocorre com o Decreto nº 63.071, de 5 de agosto de 1968. Esta nova norma redefine o controle do Colégio, outorgando poderes ao Diretor Geral, autoridade máxima da Instituição. Também é instituída a Vice-Direção das Unidades Escolares e somente professores catedráticos poderiam ocupar esta função.

É instituída a divisão hierárquica tal qual conhecemos nos dias atuais: é criado um Setor de Orientação Pedagógica, ligado diretamente à Secretaria de Ensino, e subordinado à ela. Enquanto isso, o Serviço de Orientação Educacional continuava subordinado às Unidades Escolares, qual seja suas Direções e Vice-Direções. Não há maiores esclarecimentos sobre este setor, mas sabe-se, pela criação de funções gratificadas, que o Coordenador Pedagógico era escolhido dentre os professores de cada disciplina, para se, conforme relatamos anteriormente, o elo entre o Departamento da Disciplina e o corpo docente.

O Regimento vigente, divulgado pela Portaria nº 503, de 28 de setembro de 1987, não traz maiores modificações para nossas análises, mas são grandes as mudanças propostas pela comunidade escolar. Algumas observações nesse sentido são importantes mas, por não tratar de questões diretamente, ou somente, ligadas à carreira do TAE, não iremos abordá-la.

Se considerarmos a trajetória descrita poderemos inferir que um profissional ideal para esta instituição, e para o que ela se pretende, deva ser capaz de “planejar, orientar, supervisionar e avaliar as atividades de ensino assegurando a regularidade do desenvolvimento do processo educativo”. Dessa “síntese das tarefas” evidenciada pelos últimos editais que abriram vagas para o cargo de Técnico em Assuntos Educacionais (TAE) e Pedagogo/Orientador Educacional (OE), e pela análise da ausência destes personagens no Projeto Político Pedagógico da escola, que serão esboçadas algumas hipóteses e considerações.

No ano de 2004 a instituição publicou edital para provimento de cargos técnico-administrativos. Havia cinco vagas para TAE, exigindo nível superior em qualquer licenciatura, para desempenhar as seguintes funções: “coordenar e/ou participar das atividades de ensino, planejamento e orientação, supervisionando e avaliando estas atividades para assegurar a regularidade do desenvolvimento do processo educativo”.

Constava ainda no mesmo edital, uma única vaga para “Pedagogo/Orientador Educacional” – OE, onde se exigia a formação em pedagogia, com habilitação para a Orientação. As atribuições, neste caso, mudavam um pouco: “acompanhar e avaliar as normas e os procedimentos constitutivos do processo educativo; executar trabalhos de administração, orientação e supervisão educacional”. Havia outras vagas para nível superior e médio, que não cabem comentários no momento.

Utilizando as informações constantes dos editais de seleção logramos encontrar a concepção adotada pelo Colégio para a função de Orientador Educacional e Pedagógico,

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Administrador e Supervisor Educacional e aquele que, a princípio, uniria todas estas funções, o Técnico em Assuntos Educacionais. Depreender o que se espera destes personagens é iniciar a composição de novas identidades. Estas poderão surgir em lugar daquelas calcadas através do percurso histórico da pedagogia no país, das ideologias do Estado (compreenda-se, então, das ideologias da instituição subordinada a ele) e do pragmatismo imposto à necessidade do fazer diário.

Um dado importante à percepção do papel destes profissionais é o trecho onde determinam quais serão as tarefas desempenhadas pelo Orientador Educacional: “executar trabalhos de administração, orientação e supervisão educacional”. Se por um lado ficamos estimulados pelo desafio em superar as limitações da formação pedagógica – até poucos anos atrás dividida por campos de atuação –, por outro nos restam dúvidas sobre as possibilidades que um TAE, formado em licenciaturas diversas, teria para tal superação.

Libâneo (2005) endossa a tendência em optar pela especificidade do trabalho pedagógico quando diz:

Obviamente, todo docente pode ser um bom administrador escolar, um bom supervisor de ensino, desde que tenha o domínio de conhecimentos especializados nessa área. Tanto a administração escolar como a supervisão e outros campos de trabalho contém peculiaridades teóricas e práticas que requerem conhecimentos e habilidades específicas. As teorias da aprendizagem e do desenvolvimento humano, do currículo, do processo de conhecimento, da linguagem, a didática, implicam níveis de aprofundamento teórico que uma licenciatura não comporta.

Voltando ao edital de seleção de 2004, podem-se inferir outras questões na busca pela identidade profissional destes indivíduos dentro deste colégio. A primeira diz respeito ao nível de conhecimento da literatura pedagógica, apontada na bibliografia do concurso. Das 14 recomendações, 6 se voltaram para os estudos sobre currículo – evidenciando a principal preocupação da escola que, conforme citado anteriormente, marcou história como o “colégio padrão do Brasil”. Somente 2, das 8 indicações restantes, se ocupam da gestão educacional, ou seja, da Orientação Educacional e Pedagógica, da Supervisão e da Administração Educacional e temas como a gestão democrática e participativa na escola. A segunda questão reside na prática destes profissionais.

Não há indícios suficientes neste material que nos permitam aproximar a literatura indicada da filosofia de trabalho do colégio. Ainda assim o documento evidencia certa desinformação institucional sobre a diversidade do trabalho pedagógico, depositando sobre o TAE a responsabilidade de resolver todas as questões, envolvendo discentes, docentes e responsáveis, que “extrapolem” a sala de aula, ainda que sua autonomia seja questionável.

Dois cargos com formações distintas, embora as tarefas sejam semelhantes, receberem a mesma indicação bibliográfica e prestarem a mesma prova. Mas os resultados do concurso ratificam a hipótese de que as licenciaturas não conseguem abordar tantos conhecimentos pedagógicos, tamanha a carga de disciplinas específicas à docência, pois as cinco vagas disponíveis para TAE foram ocupadas por pedagogas.

Quatro destas cinco profissionais foram designadas à função de Orientadoras Educacionais – cabe ressaltar que esta não foi uma opção – e lotadas na Unidade São Cristóvão II, substituindo a equipe anterior do Setor de Orientação Educacional (SOE).

Percebe-se certa desqualificação do trabalho pedagógico pelos resquícios do ranço deixado pela formação tecnocrática dos supervisores nas décadas de 50 e 60, mas também poderemos enumerar dois outros fatores.

O primeiro refere-se à prática clientelista de contratação de funcionários públicos sem concurso, o que acarreta danos à qualidade dos serviços, além de originar redes de relações de poder dentro das instituições, de acordo com os favores prestados. Essa prática só acaba após

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a Constituição Federal de 1988 limitar a contratação de servidores por concurso público, exclusivamente.

O segundo fator, que ajuda a compreender a tamanha heterogeneidade de formação dos servidores técnico-administrativos, é o “inchaço” (AZEVEDO, 2005) do quadro de funcionários ocasionando a transferência, no caso para o CPII, de um grande número de servidores advindos de órgãos extintos.

Determinações como estas, adotadas pelo então presidente Fernando Collor, estavam em consonância com práticas neoliberais largamente adotadas desde então. Ações como estas vieram a contribuir para a visão equivocada do público no país e nos impelem a buscar mudanças.

CONSIDERAÇÕES FINAISA busca pela resposta à pergunta-hipótese, lançada na introdução deste trabalho, fez

com que um novo percurso fosse percorrido nesta pesquisa que ora se inicia.Técnicos em Assuntos Educacionais e Pedagogos significam a mesma coisa? Não.

Porque um é a nomenclatura de uma Classe, de um Cargo dentro desta Classe; outro é uma profissão, uma profissão que abrange funções distintas.

A dificuldade em encontrar uma identidade que “vista” o TAE de uma personalidade se torna mais difícil porque são diversas formações que, algumas vezes, divergem em concepções. Mas a questão da identidade do Pedagogo é bem mais antiga.

Hoje especulamos sobre funções estanques: ou Supervisor Educacional, ou Administrador Educacional, ou Orientador Educacional, ou Professor. Nos anos de implantação das Faculdades de Educação, ou no princípio das habilitações em Pedagogia, como verificamos no decorrer do texto, a docência era o fundamento da formação do profissional que se pretendia especialista. A habilitação em Pedagogia viria após.

Quanto a Legislação Educacional, Saviani (2008) comenta: “É curioso notar que a nova LDB, ao mesmo tempo em que elevou para o nível superior a formação dos professores para atuar nos anos iniciais da escolarização, manteve a graduação em pedagogia (...)”.

Scheibe (2000) concorda, afirmando que a nova LDB “preparou o caminho para o esvaziamento do curso de pedagogia”. E afirma, ainda em legislação: “A Lei é contraditória (...) estabelece que a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério (...). A pergunta óbvia que se coloca é a de como exercerão a profissão tais especialistas, se o pré-requisito para o exercício da profissão, é a experiência docente?”.

Não podemos desprezar o fato de que a educação brasileira é alvo de uma política “zigue-zague” (CUNHA,2009) que oscila a cada mudança de governo, ou seja, de interesses, e deixa para trás projetos faraônicos e descartáveis, políticas populistas e de pouca eficiência, além de uma descrença dos profissionais de que novas ações poderão dar resultados. A educação superior é o retrato dessa fragmentação. A busca pelo profissional perfeito para o mercado de trabalho descarta a compreensão do próprio fazer, e, por conseguinte, do ser que se forma, também, enquanto ser que trabalha.

Esta abordagem inicial ressalta a necessidade de compreendermos as diversas identidades do campo educacional não só como o resultado de políticas imediatistas, mas como a materialização de um ensino voltado para os interesses de um mercado de trabalho que adentra a escola, regulando-a, exigindo resultados para depois reinventar novas exigências em uma cadência interminável.

A importância dos profissionais de educação está, não em suas nomenclaturas intermináveis, mas na mediação de um discurso passível de ação, de intervenção possível.

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REFERÊNCIAS (CITAÇÕES E CONSULTAS)

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________. Decreto nº 8.893, de 24 de janeiro de 1946. Equipara aos professores catedráticos do Colégio Pedro II, para efeito de vencimentos e vantagens, os cargos de Orientador Educacional.

________. Decreto nº 34.742, de 2 de Dezembro de 1953. Aprova o Regimento do Colégio Pedro II.

________. Decreto nº 39.037, de 18 de abril de 1956. Dá nova disposição ao dispositivo que indica.

________. Decreto nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970. Estabelece diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e das autarquias federais, e dá outras providências.

________. Decreto nº 72.493, de 19 de julho de 1973. Dispõe sobre o Grupo – Outras Atividades de Nível Superior, a que se refere o artigo 2º, da Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, e dá outras providências.

________. Decreto nº 55.235, de 17 de dezembro de 1964. Aprova o Regimento do Colégio Pedro II.

________. Decreto nº 63.071, de 5 de agosto de 1968. Aprova o Regimento do Colégio Pedro II.

________. Lei nº 3.780, de 12 de julho de 1960. Dispõe sobre a Classificação de Cargos do Serviço Civil do Poder Executivo, estabelece os vencimentos correspondentes e dá outras providências.

________. Lei nº 11.091, de 12 de janeiro de 1987. Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação, e dá outras providências.

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NOTAS

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1 LÔBO, Yolanda Lima. A Escola Normal da Corte: tensões entre a realidade e o proclamado. In: CHAVES, Miriam Waidenfeld; LOPES, Sonia de Castro (Orgs.). Instituições educacionais da cidade do Rio de Janeiro: um século de história (1850-1950). Rio de Janeiro: Mauad X - Faperj, 2009, p. 83-99.2 HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.3 Tomando como referencial apenas o quantitativo de agentes técnico-administrativos detentores de diplomas de

pós-graduação em nível Stricto Sensu, comparados aos docentes (docentes somam um total de 50,2% de mestres e doutores, enquanto os técnico-administrativos são 3,2% no total). Segundo dados obtidos no site Fonte: http://www.cp2.g12.br/dgp. Acessado em: 02/02/2011.

4 MENDONÇA, Ana Waleska; XAVIER, Libania. Para o estudo das instituições educacionais da cidade do Rio de Janeiro. In: CHAVES, Miriam Waidenfeld; LOPES, Sonia de Castro (Orgs.). Instituições educacionais da cidade do Rio de Janeiro: um século de história (1850-1950). Rio de Janeiro: Mauad X - Faperj, 2009, p. 11-15.5 DROYSEN, Johann Gustav. La Interpretación. In: Histórica – Lecciones sobre la Enciclopedia y metodologia

de la historia. Barcelona: Alfa, 1982.6 RÜSEN, Jörn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. In: Revista História da

Historiografia, nº 2, 2009. In: www.ichs.ufop.br/rhh7 SARLO, Beatriz. Tempo Passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das

Letras, Belo Horizonte: UFMG, 2007. p.9-68.8 Página do sítio oficial do Colégio, http://www.cp2.g12.br/UAs/dgp/pagina/index.php, acessada em 01 de

agosto de 2010.