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IMAGEM DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS JORNAIS ONLINE DA IBERO-AMÉRICA 1 GT12: Comunicação para a Mudança Social Karine Arminda de Fátima Segatto 2 Resumo Por meio da cobertura jornalística de 14 países da Ibero- América sobre o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, comemorado em 03 de dezembro, este artigo busca verificar a ocorrência das imagens de “tutela” e “autonomia” disputando a opinião pública nesse período. O objetivo é visualizar, nos jornais online mais acessados e acessíveis desses países, as estratégias dos atores políticos e cívicos para defender seus argumentos na esfera pública, através da mídia. Para isso, serão analisadas 42 publicações realizadas nos dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2013. A reflexão teórica é iniciada com a discussão sobre esfera pública e o papel da 1 Artigo inscrito no GT 12 Comunicación y Cambio Social do XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC) 2 Aluna do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil, e-mail [email protected]

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IMAGEM DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NOS JORNAIS ONLINE DA IBERO-AMÉRICA1

GT12: Comunicação para a Mudança Social

Karine Arminda de Fátima Segatto2

Resumo

Por meio da cobertura jornalística de 14 países da Ibero-América sobre o Dia

Internacional das Pessoas com Deficiência, comemorado em 03 de dezembro,

este artigo busca verificar a ocorrência das imagens de “tutela” e “autonomia”

disputando a opinião pública nesse período. O objetivo é visualizar, nos jornais

online mais acessados e acessíveis desses países, as estratégias dos atores

políticos e cívicos para defender seus argumentos na esfera pública, através da

mídia. Para isso, serão analisadas 42 publicações realizadas nos dias 02, 03 e 04

de dezembro de 2013. A reflexão teórica é iniciada com a discussão sobre esfera

pública e o papel da mídia, e segue sob o viés da atualização do debate sobre a

participação da sociedade civil nessa esfera. Com base nas teorias do

agendamento, realiza-se uma leitura qualitativa sobre a imagem das pessoas com

deficiência construída e projetada pela mídia.

Palavras-chave: Pessoas com deficiência; jornalismo; esfera pública;

agendamento midiático

1 Artigo inscrito no GT 12 Comunicación y Cambio Social do XII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC)2 Aluna do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil, e-mail [email protected]

Introdução

Indivíduo patético, fardo, incapaz de ter uma vida de sucesso, indisposto a

conviver em sociedade, mau, enfim, alguém que estaria melhor morto. Ou então

alguém com habilidades especiais, uma “super pessoa com deficiência”, mas que

se não estiver superando obstáculos, passa invisível pela mídia, sem voz ou

reivindicações. Parece contradição e exagero, mas seriam essas as oito imagens

ou esteriótipos utilizados pelos veículos de comunicação, de acordo com Julia

Hoffmann, autora de Culture(s) and Belief Systems e utilizada por SAKER como

ponto de partida na análise sobre os estigmas das pessoas com deficiência nos

jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, no ano de 2008. (SAKER, 2010,

p.63-64)

Dessas oito imagens, SAKER passou a cinco, apresentadas aqui resumidamente

como invisibilidade, pena, incômodo, super pessoa e pessoa com direitos,

observando os períodos que envolviam o Dia Internacional da Pessoa com

Deficiência (03 de dezembro), o Dia Nacional de Luta das Pessoas com

Deficiência (21 de setembro) e Paraolimpíadas de Pequim (06 e 18 de setembro

de 2008). (SAKER, 2010, p.73-80)

Também a título de síntese, parte da conclusão da pesquisa é de que “a

reprodução dos estigmas não parece ser intencional, e sim algo inconsciente, já

enraizado na sociedade como algo comum, uma parte da ideologia social

dominante”. (SAKER, 2010, p.139)

Com objetivo semelhante ao de Saker elencamos o Dia Internacional das Pessoas

com Deficiência em busca de perceber na cobertura jornalística de 14 países da

Ibero-América3, a ocorrência das imagens de “tutela” e “autonomia” disputando a

opinião pública nesse período. A escolha por “tutela” e “autonomia” teve o objetivo

de sintetizar esses esteriótipos encontrados em SAKER e aproximar-se da pauta

dos movimentos das pessoas com deficiência em ser tratados como sujeitos de

direitos e protagonistas da própria vida.

“Nada sobre nós sem nós”, por exemplo, foi um dos lemas do movimento político

das pessoas com deficiência, que no Brasil dos anos 70, defendia a criação de

entidades dirigidas por pessoas com deficiência, ao invés das instituições

assistenciais, para que tivessem capacidade de escolha sobre o que era melhor

para si, contra a tutela que restringia seus direitos civis.

Esse artigo busca então visualizar no contexto da Ibero-América, em 2013, como

os atores políticos e civis mobilizaram-se utilizando-se do Dia Internacional das

Pessoas com Deficiência para ser notícia nos principais jornais online e assim, ser

fonte de informação e participante dos fluxos comunicativos da esfera pública.

Para isso, serão analisadas 42 publicações realizadas nos dias 02, 03 e 04 de

dezembro de 2013.

Disputa na esfera pública

Frente a uma questão de interesse coletivo, grupos encontram-se com objetivo de

debater variadas alternativas do que consideram ser as melhores soluções para a

questão e, por meio da comunicação dos argumentos, buscam chegar a uma

resolução comum. O primeiro espaço para isso seriam os salões e cafés do século

XVIII, onde o filósofo alemão Jürguen Habermas (2003) visualizou o lugar propício

para deliberação da burguesia que avançava em poder econômico, mas não tinha 3 Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai são os países da Ibero-América que são signatário da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

influência política, restrita a aristocracia (corte) e a Igreja. A maneira de influenciar

o Estado era a manifestação dos argumentos em discursos e nos jornais políticos

e literários, feitos para defesa de idéias, sem objetivar lucro. Para Habermas,

nesses debates as pessoas estariam em iguais condições, com o mesmo status,

de modo que “a autoridade do argumento pode afirmar-se contra a hierarquia

social”. (HABERMAS, 2003, p.51)

Quando o cenário desses espaços culturais são reconfigurados no século XIX e o

jornal passa a ser um empreendimento comercial e não apenas um instrumento

político, o debate de argumentos teria dado lugar a aclamação, segundo

Habermas, na obra Mudança estrutural da esfera pública, de 1962, já que ao invés

de privilegiar a troca de idéias, a venda de espaços dos jornais teria privilegiados

os grupos de anunciantes.

Habermas estabelece uma distinção entre duas etapas da

relação entre os meios de comunicação e a esfera pública.

Ele destaca que, no início da revolução burguesa, a

imprensa tinha o papel de mediar e estimular o uso que as

“pessoas privadas”, reunidas em um público, faziam de sua

razão. Posteriormente, os meios de comunicação passaram

a condicionar essa troca e a “fabricar” uma opinião “não-

pública” cuja origem não é o processo de troca pública de

razões, mas o resultado da imposição de vontades

particulares. (MARQUES, 2008, p.24)

No entanto, sempre houveram condições para essa troca, mesmo nos cafés e

jornais políticos, já que não é possível apagar as desigualdades sociais para então

começar o debate como se todos fossem iguais. Um dos exemplos das

condicionantes das discussões públicas de idéias é a participação desigual das

mulheres e dos operários nesse período. Em virtude do preconceito, o discurso de

uma mulher não era tão respeitado quanto o de um homem, e na Inglaterra, por

restrições legais, os operários não podiam nem se reunir, direito conquistado

apenas em 1825, mas restrito a discussões sobre salários e condições de

trabalho, sendo que “qualquer coisa fora desses limites era considerado crime”

(BECKER, 2010, p.104).

Habermas faz ressalvas à mídia como mediadora do debate público, em

decorrência de constrangimentos externos, como a influência de poderes políticos

e econômicos, e de constrangimentos internos, como adaptações ao suporte

técnico, valor-notícia e rotina de produção, quando se trata de jornalismo.

Portanto, não se pode dizer que seja um espaço livre para circulação de idéias, e

sim um espaço com características próprias.

De acordo com Marques (2008), nas obras posteriores (1987, 2006), Habermas

não é mais tão pessimista em considerar os meios de comunicação como lugar

somente para a aclamação de idéias dos anunciantes, ao invés do debate público,

e mesmo reafirmando os constrangimentos externos e internos, passa a

posicionar a “atuação dos media na esfera pública (...) como um espaço limítrofe e

poroso entre os diferentes contextos que compõem o centro (reduto da elite

política) e a periferia (movimentos sociais, associações cívicas, cidadãos comuns,

etc.) do sistema político”. (MARQUES, 2008, p.24).

A partir da revisão que Habermas faz de suas teses, a definição de esfera pública

para a ser, de acordo com Becker (2010, p.88), o de “mediação entre a sociedade

civil e o Estado/sistema político”. A sociedade civil para Habermas teria o papel de

intermediadora entre a esfera privada e a esfera pública política, não se

identificaria nem com o Estado, nem com a economia. A sociedade civil traria “os

ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas” (HABERMAS,

1997, p.99), portanto apenas influência e não ação, já que a mudança de leis, por

exemplo, precisa ser deliberada nas instituições democráticas do Estado. Mesmo

afirmando que “diretamente, a sociedade só pode transformar-se a si mesma”,

Habermas ressalta que a influência da sociedade civil pode fazer com que o

Estado se autotransforme. (HABERMAS, 1997, p.105-106)

Assim, para Becker, Habermas coloca a sociedade civil como “uma das fontes –

ao lado dos meios de comunicação – dos fluxos comunicativos que constituem a

esfera pública, instância voltada para o entendimento ou a busca do consenso”.

(BECKER, 2010, p.101)

Ao observar as 42 publicações da Ibero-América sobre as pessoas com

deficiência utilizadas neste artigo, percebeu-se que a relação entre as entidades

das pessoas com deficiência e os jornais da amostra se assemelha a seguinte

definição de Becker (2010):

Na perspectiva da sociedade civil, pode-se pensar a relação

com os meios de comunicação como relação com a

publicização, visibilidade na sociedade, pressão e

negociação com o Estado, busca de apoio/alianças no

interior da própria sociedade civil e conquista de soluções

favoráveis a um ou outro setor/classe em cada conflito, assim

como a atingir melhores posições na disputa entre os

diferentes projetos societários. (BECKER, 2010, p.106)

Governos da Ibero-America aproveitaram o Dia Internacional das Pessoas com

Deficiência para entregar equipamentos e prêmios. No Peru, um grupo de

estudantes surdos; no Equador, o Movimento “Madera de Guerreo”; no Paraguai,

a ONG “ParIgual e Disability Council Internacional”, a Fundação Saraki e a

Associação Tesape´s Paraguay; no Uruguai, a Fundação Alejandra Forlán; em

Portugal, a Associação Portuguesa de Deficientes e, na Espanha, o CIDEC,

entidade que desenvolve projetos de formação e inovação social, estarão

promovendo eventos e divulgando pesquisas que serão pauta dos jornais online

mais acessados e acessíveis do seu país. Qual a imagem que vão defender?

Procedimentos de análise

Para observar o papel do jornalismo como fonte de imagens e visões de mundo

sobre as pessoas com deficiência nos fluxos comunicativos da esfera pública,

foram selecionados os sítios eletrônicos dos 14 países da Ibero-América4 que

ratificaram a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência,

organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pelo compromisso que

demonstram publicamente com as pessoas com deficiência.

Como o tema é a imagem dessa população, a escolha dos sítios eletrônicos

baseou-se nos jornais online mais acessados e mais acessíveis (acessibilidade

web). Foram elencados os três mais acessados, de acordo com o ranking de

tráfego Alexa5. Para a escolha desses três sites, foram selecionados os portais

eletrônicos de jornalismo comercial e de conteúdo generalista, ou seja, não

governamental e não especializado em determinada editoria, como esporte ou

economia, por exemplo.

Em seguida, os três jornais online mais acessados foram avaliados quanto à

acessibilidade web6, por meio do validador automático TAW7, disponível

gratuitamente na internet e baseado no WCAG 2.0 (Web Content Accessibility 4

5 O Alexa – The Web Information Company disponibiliza um ranking dos 500 sites mais acessados do país, através do endereço http://www.alexa.com/topsites/countries. De acordo com informações do Alexa, o site com a maior combinação de visitantes únicos e pageviews no mês anterior é o classificado em primeiro lugar no país.

Guidelines), as Recomendações de Acessibilidade para Conteúdo Web. Essas

recomendações foram lançadas em 2008 pelo consórcio internacional W3C (World

Wide Web Consortium), por meio da WAI (Web Accessibility Initiative) e é o

documento de referência na área de acessibilidade web. (W3C BR, 2008).

Tanto o ranking dos mais acessados quanto a avaliação de acessibilidade

ocorreram em 03 de dezembro de 20138. A partir desses resultados foram

escolhidos os seguintes jornais online: da Argentina, o La Nación

(http://www.lanacion.com.ar/); da Bolívia, o La Razón (http://la-razon.com/); do

Brasil, a Folha de S. Paulo9 (http://www.folha.uol.com.br/); do Chile, o El Mostrador

(http://www.elmostrador.cl/); da Costa Rica, o Diário Extra10

(http://diarioextra.com/); do Equador, a Ecuavisa (http://ecuavisa.com); da

Espanha, o El País (http://elpais.com/); da Guatemala, a Prensa Libre

(http://www.prensalibre.com/); do México, o SDP Noticias

(http://www.sdpnoticias.com); da Nicarágua, o El Nuevo Diário

(http://www.elnuevodiario.com.ni); do Paraguai, o ABC Color

(http://www.abc.com.py/); do Peru, o El Comércio (http://elcomercio.pe); de

Portugal, o Público (http://www.publico.pt/); e do Uruguai, o Montevideo

(http://montevideo.com.uy/).6 De acordo com o W3C, acessiblidade envolve “tornar o conteúdo acessível para um amplo grupo de pessoas com deficiência, incluindo cegueira e baixa visão, surdez e baixa audição, dificuldades de aprendizagem, limitações cognitivas, limitações de movimentos, incapacidade de fala, fotosensibilidade e suas combinações”. (W3C, 2008)7 TAW é um serviço online, disponível em http://www.tawdis.net, que permite revisar a acessibilidade de uma determinada URL. É oferecido pela Fundação CTIC, sede do escritorio español do W3C, juntamente com outras feramentação de avaliação e monitoramento de acessibilidade.8 A tabela com o resultado dos mais acessados e mais acessíveis está disponível no Anexo 1 deste artigo.9 A Folha de S. Paulo é o segundo jornal online mais acessível, mas foi escolhida por disponibilizar em cada notícia a opção “ouvir o texto”, um serviço que da mesma forma que os leitores de tela, transforma em áudio os caracteres de texto , facilitando a relação das pessoas com deficiência visual com o conteúdo.10 Os jornais online Diário Extra, Prensa Libre e El Nuevo Diário foram selecionados por possuírem ferramenta de busca de conteúdo no sítio eletrônico, ao contrário dos que eram mais acessíveis, mas não possuíam essa ferramenta.

Com objetivo de encontrar as notícias referentes ao Dia Internacional das Pessoas

com Deficiência, foram inseridas as palavras-chave “pessoas com deficiência”,

“Dia Internacional das Pessoas com Deficiência”, “personas con discapacidad” e

“Día Internacional de las Personas con Discapacidad”, nas ferramentas de busca

de cada jornal online, em 09 de dezembro de 2013. Então, foram selecionadas

para compor a amostra deste artigo o conteúdo jornalístico dos dias 02, 03 e 04 de

dezembro de 2013, encontrando 42 notas, notícias, entrevistas, artigos e editorias

que tinham o tema pessoas com deficiência como assunto principal. Outros sete

textos que apareceram no resultado da busca foram descartados por ter as

pessoas com deficiência apenas como citação ou assunto secundário.

Quanto a quantidade de conteúdo, o ABC Color se destacou na amostra, com 11

notícias, já que a média de publicação dos demais é de 2 a 4 notícias11, sendo que

apenas o El Nuevo Diário, não possuía nenhuma notícia sobre as pessoas com

deficiência no período analisado.

Nas matérias do ABC Color, a Associação ParIgual e Disability Council

Internacional conseguiu ser fonte para três notícias e um editorial. As notícias

traziam o relatório criado pela Associação e divulgado em evento no dia 03, que

denunciava a falta de políticas públicas dirigidas para as meninas e mulheres com

deficiência. Essas são as únicas matérias que trazem o recorte de gênero nos

assuntos sobre deficiência.

Ainda no ABC Color, a Fundação Saraki, por sua vez, conseguiu ser fonte para

duas notícias, onde o foco era a qualificação e o direito ao trabalho, garantido em

legislação. O trabalho também foi o foco da notícia que teve como fonte a

11 Das 42 publicações: Diário Extra, El País e El Comércio apresentaram uma publicação; Folha de S. Paulo e Prensa Libre apresentaram duas publicações; Montevideo e Público apresentaram três publicações; La Nación, La Razón e SDP Notícias apresentaram quatro publicações; Ecuavisa apresentou seis publicações; e ABCColor apresentou 11 publicações.

Associação Tesape´s Paraguay, já que juntamente com a sociedade inclusiva (Lic.

César Martínez) realizou o Congresso Internacional sobre Emprego e Deficiência

no Paraguai, com apoio da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esse

Congresso destacava 2013 como o Ano Ibero-Americano para a inclusão no

mercado de trabalho das pessoas com deficiência. Mesmo sendo o único texto

que mencionava esse marco, o direito ao trabalho foi percebido em um total de

oito notícias, posicionando-se como a segunda demanda por direito mais citada

entre as 42 publicações, ficando atrás apenas da demanda por políticas públicas.

Sobre os dias das publicações, a maioria foi divulgada no dia 03 de dezembro (22

publicações), seguida por 04 de dezembro (12 publicações) e 02 de dezembro (08

publicações), mostrando que a data pode ser considerada como uma estratégia

para pautar os jornalistas, tanto que 32 publicações fazem alusão à data e apenas

10 não mencionam o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.

Sobre o formato das publicações, grande parte (29 publicações) eram notícias e

as demais se dividiam em notas (5), artigos (3), reportagens (2), editoriais (2) e

entrevista (1). Mesmo com a potencialidade proporcionada pela Internet para a

multimidialidade, os textos eram acompanhados apenas por cinco vídeos, sendo

três da Ecuavisa, que já é um canal de TV. Sobre a quantidade de fotografias, a

média é de uma fotografia por matéria e foram criadas apenas duas fotogalerias,

uma com cinco fotos e outra com nove fotos. A tabela com o resumo da análise

das 42 publicações está no anexo 2.

Sobre as editorias das notícias, a maioria estão posicionadas em Local (16

publicações), possivelmente pela realização de eventos nas cidades, como

marchas, apresentações culturais e entrega de equipamentos e prêmios. Sobre os

atores que promoveram os acontecimentos, a proporção entre atores político,

identificados como fontes oficiais, e atores cívicos, identificados como fontes

institucionais foi praticamente igual, com respectivamente 17 e 16 publicações. A

origem da promoção do evento que pode ter influenciado no poder de fala, já que

do total de 80 fontes, a predominância é de fontes populares (25 publicações),

portanto de pessoas com deficiência e seus familiares, sendo que uma

reportagem trouxe sete fontes e dessas cinco eram pessoas com deficiência. O

assunto era a manifestação de um grupo de estudantes surdos e essa reportagem

é intitulada “La intolerancia y discriminación afectan a sordos en calles alteñas”.

Foi produzida pelo La Razón, tem mais de 4,8 mil caracteres e foi a única

classificada como demandando três direitos, educação, transporte e respeito

(combate ao preconceito).

As fontes foram classificadas da seguintes forma:

Oficial - Alguém em função ou cargo público que se

pronuncia por órgãos mantidos pelo Estado e preservam os

poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário), bem

como organizações agregadas (juntas comerciais, cartórios,

companhias públicas etc.). (...)

Empresarial - Representa uma corporação empresarial da

indústria, comércio, serviços ou do agronegócio. (...)

Institucional - É quem representa uma organização sem fins

lucrativos ou grupo social. (...)

Popular - Manifesta-se por si mesmo, geralmente, uma

pessoa comum, que não fala por uma organização ou grupo

social. (...)

Notável - São pessoas notáveis pelo seu talento ou fama,

geralmente artistas, escritores, esportistas, profissionais

liberais, personalidades políticas, que falam de si e de seu

ofício. (...)

Especializada - Trata-se de pessoa de notório saber

específico (especialista, perito, intelectual) ou organização

detentora de um conhecimento reconhecido. (...)

Referência - Aplica-se à bibliografia, documento ou mídia que

o jornalista consulta.(...) (Schmitz, 2011, p.25-27)

Dessa classificação, não foram utlizadas fontes testemunhais. Nas 42 publicações

dessa amostra, foram utilizadas 25 fontes populares, sendo 18 de pessoas com

deficiência e sete de outros, geralmente pais das pessoas com deficiência. Esse

número é significativo frente a percepção do ano de 2008, da pesquisa de SAKER,

quando a voz das próprias pessoas com deficiência foram poucas:

Outro problema, apontado pelo orientador da presente

pesquisa, é a falta da própria pessoa com deficiência se

manifestando na notícia. Não basta noticiar um fato que diga

respeito a este setor social se nenhum representante deste é

ouvido para a elaboração da notícia a ser veiculada; ignorar

os cidadãos com deficiência, vê-los como objeto da

reportagem e não como sujeito, frequentemente leva à

superficialidade dos dados e à ignorância de informações

que poderiam ser mais importantes do que a reportagem que

é efetivamente recebida.” (SAKER, 2010, p.141)

As fontes oficiais aparecem em seguida, em 23 publicações, as fontes

institucionais, portanto representantes dos movimentos das pessoas com

deficiência, tem voz em 11 publicações, proporção próxima a das fontes

especializadas, que estiveram em 8 publicações,.

A forte presença da abordagem temática, presente em 33 publicações, também é

um fator positivo, já que através desse eixo foram tratadas ações de governo (09

publicações), relatórios e pesquisas (07), denúncia e problemas (06), ações do

movimento (05), legislação (05) e propostas (01). Apenas cinco publicações

tiveram abordagem episódica e quatro tiveram abordagem personalista.

As imagens das pessoas com deficiência foram classificadas de acordo com

SAKER, que por sua vez baseou-se na obra Culture(s) and Belief Systems:

1) a “invisibilidade”, presente na superficialidade ou na falta

de representação do tema;

2) a imagem da pessoa com deficiência como digna de pena

ou incapaz de viver por conta própria em sociedade;

3) a imagem da pessoa com deficiência como um incômodo

para a sociedade;

4) a imagem da pessoa com deficiência como um ser

excepcional, uma “superpessoa”;

5) a imagem da pessoa com deficiência como um cidadão

detentor de direitos

que devem ser respeitados e especificidades que o

diferenciam mas não o restringem a elas. (SAKER, 2010, p.)

No entanto, para analisar a amostra da Ibero-América foi preciso utilizar uma

representação de Hoffmann que SAKER não utilizou, a de fardo para a sociedade,

que apareceu na notícia da Ecuavisa, intitulada “Varios casos de discapacidad por

consanguinidad parental”. Já a imagem de invisibilidade não apareceu na mostra,

justamente porque as notícias foram selecionadas por ter as pessoas com

deficiência como assunto principal.

A maioria das imagens foram de “pessoas com direitos”, em 30 publicações, e o

restante está classificada como “superpessoa” (04 publicações), pena (04

publicações) e incômodo (01). Foi necessário criar uma imagem para duas

notícias, a de “beneficiário”, já que no relato de ações do governo, as pessoas

com deficiência não eram vistas como sujeitos de direitos, mas como se

estivessem recebendo um favor do poder público.

Considerações finais

A combinação entre equilíbrio nos atores políticos e cívicos que promoveram os

eventos e pautas (17 fontes oficiais e 16 institucionais); a quantidade

representativa de fontes populares, com 17 pessoas com deficiência tendo voz

nas notícias, além das fontes institucionais que na maioria das vezes eram de

pessoas com deficiência também; o posicionamento na editoria de Local (16

publicações), aproximando o acontecimento das causas da cidade; a abordagem

temática das notícias, aprofundando a visão sobre o assunto através de

denúncias, estatísticas, legislação, mas também elencando o que já teve de ações

do governo e o que movimento das pessoas com deficiência está fazendo para

conseguir maiores avanços, pode ser considerado como um conjunto de fatores

que criaram uma imagem das pessoas com deficiência como “pessoa com

direitos”.

Sendo encarada como “pessoa com direitos”, foi posicionada em notícias que

demandavam diversos direitos, mas principalmente todos os necessários, no

sentido da reivindicação por políticas públicas, que apareceu em 14 publicações.

Direitos específicos também tiveram espaço, com destaque para trabalho com 08

publicações, seguido pelo respeito, categorizado como combate ao preconceito

(06), transporte (04), saúde (03), esporte (02), educação (02), combate a violência

contra a mulher (02), comunicação (01) e lazer (01).

Ter voz e demandar direitos fez com que a maioria das publicações fosse

classificada na imagem síntese de autonomia (24 publicações), contra 18

publicações que representavam tutela. A importância de estar em grande parte

das publicações dessa forma é de conseguir aparecer positivamente na esfera

pública, apresentando argumentos para o Estado e afirmando que suas demandas

são direitos e não favores ou presentes.

Não apenas na voz dos movimentos das pessoas com deficiência, mas própria

maneira das fontes oficiais se manifestarem traz muitas vezes esse

reconhecimento. Na notícia da Folha de S. Paulo, intitulada “Durante evento em

SP, ministro diz que o SUS está 'chique'”, frente à fala do ministro da Saúde,

Alexandre Padilha, de que oferecer cadeira de rodas motorizadas para quem

precisa do equipamento é uma demonstração de como o SUS (Sistema Único de

Saúde) está chique, vem a posição do promotor de Justiça Jorge Marum, portanto

também fonte oficial, mas que por atuar nos direitos das pessoas com deficiência,

aparece na notícia para lembrar que “a Constituição garante os equipamentos

motorizados em seu princípio da dignidade humana”. Assim, a cadeira de rodas

motorizadas não seria um presente ou privilégio concedido pelo Governo, mas um

direito de quem dela necessita. A fala do promotor mostra que a sociedade civil

tem influencia em determinadas áreas do Estado, por onde pode fazer pressão por

melhorias.

A projeção nos meios de comunicação da imagem de autonomia, pelo menos

durante o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, colabora para que as

entidades das pessoas com deficiência consigam maior apoio também dentro da

sociedade civil, porque o público que teve acesso a essas publicações e não é

parente ou amigo de alguém com deficiência, vai orientar mais a sua visão de

mundo sobre o tema através da mídia, do que um amigo ou parente, que convive

com essa realidade.

Isso porque o individuo não consegue viver em primeira mão tudo o que acontece

no mundo e muitas vezes fica sabendo do que não experienciou pelas

informações de outros, que se não estavam no lugar do acontecimento, pelo

menos conversaram com quem estava lá. A mídia seria uma grande fornecedora

dessas informações e as impressões que oferece sobre o mundo contribuem para

formar a visão de mundo do público.

Olhando para trás podemos ver o quão indiretamente

conhecemos o ambiente no qual, todavia, vivemos. Podemos

observar que as notícias sobre ele nos chega ora

rapidamente, ora lentamente; mas o que acreditamos ser

uma imagem verdadeira, nós a tratamos como se ela fosse o

próprio ambiente (LIPPMANN, 2008, p.22)

Essa imagem do mundo que o público obtém da mídia colabora para a construção

do que Lippmann chama de “mapas cognitivos” do mundo. A imagem do mundo é

entendida pelo público como o próprio mundo, o que levaria a tratar como

ambiente, o que o autor classifica como pseudoambiente, por ser construído pelos

veículos noticiosos. (MCCOMBS, 2009, p.22)

Aparecer nos fluxos comunicacionais da esfera pública propagando o

pseudoambiente das pessoas com deficiência como protagonistas de suas vidas e

merecedoras de direitos pode facilitar a adesão do publico às causas dos

movimentos e provocar no cotidiano dos indivíduos, mudanças de comportamento,

contribuindo para o combate ao preconceito, por exemplo, ou gerando trabalho,

demandas que colocaram nas notícias.

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W3C – World Wide Web Consortium – Escritório Brasil. Acesso em: set. 2012.

Disponível em: <http://www.w3c.br/Sobre>.

Anexo 1 - Resultado do ranking de sítios eletrônicos mais acessados por país e da avaliação de problemas de acessibilidade do Alexa

País Posição Alexa

Jornal online

URL Problemas TAW

Argentina 9 La Nación http://www.lanacion.com.ar/ 70

11 Clarin www.clarin.com 343

32 Infonews www.infonews.com 327

Bolívia 8 El Deber http://eldeber.com.bo/ 392

12 Los Tiempos http://www.lostiempos.com/ 213

13 La Razón http://la-razon.com/ 156

Brasil 6 Globo http://www.globo.com/ 59

26 Folha* http://www.folha.uol.com.br/ 154

31 r7 http://www.r7.com/ 604

Chile 40 El Mostrador http://www.elmostrador.cl/ 71

14 La Tercera http://www.latercera.com/ 434

32 Cooperativa http://www.cooperativa.cl/ 320

Costa Rica 10 CR HOY http://www.crhoy.com/ 53

21 Diário Extra** http://diarioextra.com/ 117

9 Nación http://www.nacion.com/ 195

Equador 16 Ecuavisa http://ecuavisa.com 116

11 El Universo http://www.eluniverso.com/ 131

18 El Comercio http://elcomercio.com/ 139

Espanha 12 El País http://elpais.com/ 163

43 20 minutos www.20minutos.es/ 234

30 ABC http://www.abc.es/ 361

Guatemala 105 El

Queltzalteco

http://elquetzalteco.com.gt/ 36

13 El Periódico http://elperiodico.com.gt/ 153

11 Prensa

Libre**

http://www.prensalibre.com/ 579

México 50 SDP Noticias http://www.sdpnoticias.com 143

34 Milenio http://www.milenio.com/ 166

15 El Universal http://www.eluniversal.com.mx/ 476

Nicarágua 22 Confidencial http://www.confidencial.com.ni/ 67

6 La Prensa http://www.laprensa.com.ni 213

7 El Nuevo

Diário**

http://www.elnuevodiario.com.ni 303

Paraguai 5 ABColor http://www.abc.com.py/ 162

8 Ultima Hora http://www.ultimahora.com 222

53 La Nacion http://lanacion.com.py/ 388

Peru 8 El Comércio http://elcomercio.pe 198

11 RPP http://www.rpp.com.pe 206

18 Peru21 http://peru21.pe/ 239

Portugal 17 Público http://www.publico.pt/ 174

41 Diário de

Notícias

http://www.dn.pt 406

24 Jornal de

Notícias

http://www.jn.pt 622

Uruguai 21 Montevideo http://montevideo.com.uy/ 59

7 El País http://www.elpais.com.uy/ 328

11 El

Observador

http://elobservador.com.uy/ 713

* A Folha de S. Paulo é o segundo jornal online mais acessível, mas foi escolhida

por disponibilizar em cada notícia a opção “ouvir o texto”, um serviço que da

mesma forma que os leitores de tela, transforma em áudio os caracteres de texto ,

facilitando a relação das pessoas com deficiência visual com o conteúdo.

** Os jornais online Diário Extra, Prensa Libre e El Nuevo Diário foram

selecionados por possuírem ferramenta de busca de conteúdo no sítio eletrônico,

ao contrário dos que eram mais acessíveis, mas não possuíam essa ferramenta.

Anexo 2 - Tabela com resumo do resultado da AnáliseElementos Editoria Promot

or

Fonte Abordagem Direitos Imagem Image

m

síntese

Fotogaleri

a – 2

5 Subedito

rial - 1

Não

identific

ado - 1

Empresarial

- 2

Personalista - 4 Indefinid

o - 1

Incômod

o - 1

Tutela -

18

9

Fotografias - 36 Empreg

os &

Carreira

s - 1

Empresa

rial - 2

Notáveis - 3 Episódico - 5 Lazer - 1 Fardo -

1

Autono

mia -

24

Vídeos- 5 Política

- 1

Especial

ista - 2

Não

identificada

- 3

Temát

ico -

33

Propostas - 1 Comunic

ação - 1

Benefici

ário - 2Legislação - 5

Ações do

movimento - 5

Denúncia/

problemas - 6

Relatórios/

pesquisas - 7

Ações do

governo - 9

Texto

- 42

Entrevist

as - 1

Cotidian

o - 1

Notáveis

- 4

Referência -

5

Combate

a

violência

contra a

mulher -2

Pena - 4

Reportag

em - 2

Editorial

- 2

Artigo -

3

Nota - 5

Notícia -

29

Saúde -

2

Instituci

onal - 16

Especializad

a - 8

Educação

- 2

Superpe

ssoa - 4

Esportes

- 2

Oficial -

17

Institucional

- 11

Esporte -

2

Pessoa

com

direitos -

30

Opinião

- 3

Oficial - 23 Saúde – 3

Socieda

de - 3

Popu

lar -

25

Out

ro -

7

Transport

e - 4

PD

- 18

Naciona

l - 4

Combate

ao

preconcei

to - 6

Não

consta -

7

Trabalho

- 8

Local -

16

Política

Pública -

14