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Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Paraná 11ª Vara Federal de Curitiba Avenida Anita Garibaldi, 888, 5º andar - Bairro: Ahú - CEP: 80540-180 - Fone: (41)3210-1811 - www.jfpr.jus.br - Email: [email protected] MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5032747-56.2016.4.04.7000/PR IMPETRANTE: SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO PARANÁ IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁFIA DO ESTADO DO PARANÁ - CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO PARANÁ - CRF/PR - CURITIBA DESPACHO/DECISÃO I. RELATÓRIO : Em 06 de julho deste ano, o SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO PARANÁ ingressou com o presente mandado de segurança em face do PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO PARANÁ, pretendendo que o Conselho seja impedido de autuar as empresas substituídas por conta da venda de produtos de conveniência. Para tanto, em síntese, o impetrante alegou o que segue: a) o sindicato estaria legitimado à deflagração do presente mandado de segurança, diante do art. 8º, III, Lei Maior; b) o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná possuiria pertinência subjetiva para a causa, dado ter sido o responsável pelo ato administrativo impugnado;

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Poder JudiciárioJUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Paraná11ª Vara Federal de Curitiba

Avenida Anita Garibaldi, 888, 5º andar - Bairro: Ahú - CEP: 80540-180 - Fone: (41)3210-1811 - www.jfpr.jus.br - Email: [email protected]

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5032747-56.2016.4.04.7000/PR

IMPETRANTE: SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO PARANÁ

IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁFIA DO ESTADO DO PARANÁ - CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO PARANÁ - CRF/PR - CURITIBA

DESPACHO/DECISÃO

I. RELATÓRIO:

Em 06 de julho deste ano, o  SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO PARANÁ ingressou com o presente mandado de segurança em face do PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DO PARANÁ, pretendendo que o Conselho seja impedido de autuar as empresas substituídas por conta da venda de produtos de conveniência.

Para tanto, em síntese, o impetrante alegou o que segue:

a) o sindicato estaria legitimado à deflagração do presente mandado de segurança, diante do art. 8º, III, Lei Maior;

b) o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná possuiria pertinência subjetiva para a causa, dado ter sido o responsável pelo ato administrativo impugnado;

c) o mandado de segurança seria cabível, dado que se cuidaria da defesa de direito líquido e certo, demonstrável mediante provas documentais, sem necessidade de diligências probatórias no seu curso;

d) a presente Subseção Judiciária seria competente para a causa, considerando a sede de atuação da autoridade impetrada;

e) desde a alteração da lei n. 5.991, de 1973, pela Medida Provisória n. 1.027, convertida na lei n. 9.069/1995, as farmácias e drogarias teriam passado a disponibilizar aos seus clientes e consumidores produtos de

primeira necessidade, expostos em ambientes diversos do local de dispensação de fármacos;

f) esse modelo de organização comercial teria sido possibilitado em razão do entendimento generalizado de que uma drogaria ou farmácia poderia funcionar dentro de uma drugstore e vice-versa, desde que em áreas delimitadas e atendidos os demais requisitos impostos pela legislação sanitária;

g) em 2013, teria sido publicada a lei estadual n. 17.733, permitindo o comércio de artigos de conveniências em farmácias e drogarias no Paraná. A competência estadual para tratar do tema já teria sido reconhecida pela Suprema Corte em caso semelhante;

h) em que pese o disposto na legislação estadual e federal, as empresas substituídas teriam recebido admoestação, advinda do Conselho de Farmácia do Estado do Paraná, mediante o comunicado 01/DIR, sustentando que a comercialização de produtos de conveniência importaria a cominação de multa por parte daquela autarquia;

i) o Presidente do Conselho também teria editado, de modo unilateral, o comunicado n. 02, estabelecendo que as empresas farmacêuticas não poderiam comercializar balas, doces, sorvetes, pilhas, cartões telefônicos etc;

j) a autoridade impetrada teria promovido uma leitura equivocada da lei n. 13.021, de 2014, cogitando de uma pretensa revogação parcial da lei n. 5.991, de 1973, e da lei estadual n. 17.733/2013, o que não poderia ser aceito;

k) haveria competência concorrente entre a União Federal e Estados-membros para tratar da questão, na forma do art. 24, §§1º e 2º, CF/1988. A interpretação dispensada pela autoridade impetrada, ao art. 13, IV, da lei n. 13.021/2014, teria comprometido direito adquirido das empresas substituídas;

l) a lei n. 13.021 não teria vedado, de modo expresso ou implícito, a aludida comercialização de produtos de conveniência, razão pela qual o Conselho Regional não poderia ter adotado a solução por ele alvitrada;

m) o art. 13 da referida lei n. 13.021 teria versado apenas sobre as obrigações de farmacêuticos, ao invés de tratar dos produtos suscetíveis de comercialização;

n) debate semelhante teria sido travado, perante o STF, mediante a ADI n. 4.954, tendo como pano-de-fundo a lei n. 2.149/2009 do Estado do Acre, que versava sobre a comercialização de distintos produtos por farmácias;

o) ao negar provimento à pretensão deduzida naquela ADI, o STF teria reconhecido a validade da atuação do Estado-membro em tal âmbito;

p) ao contrário do alegado pelo presidente do conselho regional, a lei n. 13.021 não teria ab-rogado a lei n. 5.991/1973;

q) estariam preenchidos os requisitos para a concessão de provimento de urgência.

O Sindicato detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00, ao tempo em que juntou documentos.

No evento 3 foi determinada intimação do impetrante para que se manifestasse sobre eventual conexão com os autos n.º 5032139-58.2016.4.04.7000.

O impetrante, no evento 8, reconheceu a conexão.

A autoridade impetrada prestou suas informações no evento 12, dizendo: 

a) haveria conexão com as demandas 5032532-80.2016.4.04.7000, 5032642-79.2016.4.04.7000, 5032913-88.2016.4.04.7000 e  5032139-58.2016.4.04.7000;

b) o Sindicato impetrante não possuiria legitimidade ativa para a demanda, eis que os comunicados n. 01 e 02 seriam destinados ao profissionais farmacêuticos, de modo que apenas o Sindicato dos Farmacêuticos é que poderia impugnar tais atos administrativos;

c) a lei n. 5.991/1973 teria tratado do controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, com outras providências, versando sobre a definição de produtos correlatos no art. 4º, X e XI;

d) por seu turno, o art. 5.º daquela lei n. 5.991/1973 teria tratado do comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, reputando-os atos privativos de empresas e estabelecimentos definidos naquela lei;

e) "embora o artigo 5º da Lei 5.991/73 consagre de forma exemplificativa os correlatos, seu conceito encontra-se definido no art. 4, IV, como sendo produtos que não enquadrados no conceito de droga, medicamento ou insumo farmacêutico serão apenas aqueles de uso ou aplicação ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários." 

f) inúmeros produtos comercializados em farmácias e drogarias não guardariam conexão com a função social reconhecida a aludidas empresas, a exemplo de doces, balas, sorvetes etc.

g) a lei n. 13.021/2014 teria tratado do exercício e fiscalização das atividades farmacêuticas, conceituada no seu art. 3º;

h) por conta do art. 3º da lei seria fácil perceber a ênfase conferida à importância da unidade prestadora de serviço de saúde. A expressão comércio, empregada na legislação de 1973, não teria sido mantida com o mesmo peso na lei de 2014;

i) por conta de tais normas é que o aludido Conselho teria editado os comunicados impugnados na inicial; 

j) de outro tanto, a legislação estadual - lei n. 17.733/2013 - não teria o conteúdo divisado pelo sindicato impetrante, dado que sequer teria definido os artigos de conveniência autorizados ao comércio em farmácias;

k) por conta disso, a ADI aludida na inicial não surtiria os efeitos perseguidos pelo demandante.

O Conselho Regional manifestou ciência da tramitação da presente causa e ratificou as informações prestadas pela autoridade impetrada - evento 13 -, na forma do art. 7º, II, lei n. 12.016/2009.

No evento 15, reconhecida a conexão, foi determinada a redistribuição dos autos a este juízo.

Os autos vieram conclusos.

II. FUNDAMENTAÇÃO: 

2.1. Competência da presente unidade jurisdicional: 

Como é sabido, no âmbito do mandado de segurança, a competência é definida em função da autoridade impetrada: "é correto afirmar que a competência no mandado de segurança é definida pela qualificação da autoridade (rationae auctoritatis) com a função exercida na estrutura do Poder Público (ratione muneris). No mandado de segurança, a análise da competência exige o exame do plexo de competência atribuída à autoridade coatora, de tal forma que a primeira investigação deverá levar em consideração a esfera à qual está vinculada." (MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de segurança individual e coletivo. São Paulo: RT, 2009, p. 54).

A autoridade federal é definida no art. 2º da lei 12016: "Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de

ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada." 

A respeito do tema, reporto-me à lição de Hely Lopes Meirelles:

"Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. (...)

Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. (...)

Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas. (...)

Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário."

(MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 18. ed. São Paulo: Malheiros, p. 31 e 54-55)

No dizer de Sérgio Ferraz, "Coator é aquele que desempenhou, por comissão ou omissão, a atividade impugnável. E, se foi ele quem assumiu a coação, a ele incumbirá desfazê-la. Em suma, a materialização do ato é que define a autoridade que se pode apontar como coatora." (FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102).

Como já preconizou o STJ, "A legitimidade passiva no mandamus é fixada pela autoridade que tem poder de realizar o ato lesivo, na ação preventiva, ou aquele que pode desfazer o ato lesivo, na ação repressiva. In casu, o impetrado detém autoridade para fazer cessar a suposta ilegalidade." (MS 200900372013, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/06/13).

Esse é um aspecto da questão.

Por outro lado, é a sede funcional da autoridade demandada que fixa o juízo competente para o processamento e julgamento do mandado de segurança. Assim ensina Hely Lopes Meirelles: "A competência para julgar mandado de segurança define-se pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional". (Mandado de segurança. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.68).

Trata-se de competência absoluta - portanto, competência improrrogável -, fixada pelo local onde estiver sediada a autoridade apontada como impetrada. Sendo assim, não estando as autoridades sediadas nesta Subseção de Curitiba, não há como este Juízo manifestar-se quanto a qualquer das questões levantadas, dada a sua flagrante incompetência.

'PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA ESTABELECIDA DE ACORDO COM A SEDE FUNCIONAL DA AUTORIDADE COATORA. SÚMULA 83, DESTA CORTE, APLICÁVEL TAMBÉM AOS RECURSOS INTERPOSTOS PELA LETRA A DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. IMPROVIMENTO. I. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a competência para conhecer do mandado de segurança é a da sede funcional da autoridade coatora. II. Aplicável a Súmula 83, desta Corte, aos recursos interpostos com base na letra a, do permissivo constitucional. III. Agravo regimental a que se nega provimento.'(STJ - AgRg no REsp: 1078875 RS 2008/0169558-0, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 03/08/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/08/2010)

 

'PROCESSUAL CIVIL. DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. SEDE FUNCIONAL DA AUTORIDADE IMPETRADA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. Em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento da demanda é estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade apontada como coatora e a sua categoria profissional, o que evidencia a natureza absoluta e a improrrogabilidade da competência, bem como a possibilidade de seu conhecimento ex officio.   Precedente do STJ'. (TRF-4 - AG: 41314 PR 2007.04.00.041314-3, Relator: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Data de Julgamento: 09/04/2008, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 22/04/2008)

Na espécie, aludido requisito foi atendido, dado que o Sindicato impetrante impugnou, na inicial, atos administrativos atribuídos ao Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná. 

Como cediço, ao apreciar pedido de tutela cautelar no âmbito da ADIn n. 1.717-6/DF - deflagrada em face da lei n. 9.649/1998 -, a Suprema Corte reafirmou que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas teriam a natureza de autarquias federais.

Atente-se também para o julgado abaixo:

1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. ENTIDADES CRIADAS

POR LEI. FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADETIPICAMENTE PÚBLICA. DEVER DE PRESTAR CONTAS. 2) EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CRFB. 3) DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PROFERIDA MESES DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA SELEÇÃO SIMPLIFICADA PELO IMPETRANTE. 4)SEGURANÇA DENEGADA. 5) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS. 1. As autarquias, forma sob a qual atuam os conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercícioprofissional, é de rigor a obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da CF/1988, quando da contratação de servidores. Precedentes (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJe18/6/2012). 2. In casu, o Acórdão nº 2.690/2009 do TCU determinou ao Conselho Federal de Medicina Veterinária que: “9.4.1. não admita pessoal sem a realização de prévio concurso público, ante o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, e adoteasmedidas necessárias, no prazo de sessenta dias, a contar da ciência deste Acórdão, para a rescisão dos contratos ilegalmente firmados a partir de 18/5/2001;” 3. Segurança denegada.

(MS 28469, LUIZ FUX, STF.)

Por conseguinte, reconheço a competência da Justiça Federal para esta causa. Também reconheço a competência desta Subseção Judiciária de Curitiba, dado que o presidente do Conselho Regional de Farmácia atua nesta capital.

De outro tanto, há conexão desta demanda com o mandado de segurança de autos n. 50321395820164047000, distribuídos perante esta 11. Vara Federal em 04 de julho de 2016 pelo Sindicato do Comércio Varejistas de Produtos Farmacêuticos do Oeste do Paraná, impugnando os mesmos atos administrativos em causa neste feito.

Aplico ao caso, pois, o art. 55, §3º e o art. 58 do novo CPC. 

O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que "com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015  definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade." (DANTAS, Bruno

Silveira in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao novo código de processo civil.  SP: RT, 2015, p. 229).

Não se aplica ao caso, ademais, a súmula 235, STJ: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado."

Reconheço, tanto por isso, a competência do presente juízo para a apreciação deste mandamus. 

 

2.2. Quanto à adequação da via eleita: 

O mandado de segurança não viabiliza a realização de dilações probatórias no seu curso. Daí que ele demanda a apresentação, pelo impetrante, de prova pré-constituída, já com a peça inicial.

Como diz Sérgio Ferraz, um direito é líquido quando "se apresenta com alto grau, em tese, de plausibilidade de seu reconhecimento; e certo aquele que se oferece configurado preferencialmente de plano, documentalmente, sem recurso a dilações probatórias." (FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).

Em outras palavras, "Direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1533). É um conceito impróprio - e mal-expresso - alusivo à precisão e comprovação do direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito." (MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 36).

Como já anotou o ministro Adhemar Ferreira Maciel já anotou que "A essência do mandado de segurança está em ser ele um processo de documentos (Urkundenprozess), exigindo prova pré-constituída. Quem não prova de modo insofismável com documentos o que deduz na inicial não tem a condição especial da ação de mandado de segurança. Logo, o julgador não tem como chegar ao mérito do pedido e deve extinguir o processo por carência de ação." (STJ, RMS n. 4.258-8, DJU de 19.12.1994, p. 35.332).

Isso significa que a condição indispensável para "o socorro da via excepcional do mandado de segurança é, a par da demonstração do direito líquido e certo, a abusividade ou ilegalidade do ato alvejado ou em perspectiva de ser desfechado, mas isso em instrução prévia e indiscutível." (FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46).

Segundo José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo, a expressão direito líquido e certo "deve ser interpretada sistemática e finalisticamente: o ato considerado ilegal ou abusivo é aquele que pode ser demonstrado de plano, mediante prova meramente documental. Tutela-se um direito evidente. Caso exista a necessidade de cognição aprofundada para a averiguação da ilegalidade ou prática do abuso, a situação não permitirá o uso da via estrita do mandado de segurança." (MEDINA, José Miguel Garca; ARAÚJO, Fábio Caldas. Mandado de segurança individual e coletivo: comentários à lei n. 12.016/2009. São Paulo: RT, 2009, p. 34-35).

DESSE MODO, reputo que tais requisitos foram satisfeitos na espécie, dado que se trata de discussão a respeito de ato administrativo declino na inicial, não havendo necessidade de dilações probatórias no curso do feito.

 

2.3. Breves considerações sobre a atuação de sindicatos: 

Nos termos do decreto 24.694/1934, os sindicatos são "tipos específicos de organização das profissões e para atividades lícitas e, entre finalidades beneficentes, as de representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, não só os seus próprios interesses e os dos seus associados, como também os interesses da profissão respectiva, e, ainda, firmar ou sancionar convenções coletivas de trabalho." (SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. Vol. 2. 19. ed. São Paulo: LTR, 2000, p. 1094).

Como sabido, a Constituição de 1988 reconheceu aos sindicatos a legitimidade para discutir em juízo, em nome próprio, temas do interesse dos seus sindicalizados:

Art. 8º - CF. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. 

Destaco também o art. 3º da lei 8073/1990:

Art. 3º - lei 8073. As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria.

Trata-se de uma legitimação extraordinária, orientada à construção de uma democracia participativa mais efetiva.

Segundo a Suprema Corte, "O art. 8º, III, da CF estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que

representam." (RE 210.029, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 17-8-2007).

Acrescento que o válido exercício do referido munus não está condicionado à apresentação de relação de sindicalizados. Aplica-se ao caso a lógica da súmula 629 da Suprema Corte:

Súmula 629, STF - A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.

Também nesse sentido, menciono os seguintes precedentes do STF:

"(...) Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos." 

(RE 210.029, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 17-8-2007.) 

No mesmo sentido: AI 844.039, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão monocrática, julgamento em 13-3-2012, DJE de 19-3-2012; RE 217.566-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011; RE 193.579, RE 208.983, RE 211.874, RE 213.111, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 24-8-2007.

Atente-se, ademais, para os seguintes julgados, emanados do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. AFILIADOS. LEGITIMIDADE. 1. Nos termos da Súmula 629/STF, associação ou sindicato, na qualidade de substituto processual, atuam na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, dispensando-se a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações. 2. Tem legitimidade o associado para ajuizar execução individual de título judicial proveniente de ação coletiva proposta por associação ou sindicato, independentemente da comprovação de sua filiação ou de sua autorização expressa para representação no processo de conhecimento. Nesse sentido, os seguintes julgados: REsp 1379403/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26/09/2013; AgRg no AREsp 238.656/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 15/04/2013; AgRg no AREsp 201.794/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 11/04/2013; AgRg no REsp 1185824/GO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16/2/2012; AgRg no REsp 1153359/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 12/4/2010. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN:

(AGARESP 201304041559, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/03/2014 ..DTPB:.)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. PRETENSÃO DE APRECIAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE, NA VIA DE RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA. AUTORIZAÇÃO INDIVIDUAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. A análise de alegada violação a dispositivos constitucionais não encontra amparo na via especial, sob pena de usurpação da competência do STF. Precedentes do STJ. II. Consoante a jurisprudência do STJ, "os sindicatos e associações, na qualidade de substitutos processuais, detém legitimidade para atuar judicialmente na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações. Dessa forma, a coisa julgada oriunda da ação coletiva de conhecimento abarcará todos os servidores da categoria, tornando-os partes legítimas para propôr a execução individual da sentença, independentemente da comprovação de sua filiação. (...)" (STJ, REsp 1.186.714/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2011). III. Agravo Regimental improvido. ..EMEN:

(AGRESP 200902187777, ASSUSETE MAGALHÃES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:17/03/2014 ..DTPB:.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. SINDICATO. LEI 8.073/90. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1 - Esta Corte afirmou a legitimidade ativa ad causam dos sindicatos e entidades de classe para atuarem na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Também afastou a necessidade de autorização expressa ou relação nominal dos associados, por se tratar de substituição processual (Precedentes). 2. Agravo regimental improvido. ..EMEN:

(AGRESP 201100418450, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:04/02/2013 ..DTPB:.)

Junto ao eg. TRF4 colho os seguintes julgados:

EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESCRIÇÃO. SERVIDORES. FUNÇÕES COMISSIONADAS. VANTAGENS PESSOAIS.

PERCEPÇÃO CUMULADA. POSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. 1. A teor do previsto no inciso III do artigo 8º da CF, os sindicatos são legitimados extraordinariamente para a defesa em Juízo dos direitos e interesses coletivos e individuais dos integrantes da categoria representada, com alcance em relação à liquidação e à execução dos julgados, desnecessária qualquer autorização dos substituídos. 2. Afastamento da alegação de prescrição qüinqüenal à vista da data do ajuizamento da causa. 3. Reconhecimento do direito de os servidores públicos substituídos perceberem de forma cumulada as Funções Comissionadas com as Vantagens Pessoais Nominalmente Identificadas, a despeito da vedação contida na Resolução Administrativa nº 777/01 do TST, uma vez que a cumulabilidade resulta da revogação empreendida pela Lei nº 9.527/97 quanto às disposições da Lei nº 8.911/94, a qual proibia a pretensão, além do fato de que as Vantagens Pessoais Nominalmente Identificadas possuem natureza distinta dos décimos e quintos incorporados, o que permite a acumulação, consoante reconhecido em decisões administrativas anteriores. 4. Quanto às demandas promovidas por servidores públicos visando ao recebimento de parcelas remuneratórias omitidas pela Administração com data de ajuizamento a partir do advento da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, publicada em 27.08.2001, que incluiu o artigo 1º-F na Lei nº 9.494/1997, a taxa dos juros moratórios porventura devidos corresponde a 6% ao ano.

(EINF 200172000077962, MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF4 - SEGUNDA SEÇÃO, D.E. 25/09/2009.)

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. SINDICATO. AÇÃO CIVL. PÚBLICA. CABIMENTO. ERRO DE FORMA. ART. 250 DO CPC. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE SERVIDOR PÚBLICO. DIÁRIAS DE VIAGEM EXCEDENTES A 50% DA REMUNERAÇÃO. ART. 1º DA LEI 9.783/99. EXIGIBILIDADE. 1. Cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, consoante estatui o art. 8º, III da CF/88. A sua atuação em juízo não depende de individualização dos substituídos nem de autorização em assembléia. 2. A ação civil pública não é a via processual adequada para veicular discussão sobre violação a direitos individuais homogêneos que envolvam questão tributária, visto que nada tem a ver com relação de consumo. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, converte-se a ação civil pública em ação ordinária, nos termos do art. 250 do CPC. 3. A contribuição previdenciária para custeio da previdência social dos servidores públicos e pensionistas da União incide sobre as diárias de viagem que excederem a 50% da remuneração mensal do servidor, nos termos do art. 1º da Lei 9.783/99, tendo em vista a natureza salarial dessa verba por presunção legal de que a parcela representa forma disfarçada de pagamento de salário. - Apelação e remessa oficial providas.

(AC 200172000030477, JOÃO SURREAUX CHAGAS, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 01/09/2004.)

Por conseguinte, vê-se que o sindicato demandante não estava obrigado à apresentação de lista dos servidores substituídos ou de comprovantes da pertinente autorização para ingresso em juízo.

A lei infraconstitucional não pode impor restrições, quanto ao tema, de modo a modificar as opções da Lei Maior.

Por outro lado, anote-se que o Sindicato possui legitimidade para demandar em juízo interesses individuais homogêneos. A Lei Fundamental não limitou a atuação dos sindicatos a temas supostamente maiores ou mais relevantes. Ao contrário, a legitimidade sindical para debater tais temas em juízo decorre diretamente do art. 8º, III, CF.

"Esta Corte firmou o entendimento segundo o qual o sindicato tem legitimidade para atuar como substituto processual na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais homogêneos da categoria que representa. (...) Quanto à violação ao art. 5º, LXX e XXI, da Carta Magna, esta Corte firmou entendimento de que é desnecessária a expressa autorização dos sindicalizados para a substituição processual." 

(RE 555.720-AgR, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-9-2008, Segunda Turma, DJE de 21-11-2008.) 

 

"O Plenário do STF deu interpretação ao art. 8º, III, da Constituição e decidiu que os sindicatos têm legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria por ele representada. A falta de publicação do precedente mencionado não impede o julgamento imediato de causas que versem sobre a mesma controvérsia, em especial quando o entendimento adotado é confirmado por decisões posteriores. A nova composição do Tribunal não ensejou a mudança da orientação seguida. Agravo improvido." 

(RE 197.029-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13-12-2006, Primeira Turma, DJ de 16-2-2007.) 

No mesmo sentido, leiam-se os julgados: RE 217.566-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011; RE 189.264-AgR, RE 208.970-AgR, RE 216.808-AgR, RE 219.816-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-12-2006, Primeira Turma, DJ de 23-2-2007.

Junto ao STJ, destaco o que segue:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIFERENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE CONTAS DO FGTS. LEGITIMAÇÃO ATIVA DAS ENTIDADES SINDICAIS. NATUREZA E LIMITES. PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO AFIRMADO E DOCUMENTO ESSENCIAL À PROPOSITURA DA DEMANDA. DISTINÇÕES.

1. As entidades sindicais têm legitimidade ativa para demandar em juízo a tutela de direitos subjetivos individuais dos integrantes da categoria, desde que se tratem de direitos homogêneos e que guardem relação de pertencialidade com os fins institucionais do Sindicato demandante.

2. A legitimação ativa, nesses casos, se opera em regime de substituição processual, visando a obter sentença condenatória de caráter genérico, nos moldes da prevista no art. 95 da Lei n.8078/90, sem qualquer juízo a respeito da situação particular dos substituídos, dispensando, nesses limites, a autorização individual dos substituídos.

3. A individualização da situação particular, bem assim a correspondente liquidação e execução dos valores devidos a cada um dos substituídos, se não compostas espontaneamente, serão objeto de ação própria (ação de cumprimento da sentença condenatória genérica), a ser promovida pelos interessados, ou pelo Sindicato, aqui em regime de representação.

4. Não se pode confundir "documento essencial à propositura da ação" com "ônus da prova do fato constitutivo do direito". Ao autor cumpre provar os fatos que dão sustento ao direito afirmado na petição inicial, mas isso não significa dizer que deve fazê-lo mediante apresentação de prova pré-constituída e já por ocasião do ajuizamento da demanda. Nada impede que o faça na instrução processual e pelos meios de prova regulares.

5. Em se tratando de ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, que visa a uma sentença condenatória genérica, a prova do fato constitutivo do direito subjetivo individual deverá ser produzida por ocasião da ação de cumprimento, oportunidade em que se fará o exame das situações particulares dos substituídos, visando a identificar e mensurar cada um dos direitos subjetivos genericamente reconhecidos na sentença de procedência.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 487202/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.05.2004, DJ 24.05.2004 p. 164)

 

Menciono, outrossim, os julgados abaixo, emanados do TRF4:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA. CONTRIBUIÇÃO PARA SEGURIDADE SOCIAL.

ART. 201, §5.º, INC. II, DO DEC. 3048/99. REDAÇÃO DO DEC. 4729/03. OFENSA AO ART. 150, INC. I, DA CF/88. ILEGALIDADE 

1. A Lei Maior, em seu art. 8º, inciso III, cria a possibilidade genérica de organização sindical ingressar em juízo na defesa dos interesse de seus membros e filiados. Trata-se de substituição processual dos integrantes da categoria, e tal substituição não depende de autorização dos sindicalizados. 2. Quanto aos interesses defendidos pelo sindicato, sua legitimidade extraordinária abrange tanto os difusos quanto os individuais, conforme expressa autorização do inciso III do artigo 8º da CF/88. Por interesse individual deve ser considerado o homogêneo, isto é, aquele que, embora individual, vinculase à categoria ou a parte dela, autorizando a sua defesa coletiva e, portanto, a incidência constitucional. 3. O requisito que se exige do sindicato é a íntima ligação da lide com as suas finalidades institucionais, voltada à defesa de seus sindicalizados. 4. Resta legitimidade ao sindicato ainda que tais direitos individuais homogêneos não estejam afetos à totalidade dos integrantes da categoria. Precedentes do STF e STJ. 5. A alteração do inc. II, do §5.º, do art. 201, do Dec. 3.048/99, efetivada pelo Dec. 4.729/03, apresentou, sem aparo legal, nova hipótese de base de cálculo para a contribuição de seguridade social a ser suportada pelas sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões regulamentadas, qual seja, o adiantamento de resultado ainda não apurado por meio de demonstração de resultado do exercício. Ofensa ao art. 150, inc. I, da CF/88 e ao art. 97, do CTN, caracterizada.

(AMS 200470000261319, DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 05/07/2006 PÁGINA: 601.)

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL. LEGITIMIDADE ATIVA DE SINDICATO PATRONAL PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO COM O OBJETIVO DE OBTER BENEFÍCIO FISCAL PARA AS EMPRESAS SINDICALIZADAS. 

O sindicato patronal, representante da categoria econômica, possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança coletivo com o objetivo de obter benefício fiscal para as empresas sindicalizadas. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

(APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.71.00.019676-7/RS, Rel. Des. Federal JOÃO SURREAUX CHAGAS, D.J.U. de 15/12/04)

Destaco ainda que, nos termos do Informativo 376 do STF, o sindicato tem pertinência subjetiva para discutir em juízo interesses individuais homogêneos, mesmo quando não estejam afetos à totalidade dos sindicalizados:

 

"STF - Informativo 376 (RE-284993)

MS Coletivo: Sindicato e legitimidade Ativa

Sindicato possui legitimidade para, na qualidade de substituto processual, impetrar mandado de segurança coletivo para a defesa de direitos subjetivos de parcela de seus associados, ainda que tais direitos não estejam afetos necessariamente à totalidade dos integrantes da categoria. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Sindicato dos Servidores Policiais do Espírito Santo - SINDIPOL contra acórdão do tribunal de justiça local que, em sede de apelação, julgara extinto, por ilegitimidade ativa, mandado de segurança impetrado pelo recorrente, no qual se impugnava ato da Diretoria da Academia de Polícia Civil do referido Estado, que oferecera curso de especialização somente a alguns policiais, com a instituição de gratificação aos escolhidos que viessem a ser aprovados.

Ressaltou-se, ainda, que a anulação de concurso, em tese viciado, apesar de prejudicar os interesses de pequeno número de sindicalizados, diz respeito à defesa dos direitos da categoria como um todo, razão pela qual seria legítima a atuação do sindicato para pugnar pela sua legalidade, a fim de assegurar a todos os eventuais benefícios dele decorrentes, dentro dos princípios da moralidade, igualdade que, entre outros, devem reger os atos da Administração Pública e de seus agentes. Precedentes citados: MS 21070/DF (DJU de 22.2.91); MS 20936/DF (DJU de 11.9.92)."

Julgo, todavia, que a cláusula do art. 1º, parágrafo único, lei 7.347/1985 (veiculada pela MP 2.180-35/2001) demanda leitura restritiva, não podendo atingir a atuação fundada no art. 8º, III, CF. Repiso que, na espécie, não cabe ao legislador infraconstitucional reduzir o alcance da garantia assegurada diretamente pela Lei Maior.

 

2.4. Alegada impertinência subjetiva do Sindicato: 

Neste eproc, a autoridade impetrada sustentou que o sindicato do comércio varejista de produtos farmacêuticos de Maringá não teria pertinência subjetiva com a causa, dado que não lhe seria dado impugnar comunicados orientados aos farmacêuticos.

Deve-se atentar, portanto, para os arts. 17e 18 do novo CPC:

Art. 17.  Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

Art. 18.  Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único.  Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.

Como explicita Araken de Assis, a legitimidade "reclama a correspondência entre a parte, que é o figurante no processo, e a pessoa que, segundo a previsão legal, tem capacidade para conduzir o processo (Prozessfürungsbefugnis). Trata-se de comparar a pessoa que ocupa a posição de parte, em determinado processo, e a pessoa que, conforme os esquemas abstratos traçados em lei, revela-se habilitada a reclamar ou a defender em juízo o direito substancial. Nada impede que esses esquemas sejam elásticos para ensejar uma maior tutela jurisdicional."  (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. volume I: Parte geral. Fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT, 2015, p. 655).

Ora, na espécie, ao contrário do que sustentou o Conselho Regional, o Sindicato está defendendo pretensões das próprias empresas substituídas. Afinal de contas, como notório, as empresas de farmácia somente podem atuar com prévio registro de profissional farmacêutico - enquanto responsável técnico - perante o respectivo conselho, conforme se infere do art. 15 da lei n. 5.991/1973, art. 6º, I, lei n. 13.021/2014 e Resolução n. 577, de 25 de julho de 2013, do Conselho Federal de Farmácia.

Isso significa que, ao ameaçar cominar multa em desfavor de farmacêuticos que permitam a comercialização de produtos de conveniência nas drogarias em que atuem, o Conselho acaba por atingir, de modo direto, as próprias empresas varejistas, interessadas na comercialização de tais itens.

Tanto por isso, reputo que há legitimidade ativa do Sindicato demandante, como bem ilustra o julgado abaixo:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ENTIDADEASSOCIATIVA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ANVISA. COMERCIALIZAÇÃO DEMEDICAMENTOS. RESTRIÇÕES. INSTRUÇÃO NORMATIVA 9/2009. EXTRAPOLAÇÃO DOPODER REGULAMENTAR. LEI ESTADUAL. AUTORIZAÇÃO PARA A COMERCIALIZAÇÃO,EM FARMÁCIAS E DROGARIAS, DE PRODUTOS DE CONSUMO GERAL. ARTIGOS DECONVENIÊNCIA. LEGALIDADE. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.ADI 4949/RJ, ADI 4954/AC E ADI 4948/RR). EFEITOS DA SENTENÇA. LIMITESOBJETIVOS E SUBJETIVOS DO JULGADO. SENTENÇA MANTIDA.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de justiça firmou o entendimento deque tanto o sindicato como a associação possuem legitimidade para defenderos interesses da categoria em juízo, sendo desnecessária a juntada derelação nominal dos filiados, bem como de autorização expressa (AgRg

noAREsp 119500/DF, Primeira Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,DJe 02/06/2015). Preliminar rejeitada.

2. A Instrução Normativa/ANVISA 9/2009 impediu às farmácias e drogarias acomercialização de produtos que não possuíssem nenhuma relação com a saúdee que não se enquadrassem no conceito de produtos correlatos.

3. A Lei 5.991/73, em seu art. 5º, estabeleceu que o comércio de drogas,medicamentos e insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dosestabelecimentos nela definidos, dentre eles, o supermercado, a loja deconveniência e a drugstore, de acordo com os incisos XVIII e XX, incluídosem seu art. 4° pela Lei 9.069/95.

4. Conclui-se que a Lei 5.997/73, com alterações introduzidas pela Lei9.065/95, autorizou os supermercados, as lojas de conveniência e as drugstoresa também comercializar medicamentos, desde que preenchidos os requisitoslegais aplicáveis às próprias farmácias e drogarias, como licenciamento,condições sanitárias adequadas e existência de responsável técnico, bemcomo autorizou as farmácias e drogarias a optarem por se tornar drugstores,ou seja, poderiam comercializar também mercadorias de primeira necessidade,como alimentos em geral e produtos de higiene e limpeza.

5. Assim, se a Lei 5.991/73 foi alterada por norma legal posterior que,expressamente, incluiu as drugstores no rol dos estabelecimentos com permissãopara comercializar medicamentos, a única restrição que remanesceu foi quantoà utilização da dependência da farmácia ou drogaria com finalidade diversado licenciamento, art. 55, inexistindo, então, vedação ao funcionamento simultâneo da farmácia ou drogaria como drugstore.

6. As restrições de comercialização de produtos correlatos, contida na IN9/2009, não encontra amparo na legislação de regência, razão por que seconstata que a norma infralegal extrapolou o poder regulamentar conferido à ANVISA. Precedente do Tribunal: AC 0006202-61.2010.4.01.3400/DF, Sexta Turma,Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, 20/11/2014 e-DJF1 P. 97.

7. Finalmente, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes as Ações Diretasde Inconstitucionalidade propostas pelo Procurador-Geral da República contranormas estaduais que haviam ampliado a variedade de produtos comercializadospelas farmácias e drogarias (ADI 4949/RJ, ADI 4954/AC e ADI 4948/RR).

8. O STF firmou o entendimento de que a Lei 5.991/1973 não veda expressamente a comercialização de artigos de conveniência em drogarias e farmácias,e a exclusividade, por ela fixada, para a venda de medicamentos nesses estabelecimentos não autoriza interpretação que obste o comércio de nenhum outro tipo de produto.

9. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a eficáciada sentença proferida em processo coletivo não se limita geograficamente aoâmbito da competência jurisdicional do seu prolator, mas, sim, aos limitesobjetivos e subjetivos do que foi decidido (AgRg no AREsp 302.062/DF, PrimeiraTurma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 19.05.2014 e AgRg no REsp322.064, DF, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 14.06.2013).

10. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.

(AMS 2009.34.00.038141-1, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:30/07/2015 PAGINA:1066.)

 

2.5. Considerações gerais sobre os provimentos de urgência: 

Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo.

Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.

A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.

Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos arts. 300 e ss. do novo CPC. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja fumus boni iuris e periculum in mora - a antecipação da tutela deverá ser deferida.

Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).

Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:

"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.

1.405.1. Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.

1.405.2. Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade."

ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371.

Por outro lado, como sabido, o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da res iudicata).

'É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada.'

(Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7. ed. SP: Malheiros. p. 55)

Examino, pois, a presença de tais requisitos na situação vertente.

 

2.6. Controle judicial de atos administrativos: 

Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.

Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de legibus solutus, própria ao Estado oitocentista.

Como explica Gustavo Binembojm, "A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."(BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 195-196).

Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.

Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio. "Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração." (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 199-200).

Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para

aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.

Bandeira de Mello explica que "Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária." (BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).

Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que "A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos." (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 208).

Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas. "O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa." (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 209).

Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:

"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.

Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.

O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito.

Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade."

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 210.

Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos.

Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.

Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:

"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.

Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por

questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)

Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos."

WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf. Direito administrativo. volume I. Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248.

Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:

"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14ª Edição, Editora RT, p. 175.

Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta: "A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato." (CARVALHO F, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).

Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve "fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo." (FAGUNDES, Seabra. O controle dos

atos administrativos pelo Poder Judiciário. Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).

Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio).

Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (a respeito desse tema, leia-se CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y lenguaje. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).

Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.

Menciono o seguinte julgado:

(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal.

(EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)

No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem

como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido.

(RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)

 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido.

(RMS 24699, EROS GRAU, STF.)

 

2.7. Aferição da proporcionalidade de atos administrativos:

Ademais, como notório, a atuação estatal deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na nossa (art. 5º, LIV e LV, CF - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).

Art. 18 - Constituição de Portugal. 

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 

3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

 

Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:

"1. Segundo o subprincípio da idoneidade, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 

2. Conforme o subprincípio de necessidade, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 

3. No fim, conforme o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral.

PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 42.

Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado odiosa sunt restringenda (Übermamaßverbot).

A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82.

Transcrevo a análise de Canotilho e Vital Moreira:

"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.

Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.

O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. 

Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."

J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394/395.

Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade. Somente pode ocorrer quando (e no limite em que) for indispensável. Do contrário, o chamado 'núcleo essencial' dos direitos fundamentais (Wesengehalt) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.

 

2.8. Liberdade de exercício de profissão:

Como notório, a Constituição da República assegura aos brasileiros e aos estrangeiros que se encontrem em solo nacional o livre exercício da atividade profissional, observados os requisitos legais pertinentes:

Art. 5º. XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Conquanto aludido preceito tenha aludido às qualificações profissionais a serem estabelecidas em lei, isso não pode se traduzir em delegação absoluta para o Congresso.

Melhor dizendo, apenas requisitos realmente pertinentes, adequados, proporcionais podem ser exigidos. Cuida-se de uma restrição à liberdade de atuação, de modo que os requisitos cobram justificação substancial.

É razoável, e penso que poucos discordariam, que a medicina seja exercida apenas por quem efetivamente cursou e foi aprovado em uma faculdade, quem tem destreza e efetivo conhecimento técnico. Daí que a lei 3.268/1957 condicione a atuação como médico à prévia admissão no CRM. O Código Penal tipifica como crime a conduta de quem exerce, ainda que a título gratuito, a profissão de médico (art. 282, CP).

Referidas normas são válidas, eis que é indiscutível o elevado risco social presente na atividade de quem se dispõe a intervir no corpo alheio, criando expectativas de cura. Apenas profissionais efetivamente capazes, habilitados, podem atuar nesse âmbito.

Semelhante raciocínio se impõe quanto à uma vasta gama de profissões, cujo desempenho demanda prova de alguma acurácia e expertise. Esse é o caso, por exemplo, da advocacia (arts. 3º e 8º da lei 8906/1994), da engenharia civil (art. 6º da lei 5.194/1966), da atividade farmacêutica (art. 57, lei 5991/1973), contabilidade (art. 26 da lei 9.295/1946).

O mesmo não ocorre, todavia, quanto a outras tantas profissões que, conquanto extremamente relevantes, demandam requisitos menores. Esse é o caso dos pedreiros, office-boys, carpinteiros, cantores, instrumentistas, jornalistas, etc.

Repiso que, conquanto a Constituição tenha condicionado a liberdade de exercício profissional à edição de leis infraconstitucionais, isso não se traduz no reconhecimento automático da validade das normas assim produzidas. A legislação não pode simplesmente esvaziar referida garantia.

Reporto-me à lição de Ingo Wolfgang Sarlet: "Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão, a fixação de exigências e qualificações profissionais evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas, não se tolerando, de resto, restrições de caráter discriminatório." (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 512).

Em princípio, isso significa que é dado ao Conselho de Farmácia regular a atividade dos profissionais da área, mas sem extrapolar os ditames

legais pertinentes, sobp ena de agressão ao art. 5º, II e art. 37, caput, CF, implicando oblíqua violação à lógica do art. 5º, XIII, CF.

 

2.9. Livre iniciativa e exercício de atividade econômica: 

De outro tanto,  a História tem conhecido distintas formas de produção. As comunidades políticas há conviveram com o vergonhoso modo escravista, com o regime de vassalagem, com propostas socialistas e também com o regime capitalista, com todas as suas variáveis.

Grosso modo, há modelos que advogam uma economia planificada, em que um órgão central detém o controle absoluto do que é produzido e consumido. De certo modo, essa foi a ambição do regime da extinta URSS. A crítica é que esse modelo, por aniquilar o estímulo individual pelo incremento da própria riqueza, acaba por asfixiar o crescimento econômico.

Já a concepção contrária, de conteúdo liberal, atribui a cada sujeito a decisão a respeito do que fazer com os seus próprios talentos e também com o seu patrimônio. Ao invés de se advogar uma propriedade coletiva do excedente econômico, esse ideário funda-se nas ideias de propriedade e contrato.

De certo modo, a República Federativa do Brasil adotou um liberalismo mitigado. Reconheceu o direito de propriedade, mas também impôs limites ao seu exercício, tornando-o funcional (art. 5º, XXIII, CF).

A Lei Maior reconheceu que a República brasileira está assentada no reconhecimento do valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, caput, CF), mas também assegurou inúmeros mecanismos de intervenção estatal na economia, como cediço.

Convém ter em conta a antiga lição de José Afonso da Silva, ainda bastante atual:

'Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que 'liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo.' É legítima, enquanto exercida no interesse da Justiça Social. Será ilegítima, quando exercida com o objeto de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí por que a iniciativa econômica pública, embora sujeita a outros tantos condicionamentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando destinada a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Cumpre, então, observar que a liberdade de iniciativa econômica não sofre compressão só do Poder Público. Este efetivamente o faz legitimamente nos termos da lei, quer regulando a liberdade de indústria e comércio, em alguns casos impondo a necessidade de autorização ou de permissão para determinado tipo de atividade econômica, quer regulando a liberdade de contratar, especialmente no que tange às relações de trabalho, mas também quanto à fixação de preços, além da intervenção direta na produção e comercialização de certos bens. 

Acontece que o desenvolvimento do poder econômico privado, fundado especialmente na concentração de empresas, é fator de limitação à própria iniciativa privada, na medida em que a concentração capitalista impede ou estorva a expansão de pequenas iniciativas econômicas.' 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 726.

Daí o igual relevo do art. 1.228, §1º, do atual Código Civil:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Reporto-me também aos seguintes julgados prolatados pelo STF:

'American Virginia Indústria e Comércio Importação Exportação Ltda. pretende obter efeito suspensivo para recurso extraordinário admitido na origem, no qual se opõe a interdição de estabelecimentos seus, decorrente do cancelamento do registro especial para industrialização de cigarros, por descumprimento de obrigações tributárias. (...) Cumpre sublinhar não apenas a legitimidade deste outro propósito normativo, como seu prestígio constitucional. A defesa da livre concorrência é imperativo de ordem constitucional (art. 170, IV) que deve harmonizar-se com o princípio da livre iniciativa (art. 170, caput). Lembro que 'livre iniciativa e livre concorrência, esta como base do chamado livre mercado, não coincidem necessariamente. Ou seja, livre concorrência nem sempre conduz à livre iniciativa e vice-versa (cf. Farina, Azevedo, Saes: Competitividade: Mercado, Estado e Organizações, São Paulo, 1997, cap. IV). Daí a necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade enquanto fator relevante na formação de preços ...' Calixto Salomão Filho, referindo-se

à doutrina do eminente Min. Eros Grau, adverte que 'livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta(...). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada.' A incomum circunstância de entidade que congrega diversas empresas idôneas (ETCO) associar-se, na causa, à Fazenda Nacional, para defender interesses que reconhece comuns a ambas e à própria sociedade, não é coisa de desprezar. Não se trata aqui de reduzir a defesa da liberdade de concorrência à defesa do concorrente, retrocedendo aos tempos da 'concepção privatística de concorrência', da qual é exemplo a 'famosa discussão sobre liberdade de restabelecimento travada por Rui Barbosa e Carvalho de Mendonça no caso da Cia. de Juta (Revista do STF (III), 2/187, 1914)', mas apenas de reconhecer que o fundamento para a coibição de práticas anticoncorrenciais reside na proteção a 'ambos os objetos da tutela: a lealdade e a existência de concorrência (...). Em primeiro lugar, é preciso garantir que a concorrência se desenvolva de forma leal, isto é, que sejam respeitadas as regras mínimas de comportamento entre os agentes econômicos. Dois são os objetivos dessas regras mínimas. Primeiro, garantir que o sucesso relativo das empresas no mercado dependa exclusivamente de sua eficiência, e não de sua 'esperteza negocial' - isto é, de sua capacidade de desviar consumidores de seus concorrentes sem que isso decorra de comparações baseadas exclusivamente em dados do mercado.' Ademais, o caso é do que a doutrina chama de tributo extrafiscal proibitivo, ou simplesmente proibitivo, cujo alcance, a toda a evidência, não exclui objetivo simultâneo de inibir ou refrear a fabricação e o consumo de certo produto. A elevada alíquota do IPI caracteriza-o, no setor da indústria do tabaco, como tributo dessa categoria, com a nítida função de desestímulo por indução na economia. E isso não pode deixar de interferir na decisão estratégica de cada empresa de produzir ou não produzir cigarros. É que, determinada a produzi-lo, deve a indústria submeter-se, é óbvio, às exigências normativas oponíveis a todos os participantes do setor, entre as quais a regularidade fiscal constitui requisito necessário, menos à concessão do que à preservação do registro especial, sem o qual a produção de cigarros é vedada e ilícita.' 

(AC 1.657-MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007.)

 

'É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do

que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da 'iniciativa do Estado'; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (arts. 23, V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição). Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer são meios de complementar a formação dos estudantes.' 

(ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006.) 

 

'A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) - não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade.' 

(RE 205.193, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-2-1997, Primeira Turma, DJ de 6-6-1997.)

Percebe-se, portanto, que - conquanto haja liberdade de empresa -, cabe ao Estado fiscalizar o exercício de atividades de risco, sobremodo quando possam comprometer a saúde da população. 

 

2.10. SITUAÇÃO SOB EXAME - cognição precária: 

Firmadas essas balizas, com cognição não exaustiva, passo ao exame dos argumentos equacionados pelas partes, nesse mandado de segurança.

O Sindicato demandante insurgiu-se contra comunicado do Conselho Regional de Farmácia, veiculando o seguinte conteúdo:

“A Lei no 13.021/2014 (Diário Oficial da União de 11/08/2014) que “Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas”, revogou parcialmente alguns preceitos da Lei no 5991/1973 (D.O.U. de 15/12/1973), destacando-se entre estes , o novo conceito de farmácia, na forma do art. 3º da Lei no 13.021/2014: “Farmácia é uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, na qual se processe a manipulação e/ou dispensação de medicamentos magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados , cosméticos, insumos farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos”.  Diante do enquadramento e limitac ̧ão dada pela Lei 5.991/73 aos correlatos, aliado ao conceito de Farmácia consagrado pela Lei 13.021/2014 como estabelecimento de prestação de serviços de saúde, não há ́ como considerar esses produtos senão apenas aqueles relacionados com a saúde e asseio como os indicados anteriormente.

É conhecida a existe ̂ncia de uma série de normas, administrativas como a Resoluc ̧ão 226/1999 e legais como a Lei Estadual 17.733/2013 que impõe conceitos e interpretac ̧ões divergentes aos que a Lei 5.991/73 determinam em relac ̧ão a correlatos, porem não há falar em sobreposic ̧ão destas em relac ̧ão aos termos de Lei Federal, no caso as Leis 5.991/73 e 13.021/2014, sob risco de violac ̧ão às mais primárias lic ̧ões de interpretac ̧ão da norma jurídica, quais sejam, de que ato administrativo como Resoluc ̧ões não podem contrariar texto de lei, bem como lei estadual não pode conflitar com o que já existe previsto em Lei Federal (aspecto temporal), ainda que a Constituic ̧ão Federal conceda a compete ̂ncia concorrente desses entes, Estado e União, para legislar em matéria de defesa da saúde.  Portanto, farmácias de qualquer natureza não podem comercializar qualquer outro produto que não seja medicamentos magistrais, oficinais, farmacopeicos, industrializados, cosméticos, perfumes, produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e outros de acordo com as Leis 5.991/73, 6.360/1976 e 13.021/2014.  Esse e ́ o entendimento do Conselho Regional de Farmácia e o que será ́interpretado nas verificações das atividades farmacêuticas em farmácias de qualquer natureza. É fundamental que o Farmacêutico Responsável emita orientações técnicas ao proprietário , devidamente documentadas, quando for o caso , inclusive a respeito dos produtos atinentes a ̀ atividade farmacêutica que podem ser expostos pelo estabelecimento, entre os quais por certo não se encontram alimentos, refrigerantes, brinquedos entre outros absolutamente dissociados do cuidado com a saúde. Nesse aspecto a importantíssima conquista expressa pelo artigo 11 da Lei 13.021/2014. Art. 11. O proprietário da farmácia não poderá ́ desautorizar ou desconsiderar as orientações técnicas emitidas pelo farmacêutico.  Parágrafo único. É responsabilidade do estabelecimento farmace ̂utico fornecer condic ̧ões adequadas ao perfeito desenvolvimento das atividades profissionais do farmace ̂utico.  

Finalmente, o registro de que aos Conselhos Regionais de Farmácia não cabe discutir a lei , mas cumpri -la. Assim, o Conselho Federal (CFF) e o Conselho Regional de Farmácia do Parana ́ ve ̂m tentando aprimorar o sistema de fiscalizac ̧ão e aplicando penalidades àqueles profissionais que insistem em descumprir as suas obrigac ̧ões. Não são interesses pessoais isolados que estão em jogo , mas a saúde pública e o próprio direito à assiste ̂ncia farmace ̂utica da populac ̧ão.  De modo que comunicamos que o Conselho Regional de Farmácia do Parana ́, por meio de seu servic ̧o de fiscalizac ̧ão promoverá as anotac ̧ões das possíveis irregularidades identificadas nas obrigac ̧ões de farmace ̂uticos com responsabilidade técnica por farmácias de qualquer natureza, ficando sujeitos a apurac ̧ão das infrac ̧ões éticas e sanções." 

Segundo o comunicado subsequente (02/DIR),  “não se enquadram no conceito de correlatos, embora muitas vezes encontrados nos estabelecimentos farmacêuticos produtos como sorvete, balas, pilhas, cartões telefônicos e chinelos.”

Desse modo, nos termos daqueles atos administrativos, o farmacêutico não poderia dispensar os seguintes alimentos: “a. Alimentos convencionais e bebidas em geral, “in natura” e/ou industrializados; b. Refrigerantes dietéticos; c, Leites pasteurizados, esterilizados, e outros derivados do lei em forma líquida; d. Alimentos convencionais modificados como: baixo teor, reduzido teor, alto teor, fonte de, ou low, light, rich ou high, source.”   

De forma direta, portanto, aludidos comunicados sustentaram ser incabível que farmácias e drogarias comercializem produtos de conveniência, com alegado amparo na lei n. 13.021/2014.

Por seu turno, o impetrante argumentou que a aludida interpretação, promovida pela autarquia, não estaria em conformidade com a legislação em vigor, notadamente com as leis federais n. 5.991/1973, lei n. 13.021/2004 e com a lei estadual n. 17.733/2013.

É o que aprecio. 

De partida, convém ter em conta que as farmácias e drogarias não podem ser confundidas, por certo, com lojas ou mercados, dado que se destinam a prestar serviços de saúde. 

Note-se que cabe ao farmacêutico não apenas o fornecimento do medicamento prescrito pelo médico, mas também o controle das receitas - sobremodo fiscalizando eventual consumo de medicamentos de uso restrito -, com o esclarecimento de dúvidas do consumidor quanto à forma, dosagem e periodicidade de uso de drogas.

Isso significa que a dispensação de medicamentos insere-se em um contexto mais amplo, de  assistência farmacêutica - Resolução 338, de 06 de maio de 2004 - CNS.

Por sinal, essa é a razão para que, desde 1960, com a lei n. 3.820 (art. 13), exija-se a presença de profissional farmacêutico em drogarias e farmácias, à exceção dos poucos casos de práticos que fossem proprietários de estabelecimentos naquela data (art. 33). Semelhante foi o conteúdo da lei n. 5.991/1973, ao preconizar a dispensação como atividade privativa de farmácia, drogaria, posto de medicamento, unidade volante e dispensário (art. 6º), ao mesmo tempo em que impôs rigoroso controle sobre o aviamento de receitas (art. 35), exigindo registro em livro para controle de drogas específicas (art. 37).

Por fim, esse também é o conteúdo do art. 6º da lei n. 13.021/2014.

Isso significa, portanto, que a atividade de drogarias e farmácias não pode ser confundida com a atividade de mercados de víveres, lojas de roupas e quejandos. Cuida-se de atividade de risco, demandando maior grau de intervenção estatal, com controle e regulação. 

Esse é um primeiro aspecto da questão.

Igualmente certo, porém, que a referida intervenção deve ser promovida em conformidade com os ditames legais e constitucionais pertinentes. Importa dizer: ainda que eventual restrição possa parecer proveitosa, útil, necessária, ela somente poderá ser promovida se previamente autorizada pelo Congresso, na forma das premissas já detalhadas acima.

Daí o relevo de se aferir se a legislação em vigor realmente proibiu que farmácias e drogarias comercializem produtos de conveniência.

Ora, a lei federal n.º 5.991/1973 preconizou o que segue:

Art. 4º - Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos:

I - Droga - substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária;

II - Medicamento - produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico;

III - Insumo Farmacêutico - droga ou matéria-prima aditiva ou complementar de qualquer natureza, destinada a emprego em medicamentos, quando for o caso, e seus recipientes;

IV -  Correlato - a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários; (...)

X - Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;

XI - Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais(...)"

 

Por seu turno, a lei n.º 6.360/1976 veiculou o seguinte texto:

Art. 3º - Para os efeitos desta Lei, além das definições estabelecidas nos incisos I, II, III, IV, V e VII do Art. 4º da Lei nº  5.991, de 17 de dezembro de 1973, são adotadas as seguintes:

I - Produtos Dietéticos: produtos tecnicamente elaborados para atender às necessidades dietéticas de pessoas em condições fisiológicas especiais; (...)

III - Produtos de Higiene: produtos para uso externo, antissépticos ou não, destinados ao asseio ou à desinfecção corporal,compreendendo os sabonetes, xampus, dentifrícios, enxaguatórios bucais,antiperspirantes, desodorantes, produtos para barbear e após o barbear, estípticos e outros;

IV- Perfumes: produtos de composição aromática obtida à base de substâncias naturais ou sintéticas, que, em concentrações e veículos apropriados, tenham como principal finalidade a odorização de pessoas ou ambientes, incluídos os extratos, as águas perfumadas, os perfumes cremosos, preparados para banho e os odorizantes de ambientes,apresentados em forma líquida, geleificada, pastosa ou sólida;

V- Cosméticos: produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções leitosas, cremosas e adstringentes, loções para as mãos, bases de maquilagem e óleos cosméticos, ruges,"blushes", batons, lápis labiais, preparados anti- solares, bronzeadores e simulatórios, rímeis, sombras, delineadores, tinturas capilares, agentes clareadores de cabelos, preparados para ondular e para alisar cabelos, fixadores de cabelos, laquês,brilhantinas e

similares, loções capilares, depilatórios e epilatórios, preparado spara unhas e outros; (...)

VII - Saneantes Domissanitários: substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento da água compreendendo:

 a)inseticidas - destinados ao combate, à prevenção e ao controle dos insetos em habitações, recintos e lugares de uso público e suas cercanias;

b) raticidas - destinados ao combate a ratos, camundongos e outros roedores, em domicílios,embarcações, recintos e lugares de uso público, contendo substâncias ativas, isoladas ou em associação, que não ofereçam risco à vida ou à saúde do homem e dos animais úteis de sangue quente, quando aplicados em conformidade com as recomendações contida sem sua apresentação;

c)desinfetantes - destinados a destruir, indiscriminada ou seletivamente, microorganismos, quando aplicados em objetos     inanimados ou ambientes;

d) detergentes - destinados a dissolver gorduras e à higiene de recipientes e vasilhas, e a aplicações de uso doméstico. (...)"

A lei federal n.º 13.021/2014 também deve ser transcrita, como segue: 

Art. 3o  Farmácia é uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, na qual se processe a manipulação e/ou dispensação de medicamentos magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados, cosméticos, insumos farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos.  

Parágrafo único.  As farmácias serão classificadas segundo sua natureza como:  

I - farmácia sem manipulação ou drogaria: estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais;  

II - farmácia com manipulação: estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica." 

Convém atentar também para o art. 13 da aludida lei n. 13.021:

"Art. 13.  Obriga-se o farmacêutico, no exercício de suas atividades, a:  (...) IV - estabelecer protocolos de vigilância farmacológica de medicamentos, produtos farmacêuticos e correlatos, visando a assegurar o seu uso racionalizado, a sua segurança e a sua eficácia terapêutica; (...)"

Percebe-se, portanto, que a lei  5.991/1973 expressamente dispôs que as empresas farmacêuticas/drogarias poderiam comercializar cosméticos, perfumes, produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários. Já a lei n. 13.021/2014 não verbalizou expressamente o conceito de produtos correlatos, a serem comercializados em farmácias e drogarias. 

A leitura do art. 13, IV, da lei de 2014, pode ensejar a intelecção de que teria havido modificação do conceito de 'produtos correlatos', na medida em que há alusão a protocolos de segurança, algo aparentemente incompatível com a comercialização de shampoos, sorvetes etc.

Não se pode olvidar, todavia, que, ao julgar a ADI n. 4.949/RJ, a Suprema Corte reputou não haver proibição, no âmbito federal, para que empresas farmacêuticas comercializem produtos de conveniência. 

Ao mesmo tempo em que o STF enfatizou que Estados-membros não poderiam substituir, no exercício da competência concorrente (art. 24, §2º, CF), normas federais (ADI n. 3.645/PR, rel. Min. Ellen Gracie), também registrou expressamente não haver vedação, no plano federal, para aludida venda de produtos não-farmacêuticos (produtos correlatos), no âmbito de drogarias e farmácias.

Transcrevo parte da fundamentação do Min. Ricardo Lewandowski:

"(...) Com efeito, este Plenário, ao apreciar recentemente legislação acriana em tudo semelhante ao diploma objeto desta ação direta, assentou à unanimidade que a disciplina nela disposta – autorização para a comercialização de determinados produtos lícitos de consumo comum e rotineiro em farmácias e drogarias – não guarda relação com a temática da proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), visto que somente aborda, supletivamente, o comércio local. 

Refiro-me, especificamente, ao julgamento da ADI 4.954/AC, ocorrido na sessão de 20/8/2014, em que este Plenário, acompanhando o voto condutor proferido pelo Relator do feito, Ministro Marco Aurélio, observou que a norma estadual examinada, tal como a lei fluminense ora sob apreço, não regulamentou, sob nenhum aspecto, a comercialização privativa de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos por farmácias e drogarias – matéria tratada, em caráter geral, pela LeiFederal 5.991/1973.

Destacou-se naquela assentada, ainda, que a referida legislação federal não vedou expressamente a comercialização de artigos de conveniência em drogarias e farmácias e que a exclusividade da venda de medicamentos nesses estabelecimentos não autoriza interpretação que obste a venda de qualquer outro tipo de produto. Pontuou-se, assim, que a iniciativa legislativa estadual atuou, no caso em tela, exclusivamente no campo suplementar.

De fato, ainda que se considere a lei estadual ora em exame disciplina relacionada ao tema da proteção e defesa da saúde, a inexistência de proibição expressa, na norma geral federal, quanto à comercialização, em farmácias e drogarias, de outros produtos que não sejam drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos posiciona o referido diploma local, a toda evidência, no campo da atividade legislativa suplementar, prevista na Carta Magna em homenagem à autonomia política dos entes federados estaduais. 

Registrou-se naquela assentada, por fim, que as normas infralegais editadas pela Anvisa no âmbito de sua atividade regulatória não se sobrepõem aos atos normativos primários legitimamente expedidos pelas Assembleias Legislativas estaduais. Já quanto à alegação de ofensa ao direito à saúde (arts. 6º, caput, e 196 da CF), concluiu este Plenário, na referida oportunidade, ser completamente destituída de qualquer confirmação empírica a suposta correlação lógica, suscitada na inicial, entre a venda de produtos de conveniência em farmácias e drogarias e o estímulo à automedicação. 

Asseverou-se, nesse sentido, que a lei acriana, tal como o diploma fluminense ora impugnado, teve o cuidado de estabelecer regras específicas a respeito da exposição dos produtos nela referidos, separando-os completamente das instalações utilizadas para o comércio e a armazenagem de medicamentos, de modo que não haja nenhuma confusão entre os dois gêneros de atividade e que sejam plenamente atendidas as normas do controle sanitário. 

Por último, conforme já ressaltei em outras oportunidades, entendo que o art. 1º da Constituição Federal afirma, como postulado basilar, não só o princípio federativo, mas o democrático e o republicano. Dentro desse movimento pendular que caracteriza o federalismo brasileiro, com momentos de grande concentração de poder por parte da União e momentos de grande desconcentração em favor dos demais entes federativos, verifica-se que, paulatinamente, estamos caminhando, na verdade, para um Estado unitário descentralizado e, no âmbito da competência concorrente prevista no artigo 24 da Carta Magna, cada vez mais vemos esvaziada a competência dos Estados de legislar supletivamente, porque a União, quando legisla, tende a esgotar o assunto, não se limitando a editar apenas normas gerais.

Penso que a declaração de constitucionalidade do diploma estadual objeto desta ação direta, por este Plenário, homenageia essa relevante função legislativa dos Estados-membros no sistema de competências concorrentes estabelecido pela Lei Maior. 

Isso posto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta." 

(STF, ADI 4949/RJ, voto do min. Ricardo Lewandowski, 11.09.2014)

Com efeito, da leitura dos dispositivos acima transcritos, e considerando-se sobremodo o relevo da livre iniciativa, a vedação da comercialização de determinados produtos demandaria artigo expresso e claro, ao invés de exegeses oblíquas, venia concessa. 

Anoto também que, em leitura a contrario senso da lei do Estado do Paraná n. 17.733/2013 c/ art. 24, §2º, CF/1988, vê-se que a comercialização de produtos correlatos resta autorizada por drogarias e farmácias que aqui atuem.

Reporto-me também ao voto do Min. Marco Aurélio, prolatado no julgamento da ADI 4954, em 20/08/2014, consignou:

"Ao autorizar a venda de “artigos de conveniência” por farmácias e drogarias, o legislador estadual nada dispôs sobre saúde, e sim acerca do comércio local. Não se tratando de operações de venda interestadual, em relação as quais incumbe à União a disciplina – artigo 22, inciso VIII, da Carta –, e inexistindo norma constitucional específica a respeito da regulação do comércio de artigos de conveniência, remanesce a competência dos estados para legislar sobre o tema – artigo 25, § 1º, da Constituição –, sendo permitido aos municípios disporem de forma complementar, caso imprescindível diante de particularidades e interesses locais, em observância a normas federais e estaduais." 

Registro, ademais, que o art. 19 da lei n.º 5.991/1973 permitiu a coexistência, no mesmo estabelecimento, de drogaria e farmácia, de um lado, de loja de conveniência, de outro:

"Art. 19 - Não dependerão de assistência técnica e responsabilidade profissional o posto de medicamentos, a unidade volante e o supermercado, o armazém e o empório, a loja de conveniência e a "drugstore"".

Diviso, tanto por isso, densidade na argumentação da entidade impetrante, no rastro de decisão do eg. TRF-4:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO.CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. CERTIFICADO DE REGULARIDADE. LEI 5.991/73.A Lei 5.991/73 que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras providências excluiu, expressamente, a responsabilidade do Conselho Regional de Farmácia sobre a 'loja de conveniência' em seu art. 19 da Lei 5.991/1973. Assim, a coexistência de atividades de farmácia e outras tais como drogaria, 'drugstore' e loja de conveniência no mesmo estabelecimento comercial, não encontra óbice legal.  

(TRF4, AG 5004435-21.2016.404.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 20/05/2016)

Reporto-me também aos seguintes julgados, cuja lógica parece se aplicar ao caso vertente, para os fins do art. 489, §1º, CPC/2015:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DESEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. EMISSÃO DE CERTIFICADO DEREGULARIDADE TÉCNICA. FARMÁCIA. DROGARIA. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS TÍPICOSDE LOJA DE CONVENIÊNCIA E DRUGSTORE. POSSIBILIDADE

1. A fiscalização das atividades, no que se refere à comercializaçãoe distribuição de drogas, medicamentos e correlatos, compete ao órgão defiscalização sanitária do Estado (Lei n. 5.991/73, arts. 44 e 45).

2. Comprovado o atendimento ao requisito legal, não pode o CRF recusar-sea emitir o certificado de regularidade técnica, em virtude de a empresa terincluído em seu objeto social, por alteração contratual, o comércio varejistade artigos e produtos drugstore.

3. A avaliação das condições de funcionamento, considerando-se a limitaçãoimposta pelo art. 55 da Lei nº 5.991/73, é matéria de competência dos órgãosde fiscalização sanitária dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

4. O STF sedimentou o entendimento de que não há vedação legal paraa comercialização de produtos de consumo comum em farmácias e drogarias,bem como não tem pertinência com discussões a respeito de proteção à saúde:"A Lei Federal 5.991/1973 não veda expressamente a comercialização de artigosde conveniência em drogarias e farmácias, e a exclusividade, por ela fixada,para a venda de medicamentos nesses estabelecimentos não autoriza interpretaçãoque obste o comércio de qualquer outro tipo de produto. Atuação legítimada iniciativa legislativa estadual no campo suplementar." (ADI 4949 / RJ -Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, TRIBUNAL PLENO, DJe-193 DIVULG 02-10-2014PUBLIC 03-10-2014)

5. Honorários advocatícios incabíveis na espécie (art. 25, da Lein. 12.016/2009). Custas ex lege.6. Apelação não provida.

(AMS 2007.38.00.004960-1, JUIZ FEDERAL ANTONIO CLAUDIO MACEDO DA SILVA (CONV.), TRF1 - SÉTIMA TURMA, e-DJF1 DATA:18/09/2015 PAGINA:4114.)

 

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIASANITÁRIA. ANVISA. FARMÁCIAS E DROGARIAS. COMERCIALIZAÇÃO DEMEDICAMENTOS. COMERCIALIZAÇÃO DE ARTIGOS DE CONVENIÊNCIA. RESTRIÇÕES. RDC44/2009. IN 09/2009 e 10/2009. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA ISONOMIA. SENTENÇAMANTIDA.

1. O Código de Processo Civil, em seu artigo 520, inciso VII, estabelece que,em se tratando de sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela,a apelação será recebida no efeito apenas devolutivo.

2. No caso, não ficou demonstrado risco de lesão grave ou de difícil reparação,tampouco fundamentação relevante para justificar a concessão de efeitosuspensivo em caráter excepcional ao recurso da ANVISA. Precedentes. Rejeitadoo pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação da ANVISA.

3. A Resolução ANVISA 44/2009 dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas parao controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercializaçãode produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias.

4.  A Instrução Normativa 9/2009 relaciona os produtos permitidos paradispensação e comercialização em farmácias e drogarias, restringindo todosaqueles que não possuem nenhuma relação com a saúde e que não se enquadramno conceito de produtos correlatos com fundamento nos arts. 6º e 55 daLei 5.991/173.

5. A Instrução Normativa 10/2009 impede o livre acesso do consumidoraos medicamentos isentos de prescrição médica, por meio de autosserviço,independentemente de atendimento em balcão.

6. A RDC 44/2009 e IN's 09/2009 e 10/2009 extrapolaram as limitações do podernormativo da ANVISA, pois a Lei 5.991/73 - que disciplina sobre o controlesanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos ecorrelatos - não dispõe sobre a proibição de comércio de produtos nãofarmacêuticos ou acerca da forma como os produtos sem prescrição poderão,em farmácias e drogarias, permanecer ao alcance dos usuários para obtençãopor meio de autosserviço.

7. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a Lei 5.991/1973 não veda expressamente a comercialização de artigos de conveniência emdrogarias e farmácias, e a exclusividade, por ela fixada, para a venda demedicamentos nesses estabelecimentos não autoriza interpretação que obsteo comércio de outro tipo de produto, afirmando ainda, que é destituídade embasamento a suposta correlação lógica entre a venda de produtos deconveniência em farmácias e drogarias e o estímulo à automedicação. Nessesentido: ADI-4949/RJ, Ministro Ricardo Lewandowski, ADI-4948/RR, MinistroGilmar Mendes e ADI-4954/AC, Min. Marco Aurélio.

8. Não subsiste a proibição por parte da ANVISA quanto aos medicamentosisentos de prescrição, que poderão permanecer ao alcance dos usuários paraobtenção por meio de autosserviço, tendo em vista que a Resolução 41/2012,publicada em 27/7/2012, deu nova redação ao art. 40 da Resolução 44/2009,desde que os medicamentos fiquem em local separado dos demais produtos devenda livre, revogando a IN 10/2009.9. Apelação a que se nega provimento. Sentença mantida.

(AC 000416085201040139020004160-85.2010.4.01.3902, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:18/12/2015 PAGINA:.)

 

Há verossimilhança, pois, na pretensão deduzida em juízo. De outro tanto, a concessão da medida liminar é necessária, diante do perigo noticiado na inicial, eis que o Conselho Regional de Farmácia comunicou que irá atuar os profissionais que atuem em farmácias/drogarias que comercializem produtos de conveniência, atingindo - de modo reflexo, repiso -, as empresas substituídas.

Acolho, pois, o pedido de liminar. 

 

 

III. EM CONCLUSÃO:

3.1. RECONHEÇO a competência deste juízo para a causa; 

3.2. DEFIRO a liminar a fim de determinar que a autoridade impetrada se abstenha de promover a autuação de farmacêuticos e estabelecimentos respectivos (farmácias, drogarias, drugstores), quanto às empresas substituídas pelo SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS DO ESTADO DO PARANÁ, por conta da venda de produtos de conveniência, na forma detalhada acima; 

3.3. INTIMEM-SE as partes a respeito desta decisão, na forma do art. 5º, §5º, le 11.419/2006; 

3.4. INTIME-SE o MPF para que apresente parecer, na forma do art. 12 da lei 12.016/2009 e art. 219, CPC. Prazo de 10 dias úteis.

3.5. Oportunamente, VOLTEM-ME conclusos para sentença.