a inserÇÃo das mulheres na luta pela terra: … · retirando morões para ver nascer o novo dia....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Ilena Felipe Barros A INSERÇÃO DAS MULHERES NA LUTA PELA TERRA: MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO E/OU SUBMISSÃO? Natal RN 2005.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Ilena Felipe Barros

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA

LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

E/OU SUBMISSÃO?

Natal – RN

2005.

2

Ilena Felipe Barros

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA

LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

E/OU SUBMISSÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em

Serviço Social.

Orientadora:

Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo

Natal – RN

2005.

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Divisão de Serviços Técnicos

Barros, Ilena Felipe.

A inserção das mulheres na luta pela terra: movimento de participação

e/ou submissão / Ilena Felipe Barros. – Natal, 2005.

228 f. il.

Orientadora: Profª. Dr.ª Severina Garcia de Araújo

Dissertação ( Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de

Pós-Graduação em Serviço Social.

1. Serviço Social - Tese. 2. Mulheres trabalhadoras - Tese. 3. Terra -

Tese. 4. Desapropriação - Tese. 5. Assentamento – Tese. I. Araújo,

Severina Garcia de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.

Título.

RN/BS/CCSA CDU 36.058.97(81) (043.3)

3

ILENA FELIPE BARROS

A INSERÇÃO DAS MULHERES NA LUTA PELA TERRA:

MOVIMENTO DE PARTICIPAÇÃO E/OU SUBMISSÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção

do grau de Mestre em Serviço Social.

Aprovado em:

Banca Examinadora:

___________________________________ Profa. Dra. Severina Garcia de Araújo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

___________________________________ Prof. Dr. Severino José de Lima

Universidade Federal de Campina Grande – UFCG

____________________________________ Profa. Dra. Elisete Schwade

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_____________________________________ Profa. Dra. Rita de Lourdes de Lima

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

4

DEDICATÓRIA

“A construção de uma nova

sociedade processa-se dentro das

velhas estruturas, que serão

derrubadas na medida em que a

experiência prática do novo for

conquistando as mentes e as

vontades.”

(Staccone)

Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutam pelo acesso a terra. De noite e de dia,

no sol ou na chuva, levantes companheiros e companheiras que resistentes como mandacaru,

insistem na peleja de viver o sonho de brotar a terra e realizar a festa da grande colheita. São

milhares de homens e mulheres que caminham nesse país e enfrentam todas as privações para

“quando morrer, cansado de guerra, morro de bem com a minha terra; cana, caqui, inhame,

abóbora, onde o vento se semeava outrora”.1

Com eles e elas aprendi o sentido da liberdade e do compromisso de lutar pela vida,

vendo nascer na terra um novo dia. Percorrer a trilha da luta pela terra, compreender a grave

questão social rural me fez cada vez mais comprometida com a luta pela realização da reforma

agrária no Brasil. A essas pessoas meu respeito e minha esperança de paz, justiça social e a

possível construção de um país com equidade de gênero, social, política, cultural e econômica.

1 Trecho da música “assentamento“ de autoria de Chico Buarque, especialmente cedida para uma campanha do

Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

5

AGRADECIMENTOS

Agradecer significa reconhecer a contribuição de pessoas que foram fundamentais no

desenvolvimento dessa dissertação, pois nenhum trabalho é isolado ou produzido sozinho, nele

está contido o esforço e a sabedoria de muitas e muitos amigos/as e familiares. Foram

contribuições importantíssimas para sua conclusão: cessão de dados, documentos, fotografias,

entrevistas, informações, livros, revistas, cartilhas, textos, artigos, resenhas, dossiês e debates

sobre o tema em pauta. E ainda, pessoas que estiveram presentes na sua forma carinhosa e

afetuosa de apoiar, sempre atentas e preocupadas em saber como eu estava me sentido. Sem essas

pessoas eu não concluiria essa dissertação.

Assim sendo, agradeço a minha família pelo carinho, apoio e compreensão que me

dispensou durante esse trabalho, inclusive pelas muitas vezes que não pude dar a atenção que eles

e elas mereciam, principalmente pelas horas que não pude brincar com meu sobrinho Igor.

A minha irmã Ilana Felipe pelo apoio e dedicação que me dispensou, contribuindo na

transcrição das entrevistas e na leitura dos textos, quando eu estava muito cansada.

A Severina Garcia de Araújo, minha orientadora, com a qual aprendi muito, troquei

experiência e com sua clareza de método e riqueza de conhecimentos contribuiu para transformar

um turbilhão de impressões, espanto, militância, informações e leituras, em um trabalho

científico;

As Professoras Dras. Irene Alves de Paiva e Elisete Schwade, do Departamento de

Ciências Sociais e Antropologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

respectivamente, pelas enormes contribuições no momento da qualificação.

6

Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais que me possibilitaram conhecer um mundo de

lutas, alegrias e trabalho; tendo na terra mãe o sentido maior da vida. Eles e elas abriram suas

casas e seus corações, socializando suas experiências de vida e os mais profundos sentimentos.

Aos amigos e amigas da turma do mestrado, com os/as quais compartilhei momentos

agradáveis de alegrias, discussões teóricas, leituras, debates dos projetos de pesquisas e objetos

de estudos, festas, lanches da livraria AS Livros; como também os dias de angústias quando o

trabalho travava e não conseguia-se produzir. Com especial carinho a Késsia Roseane, pela

amizade que foi construída ao longo do período da Pós-Graduação.

Aos professores, professoras e funcionários do Departamento de Serviço Social, a vocês

meu carinho, respeito e gratidão, sempre tentando apreender a riqueza das suas lições para minha

formação profissional;

Aos companheiros e companheiras de trabalho do CEAHS, com os quais compartilho

preocupações, alegrias, conquistas, saberes, descobertas e inquietações sobre a ação no meio

rural. Essa equipe esteve presente durante todo o processo do mestrado, principalmente pela

compreensão da relevância e importância do tema para o desenvolvimento do trabalho nas áreas

de assentamentos e comunidades rurais; como também pelo apoio e atenção que me dedicaram

durante o desenvolvimento do curso;

As Instituições CEAHS, SAR, FETARN e INCRA por me permitir ter acesso aos dados e

informações dos municípios de Touros e Maxaranguape e do Assentamento Novo Horizonte II,

alvos da pesquisa de campo;

As amigas Íris Maria de Oliveira e Socorro do Vale, pelas valiosas contribuições nessa

dissertação. As amigas Antônia Maria Alves de Albuquerque, Eliana Andrade e Miriam Inácio

pelas horas de leitura do texto e discussão sobre o objeto de estudo, meu carinho e gratidão. A

7

Dalvanir Avelino pela concessão de dados e documentos para a pesquisa, junto ao INCRA. Todas

essas mulheres deram importantes sugestões para melhoria do meu trabalho.

As amigas Késsia Roseane, Eliana Andrade, Miriam Inácio e Divaneide Basílio pelos

momentos agradáveis de afeto e compartilhamento de nossas alegrias, angústias, amores,

impressões, visão de mundo e descobertas. A amizade compreende as coisas que as palavras não

podem expressar.

A Francisco Canindé pelos dias e noites de carinho, afeto, cuidado e apoio no momento

final dessa dissertação. A essência do ser humano reside no cuidado e no amor.

A Fabiana Marcelino pela disponibilidade na organização das fotografias.

A CAPES, pelo apoio financeiro nos últimos meses de conclusão desse trabalho.

Aos fotógrafos Lenilton Lima, Vlademir Alexandre e Teotôneo Roque pela

disponibilidade em ceder as fotografias que fizeram durante o acampamento Vale da Esperança e

do desenvolvimento do Assentamento Novo Horizonte II, sendo parte delas do acervo do

CEAHS.

Ao amigo Sabino Gentilli pela tradução do resumo em língua estrangeira.

Ao amigo Hélcio Pacheco pela correção do português de parte da dissertação.

A todos os/as amigos e amigas que de forma direta ou indireta, contribuíram com seu

estímulo, carinho, apoio, amizade, sempre acreditando no meu potencial de viabilizar e produzir

essa dissertação.

A luz e energia positiva do cosmo que me guiou e me impulsionou na trajetória dessa

dissertação.

8

Somos milhões de companheiros e companheiras

buscando a libertação da terra,

de homens e mulheres em um país onde a terra vale ouro

e os seres humanos alguns gramas de chumbo moldados em balas

que fazem sangrar o destino do nosso povo sofredor!

Na arte de resistir às tentativas da destruição dos nossos sonhos,

trincheiras da criatividade se revela a rebeldia dos poetas

e dos cantadores filhos da terra e da esperança no palco imaginário

para onde marcham as colunas dos grandes guerreiros

e lutadores sem terra.

A terra no seu suspiro nos abençoa e agradece através

das nuvens de poeira provocadas pelos rígidos pés descalços

que seguem destemidos, construindo esta grande irmandade

de companheiros em busca da dignidade perdida. Seguimos cantando.

Na poesia do cantador se misturam o desejo da terra

de homens na grande sintonia da esperança que aponta o

horizonte e o longe fica perto quando se caminha adiante. As cordas movem paixões.

O sentimento, as pulsações e o sonho de vencer, os corações.

Cantar pois é mais que um prazer quando as vozes brotam

da força em movimento que ao som de suaves, de belas

melodias elevam foices e facões rompendo cercas,

retirando morões para ver nascer o novo dia.

Assim a terra se converte em causa, a liberdade se converte em sonho,

o grito forte se converte em guerra e o povo

segue um só caminho na trilha estreita plantando futuro.

Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira,

Que o som dos nossos hinos anime nossas consciências

E que a luta redima nossa pobreza.

Que o amanhecer nos encontre sorridentes,

Festejando a nossa liberdade. (Terra Sertaneja – Ademar Bogo)

Foto 01: Acampados da Fazenda Vale da Esperança, caminhando para Touros

Fonte: Lenilton Lima

9

RESUMO

A presente Dissertação estuda a inserção das mulheres trabalhadoras rurais na luta pela

terra desde o processo de ocupação, desapropriação e construção do Assentamento Novo

Horizonte II, no município de Maxaranguape. Analisa sua participação no Conflito “Vale da

Esperança”, que resultou nos Assentamentos Nova Vida II e Novo Horizonte II, no município de

Maxaranguape/RN. A análise incide sobre o desvelamento dos determinantes que levaram as

mulheres trabalhadoras rurais, após a conquista da terra, voltarem-se para o espaço doméstico

e/ou assumirem cargos de menor relevância nas organizações políticas do assentamento. No

conflito Vale da Esperança, as mulheres tiveram um papel fundamental, enfrentando a violência

policial, sendo linha de frente dos conflitos com as forças de repressão, expondo suas vidas e a de

suas famílias. Após a conquista da terra, transformada no Assentamento Novo Horizonte II, há

mudanças na participação das mulheres. Observou-se que apesar do protagonismo das famílias,

em especial das mulheres no conflito Vale da Esperança, essas trabalhadoras ainda vivenciam

condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens,

expressando as desigualdades de gênero presentes no cotidiano do assentamento: na associação,

no trabalho doméstico e agrícola. A luta pela terra no Vale da Esperança e a conquista do

assentamento não significou necessariamente a incorporação da emancipação das mulheres

trabalhadoras rurais. Contudo, a participação política no desenvolvimento das lutas propicia as

mulheres se descobrirem e iniciarem um processo de libertação enquanto gênero. Há sinais de

continuidades e rupturas da cultura vigente, quase sempre impulsionada pela organização das

mulheres trabalhadoras rurais.

Palavras chaves: mulher, trabalhadora rural, gênero, participação política.

10

ABSTRACT

The following dissertation studies the insertion of peasant women in the conflict for land

since the occupation process, dispossession and construction of the settlement New Horizon II, in

the municipal district of Maxaranguape. It analyses their participation in the conflict “Valley of

the Hope", that resulted in the settlements New Life II and New Horizon II in the municipal

district of Maxaranguape. The analysis exposes the reasons which took the peasant women, after

the land conquest, to go back into domestic space and/or to assume positions of lesser relevance

in the political organizations of the settlement. In the conflict Valley of the Hope, the women had

a fundamental role, facing the police violence, being front line of the conflicts against the

repression forces, risking their lives and the life of their families. After the conquest of the land,

transformed into the New Horizon II Settlement, there are a lot of changes in the participation of

the women. We can observe that, despite the protagonism of the families, in special of the

women in the Valley of the Hope conflict, these female workers still experiment unequal social,

economic, political and cultural conditions in relation to the men, expressing the gender

inequalities which are found in the daily life of the settlement: in the community, in the domestic

and agricultural task. The conflict for the land in the Valley of the Hope and the conquest of the

settlement did not necessarily mean the incorporation of the emancipation of the peasant women.

However, the political participation in the development of the conflicts allowed to the women the

self discovering and the beginning of an emancipation process as gender. There are signals of

continuities and ruptures of the present culture, almost always stimulated by the organization of

the agricultural female workers.

Keywords: woman, farm worker, gender, political participation.

11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 01: Acampados da Fazenda Vale da Esperança, caminhando para

Touros....................................................................................................

08

Foto 02: Acampada na Fazenda Vale da Esperança, durante uma

assembléia..............................................................................................

17

Foto 03: D. Nailde com suas filhas no barraco na Fazenda Cruzeiro do Sul

após a desapropriação....................................................................................

26

Foto 04: Vista panorâmica de parte do Acampamento Vale da Esperança.... 89

Mapa 01: RN com a Localização do Município de Touros.......................... 108

Mapa 02: Município de Touros................................................................. 108

Mapa 03: RN com a Localização do Município de Maxaranguape................ 113

Mapa 04: do Município de Maxaranguape.................................................... 113

Foto 05: Mulheres trabalhando na horta comunitária do Assentamento

Novo Horizonte II....................................................................................

167

Foto 06: Crianças do Acampamento Vale da Esperança brincando na

Lagoa do Fogo.........................................................................................

208

OBS: Essas fotos foram cedidas pelos fotógrafos e pelo CEAHS do seu acervo institucional. O crédito do

profissional está referenciado em cada fotografia.

12

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Extensão Territorial das Fazendas pesquisadas............................ 118

Tabela 02: Escolaridade no Assentamento Novo Horizonte II....................... 183

Tabela 03: Pessoal Ocupado por Atividade na Agropecuária......................... 193

13

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACR – Animação dos Cristãos no Meio Rural

AIMTR/SUL – Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul

AMTR/SUL – Articulação de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul

ANMTR – Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais

ATES – Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária

CEAHS – Centro de Educação e Assessoria Herbert de Souza

CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviços

CF8 – Centro Feminista 8 de Março

CNDRS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

CNETTR – Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

CNMTR – Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais

CNTR – Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais.

CNTTR – Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

COORAMG – Cooperativa Regional de Produção e Prestação de Serviço dos Assentados da

Regional do Mato Grande

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DNOCS – Departamento Nacional de obras contra as Secas

DST’s – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EMATER – Empresa

EMPARN - Empresa de Pesquisas Agropecuária do Rio Grande do Norte S/A

FETAPE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco

FETARN – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte

FETRAF – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Rio

Grande do Norte

14

FREPAF – Frente Potiguar de Agricultura Familiar

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

GEE – Grau de Eficiência na Exploração

GUT – Grau de Utilização da Terra

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias

IDEC – Instituto de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio Grande do Norte

IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ITERN – Instituto de Terras do Rio Grande do Norte

MA – Maranhão

MAB – Movimento de Atingidos por Barragens

MAMA – Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEB – Movimento de Educação de Base

MG – Minas Gerais

MIRAD – Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário

MLST – Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MMA-SC – Movimento de Mulheres Agrícolas de Santa Catarina

MMTR-NE – Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste

MMTR/RN – Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Norte.

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores

MS – Mato Grosso do Sul

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MSTR – Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais

MT – Mato Grosso

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

ONG – Organização Não Governamental

15

ONU – Organizações das Nações Unidas

PAC – Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamento Resultante da Reforma

Agrária

PADRS – Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável.

PB – Paraíba

PCA – Plano de Consolidação do Assentamento

PDS – Programa Desenvolvimento Solidário

PE – Pernambuco

PIB – Produto Interno Bruto

PJR – Pastoral da Juventude Rural

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

PR – Paraná

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PSF – Programa Saúde na Família

PT – Partido dos Trabalhadores

RN – Rio Grande do Norte

RS – Rio Grande do Sul

SAR – Serviço de Assistência Rural

SAUR – Serviço de Assistência Urbana

SC – Santa Catarina

SP – São Paulo

STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNB – Universidade de Brasil

16

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 18

CAPÍTULO 1: A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS

MULHERES NA LUTA PELO ACESSO A TERRA...................................

27

1.1 – A Participação Política das Trabalhadoras Rurais............................... 31

1.1.1 – A Organização das Trabalhadoras Rurais no RN.............................. 50

1.2 – As Mulheres e o Acesso a Terra........................................................... 69

1.3 – A Dimensão de Gênero e o Lugar da Trabalhadora Rural................... 78

CAPÍTULO 2: A INSERÇÃO DAS MULHERES NO CONFLITO

VALE DA ESPERANÇA – HISTÓRIA E MEMÓRIA................................

90

2.1 – A Região do Mato Grande: Palco da Luta do Vale da

Esperança......................................................................................................

91

2.2 – A ocupação e a Sobrevivência no Acampamento Vale da Esperança. 117

2.3 – As Ações de Despejo e a Violência Institucionalizada........................ 137

2.4 – Os Aliados e Parceiros na Luta pela Terra........................................... 148

2.5 – O Processo de Desapropriação............................................................. 158

2.6 – O Significado da Posse da Terra para as Mulheres.............................. 162

CAPÍTULO 3: AS MULHERES NO ASSENTAMENTO –

COTIDIANO E RELAÇÕES DE GÊNERO.................................................

168

3.1 – O Assentamento Novo Horizonte II: Características Gerais................ 170

3.2 – A Inserção das Mulheres no Âmbito do Assentamento....................... 182

3.3 – As Mulheres no Espaço Público do Assentamento.............................. 198

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 209

REFERÊNCIAS................................................................................................ 216

ANEXOS............................................................................................................ 228

17

INTRODUÇÃO

“Oh, mulher te organiza e abraça essa luta!

Oh, mulher, verás uma nova geração!

Oh, mulher, vem com garra, vigor e energia,

Junto às outras com muita euforia,

Muda os rumos de nossa nação!”

(Nazaré Flor)

Foto 02: Acampada na Fazenda Vale da Esperança, durante uma assembléia

Fonte: Lenilton Lima

18

INTRODUÇÃO

A presente Dissertação tem como objeto de estudo a inserção das mulheres na luta pela

terra e a sua participação no processo de desapropriação e construção do assentamento Novo

Horizonte II, no município de Maxaranguape, estado do Rio Grande do Norte. A pesquisa buscou

apreender e analisar a inserção das mulheres trabalhadoras rurais no processo de luta pela terra e

sua participação no Conflito Vale da Esperança, que posteriormente resultou nos assentamentos

Nova Vida II e Novo Horizonte II.

A experiência analisada rastreou a trajetória de 300 famílias de trabalhadores rurais sem-

terra, que lutam pela cidadania, através da conquista da terra. No processo as mulheres exerceram

papel relevante desde o início do conflito agrário, quando ocorreu a ocupação, e depois, durante a

constituição e o desenvolvimento do assentamento. Apesar do protagonismo das famílias, em

especial das mulheres no conflito Vale da Esperança, essas trabalhadoras ainda vivenciam

condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens,

expressando as desigualdades de gênero presentes no cotidiano do assentamento: na associação,

no trabalho doméstico e agrícola.

O interesse em realizar esse estudo, deve-se, em primeiro lugar, à experiência de

acompanhamento do conflito Vale da Esperança, que ocorreu entre 1995 e 1997, quando

trabalhava no Serviço de Assistência Rural – SAR, setor da Arquidiocese de Natal, entidade

prestadora de assessoria aos/as trabalhadores/as rurais em áreas de conflitos de terra e atingidas

por barragens, na organização das mulheres trabalhadoras rurais, assalariados/as rurais das

regiões da cana-de-açúcar e fruticultura irrigada. A partir de 1998, inicia-se um trabalho

19

educativo no assentamento Novo Horizonte II, através do Centro de Educação e Assessoria

Herbert de Souza – CEAHS constituindo-se em um desafio pessoal, no sentido de compreender a

formação dos assentamentos, as relações que se estabelecem no seu cotidiano, as dificuldades e

as conquistas dos movimentos sociais na demanda por terra e pela efetivação da reforma agrária.

O interesse deve-se também a relevância da atuação das trabalhadoras rurais nos cenários das

lutas do campo e da sua efetiva participação no cotidiano dos assentamentos.

Durante o período de atuação nas experiências de trabalho das duas instituições, foi

possível observar que no contexto de lutas pela terra e de profundas transformações nas relações

políticas, econômicas e culturais no campo, as mulheres exerceram um papel fundamental. Isto

porque no momento do conflito, além de se manterem nos acampamentos, continuavam

assumindo as atividades domésticas. Nesse processo, enfrentaram com coragem os jagunços e a

polícia local, sendo, muitas vezes, linha de frente dos diversos conflitos com as forças dos

latifundiários, expondo suas vidas e a de sua família à violência institucionalizada, seja por parte

do Estado ou do latifúndio.

Desta forma, chama atenção a história do conflito agrário Vale da Esperança, que tem

início no ano de 1995, quando 300 famílias, mobilizadas pelo MST e Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Touros, ocupam as fazendas Aralém, Lagoa do Meio, Vale da Esperança e Fonseca no

município de Touros/RN, de propriedade do Sr. Almir Artêmio de Melo.

Durante três anos, as famílias foram ocupando as quatro fazendas, com destaque a Vale da

Esperança, onde permaneceram acampadas por mais de um ano. No período que durou o

processo de acampamento ocorreram sete ações de despejos, momentos em que os acampados

utilizaram como estratégia de resistência algumas estadias em dois pequenos sítios vizinhos as

fazendas de propriedade dos agricultores familiares Bino e Paulo Varela, que entraram na luta

pela terra e hoje são assentados em Nova Vida II. As famílias resistiram às mais diversas formas

20

de violência exercidas pelos prepostos do fazendeiro e pela ação da polícia local. Os

interrogatórios ocorreram na delegacia de Touros e muitos trabalhadores foram processados por

“invasão de propriedade particular e formação de quadrilha”. Nas ações de despejo, as famílias

eram abordadas com violência e truculência, sendo dois trabalhadores atingidos por tiros.

Essas famílias se mantiveram no acampamento resistindo com o firme propósito de

conquistar a terra. No desenvolvimento das ações, o MST e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Touros organizaram uma comissão, formada com representantes da Igreja Católica – através

do SAR e ACR - da FETARN, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, da OAB, da

CUT, além das lideranças do acampamento, do MST (Coordenação Estadual) e do STR de

Touros. Essa comissão, juntamente com o INCRA e o representante do fazendeiro, deu início ao

processo de negociação para desapropriação das fazendas Vale da Esperança, Lagoa do Meio,

Fonseca e Aralém.

Após várias reuniões de negociação com o INCRA/RN e duas vistorias nas fazendas, o

laudo técnico concluiu que o solo era impróprio para produção agrícola, não podendo ser

desapropriada para fins de reforma agrária. A partir daí, a comissão dos trabalhadores passou a

negociar com o INCRA a possibilidade de outras fazendas na região do Mato Grande serem

desapropriadas. Com essa negociação, o MST localizou as fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro

do Norte, conhecidas por Soledade e fazenda Santa Águida, ambas localizadas no município de

Maxaranguape. Após o acordo jurídico, as famílias mudaram-se para as fazendas de

Maxaranguape, dando início ao processo de constituição dos assentamentos Nova Vida II

(fazenda Santa Águida) e Novo Horizonte II (fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte).

Esse processo de luta pelo acesso a terra realizado pelos trabalhadores/as que ocuparam as

Fazendas Fonseca, Lagoa do Meio, Vale da Esperança e Aralém, não se constituiu um fenômeno

isolado, o que instiga compreender sua relevância no cenário local.

21

A luta pela terra é uma importante dimensão da questão agrária. Nela estão contidas as

diversas formas de resistência e ação política dos movimentos sociais rurais. A existência de

assentamentos rurais no Rio Grande do Norte e no Brasil é resultado, em grande medida, da luta

pela terra, do que das políticas governamentais implementadas pelos Governos Federais. É nesse

processo histórico de lutas, que as ocupações têm sido uma estratégia fundamental para se

alcançar à democratização da terra.

Nessa perspectiva, os/as trabalhadores/as rurais vão gestando formas de organização e

resistência à concentração fundiária. A cidadania, que lhes é historicamente negada, tende a ser

resgatada nas inúmeras formas de luta, resistência e conquistas, constituindo-se sujeitos políticos

coletivos, ocupando latifúndios improdutivos, reivindicando direitos e alargando os movimentos

sociais rurais.

No contexto das lutas sociais rurais, a participação das mulheres está ligada às condições

de vida no campo e, geralmente, tem início com o enfrentamento dos/as trabalhadores/as nos

conflitos de terra, contra a grilagem de suas terras (exemplo dos posseiros), contra a construção

de barragens, entre outras lutas. É na ação política que a mulher inicia uma reflexão da sua

condição e do seu papel na luta pela terra. A partir do acumulo de experiências apreendidas nas

lutas, as mulheres vão ocupando os espaços públicos, dando lugar a um processo de organização

e de visibilidade da questão de gênero. Assim, na história das lutas no campo, as mulheres

trabalhadoras rurais vêm implementando processos de organização desde o final dos anos 1970,

período em que vários movimentos começaram a se reorganizar na luta contra a Ditadura Militar,

tendo sua maior efervescência a partir da década de 1980.

Nas mais variadas formas de luta pela terra e por direitos, as mulheres têm se expressado

como protagonistas ao lado dos seus companheiros. Ao permanecerem nos acampamentos,

enfrentam as dificuldades, próprias da vida insegura e precária; enfrentam as violências

22

praticadas pelas milícias armadas dos proprietários de terras e do Estado; cuidam dos filhos/as;

encorajam os companheiros; desenvolvem processos educativos e organizativos; disseminam

esperanças.

Observa-se que, desse processo de inserção na luta pela terra e de organização de base

comunitária, surge, na década de 1980, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do

Nordeste e do Rio Grande do Norte – MMTR/RN. A partir da trajetória de luta pela terra, as

mulheres descobrem a importância da organização, formam grupos e passam a atuar também no

Movimento Sindical, que na década de 1990 dá origem a Comissão Estadual de Mulheres da

FETARN.

As mulheres se constituem um coletivo político importante nos mais diversos movimentos

sociais do campo, com destaque para a luta pela terra. Muitas mulheres se destacam na luta por

reforma agrária e por um conjunto de políticas públicas que assegurem melhores condições de

vida. As mulheres trabalhadoras rurais desenvolvem também um trabalho comunitário de cunho

político e organizativo.

Desta forma, a pesquisa procurou apreender e analisar como se desencadeou a

participação das mulheres na luta pela terra e no processo de constituição e desenvolvimento do

assentamento Novo Horizonte II: as violências sofridas pelo conjunto dos trabalhadores, em

especial as mulheres, durante o conflito agrário; como as mulheres reagiram ao processo de

violência; as estratégias de sobrevivência e os mecanismos que viabilizaram a conquista da terra;

os parceiros e aliados durante o conflito. E após a conquista, como as mulheres exercem a

participação na dinâmica do assentamento. Enfim, tais questões concorrem para responder a

questão central da pesquisa: apreender os determinantes que levaram as mulheres trabalhadoras

rurais, após a conquista da terra, voltarem-se para o espaço doméstico e/ou assumirem cargos de

menor relevância nas organizações políticas locais. Parte-se do pressuposto da existência de

23

relações de gênero desiguais que perpassam o cotidiano do acampamento e do assentamento, o

que implica na invisibilidade da mulher no processo de luta e na construção do assentamento.

Portanto, a pesquisa buscou apreender dois momentos de um mesmo processo: a participação

ativa das mulheres na luta pela posse da terra e seu retorno à vida privada após a conquista,

posterior a desapropriação e constituição do Assentamento Novo Horizonte II.

A concepção teórico-metodológica que norteou a pesquisa centrou-se na pesquisa

qualitativa, recorrendo aos dados quantitativos para complementar as análises. O envolvimento

dos sujeitos na pesquisa foi fundamental, a medida em que se dispuseram a rememorar momentos

dolorosos de sua trajetória até a conquista da terra, transformada nos assentamentos Nova Vida II

e Novo Horizonte II.

No desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a técnica

da observação participante, instrumentos importantes para captar o universo dos atores

envolvidos e suas interpretações acerca de sua realidade.

Durante as entrevistas, tentou-se coletar informações, emoções e significados dos sujeitos

sobre o objeto de estudo, tendo como base um roteiro com questões semi-estruturadas,

procurando adaptá-las as condições dos entrevistados, evitando rigidez. Foram escolhidos alguns

atores sociais diretamente envolvidos no objeto de estudo. Em primeiro lugar, foram

privilegiadas as mulheres trabalhadoras rurais, consideradas o público prioritário do objeto de

estudo. Em seguida, entrevistaram-se trabalhadores rurais que participaram ativamente do

conflito agrário, e hoje são lideranças do assentamento. Também foram entrevistados membros

da Coordenação Estadual do MST, que vivenciaram o momento do acampamento, além de

técnicas do SAR, que acompanharam e assessoraram a organização das mulheres trabalhadoras

rurais na região do Mato Grande, espaço da pesquisa. E ainda, entrevistas com educadoras do

CEAHS, que hoje desenvolvem um trabalho educativo no assentamento.

24

Quanto à observação participante, esta se desenvolveu durante as visitas domiciliares, as

entrevistas e os eventos desenvolvidos no assentamento, tentando captar gestos, opiniões,

depoimentos, as relações entre os sujeitos, o ambiente, as emoções e os significados.

O caminho delineado para a pesquisa compreendeu algumas fases: primeiro procedeu-se o

levantamento de dados estatísticos, documentos, fotografias e mapas acerca do objeto de estudo;

além da revisão bliográfica. A segunda fase consistiu no trabalho de campo, onde se

desenvolveu a observação participante, as visitas domiciliares, as conversas informais, a

participação em eventos no assentamento e a realização das entrevistas semi-estruturadas. A

terceira fase correspondeu à análise dos dados – documentos, entrevistas, diário de campo,

mapas, tabelas e revisão bibliográfica – para construção da fundamentação teórica do objeto de

estudo, à luz das categorias teóricas: questão agrária, participação política e relações de gênero. E

finalmente a elaboração da dissertação que está estruturada em três capítulos.

O primeiro capítulo analisa como se desenvolveu a participação política das trabalhadoras

rurais; a sua luta pelo acesso as políticas agrária (terra), agrícola e sociais, e ainda, a dimensão de

gênero nas relações sociais no meio rural e o lugar da mulher trabalhadora rural.

O segundo capítulo procura resgatar a memória histórica do conflito agrário Vale da

Esperança: os acontecimentos relevantes, os atores sociais envolvidos no processo da luta, o

recrutamento das famílias para o processo de ocupação, a organização dos trabalhadores no

acampamento, os aliados e parceiros, a violência institucionalizada, as ações de despejo e o

processo de negociação, a inserção das mulheres no acampamento, o significado da luta pela terra

para essas mulheres, a desapropriação e a imissão de posse.

Para isso, fez-se necessário explicitar o cenário político, econômico e social em que se

desenvolveu o conflito, as forças políticas envolvidas e a luta dos trabalhadores/as rurais na

25

região do Mato Grande, especialmente nos municípios de Touros e Maxaranguape, espaço

geográfico privilegiado desse estudo.

No terceiro capítulo, buscou-se apreender e analisar a inserção das mulheres no cotidiano

do assentamento Novo Horizonte II, seja na participação do espaço doméstico, na associação e no

trabalho agrícola. Ou seja, analisa a presença feminina no processo de construção do

assentamento.

26

CAPÍTULO 1:

A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

DAS MULHERES NA LUTA PELO

ACESSO A TERRA

“Enfrentei furacões com meus vestidos claros,

Quem me vê por aí com esses vestidos estampados,

Não imagina as grades, os muros,

O chão de cimento que eles tornaram leves...”

(Iracema Macedo)

Foto 03: D. Nailde com suas filhas no barraco na Fazenda Cruzeiro do Sul após a desapropriação

Fonte: Vlademir Alexandre

27

CAPÍTULO 1:

A TRAJETÓRIA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES

NA LUTA PELO ACESSO A TERRA

Pensar a inserção das mulheres na luta pela terra remete à questão agrária brasileira,

permeada de relações de poder político, econômico, social e cultural, perpassada por interesses

distintos e divergentes, sendo protagonizada, de um lado, por grandes proprietários e grupos

econômicos, tendo o aval e a ação do Estado; e do outro, trabalhadores/as rurais (posseiros,

meeiros, arrendatários, assalariados, pequenos produtores, etc) historicamente submetidos a um

processo perverso de expropriação e violência.

Em vista disso, a experiência analisada não é um acontecimento isolado, mas faz parte de

um processo histórico de âmbito nacional que envolve amplos segmentos das classes subalternas

rurais que foram excluídas ou incluídas perversamente e que desenvolveram um processo de luta

por terra, trabalho e melhores condições de vida para o campo. Trata-se da questão agrária,

marcada por movimentos de lutas, revoltas e resistências desenvolvidas por homens e mulheres

do campo. Conforme Medeiros (1989, p.11)

A imagem que herdamos do homem do campo é uma versão construída pelos

vencedores do processo histórico. De acordo com ela fomos, durante muito tempo, levados a pensar o trabalhador rural como passivo, submisso, cordato,

incapaz de formular seus próprios interesses e de lutar por eles.2

A história das lutas dos trabalhadores/as urbanos e rurais tem mostrado uma outra face.

Desde a década de 1960 foram registrados diversos conflitos no campo em torno da posse da

2 MEDEIROS, Leonilde Sérvolo. HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO. FASE: Rio de Janeiro,

1989.

28

terra, pelas mais diversas categorias de trabalhadores/as rurais (posseiros, arrendatários,

assalariados rurais, meeiros, pequenos proprietários, atingidos por barragens e trabalhadores sem-

terra). Entretanto, é a partir da segunda metade dos anos 1950 e início de 1960, os trabalhadores

rurais entraram na cena política brasileira, como sujeito político coletivo, originando os

movimentos sociais rurais, especialmente as Ligas Camponesas. Naquele momento, o debate

sobre a problemática agrária assumia dimensão social e a reforma agrária passou a ser disputada

por várias forças políticas, pois até então os conflitos agrários ocorriam de forma localizada e por

alguns grupos de trabalhadores.

Medeiros (1989, p.12 e 13) ao analisar esse período afirma:

Nos anos 50, a emergência de Ligas Camponesas, de “associações”, de uniões

trouxer à cena política a luta dos trabalhadores rurais, que impuseram seu

reconhecimento a sociedade. Embora ainda localizadas e dispersas, essas lutas repercutiram fortemente nos centros de poder, fazendo da reforma agrária um

importante eixo de discussão política. No entanto, nesse mesmo momento,

forjou-se a imagem dessas lutas como produto da “ação de agentes externos”,

“elementos estranhos a classe”, que por interesses outros viriam incitar a revolta e perturbar a secular “paz no campo”. Com isso mais uma vez os trabalhadores

eram vistos como incapazes de agir, de formular seus interesses e de se

organizar em sua defesa. Em conseqüência se desqualificam suas lutas, tornando-as episódicas e escondendo a real dimensão de tensão e de conflitos

existentes no campo.

A questão agrária é, pois, permeada por um movimento de lutas sociais que questiona a

estrutura fundiária, concentrada sob o domínio de uma elite que detém o monopólio da terra. Os

movimentos sociais rurais expressos nas Ligas Camponesas e nos Sindicatos de Trabalhadores

Rurais, além de outros parceiros, passaram a reivindicar uma ampla reforma agrária como parte

de um projeto de desenvolvimento para o País que incluísse os grandes contingentes de

trabalhadores rurais excluídos do acesso à terra e as condições de produzir. A questão agrária é,

portanto, entendida como uma questão política, e para alguns autores, surgiu com a emergência e

o desenvolvimento do capitalismo, quando as elites foram obrigadas a extinguir a escravidão,

29

pressionadas pela Inglaterra, cujo desenvolvimento capitalista necessitava da expansão de seus

mercados.3

Martins (1997, p.61), ao analisar a questão agrária brasileira, afirma que:

Ela surge em conseqüência do obstáculo que a propriedade territorial e o

pagamento da renda da terra ao proprietário representam para a reprodução

ampliada do capital e a acumulação capitalista na agricultura [...] surge à questão agrária quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada para

viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a

sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra [...] ela se torna

instrumento da criação artificial de um exército industrial de reserva, necessário para assegurar a exploração da força de trabalho e a acumulação [...] assim, a

questão agrária foi ganhando visibilidade à medida que escasseavam as

alternativas de reinclusão dos expulsos da terra.

Desta forma, historicamente as classes subalternas do campo foram submetidas as mais

variadas formas de expropriação, violência e exploração, exercidas pelos grandes proprietários de

terras, pelos seus prepostos e pelo Estado, através da Polícia Militar. A reação dos trabalhadores

frente às diversas formas e condições de exploração nas fazendas, se expressou na organização de

lutas e resistências, em diferentes momentos históricos4.

As bases políticas dessas lutas e movimentos são determinadas pelas contradições da

acumulação do capital no campo, intensificada a partir da chamada modernização conservadora5,

e da concentração da terra e do poder.

3 Segundo Martins (1997, p. 62/63) “O regime de propriedade que então havia era o regime de sesmarias, suspenso

em 1822 [...] Era necessário criar um direito de propriedade que fosse, ao mesmo tempo um obstáculo ao livre acesso

a terra por parte da massa da população pobre, também por parte dos ex-escravos, daqueles que viessem a ser

libertados da escravidão. A fórmula encontrada foi a de aprovar uma nova lei de terras, a lei nº 601, de 1850”. 4 Pode-se destacar as históricas lutas de Canudos (1893-1897); a Guerra de Contestado (1912-1916); os confrontos

de posseiros, moradores e colonos com fazendeiros (entre 1930-1945); a organização das Ligas Camponesas contra

coronéis e usineiros no Nordeste e a fundação dos Sindicatos Rurais (entre 1945-1964); a resistência de posseiros, arrendatários, seringueiros, atingidos por barragens, entre outros ( em meados dos anos 1970 e início dos anos 1980);

o surgimento do MST e as ocupações de terra a partir dos anos 1980 e sua intensificação nos anos 1990. Sobre essas

lutas existe vasta literatura. 5 Durante todo período da ditadura militar, os governos militares implementaram a chamada modernização

conservadora no campo, intensificando a agroindústria, através de subsídios, incentivos fiscais, políticas de créditos

agrícolas, regularização fundiária e novas tecnologias, no sentido de equiparar o padrão de produtividade aos países

mais desenvolvidos. De acordo com Araújo (1992), o Estado passa a atuar como organizador da economia e

administrador das crises advindas das contradições do capitalismo monopolista. A inserção e intervenção do Estado

30

Nesse cenário as mulheres trabalhadoras rurais participam das lutas, mas não são

contempladas nas esferas de representação política. É na ação política que a mulher inicia uma

reflexão da sua condição e do seu papel na luta pela terra. A partir do acumulo de experiências

apreendidas nas lutas, as mulheres vão ocupando os espaços públicos dando lugar a um processo

de organização e de visibilidade da questão de gênero. Assim, na história das lutas no campo, as

mulheres trabalhadoras rurais vêm implementando processos de organização política desde

meados dos anos 1970 (época em que vários movimentos começam a se reorganizar na luta

contra a ditadura militar), tendo sua maior efervescência a partir da década de 1980.

O envolvimento das mulheres nas lutas está ligado às condições de vida no campo e

geralmente tem início com o enfrentamento do processo expropriatório a que são submetidas, que

se expressa nas lutas por terra, contra a grilagem (exemplo dos posseiros), na construção de

barragens, na luta dos seringueiros (na região norte) e das quebradeiras de coco babaçu no

Maranhão, entre outras lutas. Todas essas lutas envolvem diferentes segmentos das classes

subalternas do campo, com o intuito de terem acesso à terra e a melhores condições de vida no

meio rural.

Como afirma Grzybowski (1987, p.18):

Contrariamente ao que alguns pensam, as lutas pela terra afirmam histórica e

politicamente a diferenciação de classes existentes no interior dos trabalhadores

rurais. As lutas pela terra forjam como classe, diferentes frações do

na economia garantem a implementação desse projeto de modernização conservadora na indústria e na agricultura. A

elite brasileira acelera o processo de concentração e centralização do capital. No campo, o Estado tratou de promover

a modernização atendendo aos interesses do capital monopolista e responder, de alguma forma, os setores que

haviam se organizado na luta pela terra e pela reforma agrária no pré-64. A estratégia do Estado era garantir um

aparato que atendesse aos interesses dos latifundiários, empresas e grupos econômicos, e para a massa de trabalhadores/as rurais sem terra e pequenos proprietários restou, em grande medida, a exclusão progressiva do

modelo implantado de desenvolvimento. Segundo Delgado (1985), o desenvolvimento técnico e econômico da

agricultura brasileira iniciado a partir da segunda metade dos anos 60 e até final dos 70 caracteriza-se pela aceleração

industrial no campo e a integração do capital financeiro a grande empresa rural, associado ao mercado de terras. A

partir disso ocorreram mudanças na base técnica produtiva, diversificou-se as exportações e organizaram-se grandes

grupos econômicos, sociedade anônimas e bancos de investimento. Para maior aprofundamento ver Delgado, Capital

Financeiro e Agricultura no Brasil 1985.

31

campesinato em clara oposição à expropriação imposta pela expansão

capitalista. As formas de expropriação não são homogêneas, envolvendo

diferentes agentes, e não são homogêneos os camponeses que a elas se opõem.

Em todos os movimentos e lutas sociais no campo, as trabalhadoras rurais têm

participado, como esposas, mães, assalariadas, sem terra, seringueiras, canavieiras e sindicalistas.

A mulher que sempre trabalhou na produção agrícola, aumenta também sua

participação nas lutas travadas pela classe: nas campanhas salariais e nas

greves; nas mobilizações dos pequenos agricultores; na luta pelos serviços sociais de previdência e saúde; na luta por seu reconhecimento como

trabalhadora e contra outras discriminações que a atingem mais diretamente.

(LIMA, 1992, p. 13).

A respeito disso, cabe analisar como se desenvolveu a participação política das

trabalhadoras rurais, organizando e estruturando movimentos sociais específicos; a sua luta pelo

acesso as políticas públicas: agrária (acesso a terra), agrícola e sociais; e ainda, a dimensão de

gênero nas relações sociais no meio rural e o lugar da mulher trabalhadora rural.

1.1 – A Participação Política das Trabalhadoras Rurais:

Na história das lutas políticas da classe trabalhadora, a participação política das mulheres

trabalhadoras rurais pode ser identificada em diversos momentos. A partir da década de 1960, a

expansão do capital no campo acentuou o processo de expropriação e violência desencadeados

sobre as mais diversas categorias de trabalhadores rurais. As conseqüências desse novo contexto

interferiram no cotidiano da mulher trabalhadora rural, impulsionando-a a enfrentar junto com

seu marido e filhos na defesa da terra e da sobrevivência da família. Dessa forma, pode-se

encontrar a participação das mulheres trabalhadoras rurais na luta pela terra e pelo

desenvolvimento da agricultura; na luta pelos direitos sociais, políticos, econômicos e civis; na

luta pelo seu reconhecimento e valorização na sociedade.

32

De acordo com Demo (2001) entende-se por participação uma gradual e infindável

conquista, em constante vir-a-ser sempre se fazendo. É, em essência, autopromoção e uma

conquista processual. Segundo Demo (2001, p. 18) a participação não pode ser entendida como

dádiva, concessão ou algo preexistente.

Não pode ser entendida como dádiva porque não seria produto da conquista,

nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria de todos os

modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser entendida como

concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário da política social,

mas um dos seus eixos fundamentais; seria apenas um expediente para

obnubilar o caráter de conquista, ou de esconder, no lado dos dominantes, a necessidade de ceder. Não pode ser entendida como algo preexistente, porque o

espaço de participação não cai do céu por descuido, nem é o passo primeiro.

Dessa forma, pode-se afirmar que as conquistas das mulheres trabalhadoras rurais são

fruto de uma ampla participação, com vista a reconstruir, juntamente com outros atores sociais, a

sociedade brasileira. É uma participação que se revela nos grupos de base, nas lutas, nos

movimentos sociais, nos sindicatos, nas organizações comunitárias, nas pastorais religiosas, no

espaço doméstico.

De acordo com Dallari (1994), ao analisar a participação política das pessoas na sociedade

brasileira, ressalta que o primeiro passo para a efetivação da participação política está na

mudança da consciência de cada um. Dado esse passo, está aberta a plena participação, pois a

pessoa conscientizada não fica indiferente às injustiças e aos obstáculos que se apresentam na

realidade. A partir daí, a participação se torna coletiva, concretizando-se na observação da

realidade, na definição de valores e objetivos, bem como na escolha do modo e do lugar de

atuação.

Em caráter estritamente individual, cada um pode participar falando,

escrevendo, discutindo, denunciando, cobrando responsabilidades, encorajando

os tímidos e indecisos, aproveitando todas as oportunidades para acordar as consciências adormecidas. Isso pode ser feito em casa, no lugar de trabalho, na

33

escola, no clube, nas reuniões de amigos, nos veículos de transporte coletivo e

em qualquer outra circunstância em que as pessoas possam conversar [...] A

participação coletiva se dá por meio da integração em qualquer grupo social. As formas e as finalidades imediatas das associações são infinitas. Basta um

pequeno grupo de pessoas, com algum objetivo definido e a disposição de

trabalharem continuamente em busca de objetivo, para se ter uma associação.

(DALLARI, 1994, p. 43-44)

A consciência coletiva se desenvolve quando as pessoas se tornam parte de um grupo ou

classe social e são levadas pelas circunstâncias a lutarem e se organizarem em função de

objetivos específicos. É nesse processo que surge a possibilidade da construção de sujeitos

políticos coletivos.

Ao analisar a participação das mulheres trabalhadoras rurais, percebe-se sua inserção

individual e coletiva na realidade do campo, a partir das desigualdades sociais e da negação dos

seus direitos, desde o direito à terra e às condições de trabalho, entre outros. Muitas foram às

mulheres que se mobilizaram em torno da defesa de seus direitos e de suas famílias. Um processo

de participação vivenciado pelo conjunto de famílias camponesas, ao longo da história.

Os registros históricos revelaram que a participação das mulheres trabalhadoras rurais no

Nordeste ocorreu a partir de lutas diversas sem caráter de movimento de mulheres. Por exemplo,

durante o regime de escravidão, várias foram às mulheres negras que lutaram pela libertação do

seu povo e comandaram rebeliões em diversas partes do Nordeste. É representativa a bravura de

Ana:

Ana liderou uma revolta de escravos, ocorrida em uma fazenda no interior do

Ceará, no ano de 1835, e que levou a fuga de todos os cativos, à morte dos

escravos da casa, dos feitores e do proprietário, o fazendeiro português Francisco Antônio de Carvalho, conhecido como Marinheiro Chico [...] A

revolta teve início com a indignação dos escravos da senzala pelos violentos

castigos impostos a uma escrava velha, benquista por cuidar dos enfermos.

Uma viagem de Francisco Carvalho propiciou a oportunidade para o levante dos escravos, liderados por Tia Ana – como todos a chamavam. Uma noite

quando os capangas dormiam no alpendre da casa grande e os escravos da casa

no seu interior, os da senzala tomaram de assalto a residência, matando todos os que encontraram e ateando fogo na propriedade. (SHUMAHER, 2000, p.46)

34

A história de outras mulheres também é emblemática para resgatar a memória da

participação política das mulheres trabalhadoras rurais nas mais diversas conjunturas do País, em

diferentes momentos históricos. Outro exemplo é a figura de Ana de Alencar Araripe, que, ao

lado do marido, liderou a Revolução de 1817, insurreição que começou em Pernambuco e logo

chegou a outras províncias nordestinas, realizada por vários setores da sociedade insatisfeitos

com a situação econômica, política e social.

Em março de 1817, os revoltosos reagiram à prisão de vários liberais, formando

um governo revolucionário que enviou às câmaras das comarcas uma nova lei

orgânica, abolindo os impostos recém-instituídos por D. João VI e implantando novos costumes, próprios ao sistema republicano. Com a repressão aos

rebeldes, Ana de Alencar Araripe foi levada presa para Fortaleza, juntamente

com seu marido, sendo libertada anos depois. Em 1824, eclodiu em

Pernambuco, estendendo-se até a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Ceará, a Confederação do Equador, segunda tentativa de insurreição regional visando à

autonomia e a instalação de um regime republicano no Nordeste. Ela estava

sempre presente onde aconteciam os combates, ora instalando-se nos acampamentos de guerra, ora refugiando-se em casa de amigos e parentes

próximos ao cenário dos conflitos. (SHUMAHER, 2000, p.50-51)

A história de outras mulheres também é típica para resgatar a memória da participação

política das mulheres trabalhadoras rurais nas mais diversas conjunturas do País, diferentes

momentos históricos. Muitas outras lideranças femininas marcaram as lutas do campo no

decorrer da história, mas foi a partir das décadas de 1950 e 1960 que as mulheres emergiram de

forma mais presente no movimento das Ligas Camponesas6. Ressalta-se a trabalhadora rural

Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas, que junto com o

marido mobilizou e organizou a Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba. Após o assassinato de seu

marido em 1962, Elizabeth assumiu a liderança das Ligas, “tornando-se um símbolo de

resistência dos trabalhadores rurais, dos anos 1960 no Nordeste do Brasil”. (SHUMAHER, 2000,

p.190)

6 As Ligas Camponesas foi o movimento mais forte dos trabalhadores/as rurais das décadas de 50 e 60, que traduz a

luta por uma reforma agrária ampla e massiva, recebendo o apoio político do PCB e teve como protagonista mais

conhecido, o advogado Francisco Julião, do PSB. Para maior conhecimento e aprofundamento sobre as Ligas

Camponesas ver Medeiros (1983), Azevedo (1982), Bastos (1984) e Julião (1974).

35

Na década de 1970, duas outras trabalhadoras rurais se destacaram nas lutas do campo na

Paraíba, Maria da Penha Nascimento Silva e Margarida Maria Alves.

Penha nasceu em 1949 em alagoa Grande/PB. Sua trajetória política teve início

em 1972 no sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, que tinha

Margarida Maria Alves como presidente. Margarida, que se sentia muito sozinha como mulher na atuação sindical, convidou Penha para a luta. Em

1980, participou da reunião nacional para a criação da Central Única dos

Trabalhadores – CUT/PB, da qual foi também dirigente. Durante sua trajetória,

Penha surpreendia os que a conheciam por sua sensibilidade e aguçada compreensão das lutas de classe e especialmente da situação das mulheres

trabalhadoras rurais. Morreu em 15 de março de 1991, num acidente

automobilístico, juntamente com Beth Lobo. (SHUMAHER, 2000, p.190)

Margarida Maria Alves era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Alagoa Grande/PB, região canavieira da Paraíba [...] Margarida destacou-se

como liderança dos trabalhadores rurais na luta pelos direitos sociais, alguns já conquistados pelos trabalhadores urbanos. Lutou pelo registro do trabalho em

carteira, pela jornada de oito horas de trabalho, 13º salário, férias, repouso

remunerado. Seu empenho na organização dos camponeses vinha se

desenvolvendo há 12 anos, e ela já havia feito muitas denúncias contra os proprietários rurais locais. Numa delas, moveu um processo contra o filho de

um fazendeiro que havia espancado uma moradora de suas terras, velha e

paralítica [...] A dedicação e a coragem de Margarida na mobilização dos trabalhadores rurais do Brejo Paraibano repercutiram na CONTAG e em mais

de 32 sindicatos rurais. Seu exemplo possibilitou o início de poderosa

campanha salarial e a reivindicação de dois hectares de terras para as famílias

dos trabalhadores rurais plantarem roças de subsistência [...] Margarida foi assassinada por pistoleiro a mando de latifundiários. Sua morte provocou

inúmeras manifestações dos trabalhadores rurais e de grupos de mulheres do

Brasil, em protesto contra a impunidade dos senhores de terra nos atos criminosos que cometem na defesa do sistema latifundiário. (SHUMAHER,

2000, p.361)

Chamam a atenção os desdobramentos reais e simbólicos daí decorrentes, originando

outras lutas sociais, a exemplo da Marcha das Margaridas, empreendidas anualmente sob a

direção da CONTAG, das federações estaduais e da Articulação Nacional de Mulheres

Trabalhadoras Rurais. Nas lutas sociais do campo, as mulheres participam, enfrentando todas as

formas de violências, exercidas pelos latifundiários, ao lado de seus maridos e de suas famílias. A

partir dessa inserção nas lutas, as mulheres trabalhadoras rurais descobrem sua invisibilidade

36

política. Descobrem que além das desigualdades sofridas por pertencerem a uma classe, sofrem a

desigualdade de gênero, portanto é preciso lutar pelo direito de ser cidadã com as mesmas

oportunidades que o homem, afirmando a importância da sua organização específica.

A organização das mulheres trabalhadoras rurais ocorreu, num primeiro momento, em

pequenos grupos para discutir seus problemas e dificuldades, sendo também uma oportunidade de

troca de experiências, de construção de vínculos de afetividade, solidariedade e de formação

política, através das representantes dos sindicatos de trabalhadores rurais, das associações e de

outras formas de mobilização.

Num estágio posterior, especialmente a partir de meados dos anos 1980, esses grupos se

articularam, desembocando na organização do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do

Nordeste – MMTR-NE7, iniciado da interação de duas micro-regiões: Sertão Central de

Pernambuco e Brejo Paraibano e se expandindo para outros estados nordestinos na década de

1980. Na mesma época, as mulheres que estavam presentes nos movimentos de pequenos

agricultores, sem terra, expropriados por ações de grileiros e atingidos por barragens na região sul

do Brasil, mobilizaram e organizaram a Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras

Rurais da Região Sul – AIMTR-SUL. O MMTR-NE e a AIMTR-SUL se originaram quando as

mulheres iniciam sua participação política na luta pela terra, nos sindicatos rurais, nas

associações comunitárias e, finalmente, em movimentos autônomos, discutindo um “novo jeito

de organizar a sociedade, onde as mulheres tenham vez e voz”.8

7 O MMTR-NE surge no Sertão Central de Pernambuco através da organização de mulheres trabalhadoras rurais que

participaram de lutas por terra no início da década de l980. A partir da organização de grupos de base, elas se

firmaram nos espaços públicos e organizaram o movimento. A história do MMTR inicia na década de 1980, quando

em vários estados eclodiam conflitos de terra, ao mesmo tempo em que a problemática da mulher nas lutas do campo

ganhava destaque. Começaram a discutir os problemas que as mulheres enfrentam, enquanto trabalhadoras, a sua

identidade e como a articulação entre elas poderia ajudá-las a ocupar o seu espaço. Com as contribuições dos debates

sobre gênero, introduziram-se novas preocupações, como a necessidade de repensar os papéis masculinos e

femininos e dar visibilidade ao trabalho das mulheres. 8 Cartilha Nenhuma Trabalhadora Rural sem Documentos, 2001.

37

Nesse contexto, as mulheres trabalhadoras rurais protagonizaram a organização dos

movimentos de mulheres trabalhadoras rurais do Sul e do Nordeste em um cenário de lutas de

classe e construção de novos espaços de participação e lutas. Os dois movimentos surgiram da

participação das mulheres nas lutas do campo e, de forma específica, de acordo com as

características de cada realidade. No Nordeste, a participação foi desencadeada a partir dos

conflitos agrários, das lutas dos/as assalariadas rurais da cana de açúcar e da participação nos

sindicatos rurais.

Daron, Kroth e Rubenich (2003), ao analisarem a trajetória histórica dos movimentos de

mulheres trabalhadoras rurais, ressaltaram quatro momentos relevantes. No primeiro momento,

deu-se a construção e organização autônoma das mulheres com a luta pela valorização e

participação das mulheres trabalhadoras rurais nos vários espaços da sociedade, o que marcou

especialmente a década de 1980.

No segundo momento, houve a afirmação dos movimentos de mulheres trabalhadoras

rurais e/ou de agricultoras com intensas lutas e mobilizações na busca do reconhecimento da

profissão e do acesso a direitos sociais e previdenciários, marcando a trajetória da luta feminina

no campo no final dos anos 1980, no processo Constituinte até a metade da década de 1990.

No terceiro momento, a partir de meados dos anos 1990, destacou-se o fortalecimento dos

movimentos de mulheres trabalhadoras rurais nos vários estados do Brasil. A construção da

Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais, envolvendo as mulheres dos vários

movimentos e organizações camponesas, com a intensificação da luta pela consolidação dos

direitos, o desenvolvimento da mulher aliado à mudança das relações sociais de gênero e classe

na sociedade, vêm se destacando a partir da metade da década de 1990 até hoje.

E por fim, a unificação dos movimentos autônomos com o fortalecimento da luta e da

organização em âmbito nacional, que tem como base as seguintes questões: um novo projeto para

38

a agricultura na lógica da agroecologia, a produção de alimentos mais saudáveis, as plantas

medicinais como fonte de vida, saúde e soberania, o combate aos transgênicos e agrotóxicos; a

mulher como protagonista e a mudança das relações sociais de gênero e de classe. A valorização

e construção da identidade de libertação das mulheres estão inseridas no processo organizativo,

de luta, de formação e de implementação de experiências de resistência ao neoliberalismo, sendo

sinais de construção de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil.

É durante a década de 1980 que os movimentos autônomos de mulheres se proliferaram

nos estados. O primeiro encontro nacional de mulheres trabalhadoras rurais ocorreu em 1986, em

Baurueri (SP), apoiado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com o objetivo de criar uma articulação nacional, do

qual participaram 16 estados, entre eles o Rio Grande do Norte, através da educadora do Serviço

de Assistência Rural - SAR, Marilene da Silva Gomes e duas trabalhadoras rurais (Maurilia, do

Município de São Rafael e Maria das Dores Baracho, do Município de Touros). Na ocasião foi

decidido que os esforços deveriam se concentrar na organização e no fortalecimento dos

movimentos estaduais e nos sindicatos e federações de trabalhadores rurais. Acredita-se que esse

encontro de São Paulo foi fundamental para gestar o Movimento de Mulheres Trabalhadoras

Rurais do Nordeste (MMTR-NE), o qual, no ano seguinte (1987), realizou o I ENCONTRO DO

MMTR-NE, na cidade de João Pessoa, com a participação de oito estados do Nordeste.

Em 1988 foi criada a Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais da

Região Sul (AIMTR-SUL), com a presença de cinco estados daquela região. Teve como principal

objetivo criar um fórum de discussão do que seria considerado questões de mulheres, como

saúde, sexualidade e o reconhecimento da profissão de mulher trabalhadora rural, entre outras. A

AIMTR-SUL liderou campanhas sociais focalizando-se na profissão da trabalhadora rural. O

Movimento de Mulheres Agrícolas (MMA), de Santa Catarina, por exemplo, liderou a campanha

39

em 1986, com 100 mil assinaturas de mulheres trabalhadoras rurais, a fim de colocar seus direitos

na pauta constitucional, levando uma grande caravana até Brasília.

No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a organização das

trabalhadoras rurais se deu no final anos 1980, com a formação da Comissão Nacional de

Mulheres do MST, que pressionou o movimento para criar grupos de mulheres nos

acampamentos e assentamentos, como também a inclusão de diretrizes internas que

contemplassem as especificidades das mulheres. Em 1989, o MST publicou a primeira edição de

suas normas gerais, incluindo um capítulo sobre a articulação das mulheres.9 Em maio de 1996

realizou-se o I Encontro Nacional de Mulheres Militantes do MST que desembocou, em seguida,

na fundação do Coletivo Nacional de Mulheres do MST. Esse coletivo publicou um documento,

intitulado A Questão da Mulher no MST – Participando sem medo de ser mulher. Esse

documento apontou claramente o direito das mulheres à terra e à participação em igualdade com

os homens em associações e cooperativas. Em 1999, esse coletivo nacional aprofundou a questão

das desigualdades de gênero no meio rural e reconstituiu a sua articulação nacional, que passou a

se chamar Coletivo Nacional de Gênero.

No Movimento Sindical dos/as Trabalhadores/as Rurais (MSTR), a trajetória de lutas e

conquistas das mulheres rurais retratadas nas resoluções dos congressos nacionais da categoria

foram frutos de sua efetiva participação política. O enfrentamento das discriminações e da

dependência levou as trabalhadoras rurais a romperem com as barreiras de um movimento

exclusivamente masculino, onde o sindicato não é lugar de mulher. (CONFEDERAÇÃO

9 Nas normas do MST estão presentes, além de incentivar a participação das mulheres em todos os níveis, outros

objetivos são apresentados: a luta contra todas as formas de discriminação e contra o machismo; a organização de

grupos de mulheres para criar um espaço para as mulheres discutirem seus próprios problemas específicos; encorajar

a participação de mulheres em todas as formas de organização do MST, inclusive dentro do movimento sindical,

onde as mulheres trabalhadoras rurais participam independentemente de suas posições de classe e organizar uma

comissão de mulheres em nível nacional, responsável pelas políticas propostas para o movimento. (DEERE, 2004, p.

187)

40

NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA, 2001, P.31). As

primeiras iniciativas dessa organização se deram no Rio Grande do Sul e em Pernambuco,

decorrentes das más condições de vida e das dificuldades das mulheres em obter os benefícios da

Previdência Social e para ser incluídas nas frentes de trabalho nas áreas de seca. Durante a década

de 1980, ainda predominava a visão de que a mulher era dependente do marido, companheiro ou

pai, não sendo necessária sua sindicalização. As resoluções do 3º Congresso Nacional dos

Trabalhadores Rurais (CNTR)10

, realizado em 1979 e do 4º CNTR11

, ocorrido em 1985,

expressam a luta pelo reconhecimento da mulher trabalhadora rural como autônoma.

Seguindo o caminho organizativo, em 1987, em Florianópolis (SC), ocorreu o I Encontro

Centro-Sul de Trabalhadoras Rurais, coordenado pela CONTAG, com a participação de 53

representantes dos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Mesmo sendo um encontro

regional, discutiu a organização das mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical, em

âmbito nacional. Desse encontro nasceu a Comissão Provisória Nacional de Mulheres da

CONTAG, que atuou no processo para Assembléia Constituinte, articulou e aglutinou forças

políticas para consolidar a presença da mulher no sindicalismo rural. No ano seguinte, 1988,

realizou-se o 1º Seminário Nacional de Trabalhadoras Rurais, que atuou com destaque no

10 As Resoluções do 3º CNTR apontaram o início da luta pelo reconhecimento político das trabalhadoras rurais e

suas reivindicações: defenderam a alteração na legislação então em vigor a fim de que fosse concedida aos

trabalhadores rurais aposentadoria por velhice aos 55 anos, quando homem, e aos 50 anos quando mulher; que a

aposentadoria por invalidez, auxílio funeral e pensão por morte fossem concedidos a mulher ou companheira do

trabalhador rural; defesa do salário maternidade para as trabalhadoras rurais; amparo à esposa ou companheira do

trabalhador rural e seu filhos menores, desde que trabalhassem em regime de economia familiar ou sob forma

assalariada. Apesar dos avanços obtidos, esse congresso reafirmou a cultura machista ao afirmar que a titulação da

propriedade seja apenas do homem “chefe de família” ou aos jovens que venham constituir família, reforçando a exclusão das mulheres na titulação da terra. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS

NA AGRICULTURA, 2001, p. 12). 11 A Resolução do 4º CNTR aprovou uma programação de ações específicas dirigidas às mulheres, estimulando sua

organização e sindicalização no MSTR, bem como sua integração nas lutas pela reforma agrária, nas assembléias e

diretorias dos sindicatos, nas greves e nas campanhas salariais. Em defesa da autonomia de decidir sobre seu corpo,

as trabalhadoras rurais presentes no congresso apresentaram a proposta de denunciar publicamente os projetos

governamentais de planejamento familiar que submetiam as mulheres do campo à esterilização em massa. (Idem,

p.15)

41

Congresso Constituinte, através da apresentação de um documento com reivindicações

específicas das mulheres do campo12

.

Os anos 1990 foram marcados pela forte presença e participação das trabalhadoras rurais

nas atividades e lutas dos sindicatos municipais e federações estaduais. No início daquela década

destacaram-se a realização do 2º e 3º Seminários Nacionais de Trabalhadoras Rurais, em 1989 e

1992, respectivamente. Estes eventos foram precedidos de inúmeras atividades educativas nos

sindicatos e federações dos estados, abordando temas como: o reconhecimento da profissão de

trabalhadora rural; a seguridade e a previdência social; a participação sindical; as relações sociais

de gênero; a vida familiar e o trabalho.

No 5º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais (CNTR), em 1991, dentre os 2.100

delegados, as mulheres representavam apenas 8% (200 delegadas). Das delegadas presentes,

quatro foram eleitas para a diretoria efetiva da CONTAG. Esta foi, sem dúvida, uma vitória

significativa das mulheres, dada sua luta pela inclusão e reconhecimento político no movimento

sindical. Também nesse congresso ocorreu uma reestruturação das Secretarias específicas, sendo

eleita uma mulher para coordenar a Secretaria de Formação e Organização Sindical e a Comissão

Nacional da Mulher Trabalhadora Rural, vinculada àquela Secretaria. A propósito disso, foram

incentivadas, organizadas e estruturadas nos estados as Comissões Estaduais da Mulher

Trabalhadora Rural.13

12 Esse documento continha entre outras reivindicações: licença a gestante, sem prejuízo do emprego e do salário,

com a duração de 120 dias; licença paternidade de 8 dias aos que preenchessem os requisitos fixados em lei; proteção

do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; equiparação de direitos entre trabalhadores

rurais e urbanos; o título de domínio e a concessão de uso conferidos ao homem ou a mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil; aposentadoria aos 60 anos para o trabalhador rural e aos 55 para a trabalhadora

rural; anistia da correção monetária aos mini e pequenos produtores rurais, em relação aos débitos relativos ao

crédito rural, contraídos no período de 28/02/1986 a 31/12/1987; supressão do inciso II do art. 190, que excluiu a

possibilidade de desapropriação por interesse social as chamadas “propriedades produtivas”, bem como o parágrafo

1º do art. 7º, que remete a regulamentação via lei ordinária, e direitos importantes para o trabalhador rural, anulando

assim a igualdade de direitos entre trabalhadores rurais e urbanos estabelecidos no “caput” do referido artigo. 13 A finalidade dessas comissões era analisar a condição das trabalhadoras rurais, propondo estratégias e políticas

específicas para superar todas as formas de discriminação e opressão praticadas contra as mulheres. Visava, ainda,

42

Segundo documento da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES

RURAIS NA AGRICULTURA (2001, p.19-20), que trata da trajetória da organização das

mulheres, nesse 5º congresso:

As mulheres rompem as fronteiras machistas do mundo sindical e fazem o

debate político de questões antes reservadas ao mundo privado. Temas como o

trabalho doméstico, autonomia sobre o corpo, direito ao plenejamento familiar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e o aborto, são debatidas nas

comissões temáticas do congresso. Na comissão de assalariados, o debate sobre

gênero e reprodução vem fortemente articulado com as mais diversas formas de

exploração da força de trabalho feminina. As mulheres propõem que o movimento denuncie as diversas práticas de discriminação e violência nas

relações de trabalho e novas propostas passam a ser incorporadas na pauta de

reivindicações: contra a exigência de atestado de laqueadura de trompas no ato de contratação; ameaça de demissão de gestantes; violência nos locais de

trabalho, praticadas por chefes e encarregados; redução da jornada de trabalho

durante o ciclo menstrual; cota de 30% de mulheres na contratação por empresa; creches nos locais de trabalho.

Em 1995, durante a reunião ampliada da direção da CONTAG foi eleita a primeira

coordenadora da Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora Rural – CNMTR, Margarida

Pereira da Silva (conhecida por Ilda, de Pernambuco), sendo referendada no Conselho

Deliberativo da CONTAG. Esse foi um dos momentos de maior vitória das sindicalistas, apesar

de a comissão estar vinculada a uma Secretaria. A Comissão Nacional é formada por uma

representante e uma suplente de cada federação, eleita pela Comissão Estadual, que se compõe de

uma mulher de cada Sindicato de Trabalhadores Rurais municipal. O mandato dessas comissões

coincide com os mandatos das direções municipais, estaduais e nacional.14

assegurar, ampliar e fortalecer a participação política das mulheres trabalhadoras rurais nos espaços de decisão no MSTR e na sociedade em geral. Lutar para que todas as políticas e programas voltados para o desenvolvimento rural

promovessem e protegessem os direitos das mulheres, enfocando a perspectiva da equidade de gênero. (CONTAG,

2001, p.36). 14 A comissão nacional desenvolveu a partir daí, uma discussão que culminaria com a definição de algumas áreas de

atuação, quais sejam: participação na reforma agrária; valorização do trabalho da mulher na agricultura familiar;

condições de trabalho e direitos trabalhistas das mulheres assalariadas rurais; formação e (re)qualificação

profissional; garantia e ampliação dos direitos previdenciários; políticas de saúde; políticas de educação do campo;

violência sexista; cidadania e autonomia.

43

O 6º CNTR15

da CONTAG, em Brasília, no ano de 1995, deu ênfase à elaboração de um

Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS), baseado na reforma agrária

e na agricultura familiar. O respeito aos direitos dos excluídos e marginalizados incorporados em

suas resoluções apontou para a construção de um modelo de desenvolvimento que visasse, além

do crescimento econômico, o desenvolvimento social, político e cultural de mulheres e homens

do campo. As propostas também sinalizaram para a necessidade da maior participação das

mulheres trabalhadoras rurais nos processos produtivos e nos espaços de negociação e decisão de

políticas públicas como o acesso à terra sem discriminação das mulheres na seleção dos

beneficiários; participação nos conselhos de saúde e educação. Bem como, assegurar sua

participação nas comissões de negociação coletivas, nas assembléias e nas reuniões de sindicatos,

e também o direito a voto e a cargos de direção nas cooperativas e associações de agricultores

familiares, (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA

AGRICULTURA, 2001, p.22).

Contudo em que pese todo esse avanço na luta e participação das trabalhadoras rurais no

sindicalismo, há limites e contradições que se apresentam na realidade e nos espaços de decisão

do MSTR, entre a luta das mulheres e os interesses das forças políticas presentes no movimento

sindical. Nesse sentido, por ocasião do 6º CNTR, as delegadas apresentaram uma moção de

repúdio à exclusão das mulheres na discussão e negociação das chapas que elegeriam a nova

diretoria da CONTAG, conforme relato abaixo. Mesmo não elegendo uma mulher para o cargo

de direção nacional, a Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora Rural (CNMTR) obteve

vitória na aprovação da regulamentação da CNMTR nos estatutos da CONTAG e a garantia da

discussão da temática de gênero em todos os cursos e atividades promovidos pelo MSTR.

15 Nesse congresso a CONTAG filia-se a CUT e a diretoria eleita foi composta por sindicalistas de ambas entidades.

44

As negociações entre os dirigentes da CONTAG e da CUT se deram de forma fechada,

anti-democrática e discriminatória e os compromissos assumidos com as mulheres de

assegurar a representação das mulheres na executiva da CONTAG ficaram esquecidos. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA

AGRICULTURA, 2001, p.23)

O decorrer dessa trajetória de participação política no movimento sindical ainda não havia

garantido às mulheres trabalhadoras rurais ocuparem os espaços dentro da diretoria executiva da

CONTAG, o que não impediu que a organização se fortalecesse e as políticas afirmativas fossem

discutidas nos sindicatos e federações. Em 1998, durante o 7º CNTR, a Comissão Nacional de

Mulheres conseguiu aprovar a cota de 30% de mulheres para a direção executiva da CONTAG,

sendo eleita três mulheres para a diretoria executiva e uma para o conselho fiscal, após 35 anos

de existência da CONTAG. Vitória histórica, mesmo não se conseguindo que a cota fosse

imediatamente extensiva às federações e sindicatos, o que gerou uma intensiva batalha política

nos estados e municípios, por parte das lideranças sindicais femininas. Outra vitória consistiu em

acrescentar no nome do Congresso a palavra trabalhadoras, a fim de afirmar a identidade da

mulher trabalhadora rural como sujeito social e político dentro do MSTR. Assim, o nome do

congresso passou a ser “Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

(CNTTR)”.

Aprovar a cota de, no mínimo, 30% de mulheres exigiu muita habilidade, poder de convencimento e de negociação, dentro e fora das forças políticas. Para isso, as mulheres

trabalhadoras rurais superaram as divergências existentes entre as duas chapas que

disputavam as eleições para a diretoria da CONTAG. Tiveram que enfrentar o debate

sobre o poder hegemônico masculino no movimento sindical, sobre a necessidade de renovar a direção da CONTAG e de reconhecer o potencial político e econômico das

mulheres na construção do MSTR e no PADRS. A cota de mulheres foi aprovada em

plenário por unanimidade. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA, 2001, p.25)

Nesse debate das cotas, o maior desafio para o fortalecimento da organização das

mulheres trabalhadoras rurais no movimento sindical, foi implementar o sistema de cotas em

45

todos os sindicatos filiados às federações estaduais e à CONTAG. Nesses espaços a cota ainda

não foi compreendida como instrumento de democratização das relações de poder entre homens e

mulheres, visto que a cultura política patriarcal presente na sociedade perpassa também às

organizações sindicais, reforçando as desigualdades de gênero e a invisibilidade política da

mulher.

No ano seguinte, 1999, durante o 2º Congresso Nacional Extraordinário de

Trabalhadores/as Rurais (CNETTR), aprovou-se a obrigatoriedade da cota de no mínimo 30% de

mulheres em todas as instâncias do MSTR, como princípio estatutário e 50% de participação de

mulheres em atividades formativas do MSTR. Em 2001, durante o 8º CNTTR criou-se a

Comissão Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e a integração de sua

coordenação a Diretoria Executiva da CONTAG, representada por uma jovem, fortalecendo a

política de cotas.

Nessa trajetória histórica outras lutas e organizações foram dando visibilidade à ação

política das trabalhadoras rurais, com destaque para a realização do I Acampamento de Mulheres

Rurais, promovido pela Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais – ANMTR, no

ano 2000, em Brasília, com o lema “Mulheres gerando vida, construindo um novo Brasil”. Entre

as principais reivindicações estava o direito à reforma agrária e as políticas públicas específicas.

Nos anos seguintes (2001 e 2002) ocorreram o II e o III Acampamentos com os lemas Mulheres

Trabalhadoras Rurais construindo um novo Brasil e Trabalhadoras gerando vida, semeando a

terra construindo uma nova sociedade, respectivamente. O III Acampamento teve como

objetivos: enfrentar o projeto neoliberal; dar visibilidade a luta das mulheres trabalhadoras rurais;

ser um espaço de formação para as companheiras, de vivência dos valores e resgate da auto-

estima; consolidar o 8 de março como jornada de luta e resistência das mulheres trabalhadoras

rurais e conquistar melhores condições de vida para as mulheres trabalhadoras rurais.

46

Nessa trajetória das mulheres ocupando diversos espaços, gestando formas de luta e

organização coletiva, não pode deixar de ser mencionado um grande evento. Trata-se da grande

mobilização que dá visibilidade às demandas das mulheres trabalhadoras rurais que é a Marcha

das Margaridas realizada em 2000. Essa primeira marcha reuniu em Brasília 20 mil mulheres.

Realizada pelo Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTR) em

parceria com diversas entidades aliadas. A Marcha das Margaridas representava, naquele ano, a

Marcha Mundial das Mulheres16

, com o lema: 2000 Razões para Marchar.

Além das manifestações em Brasília, as trabalhadoras rurais mostraram sua disposição

para a luta em todos os Estados brasileiros, onde foram organizadas manifestações locais,

marcadas por reivindicações específicas, atos públicos, seminários, debates sobre as condições da

mulher trabalhadora rural no País e sobre políticas públicas de atendimento integral às

necessidades específicas das trabalhadoras rurais. Nessas mobilizações estaduais e nacional, fo i

entregue aos governos locais e federal uma pauta de reivindicações, elaborada a partir das

demandas das trabalhadoras rurais e de acordo com a realidade de cada região geográfica.

16

Em junho de 1995, 850 mulheres marcharam 200 quilômetros contra a pobreza pelo interior do Quebec, no

Canadá, chegando a Montreal onde foram recepcionadas por 15 mil pessoas. “Pão e rosas” elas pediam,

simbolicamente. A principal conquista dessa manifestação foi o aumento real do salário mínimo, em uma economia

de preços estáveis e pressionada pelo mercado comum com os Estados Unidos, mais direitos para as mulheres

imigrantes e apoio à economia solidária. A iniciativa do movimento de mulheres do Quebec inspirou mulheres do

mundo todo a se unirem na Marcha Mundial das Mulheres 2000. A Marcha Mundial das Mulheres é uma ação do

movimento feminista internacional de luta contra a pobreza e a violência sexista. Sua primeira etapa foi uma

campanha entre 8 de março e 17 de outubro de 2000. Aderiram à Marcha 6000 grupos de 159 países e territórios. As

manifestações de encerramento dessa primeira fase da Marcha no dia 17 de outubro de 2000 mobilizaram milhares de mulheres em todo o mundo. Nesta ocasião foi entregue a ONU um abaixo assinado com cerca de 5 milhões de

assinaturas em apoio às reivindicações da Marcha. A mobilização de mulheres gerada pela Marcha não parou por aí.

Os contatos feitos entre variados grupos de diferentes países criaram uma rede feminista que pretende se preservar,

para assim fortalecer a luta das mulheres. No Brasil, a Marcha Mundial das Mulheres juntou setores como o

movimento autônomo de mulheres, movimento popular e sindical, rural e urbano; ampliou o debate econômico entre

as mulheres e as trouxe para as ruas. Construiu-se uma plataforma nacional, a "Carta das Mulheres Brasileiras" que

exige terra, trabalho, direitos sociais, auto- determinação das mulheres e soberania do país. O combate à pobreza e à

violência feita as mulheres continua a ser o eixo de nossa intervenção, sempre com uma forte ação feminista e anti-

capitalista na luta pela igualdade, justiça, distribuição de renda, recursos e poder. (Disponível em

www.sof.org.br/marchamulheres, acessado em 28/07/2005).

47

Quase um milhão de mulheres trabalhadoras rurais em todo o Brasil participaram

ativamente de toda organização e realização da 2º Marcha das Margaridas no ano de 2002. Nos

sindicatos e associações, realizaram-se reuniões e seminários para discutir os problemas e as

reivindicações das trabalhadoras rurais brasileiras, resumido no lema Contra a Fome, a Pobreza e

a Violência Sexista. Durante a Marcha, as reivindicações foram entregues diretamente ao então

Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Em 2003, mais uma vez as trabalhadoras rurais encheram as ruas de Brasília na 3ª Marcha

das Margaridas, com as seguintes prioridades: reforma agrária e meio ambiente, com posse da

terra; manejo sustentável do solo e das águas; salário mínimo justo; saúde pública, com

assistência integral a mulher; contra a violência sexista e todas as formas de violência no campo.

Essa mobilização nacional tinha como objetivos: resgatar a auto-estima e cidadania das mulheres

trabalhadoras rurais; valorizar a importância das trabalhadoras rurais e suas organizações no

processo de desenvolvimento sustentável; denunciar o impacto da fome, pobreza e violência no

campo e na vida das mulheres trabalhadoras rurais; construir e negociar propostas que

atendessem as necessidades e direitos das mulheres trabalhadoras rurais. É nessa marcha que as

mulheres rurais conquistaram uma portaria do INCRA que tornou obrigatória a titulação conjunta

da terra, já prevista na Constituição de 1988. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS

TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA, 2003).

É importante registrar que em toda a história das lutas no campo há a presença e

participação das trabalhadoras rurais, em menor ou maior expressão. A luta pela terra, a luta

pelos direitos previdenciários e seguridade social, a luta pelo crédito agrícola e titulação da terra,

a luta dos desabrigados por barragens, a luta das indígenas e quilombolas, a luta pelo

reconhecimento político no sindicato e associações, entre outras. Nas mais diversas conjunturas e

48

sob as mais variadas problemáticas do campo surgem organizações e movimentos de

trabalhadoras rurais.

Assim, pode-se ressaltar a presença e participação de várias organizações de mulheres

trabalhadoras rurais nas diversas regiões do Brasil, expressas nos diferentes movimentos de

mulheres trabalhadoras rurais, já mencionados. Nesse sentido, pode-se afirmar que em todas as

realidades específicas do campo brasileiro, há organizações e movimentos de mulheres

trabalhadoras rurais: MMTR/NE; AIMTR/SUL; Conselho Nacional de Seringueiras; Movimento

de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu, no Maranhão e Região Norte; Movimento Articulado

de Mulheres da Amazônia – MAMA; Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais –

ANMTR; Mulheres do Nordeste Paraense; Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT - Setorial

Rural; Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG; Coletivo de Gênero

da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Agricultura Familiar - FETRAF17

;

17

Em 2002, após o processo eleitoral para a direção da FETARN, formou-se um bloco político de oposição a essa

entidade, constituído por cerca de 45 sindicatos, mais de uma dezena de organizações não governamentais – ONGs,

cooperativas de serviços, organizações pastorais, dezenas de associações de agricultores/as familiares, grupos de jovens e grupos de mulheres. Esse conjunto de forças políticas constituiu a Frente Potiguar de Agricultura Familiar –

FREPAF com o objetivo de ser um instrumento de articulação dos atores sociais no campo, comprometidos com o

fortalecimento de um modelo de desenvolvimento sustentável com base na agricultura familiar, contribuindo para

análise, proposição, monitoramento e execução de políticas públicas para o campo do Rio Grande do Norte. Para

tanto elegeu como eixos: a agroecologia, reforma agrária, mulheres e juventude e a democratização das políticas

públicas. Assim, durante o ano de 2003, a FREPAF realizou um encontro de mulheres da FREPAF, com o propósito

de discutir o tema “Gênero e Agricultura Familiar”, sendo também um espaço de articulação e mobilização política

para fortalecer a organização das mulheres nos sindicatos e na formulação de políticas públicas específicas para

mulheres da agricultura familiar. As trabalhadoras rurais do MMTR/RN, se dividem e apenas parte delas integram a

oposição sindical e participam da construção da FREPAF e posteriormente da FETRAF. Em maio de 2004, a

FREPAF realizou o I CONGRESSO DA AGRICULTURA FAMILIAR POTIGUAR, onde contou com a

participação de mais de 800 trabalhadores/as rurais. Durante esse Congresso foi fundada a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte – FETRAF e eleita a sua primeira

diretoria. A inserção das mulheres ocorre desde a Diretoria Executiva nos seguintes cargos: Coordenação de Gestão e

Finanças; Coordenação Política de Organização; Coordenação do Coletivo de Juventude e Coordenação do Coletivo

de Gênero. Um dos objetivos da FETRAF é lutar pela liberdade de expressão, democracia, por mais espaços de

participação e contra qualquer forma de exclusão ou discriminação, seja de raça, gênero, orientação sexual, credo ou

opção político-ideológica. Chama a atenção à formação do Coletivo de Gênero da Federação dos Trabalhadores e

Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte – FETRAF.

49

Setor de Gênero do MST; entre outros que sugiram de forma mais localizada, resultado de lutas

mais específicas em várias partes do Brasil e em diferentes momentos conjunturais.

Num esforço de aglutinar essas forças políticas e organizativas das mulheres do meio

rural, foi criada em 1995 a Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR),

com o objetivo de articular os movimentos autônomos de mulheres e os coletivos de gênero de

todos os movimentos sociais do campo. Surgiu da necessidade de as próprias mulheres

constituírem um amplo espaço de ação, em função da problemática e da realidade em que estão

inseridas. A ANMTR tem o papel de contribuir para as mudanças das relações de gênero e classe

no campo e fortalecer as lutas sociais por direitos na saúde, previdência, agricultura, educação,

etc. Fazem parte da ANMTR: Movimento de Atingidos por Barragens (MAB); MMTR/NE;

MMTR/SUL; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST; Comissão Pastoral da

Terra (CPT); Pastoral da Juventude Rural (PJR); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

Diante desse breve resgate histórico das lutas e das organizações das mulheres

trabalhadoras rurais, influenciado pelo avanço do feminismo no Brasil e pelas mudanças

conjunturais, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, pode-se afirmar que não obstante as

dificuldades da realidade do campo, as mulheres passam a questionar a ordem vigente e a divisão

entre o espaço público dominado por homens e o âmbito privado a que se tenta relegar as

mulheres, expressando a divisão sexual do trabalho e as representações sociais do que é feminino

e masculino. As mulheres formaram grupos de base e movimentos, gerando uma consciência

crítica e uma identidade com vista a fortalecer a luta pelos direitos sociais, políticos, civis e

econômicos.

A produção e apreensão de conhecimentos adquiridos nas lutas e nos processos

formativos e organizativos, contribuíram para identificar os principais problemas enfrentados

pelas mulheres, bem como tornar visíveis suas demandas. A sua presença em espaços sociais e

50

públicos diversos tornou possível que suas necessidades e reflexões passassem paulatinamente a

formar parte da pauta política dos governos estaduais e federal, garantindo assim a conquista de

seus direitos. Dessa maneira, as reivindicações das trabalhadoras rurais passaram a fazer parte

dos temas políticos brasileiros, conseguindo que os governantes e legisladores/as reconhecessem

a necessidade de elaborar políticas públicas, programas e planos de ação que favorecessem a

igualdade de oportunidades entre homens e mulheres do campo.

Em todas essas lutas e mobilizações, as mulheres trabalhadoras rurais do Rio Grande do

Norte estiveram presentes. Essa participação não é nova e coincide com a retomada das lutas

populares em âmbito nacional na década de 1980, havendo inúmeros registros e depoimentos da

trajetória organizativa e política das mulheres nas lutas no campo potiguar. Da organização em

grupos de base à estruturação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR),

incluindo sua inserção nos movimentos de luta pelo acesso à terra, desembocando na luta pela

reforma agrária. Nesse contexto, cabe destacar as particularidades desse movimento no Rio

Grande do Norte.

1.1.1 – A Organização das Trabalhadoras Rurais no Rio Grande do Norte:

No Rio Grande do Norte, a participação da mulher trabalhadora rural tem sido expressiva

desde a década de 1980, coincidindo com a emergência dos conflitos de terra e com a retomada

da organização dos trabalhadores rurais, das oposições nos sindicatos rurais e outros,

especialmente com o envolvimento dos órgãos da Igreja Católica (Serviço de Assistência Rural -

SAR, Movimento de Educação de Base - MEB, Animação dos Cristãos no Meio Rural - ACR e

Comissão Pastoral da Terra - CPT) na questão agrária, assessorando os movimentos sociais rurais

51

na luta pela terra no estado. A presença da mulher trabalhadora rural nas lutas foi decisiva nas

conquistas do campo.

Participar da organização das lutas por terra possibilitou às mulheres trabalhadoras rurais

vivenciarem as desigualdades sociais e de gênero no sindicato, acampamento, comunidade e

partido político, espaços públicos onde afloravam as contradições das relações sociais. Assim,

por exemplo, não era exigida dos trabalhadores rurais a capacidade de assumirem as direções das

organizações. No caso das mulheres, para comporem uma diretoria e/ou comissões havia toda

uma discussão sobre sua competência. Essas questões vinham à tona no desenrolar das lutas

sociais do campo potiguar, o que permitiu aos mediadores, especialmente a equipe técnica do

SAR, questionar e refletir sobre a realidade do campo, as condições de vida das mulheres e o seu

papel nas lutas sociais, desencadeando um trabalho específico com as mulheres, no sentido de

contribuir com sua autonomia política.

O trabalho com as mulheres surgiu através de toda uma observação que nós

assessores do SAR tínhamos durante os encontros de estudo nas comunidades.

Víamos que as mulheres ficavam a parte das discussões e isso nos chamou a atenção. No momento em que ela acompanhava o esposo, mas ela era só uma

assistente, ela não tinha uma integração nas discussões. Então o Programa de

Educação política com a realização dos dias de estudo levantava as temáticas em relação à família, a mulher e a toda subordinação em que ela vivia.

(Marilene Gomes, ex-educadora do SAR, entrevista realizada no dia 15 de

agosto de 2005).

Aos poucos as mulheres foram descobrindo que não bastaria lutar apenas por terra e

trabalho, era necessário articular as lutas com suas demandas específicas, a partir das condições

concretas de opressão e subalternidade, incluída a luta pelo seu reconhecimento nas direções

sindicais.

Ao resgatar a história da organização das trabalhadoras rurais no Rio Grande do Norte,

não se pode deixar de registrar o trabalho do Serviço de Assistência Rural (SAR), órgão da

Arquidiocese de Natal, cujas educadoras idealizaram e incentivaram aquela organização.

52

No início dos anos 1970, o SAR desenvolveu o Programa de Educação Política18

com

temas direcionados para a cidadania da população rural. Este programa deu ênfase aos temas

ligados a realidade sócio-político-econômica e à questão agrária no Nordeste e no Brasil,

proporcionando a reflexão e o debate no seio das organizações do campo potiguar.

Um dos instrumentos pedagógicos dessa ação era o programa radiofônico Encontro com

as Comunidades Rurais, veiculado na Rádio Rural, sob a direção e coordenação dos/as

educadores/as do SAR. Impulsionadas pelas idéias e concepção do debate feminista e

sensibilizadas pelas difíceis condições de vida das trabalhadoras rurais, as educadoras do SAR

inserem no conteúdo dos programas de rádio as problemáticas vivenciadas pelas mulheres.

Assim, foi possível despertar em um número significativo de mulheres o interesse pelos seus

direitos e a reflexão sobre sua realidade, o que se comprovou pela audiência e pela expressiva

quantidade de cartas enviadas pelas trabalhadoras rurais.

No primeiro semestre de 1983, realizou-se em Touros/RN o primeiro Encontro de

Mulheres Trabalhadoras Rurais na região do Mato Grande, tratando da organização e formação

de grupo de mulheres. Desse encontro participaram mulheres dos municípios de Touros, Pureza,

Taípu e Poço Branco, área de grande incidência de conflitos de terra, acompanhadas pela ACR e

assessorada pelo SAR.

Em meados dos anos 1980, no primeiro Congresso do MST em Curitiba (PR), a

educadora do SAR Marilene Gomes conheceu Maria da Penha, líder sindical paraibana, e esta

18 O Programa de Educação Política era executado pela equipe de educadores/as do SAR, MEB e SAUR. Com o

desenvolvimento desse programa na Arquidiocese de Natal, D. Costa influencia outros Bispos do Regional Nordeste

II (RN, PB, PE e AL) e o programa passa a ser assumido por todas as Dioceses desse regional. “O Programa de Educação Política visa educar o homem, promover o homem, formar uma consciência crítica e adulta do homem e

prepará-lo para sua participação na vida comunitária, na vida política, no processo político partidário e nas eleições

de modo livre, consciente e responsável. Tratava-se então, de uma ação da Igreja orientada pela evangelização

libertadora. Assim foram elaboradas cartilhas educativas para serem utilizadas pelos diversos grupos nas suas

reuniões e atividades. Entre elas estava: “É Tempo de Política”; “Os Direitos do Homem”; “A Família”; “O Bem

Comum”; “Votar Consciente é Participar”; “Sua Comunidade é Você”; “Terra – Escravidão ou Libertação?”;

“Educação Política – Um Caminho para a Libertação”. O SAR foi uma das entidades da Igreja que coordenou esse

programa no Nordeste. (CNBB, 1982).

53

propõe uma articulação do Rio Grande do Norte com a Paraíba no desenvolvimento de um

trabalho de grupalização e organização das trabalhadoras rurais. De volta ao Estado, planejou-se

o início dessa ação dentro das atividades já existentes do SAR. Como estratégia de organização

das mulheres trabalhadoras rurais, o SAR realizou um Encontro sobre Plantas Medicinais na

cidade de Poço Branco/RN, na qual se iniciou a discussão sobre as condições de vida das

mulheres e sua inserção nas lutas sociais.

Esse processo organizativo ocorreu em uma conjuntura de efervescência política no

Brasil, quando as lutas se expandiam à medida que o processo de modernização conservadora

expunha seus resultados para as classes subalternas do campo e da cidade, com o favorecimento

aos latifundiários e aos grupos econômicos, às políticas seletivas e excludentes, aliadas às

questões políticas, etc. A crise econômica e política impulsionou o avanço dos movimentos

sociais urbanos e rurais, contribuindo enormemente com a redemocratização do país.

No avanço das lutas no campo, tem-se a presença das mulheres nos conflitos de terra, nos

movimentos dos atingidos por barragens, nas greves de assalariados/as rurais, nas oposições

sindicais, entre outras. Nesse cenário, o SAR19

deu prioridade ao trabalho de assessoria e

acompanhamento da questão agrária e da organização das mulheres trabalhadoras rurais,

conforme expressa o depoimento abaixo:

Saíamos de duas décadas de ditadura, os movimentos sociais aos poucos

ressurgiam. As comunidades eclesiais de base e as pastorais se fortaleciam, o

movimento sindical era marcado pelas greves. A estrutura sindical era repensada. A unicidade ou pluralidade sindical era pauta dos encontros. A

oposição sindical desabrochava. O Campo no nordeste brasileiro com seus

sindicatos até então atrelados ao governo, organizavam as campanhas salariais.

19 “Em 1978, o SAR sofreu uma redefinição de sua ação educativa, passando a priorizar a assessoria e apoio aos

movimentos sociais na questão agrária. Nessa época parte da equipe técnica sai da instituição havendo uma

renovação do seu quadro de educadores e educadoras. As mudanças ocorreram também pelas reflexões acerca da

questão da concentração da terra trazidas pelos trabalhadores da Animação dos Cristão no Meio Rural – ACR”, com

forte atuação na Igreja Católica”. (Antônia Maria, ex-educadora do SAR e atual Coordenadora do CEAHS,

entrevista realizada no dia 05/07/2005)

54

Esse é um dado importante, porque até então os sindicados eram marcados por

uma prática assistencialista, disponibilizando para seus associados assistência

médica, odontologia e aposentadoria pelo FUNRURAL. A greve era o momento de reorganizar uma categoria dispersa, pouco politizada e

desorganizada. Os Sindicatos rurais atendiam uma base masculina, as mulheres

e jovens eram dependentes dos maridos sindicalizados, sendo estendido a estes,

os serviços de saúde e pensão no caso de morte do chefe de família. Os trabalhadores sem terra, canavieiros, meeiros, posseiros, comodatários, ou

pequenos proprietários viam o sindicato como órgão assistencial. Os conflitos

sociais eram reprimidos por milícia dos grandes proprietários, com o apoio do aparato policial estatal. É nesse cenário que o SAR direciona sua ação ao apoio

e assessoria aos trabalhadores rurais que vivem situação de conflito declarado

ou em situação de risco social. Essa prioridade também é resultado da

organização dos trabalhadores na Ação dos Cristãos no Meio Rural – ACR, que participando da vida da Arquidiocese, colocavam para a igreja a situação dos

conflitos no campo e exigiam um posicionamento da Igreja. José dos Santos e

Raimundo Bento foram peça chave nessa redefinição de prioridades na ação do SAR. (Antônia Maria, ex-educadora do SAR e atual Coordenadora do CEAHS,

entrevista realizada no dia 05/07/2005).

O Sindicalismo rural potiguar, ainda muito atrelado ao Estado tinha dificuldade de

incorporar as questões relativas às lutas das mulheres, centrando sua ação no assistencialismo dos

serviços oferecidos pelo FUNRURAL. Um grupo de sindicalistas, especialmente aqueles que

participavam da ACR, aderem ao movimento do Novo Sindicalismo que se articulava em âmbito

nacional. O SAR se compromete com esse novo sindicalismo combativo e de base, assumindo o

compromisso de assessorar a oposição sindical. Isso se refletiu na articulação política das duas

entidades, ocorrendo uma reaproximação com as lutas dos canavieiros, a partir de 1983. Nessa

trajetória o SAR passou a incentivar a participação das mulheres nos sindicatos.

Ficou evidente, no início da década de 1980, que havia a presença das mulheres nas lutas

no campo e no sindicato, porém a participação masculina predominava, principalmente nas

direções. Gradativamente as mulheres foram conquistando os espaços públicos e se destacaram à

frente dos conflitos de terra e como dirigentes sindicais. Pode-se ressaltar a sua participação nos

movimentos, a exemplo da eleição de Maria Consuelo de Carvalho para Presidente do Sindicato

de Trabalhadores Rurais de Goianinha (RN); de Francisca Oliveira nas lutas dos canavieiros, em

55

Montanhas e de Maria das Dores Baracho no conflito de terra da comunidade de Cajueiro no

município de Touros, entre outras.

À medida que emergiam e avançavam as lutas sociais, havia uma necessidade de

organização e resistência em face das ameaças de expulsão da terra, impulsionando a organização

das diversas categorias de trabalhadores rurais. É no seio dessas lutas que as mulheres foram

descobrindo a força da organização para conquista de seus direitos. As mulheres tiveram papel

fundamental nos mais diversos conflitos agrários acompanhados pelo Serviço de Assistência

Rural (SAR), na região do Mato Grande, nas décadas de 1980 e 1990, “pois muitos homens,

temendo a repressão, quiseram desistir da luta e as mulheres não permitiram”. (SERVIÇO DE

ASSISTÊNCIA RURAL, 1997, p.108).

A participação política das trabalhadoras rurais foi ganhando força à proporção que

descobriam o mundo e a sua realidade, sendo revelado um quadro de exclusão da mulher do

acesso ao título da terra e ao crédito agrícola; desigualdades entre homens e mulheres; ausência

de políticas públicas específicas para atender suas necessidades. O trabalho de educação política

desenvolvido pelo SAR20

contribuiu para que as mulheres passassem a perceber, portanto, que

20 Cada vez que o SAR chegava à comunidade eram passadas as informações dos acontecimentos na comunidade,

das articulações, da organização, etc. Nos relatos aparecia a presença das mulheres e crianças nas estratégias de

resistências ao enfrentamento dos conflitos. Por exemplo: só trabalhar em grupo, todos/as estarem no roçado,

enquanto os homens trabalham as mulheres e crianças fazem a guarda. Caso algum estranho apontasse longe, as

crianças correm ao local do trabalho para avisar aos homens. As mulheres eram muito ativas. Mas na hora da

representação política, ou mesmo da opinião, das decisões, as mulheres não podiam, porque cabia ao homem decidir

e representar. Esses fatos foram inquietando a equipe técnica do SAR. Perguntávamos às mulheres porque não

participavam das reuniões, das comissões, das viagens a Natal, todas afirmavam que os maridos não deixavam e que

tinham os filhos para cuidar. Lembro que em uma das idas do SAR a localidade, eles contaram que os jagunços

haviam invadido os roçados. Quando estes foram vistos já estavam próximos ao roçado. Eles chegaram, desceram

dos carros e foram pisando as plantações. Os homens amedrontados quiseram correr para o mato, as mulheres com suas crianças foram em cima dos jagunços e policiais, com as enxadas, foices na mão, gritando e cercando eles. Fato

é que os jagunços foram cercados e escorraçados pelo grupo. As mulheres contavam que à medida que eles iam

sendo cercados pisavam na plantação, ai as mulheres diziam você está pisando no feijão, não pise na plantação, e

eles pulavam querendo se esquivar por medo das mulheres. Elas botaram a milícia para correr. Por diversas vezes os

homens tinham medo e queriam desistir da luta, as mulheres pressionavam os companheiros e diziam que não

abandonavam a terra que havia sido criada lá e que era lá que iam criar seus filhos. Os homens se enchiam de

coragem novamente e prosseguiam a luta. (Antônia Maria, ex-educadora do SAR e atual Coordenadora do CEAHS,

entrevista realizada no dia 05/07/2005).

56

era necessário manter a organização dos grupos de base, mas ir além dele, garantindo sua

vinculação aos movimentos de luta pela terra e ao sindicato. A inserção apenas dos maridos no

sindicato não assegurava a defesa de suas bandeiras de luta e demandas, fazia-se necessário

construir sua identidade de trabalhadora rural, a partir de sua efetiva participação.

No contexto da participação política, as trabalhadoras rurais foram descobrindo que era

preciso travar duas lutas: continuar lutando pela terra e por melhores condições de vida e trabalho

na agricultura, juntamente com seus companheiros, e ao mesmo tempo lutar pela sua valorização

e reconhecimento de cidadã e pelos seus direitos específicos, através da formulação de políticas

públicas afirmativas.

Nesse sentido, as mulheres trabalhadoras rurais estiveram participando das lutas, apesar

dos limites oriundos da divisão sexual do trabalho, naturalizada por uma cultura patriarcal ainda

muito presente, especialmente no interior do Nordeste. O Plano Trienal do SAR, de 1995/1997,

oferecia uma referência que sinaliza a crescente inserção das mulheres trabalhadoras rurais na

luta pela terra.21

Um dos instrumentos importantes na organização das mulheres, enquanto gênero merece

destaque. Trata-se do grupo de base que se tornou o lugar privilegiado da reflexão dos problemas,

das alegrias, das amizades, da partilha de dificuldades e conquistas; acrescido do processo de

construção de novos conhecimentos. Enquanto o sindicato era o lugar da conquista de espaço

21

Podemos citar a força das mulheres nos conflitos de terra de Cajueiro e Lagoa do Sal, no município de Touros;

Baixa da Preguiça em Pureza; Rio do Fogo no município de Maxaranguape, além de outros [...] Em São Bento do

Norte, a trabalhadora rural Erenita, se destaca pela participação partidária. Carmelita, pela participação na direção do

sindicato. Essas mulheres ainda se destacam na comunidade de base e no acompanhamento aos grupos de mulheres da comunidade das Rocas e do Assentamento Baixa da Quixaba [...] No município de Touros, Maria das Dores

Baracho desenvolve um trabalho importante na sua comunidade e nas comunidades vizinhas, articulando o

movimento de mulheres na região. Tem uma participação importante nos conflitos de terra, participa do Fórum do

Campo, do Movimento Sindical e ainda, como alfabetizadora da Frente de Alfabetização Popular e em outras lutas

da região [...] A trabalhadora rural Dalvaci, da comunidade de Rio do Fogo, município de Maxaranguape, também

desempenha um papel muito importante, tanto na luta pela terra, como na luta pelos direitos da mulher.

57

público, do exercício da participação política, da cidadania. Ao SAR cabia desenvolver um

processo formativo que fortalecesse esses grupos, a organização e a formação da consciência

crítica das mulheres, como revela o trecho do relatório anual de atividades (SERVIÇO DE

ASSISTÊNCIA RURAL, 1988, p. 02), abaixo:

A formação e a capacitação das mulheres vêm se dando sistematicamente, com

estudo de sua história e realidade da conjuntura, suscitando uma discussão mais

profunda para que, com maior clareza, identifiquem as causas dessa situação e busquem as possíveis saídas.

Essa trajetória da participação das mulheres trabalhadoras rurais na região do Mato

Grande, foco geográfico dessa pesquisa, em que pesem suas particularidades não é isolada, mas

articula-se também a disseminação das experiências organizativas das mulheres em outros

estados do Nordeste. Um processo que teve início em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do

Norte principalmente naquelas localidades onde o capital, na figura do grileiro, latifundiário e

grupos econômicos acentuava o processo de expropriação e violência sobre as diversas categorias

de trabalhadores ligados a agricultura: posseiros, pequenos proprietários, meeiros, arrendatários e

assalariados. A organização das mulheres articulada no Nordeste ocorreu em meados dos anos

1980, a partir do encontro de Baurueri (SP), quando nasceu a idéia de articular os grupos de

trabalhadoras rurais do Nordeste. Na ocasião se forma uma equipe com uma coordenadora para

dar início ao processo de mobilização e articulação dos grupos no Nordeste, culminando na

realização do 1º Encontro da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, em João Pessoa. Estava

dado o embrião do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste – MMTR/NE.

Avança a organização das mulheres que segundo dados do Relatório de Atividades do

SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL (1988), 585 trabalhadoras rurais participaram de

encontros de mulheres e 266 tinham vinculação a grupos de base, compreendendo um total de 13

grupos abrangendo 10 municípios do Rio Grande do Norte.

58

A partir da organização dos grupos de base e da participação das mulheres nas atividades

desenvolvidas pelo SAR, durante a década de 1980 e início dos anos 1990, constituiu-se uma

Comissão Estadual de Articulação do MMTR/RN, com representação de uma mulher por

município. Quando havia no município mais de um grupo de mulheres, formava-se uma Sub-

comissão Municipal, composta por uma integrante de cada grupo de mulheres. Essas comissões

reuniam-se uma vez por mês com as educadoras do SAR para preparar e organizar as atividades

formativas e de mobilização política do MMTR/RN. Com o crescimento da organização política

do movimento, a comissão estadual, transformou-se em Coordenação Estadual do MMTR/RN,

consolidando o trabalho no estado. De acordo com o folder do MMTR/RN, este tinha como

objetivo:

Ser um espaço de articulação, formação, informação e de organização das

mulheres trabalhadoras rurais de forma a propiciar: o resgate da identidade

social e política; o reconhecimento de suas capacidades e direitos; a valorização de sua cultura, seus sonhos e esperanças; a construção e reforço dos laços de

amizade e de solidariedade, ajudando-as a despertar para uma participação mais

consciente na sociedade, no pleno exercício de cidadania.

A ação do SAR propiciou a concretização dos objetivos do MMTR/RN, com apoio

financeiro e formativo. No ano de 1994, o MMTR/RN já contava com 41 grupos de mulheres,

distribuídos em 28 municípios. Essa ampliação se deu em função da entrada de 16 grupos da

região oeste acompanhados e assessorados pelo Movimento de Educação de Base (MEB) e pelo

Centro da Mulher 8 de Março (hoje Centro Feminista 8 de Março – CF8), com sede na cidade de

Mossoró. O SAR já mantinha uma parceria com o MEB, através do Programa de Rádio e de

outras ações inerentes a essas instituições, sobretudo atividades nas comunidades rurais. Dessa

parceria, construiu-se a inserção dos grupos de mulheres do Oeste no MMTR/RN. O CF8, que

desenvolvia as atividades com mulheres rurais em parceria com o MEB, também passou a se

59

articular com o SAR e, em alguns momentos, essas três entidades mantiveram uma articulação e

parceria no trabalho com mulheres.

O MMTR/RN organizado, passou a realizar anualmente encontros por região do Estado e

um encontro estadual, com o propósito de garantir o espaço de formação, troca de experiências,

fortalecimento dos laços de amizade e solidariedade; encaminhamentos das lutas e planejamento

da vida do movimento, articulando-o as lutas das mulheres urbanas e da classe trabalhadora.

Todo esse processo contava com a assessoria do SAR. No planejamento anual eram definidas as

ações de acompanhamento aos grupos de base de mulheres, os cursos de formação e as reuniões

de acompanhamento da coordenação estadual do MMTR/RN, bem como a participação de uma

educadora do SAR na equipe de assessoria do MMTR/NE.

Dentre as atividades específicas são representativas as campanhas realizadas pelo

MMTR/NE em todos os estados. Merece destaque o reconhecimento da profissão de trabalhadora

rural, colocando para a sociedade a importância do trabalho da mulher na agricultura e

assegurando a declaração de sua profissão nos documentos, até então expressa como do lar ou

doméstica. Outra campanha importante referiu-se à filiação da mulher trabalhadora rural ao

Sindicato, dando visibilidade a sua participação política nas direções e comissões sindicais. A

campanha pelo salário maternidade foi bastante expressiva, pois se tratava do acesso a uma

política pública até então direito apenas das mulheres urbanas. E outra que ganhou repercussão

nacional, sendo realizada anualmente, referia-se à campanha NENHUMA TRABALHADORA

RURAL SEM DOCUMENTO, a qual possibilitava o acesso à documentação pelas mulheres

trabalhadoras rurais22

.

22 A mobilização nacional pela documentação das mulheres trabalhadoras rurais teve início em 1997. A campanha

foi montada a partir do reconhecimento do grande número de mulheres sem documentação nas áreas rurais e pela

privação das condições elementares para o exercício da cidadania que isso representa para elas. Constituiu-se, então,

no interior da Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais – ANMTR, a mobilização nacional pela

campanha, formando-se coordenações por região, sendo no Nordeste coordenada pelo MMTR/NE. Os objetivos

60

Essas campanhas nasceram nos encontros regionais e nacionais a partir da análise dos

problemas vivenciados pelas mulheres trabalhadoras rurais. A partir desses espaços, as mulheres

juntamente com a assessoria elaboraram as estratégias de intervenção e enfrentamento da

realidade, no sentido de mobilizar a sociedade, em especial as trabalhadoras para juntarem-se as

lutas pelos seus direitos. Nessas campanhas eram desenvolvidas oficinas educativas junto aos

grupos de mulheres e encontros por região do Estado. Nesses eventos, as próprias mulheres eram

preparadas para desenvolver a campanha em suas comunidades e nas localidades vizinhas. Além

de atividades de massa, a exemplo do ato público realizado em frente ao INSS, de Natal, com a

participação de mais de mil trabalhadoras rurais, por ocasião da luta pelo salário maternidade.

O MMTR/RN é formado por todos os grupos de mulheres de comunidades e

assentamentos rurais, assalariadas, sem terras, meeiras, posseiras, arrendatárias. No processo de

constituição e organização o MMTR/RN extrapolava os limites locais. Nesse sentido, participava

da Coordenação do MMTR/NE com duas representantes, enquanto o SAR integrava a equipe de

assessoria do movimento juntamente com outras educadoras de entidades que acompanhavam o

movimento em cada estado e na região. Essa assessoria era eleita pela coordenação do Nordeste

com o aval do movimento local, havendo rodízio periodicamente.

Na década de 1990, o MMTR/RN se consolidou como representação política das

trabalhadoras rurais e se articulou em âmbito estadual, regional e nacional, com outros

movimentos sociais rurais e urbanos, com os movimentos feminista e sindical rural. Merece

destaque a inserção do MMTR/RN no sindicalismo rural com uma significativa participação,

dada a formação que as mulheres recebiam, incentivadas a se filiarem aos sindicatos de seus

eram: documentar as trabalhadoras rurais; conscientizar as mulheres trabalhadoras rurais da importância da

documentação como exercício da cidadania; sensibilizar a sociedade para o reconhecimento da profissão de

trabalhadora rural; cobrar dos órgãos governamentais a efetiva ação da documentação; abrir espaços de discussão

sobre a cidadania e direitos das mulheres; fortalecer a organização das mulheres em toda região Nordeste. (FOLDER

DA CAMPANHA, 2004). Mesmo com a campanha ainda persiste o problema do não acesso das mulheres

trabalhadoras rurais à documentação, dificuldade detectada em pesquisa do PRONERA realizada em 2004.

61

municípios. O MMTR/RN participou ativamente da formação e consolidação da Comissão

Estadual da Mulher Trabalhadora Rural da FETARN, que teve a trabalhadora rural e sindicalista

Francisca Oliveira, do município de Montanhas, eleita sua primeira coordenadora. A formação

dessas comissões na CONTAG e nas Federações estaduais foi resultado do protagonismo político

das trabalhadoras rurais, sendo incorporado nas resoluções do 5º Congresso Nacional dos

Trabalhadores Rurais, promovido pela CONTAG, em 1991 quando instituiu a Comissão

Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais orientou as federações para também criarem as

comissões estaduais.

Contudo, a inserção das mulheres não se limitava ao Movimento Sindical. O MMTR/RN

era integrante do Fórum de Mulheres do Rio Grande do Norte23

, surgido em 1994, no momento

de preparação das mulheres para a participação na IV Conferência Mundial da ONU sobre as

Mulheres, ocorrida em 1995, na cidade de Beijing, na China. Coube ao fórum defender os

direitos da mulher, lutar pelo acesso às políticas públicas, pela igualdade social e política das

mulheres, implicando entre outras ações: combater a violência contra a mulher; lutar pela

descriminalização e legalização do aborto; defender o acesso em iguais condições com os

homens no mercado de trabalho; e lutar pela efetivação dos direitos civis, políticos,

23 O Fórum de Mulheres do RN é uma entidade civil, sem fins lucrativos, de caráter político, supra-partidário,

feminista, anti-racista e não-homofóbica. Foi criada em 1994 para organizar a participação das norteriograndenses na

IV Conferência Mundial da Mulher, na China. Nos anos seguintes, exerceu importante papel como articulador das

atividades voltadas para a mulher nas entidades que o compõe, conquistando respeito e reconhecimento local e

nacional. Seus objetivos são: articular a luta das mulheres nos planos local, nacional e internacional; defender os

direitos da mulher; buscar a eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher; combater a violência contra a mulher; desenvolver estratégias de inserção da mulher em todas as esferas da vida social e política; acompanhar e

pressionar os governos pelo cumprimento de todos os compromissos e acordos que buscam a igualdade de gênero;

monitorar a implementação da Plataforma de Beijing e outras políticas públicas relacionadas à mulher; participar das

lutas desenvolvidas por outras entidades locais, nacionais e internacionais em prol da cidadania e de uma sociedade

igualitária, com equidade de gênero. Compõem o fórum entidades do campo democrático e popular, feministas ou

mistas que defendem os direitos das mulheres e lutam por sua igualdade social e política, e contra a violência que

sobre elas é exercida, respeitando a pluralidade de idéias e a livre expressão. (FOLDER DO FÓRUM DE

MULHERES DO RIO GRANDE DO NORTE, 2003).

62

previdenciários, econômicos e sociais, muitos dos quais já garantidos por leis locais, estaduais e

nacionais.

Todo esse processo de construção e consolidação do MMTR/RN no campo potiguar,

contou com a assessoria da equipe de educadores/as do SAR, realizando a mediação política e a

formação de suas lideranças. Nessa trajetória, “os trabalhadores rurais e os mediadores estão em

relação em virtude das necessidades sociais que os atingem, e a capacitação, enquanto processo

educativo, é uma das formas através da qual esta relação é estabelecida, sendo a organização para

a luta política um dos momentos desta relação”. (SILVA, 2004, p.11)

Ou no sentido Gramsciano sobre os intelectuais orgânicos (Apud Silva, 2004, p.11)

quando afirma:

Em sua concepção, intelectuais são sujeitos que subsidiam os grupos dando-

lhes, “homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo

econômico, mas também no social e no político [...] e constituem-se ainda enquanto um “construtor, organizador, persuador permanente, já que não

apenas orador puro.

Certamente trata-se de uma questão complexa que demanda uma reflexão para além dos

limites desse trabalho. Contudo, ressalte-se que a relação construída entre mediadores,

movimentos sociais e grupos pode caminhar para a constituição de uma forma de dominação

diferenciada na qual se estabelece uma dependência dos trabalhadores rurais em relação aos

mediadores. É nesse momento que a relação de poder vem à tona, tendo em vista a função dos

mediadores, enquanto intelectuais, dada a apropriação do conhecimento, da técnica e dos

mecanismos administrativos e políticos que, além do apoio na organização política dos

trabalhadores, podem contribuir para que os mesmos reivindiquem o acesso às políticas e

recursos públicos. (SILVA, 2004, p.12)

63

Como mediadores/as a serviço da construção do MMTR/RN, a equipe de educadores/as

do SAR exerceu papel fundamental, contribuindo para consolidação do movimento e para

inserção das mulheres trabalhadoras rurais nos espaços públicos do meio rural.

Outra questão que merece destaque é a formação da secretaria do MMTR/RN que

funcionava na sede do SAR, espaço que propiciava toda a articulação política e a mobilização

dos grupos para as atividades locais, estaduais, regionais e nacionais. E ainda se mantinha o

arquivo de correspondências, textos, projetos, documentos, fotos e vídeos. Em meados dos anos

1990, uma representante da Coordenação Estadual do MMTR/RN vinha semanalmente para a

sede do SAR, realizar as tarefas de secretaria e de articulação política, decididas nas reuniões

mensais da coordenação do MMTR/RN.

Na década de 1990, o MMTR/RN consolidou-se no campo potiguar, com a presença de

suas lideranças no Movimento Sindical, no Movimento de Mulheres e Feminista. Sua ação

política extrapolava os limites da luta pela terra, inserindo-se nas mais variadas lutas do campo:

das assalariadas da cana-de-açúcar e da fruticultura; das posseiras; das sindicalistas; das

arrendatárias; das pescadeiras, entre outras. No processo, as mulheres trabalhadoras rurais ainda

desenvolveram um trabalho político-organizativo-social nas comunidades onde viviam,

inserindo-se nos mais diversos grupos: de mulheres, das pastorais da Igreja Católica, da

associação comunitária, do sindicato, da Colônia de Pescadores, do partido político e das escolas.

No final da década de 1990, ocorre uma reestruturação da ação da Arquidiocese de Natal24

e conseqüentemente do trabalho do SAR, toda a equipe de educadores/as que assessorava os/as

24 Em 1993 foi nomeado o novo Arcebispo, e aos pouco iniciou-se um processo de reestruturação da ação da

Arquidiocese de Natal, passando a priorizar o trabalho pastoral e evangélico. Nessa perspectiva, o trabalho do SAR

também sofreu uma profunda mudança, sua equipe de educadores/as foi demitida ou transferidas para outros setores

da Arquidiocese e no Plano Trienal 1998/2001, a ação foi totalmente modificada, passando a atuar em outras áreas

geográficas, com outras temáticas, outro público, outros objetivos e prioridades. Os processos educativos

desenvolvidos até então (junto aos movimentos sociais rurais, aos trabalhadores rurais de áreas de conflitos de terra e

assentamentos, aos assalariados da cana-de-açúcar e da fruticultura irrigada) ficam todos inacabados.

64

trabalhadores/as rurais em suas lutas foi demitida, ficando muitas atividades e processos

educativos inacabados. Entretanto, o MMTR/RN sofre as conseqüências desse processo, mas

decidiu permanecer com sua secretaria funcionando na sede do SAR, conforme expresso no

depoimento de Antonia Maria, ex-educadora do SAR e ex-assessora do MMTR/NE naquele

período (1998).

Quando a Arquidiocese de Natal reestrutura a sua ação, entra num conflito com

as educadoras que ainda permaneciam na equipe técnica do SAR, que insistiam

em dar continuidade ao trabalho de assessoria aos movimentos sociais na questão agrária e ao MMTR/RN. Inicialmente o MMTR discutia a saída de sua

secretaria da Arquidiocese e vislumbrava um projeto próprio que lhe garantisse

a autonomia financeira e política-organizativa. Quando o projeto estava sendo

elaborado com a coordenação estadual do movimento, a assessoria do SAR, e com a assessora que acompanhava a coordenação do Nordeste a direção do

SAR demite essas educadoras. Com isso foi abortado o processo de autonomia

do MMTR/RN. Essas educadoras permanecem prestando assessoria ao movimento de forma voluntária durante um ano. Mas houve uma interferência

do Vicariato Social da Arquidiocese, que sugere vantagens financeiras e

materiais para que o movimento continue com sua secretaria funcionando no SAR. Houve uma reunião da coordenação do MMTR e da assessoria, momento

em que a secretária influencia a decisão do movimento em permanecer na

Arquidiocese e tendo a assessoria da nova equipe do SAR.

O SAR contratou uma nova equipe de educadores/as que deu continuidade ao trabalho

com mulheres trabalhadoras rurais e com o MMTR/RN, no entanto seguindo um outro

direcionamento. A dimensão política sofreu restrições, enquanto o trabalho pastoral assumiu

lugar central. Assim, todo o suporte administrativo, financeiro e político-educativo, construído

até então, passou por um processo de desestruturação.

Nesse contexto o SAR priorizou uma ação pastoral, dada as mudanças ocorridas no

interior da Igreja católica, com a hegemonia das forças religiosas anti Teologia da Libertação,

distanciando-se das lutas do campo. O MMTR/RN, em 2002, apresentava uma nova estrutura

organizativa, sendo a Coordenação Estadual transformada em uma diretoria executiva composta

por cinco mulheres titulares e mais cinco suplentes; três no Conselho Fiscal e mais três suplentes,

além de uma secretária executiva. Com o aprofundamento das mudanças, o SAR passa a dar

65

prioridade a outras áreas geográficas, outros grupos e outras temáticas, enquanto que a assessoria

ao MMTR/RN e o trabalho com mulheres fica com poucos investimentos, aguçando-se as

dificuldades. Nesse processo, o MMTR/RN retirou sua secretaria da sede do SAR e vive uma

aguda crise de existência, dada a ausência de recursos materiais, econômicos e de assessoria,

provocando sua desarticulação no Estado, tendo apenas como referência algumas lideranças nos

municípios de Pureza, Macaíba e Touros.

A crise financeira vivenciada pelo MMTR/RN inviabilizou quase que totalmente a

formação e capacitação das lideranças; o acompanhamento sistemático aos grupos de base; o

funcionamento da secretaria; a realização dos encontros de região e o encontro anual; a

participação das trabalhadoras rurais nos eventos, nos congressos regionais e nacionais; inclusive

na coordenação do MMTR/NE. Como alternativa para realizar os encontros, a direção do

MMTR/RN estabeleceu parceria com entidades que desejavam promover eventos e não tinha

público. Nessa perspectiva, em 2001, realizou um encontro anual na cidade de João Câmara/RN,

em parceria com o Grupo Colméias25

.

Essas mudanças afetaram diretamente a existência do MMTR/RN. Com os grupos de base

desmotivados e desarticulados, o movimento entra em retrocesso na organização política e torna-

se quase inexistente e inexpressivo no cenário político norteriograndense.

Nota-se que houve uma certa fragilidade política das lideranças do MMTR/RN, na

medida em que não aglutinaram forças políticas e formativas para sua autonomia, pois parecia ser

o SAR quem assegurava o desenvolvimento do trabalho e a expansão do movimento no Estado.

Havia aí uma questão pedagógica e política decorrente da ação dos mediadores, somando-se as

estratégias político-pastorais ligada a um linha conservadora da Igreja Católica e aos interesses

25 Organização não-governamental coordenada por um ex-educador do SAR, dedicada à promoção de atividades

ligadas à apicultura e integrante da Rede Abelha, que congrega grupos e organizações de apicultores.

66

particulares de algumas lideranças do movimento. No momento da derrocada da ação que o SAR

vinha realizando no meio rural, houve também o declínio da atuação política do MMTR/RN.

Há que se indagar sobre as causas do retrocesso político do movimento. Qual o papel dos

mediadores? Porque não asseguraram no seu trabalho de assessoria a emancipação e a autonomia

do movimento? Quais os interesses que a Igreja nessa nova linha, teria para manter o MMTR/RN

no seu interior? Porque a nova Equipe do SAR não deu continuidade ao trabalho? Quais os

interesses de algumas lideranças do MMTR/RN em se manterem na Igreja? Enfim, são muitas as

indagações e inquietações que embora, não sendo objeto de estudo nesse trabalho, colocam a

questão dos mediadores ou intelectuais no âmbito do processo organizativo das classes e grupos

subalternos.

Em relação ao papel dos/as mediadores/as do SAR na formação e consolidação do

MMTR/RN, pode-se afirmar que a ação de mediadores surgiu como uma das necessidades dos

trabalhadores rurais e de seus movimentos, no que se refere à discussão e à formulação de sua

agenda política e à capacitação de suas lideranças para a elaboração de estratégias político-

organizativas.

A inserção dos mediadores junto aos trabalhadores rurais não ocorre sem

problemas. Esta relação, na medida em que se desenvolve, vai constituindo

contradições, criando e recriando as relações de poder e alterando as já existentes. Isto porque, tendo em vista o processo pedagógico que os

mediadores se propõem a realizar junto aos trabalhadores rurais, novas relações

de poder são constituídas, considerando as diferenças entre suas visões de mundo e projetos políticos, o que modifica as relações sociais anteriormente

existentes. (SILVA, 2004, p. 04)

Certamente alguns desses elementos perpassaram a atuação da equipe de educadores/as do

SAR, no processo de organização do MMTR/RN. Entretanto, fazia parte da pedagogia da equipe

construir um processo de autonomia e emancipação. Ocorre que um conjunto de fatores internos

67

e externos ao movimento foi determinante para que as lideranças do movimento decidissem não

sair do interior da Igreja dispensando a assessoria das ex-educadoras do SAR.

Apesar desse momento de crise, é importante assinalar o trabalho desenvolvido pelo SAR

nas décadas de 1980 e 1990, que motivou a participação política das mulheres trabalhadoras

rurais nos municípios onde viviam e atuavam, estimulando a sua permanência nas lutas por

direitos, especialmente a luta por terra, e sua inserção no MMTR/RN e no Movimento Sindical.

Nesse processo, muitas mulheres se destacaram nas direções sindicais, como a atuação das

trabalhadoras rurais: Maria Avanael, à frente do STR de Canguaretama (RN); Francisca Oliveira

e Maria Rodrigues, no STR de Montanhas (RN); Antonia da Silva Dantas, a frente do sindicato

de Carnaubais (RN); posteriormente todas essas mulheres assumiriam cargos nas comissões e na

diretoria executiva da FETARN; entre outras tantas que hoje fazem história no Movimento

Sindical Rural do Rio Grande do Norte.26

Com a participação das mulheres no movimento sindical, foi possível construir

mecanismos de inclusão política, culminando com a criação da Comissão Estadual de Mulheres

da FETARN em meados dos anos de 1990, tendo a coordenadora status de dirigente e membro da

diretoria executiva. Ao contrário do MMTR/RN, a experiência da Comissão Estadual de

26 Paralelamente aos acontecimentos e lutas da década de 1990, a organização das mulheres trabalhadoras rurais

marca, também, a região Oeste do estado, num processo de engajamento nas lutas e movimentos sociais, articulado

com o Movimento Feminista Nacional, sob influência política, acompanhamento e assessoria do Centro da Mulher 8

de Março (hoje Centro Feminista 8 de Março). Um marco importante dessa organização foi a realização do 1º

Encontro de Trabalhadoras Rurais, ocorrido em 1994, na cidade de Mossoró. A partir desse encontro vários grupos

de mulheres foram formados em assentamentos e comunidades rurais, com destaque para as localidades:

Mulunguzinho, Cabelo de Negro, Lorena, Independência, Catingueira, Santa Cruz e Jucuri. A partir do trabalho nos

grupos de base, o Centro Feminista 8 de Março possibilitou o intercâmbio dessas mulheres com a Articulação das

Instâncias de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul – AIMTR/SUL. No processo, o Centro Feminista 8 de

Março estabeleceu parcerias com outras organizações e movimentos sociais rurais no desenvolvimento de ações com os grupos de trabalhadoras rurais. Os encontros passaram a ocorrer anualmente, mas sempre com a presença de

organizações da região Oeste. Hoje essa articulação entre os grupos está consolidada, e já formou a Coordenação das

Trabalhadoras Rurais da Região Oeste, que articula o trabalho, promove eventos, prepara atividades de formação,

entre outras ações, sempre com a assessoria e acompanhamento permanente do Centro Feminista 8 de Março. Para

maior aprofundamento da organização das mulheres trabalhadoras rurais da região Oeste Potiguar ver, entre outros:

SILVA, Telma Gurgel da. A Liberdade é Lilás: a Trajetória das Organizações Feministas em Mossoró-RN (1785-

1993). Natal: Dissertação de Mestrado/UFRN, 2000.

68

Mulheres Trabalhadoras Rurais da FETARN se consolidou, ganhou estrutura administrativa,

material e financeira, e foi-lhe designada uma assessora exclusiva, responsável pelo trabalho

político-educativo nos sindicatos, juntamente com a coordenadora.

O Cenário até aqui desenhado, não deixa dúvidas quanto a importância do processo

histórico de participação política das mulheres trabalhadoras rurais do Rio Grande do Norte,

através do MMTR/RN, no Movimento Sindical e em outros movimentos sociais. Sua inserção na

vida pública da sua comunidade, do seu município e na sociedade adquiriu visibilidade. A ação

do MMTR/RN e do Movimento Sindical se articularam e interagiram com as várias realidades do

campo potiguar.

Esse rastreamento histórico propiciou trazer a tona às lutas das mulheres trabalhadoras

rurais nos mais diferentes espaços, particularmente nas duas últimas décadas, possibilitando dar

visibilidade à condição feminina e às desigualdades das relações entre homens e mulheres. Nessa

perspectiva, é significativa a entrada das mulheres na cena política, lutando pela garantia de

direitos econômicos, sociais, civis, políticos e humanos, a partir da exposição de suas privações,

opressões e discriminações vivenciadas no cotidiano de suas relações privadas e públicas. Nesse

processo, descobrem que a organização é uma mediação para publicizar questões até então

restritas à dimensão privada, colocando as desigualdades de gênero no âmbito da questão social,

politizando-a e problematizando-a.

Assim, pode-se afirmar que nesse processo histórico as mulheres trabalhadoras rurais

implementaram ações afirmativas no sentido de garantir o acesso às políticas públicas

específicas, a partir de sua organização em grupos e movimentos de mulheres.

69

1.2 - As Mulheres e o Acesso à Terra

No processo de organização das mulheres trabalhadoras rurais, conforme visto, seja no

interior do movimento sindical ou no âmbito do movimento popular, a luta pelo acesso à terra

sempre esteve presente. Mais do que isso é no interior das lutas sociais na demanda por terra que

emergem outras formas de luta e organização, entre as quais a equidade de gênero. A luta pelo

acesso a terra que se transforma na bandeira pela efetivação da reforma agrária no Brasil é

permeada por um conjunto de relações sociais e tensões entre as classes antagônicas, no processo

de acumulação capitalista no campo. As transformações ocorridas no meio rural brasileiro,

intensificadas a partir da modernização da agricultura na década de 1970, não alteraram a

subalternidade das mulheres trabalhadoras rurais, expressando, também, a subalternidade de

classe, dadas às condições de pobreza e outros determinantes econômicos, sociais e políticos.

Apesar do protagonismo das diversas categorias de trabalhadores rurais na luta pela terra,

em especial a participação política das mulheres nos conflitos agrários, essas trabalhadoras ainda

vivenciam condições sociais, econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens.

Na esfera pública enfrentam dificuldades no acesso aos programas sociais e as políticas públicas

específicas para as mulheres, adequadas à saúde, à educação, à maternidade, à infância, ao

trabalho e à renda.

Nesse sentido, as mulheres foram desafiadas a se organizar e lutar para garantir o acesso

às políticas públicas específicas, conforme assinalado anteriormente. A luta pelo acesso à terra e

sua titulação em nome das trabalhadoras rurais, bem como por políticas agrícolas específicas para

elas, se inserem na demanda por políticas públicas destinadas às mulheres, o que tem sido alvo

das grandes lutas e mobilizações dos movimentos de mulheres urbanas e rurais.

70

Um dos desafios encontrados pelos movimentos de mulheres para a efetivação de

políticas públicas específicas reside no fato de essas políticas serem concebidas e gestadas a

partir de uma visão homogeneizadora da população e da realidade brasileira, que nega a

pluralidade econômica, social, cultural, organizativa e política da população em todas as regiões

do Brasil.

Outro desafio identificado está no significado da posse da terra como propriedade do

homem, chefe da família e, portanto, tendo direito de uso, produção, comercialização e renda,

cabendo às mulheres apenas o papel complementar. Essa concepção reforça a tradição que

concebe a agricultura como um trabalho masculino, designando o homem como chefe da família,

motivo pelo qual é o beneficiário das políticas agrárias, que se supõem estariam beneficiando

todos os outros membros da família.

Entretanto, em que pese à persistência dessa cultura tradicional, os processos

organizativos realizam mudanças. Deere e León (2004), autoras de um estudo comparativo das

reformas agrárias e contra reformas em 12 países do mundo, afirmam que:

Um dos principais avanços quanto aos direitos da propriedade da mulher rural

na América Latina nos anos noventa tem sido a adjudicação e titulação da terra

conjunta a casais. Esta representa um avanço para a igualdade de gênero ao estabelecer explicitamente que a propriedade pertence a ambos, e que, portanto,

o casal tem que estar de acordo nas decisões sobre o seu uso e disposição, seja

quanto a sua venda, aluguel ou hipoteca. Também protege as mulheres de serem desapropriadas como resultado de abandono, separação ou divórcio, e no caso

de enviuvar, de serem deserdadas. Além disso, a titulação a casais aumenta o

poder de barganha das mulheres e fortalece a sua participação na tomada de

decisões no lar e na unidade produtiva.

No Brasil, onde a adjudicação27

de terra a casais é só uma opção, segundo dados do

primeiro censo da reforma agrária, as mulheres representam apenas 12,6% dos beneficiados

27 ADJUDICAÇÃO é o ato judicial mediante o qual se estabelece e se declara que a propriedade de uma coisa (bem

imóvel) se transfere de seu primitivo dono (transmitente) para o credor (adquirente) que então assume sobre a

mesma, todos os direitos de domínio e posse que são inerentes a toda e qualquer alienação.

71

diretos e do público direto, beneficiado pelo PRONAF28

até 1999, apenas 7% são mulheres29

. Ao

passo que em outros países, é bem diferente, como exemplifica a pesquisa de Deere e León

(2004):

Na Colômbia, por exemplo, durante todo o período de vigência da reforma

agrária, de 1961 a 1991, as mulheres só representaram 11% dos beneficiados.

Quando começou-se a aplicar a adjundicação e titulação conjunta a casais, em caráter obrigatório, junto com a prioridade a mulheres chefes de família como

beneficiadas, essa porcentagem subiu para 45% (1995 a 1998). O Peru adotou a

titulação conjunta a casais como requisito em seu programa de titulação de

terras, mas somente para casais legais [...] A República Dominicana também estabeleceu como um requisito em seu programa de titulação de terras a

titulação conjunta, tanto para casais legais, quanto para uniões consensuais [...]

A Guatemala adotou a mesma regulamentação em sua legislação de 1999 ao criar um Banco de Terras [...] O Equador agora exige em seu programa de

titulação, a titulação conjunta de terra a casais legais e facilita a co-propriedade

às uniões consensuais.30

A reivindicação formal do direito à terra pelas mulheres só foi obtida na Constituição

Federal de 1988, a qual estabelecia em seu artigo 189 “o título de domínio e a concessão de uso

serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil”.

Apesar dessa conquista, após 1988 houve pouca efetividade em relação à implementação dos

direitos da mulher à terra.

Em 2000, durante a Marcha das Margaridas, essa reivindicação se tornou realidade e

conquista. Na ocasião, a coordenação do evento foi recebida pelo então presidente da República

Fernando Henrique Cardoso e o então presidente do INCRA, Orlando Muniz, que receberam das

mãos das trabalhadoras rurais uma pauta com 81 reivindicações elaboradas a partir das demandas

da realidade das mulheres de todas as regiões do Brasil. Fruto dessa negociação em 2001, foi

aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CNDRS, do

28 PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar, criado na década de 1990, em resposta às reivindicações

dos movimentos sociais. 29 Dados divulgados durante o Seminário Internacional Gênero, Desenvolvimento Sustentável e Territorialidade,

ocorrido em 2002, em todas as regiões do Brasil. 30 Informações obtidas no artigo “Avanços Recentes nos Direitos da Mulher a Terra na América Latina”, de autoria

de Carmem Diana Deere e Magdalena León, divulgados no site da Rede do Terceiro Setor (acessado em

21/08/2004).

72

Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, a resolução nº 06, de 22 de fevereiro que

estabelece, entre outras coisas, mudanças nas normas de seleção para facilitar o acesso das

mulheres aos benefícios da reforma agrária.

Deere (2004, p. 176-177) ao analisar o direito das mulheres à terra via programa de

reforma agrária no Brasil, explicita duas razões para a importância do acesso a esse benefício, as

quais qualificou de argumentos produtivistas e empoderamento.

O argumento produtivista refere-se ao reconhecimento de que o direito das

mulheres a terra está associado com o aumento do bem-estar de mulheres e seus

filhos, bem como com sua produtividade e, portanto, com o bem estar de sua comunidade e sociedade. O argumento do empoderamento reconhece que os

direitos das mulheres a terra são decisivos para aumentar seu poder de barganha

dentro da família e da comunidade, para acabar com sua subordinação aos

homens e, assim, atingir uma real igualdade entre homens e mulheres. No Brasil as mulheres ganharam o direito formal a terra como um subproduto do

processo de alcançar a igualdade entre homens e mulheres em todas as suas

dimensões legais, através da expansão dos direitos da mulher na Constituição de 1988. Mas a obtenção de mecanismos específicos de inclusão de mulheres

na reforma agrária – para aumentar a parcela de mulheres com direitos efetivos

a terra – não foi alcançado até que os argumentos produtivistas fossem mais bem compreendidos e internalizados tanto pelo Estado como por todos os

movimentos sociais rurais.

Segundo dados do Censo da Reforma Agrária de 1996, havia uma variação na

participação de mulheres como beneficiárias da posse da terra por região do Brasil, sendo mais

alta no Sudeste (13,8%) e no Nordeste (13,4%) e mais baixa no Sul (7,9%). Esses baixos índices

refletem a discriminação que as mulheres têm sofrido, principalmente antes da reforma

constitucional de 1988, que não eliminou totalmente os mecanismos de exclusão, apesar das

conquistas dos movimentos autônomos de trabalhadoras rurais.

Com a constituição de 1988, o direito à terra foi conquistado, havendo mudanças no

critério de pontuação que estabelecia o mesmo patamar para homens e mulheres no momento da

seleção. Apesar disso, os outros critérios não sofreram alterações, continuando as mulheres

chefes de famílias sendo discriminadas, seguidas pelas jovens solteiras.

73

Essa realidade pôde ser comprovada pelo censo da reforma agrária de 1996, quando

mostra que do total das beneficiárias, sua grande maioria (58,9%) eram casadas em união

consensual e 41% eram mulheres chefes de famílias. Desse último grupo, as viúvas

predominavam com 16,7%, seguidas das solteiras com 13,3%, das separadas com 9,3% e das

divorciadas com 1,4%. Ao contrário dos homens, na maioria casados ou vivendo em união

consensual com 82,5% e os solteiros correspondendo a 10,1%. As mulheres chefes de famílias

representam 12,2% da população rural, das quais apenas 5,2% são beneficiárias nos

assentamentos.

Esses dados sugerem que as mulheres continuam sendo discriminadas e excluídas do

acesso à terra, sem consideração às cláusulas constitucionais e leis complementares que

regulamentam a Constituição Federal. O INCRA continua a preferir um filho mais velho a

nomear uma mulher chefe de família beneficiária do lote de terra num assentamento. (DEERE,

2004)

A partir de 2001, o MDA se comprometeu a desenvolver um programa de ações

afirmativas para promover a igualdade entre homens e mulheres na reforma agrária. Assim,

encarregou o INCRA de reformular todos os critérios e normas para facilitar o acesso das

mulheres à terra e ao título de propriedade, ao crédito agrícola, ao treinamento, à assistência

técnica e aos benefícios da seguridade social. E ainda estabeleceu para as mulheres rurais, uma

cota de 30% em crédito disponível para compra da terra, no extinto programa Banco da Terra.

A conquista da titulação conjunta é uma possibilidade real, mas o fato de ser opcional

significa que as mudanças não foram implementadas satisfatoriamente de modo que garantissem

a igualdade no acesso à terra, dada a situação das chefes de família não ter sido alterada.

O mérito de incluir na agenda política nacional o direito à terra para mulheres, tem sido

dos movimentos autônomos das trabalhadoras rurais. Essa reivindicação faz parte da luta pelo

74

acesso às políticas públicas. As organizações das mulheres têm afirmado que as políticas públicas

para as mulheres promovem a cidadania e são instrumentos de governo imprescindíveis no

contexto das profundas desigualdades sociais no Brasil, principalmente no meio rural. Nesse

sentido, os movimentos de mulheres têm proposto alguns princípios31

considerados relevantes

como diretrizes para a elaboração de políticas públicas para as mulheres, quais sejam:

compromisso com a efetivação dos direitos humanos e a cidadania; aplicação progressiva dos

direitos legais e acordos internacionais; serviços públicos com igual qualidade para todas as

pessoas e atendimento humanizado; universalidade e diversidade; intersetorialidade e

indivisibilidade; descentralização; participação ampla e controle social.

Esses princípios constituem a base da elaboração de políticas públicas efetivadoras da

universalidade de direitos e implementadoras de ações afirmativas a fim de superar as

dificuldades das mulheres no acesso aos direitos iguais aos dos homens e das mulheres entre si.

Nas palavras de Soares (2004, p.33):

As políticas para as mulheres devem ter por finalidade assegurar que homens e

mulheres tenham as mesmas oportunidades para se desenvolver e participar em

todos os espaços da sociedade. Trata-se de eliminar as barreiras sociais, econômicas, políticas, jurídicas e culturais de maneira a assegurar as mesmas

possibilidades de sucesso a ambos os sexos.

Nessa perspectiva, as trabalhadoras rurais também participam dessa luta por políticas

públicas e, conseqüentemente pelas políticas agrária e agrícola que atendam as suas necessidades.

A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG32

defende a

perspectiva de gênero nas políticas públicas, o que implica um compromisso efetivo por parte dos

movimentos sociais e dos gestores públicos em:

31 Articulação de Mulheres Brasileiras. Cartilha “Articulando a Luta Feminista nas Políticas Públicas”, 2004, pág.

25, 26 e 27. 32 Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG é uma articulação nacional das trabalhadoras

rurais sindicalistas. Cada federação estadual tem uma secretaria de mulheres e na CONTAG há a comissão nacional

75

Romper com a visão preconceituosa e discriminatória herdada do patriarcado e

fundamentada na divisão sexual do trabalho; onde o homem é considerado o

único chefe de família e o único responsável pelo patrimônio familiar. Que a mulher é dependente do pai ou do marido e que seu trabalho reprodutivo e

produtivo não têm valor econômico. Essa visão ainda é reproduzida e

incorporada nos pressupostos de muitas políticas públicas. Concebe-se que ao

beneficiar o homem estão, assim, beneficiando todos os membros da família, inclusive as mulheres.

33

Essa comissão defende ainda o respeito às mulheres como sujeitos políticos e autônomos,

portadoras de necessidades e especificidades diferenciadas para a formulação e implementação de

políticas públicas.

Reconhecer e respeitar as mulheres como sujeitos políticos e autônomos em

todos os processos de desenvolvimento, e não meramente como público central das políticas de combate à pobreza, cujo foco é apenas a dimensão reprodutiva

ou a exploração da sua força de trabalho [...] Reconhecer que as mulheres

trabalhadoras rurais têm necessidades específicas e diferenciadas. Não existe a mulher trabalhadora rural, mas as mulheres trabalhadoras rurais. Do ponto de

vista das políticas públicas, tem que ser levado em conta o local onde vivemos

(semi-árido, Amazônia, cerrado, sul, etc); o trabalho reprodutivo e produtivo

que exercemos (atividades agrícolas e não agropecuária), as condições que dispomos para exercer o trabalho (acesso a terra, crédito, cursos de formação

profissional, assistência técnica, mercados, etc). Ainda que haja coincidência de

necessidades entre mulheres e homens, a forma de garantir o acesso das mulheres a terra, crédito, assistência técnica, qualificação e requalificação

profissional, educação, saúde, lazer, por exemplo, deve levar em conta as

especificidades, a construção de uma visão crítica acerca da condição social da

mulher trabalhadora rural, sua autonomia e processo de empoderamento.34

Em 2002, o movimento de mulheres, através da Articulação de Mulheres Brasileiras,

organizou a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras para elaboração de uma Plataforma

Política Feminista que contemplasse as principais demandas e reivindicações das mulheres

urbanas, rurais, indígenas, quilombolas, entre outras. Em relação às mulheres trabalhadoras

rurais, as propostas de políticas públicas giraram em torno do acesso a terra, crédito agrícola,

segurança alimentar, proteção ao meio ambiente, geração de renda, assistência social, saúde da

formada por uma representante de cada federação. É um esforço de nacionalizar as lutas, reivindicações, campanhas

e formação de quadros femininos para o Movimento Sindical Rural. 33 Informações divulgadas nos Anais do Seminário Internacional Gênero, Desenvolvimento Sustentável e

Territorialidade, ocorrido em 2002, em todas as regiões do Brasil 34 Idem, 2002.

76

mulher, beneficiamento e comercialização da produção. Essas reivindicações são, claro, de todos

os movimentos sociais rurais, mas as mulheres têm suas especificidades e lutam por políticas

afirmativas e programas específicos dentro das políticas mais gerais para o campo.

Durante essa conferência, os Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais denunciaram

as condições de vida no meio rural, afirmando:

Poucas trabalhadoras rurais, extrativistas, populações ribeirinhas e quilombolas

detêm a posse da terra e o crédito bancário é deficiente, o que inviabiliza as

condições necessárias para assegurar as famílias na terra, agravando as injustiças sociais e a violência no campo. (PLATAFORMA POLÍTICA

FEMINISTA, 2002, p. 25)

Denunciam, ainda que:

O atual modelo de desenvolvimento rural está voltado para agricultura patronal de exportação, que beneficia as grandes empresas exportadoras e incentiva

grandes mega projetos – produção de soja, implantação de hidrovias e

hidrelétricas – excluindo a agricultura familiar. Um grupo restrito de grandes proprietários de terra contrasta com o enorme contingente de trabalhadores/as

sem-terra, agricultores/as familiares, pequeno/as produtores/as, extrativistas,

quilombolas e comunidades indígenas. (PLATAFORMA POLÍTICA FEMINISTA, 2002, pág. 26)

Diante dessa realidade, os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais posicionam-se na

defesa de um modelo de agricultura sustentável, agroecológico, equilibrado e diversificado,

exigindo novas relações entre as pessoas e um jeito novo de cuidar da terra, das sementes, das

plantas, da água e dos meios de produção.

Para os movimentos de trabalhadoras rurais esse modelo de agricultura, centrado na

produção familiar, é uma alternativa à concentração de terra, renda e poder que tem impedido o

acesso das famílias sem-terra a uma vida digna, agravando as desigualdades sociais no campo e

na cidade.

Frente às desigualdades no campo, os movimentos de trabalhadoras rurais denunciam as

precárias condições de vida das famílias, em especial das mulheres, que só na Constituição de

77

1988 tiveram direito à titularidade da terra, à aposentadoria como trabalhadora rural, ao acesso ao

crédito e às políticas de desenvolvimento, trazendo para os fóruns e conselhos a necessidade de

elaboração de programas e projetos destinados à agricultura familiar.

Apesar do avanço dos movimentos de mulheres nas lutas pelos seus direitos em âmbito

local, nacional e mundial, é recorrente entre as mulheres trabalhadoras rurais situações

predominantes da cultura patriarcal, que reforça, na vida intrafamiliar e na sociedade, a violência

sob diversas formas, expressas na discriminação e nas desigualdades de gênero, reservando-se à

mulher a condição de reprodutora da vida privada. A posição que as mulheres ocupam é fruto de

vários determinantes econômicos, culturais e sociais que reforçam as relações patriarcais e

dificultam a conquista de direitos.

Entretanto, apesar dos traços de continuidade de uma cultura patriarcal, há sinais de

ruptura que se traduzem nas lutas das mulheres trabalhadoras rurais presentes na história deste

País. Sua organização é um exemplo vivo de resistência e expressão das contradições que

vivenciam no meio rural.

O resultado da organização das trabalhadoras rurais expressa-se nas conquistas de direitos

(salário maternidade, carteira assinada, reconhecimento de ser trabalhadora rural, direito à

sindicalização e associação, entre outros) e nos mais diversos movimentos sociais que dialogam

com as questões específicas do campo. São expressões desses movimentos: a Comissão Nacional

de Mulheres da CONTAG; o Conselho Nacional de Seringueiras; o Movimento Articulado de

Mulheres da Amazônia; a Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais; as Mulheres

do Nordeste Paraense; o Setor de Gênero do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra; o

Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste; a Comissão Nacional sobre a Mulher

Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores; culminando com a Marcha das Margaridas,

citada anteriormente.

78

Nessa perspectiva, abordar a questão de gênero na luta pela terra não é uma questão

secundária, sobretudo ao analisar o papel das mulheres trabalhadoras rurais no conjunto das

relações sociais do meio rural, seja na esfera da propriedade da terra, da produção agrícola ou no

espaço doméstico ou nas organizações comunitárias, o que se pode observar a seguir.

1.3 – A Dimensão de Gênero e o Lugar da Mulher Trabalhadora Rural

A participação das mulheres nas lutas do campo e sua inserção na vida cotidiana dos

assentamentos e comunidades rurais estão marcadas por um conjunto de relações sociais que são

estabelecidas histórica, social e culturalmente num espaço diversificado e específico de vivenciar

essas relações. Pensá-las significa analisar a realidade também sob o enfoque de gênero,

entendido como uma dimensão estruturante da vida em sociedade, pois essas relações “não são

produtos de um destino biológico, mas antes de tudo, construções sociais que têm uma base

material”. (OLIVEIRA, 1999, p.67).

O caráter histórico cultural da discussão de gênero, como parte da dinâmica das relações

sociais construídas entre as pessoas, é reforçado por vários/as estudiosos/as. Como afirma

Buarque (2003, p. 01):

Enquanto que estruturante nos remete à possibilidade de vitalidade, de

dinâmica, o que é pertinente às tramas das relações sociais entre os seres humanos, inclusive enquanto pessoas sexuadas. O gênero é uma dimensão

histórica e cultural da formação dos povos, cuja expressão mais forte da

dominação de sexo no ocidente é o patriarcado.

As condições de desigualdades vivenciadas pelas mulheres estão também presentes nas

análises teóricas que fundamentam o estudo da realidade rural, quando não incorporado à

categoria gênero. Parte dos conhecimentos produzidos sobre o setor agrário pouco reflete o lugar

de subalternidade da mulher trabalhadora rural nos diversos espaços de luta e organização

79

camponesa, tais como: no processo produtivo; na luta pela posse da terra; na sindicalização rural;

na agricultura familiar; na estruturação e desenvolvimento dos assentamentos e na organização da

associação comunitária. Nessa perspectiva, a luta pelo fim do latifúndio não elimina as

desigualdades de gênero, vivenciada pelas mulheres. A cultura patriarcal está presente no

cotidiano das famílias rurais, reproduzindo os valores e os preconceitos que reforçam a

submissão das trabalhadoras rurais.

A discussão sobre gênero tem se constituído como uma abordagem teórica para explicar

as contradições das relações sociais desiguais entre os sexos e suas representações do feminino e

do masculino na sociedade.

Dessa forma, a utilização da categoria gênero contribui para apreender e analisar qual o

lugar e os significados de homem e mulher na sociedade contemporânea e como as desigualdades

de gênero se expressam no cotidiano. Essa categoria começou a ser difundida por pesquisadoras e

feministas norte americanas para designar as relações sociais estabelecidas entre homens e

mulheres. Tal definição contribuiu para desmistificar que não existe uma determinação natural ou

biológica de homens e mulheres na sociedade, ao contrário, social, histórica e cultural. Gênero é,

pois, a construção social do masculino e do feminino.

A categoria gênero favorece a explicitação do significado dos atributos e diferenças

construídas histórica e culturalmente na formação do masculino e do feminino, o que permite

explicar as desigualdades que foram produzidas para justificar o sexo, a cor da pele, a geração.

Quando se fala em sexo está se tratando das diferenças biológicas entre homens e mulheres, entre

machos e fêmeas. Enquanto gênero refere-se às relações que são construídas historicamente entre

feminino e masculino; os papéis que desempenham, as atribuições, os comportamentos, que

mudam de acordo com as diferentes sociedades e culturas.

80

O uso do conceito de relações de gênero tem contribuído para demolir a

ambigüidade da cultura patriarcal em relação ao uso e aos valores destes dois

termos (sexo e gênero), que invoca a anatomia para justificar o destino social do gênero. Relações de gênero, portanto, são uma construção cultural e social e

como tal representam um processo contínuo e descontínuo da produção de

lugares de poderes do homem e da mulher em cada cultura e sociedade.

(OLIVEIRA, 1999, p.70).

A historiadora Scott (1996) reconstrói o conceito de gênero articulando as diferenças

entre os sexos e as relações de poder que as permeiam ao afirmar que:

O gênero torna-se, antes, uma maneira de indicar construções sociais – a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e as

mulheres. É uma maneira de se refletir às origens exclusivamente sociais das

identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta

definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado [...] Por gênero eu me refiro ao discurso sobre as diferenças dos sexos. Ele não remete

apenas a idéias, mas também a instituições, a estruturas, a práticas cotidianas e

a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constitui as relações sociais.35

Segundo a historiadora, o gênero como elemento constitutivo das relações sociais

compreende quatro aspectos interrelacionados, quais sejam:

O primeiro, os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas (e com freqüência contraditórias) Eva e Maria como símbolos de

mulher por exemplo [...] o segundo, os conceitos normativos que põem em

evidência as interpretações do sentido dos símbolos que se esforçam para

limitar e conter suas possibilidades metafóricas. Estes conceitos estão expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas e tomam a

forma típica de uma oposição binária, que afirma de maneira categórica e sem

equívocos o sentido do masculino e do feminino [...] o terceiro aspecto é a aparência de uma permanência eterna na representação binária do gênero na

história. Este tipo de análise deve incluir uma noção de política bem como uma

referência as instituições e a organização social [...] o quarto aspecto do gênero é a identidade subjetiva. (SCOTT, 1996)

35 SCOTT, Joan W. Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Recife: SOS Corpo, 1996.

81

Para Barbieri (1993), estudar os sistemas gênero/sexo36

permite compreender e explicar a

subordinação feminina e a dominação masculina, buscando o sentido de ser homem ou mulher

socialmente construído. Assim, gênero é o sexo socialmente construído.

A categoria gênero contribui para articular e explicar os diversos aspectos da condição da

mulher em relação ao poder e as hierarquias sociais, possibilitando superar essas construções

históricas, sociais e culturais.

Historicamente, quando se refere ao masculino e ao feminino designa-se significados

diferentes. O masculino aparece com maior valorização, instituído como aquele que tem poder e

autoridade, produzindo uma relação desigual, na qual o feminino é tratado como frágil, submisso

e com pouco poder. A cultura machista e patriarcal naturalizou a divisão sexual do trabalho,

sendo as mulheres as mais penalizadas e excluídas do processo produtivo, da renda e das

organizações políticas. A sociedade patriarcal tem contribuído para a reprodução da cultura de

dominação e violência do homem sobre a mulher.

De acordo com Saffioti (1987), o patriarcalismo é a construção social da supremacia do

homem, em contrapartida da inferioridade e subordinação da mulher. Constitui-se num sistema

sexual de poder, onde a hierarquia masculina na sociedade se reproduz na família, nas

instituições e na divisão sexual do trabalho.

É necessário, pois diferenciar que a teoria do patriarcado considera a mulher um ser

passivo, totalmente dominado pelo homem e na teoria de gênero a dominação e o poder não se

concentram exclusivamente no pólo masculino, mas as relações sociais são relações de poder

36 Em 1975, Gayle Rubim, com sua memorável obra, já tratava do sistema sexo/gênero que consistia numa gramática

segundo a qual a sexualidade biológica é transformada em atividade humana, gramática esta que torna disponíveis os

mecanismos de satisfação das necessidades sexuais transformadas. Já a autora Barbieri considera os sistemas de

gênero/sexo como os conjuntos de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades

elaboram a partir da diferença sexual anatômica e que dão sentido à satisfação dos impulsos sexuais, a reprodução da

espécie humana e, em geral, aos relacionamentos entre as pessoas.

82

estruturadas com base nas diferenças entre os sexos. Essas diferenças foram se consolidando

historicamente na vida social, sendo as mulheres subalternizadas.

A construção social do gênero impacta negativamente na vida das mulheres

porque fornece um substrato através do qual se consolidam – de forma diferente

nos diversos tempos históricos e nas formações sociais – normas culturais que estruturam o lugar das mulheres como restrito ao espaço privado; mesmo

atualmente, quando elas já têm maior inserção no espaço público, continuam

sendo vistas como responsáveis pelo trabalho doméstico e pelo cuidado com

crianças. Essas normas culturais também impactam negativamente na produção da subjetividade, na noção que a pessoa tem de si mesma e do que considera

satisfatório ou não nas suas relações pessoais e nas escolhas que organizam o

seu cotidiano. (SILVA, 2004, p.06)

As relações de gênero estão presentes no modo de vida social e, entre outros aspectos, se

reproduzem numa forte base material que é a divisão social do trabalho entre os sexos, como

parte do desenvolvimento capitalista, que historicamente reservou um lugar inferior para as

mulheres.

As desigualdades de gênero também estão expressas no cotidiano da vida das mulheres no

que se refere ao mundo do trabalho. Segundo Hirata (2002), há uma divisão sexual do trabalho

que tem sido utilizada para designar as diferenças de posicionamento de homens e mulheres na

organização do trabalho. Essa autora destaca duas correntes metodológicas na divisão sexual do

trabalho: uma contextualizada em “termos de vínculo social” e a outra remetendo a uma

conceituação de “relação social”. Na primeira, os conteúdos conceituais estão associados a

solidariedade orgânica, complementaridade, conciliação, coordenação, parceria, especialização e

divisão de papéis. Esse conceito é seguido principalmente pela corrente funcionalista, defensora

da idéia de que a família deve absorver o trabalho feminino evitando competitividade entre os

membros familiares na esfera pública, de modo a evitar tensão na relação familiar.

A segunda abordagem teórica, a da relação social está fundamentada no antagonismo de

classes. Pautada na divisão sexual do trabalho, na contradição, no antagonismo, na oposição e na

dominação, essa vertente, seguida pela corrente marxista, esteia-se na idéia de uma relação

83

antagônica entre homens e mulheres, permeada pela opressão/dominação. A divisão sexual do

trabalho está estruturada no princípio hierárquico em que o trabalho masculino tem sempre valor

superior ao trabalho feminino.

Diante das diferentes perspectivas de análise de gênero, pode-se afirmar que essas

correntes teóricas contribuem para desvelar a realidade rural, quando analisam as desigualdades

entre homens e mulheres. As desigualdades de gênero se expressam nas relações sociais

vivenciadas no meio rural por homens e mulheres. Segundo Buarque (2003) essas assimetrias de

gênero podem ser visualizadas: na constatação de uma hierarquia no ser, ter e estar, entre homens

e mulheres, com reconhecimento da desvalorização, exploração, opressão e subordinação das

mulheres; no esforço de formulação de propostas visando a promover a equidade de gênero,

através de ações dirigidas às mulheres, no campo do desenvolvimento e das políticas sociais; na

ausência de ações voltadas para os estratos masculinos com vista a uma transformação de sua

identidade de gênero; na constatação da participação significativamente minoritária das mulheres

nas esferas de decisão das organizações atuantes no espaço rural; na presença de movimentos

sociais de mulheres no interior da classe, exigentes de seu reconhecimento de agente social na

posição de sujeito, numa clara disposição de constituir uma nova identidade do feminino.

Assim, a dimensão de gênero tradicional no meio rural se manifesta de forma ampla e

permeia as relações sociais de dominação e subordinação de sexo presentes no cotidiano. Em

contraposição os movimentos sociais de mulheres trabalhadoras rurais questionam as estruturas

tradicionais de opressão e poder, constroem novos valores de socialização dos sujeitos e propõem

um conjunto de políticas públicas para as mulheres do campo, numa clara tentativa de ruptura

com as estruturas da subalternidade feminina.

Nessa mesma lógica, pode-se refletir sobre o significado da conquista das trabalhadoras

rurais ao título da terra, ao crédito agrícola, à capacitação e à assistência técnica. As lutas

84

coletivas por direitos expressam a tentativa de superação das dificuldades e desigualdades de

gênero ao acesso às políticas públicas, entre outros. Nesse sentido, são indicativos a ampla

mobilização e organização em torno da Marcha das Margaridas, conforme assinalado

anteriormente, quando as mulheres apresentam uma extensa pauta de reivindicações, que

congrega os mais diversos movimentos sociais do campo, fundada na identidade de gênero; ou

ainda, a estruturação de Secretarias voltadas para as políticas afirmativas de gênero nos

movimentos sociais rurais, como o MST, e nos organismos de classe, como CONTAG, CUT,

federações e sindicatos.

Pode-se afirmar que são lutas históricas de cunho emancipatório que questionam o lugar

reservado, social e culturalmente, às mulheres, e propõem uma outra sociabilidade, baseada na

igualdade de oportunidades e de poder. Conforme assinala Buarque (2003):

A peleja das trabalhadoras rurais seja no espaço da classe, de gênero ou etnia, é

uma luta política de grande transcendência para a democracia, pois ela inclui o

sentido da cidadania para todos no campo e, também, da liberdade das mulheres, ao incluir seu movimento com agente social na posição de sujeito,

frente à opressão de sexo. Esse é sem dúvida um dos sentidos da dimensão de

gênero, inclusive por seu rebate nas relações de poder no interior dos organismos de classe e por sua capacidade de exigir redirecionamento das

políticas públicas.

Ao trazer a dimensão de gênero à análise da realidade rural, cabe indagar qual o lugar da

trabalhadora rural nos mais diversos espaços. Isso porque as mulheres estão em todos os lugares e

em lugar nenhum. Em todos os lugares porque elas participam, em maior ou menor escala, de

todas as fases da produção agrícola, da reprodução familiar e dos movimentos sociais específicos

em função de suas demandas. Em lugar nenhum porque são ocultadas pelas relações desiguais de

gênero que lhes designam um lugar de menor valor. As mulheres não são vistas porque não são

reconhecidas enquanto sujeito político coletivo e as suas atividades não são valorizadas.

85

A inserção de homens e mulheres na sociedade se diferencia de um país para outro, de

uma cultura para outra. Nobre (1999) em sua pesquisa sobre a participação da mulher na

agricultura familiar, ressalta que, de acordo com a cultura, homens e mulheres se diferenciam ou

se complementam nas atividades agrícolas.

Na realidade brasileira, as mulheres representam em média 50% da população rural (cerca

de 35 milhões) e 40% da população produtiva (cerca de 15 milhões). Dados do Instituto de

Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) apontam que, do contingente

populacional feminino que não tem acesso à renda monetária, 80% são mulheres trabalhadoras

rurais. E ainda 4,5 milhões de mulheres do campo que nunca possuíram qualquer tipo de

documentação civil.37

Na atual conjuntura, a concentração de renda e terra provoca o desemprego e a pobreza

aumentando a miséria entre as mais diversas categorias de trabalhadores rurais, sendo as

mulheres as mais atingidas. Com o processo de globalização, são elas as mais excluídas do

mercado de trabalho e do acesso aos recursos e fundos públicos de geração renda, que garantam a

sobrevivência da família.

A concentração de terra e de renda no meio rural são desveladas por estudos e pesquisas

revelando que as famílias com menos de 50 hectares de terra ganham menos que um salário

mínimo por mês. No que se refere aos rendimentos, os dados da última Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio (PNAD), divulgada em 2001, indicam que, para o universo das pessoas de

10 anos ou mais ocupadas em atividades agrícolas (não especificamente para a agricultura

familiar), as mulheres estão majoritariamente nas categorias não remuneradas (39,25%) e de

37 Dados sobre a documentação da trabalhadora rural colhidos no Ministério da Previdência e Assistência Social de

1999.

86

produção para auto consumo (também 39,25%), o que demonstrou que quase 80% das mulheres

não auferem nenhum rendimento do seu trabalho. (GOUVEIA, 2003)

Outro aspecto importante é a predominância de políticas voltadas para o agronegócio

destinadas à exportação e não à produção de alimentos para o consumo interno. O modelo de

desenvolvimento agrícola centrado na agroindústria exportadora, com salários baixos e

diferenciados entre homens e mulheres, reforça o papel subalterno das mulheres na divisão sexual

do trabalho, fortalece a inserção das mesmas nas atividades de reprodução e do mundo privado,

sendo responsáveis pelas atividades domésticas e pela produção das culturas de subsistência.

As atividades produtivas das mulheres na agricultura familiar, contudo, por

terem estado e estarem destinadas ao consumo da família, em contraposição à

produção patronal que se dirigia para o mercado; não serem remuneradas ou pouco remuneradas vão ser confundidas com as atividades domésticas. E assim,

classificadas como tarefas do âmbito da reprodução. (BUARQUE, 2003, p.11)

Nestas circunstâncias é reforçado o papel da mulher de reprodutora da vida doméstica,

alimentando seus maridos e filhos, trabalhadores em potencial para o capital. Entretanto, na

atualidade depara-se com uma tendência nova em que as contradições capital x trabalho tendem a

reduzir diariamente o mercado de trabalho para as novas gerações urbanas e rurais. No que se

refere às populações rurais, além do processo histórico de expropriação e exclusão do acesso a

terra acrescenta-se essas novas formas que excluem parcelas crescentes da população rural do

processo produtivo, que se inserem de forma precarizada no mercado de trabalho e na produção.

Como assinala Martins (1997, p. 26):

Não existe exclusão social e sim uma inclusão precária, instável e marginal. A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social

produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há

senão na sociedade, lugares residuais.

Romper esse ciclo de desigualdade tem sido um objetivo dos movimentos de mulheres e

do Movimento Feminista no Brasil e no mundo. Buscar a equidade entre homens e mulheres não

87

é apenas inverter papéis e funções. É necessário redesenhar as relações sociais, construindo um

novo ser humano com reconhecimento das diferenças e superando as desigualdades históricas e

culturais, que colocam a mulher em um lugar subalterno.

O debate sobre a categoria gênero na análise das relações sociais não prevê a inversão de

papéis, mas se apóia na possibilidade de construção de identidades não naturalizadas e

cristalizadas em torno da noção do masculino e feminino. Ao incorporar essa categoria na análise

da realidade rural, as mulheres trabalhadoras rurais terão elementos para apreender o lugar que

lhe foi reservado histórica, cultural e socialmente, contribuindo para construir alternativas de sua

superação.

O grande desafio dos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais é descobrir como

incorporar às suas demandas de gênero um projeto de desenvolvimento baseado na agricultura

familiar que não reforce os papéis cultural e socialmente estabelecidos para homens e mulheres

do campo. Uma das alternativas é consolidar e ampliar a ação política das trabalhadoras rurais,

enquanto sujeito político coletivo, agente de sua própria história, passando a formular e propor

políticas públicas afirmativas e construir relações sociais com equidade de gênero.

O processo de participação e emancipação da mulher trabalhadora rural tem se

configurado como impulsionador de mudanças significativas no cotidiano dos conflitos agrários e

dos assentamentos rurais, no que se refere às relações sociais de gênero; à luta pela igualdade de

oportunidades entre homens e mulheres e partilha de poder; ao acesso às políticas públicas

específicas para as mulheres, especialmente com respeito à luta pela terra e as plenas condições

para produzirem e viverem na terra.

O capítulo seguinte trará uma análise da inserção das mulheres no conflito de terra Vale

da Esperança, a partir da memória histórica do acampamento, sua relação com as lutas sociais na

região do Mato Grande e com o contexto agrário do Rio Grande do Norte. A análise focalizará o

88

papel das mulheres na luta pela terra; a motivação das mulheres em ocupar a terra; as tarefas e

responsabilidades cotidianas no acampamento; as formas de enfrentamento da violência

institucionalizada; e o significado da posse da terra. Enfim, trata-se de analisar como elas se

inserem no conflito agrário.

89

CAPÍTULO 2:

A INSERÇÃO DAS MULHERES NO

CONFLITO VALE DA ESPERANÇA:

HISTÓRIA E MEMÓRIA

“Malditas todas as cercas!!

Malditas todas as propriedades privadas

Que nos privam de viver e amar!!

Malditas sejam todas as leis,

Amanhadas por poucas mãos,

Para amparar cercas e bois e fazer

Da terra escrava e escravos os homens!!”

(D. Pedro Casaldáliga)

Foto 04: Vista panorâmica de parte do Acampamento Vale da Esperança

Fonte: Lenilton Lima

90

CAPÍTULO 2:

A INSERÇÃO DAS MULHERES NO CONFLITO VALE DA ESPERANÇA:

HISTÓRIA E MEMÓRIA

Foi quando a gente teve uma esperança mais viva, nós íamos conseguir essa terra para permanecer em cima dela pra sempre.

38

Resgatar a história da ocupação da Fazenda Vale da Esperança não é uma tarefa fácil, pois

envolve muito sofrimento enfrentado pelas famílias no momento do acampamento. Foram

momentos de rememorar fatos e acontecimentos dolorosos para muitos. Mas ao mesmo tempo

revelaram uma oportunidade de registrar a luta carregada de esperança e a trajetória de tantas

famílias que lutam pela terra no Brasil e no Rio Grande do Norte, em especial as mulheres.

Este capítulo busca resgatar a memória histórica do conflito agrário Vale da Esperança: os

acontecimentos relevantes, os atores sociais envolvidos no processo da luta e organização dos

trabalhadores, desde o processo de recrutamento das famílias, a ocupação, o trabalho no

acampamento, os aliados e parceiros, a violência institucionalizada a serviço do proprietário pela

defesa do monopólio da terra, as ações de despejo e o processo de negociação, a desapropriação e

a imissão de posse. E nesse processo privilegiou-se a inserção das mulheres a partir do

acampamento.

38 Depoimento de um trabalhador rural do Assentamento Novo Horizonte II, em entrevista realizada no dia

03/04/2004.

91

Nesse contexto, buscou-se analisar como as mulheres trabalhadoras rurais se inseriram na

luta pela terra e iniciaram sua organização específica, encorajando e incentivando seus

companheiros a prosseguirem em luta pelo acesso a terra.

Para isso faz-se necessário explicitar o cenário econômico, político e social em que se

desenvolveu o conflito Vale da Esperança, as forças políticas envolvidas e a luta dos

trabalhadores/as rurais na região do Mato Grande, especialmente dos municípios de Touros e

Maxaranguape, espaço geográfico privilegiado do estudo.

Os processos de lutas e resistências desencadeados pelos/as trabalhadores/as organizados

na luta pela terra no Rio Grande do Norte tem força expressiva na região do Mato Grande, daí a

necessidade de caracterização e contextualização desse espaço geopolítico, cenário do conflito

Vale da Esperança e ponto de partida da pesquisa.

2.1 – A Região do Mato Grande - Palco da Luta do Vale da Esperança

Para contextualizar a região do Mato Grande, cenário dessa pesquisa e palco de muitas

lutas por terra a partir da década de 1960, e mais profundamente nas décadas de 1970, 1980 e

1990, buscou-se examiná-la na realidade agrária do Rio Grande do Norte. Para tanto, julgou-se

necessário caracterizar esse espaço em termos gerais.

O Rio Grande do Norte está situado no polígono das secas, possuindo 90,69%39

do seu

território no semi-árido. Trata-se, portanto, de uma das unidades federativas do Nordeste com

maior percentual de seu território incluído em áreas semi-áridas. Sua população constitui um

39 Este percentual aumenta para 95% se forem considerados, além do semi-árido, as regiões do estado com clima

árido e sub-úmido seco (IDEMA, 2004).

92

contingente de 2.776.782 habitantes, sendo que 2.036.673 (73,35%) estão na área urbana e 812,9

(26,65%) na área rural. (IBGE 2002)

Com uma área de 53.077,3 km², correspondendo a 0,62% do território nacional, o Rio

Grande do Norte apresenta quatro tipos de clima: Árido - localizado na parte central e litoral

setentrional, prolongando-se numa faixa estreita, quase contínua, até o extremo sul do estado e

abrangendo uma área total de 18% da superfície estadual. Semi-árido – que domina, de forma

quase contínua, todo o interior do Estado, que se prolonga a oeste até o litoral setentrional,

perfazendo uma área de 57% da superfície estadual; Sub-Úmido Seco - localizado em parte, do

litoral oriental e nas áreas serranas do interior do estado, abrangendo 20% da superfície estadual;

e Úmido - localizado no litoral oriental, que engloba as estações pluviométricas de Natal, São

José de Mipibu e Canguaretama, perfazendo 5% da área estadual. (IDEMA/IBGE 2002)

Quanto a atividade econômica, até a década de 1970 predominava no Rio Grande do

Norte a pecuária, a exploração da sheelita e as culturas de cana-de-açúcar, algodão e sal marinho.

Naquele período, os governos militares implantaram a modernização da agricultura, favorecendo

a expansão do capital no campo e intensificando a agroindústria (Delgado, 1985; Martins, 1986).

Assim a política econômica, aliada a uma política de incentivos fiscais, constituíram um

elo entre o Estado e o capital para modernizar a agricultura. “Trata-se de promover a

industrialização do campo, de forma a integrar a agricultura à dinâmica nos padrões determinados

pela modernização conservadora”. (ARAÚJO, 1992, p.16 ). Essas políticas públicas acabaram

por gerar conflitos sociais agrários, penalizando milhares de categorias de trabalhadores/as rurais.

Delgado (1985, p.12), ao analisar a penetração do capital no campo, considera ser o

Estado o maior organizador e financiador do capital, o qual adentra nos mais diversos ramos da

produção agrícola, transforma a propriedade da terra em ativo financeiro e aquece o mercado de

93

terras, destruindo qualquer possibilidade de investimento na pequena produção. Ou seja, trata-se

de um Estado capturado pelas elites que:

Destacando-se não apenas o seu papel de financiador, por intermédio do

sistema de crédito e das políticas de comércio exterior e de preços, mas ainda:

na articulação orgânica do Departamento de Bens de Produção da Indústria para a Agricultura (reestruturação do sistema de pesquisa e extensão rural e

complementação da produção interna de bens de capital e de insumos básicos

agroquímicos); estruturação de uma política fundiária, cuja execução prática se

traduz em proteção e favorecimento à propriedade territorial.

Dessa forma, são conseqüências de tal modelo capitalista no campo o agravamento das

condições de vida da população trabalhadora rural, o aumento de sua pauperização e um

expressivo êxodo rural, crescendo de forma significativa a população urbana. E ainda, contribuiu

para o aumento dos conflitos agrários; a violência do grande capital contra os/as trabalhadores/as

rurais; a concentração de terra e de renda; a expropriação. Foram essas, entre outras, as

conseqüências e as expressões da expansão do capital no campo no estado do Rio Grande do

Norte e no Brasil, que segundo Delgado (1985) articulou-se em dois eixos: a formação do

complexo agroindustrial e a valorização do mercado de terras.

Acrescenta-se na década de 1970 a expansão da cana-de-açúcar, impulsionada pela

criação do Pró-álcool, em 1975, em resposta à crise do petróleo no âmbito mundial, tornando o

álcool uma alternativa para redução do consumo de gasolina. Assim, o setor foi dinamizado e

criaram-se as condições de instalação de destilarias e de ampliação do complexo sulcro-

alcooleiro potiguar, o que contribuiu para reforçar o modelo privilegiado da monocultura e do

latifúndio. Ao mesmo tempo esse setor introduziu gradativamente as inovações técnicas,

biológicas, químicas e de gerenciamento e controle da produção, bem como da mão-de-obra.

Nesse processo as condições de trabalho e de vida dos canavieiros são precárias e humilhantes:

baixos salários, insalubridade e periculosidade do manuseio de agrotóxicos sem proteção,

trabalho temporário e sazonal, péssimas condições de vida nos galpões das usinas e destilarias,

94

transporte sem segurança e doenças, entre outras. 40

A realidade de exploração e exclusão

impulsionou o Movimento Sindical, sob a orientação da Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, tomando como base as resoluções do III Congresso

dos Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília no ano de 1979, ocasião em que se definiu como

prioridade o trabalho com assalariados/as rurais. Assim, a realização de campanhas salariais dos

canavieiros do Nordeste assumiu relevância, a fim de transformar as relações de trabalho e as

condições de vida daquela população. (BARROS, 1995). A relevância que assumiu a cultura da

cana-de-açúcar contribuiu para a concentração fundiária e expansão do capital na região agreste

e em parte do Mato Grande (município de Ceará Mirim).

Na década de 1980 outras atividades dinamizaram a economia potiguar, como o petróleo,

o gás natural, o turismo, a carcinicultura e a fruticultura irrigada. Com a construção da barragem

Armando Ribeiro Gonçalves, na década de 1980 criaram-se as condições para o estado ampliar

sua moderna agricultura irrigada, uma florescente realidade na região oeste do Rio Grande do

Norte. A Barragem desapropriou uma área de 51.799 hectares e expropriou milhares de famílias

de pequenos agricultores. Tal empreendimento foi concebido dentro de um modelo de

desenvolvimento que privilegiava a grande empresa capitalista, sob a égide da modernização da

agricultura. O município mais atingido foi São Rafael, que teve sua sede totalmente inundada

pelas águas da barragem, juntamente com a área de vazante do rio Açu, rica e fértil. Muitas

mobilizações, eventos e campanhas foram desenvolvidas pelo Movimento Sindical e por setores

da Igreja Católica (Serviço de Assistência Rural, Diocese de Mossoró e paróquias que

desenvolviam um trabalho social).

40 Sobre a questão do desenvolvimento da economia açucareira no Nordeste e Rio Grande do Norte há vasta

literatura, podendo citar: BARROS, 1995; NOVAES, 1993; PAIXÃO, 1995; MENEZES, 1994; EID, 1994.

95

Araújo (2005, p.50-51) ao analisar a situação de parte de famílias de São Rafael e

Jucurutu, afirma que :

Fechadas as comportas da barragem, vem à tona a existência de 240 famílias,

no município de São Rafael e parte de Jucurutu, habitando núcleos de tábuas

construídos pelo DNOCS, sob a promessa desse órgão [...] que receberiam casa e terra irrigada no Projeto Baixo-Açu [...] Em lugar dos trabalhadores,

instalaram-se ali grandes empresas, enquanto estes, que haviam ousado resistir,

permaneceram isolados entre os pedregulhos e o grande lago que submergiu as

terras férteis [...] A situação de pobreza que evoluíra para um estado de miséria causado pelo projeto da barragem estava subsumida pelas migalhas pagas aos

trabalhadores incluídos nas frentes de emergência da seca, e também pelas

plantações de vazantes (feijão, milho, abóbora, batata doce, aipim, etc) que continuaram enquanto as comportas da barragem não eram fechadas. O término

da construção do projeto que, inclusive, destruiu as plantações e a desativação

das frentes, põe a nu o drama dessas famílias.41

Com o desenvolvimento das ações governamentais provenientes da construção da

barragem, muitas empresas nacionais e estrangeiras se instalaram no Vale do Açu e em Mossoró

para a produção de fruticultura irrigada, com destaque para a fazenda Frunorte, em Carnaubais;

as fazendas Agro Knoll, Finobrasa, Belmonte e Agrovale, em Ipanguaçu e as fazendas Maísa e

São João em Mossoró. O Rio Grande do Norte passa a ser o terceiro maior pólo agroindustrial do

Nordeste. Esse processo de desenvolvimento capitalista na agricultura, ao priorizar a grande

empresa no campo, gerou um contingente de assalariados temporários e permanentes, estimado

em torno de seis mil, originando também um grande número de desempregados e indigentes. Em

1993, o IDEC lançou o Mapa da Fome, segundo o qual a cidade de Carnaubais, uma das

principais produtoras da fruticultura irrigada, apresentava um índice de 74% de sua população

abaixo da linha da pobreza. Isso, por um lado contribuiu para alavancar o desenvolvimento do

Rio Grande do Norte, mas, por outro, expropriou diversos pequenos produtores rurais e acentuou

a pobreza rural na região. (ARAÚJO, 2005).

41 Para maior aprofundamento sobre o impacto da construção da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves na vida da

população do Baixo-Açu, ver entre outros: VARGAS, Nazira Abib Oliveira. Beradeiros do Baixo-Açu. Rio de

Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1987; e VARGAS, Nazira Abib Oliveira. História que o Povo

Conta. Recife: FUNDAJ/Ed. Massangana, 1987.

96

A intensa e rápida interferência dessas empresas no mercado de mão-de-obra local

impactaram as relações de trabalho dada a capitalização da produção agrícola, expressando-se,

entre outras coisas, no alto padrão tecnológico. Nesse sentido, uma série de problemas surgiu:

baixo nível de qualificação da mão-de-obra, precárias condições de trabalho, problemas de saúde

devido ao manuseio incorreto dos agrotóxicos, poluição do meio ambiente, assalariamento

temporário e sazonal de pequenos produtores rurais, expropriação de minifúndios vizinhos às

agroindústrias, acentuando a concentração da terra e do poder. O aumento de trabalhadores/as

assalariados e as péssimas condições de trabalho levaram o Movimento Sindical (FETARN e

STRs) a realizar campanhas salariais para negociar uma pauta de reivindicações elaborada a

partir dos problemas vivenciados pelos trabalhadores/as nas empresas.

Já na década de 1990 foram criadas as bases tecnológicas para o complexo químico-

metalúrgico do Estado, que favoreceu a implantação de cadeia produtiva na indústria química,

iniciando-se com um empreendimento para a produção do sulfato de sódio e o de potássio. O

petróleo e o gás natural tiveram também destaque, tendo entrado em operação a Unidade de

Processamento de Gás Natural e do Gasoduto Nordestão. (CAVALCANTI; FERREIRA, 2002,

p.06). A mudança do padrão de produção norteriograndense naquela década, quando a agricultura

perdeu proeminência, está ligada à emergência do projeto neoliberal que através do ajuste

estrutural iniciou uma modificação do Estado nas funções de regulação econômica, de forma

que o fim dos subsídios estatais tornaria a agricultura um negócio pouco rentável, o que

contribuiria para que os empresários buscassem novos e diversificados ramos de produção.

Um outro aspecto da economia norte-riograndense é a vocação para o turismo que passou

a ser explorada a partir da década de 1980, após a construção da Via Costeira42

e a implantação

42

A construção da Via Costeira, acesso à praia de Ponta Negra era um lugar distante e isolado, protegido pela

natureza, até o início dos anos 1980. Sua construção aconteceu no início dos anos 1980, sob os protestos dos

97

do seu distrito turístico. Os 410 km² de costa favorecem a atividade, apesar de estar ainda

concentrada em Natal e municípios vizinhos. A expansão do setor fica constatada pelo

crescimento acumulado de 127% no número de visitantes ao estado entre 1996 e 2000. Esse setor

da economia local tem estimulado outros, como a construção civil, o comércio, a gastronomia e o

artesanato. (CAVALCANTI; FERREIRA, 2002, p.07). Não obstante isso, o processo de

desenvolvimento econômico induzido pelo Estado, em sintonia com o modelo de modernização

conservadora, provocou e vem provocando um processo perverso de exclusão das classes

subalternas.

A carcinicultura vem se destacando a partir de meados dos anos 1990 como importante

atividade econômica no estado do Rio Grande do Norte. Os tradicionais países produtores de

camarão em viveiros (Equador, Honduras e Panamá) vêm enfrentando problemas de

contaminação em suas culturas, e como decorrência do desabastecimento do mercado

internacional, investidores do ramo têm encontrado no Nordeste Brasileiro o ambiente propício

para o criatório. A atividade econômica começou a ser incentivada no estado a partir de 1973

com o Projeto Camarão do então governo Cortez Pereira. Nos anos 1980, a Empresa de Pesquisas

Agropecuária do Rio Grande do Norte S/A - EMPARN - assumiu as pesquisas das espécies

nativas de camarão. E em 1990 esse setor demandava capital e tecnologia, tendo seu maior

crescimento, dada as condições favoráveis de clima, recursos hídricos (mangues, rios e lagoas de

água doce), localização geográfica próxima aos grandes mercados consumidores dos Estados

movimentos sociais organizados e ambientalistas do estado. São 10 km à beira-mar, com áreas edificáveis somente

entre a rodovia e a praia. Ela é protegida do avanço imobiliário pelo Parque das Dunas, a segunda maior floresta

urbana do país, com fauna e flora típicas do início da colonização. Os hotéis com padrão 3, 4 e 5 estrelas foram

construídos as margens das praias que se sucedem, sendo a maioria freqüentada pelos próprios hóspedes desse complexo hoteleiro. Apesar de lei municipal disciplinar os acessos às praias ao longo da Via Costeira, a Prefeitura

até hoje não conseguiu organizar o acesso dos potiguares.

98

Unidos e União Européia, mão-de-obra barata e abundante e, principalmente, a estrutura

fundiária altamente concentrada sem a qual a referida atividade não se desenvolveria. Segundo

dados do Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Carcinicultura do Rio Grande do Norte, o

camarão congelado é um dos principais produtos da pauta de exportações, passando de oitavo

lugar, em 1999 para quarto em 2000 e primeiro em 2004.43

Ainda sobre os aspectos econômicos, o Rio grande do Norte totalizou um Produto Interno

Bruto, em 1999, de R$ 7,6 bilhões, representando um crescimento de 3,21% e superando os

índices alcançados pelo Nordeste (2,25%) e Brasil (1,79%). O PIB per capita de R$ 2.757,00 foi

superior à média do Nordeste (R$ 2.671,00). (IBGE 2002). Esses dados revelam que o

desenvolvimento econômico não foi acompanhado por desenvolvimento social, ou seja, nas

palavras de Iamamoto (2001) se materializou o princípio capitalista do desenvolvimento desigual

e combinado, assegurado em parte pela mudança das atividades produtivas e, principalmente,

pela continuidade da estrutura fundiária concentrada e intocada.

A atração de investimentos implementada pelos governos estaduais na década de 1990,

propiciada pela globalização da economia, desenvolveu-se com base em incentivos aos

investimentos oriundos da renúncia fiscal. Não obstante a política de investimentos e de atração

de mercado de capitais financeiros, a população do Rio Grande do Norte sofre as conseqüências

desse modelo de desenvolvimento, apresentando um dos mais baixos níveis salariais dos estados

da região Nordeste, realidade ainda mais complexa no campo. No final de 2001, por exemplo, o

salário médio auferido no setor formal do estado era de R$ 433,00, contra uma média regional de

43 Apesar desse crescimento econômico, a carcinicultura apresenta alguns problemas, tais como: doenças exógenas;

danos ecológicos em razão do aumento desordenado e da intensificação descontrolada; zoonoses; falta de controle de

qualidade; introdução não disciplinada de novas tecnologias; ocupação de grande parte dos mangues, rios e lagoas do

Estado, ocasionando a destruição do ecossistema e da biodiversidade; contaminação das águas pelos resíduos

químicos do trato com os crustáceos; além, da especulação imobiliária nas áreas em expansão, reconfigurando a

disputa por terra e por recursos hídricos na atualidade. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

PARA A CARCINICULTURA NO ESTADO DO RN, 2001, p.27).

99

R$ 530,00 e nacional de R$ 728,00.44

Em termos de Índice de Desenvolvimento humano – IDH,

o Rio Grande do Norte ocupa a 19º posição dentre os estados do Brasil, com 0,66 em 1996, um

baixo desenvolvimento humano para os padrões estabelecidos pela ONU – Organização das

Nações Unidas.

O esforço até o momento empreendido esteve na direção de construir um breve cenário

acerca das potencialidades e das políticas de investimento implementadas no Rio Grande do

Norte em sintonia com o projeto de desenvolvimento do País a partir do regime militar,

elencando os elementos de continuidade e mudança observados no estado. Assim sendo, para

complementar a análise cabe situar a estrutura fundiária e as relações de poder engendradas

historicamente no Nordeste e as particularidades do Rio Grande do Norte, como pode ser

verificado a seguir.

A Estrutura Fundiária do Rio Grande do Norte

No que se refere à propriedade da terra o Rio Grande do Norte registra um índice de gini

de 0,807% (INCRA/RN, 2004), o que o caracteriza como um estado com uma acentuada

concentração fundiária. Desde o período de 1850, já havia disputa por terra no estado Potiguar,

classificada como revolta, banditismo e motins. A partir da década de 1950, com o fim da terra

de permissão45

, acentuaram-se os conflitos sociais no campo, provocados pela pauperização nas

fazendas e pela expulsão em massa da figura do morador.

44 Dados da Previdência Social, 2002. 45 A expressão “fim da terra de permissão” caracterizada o momento em que os proprietários fundiários começam a

não ceder mais terra para moradia e para roçados aos trabalhadores rurais. Para aprofundar esse assunto ver:

PALMEIRA (1977); SIGAUD (1977); GARCIA (1983); ARAÚJO (1992).

100

Moreira (1995), ao analisar tal processo afirma que a relação de moradia na grande

fazenda reduz os custos salariais e de investimentos produtivos dos proprietários, favorecendo um

maior acesso ao capital de crédito, à especulação das terras, à compra de bens de produção, de

transportes e de máquinas, entre outros. Além disso, o fazendeiro mantinha a relação de sujeição

com os trabalhadores/as e suas famílias, através, entre outras coisas, de um estabelecimento

comercial, o barracão, para os moradores adquirirem produtos alimentícios e outros.

O crédito aberto ao parceiro no barracão da fazenda ou da plantação ou em

algum comércio indicado pelo fazendeiro ou plantador vai cumprir duas

funções. Garante o acesso do parceiro aos bens industriais ou agrícolas necessários ao consumo familiar e funciona como mais um mecanismo de

sujeição [...] esta operação da contabilidade comercial de débito-crédito coloca

o parceiro como devedor e mascara a relação de exploração [...] de uma posição

de credor de trabalho, o parceiro aparece como devedor de dinheiro e favores, posição certamente inferiorizada. (MOREIRA, 1995, p. 150)

Nota-se que há uma ruptura nessa relação de dependência a partir da expansão do capital

no campo, provocando um processo perverso de expropriação e violência, gerando daí a reação

dos trabalhadores/as rurais, através da resistência, visualizada na organização política das Ligas

Camponesas e na criação dos sindicatos de trabalhadores rurais, tendo como aliados setores da

Igreja Católica e partidos de esquerda. Muitas lutas no campo potiguar se desencadearam nas

décadas de 1960, 1970 e 198046

.

Na segunda metade da década de 1960 houve um refluxo das lutas camponesas, dada a

conjuntura de repressão da ditadura militar, perseguição aos movimentos sociais urbanos e rurais,

além dos projetos governamentais levados a cabo pela modernização conservadora. Na segunda

metade da década de 1970 o cenário nacional do campo apresentava inúmeros conflitos agrários.

Nos anos 70, as lutas por terra tiveram como personagem mais característico, embora não exclusivo, o “posseiro”, acuado pelos grandes projetos que

recebiam incentivos fiscais, sobretudo na Amazônia. Nesse momento, grandes 46 Muitas lutas vão ocorrer no campo potiguar a partir da resistência de moradores à tentativa de expulsão da terra de

morada e roçado, exercidas pelos fazendeiros. SILVA (1995) e ARAÚJO (1992 e 2005) resgatam essas histórias de

forma memorável.

101

extensões de terra foram transferidas, através de diversos mecanismos de

políticas públicas, para mãos de particulares, em especial grandes empresas do

setor industrial e financeiro. Ainda no bojo do processo de modernização, verificou-se um esforço do Estado no sentido de abrir as fronteiras também para

projetos de colonização, públicos e privados, que, de alguma forma, serviam de

escoadouro para as demandas por terra que começavam a se avolumar no Sul

do país, fruto do processo de expropriação que se intensificava com o avanço da modernização da agricultura”. (MEDEIROS, 2002, p.27).

A expansão do capital no campo, sob a égide do projeto modernizador da agricultura

implementado pelo regime militar potencializou os conflitos fundiários, a expropriação e a

violência sobre vastos segmentos dos trabalhadores/as rurais. A propriedade privada capitalista,

caracterizada pelo latifúndio, recebeu um investimento financeiro, fiscal, tecnológico e industrial,

expandindo a agropecuária e os complexos agroindustriais, como assinala Delgado (1985)

fenômeno também presente na realidade potiguar. Por outro lado, esse processo gerou um

contingente de trabalhadores rurais sem terra (posseiros, meeiros, foreiros, arrendatários,

pequenos proprietários), bem como um enorme processo de assalariamento. Nesse contexto,

algumas lutas são representativas da história da organização dos trabalhadores/as rurais do Rio

Grande do Norte, como no Nordeste e no conjunto do País, a partir da segunda metade da década

de 1970, e com mais força nos anos 1980, impulsionados pela conjuntura de reorganização

democrática do Brasil e de retomada dos movimentos sociais populares.47

Inúmeras experiências de organização dos trabalhadores/as rurais, na década de 1980 em

torno da posse da terra podem ser rastreadas. Destaca-se o processo da resistência e da ação

política das várias categorias de trabalhadores do campo. Por todo País eclodiam conflitos

agrários, expressos nas mais diversas formas, inclusive com bastante força nas regiões do Oeste e

do Mato Grande do Rio Grande do Norte. Isto se justificava considerando-se o cenário

geopolítico-econômico descrito anteriormente, pois as potencialidades da região foram geradoras

47 SILVA (1995) e ARAÚJO (1992 e 2005) analisam diversos processos de organização e luta dos trabalhadores

rurais do RN.

102

de disputas e interesses em torno do acesso à riqueza natural, especialmente a terra. Ou seja,

percebe-se uma clara disputa de classes em torno da questão agrária no Rio Grande do Norte.

É também na década de 1980 que se expandiu a cana-de-açúcar no agreste potiguar sob a

política de incentivos fiscais do Pró-álcool, provocando, por um lado, a adoção de novas

tecnologias de gerenciamento e produção; por outro lado, o assalariamento em massa, a expulsão

de pequenos produtores rurais que tinham suas terras em torno das usinas e destilarias e a

destruição ambiental, além das precárias condições de trabalho e da favelização dos/as

trabalhadores/as assalariados/as, nas periferias dos municípios canavieiros.48

A cana de açúcar é

ilustrativa das formas de que assumiu a questão fundiária no estado dada a necessidade de

grandes extensões territoriais pressupostas no modelo de plantation.

A partir de finais da década de 1980 e durante os anos 1990, observou-se algumas

transformações societárias (Neto, 1996)49

dentre as quais as políticas de ajuste estrutural, que

afetaram o perfil da questão social no campo, gerando o agravamento das condições de vida e

resultando na reação dos movimentos sociais rurais, em especial do MST, de forma que

acirraram-se as lutas por terra, por melhores condições de vida pelos trabalhadores rurais e

contra o neoliberalismo. Conforme Araújo (2005, p.68) a desigualdade social,

Expressa não apenas nos contingentes de trabalhadores expulsos de suas terras

nas décadas anteriores, mas se torna visível também nos centros urbanos e

periferias de pequenas e médias cidades, em decorrência do processo expropriatório e da destruição de postos de trabalho urbanos.

Araújo (2005, p.79) ainda afirma:

48

Dadas as precárias condições de vida e de trabalho na área canavieira do Rio Grande do Norte, o Movimento Sindical, juntamente com o Serviço de Assistência Rural – SAR elaborou e desenvolveu o Projeto EDUCANA – RN

(Projeto Educação Sindical dos Trabalhadores Assalariados da Lavoura Canavieira do Rio Grande do Norte), no

período de 1989-1995, que tinha como propósito realizar um trabalho de cunho educativo-político-organizativo, no

sentido de fortalecer os sindicatos da área canavieira; formar novas lideranças; lutar pelo cumprimento das

convenções coletivas e dos acordos trabalhistas dos canavieiros; organizar as campanhas salariais e a luta pelos

direitos dos canavieiros. Esse projeto teve o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços – CESE/Bahia. 49 Entre as transformações mais significativas tem-se a flexibilização das relações de trabalho, globalização da

economia, automação e informatização do processo produtivo, reestruturação do mercado de trabalho, entre outras.

103

Não obstante a existência de consideráveis transformações em torno da questão

fundiária, especialmente nos últimos tempos, com destaque o mercado de

terras, as determinações ainda são as mesmas. Isto é, continuam as alianças entre os detentores do monopólio fundiário, o capital e o Estado, cujos traços

mais visíveis é a não-existência de um programa real de reforma agrária com

políticas públicas consistentes e definidas em atendimento à grande massa de

agricultores familiares, pauperizados e os contigentes de sem-terras e desempregados que reivindicam sua inclusão no mercado de trabalho.

Assim, os proprietários fundiários e grupos econômicos urbanos, além de se apropriarem

das terras e transformá-las em negócios capitalistas rentáveis ou em reserva de valor, contando

sempre com o aval do Estado, enfrentaram também a organização e resistência dos/as

trabalhadores/as rurais na luta pela terra e por um projeto de reforma agrária de caráter nacional

que resultasse no aumento do número de áreas desapropriadas para criação de assentamentos

rurais. A título de ilustração, o Rio Grande do Norte possui atualmente 248 assentamentos rurais,

cuja maioria advém da luta dos trabalhadores rurais demandantes de terra no enfrentamento com

grandes grupos econômicos e proprietários de terra. (INCRA, 2005). Vale ressaltar que, apesar

dos avanços obtidos pelos movimentos em luta pela terra, permanece intacta a estrutura fundiária.

Nesse contexto, a região do Mato Grande é representativa, dado o volume de capital

investido em agroindústria e turismo. Por outro lado, gerando uma incidência de conflitos

agrários traduzidos em disputas pela terra e processos de organização. Trata-se de conflitos

empreendidos pelas diversas categorias de trabalhadores do campo, que, ao enfrentarem o grande

capital, expresso no monopólio fundiário, tendem a se constituír em sujeitos políticos, o que pode

ser verificado na seqüência.

104

A Região do Mato Grande:

A região conhecida popularmente como Mato Grande50

está situada em duas zonas

homogêneas do Estado: Litoral Norte e Litoral Oriental (subzona de Ceará-Mirim). Estas duas

zonas atingem um conjunto: Litoral Norte; subzona de João Câmara (Afonso Bezerra, Angicos,

Caiçara do Norte, Fernando Pedrosa, Galinhos, Jandaíra, Jardim de Angicos, João Câmara, Lajes,

Parazinho, Pedra Grande, Pedra Preta, Pedro Avelino, São Bento do Norte) subzona de Touros

(Poço Branco, Pureza, São Miguel do Gostoso, Taipu e Touros); Litoral Oriental, subzona de

Ceará-Mirim (Ceará-Mirim, Maxaranguape, Rio do Fogo, Extremoz e São Gonçalo do

amarante).51

A zona homogênea do Litoral Norte está localizada no nordeste do Rio Grande do Norte,

ocupando uma superfície de 8.484 km² que corresponde a 16% do território estadual. Sua

população sofreu os efeitos da urbanização nas duas últimas décadas, conforme dados do IBGE

(Censo Demográfico 2000). Em 1980, havia um contingente de 131.529 mil habitantes e

representava 7% da população estadual, com uma distribuição de 41,75% na área urbana e 58,25

na rural. No ano 2000, a população atingiu um número de 168.776 pessoas, correspondendo a

54,52% vivendo nas cidades e 45,48 no campo.

Esta região apresenta posição geográfica de fácil acesso, visto que é servida de três

grandes rodovias: a BR-304, que corta o Estado, passando pela segunda maior cidade (Mossoró),

até o Estado do Ceará; a BR-10152

, prolongada até o município de Touros, em 1998, ligando o

50 O termo “Mato Grande” designa uma porção mais a nordeste do estado do Rio Grande do Norte, em virtude da

existência de uma grande parte da Mata Atlântica, predominante na área, no período colonial. 51 Como a maior parte do Mato Grande está situada na zona homogênea Litoral Norte, a referência da região se

deterá prioritariamente sobre esta zona, a qual já possui um Plano de Desenvolvimento Sustentável. Será feita

referência, também, à zona homogênea Litoral Oriental (subzona de Ceará-Mirim). 52

A BR 101 se tornou o grande eixo de integração nacional. Partindo do Rio Grande do Norte, atravessa o País até o

sul dos pampas numa extensão aproximada de quatro mil quilômetros. Após a ampliação da rodovia até Touros,

105

Rio Grande do Norte ao sul do país e a BR-406, que alcança a cidade de Macau. Dentre seus

municípios, existem quatro pólos comerciais, jurídicos e financeiros que dão sustentação à região

do Mato Grande: Ceará-Mirim; João Câmara; Touros e Lajes. No que se refere ao clima, há uma

predominância de árido e semi-árido, tendo suas atividades agropecuárias dependentes do regime

pluviométrico. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ZONA

HOMOGÊNEA DO LITORAL NORTE, 2002)

Apesar do clima, o Litoral Norte apresenta uma diversidade de perfis ecológicos, com

solos de média e alta fertilidade, presença de aqüíferos subterrâneos com abundância de água,

intensa luminosidade, favorecendo a implantação de cultivos irrigados, sobretudo frutas tropicais.

O município de Touros se destaca com a maior área irrigada, em torno de 2000 hectares, com

uma pauta voltada para o mercado estadual. Também nos municípios de Jandaira e João Câmara,

diversas propriedades cultivam frutas de forma irrigada, além de hortaliças e forrageiras, com

água captada por poços tubulares, perfurados no calcário. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL DO LITORAL NORTE, 2002)

A base econômica da região é a agricultura, a pesca e o turismo. A derrocada da cultura

do algodão e do sisal (agravadas pela conjuntura do mercado externo, pautado na lógica da

competitividade e da qualidade) mergulhou a região num quadro de estagnação econômica que

perdura até o momento. Atualmente a economia local se assenta na pecuária, especialmente na

ovinocaprinocultura e a bovinocultura; e na agricultura, com o caju e as culturas de subsistência

e, por fim, a pesca artesanal e a carcinicultura. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL DA ZONA HOMOGÊNEA DO LITORAL NORTE, 2002).

nota-se um maior investimento dos grupos econômicos na região, dadas suas condições favoráveis de locomoção e

transporte da produção agropecuária e de mercadorias em geral, propiciando inclusive a expansão dos negócios

turísticos.

106

Em relação ao PIB, a região apresentava um PIB per capita de U$ 984,00 em 1980,

passando para U$ 1.059,63 em 1996, acusando um crescimento de 7,7% em 16 anos, enquanto o

estado ganhou um incremento de 27,2%, no mesmo período. Internamente, a Subzona de João

Câmara apresentou uma retração de 5% no seu PIB e a Subzona de Touros um crescimento

positivo de 25,3%, nesses 16 anos.53

A pesca artesanal marítima é outra tradicional atividade econômica da região do Mato

Grande, com destaque para os municípios de Galinhos, Caiçara do Norte, São Bento do Norte,

Touros, Pedra Grande e São Miguel do Gostoso. Só nesses municípios o número de embarcações

atinge 919 unidades, com um total de 4.704 pescadores. Os municípios de Caiçara do Norte e São

Bento do Norte formam o principal pólo produtor de “voador”, peixe de grande aceitação

popular.

A estrutura fundiária da zona do Litoral Norte apresentava em 1970 um total de 10.500

estabelecimentos rurais que ocupavam uma área de 674.744 hectares, onde 91,2% representavam

áreas de até 100 hectares, perfazendo um percentual de 16,4% da área total. Isso revela o grande

percentual de pequenos estabelecimentos, a maioria localizada no semi-árido, com limitações de

terra e água. Nas áreas de 100 a 500 ha, 7% dos estabelecimentos ocupavam 23,3% do total;

enquanto que as áreas de 500 a 1.000 ha representavam 1% dos estabelecimentos, abrangendo

11% das terras. O grupo que detinha estabelecimentos acima de 1.000 ha ocupava uma área de

49,6% das terras.54

Esse último dado demonstra a concentração de terras nessa região. Esses

índices expressam, em âmbito local, a tendência nacional de concentração de terra e renda no

país.

53 Dados do IBGE e IPEA (1996). 54 Dados do IBGE – Censo Agropecuário de 1970.

107

O Censo Agropecuário de 1995/1996 (IBGE) mostrou uma redução de 16,9% no total dos

estabelecimentos da zona, que caiu para 8.738, tendo essa redução ocorrido, principalmente nas

áreas abaixo de 100 ha (16,8%). Nas áreas de 101 a 500 ha e de 501 a 1.000 ha, não houve

alterações, permanecendo o mesmo percentual de 1970. Entretanto, ocorreu uma alteração nas

áreas acima de 1.000 ha, que de 121 estabelecimentos em 1970, passou a 111 fazendas (8,3%) em

1995/1996, acompanhado pela redução de 27,1% das suas terras. Nota-se que houve uma

modificação na estrutura fundiária, fato que se deve, em parte, a efervescência política dos

movimentos sociais rurais, na luta pela posse da terra, nesse período de 25 anos, gerando uma

série de assentamentos rurais.55

Não é por acaso que essa região apresentou um significativo processo de luta, organização

e resistência de trabalhadores envolvendo as categorias de posseiros, pequenos proprietários,

agricultores sem terra, etc, de onde emergiu o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais. É

nesse cenário que Touros se destacou como o município de maior número de conflitos agrários,

ocorridos nas décadas de 1980 e 1990. “A especulação fundiária detonada pelo aporte de políticas

oficiais atraindo grupos econômicos e empresários individuais dá lugar a um crescente processo

de grilagem das terras de posseiros – categoria expressiva em muitas áreas do município”.

(ARAÚJO, 2005, p.59). Por outro lado, é nesse município que surgiram e se desenvolveram

importantes lutas sociais com participação significativa das mulheres, como será analisado a

seguir.

55 Entre os dois censos citados, o número de proprietários cresceu 25,7% e a área dos estabelecimentos teve uma

redução de 8,6%, o que indica um aumento de acesso a terra. Entretanto, não alterou em profundidade a estrutura

fundiária e a concentração da terra. Em relação aos ocupantes, segundo o censo de 1970 representavam 33,5%. Em

1995/1996 foram reduzidos a 2,3%. Esses dados do IBGE (1996) indicam a intensa migração dos ocupantes, em virtude do processo de expropriação e expulsão desencadeado na década de 1970 e início de 1980, impulsionado pela

modernização da agricultura brasileira.

108

O Município de Touros:

Situado na Zona do Litoral Norte, o município de Touros abrange uma área de 1.121 km²

do estado do Rio Grande do Norte, banhado por 84 km do Oceano Atlântico. A Subzona de

Touros atinge os municípios de Poço Branco, Taipu, Pureza, São Miguel do Gostoso e Touros.

Sua população é de 27.879 habitantes, sendo 7.794 na área urbana e 20.285 na área rural; destes

totais 14.239 são homens e 13.640 são mulheres56

. Possui o clima árido e semi-árido, com

temperatura média anual de 26ºc e precipitação média anual de 400 a 1.000mm.

Localização de Touros no Mapa RN: Mapa de Touros:

Localizado a 87 Km da capital Natal, Touros é um município naturalmente atrativo por

suas praias, dunas e lagoas, com potencial de jazidas de calcário, além de possuir uma grande

quantidade de terras férteis, atraindo investimentos de grupos nacionais e internacionais que

adquiriram grandes faixas de terra para a implantação de projetos agroindustriais e turísticos, ou

para especulação imobiliária, dentre outros. Suas principais atividades econômicas são a

56 Todos os dados desse parágrafo são do Censo Demográfico 2000, IBGE.

109

agricultura e o turismo. Seu solo fértil, apto à agricultura e a pastagem permanente, propicia às

culturas de ciclo longo, como o coco, algodão, sisal57

e caju.

No que se refere à produção agrícola, Touros possui como principais produtos abacaxi,

coco-da-baía, mandioca, algodão herbáceo, banana, manga e batata doce, entre outros. Segundo

dados do IDEMA e IBGE (2002) dois produtos se destacam na economia local, o coco-da-baía e

o abacaxi, colocando o município como o primeiro produtor dessas culturas no Rio Grande do

Norte. O coco-da-baía ocupava uma área de 14.060 hectares, possibilitando uma produção de

35.150 toneladas. Já o abacaxi contabilizava 57.500 toneladas do produto numa área de 2.300

hectares.

Por situar-se no litoral e ser banhado pelo Oceano Atlântico, Touros possui uma outra

fonte econômica local importante, a pesca. Segundo a Colônia dos Pescadores, sua produção é

ainda tradicional, com a presença de poucas empresas de porte médio, sem a utilização de

recursos tecnológicos. Toda a produção é comercializada para a capital do estado – Natal e para

outros estados do Nordeste. De acordo com o IDEMA/IBGE, em 2001 foram produzidas 1.298,1

toneladas de pescados, com destaque para peixes e lagosta.

O breve cenário rastreado sobre a região do Mato Grande não deixa dúvidas sobre a

importância econômica do município de Touros. Suas potencialidades naturais constituem um

atrativo para grupos econômicos e capitalistas individuais locais, nacionais e estrangeiros, que

sob a opção política do Estado em priorizar um desenvolvimento elitista, propiciou uma corrida

ao mercado de terras com o objetivo de expandir o capital às custas de um processo de

expropriação.

57 Nas décadas de 1950 e 1960, Touros foi um grande produtor de sisal, com a instalação do Complexo Zabelê,

conjunto de quatro grandes propriedades para produção e comercialização de sisal, que entrou em falência nos anos

1970. Em 1993, após uma grande mobilização de trabalhadores sob a direção do MST, foram desapropriadas dez mil

hectares de terras e assentadas 337 famílias.

110

A estrutura fundiária de Touros, em que pesem algumas especificidades reproduz as

características da concentração da propriedade da terra no País. Com a implementação das

políticas estatais de investimento de capital no campo, iniciada pelos governos militares, a partir

da segunda metade dos anos 1960 com destaque para a década de 1970, os trabalhadores rurais

passaram por um intenso processo de expropriação e exploração. No entanto, reagiram

enfrentando os conflitos de terra que se agravaram à medida em que avançaram os casos de

grilagem, expropriação e violência. Trata-se de posseiros, meeiros, arrendatários, agricultores

familiares, minifundiários. Nessa perspectiva, nas décadas de 1980 e 1990 os conflitos e as

ocupações de terras ganham visibilidade na Região do Mato Grande, onde o município de Touros

se destacou com o maior número de conflitos agrários.58

Conforme assinalou Araújo (1992, 2005) o processo de expansão do capital no campo, no

município de Touros seguiu a tendência ocorrida no Nordeste, no Rio Grande do Norte e no País.

A modernização da agricultura foi direcionada para atender grupos econômicos e grandes

proprietários de terras, através de uma política de incentivos fiscais, subsídios governamentais e

infra-estrutura que favoreceu a implantação de agroindústrias, a especulação fundiária,

originando intenso mercado de terras, agravando o monopólio da terra e a concentração

econômica, política e de poder.

Esse cenário evidencia a exclusão das camadas trabalhadoras rurais, bem como a

expropriação, exploração e violência, provocando a luta e resistência dos trabalhadores rurais em

face a opção do Estado de não realizar uma reforma agrária ampla e massiva.

58 Segundo Araújo (1992, p. 39), “em 1989, esse município apresentava uma das mais acentuadas concentrações de

terra do Rio Grande do Norte, onde os latifúndios ocupavam uma área de 64.225,5 hectares, correspondendo a

74,65% da área total do município. As chamadas empresas rurais ocupavam também, em 1989, 10.208,1 hectares

(11,86%), enquanto os minifúndios ocupavam 11.525,6 hectares (13,47%) da área total, caracterizando o típico

fenômeno da minifundiarização, em contraste com o latifúndio”.

111

Muitos dos inúmeros conflitos de terra59

ocorridos no Estado, iniciados na década de 1980

e transformados em assentamentos na década de 1990, ocorreram no município de Touros.

Chama a atenção entre outros, o conflito de Lagoa do Sal entre o proprietário Joaquim Vitorino e

os/as trabalhadores/as rurais que trabalhavam na área como arrendatários há 15 anos. Ante a

possibilidade de reforma agrária acenada pelo Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA

da Nova República, em 1985, o proprietário interrompe os contratos de arrendamento com os

trabalhadores, que receberam intimação judicial para abandonar a terra e suas lavouras.

Inspirados na experiência de outras comunidades do município e orientados pelo Sindicato de

Trabalhadores Rurais de Touros, as famílias resolveram resistir e enfrentar a luta pela

desapropriação da propriedade. Nesse processo enfrentaram a reação e a violência do

proprietário, que acionou seus prepostos, a polícia de Touros e aliados, culminando no

assassinato da principal liderança dos trabalhadores rurais, Manoel Edmilson de França, quando

se encontrava no roçado, três dias depois de assinado o decreto de desapropriação da área pelo

presidente José Sarney, em dezembro de 1986.60

É no cenário de efervescência das lutas por terra na região do Mato Grande,

particularmente no município de Touros, que as mulheres trabalhadoras rurais, participando

ativamente, iniciam um processo de organização enquanto sujeitos políticos coletivos. O Plano de

Ação do SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL (1994) esboça uma síntese nessa direção:

O despertar para o trabalho com mulheres, para a Equipe do SAR, surgiu da

percepção da força das mulheres na luta concreta pela terra. No entanto, essas

mulheres pouco participavam das reuniões de decisões em comunidades. No 59

Para ilustrar essa questão pode-se citar os conflitos: os colonos do Projeto Boqueirão, na localidade do Geral, enfrentam a CIDA, órgão do Governo Estadual, conseguindo a permanência na terra; posseiros da comunidade de

Baixa da Preguiça, enfrentam por dois anos o Fazendeiro Max Santana que grilou suas terras e saem vitoriosos;

conflito da Lagoa do Jiqui, onde os trabalhadores/as rurais enfrentaram o latifundiário Otto Leite da Fonseca,

primeiro envolvendo as terras ao redor da lagoa e depois a ocupação da Fazenda Capivara de sua propriedade, sendo

desapropriada em 1998, entre outros. Para maiores informações sobre os diversos conflitos no município de Touros

ver ARAÚJO (1992 e 2005) e SILVA (1995). Essas pesquisas oferecem um quadro da luta pela terra no Rio Grande

do Norte, principalmente no município de Touros. 60 Para maior conhecimento dessa luta por terra, ver Araújo (1992) e Silva (1995).

112

início dos anos 80, durante o acompanhamento a vários conflitos de terra na

região do Mato Grande, observou-se que as mulheres desempenharam papel

fundamental de ânimo e resistência. Daí o SAR começou a reuni-las de forma mais específica para discutir a luta pela terra, seus valores, a importância de sua

participação e organização, enquanto mulheres. A partir daí vários grupos de

mulheres foram surgindo nas diversas localidades onde o SAR atua: Parazinho,

São Bento do Norte, Macaíba, Montanhas, Touros, Goianinha, Macau, São Rafael, Pureza, Ielmo Marinho, Ipanguaçu, Pedra Grande, João Câmara,

Maxaranguape, Canguaretama, Poço Branco, Taipu, Nova Cruz, Itajá, Santo

Antônio, Carnaubais.

Entretanto, a organização das mulheres trabalhadoras rurais no Rio Grande do Norte

surgiu vinculada a um processo já desencadeado no Nordeste e no País a partir de finais dos anos

1970 e particularmente em toda década de 1980, momento de efervescência política em que se

rearticularam e se expandiram as lutas e os movimentos sociais urbanos e rurais. Nesse processo,

surge e é organizado na década de 1980 o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do

Nordeste, tendo como maior expressão às experiências das mulheres da Paraíba, principalmente

na luta pela terra e no âmbito do Movimento Sindical. Nesse sentido é representativa a eleição de

Margarida Alves para presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB),

bem como a inserção de sua companheira de luta Maria da Penha.

No Rio Grande do Norte, a partir da luta pela terra as mulheres descobriram a importância

da organização, formaram grupos e passaram a atuar, também no Movimento Sindical, que na

década de 1990 daria origem à Comissão Estadual das Mulheres da FETARN, que se

consolidaria e se estruturaria nos anos 2000.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a trajetória das mulheres que se inseriram no

processo de ocupação do Vale da Esperança não é um acontecimento isolado, mas faz parte de

um processo histórico e de uma trajetória de organização e luta da classe trabalhadora pelo direito

a terra e ao trabalho e melhores condições de vida.

113

Nesse sentido, é que pode ser compreendida a experiência por ora estudada, dos/as

trabalhadores/as rurais sem terra que ocuparam as fazendas Aralém, Lagoa do Meio, Vale da

Esperança e Fonseca, de propriedade de Almir Artêmio de Melo, como parte de uma trajetória de

lutas, resistências e vitórias parciais de diversas categorias de trabalhadores do campo.

Para proceder ao rastreamento e à análise da experiência, faz-se necessária uma breve

caracterização do município de Maxaranguape, palco da desapropriação e construção dos

Assentamentos Novo Horizonte II e Nova Vida II, resultado do conflito agrário iniciado na

Fazenda Vale da Esperança, em Touros (RN).

O Município de Maxaranguape:

O município de Maxaranguape localizado no litoral norte do Estado do Rio Grande do

Norte possui uma área de 131 km2 na qual vivem 8.001 habitantes, sendo 4.130 homens e 3.871

mulheres, dos quais 3.017 vivem na área urbana e 4.984 na área rural, o que corresponde a 62%

da população. (IBGE, 2000).

Localização de Maxaranguape no RN Mapa de Maxaranguape

114

A sede do município está localizada junto à foz do rio Maxaranguape que deságua no mar

formando uma linda paisagem. Outras praias fazem parte do território do município, dotando-o

de belezas naturais que exercem forte atração turística: Muriú, Jacumã, Caraúbas, Maracajaú.

Limita-se ao norte com Rio do Fogo e Oceano Atlântico; ao sul com Ceará-Mirim; ao leste com o

oceano Atlântico e ao oeste com Pureza, Rio do Fogo e Ceará-Mirim.

Os principais produtos agrícolas do município são: banana, coco-da-baia e manga. Existe

um pequeno rebanho bovino (3.836 cabeças) destinado à produção de leite e ao corte. Parte dos

produtos se originam da agricultura familiar, que nos finais dos anos 1990 foi ampliada com a

implantação de novas áreas de assentamento rural: Novo Horizonte II (1.208 ha e 61 famílias),

Vale Verde (382 ha e 40 famílias), Nova Vida II (1.200 ha e 100 famílias) e São José de

Maxaranguape III (405 ha e 38 famílias). Além dos assentamentos citados, há no município o

assentamento São Lourenço (60 ha e 38 famílias), implantado na década de 1980, pelo Instituto

de Terras do Rio Grande do Norte (ITERN), na gestão de Geraldo Melo.

Apesar das potencialidades, o município não conta com um planejamento estratégico para

seu desenvolvimento que busque o equilíbrio entre a eficiência econômica (com a melhoria da

qualidade de vida da população local) e a preservação do meio ambiente. Com isso, as atividades

econômicas, sociais e culturais não são devidamente articuladas, causando graves distorções.

(CEAHS, PROJETO “RIO MAXARANGUAPE: FORTALECENDO A ORGANIZAÇÃO DE

BASE, CUIDANDO DO RIO E MATANDO A FOME”, 2004)

Verifica-se a exploração desordenada e predatória dos recursos naturais nas atividades

turística, de pesca e agrícola, colocando em risco a sobrevivência das gerações futuras. A pesca

predatória tem ocasionado a redução dos cardumes, e principalmente da lagosta, colocando o

setor pesqueiro em crise e mergulhando as famílias de pescadores em dificuldades financeiras.

Apesar de dinamizar a economia local, o turismo vem acompanhado da poluição das praias, rios,

115

lagoas e dunas da bela paisagem do município, além de estimularem a prostituição juvenil e o uso

de drogas, da mesma forma que vem ocorrendo em outras áreas do Nordeste onde o turismo é

desenvolvido, expressões que têm se diversificado no campo e incorporado, além da

concentração da terra, várias atividades econômicas.

Nas atividades agrícolas também são identificadas ameaças ambientais e sociais, como o

uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras, prejudicando os solos e as pessoas, e poluindo o

meio ambiente. A retirada da mata ciliar das margens dos rios e riachos provoca o assoreamento

dos seus leitos e outros danos ao ecossistema da Bacia do Maxaranguape. Esta bacia ocupa uma

superfície de 1.010,2 km2, correspondendo cerca de 1,9% do território estadual, abrangendo dois

municípios da região: Pureza e Maxaranguape. (CEAHS, PROJETO “RIO MAXARANGUAPE:

FORTALECENDO A ORGANIZAÇÃO DE BASE, CUIDANDO DO RIO E MATANDO A

FOME”, 2004)

O desenvolvimento econômico não tem proporcionado a redução das desigualdades

sociais, concentrando a renda gerada e o poder político. Com isso, a maioria dos homens e

mulheres do município permanece excluída das condições dignas de vida. O município apresenta

um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,392, bem abaixo da média do Rio

Grande do Norte (0,668) e do Brasil (0,830). (IBGE, 2000)

Em Maxaranguape, dos 41 estabelecimentos agrícolas, a agricultura familiar corresponde

a 48,8% do total (20 estabelecimentos), com uma área de apenas 148 ha (2,7% do total); já a

agricultura patronal, com 51,2% dos estabelecimentos, possui 5.344 ha, isto é, 97,3% da área

total, confirmando a concentração fundiária e econômica na região. (IBGE, 2000).

O município de Maxaranguape está localizado entre dois pólos da região do Mato Grande:

Touros e Ceará-Mirim, onde historicamente os/as trabalhadores/as rurais desenvolveram

importantes lutas por terra e por direitos. Maxaranguape, por sua vez, não possui uma tradição de

116

lutas pelo acesso a terra, mas sim um processo de negociação entre proprietários fundiários,

trabalhadores/as rurais de municípios vizinhos e o Estado. Assim, vem se constituindo como uma

expansão das lutas desencadeadas nos pólos referidos acima. Foi através de negociação com os

proprietários de terra de Maxaranguape, que os trabalhadores/as rurais acampados na Fazenda

Vale da Esperança, conquistaram os Assentamentos Nova Vida II e Novo Horizonte II, foco

dessa pesquisa.

As áreas de assentamento do município poderiam ser alternativas eficazes para a

dinamização da agricultura familiar com a conseqüente melhoria da qualidade de vida dos

trabalhadores e trabalhadoras rurais. No entanto, os diagnósticos realizados pelo CEAHS

constataram que as famílias assentadas carecem do apoio necessário para desenvolver a

produção: crédito agrícola apropriado às suas necessidades; assistência técnica e gerencial; infra-

estrutura para produção, beneficiamento, armazenamento e escoamento dos produtos; e apoio na

comercialização. Apesar de conquistarem terra e moradia, essas famílias enfrentam problemas

para a satisfação de necessidades básicas como água, saneamento básico, destino e tratamento do

lixo, educação e assistência à saúde, entre outras.

Um dos desafios a serem enfrentados é o fortalecimento da organização dos

trabalhadores/as rurais para implementação da construção de um plano de desenvolvimento local

sustentável, de forma participativa. Além da capacidade de organização e mobilização da

sociedade civil, é preciso que haja o comprometimento do governo local com as demandas dos

assentamentos rurais a fim de garantir sua viabilidade. Deve-se reconhecer, no entanto, que no

município já existe uma base de organização popular com várias associações comunitárias de

produtores/as familiares, de assentamentos rurais, Colônia de Pescadores, Sindicato de

Trabalhadores Rurais, grupos de mulheres e de jovens, entre outras. Porém é valido ressaltar que

117

esses sujeitos ainda não têm conseguido enfrentar os interesses das elites locais de forma mais

eficaz para garantir o acesso as políticas públicas.

Nessa perspectiva, o resgate do cenário e da luta pela terra na região do Mato Grande e

nos dois municípios envolvidos no conflito agrário em análise, feito até o momento, oferece

elementos de reflexão da memória do acampamento Vale da Esperança bem como do significado

da luta pela terra para as mulheres trabalhadoras rurais.

2.2 – Ocupação e Sobrevivência no Acampamento Vale da Esperança

Conforme assinalado anteriormente, a formação do acampamento Vale da Esperança, em

Touros (1995 à 1998) ocorreu numa conjuntura sócio-política de retomada e efervescência dos

movimentos sociais rurais por todo o Brasil. No Rio Grande do Norte e em particular na região

do Mato Grande, caracterizada por uma série de conflitos sociais, tendo como causa fundamental

a persistência da estrutura agrária concentrada e a interdição mais uma vez da possibilidade da

efetivação da reforma agrária com o desvirtuamento do Plano Nacional de Reforma Agrária -

PNRA.

Antes de resgatar a memória histórica do conflito, faz-se necessário caracterizar as quatro

fazendas onde ocorreu a ocupação, no sentido de conhecer suas potencialidades e buscar entender

os motivos da não desapropriação pelo INCRA.

O conflito agrário ocorrido na Fazenda Vale da Esperança teve início em 1995, quando

300 famílias ocuparam o conjunto dos imóveis rurais Fazenda Aralém, Fazenda Lagoa do Meio,

Fazenda Fonseca e Fazenda Vale da Esperança de propriedade de Almir Artêmio de Melo,

registradas como Empresa DIANORTE – Mineração Guagiru Ltda.

118

Localizadas nos municípios de Touros e Maxaranguape, as fazendas ficam próximas ao

distrito de Santa Luzia em Touros e da cidade de Rio do Fogo (Hoje município, que na época do

conflito pertencia a Maxaranguape). Segundo o relatório de visita técnica, realizada pelo INCRA,

em 1996, a área total é de 5.009 hectares, conforme tabela abaixo. Mas, segundo dados do laudo

da vistoria realizada em 1997, pelo mesmo órgão, as fazendas possuem 4.926,5 hectares de área

registrada e 4.951,6802 hectares de área total dos imóveis. Nota-se uma diferença de alguns

hectares, que, todavia não altera o fato concreto de se tratar de um latifúndio de grandes

proporções.

Tabela 01: Extensão territorial das Fazendas pesquisadas

NOME DA FAZENDA EXTENSÃO (ha)

Fazenda Vale da Esperança 2.714 ha

Fazenda Lagoa do Meio 641 ha

Fazenda Aralém 712 ha

Fazenda Fonseca 942 ha

Total............................................................... 5.009 ha

Fonte: Relatório de Visita Técnica – INCRA/RN, 1996.

Percebe-se na divisão do imóvel em fazendas, uma estratégia utilizada pelos grandes

proprietários de ocultar a dimensão do latifúndio, na tentativa de descaracterizar a concentração

da terra e a possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Observa-se que todas as

fazendas acima apresentam um número significativo de hectares, sendo maior a Fazenda Vale da

Esperança, com 2.714 hectares61

. O depoimento de uma liderança do MST é nesse sentido

enfático:

É porque esses fazendeiros o sistema deles é o seguinte: eles tem uma fazenda

grande, geralmente dividem em 4 ou 5 propriedades, colocam 4 ou 5 nomes de

propriedade para que pode vir um processo de pagamento de banco, questão de desapropriação pelo INCRA, aí eles tem a questão de como se resguardar.

61 O grupo econômico, proprietário do complexo Zabelé também utilizou-se dessa estratégia. Para fugir de uma

possível desapropriação, dividiu o complexo em 11 fanzendas, das quais a Arizona tinha sido ocupada em 1985 por

um grupo de trabalhadores das localidades de Serra Verde/Município de Touros, sob a direção do Sindicato dos

Trabalhadores de Touros. ARAÚJO (2005, p.90).

119

Então, em função disso eles colocam, eles fizeram 4 nomes da Fazenda Vale da

Esperança. Uma era Vale da Esperança, outra era Fonseca, outra era Aralém,

acho que era 4, não estou bem lembrado dos nomes. Mas o que pegou pra nós mesmo era o nome Vale da Esperança que era o que montava o esquema das

propriedades. (Edmilson, ex-liderança do MST, entrevista realizada no

assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004).

Quanto ao potencial agrícola, as fazendas possuem uma produção permanente de culturas

como caju (169,00 hectares produzidos), coco (811,8000 hectares), banana (39,6000 hectares) e

macaxeira (7,000 hectares). Há também, culturas temporárias como a da abóbora (25,00

hectares), pastagens nativas (2.906,9000 hectares) e pastagens plantadas (15,00 hectares). Toda a

comercialização da produção é feita sem a devida cobertura de notas fiscais, segundo dados do

laudo de vistoria do INCRA, ocorrido em 1997, o que mostra evidência de sonegação fiscal à

Receita Federal e outros órgãos, por parte do proprietário.

Além da produção agropecuária, as fazendas possuem um conjunto de benfeitorias físicas:

17 casas de alvenaria; 9 galpões; 11 currais para bovinos; 2 apriscos; 1 casa de farinha; 1

instalação para confinamento de até 200 bovinos; 2 cocheiras; 1 brete62

; 4 saleiros; 10 cochos; 50

km² em cerca; 3 poços, sendo 1 amazonas e 2 tubulares; 7,5 km² de rede elétrica; 8 fornos; 4

baias para eqüinos; 6 km² de estradas piçarradas; 2 caixas de água de alvenaria e 50 km² de

canais de drenagem.

Quanto aos recursos hídricos, há nos imóveis duas lagoas permanentes, conhecidas como

Lagoa do Fogo e Lagoa do Gravatá, separadas por uma distância de 1,5 km², de forma que seus

espelhos d´água somam cerca de 398 hectares. Existe ainda, o rio Fonseca, que corta a fazenda

62 O brete destina-se ao encaminhamento individual dos animais ao tronco de contenção e é construído sob um

galpão. Permite ainda, tratos sanitários e outras tarefas que independem de maior contenção. O brete deve ter 1,60 m

de altura com plataformas dispostas lateralmente a 0,75 m de altura e com 0,90 m de largura visando facilitar o livre

trânsito e acesso ao dorso dos animais. Internamente, o brete deve ter 1,00 m na parte superior e 0,35 m na parte

inferior. Estas dimensões permitem a passagem de animais grandes e impedem o retorno de amimais de médio porte.

As paredes laterais do breie devem ter, na parte interna até 0,90 m de altura, enchimento com pranchões largos (0,30

m) sem vãos entre si, afastados na parte inferior de 0,025 m do piso, para permitir a saída de detritos. No restante da

altura utilizam-se réguas, com vãos de 0,03 m.

120

Fonseca em toda sua extensão sul, e o riacho do Saco, o qual corta o limite sul e parte do limite

leste da mesma fazenda. Os dois rios são perenes e sua água é de boa qualidade, sustentando o

consumo doméstico e as atividades de irrigação e alimentação dos rebanhos.

Chama atenção ainda nessas fazendas, especialmente na Fonseca, a existência de uma

reserva mineral de diatomita63

, explorada e calcinada no próprio imóvel e transportada para a

indústria mineradora, cujo parque localiza-se fora da área dos imóveis rurais. Sua exploração

parece problemática, indicando riscos ambientais. Neste sentido, a interpretação do laudo da

vistoria de 1997, realizada pelo INCRA, explicitou que:

É a exploração do mineral diatomita, embora acobertada pela legislação

pertinente, a atividade que vem destruindo a mancha de solos orgânicos, no

caso do imóvel Fonseca. E sabe-se que o proprietário é detentor de Alvará de Pesquisa (Processo DNPM/RN/Nº 840.347/83), cujo relatório já foi submetido

aquele departamento para análise, visando aprovação, onde se prevê extração da

diatomita em cerca de 900 hectares do imóvel Vale da Esperança, incluindo

nessa extração a área ocupada pela Lagoa do Fogo, o que implica, segundo contatos verbais com técnicos do DNPM, em esgotá-la, drená-la para escavar

seu leito, a fim de extrair o mineral, estimado preliminarmente em mais de 90

mil toneladas. Ainda dispõe de uma reserva, estimada pelo proprietário, em 28 mil toneladas, o que significa futuras degradações (irrecuperáveis) de solos

orgânicos.

O mesmo laudo também afirma que, além dos prejuízos ambientais (degradação do solo),

há uma perda econômica, considerando que a abertura do mercado interno ao comércio

internacional, colocou a indústria brasileira em dificuldades, visto que os outros países têm

melhores condições de preços do mineral no mercado, dado seu menor custo de produção, em

torno de 25% a 30%, em relação aos custos da produção brasileira. “A ser verdadeira esta

63 Diatomita é um mineral em forma de rocha de origem sedimentar, rica em sílica, constituída essencialmente por

carapaças de diatomáceas (algas microscópicas unicelulares de tamanho que varia entre 5 e 400 micrometros). É

utilizado nas indústrias de fósforos, tintas, borrachas, plásticos, papéis, inseticidas, cosméticos, abrasivos, bem como

filtrações de: bebidas, colas, gorduras, óleos, gelatinas.

121

realidade, a continuidade da mineração da diatomita parece economicamente inócua e a

degradação dos solos dela decorrente, pela irreversibilidade, é aparentemente irracional e

socialmente iníqua”. (INCRA, Laudo de Vistoria, 1997, p. 17).

Diante desse cenário que compõe o conjunto das fazendas, explicitado nos relatórios de

visitas técnica e de vistoria realizadas pelo INCRA/RN, é de se questionar porque o MST

escolheu as fazendas de Almir A. de Melo para fazer a ocupação, dada a relevância de sua

produtividade e que segundo a lei não seria desapropriada. De acordo com depoimentos das

lideranças do MST, as fazendas eram improdutivas e tinham várias dívidas com órgãos estaduais

e federais, conforme relato abaixo:

É porque a fazenda, eu lembro que antes do pessoal ocupar o Vale da

Esperança, o pessoal foi no INCRA, viu os problemas que ela tinha de

empréstimos, de dívidas ao Estado, e também o reconhecimento da área. Então o pessoal já tinha visto que a área era agricultável, que ela poderia produzir, que

ela só tinha mato e alguns pés de coqueiro e criação de gado. (Lenilton,

fotógrafo do MST, entrevista realizada na sede do CEAHS, em 24/03/2004)

Em 1995 quando nós estávamos fazendo o trabalho para ocupação da Fazenda

Vale da Esperança, aí nós fizemos toda uma vistoria em algumas áreas na

região e a que apresentou um perfil de desapropriação na época era a Vale da Esperança e em função disso a gente fez a ocupação dela. Nosso projeto era

pegar toda terra que pertencesse a ALMIR naquela época. (Edmilson, ex-

liderança do MST, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Através destes depoimentos há de se considerar que a questão agrária apresenta interesses

de classes antagônicas, expressos, de um lado, por proprietários fundiários, grupos econômicos e

seus prepostos; e, do outro, pelos trabalhadores/as rurais, que no processo constroem seus

movimentos contando com aliados. Pode-se considerar que para os/as trabalhadores/as rurais

ocuparem uma área particular, estão em certa medida, infringindo a lei da propriedade privada

capitalista, que se tornou culturalmente intocável. Portanto, o acampamento é um momento de

122

confronto direto com o proprietário e seus prepostos, que quase sempre contam com o apoio do

Estado através da polícia, de juízes e outros a serviço do monopólio da terra.

Nessa lógica, a disputa pelo conjunto das fazendas Aralém, Vale da Esperança, Lagoa do

Meio e Fonseca está inserida num contexto mais amplo e complexo da questão agrária brasileira.

Retomando o fio condutor da ocupação pela voz de seus protagonistas. É importante ressaltar que

parte dos trabalhadores/as rurais que ocuparam as propriedades já vinham de um processo

histórico de lutas no município e na região, pois já tinham aprendido a se reunir para discutir seus

problemas e lutar pelos seus direitos. Na década de 1980, algumas dessas famílias de posseiros

enfrentaram a grilagem de suas terras em Rio do Fogo, sendo vitoriosos, após um processo de

organização envolvendo o sindicato e tendo como aliados as religiosas (Irmãs Dominique e

Assunta) dedicadas as comunidades de base em Rio do Fogo, a ACR e a equipe técnica do SAR.

Nesse sentido, não é por acaso que trabalhadores/as de Touros e Rio do Fogo entram nessa

ocupação já com um saber acumulado de outras lutas.

Muitas das pessoas que aderiram à ocupação da Vale da Esperança já haviam vivenciado

experiência com as lutas sociais do município, o que lhes proporcionou uma visão crítica da sua

realidade e o compromisso de lutar por uma vida melhor. Em vista disso, ocupar uma propriedade

privada significa de certa forma romper com a pobreza em que estavam inseridos e questionar o

monopólio da propriedade privada capitalista, arraigada na cultura da elite brasileira como

intocável. Essa questão se expressa nas diversas lutas por terra desencadeadas pelos

trabalhadores/as rurais da região do Mato Grande, e em todo País.

Sobre este aspecto, Araújo (2005, p.123) assinala:

Ocupar uma propriedade implica predisposição em romper com uma série de

concepções anteriores que são historicamente introjetadas. O que significa,

portanto, romper ou aprofundar o rompimento com um conjunto de relações forjadas no âmbito da propriedade fundiária enquanto lócus de relações de

poder. O termo aprofundar se explica pelo fato de que, muitos dos trabalhadores

123

que aderem ao processo de ocupação de terra, já passaram por um processo de

ruptura com as formas de poder local, especialmente com os laços que os

vinculavam ao patronato. Sua emergência como ator político, ao organizar-se em Ligas, Sindicatos, reivindicar direitos, levar patrões aos tribunais, por si só,

já assinalam quebra nas relações pessoais tradicionais. O que tende a

aprofundar-se com o agravamento do processo de expropriação do trabalhador,

a partir da emergência do projeto de modernização da agricultura cujos desdobramentos somam-se ao desemprego urbano e rural, contribuindo para

outras formas de lutas das quais o MST é o maior ícone.

A mobilização e o recrutamento das famílias para ocupar a Fazenda Vale da Esperança

foram realizadas pelo MST, contando como aliados o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Touros, e, em alguns momentos pontuais, com membros da ACR e lideranças do PT advindas de

outras lutas por terra na região do Mato Grande. O MST tinha como estratégia mobilizar

entidades afins como aliadas nas lutas, pois na região do Mato Grande já existia um processo

pedagógico de aprendizado político das lideranças dos/as trabalhadores/as rurais. O depoimento

abaixo indica a ação do MST na mobilização das famílias para ocupação:

A mobilização aconteceu através do MST [...] que é uma entidade

representativa em organização do trabalhador rural [...] As reuniões aconteceram lá no centro pastoral de Rio do Fogo. Eles faziam as reuniões por

comunidade, um dia chegavam em Rio do Fogo, fazia a reunião, já deixava a

data marcada, tal dia e tal hora a gente está aqui pra discutir. A próxima reunião

que estava prevista, quando encerrava aquela reunião já deixava marcada a próxima. Aí eles faziam Rio do Fogo, faziam Touros, faziam Zumbi e Ceará-

Mirim. (Chico, assentado, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte

II, em 03/04/2004)

Antes da ocupação, o MST realizou um processo de preparação das famílias através de

reuniões nas comunidades, dos municípios de Touros, Rio do Fogo, Pureza e Maxaranguape.

Nessas reuniões foram escolhidas as famílias para fazer a ocupação, de acordo com critérios

estabelecidos pelo MST. Também foram discutidos assuntos sobre a realidade social brasileira, a

realidade local, a concentração da terra e os movimentos sociais rurais que lutam pelo seu acesso,

constituindo-se como o início da formação política dos trabalhadores rurais sem terra.

124

A gente geralmente quando chega na comunidade, a gente faz próximos

daquelas terras onde vão ser ocupadas, a gente faz 4 reuniões com os

trabalhadores, vamos fazendo uma discussão a partir de como funciona a sociedade, a questão da concentração da terra, a questão porque existe fome,

porque existe mais ricos e mais pobres, e dentro disso a gente vai passando a

identificar quem tem perfil de agricultor. A partir desse perfil que a gente

identifica, a gente discute a provável condição da ocupação e já define quais as famílias que vão participar da terra. (Edmilson – ex-liderança do MST,

entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

A pedagogia do MST no desenvolvimento das lutas travadas no âmbito da questão agrária

compreende alguns princípios organizativos que norteiam o processo de ocupação e a própria

estruturação do movimento. Estes princípios foram apreendidos das muitas lutas realizadas pelos

camponeses do Brasil e da América Latina. O primeiro princípio diz respeito à direção coletiva,

um colegiado de pessoas que dirigem as lutas. O segundo princípio é a divisão de tarefas, que

permite a organização crescer e trazer para dentro do movimento as aptidões pessoais. O terceiro

princípio é a disciplina, através da qual as pessoas respeitam as decisões das instâncias. “Estando

na organização de livre vontade, tem que ajudar a fazer as regras e a respeitá-las, tem que ter

disciplina, respeitar o coletivo, senão a organização não cresce”. O quarto princípio é o estudo,

para que os militantes e trabalhadores/as rurais possam entender melhor a sua realidade e

combater o voluntarismo. O quinto princípio organizativo é a formação de quadros, com base nas

dimensões teórica, metodológica, política, ideológica, organizativa e mística construídas ao longo

da história do movimento. O sexto princípio organizativo é a luta de massa. “A luta pela terra e

pela reforma agrária só avança se houver luta de massas. O direito assegurado na lei não garante

nenhuma conquista para o povo. Ele só é atendido quando há pressão popular”. E o sétimo e

último princípio organizativo é a vinculação com a base. “Por mais alto o nível do dirigente, por

mais estudado que seja, por mais combativo e lutador que demonstre ser, se não mantiver o pé no

chão, se não mantiver atividades de base, se não mantiver vínculos com a sua base social, não irá

longe”. (STEDILE; FERNANDES, 1999, p. 39-43)

125

Na experiência em análise, o processo de organização das famílias para ocupação se deu

basicamente a partir das reuniões nas comunidades. Para sua efetivação, marcado o dia, foi

necessário contratar dez caminhões que transportariam as famílias das comunidades até a

fazenda. Além disso, foi elaborado o acordo de convivência, que trata das regras e normas de

vivência no cotidiano do acampamento. Esse acordo foi discutido nas reuniões das comunidades

em preparação à ocupação. Em cada comunidade uma pessoa ficou responsável por organizar o

grupo, agendar o horário e o local do embarque das famílias.

A fazenda Aralém foi escolhida para dar início à ocupação, dada sua localização

estratégica, situada no centro das quatro fazendas, onde se localiza a sede das mesmas; e ainda

ligada a uma estrada de acesso mais facilitado às suas terras, além de possuir água. Todas essas

condições foram fundamentais para alavancar o processo de ocupação.

A ocupação realizou-se em 5 de novembro de 1995, a partir da meia noite, horário que

daria mais segurança às famílias e não chamaria a atenção do proprietário e seus prepostos. As

famílias foram acomodadas em caminhões com suas bagagens e ocuparam a fazenda Aralém. Ao

desembarcarem iniciaram a construção dos barracos que seguiu até o dia amanhecer. Pela manhã

os/as trabalhadores/as rurais receberam a visita do Sr. Almir Artêmio de Melo, proprietário, junto

com o então delegado de Touros e alguns soldados. Durante a conversa, o proprietário ameaçou

as famílias de despejo se não saíssem imediatamente da fazenda, dizendo que tinha o apoio da

Polícia de Touros. Após a conversa com o proprietário e sua saída do local, os ocupantes

decidiram se retirar e entrar na Fazenda Vale da Esperança, onde permaneceram durante um mês,

enfrentando a luta e resistindo às pressões e violências do proprietário. Quando o delegado de

Touros voltou ao local da ocupação na Fazenda Aralém para realizar o despejo, os/as

trabalhadores/as rurais já haviam se retirado. Percebe-se nesta experiência as forças estatais

capturadas pelo interesse do capital aqui representado pelo proprietário.

126

Nos relatos, um dos trabalhadores rurais reconstituiu a ocupação:

A gente saiu de Rio do Fogo era 12 horas da noite, quando chegamos no Vale

da Esperança encontramos logo o capanga do latifúndio, toalha amarrada no

pescoço, braços cruzados, lá no apendre. Saltemos do caminhão, quando chegamos lá se ajuntamos para entrar. Ai entramos. O movimento tinha

quebrado o cadeado da cancela, os caminhões descarregaram a bagagem, todo

mundo com bagagem, com colchão, bolsa com coisa de comer, outros com

crianças chorando com sono, aperreio, lona. Ai quando nós chegamos e entremos na fazenda era uma hora da manhã [...] Quando nós terminamos de

montar os barracos e nós respondemos ao proprietário que nós tava precisando

de terra para trabalhar. Aí ele perguntou onde era que nós vivia, nós não tinha casa, como era que nós vivia, só podia viver se fosse na terra dele, que o

movimento tava deixando o povo mal acostumado em tomar as terras dos

outros e ele pagava direito daquela terra, que a terra era dele e ele não ia abrir

mão dos direitos dele não” [...] Nós tava na Aralém e foi daí que nós entramos na Vale da Esperança [...] no dia seguinte nós começamos a montar novamente

as barracas [...] nós ficamos uma média de quase um mês, não, quinze dias mais

ou menos. A polícia voltou pro local que nós tava, fazendo despejo. (Chico assentado, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em

03/04/2004).

Seguindo os princípios organizativos do MST, já explicitados anteriormente, o

acampamento Vale da Esperança foi estruturado em equipes de trabalho compostas de núcleos de

famílias do mesmo município que realizavam as tarefas e os serviços diários: alimentação, saúde,

higiene, educação, mística e lazer.

Na tentativa de assegurar a sobrevivência no acampamento buscou-se uma rede de

solidariedade: produtos dos trabalhadores/as acampados; contribuições dos membros do

movimento que já haviam conquistado a terra; envolvimentos de pessoas e entidades; doações de

alimentos por parte da prefeitura de Touros e de cestas básicas do INCRA. Entretanto, apesar do

esforço coletivo e da solidariedade próprios desse momento, mesmo assim as condições de

sobrevivência não ficaram asseguradas. O discurso das ocupantes revela a difícil situação que

vivenciaram no período do acampamento.

A vida era difícil, vivia de baixo das barracas, sofrendo muitas conseqüências,

era perseguido de polícia, tinha bala, despejo, tiroteio, foi baleado dois amigos

da gente, tudo isso e se passava necessidade. (Francisquinha, assentada,

127

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em

01/02/2005)

O INCRA mandava a comida, o caminhão vinha deixar, vinha pra gente passar

um mês, assim do arroz, do feijão, embora que o feijão era duro que só ia na

panela de pressão [...] Ali no Vale um dava uma macaxeira, outro dava uma

banana, a gente ia pra praia e trazia um peixinho e por ali a gente ia levando a vida [...] Água era fácil, lá tinha cacimba, a gente caçava na várzea do rio.

(Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 08/04/2004)

Como expressão importante da pedagogia do MST, o acampamento contava com uma

coordenação geral, responsável por dar unidade ao trabalho das várias equipes, encaminhar as

lutas, negociar com o governo e relacionar-se com a sociedade. Essa organização envolveu a

Assembléia Geral do acampamento que era o órgão máximo de decisão, que se reúne

periodicamente com os/as acampados/as. Alguns valores são centrais no processo pedagógico do

MST e que norteiam a organização. Assim, por exemplo, a democracia interna, a solidariedade, a

participação de todos/as nas decisões, a divisão de tarefas e a direção coletiva constituem

expressões importantes, como explicitado no depoimento de Branca:

Dentro do acampamento a gente dividia as coisas, o pouco que tinha a gente

dividia uns com os outros, era muito, todos solidários um com o outro. (Branca,

assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005).

Chama a atenção à presença e envolvimento das mulheres, conforme o depoimento de

Dona Nailde, que revela quão importante era a participação das mulheres como algo decisivo no

processo de desenvolvimento do acampamento, apesar de constatar-se que nesse momento não

havia nenhum espaço especifico de organização das mulheres.

Todos participavam, tinha os grupos, tinha os coordenadores, na parte dos homens, tinha também as mulher pra ta ali no grupo pra organizar alguma

coisa, porque sem que não tivesse a participação das mulher, nada ia pra frente.

(Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

128

A participação aqui entendida como processo de reivindicação, expressão e luta, onde se

construía a identidade e autonomia como uma nova maneira de encarar a realidade e agir

coletivamente, expressando aspirações e necessidades. Com efeito, considera-se participação

política desde comparecer a reuniões de partidos, comícios, grupos de difusão de informações,

até inscrever-se em associações culturais, recreativas, religiosas ou, ainda, realizar protestos,

marchas, ocupações de prédios. (TEIXEIRA, 2001, p.25).

Ao analisar o processo de participação das mulheres no conflito Vale da Esperança, pode-

se afirmar que este foi calcado numa visão de emancipação política, mesmo que não tenha sido

alcançado a contento, mas o mesmo se desenvolveu com base em valores de solidariedade,

divisão de tarefas, respeito à pluralidade e à opinião de todos/as, decisões coletivas.

No desenvolvimento desse processo de participação, as mulheres assumiam tarefas

cotidianas no acampamento que foram decididas coletivamente. A elas coube realizar tarefas

tidas como femininas, ou seja, o trabalho doméstico de cuidar das crianças, idosos e doentes,

preparar a alimentação, lavar as roupas, cuidar dos barracos, ensinar alfabetização às crianças,

adolescentes e jovens, entre outras. Nota-se que, mesmo num esforço de emancipação política, há

um reforço da divisão sexual do trabalho, e uma certa naturalização das relações sociais na

medida em que as mulheres realizavam, principalmente, as tarefas domésticas, desvalorizadas e

secundarizadas no mundo do trabalho na ordem capitalista. Não havia durante a luta pela terra em

Vale da Esperança uma consciência da necessidade de construção de relações com equidade de

gênero, ao passo que se reforçavam as assimetrias construídas histórica e culturalmente,

conforme expresso nos depoimentos abaixo:

Os homens vigiavam e a gente cuidava das crianças. (Nalva, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em

17/04/2004)

129

A gente fazia as obrigação que tinha que fazer, assim lavar um prato, varrer a

casa, varrer o terreiro, abrir paia pra fazer as barraca que a puliça vinha e tocava

fogo e queimava tudo. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Vivia lá no barraco, andava no mato atrás de lenha pra cozinhar, fazia qualquer

coisa. (Edilza, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2004)

A gente ficava no barraco, varrendo o terreiro, cuidando dos filhos, fazendo comida, lavando roupa no rio. (Raimunda, assentada, entrevista realizada em

sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2004)

Foi possível identificar que na realidade em questão aos homens eram dadas tarefas que

exigiam força e coragem, como vigiar o acampamento, negociar com o fazendeiro e com o

governo, enfrentar os prepostos e a polícia, juntamente com as mulheres que eram linha de frente

dos conflitos, dialogar com as entidades aliadas e com a sociedade em geral. Além disso, eram

responsáveis por garantir o pouco dinheiro para o sustento das famílias, através dos dias de

trabalho que conseguiam em fazendas vizinhas ou na pesca. Isso demonstra que o MST, apesar

de ressaltar a participação feminina nos acampamentos, nesse caso, não conseguiu romper com a

cultura patriarcal que relega a mulher ao espaço privado, desvaloriza as tarefas domésticas e não

incentiva sua participação no espaço público.

Os homem tinham muitos deles que saiam pra trabalhar fora, porque eles precisavam também ganhar algum dinheiro, pra comprar açúcar e café, porque

o INCRA não mandava [...] Eles tinham que trabalhar pra adquirir as compras.

(Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

As mulheres ficavam no acampamento e os homens iam buscar dia de serviço

fora [...] As mulheres ficavam nas barracas com seus filhos, suas famílias. (Branca, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 01/02/2005)

Percebe-se pelos depoimentos que são reproduzidas na luta pela terra as desigualdades de

gênero ao passo que não há uma ação cotidiana na perspectiva de rompimento com as assimetrias

130

de gênero, no momento da organização e formação política dos/as acampados/as64

. Apesar de as

mulheres participarem de todas as assembléias do acampamento e das decisões, não foram

criados mecanismos que priorizassem a sua participação e inclusão nas comissões de maior poder

político-organizativo, como a Coordenação Geral do Acampamento, formada apenas por homens,

aprofundando a secundarização da mulher na vida pública. Desta forma questiona-se: Por que no

momento da luta não se priorizaram mecanismos de participação efetiva das mulheres no

acampamento? Não seria paradoxal lutar pela emancipação da classe, sem considerar a

emancipação de gênero?

Percebe-se também, que na visão das mulheres não há desigualdades nas relações entre

homens e mulheres, apontando para uma homogeneidade que não era real. As mulheres da Vale

da Esperança não demonstravam uma consciência de sua condição de subalternidade na vida

cotidiana do acampamento e da luta, salvo aquelas que já vinham de outras lutas no campo, como

é o caso de Dona Nailde. Nesse sentido, apesar de sua inserção ser imprescindível e importante,

as mulheres ainda são invisíveis para si e para o movimento como afirmam os depoimentos

abaixo:

Participava das reuniões e toda vez que tinha assembléia tava homem, mulher,

moça, menino, todo mundo tava ali participando. (Nailde, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004).

Quando tinha uma reunião, assembléia, todo mundo tinha o direito de opinar e

as mulheres que tinha alguma idéia falava. Todos falavam, se falava tudo junto. (Branca, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 01/02/2005).

64 Há de se ressaltar que existe uma preocupação do MST e de outros movimentos sociais rurais, em desenvolver

processos políticos, organizativos e de formação, na perspectiva de gênero, mas no caso em análise (ocupação da

Fazenda Vale da Esperança), essa dimensão das relações sociais não foi enfrentada a contento pela Coordenação do

MST Estadual, juntamente com a coordenação do acampamento.

131

Durante a luta, as mulheres se mantinham no acampamento participando, incentivando e

dando força aos maridos para que não desistissem diante de tantas dificuldades e violências,

conforme expressam os depoimentos de Nalva e Branca:

Há, eu pedia muito, entregava ele na mão de Deus, e pedia muito que Jesus

abençoasse e que ele ganhasse porque a luta era grande e a gente ia pedir a

Deus, dava força a ele também, dizia a ele que não desistisse porque a gente necessitava e a gente só tem as coisas com luta mesmo, se a gente lutar a gente

tem e a gente dentro de casa não tem nada. (Nalva, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Eu acho muito importante a luta pela terra, porque é coisa que a gente busca,

luta e consegue, com fé consegue. Porque eu acho assim, que nessa vida se a gente num lutar a gente nunca consegue nada, porque a gente num nasceu em

berço de ouro, nasceu sem nada, então se a gente num lutar pra conseguir algo

mais tarde para nossos filhos, ao menos um pedaço de terra pra trabalhar, alguma casa pra morar, o futuro não vale a pena viver. Só vale a pena viver se

lutar, eu acho muito importante a luta pela terra. (Branca assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005).

Ainda sobre a participação das mulheres, uma ex-educadora do SAR, que acompanhou

algumas ações no acampamento, relembrou a importância das mulheres no seu cotidiano, mesmo

considerando as assimetrias de gênero:

Quando participava de reuniões em nome do SAR, como um apoio às famílias,

no momento em que decidiam as estratégias de ação conduzidas pelo MST, organizador da ocupação, muitas vezes presenciamos a participação das

mulheres que permaneciam sem o uso da palavra, pois era um espaço

masculino e sua presença era para valorizar a representação familiar. Foi assim

que vieram com seus filhos/as para a ocupação, a convite do MST. Montaram as barracas do acampamento, trouxeram roupas, utensílios domésticos, animais

de estimação, improvisaram fogões para cozinharem as comidas, conseguiram

demonstrar a necessidade das famílias instalarem suas vidas na terra, o que sem elas se tornaria difícil”. (Socorro do Vale, ex-educadora do SAR e atual

membro da equipe de educadores/as do CEAHS, entrevista realizada em 16 de

maio de 2005).

O processo de participação e decisão coletiva constituíram o eixo para a resistência no

acampamento e para organização da luta pela desapropriação das fazendas, conforme revelou um

dos relatórios do SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL (1995),

132

A participação é tão presente que quando as decisões são tomadas são

assumidas por homens e mulheres, resultados de assembléias assumidas pelo

coletivo de famílias acampadas, fato que tem contribuído para a ampliação da visão sobre a democracia interna entre homens e mulheres que lutam pela terra.

A participação presente no cotidiano do acampamento Vale da Esperança foi um exercício

de construção de consensos e de relações de poder centradas no coletivo, “possibilitando-se o

surgimento de novos tipos de participação, formando-se uma nova cultura política em que se

valorizam a ação coletiva, a construção de identidades, a criação e efetivação de direitos, o

enfrentamento de problemas cotidianos”. (TEIXEIRA, 2001, p.28). De fato, uma participação

que buscou construir uma consciência crítica da realidade e romper com o círculo vicioso das

desigualdades sociais e políticas, presentes na estrutura agrária da região e do país.

Outro aspecto importante da vida no acampamento Vale da Esperança, refere-se ao

processo formativo desencadeado pelo MST. A educação e a formação de quadros nos

acampamentos ocorriam no cotidiano em um processo de construção coletiva do conhecimento,

pois eram formados grupos de alfabetização de jovens e adultos, alfabetização de crianças e

adolescentes, grupos de mulheres, grupos de jovens, grupos de agricultores. Estes eram espaços

de troca de experiências e apreensão de novos conhecimentos. No processo os trabalhadores/as

rurais iam adquirindo uma consciência crítica da sua realidade. Nesse sentido, as atividades

desenvolvidas no Vale da Esperança compreendiam: reuniões, assembléias, cursos, encontros

com outros grupos de famílias de áreas de conflitos e assentamentos, viagens para participar de

troca de experiências, celebrações, rodas de conversas, lazer, entre outros.

Chamam a atenção os eventos de massa que ocorriam fora do acampamento. Dias antes

do evento, realizavam-se no acampamento reuniões de preparação com músicas, textos e

organização do material necessário para a atividade. Assim foram realizados atos públicos em

Natal, caminhadas, entrevistas à imprensa local, ocupação do INCRA e da Prefeitura de Touros,

133

reuniões de negociação com o INCRA e proprietário, entre outros. Todos esses eventos

representavam momentos de publicizar a luta pela terra para a sociedade, defender a reforma

agrária, pressionar o governo pela desapropriação das fazendas. Em todos estes momentos as

mulheres estavam presentes apesar de não fazerem parte das comissões de negociações com o

poder público.

As famílias participaram de atos de massa em Natal, realizando-se uma

articulação com setores urbanos, nos atos como: Dia Nacional de Lutas e Grito

da Terra Brasil65

[...] As famílias conseguiram dar visibilidade, através da imprensa, dos casos de violência, conseguiu-se realçar junto a população norte-

riograndense, o processo de luta pela terra, as formas de intervenção do poder

judiciário, do poder político e econômico junto a questão da Reforma Agrária.

(SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL, 1995)

Um aspecto relevante no âmbito das estratégias e táticas do MST no Rio Grande do Norte

é a busca de alianças com outras entidades representativas ou aliadas dos trabalhadores/as rurais

no seu processo de lutas e organização, desde a experiência da ocupação do Complexo Zabelê, os

sindicatos da região do Mato Grande e órgãos da Igreja Católica (SAR, ACR e SEAPAC) foram

chamados a participar. Assim, o SAR também desenvolvia processos formativos junto aos

acampados/as da Vale da Esperança. Esse setor da Arquidiocese de Natal já realizava essa ação

pedagógica e política há duas décadas na região do Mato Grande, com famílias de áreas de

conflitos agrários e assentamentos rurais, particularmente nos municípios de Touros, Pureza, Rio

do Fogo e Maxaranguape. Quando o MST começou a organizar o acampamento, contou com o

apoio do SAR na área de formação política dos/as trabalhadores/as rurais e na assessoria e

mediação junto aos órgãos governamentais.

65 Grito da Terra Brasil é uma mobilização dos/as trabalhadores/as rurais organizada pela CONTAG, anualmente.

Essa mobilização acontece inicialmente em todos os Estados do Brasil com uma pauta de reivindicações que é

negociada com os Governos Estaduais e posteriormente, com o Governo Federal, num grande ato público e político

em Brasília. A pauta de reivindicações é composta por todas as demandas das categorias dos/as trabalhadores/as

rurais.

134

A ação formativa do SAR no acampamento Vale da Esperança se desenvolveu com base

nos princípios teóricos, políticos e metodológicos da Educação Popular. A pedagogia,

materializada na execução das atividades, tinha como objetivo impulsionar os sujeitos alvos ao

exercício de uma construção democrática pela justa distribuição de riqueza e pela ação para a

cidadania, na medida em que se valoriza uma cultura política libertadora, modos de luta,

estratégias e dinâmicas de ações de sujeitos individuais e coletivos. Desta forma, os sujeitos e

atores sociais se constituem como protagonistas de suas trajetórias na perspectiva de construção

de relações sociais justas e humanas. Esse processo pedagógico se realizava através de um

conjunto de atividades: reuniões, cursos, seminários, encontros, intercâmbios de experiências,

campanhas de mobilização de massa e articulação de grupos populares e movimentos sociais.

(SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL, 1997, p.26-27).

E ainda,

As práticas pedagógicas são gestadas na vivência de um processo metodológico

onde estão contemplados igualmente os elementos do imaginário e do

subjetivo, das práticas históricas e cotidianas, a expressão corporal como linguagem básica e como instrumento pedagógico, na tônica de resgate de

identidades individuais e coletivas, devendo-se ter especial atenção na

potencialização da criatividade [...] a abordagem dos conteúdos deve estar relacionada aos aspectos culturais, religiosos, étnicos, de gênero, sociais,

políticos e econômicos que permeiam a vida dos sujeitos na ótica de uma

intervenção mais efetiva no meio social [...] a construção do conhecimento se

dará de forma solidária e participativa junto aos grupos e ou sujeitos alvos a fim de construir novos significados, sempre valorizando o saber acumulado e as

práticas experenciadas desses sujeitos [...] a apreensão da realidade não se

concretiza apenas em uma perspectiva teórica em que a assessoria impõe mecanicamente o conhecimento aos sujeitos, mas pelo contrário, a riqueza

desse processo consiste na vivencia da construção solidária do saber”.

(SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL, 1997, p.26).

O processo de formação desencadeado pelo MST e pelo SAR constituíram novos/as

militantes para os movimentos sociais rurais, em especial para o MST, que tinha na formação de

135

novos quadros uma das prioridades para o enfrentamento com o poder fundiário. Conforme

expressa um dos acampados, hoje morador no Assentamento Novo Horizonte II:

A gente participava dos encontros, o MST convidava os acampados, aquelas

pessoas que se interessavam mais pra coordenar, pra pensar no que é uma terra

desapropriada, pra fazer ocupações, ou então eles pegavam aquele pessoal mais jovens e as mulheres. Tanto eles convidavam os acampamentos, como os

assentamentos que já existiam. O objetivo era fortalecer o movimento para se

capacitar novas lideranças e para o povo do Estado do RN, ou melhor do país

todo, ter mais condições de reforçar a questão da cidadania e do direito do trabalhador [...] Então, qual era a estratégia do movimento, quanto mais gente

tivesse interesse em se capacitar pra estruturar o movimento. Não era

importante que o movimento ficasse centrado só nas pessoas que estava administrando naquele momento, quando tivesse de acontecer a prisão ou a

morte de algum companheiro desse que fazia parte da liderança do movimento,

já tem alguém pra substituir, já ter as informações, saber como atacar, saber

como ocupar, saber como mobilizar o povo. (Chico, assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004)

Na contínua prática política nas lutas por terra e por trabalho, os/as trabalhadores/as rurais

acumularam um saber que pode permitir um avanço na sua consciência crítica de classe. Trata-se

da formação de um saber social construído com elementos da prática das lutas, da cultura popular

do grupo, acrescido de conhecimentos científicos e acadêmicos, possibilitado pela presença dos

mediadores nos movimentos e grupos sociais, ou seja, a luta propicia um processo pedagógico de

conhecimento.

Todo esse processo de formação política dos/as trabalhadores/as rurais que lutam pela

terra, vem se constituindo um espaço na tentativa da emancipação e constituição de sujeitos

políticos coletivos que buscam a efetivação da cidadania. Martins (1986, p.18) ao analisar esse

aspecto das lutas no campo, afirma:

O principal fruto das lutas no campo é a emancipação política dos trabalhadores rurais, cujas consciências tem sido secularmente escravizadas pela dependência

pessoal e pelo clientelismo político. Os trabalhadores que lutam pela terra,

lutam, também, contra esse tipo de opressão: lutam também pela liberdade, pelo rompimento de tais vínculos de dependência. Cortam assim, o arame farpado da

sujeição. Destroem a base do poder de seus senhores.

136

O embate que ocorre entre grupos econômicos e proprietários de terras, de um lado, e as

categorias de trabalhadores/as rurais, de outro, pode ser analisado não só pela negação dos

direitos desses últimos, mas também pela “afirmação de uma classe à procura de sua identidade,

recusando o papel que lhe foi secularmente atribuído pelos senhores-cidadãos, de cliente e

apadrinhado”. (MEDEIROS, 1989, p.9).

Essa identidade de classe é construída no desenvolvimento das lutas no campo, lutas por

direitos e cidadania. Os/as trabalhadores/as rurais afirmam essa identidade frente às ações dos

latifundiários, da sociedade e do Estado, onde se fundam as suas reivindicações e a sua percepção

da marginalização econômica, política, social e cultural a que foram submetidos. “A identidade

se elabora a partir de uma tensão entre o estatuto legal vigente da propriedade e a legitimidade da

posse, ou entre o direito da lei e o direito da terra para quem nela trabalha e vive”.

(GRZYBOWSKI, 1987, p.56). Enfim, a identidade coletiva está intimamente ligada à

constituição de sujeitos políticos coletivos e à afirmação de seus direitos.

No contexto da ocupação do Vale da Esperança, os/as trabalhadores/as rurais foram

construindo uma consciência crítica da realidade em que estão inseridos, aspirando a mudanças

sócio-econômicas concretas em suas vidas. Lutas localizadas podem fortalecer a agenda de uma

reforma agrária ampla que assegure as políticas públicas necessárias para a sobrevivência das

famílias no futuro assentamento, de forma que a luta pela terra se faz acompanhar de um conjunto

de necessidades mais amplas.

A questão da terra e do trabalho foi posta em termos de reformas sociais e não

em termos de reformas meramente econômicas, de mera redistribuição da

propriedade. Os trabalhadores querem mais [...] Querem uma reforma social para as novas gerações, uma reforma que reconheça a ampliação histórica de

suas necessidades sociais, que os reconheça não apenas como trabalhadores,

mas como pessoas com direitos à contrapartida de seu trabalho, aos frutos do trabalho. Querem, portanto, mudanças sociais que os reconheçam como

membros e integrantes da sociedade. Anunciam, em suma, que seus problemas

são problemas da sociedade inteira. (MARTINS, 1992, p. 15)

137

Enquanto momentos coletivos de sociabilidade e construção de identidade, a participação

nos movimentos sociais rurais e a vivência nos acampamentos têm sido a oportunidade para

muitos trabalhadores/as rurais apreenderem novos conhecimentos e práticas políticas. Segundo

Grzybowski (1987, p.59-60), os movimentos permitem aos trabalhadores/as rurais,

Em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar,

negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração da identidade social, a

consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais [...]

Através dos movimentos os trabalhadores rurais rompem com o seu isolamento

geográfico, social e cultural. Inserindo-se num mundo mais amplo, aprendem a

reconhecer a diversidade de formas de vida, a buscar alianças e a prestar solidariedade. Também nos movimentos aprendem a conhecer seus adversários,

suas táticas, suas organizações.

Acerca dos aspectos importantes das ocupações que foram desencadeadas pelos

trabalhadores/as rurais sem terra em Vale da Esperança, é importante ressaltar que ao resistir na

terra, essas famílias estavam questionando o poder do latifúndio, materializado na opressão e na

expropriação que vivenciavam e ao mesmo tempo, resgatavam a sua cidadania e o sentimento de

pertencimento à terra, e a ação política organizada expressa na formação dos movimentos sociais

rurais.

A luta pela terra se configurou como uma luta de classes sociais distintas, de forma que no

momento da ocupação os conflitos se acentuaram entre esses sujeitos que se colocavam frente a

frente. O cenário da luta da ocupação da Vale da Esperança é ilustrativo da disputa pela

propriedade fundiária de forma que, dado seu potencial produtivo e econômico, o conflito é

acirrado, aumentando a violência do aparato acionado pelo proprietário, o que será analisado a

seguir.

138

2.3 – As Ações de Despejos e a Violência Institucionalizada

Ao passo que constroem o acampamento muitos problemas e dificuldades surgem no

cotidiano dos/as acampados/as. Merece destaque a violência acionada pelo fazendeiro, contando

sempre com o aparato policial além de seus prepostos, a exemplo da violência ocorrida em todo

País praticada pelos grupos econômicos e grandes proprietários de terra.

A violência no campo tem sido uma estratégia de intimidação da organização política das

classes subalternas no mundo rural demandantes de terra e condições de sobrevivência. As

formas de violência são variadas: ações de despejos, assassinatos, prisões arbitrárias, agressões,

lesões corporais, ameaças de morte e tortura, destruição das plantações e de moradias.

A Comissão Pastoral da Terra – CPT realiza anualmente uma pesquisa sobre a violência

no campo e registrou de 1985 a 2002, 1.150 assassinatos de trabalhadores/as rurais, advogados,

lideranças sindicais e religiosos/as ligados à luta pela terra. Desses 1.150 assassinatos, apenas 121

foram levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, somente 14 foram julgados, sendo 7

condenados. Foram levados a julgamento 4 intermediários, sendo 2 condenados. Entre os 96

executores julgados, 58 foram condenados66

.

A violência no campo se dá de três maneiras: a primeira, armada, é a reação dos

latifundiários com suas milícias, jagunços, capangas e a própria polícia militar; a segunda refere-

se a violência do judiciário, juízes concedendo liminares com base em documentos falsos; e a

66

Um dos casos mais importantes de violência contra os/as trabalhadores/as rurais foi o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Em 17 de abril de 1996, oficiais da Polícia Militar mataram 19 trabalhadores rurais, ferindo

gravemente outros 69. Alguns meses depois, outros 2 lavradores morreram em conseqüência dos ferimentos.

Segundo o médico legista Nelson Massini, houve execução sumária, pois a maioria das vítimas foi atingida com tiros

no peito, cabeça e nuca. Em agosto de 1999, todos os 154 policiais militares acusados de participar do massacre

foram absolvidos. Aquele julgamento foi anulado e, em 2001, outro júri condenou somente 2 oficiais. Apesar disso,

eles continuam em liberdade por meio de recurso. (A Hora da Justiça: Massacre de Eldorado dos Carajás. Revista

Caros Amigos Especial, Edição Especial nº 12. São Paulo: Editora Casa Amarela, abril/2002).

139

terceira refere-se à violência da mídia, que não raro provoca uma versão distorcida dos fatos e

acontecimentos, criminalizando os movimentos sociais rurais, colocando a população e a opinião

pública contra a reforma agrária e seus protagonistas. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA,

1992).

No caso da ocupação em análise, as famílias foram submetidas a todas as formas de

violência praticada pelo fazendeiro com o aval do Estado. O primeiro despejo ocorreu no dia

seguinte à ocupação da Fazenda Aralém (Touros/RN), quando os/as trabalhadores/as foram

abordados pelo proprietário da terra, o delegado de Touros e alguns policiais. As lideranças do

acampamento negociaram com o proprietário. Em seguida, antes de a polícia retornar para fazer o

despejo, as famílias se retiraram da Fazenda Aralém e ocuparam pela primeira vez a Fazenda

Vale da Esperança, conforme expressa o depoimento:

Acampamos no dia 5 de novembro de 1995 e no dia 6 de novembro de 1995 já

chegou a polícia de Touros, como fazia parte do município de Touros, lá a área.

O proprietário chamou a polícia de Touros pra negociar que nós saísse sem conflito e nós dissemos para o delegado que nós não ia sair dali, que nós tinha

chegado ali, necessitava da terra, nós ia permanecer. Como eles eram

pouquinho, só 6 policiais, com 265 famílias, quase só homem, na hora que a gente foi não tinha muita criança, nos sentimos reforçados e encaramos, né. Aí

o delegado falou já que nós não queria negociar pra desocupar a área. Eles iam

voltar, mas que não era de acordo, não tava de acordo que nós tomasse aquela

posição porque eles estavam poucos naquele momento, mas depois podia ir mais e nós sair de qualquer forma. Aí nós respondemos pra ele que a gente tava

ali como a gente tinha sido disposto de ir pra terra pra lutar. A gente encaramos

porque se não desse pra gente resistir com mais policiais que viesse a gente desocuparia a terra, então a gente ficou o resto do dia [...] Da fazenda Aralém

nós despejamos por conta própria, quando a polícia chegou pra iniciar a

negociação para desocupar, nós aceitamos”. (Chico – assentado, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

As famílias permaneceram acampadas no Vale da Esperança, por quase quinze dias

quando ocorreu o segundo despejo. O agrupamento de policiais se deslocou para o local do

acampamento e realizou o despejo, sem nenhuma negociação. Humilhadas e ameaçadas pelos

policiais e prepostos do fazendeiro, as famílias saíram da fazenda e ficaram acampadas em um

140

sítio vizinho por três meses, quando voltaram e reocuparam o complexo fundiário na fazenda

Vale da Esperança. O depoimento de um ocupante revela a trama de violência desencadeada

pelas forças do latifúndio para realizar o despejo.

Agora o despejo feito por policiais no Vale da Esperança, no dia 15/11/95. Um

dia antes, na parte da tarde, às 3 horas, começaram a transportar os policiais e

colocar todos na casa da sede da fazenda. Os carros eram da polícia mesmo, aquelas C-10. Aí quando deu 4 horas da manhã o policiamento tava todo

localizado na casa, sendo do outro dia até tarde da noite eles transportando

esses policiais pra lá. Quando deu 4 horas, 3 horas da manhã já estava todo

mundo na ativa pra ir para a ação. Aí os carros começaram a transportar pro local onde nós tava acampado. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua

casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Durante os três anos de ocupação nas propriedades de Almir Artêmio de Melo, os/as

trabalhadores/as se revesavam nas fazendas. Entre uma ocupação e outra, as famílias ficavam

acomodadas num pequeno sítio vizinho das fazendas. Ocorreram sete ações de despejos: duas na

fazenda Aralém, três na Vale da Esperança e duas na Fonseca. Quando eram despejados de uma

propriedade, voltavam para o sítio, onde passavam de três a sete meses, período em que

planejavam a reocupação de outra fazenda. Isso se expressa nos depoimentos de Chico e Rosa ao

relatarem as ações de despejo:

As famílias saíram. Um parceiro que tava também na luta com nós, um

companheiro que tinha uma, ainda tem uma terrazinha [...] e o pessoal insistiu e

chegou até o lugar onde o parceiro tinha arrumado a terra com o pai pra o pessoal ficar acomodado... nessa terra nós ficamos lá aproximadamente 2 anos e

a gente reocupou a Vale da Esperança sete vezes [...] Montamos um

acampamento provisório. A gente ficou fazendo as ocupações, revezando, uma

ocupação a gente fazia numa fazenda, como era todas quatro com os acessos de entrada tudo próximo, uma ocupação maior parte a gente fazia numa fazenda,

outra repartição fazia noutra, outra repartição fazia noutra. Que era a nossa

reivindicação pela terra era desapropriar todas quatro. Só as 4 dariam para acomodar as 275 famílias, todas tinham solo fértil, todas tinham água, embora

tivesse muito solo arenoso, mas o pessoal insistia em que aquela terra devia ser

desapropriada pra ser assentado nela [...] Muitos não agüentava a sair pra tomar nem um banho com a polícia pastorando, caçando, pastorando, foi uma vida

difícil. Pra gente fazer um contato por telefone pra Santa Luzia, que era o local

mais próximo, a gente tava mais próximo de Santa Luzia que foi da vez que a

gente veio pra Fazenda Fonseca era escondido, dentro dos mato de noite, fazer um contato, convidar pra uma reunião, pra marcar uma viagem, arrumar algum

recurso pra viajar, era de noite, escondido e capanga e polícia tudo pastorando”.

141

(Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 03/04/2004).

A gente ocupou a terra e a gente mesmo saiu uma vez. Aí depois nós fumo de

novo, é assim ia e voltava quase toda semana à gente fazia barraco. A roça que

nós fizemos foi destruída. (Rosa, assentada, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

O cotidiano no acampamento era tenso, com a presença permanente da polícia e dos

jagunços. A violência vivida pelos/as trabalhadores/as rurais no acampamento também se

expressava nas visitas de oficiais de justiça e advogados com mandatos de reintegração de posse,

que agem para perturbar o cotidiano das famílias, a ponto de lhes tirar o sono, o sossego de seu

trabalho, e fazê-los desistir da ocupação. Nesse processo observa-se uma explícita absorção do

Estado pelo capital, de forma que as instâncias militares e jurídicas agem prioritariamente em

defesa do capital através da coerção e do abuso de poder.

Nós tava sabendo, nós vivia na expectativa, nós não dormia no acampamento,

nós mantinha um sistema de segurança permanente dia e noite. Porque a gente acreditava, o movimento com a experiência que ele já tem de luta é a primeira

coisa que agita o trabalhador, companheiro nós não podemos dormir, mas nós

tem o trabalho que todo mundo dorme e todos vigiam uns aos outros. Todo dia nós fizemos uma turma pra vigiar o dia e outra pra vigiar a noite, revesava:

quem vigiava o dia, não vigiava a noite e quem vigia a noite, não vigiava o dia.

E a gente permaneceu no acampamento tranqüilo e quem tava nas guaritas e

nos montes mais altos para se fazer ter uma visão melhor do que acontecia ao redor, “lá vem um carro”, aí “lá vem o soldado”, aí “lá vem um capanga”. A

gente já tava todo mundo alerta, cada um com sua foice na mão pro que desse e

viesse. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Acontecia da gente de noite num tê sossego pra durmir, quando a gente tava deitado a puliça chegava soltando bomba dentro do acampamento, fazendo

treinamento, atirando pra dentro do acampamento. (Nailde, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em

08/04/2004)

Observa-se como os ocupantes criaram formas coletivas de resistência, táticas e

estratégias para responder pacificamente à violência, acumulando forças para conquistar a

desapropriação da terra. Certamente a tensão constante amendrontava as famílias acampadas, mas

142

as estratégias e táticas acionadas para enfrentar a violência e assegurar a integridade dos

ocupantes acabava vencendo o medo. Nesse momento crucial da luta, as mulheres participaram

ativamente, organizando formas para conviver ou mesmo sobreviver à violência, conforme

expressa o depoimento abaixo:

Muita violência. Como você sabe, logo no começo houve tiroteio, até mesmo

da época que eu morei lá, eu vi muitas das vezes que eles atiravam e a gente via

mesmo as balas passavam bem pertinho dos barracos. Pra gente tomar um banho tinha que uma tomar um banho e a outra ficar pastorando por causa da

polícia. Às vezes vinham os carros e a gente corria e já vinha vestir a roupa

perto de casa. (Nalva, assentada, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

A história do conflito Vale da Esperança não é um caso isolado, mas faz parte de um

processo histórico que atravessa um longo período da história do País. Nos momentos de maior

conflito de terra, torna-se visível a ação conjunta entre os proprietários rurais e o Estado, através

da polícia local, representantes do poder judiciário, entre outros. No caso em estudo os

depoimentos dos ocupantes revelam a eficiência, desburocratização e presteza com que a polícia

e a justiça agiam em favor da propriedade privada de Almir A. de Melo. O delegado de Touros

lançou mão de grande parte da corporação para realizar as ações de defesa do latifúndio, ao invés

de garantir a segurança para a população acampada, que sofria ameaças e agressões, tratando-os

como “ladrões de terra” e “invasores”. Questiona-se quais os elementos que determinam a aliança

entre o capital e o Estado na defesa do bloco agrário? Nesse sentido, a ação da polícia se revelou

contundente, como pode ser exemplificada no relato abaixo:

O despejo foi total. Todo mundo saiu batendo nas palhas, nos barracos dos

outros “alevanta que a polícia ta cercando nós”. Todo povoroso levantou-se o barraco e lá vai partiu pro campo que a gente tinha, assim uma área livre pra se

reunir e ficamos esperando. Eles foram trazendo polícia e trazendo e cercando,

cercando, cercando, cercaram toda frente, não foi mais apertado pra nós porque

a área era grande [...] Ele fizeram um cordão assim de 4 metros de um pro outro, foram cercando, cercando. Ainda pegaram 4 companheiros: 2 de Santa

Luzia e 2 de Rio do Fogo. Não eram lideranças do MST, eram acampados

mesmo, trabalhador. Aí deixaram lá eles como refém, “encoste no carro aqui e

143

me dê a foice”. Cada um entregou a foice, eles não reagiram. Outro conseguiu

escapolir entrou nas árvores e desapareceu e eles não conseguiram capturá-lo. A

liderança do movimento se encontrava, nesse momento pegaram uma jangadinha, já tinha levado pra pescar peixe, um barco ancorado por outro lado.

Eles pegaram o ônibus de Touros, ninguém conseguiu pegar mais eles. E aí, se

foi pra negociação e a polícia queria despejar nós de imediato e nós

negociamos, negociamos que não podia sair, que tinha muita criança e tava tudo com fome e que assim mesmo tinha que fazer a alimentação pra dar as crianças.

Eu sei que quando a gente conseguiu negociar pra sair as 10 horas. Se nós não

conseguisse desocupar a área, eles iam tocar fogo em tudo quanto tinha de barraco, se tivesse área desocupada, se tinha gente ou que não tivesse, eles iam

tocar fogo em tudo [...] A gente permaneceu por mais de um mês cercado de

polícia, desde a noite os policiais iam pra Santa Luzia enchiam a cara de birita e

voltava pro acampamento e chegava e saia atirando a toda hora da noite. E não era distante não, do local que eles ficavam pra dentro do acampamento, era

aproximadamente uns 200 metros, 250 metros. (Chico – assentado, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Os conflitos agrários expressam que os interesses dos trabalhadores rurais em relação à

terra não são iguais aos dos latifundiários e grupos econômicos. Para os/as trabalhadores/as rurais

a terra é antes de tudo, o meio de sua sobrevivência, meio de produzir. Enquanto que o

proprietário utiliza a terra como mercadoria para a acumulação, especulação, reserva de valor e

concentração de poder, quase sempre sob o amparo na legislação que tem privilegiado a grande

propriedade particular.

No acampamento Vale da Esperança, à medida que ocorria o acirramento do conflito, com

as freqüentes ações de violência, os/as trabalhadores/as rurais elaboravam táticas e estratégias de

resistência e sobrevivência no acampamento. O MST e o STR de Touros buscaram aliados e

parceiros para fortalecer o processo de organização e alcançar a conquista do imóvel. Nesse

sentido, é representativo o envolvimento do SAR e da FETARN na defesa dos trabalhadores/as

sem terra. A cada conflito armado, a coordenação do acampamento articulava as contribuições

que vinham também na forma de assessoria jurídica, de acompanhamento dos trabalhadores/as à

Polícia Federal e à Delegacia de Touros, realizado pelos advogados do movimento sindical

144

(FETARN e CUT), da OAB e dos mandatos populares da então deputada estadual Fátima

Bezerra e do então vereador de Natal Fernando Mineiro.

Chama a atenção como os trabalhadores/as rurais responderam à violência com ações

organizadas de resistência, de defesa da vida. Nesse percurso utilizaram instrumentos e

mecanismos que pudessem interferir a seu favor nas várias reuniões com a Secretaria de

Segurança Pública, o Gabinete Civil e o INCRA, momento no qual o MST e os acampados

denunciaram as violências sofridas e exigiram providências legais para neutralizar a ação violenta

do proprietário da terra.

Outra ação que merece destaque refere-se a estratégia de ocupar também os meios de

comunicação no sentido de divulgar, denunciar o conflito e conquistar aliados. Várias

reportagens foram veiculadas na imprensa local, sob a mediação do SAR e da FETARN. A

situação de conflito, ao ser publicizada no espaço da mídia, funcionou como poder de pressão

sobre os órgãos responsáveis para agilizar o processo de desapropriação dos imóveis em questão;

contribuiu para sensibilizar a sociedade para a concentração da terra no Rio Grande do Norte;

desenvolveu a solidariedade das pessoas na medida em que participaram das campanhas de

doação de alimentos para as famílias do Vale da Esperança; e exerceu de certa forma um freio

nas ações violentas dos policiais e prepostos, a serviço do proprietário.

No último ano de ocupação, as famílias estavam acampadas na fazenda Fonseca, numa

área conhecida como “Fornos”, onde passaram quase um ano. Ao longo desse tempo estavam

vigiadas dia e noite pela polícia e pelos jagunços, mas sem grandes agressões. Na interpretação

dos ocupantes foi o tempo de maior sossego. Antes desse período, ocorreram outros despejos das

fazendas Vale da Esperança, Aralém e da própria Fonseca, mas um despejo ocorrido na Aralém,

marcou a vida daquelas pessoas que lutavam pela terra. A polícia de Touros e os jagunços do

proprietário agiram com muita brutalidade e violência. Foram dois trabalhadores baleados e

145

outros presos; além dos interrogatórios na delegacia de Touros. A reconstituição desse momento,

expressa nos discursos dos atores que vivenciaram essa experiência, revelam a dimensão da

arbitrariedade policial:

Na 3ª ocupação que a gente fez que foi na Aralém novamente, foi onde teve um

companheiro baleado de Carnaubinha, aliás, um de Carnaubinha, e Lenilton,

que era um fotógrafo que acompanhava o pessoal da ocupação [...] O policial partiu para desarmar todo mundo, o pessoal quis se revoltar, mas depois recuou,

depois que viu os dois parceiros no chão, todo mundo recuou, você via, podia

ter acontecido uma coisa pior, então depois prenderam ainda três companheiros.

Os companheiros foram pegar as foices dos companheiros que estavam baleados pra levar para o hospital, a polícia chamou uns pra acompanhar, levou

eles direto pra delegacia e deixou eles presos, ninguém sabia onde eles estavam

presos, passaram 17 dias presos. (Chico – assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Nessa mesma direção a fala de uma mulher revela não apenas a violência policial, mas as

táticas de resposta ao agressor.

Era puliça e jagunço, quando eles chegavam, vinham de longe, eles já vinham atirando. E teve um dia que eu fui intimada, eu fui a delegacia de Touros.

Quando eu cheguei lá tinha quatro policiais. Aí eles “chegue pra cá”. Entremo

pra dentro de um quarto assim. Aí fiquemo, um do lado, outro doutro e dois na

minha frente. Aí tinha um que dava cada murro em riba do birô. Aí dizia: “quem foi que mandou a senhora ir pro Vale da Esperança?”. Aí eu disse: “sabe

quem mandou? Bernardo Cintura”. Aí eles disse: “quem é Bernardo Cintura?”.

Eu disse: “você não sabe quem é Bernardo Cintura? É a fome, foi quem mandou nós ir pra lá, porque a gente ver um fazendeiro com tanta terra, criando

gado, que a terra dele só dá pra criar gado, é a gente morrendo de fome e num

ter um parmo de terra pra trabalhar”. Aí ele disse: “mas quem foi que

incentivou vocês ir pra lá?”. Eu digo: “ninguém incentivou, foi nós que vimo a Portela, o MST ocupou a Portela e hoje todo mundo tem terra pra trabalhar,

mesmo assim nós também”. Ele disse: “você já viu som?”. Eu disse: “num vi

nem um toque, quanto mais um som”. Ele disse: “mas lá tem um baixinho que anda correndo no meio de vocês gritando, aquele ali é o cabeça de vocês?”.

Eu disse: “você sabe que onde tem muita gente, tem muita cabeça, você ainda

num viu um corpo sem cabeça”. Aí outro policial disse: “homem, solte o

diabo dessa mulher, é doida, a gente pergunta uma coisa e ela vem com

outra muito diferente”. Então ele disse: “você não tem medo de ir presa?”. Eu

disse: “o homem é aquele que prende, o homem é aquele que solta, eu num já tô

presa, porque eu já to aqui nesse quarto junto com vocês”. Ele disse: “mas a senhora ta vendo aquele quarto acolá, eu vou lhe trancar lá que a senhora tá

aqui é mentindo”. Eu disse: “não, eu tô dizendo minha verdade”. Ele perguntou:

“quando a senhora sair daqui, a senhora ainda vai para o Vale da Esperança?”. Eu disse: “eu vou porque a minha casa ta lá, a minha casa é lá e lá é que estão

me esperando, enquanto eu não adquirir um pedaço de terra, de lá eu não saio”.

Aí eles disseram que eu era doida, que fazia uma pergunta e eu dizia outra. Aí

146

eles liberaram e eu vim embora. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua

casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Esse depoimento da Sra. Nailde, quanto ao interrogatório na delegacia de Touros, é uma

referência não apenas de coragem entre os/as trabalhadores/as rurais do Vale da Esperança, mas

revela as estratégias de enfrentamento quando se vêem diante da polícia. Ao ser indagada sobre

“Som”, apelido dado a uma das lideranças do MST, Dona Nailde recorre a uma saída inteligente

ao compará-lo a um toque musical, causando irritação aos policiais e ao mesmo tempo se

passando por uma pessoa com problemas mentais. Isso revela como D. Nailde aprendeu das

estratégias de enfrentamento da violência, forjadas nas lutas por terra na região do Mato Grande.

Durante três anos, os/as trabalhadores/as rurais resistiram na ocupação, enfrentando todo

tipo de violência, conforme já mencionado: agressões físicas; destruição da produção por três

vezes e das precárias moradias (barracos); ameaças e pressões psicológicas, provocando inclusive

abortos; prisões ilegais; ações de despejos; interrogatórios. O depoimento de uma liderança do

MST que acompanhava o conflito é nesse sentido representativo:

Várias pessoas foram chamadas para depor. Na sala onde ocorre os

depoimentos há duas lâmpadas acesas, uma azul e outra vermelha. Durante o

depoimento se a vermelha acender, a pessoa está mentindo, o delegado chama a

pessoa de mentirosa, afirma que são ladrões de terra e que vai mandar todos para a Colônia Penal.

67

É preciso destacar que as mulheres tiveram participação significativa, principalmente nos

momentos mais conflituosos de enfrentamento com a polícia e os jagunços. Elas sempre se

posicionavam na linha de frente com as crianças, por uma questão de segurança, pois os

agressores temiam reagir e atingi-las. Os jagunços e policiais tinham por princípio enfrentar os

homens e as lideranças do MST, por considerar as mulheres fracas, e, portanto, desiguais. Foram

67 Serviço de Assistência Rural – SAR. Informativo nº 27 “Aumenta Clima de Tensão em Touros”. Novembro/1995

147

elas e seus filhos/as que garantiram, na maioria das vezes, a segurança dos barracos e a

integridade das pessoas, conforme expressam os depoimentos:

Tinha que viver assim mesmo, a gente tinha que criar coragem se a gente

estava lutando tinha que enfrentar da melhor maneira possível, ter paciência [...]

Todo mundo corria, todo mundo corria a pé junto, porque as mulheres e as crianças, os homens ficava sempre atrás e as mulheres e as crianças ficava na

frente, podia ser a hora que fosse, era com criança, tinha que correr pra lá,

corria e fazia a barreira na frente com as crianças e os homens ficava sempre

por trás. Aí tinha aqueles que negociava, aí tinha aqueles que vigiava. (Nalva, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II,

em 17/04/2004).

Enfrentava com a coragem, se vinha à turma polícia, quem ia barruar com a

polícia era as mulher, era quem enfrentava, as mulher e as crianças, aí ia

conversar e negociar até chegar a hora de eles entender qual era o objetivo que

a gente queria [...] Os homem ficava tudo atrás da gente, a gente num deixava ele vir pra frente, nós botava eles tudo pra trás, detrás das costas da gente.

(Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 08/04/2004)

A estratégia de manter as mulheres na linha de frente ocorreu e concorre no auge dos

confrontos pela posse da terra. Nesses momentos as mulheres se tornam responsáveis pela

segurança da sua família, dos barracos e da pequena lavoura, restringindo a ação dos agressores.

Sem dúvida essa medida era fundamental para garantir a negociação nas ações de despejos e

reintegração de posse. Enquanto as mulheres “guardavam” suas famílias, os homens,

coordenadores do acampamento, negociavam a saída dos ocupantes da fazenda. Nota-se que

apesar da coragem e do aprendizado político das mulheres, eram “utilizadas” como escudo para

garantir a segurança, no entanto eram os homens que dialogavam com as forças policiais.

Nesse sentido, ao destacar a participação das mulheres no conflito Vale da Esperança uma

ex-educadora do SAR relembra como as mulheres eram imprescindíveis no acampamento:

Uma das vezes ao retornarem às barracas onde acampavam, após uma atividade

em Natal, encontraram as barracas, roupas e até um cachorro queimado. Outras

vezes, faziam barreiras de proteção aos homens em confronto com policiais, quando eram orientadas pelo MST para organizarem uma primeira fila de

crianças, uma segunda com elas e, por último, a dos homens. (Socorro do Vale,

ex-educadora do SAR e atual membro da equipe técnica do CEAHS, entrevista realizada em 16 de maio de 2005).

148

Malgrado a ausência de espaços específicos para a organização das mulheres, estas

acabaram sendo protagonistas no momento da luta, inclusive no enfrentamento do poder e da

violência institucionalizada, contribuindo desde a manutenção e organização interna até a

segurança física das famílias, e sendo ainda uma força de estímulo constante para a

permanência da ocupação. Nesse sentido, reconhecendo este potencial os aliados e parceiros

passaram a fomentar a participação efetiva das mulheres no processo de luta do Vale da

Esperança.

2.4 – Os Aliados e Parceiros na Luta pela Terra

A luta dos/as trabalhadores/as rurais na ocupação das fazendas Vale da Esperança,

Aralém, Lagoa do Meio e Fonseca contou com aliados e parceiros. Foram setores da Igreja

Católica (SAR, Pastorais Sociais, religiosos/as, as Paróquias de Touros e Rio do Fogo, ACR),

Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, OAB, Partido dos Trabalhadores (direção

estadual e mandatos dos parlamentares: Fátima Bezerra e Fernando Mineiro), além de lideranças

comunitárias dos Municípios de Touros, Pureza e Maxaranguape. Nesse conjunto de forças

aliadas, algumas agiram de forma pontual em momentos de negociação com órgãos

governamentais e em eventos de massa; outras participaram de forma mais permanente, sendo

responsáveis pela formação política, estruturação e organização do cotidiano no acampamento.

Além dessas entidades aliadas, os acampados contavam com o apoio e presença permanente de

suas entidades de representação sindical (FETARN, CUT e sindicatos de trabalhadores rurais da

região do Mato Grande), e especialmente do MST, como organizador desde o processo de

recrutamento das famílias para a ocupação.

149

Merece destaque a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,

do Serviço de Assistência Rural – SAR, da Arquidiocese de Natal e do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Touros. Foram atores imprescindíveis no desenvolvimento e na solução

do conflito agrário, na medida em que a situação das famílias se agravou, ganhando uma

dimensão política mais abrangente e exigindo a presença de mediadores de outros setores sociais.

O MST se organizou no Rio Grande do Norte no início dos anos 1990, com a chegada de

suas lideranças nacionais vindas dos Estados do Ceará, Paraíba, Sergipe, Santa Catarina e

Espírito Santo. Inicialmente, começaram um trabalho organizativo com famílias sem-terra de

vários municípios do Vale do Açu, a partir de contatos feitos com representantes do Partido dos

Trabalhadores local e do Movimento Sindical. No município de Açu montou-se uma secretaria de

apoio às ações, ampliando os contatos com sindicalistas rurais dos municípios vizinhos:

Ipanguaçu, Carnaubais, Jucurutu, São Rafael e Santana do Matos. Foram esses contatos que

possibilitaram o MST organizar as primeiras tentativas de ocupações de terra no Rio Grande do

Norte. Sua primeira experiência de ocupação ocorreu em janeiro de 199068

, quando 170 famílias

ocuparam a fazenda Bom Futuro, no município de Augusto Severo. Além dessas ocupações no

Vale do Açu, o MST ocupou uma fazenda em Santana do Matos, no oeste do estado, experiência

também fracassada que resultou na prisão de Livânia Frizon e Maria das Graças de Souza,

lideranças do movimento, em fevereiro de 1990.

A partir da prisão de suas lideranças, o MST procurou a CUT estadual e através de

contato com esses dirigentes sindicais, redimensionou suas ações para região do Mato Grande, no

68 Em virtude de não terem obtido êxito nas ocupações das fazendas Bom Futuro e Palestina, no município de

Jucurutu, alguns dirigentes do MST consideram que o trabalho do MST no Estado teve início em 1990. Em minuta

denominada de “Retrospectiva – 1989/1994”, elaborada pela Coordenação Estadual para ser apresentada no IV

Encontro Estadual do MST, realizado em janeiro de 1995, a mesma enfatiza que essas duas ocupações ocorreram em

outubro e novembro de 1989, respectivamente, sem nenhum sucesso, sendo feito o despejo imediatamente em

seguida a ocupação.

150

sentido de fazer um levantamento dos latifúndios aptos à ocupação e à desapropriação. Para

tanto, transferiram a Secretaria Estadual de Açu para Natal, instalando-se na sede do Sindicato

dos Comerciários. Para iniciar o trabalho no Mato Grande, foram realizadas diversas reuniões e

visitas nos municípios para conhecimento da realidade e das entidades que atuavam na região,

aliadas em potencial para as futuras ocupações. A luta pela terra no campo potiguar sempre

contou com o apoio e assessoria de setores da Igreja Católica e do Movimento Sindical. O MST,

ao chegar na região do Mato Grande, recorreu a esses órgãos e entidades para estabelecer os

contatos e apoios para as ocupações de latifúndios.

A partir daí, a ação com trabalhadores/as sem-terra no Rio Grande do Norte foi melhor

organizada e impulsionada. É nessa região que o MST se projetou no cenário da luta pela terra no

campo potiguar, desenvolvendo diversas ações de ocupações de latifúndios e se tornando mais

uma alternativa organizativa para os trabalhadores/as rurais. Em 1991 foi criada a Cooperativa

Regional de Produção e Prestação de Serviço dos Assentados da Regional do Mato Grande –

COORAMG, para dar suporte técnico em agropecuária para os assentamentos, que se originaram

das lutas do MST na região.

No processo de expansão do MST no estado, diversas ocupações foram realizadas, como,

por exemplo, a ocupação por 350 famílias, em julho de 1990, da fazenda Marajó69

e, em seguida,

da Boa Sorte, ambas no município de João Câmara. Em 1991, o MST ocupou a fazenda

69 Esta fazenda está localizada no município de João Câmara, dispondo de uma área de 1.562 hectares, cujo

proprietário era Francisco Caraciole Bezerril. A fazenda já tinha sido objeto de vistoria em março de 1988, pela

Delegacia Regional do Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (MIRAD), por haver sido ocupada por três vezes em anos anteriores, organizadas pelo STR de João Câmara, estando em processo de desapropriação.

Nesse conflito houve muitas divergências internas com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Câmara que já

havia organizado as ocupações anteriores e negociado com o INCRA a desapropriação da fazenda. Para a resolução

dos problemas ocorreu uma negociação entre o MST, o Movimento Sindical e o INCRA, em desapropriar outras

fazendas para assentar todas as famílias cadastradas pelo Sindicato e as famílias mobilizadas pelo MST, visto que a

fazenda Marajó não tinha terra o suficiente para assentar todas as famílias. Assim foram desapropriadas as Fazendas:

Boa Sorte, em João Câmara e Dom Bosco e Monte Verde em São Bento do Norte. Para maiores informações ver

SOUSA (1999) e SILVA (2003).

151

Surubim70

em Poço Branco, mas fracassou. Em 1992, ocupou as fazendas Dom Bosco e Monte

Verde em São Bento do Norte, o que deu origem ao Assentamento Santa Vitória, como parte de

um acordo realizado entre o MST, Movimento Sindical e INCRA para contemplar todas as

famílias ocupantes da disputa pela fazenda Marajó. Ainda em 1992 o MST ocupou a fazenda

Itapitinga, em São Gonçalo do Amarante. Em 1993, realizou a ocupação da fazenda Rockfeller71

com 300 famílias, numa estratégia para desapropriar o maior latifúndio da região do Mato

Grande, a fazenda Zabelê72

, no município de Touros. Merece destaque, também, o conflito de

Lagoa do Jiqui73

, no município de Touros, que resultou na ocupação da fazenda Capivara. Nesse

conflito, o MST entrou na luta quando outros trabalhadores já haviam iniciado a ocupação há

alguns anos sob a orientação do STR de Touros. Muitas outras lutas foram desencadeadas sob a

coordenação e articulação do MST no Rio Grande do Norte.

Quando o MST se instalou no estado, outros atores sociais já acompanhavam as lutas por

terra no campo potiguar. O trabalho do SAR já se desenvolvia há mais de duas décadas com a

questão agrária na região do Mato Grande, prestando um serviço de assessoria e apoio aos

trabalhadores/as em conflitos de terra e suas organizações políticas. É emblemática a atuação da

equipe técnica do SAR, de forma prioritária, nas mais variadas lutas por terra, especialmente no

Município de Touros.74

70 Esta fazenda pertence ao município de Poço Branco, tem uma área de 1.070 hectares, pertence ao latifundário

Francisco Ribeiro e foi ocupada em maio de 1991 por famílias sem terra organizadas pelo MST. As famílias foram

duramente despejadas e a ação fracassada. 71 A fazenda Rockfeller é pertencente à União, situada no município de São Gonçalo do Amarante, a 16 km² de

Natal, possui cerca de 700 hectares de terra e se constitui num Centro de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte – EMPARN. A ocupação dessa fazenda ocorreu no sentido de acumular forças aliadas envolvendo o

sindicalismo, a Igreja Católica, para negociar e conquistar o complexo Zabelê. Para maiores informações, ver

ARAÙJO (2005). 72 Para aprofundamento sobre a análise histórica dessa ocupação, ver ARAÙJO (2005). 73 Para maiores informações, ver ELEUTÈRIO (2002). 74 Segundo Plano Trienal do SAR (1995/1997 p. 14): “Em sua trajetória o SAR tem redimensionado sua prática

assumindo característica diferenciadas, sempre procurando adequá-las às necessidades suscitadas pela realidade

social, econômica e política e suas transformações, e pelas demandas pastorais advindas dessas mudanças. Assim

152

A partir da segunda metade dos anos 1970, no SAR tem destaque o Programa de

Educação Política que buscava inspiração na Evangelização Libertadora, introduzida por

Medellín (1968) e Puebla (1979). Com base nessa direção, a atuação institucional, na década de

1980, teve como característica central o apoio e assessoria aos trabalhadores/as envolvidos em

conflitos agrários (conflitos de terra, áreas de barragens, assentamentos), e trabalhistas

(assalariados da cana e posteriormente da fruticultura), contando com delimitação e priorização

de áreas. O trabalho é de cunho formativo visando fortalecer os movimentos sociais no campo

(movimento sindical, associações de assentados) os grupos de base e os novos movimentos

sociais rurais (Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Movimento de Trabalhadores

Rurais Sem Terra), como já mencionado no capítulo anterior. A concepção do SAR tinha como

fundamento do trabalho a transformação da realidade e a conseqüente libertação integral do

homem e da mulher à luz dos valores evangélicos. A partir da avaliação realizada em 1993, o

SAR redefiniu suas finalidades, reafirmando e assumiu cada vez mais um papel de assessoria às

categorias subalternas do campo.

Se nos anos 1980 as lutas dos/as trabalhadores/as rurais se deram com vistas a acumular

forças e organizar a resistência contra a ameaça e a ação de grileiros, na década de 1990 houve

uma grande expansão das lutas, expressa nas ocupações dos latifúndios. Assim, por exemplo, no

conflito da Lagoa do Fogo, em Touros, os trabalhadores/as rurais e os pescadores foram

impedidos de ter acesso à lagoa por um proprietário local. Juntamente com o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Touros e a Colônia dos Pescadores, o SAR contribuiu na mediação

política com os órgãos públicos para a realização da vistoria na lagoa para verificação de sua

sendo, ao ser criado, o SAR cumpria de certa forma, um papel de suplência em relação ao Estado, com destaque para

atividades de cunho assistencial e de promoção humana” [...] Do final da década de 1970 a 1990 assumiu um

trabalho de assessoria e formação política ao movimentos sociais envolvidos na questão agrária e no assalariamento

rural [...] No Plano Trienal 1998/2001, a ação é totalmente modificada, passando a atuar em outras áreas geográficas,

com outras temáticas, outro público, outros objetivos e outras prioridades”.

153

dominialidade. Nota-se que, desde o início dos anos 1990, a área alvo dessa pesquisa vem

sofrendo intervenção organizada dos trabalhadores/as rurais. É o caso do conflito citado acima,

que se localiza geograficamente dentro da fazenda Fonseca, já referido anteriormente.

A ação do SAR no conflito Vale da Esperança, como já mencionado em outros

momentos, centrou-se na formação política das famílias sem terra e na mediação junto aos órgãos

governamentais, principalmente com o INCRA, para agilizar o processo de desapropriação das

áreas. Também, fez parte desse trabalho à articulação de outros atores sociais institucionais que

apoiaram os trabalhadores/as em momentos pontuais. Nesse sentido, encontra-se a Ordem dos

Advogados do Brasil, a ACR, os mandatos populares de parlamentares do PT e do Centro de

Direitos Humanos e Memória Popular que estiveram juntos aos trabalhadores e suas

representações nos momentos cruciais das lutas.

Em relatório do SAR (1995), encontram-se expressas as ações realizadas junto às famílias

acampadas na fazenda Vale da Esperança, pela equipe de assessoria e mediação política,

principalmente nos momentos de negociação com o INCRA. Pela sua trajetória e o respeito que

tem como órgão da Igreja Católica, o SAR contribuiu, também, na formação da comissão de

acompanhamento à vistoria na área ocupada, como revela o texto abaixo:

As famílias solicitaram ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ao

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Touros e ao SAR para que interferissem

junto a esse conflito de terra que reúne 300 famílias vindas das comunidades de Santa Luzia, Carnaubinha e Perobas em Touros, Rio do Fogo em

Maxaranguape e do município de Pureza. Mediante as violências praticadas

pela polícia militar e milícia armadas do proprietário da Fazenda Vale da Esperança, com o processo de ocupação e ordem judicial de despejo de 300

famílias que houvesse interferência da sociedade civil – SAR, MST, FETARN,

OAB e mais o Partido dos Trabalhadores junto aos órgão governamentais

INCRA, ITERN, Secretaria de Segurança Pública, Gabinete Civil, - as famílias conseguiram: instauração de uma comissão técnica para instaurar vistoria na

área com vista a processo de desapropriação; a formação de uma comissão

política para interferir frente as violências físicas e morais; as famílias sensibilizaram entidades de apoio e assessoria para que impulsionassem uma

campanha de solidariedade – em forma de alimentos e roupas – para as famílias

acampadas, fortalecendo a aproximação com a equipe do SAR. Estabeleceu-se

154

vínculos de confiabilidade, laços de confiança, podendo resultar em maior

abertura para um trabalho de formação. A fome foi amenizada temporariamente

e reanimou a permanência no acampamento. (SAR, 1995)

A ação do SAR ainda privilegiou contatos com a imprensa local para a publicação de

matérias que denunciavam as violências sofridas pelos trabalhadores/as rurais e o monopólio da

terra. Periodicamente a equipe de assessores/as elaborava realeses e artigos que foram publicados

em jornais de grande circulação estadual. E, ainda, articulou advogados para defender os

trabalhadores/as rurais nos processos judiciais. Nesse momento, foram imprescindíveis o

envolvimento da FETARN, OAB e dos mandatos populares da então deputada estadual Fátima

Bezerra e do então vereador de Natal Fernando Mineiro, ambos do Partido dos Trabalhadores.

Quanto à ação do STR de Touros, este desenvolveu lutas em defesa dos direitos dos

trabalhadores/as rurais desde a década de 60, sendo sua experiência irradiada pelos sindicatos dos

municípios vizinhos. As lideranças nascidas da ação sindical e dos movimentos sociais na região

do Mato Grande e particularmente do município de Touros foram importantes referências

políticas para o campo. Entre os quais encontram-se aqueles que se filiaram a partidos políticos

de esquerda para dar continuidade ao compromisso com a transformação da realidade social.

O STR de Touros esteve envolvido em todos os momentos do conflito Vale da Esperança,

desde as reuniões de preparação nas comunidades para a ocupação, até a participação na

comissão de negociação para a desapropriação das áreas. A ação do sindicato teve um caráter

combativo, dada a experiência de seus dirigentes e filiados nas mais diversas lutas por terra na

região, ganhando, assim respeitabilidade no seio dos trabalhadores/as rurais do município e da

região.

A ação e representação do Sindicato, junto aos trabalhadores/as rurais, possibilitou um

sentimento de pertencimento e identidade a uma determinada categoria, uma classe social. Ao

155

procurar o sindicato para mediar o conflito, os/as trabalhadores/as rurais estão, de certa forma,

perdendo o medo de procurar seus direitos, ampliando sua visão de mundo, criando a

possibilidade de ruptura com a sujeição exercida pelos proprietários de terra, ao mesmo tempo

que legitimam a ação sindical.

A participação de diferentes atores sociais, como aliados e parceiros no conflito do Vale

da Esperança se deveu em primeiro lugar à ação histórica do movimento sindical (STR de

Touros) e da Igreja Católica (SAR, ACR, Paróquias de Touros e Rio do Fogo) nas disputas pela

luta pela terra, desencadeadas nos anos 1980, na região do Mato Grande. Nesse sentido, o MST

soube potencializar essas forças aliadas para realizar diversas ações de mediação e assessoria

política, com destaque nos momentos mais difíceis de violência.

Contudo, no que se refere ao conflito Vale da Esperança é inegável a centralidade do

MST. Coube a esse movimento a responsabilidade pelo trabalho de recrutamento e preparação

das famílias para ocupar as fazendas de Almir Artêmio de Melo. As lideranças estaduais do MST

estiveram presentes e morando no acampamento, implementaram todo o processo político-

organizativo em sintonia com suas concepções político-pedagógicas e ideológicas. Desde o

momento de escolha das fazendas para ocupação e das famílias para realizar a ação, o Sindicato

de Trabalhadores Rurais de Touros participou ativamente.

Também foi significativo o apoio dado pelas Paróquias de Touros e de Rio do Fogo,

representadas pelas religiosas, que se comprometeram com o processo de luta pela terra,

contribuindo com alimentos, roupas, sua presença nos momentos mais violentos e o apoio

espiritual e emocional às famílias, práticas já assumidas em outras lutas da região.

Tinha muita entidade que apoiou. A Irmã Assunta deu muita força. Muitas

entidades e muita gente ajudou nós. (Nailde, assentada, entrevista realizada em

sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

156

Quanto à participação e apoio da ACR, OAB, Centro de Direitos Humanos e Memória

Popular, FETARN e parlamentares do PT, estes foram fundamentais nos momentos de

negociação com os órgãos públicos, principalmente com o INCRA e com a Secretaria de

Segurança, dada a violência infligida às famílias no acampamento.

A ação dos mediadores num conflito agrário busca favorecer, na medida do possível, entre

outras questões, a formação política dos/as trabalhadores/as rurais, no sentido de possibilitar a

construção da consciência de classe; a constituição do sujeito político coletivo; a formação de

quadros para os movimentos sociais rurais (novos/as militantes) e, de forma mais ampla, a

possibilidade de construção de um projeto de sociedade democrática e com justiça social.

Neste sentido, Novaes (Apud Silva, 2004, p.10) chama atenção para:

A variedade de sentidos e perspectivas políticas que se inscrevem no campo da

mediação externa, reconhecendo como mediadores as ONG´s, as igrejas, os

partidos políticos, as universidades etc. Por este motivo na dinâmica da mediação estão compreendidos interesses e projetos políticos diferenciados

constituídos de um forte componente político e pedagógico, o que desmistifica

as possibilidades de uma pretensa neutralidade para esta intervenção.

No contexto da luta por terra, a presença e a atuação dos mediadores estão ligadas às

necessidades dos/as trabalhadores/as rurais de fortalecer suas lutas e seus movimentos, na medida

em que desenvolvem processos educativos e de análise de realidade, contribuindo para dar

continuidade à luta política e à capacitação dos trabalhadores/as rurais para elaborarem suas

estratégias organizativas.

Souza (1999, p.34) ao analisar o significado e papel dos mediadores, por ele chamado de

intelectuais, afirma:

Os intelectuais são assessores, técnicos, agentes de instituições sociais de apoio

às organizações populares. Não falam, como o fazem os dirigentes, em nome da

organização ou do movimento popular. Não tem mandato para representá-la politicamente [...] Intelectual significa o profissional de nível universitário que,

por diferente razões, desempenha suas atividades junto aos trabalhadores no

esforço de organizá-los e, quando já organizados, no sentido de assessorar técnica e politicamente a ação coletiva das organizações. Sua tarefa se

157

concretiza à medida que se esforça a fim de que essas organizações aprofundem

a compreensão das realidades vividas para, a partir delas, interferir

organizadamente nas relações de poder, predominantes na sociedade, e transformá-las no sentido de seu exercício democrático para a melhoria das

condições de vida e trabalho para a população em geral.

A presença desses mediadores junto aos trabalhadores/as rurais possibilita a apropriação

de diferentes conhecimentos e saberes, dada à relação estabelecida entre as partes, pois de um

lado estão os mediadores com conhecimentos acadêmicos, científicos e técnicos e, de outro, os

trabalhadores/as rurais dotados de saberes advindos da vida, da sabedoria popular e da

experiência transmitidos pelas gerações passadas.

A presença dos mediadores sinaliza para os/as trabalhadores/as rurais a possibilidade de

acesso a conhecimentos e recursos até então inexistentes, podendo personalizar e encarnar

melhores condições de vida para o assentamento e seus beneficiários. Assim, as ações

desenvolvidas se tornam imprescindíveis no sentido de alcançar as mudanças necessárias para

maior qualidade de vida: formação sócio-política; organização comunitária; disseminação de

novas tecnologias; organização de grupos produtivos, grupos de mulheres e de jovens; elaboração

de documentos e projetos; contatos e interlocução com o poder público; capacitação técnica e

política; treinamentos para gestão de recursos financeiros, humanos e materiais das organizações

populares, entre outras. Esse conjunto de atividades e processos educativos possibilita gerar,

nos/as trabalhadores/as rurais e seus movimentos, questionamentos das relações anteriormente

vividas, suscitando muitas vezes a necessidade de romper com as relações de subordinação e

sujeição e constituir novas relações com base no fim da dominação. (SILVA, 2004)

Ainda conforme Silva (2004, p.13):

Pela função diretiva e propositiva que ocupam enquanto intelectuais os

mediadores passam então a “desfrutar” de um poder de dirigir processos,

designar atribuições, bem como tomar decisões quanto aos aspectos

econômicos, políticos e educativos no âmbito dos assentamentos e das lutas mais gerais dos trabalhadores rurais. É valido destacar que esse processo ocorre

através do consentimento dos trabalhadores. Ou seja, na história de luta dos

158

trabalhadores rurais a legitimidade dos mediadores surge em face do apoio que

os mesmos oferecem nos processo de organização e luta política, bem como

pelo fato dos mesmos contribuírem para diminuir as situações de carência vivenciadas pelos trabalhadores através da obtenção de recursos advindos de

projetos e programas, sejam governamentais ou não.

Ao atuarem nos conflitos, os mediadores exercem uma função fundamental na solução

dos problemas ou encaminhamento deles. Há casos, em que os trabalhadores/as, ao chegarem aos

órgãos públicos com esses mediadores, são melhores tratados e recebidos, sendo muitas vezes

agilizadas as suas reivindicações.

Foram esses diferentes atores sociais, juntamente com os acampados/as, que se dedicaram

ao processo de negociação com os órgãos públicos; elaboração de artigos e matérias para a

imprensa; mobilização de recursos financeiros, roupas e alimentos; articulação de advogados para

defesa dos acampados na Justiça Federal; organização de atos públicos em Natal; diálogo com a

sociedade para conquistar seu apoio; articulação junto a setores do sindicalismo urbano e de

outros movimentos sociais. De forma geral, as funções dos mediadores se sintetizam na

organização, mobilização, proteção e defesa dos direitos (humanos, civis, sociais, econômicos e

políticos), bem como na publicização da luta pela terra.

2.5 – O Processo de Desapropriação

O processo de desapropriação das fazendas em questão seguiu um caminho de diálogos e

negociações junto ao INCRA. No desenvolvimento das ações, o MST e o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Touros organizaram uma comissão, formada por representantes da

Igreja Católica (SAR e ACR); do Movimento Sindical (FETARN, CUT, Sindicatos Rurais); do

Centro de Direitos Humanos e Memória Popular; da OAB; além das lideranças do acampamento,

do MST (Coordenação Estadual) e do STR de Touros. Essa comissão, juntamente com técnicos

159

do INCRA e o representante do fazendeiro, deu início ao processo de negociação para

desapropriação das fazendas Vale da Esperança, Lagoa do Meio, Fonseca e Aralém.

Após duas vistorias nas fazendas e várias reuniões de negociação com o INCRA/RN, o

relatório da visita técnica, ocorrida em setembro de 1996, concluiu que o solo não era tão rico

como se imaginava, era impróprio à produção agrícola e, portanto, as fazendas não podiam ser

desapropriadas75

.

Um ano depois (1997), o laudo de vistoria (INCRA, 1997) indicou que as fazendas eram

improdutivas.

Por todos os dados levantados e informações colhidas nas áreas, a situação

constante do Demonstrativo de Informações sobre Indicadores e Cálculos, onde

foram apurados Grau de Utilização da Terra – GUT de 100% e Grau de Eficiência na Exploração – GEE 91% indica que o conjunto dos imóveis

Fazendas Vale da Esperança, Aralém, Lagoa do Meio e Fonseca não atingiu a

condição de propriedade produtiva.

Ainda sobre o relatório da visita técnica, deixa-se como sugestão que o INCRA deveria

encontrar outras fazendas na região para fins de reforma agrária, na tentativa de solucionar o

conflito.

Um breve levantamento das áreas próximas ao imóvel em tela, revelou a

existência de algumas áreas de terras com possibilidades de desapropriação e/ou

compra para fins de reforma agrária, até mesmo passível de uso dos Títulos da Dívida Agrária, em negociação futuras entre os organismos envolvidos. Nesse

caso, áreas alternativas poderiam ser vistoriadas e levantadas as suas

75 São solos de baixa fertilidade natural, baixa CTC, reação ácida, com elevada saturação de alumínio (caráter álico).

Nos imóveis fazenda Vale da Esperança, Aralém e Lagoa do Meio, esses solos predominam em relação aos demais,

havendo manchas localizadas de melhor fertilidade natural, porém com pouca expressão em termos de extensão

territorial. Na Fazenda Fonseca, no entanto, ocorrem faixas de areias quartzosas hidromórficas, com melhor aptidão

para a agricultura, em decorrência da maior conservação de nutrientes e melhor fertilidade natural. A baixa

fertilidade natural, associada a pequena economia de água em função do regime hídrico (rústico e arídico) desses

solos, tornam esses ambientes de baixíssimo potencial de uso agrícola [...] As visitas efetuadas pela atual comissão interdisciplinar especialmente formada pelo INCRA, corrobora com as hipóteses levantadas por visitas de comissões

anteriores, no sentido da fragilidade dos ecossistemas do imóvel questionado pelos sem-terra acampados há cerca de

10 meses nas proximidades do perímetro do mesmo [...] há evidência de insucessos nas explorações de algumas

áreas com as culturas do coqueiro e do cajueiro [...] no contexto da área abrangida pelos quatro imóveis, existem

registros de degradação de solos em decorrência do desmatamento para implantar uso agrícola de terras que

naturalmente eram inaptas para a agricultura [...] a exploração de diatomita é uma atividade que destrói

completamente a mancha de solos orgânicos, que é o suporte das atividades agrícolas do imóvel em conjunto.

(RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA, p. 03 e 04).

160

potencialidades de uso, para solução final dos conflitos existentes na área em

questão. (INCRA, 1996)

A partir daí a comissão formada por entidades e lideranças dos trabalhadores/as negocia

com o INCRA a busca por outras fazendas na região do Mato Grande para fins de reforma

agrária. Com essa negociação, o MST inicia uma pesquisa e procura por outras fazendas,

localizando duas propriedades no município de Maxaranguape – fazendas Cruzeiro do Sul e

Cruzeiro do Norte (conhecidas por Soledade) e fazenda Santa Águida – cortadas pelo Rio

Maxaranguape76

.

Localizadas as fazendas, o INCRA e a comissão de negociação iniciam o processo de

desapropriação das fazendas com seus proprietários, que já tinham interesse em vendê-las. Feitos

os acordos jurídicos, as famílias se mudaram da fazenda Fonseca para as de Maxaranguape,

dando início à constituição dos assentamentos Nova Vida II (Fazenda Santa Águida) e Novo

Horizonte II (Fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte).

Durante os três anos de ocupação, muitas famílias desistiram de continuar a luta pela

desapropriação das fazendas, porque não agüentaram a pressão e a violência desencadeadas pelo

proprietário e seus prepostos. Das trezentas famílias que haviam inicialmente ocupado as

fazendas em Touros, apenas cento e sessenta foram contempladas com a desapropriação, sendo

sessenta assentadas em Novo Horizonte II e as restantes em Nova Vida II.

No momento da negociação para a desapropriação das fazendas o MST participou

ativamente, mas nesse momento já não morava mais no acampamento. Nesse período (entre os

anos de 1997 e 1998) o movimento passava por uma grave crise interna e muitas divergências na

condução das lutas no campo potiguar. Ao mesmo tempo sofreu uma intervenção da direção

76 O Rio Maxaranguape tem uma importância significativa para a região, pois corta os municípios de Pureza e

Maxaranguape formando uma bacia hidrográfica. Ao longo de seu percurso foram formados alguns assentamentos,

que mantém até hoje uma produção de banana e outras culturas na sua vazante.

161

nacional, mudando parte da Coordenação Estadual. Com isso, algumas lideranças do conflito

Vale da Esperança saíram dos quadros do MST e fundaram o Movimento de Libertação dos

Trabalhadores Sem Terra – MLST.

Mesmo sem a presença mais ativa do MST, as lideranças do acampamento, juntamente

com os outros atores sociais mediaram o processo de desapropriação cuja notícia constituiu

sinônimo de felicidade e conquista de direitos, como é expresso nos depoimentos abaixo:

Quando chegou a notícia pra gente vir pra aqui, aí nós fiquemos contente, pra

chegar até aqui ter nossa terra pra trabalhar, nossa casa pra morar.

(Francisquinha, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

A gente lutou muito pra gente ganhar o pão da gente [...] A gente tinha, tinha

muita esperança de conseguir a terra. Porque os líderes dali mesmo eles prometiam a gente que ia ganhar. Sofremo muito, batalhemo muito lá no Vale

da Esperança. (Rosa assentada, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

É muito feliz, pela luta que a gente teve, pelos sofrimentos, pelas batalhas que a

gente lutou muito. De repente dizer assim “vocês ganharam, foi desapropriada” é muito feliz. A gente se sentiu muito feliz, a gente se sentiu muito feliz e hoje

cada um tem sua casa, tem seu pedaço de terra, saber que a gente lutou,

batalhou e conseguiu, porque é com luta que a gente vence. (Nalva, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Já era quase três anos de luta, muitos de nós nem acreditava, muitos desistiram ainda, muita gente desistiu que achou que o sofrimento era grande e a pressão

do proprietário era pesada em cima do nosso acampamento e não ia ter

condição de conseguir essa terra e aí houve essa negociação, o IBAMA veio,

veio o INCRA, começaram a implicar dizendo que a área não podia ser desapropriada porque tinha uma mineração de diatomita que era uma coisa

complicada, mas a gente ficou achando que foi um trabalho sujo que foi feito

entre o proprietário e as entidades responsáveis por essas análises [...] Quando o representante dos Direitos Humanos falou pra o Superintendente do INCRA

que na época era o Sr. José Maria da Rocha, se ele se comprometia e garantia

de adquirir uma área já que aquela não tinha condição de ser desapropriada pra assentar aquelas famílias que tava sofrendo a quase três anos. (Chico,

assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II,

em 03/04/2004)

Foi uma alegria, a gente saiu de lá a meia noite em cima de caminhão, butamo a

troçada na carroça e vim a pé porque o caminhão tava muito cheio tinha muita

gente lá... Eu vim na carroça com galinha, peru, menino, toda a troçada [...]

162

Quando eu cheguei aqui muito feliz, muito contente, cheia de alegria porque a

gente já sabia que ia adquirir um objetivo que era aquilo que a gente lutamos e a

gente conseguiu. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Passado o momento da euforia após a notícia da desapropriação, as famílias acamparam

na terra que em breve seriam proprietárias, dando início ao processo de constituição do

assentamento. No entanto, teriam que iniciar uma outra jornada de lutas agora por políticas

públicas que viabilizassem a sua permanência na área desapropriada. A posse da terra

representava para as famílias inúmeras e diferentes possibilidades. Porém, esta assumia

particularidades na visão das mulheres, como se verá a seguir.

2.6 – O Significado da Posse da Terra para as Mulheres

Durante os três anos de conflito, as mulheres trabalhadoras rurais do Vale da Esperança,

desejaram imensamente o acesso e a garantia de possuir a terra, pois a mesma era carregada de

significados. Para essas mulheres e suas famílias a terra significava segurança, moradia, lugar de

ver os/as filhos/as crescerem, felicidade, proteção e principalmente fonte de trabalho. Esse era o

fundamento e o sustentáculo da luta.

A forma de distribuição da terra cria e recria uma forma de sociabilidade na qual homens

e mulheres aparecem na condição de “sem terra”. Os depoimentos abaixo revelaram uma

perspectiva de mudanças positivas para suas vidas que tem como base a autonomia advinda da

posse da terra. Percebe-se uma determinação e um esforço de permanecer na luta para alcançar a

conquista de uma vida melhor. É nesse processo que uma nova identidade vai se formando. Aos

poucos vão deixando de ser “sem terra” e construindo a identidade de “assentado/a”, um

163

sentimento de pertencimento àquela comunidade, iniciado com a desapropriação. Os

depoimentos de Francisquinha, Branca e Chico são nesse sentido representativos:

Que a gente não tinha terra, a gente tinha uma barraquinha na praia pra morar,

mas não tinha terra pra trabalhar. (Francisquinha, assentada, entrevista realizada

em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

Porque a gente já era uma família, já estávamos juntos, tínhamos três filhos e

não tínhamos onde morar. Então surgiu esse acampamento. Surgiu essa idéia de

entrarmos na terra pra lutar pela terra, pra conseguir uma terra pra trabalhar, conseguir uma casa pra morar e daí por diante. Então a gente conversamos e

decidimos entrar junto com o pessoal na terra pra lutar pelo um futuro melhor

para os nossos filhos. (Branca assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

A questão era adquirir condições para manter minha família, então foi aí na

hora que apareceu o convite e eu resolvi a ir porque eu acreditava que quando eu chegasse na terra eu ia ter uma vida melhor, ia ter uma casinha melhor, ia ter

recurso pra trabalhar, ia ter a própria terra pra trabalhar, não ser sujeito a

ninguém, por isso todo mundo me motivou a eu partir pra essa luta. (Chico, assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II,

em 03/04/2004)

Em entrevista com uma ex-educadora do SAR, a mesma reflete como a terra é um desejo

fundante na vida das mulheres ali acampadas:

Era possível perceber o desejo das famílias de terem uma terra para morar e trabalhar. Os contatos com as mulheres traziam a possibilidade de observar que

a integração delas, arriscando não só suas vidas mas a dos maridos e filhos/as

na luta pela terra, era uma ordem de primeira necessidade para a sobrevivência, com a perspectiva de segurança para um futuro mais tranqüilo. Outro aspecto

possível de observar foi que o envolvimento delas teve forte conotação de

cumplicidade com os maridos [...] o exercício do desejo, do sonho com o futuro expressado nas reuniões, nas negociações com o INCRA, em conversas entre as

famílias, contribuiu para que muitas delas pudessem compreender o direito de

reivindicar a terra como exercício de sua cidadania na realização da Reforma

Agrária. (Socorro do Vale, ex-educadora do SAR e atual membro da equipe técnica do CEAHS, entrevista realizada em 16 de maio de 2005).

As mulheres do Vale da Esperança experimentaram durante três anos a dura vida num

acampamento para conquistar terra, tencionando o processo de desenvolvimento que as exclui do

direito ao acesso à propriedade territorial no seu local de origem, no seu mundo social e cultural;

164

querem terra para trabalhar e sustentar suas famílias, atribuindo novos significados econômicos a

sua exploração que se dá de forma familiar e não patronal.

Os depoimentos abaixo retratam como as mulheres se identificam com a terra de trabalho.

A alegria melhor foi que nós ganhemos a terra pra trabalhar. Achei bom porque

a gente tinha terra pra trabalhar, eu trabalho muito, vivo doente nessa luta, mas

os meus filhos e Reginaldo. Nós trabalhamos no pau, nós trabalhamos na farinhada que nós fazemos aqui, já plantemos feijão, milho, roça. (Rosa

assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II,

em 17/04/2004)

Eu porque não tinha casa e não tinha terra para trabalhar e no meio disso tudo a

gente necessitava tanto da terra como de moradia, porque eu morava na casa da

minha sogra e eu não tinha casa, nem terra pra trabalhar. (Nalva, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em

17/04/2004)

O pedaço de terra pra trabalhar, o pedaço de alagadiço que o meu sonho é

adquirir um pedaço de alagadiço pra plantar macaxeira, batata, a gente ter a

liberdade da gente e era isso que nós num tinha. A gente morava em Rio do

Fogo, mas nós num tinha um pedaço de alagadiço, que a terra de Rio do Fogo num ajuda ninguém, é arisco, ela só dá alguma coisa se chover muit [...] Ter a

liberdade de plantar alguma coisa pra comer. (Nailde assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004).

Uma outra questão que sugerem esses depoimentos é o acesso à moradia. A alegria da

desapropriação das fazendas deu-lhes a segurança de ter onde morar e trabalhar, saindo muitas

vezes da dependência da casa de outros familiares, onde em vários casos reside mais de uma

família. A desapropriação garantiu o acesso ao direito de se reintegrar como trabalhador/a rural

na sociedade.

Ao considerar a terra como bem natural, (“a terra mãe que dá sentido a vida”, “a terra é

uma benção de Deus”), as mulheres trabalhadoras rurais estão se referindo à natureza própria da

terra que não tem dono, terra de todos, terra sem cerca, terra socializada, terra patrimônio

comum. Nessa perspectiva, a terra é considerada uma propriedade não-capitalista, pois “ela não é

produto do trabalho, por isso mesmo não pode ser produto do capital”. (MARTINS, 1991).

165

O que legitima a posse da terra é o trabalho, nele reside o direito de propriedade. Para as

mulheres trabalhadoras rurais do Vale da Esperança, esse significado de terra para trabalhar,

concorda com o que MARTINS (1991, p. 55) chama de terra de trabalho e não terra de negócio.

Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio,

em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da

terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes distintos de propriedade, em aberto conflito um com o outro. Quando o capitalista se

apropria da terra, ele o faz com intuito do lucro, direto ou indireto. Ou a terra

serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou a terra serve para ser

vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista

de se dedicar á agricultura.

Da mesma forma, ao contrário desse aspecto da apropriação da terra pelo capital, como

analisa Martins (1991, p.54), as mulheres trabalhadoras rurais do Vale da Esperança consideram

a propriedade da terra como unidade familiar para desenvolver o trabalho na agricultura.

A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o trabalho de

outrem; é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem

trabalha. Não propriedade capitalista; é propriedade de trabalhador. Seus resultados sociais são completamente distintos, porque neste caso a produção e

reprodução das condições de vida dos trabalhadores não regulada pela

necessidade de lucro do capital, porque não se trata de capital no sentido

capitalista da palavra. O trabalhador e lavrador não recebem lucro. Os seus ganhos são ganhos do seu trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos do

capital, exatamente porque esses ganhos não provêm da exploração de um

capitalista sobre um trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho.

As mulheres do Vale da Esperança concebem a terra permeada de relações familiares para

sua exploração a fim de manter o seu autoconsumo e comercialização dos produtos num sistema

cooperativo e associativo. Nesse sentido, a luta pela terra se constitui na luta contra a

expropriação e expansão do capital no campo.

O significado da luta pela terra para as mulheres trabalhadoras rurais do Vale da

Esperança, transformada no Assentamento Novo Horizonte II está inscrito na luta pelos direitos

na sociedade brasileira. Os direitos de cidadania, o direito à terra, ao trabalho, à moradia são um

166

parâmetro fundamental para a construção da vida em sociedade e refletem conquistas dos

movimentos sociais rurais, através da ação política.

A luta pelo direito à terra do Vale da Esperança conforme assinalado envolveu um

significativo número de atores sociais que se comprometeram na busca de solução para o conflito

agrário em favor dos sem terra. Da perspectiva das famílias participantes do processo de

ocupação, em sintonia com suas representações e aliados, foram capazes de gerar uma prática

política que contemplou a formação das lideranças; a articulação de entidades e movimentos

sociais urbanos; mobilização de recursos financeiros e materiais; uma vivência de novos valores

que poderão contribuir para a construção de uma outra sociabilidade. Entretanto, no que se refere

à questão de gênero há indícios de que os processos de luta, organização e conquista das classes

subalternas não tem incorporado estrategicamente a necessidade de superar a desigualdade de

gênero. Nesse sentido, a experiência em análise parece indicar a perspectiva da subalternidade da

mulher em relação ao homem, mesmo quando constroem juntos os movimentos sociais

libertários.

No capítulo a seguir será analisada a construção do assentamento Novo Horizonte II,

momento por excelência para apreender como as mulheres se inserem no cotidiano do

assentamento, seja no trabalho agrícola, doméstico ou nos mecanismos políticos relacionados ao

processo de construção e desenvolvimento do assentamento, particularmente a associação.

167

CAPÍTULO 3:

AS MULHERES NO ASSENTAMENTO:

COTIDIANO E RELAÇÕES DE GÊNERO

“Onde pisa uma mulher, há sentimentos;

Onde pisam duas mulheres, há determinação;

Onde pisam três mulheres a organização nasce;

Mas quando mais mulheres se juntam

e pisam a terra firme, germina a esperança.

Já é possível planejar a colheita da safra

de um mundo novo”

(Sendor Sanches)

Foto 05: Mulheres trabalhando na horta comunitária do Assentamento Novo Horizonte II

Fonte: Marialdo Santana

168

CAPÍTULO 3

AS MULHERES NO ASSENTAMENTO:

COTIDIANO E RELAÇÕES DE GÊNERO

A gente lutou muito pra ganhar o pão da gente. A gente tinha, tinha muita

esperança de conseguir a terra.77

A luta pela terra, desencadeada pelos trabalhadores rurais que ocuparam as fazendas

Aralém, Lagoa do Meio, Fonseca e Vale da Esperança, apresentada no capítulo anterior,

desembocou na formação dos assentamentos Nova Vida II78

e Novo Horizonte II, no município

de Maxaranguape. Esses assentamentos resultaram de um processo de luta social e negociação

com o INCRA e com o fazendeiro de Maxaranguape, envolvendo diversos atores e setores da

sociedade civil, já mencionados no capítulo anterior.

Os assentamentos rurais, na sua maioria, são resultantes da luta por terra nas mais

variadas formas e em conjunturas diversas, revelando uma correlação de forças, onde, de um

lado, estão os latifundiários, grupos econômicos e o Estado; e do outro lado, uma população

demandante por terra e políticas sociais e agrícola.

No entanto, sua expansão na década de 1980 e 1990 está longe de indicar um

processo de reforma agrária em curso, visto que tais projetos se constituíram a partir de uma lógica de política governamental que tinha por eixo evitar tensões

sociais e não realizar transformações significativas na estrutura agrária do país”.

(MEDEIROS, 1999, p.16).

77 Depoimento de Rosa, assentada em Novo Horizonte II. 78 A presente dissertação tratou de analisar a inserção das mulheres no conflito agrário Vale da Esperança e no

assentamento Novo Horizonte II, não sendo objeto de pesquisa o assentamento Nova Vida II, apesar de se originar

do conflito em análise.

169

Segundo Araújo (1999, p.185),

As experiências dos assentamentos rurais configuram um cenário de múltiplas

faces, múltiplos confrontos. Um espaço em construção onde interagem sujeitos

sociais com projetos distintos: trabalhadores rurais, Estado, Igreja, Sindicatos, Partidos Políticos, Organizações Não Governamentais – ONGs, etc.

A construção de um assentamento é, portanto, um processo que envolve diferentes atores

sociais, desde a questão produtiva, social, ambiental e comercial dos produtos agrícolas; a relação

com o Estado e seus órgãos; as demandas por políticas sociais específicas; a organização

comunitária; até questões relativas as relações sociais internas as quais incluem as desigualdades

de gênero, geração e poder.

É nessa direção que se inscreve a constituição e desenvolvimento do assentamento Novo

Horizonte II, que abriga 60 famílias. Neste capítulo pretende-se analisar como se deu o processo

de construção do assentamento e a inserção das mulheres, o que implica situá-lo em termos de

suas condições sociais, econômicas e político-organizativas. Nessa perspectiva cabe direcionar a

análise no sentido de responder a indagação que se propôs à pesquisa: por que as mulheres, após

a conquista da terra, se voltam para os afazeres domésticos e/ou assumem cargos de menor

relevância nas organizações políticas do assentamento?

Na trajetória da luta pela terra até a formação do assentamento, as mulheres têm revelado

uma participação efetiva nas ações coletivas do acampamento, seja em assembléias, reuniões e no

enfrentamento do conflito, conforme explicitado no discurso das mulheres entrevistadas durante a

pesquisa. Essa inserção ocorreu também nas atividades externas ao acampamento, tais como:

passeatas, atos públicos em Natal, ocupações da sede do INCRA/RN e da Prefeitura de Touros,

encontros de formação promovidos pelo MST e pelo SAR. Cabe indagar se essa participação

ativa prosseguiu após a conquista do imóvel, ou qual a intensidade dessa inserção.

170

Após a imissão de posse da terra, há um novo processo no âmbito da organização dos

trabalhadores/as rurais. Nesse contexto as mulheres marcaram sua inserção na construção do

assentamento Novo Horizonte II. Participaram ativamente das atividades da comunidade, no

entanto tiveram que administrar a carga de responsabilidades no espaço doméstico. Neste sentido,

as mulheres enfrentaram um duplo desafio: continuar inseridas nas lutas e na construção do

assentamento como sujeito político coletivo; e assumir as tarefas e exigências do espaço

doméstico.

3.1 – O Assentamento Novo Horizonte II: Características Gerais

O Novo Horizonte II está localizado entre os municípios de Maxaranguape e Ceará-

Mirim, na microrregião Litoral Nordeste, estado do Rio Grande do Norte, às margens da BR 101.

Entretanto sua maior parte está situada em Maxaranguape, como consta no mapa anexo. Possui

uma área de 1.208 hectares distribuídos entre 60 famílias oriundas da ocupação da fazenda Vale

da Esperança e vindas dos municípios de Touros (32%), Rio do Fogo (16%), Ceará-Mirim (6%),

Maxaranguape (2%) e outros do Estado (28%).

Quando as fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte foram desapropriadas, os/as

trabalhadores/as rurais já as receberam com algumas benfeitorias: uma produção de coco numa

área plantada de 245,10 hectares e uma produção de banana com 62,20 hectares; dois galpões, 14

casas; sete poços tubulares, embora apenas um em funcionamento para o consumo humano. A

área de Novo Horizonte II apresenta bom potencial agrícola, comprovado pelas culturas do

coqueiro e bananeira implantadas com uma boa produtividade. As culturas de milho, feijão, coco

171

e banana dão boa produção nessa área, que apresenta também potencialidade para exploração

pecuária de médio e grande porte.

No que se refere à sua potencialidade hídrica, as fazendas são cortadas pelo rio

Maxaranguape, com regime fluvial de março a setembro, formando a bacia hidrográfica do

Trairi, e pelo rio Riachão. Possuem sete poços, sendo que apenas um em condições de

funcionamento, que serve para abastecer a agrovila. Há também duas lagoas naturais, bem

próximas ao assentamento.

A desapropriação das fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte, ocorrida no dia 13 de

maio de 1998, resultou de um processo de negociação e significou a conquista, realização e

segurança de moradia e trabalho para as famílias que participaram da ocupação. A negociação

para a desapropriação das fazendas de Maxaranguape se procedeu através de várias reuniões com

o INCRA, com o fazendeiro e com a comissão dos trabalhadores rurais e suas entidades de

representação e aliadas. Acertada a compra das fazendas pelo INCRA para assentar 60 famílias

do conflito Vale da Esperança, as famílias puderam ser transferidas para uma área próxima à sede

da fazenda de Maxaranguape, onde se mantiveram até a imissão de posse e a construção das

casas. No dia marcado para a saída da fazenda Vale da Esperança, as famílias ainda estavam

sendo vigiadas pela polícia de Touros e pelos prepostos do fazendeiro. Organizaram os

caminhões e seguiram em direção a Maxaranguape. Ao chegarem às fazendas Cruzeiro do Sul e

Cruzeiro do Norte, foram recebidas pelo fazendeiro, que indicou onde poderiam se instalar e dar

início à construção do assentamento. Nesse mesmo dia receberam a visita da polícia de

Maxaranguape que as intimou a se retirarem da propriedade, pois ainda não tinham conhecimento

de que a fazenda estava em processo de desapropriação. O depoimento abaixo reflete a reação

dos trabalhadores/as rurais ao chegarem à fazenda e a acolhida do proprietário das terras.

172

A gente chegou aqui nessa fazenda tudo desconfiado, pela estrutura que a gente

viu. Fazenda boa, com rio permanente, com duas culturas permanentes, que é o

coco e a banana, 58 hectares de solo fértil, com energia instalada, com as casas havia alguns moradores, uma casa sede com uma estrutura assim mais ou

menos e a gente chegou desconfiado. A gente chegou umas 5 horas da manhã.

Uma média de 8 pra 9 horas chegou a polícia de Maxaranguape pra despejar

nós novamente, se oferecendo ao proprietário que ele disse que tirasse nós dali que nós era uns baderneiro, que nós num queria a terra, nós queria era fazer

bagunça e o proprietário respondeu pra ele que daqui da fazenda Cruzeiro do

Sul e Cruzeiro do Norte, que é onde nós tamo assentado hoje, que essa terra que a polícia não tinha nada a ver com a terra dele e nem com o acampamento, com

a nossa chegada. (Chico, assentado, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004)

Até a imissão de posse há um período de transição no qual as famílias tiveram que montar

os barracos numa área próxima à estrada e ao rio Maxaranguape. O processo de construção do

assentamento envolveu outros atores, entre os quais destaca-se o INCRA órgão responsável, no

âmbito do Estado, pelo processo de construção dos projetos de assentamentos. Inicialmente o

INCRA realizou o cadastramento das famílias a serem assentadas, paralelo ao processo de

compra e venda da terra.

Enquanto aguardavam a imissão de posse, os trabalhadores rurais tinham como estratégia

de sobrevivência a colheita de bananas de primeira qualidade para o antigo proprietário em troca

da apropriação das de qualidade inferior. A comercialização coletiva das bananas garantiu o

sustento das famílias até a imissão de posse e o parcelamento da terra. Nesse ínterim, construíram

uma associação provisória representativa de todos/as os/as assentados/as, com o objetivo de

regulamentar as relações sociais entre eles e administrar a venda das bananas. Essa associação

não foi registrada em cartório, mas tinha um regimento interno.

Após a imissão de posse (ocorrida em 23/07/1998), deram continuidade à experiência de

comercialização coletiva das bananas e cocos da propriedade. Após cada venda da produção, o

dinheiro era entregue à direção da associação provisória que fazia uma assembléia geral para

dividir e distribuir o lucro igualmente para todos. Essa prática permaneceu por quase um ano,

173

tempo que durou para que o INCRA procedesse ao parcelamento da área, em lotes individuais.

Essa experiência se desenvolveu de forma satisfatória até começarem os conflitos internos que

dividiram as famílias, desembocando na descontinuidade da comercialização coletiva.

No momento de construção do assentamento, o INCRA exigiu algumas condições. Entre

as quais destaca-se a constituição e formalização de uma associação comunitária. Esta funcionava

como a instância que garantiria o acesso aos projetos produtivos; aos créditos e aos projetos de

infra-estrutura como um mecanismo inerente ao processo de constituição e desenvolvimento do

assentamento.

O processo de construção do assentamento envolveu diversos personagens, em especial o

Estado, através do INCRA. Nesse sentido, após o momento da imissão de posse, faz parte da

política de reforma agrária assegurar aos trabalhadores rurais os primeiros créditos de

implantação do assentamento. Desta forma as famílias assentadas em Novo Horizonte II tiveram

acesso aos seguintes créditos: alimentação - distribuição de cestas básicas para as famílias

assentadas durante seis meses. O crédito fomento agrícola, com o qual os trabalhadores rurais

adquiriram um trator de médio porte, implementos agrícolas e telhas para melhoria dos barracos,

até a conclusão da construção das casas. A topografia da área para definição da localização da

agrovila, realizada pelos técnicos do INCRA. E o parcelamento da terra, ou seja, divisão da área

agricultável em lotes por família.

O crédito habitação consistiu na construção da agrovila – as casas e sua iluminação. Esses

foram momentos bem participativos, onde os trabalhadores rurais puderam opinar, conhecer

melhor a área e discutir suas demandas com os técnicos do INCRA. Esse crédito foi liberado no

segundo semestre de 1999 e constou de um processo de debate com as famílias sobre a

localização da agrovila, a planta, a área física de cada casa, a compra de material e o trabalho em

multirão, realizado por todas as famílias. O recurso foi liberado em duas parcelas, a primeira, de

174

R$ 1.800, para a construção das casas sem reboco e cozinha. Após a conclusão das casas, os

trabalhadores rurais, que tinham aprendido a lutar por direitos básicos, empreenderam um

processo de reivindicação, junto ao INCRA para obter a segunda parcela, que possibilitasse

construir uma casa em condições habitáveis. Nesse sentido, desencadearam um processo de

negociação com o INCRA, que liberou a segunda parcela (R$ 700,00). Entretanto, a quantia

ainda era insuficiente para concluir a casa, tendo que optar entre construir a cozinha ou rebocar a

casa.

A situação do assentamento Novo Horizonte II não era um caso isolado, refletindo a

insuficiência das políticas de reforma agrária e a não prioridade do Governo Federal com respeito

a agricultura familiar, submetendo as famílias a condições precárias de sobrevivência. Após a

mudança das famílias para as casas na agrovila, iniciaram outras lutas por políticas públicas:

água, escola, saúde e crédito agrícola.

Quanto à produção agrícola, além das culturas de subsistência (milho, feijão, mandioca,

macaxeira, batata, hortaliças e fruteiras), os/as trabalhadores/as deram continuidade à produção

de coco e banana, sendo sua comercialização feita por atravessadores da região. A inexistência de

assistência técnica permanente tem dificultado o desenvolvimento sustentável da produção

agrícola. Os projetos de assentamentos envolvem uma série de necessidades e políticas públicas.

Há uma distância entre o que é planejado pelos Governos e sua execução. Nesse sentido, as

precárias condições de assistência técnica têm a ver com as políticas públicas focalistas e

seletivas do Estado. Daí o INCRA buscar parcerias com outras entidades e cooperativas de

técnicos por não dispor de recursos humanos, financeiros e materiais adequados à promoção do

desenvolvimento dos assentamentos. Daí decorre a execução de programas e projetos

fragmentados.

175

Todas as famílias utilizam-se das mesmas culturas em suas explorações e do mesmo tipo

de criação. As culturas da banana e do coco possuem a vantagem de ter colheitas praticamente

mensais, dando maior regularidade na renda das famílias. O cultivo das frutícolas, banana e coco,

realiza-se em uma área de 1,0 hectare de banana no paul79

, próxima às margens do rio

Maxaranguape e 3,0 hectare com a cultura do coco nas áreas mais arenosas e mais altas,

normalmente chamadas de “arisco”, para cada família.

A comercialização da produção agrícola é realizada de forma individual com

atravessadores. Outra opção corresponde à usada pelos produtores que vendem sua produção nas

feiras livres de Ceará-Mirim e Natal. Os canais de comercialização utilizados e a qualidade dos

produtos ofertados fazem com que os preços de venda sejam baixos. Pelo exposto, verifica-se que

a estrutura de comercialização absorve parte significativa do valor, gerando na cadeia produtiva

instabilidade constante de preços e oferta, não permitindo que os assentados possam alterar sua

participação sem o apoio de uma equipe técnica permanente. Em negociações recentes da

associação com a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB está se viabilizando

alternativa de venda de parte da produção dentro do programa de Compra Antecipada da

Produção promovida pelo Governo Federal.

No trato agrícola dos lotes, dos/as os/as assentados/as, apenas 18% protegem o solo contra

a erosão; 85% fazem adubação orgânica e química para aumentar a sua fertilidade, 63%

combatem as pragas e doenças pulverizando herbicidas e 33% não utilizam nenhum produto.

Nota-se que o uso de agrotóxicos no assentamento é uma realidade que precisa ser melhor

analisada e combatida. Os assentados não dão a atenção devida aos produtos que manuseiam,

desacreditando dos problemas que isso pode representar. Além de não usarem nenhum tipo de

proteção, não se preocupam com as embalagens. O mais comum é descartá-las em terrenos a céu

79 Paul é um tipo de solo úmido e rico para produção agrícola.

176

aberto ou enterrá-las nos lotes. Às vezes, reutilizam as embalagens plásticas como recipiente para

os mais diversos fins.

Outra questão ambiental é o destino do lixo. Presentemente, a produção de lixo no

assentamento ainda não constitui um problema de alta gravidade para os moradores. No entanto,

de acordo com a pesquisa realizada e as caminhadas nas ruas, observou-se que o lixo produzido

atualmente é enterrado ou queimado em um percentual significativo e o restante é colocado em

uma área do assentamento a céu aberto.

No assentamento existem sete poços, sendo que em condições de funcionamento tem-se

apenas um, que abastece a agrovila. A água consumida, que vem de um poço artesiano de 80

metros com vazão de 8.000 litros/hora, é considerada de boa qualidade, mas não possui nenhum

tipo de tratamento. Até 2004, o abastecimento de água era feito por um dos antigos poços da

fazenda, mas a água era contaminada, provocando muitas doenças. Para resolver o problema, o

Centro de Educação e Assessoria Herbert de Souza (CEAHS) conseguiu aprovar um projeto pelo

Programa de Desenvolvimento Solidário (PDS) do Governo do Estado para a construção de uma

caixa dágua e da rede de distribuição até as residências. Ao INCRA coube a perfuração de um

novo poço, em local com água saudável. A água captada é bombeada até um reservatório com

capacidade para 32.000 litros e distribuída até a entrada das residências. Não existe ainda ligação

domiciliar. O custo de funcionamento do sistema é dividido entre os/as assentados/as.

Nesses seis anos de existência do assentamento, os assentados contaram com algumas

iniciativas de assistência técnica da EMATER que iniciou a elaboração do projeto de

investimento pelo PRONAF “A”80

(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

80 Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar - PRONAF é um programa de apoio ao

desenvolvimento rural, a partir do fortalecimento da agricultura familiar como segmento gerador de postos de

trabalho e renda. O programa é executado de forma descentralizada e tem como protagonistas os agricultores

familiares e suas organizações. O PRONAF A destina-se ao financiamento da produção agropecuária, que é uma

linha de ação que promove o acesso do agricultor familiar ao crédito rural - custeio e investimento - destinado ao

177

Familiar). No entanto, esse trabalho foi interrompido por este órgão, que o repassou para ÁPICE,

cooperativa de assistência técnica e elaboração de projetos que fez a revisão, complementação e

encaminhamento ao Banco do Nordeste, obtendo aprovação. Atualmente a execução do

PRONAF “A” se encontra em fase final. O referido projeto destinou-se à renovação do bananal,

adubação do coqueiral, recuperação de cercas, fabricação de carroças e aquisição de quatros

animais bovinos para cada família.

Além do PRONAF A, outros projetos produtivos e de infra-estrutura foram conquistados,

entre os quais destacam-se a construção de uma caixa d’água e da rede de distribuição para

abastecimento das casas pelo Programa de Desenvolvimento Solidário (PDS)81

, um programa do

Governo do Estado em parceria com o Banco Mundial.

Atualmente os/as trabalhadores/as rurais estão à espera da liberação dos recursos do PAC

(Programa de Consolidação e Emancipação – auto suficiência - de Assentamentos Resultantes da

Reforma Agrária)82

, que consiste na assistência técnica durante três anos, para consolidação do

assentamento, prevendo a contratação de uma equipe de assistência técnica; a construção de uma

ponte sobre o rio Maxaranguape; a construção de uma brinquedoteca; a recuperação dos galpões

e casas da fazenda; além da assistência técnica produtiva, ambiental, gerencial, comercial e

social.

desenvolvimento das atividades produtivas. Sua operacionalização é executada pelos agentes financeiros

credenciados 81 Programa de Desenvolvimento Solidário – PDS, do Governo do Estado em parceria com o Banco Mundial. Esse

programa se destina a projetos de infra-estrutura e renda em comunidades e assentamentos rurais. 82

O PAC é resultado de um acordo assinado em 2000, entre o Governo Federal e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). No momento do acordo, a expectativa era que num prazo de cinco anos se investissem US$

85 milhões em projetos de assentamentos de sete estados (RN, MA, MG, MT, MS, PR e RS). Do valor, 60% são

recursos externos. O principal objetivo do programa é garantir em cada comunidade, em no máximo três anos, o

cumprimento de um Plano de Consolidação do Assentamento (PCA). Esse plano prevê, no primeiro ano, um modelo

de sustentabilidade, que deve servir de exemplo para outros novos projetos. Também tem como meta assegurar uma

renda mínima equivalente a dois salários-mínimos para cada família.

178

Apesar de o assentamento Novo Horizonte II ser beneficiário desse programa, há de se

considerar que um assentamento, para ser autosustentado precisa de políticas abrangentes e

estratégicas de reforma agrária que assegurem o seu desenvolvimento sustentável. Inúmeras

pesquisas sobre assentamentos apontaram que o Governo Federal recorre as instituições

financeiras multilaterais (Banco Mundial, BIRD, BID) para desenvolver programas intermitentes,

incompletos e isolados com visões diferenciadas, não levando em conta a trajetória das famílias

que lutaram pela terra. No universo de 248 assentamentos rurais no Rio Grande do Norte, foram

selecionados apenas treze para serem beneficiários do PAC. Em 2000, na assinatura do convênio,

apenas dois assentamentos foram contemplados, restando os outros onze assentamentos para

iniciar no ano 2005. Essa experiência comprova a seletividade e não universalidade das políticas

públicas para reforma agrária, conforme analisou Araújo (2005), sendo parte das políticas de

ajuste estrutural.

No que se refere à fonte de renda das famílias assentadas em Novo Horizonte II, esta

advém, principalmente, da produção agrícola, representando 100% da população. Desse

percentual, 16% complementam a renda com o comércio e serviços e 10% com as aposentadorias

de idosos/as. Segundo dados do Plano de Consolidação do Assentamento Novo Horizonte II,

realizado em 2004 pela empresa AGRAR – Consultoria e Estudos Técnicos S/C Ltda, a renda

advém praticamente do único sistema de produção existente voltado para o mercado, ou seja, a

comercialização de banana e coco. Conforme os dados da pesquisa, a renda atual média é

estimada em R$ 470,03 (quatrocentos e setenta reais e três centavos). E, ainda, no assentamento

24 famílias vêm recebendo o programa Bolsa-escola no valor de R$ 15,00 por criança, e 18

famílias possuem um membro recebendo aposentadoria de um salário mínimo.

Quanto aos indicadores sociais, os/as trabalhadores/as assentados/as apresentavam, em

1999, um número significativo de analfabetos, correspondendo a 23,3% do total da população,

179

especialmente entre as pessoas do sexo masculino cujo índice é 30,5% em contraposição às

mulheres com 14,3%. Nota-se que as mulheres têm mais escolaridade, talvez por causa da cultura

tradicional em que aos homens cabe prover o sustento da família, de modo que os meninos são

obrigados a acompanhar o pai no trabalho agrícola. É lógico que essa é apenas uma das faces da

problemática. Certamente uma das questões refere-se à exclusão dos trabalhadores rurais do

acesso à terra e dos bens culturais e simbólicos, especialmente a educação.

Se no início do assentamento era esse o quadro da escolaridade, após seis anos a pesquisa

permitiu observar que não ocorreram alterações ou mudanças significativas quanto aos níveis de

escolaridade da população adulta. Não houve investimentos estratégicos na educação de jovens e

adultos. A preocupação das famílias era melhorar o nível educacional das crianças e adolescentes.

Esses dados revelaram que o índice de analfabetismo se concentrava na população adulta

do assentamento. Revelaram também uma queda quando referiram-se as faixas etárias de 11 a 15

anos (0,0%), 16 a 20 anos (8,2%) e 21 a 25 anos (6,2%); ou seja, os/as filhos/as são mais

escolarizados que os pais e mães. De forma geral os adultos entendem a importância do estudo

dos filhos/as, mesmo que isso imponha o sacrifício de trabalharem sozinhos no roçado. Os dados

de uma pesquisa realizada pela PNAD/IBGE (1993 a 1998) revelaram que, independentemente

do sexo, o setor agropecuário tem a mais baixa escolaridade de toda a economia brasileira

(apenas 17% de mulheres trabalhadoras rurais são escolarizadas e os homens, 18,5%).

No assentamento funciona uma escola municipal que oferece os cursos do pré-escolar até

a 4ª série do ensino fundamental. Seu corpo docente é constituído de sete professoras, das quais

seis são do próprio assentamento. Duas têm o ensino médio, quatro são formadas em pedagogia e

uma está concluindo o curso. Aos alunos é oferecida uma merenda escolar composta de iogurte,

biscoito, feijão, frango, macarrão, arroz, batatinha e cenoura. Os pais têm reclamado que a

merenda não dá para todo o mês e a Secretaria Municipal de Educação alega que a falta advém

180

do desperdício das merendeiras. Isso demonstra a ausência de uma política voltada para a reforma

agrária, não há um investimento nos assentamentos rurais para garantir o pleno direito a

educação.

Para os adolescentes e jovens que estudam da 5ª até a 8ª série têm que se deslocar, à noite,

ao distrito de Dom Marcolino, a 8 km do assentamento. Para cursar o ensino médio, deslocam-se

até Maxaranguape, sede do município. Para o distrito de Dom Marcolino (ensino fundamental), o

município disponibiliza transporte escolar garantido pelo convênio firmado com o governo

estadual, o mesmo não ocorrendo para os alunos do ensino médio em Maxaranguape. A fim de

enfrentar o problema do analfabetismo na população adulta, funcionou em 2004 o Programa

“Educação de Jovens e Adultos – EJA”, através do Programa Federal Educação Solidária, para os

jovens a partir de 15 anos que ainda estavam estudando da 1ª à 4ª série do ensino fundamental.

Contudo a experiência não passou de um ano.

No que se refere ao atendimento a saúde, os/as trabalhadores/as rurais enfrentam

dificuldades dada à ausência de uma política de saúde pública adequada as necessidades das

comunidades e assentamentos rurais. Para ter acesso aos profissionais de saúde para consulta,

pré-natal, prevenção do câncer do colo do útero e de mama, controle da hipertensão e do diabetes,

os assentados recorrem ao distrito de Dom Marcolino. Nesse distrito, há atendimento médico três

vezes por semana durante meio período do dia e atendimento odontológico uma vez por semana.

O atendimento médico no assentamento ocorre uma vez por semana, durante meio período, e é

realizado na sede da escola por um clínico geral, uma enfermeira e uma auxiliar de enfermagem –

que é assentada - através do Programa Saúde da Família (PSF).

Como parte das exigências do INCRA no âmbito da construção dos projetos de

assentamentos rurais, estes contam com uma associação que tem entre suas atribuições:

encaminhar os projetos produtivos, sociais e de infra-estrutura, representar o assentamento junto

181

aos órgãos públicos e entidades não governamentais, bem como representar o assentamento nos

mais diversos eventos e reuniões inerentes ao chamado processo de reforma agrária.

Teoricamente é o espaço por excelência de participação do conjunto dos assentados/as.

Um outro aspecto importante no processo de organização do assentamento Novo

Horizonte II, refere-se à participação ativa no Fórum de Organizações Populares de

Maxaranguape, um espaço de organização da sociedade civil para elaboração, intervenção e

monitoramento das políticas públicas municipais. Esse fórum originou-se do trabalho

desenvolvido pelo CEAHS83

no município e conta com a participação de associações, grupos de

jovens, grupos de mulheres, sindicato dos trabalhadores rurais, entre outras. Contudo, o grau de

participação desses sujeitos não ocorre de forma igualitária, há diferenciações, conforme

identificou a pesquisa. Há uma presença expressiva de homens que são os presidentes das

associações comunitárias. Poucas mulheres e jovens participam desse espaço.

Esse fórum tem propiciado a formação das lideranças populares e também o acesso aos

programas governamentais. Foi através da formação nesse fórum que as associações dos

assentamentos rurais começaram a participar ativamente dos conselhos de gestão de políticas

públicas municipais; chegando a conquistar a direção do Conselho Municipal do Programa de

Desenvolvimento Solidário, tendo sido eleito para presidente uma das lideranças do assentamento

Novo Horizonte II.

83 O trabalho do CEAHS no município de Maxaranguape consiste em investir na capacitação e formação de sujeitos

políticos coletivos, no âmbito municipal, para atuarem de forma qualificada nos espaços públicos e terem acesso às

políticas públicas. É um trabalho de educação política e educação para a cidadania.

182

3.2 – A Inserção das Mulheres no Âmbito do Assentamento

Após a exposição das condições físicas, econômicas e sociais do assentamento Novo

Horizonte II, pode-se indagar: qual o lugar das mulheres trabalhadoras rurais nessa fase de

construção do assentamento? Como participam das diversas atividades inerentes ao processo de

construção e desenvolvimento do assentamento? Em que condições participam? A participação

das mulheres é igual ou subalterna em relação à participação dos homens? Qual a qualidade da

inserção das mulheres no cotidiano do assentamento? Pode-se afirmar que a vivência no

assentamento é permeada por um conjunto de relações sociais presentes na família, no trabalho

da agricultura, na associação e na comunidade.

Antes de analisar a inserção das mulheres nesse momento após a conquista do imóvel,

cabe uma referência quanto as suas condições de escolaridade, trabalho e renda em relação aos

homens.

Oriundas, na sua maioria, de comunidades rurais de Touros, as mulheres do assentamento

Novo Horizonte II encontram-se na faixa etária de 25 e 60 anos. A maioria já é mãe, com um

número médio de três filhos/as e é também alfabetizada.

Os dados da pesquisa em Novo Horizonte II revelaram que as mulheres trabalhadoras

rurais tiveram mais oportunidades de escolarização, tendo um maior grau de instrução que os

homens, conforme a tabela abaixo:

183

Tabela 02: Escolaridade no Assentamento Novo Horizonte II

Grau de Instrução Homens

(%)

Mulheres

(%)

Analfabetos 30,5 14,3

Ensino Fundamental 1ª a 4ª série

55,6

63,7

I grau: 5ª a 8ª série 13

19,8

Ensino Médio 1º, 2º e 3º Ano

0,9

2,2

Fonte: Levantamento de dados realizado pelo CEAHS e dados

do Plano de Consolidação do Assentamento Novo Horizonte II

Conforme expressa o quadro, as mulheres do assentamento Novo Horizonte II são mais

escolarizadas que os homens em todos os níveis de instrução, com destaque para o ensino

fundamental, que atinge 63,7%. Essa realidade tem proporcionado às mulheres maiores

oportunidades de trabalho em outros ramos da economia, com atividades de maior qualificação:

professora, servidora pública, agente de saúde, bibliotecária, etc. Nesse sentido é representativo

explicitar que a escola de ensino fundamental do assentamento tem como profissionais mulheres

da própria comunidade (diretora, professoras, merendeiras, secretária, auxiliar de serviços gerais).

Vale ressaltar que os homens e os rapazes se dedicam quase que exclusivamente as atividades

agrícolas, sendo difícil assumirem outras responsabilidades no desenvolvimento do assentamento.

Certamente a experiência revelada no assentamento Novo Horizonte II não é um caso

isolado. Uma pesquisa da UNESCO (2000), realizada em assentamentos rurais no Brasil sobre a

ocupação das mulheres de acordo com sua escolaridade, revelou que, quanto maior a educação,

menos as mulheres trabalham em serviços domésticos e em atividades ligadas à terra.

Enquanto a maioria das mulheres analfabetas ou com ensino rudimentar se

ocupa da casa (38%) e da agricultura, pecuária ou pesca (59%); o percentual

das que realizam os mesmos trabalhos cai bastante entre aquelas que concluíram o ensino médio ou superior (25,5% e 32,5%) [...] quase 100% dos

homens analfabetos ou com ensino rudimentar trabalham em atividades

184

agropecuárias ou na pesca. Esse percentual cai à medida que aumenta a

escolaridade, ficando em 78% entre os que estudaram até o ensino médio ou

superior.84

O número de mulheres analfabetas (14,3%) e daquelas que detêm apenas o I grau

(19,8%), no assentamento Novo Horizonte II, expressa as dificuldades de as mulheres

continuarem seus estudos. Isso desvela uma questão mais profunda. Ora, se a essa gente é negado

o direito à vida à medida que lhes é negado o direito à terra, o não acesso às políticas públicas e

sociais, que deveriam vir junto com a desapropriação, é uma realidade concreta na vida de

homens e mulheres assentadas. Nessa perspectiva, a negação do direito à educação incide sobre a

vida de jovens e adultos que vivem nos assentamentos rurais.

Nessa perspectiva, chama atenção o fato de as mulheres serem mais escolarizadas que os

homens. É que, os pais tiram os rapazes, ainda jovens, da escola para mantê-los no trabalho

agrícola, pois são indispensáveis ao sustento da família. Muitas vezes passam a estudar à noite, o

que não oferece as mesmas condições, e o cansaço é muito maior, reduzindo seu aproveitamento

e fazendo-os desistir dos estudos. Para as moças, a força de trabalho é considerada complementar,

desqualificada e sem remuneração. A maioria se dedica ao serviço doméstico em um horário e no

outro frequentam a escola.

Historicamente as camadas subalternas que vivem no meio rural têm sido excluídas do

acesso às políticas públicas, dado um perverso processo de desenvolvimento capitalista

excludente a que foram submetidas. Nesse contexto está o direito básico à educação, que tem sido

negado, provocando e perpetuando a existência de uma população analfabeta.

Araújo (2004, p. 172) ao analisar essa questão enfatiza que:

As relações de poder econômico e político, que historicamente fortalece a

concentração de terra, riqueza e bens simbólicos, produz e reproduz a pobreza,

se faz acompanhar de uma cultura política preconceituosa que não apenas

84 UNESCO, Pesquisa Relações de Gênero em Assentamentos Rurais, 2000, pág. 77.

185

naturaliza a pobreza, mas também nega o acesso a políticas públicas como

direito de todo cidadão. Para os “pobres, políticas pobres”. A naturalização do

analfabetismo das camadas populares, particularmente aquelas do meio rural, tem sido uma dessas marcas.

Nessa perspectiva, a própria educação no meio rural reproduz as desigualdades de gênero,

presentes na estrutura social, política e cultural da sociedade. A educação formal, elitista, seletiva

e excludente em grande medida não contempla a cultura das classes subalternas rurais, nem inclui

uma aprendizagem que busque o desenvolvimento humano com equidade de gênero.

Os dados da PNAD/IBGE (1998) mostram que o setor da agropecuária tem a mais baixa

escolaridade de todos os ramos da economia brasileira: apenas 18,5% dos homens rurais são

escolarizados e 17% das mulheres rurais tiveram acesso à escola. Isso tem um impacto

significativo na vida das camadas subalternas do meio rural, excluídas do processo tecnológico e

científico do mundo contemporâneo, que exige uma agricultura cada vez mais conectada com os

avanços da ciência, incidindo na baixa qualidade de vida nos assentamentos e comunidades

rurais. Nesse sentido, observa-se como essa exclusão reproduz e aprofunda as desigualdades. O

setor que tem um maior investimento educacional, tecnológico, informacional e científico é o

agronegócio, relegando e submetendo a agricultura familiar e seus personagens aos programas e

políticas compensatórios, focalistas, de cunho assistencial e pontual.

Segundo dados do censo 2000 (IBGE), o analfabetismo absoluto atingia, em todo o País,

cerca de 16 milhões de pessoas com mais de 15 anos. No Nordeste esse número subia para

26,2%, em contraste com o Sul, cujo índice caiu para 7,7%. Chama a atenção à questão rural: o

índice de analfabetismo absoluto da população (jovem e adulta) vivendo nas áreas rurais do País

em 2000 era de 29,8%; subindo para 42,6% na zona rural nordestina. (ARAÚJO, 2004, p.175)

É representativo ainda uma referência sobre os dados do I Censo da Reforma Agrária

(INCRA/UNB,1998) no qual a maioria dos assentamentos se encontrava numa situação de

186

analfabetismo, semi-analfabetismo ou no nível de primeira série do ensino fundamental. No Rio

Grande do Norte o número de analfabetos é de 28,53%, o de semi-analfabetos de 26% e aqueles

que tem até a primeira série do ensino fundamental perfazendo 57%. Com a quarta série do

ensino fundamental, o índice é de 7,42%. (PAIVA, 2004, p. 103)

É diante desse quadro de negação do direito à educação, que o MST e outros atores

sociais comprometidos com os movimentos sociais rurais, propõem e reivindicam uma política

educacional voltada para a formação e profissionalização de homens e mulheres do campo,

“compreendendo esse espaço como de vida, de produção de saberes e conhecimentos”. (PAIVA,

2004, p. 104)

Nesse contexto surge e se consolida, a partir de 1998, o Programa Nacional de Educação

da Reforma Agrária – PRONERA, enraizado nos movimentos sociais que participam da

elaboração dos seus objetivos, programas pedagógicos e curriculares, avaliações periódicas e

construções teórico-metodológicas. Esse programa é desenvolvido em todas as regiões do País

com cursos: Educação de Jovens e Adultos; Ensino Médio em Agropecuária e Ensino Superior

Pedagogia da Terra.

Na dinâmica do Programa, os sujeitos sociais elaboram conhecimentos que são

apropriados e formam os próprios sujeitos que, ao serem constituídos, se apõem

aos papéis sociais e a lógica de dominação. É desse processo que deriva a função educativa dos movimentos sociais; os cursos, de EJA ou de nível superior,

tornam-se espaços por excelência de um aprendizado político e social. Os

fenômenos discursivo e político tornam-se, para os indivíduos que deles participam, referência tanto objetiva quanto subjetiva. Objetiva quanto à estrutura

de condução de suas ações, e subjetiva, como suporte de sustentação de seu modo

de agir, por sentimentos e emoções, medos; enfim, nas relações afetivas,

envolvendo todas as esferas de valores normativos e éticos. (PAIVA, 2004, p. 105)

A realidade do acesso precarizado à educação tem se constituído um desafio para os

movimentos sociais rurais, no tocante à elaboração de políticas públicas específicas que atendam

as demandas dos/as trabalhadores/as rurais, de acordo com a região em que vivem.

187

As difíceis condições de vida são expressas principalmente no mundo do trabalho,

particularmente no que se refere a jornada de trabalho feminina. A própria luta pela terra é a luta

pelo trabalho. Nesse sentido, as mulheres do assentamento Novo Horizonte II oferecem um

quadro revelador de sua jornada no cotidiano. Assumem as atividades domésticas e as tarefas na

agricultura, além dos cuidados com os filhos/as. O discurso de Raimunda expressa a

invisibilidade do seu trabalho na agricultura, apresentando uma concepção construída social,

cultural e historicamente:

Aqui mesmo eu só faço colher. Arnô planta feijão, milho [...] Eu vou assim

quando é pra colher, pra comer. Sabe porque que eu não vou? Porque tem muito

trabalho de casa e não dá, meu trabalho é só em casa e vou também plantar, agora, limpar de enxada eu não vou mesmo. (Raimunda, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

Os discursos de Francisquinha e Rosa também revelam uma cultura que foi introjetada e

disseminada social e historicamente, na medida em que o trabalho da mulher na agricultura é

concebido como ajuda ao marido. Isso não é apenas uma realidade do assentamento Novo

Horizonte II, mas perpassa todo o mundo rural.

Eu mesmo só trabalho em casa, vivo doente, sinto muita dor nas costas, nos

braços, cansaço nas pernas de tanto lutar e sofrer no meio do mundo, mas aqui se a gente puder vai ajudar o marido, lá se planta o milho, um feijão, além da

banana, uma macaxeira, uma batata, planta um coentro, uma cebola pra gente

comer em casa mesmo. (Francisquinha, assentada, entrevista realizada em sua

casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005).

Umas na roça e outra é em casa. Eu trabalho em casa e na roça, eu não paro

não. (Rosa, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Esses depoimentos além de revelarem a realidade das mulheres no assentamento, refletem

a centralidade do trabalho doméstico no cotidiano feminimo de Novo Horizonte II, o que remete

ao debate da divisão sexual do trabalho, que separa o que são tarefas produtivas e reprodutivas de

acordo com o sexo, sendo as que pertencem ao homem de maior valor econômico e social.

188

Ela85

se reproduz em uma divisão entre produção, considerada função e

território masculino, e a reprodução, a produção dos seres humanos e do

sistema que os mantém em relação, função e território feminino. (NOBRE, 2004, p.61-62).

A cultura patriarcal, construída histórica e socialmente, desqualifica as tarefas domésticas,

naturalizando-as como “coisa de mulher”. Todo o trabalho de alimentar e cuidar da educação dos

filhos/as, o que significa a força de trabalho para o mercado, acontece no âmbito da casa sob a

responsabilidade da mulher. Portanto, elas produzem os trabalhadores para o capital e, no entanto

sua trajetória no mercado de trabalho é limitada e desvalorizada pelas atribuições na reprodução.

Nobre (2004, p.63) ao analisar a desvalorização do trabalho feminino, assinala algumas

explicações: o valor do trabalho não seria intrínseco a ele, mas relacionado ao valor, ao

reconhecimento social de quem o faz; a exemplo da definição de trabalho leve e trabalho pesado

para tarefas similares, sendo leve sempre o que é realizado por mulheres e pesado, o que é

realizado por homens. Outra explicação refere-se a uma supervalorização na sociedade de

mercado das tarefas ligadas à produção de bens, em especial os intensivos em tecnologia, em

relação às tarefas de reprodução e cuidado. E por fim é a relação produção e reprodução, na qual

as mulheres foram criadas e acostumadas a trabalhar para o outro como prova de afeto sem

nenhuma remuneração, o que dificulta a valorização e cobrança do trabalho doméstico.

A divisão sexual do trabalho e o não compartilhamento das responsabilidades familiares

limitam as possibilidades das mulheres no acesso a novas informações e tecnologias, novas

oportunidades de trabalho, inclusive no mundo rural, apesar de serem mais escolarizadas que os

homens. As riquezas são criadas tanto pelo trabalho produtivo quanto reprodutivo, um depende

do outro. “É justo então, procurar tirar o trabalho reprodutivo da invisibilidade social a que está

relegado e atribuir-lhe o valor social e econômico que merece”. (FONSECA, 2004, p.122).

85 Essa expressão “Ela” a autora se refere a “divisão sexual do trabalho”.

189

Os relatórios da ONU (1995/1996) afirmam que as mulheres são responsáveis pela

realização de 70% do trabalho mundial (trabalho produtivo + trabalho reprodutivo + gestão

comunitária), entretanto, detém apenas 10% dos salários em circulação e 1% dos meios de

produção86

. “Nada mais antiético, porque significa que a divisão entre produção e reprodução,

está promiscuamente ligada à atribuição dos papéis femininos e masculinos socialmente

construídos, valorizando um em detrimento do outro”. (FONSECA, 2004, p.122).

Culturalmente foi dada à mulher a tarefa da reprodução familiar: cuidar dos filhos/as e

netos/as, limpar a casa, lavar a roupa, fazer a comida, cuidar dos idosos/as e enfermos. As

culturas diferenciam os papéis e as tarefas por sexo, assim potencializando ou reprimindo certos

comportamentos. Esses papéis são transmitidos pela família e pelo conjunto de instituições

através das gerações, mediante o processo de socialização. No mundo rural, em que pesem

algumas particularidades, observa-se a produção e reprodução dessa cultura. O discurso das

mulheres entrevistadas aponta essa direção, conforme assinala Dona Raimunda:

Eu quando comecei, eu ia pro paul, adubava bananeira, fazia horta, plantava

pimentão, cebola, coentro, tudo eu plantava [...] as vezes eu num vou não

porque tem as meninas com os meninos aqui, elas saem pra trabalhar e eu

fico tomando de conta da casa e dos meninos. (Raimunda, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em

01/02/2005).

Nessa entrevista com D. Raimunda fica explícita a sobrecarga de trabalho de muitas

mulheres do assentamento Novo Horizonte II, na medida que, além de assumirem as tarefas

domésticas e o trabalho agrícola, assumem também os/as netos/as para que suas filhas/os possam

trabalhar fora. Essa realidade requer uma análise mais profunda acerca da negação dos direitos

sociais básicos no assentamento. Sem políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, o

86 Dados do Relatório da ONU citados por Neide Aparecida Fonseca em seu artigo “Ética, Direitos e Relações de

Gênero no Trabalho – A Recriação do Sentido do Trabalho do Ponto de Vista dos Direitos Humanos”.

190

que é expresso aqui na ausência de uma creche, recaem sobre a mulher as tarefas de educar

filhos/as e netos/as em tempo integral.

Essa realidade da mulher trabalhadora rural do assentamento Novo Horizonte II não é um

problema isolado, mas é comum ao mundo rural, que, segundo Abramovay e Rua (2000, p. 169 e

170):

O fato de as mulheres serem responsáveis pela criação dos filhos,

responsabilizando-se vitalmente pelo cuidado da família é tido como comum e

normal. Da mesma maneira, o trabalho nas atividades de consumo familiar é visto pela sociedade como naturalmente fora do mercado, gratuito, não-

remunerado, porque envolve relações afetivas entre mulher e os demais

familiares.

Muitas dessas situações não correspondem apenas ao mundo rural. Vários estudos

mostram que há uma questão mais abrangente que atinge mulheres urbanas e rurais. Oliveira

(2003, p. 20, 21 e 22), ao analisar a condição de trabalho das mulheres urbanas, ressalta que elas

invadiram o espaço público do mundo do emprego, no entanto não foi resolvida a socialização

das responsabilidades domésticas. É preciso, pois, uma “reengenharia do tempo”. Explicita que a

migração da vida privada ao espaço público está de certa forma inviabilizando a manutenção das

estruturas tradicionais da família, que repousavam sobre a presença da mulher no lar.

O mundo público foi invadido pelas mulheres, mas a vida privada continuou

estruturada em termos de emprego de tempo e assunção de responsabilidades,

como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, como se nada tivesse

acontecido. [...] A presença maciça das mulheres no mundo do trabalho foi para elas uma transgressão; para os homens, uma concessão. Quem transgride,

alimenta a culpa. Quem concede, fica credor. Por isso as mulheres aceitaram

essa concepção falha de igualdade que, na prática, transformou-se num cheque sem fundos. Ao entrarem no mundo do trabalho como transgressoras e

devedoras a quem a sociedade fazia um favor, não ousaram, não puderam ou

não souberam negociar o tempo que dedicam a vida privada. Esse tempo que ninguém computa, que as contas públicas desconhecem, mas que garante a

preservação da vida, sobretudo dos mais frágeis, crianças e idosos, e a

manutenção de um espaço protegido, onde os gestos se fazem e se retribuem

por carinho.

191

Em que medida a análise de Oliveira (2003) sobre a inserção das mulheres urbanas no

mundo do trabalho, se aplica à realidade das mulheres trabalhadoras do campo? Certamente, há

particularidades e diferenciações, mas também uma inegável identidade. As mulheres,

independentemente do espaço geográfico em que se inserem, estão submetidas à mesma cultura

que construiu socialmente a diferenciação dos papéis e lugares de homens e mulheres em todos

os aspectos da vida: no trabalho, na educação, na sexualidade, entre outros. No mundo rural, em

especial no que se refere às classes ou segmentos subalternos, o trabalho feminino na roça é

ideologicamente desvalorizado, sem valor comercial, sendo reduzido à noção de “ajuda”. É

significativo o número de mulheres trabalhadoras rurais que executam tarefas agrícolas sem

nenhuma remuneração, pois seu trabalho é considerado complementar e secundário. É uma

“ajuda”, na qual a mulher aparece como auxiliar do homem no roçado para manter a família.87

Numa pesquisa realizada por TORRES FILHA (2002), ela analisa como as trabalhadoras

rurais se inserem na agricultura familiar na comunidade de Santa Cruz, município de Apodi/RN,

revelando a mesma realidade das mulheres assentadas em Novo Horizonte II. As mulheres de

Santa Cruz assumem predominantemente o trabalho doméstico, sendo o trabalho na agricultura

considerado complementar ao trabalho executado pelos homens, apesar de assumirem uma série

de atividades produtoras de mercadorias, cuja renda contribui para o sustento da família. Nesse

sentido, assinala a autora:

Para as mulheres agricultoras, o que é chamado cuidar de casa esconde o

trabalho na roça, a produção do artesanato, o cultivo de horta e a criação de

animais, atividades essas que produzem mercadorias, cuja venda contribui para o sustento da família [...] Nos depoimentos percebe-se que as mulheres foram

enculturadas a aceitar como normal e corriqueira a situação de diferenciação

entre os sexos, em que elas na maioria das vezes são as menos favorecidas. Elas acham que os homens trabalham demais, chegam cansados em casa, querem o

comer pronto, casa limpa, roupa lavada, o universo doméstico tem que estar na

mais perfeita ordem [...] A mulher, por influência social, passa a identificar a

87 Há várias pesquisas sobre as condições de trabalho das mulheres na agricultura. Assim por exemplo pode-se citar:

TORRES FILHA (2002); LIMA (1992); FISCHER (2003); BUARQUE (2003).

192

casa como local de descanso, percebendo seu trabalho doméstico como leve, já

que o mesmo é realizado num local caracterizado culturalmente como de

descanso [...] A maioria das mulheres vêem o trabalho da roça exercido e realizado pelo homem como o verdadeiro trabalho [...] As mulheres identificam

o trabalho agrícola como um trabalho pesado e não próprio para mulheres,

associando esse trabalho com épocas difíceis de extrema necessidade quando,

então sua presença é necessária, referindo-se aqui a épocas de seca e estiagem. (TORRES FILHA, 2002, p.100-104)

Percebe-se, que as experiências das mulheres trabalhadoras rurais de Santa Cruz e das

mulheres de Novo Horizonte II não constituem casos isolados. Estão submetidas a uma cultura

com traços patriarcais que, segundo alguns analistas, tende a ser maior no Nordeste Brasileiro. As

mulheres, como toda a sociedade, tendem a naturalizar as precárias condições de vida e de

trabalho, o não acesso às condições dignas de sobrevivência, o que também agrava as

desigualdades de gênero. Quando as mulheres trabalham na roça, não deixam de executar as

tarefas domésticas, acordam mais cedo, providenciam os afazeres matinais, deixam a casa e o

almoço em ordem, o que em muitos casos repassam para as filhas mais velhas. Isso reforça a

cultura existente e a idéia de que o trabalho agrícola feminino não é reconhecido, nem concebido

como trabalho. Muitas mulheres entendem que só ajudam ao marido no trabalho agrícola e quem

trabalha, mesmo, é ele e os filhos.

É representativa a análise dos dados sobre o trabalho agrícola das mulheres, como

também o que revelam acerca da importância, invisibilidade e gratuidade do trabalho das

mulheres. Dados da PNAD/IBGE (1998) revelam que o número de mulheres ocupadas na

agropecuária sem remuneração chega a 81%, enquanto que os homens correspondem a 27%. Um

outro dado significativo refere-se ao número de mulheres envolvidas na produção do

autoconsumo, chegando a 91,5%, o que revela o grande peso do trabalho feminino na agricultura

familiar advindo principalmente da produção para o autoconsumo.

193

Nota-se que esse último dado sugere que o trabalho feminino é visto como uma extensão

do seu papel de mãe, esposa e dona-de-casa, responsável pela reprodução da família, encobrindo

o seu trabalho na agricultura familiar – principalmente no cultivo de hortaliças e fruteiras no

fundo do quintal – e a dupla jornada de trabalho: doméstico e agrícola. Diferentemente das

mulheres empregadas urbanas, que têm que sair de casa para trabalhar, apesar de também

sofrerem as mesmas conseqüências das assimetrias de gênero e com a dupla jornada de trabalho,

no meio rural é difícil separar o trabalho realizado na horta, no quintal, no roçado, dos afazeres

domésticos.

Ainda sobre os dados da PNAD/IBGE (1998), pode-se verificar que as atividades que

detém maior valor econômico na agricultura, são executadas pelos homens enquanto as mulheres

executam aquelas atividades de menor relevância na economia. A tabela abaixo é nesse sentido

representativa:

Tabela 03: Pessoal Ocupado por Atividade na Agropecuária

Atividade Homem (%) Mulher (%)

Lavoura 74 26

Pecuária 85 15

Aves e Pequenos Animais 14 86

Horticultura/Floricultura 52 48

Pesca/Aqüicultura 87,5 12

Extração Vegetal 37 63

Silvicultura 93 7,0

Apicultura/Sericicultura 91,5 8,5

Fonte: PNAD/IBGE, 1998

Observa-se que há uma clara divisão sexual do trabalho. As atividades econômicas que as

mulheres estão envolvidas são diretamente ligadas às tarefas domésticas e são as mais

desvalorizadas economicamente. Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE de

1995/1996, a lavoura e a pecuária são responsáveis por 84% do valor total da produção

194

agropecuária do país, e são exatamente as atividades de maior ocupação masculina (74% e 85%,

respectivamente). Ao passo que a criação de aves e de pequenos animais responde por apenas

12,5% do valor total, e é uma atividade predominantemente feminina (com 86%).

Isso retrata a desigualdade de gênero: mesmo quando as mulheres trabalham em todas as

tarefas agrícolas, as atividades de maior peso econômico são tidas como masculinas, de

responsabilidade dos homens, sobretudo quanto à decisão de plantar e comercializar a produção

agrícola.

Chama a atenção o sentido do trabalho da mulher, a sua própria visão como um trabalho

complementar ao trabalho do marido. O sentido da “ajuda” está impregnado também no

imaginário masculino.

Algumas só cuidam de casa e algumas ajudam o marido no paul, muitas aqui

trabalham com o marido e outras só mesmo dentro de casa, até porque não tem

um trabalho assim pra mulher e a gente necessita muito. Se tivesse um trabalho pra gente trabalhar e ajudar o marido, assim só no paul mesmo. (Nalva,

assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II,

em 17/04/2004).

O discurso da ajuda está presente nas falas de homens e mulheres no assentamento. Para

estes as responsabilidades econômicas são do homem e se justificam na crença da incapacidade

física das mulheres, apesar delas realizarem todo tipo de trabalho. A cultura patriarcal

disseminada através das gerações tem contribuído para que este estereótipo seja também

reforçado pelas mulheres, quando não consideram o compartilhamento das responsabilidades na

produção familiar, tornando o trabalho feminino invisível. Vale destacar também que o acesso ao

saber não garante o questionamento das relações desiguais de gênero e da cultura patriarcal.

Entretanto, o cotidiano das mulheres no assentamento revela seu envolvimento nas atividades

agrícolas juntamente com seus maridos, conforme expressam seus discursos:

195

Tem mulheres por aí que anda nas carroças mais os homens, é tirando

bananeira, capim, é cortando ração pro gado, inda vai lá junta um coco. As

mulheres trabalha igual os homem. Tem umas que ainda não conhece o lote de trabalho dos homem, mas é uma raridade, são poucas. Mas a maioria das

mulheres trabalha que nem homem, ajuntando coco, desfolhando bananeira,

limpando o roçado; a mulher aqui num brinca não [...] Tem mulher que faz lá

no serviço que nem um homem e quando chega ainda vai fazer o de casa. (Lourdes, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 08/04/2004)

Eu planto batata, planto macaxeira, planto feijão, planto bananeira, eu limpo de enxada, no dia de fazer tirada de banana eu to lá carregando banana, ajudando,

tudo isso eu faço. (Nailde88

, assentada, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004).

Chama atenção o controle dos recursos financeiros advindos da produção agrícola. Este

fica, na maioria das vezes, sob a responsabilidade do homem, que administra o dinheiro, o custeio

da unidade produtiva familiar, a definição dos projetos produtivos, as negociações com os órgãos

públicos e a comercialização dos produtos. O depoimento de Edilsa é representativo, expressando

uma vontade de possuir recursos para suprir suas necessidades específicas. Mostra, sobretudo, o

lugar secundário que é imposto à mulher quando se trata do mundo dos negócios ou do espaço

público.

As mulher trabalha mais em casa e os maridos vão pro Paul. Eu trabalhei tanto

depois que cheguei aqui, que a sustança que eu tinha antigamente, hoje em dia

eu não tenho mais não, acabou. Se minha sustança, minhas forças todinha que eu tinha é por isso que eu nunca mais fui pro Paul, agora trabalho só em casa

mesmo. Se eu fosse mais jovem, mais nova como eu era, ia arrumar era um

emprego pra mim, porque eu tenho vontade de comprar minhas coisinhas, mas nun tenho emprego, num tenho nada pra comprar minhas coisinhas,

mas se eu tivesse e fosse mais nova ia arrumar era um empreguinho em Natal

pra mim trabalhar. De 15 em 15 dias vinha em casa pra botar minhas coisinhas em ordem, mas aqui não dá não pra pessoa. (Edilsa, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

88 Dona Nailde é uma das lideranças femininas importantes da Região do Mato Grande. Inteligente e criativa,

adquiriu consciência crítica nas lutas por terra de Rio do Fogo na década de 1980 quando posseiros enfrentaram

grileiros que aqmeaçavam usurpar suas terras. Nos anos 1990 participou da mobilização pela conquista da fazenda

Vale da Esperança.

196

Esse depoimento também sinaliza a desvalorização do trabalho desenvolvido pelas

mulheres no espaço da casa e no roçado. A dupla jornada de trabalho e a falta de remuneração e

reconhecimento pelas suas atividades acarretam uma baixa auto-estima por não ter tempo, nem

dinheiro para o cuidado pessoal.

O depoimento também sugere que se a mulher trabalhadora rural pudesse optar por

trabalhar fora de casa ou continuar no espaço doméstico, certamente escolheria uma profissão

que possibilitasse outras oportunidades e recursos financeiros para cobrir suas necessidades

pessoais e familiares. “Historicamente as tarefas domésticas são menosprezadas porque estão fora

do circuito mercantil e reproduzem a divisão sexual e social do trabalho, que segmenta as

atividades produtivas e reprodutivas”. (ABRAMOVAY; RUA, 2000, p.168).

Na sociedade capitalista foi construída histórica e socialmente a divisão entre público e

privado, entre o que é tarefa de homem e de mulher, ressaltando a importância do trabalho

doméstico para a reprodução da vida e pra manutenção da força de trabalho para o capital.

Albarracin (1999, p.55), analisando o desenvolvimento do trabalho doméstico na

sociedade capitalista, ressalta que “o papel do trabalho doméstico consiste em produzir uma parte

dos valores de uso necessários para reproduzir a força de trabalho fora dos circuitos do mercado”.

É, nesse sentido, um trabalho estratégico e estruturante para a manutenção da mão-de-obra

necessária para a acumulação do capital. No trabalho doméstico não há troca, não há geração de

valor, mas é fundamental para a vida social e econômica, uma vez que sem ele o capitalista teria

que dispor de mais dinheiro para os salários dos trabalhadores para garantir sua reprodução. “É a

quantidade de trabalho socialmente necessária para reproduzir a força de trabalho”.

(ALBARRACIN, 1999, p.55),

A autora ressalta que há uma diferença entre o trabalho doméstico e o assalariado: o

primeiro não gera valor de troca, apenas de uso, ao contrário do segundo, que vai gerar os dois

197

tipos de valores, o que também produz lucro, que é o fundamento da acumulação capitalista.

Neste sentido, mesmo não gerando uma mercadoria ou produto para ser trocado por dinheiro, o

trabalho doméstico é fundamental para a reprodução do capital.

A vida cotidiana é o espaço onde se produzem e reproduzem as relações sociais, é o locus

onde se naturalizam e disseminam práticas e (pre)conceitos. No meio rural, a divisão sexual do

trabalho se naturalizou e é prática aceita nas comunidades e no interior das famílias, centrada na

figura do pai, chefe de família, que toma as decisões por todos os outros membros. Nesse

contexto, a situação das trabalhadoras rurais é similar, pois, na maioria das vezes, suas funções

reprodutivas estão tão consolidadas pela organização familiar que fica difícil se tornarem um

problema para a sociedade e para as próprias mulheres, no sentido de construir alternativas para

transformá-las.

Hirata Apud Portela (2004, p.62) afirma que:

Embora mudanças e continuidades coexistam, o deslocamento das fronteiras do

masculino e do feminino deixa intacta a hierarquia social que confere

superioridade ao masculino sobre o feminino, hierarquia sobre a qual se assenta a divisão sexual do trabalho. Enquanto a conciliação entre vida profissional e

vida familiar, trabalho assalariado e trabalho doméstico for exclusivamente

pertinente às mulheres, as bases em que se sustenta essa divisão sexual não parecem estar ameaçadas nos seus fundamentos.

Essa reflexão levada para o campo da agricultura familiar, no qual as relações entre

homens e mulheres expressam as desigualdades de gênero construídas historicamente e que

continuam a se reproduzir, não obstante a emergência de movimentos sociais rurais nas últimas

décadas terem incorporado a questão de gênero em sua agenda política. A análise de Hirata

coloca o desafio da construção de processos de mudanças sociais que incidam sobre a vida das

mulheres nas esferas da produção e da reprodução.

Nesse sentido, a participação política e pública das mulheres trabalhadoras rurais nos mais

variados espaços são fundamentais para a conquista de direitos e da cidadania. Entretanto, o

198

pouco acesso dessas mulheres ao mundo público tende a se agravar quando a situação de trabalho

produtivo se dá em comum com o trabalho reprodutivo, confundindo-se com este, restringindo-se

socialmente ao espaço privado. É nessa perspectiva que se pretende analisar a inserção das

mulheres do assentamento Novo Horizonte II, sua participação no espaço público a partir do

processo de construção do assentamento, em especial no espaço da associação.

3.3 – As Mulheres no Espaço Público do Assentamento

No cenário apresentado até aqui, é representativo analisar e apreender como as mulheres

se inserem nos espaços públicos do assentamento Novo Horizonte II, com prioridade para a sua

participação na associação, construída a partir das exigências do INCRA no momento da

implantação do assentamento. Cabe à associação encaminhar os projetos produtivos e de infra-

estrutura, além de negociar com os órgãos públicos e privados e representar a comunidade.

A associação é composta por um grupo de 12 pessoas, distribuído entre Diretoria e

Conselho Fiscal. A assembléia de associados/as é o órgão máximo de decisão do assentamento,

sendo convocada sempre que necessário pela diretoria da associação, geralmente em horários que

possibilitem a participação das famílias assentadas.

O processo de ocupação na demanda por terra, passando pelo acampamento até a

conquista com a imissão de posse e, conseqüentemente, a construção do assentamento, demanda

formas variadas de participação dos sujeitos envolvidos. Conforme visto no segundo capítulo, as

mulheres participam ativamente no momento do acampamento, ocupando muitas vezes posição

estratégica, enfrentando a violência policial, etc. Contudo, sua participação assume formas e

qualidades diferenciadas, especialmente na fase pós-acampamento. No âmbito daquelas

199

atividades de caráter público a pesquisa identificou que as mulheres tendem a exercer atividades

secundárias. Ou seja, as atividades que demandam decisões políticas na vida do assentamento são

de competência dos homens. Todavia, há mulheres que estão ativamente em todas as atividades

realizadas na comunidade, estão na diretoria da associação, organizam ações; como também

aquelas que se recolheram, após a conquista da terra, ao mundo da casa, dedicando-se ao trabalho

doméstico e reprodutivo, conforme expressam em seus discursos:

Tem muitas mulheres que luta no roçado, tem muitas que luta pelos seus

direitos e muitas que num luta não, não sai de casa. (Nailde, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Observando os dados da pesquisa, percebe-se que há um número reduzido de mulheres

(apenas 4%) que participam da diretoria da associação, ao contrário do percentual de homens,

que chega a 14%. Isso não significa que as mulheres não dêem importância à associação, porém

não foram criados mecanismos que assegurem a sua participação efetiva no espaço público e de

decisão política da vida dos/as assentados/as, aqui representado pela associação.

A permanência das desigualdades de gênero explica a distância entre a participação de

homens e mulheres na associação, que atribuiu papéis diferentes para homens e mulheres na

sociedade. Ao masculino, o poder político, o mundo público e de decisão sobre a vida do

conjunto dos membros da família, incluindo mulher e filhos/as. Ao feminino, o espaço da casa,

da reprodução da vida social. Há de se considerar que a luta pela sobrevivência e pelo acesso à

terra apontam para construção de estratégias de resistência e organização para enfrentar a

negação desses direitos. Nesse sentido, há uma certa ruptura das relações desiguais de gênero no

momento em que as mulheres enfrentam situações e espaços públicos antes estranhos a sua vida e

experiência. É nessa lógica que o aprendizado político das lutas sociais contribui para fomentar a

200

formação de sujeitos políticos coletivos, em especial a organização das mulheres trabalhadoras

rurais.

Uma outra questão diz respeito à perspectiva política das lutas, pois há aqueles que, a

partir do processo de enfrentamento, ultrapassam seus objetivos pessoais e aderem ao projeto

coletivo. Enquanto outros trabalhadores/as rurais, após a conquista da terra, abandonam o

processo de organização política. Em relação às mulheres não é diferente. Há mulheres que não

valorizam o processo organizativo depois da imissão de posse. Entendem que as reuniões não

levam a nenhuma conquista, pois com a desapropriação da terra já se conseguiu o necessário para

viver, conforme interpreta uma trabalhadora assentada com participação nas lutas:

Tem muitas mulheres que vai pra reunião e assembléia da associação, tem

muitas que gosta de participar, agora tem muitas que num gosta não, quando diz

assim: vai ter reunião da associação. Aí dizem: só vai conversar besteira. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo

Horizonte II, em 08/04/2004)

É comum após a conquista da terra haver um certo esfriamento da luta organizativa dos

trabalhadores rurais. Tanto homens como mulheres perdem em parte o interesse de participar das

lutas. No momento da construção do assentamento há vários interesses em jogo, de diferentes

atores: os trabalhadores/as rurais, suas representações, os mediadores e aliados, o Estado,

especialmente o INCRA. Nesse âmbito, as assimetrias de gênero dificultam a inclusão das

mulheres nos processos decisórios das políticas públicas para o assentamento e, portanto, tendem

a reforçar a subalternidade das mulheres.

Nessa realidade somam-se as dificuldades do cotidiano, ligadas à dupla jornada de

trabalho feminino – atividades reprodutivas mais relacionadas ao espaço doméstico – limitando

sua participação nas atividades comunitárias de organização política, principalmente aquelas que

201

são casadas e mães. Os pesos das rotinas doméstica e extradoméstica reforçam as desigualdades

de gênero e as limitações daí decorrentes, impostas à vida pública das mulheres.

A reconstituição da trajetória do assentamento em estudo, como de outras pesquisas em

assentamentos rurais, não deixa dúvidas quanto à participação das mulheres. No entanto, não

sustenta o seu envolvimento permanente na ação coletiva e nos momentos decisórios. Entre os

entraves e determinações pode-se indagar: como as mulheres podem encontrar tempo para sua

participação de qualidade se exercem uma dupla jornada de trabalho? Como a mulher se vê nesse

processo? Muitas mulheres não se identificam com o espaço público, atribuindo à falta de uma

carteira da associação, seu maior impedimento à participação, como é expresso no depoimento de

D. Francisquinha:

Porque eu não fiz a carteira ainda, mas ajudo né, eu não tenho carteira, mas a

gente ajuda, precisando um dinheiro à gente dar. (Francisquinha, assentada,

entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

A carteira da associação é o documento de identidade coletiva da organização

comunitária. Possuir essa carteira tem um significado de inclusão, de pertencimento àquela

agremiação política. Constitui “passaporte” da participação por excelência. Algumas mulheres

acreditam que só devam participar as pessoas que possuam esse documento. Certamente há

razões externas que reforçam tal percepção. As políticas de construção dos assentamentos rurais

às vezes impõem certas regras que acabam discriminando quem não tem seu nome no cadastro da

instituição. Nessa perspectiva, há depoimentos, tanto de homens como de mulheres, que afirmam

que a pessoa com nome no cadastro do INCRA é que tem todos os direitos no assentamento,

inclusive o de participar da associação. São os sócios titulares, que têm direito a voz e voto.

Nesse sentido, há também uma situação que reafirma a existência da tutela e da

subordinação. Assim, por exemplo, quando só o homem tem a carteira da associação, as mulheres

202

se sentem representadas, participando indiretamente, não assumindo sua condição de cidadania e

individualidade. Nessa lógica as mulheres são consideradas dependentes dos maridos,

ocasionando uma barreira a sua participação efetiva, pois somente titulares tem direito a voto. É

uma participação oculta.

Recorrendo aos dados da pesquisa, observa-se que, apesar da presença de elementos

sinalizadores de tutela e subordinação, o número de mulheres que participam das atividades da

associação é expressivo, apresentando um percentual de 46%. Esse dado cai significativamente

quando se refere à participação em cargos na diretoria, com apenas 4%. Contraditoriamente

quando se refere aos cargos políticos, as mulheres têm uma participação inexpressiva, não são

valorizadas. Nota-se que sua participação nas atividades da associação é expressiva, quase a

metade dos participantes. Um outro aspecto que reforça a assimetria de gênero refere-se aos

cargos centrais. Na associação de Novo Horizonte II, nenhuma mulher chegou ao cargo de

presidente ou tesoureira, apenas secretária ou membro do Conselho Fiscal.

Em que pesem as desigualdades de gênero na condução dos processos organizativos na

dinâmica do assentamento, a pesquisa mostra que 40% das mulheres participam de todas as

assembléias, enquanto 32% apenas de algumas. Quanto à participação dos homens, o percentual

dos que participam de todas as assembléias chegou a 62% e a participação em apenas algumas é

de 30%. Isso demonstra que não há uma grande disparidade entre a participação de homens e

mulheres nas atividades da associação. As mulheres demonstram valorizar esse espaço público de

inserção política, apreendido nas lutas sociais, principalmente no momento do acampamento.

Assim, a experiência da luta pela terra contribuiu para uma consciência coletiva participativa,

propiciando uma maior motivação e entendimento da organização comunitária, apesar de ainda

ser insuficiente para assegurar a cidadania política e pública das mulheres.

203

Durante a pesquisa de campo, no momento das entrevistas, quando indagados/as sobre a

importância de as mulheres participarem da associação, alguns depoimentos mostraram

posicionamentos diferenciados. Havia mulheres que se referiam à liberdade de participação tanto

nas atividades comunitárias, quanto nas ações extra-assentamento, enfocando a compreensão que

o seu companheiro tem da sua atuação no espaço público, como mostra o depoimento abaixo:

Ele concorda, ele nunca me empatou de ir em qualquer lugar, assembléia

nenhuma. Até pra Natal eu já fui sozinha, sem Arnô, umas duas vezes. Teve

uma vez que fui só eu de mulher e uns cinco ou seis homens. Arno nunca empatou deu ir, se ele empatasse eu ia. (Raimunda, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

Há, também, as mulheres que acham que faltam mecanismos de inclusão da participação

delas na vida do assentamento, expressando o desejo de ter atividades específicas, e

compreendendo que a associação é fundamental no acesso às políticas públicas para a

comunidade. Conforme expresso no depoimento de Rosa:

Eu mais nunca fui. É muito difícil chamarem as mulheres pra ir; é muito difícil mesmo, e os homens mesmo [...] De primeiro as mulheres iam, acabou assim

ninguém ia mais para lá [...] Os homens não ajudam pra as mulheres irem. Mas

se as mulheres daqui fossem e tivessem a reunião, eu ia [...] se aprende muita coisa indo pra associação. (Rosa, assentada, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Nas práticas políticas dentro do assentamento há uma certa restrição à participação das

mulheres, sendo atribuídas algumas causas. Muitas têm receio e insegurança de falar em público,

pois não foram preparadas para tal. Os homens, por estarem na direção, às vezes de forma

inconsciente, reprimem sua participação, cortam-lhes as palavras, não valorizam sua opinião.

Ainda segundo as mulheres, marcam algumas assembléias e reuniões em horários impróprios,

quando estão mais ocupadas com as tarefas domésticas. Certamente, trata-se da reprodução da

cultura machista e patriarcal, construída social e historicamente, que exclui a mulher do espaço

público.

204

Contudo, há sinais de mudanças, embora não sejam generalizados. Nesse sentido, há os

que recorrem ao processo democrático e solidário, incluindo a participação de todas as pessoas do

assentamento, inclusive os jovens, como forma de alcançar uma melhor qualidade de vida. Esse é

o sentido da vida comunitária. As falas de Nalva e Chico são representativas desse pensamento

de inclusão política da família:

Eles apóiam, eu sei que é muito bom todo mundo unido, cada um tem a sua

participação, tanto as mulheres quanto os homens e eu creio que os homens não

dizem nada não, até porque nós lutamos tudo junto, foi o marido junto com as mulheres e agora seria muito bom que as mulheres participarem junto com os

maridos na associação, mas nem todas vão. (Nalva, assentada, entrevista

realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Do jeito que homem tem direito de viver aqui e tem responsabilidade, as

mulheres também têm. Inclusive, porque com essa nova Constituição que foi

criada, com essa nova mudança que houve, os direitos são iguais. Eu não vejo nenhum motivo pra discriminar as mulheres, nem os jovens também nesse

sistema de organização. (Chico, assentado, entrevista realizada em sua casa no

assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004)

Entretanto, no que se refere ao exercício de cargos na direção da associação, cabem às

mulheres posições que reforçam as assimetrias de gênero, voltados para as rotinas

administrativas: secretária, 2ª tesoureira, membro do conselho fiscal. Isso se deve em parte ao

fato de mulheres possuírem um grau maior de escolaridade que os homens, tendo em vista que

esses cargos exigem conhecimentos específicos de redação e contabilidade básica: as quatro

operações da matemática e noções de como preencher documentos contábeis - recibo, cheque,

balancete, prestação de contas, livro caixa, etc. Aliado a isso se reforça o estereótipo de que as

mulheres são mais afeitas a tarefas minuciosas e organizativas.

Essa questão lança luz para indagar sobre a partilha de poder dentro da associação. As

tarefas assumidas pelas mulheres tendem a ser uma extensão das atividades domésticas, às quais

elas estariam mais preparadas: administração cuidadosa, serviço burocrático, organização da

documentação, anotações de detalhes; enquanto os homens ficam livres para desenvolver as

205

ações políticas, de negociação, de coordenação, de diálogo com o poder público e outras

instâncias, de planejamento, de estratégias, etc. As mulheres tendem a ser as secretárias; os

homens, os presidentes.

Na Associação do assentamento Novo Horizonte II, aos homens coube também o cargo de

tesoureiro, pois sutilmente não admitiam que as mulheres controlassem, nem administrassem os

recursos financeiros, pois estes funcionavam como exercício de poder. E o poder está com os

homens. Nos seis anos de assentamento não houve registro de nenhuma mulher tesoureira nem

presidente nas gestões da associação.

Conforme já assinalado, a participação das mulheres nesse assentamento é restrita à

direção da associação, onde predomina o domínio masculino. Há uma distribuição desigual do

poder nas relações entre os sexos. “Essas atitudes se sustentam, possivelmente, a partir de um

forte embasamento em um código de valores que organiza as relações entre os indivíduos de

ambos os sexos e inclui, entre seus componentes, a subordinação feminina e a circunscrição da

mulher as responsabilidades reprodutivas”. (ABRAMOVAY; RUA, 2000, p.277).

Nesse caminho de análise, a identidade social da mulher e do homem é construída

culturalmente, naturalizando suas atribuições e papéis. “A sociedade delimita, com bastante

precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em

que pode atuar o homem”. (SAFFIOTI, 1987, p.8).

A mesma autora indica que a sociedade investe muito na naturalização deste processo.

Isto é, tenta fazer crer que as tarefas domésticas fazem parte da capacidade da mulher de ser mãe.

Nesse sentido, é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos. “Ao se afirmar que

sempre e em todos os lugares as mulheres se ocuparam do espaço doméstico, eliminam-se as

diferenciações históricas e ressaltam-se as características naturais destas funções”. (idem, p.11).

Esse caminho da naturalização dos processos socioculturais é o mais fácil para manter a

206

superioridade e o poder do homem sobre a mulher. Assim, essa relação desigual de gênero

expressa também uma relação de poder, cabendo a mulher uma posição subalterna na

organização social.

Foucault (2002, p.183) compreende o poder como uma rede de relações que se exerce nos

micros espaços cotidianos. Um poder que circula em todos os níveis e relações.

O poder dever ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que

só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos

de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão

sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo

inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão.

A concepção de poder de Foucault possibilita observá-lo sendo exercido em muitas e

variadas direções, numa rede de relações. O poder não é algo do qual alguém se apropria, mas o

seu exercício e prática está vinculado a disposições, manobras, táticas, técnicas e

funcionamentos. O autor também refuta a idéia de que o poder está majoritariamente concentrado

no estado, como seu único órgão central, ou que a rede de poderes societários sejam uma

extensão dos efeitos do estado.

Isto significa que não há aqueles que não exerçam poder nenhum, há, no entanto, variadas

formas de exercer o poder. Desta forma o poder penetra em toda trama das relações sociais,

sendo disputado por homens e mulheres. Essa idéia de poder que circula, onde as pessoas são os

agentes de sua propagação, sugere que o poder não é cristalizado e que poderá produzir focos de

resistência e contra-poder.

Portanto, sendo a resistência inerente ao exercício do poder, não se pode afirmar que se

está aprisionado pelo poder de outro indivíduo, mas que há a possibilidade de modificar o jogo da

dominação/exploração/sujeição, segundo condições e estratégias determinadas.

207

Embora estejam subordinadas, as mulheres não são destituídas de poder. Elas estão

comprometidas com ações importantes tanto na organização familiar, quanto na comunidade, na

associação e no trabalho agrícola. Isto lhes dá um certo grau de participação nos processos

decisórios.

Neste sentido, as relações de gênero, como relações de poder são instáveis. As mulheres

estão desencadeando processos de emancipação política na direção da conquista de sua cidadania.

O exercício de participação em grupos comunitários e movimentos sociais contribui para a

descoberta do mundo público e da sua capacidade de proposição, intervenção e decisão. A

emancipação política das mulheres possibilita a construção de novos valores e a mudança nas

relações desiguais de poder.

Assim sendo, as mulheres do assentamento Novo Horizonte II ainda têm muito a

percorrer no sentido da sua emancipação político-organizativa. Na medida em que as mulheres

começarem a participar de grupos específicos, trocarem experiências de vida, discutirem suas

dificuldades, desejos, desafios, dúvidas e alegrias, irão acumulando um novo conjunto de

experiências e saberes que contribuirão para mudanças em suas vidas, de suas famílias e na

comunidade.

A participação em movimentos de mulheres, sejam autônomos, ligados ao movimento

sindical e/ou aos movimentos sociais rurais, entre eles o MST, tem contribuído para que as

trabalhadoras rurais construam sua identidade coletiva e política, alcançando reconhecimento

público, direitos e espaço na sociedade. Investir na organização das mulheres através dos grupos

de base é criar as condições para uma reflexão das suas condições de vida no mundo,

contribuindo para sua capacitação técnica e política, e assim, engendrando a emancipação no seu

universo cultural, social, político e econômico, ao mesmo tempo em que sua organização volta-se

para a eliminação das desigualdades de gênero.

208

CONSIDERAÇÕES

FINAIS

“Temos nossas mentes e

Nossas mãos cheias de

Sementes de aurora e

Estamos dispostos a

Semeá-la e a defendê-la

Para que dê frutos”

(Che Guevara)

Foto 06: Crianças do Acampamento Vale da Esperança brincando na Lagoa do Fogo

Fonte: Lenilton Lima

209

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A inserção das mulheres na luta pela terra, especialmente no conflito Vale da Esperança,

em que pese suas especificidades, gerou um certo aprendizado político e tencionamento das

estruturas de poder político e econômico, sem, no entanto, alterar o lugar de subalternidade das

mulheres trabalhadoras rurais. Apesar do protagonismo das famílias, em especial, das mulheres

no conflito Vale da Esperança, essas trabalhadoras ainda vivenciam condições sociais,

econômicas, políticas e culturais desiguais em relação aos homens.

A luta pela terra no Vale da Esperança não significou necessariamente a incorporação da

emancipação das mulheres trabalhadoras rurais. É através da participação política no

desenvolvimento das lutas que as mulheres se descobrem e iniciam sua libertação enquanto

gênero. Contudo, nem sempre a luta pela terra, trabalho e por um aporte de políticas públicas

significa a conquista da cidadania plena das mulheres. Entretanto, a experiência analisada não

deixa dúvidas quanto à existência de um processo em que, a partir de seu envolvimento no

âmbito das lutas sociais na demanda por terra, há sinais de rupturas da cultura vigente, apesar do

predomínio das continuidades culturais, impulsionadas pela organização das mulheres

trabalhadoras rurais.

Nesse sentido, foi possível perceber que, no momento da luta por terra e no processo de

construção e desenvolvimento do assentamento, instaura-se uma tentativa de ruptura nas relações

desiguais de gênero, já que as mulheres participam ativamente desses processos. Porém, após a

desapropriação da área, as relações tradicionais de gênero tendem a ser recompostas, recolocando

210

as mulheres no espaço privado, apesar de sua participação alcançar 46% nas atividades da

associação. Nota-se que se reforça uma certa continuidade ao processo de subalternidade da

mulher, visto que o processo de luta pela terra até sua conquista não incorpora, como um dos

objetivos estratégicos, a emancipação das mulheres.

Nesse sentido, há a necessidade de se potencializar a participação das mulheres, na

perspectiva de ruptura com a cultura política patriarcal, historicamente estabelecida e cristalizada

nas relações sociais, mesmo entre as camadas subalternas. Observa-se que, após a imissão da

posse da terra, há um novo processo no âmbito da organização dos trabalhadores/as rurais, no

qual as mulheres vão marcar sua inserção na construção do assentamento Novo Horizonte II.

Participam ativamente das atividades da comunidade, seja assumindo a escola do assentamento,

cargos na associação ou como agentes de saúde. No entanto, tem que administrar a carga de

responsabilidades no espaço doméstico. Neste sentido, as mulheres enfrentam um duplo desafio:

continuar inseridas nas lutas e na construção do assentamento como sujeitos partícipes do

processo; e assumir as tarefas e exigências do espaço doméstico.

Viu-se no primeiro capítulo a trajetória histórica da participação política das mulheres

trabalhadoras rurais, desde a década de 1980. A luta pelos seus direitos e emancipação sempre

estiveram ligadas à luta pela sobrevivência e pela terra. É no seio das lutas sociais, que as

mulheres passam a questionar sua condição de subalternidade e lutar pelos seus direitos,

enquanto cidadãs. Passam a se confrontar com o lugar que lhes foi historicamente reservado

social e cultural.

Ao debruçar-se sobre a análise da inserção das mulheres no conflito Vale da Esperança e,

posteriormente no assentamento Novo Horizonte II, observou-se que esta inserção está permeada

por um conjunto de relações sociais que é estabelecida histórica, social e culturalmente. Assim,

como em outras realidades, no caso em estudo, as mulheres e homens estão submetidos a uma

211

construção social do masculino e do feminino, que reserva o espaço privado para as mulheres e o

espaço público para os homens. A categoria gênero favorece a explicitação do significado dos

atributos e diferenças construídas histórica e culturalmente na formação do masculino e do

feminino, o que permite explicar as desigualdades que foram produzidas para justificar os papéis

que desempenham, as atribuições, os comportamentos, etc. Permite também, articular e explicar

os diversos aspectos da condição da mulher em relação ao poder e hierarquias sociais,

possibilitando construir caminhos para sua superação.

As relações sociais são relações de poder, estruturadas com base nas diferenças entre os

sexos. Essas diferenças foram se consolidando historicamente na vida social, sendo as mulheres

subalternizadas. As relações de gênero estão presentes no modo de vida social e, entre outros

aspectos, se reproduzem numa forte base material, que é a divisão sexual do trabalho. Daí, ao

debruçar-se sobre a análise do objeto de estudo, constata-se que, em muitas situações, as

mulheres evoluem para uma participação expressiva e de crescimento político, no entanto, não

superam essa cultura socialmente construída centralizada em um dos gêneros, o masculino, em

detrimento do outro, o feminino.

No segundo capítulo, buscou-se resgatar a memória histórica do conflito Vale da

Esperança. Viu-se que as mulheres participaram ativamente do processo político da luta pela

terra, afastando-se, na medida do possível, do papel reservado culturalmente para elas, o espaço

privado. A inserção na luta pela terra nega a afirmação de passividade da mulher e de que o

espaço público e político não são seu lugar. A pesquisa ainda revelou que a mulher trabalhadora

rural também apresenta interesse pelas questões relacionadas com o espaço político e público.

Apesar da sua importância na manutenção do acampamento e, principalmente nos

momentos de enfrentamento com a polícia e os prepostos do fazendeiro, observou-se que as

mulheres ainda estão submetidas a situações de subalternidade. No acampamento, elas assumiam

212

as tarefas tidas como femininas (cuidar dos barracos, das crianças, da alimentação, dos doentes,

etc). Além do trabalho reprodutivo, elas assumiram o apoio às mobilizações em Natal, as

ocupações na sede do INCRA e da Prefeitura de Touros, enfrentaram os jagunços e a polícia para

proteger seus companheiros e filhos/as, organizaram alimentação coletiva, entre outros. Com toda

importância que tem a participação efetiva das mulheres no processo de luta pela terra, ainda

persiste a divisão sexual do trabalho.

Constatou-se ainda que, apesar de terem acumulado um saber político apreendido na luta

pela terra, através do processo formativo desenvolvido pelo SAR e MST no acampamento, a

participação política das mulheres não superou as desigualdades de gênero. Apesar de sua

inegável participação, nenhuma mulher compôs a coordenação do acampamento, nem tampouco,

as comissões de negociação com os órgãos públicos.

No terceiro capítulo, observa-se que, no momento de construção e desenvolvimento do

Assentamento Novo Horizonte II, a participação das mulheres é expressiva, no entanto, quando

assumem cargos na direção da associação, são cargos secundários, como secretárias e membros

do conselho fiscal. Certamente, não se deve apenas ao fato de serem mais escolarizadas que os

homens. As desigualdades de poder estão expressas no fato de não assumirem a direção política

dos processos, das organizações, das comissões de negociações com órgãos públicos. Em geral, a

maioria das mulheres participa das assembléias e reuniões da associação, mas exercem um papel

de ouvintes, falam pouco, às vezes não opinam, não organizam e nem coordenam as discussões.

Há de se considerar que essa realidade não é apenas responsabilidade das mulheres, pois não

foram construídos mecanismos de sua inclusão na estrutura de poder do assentamento.

É freqüente e considerado normal que a participação política dos/as trabalhadores/as nos

assentamentos passa por um certo declínio, em comparação ao momento do acampamento. Trata-

se, pois, de dois momentos distintos, com interesses e perspectivas diversas. Outro elemento que

213

chama atenção refere-se à rotina do assentamento em que exige uma série de atividades, nem

sempre conciliáveis com as necessidades da organização política. Constitui um grande desafio

recuperar a mobilização presente no acampamento e os valores construídos e disseminados de

forma sistemática – decisão coletiva, participação de todos/as, solidariedade, cooperação, divisão

de tarefas, entre outros mecanismos que favorecem a conquista da terra.

A pesquisa identificou que as mulheres assentadas em Novo Horizonte II são mais

escolarizadas que os homens, mas essa condição não é suficiente para superação das

desigualdades de gênero, nem para transformação dos papéis de homens e mulheres construídos

historicamente. Por outro lado, às mudanças nas relações de gênero, certamente, não ocorrerão

unicamente pelo aumento de escolaridade, considerando que a escola faz parte de um conjunto de

instituições que reforçam, em grande medida, a cultura existente e, conseqüentemente, as

assimetrias de gênero. Contudo, a escola e o acesso a novos conhecimentos tendem a se

constituírem e, muitas vezes, constituem canais que contribuem para o questionamento da

condição de subalternidade da mulher, proporcionando a apropriação de novos espaços públicos e

possibilitando impactos no cotidiano das relações de gênero.

O trabalho produtivo das mulheres de Novo Horizonte II mostra-se carregado de

desigualdades de gênero, uma vez que exercem uma dupla jornada: trabalham nos afazeres

domésticos e nas atividades agrícolas. No entanto, não detém a direção, nem o poder de decisão

sobre a produção agrícola. Continuam invisíveis, seja para si mesmas, para a família, seja para

sua classe e, até mesmo, para os órgãos executores das políticas denominadas de reforma agrária.

A pesquisa revelou que as mulheres trabalham em todas as fases da produção, no entanto, é o

trabalho do homem que é reconhecido. As mulheres permanecem sobrecarregadas com o trabalho

doméstico e consideram seu trabalho agrícola como ajuda ao companheiro. Isso porque cabe ao

homem decidir sobre o que produzir no lote, discutir os projetos de investimento com os técnicos,

214

negociar com os bancos, comercializar a produção e determinar o destino dos recursos

financeiros. Fica evidente a naturalização da divisão sexual do trabalho e seu aprofundamento.

O trabalho feminino na produção agrícola do assentamento Novo Horizonte II não é

remunerado e muitas mulheres revelaram o desejo de ter um emprego que lhes garantisse uma

renda para suprir suas necessidades e poder adquirir objetos e bens materiais que almejam. Os

escassos recursos que controlam advém do trabalho na agricultura de subsistência (produção de

autoconsumo, geralmente cultivada no quintal da casa) ou de alguma aposentadoria de um dos

familiares, que serve para adquirir roupas, utensílios domésticos, calçados e material escolar para

os/as filhos/as. O trabalho das mulheres na agricultura e o seu resultado final é, pois, uma

extensão do seu papel de mãe, esposa e dona-de-casa. Apesar desse resultado, a pesquisa

demonstrou que o trabalho das mulheres gera renda e é reinvestido na reprodução, garantindo

parte da sobrevivência da família.

Entende-se que as mulheres necessitam reforçar suas descobertas enquanto gênero, se

organizar em grupos de base que lhes possibilite desvelar a realidade em que está inserida,

conquistar o acesso a novos conhecimentos e informações; conhecer e assumir os seus direitos;

obter a documentação necessária para a vida em sociedade; ter acesso aos créditos agrícolas;

conquistar o reconhecimento do seu trabalho produtivo e doméstico; construir, enfim, um

processo pedagógico permanente que possibilite novas práticas, com valores que propiciem a

conquista e o exercício de sua cidadania, bem como a igualdade de condições de vida, trabalho e

poder com os homens.

A cristalização de uma cultura machista e patriarcal constituem um dos impecilhos ao

avanço de uma cultura que contemple a igualdade de gênero. O fato das mulheres não serem

realmente ouvidas, faz com que se continue a oferecer-lhes as mesmas opções de trabalho,

justificadas muitas vezes como sendo demandas das próprias mulheres ou adequadas a estas,

215

porque estão inseridas dentro dos arranjos culturais tradicionais. Ora, se não lhes é permitido

participar verdadeiramente de uma discussão e expressarem seus desejos reais – porque se

pressupõe que, nas discussões, estarão representadas pelos maridos, pais, irmãos - as próprias

mulheres, quando indagadas, tendem a demandar somente o que entendem ser socialmente aceito

como sendo coisas de mulher, ou seja, atividades relacionadas às tarefas domésticas.

Esse é um desafio que cabe, especialmente aos movimentos de mulheres trabalhadoras

rurais, no sentido de participar ativamente de espaços públicos onde possam discutir e inserir suas

demandas, a exemplo da mobilização nacional e das conquistas alcançadas na Marcha das

Margaridas. É necessário construir propostas de ações que modifiquem o lugar que

tradicionalmente coube às mulheres nas políticas públicas rurais, dando maior visibilidade às suas

necessidades, criando espaços para que elas participem dos processos de decisão, e,

conseqüentemente, possibilitando que as mulheres obtenham melhorias concretas nas suas

condições de trabalho e de vida em igualdade com seus parceiros.

Chama atenção, também o papel dos/as mediadores/as que atuam no meio rural, no

sentido de repensar suas práticas e concepções político-pedagógicas a fim de contribuir no

reconhecimento, valorização e inserção das mulheres trabalhadoras rurais em todos os espaços

públicos da sociedade.

Constitui outro desafio, a necessidade dos movimentos sociais rurais incorporarem,

estrategicamente na sua agenda político-organizativa e de formação, a questão de gênero. As

demandas das mulheres, seu potencial participativo e a discussão de gênero necessitam ser

incorporadas para além da luta pela terra. Se a conquista da desapropriação da terra não assegura

em si a emancipação das classes subalternas rurais, o que dizer em relação à emancipação das

mulheres.

216

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http://www.adital.com.br = Adital - Agência de Comunicação;

http://www.mre.gov.br = Ministério das Relações Exteriores;

http://www.rn.gov.br = Estado do Rio Grande do Norte;

http://www.saudeanimal.com.br = Site sobre a fauna brasileira;

http://www.sof.org.br/marchamulheres = Marcha Mundial das Mulheres;

http://www.pronaf.gov.br = Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

228

ANEXOS

Roteiro de Entrevistas;

Matéria do Jornal Diário de Natal, de 10/11/1995 – “Comissão Visita Vale

da Esperança”;

Mapa do Rio Grande do Norte com a localização dos assentamentos rurais;

Mapa do Município de Maxaranguape com a localização dos assentamentos

rurais;

Planta do Assentamento Novo Horizonte II;

Processo de desapropriação do Assentamento Novo Horizonte II;

Laudo de Visita Técnica na Fazenda Aralém.

229

ROTEIROS DE ENTREVISTAS:

Com as mulheres e os homens do conflito e dos assentamentos:

Como se deu a luta pela terra?

O que os/as motivou a ocupar a terra? Como se deram o processo de

recrutamento das famílias e a ocupação? Quem os mobilizou? Como?

O que as mulheres e homens faziam no acampamento?

O que motivou as mulheres a continuar no acampamento?

As mulheres participavam das decisões no acampamento? Sim, como? Não,

porque?

Houve violência? Quais? Como as mulheres e homens enfrentavam essa

violência? Quem as praticava?

As mulheres participaram do processo de luta e de desapropriação da terra?

Sim, como? Não, porque?

O que seus maridos achavam de sua participação no acampamento?

Para as mulheres que não ficaram no acampamento: Qual sua visão da luta pela

terra? O que faziam enquanto o marido estava no acampamento?

O que significou a desapropriação da terra?

O que as mulheres e homens fazem no assentamento?

As mulheres participam da associação do assentamento? Sim, como? Não,

porque?

O que seus maridos acham de sua participação na associação e no

assentamento?

Como as mulheres e homens se inserem na vida do assentamento em termos

produtivos, políticos-organizativos, cargos na associação, etc?

230

Com as lideranças do MST:

Como se deu o processo de luta pela terra?

Como se deu a escolha das famílias para fazer a ocupação?

Como as famílias entraram no MST?

Houve violência? Quais? Quem as praticou? Como enfrentavam os

opressores?

Quais as parcerias e apoios que as famílias receberam?

Como o MST analisa a participação das mulheres no acampamento e no

processo de conquista e construção do assentamento?

Após a desapropriação o MST continuou no assentamento? Sim, que ações

desenvolve nessa fase de implantação do assentamento? Não, porque?

Com parceiros e apoiadores: STR, SAR, MLST e CEAHS

A entidade participou do conflito e do processo de desapropriação? Sim,

como? Não, porque?

Como vêem e analisam a participação das mulheres no conflito e no

processo de desenvolvimento do assentamento?