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(3) ORGANIZAÇÃO SOCIAL E FORMAS DE AÇÃO COLETIVAS: TRANSFORMAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO E DESAFIOS DAS ORGANIZAÇÕES DOS TRABALHADORES (3.3) O DESAFIO DE ORGANIZAR OS TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO E TRABALHO INFANTIL 1

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(3) ORGANIZAÇÃO SOCIAL E FORMAS DE AÇÃO COLETIVAS: TRANSFORMAÇÃO

NO MUNDO DO TRABALHO E DESAFIOS DAS ORGANIZAÇÕES DOS

TRABALHADORES

(3.3) O DESAFIO DE ORGANIZAR OS TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE

TRABALHO ESCRAVO E TRABALHO INFANTIL

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MARIA DA ANUNCIAÇÃO ALVES

O DESAFIO DE ORGANIZAR OS TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO E INFANTIL

Texto apresentado como exigência parcial para obtenção do Certificado de Conclusão do Curso Introdução a Realidade Brasileira - NS ENFF e UFABC, sob orientação da Educadora Olivia Carolino Pires (NS ENFF) e Prof. Ricardo Moretti (UFABC).

São Paulo 2011

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SUMÁRIO

1 – Introdução............................................................................................................ 04

2 – O Trabalho Assalariado ..................................................................................07

3 – A Exploração do Trabalho de Crianças .................................................... 10

4 – Trabalho Escravo ...............................................................................................12

5 – Considerações Finais ...................................................................................... 14

6 – Bibliografia...........................................................................................................15

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1. INTRODUÇÃO

A partir dos temas apresentados no Curso Introdução a Realidade Brasileira,

das discussões e reflexões propostas na apresentação da problemática inerente a

cada um dos temas atuais abordados sob uma perspectiva critica, pautada em

diálogo com o materialismo histórico e dialético, objetivando contribuir para o

entendimento dos desafios presentes, bem como, a identificação de possibilidades

e perspectivas de atuação coletiva em face desses desafios, pudemos identificar,

com olhos de observador que, em que pese a evolução e a transformação tão

propalada do mundo globalizado, da tecnologia, da ciência e da sociedade atual no

Estado capitalista, que transformou-se em sociedade capitalista consumista,

vislumbramos a individualização do sujeito em busca de seu status quo hodierno.

Tal atitude de individualização fortalece o capital, evidenciando, destarte

estarmos num patamar, onde é premente a discussão real dos problemas

enfrentados pelos movimentos sociais, atualmente desagregados e, os problemas

enfrentados pela população que se encontra a margem e aquém da realidade das

grandes cidades e metrópoles.

Com esse quadro, se faz premente a interação entre os movimentos

coletivos e de massa dos trabalhadores, rumo a promoverem balanços reflexivos

das conquistas do passado, do presente e, o que esperam conquistar com ações

planejadas e coletivas, no futuro, conforme requer a realidade.

É fato, o mundo mudou!

É fato, os movimentos mudaram!

Ousamos dizer, evidenciou-se, inclusive uma elite advinda e assentada nos

feitos dos movimentos históricos e transformadores do passado, que tenta de

maneira compromissada com seus princípios, resolver estrategicamente os

problemas dos trabalhadores, ocorre, parecem estagnados por maiores que sejam

seus movimentos.

Lembrando dos feitos, não poderíamos deixar de mencionar o glorioso

Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema; a gloriosa

Central Única dos Trabalhadores, que bravamente enfrentou com propriedade os

problemas nacionais em vários campos que, não só aqueles das categorias

profissionais, avançou e encampou a luta dos povos da floresta, dos seringueiros,

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dos sem terra, dos sem teto, a luta pela moradia, pela saúde, pela reforma agrária,

pela educação, pelos direitos humanos, a luta pelas diretas, o impeachmant de

Collor, a defesa dos trabalhadores rurais, dentre tantas outras lutas de destaque na

história de nosso país, inclusive sua intensa participação atuante e vigilante junto a

Construção da Constituinte Cidadã de 1988. A CUT agregou várias forças de

esquerda, vários movimentos sociais e suas entidades representativas.

Momentos distintos, aqueles destes!

Pois bem, em razão do passado glorioso de lutas e enfrentamentos com a

classe dominante e com o modo capitalista, ocorreu uma grande paralisia e

confusão que assolou cada sujeito participativo no contexto das lutas, aliás, natural,

inclusive o conflito advindo de papéis sociais representados, como agentes de

mudança.

Neste sentido, é fato inerente ao ser humano muitas vezes estagnar-se em

razão de suas vitórias e glórias, enfrentando conflitos e dificuldades para romper

com as formas propostas pelos mitos que inauguraram um determinado processo

revolucionário e que conseguiram romper correntes.

Desenvolver ferramentas necessárias ao sujeito criativo para que

revolucione formas assentadas, é caminho tortuoso que per si, dificulta a busca de

novas soluções para os conflitos e contradições que rodeiam o mundo.

Seguindo adiante, no momento atual, não se pode ignorar o crescimento da

violência. O homem da sociedade globalizada capitalista e consumista aprende

cada vez mais sobre a intolerância! (deveria ser diferente). Criam-se Estados

paralelos com seus núcleos de poder e segurança! (afrontam o Estado).

O noticiário hodierno mostra de forma pejorativa que o homem resolveu

fazer justiça (o que ele entende por sua justiça) pelas próprias mãos. A ética

profissional abala, impregna os profissionais de descrédito.

Exemplo disso são as ocorrências de morte e mutilação sofrida pela falta de

capacitação dos profissionais da saúde, mesmo levando-se em conta, a diferença

sempre presente do “doloso” e do “culposo”. Havemos de mencionar a falta de

estrutura dos equipamentos do Estado para garantir o pronto atendimento ao ser

humano.

Constatamos pela realidade fática que a formação educacional e profissional

tornou-se relação de consumo e, nada mais. Trata-se “a coisa” como problema

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contratual e de valores adimplidos ou inadimplidos. Relação estabelecida, desta

feita entre as Instituições de Ensino privadas e os educandos, emitindo-se, ao final

dos cursos, milhares de diplomas, muitas vezes inúteis. As Instituições iludem o

cidadão, e abarrotam suas contas bancárias!

No âmbito da família, vemos fetos mortos, jogados pelas mães em latas de

lixo! Vendem os filhos, negociam e exploram a sexualidade infantil. Crianças são

violentadas com a anuência dos familiares, que tudo assistem e quedam-se inertes.

A violência doméstica é realidade, e os crimes passionais acontecem do

lado do nosso quintal, em que pese, a implementação da Lei Maria da Penha em

solo pátrio, as mulheres continuam sendo assassinadas brutalmente.

O jovem brasileiro, sem perspectivas, corrompe-se com a ilusão do dinheiro

fácil, sem alternativas, adentra o mundo das drogas. Quando crianças aprendem a

vender pequenas quantidades de drogas e conhecem armas, quando maiores, por

volta de 13 anos estão vigiando os morros onde estão localizados os pontos de

drogas. Mais tarde transformam-se em traficantes. Querem carros importados,

casas suntuosas, roupas e bebidas importadas, fartas contas bancárias,

empregados, reproduzindo o mundo capitalista.

No entanto, perguntem a algum deles sobre suas perspectivas, e, eles lhe

dirão: queremos dinheiro rápido, viver bem, porque vamos morrer logo, do lugar

não vou me safar.

Claro está, a falta de atuação do Estado, evidenciando o homem público, pela

falta de compromisso com a implementação das ações efetivas das políticas

públicas de resultados, voltadas para população, com enfoques direcionados em

conformidade com as disparidades e diversidades regionais existentes neste vasto

território nacional. Em suma, a adoção da política voltada para ao bem comum,

verdadeiro desígnio do homem público. Ocorre que o Estado não funciona! A

máquina burocrática “emperra” e trava as ações positivas!

Os escândalos são como adornos dos governos e, “sempre” existiram no

curso da história, continuam presentes nos vários escalões governamentais, em

todas as esferas de poder. Em que pese as denúncias constantes, tudo se repete e

acontece na essência idêntica em razão da IMPUNIDADE vergonhosamente, ainda,

assentada em solo pátrio.

Em razão do amontoado de questões aqui levantadas, havemos de delimitar

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alguns assuntos prementes de nosso tempo, extremamente problemáticos e,

enfrentadas por aqueles que vivem em regime de total escravidão, sejam homens,

mulheres, crianças e adolescentes, que se submetem a um estado tal de

indignidade, o que demonstra o quanto o homem venera o “poder” entendendo que

tudo pode em nome da impunidade que sempre lhe foi oferecida graciosamente

pelo Estado, e seus governantes, inclusive, tornando o homem livre de nossa época,

num escravo.

Passaríamos dias enumerando a quantidade de problemas atuais e, neste

sentido, não temos a pretensão de fazer um intróito drástico e sem esperança de

transformação, tampouco a pretensão de visualizar mágicas soluções rápidas para

o estágio atual dos problemas enfrentados pela população marginal, no entanto,

não nos perdoaríamos se não trouxéssemos à luz este debate, apenas, com a

intenção de mostrar que o mundo é muito maior do que, aquele nosso pequeno

mundo de fantasias e máscaras adaptadas para serem aplicadas em situações

distintas e com discursos diversos.

2. O TRABALHO ASSALARIADO

“A fome nos atrela a sua negra carroça: nossos ganhos são tão reduzidos.

Trabalhamos até altas horas da noite por pão e farrapos.

Meus filhos, amontoados a esmo em lençóis velhíssimos, exauriram o seio

esquelético da mãe. Comemos a semente do cereal que deveria vir a produzir o

alimento para os mais novos1”.

Trabalho do latim tripalium, uma espécie de instrumento de tortura de três

paus ou uma canga que pesava sobre os animais.

Passando rapidamente pela história trazemos uma síntese, apenas

lembrando a sociedade pré - industrial , onde predominou a escravidão, que fez do

trabalhador uma “coisa”; o trabalhador era propriedade do dominus.

Não foi diferente no caso da servidão, na época do feudalismo, pois, mesmo

recebendo certa proteção militar e política prestada pelo senhor feudal dono das

1 O trabalhador – poeta Charles Poncy protestou em 1850 a São Crispim: - Sapateiros Politizados in Eric J. Hobsbawn, Mundos do Trabalho, Novos Estudos sobre História Operária, Coleção Oficinas da História, 4ª Edição revista, Editora Paz e Terra 2005, páginas de 149 a 181.

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terras, os trabalhadores não tinham uma condição livre. Eram obrigados a

trabalhar nas terras pertencentes aos senhores. Camponeses presos às glebas que

cultivavam, pesava-lhes a obrigação de entregar parte da produção rural como

preço pela fixação na terra e pela defesa que recebiam do senhorio. Os nobres não

trabalhavam. O trabalho era considerado um castigo.

Com as corporações de ofício da Idade Média, conhecemos os artesões, os

mestres, os companheiros e os aprendizes. Tornavam-se mestres aqueles que

obtiveram êxito na confecção de uma “obra mestra”. Os companheiros eram os

trabalhadores que ganhavam salários pagos pelos mestres. Os aprendizes eram

menores que recebiam dos mestres os ensinamentos metódicos de um ofício ou

profissão. As corporações mantinham com os trabalhadores relação autoritária e

que se destinava à realização dos seus interesses e, não à proteção dos

trabalhadores. As corporações de ofício foram suprimidas com a Revolução

Francesa, em 1789, pois consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade

do homem.

A jornada de trabalho era longa, chegando até a 18 horas no verão; porém,

na maioria das vezes, terminava com o pôr do sol. Com a invenção do lampião a

gás, em 1792, o trabalho passou a ser prestado em média entre 12 e 14 horas por

dia, e, ainda várias indústrias começaram a trabalhar no período noturno.

Havia ainda, outro tipo de relação de trabalho, a locação, desdobrando-se

em dois tipos, a locação de serviços – locatio operarum -, contrato pelo qual uma

pessoa se obriga a prestar serviços durante certo tempo a outra mediante

remuneração – e a locação de obra ou empreitada – locatio operis faciendi, que é o

contrato pelo qual alguém se obriga a executar uma obra a outra pessoa mediante

remuneração.

A Revolução Industrial do século XVIII, conjunto de transformações

decorrentes da descoberta do vapor como fonte de energia e da sua aplicação nas

fábricas e meios de transportes. Com a expansão da indústria e do comércio, ocorre

a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado

em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar a fábrica e mais

tarde, à linha de produção.

Inicia-se nesse período a substituição do trabalho manual pelo trabalho com

o uso de máquinas. Era preciso que as pessoas operassem as máquinas a vapor e,

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as têxteis.

Neste cenário os trabalhadores começam a reunir-se, associar-se, para

reivindicar melhores condições de trabalho e de salários, diminuição das jornadas

excessivas de 12, 14 ou 16 horas diárias, e contra a exploração de menores e

mulheres. Substituía-se o trabalho adulto pelo das mulheres e menores, que

trabalhavam mais horas, percebendo menores salários.

Importante lembrar que o com o surgimento da máquina a vapor, houve a

instalação das indústrias onde existisse o carvão. Émile Zolla, em Germinal, retrata

esse trabalho nas minas de carvão, onde o trabalhador prestava serviços em

condições insalubres, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases,

inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeitos a

várias horas de trabalho. Ocorriam acidentes de trabalho, além de serem assolados

por doenças decorrentes dos gases, da poeira, do trabalho em local encharcado,

destaca-se entre as doenças, a tuberculose, a asma e a pneumonia.

Trabalhavam direta ou indiretamente nas minas praticamente toda a

família, o pai, a mulher, os filhos, os filhos dos filhos. Eram feitos contratos

verbais vitalícios ou então enquanto o trabalhador pudesse prestar serviços,

implicando verdadeira servidão. Certos trabalhadores eram comprados e

vendidos com seus filhos. Os trabalhadores ficavam sujeitos a multas, que

absorviam seu salário.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de dezembro de 1948,

prevê alguns direitos aos trabalhadores, como limitação razoável do trabalho,

férias remuneradas periódicas, repouso e lazer, dentre outras.

O neoliberalismo prega que a contratação e os salários dos trabalhadores

devem ser regulados pelo mercado, pela lei da oferta e da procura.

Ressalte-se, o inciso III do art. 1º da Constituição de 1988 consagra a

dignidade da pessoa humana. É um direito social (art. 6º da Constituição). O

direito ao trabalho é uma forma de dignidade da pessoa e da independência

como homem. O homem deve ser tratado como pessoa e não como coisa.

Destarte, as primeiras leis trabalhistas na Europa foram motivadas pela

necessidade de coibir os abusos perpetrados contra o proletariado e, mais

diretamente, a exploração do trabalho dos menores e das mulheres.

Utilizavam-se do trabalho de menores de 8, 7 e até 6 anos de idade nas

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fábricas e jornadas de trabalho excessivas para as mulheres.

3. A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DE CRIANÇAS

“(...) milhares de braços tornaram-se de súbito necessários.

(...). Procuravam-se principalmente pelos pequenos e ágeis. (...) Muitos,

milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos

foram despachados para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de

crianças) vesti-los, alimentá-los e alojá-los na casa de aprendizes junto a

fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era

interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo

possível, pois sua remuneração era proporcional a quantidade de trabalho que

deles podiam extrair (...). Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso

apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do

trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia

pelo da noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o

grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em

Lancashire, que as camas nunca esfriam2 (Karl Marx)

O trabalho infantil tem registros que remontam à própria história da

humanidade, sua utilização sempre variou conforme o grau de desenvolvimento

civilizatório, em razão da evidente degradação física que estava ocorrendo na

infância, no início da Revolução Industrial, que alarmava, até mesmo, os mais

conservadores.

A exploração capitalista do trabalho de crianças nunca foi desinteressada,

pois representava mão de obra barata, disciplinada e com baixo poder

reivindicativo. Não havia preocupação com os prejuízos provocados na saúde e

desenvolvimento das crianças ocultado pelo título de “ajuda”.

As consequências foram marcadas pelos altos índices de mortalidade

infantil, doenças e prejuízos ao desenvolvimento físico e mental de um grande

contingente de crianças.

2 Karl Marx. O Capital, São Paulo Difel, 1988, páginas 875-876).

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No Brasil a situação não foi diferente no decorrer de todo o seu processo de

industrialização. Destarte, ainda, hoje, o trabalho de crianças é explorado sob

as mais variadas justificativas. O uso da mão de obra infantil tem relação direta

com os baixos índices de aproveitamento escolar, reforça a condição de pobreza

das famílias e provoca prejuízos sérios no desenvolvimento físico e psicológico das

crianças.

“O trabalho infantil carrega em si uma esteira de ilegalidade, a começar pela

própria terminologia com o qual é designado já que em rigor, não deveria

existir “trabalho infantil”, posto que os tempos do trabalho e da infância são

inconciliáveis3”.

Fere o nosso senso ver em recente publicação datada de 08 de dezembro de

20114, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil5,

manifestou-se no sentido, de que o CNJ - Conselho Nacional de Justiça -, adote

medidas para impedir que juízes de todo o país continuem autorizando crianças e

adolescentes menores de 16 anos a trabalhar. Segundo dados do Ministério do

Trabalho, muitos desses jovens são autorizados a trabalhar em situações

insalubres, como em lixões, na construção civil e até mesmo na pavimentação de

ruas.

É inaceitável que juízes que tem o dever constitucional de proteger crianças

e adolescentes, concedam autorização para o trabalho precoce. Trata-se de

verdadeira violação aos direitos humanos, além de desrespeito à Carta Magna

Pátria.

3 Kátia Magalhães Arruda. O trabalho das crianças no Brasil e o direito fundamental à infância, 1997, pg. 102.

4 Jornal Última Instância, Agência Brasil, 06/12/2011 – “Menores de 16 anos – Fórum pede para juízes não concederem autorizações de trabalho a crianças”. Sítio da internet http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/54142.

5 -O Fórum é uma instância de debates composta por representantes de centrais sindicais, confederações patronais, governo, organizações não governamentais, operadores do direito e organismos internacionais, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Entre outras coisas, participa da elaboração de políticas e programas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil e acompanha sua implementação apontando a necessidade de aperfeiçoamento e apontando os projetos de lei que reduzam ou violem os direitos das crianças e adolescentes.

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4. TRABALHO ESCRAVO

“Apesar do escravismo ter perdurado formalmente até o final do século

19, os resquícios da mentalidade escravista no Brasil não abandonaram por

completo o ideário das classes dominantes, nem mesmo dos dirigentes das

empresas privadas do agronegócio contemporâneas nucleadas em torno do

capital financeiro. E os camponeses tiveram e têm a sua concepção de mundo

impregnada pelos valores hegemônicos que os subestimam e menosprezam,

mesmo levando em consideração a enorme diversidade de contextos

socioculturais onde se dá a reprodução social de suas famílias6”.

O Fazendeiro Avelino de Déa, dono da Fazenda São Sebastião,em Itupiranga,

foi condenado a sete anos e dez meses de prisão por escravizar 59 trabalhadores.

(…). Também foi condenado o capataz José Henrique Vanzetto, a cinco anos e sete

meses de prisão.

Os trabalhadores eram submetidos a condições as mais indignas de

trabalho: não havia banheiro no local onde laboravam e pernoitavam, o qual

distava vários quilômetros da vila mais próxima; não havia depósito de lixo; a

água para beber era retirado do córrego, barrenta e com gosto de ferrugem e

também utilizada pelo gado, que nela defecava; dormiam muitos em barracos

de palha sem paredes laterais, onde conviviam com cobras e escorpiões,

chegando alguns a dormir em cocho próprio para alimentação de bovinos.

(...).

Faltavam equipamentos de proteção individual, mesmo para quem

trabalhava aplicando venenos E HAVIA A EXPLORAÇÃO DA MÃO DE OBRA

6 - Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Direitos Humanos no Brasil 2010 – Relatório da Rede Social de Justiça e direitos Humanos. Organização: Tatiana Merlino e Maria Luisa Mendonça. Texto de Horácio Martins de Carvalho, engenheiro agrônomo especialista em ciências sociais, atualmente membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e assessor da Via Campesina. Páginas de 49 a 55.

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INFANTIL. (…).

Na r. sentença judicial prolatada não foi admitida a alegação dos réus “de

que não forçaram ninguém a aceitar o trabalho”.

O fato de cidadãos pobres e humildes aceitarem a indigna sujeição a tal tipo

de condições, o que fazem em razão de absoluta falta de alternativa para garantia

da própria subsistência, (…), não autoriza outrem, valendo-se da privilegiada

posição de detentor do conhecimento e do poder econômico, literalmente LUCRAR

COM A MISÉRIA HUMANA.

Seguem exemplos de casos de condenações em que a punição, ainda não

ocorreu: - Fazendeiro Gilberto Andrade, do Maranhão, foi condenado pela Justiça

Federal em 2008, mas recorreu da sentença (de 14 anos de prisão pelos crimes de

trabalho escravo, ocultação de cadáver e aliciamento de menores) em liberdade até

falecer. Ele foi quatro vezes reincidente no crime. Também no Maranhão, a Justiça

Federal considerou Alcides Reinaldo Gava e José Milton Campelo culpados por

trabalho escravo. A sentença saiu em 2008 previu apenas de 3 anos e meio de

reclusão. Porém, foram substituídas por penas restritivas de direitos7.

Destacamos do Relatório de 2010 de Direitos Humanos no Brasil: “No

balanço dos dois mandatos do governo Lula, na opinião de setores da sociedade

civil, o Poder Executivo federal agiu de forma incoerente. Setores do Estado, como a

Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e o Ministério do Trabalho e Emprego

(MTE) atuaram a favor da erradicação; outros setores, como o Ministério da

Agricultura, contra. Não houve a concretização da reforma agrária; diversos

projetos econômicos foram impostos e estes privilegiaram a concentração da

riqueza e do poder. A falta de coerência nas medidas tomadas seria uma das razões

da persistência do crime. Além de tendências contraditórias, as ações eram

insuficientes. A metade das denúncias de trabalho escravo não produziu

fiscalização, pois faltavam dados nas peças de denúncias, porque o ESTADO NÃO

FOI CAPAZ DE AGIR COM RÁPIDEZ NECESSÁRIA 8. (grifos nossos).

7 Sitio da internet: HTTP://blogdosakamoto.uol.com.br; 2011/12/08/justiça condena fazendeiros por escravidão. Colaborou Bianca Pyl, da Repórter Brasil.

8 Direitos Humanos no Brasil 2010 – Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, texto de Ricardo Rezende Figueira, sacerdote, membro do Conselho Deliberativo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, um dos fundadores do Movimento Humanos Direitos, professor na Escola de Serviço Social da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo do NEPP-DH da UFRJ

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corroboramos com a idéia de que os direitos humanos tornam-se modo de

alicerçar reivindicações, permitindo expressar, a partir da inerente dignidade da

pessoa humana, demandas sociais mesmo quando elas não encontravam, ainda,

substrato legal.

Avançam o conhecimento e o reconhecimento dos direitos econômicos,

sociais e culturais na base das reivindicações das populares indígenas,

quilombolas, sem terra e atingidas por barragens. A integração como direito

humano dos direitos ambientais não apenas reforça aqueles, como inaugura o

direito de toda a sociedade ao meio ambiente saudável e à proteção face a

tecnologias ainda não provadas seguras. Temos, o espaço dos direitos civis e

políticos se vê, também, cada vez mais alargado.

“(...), a solidez da democracia precisa ser acalentada e protegida,

resguardando a unidade dos defensores dos direitos humanos ante os violadores,

torturadores, escravizadores, exploradores9.

9 Direitos Humanos no Brasil 2010 – Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Texto de Aton Fon Filho, advogado e diretor da Rede Social de Justiça e Direitos humanos. Dimensão Política dos direitos humanos. Páginas de 103 a 108.

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6 – BIBLIOGRAFIA

Arruda, Kátia Magalhães – O trabalho de crianças no Brasil e o direito

fundamental

À Infância. In Guerra Filho, Willis Santiago (coordenador). Dos Direitos Humanos

aos Direitos Fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997.

Hobsbawn, Eric J. – Mundo do Trabalho – Novos Estudos sobre História Operária –

Coleção Oficinas da História, 4ª Edição Revista, Editora Paz e Terra, 2005, Tradução

Waldea Barcellos e Sandra Bedran.

Hobsbawn, Eric J. – A Era do Capital – 1848 – 1875. Editora Paz e Terra, 1977.

Tradução de Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro.

Martins, Sérgio Pinto – Direito do Trabalho – 24ª Ed. – São Paulo – Atlas, 2008.

Nascimento, Amauri Mascaro, 1932 – Iniciação ao direito do trabalho – 31ª Ed., São

Paulo, Ltr. 2005.

Marx, Karl – O Capital, São Paulo, Diffel, 1988.

Moraes, Alexandre de – Constituição do Brasil interpretada e legislação

constitucional – 6ª Ed. Atualizada até a EC nº 52/06 – São Paulo – Atlas, 2006.

Direitos Humanos no Brasil 2010 – Relatório da Rede Social de Justiça e

Direitos Humanos / organização Tatiana Merlino e Maria Luisa Mendonça – São

Paulo: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 1. Direitos humanos – Brasil. 2.

Pobreza – Aspectos sociais. 3. Violência – Aspectos Sociais. 4. Política Agrária –

Brasil. 5. Trabalho Escravo – Brasil. 6. Educação – Sistema Prisional. I. Merlino,

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Tatiana, org. II. Mendonça, Maria Luisa.

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