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LUUANDA HÁ 50 ANOS

Críticas, prémios, protestos e silenciamento

Introdução, recolha e edição

por Francisco Topa

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Capa de Helena Gaspar

Depósito legal 376787/14

ISBN 978-989-96206-7-4

A conclusão deste trabalho beneficiou do apoio da agência brasileira CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior),

através do Programa Professor Visitante do Exterior

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Índice

Luuanda, cinquenta anos depois 5

I. A crítica 15

1. Roby Amorim 17

2. Roby Amorim 19

3. Rui Romano 22

4. Alexandre Pinheiro Torres 24

5. Luísa Dacosta 27

6. Urbano Tavares Rodrigues 29

7. Armando Pereira da Silva 31

8. Álvaro Salema 33

9. Alfredo Guisado 34

10. Manuel Ferreira 36

11. Armando Ventura Ferreira 40

12. Arnaldo Pereira 44

13. João Gaspar Simões 47

II. Os prémios 51

1. O Prémio Mota Veiga 53

2. O Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores 61

III. A rep(r)e(rcu)ssão política 67

A) Do Prémio de Novelística da S.P.E. 69

1. Na metrópole 73

1.1. No Diário de notícias 75

1.2. No Diário da manhã 115

2. Em Angola 207

2.1. No Diário de Luanda 209

2.2. No ABC – diário de Angola 227

3. Em Moçambique 237

3.1. No Notícias 239

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B) Do Prémio Mota Veiga 277

O Processo dos Prémios Literários atribuídos a José Vieira Ma-

teus da Graça (Luandino Vieira)

281

Apêndice 317

1. A notícia do New York Times 319

2. Um eco do programa da R.T.P 321

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Luuanda, cinquenta anos depois

o futuro é o que vem atrás, me persegue sempre

Luandino Vieira

Há pelo menos duas boas razões para assinalar o cinquentenário da publi-

cação de Luuanda, de José Luandino Vieira, embora uma delas não seja

agradável: o facto de se tratar de uma obra superior que dá um passo decisivo

no processo de construção da literatura angolana e que, por isso mesmo, se

tornou um clássico, não apenas dessa literatura, mas das literaturas em língua

portuguesa (só fatores extraliterários explicam que isso ainda não seja visível

para todos); a triste circunstância de ter sofrido, ela e o seu autor, um dos

processos mais nefandos da nossa – lusa e angolana – moderna história lite-

rária.

A escolha do ano de 2014 para assinalar os 50 anos do volume de estórias

é, por um lado, uma questão de rigor (a coletânea foi apresentada a concurso

em 1963, mas o livro foi impresso e começou a ser distribuído em outubro do

ano seguinte) e, por outro, uma questão simbólica: faz mais sentido comemo-

rar a vitória no Prémio Mota Veiga, em Luanda, no ano de 1964 do que assi-

nalar a campanha de maio de 1965 que se seguiu à atribuição do Grande

Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Autores. É verdade que o

meio local acolheu a distinção de forma discreta, mas não podemos esquecer

que Luandino estava então a cumprir um pena de 14 anos de prisão em San-

tiago de Cabo Verde, na colónia penal entretanto batizada com o nome de

Campo de Trabalho de Chão Bom, devido à sua participação no movimento

independentista.

O volume que agora se apresenta – uma das iniciativas do colóquio De

‘Luuanda’ (1964) a Luandino (2014): veredas, a ter lugar na Faculdade de

Letras do Porto, entre 10 e 11 de novembro – tem um propósito sobretudo

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documental: procura compendiar materiais de tipo diverso 1 – peças de jornal

(críticas, notícias, editoriais, artigos) e documentos do arquivo da P.I.D.E.

que nunca tinham sido publicados –, com o objetivo de reconstituir de algum

modo o início destes cinquenta anos da vida de Luuanda, o que nos ajuda a

compreender também certos aspetos deste nosso presente e desta relação

ainda hoje não completamente normalizada entre portugueses e angolanos.

A primeira parte reúne um total de 13 recensões ou resenhas, que consti-

tuirão o essencial da receção crítica de que Luuanda foi objeto aquando da

sua publicação. Impressas em jornais de Luanda, de Lisboa e do Porto, entre

outubro de 1964 e abril do ano seguinte, são assinadas por grandes figuras da

crítica, do ensaísmo, da criação literária (Alexandre Pinheiro Torres, Álvaro

Salema, Urbano Tavares Rodrigues, Luísa Dacosta, Alfredo Guisado, Ma-

nuel Ferreira, Armando Ventura Ferreira) e também do jornalismo (José

Roby Amorim – durante a sua curta passagem por Angola –, Rui Romano – an-

tes da sua vinda para Lisboa –, Armando Pereira da Silva, Arnaldo Pereira).

A exceção cronológica é representada pelo texto de João Gaspar Simões,

publicado em novembro de 1974, a propósito do aparecimento de outra obra

de Luandino Vieira, No antigamente, na vida.

Com a exceção, parcial, de Rui Romano, os críticos rendem-se à qualida-

de (alguns chegam a falar em «obra-prima») e à novidade de Luuanda, con-

siderando estar-se perante «o maior acontecimento literário dos últimos tem-

pos» e admitindo que «com a presente obra se inicia uma literatura angola-

na». Por outro lado, procedem a uma leitura mais ou menos detalhada do

volume, antecipando as linhas de exegese que a crítica e o ensaísmo posterior

iriam aprofundar.

Há contudo uma linha, também apontada – com intenção e num tom dife-

rentes – no célebre Panorama literário emitido pela Rádio Televisão Portu-

guesa em 27 de maio de 1965, que viria a ser esquecida e abandonada: a

influência de Ernesto Cochat Osório (*Luanda, 1917 †Faro, 2002), concre-

tamente do conto «Aiué» de Capim verde, publicado em 1957. A ela se

referem Roby Amorim e Manuel Ferreira, escrevendo este último: «Claro,

que existe um amplo percurso entre a inteligentíssima audácia de Luandino e

a incursão cautelosa de Cochat Osório. De qualquer modo a lição de Cochat

é de referenciar.» (p. 38). Hoje não parecerá talvez tão indiscutível essa ale-

1 A transcrição mantém a ortografia original, evitando corrigir gralhas, lapsos de acen-

tuação e de pontuação e erros.

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gada filiação. Quem quer que leia o volume em causa percebe que «Aiuê» é

de certo modo uma experiência isolada, embora bem conseguida: trata-se de

um longo discurso interior de uma mulher negra, Dominga, que vem assistir

à partida do vapor que levará para estudar num colégio da metrópole os três

filhos da relação que manteve com o branco sô Gome. Ao mesmo tempo que

é confrontado com a dor de uma mãe que sabe que não voltará a ver os filhos

e que será apagada da origem deles, o leitor acompanha a evocação de mo-

mentos da vida da protagonista: a sedução do comerciante branco, a conde-

nação da comunidade negra, a transformação do pai dos seus filhos em prós-

pero agricultor que um dia decide regressar à metrópole. Se o tema represen-

ta alguma novidade no contexto da literatura da época, o que se destaca é o

modelo narrativo e a tentativa de lhe fazer corresponder uma língua adequa-

da: acontece que Cochat Osório se fica por um nível algo superficial daquilo

que poderia ter chegado a ser uma nova língua literária. O discurso da perso-

nagem é ainda português: um português que só não é caricatural devido à

tensão que o envolve. Na verdade, optando por uma espécie de escrita fonéti-

ca que acentua os desvios sonoros face ao português padrão e dando conta

também de irregularidades morfológicas ou de sintaxe, Osório não chega a

dar o passo que Luandino Vieira se atreveu a concretizar: explorar a riqueza

e a criatividade de um registo que já não é desvio – e muito menos erro –,

porque tem identidade e autonomia plenas.

A nota dissonante no entusiasmo que domina a primeira crítica sobre

Luuanda é representada por Rui Romano. Considera o jornalista (e poeta

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bissexto) que, embora se trate de «um livro notável, tomando-o no seu senti-

do puramente poético e na dimensão exacta da análise social» (p. 22), ele não

traduz o início da expressão literária angolana, na medida em que o caminho

para a valorização de Angola deve ser feito através da «universalidade que só

a civilização portuguesa e as suas instituições lhe proporcionaram» (p. 23).

Este postulado leva depois o autor a fazer uma previsão, coerente com a

opção política que assumirá mais tarde, mas que o tempo viria a desmentir:

escrita numa linguagem inaceitável, embora pitoresca e arremedando o “cri-oulo” da região de Luanda, a obra não atingirá os seus objectivos e terá um

significado restrito, passando em breve a um modesto lugar puramente crono-lógico, na galeria das muitas tentativas (p. 23).

O outro caso distinto é representado pelo texto de Gaspar Simões, escrito

quase uma década depois. Aproveitando para justificar a sua oposição ao

Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores – «porque não

considerara a sua obra uma genuína obra da literatura portuguesa» (p. 47) –,

o crítico tenta acertar o passo, rendendo-se à mestria de Luuanda:

Estamos diante de um mestre de línguas exóticas, de um manipulador habilís-

simo de dialectos africanos, de um observador atento de costumes e formas de humanidade de que ele é dos primeiros a fazer letra impressa. (p. 49)

A segunda parte deste volume historia os dois prémios que foram atri-

buídos ao livro de Luandino Vieira – o Mota Veiga e o de Novelística da

S.P.E. –, explicitando as respetivas cronologias, a constituição dos júris e o

resultado das votações e reproduzindo a cobertura noticiosa do ABC – Jornal

de Luanda e dois documentos com interesse simbólico: a foto da entrega do

Mota Veiga (colhida desse periódico) e a ata da reunião do júri do galardão

de Lisboa.

A divisão seguinte é a mais longa, acompanhando a repercussão / repres-

são política da atribuição do prémio da S.P.E., que acabaria por atingir tam-

bém a distinção Mota Veiga, outorgada no ano anterior. Conhecido nos seus

contornos gerais e referido com frequência como exemplo da repressão do

regime salazarista sobre as instituições de cultura, este caso assumiu contor-

nos de verdadeira campanha: contra a S.P.E. e o júri, naturalmente, mas so-

bretudo contra – e esse aspeto é quase sempre secundarizado ou ignorado –

José Luandino Vieira, isolado em Santiago de Cabo Verde, onde cumpria

uma longa pena de prisão.

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A reprodução dos textos jornalísticos (notícias, editoriais, artigos) de cin-

co dos jornais da época (dois de Lisboa, dois de Luanda e um de Lourenço

Marques) mostra bem a boa organização, a intensidade, a violência e os obje-

tivos da campanha, que aliás se valeria de outros meios de comunicação,

como a televisão. A reunião desse material – que é apenas ilustrativa, mas

fornece uma imagem bastante precisa do que se passou – não visa nenhum

acerto de contas, como é óbvio. Não custa contudo reconhecer que as posi-

ções assumidas por instituições e particulares, sendo embora condicionadas

pelo momento que se vivia, não eram obrigatórias: ao lado da truculência do

Diário de notícias e do Diário da manhã, que lideraram a campanha, há

jornais que se mantiveram quase em silêncio (foi o caso do ABC, mas foi o

caso também dos jornais do Porto); a demissão de diretores e sócios (geral-

mente figuras menores hoje esquecidas) da S.P.E. não foi geral, como não foi

geral a pronta demarcação de organismos como a Fundação Calouste Gul-

benkian, patrocinadora do prémio, ou a reação indignada dos particulares e

das organizações que dirigiram telegramas e cartas aos principais ministérios

envolvidos no caso.

A um outro nível, esse material permite perceber, à distância (mesmo as-

sim incómoda) de meio século, como certos entendimentos e posturas não

despareceram totalmente: o conceito e o sentimento de pátria, as representa-

ções conservadoras e quase sacralizantes sobre a língua, a intolerância para

com quem pensa e age de forma diferente e, sobretudo, a facilidade de acom-

panhar, sem maior reflexão, uma agressão coletiva, atitude que hoje vemos

multiplicada na instantaneidade do e-mail e das chamadas redes sociais.

A repercussão desta campanha sobre o Prémio Mota Veiga de 1963 era

quase ignorada: os jornais noticiaram a abertura de «uma averiguação com-

pleta de assunto tão grave» determinado pelo Governador-Geral de Angola

em 25 de maio, mas omitiram o desenvolvimento do caso. O inquérito, con-

fiado à P.I.D.E. e depositado hoje na Torre do Tombo, não contém especiais

novidades, mas mostra bem como a campanha iniciada em Lisboa atingiu

Angola, forçando o governo local e os dirigentes da ANANGOLA a emendar

a mão, corrigindo um comportamento agora tido como laxista. A transcrição

completa que apresento desse documento permite ainda retirar do esqueci-

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mento a figura de Eugénio Bento Ferreira, destacado membro do meio inte-

lectual e oposicionista de Luanda.

Encerrando o volume, há um apêndice em que se apresentam dois docu-

mentos: uma notícia do New York Times sobre o prémio da S.P.E. que mostra

bem como ela foi treslida pelo Diário da manhã de 27 de maio; um relatório

de um inspetor da P.I.D.E. sobre uma visita, em 1967, ao Campo de Chão

Bom que inclui a referência a uma breve conversa com Luandino Vieira,

traduzindo um eco do programa Panorama literário, emitido pela Rádio

Televisão Portuguesa em 27 de maio de 1965, a propósito do prémio da

S.P.E. que consagrou Luanda.

O livro acabou por ficar mais volumoso do que inicialmente se previa e

mesmo assim ficaram de fora vários aspetos e alguns episódios. Entre eles

está o da edição contrafeita de 1965, apresentada como sendo de Belo Hori-

zonte, da responsabilidade de uma editora chamada Eros, mas na verdade

feita em Braga por dois agentes da P.I.D.E. 2

. O caso chegou a ser julgado em

2 Uma sondagem recente revelou que a maioria dos portugueses está convencida da

maior honestidade dos políticos e instituições do regime anterior à Revolução dos Cravos. Esquecem essas pessoas casos como este e o efeito da censura na construção da imagem do regime. A título de curiosidade, veja-se um outro exemplo: tendo a sua casa sido alvo de uma busca por parte de uma brigada da P.I.D.E., Ermelinda Graça apercebeu-se depois do desaparecimento de um relógico de pulso e narrou o episódio em carta ao marido, Luandino. Como a correspondência era censurada, a inconfidência valeu-lhe um processo de averiguações, em que, a 21-VII-1966, o chefe de brigada, Francisco Fernandes, acaba

por concluir: «Dado que a arguida também declarou não trazer o relógio no pulso por se ter inutilizado a fivela da correia na véspera da busca, logo na véspera!, tudo indica, em-

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tribunal, por iniciativa de Luandino Vieira, representado pelo Dr. Joaquim

Pires de Lima, advogado que se destacou como defensor de presos políticos

antes do 25 de Abril. Como seria de esperar, os acusados seriam absolvidos

por falta de provas.

O Dr. Joaquim Pires de Lima, advogado e amigo de Luandino Vieira 3

Este episódio quase anedótico chama de resto a atenção para um aspeto

estranho do ‘caso’ Luuanda: contra o que seria de esperar depois da cam-

panha de maio de 1965, a circulação do livro não chegou a ser interditada.

No arquivo da PIDE depositado na Torre do Tombo, há um ofício de 9-XII-

1966 dirigido por esta polícia ao Serviço Nacional de Informação perguntan-

do se a obra estava proibida, ao que o diretor responde, por missiva de 21 do

mesmo mês, que não existe despacho sobre o volume pelo facto de ele nunca

ter sido submetido a apreciação (PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330, f. 162).

Apesar disso, só em 1972, depois de uma revisão feita pelo autor,

Luuanda parece reunir condições para uma circulação normal, com a publi-

bora se não possa afirmar, que o tivesse perdido e quisesse ser agradável ao marido, di-zendo que teria sido a brigada desta Corporação que se apossara do relógio no decorrer da busca» (Torre do Tombo, PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330 f. 215r e v).

3 Fotografia de Rui Marto, publicada no Boletim da Ordem dos Advogados. Lisboa. 62 (jan. 2010), p. 27. Agradeço à OA a autorização para reproduzir a foto.

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cação feita por Edições 70. Contudo, de forma inesperada, a obra viria a ser

proibida, surgindo a ordem para que a edição fosse apreendida. A revolução

de 1974 ultrapassou o recurso entretanto interposto e Luuanda passou final-

mente a circular de forma livre.

Resposta do diretor do S.N.I. a consulta da P.I.D.E. sobre Luuanda (Torre do Tombo, PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330, f. 162)

Ofício de 26-I-1973 do Comandante-geral da P.S.P. ao Diretor de Informação,

comunicando o envio de três dos 25 exemplares apreendidos de Luuanda (Torre do Tombo, SNI DSC-13-7, 0534)

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Olhando para os cinquenta anos que passaram desde a edição original e

fazendo um balanço, não podemos deixar de reconhecer razão a Ana Paula

Tavares, que, no seu poema «As portas de Luuanda» 4, fala a cerca altura em

«A memória ferida de Luuanda». Este ano de 2014 poderia e deveria marcar

a cicatrização definitiva dessa ferida. Uma série de pequenos sinais parece

contudo indicar que a hora não chegou ainda: ficou sem resposta uma carta

que dirigi ao atual presidente da Fundação Calouste Gulbenkian convidan-

do-o para uma cerimónia que encerrasse o processo de 1965; foi atendido

com silêncio um convite meu a determinada autoridade consular angolana;

uma autoridade académica opôs-se a certa iniciativa… Pouco importa:

Luuanda e Luandino estão bem acima deste tipo de coisas e são bem maiores

que qualquer poder. Os próximos cinquenta anos serão seguramente melho-

res.

Assis, SP, 16 de maio de 2014

4 Publicado em Portuguese Literary & Cultural Studies. Dartmouth. 15-16 (2010).

pp. 37-39.

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I. A crítica

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Roby Amorim | 17

ABC – diário de Angola. Luanda. 30-X-1964, pp. 3 e 7.

1. ROBY AMORIM

«Luuanda» assinala o nascimento de uma literatura

À excepção da poesia (aliás de uma poesia recente, pois, por exemplo, o

caso de Vieira da Cruz não pode ser considerado) não se podia falar de uma

literatura angolana. Contudo, o idioma português soubera já adaptar-se às

condições particulares dos trópicos, desenvolvendo-se em novas línguas que

haviam produzido autênticas literaturas diversificadas e autónomas: o brasi-

leiro, o crioulo cabo-verdeano, o forro de S. Tomé.

Ao contrário, em Angola e em Moçambique esse indispensável passo não

havia sido tentado. Melhor, ainda não acontecera. Dizemos acontecer, por-

que não pode imaginar-se o escritor que decide inventar uma língua, com o

seu léxico, a sua gramática, a sua lógica interna. Essa língua deverá existir na

boca do povo, ter-se formado por necessidade a adaptações locais do portu-

guês, da sua fusão com o ambiente, os problemas, as necessidades e as lín-

guas locais.

A ficção de Angola continuava a ser representada pelas produções de

Castro Soromenho, de Henrique Galvão. Apesar da longa experiência africa-

na de ambos, do nascimento africano de um deles (Castro Soromenho nasceu

em Moçambique e toda a sua infância e juventude foram passadas em Ango-

la), os seus trabalhos representam apenas uma visão europeia de África. É

certo que isto não lhes limita o valor ou o interesse, mas é necessário pôr as

coisas no seu devido lugar.

Não podia falar-se de uma literatura brasileira em relação a Castro Alves,

não obstante o patriotismo do poeta; não se podia acreditar em literatura

brasileira com Machado de Assis, escrevendo com uma forma europeia sobre

motivos do seu país. Essa nova literatura só nasceu quando os escritores

sentiram a necessidade de utilizar a língua que o povo do seu país falava para

a transformarem no seu instrumento de trabalho.

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18 | A crítica

O fenómeno acaba de suceder em Angola, com a publicação dos três con-

tos de Luandino Vieira, «Luuanda» – com os quais, pode dizer-se, nasce a

prosa de ficção neste território tropical.

Aliás, podia adivinhar-se que o acontecimento estava prestes a sobrevir.

Anunciavam-no várias tentativas poéticas, usavam-na já os escritores quando

os seus personagens empregavam o discurso directo, tentava irromper nas

colunas dos jornais e fizera mais que uma aparição através dos microfones

das estações de rádio.

Incontrolável, esta força de expressão que procurava acesso, cidadania,

acabou por obtê-la – com o que temos a congratular-nos – com uma obra

impecável.

Luandino Vieira faz a crónica (no sentido neo-realista do termo) da cida-

de humilde do labirinto dos bairros de pau-a-pique que se opõem (como na

capa que ele próprio concebeu) aos arranha-céus que se miram na baía. Uma

crónica viva, humana e cheia de simpatia pelas figuras que retrata e acompa-

nha.

Estas considerações apressadas não nos permitem, hoje, uma atenção

mais profunda aos problemas literários propostos por esta obra excepcional

de Luandino Vieira. Prometemos, porém, que a ele voltaremos na próxima

semana.

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Roby Amorim | 19

ABC – diário de Angola. Luanda. 13-XI-1964, pp. 3 e 7.

2. ROBY AMORIM

Uma língua que nasce

(A propósito de Luandino Vieira)

Esse comboio de Malanje… António Jacinto, Cochat Osório, António

Cardoso glosaram o tema em poesia, tema que, aliás, se repete em muitos

outros autores das modernas gerações de Angola.

O condicionalismo económico, as regras de trabalho organizam, além de

relações especiais entre as várias classes de homens, algo que serve para

determinar essas próprias relações e as tornar explícitas – uma língua.

Entre as duas classes humanas que tomaram o «comboio de Malanje»

(para se citar um exemplo), uma conduzindo o comboio e os homens que ali

seguem, outra mal aconchegada no vagão, indecisa perante um mundo novo

que se lhe anuncia, foi necessário estabelecer convénios sociais, económicos,

legais. Tornou-se imprescindível a utilização de uma língua comum, natu-

ralmente a do homem que conduzia o comboio, não a do que era conduzido.

O segundo termo da equação aprendeu a servir-se do instrumento do primei-

ro. Mal – dirão –, deformadoramente – acrescentarão –, mas, mais exacta-

mente, acomodando uma língua afeita às suaves redondezas dos montados

minhotos, à ligeireza de um clima que se convencionou chamar suave (e que

se tenta transformar em turístico), às mudanças abissais dos trópicos, ao vi-

gor de uma vegetação que lateja em cada planta, à aspereza da chama sem

água, aos rigores das alturas planálticas.

A língua, tanto como a pá ou a enxada, é um instrumento de trabalho. Se

em Trás-os-Montes ou no Algarve não se sabe o que seja uma catana é por-

que nunca ali foi necessário decepar a cana do assúcar [sic] ou um cacho de

bananas, apenas cortar a gramínea frágil, desnodar o cacho de uva sumarenta.

Novas palavras foram, assim surgindo no português, que um bando erran-

te e muito pouco civilizado de celtas tinha «desvirtuado» do latim, afeiçoan-

do-se às condições locais do Brasil, de Cabo Verde, de S. Tomé, de Angola.

Mas as palavras não chegam para formar uma língua, falta-lhes a lógica in-

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20 | A crítica

terna que as une entre si e que se denomina gramática. Coisa que austeros

cavalheiros tentam codificar de tantos em tantos anos, mas que, ao mesmo

tempo que escrevem as suas regras se vai metamorfoseando, ganhando novas

capacidades de expressão, adaptando-se a novos condicionalismos. A litera-

tura reside sobretudo no adjectivo que, de século para século, ganha novos

significados.

Estas adaptações gramaticais, sobretudo adjectivas, e por vezes substanti-

vas explicam-se por si próprias, explicando simultâneamente as realidades

sociais que as originam.

Para a formação de uma nova língua é necessário que os escritores enten-

dam debruçar-se sobre as realidades antropológicas e sociológicas do povo

que retratam, afastando-se de uma cultura literária que, em si própria tende a

ser académica, importada, pouco adequada a novas condições – numa pala-

vra: morta.

Em Angola, neste momento, estão em formação tanto uma língua como

uma literatura, uma e outras resultantes do regime económico, dos sistemas

de trabalho, da organização social (que se podem considerar equivalentes em

Cabinda ou em Moçâmedes, em Luanda ou no Cuando-Cubando [sic], e que

justificam uma unidade desta Angola diversificada em raças, línguas, climas

e condições geográficas).

Na nova literatura e na nova língua que surgem estão presentes duas

constantes, embora uma seja largamente superior à outra: a cultura e a litera-

tura europeias que os portugueses trouxeram consigo, e a cultura e as línguas

locais, que os primeiros assimilaram muito dèbilmente, mas os segundos

aceitaram a oferta, embora com diversificações apropriadas. O que está a

nascer é pujante, viçoso, sobretudo jovem e cheio de ambições, como é natu-

ral a toda a juventude.

Um dia destes, um intelectual brasileiro, muito sèriamente, inquiriu de

Gaspar Simões (reporto-me a uma entrevista concedida por Joel Serrão ao

«Diário de Lisboa») se a actual literatura portuguesa «não seria póstuma».

Isto, que por um lado significa um desconhecimento do outro lado do Atlân-

tico, do que hoje se está a fazer em Portugal, explica, por outro, a arrogância

de uma literatura jovem, cheia de virtualidades e certezas presentes, que se

interroga quanto a uma literatura condicionada por tanta circunstância que só

muito dificilmente consegue corresponder às exigências e às realidades do

seu tempo.

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Roby Amorim | 21

O condicionalismo geral da actual cultura portuguesa, não obstante as ex-

cepções em contrário, justifica aquela interrogação, para nós dolorosa.

Factor primacial numa literatura é esta ser capaz de descrever um estilo

de vida social. Tudo aqui está reunido: gramática, literatura, língua. Quando

Vieira da Cruz (e insistimos que, de maneira nenhuma menosprezamos o

poeta) escreve que «batem palmas as palmas das palmeiras», não faz mais

que repetir «a messe que enloirece a quermesse» de Eugénio de Castro. Era

fundamental que algo mais acontecesse para o aparecimento de uma literatu-

ra que se pudesse chamar angolana.

Abramos um parêntesis para certas explicações pertinentes referentes ao

regionalismo: Camilo retratou quase exclusivamente o Entre-Douro-e-

-Minho, Aquilino a Beira, mas ambos estavam possuídos de uma consciência

e serviam-se de uma língua que, eivada embora de regionalismos, era fun-

cional para todo o contexto metropolitano. Um Manuel de Boaventura – por

quem temos a maior amizade pessoal – não conseguiu ascender-se da classe

de escritor regionalista, limitado como está à visão de um estilo de vida pu-

ramente minhoto. Os exemplos, escolhidos ao acaso, serão concludentes e

podem tornar-se extensivos se se explicar que Wenceslau de Morais não é

um escritor japonês, por muito que tenha revolvido a psique nipónica, mas

em português; nem Castro Soromenho um romancista da literatura angolana,

por mais que tenha escrito sobre certas realidades europeias dos trópicos, ou

africanas na visão europeia.

Os dois termos do binómio são imprescindíveis: uma língua com ductili-

dade própria e adaptada e um condicionalismo ao social.

Foi precisamente a conjugação destas duas forças que Luandino Vieira

conseguiu alcançar no seu «Luuanda» que, em princípio deveria justificar

este escrito necessàriamente breve, mas que desastrada e pouco inteligente

intervenção alheia forçou a deixar um tanto de parte, por exigir a explanação

de um pensamento que se considerava suficiente[mente] explicado, embora

não para os que raiam o analfabetismo, alcandorando-se, muito embora, à

posição de juízes em matéria na qual só meteram a própria foice – como

admitem – por mecenato (e em pagamento) político.

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22 | A crítica

Jornal de Angola. 1964-1965 – Número especial. Luanda. «Crítica Literária», p. 12.

3. RUI ROMANO

«Luuanda» de Luandino Vieira

Numa época em que se deliberou, por razões de pura especulação política

redescobrir a natural ânsia de todos os homens, de serem livres e livremente

se movimentarem entre os seus semelhantes, num intenso e indispensável

trânsito moral e material, sem o que torna impossível o entendimento, aos

níveis nacional ou internacional, Angola, pela voz de alguns dos seus poetas

e escritores, apareceu despertada, num outro ciclo do tempo, através duma

temática literária, de há muito abandonada pela civilização dos nossos dias,

cujo carácter específico foge ao especulativo e às balbuciantes tentativas de

reivindicação ultrapassada.

Confundir qualidade poética, crónicas de circunstância, florilégios com-

prometidos ou não, manifestos asténicos e imaturos, com a força estuante

duma terra que sendo velha, é jovem pela reinvenção dos seus destinos e pelo

papel que esses destinos terão, neste tempo de mudança, no concerto africano

e, necessàriamente, universal, tornou-se palavra de ordem e, o que é pior,

tomou força de dogma.

Qualquer território, seja africano, europeu ou asiático, de população pré-

-lógica ou ultra-avançada, possuirá sempre os seus artistas, os seus cronistas,

os seus poetas, os seus cantores. O homem e as estruturas sociais a que dá

origem, é no fundo o mesmo, na Patagónia ou nas ilhas de Sonda, em Bissau

ou em Luanda. O homem porém, age diferentemente, perante as condições

mesológicas em que, obrigatòriamente, se move, embora os factos sociais se

repitam aqui e acolá. As conquistas particulares do homem, no campo das

suas actividades, passam a constituir o motivo fundamento da palavra escrita

e a comunicação das suas descobertas ou das suas perplexidades dá origem à

vida literária, que se baseia na linguagem adulta do idioma nacional, partindo

embora do tipicismo regional, condição primeira da interpretação duma cul-

tura como, por exemplo, a portuguesa.

«Luuanda» de Luandino Vieira, é um livro notável, tomando-o no seu

sentido puramente poético e na dimensão exacta da análise social, que o

coloca nas estantes do neo-realismo.

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Rui Romano | 23

Mas, não exprime, na linguagem rebuscada – apesar da sua aparente sin-

geleza – do seu autor, aquilo a que alguns pretendem, especiosamente, cha-

mar o início da “expressão” literária angolana.

Expressão literária angolana?

Através duma contrafacção do português, intraduzível em línguas estran-

geiras?

Que espécie de literatura será essa que, em vez de se veicular, para o

mundo, pela única ponte que a conduzirá ao mundo, procura bisonhamente,

refugiar-se no livre arbítrio dos autores os quais, mau grado o seu talento, tão

amplamente demonstrado, procuram situar-se entre aqueles que – raros em-

bora – julgam valorizar Angola privando-a do carácter de universalidade que

só a civilização portuguesa e as suas instituições lhe proporcionaram.

Seria, então, preferível publicar «Luuanda», em quimbundo e, então, o li-

vro sem dúvida, repetimos, de qualidade fora de série, estaria mais certo.

Assim, escrita numa linguagem inaceitável, embora pitoresca e arreme-

dando o “crioulo” da região de Luanda, a obra não atingirá os seus objectivos

e terá um significado restrito, passando em breve a um modesto lugar pura-

mente cronológico, na galeria das muitas tentativas e esta, apesar de tudo é

das mais válidas – de focar uma literatura que sendo, naturalmente autóno-

ma, singrará para o conhecimento externo como literatura de expressão por-

tuguesa.

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24 | A crítica

Diário de Lisboa. «Vida literária e artística, O livro português da semana – Crí-

tica», 14-I-1965, p. 8.

4. ALEXANDRE PINHEIRO TORRES

«Luuanda» de Luandino Vieira

Luuanda, colectânea de três novelas do jovem angolano Luandino Vieira,

surge-me, de uma pilha de livros, em modestíssima edição de autor. Traz

uma cinta: «Prémio Mota Veiga». Não sei francamente de que prémio se

trate. Um prémio local de carácter particular? De Luandino Vieira nada mais

me recordo conhecer senão um poema inserido no livro Poetas Angolanos,

antologia da Casa dos Estudantes do Império, com prefácio de Alfredo Mar-

garido. Um poema que tem por título Canção para Luanda.

É com cepticismo, pois, que abro o seu livro de contos, ou melhor, «estó-

rias», como lhes chama (o grande escritor brasileiro João Guimarães Rosa

serve-se também de designação idêntica), o cepticismo de quem nada espera

encontrar de novo, ou, pelo menos, de bom nível, a não ser por milagre.

E que milagre se deu! Lido o primeiro extremamente sugestivo parágrafo

de uma «estória» intitulada Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos não mais parei

até esgotar as cem (para mim «maravilhosas») páginas que constituem na

aparência modestíssimo livro de Luandino Vieira.

Três histórias que são – tão-sòmente no meu modesto juízo que não pre-

tende sobrepor-se aos dos mais competentes e ao do tempo – três obras-

-primas do nosso conto contemporâneo, e a enorme e imprevista revelação de

um escritor de sensibilidade excepcional e de notável criação de um estilo: o

estilo que resulta da sapiente fusão de regionalismos e latinismos (da mesma

forma que Guimarães Rosa), o estilo que deriva de uma linguagem onde as

tropelias fonéticas, sintácticas e semânticas sofridas pelo português em con-

tacto com os linguajares tradicionais autóctones são aproveitadas de maneira

superior para a obtenção de uma «escrita» que, durante a leitura, me foi,

quase sempre, motivo de admirada e deleitada surpresa.

A primeira das «estórias», cujo título já referi, fala-nos de Vavó Xixi

Hengele, a velha dona Cecília Bastos Ferreira, que vive numa cubata com

seu neto Zeca Santos. À míngua de tudo o magrizela do rapaz percorre a

Baixa, à procura de trabalho. Inútil. A velha, cheia de fome, quase se enve-

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Alexandre Pinheiro Torres | 25

nena com bolbos de dália encontrados no lixo, enquanto o neto Zeca Santos,

vaidoso na sua camisa amarela em que sacrificou o último ganho, persegue

Delfina. Que magnífica e objetciva reconstituição plástica da vida do musse-

que luandense, da sua atmosfera, da sua chuva ou ausência de chuva, do seu

vento («nessa hora de quase cinco horas, as folhas xaxualhavam baixinho e

a sombra estendida estava boa, fresca, parecia era água de muringue»), do

seu anoitecer, de seus estômagos vazios e de seu futuro sem esperança («De-

pois nada mesmo que ele podia fazer já, encostou a cabeça grande no ombro

de vavó Xixi Hengele e desatou chorar um choro de grandes soluços parecia

era monandengue, lágrimas compridas e quentes que começaram correr nos

riscos teimosos as fomes já tinham posto na cara dele, de criança ainda»).

Sou de opinião que Luandino Vieira revela nesta «estória», aparentemente

banal, um talento que, entre nós, é raro.

Mas é n’A Estória do Ladrão e do Papagaio, que desde já considero dig-

na de figurar sem desdouro ao lado das melhores de José Cardoso Pires de

Jogos de Azar, ou das melhores de Manuel da Fonseca de O Fogo e as Cin-

zas (e que maior elogio podia eu fazer-lhe?), é nessa «estória» que Luandino

Vieira nos dá prova das suas extraordinárias possibilidades. Não exagero: as

páginas (cerca de trinta) que vão desde a conversa de Xico Futa até ao final

do conto são verdadeiramente excepcionais. Profunda humanidade no «to-

que» das figuras, riqueza de anotação psicológica, humor, um sexto sentido

para significar tudo plàsticamente, eis algumas das «armas» com que o jo-

vem angolano nos dá a vida dos «ladrões de galinhas» que são Lómelino dos

Reis, «dos Reis para os amigos e ex-Lóló para as pequenas» e do coxo Gar-

rido Fernandes Kam’tuta. O mesmo pano de fundo da «estória» anterior: o

mísero musseque luandense, depósito de uma sub-humanidade que também

quer viver. A par destas figuras, outras não menos sugestivas e significativas

que dificilmente esquecem.

O livro fecha com A Estória da Galinha e do Ovo, onde Luandino Vieira

entra a fundo na recriação romanesca dos «figurantes» do musseque. Mais

uma vez se comprova a facilidade do jovem angolano em insuflar vida autên-

tica nos mais insignificantes comparsas dessa fauna negra e mulata e até se

verifica que é dotado de quase instinto na reconstituição do dinamismo pró-

prio dos ambientes evocados, acompanhando-lhes a velocidade e o ritmo

próprios (ou pelo menos disso nos convence).

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26 | A crítica

Luuanda: eis, pois, um livro que vivamente recomendo. A minha opinião

tão favorável será fruto de um entusiasmo passageiro e infundamentado?

Creio que não: os valores plásticos e estilísticos estão à vista. E quando são

tão notórios como no caso deste para mim livro-surpresa parece que não

haverá grande margem para se incorrer num erro crasso de juízo. Se há, po-

rém, do meu lado entusiasmo a mais, o tempo mo dirá (ou as raciocinadas

críticas alheias).

Entretanto: que um editor da Metrópole se abalance a editar o livro com-

pleto, pois uma nota impressa no interior informa-nos que, devido ao regu-

lamento do prémio com que foi distinguido, só três «estórias» num total de

cerca de dez é que foram publicadas. Espero que esse editor apareça, mas

desde já garanto que não tenho qualquer procuração do autor, pessoa que

nunca vi nem mais gorda nem mais magra.

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Luísa Dacosta | 27

O comércio do Porto. 26-I-1965, p. 6.

5. LUÍSA DACOSTA

Movimento editorial – notas de leitura

[…]

III – Luuanda – Luandino Vieira…

Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos;

A estória do ladrão e do papagaio;

A estória da galinha e do ovo.

Três histórias. De gente pobre. Gente de musseque. De largo pé descalço

com bitacaia. De barrigas roídas pela lombriga da fome. Vivendo em cubata

alugada. Procurando «trabalho de trabalhar», mas precisando «arredondar o

orçamento» com uns biscates de roubo. Armando guerra por um ovo, apetite

do «mona» da barriga de Bina.

Este livro, que já não é uma estreia do seu autor em ficção, mereceu mui-

to justamente um prémio literário. De tudo – e teremos de deixar de lado a

sabedoria realista de Vavó Xixi que dizia para o neto – «Se gosta peixe de

ontem, deixa dinheiro hoje para lhe encontrar amanhã» – por não podermos

referir-nos a tudo, destacaremos uma cena da segunda e toda a terceira histó-

ria. A cena de provocação sensual e de troça, que Inácia Domingas, de cola-

boração com o «fidamãe» do papagaio Jacó, faz ao coxo Garrido. Aquele

jogo cruel de aquece-arrefece, feito com perícia, «com devagar de gata» e

todo o «açúcar-preto» da voz de Inácia, que fazia correr pelo sangue do Gar-

rido «fósforo aceso», para alienar constantemente com «juras» de coração,

atinge uma pungência rara. Quando por último entontecendo-o com a «catin-

ga» de seu «corpo maduro», Inácia o obriga a correr o quintal «com o corpo

pendurado para baixo», a perna aleijada «enrolada no pescoço», por um beijo

que lhe nega, cuspindo-o de insultos, o autor consegue mais do que uma

comunhão com a dor dum aleijado que tinha medo de mulher. Quem sai

daquele quintal, somos nós os leitores, «puxando a perna aleijada, o coração

rebentado, os bocados espalhados em todo o corpo, no sangue frio, mais frio

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28 | A crítica

que cacimba das lágrimas e da noite fechada». E a espantosa história de sa-

bor tão popular e tão brechtiano da galinha Cabiri do ovo posto no quintal de

Bina?!

Aberta a guerra todo o mundo intervém para apaziguar, o que dá azo a al-

gumas sentenças dignas de Salomão. A velha Bebeca sai-se com uma pará-

bola: «A cobra enrolou no muringue! Se pego muringue, cobra morde; se

mato cobra, o muringue parte. Você Zefa tem razão: galinha é sua, ovo de

barriga dela é seu! mas Bina também tem razão dela: ovo foi posto no quintal

dela, a galinha comia milho dela…» Depois sucessivamente sô Zé, que fiou o

milho, e sô Vitorino, o senhorio da cubata, reclamam o ovo a que se acham

com direito. Azulinho, o menino esperto que andava no seminário reclama-o

para padre Júlio, uma vez que não podia dar a César o que era de César nem

a Deus o que era de Deus, pois o mafarrico do ovo nem tinha a marca da

galinha de Zefa nem do milho de Bina. «Vinte cinco Linhas», que já traba-

lhara num notário, chega à conclusão de que é impossível fazer justiça por

falta de papelada: o título de propriedade da galinha e do recibo do milho…

Por último vem a patrulha para apartar as vizinhas de novo engalfinhadas, e

resolve pagar-se do incómodo com um churrasco sem pagar, confiscando

Cabiri. Mas nesta altura Beto, o filho de Nga Zefa, faz de galo. E Cabiri al-

voroçada acorre àquele chamado de amor, com grande fúria do sargento.

Zefa, de novo na posse do seu tesouro pois Beto enganara Cabiri, mas não

enganara a ela, torna-se generosa e oferece o cobiçado ovo à vizinha, pois

sabia por experiência o que eram apetites reclamados «por mona na barriga».

Maravilhosa de frescura, resultante duma mestiçagem de português, de

quimbundo e cabo verde, muito próxima das falas populares, cheia de «mais

pior» e «mais melhor», fonética, alternando constantemente a ordem do dis-

curso, e conseguindo por via disso, como Guimarães Rosa, uma maior força,

não lhe falta sequer gostosa oralidade: «vou pôr uma estória com bicho e

pessoa». Mercê dessa linguagem, a vida palpita nas suas múltiplas teias de

palavras, prendendo nas suas malhas, o cómico, o dramático, o insignifican-

te, a fome, a sensualidade, o medo, a desconfiança, a amizade, o humor. Por

essa qualidade literária, tudo é verdade, «mesmo que os casos nunca tenham

passado».

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Urbano Tavares Rodrigues | 29

República. Lisboa. «Das letras e das artes», 29-I-1965, p. 1.

6. URBANO TAVARES RODRIGUES

Comentário

Um escritor universal

Há alguns anos, como membro do júri de um concurso literário da Casa

dos Estudantes do Império, descobri um extraordinário narrador, que se cha-

mava Luandino Vieira. Era um criador na plena acepção da palavra – verda-

deiro demiurgo com o qual nascia ante os nossos olhos um mundo africano,

quente e amargo, num estilo, direi mesmo, numa língua por ele forjada com a

palavra viva do musseque, fala crioula, dinâmica, plástica, poética, de riquís-

simas virtualidades.

Vem agora a público Luandino Vieira na edição de três novelas reunidas

sob o título comum «Luuanda», a anunciar-nos obra mais vasta, já elaborada

e pronta para a impressão. O facto é de tal modo relevante no campo das

letras de expressão portuguesa que justifica este breve comentário, a antece-

der crítica mais detida e mais profunda. Trata-se, com efeito, do surto lumi-

noso de um grande ficcionista, que encarna o povo de Luanda e lhe dá voz,

que traduz os seus sonhos, a sua simpleza, as suas venturas breves e longos

sofrimentos. Vavó Xixi e Zeca Santos, no quadro das barracas pobres, que

não destroem o sorriso ingénuo de uma teimosa alegria de viver, são figuras

universais. Tanto mais universais quanto mais fortemente radicadas. Tal

como sucede com um Guimarães Rosa, que pela atenta e subtil pesquisa de

uma realidade local, física e psicológica, fixada no próprio idioma oral brasi-

leiro, opulento de formas clássicas e de matizes regionais, ascende ao plano

das obras maiores do nosso tempo, assim Luandino Vieira, escritor que honra

a língua portuguesa na sua variedade e riqueza dialetal, se impõe pela íntima

união da matéria ficta – a vida do arrabalde negro – e da massa verbal por

onde ela se coa.

Amanhã – eis um vaticínio arrojado ante o qual não hesito – Luandino

Vieira será não só um dos vultos eminentes da literatura portuguesa, mas

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30 | A crítica

ainda uma figura de realce mundial, por pouco que um eco dos seus contos

tão belos, tão comoventes, de um tão límpido e ácido lirismo, chegue aos

areópagos da literatura contemporânea.

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Armando Pereira da Silva | 31

Jornal de notícias. Porto. «Suplemento literário», 11-II-1965, p. 9.

7. ARMANDO PEREIRA DA SILVA

Luandino Vieira – o picaresco na literatura ultramarina

É muito raro acabarmos de ler uma obra literária, em Portugal, e ficarmos

com a agradável impressão de termos contactado com uma obra-prima. Pois

foi o que nos sucedeu com o pequeno conjunto de contos de «Luuanda», que

acabámos de ler, escritos por Luandino Vieira, jovem escritor angolano.

Este volume, de modesta apresentação gráfica, reúne três das dez histó-

rias que compõem o total da obra, e é, sem favor, um dos livros mais belos,

mais conseguidos, mais densos, mais consentâneos com a ideia de «criação»,

que nos últimos anos apareceram na literatura portuguesa.

E revela, sobretudo, um autêntico criador do picaresco, coisa tão rara na

história das nossas letras.

Luandino Vieira serve-se de uma técnica difícil, baseada e a partir da lin-

guagem e tradição oral dos musseques angolanos. Mas dessa maneira se

revela, contudo, não só um narrador de talento excepcional, como a riqueza

poética e humana de um substracto social ignorado ou mal compreendido.

Partindo de histórias simples em que são intervenientes pessoas simples a

braços com problemas que, por força de muitos factores, se apresentam de

difícil e complicada solução, Luandino Vieira dá-nos, num denso e colorido

processo de criação, toda a densidade e cor, toda a ingenuidade, poesia, bon-

dade natural e agudeza de espírito de um povo ao mesmo tempo ingénuo e

arguto, lúcido e incompreendido, vítima de interesses e pontos de vista em-

pregados numa generalidade defeituosa.

«Luuanda» faz lembrar, quer pelo processo como está elaborado, quer pe-

la própria linguagem reproduzida ou recriada, alguns autores da literatura

brasileira, nomeadamente João Guimarães Rosa. Mas também as característi-

cas humanas de base, até a forma de expressão e as raízes históricas das po-

pulações angolana e brasileira se relacionam, havendo ainda a hipótese muito

provável de as culturas, ambas de expressão portuguesa, se aproximarem

num futuro mais ou menos próximo. Atentemos também que Angola ainda

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32 | A crítica

não tem uma expressão cultural própria tão radicada, fecunda e adulta, diga-

mos assim, como, por exemplo, essa surpreendente cultura cabo-verdiana,

pelo menos no âmbito da nossa literatura ultramarina. Grande parte dos seus

escritores é constituída por brancos radicados na província, que sentem os

problemas «por fora», talvez, e alguns deles de modo mais objectivo e direc-

to, mas longe da compreensão, aderência, comunhão de sentimentos, de pro-

blemas, de modos de pensar e de expressão próprios da raça.

Angola é, por outro lado, uma terra onde os problemas são diferentes ou

pelo menos mais imediatos. De tal facto resultará uma literatura diferente

também, sendo, ao que julgamos, Luandino Vieira o seu primeiro grande

escritor em potência, o primeiro a compreender o seu povo numa totalidade

humana e social. Facto este que, diga-se desde já, é mais sugerido do que

plenamente concretizado nas três belas histórias do livro «Luuanda».

Saudemos pois o aparecimento de um raro escritor, com a coragem que

normalmente falta para reconhecer um novo pouco conhecido. Saudemos o

seu talento de narrador ao mesmo tempo autêntico e luxuriante, a sua poesia

tão humana como a própria realidade, a sua preocupação essencial resumida

na última frase da deliciosamente pícara Estória do Ladrão e do Papagaio:

«… e isto é a verdade, mesmo que os casos nunca tenham-se passado.»

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Álvaro Salema | 33

Diário de Lisboa. «Vida literária e artística», 18-II-1965, p. 1

8. ÁLVARO SALEMA

Pontos de vista…

[…]

A leitura de «Luuanda», de Luandino Vieira, é talvez a primeira revela-

ção integral das possibilidades de uma autêntica literatura angolana em lín-

gua portuguesa ou dela derivada em evolução própria – tal como a literatura

brasileira está a abrir novos rumos, já por outros aflorados anteriormente, na

obra de Guimarães Rosa. O sabor castiço e específico da língua na pena de

Luandino, a sua refracção literária de sensibilidades, temperamentos e men-

talidades plenamente locais, a vibração exteriorizada de um mundo humano

inconfundível, a originalidade de estilo, a intensidade dramática, a veracida-

de acessível – tudo se conjuga para desvendar no jovem escritor luandense

um grande escritor a caminho. É já um «sonoro coração» da sua terra que se

revela literariamente nestes contos de incrível frescura, de força ardente na

sua intimidade que se entreabre, de naturalidade primaveril na expressão e na

representação. A surpresa ante essa inesperada descoberta foi já testemunha-

da neste Suplemento por Alexandre Pinheiro Torres. Não pode deixar de a

compartilhar, desde os primeiros contactos com as «estórias» do livro de

Luandino Vieira, quem tiver uma réstea [sic] que seja de sensibilidade aberta

para a significação humana da literatura.

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34 | A crítica

República. Lisboa. «Das letras e das artes», 5-III-1965, p. 2.

9. ALFREDO GUISADO

O que se escreve e quem escreve

«Luuanda» – Luandino Vieira

«Luuanda» é um livro de contos da autoria de Luandino Vieira, livro edi-

tado em Luanda. Três contos extraídos de uma colectânea de dez que hão-de

ser publicados sob o mesmo título. Estes, porém, que mereceram o «Prémio

Mota Veiga» são o suficiente para se fazer ideia da importância da pena que

os escreveu, do valor de quem os imaginou. Certo número de poetas de An-

gola «vêm afirmando – informa o volume a que me estou referindo – com a

maior pujança o advento de uma Literatura Angolana». E Luandino Vieira,

considerado como o primeiro prosador dentro dessa Literatura, acaba não só

de prestar as suas provas com este pequeno tomo, como também de demons-

trar como, efectivamente, dada a maneira como se apresenta e apresenta estas

suas três curiosas histórias, não pode deixar de não ter dúvidas acerca da

mencionada Literatura.

Uma Literatura mais de acordo com as obras que nascem nesse ambiente

em que os assuntos se mostram, as figuras se movimentam, os diálogos têm

lugar, a sensibilidade das personagens se exterioriza e o cenário toma presen-

ça como moldura das telas em que se desenha tudo o que vai acontecendo.

Nada do que nos conta Luandino Vieira teria tão forte projecção, tão acer-

tada maneira de dar a conhecer almas e corpos a que se refere, de pintar ca-

racteres e de tornar notados os episódios que a sua inventiva trouxe para as

páginas deste volume, dando-lhe aspectos de plena realidade, se não fosse

relatado da forma como o faz. Serve-se de um modo de falar, de sentir e de

compreender, que vem dessas pessoas – porque tal como as apresenta são

pessoas em verdade e não simples figuras de ficção – postas em frente dos

leitores ao acaso, mas com a profundidade precisa que a realidade empresta

àqueles que nela habitam. De outra maneira, as mesmas figuras e os mesmos

acontecimentos submetidos à descrição e presença numa atmosfera criada

noutra forma literária, teria sempre o sabor fictício, que iria prejudicar o

trabalho literário apresentado por melhor ou maior feitura literária a que

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Alfredo Guisado | 35

obedecesse. Quem o leia, se olhar em redor, reconhece que tudo aquilo é

assim, dada a paisagem que o rodeia; as palavras que ouve; o modo de ser, de

proceder e de conduzir, que dominam aqueles que intervêm nos casos que

tão bem narrados são, como se os leitores assistissem a tudo quanto nestas

páginas se vai passando.

É que a atmosfera que os cerca é inteiramente verdadeira. Nada falta para

que tal aconteça. Cada episódio faz parte de um todo que está certo. Nas

figuras que o autor nos mostra há muito de humano, de verdade mesmo

quando o ridículo se apodera de algumas das suas atitudes ou quando a hesi-

tação se aproxima de várias das suas decisões.

É um livro que se impõe, que define um autor, que o coloca em escolhido

lugar da Literatura do nosso país.

[…]

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36 | A crítica

Diário de Lisboa. «Vida literária e artística», 11-III-1965, pp. 1 e 2.

10. MANUEL FERREIRA

A propósito de Luandino Vieira

Com «Luuanda» nasce a ficção angolana?

«Luuanda assinala o nascimento de uma literatura» proclamava há tem-

pos a página literária de um diário angolano e parece ter sido essa a impres-

são geral de todos os que ali estão intimamente ligados e sèriamente empe-

nhados na criação de uma autêntica literatura regional, de expressão univer-

sal, embora um ou outro, por razões sobejamente conhecidas e extraliterárias,

tivesse tentado contestar o direito ao entusiasmo com que o livro foi recebido

em Luanda.

De facto, Luandino Vieira, aos vinte e oito anos, com a publicação deste

livrinho de três longas estórias (a designação é dele), tão insignificante na

sua expressão gráfica, chama definitivamente a atenção sobre o seu caso que

extravasa as fronteiras da sua terra para repercutir aqui na Metrópole, pelo

menos, junto de uns tantos simultâneamente atentos às coisas daqui e do

Ultramar.

Para muitos mesmo a sensação foi de espanto. Sobremodo para aqueles

que não conheciam o livro de estreia de Luandino Vieira e a colaboração

que, ao sabor das circunstâncias, vinha dando, ao longo destes últimos anos,

a revistas, antologias, colecções, etc. Para quem tenha acompanhado este

contista, que é também poeta, na sua jornada desde «Cultura» (não confundir

com o boletim da Casa dos Estudantes do Império, aliás onde também tem

colaborado), embora se tenha dado conta da alta importância de um livro

como Luuanda, a sua impressão não poderia ter sido já a de quem foi tomado

de surpresa. Não que queiramos furtar-nos a dar ao livro o valor que ele tem,

e bem grande é, sem discussão. É que «A Cidade a Infância» (1960 – CEI)

era já um livrinho de dez contos que anunciava um autêntico escritor, com

esta dupla qualidade, tão importante, diríamos essencial para um autor que

pretende ser retintamente ultramarino: apreensão da realidade autóctone,

logrando surpreender o homem angolano dentro do seu mundo específico.

Isto, que parece, assim de relance, coisa fácil, em boa verdade se torna, como

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Manuel Ferreira | 37

tivemos já ocasião de o dizer em crónica anterior, no maior problema para a

estruturação de uma literatura que nasce, que rompe a golpes de audácia, em

áreas tropicais, tão manietada pelos mais díspares condicionalismos, sem a

ajuda de uma tradição, vazada na escrita, pois quase tudo o que se fez ante-

riormente a 1940-50, ou seja antes de Castro Soromenho, se inscreve numa

tradição colonial onde se sobrepõe a visão europeia das coisas, mal de que

enfermam ainda algumas outras tentativas até dos nossos dias, limitando-se

ou deformando-se deste modo toda a agreste e riquíssima problemática hu-

mana e social. Podemos dizer que de certa maneira o que Luandino Vieira

tinha feito em relação a Angola com «A Cidade e a Infância» o fez recente-

mente em relação a Moçambique Luís Bernardo Honwana, com «Nós matá-

mos o cão tinhoso», e a quem nos referimos aqui na última crónica, embora

cada um utilizando processos literários diferentes.

O que se passou, então, agora de especial com Luandino Vieira? Nem

mais nem menos do que uma descoberta sensacional: expressão do seu uni-

verso novelístico através de uma nova linguagem. Isto, e uma capacidade

maior de construção, uma experiência e uma consciência literária e social

mais sólida, permitiu-lhe a desenvoltura necessária para dar um salto extra-

ordinário, escrevendo um livro impressionante que lhe dá, de pronto, um

lugar próprio entre os modernos contistas de língua portuguesa.

«Depois afastei-me devagar e fui bater com o povo, aos gritos, a canção

rouca, na mesa da taberna. No seu cérebro persistia a menina loira, aquela

mãe e o quarto miserável.

«Bati, batuquei na mesa com raiva, com o povo e os meus amigos, roucos

do vinho, uma canção de protesto, até despontar a madrugada.»

Esta era a maneira de narrar de Luandino em «A Cidade e a Infância».

Luandino agora narra deste modo:

«Entrou meia-noite e meia já passava, o saco tinha ficado no piquete, os

patos lá dentro a mexerem, cacuavam, cada vez estavam perceber tinham-lhe

salvado o pescoço. Zazué dormia nessa hora e sempre ficava raivoso se lhe

acordavam só para guardar um preso. Foi o que sucedeu. Cheio de sono, os

olhos vermelhos parecia tinha era fumado liamba, deixou as mãos à toa re-

vistarem o homem, resmungando, xingando só para ele ouvir. Dosreis nem

que mexia nada, quieto, os braços em cima da cabeça, mas no coração a raiva

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38 | A crítica

desse sungaribengo do Garrido aumentava, crescia, arreganhava. Apostava

quem queria, jurava mesmo, sabia, o coxo tinha-lhe queixado…».

A lição de Guimarães Rosa? Em certa medida é evidente: «Compadre

meu Quelemém me hospedou, deixou meu contar minha história inteira.

Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência-calma de quem

minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo,

tive vergonha, assaz».

Mas no que respeita pròpriamente ao Ultramar português, não podemos

nem devemos esquecer outras tentativas que foram ensaiadas na prosa, e que

talvez estejam na base da redescoberta de Luandino. E sem termos a absoluta

certeza de não estarmos a cometer qualquer injustiça lembramo-nos neste

momento da experiência de Cochat Osório por exemplo, em «Aioué» 1, um

dos contos de «Capim Verde» (1960): «Dominga migou co branco. E foi na

casa do branco. Dominga não é mais negra de sanzala. Não é já como esses

negros servage, esses negros de sanzala: migou co branco. E os negro, nessa-

hora, já ta a le chingar. Que até le chama de desgraçada. Bandonou o sua

raça. O Deus vai le castigar». Claro, que existe um amplo percurso entre a

inteligentíssima audácia de Luandino e a incursão cautelosa de Cochat Osó-

rio. De qualquer modo a lição de Cochat é de referenciar.

Ora, revertendo ao ponto inicial, a ficção brasileira já existia antes de

Guimarães Rosa por muito importante que este escritor seja e importante a

sua contribuição. Existia com Graciliano, Lins do Rego, Jorge Amado, Ra-

quel de Queiroz, Sabino, Érico Veríssimo, sobretudo de «O Tempo e o Ven-

to», etc. Guimarães Rosa trouxe o seu estilo, a sua maneira, levando até às

últimas consequências o aproveitamento da oralidade da linguagem sertane-

ja, o que lhe possibilitou exprima [sic] com insuspeitável segurança certos

tipos brasileiros e suas ambiências, ao mesmo tempo que nos deu da vida a

visão do caboclo. Mas de modo nenhum Guimarães Rosa criou a ficção bra-

sileira. Alargou-a, sim. Pois, adentro do ainda reduzido panorama ficcionista

de Angola, bem se pode dizer que foi o que aconteceu em relação a Luandi-

no. Mas, evidentemente, que esta prosa de Luandino Vieira, exemplar para

determinadas zonas humanas da sua terra, exemplar até em todos os momen-

tos quando utilizado por ele, porque saberá quando e onde se deverá dela

servir – dificilmente poderá ser aplicada com êxito à totalidade da realidade

humana e social de Angola, uma grandiosa extensão geográfica, habitada por

1 (Nota do Ed.) Na verdade, o título é «Aiué» e o livro é de 1957.

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Manuel Ferreira | 39

diversos grupos humanos em diversos graus de progresso e até de civiliza-

ção, a pedir o seu tratamento integral, mas que levará o seu tempo, diga-se a

propósito.

Por isso, outros caminhos já tentados também serão legítimos e poderão

igualmente ajudar a criar uma ficção angolana. Estamos a lembrar-nos de

Castro Soromenho, que principalmente (ou só?) em «Viragem» e «Terra

Morta» movimenta personagens angolanas não apenas inspiradas no folclore

angolano ou dadas sob a visão europeia dos homens e das coisas, mas sim

com a visão de um autêntico escritor de raiz africana. Não nos parece, por-

tanto, que Luandino Vieira tenha agora construído uma ficção angolana, até

porque na sua estreia, como dissemos, em 1960, já ele soubera ser um escri-

tor verdadeiramente luandense e até um escritor de negritude, embora seja

um homem de pele branca, o que mais uma vez, e sempre, demonstra que o

elemento étnico, em função do meio ambiente, se subordina ao elemento

cultural.

Luandino agora abriu horizontes à ficção nascente angolana: alargou-a,

sem dúvida, apontou-lhe caminhos (e que grandes caminhos!), mas seria

temerário iniciar todos os jovens escritores angolanos a trilhar pelo mesmo

pé. Representaria uma limitação e o empobrecimento dos esperançosos ru-

mos que, de per si, cada um terá de perseguir, depois de ter levado a cabo a

reflexão que Luandino teve em relação a si mesmo: redescobrir-se. Seria o

pior dos males a padronização dessa jovem literatura que tem agora, além de

outros, e a quem teremos por certo ocasião de nos irmos referindo nestas

crónicas, dois nomes já de primeira plana: Castro Soromenho e Luandino

Vieira. E quando dizemos assim de modo nenhum ignoramos Mário António

de Gente para Romance: Álvaro, Lígia, António, e a meia dúzia de contistas

de mérito revelados em antologias ou plaquetes ou mesmo um ou outro escri-

tor metropolitano radicado, procurando situações tipicamente angolanas.

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40 | A crítica

Jornal de letras e artes. Lisboa. Ano IV, n.º 184, 07-IV-1965, pp. 2 e 3.

11. ARMANDO VENTURA FERREIRA

«Luuanda», de Luandino Vieira

e «Nós Matámos o Cão Tinhoso»[,] de Luís Bernardo Honwana

Parece que a literatura de ficção portuguesa, de expressão ultramarina,

começa agora a ter os seus escritores locais com interesse mais do que local,

mais além do folclore e da etnografia. De Angola fala Luandino Vieira, de

Moçambique surge Luís Bernardo Honwana, e sendo diferentes os meios

ambientes em que cada um deles situa as suas histórias (resistimos a empre-

gar o termo «estória» de Luandino), sendo também diferentes os estilos lite-

rários que utilizam, há em ambos muitos pontos de contacto para que nos

apartemos da ideia de que uma mesma realidade humana os une. Realidade

evidentemente cheia de problemas: de situação no espaço geográfico e no

tempo, que é o presente; de factores rácicos e culturais, e abrangendo tudo,

os de ordem económico-social. Não podemos aqui, por motivos óbvios, des-

trinçar todos esses dados da realidade de que acima falámos; interessaria

compará-los e, embora não sendo um amplo conhecedor dos movimentos

culturais dos povos do Ultramar português, há pelo menos alguns factores

que se nos tornam bem evidentes perante a leitura das duas obras de que nos

ocupamos hoje. Um deles, de ordem cultural, ilustra-o Luandino Vieira.

Grafe embora o autor como «estórias» o que nós chamamos «histórias»,

integre-se ele próprio, autor, na linguagem dos «musseques», que nem por

isso saem da nomenclatura estabelecida para as histórias curtas, as três narra-

tivas do seu livro. Há uma tradição oral do contador de histórias que é a ma-

neira de contar de Luandino Vieira (de resto existente em todos os povos e

respectivas literaturas). Àparte peculiaridades linguísticas ou dialectais, con-

tar histórias parece ter sido sempre uma constante de todos os povos, desde

os mais primitivos aos mais civilizados, – ou ditos como tal. Oralmente pri-

meiro, por escrito depois. É escrevendo que nos contam as suas histórias

Luandino Vieira e Luís Bernardo Honwana. Há nelas ressaibos, reminiscên-

cias dos contos orais e porque ambos escrevem tratando principalmente de

homens negros, de tais reminiscências temos notícia. Homens de cor sendo,

pois, as principais personagens de ambos os livros, interferem neles, assim,

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Armando Ventura Ferreira | 41

factores peculiares ao meio local e ao conjunto que forma a sociedade em

que vivem, incluindo os rácicos. Se falo em factores rácicos não é, evidente-

mente, por os considerar como fazendo parte de um verdadeiro problema.

Não haverá nenhum autêntico cientista que nos possa vir falar, hoje, de supe-

rioridade ou inferioridade raciais, sob os pontos de vista biológico ou mesmo

antropológico. Sabemos todos que não existem raças puras e que as que no

presente poderíamos encontrar, as toparíamos em sociedades isoladas, em

pequenos grupos habitando zonas áridas ou selvagens, portanto socialmente

pouco evoluídas, portanto deficientes sob o ponto de vista da sua plena ex-

pressão humana.

A conclusão a que se pode chegar é a de que o que diferencia os indiví-

duos não é a cor da sua pele ou dos seus cabelos; ou a forma do seu crâneo e

do seu nariz. O que os diferencia bem mais é a sua situação dentro do com-

plexo social, económico e tecnológico a que pertencem. Daí o considerarmos

que os chamados problemas raciais dos nossos dias têm muito mais a ver

com a evolução dos problemas do complexo social a que aludimos do que

com artificiais diferenciações rácicas.

Lê-se Luandino Vieira e mais do que o neto de Vavó Xixi, Zeca Santos

preto, sente-se o homem – de qualquer parte e de qualquer país que tem fo-

me, mas que, humanamente, como qualquer jovem que se preza, gosta de

agradar às raparigas com a sua gravata nova. Percorre-se «A Estória do La-

drão e do Papagaio», do mesmo Luandino Vieira, e o que é que nos aparece?

O ódio dum homem por um papagaio que é o símbolo da sua frustração se-

xual; o complexo de outro homem por ter morto ocasionalmente um amigo

num acidente ferroviário. E n’«A Estória da galinha e do ovo», tão saborosa

e cheia de humor que é que sabemos?: que não adianta chamar este ou aquele

para decidir um pleito fútil, pois quase sempre procederá como no «caso» do

macaco que se armou em juiz na divisão do queijo e que, devido às eternas

diferenças de peso entre um e outro prato da balança, comeu o queijo todo

aos pleiteantes. O que adianta é o acordo entre os próprios interessados,

quando não os dividem situações sociais intransponíveis. É o que decidem,

inconsciente, mas sàbiamente, os dois miúdos da história que, usando de

artimanhas, reatam o diálogo interrompido entre as duas mulheres desavin-

das.

Luandino Vieira é um escritor muito lúcido, que sabe já perfeitamente

manejar a trama das suas histórias e pena temos de não incluir este livro mais

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42 | A crítica

do que três narrativas. Mas ficamos com a impressão de que se trata de um

escritor em procura do seu género definitivo, o qual nos parece ser o trânsito

da novela longa para o romance, pois sente-se nele que necessita de espaço

suficiente para dispor as suas personagens nos caminhos da vasta e diversa

vida que conhece e está dentro de si.

Já atrás insinuei que embora Luís Bernardo Honwana seja um escritor

africano, de Moçambique, ele se mostra diferente de Luandino Vieira, quer

nos temas tratados quer na forma de os dar. Com efeito, a linguagem de

Honwana não se atarda, como a de Luandino, na transcrição literária de par-

ticularidades da linguagem oral. Embora em verdade devamos dizer que tal

não lhe foi necessário para nos fazer interessar por uma colecção de histórias

da mais funda humanidade. Não sabemos qual será o futuro deste escritor,

nem isso interessará por agora, se bem que não tenhamos receio de lhe vati-

cinar o melhor.

É que Honwana possui, para já, uma qualidade altamente estimável: a ex-

pressão directa, quase desabrida, do narrador que dá a «precisão» convenien-

te, física, às coisas e pessoas – e nisso ele se aproxima, talvez tendo-os lido,

dos escritores da Norte América, de um Steinbeck, de um Hemingway da

melhor época –, e ao mesmo tempo a sugestão poética, nimbando coisas,

animais e pessoas de uma aura que é a que lhes está para além da sua reali-

dade imediata. Honwana descobre quase sempre o pormenor significativo, ao

mesmo tempo da realidade física e social e do que lhe é subjacente, portanto

já menos visível aos olhos de qualquer observador desatento. E tudo isso

escrevendo num correcto português, sem particulares modismos, intraduzí-

veis, mas possuindo já uma linguagem própria de escritor.

Encontrar os equivalentes em linguagem cultivada para os modismos lo-

calistas que às vezes só os naturais da região entendem, parece-me tarefa

mais importante a empreender pelo escritor e é exactamente isso que Hon-

wana faz. Daí nas suas histórias se encontrar um quadro, que nos parece bem

real, da situação do homem negro adentro de uma sociedade em que o branco

predomina, não pela quantidade mas pela situação social. Aliás quadro esse

muito subtilmente dado. É curioso salientar que os problemas da convivência

entre brancos e negros no Ultramar não aparecem neste livro por qualquer

dos processos habituais na literatura: análise psicológica ou longas páginas

de laboriosa descrição da realidade social não existem. O que se passa é o

que atrás disse: linguagem directa mas carregada dos pormenores essenciais

de caracterização humana. E quem se atardar na análise deste livro verá que,

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Armando Ventura Ferreira | 43

a par do que é próprio da ficção narrativa, lá está a problemática humana das

gentes do Ultramar português, que o mesmo é dizer – no caso de Honwana –

das suas lógicas implicações sociais. E símbolos também lá encontramos. O

Cão Tinhoso é um deles. O animal que se torna necessário abater, está a mais

entre os outros cães, que é como quem diz em termos de linguagem pitores-

ca: é a ovelha ranhosa da família. Impressionante é essa cena de morte do

cão tinhoso que os rapazes liquidam, fusilando-o, a mandado dos zeladores

da higiene ambiente.

Nem todas as histórias de Honwana têm o mesmo nível literário. São às

vezes apressadas e descuidadas. Mas não há dúvida que se trata de um escri-

tor com muitas possibilidades à sua frente. E, além das qualidades

pròpriamente literárias, é largo o seu espírito e embora não dúplice, há nele

uma compreensão que é todo um programa de novas relações humanas. E

perdoarão os leitores a longa transcrição, mas queríamos deixar-lhes este

trecho de «As Mãos dos Pretos», pelo qual se pode ter uma ideia muito razoá-

vel dos processos literários de que atrás falámos em Luís Bernardo Honwana

e dos símbolos que ele encontra para nos transmitir a complexidade humana:

«Deus fez pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho.

Ele pensou que realmente tinha de os haver… Depois arrependeu-se de os ter

feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas

deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já os

não pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a

vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem

exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é

que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sa-

bem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é feito por

mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem

qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez

com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão gra-

ças a Deus por não serem pretos.

Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.

Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha

visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.»

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44 | A crítica

República. Lisboa. «Das letras e das artes», 9-IV-1965, pp. 8 e 10.

12. ARNALDO PEREIRA

Importante acontecimento literário

Ao contrário do que se passa com certos jogadores de futebol ultramari-

nos (com talento a rodos… nos pés), no âmbito dum bem organizado sistema

de alienação desportiva, a literatura e os escritores de além-mar são pouco

conhecidos entre nós e esse pouco se deve à Casa dos Estudantes do Império

e à meritória e curiosa iniciativa de Publicações Imbondeiro. Deverá conclu-

ir-se por um maior sentido comercial do empresário desportivo sobre os nos-

sos editores e livreiros? Dir-se-á que, afora o caso de Cabo Verde, com uma

literatura personalizada e expressiva e os seus movimentos Certeza e Clari-

dade, não existe uma verdadeira literatura angolana e moçambicana. Diga-

mos então: não existia, pois desde agora (opinião meramente pessoal) passa a

existir.

Inesperadamente, sem alardes publicitários, em edição modesta de bolso

(dir-se-ia que para ser lido nos musseques que retrata) surgiu nos escaparates

de algumas livrarias o livro «Luuanda», colectânea de três histórias («Vavó

Xixi e seu Neto Zeca Santos», «A Estória do Ladrão e do Papagaio» e «A

Estória da Galinha e do Ovo»), que, com toda a justiça e com a autoridade do

grande crítico honorário dos nossos dias, Alexandre Pinheiro Torres logo

classificou como dignas de figurar ao lado das melhores narrativas de Cardo-

so Pires e Manuel da Fonseca. Por meu lado, afirmo, na qualidade de leitor

atento ao fenómeno literário, o maior acontecimento literário dos últimos

tempos. Seu autor: Luandino Vieira. Dele se diz, em nota impressa na con-

tra-capa do livro: é pela poesia que surgem as novas literaturas. E longo é já

o rol dos Poetas de Angola que, desde «Mensagem», vêm afirmando, com

maior pujança, o advento de uma Literatura Angolana. Poeta nos apareceu

Luandino Vieira, o seu primeiro prosador. Mas o seu aparecimento não teria

sido bastante para garantir a essa literatura promoção a nova fase se não fora

a rápida evolução do autor de «A Cidade e a Infância», que nos aparece ago-

ra, em «Luuanda», em plena maturidade.

Para a crítica rigorosa e bem intencionada ou, em sentido inverso, para os

detractores de qualquer atitude deixemos a tarefa de julgamento literário

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Arnaldo Pereira | 45

exigente. Por mim, humildemente confesso: sinto-me perplexo e incapaz de

análise objectiva e pormenorizada. A história desta pequena obra despertou

em mim uma reacção de sentimentos em cadeia, tais como admiração, sur-

presa, entusiasmo que alienou irremediàvelmente o meu sentido crítico para

dar lugar a um juízo emocional. E assim, creio que esta obra é a afirmação

dum escritor que qualquer literatura evoluída de qualquer parte do mundo se

orgulharia de contar entre os seus intelectuais. Não será exagerado dizer que

com a presente obra se inicia uma literatura angolana. Com efeito, Luandino

Vieira com estas suas «estórias», nimbadas de ternura, de emoção e de bele-

za, não se «debruça», à moda de certos escritores (como se estivesse no ar)

sobre tais e tais problemas e acontecimentos. Melhor será falar de adesão.

Dir-se-á mesmo que o autor é o próprio povo de que fala. É isso. Em Luan-

dino Vieira há uma identificação total, exemplar, fraternal, através das três

histórias que são três obras-primas do conto português contemporâneo, sur-

preendentemente narradas numa linguagem nova que resulta da fusão admi-

rável de regionalismos como o capverde e o quimbundo, originária da lin-

guagem oral do musseque luandense, de que surgiram as mais belas formas

de expressão e até uma língua nova bàsicamente portuguesa, plena de encan-

to e rica das maiores possibilidades. Exemplo: «As cigarras calaram a cantiga

delas e uma pisca fugiu do pau onde chupava as flores, o vento parece parou

de soprar nessa hora em que Delfina, com toda a força dela…». Digna de

figurar numa antologia dos melhores trechos literários a narrativa sobre o

cajueiro, que termina deste modo: «… É assim o fio da vida. Mas as pessoas

que lhe vivem não podem ainda fugir sempre para trás, derrubando os cajuei-

ros todos e nem correr sempre muito já na frente, fazendo nascer mais paus

de cajus; é preciso dizer um princípio que se escolhe: costuma-se começar,

para ser mais fácil, na raiz dos paus, na raiz das coisas, na raiz dos casos, das

conversas» (pág. 50).

Sinceramente, creio que Sartre, na célebre entrevista de «Le Monde» em

que afirmava que um escritor africano devia renunciar à sua vocação de es-

critor para se tornar professor, não tem razão na medida em que essas suas

afirmações se possam relacionar com obras como esta colectânea de histó-

rias, pois que numa base estética (característica da arte verdadeira) se fundem

nelas o momento filosófico e predominantemente o momento cognoscitivo,

dois componentes indispensáveis da obra de arte.

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46 | A crítica

*

É oportuno falar aqui em Luís Bernardo Honwana, o autor de «Nós Ma-

támos o Cão-Tinhoso», outra grande revelação, esta da costa do Índico. Ele e

Luandino Vieira são os escritores mais representativos da literatura ultrama-

rina. A humanidade e profunda simpatia das suas figuras, a linguagem nova

(especialmente no escritor angolano), a penetração psicológica a que não é

alheia por certo uma vivência angustiosa e sofredora, embora numa escala

diferente da de um James Baldwin, e uma possibilidade excepcional de recri-

ação artística da realidade, na evocação de figuras e ambientes, são traços

comuns que vêm colocar estes escritores no primeiro plano da literatura con-

temporânea e na senda dos mais prometedores escritores do futuro. Impõe-se

por isso a publicação das restantes produções de Luandino Vieira e impõe-se

igualmente que um escritor com as suas possibilidades prossiga na sua car-

reira tão brilhantemente iniciada. Seria de lamentar que assim não aconteces-

se.

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João Gaspar Simões | 47

Diário de notícias. Lisboa. «Artes e letras», Crítica literária, 28-XI-1974, pp. 1 e

2.

13. JOÃO GASPAR SIMÕES

Luuanda, estórias

No Antigamente na Vida, estórias

por Luandino Vieira

A minha posição perante José Luandino Vieira, o autor de Luanda [sic] e

de No Antigamente na Vida (Edição [sic] 70), precisa de ser esclarecida. Fiz

parte do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores que em 1965 lhe atribuiu

o prémio da novela. Mas não lhe dei o meu voto. Creio ter sido mesmo o

único membro do júri que o não fez. Porquê? Assim o disse na P.I.D.E., onde

fui interrogado e estive preso: não porque o seu autor fosse «terrorista», mas

porque não considerara a sua obra uma genuína obra de literatura portuguesa.

Se outro tivesse sido o meu parecer, declarei, pouco me importaria que o seu

autor tivesse esta ou aquela chancela política, diferente teria sido o meu voto:

tê-la-ia, à obra apresentada ao júri, precisamente Luanda, Estórias, tê-la-ia

premiado, como todos os demais membros do júri. E aqui principia a dificul-

dade da minha posição em face desta e das obras posteriores de Luandino

Vieira. De facto, e as circunstâncias vieram a dar-me razão, Luandino Vieira,

enquanto autor de Luanda e de No Antigamente na Vida (assim o declara, na

contra-capa daquele livro, Jorge de Sena), é autor de um livro que «represen-

tou e representa um papel primordial no desenvolvimento da literatura ango-

lana de expressão portuguesa». Ora, uma coisa é ser-se autor português, outra

ser-se autor angolano, embora de expressão portuguesa. Eis o ponto em que

desejo esclarecer a minha posição. Daria a Machado de Assis, se porventura

essa hipótese fosse viável, sendo eu membro de um júri encarregado de atri-

buir um prémio de literatura de língua portuguesa, prémio a que concorres-

sem, indiferentemente, autores brasileiros e autores portugueses, e fá-lo-ia

sem qualquer relutância, um primeiro prémio de literatura de língua portu-

guesa. Machado de Assis é um mestre da literatura de língua lusíada. Não

daria, porém, um prémio de literatura de língua portuguesa a um escritor

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48 | A crítica

brasileiro que o não fosse – que não fosse mestre de literatura de língua por-

tuguesa. Era, por exemplo, o caso de José Lins do Rego ou de Guimarães

Rosa. Uma coisa é a escrita portuguesa, portuguesíssima, vernácula, clássica,

do autor do D. Casmurro, outra a escrita regional – brasílica, matuta, nordes-

tina, mineira – dos autores do Menino de Engenho ou do Grande Sertão:

Veredas. Friso «regionalística, matuta, mineira», friso algo que fará compre-

ender ao leitor por que estes escritores, brasileiros, cuja língua ainda não é

inteiramente outra que a portuguesa, tão-pouco ainda são escritores suficien-

temente nacionalizados para dizermos que são brasileiros, embora ao tempo

em que eles escreveram – tanto Machado de Assis como Lins do Rego e

Guimarães Rosa – existisse uma nação brasileira. E faço-o para que melhor

se entenda a dificuldade em que estava (e estou) perante um escritor como

Luandino Vieira, o qual, sendo português, escreve na língua de uma colónia

portuguesa onde se fala um idioma que não é inteiramente outro que o nosso

– lusitano –, embora não seja já o nosso – lusitano. O falar dos muceques – o

quimbundo e semelhantes lingu[a]jares –, que é o falar das personagens de

Luanda –, o falar das personagens e o falar do próprio autor das estórias da

gente desses muceques, não o podendo eu considerar idioma diferente do

nosso, tenho, necessariamente, de tomá-lo como ele é: um falar regional, o

falar de um povo que, como o brasileiro, mais tarde ou mais cedo, indepen-

dente, atingirá diferenciação dialectal suficientemente pronunciada para que

se diga, como, aliás, o diz Jorge de Sena, que o livro de Luandino Vieira é a

primícia do «desenvolvimento da literatura angolana de expressão portu-

guesa».

Quanto a mim, não fazia sentido, portanto, que uma obra regionalis-

ta – não ainda nacional, mas já a caminho disso, como a história o está mos-

trando – ocupasse o lugar de obras que, num concurso, por definição, de con-

correntes escrevendo em português, não sendo aquilo que estas eram – obras

escritas em língua portuguesa mais ou menos vernácula –, não podia con-

correr com elas. Nesse sentido claramente me manifestei quando um dos

membros do júri sugeriu, mesmo, que Luanda abria um caminho novo à

literatura nacional. Em minha opinião Luanda não podia apontar um cami-

nho novo a escritores de língua portuguesa, a menos que, em vez de Angola

se tornar independente de Portugal, como era de justiça, Portugal se tornasse

dependente de Angola (e da sua língua indígena), como não era nem justo

nem de prever.

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João Gaspar Simões | 49

Vejo-me obrigado a pôr os pontos nos ii hoje que posso livremente ex-

primir o meu ponto de vista em público sobre uma obra que muito respeito,

que é de um alto talento, mas que continuo a não considerar – hoje mais do

que nunca –, obra intrinsecamente portuguesa. Caminho aberto para uma

literatura angolana de expressão portuguesa nos seus primórdios, Luanda, já

um desvio nesse caminho, No Antigamente na Vida, estas duas obras (as que

me vieram às mãos, que outras o autor escreveu entretanto), basta-me reco-

nhecer que tanto uma como outra desta[s] obras são a tradução literária de

um engenho digno de atento estudo, sobretudo para etnógrafos e linguistas,

para se compreender que não nego a Luandino Vieira, seu autor, os epítetos

que ele merece. Estamos diante de um singular mestre de línguas exóticas, de

um manipulador habilíssimo de dialectos africanos, de um observador atento

de costumes e formas de humanidade de que ele é dos primeiros a fazer letra

impressa. Eis o que só por si já é dizer muito para que se diga que não damos

o seu a seu dono.

Mas vamos por partes: entre Luuanda e No Antigamente na Vida há a dis-

tância que separa uma obra literária onde se procura a imagem linguística de

um povo escravizado, de uma obra literária onde alguém que não foi escravi-

zado nem é da raça daqueles que usam certa língua (Luandino Vieira nem

sequer é angolano de nascimento, ao que suponho) aproveita os elementos

primevos dessa língua para recriar, inventar, realizar linguisticamente um

espaço literário, já não propriamente regional (uma vez que o seu propósito

não consiste em recriar fielmente o que se vive e como se vive em determi-

nada zona da sociedade angolana, os muceques), mas o ponto de partida para

um riquíssimo exercido literário de clima exótico. Graças a um léxico tropi-

cal, a neologismos partindo desse léxico, a formações vocabulares novas, a

aglutinações e sufixações inventivas, a ritmos frásicos procurados, a metáfo-

ras de jogo intelectual, Luandino Vieira passou de um regionalismo a que

poderíamos chamar mimético – que era o regionalismo de Luanda – regiona-

lismo paralelo ao de Catulo da Paixão Cearense, de Américo de Almeida, de

Lins do Rego, no Brasil –, para um exercício linguístico de manufactura

erudita como esse o caso de No Antigamente na Vida – exercício em tudo

parecido com o que Guimarães Rosa realizou em obras como Grande Sertão:

Veredas, Corpo de Baile, Primeiras Estórias. – Com desvantagem, porém,

quanto a nós, desvantagem para o leitor – pelo menos o português –, que é a

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50 | A crítica

desvantagem que resulta de Luandino se exercitar sobre um plinto linguístico

– o dos dialectos angolanos – muito mais alheio à vernaculidade portuguesa

do que aquele sobre que se exercita Guimarães Rosa. Enquanto este, inspi-

rando-se sobre o linguajar do sertão de Minas Gerais, onde são antigas e por-

tuguesas as raízes da fala popular, consegue, retomando, inclusivamente,

valores semânticos esquecidos, reatar, embora no plano da invenção linguís-

tica, uma tradição afim com a da língua portuguesa nativa, aquele, deixando-

-se penetrar pelo idioma de povos que nos são alheios na sua formação étni-

ca, social e linguística, fascinado pelas suas virtualidades sonoras, morfoló-

gicas, sintácticas, afasta-se de qualquer possível tradição nossa, portuguesa,

tornando-se, por isso mesmo, em não poucas páginas do seu No Antigamente

na Vida, quase ilegível, quase impenetrável. (Eis por que recorre, inclusiva-

mente, ao glossário e à tradução das frases usadas no texto na própria língua

quimbunda.)

Por que friso estes aspectos da obra literária de Luandino Vieira? Porque,

hoje, com plena liberdade, me é permitido dizer o que me não era consentido

em 65, à data em que me não solidarizei com o júri que lhe atribuiu o premio

da Sociedade Portuguesa de Escritores. E faço-o com tanto mais à-vontade e

com tanto mais legitimidade quanto é certo que, avizinhando-se a indepen-

dência de Angola, a literatura do autor de Luanda e No Antigamente na Vida,

agora, mais do que nunca, se perspectiva na ordem que cabe às obras literá-

rias do seu género. O seu lugar estará na base do «desenvolvimento da litera-

tura angolana de expressão portuguesa», primeiro passo para a criação de

uma literatura angolana de expressão angolana. Tal como Mário de Andrade,

com o seu Macunaíma ou os homens da geração brasileira de 22, com a sua

«antropofagia», tentativa artificial de criação de uma literatura tipicamente

brasílica, Luandino Vieira, um pouco mais naturalmente (não natural de An-

gola, ao que me parece, mas ali radicado desde a infância), em 63, com o seu

livro Luanda, e agora, em 74, com o seu livro No Antigamente na Vida, ei-lo

que cria, quanto a mim, legitimamente no primeiro livro, menos legitima-

mente no segundo, aquilo que fará dele o pioneiro de uma literatura tipica-

mente angolana, não portuguesa ou de expressão portuguesa, mas angolana,

angolana de expressão angolana.

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II. Os prémios

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1. O Prémio Mota Veiga

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O Prémio Mota Veiga | 55

Como é bem sabido, José Luandino Vieira ganhou, com o volume ainda

inédito de Luuanda, o Prémio Literário Mota Veiga referente a 1963. O ga-

lardão, segundo o ABC – diário de Angola, de 1 de janeiro de 1962, p. 11,

tinha sido instituído dois anos antes por Eurico Abrantes da Mota Veiga,

«conhecido e importante comerciante da nossa Província, nela radicado há

muito, bem como sua família – na qual se destacam comerciantes, industriais

e agricultores», com o objetivo de distinguir «duas obras publicadas ou apre-

sentadas durante o ano que no seu contexto destacassem a valia e a razão de

ser da presença dos portugueses em Angola». O título constituía uma home-

nagem à mãe do patrocinador: D. Maria José Abrantes da Mota Veiga.

Os montantes do prémio eram significativos para a época: 20 e

10.000$00. A realização do concurso estava confiada ao ABC, prevendo-se

que o júri integrasse «um delegado indicado pela Direcção da Associação

Comercial de Luanda, outro indicado pelo Rotary Clube da mesma cidade e

outro que represente conjuntamente a Associação dos Naturais de Angola e a

Liga Nacional Africana. O chefe da redacção do «ABC – Diário de Angola»

servirá de secretário do júri, sem voto.».

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56 | Os prémios

O júri era presidido por Eugénio Bento Ferreira, radicado em Angola

desde 1943 e personalidade importante do meio intelectual e da oposição ao

regime, integrando ainda Mário Corte-Real, Maurício Ferreira Gomes e Al-

fredo Bobela Motta, este último como secretário sem direito a voto. A deci-

são foi tomada no início de maio de 1964, por maioria: Mário Corte-Real

classificara o volume de Luandino Vieira em segundo lugar. O prémio seria

entregue, não pelo Governador, mas por um seu representante, a 22 de de-

zembro, no Museu de Angola, tendo Luandino Vieira – que estava preso em

Santiago de Cabo Verde – sido representado pela sua esposa, Ermelinda

Graça. Apesar do evidente desconforto das autoridades, não se registou ne-

nhum movimento tendente a boicotar ou a por em causa o prémio.

Imagem da entrega do prémio: Joffre Pestana, administrador

do 1.º Bairro, entrega o título a Ermelinda Graça 1

O livro foi posto à venda em outubro, como se pode ver pela notícia do

ABC de 16 desse mês que adiante transcrevo, ainda que, como se sabe, apre-

sente 1963 como data de publicação.

1 Fonte: ABC – diário de Angola. Luanda. 23-XII-1964, p. 1.

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O Prémio Mota Veiga | 57

ABC – diário de Angola. Luanda. 4-V-1964, pp. 1 e 5.

Foi atribuído o Prémio Mota Veiga

a Luandino Vieira e a A. Correia de Araújo

LUANDA, 3 – Reuniu, ontem à tarde, o júri do Prémio Mota Veiga,

constituído pelas individualidades que, nos termos do regulamento, foram

indicadas pelo Rotary Clube de Luanda, pela Associação Comercial de Luan-

da e pela Liga Nacional Africana e a Associação dos Naturais de Angola,

assistindo, como secretário sem voto, o nosso redactor A. Bobela Motta.

Como já oportunamente anunciamos [sic], as representações daquelas as-

sociações foram por elas confiadas aos srs. dr. Eugénio Bento Ferreira, advo-

gado e ensaísta, Mário Fernando Carvalho Figueiredo Corte-Real, gerente

comercial, e Maurício Ferreira Gomes, funcionário superior das Alfândegas e

vogal do Conselho Económico e Social.

O júri decidiu, por unanimidade, excluir do concurso o trabalho do poeta

Mário António «100 Poemas», por não estar nas condições de ineditismo

exigidas pelo regulamento, e, por maioria, atribuir o primeiro prémio ao livro

de contos «Luanda», de Luandino Vieira, e o segundo a «Aspectos do De-

senvolvimento Económico e Social de Angola», de A. Correia de Araújo. O

voto contrário que se registou apenas invertia a posição das duas obras pre-

miadas.

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58 | Os prémios

ABC – diário de Angola. Luanda. 8-V-1964, p. 3.

O grande vencedor do Prémio Mota Veiga

Pela primeira vez desde que a organização está a cargo deste Jornal, foi

atribuído o primeiro prémio do concurso anual intitulado «Prémio D. Maria

José Abrantes da Mota Veiga». Até agora, não obstante o valor dos trabalhos

concorrentes, apenas o segundo prémio tem sido atribuído.

Foi preciso, para tanto, que aparecesse ao concurso uma obra com o méri-

to de «Luanda», um livro de contos subscrito por Luandino Vieira, que é,

hoje, sem dúvida, o caso literário mais sério, desta província. Já autor de uma

vasta obra esparsa por jornais e revistas e do livro de contos «A Cidade e a

Infância», editado pela Casa dos Estudantes do Império, Luandino Vieira

acrescenta, agora, o Prémio Mota Veiga, a numerosas primeiras classifica-

ções conseguidas nos concursos a que envia trabalho seu, como os certames

literários da Sociedade Cultural de Angola, o Prémio Alexandre Dáskalos, da

C.E.I. e, ainda recentemente, obtendo o primeiro e o segundo prémios do

Conto, no concurso da Associação dos Naturais de Angola.

O livro de contos «Luanda», cuja edição vai ser confiada às oficinas deste

Jornal, é, na opinião dos membros do júri, que o elegeu para o primeiro pré-

mio do concurso «Prémio D. Maria José Abrantes da Mota Veiga», uma obra

inteiramente invulgar, uma tentativa inteiramente nova pela sua concepção,

capaz de marcar, decisivamente, uma nova era no panorama literário desta

província.

E os admiradores de Luandino Vieira aguardam, por conseguinte, o apa-

recimento da obra, com justificada ansiedade.

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O Prémio Mota Veiga | 59

ABC – diário de Angola. Luanda. 16-X-1964, p. 3.

Prémio Mota Veiga:

Foi posto à venda o novo livro de Luandino Vieira

– três contos intitulados «Luuanda»

Foi posto à venda o novo volume de contos de Luandino Vieira «Luuan-

da», ao qual foi, como é sabido, atribuído o prémio D. Maria José Abrantes

Mota Veiga referente a 1963.

Composto de três contos, por exigência do regulamento daquele concur-

so, o livro faz parte de um conjunto de dez histórias, a publicar posteriormen-

te.

Na «orelha» do volume o nosso camarada A. Bobela-Motta escreveu as

seguintes palavras:

«É pela Poesia que surgem as literaturas novas. E longo é já o rol dos Poe-

tas de Angola que, desde a “Mensagem”, vêm afirmando, com a maior pu-

jança o advento de uma Literatura com características acentuadamente regio-

nais.

Poeta nos apareceu Luandino Vieira, o seu primeiro prosador. Mas o seu

aparecimento não teria sido bastante para garantir a essa literatura a promo-

ção a nova fase, se não fora a rápida evolução do autor de «A Cidade e a

Infância», que nos aparece, agora, em «Luuanda», em plena maturidade.

O novo degrau está transposto. Mas transposto de forma magnífica por

quem, plastizando da linguagem oral do musseque luandense as mais admi-

ráveis formas de expressão, cria, para a literatura da sua terra, uma língua

nova, cheia de encanto e rica de possibilidades.

Luandino Vieira abre, realmente, os mais prometedores caminhos à Lite-

ratura de Angola, com o pórtico de uma verdadeira obra-prima, que lhe con-

cede lugar cimeiro entre os escritores da sua geração».

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2. O Prémio de Novelística

da Sociedade Portuguesa de Escritores

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O Prémio de Novelística da S.P:E. | 63

A atribuição do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa

de Escritores a Luuanda é bastante conhecida nos seus contornos gerais. O

júri era constituído por Alexandre Pinheiro Torres, Fernanda Botelho, João

Gaspar Simões, Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira, este último em re-

presentação da S.P.E. e sem direito a voto. A decisão favorável a Luuanda

foi tomada por maioria, com a oposição de Gaspar Simões, que se pronun-

ciou a favor de um livro de Urbano Tavares Rodrigues. A notícia foi divul-

gada a 20 de maio de 1965 pelos jornais de Lisboa (a reunião do júri fora a

10 e o ABC, de Luanda, publicara um apontamento de congratulação a 16),

tendo o Diário de notícias acrescentado uma nota dando contra da identidade

civil do premiado e da sua condição à época, cumprindo pena de 14 anos por

«terrorismo». Nos dias seguintes e até ao fim do mês – marcado pela come-

moração de mais um aniversário do golpe de 28 de maio –, a generalidade

dos jornais, na metrópole e nas províncias ultramarinas, difunde uma intensa

campanha contra a atribuição do prémio, contra o júri, contra a Sociedade

Portuguesa de Escritores e, sobretudo, contra Luandino Vieira. Os membros

do júri chegaram a ser detidos para interrogatório e a Sociedade Portuguesa

de Escritores acabaria por ser extinta pelo ministro da Educação, Galvão

Teles.

Alexandre Pinheiro Torres, numa entrevista que concedeu a Fernando

Venâncio quatro anos antes da sua morte 1, revelou uma série de pormenores

do processo, a começar pelo facto de a apresentação da obra a concurso ter

resultado de uma ideia sua:

E há outra coisa, que posso revelar agora, passados todos estes anos. De facto

– e nisso o Paço d’Arcos tinha razão –, o livro não tinha sido enviado a con-curso dentro do prazo. Fui eu que, ao ver que o livro não estava entre os con-

correntes, fui à Casa dos Estudantes do Império e lhes lembrei que o livro po-dia ir a concurso. Convenci-os a desencantar os seis exemplares que era pre-

ciso entregar na SPE. (p. 48)

1 Todos mentem e fingem. Ler. Lisboa. 32 (out. 1995), pp. 42-51.

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64 | Os prémios

Ata da reunião do júri do Grande Prémio de Novelística (Torre do Tombo, Sociedade Portuguesa de Escritores, Livro de Atas, cx. 1, n.º 14, f. [10])

Outra revelação feita pelo ensaísta, romancista e poeta diz respeito à fonte

da nota publicada pelo Diário de notícias sobre a identidade de Luandino

Vieira: «Parece, pelo que me diz gente ligada ao jornal, que foi o próprio

Amândio César a tornar conhecida a coisa. Era um salazarista convicto.»

(p. 46). Relativamente à repressão sobre os membros do júri, distingue dois

grupos:

De resto, só o Abelaira, o Manuel da Fonseca e eu fomos presos. O Gaspar Simões foi detido, mas disse que não tinha nada a ver com aquilo. E quanto à

Fernanda Botelho, veio o embaixador da Bélgica, de quem ela era secretária particular, dizer à Pide que, se queriam um incidente diplomático, era para já.

A Pide assustou-se, libertaram-na logo. (p. 46)

Num outro momento, destaca a atitude de Augusto Abelaira:

É, de facto, um homem que se porta à altura. Quando a Pide lhe pergunta se votou no livro de Luandino, ele, que não tinha votado, nem tinha precisado

fazê-lo, responde, nobremente: «Votei». É uma atitude heróica. Ele não sabe quantos anos vai estar preso. E a Pide dizia: «Mas como, se os outros dizem

que você não votou?» «Não, dizia ele, isso é erro, eu votei.» Isso é grande no Abelaira. E os pides faziam contas e mais contas, que nunca davam certo. Eu

e os outros só soubemos disso, porque a Pide nos chamou, passados quinze dias, para se fazer uma acareação. (p. 48)

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O Prémio de Novelística da S.P:E. | 65

Quanto à atitude dos outros dois companheiros de júri perante a polícia

política, Pinheiro Torres deixa outra revelação, esta relativamente enigmáti-

ca. À pergunta «Se o Abelaira diz que votou, a questão é só que, em vez de

três votos pelo Luandino, há agora quatro. Onde estava a complicação?»,

responde:

Olhe, meu caro: se nesse dia se escreve uma bela página de coragem, escreve--se também uma que nos destrói a todos. Levámos muito tempo a recom-

por-nos disso. Não lhe posso dizer mais. É demasiado doloroso. Não quero

lembrá-lo. (p. 48)

Quanto ao encerramento da S.P.E., o autor de A nau de Quixibá afirma o

seguinte:

Eu disse-lhe que o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores foi benéfico. Por isto: atravessava-se em Portugal um período de acalmia e de

grande submissão dos escritores. E a Sociedade não servia para nada, como já disse. Era o mundaninsmo, as recepções, os cocktails. [...] De repente, vem

um acto claro de nazismo. A Sociedade Portuguesa de Escritores, ao ser des-truída e martirizada, presta um serviço formidável no esclarecimento dos ob-

jectivos do Estado Novo. É o estado totalitário que se desmascara. Que se as-sume, agora publicamente, no palco da Europa, como fascista, ditatorial, vio-

lento. Ao oferecer-se como mártir, a Sociedade presta um grande serviço à esquerda portuguesa, aos intelectuais portugueses que aspiram pela liberdade

de expressão. A Sociedade só é falada no momento em que é destruída. Fa-la-se dela em todo o mundo, culpando Salazar. E Salazar não gosta. Sente o

abalo. (48-49)

Não cabendo aqui o comentário às afirmações de Pinheiro Torres, um as-

peto pelo menos deve ser sublinhado: Luandino Vieira é, ou parece ser, um

fator quase inexistente em todo este processo.

O texto que se segue, do ABC – diário de Angola, constitui, segundo su-

ponho, a primeira notícia publicada sobre a atribuição do Prémio de Novelís-

tica da S.P.E. Anterior ao rebentar da polémica, a nota apresenta um tom que

não será acompanhado pela restante imprensa.

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66 | Os prémios

ABC – diário de Angola. Luanda. 16-V-1965, p. 1.

«Luuanda», de Luandino Vieira – 1.º prémio de novelística

da Sociedade Portuguesa de Escritores

Notícias de Lisboa anunciam que a Sociedade Portuguesa de escritores

deliberou, ontem, atribuir o primeiro prémio de Novelística (50.000$00) ao

livro «Luuanda», de Luandino Vieira, já anteriormente galardoado com o

Prémio Mota Veiga.

Trata-se de uma distinção tanto mais honrosa quanto é certo que, não se

tratando da obra de um sócio daquela colectividade, o aparecimento de

«Luuanda» no certame só pode ser atribuído ao prévio conhecimento do seu

mérito literário pelo júri do Concurso.

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III. A rep(r)e(rcu)ssão política

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A) Do Prémio de Novelística

da S.P.E.

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Do Prémio de Novelística da SPE | 71

A notícia da atribuição do Grande Prémio de Novelística da Sociedade

Portuguesa de Escritores a Luuanda foi acompanhada, no Diário de notícias

e noutros jornais, de uma nota dando cona da identidade civil do premiado e

da sua condição à época, cumprindo pena de 14 anos por «terrorismo». Nos

dias seguintes e até ao fim do mês, a generalidade dos jornais, na metrópole e

nas províncias ultramarinas, difunde uma intensa campanha contra a atribui-

ção do prémio, visando também o júri, a Sociedade Portuguesa de Escritores

e, acima de tudo, Luandino Vieira.

Promovendo a imagem de uma nação unida na indignação e no repúdio

de uma atitude considerada antipatriótica e que serviria interesses estrangei-

ros, essa campanha incluiu a publicação de editoriais e artigos, discursos e

numerosos telegramas indignados, dirigidos ao Presidente do Conselho, aos

ministros da Educação, do Ultramar, do Exército e do Interior, assinados por

pessoas com responsabilidades na administração do estado (deputados, go-

vernadores civis, presidente de câmara), dirigentes de movimentos como a

Mocidade Portuguesa ou o Movimento Nacional Feminino, mas também

professores de diversos escalões e estudantes, assim como militares, ex-com-

batentes e seus familiares. Lendo os jornais com o mínimo de atenção, per-

cebe-se que parte do material publicado é fornecido pela agência de notícias

Lusitânia, o que explica, por um lado, as repetições que se detetam entre as

peças dos vários jornais e, por outro, a circularidade das citações: jornais da

metrópole transcrevem editoriais e notícias dos seus congéneres de Luanda

ou de Lourenço Marques para provar a repulsa das colónias, ao passo que

estes se referem aos primeiros para dar conta da indignação que se vive na

metrópole.

O material que se apresenta de seguida é apenas uma ilustração, mas que

tentei que fosse representativa, do movimento orquestrado que se viveu há

quase meio século. Inclui as peças publicadas pelos dois diários da metrópole

que lideraram o processo (o Diário de notícias e o Diário da manhã, este

último órgão da União Nacional), por dois jornais de Angola (o Diário de

Luanda e o ABC) e por um outro de Moçambique (o Notícias, de Lourenço

Marques). A nota dissonante é fornecida pelo ABC, que quase silencia a

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72 | A rep(r)e(rcu)ssão política

polémica, limitando-se a incluir um artigo de Dutra Faria difundido pela ANI

(Agência de Notícias e Informação) e um conjunto de textos sobre o Prémio

Mota Veiga do ano anterior, que estava agora a ser objeto de uma contesta-

ção retrospetiva. Os restantes órgãos de informação alinham no coro de re-

púdio e de pedido de responsabilidades e de castigo, apresentando contudo

algumas diferenças, designadamente quanto ao grau de relevo atribuído ao

caso e ao número de dias por que se estende a sua cobertura.

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1. Na metrópole

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1.1. No Diário de notícias

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Diário de notícias | 77

Diário de notícias. Lisboa. 20-V-1965, p. 2.

Atribuídos os prémios literários

da Sociedade dos Escritores

Foram revelados os nomes dos galardoados com os prémios literários ins-

tituídos e patrocinados pela Sociedade Portuguesa dos Escritores.

O PRÉMIO CAMILO CASTELO BRANCO, instituído pelo Grémio Na-

cional dos Editores e Livreiros e patrocinado pela Sociedade Portuguesa de

Escritores, foi concedido por maioria, à escritora Isabel da Nóbrega pela sua

obra «Viver com os Outros».

O júri era constituído pelos escritores António Coimbra Martins, José Pal-

la e Carmo, José Régio, Mário Dionísio e Óscar Lopes.

O GRANDE PRÉMIO DE NOVELÍSTICA, o mais alto galardão para a

novela portuguesa, foi atribuído por maioria ao escritor Luandino Vieira pelo

seu livro «Luanda».

Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade

Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian

e concedido, pela primeira vez, em 1963 a José Régio.

O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augus-

to Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca.

O GRANDE PRÉMIO DE ENSAIO, o mais alto galardão para o ensaio

português, foi atribuído por maioria ao escritor Armando Castro pelo seu

livro «Evolução Económica de Portugal – séc. XII a XV».

Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade

Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian

e concedido pela primeira vez em 1963, ao escritor Mário Dionísio.

O júri era constituído pelos escritores Augusto Saraiva, Castelo Branco

Chaves, José Cardoso Pires, Mário Sacramento e Teixeira da Mota.

Um dos premiados foi terrorista em Angola

e está a cumprir pena pelos seus crimes

LONDRES, 20 – Em telegrama de Lisboa, distribuído pelas agências no-

ticiosas, anuncia-se que círculos da oposição portuguesa declararam que um

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78 | A rep(r)e(rcu)ssão política

dos escritores distinguidos com os prémios anuais da Sociedade Portuguesa

de Escritores estaria a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia por

actividades subversivas.

Pouco depois foram distribuídos outros telegramas, também de Lisboa,

anunciando que um informador oficial declarara que Luandino Vieira (o

escritor distinguido com o Prémio do Conto, pelo seu livro «Luuanda») era

o pseudónimo de José Vieira Mateus da Graça, que foi condenado a 22 de

Junho de 1963, num tribunal de Luanda, a catorze anos de prisão, por cri-

mes de terrorismo praticados na província de Angola, e não por actividades

subversivas.

O mesmo informador oficial teria declarado que certamente a Sociedade

Portuguesa de Escritores concedera o prémio em virtude de não conhecer a

verdadeira identidade daquele indivíduo acusado e condenado por crimes

tão repugnantes. – (ANI).

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Diário de notícias | 79

Diário de notícias. 21-V-1965, pp. 1 e 2.

A Fundação Gulbenkian vai rever a sua política

em matéria de patrocínio de prémios

Do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian rece-

bemos o seguinte comunicado:

1. Os grandes prémios de poesia, teatro, novelística e ensaio, da Socieda-

de Portuguesa de escritores, foram por esta instituídos, com o patrocínio da

Fundação, em 1961;

2. A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa ou

indirecta, na constituição dos juris [sic] que atribuem os prémios e nas suas

resoluções;

3. Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente

tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e

executórias;

4. Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portu-

guesa, legalmente constituída e em plena actividade, na realização de um dos

seus fins estatutários;

5. Do anteriormente exposto resulta que a Fundação não tem qualquer

responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos pré-

mios;

6. Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a

propósito da atribuição, no ano corrente, de um dos ditos prémios, a Funda-

ção não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a

atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição

eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patro-

ciná-los.

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80 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de notícias. Lisboa. 21-V-1965, pp. 1 e 2.

Estranheza em Angola pela atribuição de um prémio

da Sociedade Portuguesa de Escritores

LUANDA, 20 – Foi com uma atitude de desprezo que a população cons-

ciente de Angola reagiu à notícia de que a Sociedade Portuguesa de Escrito-

res atribuíra, em Lisboa, o «Grande Prémio de Novelística», ao autor do livro

«Luanda», José Vieira Mateus[,] que usa o pseudónimo de Luandino Vieira.

A Imprensa e a Rádio desta capital (com excepção de um único jornal, o

diário «ABC – Diário de Angola») não fizeram a mais pequena referência à

concessão insólita deste prémio.

Apenas o silêncio, a mágoa, em muitos, pela estranha inconsciência e in-

compreensão de individualidades da Metrópole, que parece terem esquecido

o ano trágico de 1961. Apenas o desprezo. Esta a reacção digna dos portu-

gueses de Angola.

Esta tarde o «Diário de Luanda» em artigo de fundo subordinado ao título

«Que é isto?! Quem nos está traindo?!» escreve:

«Da Metrópole nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos: Pois

é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremendo que

causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a ba-

ter-se para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja

premiado em Portugal metropolitano como uma personalidade normal?».

O articulista lembra a seguir que o indivíduo em questão foi condenado a

14 anos de prisão por um tribunal de Luanda por crimes contra a Pátria, con-

tra a integridade de Portugal, contra a vida e segurança dos portugueses de

Angola.

«Pois na Metrópole – prossegue o articulista – há uma entidade que se

considera de intelectuais e escritores e entrega-lhe 50 contos recebidos da

Fundação Gulbenkian:

Já sabemos, já sabemos: Foi o juri… Mas que espécie de juri escolheu a

Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o

juri era dessa qualidade?

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Diário de notícias | 81

Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabili-

dades o “Luandino Vieira”, José Vieira Mateus da Graça, não poderia sequer

assistir ao concurso.

Ele não é oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos jor-

nais estrangeiros: é um traidor da Pátria.

Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido

colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorren-

tes.

Mas o juri sabia: e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades

que constituem o juri. E todavia escolheu esse juri.

Cabe-lhe pelo menos essa responsabilidade. Cabe-lhe a responsabilidade

de haver aceite semelhante veredicto.

Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto – a decisão

do juri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o

prémio de novelística – devia provocar um movimento imediato de repulsa e

a anulação do concurso e a revisão do juri.

«Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal –,

padecem trabalhos, fadigas e riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a

vida imolada ao serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as

raças e credos que no Ultramar vivem.

Pois bem: Estes soldados que em Angola se batem, pela nossa tranquili-

dade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um

juri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores.

Consente-se?! Fica válido e impune?! Aqui em Angola todos nos senti-

mos afrontados, tomados de indignação! É uma afronta: Afronta para os

nossos soldados! Afronta para todos os que em Angola permanecemos para

que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação.

Não vale a pena continuar a resistir se a traição nos apunhala pelas costas.

Que o basta fazer sem repressão nem sequer desaprovação. Por nossa parte,

como portugueses e angolanos, protestamos, protestamos, protestamos!». – (L.)

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82 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de notícias. Lisboa. 22-V-1965, pp. 1 e 5.

Por despacho do Ministro da Educação Nacional

foi extinta a Sociedade Portuguesa de Escritores

Demissão de directores e sócios e telegramas de protesto de todo o País

Era inevitável. A atribuição do «Prémio Camilo Castelo Branco» [sic],

por um juri da Sociedade Portuguesa de Escritores, a Luandino Vieira, pseu-

dónimo de um indivíduo preso em Luanda, a cumprir pena de 14 anos por

crime de terrorismo, provocou a mais viva repulsa de todos os portugueses.

Na Metrópole como no Ultramar, e de maneira mais sentida em Luanda,

que justamente considerou a decisão do juri daquela Sociedade como um

ultraje à memória dos mortos e à bravura dos vivos que se deram e dão pela

Pátria. De todos os lados e dos mais diferentes sectores da vida portuguesa

nos chegam as manifestações da repulsa de quem apenas sabe cultivar senti-

mentos patrióticos.

Já ontem de manhã alguns escritores, dirigentes e sócios daquele orga-

nismo, apresentaram a sua demissão e, ao fim do dia, o ministro da Educação

Nacional, prof. Galvão Teles, exarou o seguinte despacho:

«Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através do júri

designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelís-

tica a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por

actividades de terrorismo na província de Angola;

Considerando que, apesar de tornadas do domínio público a identidade e

a situação do mesmo indivíduo, nem o juri revogou aquela decisão nem os

corpos gerentes a repudiaram;

Considerando, com efeito, que tal repúdio se não contém, nem mesmo de

forma implícita, no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Im-

prensa, e de que a mesma direcção me enviou cópia;

Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos, que, além do

mais, profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados por-

tugueses tombam no Ultramar vítimas do terrorismo de que o premiado foi

averiguadamente agente;

Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa de extin-

ção da Sociedade em referência;

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Diário de notícias | 83

Determino, nos termos do art. 4.º do decreto-lei n.º 39 560, de 20 de Maio

de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores».

A atitude dos escritores Joaquim Paço d’Arcos

e Luís Forjaz Trigueiros

Os escritores demissionários, dirigentes da Sociedade a que acima aludi-

mos são Joaquim Paço d’Arcos, presidente da Assembleia Geral, e Luís For-

jaz Trigueiros, vogal da Direcção.

Na manhã de ontem cada um tomou a atitude que a sua consciência lhes

ditou:

Joaquim Paço d’Arcos, ilustre escritor e homem de letras, enviou ao vi-

ce-presidente da Assembleia Geral da Sociedade a seguinte carta:

Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu regresso

do estrangeiro continuar a desempenhar em paz de consciência e com a

convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos desinteressada-

mente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escritores – não me permitindo

essas circunstâncias continuar a desempenhar as funções de presidente da

Assembleia Geral da Sociedade, rogo-lhe o favor de assumir as referidas

funções até que em assembleia geral seja preenchido o cargo que entendo de

meu dever deixar de ocupar.

Por seu turno, Luiz Forjaz Trigueiros, nosso ilustre colaborador e amigo,

desligou-se da Sociedade pelas razões expressas na carta que remeteu ao

director do «Diário de Notícias»:

Tendo prestado, em várias circunstâncias desde a sua fundação, a minha

desvaliosa mas leal colaboração à Sociedade Portuguesa de Escritores,

aceitei há meses, embora com sacrifício da minha vida particular, pertencer

mais uma vez aos respectivos corpos gerentes, agora como vogal da sua

Direcção, pois não enjeito nunca as minhas responsabilidades de português

e de escritor.

Exactamente na mesma consciência e dadas as implicações nacionais dos

factos agora ocorridos, entendo que não devo continuar a pertencer à Di-

recção da S.P.E. e nessa conformidade apresentei hoje mesmo o meu pedido

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84 | A rep(r)e(rcu)ssão política

de demissão ao respectivo presidente, considerando-me, a partir desta data,

desligado da sua actividade.

Cunha Leão demitiu-se de sócio da Sociedade dos Escritores

O ilustre escritor sr. dr. Cunha Leão dirigiu à Sociedade de que era sócio

e foi antigo Director, o seguinte telegrama:

«Dolorosamente surpreendido notícias e falta pronta explicação pública

pela decisão maioria juri novela peço demissão sócio imperativo minha

consciência lembrando alto espírito Jaime Cortesão com quem fiz parte

direcção confiado possibilidade agremiar escritores mas portugueses. Per-

mito-me tornar pública esta resolução – Cunha Leão».

Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Escritores

Recebemos a seguinte nota:

«A Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores sente-se no dever de

informar o seguinte:

1) – Desconhecia inteiramente a identidade do autor do livro Luuanda,

subscrito pelo pseudónimo de Luandino Vieira, agora revelado por um tele-

grama da Agência A.N.I. proveniente de Londres e publicado nos jornais de

hoje;

2) – O valor literário da obra em questão é atestado, além do mais, pela

atribuição anterior dos seguintes prémios a Luandino Vieira:

1961 – 1.º prémio do Conto da Sociedade Cultural de Angola – Luanda;

1962 – 1.º prémio João Dias da Casa dos Estudantes do Império – Lisboa;

1963 – 1.º e 2.º prémios do Conto da Associação dos Naturais de Angola

– Luanda;

1964 – 1.º prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga – Luanda, atribuí-

do este ao livro acima citado;

3) – Como resulta não só do que anteriormente se disse mas também das

directrizes a que, estatutàriamente, obedece a Sociedade Portuguesa de Escri-

tores, a atribuição do «Grande Prémio de Novelística» baseou-se exclusiva-

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Diário de notícias | 85

mente no valor literário da obra, de modo nenhum significando um juízo

referente às actividades de que o autor é acusado;

4) – A Sociedade Portuguesa de Escritores estudará, atenta e objectiva-

mente, todos os elementos de informação que lhe sejam fornecidos para o

exame do problema agora levantado».

Uma subscrição até ao montante do prémio foi aberta em Luanda

a favor das famílias dos primeiros militares angolanos

caídos na defesa da Pátria

A Associação dos Naturais de Angola enviou ao sr. ministro do Ultramar

o seguinte telegrama: «Corpo directivo da Associação dos Naturais de Ango-

la, reunido extraordinariamente, depois de ouvidos os seus associados de

maior prestígio, deliberou, unanimemente, solicitar de V. Ex.ª se digne ser

intérprete junte de Sua Ex.ª o Presidente do Conselho, da repugnância e do

mais veemente protesto dos autênticos portugueses naturais desta província

contra a antipatriótica decisão do juri da Sociedade de Escritores que se inti-

tula portuguesa, atribuindo prémio pecuniário a favor do terrorista traidor

José Vieira Mateus Graça. Tal facto identificará aquele juri com os inimigos

de Portugal, a menos que se retrate imediatamente, anulando a sua decisão

que quereríamos pressupor assente na ignorância do “curriculum” do autor

oculto sob o pseudónimo. A “Anangola” deliberou, também, abrir nas colu-

nas do seu “Jornal de Angola”, uma subscrição até ao montante igual àquele

conspurcado “Prémio”, para ser repartido pelas famílias dos primeiros milita-

res angolanos caídos na defesa da nossa Pátria Eterna Portuguesa em Março

de 1961. Respeitosos cumprimentos reafirmando a nossa lealdade. Em nome

da Associação dos Naturais de Angola, o presidente, Augusto Pita Groz

Dias.»

Militares que lutaram no Ultramar manifestaram a maior indignação

em telegramas dirigidos ao Ministro do Exército

Entre os numerosíssimos telegramas de protesto recebidos no gabinete do

ministro do Exército contam-se os seguintes:

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86 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Mutilados ao serviço da Pátria em tratamento no Hospital Militar, sen-

tem a vergonha praticada pela Sociedade Portuguesa de Escritores, dando um

prémio ao traidor angolano Luandino Vieira.»

«Um grupo de combatentes regressado de Angola protesta indignadamen-

te contra a atitude inclassificável da Sociedade Portuguesa de Escritores,

premiando o comprovado traidor angolano Luandino Vieira e pedem a V.

Ex.ª providências severas para desagravo da ofensa sofrida por quantos de-

ram o sangue pela Pátria. a) Joaquim Gomes da Silva.»

«Foi ofendida a honra das Forças Armadas e cuspida a glória dos que

perderam a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram

solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores, que deu

prémio ao traidor Luandino Vieira, terrorista de Angola. Por um grupo de

sargentos de uma unidade de Lisboa, a) Rafael Gomes da Silva, primei-

ro-sargento.»

«Tendo combatido em defesa da Pátria, em Angola, sinto grave ofensa ao

nosso sacrifício feita pelo juri que premiou Luandino Vieira, condenado por

traição à Pátria. Sociedade de Escritores ou de terroristas? a) António Peres-

trelo, primeiro-sargento.»

«Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade

Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A

consciência nacional aguarda a punição. a) Joaquim Rodrigues.»

«Um grupo de estudantes, ao tomar conhecimento da atitude antinacional

da Sociedade Portuguesa de Escritores consagrando um traidor que se propu-

nha vender Angola, protesta em nome da juventude e pede que se responsa-

bilize a referida entidade pelo crime praticado.»

«Protestamos contra a notícia publicada referente ao prémio concedido

pela Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira, que considera-

mos ofensa grave ao sentimento nacional, visto premiar um traidor à Pátria.

a) Fernando Pinto Rui Silva.»

«Velho lavrador do Congo Português vítima do terrorismo, de passagem

por Lisboa, condena a criminosa atitude da Sociedade de Escritores Portu-

gueses premiando o traidor Luandino Vieira, a soldo do comunismo interna-

cional. a) Gaspar de Meireles.»

«Um grupo de professores primários, considerando inconcebível a deci-

são da Sociedade Portuguesa de Escritores, protesta contra o prémio conce-

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Diário de notícias | 87

dido ao traidor Luandino Vieira, solicitando o merecido castigo pela crimi-

nosa atitude e vergonha nacional. a) Almerindo Roque da Cunha.»

«Constitui suprema vergonha o procedimento da Sociedade dos Escrito-

res Portugueses premiando um réu de alta traição. Protesto indignadamente,

lamentando não podendo cuspir nos judas do juri, que não podem conside-

rar-se portugueses. a) Raimundo da Conceição Silva.»

«Considero acto de terrorismo na frente interna o procedimento da Socie-

dade de Escritores, que praticou crime igual ao de Luandino Vieira, de trai-

ção à Pátria, devendo ser dissolvida e condenada. a) António Alves Simões.»

«Não posso calar a indignação causada pela notícia referente ao prémio

concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao traidor condenado

Luandino Vieira. Vergonhoso procedimento, ofende a Nação inteira, exigin-

do castigo imediato. a) Manuel Rocha.»

«Inacreditável a notícia referente ao traidor Luandino Vieira, que solicita

providências rigorosas no sentido da condenação dos membros do juri e o

encerramento imediato da Sociedade Portuguesa de Escritores. Portugal foi

ofendido, esperando desagravo. a) António Augusto dos Reis.»

«Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de

Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.»

«Protesto contra a atitude de meia dúzia de imbecis que formaram o juri

da novela. Não há prémio para traidores. a) António Jordão.»

«Pedimos providências pela atitude da Sociedade de Escritores cuja trai-

ção envergonha o País e avilta os Portugueses. a) Artur Álvares.»

«Um grupo de frequentadores do Café Avis tomou conhecimento da in-

dignidade cometida pela Sociedade Portuguesa de Escritores premiando o

nefando traidor Luandino Vieira, vendilhão da Pátria. A referida Sociedade

mostrou ser cúmplice do crime de traição. Pedimos providências urgentes e

castigo exemplar. a) Raimundo de Carvalho.»

«Pedimos a Deus que nos livre da cáfila que pulula nos arraiais da inte-

lectualidade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor Beça.»

«A Sociedade Portuguesa de Escritores causa repulsa ao espírito patrióti-

co da Nação. a) Jorge Salvador.»

«Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade de Escrito-

res. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

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88 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Telegramas recebidos no gabinete do Ministro

da Educação Nacional

Também no gabinete do ministro da Educação Nacional foram recebidos

numerosíssimos telegramas de protesto, de entre os quais transcrevemos os

seguintes:

«A «Revista Itinerários[»], dos antigos combatentes e universitários de

Coimbra, exprime a V. Ex.ª o mais vigoroso protesto pela tendenciosa atri-

buição do prémio novelístico pela Sociedade de Escritores.»

«O Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portu-

guesa expressa a V. Ex.ª a mais inteira solidariedade com os Portugueses de

Angola no seu desgosto pela atribuição do prémio ao autor do livro «Luan-

da», que consideramos traição aos princípios sagrados em que nos formaram

e queremos ver formada a juventude.»

«A Câmara Municipal de Viseu apresenta o mais veemente protesto con-

tra a concessão do prémio pela Sociedade de Escritores a um destacado ele-

mento de desagregação nacional. a) O vice-presidente da Câmara.»

«Sobre uma traição, outra traição» – diz-se num telegrama

dirigido à Presidência do Conselho

De igual modo chegaram à Presidência do Conselho os seguintes tele-

gramas:

«Velho lavrador Congo português vítima terrorismo passagem Lisboa

condeno criminosa atitude Sociedade de Escritores Portugueses premiando

traidor Luandino Vieira a soldo comunismo internacional. a) Gaspar de Mei-

reles.»

«Grupo combatentes regressado Angola protesta indignadamente contra

atitude inclassificável Sociedade Portuguesa Escritores premiando compro-

vado traidor angolano Luandino Vieira e pedem V. Ex.ª providências severas

desagravo ofensa sofrida por quantos deram o sangue pela Pátria.»

«Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade dos Escri-

tores. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

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Diário de notícias | 89

«Como verdadeiro patriota protesto com violência contra ignóbil e crimi-

nosa atitude Sociedade Portuguesa Escritores distinguindo Luandino Vieira

cumprindo pena traição à Pátria. Sobre uma traição outra traição.»

«Recordando gloriosa epopeia nossos soldados em Angola levamos V.

Ex.ª veemência nossa indignação ofensa praticada Sociedade Escritores Por-

tugueses distinguindo miserável traidor Luandino Vieira. Rogo V. Ex.ª indis-

pensável castigo.»

«Não há fumo sem fogo. A traição da Sociedade de Escritores é o fumo

do fogo que os soldados combatem em Angola. a) César Gonçalves de Sou-

sa.»

Protestos dirigidos ao «Diário de Notícias»

Recebemos de Almeirim os dois telegramas que a seguir transcrevemos:

«As filiadas do Movimento Nacional Feminino de Almeirim associam-se

de todo o coração à repulsa e indignação manifestada pelo povo de Angola

contra a atribuição de prémio feita pela Sociedade Portuguesa de Escritores a

um traidor à Pátria. Sentem que o seu querido morto Joaquim Colares Cardo-

so estremece no seu túmulo por ver galardoado um daqueles que contribuiu

para o seu sacrifício e de tantos portugueses que na terra querida de Angola

têm caído em defesa da integridade da Pátria. Pedem a anulação do prémio

atribuído. A comissão concelhia.»

«Juventude de Almeirim soldados de amanhã não podem ficar inertes

com a atribuição do grande prémio novelística a um homem condenado por

traição à Pátria em 14 anos de prisão. Apresenta veementes protestos pedindo

a anulação de tal prémio. Unidos nos mesmos ideais fazer um Portugal maior

protestamos. Juventude, desporto e alegria.»

Entidades de prestígio no jornalismo e nas letras em Angola

enviam para Lisboa uma mensagem de protesto

LUANDA, 21 – Um grupo de homem de letras de Angola vai enviar para

as entidades superiores em Lisboa uma mensagem de vibrante protesto e

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90 | A rep(r)e(rcu)ssão política

repulsa contra a actividade do juri da Sociedade Portuguesa de Escritores,

considerando a sua decisão um insulto à cultura portuguesa e uma afronta a

quantos trabalham e lutam nesta província.

A mensagem, até este momento, tem mais de uma dezena de nomes de

prestígio no jornalismo e nas letras de Angola. – «L.»

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Diário de notícias | 91

Diário de notícias. 22-V-1965, p. 5.

Últimas notícias

Assaltada a sede da Sociedade de Escritores

Cerca de cinquenta desconhecidos assaltaram ontem, à noite, cerca das 22

horas, a sede da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Os assaltantes começaram por afixar, numa das portas de entrada, um dís-

tico onde se podia ler: «Agência dos terroristas na Metrópole». Nas várias

salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas: «M.P.L.A. Su-

cursal».

Todo o mobiliário foi completamente destruído. Portas e janelas danifica-

das. Candeeiros e molduras partidas. Máquinas de escrever e ficheiros inuti-

lizados. Os prejuízos são elevadíssimos.

Duas salas foram, no entanto, respeitadas: a biblioteca e a sala de reunião

da direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador e pri-

meiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo aconte-

ceu às fotografias de Jaime Cortesão e Joaquim Paço d’Arcos.

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92 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de notícias. 23-V-1965, p. 8.

O caso do Prémio de Novelística

A repercussão na Província de Angola

da decisão do Ministério da Educação Nacional

LUANDA, 22 – Foi com um sentimento de vibrante satisfação que a opi-

nião pública de Angola tomou conhecimento, de manhã, através da leitura

dos matutinos, da decisão do ministro da Educação Nacional de extinguir a

Sociedade de Escritores, dita portuguesa, cuja atitude, no caso da atribuição

do Prémio de Novelística ao terrorista Mateus Graça, provocou em Angola a

mais viva repulsa.

Durante o dia afluíram às redacções, sobretudo às do «Diário de Luanda»

e de «O Comércio», numerosos telegramas de toda a província, de pessoas

dos mais variados sectores do pensamento, da cultura e das etnias, mas todas

sentindo do mesmo modo o insulto cometido contra a cultura nacional, pois a

obra premiada, além do sentido claramente comunizante exposto através da

consabida tese da revolta social das classes menos protegidas, constitui um

verdadeiro atentado contra a língua portuguesa, que é acintosamente cons-

purcada e deformada.

Não obstante, foi publicamente apresentada por pretensos críticos, clara-

mente filocomunistas, como marcando «o nascimento de uma nova língua».

Um grupo de homens de letras, residentes ou nascidos em Angola, entre

os quais alguns nomes de prestígio dentro e fora do País, galardoados com

prémios literários provinciais, nacionais e estrangeiros, manifestaram já,

junto das entidades competentes, a sua repulsa, que vão transmitir ao Gover-

no, numa mensagem telegráfica.

Vigoroso artigo de «O Comércio», de Luanda,

acusando os responsáveis pela atribuição do prémio

As repercussões da oportuna medida governamental começaram já a sur-

gir. Com grande destaque, o jornal «O Comércio» escreve:

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Diário de notícias | 93

«Houve manobra. Tudo denuncia a sua existência. Mas falhou. Pois que

tinha na base uma deformação cavilosa, tão evidente que contra ela se mani-

festaram intelectuais de reconhecida posição anti-situacionista, mas realmen-

te portugueses acima de tudo.

É de admitir que o verdadeiro protagonista não seja José Vieira Mateus

da Graça. O protagonista e, tanto quanto se supõe, o “juri” – estranho juri

nomeado pela Sociedade Portuguesa de Escritores em que parece terem as-

sentado arraiais sombrios elementos dispostos a ferir tanto quanto possível a

cultura portuguesa, e através dela a causa da sobrevivência nacional, pela

qual se trabalha, se luta, se sofre e se morre em Angola. A triste personagem

condenada por delitos confessados apenas serviu talvez de pedra, de simples

peão do xadrez de sectários, que não recuam diante de nenhum processo para

expandir o seu rancor e, no fundo, a sua traição em potencial. Lentamente, a

pedra foi movida no plano singelamente regional para aparecer em plano

nacional. Uma vez aí, tratou-se de a lançar numa jogada que tinha o fim de

criar, lá fora, atmosfera propícia a mais campanhas antiportuguesas.

Pode o presidente da extinta Sociedade de Escritores (que se dizia portu-

guesa) alegar desconhecimento da verdadeira identidade do autor da brochu-

ra apresentada ao precário juri. Não iríamos ao ponto de desmentir um ho-

mem que, por sua posição de professor catedrático – com graves e pesados

deveres – tem de manter o culto da verdade, seja ela qual for, e por mais que

lhe provoque sabor a cinza… No entanto, não poremos de parte a hipótese de

existir ao seu redor, neste caso, uma teia perversamente emaranhada, para se

atingir um objectivo criminoso e poder, no fim, lavar as mãos, declinar as

responsabilidades e formular hipócritas desculpas…»

A Sociedade – forja de cúmplices de traidores à Pátria, em convivência

para alimentar no estrangeiro a sórdida campanha contra Portugal

«Os dirigentes da Sociedade foram ludibriados? – prossegue o articulis-

ta –. Poderíamos supô-lo ante a rápida série de demissões, de um vogal da

direcção e do próprio presidente da assembleia geral. E não parece que te-

nham outro significado – além do natural protesto e da irreprimível repulsa –

as outras exonerações que se seguiram. Desta forma, a Sociedade de Escrito-

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94 | A rep(r)e(rcu)ssão política

res (dita portuguesa) estava num perigo sério, apontada pela opinião pública

nacional como forja de cúmplices, explícitos ou implícitos, de traidores à

Pátria, em conivência directa ou indirecta, num conluio para alimentar lá fora

a sórdida campanha contra Portugal.

Se explorarem o argumento da ignorância e da inconsciência, apenas te-

remos de retorquir: Quem padece de tal ignorância e de tamanha irresponsa-

bilidade não pode ocupar posições de tanto melindre, não tem categoria re-

presentativa, não deve estar em posições chaves. O juri, eis o protagonista

central desta peça triste, mal montada, embora arteiramente congeminada. A

questão poderia ficar por aqui, se não tivesse, como tem, implicações que

transcendem os indivíduos.

A afronta foi cometida. O facto foi praticado. O intuito está diante dos

olhos de quem queira vê-lo. Não há expedientes suficientemente ardilosos

que possam mascarar o que tão rápida e gritantemente se percebeu. A Funda-

ção Gulbenkian, a todos os títulos respeitável, já tomou atitude. Não apenas a

de lavar as mãos, o que seria plausível e simples. Vai mais longe, denuncian-

do que tomará medidas para, de futuro, evitar que os seus dinheiros sirvam

para desvios… E a Fundação tem motivos, já averiguados de certo, para vir a

público fazer esta afirmação. Até por esse lado – se mais arestas não houves-

se – a Sociedade de Escritores, portuguesa ao que se dizia, estava em causa

de maneira aflitiva. De qualquer modo, tem de prestar contas. E desde já se

observa que elas não são apresentáveis sem apresentar desvio quanto ao espí-

rito do patrocínio concedido pela Fundação Gulbenkian. A gravidade deste

facto não pode ser dissimulada.

O Governo, pelo Ministério da Educação, deliberou e aplicou a delibera-

ção. Aguardemos agora o resto, porque tem de haver necessariamente um

resto: A pública e completa desafronta devida não apenas a nós, os de Ango-

la, civis e militares, mas a todos os portugueses dignos da sua condição.

Quantos [sic] aos mabecos da estranja – que já erguiam uivos ante a falsa

carniça que os seus cúmplices lhe serviram – têm de reconhecer que, mais

uma vez, uivaram à Lua… Podem estar certos – eles e os seus lacaios (por-

que os há) – de que nós em Angola sabemos como domar animais dessa es-

pécie. Já o demonstrámos. Voltaremos a demonstrá-lo se necessário». – (ANI

e L.)

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Diário de notícias | 95

Os intelectuais de Angola dirigiram um telegrama ao Presidente do

Conselho, de apoio ao Governo pela extinção da Sociedade de Escritores

LUANDA, 22 – Foi enviado ao Presidente do Conselho o seguinte tele-

grama:

«Um grupo de homens de letras de Angola, galardoados com prémios li-

terários provinciais, nacionais ou estrangeiros, apoiam calorosamente a atitu-

de do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores, dita portuguesa, como

responsável por grave afronta cometida contra a cultura portuguesa, atribuin-

do o Prémio de Novelística a uma obra que consideram absolutamente infe-

rior, tanto na sua temática, como na efabulação. Além disso, ultraja delibera-

damente o sagrado património da língua portuguesa, não se podendo igual-

mente esquecer as visíveis intenções políticas da sobredita obra, cujo autor

foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que, desde 1961,

ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos

cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Altamira, Agnelo de

Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Martinho de Castro, Antó-

nio Pires, Almeida Santos, Lagrifa Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota,

Horácio Silva e Ferreira da Costa». – (L).

Reacção dos jornais de Lourenço Marques

LOURENÇO MARQUES, 22 – O caso da Sociedade Portuguesa de Es-

critores foi hoje referido na Imprensa desta cidade. O «Diário», em nota da

Redacção, pediu que se investigue se há alguém na Sociedade de Escritores

que deva ir fazer companhia ao escritor Mateus Graça. E afirma:

«Dizemos isto, em memória dos portugueses assassinados nas mais horrí-

veis condições; dizemo-lo, em nome dos portugueses que cá e lá continuam

todos os dias o combate instigado por toda a espécie de Mateus de dentro e

de fora. Impõe-se às autoridades um rigoroso inquérito sobre o lamentável

caso, porque é também benevolência e brandura de tratamento certas atitudes

ditas “intelectuais”, em que se gera o vírus causador do pesado tributo de

sangue e vidas que pagaram e estão pagando muitos dos nossos irmão[s]».

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96 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«O Notícias», sob o título «Lamentável e infeliz», teve considerações so-

bre o assunto e escreve, a certa altura[:]

«Estranhamos que [a] um terrorista confesso, cumprindo pena de prisão,

tivesse sido possível apresentar-se a um concurso literário de projecção e

nível nacionais como aquele. Aí, e unicamente aí, é que nos parece estar a

raiz do problema. Quanto ao resto, com toda a especulação justa e injusta que

à sua volta se faça, todas as explicações e justificações que a propósito sur-

jam, jamais esquecerá o incidente profundamente infeliz, profunda e lamen-

tavelmente infeliz». – (ANI).

As demissões apresentadas por membros

da Sociedade de Escritores

Ao sr. ministro da Educação Nacional foi enviado o seguinte telegrama:

«Venho avisar V. Ex.ª de que pedi ontem à Emissora Nacional que desse

a notícia da minha demissão da Sociedade Portuguesa de Escritores, notícia

que de facto não foi dada. – Artur Lambert da Fonseca.»

Mantém-se o movimento de protesto pela decisão tomada

pelo juri responsável pela atribuição do prémio

Na Presidência do Conselho e nos gabinetes dos srs. ministros do Ultra-

mar, do Exército e da Educação Nacional continuaram a ser recebidos ontem

numerosíssimos telegramas e outras missivas de protesto pela decisão do juri

da Sociedade Portuguesa de Escritores de atribuir o prémio de literatura no-

velística a um indivíduo condenado criminalmente a catorze anos de prisão

maior por actividades de terrorismo na província de Angola.

De entre os referidos telegramas, salientamos o seguinte:

«O Instituto de Angola, reunido em sessão extraordinária da sua direção,

tendo tomado conhecimento de que a Sociedade Portuguesa de Escritores

resolveu galardoar uma obra publicada por um criminoso condenado a cator-

ze anos de prisão, de nome José Vieira Mateus Graça, autor de actividades

terroristas que tantos milhares de vítimas causaram à Nação, protesta com a

maior indignação contra a leviandade com que aquele organismo procedeu

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Diário de notícias | 97

premiando um indivíduo que não passa de ruim traidor à Pátria e que indig-

namente correspondeu à instrução e evolução que Angola lhe facultou.»

Dos muitos telegramas ainda chegados ontem ao gabinete do sr. ministro

do Exército deve acentuar-se o facto de advirem, na quase totalidade, de

elementos militares que estiveram a cumprir serviço em defesa da Pátria nas

províncias de Angola e da Guiné e que, combatendo assim no campo de

batalha, pelas armas, os inimigos de Portugal, não puderam deixar de expri-

mir a sua repulsa pela decisão de distinguir de qualquer modo e seja a que

título for quem mereceu condenação, exactamente por ter pactuado com

esses inimigos do País e criminosos que deram morte horrorosa a muitas

centenas de compatriotas indefesos.

Telegrama do Ministro do Interior ao seu colega da Educação

Da Régua, o sr. dr. Santos Júnior, ministro do Interior, enviou ao seu co-

lega da Educação Nacional o seguinte telegrama:

«Com minha inteira solidariedade firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª

despacho publicado manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escrito-

res.»

Remetido para a folha oficial o despacho

do Ministro da Educação Nacional

O despacho do titular da pasta da Educação Nacional, a determinar a ex-

tinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, foi remetido para a Imprensa

Nacional, para publicação no «Diário do Governo», em correspondência com

a norma legal de aprovação, em Setembro de 1956, dos estatutos da referida

Sociedade. Entretanto, a letra do mesmo despacho foi transmitida pelo gabi-

nete à Inspecção do Ensino Particular, departamento ao qual competem os

assuntos respeitantes a associações culturais particulares, para ser comunica-

do aos corpos gerentes da instituição.

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98 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de notícias. 25-V-1965, p. 7.

A propósito do Prémio de Novelística

Entendem os meios intelectuais de Angola a necessidade de

guarnecer a «trincheira» da cultura portuguesa e defendê-

-la das infiltrações do inimigo

LUANDA, 24 – Os meios intelectuais de Angola entendem que o episó-

dio registado com o juri da Sociedade de Escritores revela a necessidade

imprescindível de guarnecer e defender a «trincheira» da cultura portuguesa,

mormente nos sectores de maior contacto com as massas populares. Enten-

de-se que esse baluarte não pode estar à mercê de infiltrações do inimigo ou

dos traidores, quer se trate de jornais, emissoras, editoras, importadoras e

distribuidoras de livros e publicações.

Focando o assunto, «O Comércio» insere um editorial sob o título «Trin-

cheira Abandonada», no qual, depois de ponderar pormenorizadamente os

aspetos da grande batalha entre a civilização ocidental e o marxismo, afirma:

«Não escapámos, nós, portugueses, a sermos envolvidos nessa batalha. E

não havia como escapar, uma vez que a península hispânica é posição-chave

da velha Europa e a nossa contextura de nação pluricontinental faz-nos no

presente em dilatadas partes do globo.

Por isso, nas fronteiras da Guiné, como nas de Angola ou Moçambique,

nos batemos também contra as hordas aliadas do marxismo internacional,

empunhando armas indiferentemente enviadas da Rússia, da Checoslováquia,

da China ou da Argélia. Isto não é mera imagem literária, porque está larga-

mente comprovado nos arsenais capturados ao inimigo.»

Mais adiante, depois de analisar os aspectos da infiltração comunista e o

esforço nacional para manter invioláveis as nossas fronteiras, o articulista

pergunta: «Mas fizemos quanto devíamos? Consolidámos convenientemente

todas as posições? Guarnecemos devidamente todas as trincheiras?

Factos bem recentes provam bem que não! Combatemos, peito aberto, o

inimigo de armas na mão. Cuidamos de que ele não nos surpreenda na reta-

guarda. Vigiamos estreitamente as fronteiras terrestres, marítimas, fluviais e

aéreas. Mas deixámos-lhe, lamentavelmente, aberta a trincheira da subversão

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Diário de notícias | 99

dos espíritos com a máxima amplitude em todas as camadas do pensamento e

da opinião.»

A terminar e depois de analisar as possíveis causas dessa infiltração, afir-

ma: «Pois bem: cremos chegado o momento de operar abertamente a recupe-

ração dessa tão valiosa trincheira! Tal como nos combates de armas na mão,

nenhuma posição está definitivamente perdida, enquanto restarem as possibi-

lidades de rectificação dos movimentos e se dispuser de forças capazes de as

levarem a cabo. Para isso, não basta expurgar de umas quantas pretensas

“Páginas Literárias” os fermentos vivos da subversão, quer se apresentem

com os verdadeiros nomes, quer ocultos sob disfarce ou pseudónimos. Há

que ir mais além, contrapondo-lhes a divulgação insistente dos valores posi-

tivos da cultura portuguesa – e não só do passado e não só aqueles que uma

errada política contemporizadora tem permitido que se atirem para a pratelei-

ra como ultrapassados – mas também com uma colaboração activa de valores

actuais e de novos valores. Há uma importante trincheira que deixámos cair

em poder do adversário, apenas porque a abandonámos – por comodismo,

por desinteresse, até mesmo só para não pareceremos reaccionários e para

querermos dar a impressão de progressistas – factos recentíssimos, cuja gra-

vidade ninguém ousará minimizar, demonstram de modo concludente a im-

portância dessa trincheira, que tão levianamente abandonámos.

Reconquistemo-la, pois!» – (L.)

Telegramas de protesto contra a atitude

da extinta Sociedade de Escritores

Continua[m] a ser em número elevado os telegramas, cartões e outras

missivas chegadas à Presidência do Conselho e aos gabinetes dos ministros

do Ultramar, do Exército e da Educação Nacional, enviados por pessoas das

mais diversas representações e categorias sociais, de protesto contra a deci-

são do juri da Sociedade Portuguesa de Escritores pela concessão do prémio

da literatura novelística a um indivíduo condenado criminalmente por activi-

dades de terrorismo na província de Angola, e simultaneamente de inteiro

apoio ao despacho ministerial que determinou a extinção da referida Socie-

dade.

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100 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Quanto aos telegramas recebidos no Ministério do Exército, os seus sig-

natários são, em grande parte, militares de todas as patentes que estiveram

em comissão de serviço no Ultramar e de famílias de outros que ali perderam

a vida em campanha na luta contra os terroristas.

Entre as mensagens de aplauso dirigidas ao sr. prof. Galvão Teles, titular

da pasta da Educação Nacional, pelo seu despacho, registamos hoje os [sic]

dos srs. presidente da Câmara Municipal de Lisboa; deputados Gonçalves

Rodrigues, José Alberto de Carvalho, António Santos da Cunha e Baptista

Felgueiras; governadores civis de Aveiro e de Braga; vice-reitor da Universi-

dade de Lisboa; governador e administradores do Banco de Fomento; direc-

ção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal; embaixadores José

Nosoloni e Xara Brasil; profs. drs. Gustavo Cordeiro Ramos, Joaquim Silva

Godinho e Rios de Sousa; presidente da Comissão Regional de Turismo de

Leiria; Agência de Lisboa da Liga dos Combatentes, delegação do Movimen-

to Nacional Feminino de Viseu, Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Gradua-

dos da M.P., Casa da Mocidade da Covilhã e Grémio da Lavoura de Alcácer

do Sal; comissário nacional da M.P.; reitores dos liceus da Póvoa de Varzim,

de Setúbal e de Viseu; padre José Gonçalves, de Beja; escritores Rodrigues

Cavalheiro, Henrique António Pereira, Goulart Nogueira, Luís Nozes Tava-

res, Aníbal José e Manuela Reis; César Augusto e Manuel Lereno, em nome

do Grupo de Teatro Gil Vicente; padre Ferreira da Silva, em nome da Con-

gregação dos Irmãos Maristas de que é provincial; direcções do Externato

Paiva Couceiro, de Mira de Aire, do Colégio de Estarreja, da Escola Acadé-

mica, do Colégio de S. Francisco de Assis e da Escola Asilo de S. Pedro de

Alcântara; professores do ensino primário dos concelhos de Belmonte, de

Castelo Branco, de Castro de Aire, do Fundão, de Idanha-a-Nova, de Oleiros,

de Pampilhosa da Serra, de Proença-a-Nova, da Sertã e de Vila de Rei; pro-

fessores e alunos da Escola do Magistério Primário de Évora; presidentes dos

Municípios de Águeda, Albufeira, Aveiro, Anadia, Arouca, Albergaria-a-

-Velha, Vila do Conde, S. Pedro do Sul, Baião, Viseu, Vale de Cambra, Mur-

tosa, Nisa, Ovar, Espinho, Ílhavo, Fundão, S. João da Madeira, Oliveira do

Bairro, Vagos, Sever do Vouga, Castelo de Paiva, Oliveira de Azeméis, Fei-

ra, Estarreja e Mealhada; revista «Itinerários», jornal «Combate», professores

catedráticos, oficiais dos três ramos das Forças Armadas, magistrados, etc.

Muitos estudantes dirigiram, também, telegramas de aplauso ao ministro

Galvão Teles, nomeadamente o presidente da Associação de Estudantes de

Medicina Veterinária, em nome da colectividade; o secretário-geral da Acção

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Diário de notícias | 101

Académica, em nome dos filiados do patriótico movimento estudantil; e um

numeroso grupo de estudantes universitários de Coimbra, a manifestarem a

«sua profunda indignação pela torpe manobra política que constituiu a atri-

buição de um prémio a um terrorista angolano».

O protesto dos homens de letras de Angola

Um dos muitos telegramas recebidos na Presidência do Conselho:

«Grupo homens letras Angola galardoados prémios provinciais nacionais

estrangeiros apoia calorosamente atitude Governo extinguindo Sociedade

Escritores dita portuguesa como responsável grave afronta cometida contra

cultura portuguesa atribuindo prémio novelística obra “Lunanda” [sic] que

consideram absolutamente inferior tanto sua temática como efabulação além

disso ultraja deliberadamente sagrado património língua portuguesa não

podendo igualmente esquecer visíveis intenções políticas sobredita obra cujo

autor foi condenado por graves responsabilidades terrorismo que desde 1961

ensanguenta Angola enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos

cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriello Altamira, Agnelo Oli-

veira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitella [sic] Lima, Martinho Castro, Antó-

nio Pires, Almeida Santos, Lagrifa Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota,

Horácio Silva e Ferreira da Costa».

Um telegrama do presidente da Fundação Gulbenkian

ao governador-geral de Angola

LUANDA, 24 – O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian dirigiu

ao governador-geral de Angola o seguinte telegrama:

«Tenho a honra de informar V. Ex.ª que a Fundação Calouste Gulbenkian

não tem qualquer intervenção na constituição dos juris que atribuem os pré-

mios literários da Sociedade dos Escritores Portugueses, nem nas suas reso-

luções que só conhece depois de definitivamente tomadas e publicadas. A

Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmen-

te constituída para o efeito de exercer um dos seus fins estatutários. Afirmo

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102 | A rep(r)e(rcu)ssão política

mais uma vez a V. Ex.ª a minha repulsa pelos actos de terrorismo praticados

nessa província e a minha inteira solidariedade moral com as suas vítimas.

Respeitosos cumprimentos. – Azeredo Perdigão.» – (L.)

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Diário de notícias | 103

Diário de notícias. 26-V-1965, p. 11.

De todo o Portugal continuam a chegar telegramas

manifestando a maior repulsa pela atitude

da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores

Na Presidência do Conselho e nos Ministérios da Educação Nacional, do

Interior e do Ultramar continuam a ser recebidos telegramas e cartas expri-

mindo repulsa e desgosto – e exigindo muitos deles ainda exemplar castigo –

pela atitude de um juri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, atri-

buindo um prémio literário a um indivíduo preso e condenado a 14 anos de

cadeia por actividade terrorista em Angola.

Entre os telegramas recebidos contam-se os dos presidentes da[s] Câma-

ra[s] Municipais de Guimarães, de Torres Vedras, de Oliveira do Hospital, de

Vila do Conde e de Esposende, da escritora Odette de Saint-Maurice, da

comissão da União Nacional do concelho da Feira e de Esposende, do Gré-

mio da Lavoura de Arcos de Valdevez, dos comandantes distritais da Legião

Portuguesa do Porto e de Aveiro, dos oficiais e graduados da Legião Portu-

guesa de Aveiro, do tenente-coronel Abílio Ferro, da Junta Municipal de

Monchique, da Causa Monárquica e da Junta Distrital de Faro.

Por sua vez a direcção da L.A.G.M.P., num vigoroso telegrama afirma:

«Liga Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa participa viva repulsa

nacional actividades antipatrióticas Sociedade Escritores e lamenta perda

vigor institucional política nacionalista tenha permitido a um traidor benefi-

ciar sucessivos prémios pseudo literários após seu vil comportamento terras

portuguesas de África. Em nome camaradas caídos defesa de Angola e dos

que servem e se aprestam para servir nas províncias ultramarinas o ideal

lusíada de um humanismo cristão e redentor com o maior empenho solicita-

mos indispensável revigoramento doutrinário e urgente revitalização das

estruturas político-sociais criadas Revolução Nacional.»

Abel Condesso, um oficial de Caçadores, enviou o seguinte telegrama:

«Com autoridade que me dá ter ombreado em Angola com aqueles que ali

vertem seu sangue em defesa sagrado solo pátrio, reclamo V. Ex.ª exemplar

punição cobardes traidores Sociedade Antiportuguesa Escritores.»

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104 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Impressionante[s] também os telegramas dos srs. Manuel Francisco Mar-

tins e capitão Henrique Tomé. Diz o primeiro: «Pai furriel Manuel Francisco

Martins, morto pelos terroristas combate Angola, também pai furriel António

Martins actualmente combatendo Angola apoia com fervor nobre única ati-

tude Governo dissolvendo Sociedade Escritores.»

Em seguida lê-se: «Pai combatente aviador Angola apresenta V. Ex.ª pro-

testos máxima repulsa procedimento vergonhoso Sociedade Escritores, clas-

sifica criminoso.»

Telegrama do governador do Banco de Angola

Ao sr. ministro do Ultramar enviou o governador do Banco de Angola,

Carlos Moreira Rato, o seguinte telegrama:

«Ao chegar Luanda tomei conhecimento indigna atitude Sociedade Por-

tuguesa Escritores desejando manifestar imediatamente Vossa Excelência

inteiro caloroso apoio posição tomada Governo Nação através despacho sr.

ministro Educação Nacional que traduziu mais viva repulsa todos portugue-

ses perante inqualificável agravo memória quantos tombaram defesa da Pá-

tria ofendendo profundamente sentimento nacional. Respeitosos cumprimen-

tos.»

Moçambique protesta contra a afronta

LOURENÇO MARQUES, 25 – A Imprensa de Lourenço Marques conti-

nua a referir-se ao caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, trans-

crevendo os discursos ontem proferidos na sessão do Conselho Económico e

Social da Província, «condenando a desonrosa atitude», e que terminou com

um telegrama enviado ao ministro do Ultramar pelo governador-geral, gene-

ral Costa Almeida, cujo texto é o seguinte:

«Tenho a honra de transmitir o seguinte: o Conselho Económico e Social

na reunião de hoje decidiu levar até Vossa Excelência seu unânime sentir de

repulsa e de indignação pela atitude tomada pela Sociedade de Escritores que

representa uma afronta a todos os portugueses. Melhores e mais respeitosos

cumprimentos.»

Por seu turno, os deputados por Moçambique, dizem:

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Diário de notícias | 105

«Deputados Moçambique residentes presentemente nesta província solici-

tam a V. Ex.ª seja legítimo intérprete seus sentimentos veemente repulsa

junto Senhor Presidente do Conselho contra atribuição prémio literário pela

Sociedade dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e traidor angolano Ma-

teus Graça. Melhores cumprimentos. – Custódia Lopes, Fernando Frade,

Manuel João Correia, Videira Pires.»

E a Comissão Provincial do M.N.F. declara:

«Comissão Provincial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique

com autoridade de ter sempre cumprido seu lema por Deus e pela Pátria

apoiando com maior solicitude moral soldados Portugal expressa V. Ex.ª a

mais sentida repulsa prémio concedido terrorista condenado hediondo crime

Angola consideramos mais um acto contra alta moral com que portugueses

defendem Pátria e futuro Nação.»

Foi ontem publicado no «Diário do Governo» o despacho

que extinguiu a Sociedade Portuguesa de Escritores

Na terceira série do «Diário do Governo» de ontem vem publicado o des-

pacho do ministro da Educação Nacional que declara extinta, nos termos do

artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a Sociedade

Portuguesa de Escritores, com sede em Lisboa.

Uma nota do Governo-Geral de Angola

LUANDA, 25 – Acaba de ser recebida pela Imprensa de Luanda a se-

guinte nota oficiosa do gabinete do Governador-Geral de Angola:

«1.º – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o

caso da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade de Escritores.

2.º – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimen-

tos, alguns ocorridos na província em épocas de administrações sucessivas

cujas inter-relações importa ao bem público detectar e esclarecer.

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106 | A rep(r)e(rcu)ssão política

3.º – Assim o entendendo desde início o Governo-Geral determinou,

oportunamente, ao serviço competente, uma averiguação completa de assun-

to tão grave». – (L.)

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Diário de notícias | 107

Diário de notícias. Lisboa. 27-V-1965, pp. 1 e 5

Divulgada a sentença que condenou Luandino Vieira

a catorze anos de prisão

Provou-se que o réu pretendia fazer explodir bombas de

plástico em Luanda para aterrorizar a população civil e que

queria separar da Metrópole a Província de Angola

LUANDA, 26 – José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de

Luandino Vieira, e a quem um juri da extinta Sociedade Portuguesa de Escri-

tores atribuiu um prémio literário, era membro da organização terrorista de-

nominada Movimento Popular de Libertação de Angola – ou M.P.L.A. – e,

entre outros crimes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital

da província, com o objectivo de atingir a população civil.

A sentença do julgamento a que foi submetido – proferida por unanimi-

dade em 22 de Julho de 1963 – revela também que o Luandino Vieira tinha

em vista separar Angola da Mãe-Pátria.

O José Vieira Mateus da Graça foi julgado juntamente com dois outros

indivíduos, todos acusados de haverem cometido em comparticipação (10.ª

agravante do artigo 34.º do Código Penal – «ter sido o crime cometido por

duas ou mais pessoas») o crime contra a segurança externa do Estado, previs-

to e punido pelo artigo 141.º, n.º 1, do referido Código Penal (artigo 141.º,

n.º 1 – «Intentar por qualquer meio violento ou fraudulento ou com o auxílio

estrangeiro, separar da Mãe-Pátria ou entregar a pais estrangeiro todo ou

parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou puser

em perigo a independência do País»).

A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação de-

duzida pelo digníssimo promotor de Justiça, tendo dado como provados os

crimes que a seguir se mencionam, pelos quais José Vieira Mateus da Graça

foi condenado a catorze anos de prisão maior e na suspensão de todos os

direitos políticos por tempo de oito anos, além das medidas de segurança de

internamento pelo período de seis meses a três anos.

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108 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Em 23 de Julho de 1959, foi o José Vieira Mateus da Graça detido por

distribuição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação

de Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em No-

vembro de 1961, tendo confessado que seguia as directrizes do M.P.L.A.,

movimento de que se considerava membro e com o qual se tinha comprome-

tido a enviar para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror

entre a população.

Aquele criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos

terroristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo se

desdobrou em actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo ínti-

mos contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do

M.P.L.A., residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma

emissora, editassem um jornal e enviassem bombas de plástico para aterrori-

zar a população.

Pretendeu então, em Agosto daquele ano de 1961, sair clandestinamente

para o estrangeiro a fim de ele próprio trazer para Angola as citadas bombas

de plástico.

Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi

impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião no aeroporto

das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para

Lisboa onde estabeleceu contacto com o estudante Costa Andrade com o fim

de partir clandestinamente do País, o que não conseguiu. Nos primeiros dias

de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália informando-o das

suas diligências quanto à pretendida saída clandestina e pondo-o ao corrente

da opinião dos dirigentes do M.P.L.A., que era a de, por enquanto, nenhuma

acção política ser desenvolvida por elementos brancos, em nome do «movi-

mento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a U.P.A. para forma-

ção de uma frente única, pelo que era necessário tomar precauções tendentes

a fazer abortar o boato, espalhado pela U.P.A., de que o M.P.L.A. era um

«movimento de colonos».

O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indiví-

duos, através de um primo seu, António Júlio dos Santos Carpinteiro [sic],

que se encontrava prestes a partir para Angola.

«Com todo este procedimento – diz a sentença proferida pelo tribunal de

Luanda – intentaram os réus, em comparticipação, separar da Mãe-Pátria a

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Diário de notícias | 109

província portuguesa de Angola, recorrendo a meios fraudulentos, ao auxílio

estrangeiro e procurando mesmo utilizar meios violentos».

Assinala-se ainda, no mesmo documento, que o José Vieira Mateus da

Graça enviou à África do Sul um dos réus com ele julgados a fim de estabe-

lecer contactos com um cuanhama de nome Nangenja, então a viver naquele

país, com vista a revoltar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961 ou seja na

ocasião mais aguda dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte

de Angola, os réus procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e

tomar a cidade de Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do

Exército que tão heròicamente se batiam na região do Congo.

O julgamento do José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois proce-

deu-se no decurso de seis audiências de acordo com as formalidades legais,

tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos.

O tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e de-

senvolvidas pelos réus, tendentes à consecução, por eles pretendida, da inde-

pendência desta província portuguesa de Angola, ou seja, da sua separação

ou desintegração da mãe-pátria, por meios violentos e fraudulentos, que só

não atingiram a fase final de execução, por razões independentes da vontade

dos réus e, sobretudo, por intervenção oportuna da Polícia Internacional».

A citada sentença refere ainda que «todos os réus, que mantinham entre si

relações de amizade, que vinham de longa data, e afinidades literárias e ideo-

lógicas, já tinham estado presos em 1959 e, a seguir, sublinha que «volvidos

apenas dois anos, depois de restituídos à liberdade, voltaram a ter activida-

des, com assiduidade e intensidade, nomeadamente por ocasião dos aconte-

cimentos anormais e trágicos de Fevereiro e Março de 1961».

O tribunal assinalou, depois, as atenuantes, tais como não terem os réus

antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem esti-

mado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam da prática

dos crimes que, aliás, conscientemente, praticaram; a espontânea confissão

dos factos e actividades incriminadas o que facilitou a descoberta do crime e

dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas.

Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o tribunal considerou

que as atenuantes neutralizaram a agravante militante contra os réus, pelo

que usaram de atenuação extraordinária do art.º 94, n.º 1 do Código Penal,

fazendo baixar a penalidade do art.º 55, n.º 1 de dois escalões, para se situar

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110 | A rep(r)e(rcu)ssão política

no n.º 3 do referido artigo. Assim, o José Vieira Mateus da Graça foi conde-

nado naquela pena de catorze anos de prisão maior.

*

Na Presidência do Conselho e nos ministérios do Ultramar e da Educação

Nacional, em Lisboa, continuam a ser recebidos telegramas protestando con-

tra a atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.

Entre eles contam-se os assinados pelas seguintes individualidades e enti-

dades: coronel Vitória, sargento Manuel António Nascimento, capitão Ramos

Boavida, major Sá Cardoso, Antero Nobre, José Pinto Oliveira, presidente da

Câmara Municipal de Guimarães, Teófilo da Cruz, Goulart Nogueira, César

Augusto e Manuel Sereno, presidente da Câmara [de] Cabeceiras de Basto,

coronel Pacheco, Solano de Almeida, Junta de Freguesia de Penalva de Alva,

Graça Reis, Centro Popular de Cultura de Leiria, Comissão Concelhia da

União Nacional de Coimbra, Eleutério Simões, António de Almeida Braga,

Manuel Paulo Ribeiro, professores, funcionários e alunos da Escola de Re-

gentes Agrícolas de Coimbra, dr. Gabriel Medeiros Galvão, Acção Católica

de Carregal do Sal, Junta Distrital de Faro, Comando Distrital de Bragança,

comandante de terço de Castelo Branco, comandante de lança Lobão Ferrei-

ra, Miguel Lopes, legionários do distrito de Viseu, comandante de lança José

Miguel, comandante de lança Normando, Rui Sacadura, Lança Dimas Fonse-

ca, oficiais de milícia, graduados e legionários de Vila Real, oficiais, gradua-

dos e legionários de Chaves, Daniel Castanheira, Matos Parreira, Ernesto

Antunes, Viriato Lima, José Boaventura, José Nobre, José Alexandre, José

Sebastião, Bernardino Nobre, José Luzia, Manuel Joaquim, pessoal, direcção

e agentes do ensino do distrito escolar de Guarda, oficiais, graduados e legi-

onários de Viana do Castelo; Augusto dos Santos; comandante, oficiais e

legionários do distrito de Braga, entre os quais figuram muitos ex-com-

batentes em Angola e na Guiné; comandante de terço, oficiais, milícia e legio-

nários de Barcelos, Carvalho Monteiro, Câmara Municipal de Vila do Conde,

Câmara Municipal de Barrancos, legionários de Vila Pouca de Aguiar, dele-

gado de Sabrosa e seus legionários. Também a Junta Distrital de Lisboa, na

reunião de ontem, presidida pelo sr. eng. Ribeiro Ferreira, manifestou o seu

protesto contra a forma como foi atribuído o prémio novelístico por um júri

da Sociedade Portuguesa de Escritores e apoiou inteiramente a atitude toma-

da pelo ministro da Educação Nacional ao extinguir aquela Sociedade.

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Diário de notícias | 111

Diário de notícias. 28-V-1965, p. 9.

Continuam a ser recebidos telegramas de repúdio pela atitude

da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores

Na Presidência do Conselho e nos Ministérios do Ultramar e da Educação

continuam a ser recebidos telegramas de repúdio pela atitude da extinta So-

ciedade Portuguesa de Escritores, entre os quais um do Governo-Geral de

Moçambique, cujo texto é o seguinte:

«Honra transmitir V. Ex.ª seguinte telegrama aprovado unanimidade:

Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão depois de co-

nhecida inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Portuguesa

de Escritores, atribuindo e mantendo prémio a terrorista responsável e como

tal condenado, em nome respeito nos merecem nossos mortos, em nome total

apoio damos nossos militares e como afirmação nossa perene vontade resistir

todas as formas envenenamento vontade nacional, apresenta V. Ex.ª seu total,

completo e indignado repúdio àquela atitude».

Entre outros, foram também recebidos os seguintes telegramas:

«Câmara Municipal Inhambane seu nome e no da população cidade mani-

festa V. Ex.ª sua repulsa e maior indignação pela inqualificável afronta atitu-

de Sociedade Escritores concedendo um prémio literário a um traidor conde-

nado como tal. Respeitosos cumprimentos – Município».

«Movimento Nacional Feminino Viseu lamenta atitude Sociedade Escri-

tores e renova o seu incondicional apoio Governo».

«Como macaense portanto português não posso deixar manifestar V. Ex.ª

mais viva repulsa indignação contra atribuição prémio terrorista tamanha

afronta todos portugueses qualquer cor tão abnegadamente defendem nossa

Pátria quer terras Ultramar quer Metrópole incondicional apoio Governo

oportuna extinção Sociedade Escritores. Respeitosos cumprimentos – Olivei-

ra Hagatong».

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112 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de notícias. 29-V-1965, p. 2.

Continuam os protestos pela atitude da extinta

Sociedade Portuguesa de Escritores

Em resposta a um telegrama do sr. dr. José de Azeredo Perdigão, enviado

em 21 do corrente e oportunamente publicado, foi ontem recebido na Funda-

ção Calouste Gulbenkian o seguinte telegrama do sr. governador-geral de

Angola:

«Doutor Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian,

Lisboa. Os elevados sentimentos que conduzem a prestimosa actividade da

Fundação Gulbenkian são obviamente incompatíveis com actos de terrorismo

de que foi vítima esta tão portuguesa província. Assim, a repulsa e a solida-

riedade tão prontamente agora manifestadas por V. Ex.ª vêm ao encontro do

alto lugar em que colocamos a Fundação. Aceite V. Ex.ª, com os melhores

cumprimentos, os votos de gratidão de Angola.»

O Senado Universitário de Lisboa manifesta a sua repulsa

O Senado da Universidade de Lisboa, em sessão de 28 do corrente, apro-

vou a seguinte moção:

«O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de

quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar, e asso-

cia-se à mensagem que o reitor da Universidade há dias tornou pública, de

fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sa-

grada defesa da integridade da Nação.

É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável

da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e

está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terroris-

mo e traição à Pátria – considera ser seu dever, como instituição portuguesa

com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente

repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na

comunidade nacional portuguesa».

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Diário de notícias | 113

Transcreve-se a seguir a mensagem do reitor Paulo Cunha, a que se faz

referência na moção, e foi dirigida ao reitor da Universidade de Coimbra, que

estava então em Luanda para assistir à homenagem prestada aos universitá-

rios de Coimbra caídos em Angola no campo da honra:

«Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na

tocante cerimónia de hoje em que, além de representado pelo professor Ama-

ro Monteiro, da minha Universidade, estarei plenamente presente em espíri-

to, curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte

infelizmente ceifou mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a

vida pelo supremo bem que é a Pátria.»

Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o

esclarecimento de que não puderam estar presentes, na sessão do Senado, os

professores Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada por todos

os restantes membros do Senado, com a ressalva de que o professor Germano

Sacarrão, comungando aliás no espírito patriótico da moção, não lhe deu,

todavia, o seu voto, por preferir outra formulação, que propôs ao Senado.

Mais telegramas recebidos na Presidência do Conselho

e no Ministério do Ultramar

A propósito da atribuição do prémio de novelística pela extinta Sociedade

Portuguesa de Escritores, continuam a ser recebidos telegramas de protesto

na Presidência do Conselho, entre os quais se destacam os assinados pelas

seguintes entidades: deputado Carlos Coelho; João Manuel Leite de Castro,

pelos dirigentes da Casa da Mocidade da Covilhã; Carlos Coelho, vi-

ce-presidente em exercício da Comissão Distrital da União Nacional de Cas-

telo Branco; comandante da Ala da Covilhã da Mocidade Portuguesa, Rui

Cavaca Marcos; comandante do Centro Escolar N.º 2 da Mocidade Portugue-

sa, Carlos Rosa Marques; Carlos Coelho, presidente da Comissão Regional

de Turismo da Serra da Estrela; Ranito Baltasar, pai de um militar em serviço

no Ultramar, e Paulo Rato Rainho, pelo Núcleo de Estudos Ultramarinos da

Covilhã.

Ao Ministério do Ultramar chegaram, entre outros, os telegramas do

sr. Manuel Toscano, pai da primeira vítima do terrorismo em Angola; Fer-

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114 | A rep(r)e(rcu)ssão política

nando Cruz Gomes, editor da revista «Trópico de Luanda», e Monteiro Cos-

ta, pelas comissões distrital e conselhias [sic] da União Nacional de Inham-

bane.

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1.2. No Diário da manhã

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Diário da manhã | 117

Diário da manhã. Lisboa, 20-V-1965, p. 3.

Os Prémios Literários da Sociedade Portuguesa de Escritores

O Prémio Camilo Castelo Branco, instituído pelo Grémio Nacional dos

Editores e Livreiros e patrocinado pela Sociedade Portuguesa de Escritores,

foi concedido à escritora Isabel da Nóbrega pela sua obra «Viver com ou-

tros» [sic].

O júri era constituído pelos escritores António Coimbra Martins, José Pal-

la e Carmo, José Régio, Mário Dionísio e Óscar Lopes.

O Grande Prémio de Novelística, galardão para a novela, foi atribuído por

maioria ao escritor Luandino Vieira pelo seu livro «Luanda».

Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade

Portuguesa de Escritores com o Patrocínio da Fundação Calouste Gulbenki-

an.

O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augus-

to Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca.

O Grande Prémio de Ensaio, foi atribuído por maioria ao escritor Arman-

do de Castro pelo seu livro «A Evolução Económica de Portugal – Séc. XII a

XV».

Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade

Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenki-

an.

O júri era constituído pelos escritores Augusto Saraiva, Castelo Branco

Chaves, José Cardoso Pires, Mário Sacramento e Teixeira da Mota.

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118 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 21-V-1965, p. 1.

Perante a traição

O caso é extremamente grave e parece-nos que não pode ficar em simples

manifestações verbais, que os culpados recebem com sorrisos de ironia. Ve-

jamos o que se passa.

A Sociedade Portuguesa de Escritores comunicou à Imprensa que, entre

os lauréis monetários que atribuíra, relativamente ao ano de 1964 – o Grande

Prémio de Novelística, o mais alto galardão para a novela portuguesa, foi

atribuído por maioria ao escritor Luandino Vieira pelo seu livro «Luanda».

E acrescentava: – Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído

pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação

Calouste Gulbenkian e concedido pela primeira vez, em 1963, a José Régio.

Finalmente: – O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro

Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel

da Fonseca.

No mesmo dia as agências noticiosas apressavam-se a comunicar para o

estrangeiro que um dos escritores distinguidos com as láureas da Sociedade

estaria a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia por actividades sub-

versivas. Esta notícia obrigou um informador oficial a dar conhecimento de

que se tratava de Luandino Vieira, pseudónimo de José Vieira Mateus da

Graça, condenado a 22 de Junho de 1963, num tribunal de Luanda, a cator-

ze anos de prisão, por crimes de terrorismo praticados na província de An-

gola e não por actividades subversivas.

Ninguém se admirará de que a actividade da Sociedade Portuguesa de Es-

critores se desenvolva em sentido contrário aos princípios fundamentais do

Estado, Tem sido mais do que evidente a sua inclinação para os sectores

caracterizados pelo fracciosismo vermelho. Não se ignora, por exemplo, o

cuidado com que foi premiado há dois anos um comunista homiziado em Pa-

ris; nem a distinção concedida em 1963 a um livro que na Imprensa comunis-

ta italiana se anunciava como tendo sido proibido cm Portugal (o que era

mentira). Mas, enfim, a Sociedade tinha existência permitida pelas autorida-

des e ninguém poderia estranhar que ela procedesse de acordo com as suas

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Diário da manhã | 119

tendências. Quem não procedia conformemente aos fundamentos da própria

existência eram as autoridades que consentiam.

Mas agora o desaforo foi além do concebível. O júri, que não será faccio-

so na sua totalidade, mas o é com certeza na sua maioria (como convém), deu

o prémio, não a um simples praticante de actividades subversivas, mas a um

réu condenado e cumprindo pena por crimes de terrorismo. Depois, veio a

pressa em comunicar o facto às agências noticiosas – para que ele fosse co-

nhecido e explorado no estrangeiro.

Desta forma

a) pretendeu glorificar, com escândalo antipatriótico, um criminoso reco-

nhecido e condenado pelo tribunal;

b) comprometeu ainda mais a Sociedade Portuguesa de Escritores, dei-

xando-a na situação gravíssima de ré perante o sangue português que o cri-

minoso fez derramar e perante o sangue que a juventude portuguesa genero-

samente oferece para defender a Nação de outros criminosos como o premia-

do;

c) ensombrou a generosa munificência de uma instituição benemérita, que

viu entregues ao criminoso traidor à Pátria o donativo destinado ao artista

não desonrado pelo mais feio dos procedimentos humanos.

O escândalo já fez levantar um clamor de protestos justificados. Em An-

gola, principalmente, onde está fresco ainda o sangue vertido pelas vítimas

dos terroristas, a indignação atinge alturas que bem se compreendem.

Nós estamos em guerra contra os que pretendem desintegrar a comunida-

de portuguesa e para isso têm tentado todos os meios, inclusivamente o terro-

rismo. Na defesa da vida e da integridade da Nação, não nos temos poupado

a sacrifícios. Há uma geração de rapazes a guarnecer, dia e noite, as nossas

fronteiras atacadas, não fugindo a trabalhos, a esforços, a perigos, ao derra-

mamento de sangue, e deixando por vezes algumas vidas imoladas pelas

metralhadoras dos terroristas. Há milhares de famílias, há um povo inteiro

com uma juventude heróica a bater-se. Se o que sucedeu com este caso da

Sociedade Portuguesa de Escritores só pode definir-se pela palavra traição,

pois é indispensável que os responsáveis dêem contas das suas más acções e

sejam impedidos de uma vez para sempre de abusar de boas vontades e com-

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120 | A rep(r)e(rcu)ssão política

placências para minarem a integridade da Nação e espalharem as sementes

da felonia.

É urgente que os culpados, sejam eles quem forem, apresentem as hipó-

critas explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade.

Exigem-no os mortos no campo da batalha. Exigem-nos as mães de luto e as

lágrimas das noivas e das irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação

quem o quer. Ainda esta vez vamos ficar de braços cruzados?

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Diário da manhã | 121

Diário da manhã. 21-V-1965, pp. 1 e 3.

Indignação e repulsa pelo facto incrível

LUANDA, 20 de Maio

Foi com uma atitude de desprezo que a população consciente de Angola

reagiu à notícia de que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuíra, em

Lisboa, o Grande Prémio de Novelística ao autor do livro «Luanda», José

Viera Mateus, que usa o pseudónimo de Luandino Vieira.

Trata-se de um criminoso confesso, que julgado num tribunal de Luanda,

foi condenado a 14 anos de prisão por actos de terrorismo. Este facto dispen-

sa comentários justificando a pronta reacção de Angola. Só o desprezo pode

substituir, entre gente civilizada, quaisquer outras atitudes não menos legíti-

mas e de carácter activo.

A Imprensa e a Rádio desta capital (com excepção de um único jornal, o

diário «ABC – Diário de Angola») não fizeram a mais pequena referência à

concessão insólita deste prémio. Apenas o silêncio. A mágoa, em muitos,

pela estranha inconsciência e incompreensão de individualidades da Metró-

pole que parece terem esquecido o ano trágico de 1961. Apenas o desprezo.

Esta a reacção digna dos portugueses de Angola. – L.

Quem nos está traindo? – pergunta o «Diário de Luanda»

LUANDA, 20 – Angola ficou espantada e indignada. Não compreende a

atitude da Sociedade dos Escritores Portugueses nem a posição do juri que

atribuiu o prémio de «novelística» deste ano nem com a finalidade que se

pretendeu alcançar com tão insólito procedimento. Premiou-se um responsá-

vel directo dos morticínios de mulheres e crianças e horrendas cenas de cani-

balismo. Foi isso o que o juri fez, partilhando de certa maneira da sangrenta

traição de um renegado odiento.

Com efeito o indivíduo que o juri preferiu é um fautor do terrorismo cri-

minoso e de algum modo responsável pelo assassinato de milhares de portu-

gueses de todas as etnias no Norte do Angola. Num tribunal militar, após

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122 | A rep(r)e(rcu)ssão política

demoradas audiências, ficou iniludivelmente demonstrada a culpabilidade do

indivíduo agora laureado pela Sociedade Portuguesa de Escritores. Este fac-

to, entre as gentes de Angola – na realidade preparadas para suportar as mais

chocantes incompreensões – não pode, mesmo assim, passar despercebido

sem que unânimemente se levantem protestos.

Por outro lado, os meios conhecidos por meios intelectuais de Angola,

conhecedores há dias, antes de se anunciar a decisão do juri, da suspeitosa

atribuição, contestam vivamente qualquer mérito da obra em causa. Não

obstante verificar-se, logo a seguir ao conhecimento da atribuição do galar-

dão, a mais completa e desdenhosa indiferença, o livro premiado jamais po-

derá, por qualquer forma, integrar-se em qualquer tipo de literatura, mesmo

pretensamente angolana. Dada a sua linguagem absurda destituída de qual-

quer significado literário, coloca a Sociedade Portuguesa de Escritores num

bêco sem saída cujos prejuízos para a cultura são de momento imprevisíveis.

Escrito na grafia da linguagem oral dos «muceques», desprezando quaisquer

regras de ortografia, quer do português quer de qualquer dos dialectos tradi-

cionais de Angola, a atribuição de um prémio nacional – com dinheiro da

Gulbenkian – a tal chocarrice não pode deixar de levar a supor que se está

em presença de um acto gratuito por parte de um juri tendencioso ou irres-

ponsável. Angola protesta, com mágua [sic] e repulsa. E algum desprezo

também. E a opinião pública responsável começou já a levantar a sua voz.

Esta tarde o «Diário de Luanda» em artigo de fundo subordinado ao título

«Que é isto?» «Quem nos está traindo?!», escreve:

– «Da Metrópole nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos.

Pois é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremen-

do que causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a

bater-se para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja

premiado em Portugal metropolitano como uma personalidade normal?»

O articulista lembra a seguir que o indivíduo em questão foi condenado a

14 anos de prisão por um tribunal de Luanda por crimes contra a Pátria, con-

tra a integridade de Portugal, contra a vida e segurança dos portugueses de

Angola.

– «Pois na Metrópole – prossegue o articulista – há uma entidade que se

considera de intelectuais, escritores e entrega-lhe 50 contos recebidos da

Fundação Gulbenkian!»

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Diário da manhã | 123

Já sabemos, já sabemos! Foi o juri… Mas que espécie de juri escolheu a

Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o

juri era dessa qualidade?

Ele não é um simples oposicionista

Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabili-

dades o «Luandino Vieira», José Vieira Mateus da Graça, não poderia sequer

assistir ao concurso.

Ele não é um oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos

jornais estrangeiros; é um traidor da Pátria.

Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido

colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorren-

tes.

Mas o juri sabia; e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades

que constituem o juri. E todavia escolheu este juri…

Cabe-lhe pelo menos essa responsabilidade. Cabe-lhe a responsabilidade

de haver aceite semelhante veredicto.

Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto – a decisão

do juri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o

prémio de «novelística» – devia provocar um movimento imediato de repulsa

e a anulação do concurso e a revisão do juri».

«Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal – pa-

decem trabalhos, fadigas e riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a

vida emolada [sic] no serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas

as raças e credos que no Ultramar vivem.

Pois bem! Estes soldados que em Angola se batem, pela nossa tranquili-

dade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um

juri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores.

Consente-se?! Fica válido e impune?! Aqui em Angola todos nos senti-

mos afrontados, tomados de indignação! É uma afronta! Afronta para os

nossos soldados! Afronta para todos os que em Angola permanecemos para

que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação.

Não vale a pena continuar a resistir se a traição nos apunhala pelas costas.

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124 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Que o pode fazer sem repressão nem sequer desaprovação. Por nossa parte,

como portugueses e angolanos protestamos, protestamos, protestamos!» – L.

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Diário da manhã | 125

Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

A Fundação Gulbenkian expõe a sua posição

O conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian torna pú-

blico:

1.º) Os Grandes Prémios de Poesia, Teatro, Novelística e Ensaio, da So-

ciedade Portuguesa de Escritores, foram por esta instituídos, com o patrocí-

nio da Fundação, em 1961;

2.º) A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa

ou indirecta, na constituição dos juris que atribuem os prémios e nas suas

resoluções;

3.º) Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente

tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e

executórias;

4.º) Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural por-

tuguesa legalmente constituída e em plena actividade, na realização de um

dos seus fins estatutários;

5.º) Do anteriormente exposto, resulta que a Fundação não tem qualquer

responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos pré-

mios;

6.º) Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a

propósito da atribuição, no ano corrente, de um dos ditos prémios, a Funda-

ção não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a

atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição

eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patro-

ciná-los.

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126 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

Não nos surpreende a notícia – escreve «O Comércio» de Angola

LUANDA, 21 – O jornal diário «O Comércio» publica um vigoroso edi-

torial sobre o prémio atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao

terrorista José Vieira Mateus Graça.

Escreve: – «Não nos surpreendeu a notícia relativa a certo livro preferido

por uns senhores da Sociedade de Escritores Portugueses. E não houve sur-

presa, porque dias antes do júri ter divulgado a sua decisão já esta aparecera

em público, de onde se concluirá, sem exorbitar que a habitual coincidência

mantida pelo júri foi, desta vez, considerada incómoda e posta de parte. Por-

quê? Para quê? Eis o primeiro ponto a anotar pois talvez contenha na essên-

cia a explicação do restante.

Houve ligações e entendimentos. E daí a divulgação do que em princípio

e segundo regra em concursos se deveria manter em sigilo. Eis um aspecto

curioso que deverá ser apreciado por quem pretenda destrinçar o assunto.

Depois temos a decisão do juri. Em primeiro lugar ele apreciou uma brochu-

ra firmada por alguém que utiliza o pseudónimo e não o seu verdadeiro no-

me: José Vieira Mateus Graça. Assim, o vulgo poderia supor que os respecti-

vos componentes do júri ignoravam a identidade do autor e procederam se-

gundo essa ignorância. No entanto, a questão é diferente. O nome exacto do

autor da obra apresentada deve ser mencionado há [sic] data do concurso. E

os membros do júri, por sua posição e suas responsabilidades, tinham neces-

sàriamente de saber que se tratava de um indivíduo integrado em actividades

contra a Nação Portuguesa e ainda responsável pelo hediondo massacre de

homens, mulheres e crianças, pretos, brancos e mestiços, cometidos cm An-

gola.

José Vieira Mateus Graça é pois um renegado, que além de renegado,

atraiçoou, que além de traição foi cúmplice directo e demonstrado de crimes

de genocídio pelos quais respondeu e foi condenado a 14 anos de prisão.

Qualquer confusão, parôla ou intencional, entre oposicionismo e traição à

Pátria Portuguesa, será diluída por quem possua dois dedos de senso comum.

Os oposicionistas honrados não exprimem e não querem aceitar que desta

forma cavilosa se pretende insinuar que a oposição é sinónimo de traição.

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Diário da manhã | 127

Temos visto autores claramente não situacionistas premiados, distingui-

dos, por situacionistas e ninguém fez reparos. Não havia que fazê-los. Trata-

va-se, trata-se de portugueses, que discordando embora do regime ou de

algum dos seus processos, mantêm honestamente, inflexivelmente, a fideli-

dade a Portugal, ao sangue que lhes corre nas veias, e à linguagem que os

situa entre os intelectuais do Mundo culto.

José Vieira Mateus Graça não é homem da oposição. É traidor confesso,

implicado nos horrendos crimes cometidos em Angola. Só não distinguirá as

diferenças, quem quiser ignorá-las. E é aqui que surge inevitavelmente a

pergunta: Em que cilada perversa caiu o júri da Sociedade Portuguesa de

Escritores, ou uma parte dos indivíduos que o constituíram?

A tese da ignorância não é aceitável

A tese da ignorância não é aceitável. A da confusão apenas inspirará des-

denhoso cepticismo de quantos, oposicionistas ou não, situam Portugal acima

das divergências circunstanciais. Foi essa confusão realmente que se preten-

deu estabelecer desde começo e na qual ainda caíram alguns ingénuos ou

sectários irreflectidos. Mas depressa se destece a teia e os campos ficaram

delimitados. O júri perdido em cisma literário não conhecia isto?»

O articulista prossegue: – «Não avaliaram sequer o significado que pode-

rá ser atribuído ao seu insólito gesto? São interrogações que certamente

hão-de obter resposta no âmbito adequado, porque tudo isto salta para fora,

muito para além dos temas puramente literários. Há na Sociedade de Escrito-

res Portugueses professores catedráticos, altos funcionários, personalidades

de relevo da vida pública nacional. São portugueses e, por conseguinte, com

deveres elementares ante a Pátria, a sua cultura, o seu prestígio no Mundo, a

sua defesa a quem tente lá fora, ou cá dentro, feri-la e amesquinhá-la».

E o editorialista concluiu:

«Resta um ponto: O júri decidiu por maioria. Houve, pois, quem recalci-

trasse, quem discordasse, quem quisesse contrariar o que viria a ser anuncia-

do com gáudio estranho e com inusitada antecipação. Sobre esse júri cai

hoje, de maneira muito especial, a dúvida de todos nós os que trabalham e

lutam em Angola. Até que ponto teve noção para ungir quem desferiu golpes,

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128 | A rep(r)e(rcu)ssão política

traiçoeiros e sangrentos, contra os portugueses de Angola e contra a integri-

dade nacional? Até que ponto procedeu consciente de que se manchava tam-

bém de sangue e de dor?

Nós sabemos, porque muitas vezes tem sido dito que existe um terrorismo

na retaguarda. Deveremos entender que o júri, em parte pelo menos lhe per-

tence? Acolhemos o caso com a viva repulsa que ele merece. E aos estrangei-

ros que por maldade ou parvoíce não hesitem em tragar a verdade impingida

com propósitos já conhecidos apenas diremos: Não, esse sujeito não é um

português discordante do regime, é apenas um traidor. Fautor de crimes san-

grentos. E o júri que praticou o deslize grave de premiá-lo demonstrou, pelo

menos, irresponsabilidade.

Se mais intuitos houve é questão a esclarecer. Porque tem de ser es-

clarecida. Reclama-o a memória dos nossos mortos, esse milhar de inocentes

trucidados pela sanha feroz de bandos alucinados. Reclama-o a memória dos

militares que já caíram pela Pátria. Reclama-o quantos continuam aqui a

combater e a labutar. Exige-o a própria consciência nacional.

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Diário da manhã | 129

Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

O protesto da Associação dos Naturais de Angola

LUANDA, 21 – Reuniu hoje extraordinàriamente a direcção da Associa-

ção dos Naturais de Angola, que, perante a insólita atitude da Sociedade

Portuguesa de Escritores ao atribuir o prémio literário de «Novelística» a

José Vieira Mateus, terrorista condenado por um tribunal de Luanda a 14

anos de prisão, deliberou enviar o seguinte telegrama ao sr. Prof. Dr. Silva

Cunha, Ministro do Ultramar:

«O Corpo directivo da Associação dos Naturais de Angola, reunido ex-

traordinàriamente, depois de ouvidos os seus associados de maior prestígio,

deliberou unânimemente solicitar a V. Ex.ª que se digne ser intérprete junto

de Sua Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho da repugnância e do mais veemente

protesto dos autênticos portugueses naturais desta província contra a antipa-

triótica decisão do júri da Sociedade dos Escritores que se intitula portugue-

sa, atribuindo o prémio pecuniário a favor do terrorista e traidor José Vieira

Mateus Graça. Tal facto identificará aquele júri com os inimigos de Portugal,

a menos que se retrate imediatamente, anulando a sua decisão que querería-

mos pressupor assente na ignorância do “curriculum vitae” do autor oculto

sob pseudónimo. A Anangola deliberou também abrir nas colunas do “Jornal

de Angola” uma subscrição até ao montante igual àquele conspurcado pré-

mio, para ser repartido pelas famílias dos primeiros militares angolanos caí-

dos na defesa da nossa Pátria eterna e bem portuguesa, em Março de 1961.

Respeitosos cumprimentos reafirmando a nossa lealdade.

Em nome da Associação dos Naturais de Angola, o presidente, Augusto

Pita-Grós Dias». – L.

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130 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 22-V-1965, p. 1.

As evidentes responsabilidades

A reacção que desencadeou entre nós e sobretudo no Ultramar a atribui-

ção do prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores constitui

uma salutar demonstração de patriotismo que responde com magnífica es-

pontaneidade à decisão inconcebível de um júri transviado, cego pela paixão

facciosa e incapaz de medir a sua responsabilidade.

É claro que a resolução não foi tomada por unanimidade, o que, dado o

sigilo do voto, permite a cada um dos membros deste júri alegar uma inteira

inocência neste assunto, designando por extremistas aqueles que o são menos

e até aqueles que de todo o não sejam e que a rigor se não possam qualificar

de vermelhos.

É este um dos males dos órgãos colectivos que, pela própria lei da sua

composição, geram os equívocos e favorecem as interpretações dúbias, ainda

mesmo em casos de especial gravidade.

Seria, no entanto, excesso de complacência admitir como boa esta forma

de evasão quando se encontram em jogo interesses nacionais tão densos. Não

se percebe que, considerando o significado da decisão, aqueles que votaram

contra não se sentissem obrigados a marcar a sua posição, quebrando um

segredo de Polichinelo para reconhecerem valores mais profundos e essen-

ciais e rompendo uma solidariedade de silêncio que era excessivamente pe-

sada.

Mas seria injusto verberar apenas o procedimento do júri e esquecer que

ele se insere num quadro e num clima em que são possíveis acidentes desta

natureza e que até os postulam.

Não se ignora de que lado sopram os ventos dominantes na Sociedade

Portuguesa de Escritores, que se arroga uma espécie de representação para-

-corporativa relativamente a uma forma de labor intelectual que, também ela,

deve ser a sua ética. Por isso mesmo, uma resolução tomada no seio dessa

instituição não podia causar surpresa de maior. Até mesmo aquela que veio

agora a lume e se tornou motivo legítimo de escândalo e repulsa.

Não se esqueça o que é ainda mais importante: a atmosfera em que entre

nós se processa quanto se refere ao fenómeno literário, na zona em que circu-

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Diário da manhã | 131

lam as páginas e páginas da especialidade, nas quais pontificam os chefes de

fila de uma crítica orientada toda ela para a arbitrária valorização dos repre-

sentantes de tendências a respeito de cujo sinal ninguém pode equivocar-se.

Assim se formou o mito de uma «inteligência» voltada para a negação do

que há de mais alto e de mais nobre, como se o nosso panorama intelectual se

reduzisse a esta expressão falsificada e como se não houvesse entre nós pes-

soas válidas que professem ideais portugueses.

Não há razão para nos admirarmos porque se nos não revelou de repente

aquilo que já tínhamos obrigação de saber. Sòmente poderá dizer-se que a

impunidade conduziu a uma espantosa manifestação de imprudência e que

desta vez se exagerou.

No andar de baixo deste mundo confuso das artes e letras, onde só têm di-

reito de cidade os que rejeitam os mais autênticos valores, ou, pelo menos,

não admitem a ordem que os consagra, tudo se integra numa convenção que

supostamente abstrai da substância das coisas e as qualifica exclusivamente

em função de um mérito formal, sempre discutível.

Por esse caminho se atingiu o ponto a que se chegou agora, conferindo

um prémio ao qual se empresta categoria nacional a um terrorista confesso.

Para tanto era preciso esquecer que, em África, a juventude portuguesa se

bate e morre para sustentar a integridade da Pátria, dando a vida pelo que tem

a marca do eterno e escrevendo com sangue uma epopeia, enquanto que ou-

tros, numa triste exibição, insultuosamente parodiam o seu gesto votivo.

Factos como este colocam-nos em frente de uma realidade que não pode

nem deve ocultar-se. A união dos portugueses de boa vontade só é possível

na base do repúdio daqueles que são contra a Pátria e que diàriamente a

atraiçoam, daqueles que não pertencem pela alma à comunidade nacional. E

não se pretenda um estatuto de excepção para aqueles que praticam os mala-

barismos do estilo. Escrever bem pode ter sua importância, mas não basta

para resgatar as culpas irredimíveis.

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132 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 22-V-1965, pp. 1 e 3.

Quando nos traem

Quando se fundou a Sociedade Portuguesa de Escritores nós fomos con-

vidados para nela ingressar.

Crentes de que se tratava, na verdade, de uma associação de escritores

com mira exclusiva de promover, num plano do mais elevado espírito de

convivência e de tolerância humanas, o prestígio das letras nacionais – para

além das paixões políticas – aceitámos de boa fé o convite.

Logo, porém, ao assistirmos a uma primeira reunião pública da referida

Sociedade, verificámos, com tristeza, que o nível das discussões e as mano-

bras políticas que as inspiravam estavam longe de corresponder à boa fé que

nos levara a assinar o boletim de inscrição.

Não acabámos a sessão, saímos da sala volvido pouco tempo, e nunca

mais lá voltámos.

Pretendemos então deixar de ser sócio, uma vez que nos havíamos enga-

nado na porta. Não era ali com certeza uma Sociedade de Escritores.

Aconselharam-nos camaradas nossos, nas letras e nas ideias, que ficásse-

mos, pois era necessário não abandonar o campo (já que de uma sociedade

literária se pretendia fazer barricada política) aos que dele desejavam tomar

conta para atacar, directa ou indirectamente, um regime que havia restaurado

e dignificado a Pátria Portuguesa.

Limitámo-nos por isso, honestamente, a pagar, sem uma falha, as quotas

(o que parece, pelo que ouvimos já naquela única sessão a que assistíramos,

não ser feito por alguns dos mais apaixonados nas discussões acintosamente

políticas) e a aguardar o momento de sermos úteis às boas letras e à causa

nacionalista, quando para isso nos chamassem.

Fomos agora perplexamente surpreendidos, como todo o País, como to-

dos os portugueses que o são de facto, pela atribuição, através da Sociedade

de que ainda éramos sócio, de um prémio literário a um traidor à Pátria.

Traídos também, ontem mesmo, às primeiras horas da manhã, saímos de

uma casa onde pràticamente nunca houvéramos entrado, e só lamentamos

que o dinheiro das quotas que lá ficou não possa aumentar a subscrição aber-

ta pela Anangola nas colunas do «Jornal de Angola», no montante do cons-

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Diário da manhã | 133

purcado prémio, destinada a ser repartida pelas famílias dos primeiros milita-

res caídos no campo da honra, em defesa da Pátria, no Norte da mui nossa

província de Angola.

J. P.

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134 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 22-V-1965, pp. 1 e 7.

Extinta a Sociedade Portuguesa de Escritores

O Ministro da Educação Nacional assinou, ontem, o seguinte despacho:

Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através de júri

designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelís-

tica a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por

actividades de terrorismo na Província de Angola;

Considerando que, apesar de tornadas do domínio público a identidade e

a situação do mesmo indivíduo, nem o júri revogou aquela decisão nem os

corpos gerentes a repudiaram;

Considerando, com efeito, que tal repúdio se não contém, nem mesmo de

forma implícita, no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Im-

prensa, e de que a mesma direcção me enviou cópia;

Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos que, além do

mais, profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados por-

tugueses tombam no Ultramar vítimas do terrorismo de que o premiado foi

averiguadamente agente;

Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da extin-

ção da Sociedade em referência;

Determino, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de

Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Comunicado da Sociedade

Recebemos o seguinte comunicado:

A Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores sente-se no dever de

informar o seguinte:

1) Desconhecia inteiramente a identidade do autor do livro Luuanda,

subscrito pelo pseudónimo de Luandino Vieira, agora revelado por um tele-

grama da Agência ANI proveniente de Londres e publicado nos jornais de

hoje;

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Diário da manhã | 135

2) O valor literário da obra em questão é atestado, além do mais, pela

atribuição anterior dos seguintes prémios a Luandino Vieira: 1961 – 1.º pré-

mio do Conto da Sociedade Cultural de Angola – Luanda; 1962 – 1.º prémio

João Dias da Casa dos Estudantes do Império – Lisboa; 1963 – 1.º e 2.º pré-

mios do Conto da Associação dos Naturais de Angola – Luanda; 1964 – 1.º

prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga – Luanda, atribuído este ao livro

acima citado;

3) Como resulta não só do que anteriormente se disse mas também das di-

rectrizes a que, estatutariamente, obedece a Sociedade Portuguesa de Escrito-

res, a atribuição do «Grande Prémio de Novelística» baseou-se exclusiva-

mente no valor literário da obra, de modo nenhum significando um juízo

referente às actividades de que o autor é acusado;

4) A Sociedade Portuguesa de Escritores estudará, atenta e objectivamen-

te, todos os elementos de informação que lhe sejam fornecidos para o exame

do problema agora levantado.

Telegramas de protesto recebidos na Presidência do Conselho

Na Presidência do Conselho têm sido recebidos numerosos telegramas de

protesto contra a atribuição de um prémio literário pela Sociedade Portu-

guesa de Escritores, entre os quais destacamos os seguintes:

«Tendo combatido defesa da Pátria em Angola sinto grave ofensa ao nos-

so sacrifício feita júri que premiou Luandino Vieira, condenado por traição à

Pátria. Sociedade de Escritores ou de Terroristas? a) 1.º sargento António

Perestrelo.»

«Excelência: Portugal inteiro – metropolitano, ultramarino e insular – está

efervescente pela atribuição prémio Sociedade Portuguesa Escritores ao ter-

rorista Luandino Vieira. V. Ex.ª não deixará de observar se estamos na pre-

sença de quem premeia o terrorismo. Portugal morre de desgosto se esse

prémio se mantiver! Tem tempo de o premiar quando cumprida a sentença e

depois de provar inequìvocamente que é um criminoso arrependido, para o

que, algo de muito importante, é preciso ele fazer. Praticar o mal – e que

mal! e dizer-se arrependido, é insuficiente! Com a mais elevada consideração

a) António Gomes Pinto.»

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136 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Os traidores premiaram um traidor à Pátria. Fora com eles. a) António

Sabino.»

«Pedimos a Deus nos livre da cáfila que pulula nos arrais da intelectuali-

dade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor de Beça.»

«Grupo estudantes nacionalistas tomaram conhecimento atitude antina-

cional Sociedade Portuguesa Escritores consagrando um traidor que se pro-

punha vender Angola nossa juventude protesta e pede se responsabilize refe-

rida entidade crime praticado.»

Antigos combatentes subscrevem telegramas

enviados ao Ministro do Exército

Entre os numerosíssimos telegramas de protesto recebidos no gabinete do

Ministro do Exército contam-se os seguintes:

«Mutilados ao serviço da Pátria em tratamento no Hospital Militar sentem

a vergonha praticada pela Sociedade Portuguesa de Escritores dando um

prémio ao traidor angolano Luandino Vieira.»

«Um grupo de combatentes regressado de Angola protesta indignadamen-

te contra a atitude inclassificável da Sociedade Portuguesa de Escritores,

premiando o comprovado traidor angolano Luandino Vieira e pedem a V.

Ex.ª providências severas para desagravo da ofensa sofrida por quantos de-

ram o sangue pela Pátria. a) Joaquim Gomes da Silva.»

«Foi ofendida a honra das forças armadas e cuspida a glória dos que per-

deram a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram

solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores, que deu

prémio ao traidor Luandino Vieira terrorista de Angola. Por um grupo de

sargentos de uma unidade de Lisboa, a) Rafael Gomes da Silva, 1.º sargen-

to.»

«Tendo combatido em defesa da Pátria em Angola, sinto grave ofensa ao

nosso sacrifício feita pelo júri que premiou Luandino Vieira, condenado por

traição à Pátria. Sociedade de Escritores ou de terroristas? a) António Peres-

trelo, 1.º sargento.»

«Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade

Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A

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Diário da manhã | 137

consciência nacional aguarda a punição. a) Um ex-combatente da Guiné,

Joaquim Rodrigues.»

«Um grupo de estudantes, ao tomar conhecimento da atitude antinacional

da Sociedade Portuguesa de Escritores consagrando um traidor que se propu-

nha vender Angola, protesta em nome da juventude e pede que se responsa-

bilize a referida entidade pelo crime praticado.»

«Protestamos contra a notícia publicada referente ao prémio concedido

pela Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira, que considera-

mos ofensa grave ao sentimento nacional, visto premiar um traidor à Pátria.

a) Fernando Pinto Rui Silva.»

«Velho lavrador do Congo Português vítima do terrorismo, de passagem

por Lisboa, condena a criminosa atitude da Sociedade de Escritores Portu-

gueses premiando o traidor Luandino Vieira, a soldo do comunismo interna-

cional. a) Gaspar de Meireles.»

«Um grupo de professores primários considerando inconcebível a decisão

da Sociedade Portuguesa de Escritores, protesta contra o prémio concedido

ao traidor Luandino Vieira, solicitando o merecido castigo pela criminosa

atitude e vergonha nacional. a) Almerindo Roque da Cunha.»

«Constitui suprema vergonha o procedimento da Sociedade dos Escrito-

res Portugueses premiando um réu de alta traição. Protesto indignadamente,

lamentando não podendo cuspir nos judas do júri, que não podem conside-

rar-se portugueses. a) Raimundo da Conceição Silva.»

«Considero acto de terrorismo na frente interna o procedimento da Socie-

dade de Escritores, que praticou crime igual ao de Luandino Vieira, de trai-

ção à Pátria, devendo ser dissolvida e condenada. a) António Alves Simões.»

«Não posso calar a indignação causada pela notícia referente ao prémio

concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao traidor condenado

Luandino Vieira. Vergonhoso procedimento, ofende a Nação inteira, exigin-

do castigo imediato. a) Manuel Rocha.»

«Inacreditável a notícia referente ao traidor Luandino Vieira, que solicita

providências rigorosas no sentido da condenação dos membros do júri e o

encerramento imediato da Sociedade Portuguesa de Escritores. Portugal foi

ofendido, esperando desagravo. a) António Augusto dos Reis.»

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138 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de

Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.»

«Protesto contra a atitude de meia dúzia de imbecis que formaram o júri

da novela. Não há prémios para traidores. a) António Jordão.»

«Pedimos providências pela atitude da Sociedade de Escritores cuja trai-

ção envergonha o País e avilta os Portugueses. a) Artur Álvares.»

«Um grupo de frequentadores do Café Aviz tomou conhecimento da in-

dignidade cometida pela Sociedade Portuguesa de Escritores premiando o

nefando traidor Luandino Vieira, vendilhão da Pátria. A referida Sociedade

mostrou ser cúmplice do crime de traição. Pedimos providências urgentes e

castigo exemplar. a) Raimundo de Carvalho.»

«Pedimos a Deus que nos livre da cáfila que pulula nos arraiais da inte-

lectualidade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor Beça.»

«A Sociedade Portuguesa de Escritores causa repulsa ao espírito patrióti-

co da Nação. a) Jorge Salvador.»

«Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade de Escrito-

res. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

Mensagens dirigidas ao Ministro da Educação

Também no gabinete do Ministro da Educação Nacional foram recebidos

numerosíssimos telegramas de protesto, de entre os quais transcrevemos os

seguintes:

«A Revista Itinerários», dos antigos combatentes universitários de Coim-

bra exprime a V. Ex.ª o mais vigoroso protesto pela tendenciosa atribuição

do prémio novelístico pela Sociedade de Escritores.»

«O Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portu-

guesa expressa a V. Ex.ª a mais inteira solidariedade com os Portugueses de

Angola no seu desgosto pela atribuição do prémio ao autor do livro «Luan-

da», que consideramos traição aos princípios sagrados em que nos formaram

e queremos ver formada a juventude.»

«A Câmara Municipal de Viseu apresenta o mais veemente protesto con-

tra a concessão do prémio pela Sociedade de Escritores a um destacado ele-

mento de desagregação nacional. a) O vice-presidente da Câmara.»

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Diário da manhã | 139

Mensagem de intelectuais de Angola

LUANDA, 21 – Um grupo de homens de letras de Angola vai enviar para

as entidades superiores em Lisboa uma mensagem de vibrante protesto e

repulsa contra a actividade do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores,

considerando a sua decisão um insulto à cultura portuguesa e uma afronta a

quantos trabalham e lutam nesta província.

A mensagem, até este momento, tem mais de uma dezena de nomes de

prestígio no jornalismo e nas letras de Angola. – L.

Demissões

Pediram, ontem, de manhã a demissão dos cargos de presidente da as-

sembleia geral e de vogal da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores,

respectivamente, Joaquim Paço d’Arcos e Luís Forjaz Trigueiros.

Demitiu-se de membro do júri do Prémio da Revelação a escritora Ester

de Lemos.

Comunicou igualmente a sua demissão de sócio o Dr. Cunha Leão, antigo

director da Sociedade.

A indignação manifesta-se

Ao princípio da noite um grupo de populares, ao que se supõe constituído

por estudantes e por antigos combatentes de Angola, manifestou-se em frente

da sede da Sociedade Portuguesa de Escritores, dando largas, vibrantemente,

à sua indignação pela atribuição do prémio literário a um terrorista.

Em virtude desta manifestação resultaram alguns danos materiais.

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140 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 22-V-1965, p. 1.

Consagrou-se o terrorista

O Dr. Ângelo César enviou ontem a seguinte carta ao Prof. Dr. Jacinto

Prado Coelho, presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores:

«Aceitando um convite para tal recebido, inscrevi-me entre aqueles que

constituíram o elenco inicial dos membros da Sociedade Portuguesa de Escri-

tores.

Sou o seu sócio n.º 236.

Tenho observado as suas manifestações de objetivos políticos; a sua mal

contida reacção contra o Estado; tenho verificado que nunca, nem sequer

implicitamente, se mostrou atenta à guerra que Portugal mantém, defenden-

do-se, no Ultramar.

Agora, culminando essa reacção e este silêncio, um júri por ela instituído

atribuiu o Grande Prémio da Novelística ao escritor Luandino Vieira, pela

sua autoria do livro “Luanda”.

Luandino Vieira é o nome literário do português renegado José Vieira

Mateus da Graça, condenado em pena maior (que está cumprindo) pela sua

intervenção em crimes de terrorismo, praticados na província de Angola.

Os membros do júri não poderiam ignorar que o premiado é aquele cri-

minoso. E V. Ex.ª, se o não sabia, tem agora dessa identidade conhecimento

bastante.

Ninguém com um mínimo de discernimento e de seriedade intelectual,

poderá não ver na atribuição do referido prémio uma forma positiva de soli-

dariedade para com o premiado.

Consagrando-se o escritor, consagrou-se, também, o terrorista!

A atribuição do prémio foi um crime contra a Pátria.

Esta qualificação é rigorosamente jurídica, porque na Comunidade Portu-

guesa a Moral é Lei – é a primeira Lei – e a Moral obriga-nos a sermos fiéis

à Pátria, a sermos incompatíveis com os seus inimigos.

Porque assim é, no sereno e firme cumprimento do meu dever de portu-

guês, venho informar V. Ex.ª de que se cumprir o seu, sem demora e sem

reticências, terá o meu aplauso de consócio e de concidadão; mas que, se o

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Diário da manhã | 141

não cumprir, V. Ex.ª não é digno de ocupar o cargo de presidente da direcção

da Sociedade Portuguesa de Escritores.

A V. Ex.ª apresento os cumprimentos que lhe forem devidos segundo a

forma como proceder».

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142 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 23-V-1965, p. 1.

Um despacho ministerial

Impunha-se a decisão que foi tomada pelo Ministro da Educação, num

tempo mínimo e em termos de uma inexcedível clareza.

Chegadas as coisas ao ponto a que tinham chegado, não havia outro ca-

minho a seguir e a resolução ministerial correspondeu plenamente ao que era

lícito esperar. O assunto foi resolvido com desassombro e coragem, não sub-

sistindo qualquer margem para equívocos. É o que só se consegue quando se

enfrentam as responsabilidades com a energia que as circunstâncias reque-

rem, optando-se pela cirurgia de preferência a recorrer aos emolientes, de

efeito mais que falível.

Neste caso, o tumor foi extirpado e ficou limpo o campo operatório. O

que constitui resultado excelente pelo qual deve sem restrições felicitar-se o

Governo.

Em condições normais e se o escândalo não tivesse atingido as propor-

ções que atingiu, invadindo uma zona em que não pode ser tolerada qualquer

situação dúbia, porventura se admitiria que se confiasse da própria Sociedade

a tarefa de depuração que tinha de ser executada, em ordem a restituir ao

corpo colectivo um salutar equilíbrio, indispensável ao exercício da missão

de utilidade comum, isto no caso de vir a concluir-se que esta deveria ser

realizada através de uma associação desse tipo.

A verdade, porém, é que a solução do assunto não podia ser retardada e

que era impossível encarar outra hipótese que não fosse a de extinguir a So-

ciedade que se cobrira de vergonha através do seu procedimento inqualificá-

vel. Quando conferiu o prémio «nacional» de novelística ao terrorista Mateus

da Graça, a Sociedade excedeu todos os limites e só a cegueira gerada pela

constante impunidade evitaria que desse conta de praticar um gesto suicida.

O comunicado pelo qual se encerrou com chave de ouro a carreira da So-

ciedade confirmou isso mesmo. Em face da reacção suscitada no público ao

revelar-se toda a virulência do mal, o que fez a Sociedade? Repudiou a deci-

são tomada? Manifestou arrependimento? Reconheceu a sua culpa? Nada

disso: limitou-se a uma tentativa de explicar o que não tinha explicação pos-

sível e fê-lo sem mostrar contrição de qualquer espécie. Quer isto dizer que

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Diário da manhã | 143

se julgava inatingível ou que preferia correr todos os riscos a desiludir os

extremistas que formavam a sua espinha dorsal e que lhe não perdoariam um

acto público de arrependimento.

O que nos diz o comunicado?

Diz-nos que a Sociedade desconhecia qual fosse a verdadeira identidade

de Luandino Vieira, o que, de resto, ninguém acredita, porque só por excesso

de ingenuidade se admitiria que se não indicasse o premiado, ainda que mais

não fosse para receber a quantia que lhe foi atribuída e desde que não tivesse

de o fazer para o simples efeito de se candidatar à recompensa.

Diz-nos mais que o valor literário da obra de Luandino Vieira foi atestado

pela concessão de prémios anteriores, o que é um argumento de primeira

qualidade porque não faz sentido e deve ser caso inédito um júri basear-se na

opinião de outros júris para justificar uma decisão própria, de sua inteira

responsabilidade.

A Sociedade, porque falou em «valor literário», entendeu acrescentar que

se baseava exclusivamente nesse critério de modo algum exprimindo uma

opinião sobre «as actividades de que o autor é acusado» e acerca das quais,

ainda mesmo à beira do fim, entendeu abster-se de pronunciar uma palavra

de repulsa, não hesitando sequer em adoptar uma fórmula que esquivava o

reconhecimento dos factos e chamava acusação à condenação.

Nem mesmo houve concessão no parágrafo terminal do documento. A

Sociedade estudaria os elementos que viessem a ser-lhe fornecidos, a título

informativo, para o «exame do problema agora levantado». Nem mesmo na

hora última a Sociedade capitulou, protestando rever o assunto. Limitou-se a

deitar lastro, prometendo, evidentemente para efeitos futuros, estudar a maté-

ria, provàvelmente para ratificar o que estava feito e proclamar a sua fideli-

dade ao princípio de que a Ética nada tem que ver com as Letras, pelo que

amanhã poderia figurar, entre os seus laureados, o próprio Holden Roberto,

com ou sem pseudónimo.

Não. Não havia outra coisa a fazer que não fosse extinguir a Sociedade

que teimava no erro e que se mostrava incapaz de escolher a linha recta. O

despacho do Ministro da Educação era necessário e não podia ser outro.

À Sociedade de Escritores resta agora o recurso de se reorganizar na

clandestinidade, mas é natural que o condicionalismo particular de uma exis-

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144 | A rep(r)e(rcu)ssão política

tência secreta não favoreça o culto rendido aos intelectuais do Marxismo, não

faça subir a cifra das tiragens e não reforce a convicção de que os extremistas

possuem entre nós o monopólio da inteligência.

Não podia declinar-se a obrigação de uma desafronta que correspondesse

aos vivos sentimentos de indignação de quantos, pensem como pensarem,

pensam portuguêsmente.

A Pátria está acima das contingências de uma hora em que muitas coisas

parecem em crise e não pode permitir-se que seja vilipendiada e escarnecida

pelos que a rejeitam em nome de mitos que terão a sorte de tantos outros

mitos que o tempo enterrou.

A retaguarda tem de merecer a confiança que nela depositam aqueles que

se batem e morrem nas três frentes da África Portuguesa, impelidos por uma

certeza interior que se radica no sentimento e na razão.

Atitudes como aquela que verberamos insultam o sacrifício dos comba-

tentes, a sua dádiva suprema, o seu heroísmo espontâneo, a grandeza da sua

missão. É preciso que os que morrem por Portugal saibam que Portugal os

merece e merece as suas vidas moças e generosas.

O despacho ministerial não foi sòmente uma intervenção de ordem públi-

ca entendida no seu mais largo significado. Teve, também, o sentido de uma

reparação.

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Diário da manhã | 145

Diário da manhã. 23-V-1965, pp. 1 e 8.

A Nação unida em defesa da sua dignidade

De todos os pontos do País chegam a Lisboa protestos con-

tra a decisão do júri da S.P.E.

De todos os sectores da vida portuguesa continuam a chegar aos Ministé-

rios da Educação Nacional, do Ultramar e a organismos representativos da

província de Angola, telegramas e mensagens de protesto, pela atribuição do

Grande Prémio de Novelística – 1964 pela Sociedade Portuguesa de Escrito-

res.

Na Presidência do Conselho e nos gabinetes dos Ministros do Ultramar,

do Exército e da Educação Nacional continuaram a ser recebidos ontem nu-

merosíssimos telegramas e outras missivas de protesto pela decisão do júri da

Sociedade Portuguesa de Escritores, que um despacho ministerial mandou

extinguir, como noticiámos, de atribuir o prémio de literatura novelística a

um indivíduo condenado criminalmente a catorze anos de prisão maior por

actividades de terrorismo na província de Angola.

Dos muitos telegramas ainda chegados ontem ao gabinete do Ministro do

Exército deve acentuar-se o facto de advirem, na sua quase totalidade, de

elementos militares que estiveram a cumprir serviço em defesa da Pátria nas

províncias de Angola e da Guiné e que, combatendo assim no campo de

batalha, pelas armas, os inimigos de Portugal, não puderam deixar de expri-

mir a sua repulsa pela decisão de distinguir de qualquer modo e seja a que

título for quem mereceu condenação exactamente por ter pactuado com esses

inimigos do País e criminosos que deram morte horrorosa a muitas centenas

de compatriotas indefesos.

Ontem, de manhã, da Régua, o Dr. Santos Júnior, Ministro do Interior,

enviou ao seu colega da Educação Nacional o seguinte telegrama:

«Com minha inteira solidariedade, firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª

despacho publicado manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escrito-

res.»

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146 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Apoio ao despacho do Ministro da Educação

Quanto aos telegramas dirigidos ao Ministro da Educação Nacional, des-

tacamos a seguir alguns dos que manifestam absoluto apoio àquele membro

do Governo na determinação que tomou de mandar extinguir a mencionada

Sociedade:

«Na qualidade de Prof. da Universidade Técnica de Lisboa, manifesto a

V. Ex.ª a minha inteira concordância com a doutrina do despacho que extin-

gue a Sociedade Portuguesa de Escritores. Respeitosos cumprimentos.

a) Joaquim Silva Godinho.»

«Associamo-nos aos protestos dos bons portugueses contra a Sociedade

de Escritores e apoiamos a acção enérgica do Governo. a) Escola do Magis-

tério Primário de Évora.»

«Bravo, Sr. Ministro! Bem haja! Fora com esses traidores e com a cáfila

dos seus comparsas. a) Joaquim Sousa Rios.»

«Cumprimento respeitosamente V. Ex.ª pela terapêutica aplicada, que

considero correcta e na dose desejada, de modo a evitar perigos de contágio.

a) Fausto Castilho.»

«Apoiado Sr. Ministro. Abaixo a traição. a) Manuel Castelo Branco.»

«Manuel Caetano de Castro, professor primário, de 85 anos, felicita V.

Ex.ª pela publicação do despacho que extingue a Sociedade Portuguesa de

Escritores, castigo merecido por falta de patriotismo.»

«O reitor do liceu de Setúbal cumprimenta V. Ex.ª no momento de tão

justa decisão de extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, após a sua

inqualificável atitude, atentatória dos valores essenciais da Pátria e da Cultu-

ra portuguesa. a) Estêvão Ferreira Moreira.»

«A Justiça não se agradece, mas não posso calar o meu apoio à única de-

cisão a tomar contra pseudoliteratos traidores da nossa Pátria. a) António

Fonseca Santos.»

«Felicito sinceramente V. Ex.ª pela sua enérgica e patriótica atitude pe-

rante a Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Manuel Lousada, governador

civil de Aveiro.»

Também numerosas pessoas enviaram ao Ministro Prof. Dr. Galvão Teles

cartões de felicitações pelo seu despacho e outras ainda manifestaram o seu

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Diário da manhã | 147

aplauso pelo mesmo despacho através de telefonemas directos para o seu

gabinete.

«Venho avisar respeitosamente V. Ex.ª de que pedi ontem à Emissora que

desse a notícia da minha demissão da Sociedade Portuguesa de Escritores,

notícia que de facto não foi dada. a) Artur Lambert da Fonseca.»

Protesto do Instituto de Angola

O Instituto de Angola enviou ao Ministro do Ultramar a seguinte mensa-

gem:

«O Instituto de Angola, reunido em sessão extraordinária da sua direcção,

tendo tomado conhecimento de que a Sociedade Portuguesa de Escritores

resolveu galardoar uma obra publicada por um criminoso condenado a cator-

ze anos de prisão, de nome José Vieira Mateus Graça, autor de actividades

terroristas que tantos milhares de vítimas causaram à Nação, protesta junto

de V. Ex.ª com a maior indignação contra a leviandade com que aquele orga-

nismo procedeu premiando um indivíduo que não passa de um ruim traidor à

Pátria e que indignamente correspondeu à instrução e evolução que Angola

lhe facultou.»

A opinião da Imprensa de Moçambique

LOURENÇO MARQUES, 22 – O caso da Sociedade Portuguesa de Es-

critores foi hoje referido na Imprensa de Lourenço Marques, tendo o «Diá-

rio», em nota da redacção, pedido que se investigue se há alguém na Socie-

dade de Escritores que deva ir fazer companhia ao escritor Mateus Graça. E

afirma:

«Dizemos isto, em memória dos portugueses assassinados nas mais horrí-

veis condições, dizemo-lo, em nome dos portugueses que cá e lá continuam

todos os dias o combate instigado por toda a espécie de Mateus de dentro e

de fora, impõe-se às autoridades um rigoroso inquérito sobre o lamentável

caso, porque é também benevolência e brandura de tratamento certas atitudes

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148 | A rep(r)e(rcu)ssão política

ditas «intelectuais[»] em que se gera o vírus causador do pesado tributo de

sangue e vidas, que pagaram e estão pagando muitos de nossos irmãos.»

O «Notícias», sob o título «Lamentável e infeliz», tece considerações so-

bre o assunto e escreve a certa altura:

«Estranhamos que [a] um terrorista confesso, cumprindo pena numa pri-

são, tivesse sido possível apresentar-se a um concurso literário de projecção e

nível nacionais como aquele. Aí, ùnicamente, aí, é que nos parece estar a raiz

do problema. Quanto ao resto, com toda a especulação justa e injusta que à

sua volta se faça, todas as explicações e justificações que a propósito surjam,

jamais esquecerá o incidente profundamente infeliz, profunda e lamentàvel-

mente infeliz». – ANI.

Os homens de letras de Angola perante a atribuição do prémio

Foi enviado ao Presidente do Conselho o seguinte telegrama:

«Um grupo de homem de letras de Angola, galardoados com prémios lite-

rários provinciais, nacionais ou estrangeiros, apoiam calorosamente a atitude

do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores dita portuguesa como

responsável por uma grave afronta cometida contra a cultura portuguesa

atribuindo o Prémio de Novelística a uma obra que consideram absolutamen-

te inferior tanto na sua temática como na efabulação. Além disso, ultraja

deliberadamente o sagrado património da língua portuguesa não se podendo

igualmente esquecer as visíveis intenções políticas da sobredita obra, cujo

autor foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que, desde

1961, ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas. Respeito-

sos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Altamira, Agnelo

de Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Martinho de Castro,

António Pires, Almeida Santos, Lagriva [sic] Fernandes, Mário Milheiros,

Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa». – ANI e L.

O despacho vai ser enviado ao «Diário do Governo»

O despacho do titular da pasta da Educação Nacional a determinar a ex-

tinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, foi enviado à Imprensa Nacio-

nal para publicação no «Diário do Governo», em correspondência com a

norma legal de aprovação, em Setembro de 1956, dos estatutos da referida

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Diário da manhã | 149

Sociedade. Entretanto, a letra do mesmo despacho foi transmitida pelo gabi-

nete à Inspecção do Ensino Particular, departamento ao qual competem os

assuntos respeitantes a associações culturais particulares, para ser comunica-

do aos corpos gerentes da Instituição.

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150 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 23-V-1965, p. 8.

Opinião em Luanda:

a Sociedade Portuguesa de Escritores esqueceu

que há homens que combatem e morrem

LUANDA, 22 – Angola desde a primeira hora nunca duvidou que um ac-

to de colaboração, de traição tão arteiramente cometido poderia passar impu-

ne ou, o que seria pior, mascarado com jogos de palavras ou titubeantes e

descaradas meias-palavras. Isso não bastava! A boa fé das gentes de Angola

foi já cruelmente ludibriada e as consequências ficaram profundamente mar-

cadas no espírito de quatro milhões de portugueses. Angola não aceitaria. E a

prova insofismável do seu protesto surgiu no primeiro minuto logo que aler-

tada da personalidade do indivíduo a quem fora atribuído, tão hàbilmente, o

prémio. E a sua voz levantou-se unânimemente denunciando colaboração na

traição.

Será difícil descrever, na justa medida, o que foi o protesto de Angola. No

entanto bastará dizer que em todos, desde quem ocupa lugares de responsabi-

lidade quer nos meios oficiais quer privados, ao simples homem da rua, se

levantou uma onda de justificada indignação perante a triste resolução da

extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.

Angola não só apresentou o seu firme protesto como esperava ver surgir

uma decisão firme e intransigente tomada por parte de quem cumpre respon-

sabilidades superiores na defesa da cultura portuguesa, na própria salvaguar-

da dos invioláveis princípios da luta que se trava aqui, na Guiné ou em Mo-

çambique.

«A extinta Sociedade Portuguesa de Escritores esqueceu que há homens

que combatem e morrem» – foi o comentário que ouvimos com mais insis-

tência nesta cidade de Luanda, onde a vida de trabalho ordeiro e pacífico

prossegue talvez com redobrado entusiasmo.

A manobra falhou

A manobra falhou – não restam dúvidas. E se serviu para desmascarar

mais um grupo de colaboracionistas – cuja responsabilidade será, por certo,

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Diário da manhã | 151

esclarecida – teve no entanto o mérito de demonstrar, mais uma vez, a inaba-

lável e intransigente unidade nacional.

Ontem, por todos os meios, por todas as formas, Angola protestou com

firmeza. Hoje poucas mas expressivas palavras bastam para traduzir a nossa

resposta: Obrigado! Continuaremos a cumprir a nossa missão.

Já esta manhã os mais lídimos representantes da cultura portuguesa, os

Magníficos Reitores, ou seus representantes, das Universidades de Coimbra,

Lisboa, Porto, Moçambique e Angola prestaram homenagem aos estudantes

de Coimbra caídos em defesa da Pátria.

Às cerimónias associaram-se as mais altas individualidades civis, milita-

res e religiosas, e muito povo de Luanda, a marcar a sua sentida presença em

reconhecimento por quantos tombaram por nós, na defesa da nossa terra, do

património comum. E isso, para o povo de Angola, é razão mais do que sufi-

ciente, dever inalienável, para que se faça representar em pêso, macissamente

[sic], tal como saberá sempre reagir, por todos os meios, a tudo quanto seja

traição. Já o demonstrou e está sempre disposto a demonstrar.

As repercussões da oportuna medida governamental começaram já a sur-

gir. Esta manhã, com grande destaque, o jornal «O Comércio» escreve:

«Houve manobra. Tudo denuncia a sua existência. Mas falhou. Pois que

tinha na base uma deformação cavilosa, tão evidente que contra ela se mani-

festaram intelectuais de reconhecida posição anti-situacionista, mas realmen-

te portugueses acima de tudo.

É de admitir que o verdadeiro protagonista não seja José Vieira Mateus

da Graça. O protagonista é, tanto quanto se supõe, o “júri” – estranho júri

nomeado pela Sociedade Portuguesa de Escritores, onde parece terem assen-

tado arraiais sombrios elementos dispostos a ferir tanto quanto possível a

cultura portuguesa, e através dela a causa da sobrevivência nacional pela qual

se trabalha, se luta, se sofre e se morre em Angola. A triste personagem con-

denada por delitos confessados apenas serviu talvez de pedra, de simples

peão do xadrez de sectários que não recuam diante de nenhum processo para

expandir o seu rancor e, no fundo, a sua traição em potencial. Lentamente a

pedra foi movida no plano singelamente regional para aparecer em plano

nacional. Uma vez aí tratou-se de a lançar numa jogada que tinha o fim de

criar, lá fora, atmosfera propícia a mais campanhas antiportuguesas.

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152 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Pode o presidente da extinta Sociedade de Escritores (que se dizia portu-

guesa) alegar desconhecimento da verdadeira identidade do autor da brochu-

ra apresentada ao precário júri. Não iríamos ao ponto de desmentir um ho-

mem que, por sua posição de professor catedrático, – com graves e pesados

deveres – tem de manter o culto da verdade, seja ela qual for, e por mais que

lhe provoque sabor a cinza… No entanto, não poremos de parte a hipótese de

existir ao seu redor, neste caso, uma teia perversamente emaranhada, para se

atingir um objectivo criminoso e poder no fim lavar as mãos, declinar as

responsabilidades e formular hipócritas desculpas…».

«Os dirigentes da Sociedade foram ludibriados? – prossegue o articulis-

ta –. Poderíamos supô-lo ante a rápida série de demissões de um vogal da

direcção e do próprio presidente da assembleia geral. E não parece que te-

nham outro significado – além do natural protesto e da irreprimível repulsa –

as outras exonerações que se seguiram. Desta forma a Sociedade de Escrito-

res (dita portuguesa) estava num perigo sério, apontada pela opinião pública

nacional como forja de cúmplices, explícitos ou implícitos, de traidores à

Pátria, em conivência directa, ou indirecta, num conluio para alimentar lá

fora a sórdida campanha contra Portugal.

Se explorarem o argumento da ignorância e da inconsciência, apenas te-

remos um retorquir: Quem padece de tal ignorância e de tamanha irresponsa-

bilidade não pode ocupar posições de tanto melindre, não tem categoria re-

presentativa, não deve estar em posições-chaves. O júri, eis o protagonista

central desta peça triste, mal montada embora arteiramente congeminada. A

questão poderia ficar por aqui se não tivesse, como tem implicações que

transcendem os indivíduos.

A afronta foi cometida. O facto foi praticado. O intuito está diante dos

olhos de quem queira vê-lo. Não há expedientes suficientemente ardilosos

que possam mascarar o que tão rápido e gritantemente se percebeu. A Fun-

dação Gulbenkian, a todos os títulos respeitável, já tomou atitude. Não ape-

nas a de lavar as mãos, o que seria plausível e simples. Vai mais longe, de-

nunciando que tomará medidas para, de futuro, evitar que os seus dinheiros

sirvam para desvios… E a Fundação tem motivos, já averiguados de certo,

para vir a público fazer esta afirmação. Até por esse lado – se mais arestas

não houvesse – a Sociedade de Escritores, Portuguesa ao que se dizia, estava

em causa de maneira aflitiva. De qualquer modo tem de prestar contas. E

desde já se observa que elas não são apresentáveis sem apresentar desvio

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Diário da manhã | 153

quanto ao espírito do patrocínio concedido pela Gulbenkian. A gravidade

deste facto não pode ser dessimulada [sic].

O Governo, pelo Ministério da Educação, deliberou e aplicou a delibera-

ção. Aguardemos agora o resto, porque tem de haver necessàriamente um

resto: A pública e completa desafronta que é devida não apenas a nós, os de

Angola, civis e militares, mas a todos os portugueses dignos da sua condição.

Quanto aos mabecos da estranja – que já erguiam uivos ante a falsa carniça

que os seus cúmplices lhe serviram – têm de reconhecer que, mais uma vez,

uivaram à Lua… Podem estar certos – eles e os seus lacaios (porque os há) –

de que nós em Angola sabemos como domar animais dessa espécie. Já o

demonstrámos. Voltaremos a demonstrá-lo se necessário».

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154 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 24-V-1965, p. 1.

É preciso arrancar a árvore

1 – Bem sabemos que, em outras horas graves da nossa História, os por-

tugueses viveram atribulados e ansiosos, como nós enfrentamos a que passa.

Pode ser injustiça do presente, relativa ao passado, o dizermos que nunca a

Pátria tanto precisou da união e da unidade dos seus filhos. Como delas care-

ceu quando o Mestre de Avis foi proclamado Rei, para que Portugal se não

perdesse na dissociação peninsular, pois que mais nunca seria!

Quando delas necessitou na arrancada e na sequência do 1.º de Dezem-

bro, ressuscitando ou acordando a independência adormecida, mantendo-a e

impondo-a!

Mas, sem engano, vendo e tocando as realidades adversas, podemos e de-

vemos dizer que nesta hora muito carece a Pátria da nossa fidelidade activa e

actuante, ardorosa e capaz, viril e intransigente.

2 – Toda a vida é um combate permanente contra a morte. A sobrevivên-

cia provém, continuadamente, do sucesso desse combate. Depor as armas, ou

não as usar na eliminação dos inimigos, é mais do que morrer: – é suicídio.

3 – Perdemos Goa, Damão e Dio. Embora o portuguesismo das suas gen-

tes nos mantenha a esperança de que voltarão à livre comunhão da Pátria,

entretanto perdemos Goa, Damão e Dio.

Em Moçambique, já tombaram muitos soldados nossos.

Em Angola, os vivos sabem que com eles estão a legião de negros e bran-

cos ceifados, trucidados pelo terrorismo e, também, os heróicos combatentes

caídos na luta para eliminá-lo.

Na Guiné, negros e brancos têm de defender a terra e as vidas, têm de fa-

zer o quadrado da Pátria, formado ao redor da sua bandeira.

4 – A guerra e a vigília do nosso Ultramar consomem uma grande parte

do pão nosso de cada dia e, mesmo, algum sangue generoso. Afastam dos

lares e das carreiras muitos cidadãos.

Nelas empenhamos – no duplo sentido da palavra – o património e a hon-

ra. Sem património, a vida é inviável; sem honra, seria melhor a morte.

Quer dizer: – nelas empenhamos tudo!

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Diário da manhã | 155

5 – O Governo é sempre mandatário da Nação. Com muitos ou limitados

poderes, o Governo tem o encargo de servir o bem comum: só para tal é

investido e apenas nesse labor é legítima a autoridade que exerce. Nos perío-

dos de guerra, os poderes do Governo têm de ser totais porque, então, é

històricamente total a sua responsabilidade.

6 – O tristíssimo caso do prémio concedido a um terrorista, pela extinta

Sociedade Portuguesa de Escritores, não pode considerar-se esgotado nem

como simples caso isolado.

Não pode, se o interesse do País for respeitado e se o bem comum não for

desprezado. Foi o fruto de uma árvore que deixámos plantar e crescer.

Não bastará o ter-se arrancado o fruto: – é nacionalmente imperativo ar-

rancar também a árvore.

7 – Precisamos de não fechar os olhos e de não esquecer ou negar o que

vemos!

Como se admite que professores – os magistrados da Educação! – figu-

rem entre aqueles que plantaram a árvore e dela cuidaram para dar os frutos

que deu?

Não podem isentar-se da terrível responsabilidade que lhes é imputável

aqueles cuja intervenção, no caso e para o caso do prémio ao terrorista, foi

determinante. Como haveria de ser possível que dela se desembaraçassem,

nem sequer como Pilatos? – Nem sequer como Pilatos, pois, se passam

apressadamente as mãos pela água é evidente que não limpam as mãos!

Ângelo César

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156 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 24-V-1965, pp. 1 e 8.

O caso da ANANGOLA

A concessão do Prémio é reprovada pela actual direcção

Como se sabe, a direcção da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores,

numa tentativa de justificação, distribuiu uma circular à Imprensa na qual

afirmava que o seu premiado José Vieira Mateus da Graça já tinha sido

galardoado em Angola. Não se diz, porém, nessa circular, que a direcção da

Associação dos Naturais de Angola responsável por essa atitude foi, depois,

dissolvida.

É isto que a actual direcção esclarece agora, num comunicado que ofe-

rece uma visão bem diferente do facto.

É do seguinte teor o comunicado da ANANGOLA:

A comissão administrativa da Associação dos Naturais de Angola

(ANANGOLA), reunida extraordinàriamente, deliberou, em aditamento ao

seu telegrama de 20 do corrente dirigido a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar,

tornar público o seguinte:

1.º) Reitera o seu protesto e solidariza-se com todas as manifestações con-

trárias à atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores quanto à atribuição de

um prémio pecuniário a José Vieira Mateus da Graça;

2.º) Nunca foi solidária com a atribuição de qualquer prémio ao mesmo

Graça, mas apenas passou um diploma e entregou um prémio pecuniário a

quem se lhe apresentou, em representação de Luandino Vieira, nome dado

como identidade do concorrente que sob o pseudónimo «Vinteoito» se can-

didatou e foi classificado num concurso literário, promovido e ultimado, pela

gerência anterior, aliás dissolvida pelo Governador-Geral da Província.

a) Augusto Pitta-Groz Dias – L.

Comentários do jornal «A Tribuna» de Lourenço Marques

LOURENÇO MARQUES, 23 – A Imprensa de Lourenço Marques conti-

nua a referir-se com grande destaque à atitude assumida pela extinta Socie-

dade Portuguesa de Escritores.

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Diário da manhã | 157

O jornal «A Tribuna», em editorial, afirma que algumas atitudes dúbias

que se têm notado na vida portuguesa são, possìvelmente, fruto da nossa

própria complacência.

E acrescenta:

«Desde o seu início até ontem, a Sociedade Portuguesa de Escritores foi

uma associação suspeitíssima, talvez ao mesmo nível de outras associações

semelhantes existentes e espalhadas por todo o território nacional, e que

estão a pedir o mesmo justíssimo fim.

«Os que têm morrido pela Pátria desde 1961 exigem que condenemos ri-

gorosamente todos os actos, omissões ou intenções que gerem ou favoreçam

a prática de crimes de lesa-Pátria.» – ANI.

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158 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 25-V-1965, p. 1.

O que está em causa

A questão pôs-se no plano nacional, o que excluía todas as oportunidades

de equívoco. Por isso mesmo, os campos naturalmente, insensìvelmente, se

extremaram, sem que fosse possível jogar às escondidas com os factos ou

com as ideias. Se era desejável um teste, pode dizer-se que, apesar das cir-

cunstâncias adversas, ela permitiu atingir uma conclusão clara e definitiva.

Não estavam em causa problemas de segunda ordem que se relacionas-

sem com as variáveis políticas, e não dissessem respeito ao essencial e às

constantes. Não eram para aqui chamados os factores de divisão relacioná-

veis com os regimes e com as formas de governo, com tudo aquilo que é,

afinal, de natureza transitória e o será até ao dia em que se haja descoberto,

no plano da teoria pura, a receita garantida para fabricar a felicidade dos

povos.

A opção incidiu sob o fundo das coisas e o que se propunha aos Portu-

gueses era um quesito muito simples: estamos ou não estamos com a Pátria,

reagimos ou não reagimos à afronta que foi feita a todos os valores morais da

colectividade nacional?

Afluíram de todos os lados as manifestações em que eram visíveis a sin-

ceridade e a espontaneidade, tantas vezes de gente simples e ingénua, por

isso mesmo mais próxima das raízes da emoção e menos aptas a controlar as

expressões.

Vieram de toda a parte, de todos os recantos de Portugal Peninsular e das

Ilhas de sol e de bruma, que foram as primeiras conquistas da nossa ansieda-

de de infinito, assim como chegaram das extensões de Angola e dos confins

de Moçambique.

Por toda a parte a Imprensa reflectiu o clima moral da hora grande em

que uma centelha provocou a explosão da cólera e da revolta. Os jornais de

Luanda e de Lourenço Marques deram a mesma nota de indignação e fize-

ram-no com o mesmo ardor e com a mesma decisão.

Do campo do inimigo partiu o desafio e do campo nacional a resposta não

se fez esperar. Era preciso exautorar um procedimento inqualificável, denun-

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Diário da manhã | 159

ciar os responsáveis e determinar-lhes as origens e as implicações. E a ma-

neira como as pessoas acudiram à chamada autoriza a concluir com optimis-

mo que nada está perdido.

Houve – é claro – excepções, silêncios que se esperavam ou atitudes que

revelavam estranhas e perversas cumplicidades, mas essas excepções não

contavam numèricamente e só serviram para, aqui ou além, ser forçoso recti-

ficar posições aparentes sem verdadeira correspondência na realidade.

O que importa é o magnífico impulso que revelaram tantos jornais, como

expoentes da opinião pública de que se fizeram eco e em nome da qual tes-

temunharam com a maior dignidade.

Os Portugueses podem, no quotidiano baço dos períodos sem História,

parecer divididos em virtude de discrepâncias de segunda zona, mas, quando

se debate o que é autênticamente profundo, reagem vigorosamente e acorrem

a ocupar o seu posto, reafirmando a solidariedade de quantos liga a comu-

nhão do ideal que há oito séculos explica o prodígio da nossa sobrevivência.

Portugal está em guerra. Na periferia de três das nossas províncias ultra-

marinas, os soldados portugueses combatem pelos valores eternos que as

gerações actuais receberam como herança e de que têm de dar contas perante

aqueles que haverão de as julgar.

Estamos em guerra e a guerra não permite vacilações nem desfalecimen-

tos. Os sacrifícios alegremente se consumam sem teatralidade, porque os

nossos soldados continuam um povo que, ao longo de oitocentos anos, viveu

numa atmosfera de exaltação e de heroísmo.

Estamos em guerra e a retaguarda não pode trair. Tem, ela própria, de fa-

zer a guerra e opor às infiltrações do inimigo uma dureza implacável, uma

intransigência total, uma decisão irrevogável. Não pode haver lugar para a

complacência que é encobrimento, nem para a «compreensão» que é traição.

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160 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 25-V-1965, pp. 1 e 2.

A Nação apoia a decisão do Governo no caso da Sociedade de Escritores

À Presidência do Conselho e aos Ministérios do Exército, do Ultramar e

da Educação Nacional continuam a chegar, enviados de todos os pontos do

País, inúmeros telegramas e cartões de protesto contra a decisão do júri da

Sociedade Portuguesa de Escritores, pela concessão do último Grande Pré-

mio de Novelística.

Dos telegramas recebidos na Presidência do Conselho destacamos os se-

guintes:

«Grupo homens letras Angola galardoados prémios provinciais nacionais

estrangeiros apoia calorosamente atitude Governo extinguindo Sociedade

Escritores dita portuguesa como responsável grave afronta cometida contra

cultura portuguesa atribuindo prémio novelística obra “Luanda” que conside-

ra absolutamente inferior tanto sua temática como efabulação além disso

ultraja deliberadamente sagrado património língua portuguesa não podendo

igualmente esquecer intenções políticas sobredita obra cujo autor foi conde-

nado por graves responsabilidades terrorismo que desde 1961 ensanguenta

Angola enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos cumprimentos.

a) Óscar Ribas; Reis Ventura; Gabriello Altamira; Agnello Oliveira; Alfredo

Diogo Júnior; Mesquitella [sic] Lima; Martinho Castro; António Pires; Al-

meida Santos; Lagrifa Fernandes; Mário Milheiros; Mário Mota; Horácio

Silva e Ferreira da Costa.»

«Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de

Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.»

«Vivamente indignado decisão júri atribuição prémio novela a um assas-

sino. Respeitosamente cumprimenta V. Ex.ª a) Jorge Ribeiro.»

«Perante lamentável atitude júri Sociedade Escritores atribuindo prémio

miserável terrorista Luandino Vieira exprimo minha reprovação. Respeitosos

cumprimentos. a) Dias de Sousa.»

«Não compreendo possa ser premiado Luandino Vieira assassino seus

próprios irmãos. Respeitosos cumprimentos. a) Eurico dos Santos.»

«Confrange que Sociedade Escritores atribua prémio novelístico bandido

Luandino Vieira. Saúda V. Ex.ª a) Augusto Galvão.»

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Diário da manhã | 161

«Impossível que a Sociedade Escritores tivesse galardoado um miserável

depois de todas as suas traições contra Portugal. Cumprimenta respeitosa-

mente V. Ex.ª a) António Eusébio.»

«Apresento veemente protesto atribuição Grande Prémio Novelística a

Luandino Vieira traidor província de Angola. Respeitosos cumprimentos.

a) José Delgado Louro.»

«Casal estudante indo-beirão afirma V. Ex.ª viva repulsa perante alta trai-

ção retaguarda perpetrada empresa dita de Escritores. a) Manuel Castelo

Branco.»

«Como foi possível atribuir grande prémio novelística traidor Angola

Luandino Vieira? Respeitosos cumprimentos. a) Manuel António Jerónimo».

«Junta Freguesia Santos-o-Velho vem junto de V. Ex.ª protestar enèrgi-

camente contra atitude tomada Sociedade Portuguesa de Escritores em seu

nome e de todos os seus paroquianos. a) Presidente, Joaquim Tito Moreira

Rato».

«Portugueses jazem Angola erguem-se seus túmulos protestando inquali-

ficável decisão júri Sociedade de Escritores. Respeitosos cumprimentos.

a) António Carrilho».

«Membro da Lag Eng.º Sobrinho dum falecido ministro do Ultramar

aplaude despacho extinção Sociedade Portuguesa de Escritores. A memória

dos mortos e a bravura dos vivos que se deram e dão pela Pátria assim o

impunham. a) A. Belo Dias».

«Perante a traição Sociedade Escritores reafirmo V. Ex.ª minha maior fi-

delidade e peço Deus guarde vida V. Ex.ª alta lição para todos serviço Portu-

gal. a) João Manuel Leite de Castro».

«Pedem-se averiguações rigorosas fim serem conhecidos traidores da So-

ciedade Portuguesa de Escritores que lavaram com sangue de mártires portu-

gueses crimes terrorista Luandino Vieira e que se tornem públicos seus no-

mes vê-se que esses traidores querem impor a subversão como virtude que

deve ser premiada. A Pátria foi ultrajada por indivíduos que se mostram soli-

dários com o terrorismo e com a subversão no Ultramar e para que o exem-

plo se não repeta. a) Ernesto Ferro».

«Patriota apoia patriótica decisão encerramento oito traidores Sociedade

Escritores. a) José Tavares Ramalho».

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162 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Antigo combatente grande guerra estou sempre presente ao lado de

quem defende a Pátria e tanto a honra que é símbolo dela contra manejos em

que caem muitos de boa fé mas são intoleráveis pois nem vêem que a força

dos russos está no seu patriotismo sempre inimigo do nosso. a) Fernando

Correia».

«Interpretando sentido povo concelho apoio sinceramente atitude governo

dissolução Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Presidente da Câmara

Carregal do Sal».

«Profundamente indignado veemente protesto contra atribuição do pré-

mio novela a Luandino Vieira. Cumprimenta V. Ex.ª a) Pereira Soeiro.»

«Indignado repúdio perante V. Ex.ª atribuição prémio novela a um terro-

rista. Cumprimentos V. Ex.ª a) Sousa Gomes.»

«Lamenta momento em que foi atribuído prémio novela a traidor da Pá-

tria com os meus respeitosos cumprimentos. a) Homem de Brito.»

«Inadmissível critério júri Sociedade Escritores concedendo prémio a

Luandino Vieira responsável autor terrorismo Angola. Cumprimenta respei-

tosamente V. Ex.ª a) Rogério de Carvalho».

«Repúdio concessão prémio Luandino Vieira assassino confesso. Cum-

primenta respeitosamente V. Ex.ª a) José de Meneses».

«Na qualidade de portuguesa e professora manifesto viva indignação

prémio atribuído Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Maria Amélia Mon-

teiro».

«Incompreensível critério Sociedade Escritores enaltecendo quem tão in-

dignamente actuou Angola meus sinceros cumprimentos a) Gaspar da Silva».

«Indignado com o prémio conferido a Luandino, grande traidor da nossa

Pátria apresento veementes protestos. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª

a) Torres Sequeira».

«Conselho Administrativo Banco Fomento Nacional em sessão ordinária

acaba deliberar por unanimidade exprimir junto de V. Ex.ª estrénuo defensor

integridade da Pátria seu indignado protesto repugnante decisão júri Socie-

dade Portuguesa Escritores que atribuiu grande prémio novelístico. Respeito-

sos cumprimentos. a) Governador».

«Foi ofendida a honra das Forças Armadas e cuspida a glória dos que

perderam a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram

solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores que deu

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Diário da manhã | 163

prémio ao traidor Luandino Vieira terrorista de Angola. Grupo de sargentos

de uma unidade de Lisboa. a) Rafael Gomes da Silva – 1.º sargento».

«Profundamente chocado pela inqualificável traição à Pátria praticada pe-

la Sociedade Portuguesa de Escritores ao premiar o flagelo terrorista que

tantas vidas generosas ceifou na portuguesíssima província de Angola apre-

sento a V. Ex.ª o meu mais veemente protesto pedindo a Deus que guarde V.

Ex.ª para bem de Portugal. a) Eduardo José Brasão».

«Lamentável atitude concessão grande prémio novela a Luandino terro-

rista condenado. Respeitosos cumprimentos. a) Borges Prazeres».

«Como cidadão português protesto contra atribuição grande prémio nove-

la a Luandino. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Nóbrega de Lima».

«Incompreensível Sociedade Escritores atribuir prémio novelístico ao ter-

rorista angolano Luandino Vieira. Cumprimenta V. Ex.ª respeitosamente

a) Fernandes Pereira».

«Protesto concessão prémio novela a Luandino traidor Pátria. Respeitosos

cumprimentos. a) Artur Pinto Benza».

«Indignadamente protesto por incompreensível concessão grande prémio

traidor de Portugal Luandino Vieira. Respeitosos cumprimentos. a) Epifànio

de Sousa».

«Apoio aplauso V. Ex.ª espírito cristão nacionalista de Braga defesa Pá-

tria portuguesa justíssima condenação atribuição prémio literário Sociedade

Escritores terrorista angolano clamor nacional. a) Luís Zuzarte».

«Aceite V. Ex.ª minha repulsa pela atribuição do grande prémio novela a

Luandino Vieira com os meus respeitosos cumprimentos. a) Roberto Perei-

ra».

«Repudio concessão prémio novela terrorista Luandino Vieira condenado

prisão. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Gomes Fontão».

«O sangue dos heróis não pode ser profanado. Mas foi pela Sociedade

Portuguesa de Escritores premiando um terrorista. Em nome de mil esquarte-

jados em Angola pedimos inexorável justiça. a) Roque de Vasconcelos».

«Angola não pode aceitar decisão júri Sociedade Escritores alta traição

conceder grande prémio condenado Luandino Vieira. Respeitosamente cum-

primenta V. Ex.ª a) Augusto Pereira».

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164 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Lavro recentemente protesto contra concessão prémio novela terrorista

Luandino. Cumprimenta sinceramente V. Ex.ª a) Lopes Ferro».

«Sr. Presidente do Conselho nesta hora em que o brio coragem e valentia

dos nossos soldados se patenteia diàriamente nas árduas e traiçoeiras lutas da

Guiné e Angola causando espanto e admiração ao Mundo é verdadeiramente

intolerável e inadmissível a inqualificável atitude do júri da Sociedade Portu-

guesa de Escritores premiando um dos responsáveis pelas chacinas de Ango-

la 1961. Que Deus guarde V. Ex.ª por largos anos e continue fiel garante da

nossa tradição história. a) Montenegro Carneiro».

«Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade

Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A

consciência nacional aguarda a punição. Ex-combatente da Guiné a) Joaquim

Rodrigues».

«Pedimos providências atitude Sociedade de Escritores cuja traição en-

vergonha o País e avilta os portugueses. a) Artur Álvares».

«Não concebo atribuição do grande prémio novela a Luandino Vieira.

Respeitosos cumprimentos. a) Silva Mascarenhas».

«Incoerente atribuição prémio terrorista Luandino Vieira inimigo da Pá-

tria. a) Augusto de Barros».

«Enèrgicamente protesto júri Sociedade Escritores contra atribuição pré-

mio novela traidor Vieira. a) Ribeiro dos Santos».

«Manifesto viva repulsa concessão prémio novela condenado Luandino

Vieira. a) Serrano de Matos».

«Causou viva repulsa todos portugueses concessão prémio Luandino Vi-

eira terrorista condenado. Apresento saudações V. Ex.ª. a) Joaquim Vina-

gre».

«Com tantos e tão bons escritores não se compreende que tivesse escolhi-

do para o prémio um antigo chefe dos terroristas. Respeitosos cumprimentos.

a) Martinho Ribas».

«Traição reprovo profundamente que júri Sociedade Escritores atribui

grande prémio traidor Luandino Vieira. a) António Inácio Cardoso».

«Portugal inteiro reprova distinção concedida terrorista Luandino Vieira

júri Sociedade Escritores. a) Bruno do Canto».

«Veemente protesto contra decisão Sociedade Escritores distinguindo

Luandino Vieira terrorista traidor da Pátria. a) Luís Vaz Spencer».

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Diário da manhã | 165

«Manifesto profunda indignação atribuição prémio novelista condenado

Luandino. a) Marques Queirós».

«É lamentável que se tivesse dado o prémio novela a um traidor da nossa

Pátria. Com os meus cumprimentos. a) António Nunes Bonfim».

«Portugueses de lei reprovam enèrgicamente atribuição prémio novela

terrorista Luandino. a) Carlos Albuquerque».

«Todo bom português se sente revoltado contra atribuição prémio novela

a um conhecido traidor. a) Carlos Neves».

«Protesto perante V. Ex.ª com indignação júri prémio novelístico atribuí-

do terrorista Luandino. a) Dias de Almeida».

«Tenebrosa insídia atribuição prémio terrorista Luandino Vieira. a) Oli-

veira Nunes».

«Atitude Sociedade Escritores Portugueses denuncia presença de traido-

res internos pondo em perigo segurança nacional. Solicitamos intervenção V.

Ex.ª formulando medidas punitivas que desagravem a honra da Pátria. a) Por

um grupo combatentes, Manuel de Sousa».

«Pouca conta tem Sociedade Escritores valores literários portugueses

conceder prémio novela Luandino Vieira que nos envergonhamos seja portu-

guês. a) Artur Tavarela».

«Excelência, com devido respeito apresento V. Ex.ª veemente protesto

contra atitude deplorável Sociedade Portuguesa de Escritores premiando obra

traidor Vieira Mateus. Peço vossa sábia interferência anulação prémio casti-

go corja júri. a) Alencastre Telo, escritor madeirense.»

Militares antigos combatentes enviam telegramas

ao Ministro do Exército

Quanto aos telegramas recebidos no Ministério do Exército, os seus sig-

natários são em grande parte, militares de todas as patentes que estiveram em

comissão de serviço no Ultramar e de famílias de outros que ali perderam a

vida em campanha, na luta contra os terroristas.

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166 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Telegramas recebidos no Ministério do Ultramar

Dos telegramas recebidos no gabinete do Ministro do Ultramar, destaca-

mos os seguintes:

«Vivamente indignadas famílias combatentes Ultramar Português de

Aveiro protestam contra atribuição prémio a um traidor – Comissão Distrital

M.N.F. Aveiro».

«Excelência Artur Lambert da Fonseca vem respeitosamente declarar jun-

to V. Ex.ª pediu demissão da Sociedade Portuguesa Escritores pelo telefone

ontem 22 e 35 com mais alta consideração – Escritor Artur Lambert da Fon-

seca».

«Núcleo Estudos Ultramarinos Covilhã, sentindo grande ofensa para to-

dos que combatem e trabalham no Ultramar serviço Portugal pela atribuição

prémio Sociedade Escritores terrorista angolano, protesta infame traição e

confia acção Governo. Afirmo V. Ex.ª maior e inteira devoção destinos ser-

viço Portugal. – Paulo Ratto Rainha».

[«]Casa Mocidade Covilhã, orgulhosa seus filiados combatentes Ultra-

mar, protesta infame traição Sociedade Escritores e reafirma V. Ex.ª sua

inteira devoção causa Portugal. Respeitosos cumprimentos – Leite de Cas-

tro».

«Como português e pai militar Guiné repugna-me aceitar título Portugue-

sa, Sociedade que galardoa o traidor – Ranito Baltazar».

«Representante numerosa família com quatro dos seus membros baten-

do-se presentemente em terras de África venho protestar indignadamente

junto de V. Ex.ª infâmia atribuição grande prémio novelística pela Sociedade

Portuguesa de Escritores a um indivíduo condenado por actividades de terro-

rismo ferindo assim os mais altos sentimentos patrióticos de cada um – An-

tónio Maria Pinheiro Torres».

«Juntamos nossa repulsa todo o País protestando indigno procedimento

extinta Sociedade Portuguesa Escritores. – pela Comissão Distrital do Mo-

vimento Nacional Feminino de Coimbra, Ricardina Saraiva de Moura».

Apoio à decisão do Ministro Galvão Teles

Muitos estudantes dirigiram, também telegramas de aplauso ao Ministro

Galvão Teles, nomeadamente o presidente da Associação de Estudantes de

Medicina Veterinária, em nome da colectividade; o secretário-geral da «Ac-

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Diário da manhã | 167

ção Académica», em nome dos filiados naquele movimento estudantil; e um

numeroso grupo de estudantes universitários de Coimbra, a manifestarem a

«sua profunda indignação pela torpe manobra política que constituiu a atribu-

ição de um prémio a um terrorista angolano».

Também um grupo de estudantes do Porto enviou ao titular da pasta da

Educação o seguinte telegrama:

«Estudantes da Universidade do Porto louvam a atitude firme de V. Ex.ª

na repressão severa, que deve estender-se aos membros irresponsáveis do júri

da Sociedade Portuguesa de Escritores. É tempo de acabar com atitudes

complacentes».

Entre as mensagens de aplauso dirigidas àquele membro do Governo, re-

gistamos hoje as dos Srs. presidente da Câmara Municipal de Lisboa; depu-

tados Gonçalves Rodrigues, José Alberto de Carvalho, António Santos da

Cunha e Baptista Felgueiras; governadores civis de Aveiro e de Braga; vi-

ce-reitor da Universidade de Lisboa; governador e administradores do Banco

de Fomento; direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal;

Embaixadores José Nosolini e Xara Brasil; Profs. Drs. Gustavo Cordeiro

Ramos, Joaquim Silva Godinho e Rios de Sousa; presidente da Comissão

Regional de Turismo de Leiria, Agência de Lisboa da Liga dos Combatentes,

Delegação do Movimento Nacional Feminino de Viseu, Núcleo de Faro da

Liga dos Antigos Graduados da M.P., Casa da Mocidade da Covilhã e Gré-

mio da Lavoura de Alcácer do Sal; Comissário Nacional da M.P.; Reitor[es]

dos Liceus de Póvoa de Varzim, de Setúbal e de Viseu; Padre José Gonçal-

ves de Beja; escritores Rodrigues Cavalheiro, Henrique António Pereira,

Goulart Nogueira, Luís Nozes Tavares, Aníbal José e Manuela Reis; César

Augusto e Manuel Lereno, em nome do Grupo de Teatro Gil Vicente; Padre

Pereira da Silva, em nome da Congregação dos irmãos Maristas, de que é

provincial; direcções do Externato Paiva Couceiro, de Mira de Aire; do Co-

légio de Estarreja, da Escola Académica, do Colégio de S. Francisco de Assis

e da Escola Asilo de S. Pedro de Alcântara; professores do Ensino Primário

dos concelhos de Belmonte, de Castelo Branco, de Castro de Aire, do Fun-

dão, de Idanha-a-Nova, de Oleiros, de Pampilhosa da Serra, de Proen-

ça-a-Nova, da Sertã, e de Vila de Rei; professores e alunos da Escola do

Magistério Primário de Évora; presidente[s] dos Municípios de Águeda,

Albufeira, Aveiro, Anadia, Arouca, Albergaria-a-Velha, Vila do Conde,

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168 | A rep(r)e(rcu)ssão política

S. Pedro do Sul, Baião, Viseu, Vale de Cambra, Murtosa, Nisa, Ovar, Espi-

nho, Ílhavo, Fundão, S. João da Madeira, Oliveira do Bairro, Vagos, Sever

do Vouga, Castelo de Paiva, Oliveira de Azeméis, Feira, Estarreja e Mealha-

da; revista «Itinerários» e jornal «Combate».

Um telegrama do presidente da Fundação Gulbenkian

ao Governador-Geral de Angola

LUANDA, 24 – O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian dirigiu

ao Governador-Geral de Angola o seguinte telegrama:

«Tenho a honra de informar V. Ex.ª que a Fundação Calouste Gulbenkian

não tem qualquer intervenção na constituição dos júris que atribuem os pré-

mios literários da Sociedade dos Escritores Portugueses, nem nas suas reso-

luções que só conhece depois de definitivamente tomadas e publicadas.

A Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa le-

galmente constituída para o efeito de exercer um dos seus fins estatutários.

Afirmo mais uma vez a V. Ex.ª a minha repulsa pelos actos de terrorismo

praticados nessa província e a minha inteira solidariedade moral com as suas

vítimas.

Respeitosos cumprimentos. – a) Azeredo Perdigão.» – (L.)

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Diário da manhã | 169

Diário da manhã. 25-V-1965, p. 2.

Tem de ser ocupada com urgência a «trincheira» da cultura por vezes

deixada em mãos hesitantes – afirmam os intelectuais de Angola

LUANDA, 24 – Os meios culturais desta Província entendem que o epi-

sódio registado com o júri da Sociedade de Escritores revela a necessidade

imprescindível de guarnecer e defender a «trincheira» da cultura portuguesa,

mormente nos sectores de maior contacto com as massas populares. Enten-

de-se que esse baluarte não pode estar à mercê de infiltrações do inimigo ou

traidores, quer se trate de jornais, emissoras, editoras, importadoras e distri-

buidoras de livros e publicações.

Intelectuais cujas opiniões ouvimos declaram o seu respeito pelo primado

no espírito da liberdade da criação literária, mas acrescentam nada poder ser

tolerado nesta hora de luta nacional, que possa ferir o prestígio e a coesão de

um povo inteiro, envolvido num combate de sobrevivência.

A «trincheira» da cultura por vezes adormecida ou deixada em mãos hesi-

tantes ou distraídas, tem de ser ocupada com urgência e energia combativa. O

inimigo ou traidores tentam aproveitar a menor brecha para ocasionar pertur-

bações com reflexo externo.

O episódio agora ocorrido ocasionou tantas manifestações de defesa dos

interesses nacionais que contém uma lição grave: Urge criar condições nas

quais todos os intelectuais dignos da sua condição de portugueses possam

construir as suas obras e servir a cultura de maneira a prestigiarem-se e a

prestigiar a Nação no mundo sem risco de serem atraiçoados por elementos

infiltrados nas fileiras com pretextos cavilosos. Todas as frentes têm de ser

guarnecidas – desde a militar à económica e à cultural. Caso contrário seria

deixar portas abertas para as incursões do adversário sob disfarces vários.

«Trincheira abandonada»

Focando este assunto o diário «O Comércio», insere hoje um editorial sob

o título «Trincheira abandonada», no qual depois de ponderar pormenoriza-

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170 | A rep(r)e(rcu)ssão política

damente os aspetos da grande batalha entre a civilização ocidental e o mar-

xismo que ganha amplitude mundial após a Segunda Grande Guerra, afirma:

«Não escapámos, nós, portugueses, a sermos envolvidos nessa batalha. E

não havia como escapar uma vez que a Península Ibérica é posição-chave da

velha Europa e a nossa contextura de Nação pluricontinental faz-nos no pre-

sente em dilatadas partes do globo.

Por isso, nas fronteiras da Guiné como nas de Angola ou Moçambique,

nos batemos e também contra as hordas aliadas do marxismo internacional,

empunhando armas indiferentemente enviadas da Rússia, da Checoslováquia,

da China ou da Argélia. Isto não é mera imagem literária, porque está larga-

mente comprovado nos arsenais capturados ao inimigo.»

Mais adiante, depois de analisar os aspectos da infiltração comunista e o

esforço nacional para manter invioláveis as nossas fronteiras, o articulista

pergunta: – «Mas fizemos quanto devíamos? Consolidámos convenientemen-

te todas as posições? Guarnecemos devidamente todas as trincheiras?

Factos bem recentes provam bem que não! Combatemos peito aberto o

inimigo de armas na mão. Cuidamos de que ele não nos surpreenda na reta-

guarda. Vigiamos estreitamente as fronteiras terrestres, marítimas, fluviais e

aéreas. Mas deixámos-lhe, lamentàvelmente, aberta a trincheira da subversão

dos espíritos com a máxima amplitude em todas as camadas do pensamento e

da opinião.»

A terminar e depois de analisar as possíveis causas dessa infiltração,

afirma: – «Pois bem: – Cremos chegado o momento de operar abertamente a

recuperação dessa tão valiosa trincheira! Tal como nos combates de armas na

mão, nenhuma posição está definitivamente perdida, enquanto restarem as

possibilidades de rectificação dos movimentos e se dispuser de forças capa-

zes de as levarem a cabo.

Para isso não basta expurgar de umas quantas pretensas «Páginas literá-

rias» os fermentos vivos da subversão – quer eles se apresentem com os seus

verdadeiros nomes quer ocultos sob disfarces ou pseudónimos. Há que ir

mais além, contrapondo-lhes a divulgação insistente dos valores positivos da

cultura portuguesa – e não só do passado e não só aqueles que uma errada

política contemporizadora tem permitido que se atirem para a prateleira co-

mo ultrapassados – mas também com uma colaboração activa de valores

actuais e de novos valores.

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Diário da manhã | 171

Há uma importante trincheira que deixámos cair em poder do adversário

apenas porque a abandonámos – por comodismo, por desinteresse, até mes-

mo só para não pareceremos “demodés” ou reaccionários e para querermos

dar a impressão de progressistas – factos recentíssimos e cuja gravidade nin-

guém ousará minimizar demonstram de modo concludente a importância

dessa trincheira, que tão levianamente abandonámos.

Reconquistemo-la, pois![»] – (L.)

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172 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 26-V-1965, p. 1.

Transigimos de mais

Este caso horrível da Sociedade Portuguesa de Escritores – apresentan-

do-se, além do mais, como uma espécie de socorro vermelho, a canalizar os

dinheiros dados de boa fé, desviando-os do seu destino normal, em benefício

de traidores e terroristas – veio pôr a Nação perante uma circunstância que

ultrapassa os limites do mísero evento a que nos referimos. Uma circunstân-

cia geral, a que A Tribuna de Lourenço Marques se referia, e muito bem, pela

pena sagaz de A. D. Observou este:

O sentido da actual manifestação unânime do povo português é bem cla-

ro. Estamos fartos das «pseudo-incompreensões», das «pseudo-ingenui-

dades», do espírito de «pseudo-boa-vontade», que servem geralmente para

encobrir linhas de conduta contrárias ao sentimento colectivo da Nação,

mais uma vez evidenciado neste momento.

Na verdade, o processo tem decorrido perfeitamente assim: de um lado, o

assalto organizado à vida mental portuguesa, através de uma rede cuidado-

samente tecida, em que não há malhas largas nem pormenor esquecido; do

outro, uma desatenção, uma condescendência pelos atrevimentos da rapazia-

da, uma auto-suficiência de pessoas que julgam estar muito seguras atrás da

polícia ou sobre os títulos de capitais dos seus negócios. E desta forma suce-

de que, passando pelos intervalos de leis muito sábias, recheadas de boas

intenções e de preceitos louváveis, e confiados na distracção (e em certos

casos não será cumplicidade negociada?) dos que têm por dever principal a

vigilância – os comunistas desenvolvem o ataque.

Se nós não reparamos a tempo, se a consciência nacional não reage de re-

pente, alertada por um caso de traição repugnante como é o de premiar um

terrorista condenado, se o sangue dos heróis caídos por culpa daquele e de

outros criminosos não se representa no grito alto de indignação, que por todo

o País reboou – eles continuariam, já não na sombra, mas inteiramente às

claras a sua obra nefasta.

Que o alarme da Sociedade Portuguesa de Escritores nos leve a desfazer

os outros redutos da traição. Já transigimos de mais. Temos de evitar novos

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Diário da manhã | 173

erros e reparar a tempo os que já fizemos – com as nossas complacências.

Como dizia o mesmo A. D. no artigo a que nos referimos:

O marxismo não nasce das carências económicas; nasce muito natural e

forçosamente, das carências espirituais, das nossas abdicações doutrinárias,

das nossas fraquezas como políticos – e, no caso concreto português, de

certa mentalidade de abdicação e fraqueza, que se tem infiltrado em alguns

meios.

É assim mesmo. E por isso não podemos transigir, nem com os tecedores

da teia, nem com os que se aproveitam das nossas concessões distraídas para

traírem a Pátria. Não podemos.

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174 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 26-V-1965, p. 1.

Alerta?

1 – Não são muitos os que vivem alheios ao destino da Pátria e procedem

como se o que se passa no Ultramar a todos não imponha concretas obriga-

ções cívicas.

Não são muitos, mas são bastantes.

No Povo, se existem, são raros.

Contam-se, marcadamente, entre usufrutuários de posições rendosas ou

cómodas e na informe e confusa multidão daqueles que se dizem intelectuais

e estetas ou afins de uns e de outros.

Não são muitos, mas são bastantes.

2 – Dizia o nosso Francisco Manuel de Melo, na Carta de guia dos casa-

dos, que uma gota de tinta suja uma pipa de água e que, às vezes, uma pipa

de água não basta pra limpar uma gota de tinta.

As doenças propagam-se pelo contágio e a saúde não.

O mal extravaza-se [sic] nas almas descuidadas e fracas, enquanto o bem,

para se propagar, exige adesão voluntária e activa.

Por isso, embora aqueles não sejam muitos impõem a promulgação e a

execução de rígidas e rijas medidas sociais – verdadeiramente defensivas.

Chamamos-lhes sociais e não políticas porque, não obstante estas sempre

o serem também, as medidas em causa se destinam directamente a preservar

a sociedade.

3 – As epidemias combatem-se, quando não foi possível evitá-las. Mas a

boa prática sanitária é aquela que as inviabiliza pela prevenção organizada.

Até o Povo diz que vale mais prevenir do que remediar.

4 – As premissas expostas têm a realidade e a evidência do que vemos e

palpamos.

A conclusão a que levam é, assim, irrecusável, a não ser que a consciên-

cia faça, não vista grossa pois que não chega, mas a traição de se recusar a

formulá-la.

E essa conclusão é a seguinte:

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Diário da manhã | 175

– a todos, mas a todos, deve ser adequadamente imposta a obrigação de

solidariedade activa para com os que defendem a Pátria.

5 – Este advérbio adequadamente deveria chegar para tudo dizer. A res-

ponsabilidade em causa é a de quem tem de agir.

Quem governa não pode deixar de saber o que é preciso para bem gover-

nar.

No entanto, ousamos fazer uma sugestão – que julgamos basilar para ge-

ral esclarecimento de todos e boa e cívica pedagogia.

6 – Não há, pràticamente, um só cidadão que não seja componente de

qualquer agrupamento ou associação. Uns pertencem às escolas, ensinando

ou aprendendo. Muitos e muitos são sócios de colectividades de desporto, de

recreio, etc.

Os estatutos das organizações corporativas já incluem a afirmação da fi-

delidade à Pátria, como básico princípio social.

Mas em quantas escolas se apregoa solenemente e oportunamente esse

princípio?

Em quantas não está esquecido?

Quantos professores, sobretudo cá por cima, o não combatem, nas explí-

citas possíveis e nas implícitas… impossíveis?

Em que estatutos de que associações de qualquer tipo esse princípio foi

consignado?

Se tivesse sido exarado nos da extinta Sociedade Portuguesa de Escrito-

res, seria possível ela ter feito a agulha que fez e seguir atrevidamente, como

em comboio vermelho, até ao seu recente descarrilamento?

7 – Para que todos cumpram a obrigação de solidariedade activa que de-

vem à Pátria, será necessário muito mais do que aquilo que vamos preconi-

zar.

Mas é fundamental, urgente e inadiável:

– que em todos os estabelecimentos de ensino, públicos e particulares, se

realizem periòdicamente, com solene dignidade e expressivo programa, ses-

sões consagradas à ética da Pátria e particularmente, aos problemas nacionais

instantes;

– que em todos os estatutos de todas as colectividades seja afirmado o

amor da Pátria, com a incondicional aceitação das obrigações que ele impõe,

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176 | A rep(r)e(rcu)ssão política

em artigos ou parágrafos de redacção inequívoca, a introduzir imediatamente

nos das já existentes e a inserir nos das futuras. Se o não quiserem, nós é que

devemos não as querer.

Ângelo César

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Diário da manhã | 177

Diário da manhã. 26-V-1965, pp. 1 e 3.

Inquérito em Angola aos antecedentes da concessão

do prémio da S.P.E.

LUANDA, 25 de Maio – A Repartição do Gabinete do Governo-Geral

distribuiu hoje à noite o seguinte comunicado:

«1 – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o ca-

so da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade Portuguesa de Escrito-

res.

«2 – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimen-

tos, alguns ocorridos nesta Província, em épocas e administrações sucessivas,

cujas interrelações importa ao bem do público detectar e esclarecer.

«3 – Assim o entendendo, desde o início, o Governo-Geral determinou

oportunamente ao serviço competente a averiguação completa acerca de

assunto tão grave».

A Imprensa angolana, nomeadamente o «Diário de Luanda» e «O Comér-

cio», continuam a dedicar ao caso largo espaço. – ANI.

Apoio à decisão do Governo

Centenas de telegramas de protesto, pela concessão do Grande Prémio de

Novelística a Luandino Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores,

continuam a ser recebidos na Presidência do Conselho e nos gabinetes de

vários membros do Governo, nomeadamente dos titulares das pastas do Inte-

rior, do Ultramar e da Educação Nacional.

Na Presidência do Conselho foram recebidos entre outros os telegramas

seguintes:

«Com autoridade que me dá ter ombreado em Angola com aqueles que ali

vertem seu sangue em defesa sagrado solo pátrio, reclamo V. Ex.ª exemplar

punição cobardes traidores Sociedade Anti-Portuguesa Escritores. a) Abel

Condesso, oficial Caçadores».

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178 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Indignadamente reprovamos decisão Sociedade Portuguesa Escritores

manifestando máxima satisfação Governo alta chefia V. Ex.ª reprimindo acto

traição. a) Oficiais e graduados Legião Portuguesa, Porto».

«Câmara Municipal de Oliveira do Hospital protesta indignadamente in-

qualificável atitude Sociedade Portuguesa Escritores, apoiando desagravo

Governo sua imediata dissolução. Apresento V. Ex.ª respeitosas homena-

gens. a) Presidente Câmara Oliveira Hospital».

«Comissão União Nacional do Concelho Feira, protesta indignadamente

contra antipatriótica afronta decisão júri, Sociedade Escritores, prémio nove-

lista, exprimindo pessoa insigne V. Ex.ª, Governo Nação total solidariedade.

Respeitosos cumprimentos. a) presidente Belchior da Costa».

«As alunas da Escola Regentes Agrícolas, Coimbra, saúdam V. Ex.ª tes-

temunhando sua indignação pelo prémio atribuído por traidores a um traidor

terrorista».

«Pai furriel Manuel Francisco Martins morto pelos terroristas combate

Angola também pai furriel António Martins actualmente combatendo Angola

apoia com fervor nobre única atitude Governo dissolvendo Sociedade Escri-

tores. a) Manuel Francisco Martins».

«Peço licença exprimir toda repulsa atitude Sociedade Portuguesa Escri-

tores esquecendo elementares princípios dignidade e ofendendo gravemente

elevado patriotismo toda Nação. a) Comandante distrital Legião Portuguesa

Porto».

«Liga Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa participa viva repulsa

nacional actividades antipatrióticas Sociedade Escritores e lamenta perda

vigor institucional política nacionalista tenha permitido a um traidor benefi-

ciar sucessivos prémios pseudo literários após o seu vil comportamento terras

portuguesas de África. Em nome camaradas caídos defesa de Angola e dos

que servem e se aprestam para servir nas províncias ultramarinas o ideal

lusíada de um humanismo cristão e redentor com o maior empenho solicita-

mos indispensável revigoramento doutrinário e urgente revitalização das

estruturas político-sociais criadas Revolução Nacional. a) A Direcção».

«Protesto enèrgicamente acto indigno Sociedade Escritores que premiou

trabalho de um traidor. a) Tenente-Coronel Abílio Ferro.»

«Pai combatente aviador Angola apresenta V. Ex.ª protestos máxima re-

pulsa procedimento vergonhoso Sociedade Escritores classifica criminoso.

a) Capitão Henrique Tomé, Legião Portuguesa.»

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Diário da manhã | 179

«Comandante distrital Legião Portuguesa Aveiro apresenta V. Ex.ª indig-

nado protesto inclassificável procedimento Sociedade Escritores verdadeira-

mente criminoso merecendo maior repulsa. a) Coronel Ferrer Antunes.»

«Grémio da Lavoura Arcos de Valdevez apresenta V. Ex.ª veemente pro-

testo contra vendilhões da Pátria que procuram minar a retaguarda da frente

portuguesa. Respeitosos cumprimentos. a) presidente padre Vidal Gachinei-

ro.»

«Em nome Câmara Municipal e Comissão Concelhia União Nacional vi-

mos juntar o nosso ao mais veemente protesto que toda a Nação portuguesa

viril e patriòticamente manifesta pedindo adequadas providências vil traição

certos escritores que se dizem portugueses. Os mais respeitosos cumprimen-

tos. a) António José Costa Leme presidente Câmara Municipal de Esposen-

de.»

Telegramas e cartas recebidas [sic] no Ministério do Interior

Dos telegramas recebidos no gabinete do Ministro do Interior, destaca-

mos os seguintes:

«Apresento a V. Ex.ª, em meu nome pessoal e no de todos os paroquianos

da freguesia de Benfica o mais enérgico protesto contra a atribuição do pré-

mio a um traidor, manifestando todo o apoio firme à atitude do Governo de

extinção da Sociedade de Escritores, porque a batalha de defesa do Ultramar

terá de ser ganha também grandemente na Metrópole. a) presidente Dr. Oli-

veira Hagatong.»

«A inqualificável atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores, atri-

buindo um prémio literário a um miserável traidor merece severo castigo em

desagravo daqueles que foram massacrados pelo terrorista e ainda dos que

perderam a vida ou se batem pela integridade da Pátria no Ultramar, e porque

é indispensável severo castigo que obste de futuro a atitudes semelhantes.

Premiar um traidor é também traição. a) Presidente da Câmara Municipal de

Guimarães José Pinto de Oliveira.»

«É tão traidor o galardoado como os que o galardoaram. A Nação exige

seja desafrontada. a) Ranito Baltasar, Covilhã».

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180 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«A Junta Municipal de Monchique da causa Monárquica repele a afronta

feita à Nação pela Sociedade de Escritores. a) Diogo Sebastiana».

«A Junta Distrital de Faro, em sua reunião extraordinária, manifesta deci-

dido apoio ao Governo da Nação e apresenta os mais veementes protestos

contra a acintosa decisão do júri do concurso da Sociedade Portuguesa de

Escritores ao atribuir o prémio a uma obra que representa afronta e traição à

dignidade da Pátria. a) presidente, Raul de Bivar».

«Em nome da Câmara Municipal de Torres Vedras e no meu próprio,

apresento sentido protesto pela atitude da Sociedade de Escritores e afronta à

soberania portuguesa. a) Presidente da Câmara».

De registar igualmente as duas seguintes cartas recebidas pelo titular da

pasta do Interior:

«Belmonte – Excelência: Como português, nacionalista e pai de um moço

oficial miliciano, em serviço na província portuguesa de Angola, não posso

deixar de protestar contra o crime de alta traição cometido pela Sociedade

Portuguesa de Escritores, ao premiar um terrorista assassino. Portugal inteiro

exige um severo e justo castigo aos traidores para que sirva de exemplo, a

muitos encobertos, que estão penetrando em organismos responsáveis e até

administrativos. Os meus respeitos. a) Manuel Martins».

«Casal de Santa Teresinha (Bemposta – Leste) – Sr. Ministro do Interior:

Homem mais de acção do que de palavras, que a vida rude do campo assim

nos ensina, legionário de 1936, com funções de responsabilidade na organi-

zação do Batalhão 9 e Comando Distrital em Lisboa, e agora, não obstante os

seus 65 anos, no Terço Independente 27, em Abrantes, não só pelo meu pró-

prio sentir mas pelo sentir dos legionários do Terço, venho apresentar a V.

Ex.ª, pedindo o transmita a Suas Ex.as

os Srs. Presidente do Conselho e Mi-

nistro da Educação Nacional, o mais enérgico protesto contra os responsáveis

na Sociedade Portuguesa de Escritores que ao atribuírem um prémio a um

criminoso terrorista de Angola, não só desafiaram os nossos mortos ali tom-

bados, mas todos os portugueses, tornando-se mais criminosos, e mesmo

mais perigosos, que o premiado, pois maduramente terão bem pensado no

efeito político que tal acto iria produzir nos meios internacionais afectos ao

mesmo terrorismo. Pedindo o castigo implacável dos responsáveis, pronto

para todos os sacrifícios sem qualquer remunerações [sic], que as não tenho

que a Pátria de mim necessite, peço licença para me assinar, com os mais

respeitosos cumprimentos, e subordinado humilde. a) Firmino Francisco

Simões, chefe de secção ajudante».

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Diário da manhã | 181

Mensagens de protesto enviadas ao Ministro do Ultramar

Revestem-se de particular interesse, os seguintes telegramas recebidos no

Ministério do Ultramar:

«Câmara Municipal Vila do Conde junta seu clamor onde [sic] protestos

contra inconcebível atitude Sociedade Escritores premiando um responsável

terrorismo Angola – Presidente Carlos Pinto Ferreira».

«Ao chegar Luanda tomei conhecimento indigna atitude Sociedade Por-

tuguesa Escritores desejando manifestar imediatamente V. Ex.ª inteiro calo-

roso apoio posição tomada Governo Nação através despacho Ministro Edu-

cação Nacional que traduziu mais viva repulsa todos portugueses perante

inqualificável agravo memória quantos tombaram defesa da Pátria ofendendo

profundamente sentimento nacional. Respeitosos cumprimentos. Carlos Mo-

reira Rato – Governador Banco Angola».

«Deputados Moçambique residentes presentemente nesta província solici-

tam V. Ex.ª seja legítimo intérprete seus sentimentos veemente repulsa junto

Sr. Presidente do Conselho contra atribuição prémio literário pela Sociedade

dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e traidor Angolano Mateus Graça.

Melhores cumprimentos. – Custódia Lopes, Fernando Frade, Manuel João

Correia, Videira Pires».

«Comissão Provincial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique

com autoridade de ter sempre cumprido seu lema por Deus e pela Pátria

apoiando com maior solicitude moral soldados Portugal expressa V. Ex.ª a

mais sentida repulsa prémio concedido terrorista condenado hediondo crime

Angola consideramos mais um acto contra alta moral com que portugueses

defendem Pátria e futuro Nação».

Telegrama do Governo-Geral de Moçambique

O Governador-Geral de Moçambique enviou ao Ministro do Ultramar o

seguinte telegrama:

«Tenho a honra de transmitir V. Ex.ª seguinte: O Conselho Económico e

Social na reunião de hoje decidiu levar V. Ex.ª seu unânime sentir de repulsa

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182 | A rep(r)e(rcu)ssão política

e de indignação pela atitude tomada pela Sociedade Escritores que representa

uma afronta a todos os portugueses. Respeitosos cumprimentos».

Enviaram também, telegramas e cartas de protesto para os Ministérios da

Presidência, do Ultramar e da Educação Nacional, José Catina, Ezequiel

Martins Pereira, a escritora Odette de Saint-Maurice, e muitos professores,

estudantes, escritores e jornalistas.

Reacções da Imprensa de Lourenço Marques

LOURENÇO MARQUES, 25 – A Imprensa de Lourenço Marques conti-

nua a referir-se ao caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, trans-

crevendo os discursos ontem proferidos na sessão do Conselho Económico e

Social da província, «condenando a desonrosa atitude», e que terminou com

um telegrama enviado ao Ministro do Ultramar, pelo Governador-Geral,

General Costa Almeida.

Referem também os jornais os telegramas de protesto enviados pelos de-

putados da província e pelo Movimento Nacional Feminino. – ANI.

A extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores

Na terceira série do «Diário do Governo» de ontem vem publicado o des-

pacho do Ministro da Educação Nacional, que declara «extinta, nos termos

do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a Sociedade

Portuguesa de Escritores, com sede em Lisboa».

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Diário da manhã | 183

Diário da manhã. 27-V-1965, pp. 1 e 3.

Um editorial do Diário da Manhã

referido com relevo pelo New York Times

NOVA IORQUE, 26 de Maio – O editorial de ontem do quotidiano de

Lisboa DIÁRIO DA MANHÃ teve acentuada repercussão nos Estados Uni-

dos.

«The New York Times»1, por exemplo, transcreve parte desse editorial,

dizendo que o DIÁRIO DA MANHÃ «anunciou que o Governo está dispos-

to a agir severamente contra a Sociedade de Escritores».

A correspondente do «Times» na capital portuguesa transcreve ainda as

afirmações de que «Portugal está em guerra» – e de que se pede «firmeza

implacável[,] intransigência total e determinação irrevogável» no caso de

Luandino Vieira.

A firme e pronta reacção do povo e do Governo à decisão da extinta So-

ciedade Portuguesa de Escritores tem sido seguida com interesse nos círculos

de influência norte-americanos e internacionais em Washington e nesta cida-

de.

Particular atenção parecem ter merecido as reacções das províncias ul-

tramarinas portuguesas especialmente de Angola e a sua resoluta condenação

do júri. – ANI.

Telegramas de protesto

De todos os pontos do País continuam a ser enviados à Presidência do

Conselho e aos Ministérios do Interior, Ultramar e Educação Nacional eleva-

do número de telegramas de apoio ao Governo pela firme decisão tomada

acerca da concessão do Prémio de Novelística – 1964, pela extinta Sociedade

Portuguesa de Escritores.

Dos telegramas ontem recebidos naqueles departamentos do Estado, des-

tacamos entre muitos outros os seguintes:

1 (Nota do editor) Cf. Apêndice, pp. 319-320.

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184 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Manifesto V. Ex.ª veemente protesto atitude antipatriótica Sociedade

Portuguesa Escritores concessão prémio literário terrorista angolano. a) Co-

ronel Vitória (Guarda)».

«Protesto indignadamente contra acção antipatriótica da Sociedade Portu-

guesa Escritores ter galardoado o traidor à Pátria angolano Luandino Vieira.

a) Sargento Manuel António Nascimento».

«Profundamente indignado procedimento ignóbil Sociedade Escritores

ofensivo nossa querida Pátria combatentes Ultramar elemento primeira linha

solicita V. Ex.ª sanções drásticas crime cometido. a) Capitão Ramos Boavi-

da».

«Apresento V. Ex.ª veemente protesto contra malévola atitude Sociedade

Escritores solicitando adequado castigo para tão insólita traição. a) Major Sá

Cardoso».

«Como português modesto escritor e pai dois militares combatentes An-

gola lavro meu protesto contra atitude inqualificável Sociedade Escritores

atribuição prémio literário um terrorista. a) Antero Nobre».

«Inqualificável atitude Sociedade Portuguesa Escritores atribuindo pré-

mio literário a um miserável traidor merece severo castigo em desagravo

daqueles que foram massacrados pelos terroristas e ainda dos que perderam a

vida ou se batem integridade da Pátria no Ultramar é indispensável severo

castigo que obste de futuro atitudes semelhantes premiar um traidor é tam-

bém traição. a) José Pinto Oliveira Presidente Câmara Guimarães».

«Coração pai 2 filhos Ultramar estala dor pelo sacrilégio contra Pátria

praticado pela Sociedade Escritores. Até quando abusarão da nossa paciência

os traidores de Portugal? a) Teófilo da Cruz».

«Como antigos combatentes Ultramar repelimos afronta feita Nação So-

ciedade Escritores camaradas caídos e seus familiares exigem desafronta.

aa) Diogo Sebastião, Manuel Gregório Vivaldo, João André Valentim, Antó-

nio Inácio Duarte Marreiros, António Duarte, João Catarino, José Viana, José

Nunes e Manuel Gonçalves».

«Decidido aplauso pela corajosa, pronta e eficaz actividade. a) Goulart

Nogueira».

«Em nome pessoal e do grupo Teatro Gil Vicente que dirigimos repudia-

mos grave traição à Pátria e à memória dos que nobremente caíram na sua

defesa ultrajante atribuição prémio novela pela Sociedade Escritores a vendi-

lhão confesso do sagrado território nacional. a) César Augusto e Manuel

Lereno».

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Diário da manhã | 185

Enviaram também telegramas:

Presidente da Câmara Cabeceiras de Basto, Coronel Pacheco; Solano de

Almeida; Junta Freguesia Penalva de Alva; Graça Reis; Centro Popular de

Cultura de Leiria; Comissão Concelhia União Nacional Coimbra; Eleutério

Simões; António de Almeida Braga; Manuel Paulo Ribeiro; professores,

funcionários e alunos da Escola Regentes Agrícolas de Coimbra; Dr. Gabriel

Medeiros Galvão; Acção Católica de Carregal do Sal; Junta Distrital de Faro;

Comando Distrital de Bragança; Com. Sr. Terço Castelo Branco; comandan-

te lança, Lobão Ferreira; Miguel Lopes; legionários distrito Viseu; coman-

dante lança, Normando; Rui Sacadura; lança, Dimas Fonseca; oficiais milícia

graduados e legionários Vila Real; oficiais graduados e legionários de Cha-

ves; Daniel Castanheira; Matos Parreira; Ernesto Antunes; Viriato Lima;

José Boaventura; José Nobre; José Alexandre; José Sebastião; Bernardino

Nobre; José Luzia; Manuel Joaquim; pessoal direcção e agentes ensino distri-

to escolar Guarda; oficiais graduados e legionários de Viana do Castelo;

Augusto dos Santos; comandante, oficiais e legionários distrito de Braga

entre os quais figuram muitos ex-combatentes Angola e Guiné; comandante

terço, oficiais, milícia e legionários de Barcelos; Carvalho Monteiro; Câmara

Municipal de Vila do Conde; Câmara Municipal de Barrancos; legionários de

Vila Pouca Aguiar; delegado Sabrosa e seus legionários.

No gabinete do Ministro do Interior foi recebido o seguinte telegrama: «A

Junta de Freguesia de Vale de Prazeres protesta veementemente contra a

publicação e fotografias e a apologia feita no «Jornal do Fundão» de Luandi-

no Vieira, terrorista de Angola. a) o presidente José Salvado Pereira».

A Junta Distrital de Lisboa, presidida pelo Sr. Eng.º Ribeiro Ferreira, ma-

nifestou o seu protesto contra a forma como foi atribuído o prémio novelísti-

co por um júri da Sociedade Portuguesa de Escritores e apoiou inteiramente a

atitude tomada pelo Ministro da Educação Nacional ao extinguir aquela so-

ciedade.

O Conselho Legislativo de Moçambique discorda por aclamação

da decisão do júri da S.P.E.

LOURENÇO MARQUES, 26 – O Conselho Legislativo na sua sessão

aprovou, por aclamação, uma proposta do Dr. Gonçalo Mesquitela de repú-

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186 | A rep(r)e(rcu)ssão política

dio e protesto pela do júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, no

caso que levantou justos clamores em todo o País.

Estes sentimentos foram transmitidos por telegrama ao Ministro do Ul-

tramar.

A Sociedade de Estudos reunirá hoje para tratar também do lamentável

caso. – ANI.

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Diário da manhã | 187

Diário da manhã. 27-V-1965, pp. 1 e 3.

O caso da S.P.E.

A reacção de Angola numa palestra radiofónica

do escritor Ferreira da Costa

Já por várias vezes se intentou, como é sabido, ocupar posições-chaves

em organizações ditas literárias, em jornais, em emissoras, em editoriais, e

até em organizações importantes de livros e publicações. Em todos esses

sectores, e até noutros, rotulados, pomposamente, de puramente publicitários,

o inimigo, ou quem com ele está disposto a entender-se, por ambição de

poder, ou de aumento de fortuna, tem diligenciado ocupar posições que lhe

consintam, sob disfarces vários, num esmero zeloso trair quem nesta terra

portuguesa de Angola que [sic] luta e trabalha pelo povo português, multirra-

cial em todas as manifestações do seu viver. E não se trate [sic], sublinhe-

mos, de oposição, ou situação, questiúncula, que, entre nós, deixou de ter

significado imediato, porque a todos nós une a ideia da defesa comum e da

integridade portuguesa. Um intelectual angolano, aqui nado e educado, di-

zia-nos esta tarde: «A trincheira não pode continuar abandonada ou guarne-

cida, por gente incerta, hesitante ou suspeita[»]. Lancemos o nosso apelo,

porque esta hora assim o exige, ao Presidente do Conselho, que tem os olhos

postos em nós. Alarguemos o nosso apelo aos Ministros do Ultramar, da

Educação, do Interior e dos Negócios Estrangeiros, já que se trata de uma

arrancada com projecção internacional. Roguemos-lhes que nos ajudem a dar

um passo em frente contra os que estejam a trair, a lesar por estupidez, ou

simplesmente por culposa apatia. Se a luta é de âmbito nacional, não há lugar

para apáticos, nem sonolentos, nem comodistas mais ou menos cobardes,

mesmo ainda para traidores encobertos sob designações ambíguas, não pode

continuar a haver a menor parcela de terreno em que se movam. Com efeito,

sabemos que traduzido este apelo, que é sentido e sério, e que representa

energias dispostas a entrar em acção e que não podem ser abandonadas, algo

se vai empreender. Será novamente de Angola que partirá esse vibrante toque

de clarim, a chamada às fileiras de quem ande extraviado, disperso, ou não

tenha ainda entendido que nós não consentimos na reincidência em confian-

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188 | A rep(r)e(rcu)ssão política

ças excessivas nem na repetição de desleixos, na ocupação da trincheira da

cultura nacional. A hora exige acção a peito descoberto, em todos os campos.

Não há que perder tempo. Perdê-lo já seria não servir. E não servir, neste

momento, seria uma forma de traição. Que se manifeste, quem tem o dever

de manifestar-se. Nem o silêncio é atitude aceitável, neste momento.

Luanda reage

O revoltante caso que levou à extinção da Sociedade de Escritores, dita

portuguesa, está a suscitar em Luanda, depois dos enérgicos protestos já

assinalados, um sério movimento de reacção contra certo abandono a que se

tem chegado na defesa das trincheiras da cultura, sobretudo naqueles que

mais directamente estão em contacto com as massas populares.

Jornais, Rádio, Cinema, livros, são forças que não podem estar, neste

momento, à mercê de infiltrações de elementos adversos à Nação, conluiados

com o inimigo externo, ou mais ou menos disfarçadamente entendidos com

factores de perturbação interna.

Neste momento de luta em todas as frentes, desde aquela que as heróicas

Forças Armadas ocupam, tão abnegadamente, até à da economia, o factor

cultural deve merecer o mais extremo cuidado, digamos mesmo a mais atenta

e sagaz vigilância, já que o inimigo (ou o traidor mais repugnante que o ini-

migo declarado) pretende aproveitar a menor frincha para se esgueirar até ao

interior da praça e exercer a sua obra maléfica.

Eis porque se afirmam os círculos intelectuais de Luanda, porque em An-

gola se reage sempre no sentido de não perder as lições, e extrair delas ele-

mentos favoráveis a uma indispensável contra-ofensiva vigorosa. Se alguém

julgava, que por influência da problemática económica, ou por incidência das

atenções na grandiosa obra de desenvolvimento geral, estamos distraídos do

que suceda noutros terrenos da vida nacional, muito se enganou. As reacções

imediatas que se observaram traduzem uma vigilância cautelosa porque to-

dos nós sabemos aqui de que estofo é o adversário e de quanto são capazes

os seus lacaios, mais ou menos conscientes, ou mesmo animados de traiçoei-

ros propósitos.

É possível, que na articulação assaz complexa, das relações entre os vá-

rios departamentos estatais com responsabilidades específicas, nem sempre

se torne muito fácil estabelecer programação comum, e, por consequência

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Diário da manhã | 189

uma acção comum. No entanto cremos que, surgindo uma iniciativa de ho-

mens de incontestável posição nas artes, nas ciências e nas letras de Angola,

essa iniciativa tem de merecer, deve merecer, o estímulo de todos os depar-

tamentos conjugados para a defesa nacional, em todos os terrenos onde o

inimigo, ou o traidor, possam surdir. De contrário, estaremos a cometer ne-

gligências e imprudências, contra as quais temos, necessàriamente, de levan-

tar protesto.

Nós vimos, pelas notícias, a forma como os Ministros do Ultramar, do In-

terior, da Educação, do Exército, aparecem unidos na justa repulsa ante o

comportamento da extinta Sociedade de Escritores, dita portuguesa. Isso nos

anima a confiar em que um empreendimento no terreno cultural para defen-

der a trincheira das artes, das Ciências e das letras, em Angola, com projec-

ção clara e incontestável no resto da Nação e no Mundo, terá assegurado o

apoio de quem pode e deve prestá-lo. A iniciativa vai surgir, ao que nos in-

formam. Será uma consequência salutar e oportuna, e enérgica dos que em

Angola querem defender essa trincheira, até aqui um tanto adormecida e um

pouco aberta às infiltrações traiçoeiras como se viu pelo caso agora vindo a

público, e que não deve repetir-se.

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190 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 28-V-1965, pp. 1 e 6.

O terrorista pretendia fazer explodir bombas de plástico em Luanda

e separar Angola da Pátria portuguesa

Publicou, no seu número de ontem, o «Diário de Notícias» uma extensa

notícia de Luanda, recordando a sentença que condenou a catorze anos de

prisão, o terrorista Luandino Vieira, agora premiado pela extinta Sociedade

Portuguesa de Escritores.

Dado o grande interesse da notícia, transcrevemo-la na íntegra:

LUANDA – José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de

Luandino Vieira, e a quem um júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escri-

tores atribuiu um prémio literário, era membro da organização terrorista de-

nominada Movimento Popular de Libertação de Angola – ou M.P.L.A. – e,

entre outros crimes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital

da província, com o objectivo de atingir a população civil.

A sentença de julgamento a que foi submetido – proferida por unanimi-

dade em 22 de Julho de 1963 – revela também que o Luandino Vieira tinha

em vista separar Angola da Mãe-Pátria.

O José Vieira Mateus da Graça foi julgado juntamente com dois outros

indivíduos, todos acusados de haverem cometido em comparticipação (10.ª

agravante do artigo 34.º do Código Penal – «ter sido o crime cometido por

duas ou mais pessoas») o crime contra a segurança externa do Estado, pre-

visto e punido pelo artigo 141.º, n.º 1 do referido Código Penal artigo 141.º,

n.º 1 [sic] – «intentar, por qualquer meio violento ou fraudulento ou com o

auxilio estrangeiro, separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro todo

ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou

puser em perigo a independência do País»).

A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação de-

duzida pelo digníssimo promotor de Justiça, tendo dado como provados os

crimes que a seguir se mencionam, pelos quais José Vieira Mateus da Graça

foi condenado a catorze anos de prisão maior e na suspensão de todos os

direitos políticos por tempo de oito anos, além das medidas de segurança de

internamento pelo período de seis meses a três anos.

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Diário da manhã | 191

Em 23 de Julho de 1959, foi o José Vieira Mateus da Graça detido por

distribuição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação

de Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em No-

vembro de 1961, tendo confessado que seguia as directrizes do M.P.L.A.,

movimento de que se considerava membro e com o qual se tinha comprome-

tido a enviar para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror

entre a população.

Aquele criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos

terroristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo se

desdobrou em actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo ínti-

mos contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do

M.P.L.A. residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma

emissora, editassem um jornal e enviassem bombas de plástico para aterrori-

zar a população.

Pretendeu então, em Agosto daquele ano de 1961, sair clandestinamente

para o estrangeiro, a fim de ele próprio trazer para Angola as citadas bombas

de plástico.

Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi

impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião, no aeroporto

das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para

Lisboa onde estabeleceu contacto com o estudante Costa Andrade com o fim

de partir clandestinamente do País o que não conseguiu. Nos primeiros dias

de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália informando-o das

suas diligências quanto à pretendida saída clandestina e pondo-o ao corrente

da opinião dos dirigentes do M.P.L.A. que era a de, por enquanto, nenhuma

acção política ser desenvolvida por elementos brancos, em nome do «movi-

mento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a U.P.A., para for-

mação de uma frente única, pelo que era necessário tomar precauções ten-

dentes a fazer abortar o boato, espalhado pela U.P.A., de que o M.P.L.A. era

um «movimento de colonos».

O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indiví-

duos, através de um primo seu, António Júlio dos Santos Carpinteiro [sic],

que se encontrava prestes a partir para Angola.

«Com todo este procedimento – diz a sentença proferida pelo tribunal de

Luanda – intentaram os réus, em comparticipação, separar da Mãe-Pátria a

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192 | A rep(r)e(rcu)ssão política

província portuguesa de Angola, recorrendo a meios fraudulentos, ao auxílio

estrangeiro e procurando mesmo utilizar meios violentos».

Assinala-se ainda, no mesmo documento, que o José Vieira Mateus da

Graça enviou à África do Sul um dos réus com ele julgados a fim de estabe-

lecer contactos com um cuanhama de nome Nangonja, então a viver naquele

país, com vista a revoltar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961 ou seja na

ocasião mais aguda dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte

de Angola, os réus procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e

tomar a cidade de Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do

Exército que tão heròicamente se batiam na região do Congo.

O julgamento do José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois réus pro-

cedeu-se no decurso de seis audiências de acordo com as formalidades legais,

tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos.

O tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e de-

senvolvidas pelos réus tendentes à consecução, por eles pretendida, da inde-

pendência desta província portuguesa de Angola, ou seja, da sua separação

ou desintegração da Mãe-Pátria, por meios violentos e fraudulentos, que só

não atingiram a fase final de execução por razões independentes da vontade

dos réus, e, sobretudo, por intervenção oportuna da Polícia Internacional».

A citada sentença refere ainda que «todos os réus, que mantinham entre si

relações de amizade, que vinham de longa data, e afinidades literárias e ideo-

lógicas, já tinham estado presos em 1959[»] e, a seguir, sublinha que «volvi-

dos apenas dois anos, depois de restituídos à liberdade, voltaram a ter activi-

dades com assiduidade e intensidade, nomeadamente, por ocasião dos acon-

tecimentos anormais e trágicos de Fevereiro e Março de 1964 [sic]».

O tribunal assinalou, depois, as atenuantes, tais como não terem os réus

antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem esti-

mado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam da prática

dos crimes que, aliás, conscientemente praticaram; a espontânea confissão

dos factos e actividades incriminadas o que facilitou a descoberta do crime e

dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas.

Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o tribunal considerou

que as atenuantes neutralizaram a agravante militante contra os réus, pelo

que usaram da atenuação do artigo 94.º, n.º 1 do Código Penal, fazendo bai-

xar a penalidade do artigo 55.º, n.º 1 de dois escalões, para se situar no n.º 3

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Diário da manhã | 193

do referido artigo. Assim, o José Vieira Mateus da Graça foi condenado na-

quela pena de catorze anos de prisão maior. – (L.).

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194 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 29-V-1965, p. 1.

Umas notas biográficas

Teve o Diário de Notícias a oportunidade de trazer, em primeira mão, ao

conhecimento do público da Metrópole o texto integral da sentença que con-

denou a 14 anos de prisão maior o autor do livro premiado pela ora extinta

Sociedade (Portuguesa!) de Escritores. Já não restam dúvidas de que o feio

nome de traidor aplicado ao autor distinguido, longe de poder ser levado à

conta de excesso de linguagem, corresponde exactamente à situação. Trata-se

de um indivíduo sobre quem se provou, em julgamento público que transcor-

reu em Luanda pelo espaço de seis audiências, pelo menos isto:

a) era membro da organização terrorista denominada Movimento Popular

de Libertação de Angola (M.P.L.A.), de reconhecida obediência comunista;

b) pretendeu, entre outros crimes, fazer explodir bombas de plástico na

capital da província, com o objectivo de atingir a população civil;

c) teve actividades subversivas com assiduidade e intensidade, nomeada-

mente por ocasião dos acontecimentos anormais e trágicos de Fevereiro e

Março de 1961;

d) levou essas actividades ao ponto de ter enviado outro indivíduo à Áfri-

ca do Sul, a fim de tomar contacto com um cuanhama, então residente naque-

le país, com vista a revoltar povos do Sul de Angola;

e) procurou, no período mais difícil da luta no Norte da província, estabe-

lecer ligações com o propósito de assaltar a cidade de Moçâmedes, de modo

a fazer deslocar para ali parte das tropas que actuavam no Congo, deixando

portanto enfraquecida esta região; e

f) desenvolveu uma acção tendente a desintegrar da unidade portuguesa,

por meios violentos e fraudulentos, a província de Angola.

Tudo isto foi provado em audiências públicas. O réu confessou espontâ-

neamente os factos e actividades incriminadas, o que facilitou a descoberta

do crime e dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas. Essa

espontaneidade, aliás, assim como a falta de antecedentes criminais regista-

dos e uma certa subestimação das consequências dos crimes conscientemente

praticados constituíram circunstâncias atenuantes que fizeram descer o grau

da penalidade.

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Diário da manhã | 195

Não vale a pena perguntar o que teria sucedido a um cidadão soviético

que tivesse praticado em relação à pátria os crimes cometidos contra a sua

pelo réu de Luanda. Como não vale a pena procurar saber como tratariam as

justiças dos Estados Unidos, ou da Inglaterra, ou da França, ou da Checoslo-

váquia ou da China, um cidadão deste jaez. Em Portugal foi condenado a 14

anos de prisão maior, depois de consideradas as atenuantes.

Não há dúvidas, pois, sobre a pessoa do autor do livro, nem sobre a gra-

vidade dos crimes. Só por falta de sensibilidade (quais as relações entre tal

carência e o facto de traição em casos como este?) ou por deliberada mano-

bra subversiva poderia ser atribuído o prémio a tal criatura.

O que está dum lado é essa miséria e a agitação comandada de quem não

acredita que a Nação, farta de todo um tripudiar, ao qual não faltam impu-

dências de troça, se tenha decidido a enfrentar a ofensiva vermelha do assalto

à inteligência. Ai de nós, se não aproveitamos a oportunidade do crime da

Sociedade de Escritores para atacar na raiz as origens do mal e cuidar de

contra-ofensiva em termos!

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196 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 29-V-1965, p. 1.

A Universidade de Lisboa participa no movimento de repulsa

O Senado da Universidade de Lisboa, em sessão de 28 do corrente, apro-

vou a seguinte moção:

«O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de

quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar, e asso-

cia-se à mensagem que o Reitor da Universidade há dias tornou pública, de

fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sa-

grada defesa da integridade da Nação.

É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável

da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e

está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terroris-

mo e traição à Pátria –, considera ser seu dever, como instituição portuguesa

com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente

repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na

comunidade nacional portuguesa».

Transcreve-se, a seguir a mensagem do Reitor Paulo Cunha a que se faz

referência na moção, e foi dirigida ao Reitor da Universidade de Coimbra

que estava então em Luanda, para assistir à homenagem prestada aos univer-

sitários de Coimbra caídos em Angola no campo da honra:

«Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na

tocante cerimónia de hoje em que, além de representado pelo Prof. Amaro

Monteiro da minha Universidade, estarei plenamente presente em espírito,

curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte

infelizmente ceifou mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a

vida pelo supremo bem que é a Pátria.[»]

Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o

esclarecimento de que não puderam estar presentes, na sessão do Senado, os

Profs. Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada por todos os

restantes membros do Senado, com a ressalva de que o Prof. Germano Sacar-

rão, comungando aliás no espírito patriótico da moção, não lhe deu todavia o

seu voto, por preferir outra formulação, que propôs ao Senado».

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Diário da manhã | 197

Diário da manhã. 29-V-1965, p. 6.

Mais telegramas de protesto contra o prémio

atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores

Na Presidência do Conselho continuam a ser recebidos numerosos tele-

gramas de protesto contra a atribuição do Prémio de Novelística pela extinta

Sociedade Portuguesa de Escritores, entre os quais se destacam os seguintes:

«Não basta a repulsa e indignação em situação de guerra desejamos e

concedemos inteiro apoio e solidariedade impriosas [sic] medidas punitivas

actos traição à Pátria. – Deputado Carlos Coelho.»

«Com total repulsa infames actos ùltimamente tornados públicos vimos

trazer inteiro aplauso e solidariedade medidas saneadoras retaguarda nossa

frente batalha chamando especial atenção Vossa Excelência foco traição

surgido determinado órgão imprensa regional – Carlos Coelho, vice-pre-

sidente em exercício Comissão Distrital União Nacional Castelo Branco.»

«Manifestamos nossa indignação infâmias tornadas públicas actos traição

à Pátria carecem exemplares medidas punitivas. – Carlos Coelho, presidente

da Comissão Regional Turismo Serra Estrela.»

«Dirigentes Casa Mocidade Covilhã protestam junto V. Ex.ª publicação

n.º 984 «Jornal Fundão» hora de luta integridade nacional – João Manuel

Leite de Castro.»

«Comandante Ala Covilhã Mocidade Portuguesa futuro solado Pátria pro-

testa elogios traidor Portugal publicados número 984 «Jornal Fundão» – Co-

mandante grupo, Rui Cavaca Marcos.»

«Comandante Centro Escolar 2 Mocidade Portuguesa Liceu Covilhã lem-

brando antigas colegas graduados actualmente combatentes ultramar protesta

contra publicação 984 «Jornal Fundão» – Comandante Grupo, Carlos Rosa

Marques.»

«Como pai militar África e português aceite V. Ex.ª expressão minha in-

dignação nefasta publicação número 984 «Jornal Fundão» impossível com-

preender neste momento histórico vida nacional – Ranito Baltazar.»

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198 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Núcleo estudos ultramarinos Covilhã lastima profundamente publicação

número 984 «Jornal Fundão» elogioso para traidor Pátria terrorista angolano

– Paulo Rato Rainha».

Entre outros telegramas, chegados ao Ministério do Ultramar, destacamos

os seguintes:

«Signatário único profissional imprensa trabalhando norte Angola em

sessenta e um sessenta e dois, tendo visto sangue correr esforço geral aplaude

política governamental propósito concessão prémio novelística traidor – Fer-

nando Cruz Gomes, editor revista “Trópico Luanda”».

«Comissões Distrital concelhias União Nacional Inhambane manifestam

perante V. Ex.ª profunda indignação atitude Sociedades Escritores premiando

traidor Pátria. Apoiam inteiramente atitude Governo nome todos filiados.

Respeitosos cumprimentos. – Presidente Monteiro Costa.»

Um telegrama do Governador-Geral de Angola

Em resposta a um telegrama do Dr. José de Azeredo Perdigão, enviado

em 21 do corrente e oportunamente publicado, foi ontem recebido na Funda-

ção Gulbenkian o seguinte telegrama do Governador-Geral de Angola:

«Os elevados sentimentos que conduzem a prestimosa actividade da Fun-

dação Gulbenkian são òbviamente incompatíveis com actos de terrorismo de

que foi vítima esta tão portuguesa província. Assim a repulsa e a solidarieda-

de tão prontamente agora manifestadas por V. Ex.ª vêm ao encontro do alto

lugar em que colocamos a Fundação. Aceite V. Ex.ª com os melhores cum-

primentos os votos de gratidão de Angola.»

Protestos da Imprensa de Lourenço Marques

LOURENÇO MARQUES, 28 – Sob o título «Um punhado de lama», o

semanário «Renovação», publica, no seu número especial dedicado ao «28

de Maio», um artigo de protesto pela atribuição do prémio da Sociedade

Portuguesa de Escritores que tanta repercussão tem tido em toda a Nação.

Por sua vez o «Diário» publica um artigo assinado por Amparo Baptista

sobre o mesmo assunto. – ANI.

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Diário da manhã | 199

Diário da manhã. 30-V-1965, p. 1.

Nós deixámos

1 – Quando nas represas a água sobe e não pára de subir, acaba por gal-

gá-las e livremente prosseguir na sua carreira para o mar.

A inércia do imobilismo das pessoas que parecem coisas é como os mu-

ros que retêm a água. Mas elas próprias acabam por ser submergidas.

2 – Nós deixámos – uns atraídos, outros distraídos e todos, em verdade,

traídos – plantar a árvore do mal, cuidar da árvore do mal e frutificar a árvore

do mal.

Engrossou o tronco, alargou os ramos e afundou as raízes…

Nós deixámos!

3 – O marxismo apoderou-se progressivamente, das páginas e tribunas da

crítica.

Dispõe das armas terríveis dos adjectivos e das sentenças opinativas, para

embargar o passo aos que servem, apregoam, cantam e exaltam a Verdade e

a sua natural irradiação que é a Beleza.

Com a técnica e a teia dos elogios, proliferados em cadeia, um a um, o

marxismo foi valorizando e alcandorando os seus adeptos – literatos, contis-

tas, novelistas, romancistas, etc.

Pouco a pouco, segundo as espaçadas imagens da cortina que encobre o

palco, só eles passaram a figurar e a existir, só eles têm vulto, só eles são

oferecidos à contemplação e à reverência da plateia.

Noticiário, homenagens, consagrações, banquetes e prémios, tudo mobili-

za e utiliza para os impor e para lhes assegurar a manutenção do espaço as-

sim ocupado, de que os servidores da Verdade e da Beleza são agressivamen-

te escorraçados.

4 – Há poucos anos, apareceu aí um livro sério, de cultura séria, de pen-

samento estruturado que, se fosse editado em Paris, impressionaria a crítica

responsável.

Chama-se «Vida e morte das formas» e é seu autor o português, quase

desconhecido, Mário Alves Pereira.

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200 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Usufruiu da crítica escassas linhas de referência anedótica. Foi delibera-

damente abafado e afastado para a sombra do silêncio.

Um novo – tem de ser moço e ardoroso – escreve duas novelas em que,

com engenho e vida, faz a apologia da Verdade.

Referimos «A palavra contra o muro» e «Os quadrilheiros da inteligên-

cia», de Mário César Ferreira, em que há, com literatura de expressão actual,

a vibração da repulsa do comunismo.

Quem os conhece e quem os leu?

O arame farpado das páginas de crítica e das demais tribunas marxistas

não os deixou dar um passo em direcção ao público.

Entretanto, não há blasfémia contra o Espírito, não há qualquer miséria

freudiana, de folheto ou livro, que não tenham a recepção dos aplausos que

se representam e repetem, adormentando e intoxicando, até que são aceites,

lidas, espalhadas e «admiradas».

5 – As covardias foram-se agregando ao redor da árvore do mal.

Alguns cidadãos, que têm a missão sagrada de ensinar e educar, aí acorre-

ram – uns solicitando os elogios enebriantes [sic] e outros erguendo os olhos

para os ramos, como quem entre as nuvens procura vislumbrar o sol de um

possível amanhecer.

Perplexos e perturbados, os jovens olhavam a árvore do mal e estranha-

vam que ela, só ela, crescesse.

Um ou outro que contra a árvore se encaminhava, logo era derrubado, nos

primeiros passos, pelas pedras certeiras da crítica vigilante.

Entre a mocidade foi alastrando a convicção de que só o marxismo é o

caminho ou de que só o marxismo poderá ser o caminho.

É assim e ninguém se esqueça de que é assim!

6 – Não pode contestar-se ao Estado o direito de policiar e de punir.

Exercendo esse direito, são presos e julgados os que actuam ou tentam ac-

tuar contra a Ordem e os seus princípios.

Assim se vai processando aquilo que devemos chamar, com rigor e pro-

priedade, a guerra contra os efeitos.

Mas se é legítimo estes combates, igualmente, pelo menos, o é fazer

quanto se mostre necessário para eliminar as causas.

Se as causas fossem intangíveis como seria legítimo condenar os seus

efeitos?

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Diário da manhã | 201

7 – Com dialéctica irrespondível, somos forçados a abrir os olhos e a ver!

O caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores se é um fruto, mais

parece uma folha caída dessa árvore do mal que nós deixámos plantar, cres-

cer e frutificar.

Com dialéctica irrespondível, afirmamos e teimamos em afirmar que, ou

a árvore é desenraizada, tornada em achas e queimada votivamente no altar

da Pátria ou, então, o que se fez nada foi, porque tudo é nada enquanto se não

faz tudo!

Ou eliminamos as causas, ou não valerá a pena só incriminar e só punir os

efeitos.

Ângelo César

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202 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 31-V-1965, pp. 1 e 3.

O caso da S.P.E.

Telegrama do Governador-Geral de Moçambique

ao Ministro do Ultramar

No gabinete do Ministro do Ultramar, foi recebido o seguinte telegrama

do Governador-Geral de Moçambique:

«Honra transmitir a V. Ex.ª seguinte telegrama aprovado por unanimida-

de:

«Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão depois de

conhecida inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Portugue-

sa de Escritores atribuindo e mantendo prémio a terrorista responsável e

como tal condenado, em nome respeito nos merecem nossos mortos, em

nome total apoio damos nossos militares e como afirmação nossa perene

vontade resistir todas as formas envenenamento vontade nacional, apresenta

V. Ex.ª seu total completo e indignado repúdio aquela atitude».

Foram também recebidos mais os seguintes telegramas:

«Movimento Nacional Feminino Viseu lamenta atitude Sociedade Escri-

tores e renova seu incondicional apoio Governo».

«Como macaense portanto português não posso deixar manifestar a V.

Ex.ª mais viva repulsa indignação contra atribuição prémio terrorista tama-

nha afronta todos portugueses qualquer cor tão abnegadamente defendem

nossa Pátria quer terras Ultramar quer Metrópole incondicional apoio Gover-

no oportuna extinção Sociedade Escritores. a) Oliveira Hagatong».

«Câmara Municipal Inhambane seu nome e no da população cidade mani-

festa V. Ex.ª sua repulsa e maior indignação pela inqualificável afronta atitu-

de Sociedade Escritores concedendo um prémio literário a um traidor, con-

denado como tal».

«Direcção Cooperativa Criadores Gado sua reunião 25 corrente resolveu

transmitir V. Ex.ª sua repulsa inqualificável procedimento Sociedade Portu-

guesa Escritores distinguindo prémio literário um inimigo Pátria».

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Diário da manhã | 203

Diário da manhã. 1-VI-1965, p. 1.

dia a dia… dia a dia…

[…]

A cor da traição

Não se calaram ainda os ecos suscitados pela escandalosa atribuição do

prémio da extinta Sociedade Portuguesa (?) de Escritores ao novelista-ter-

rorista Luandino Vieira.

Há um pormenor, contudo, que muita gente inadvertida ainda ignora – é

que Luandino Vieira é metropolitano, natural de Vila Nova de Ourém.

Rádio Moscovo (que tem a particularidade de não acertar uma) chama-

va-lhe angolano – e preto.

[…]

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204 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário da manhã. 1-VI-1965, p. 3.

O caso da S.P.E.

Exemplo dos desvios a que pode conduzir a paixão política

– Um editorial do deputado Dr. Bento Levy no jornal «O Arquipélago»

da Cidade da Praia

CIDADE DA PRAIA, 31 – Sob o título «O Feitiço contra o Feiticeiro»,

publica o jornal «O Arquipélago» um editorial do seu director, o deputado

Dr. Bento Levy, que afirma:

«O caso de Luandino Vieira, condenado por actos de terrorismo em An-

gola e recentemente premiado pela Sociedade Portuguesa de Escritores é um

autêntico exemplo dos desvios a que pode conduzir a paixão política».

«A atitude do Dr. Cunha Leão, pedindo a demissão de sócio “por impera-

tivo de consciência”, pois “confiava na possibilidade de agremiar escritores,

mas portugueses”, dá-nos a medida dos propósitos que teriam movido o júri

que atribuiu o prémio.

Na verdade, a tibieza da justificação fornecida em nota à Imprensa pela

S.P.E., fundamentando a sua decisão “apenas no valor da obra” e “de modo

nenhum significando um juízo referente às actividades de que o autor é acu-

sado”, quando é certo que não se trata de um “acusado”, mas de um “conde-

nado” – por crime provado, portanto, e em pena grave – leva à convicção de

que se quis pôr em cheque a política do Governo, sem ponderar que o meio

utilizado conduzia a conclusões que atingem os sentimentos profundos da

Nação em guerra, lutando pela sua integridade. De resto, um possível erro

impunha a anulação imediata da decisão, conhecida que fosse a personalida-

de do premiado.

Acompanhando o sentir unânime do País

Não temos presente o despacho do Ministro da Educação Nacional, dis-

solvendo a S.P.E., mas os resultados foram contrários aos fins procurados

pelo júri. Os clamores indignados da imprensa angolana e metropolitana, de

que a Rádio nos dá notícia, e que nos chegam também de Espanha, revelam

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Diário da manhã | 205

que a S.P.E. – melhor, alguns dos seus responsáveis – querendo fazer a apo-

logia de determinada política – qual?… – caíram precisamente no campo

oposto. Em vez de servirem essa política, só contribuíram para o seu descré-

dito e fortalecimento da que pretenderam atingir, indo, aliás, à cegueira ex-

trema de atentar contra a própria dignidade dos escritores portugueses – seus

agremiados – ao incluir na sua galeria um anti-português – agente activo de

uma guerra que nos movem de fora.

A reacção tinha de vir de todos os lados. A repulsa foi geral.

É essa repulsa que deixamos aqui consignada, acompanhando o sentir

unânime do País.» – ANI.

«Quem foi que nos traiu?» – pergunta o «Notícia» de Luanda

LUANDA, 31 – O semanário «Notícia» desta cidade insere na sua última

edição um comentário sobre o caso da extinta Sociedade de Escritores sob o

título «Quem foi que nos traiu?», que transcrevemos na íntegra:

«O que se tem lido durante a última semana prova que é difícil encarar

com serena objectividade o caso da Sociedade Portuguesa de Escritores».

O autor do livro premiado por aquele extinto organismo encontra-se

cumprindo a pena de catorze anos em que foi condenado por Tribunal Mili-

tar, ao abrigo do artigo 141 do Código Penal que contempla as tentativas,

mesmo não conseguidas, contra a integridade do território nacional. Para

cima dele – que no caso não pôs, nem podia pôr, prego ou estopa – foi deslo-

cado o eixo da questão, transformando em 48 horas um mau aventureiro

político e um apenas razoável escritor, em pendão internacionalmente agita-

do por círculos ditos de oposição, por um “partido” de que ele, muito

possìvelmente, nem nunca ouviu falar. Recordando que o autor do livro foi

julgado por um Tribunal Militar legalmente instituído e constituído: fo-

ram-lhe feitas contas e ele está a cumpri-las. Tenhamos a dignidade de não o

chamar para o caso e de o esquecer completamente: as contas que havia a

fazer-lhe estão feitas e nenhumas outras podem exigir-se-lhe, moral ou

jurìdicamente.

De quem se falou muito pouco foi dos reais autores da manobra miserá-

vel: dos cavalheiros que, com conivências, ou não, dentro da Sociedade Por-

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206 | A rep(r)e(rcu)ssão política

tuguesa de Escritores, tiveram em Lisboa o estranho conhecimento prévio de

que o prémio ia ser atribuído a «Luanda» e se precipitaram a maquinar o

aproveitamento do nome dum preso – para fins dos chamados políticos. E

isto seria o menos: o preso, podia, quando muito, mandar pedir responsabili-

dades aos tais oposicionistas que o nomearam como sendo dos seus. O mais,

o pior é que a manobra obedeceu à velha e nunca por demais condenada

táctica de provocar um escândalo internacional sobre assuntos que só a nós,

cá dentro, dizem respeito. Esta maneira de vender a consciência e de vender

o decoro da Pátria – isso é que deve, acima de tudo, ser desenterrado, cuida-

dosamente examinado e convenientemente punido.

Pela nossa parte continuaremos a perguntar: quem foi que mandou as no-

tícias para o estrangeiro? Quem foi que optou, miseràvelmente por um palco

internacional para as suas acrobacias de política interna? Aí sim: quem foi

que nos traiu, aos portugueses de todas as cores políticas, ou seja, simples-

mente, aos portugueses?». – L.

A Moção da Sociedade de Estudos

LOURENÇO MARQUES, 31 – O diário «Notícias» que se publica em

Lourenço Marques, anuncia:

«De acordo com informações chegadas até nós, sabemos que a direcção

da Sociedade de Estudos decidiu dar conhecimento ao Governador-Geral da

moção aprovada na sua última reunião, em que se lamenta a atitude assumida

em Lisboa pela extinta Sociedade de Escritores, ao atribuir o Grande Prémio

de Novelística ao terrorista angolano Luandino Vieira». – ANI.

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2. Em Angola

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2.1. No Diário de Luanda

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Diário de Luanda | 211

Diário de Luanda. 20-V-1965, pp. 1 e 12.

Que é isto?! Quem nos está traindo?!

Da Metrópole, nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos: pois

é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremendo,

que causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a

bater-se, para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja

premiado em Portugal metropolitano, como uma personalidade normal?

Foi ele condenado a 14 anos de prisão num tribunal de Luanda, por cri-

mes contra a Pátria, contra a integridade de Portugal[,] contra a vida e segu-

rança dos portugueses de Angola.

Pois na Metrópole há uma entidade que se considera de intelectuais, de

escritores, que lhe entrega os 50 contos recebidos da Fundação Gulbenkian!

Já sabemos, já sabemos: foi o júri… Mas que espécie de júri escolheu a

Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o

júri era dessa qualidade?

Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabili-

dades, «Luandino Vieira», José Vieira Mateus da Graça, não seria sequer

admitido ao concurso.

Ele não é um oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos

jornais estrangeiros; é um traidor à Pátria.

Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode haver

sido colhida de surpresa, e que nem haja verificado a personalidade dos con-

correntes.

Mas o júri sabia; e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades

que constituem o júri. E todavia escolheu esse júri.

Cabe-lhe, pelo menos, essa responsabilidade. E cabe-lhe a responsabili-

dade de haver aceito semelhante veredicto.

Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo este facto – a decisão

do júri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o

prémio de novelística – devia provocar um movimento imediato de repulsa e

a anulação do concurso e da decisão do júri.

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212 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Estão os nossos soldados a bater-se em Angola. Padecem trabalhos, fadi-

gas, riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a vida, imolada no serviço

da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as raças e credos, que no Ul-

tramar vivem.

Pois bem! Estes soldados, que em Angola se batem, pela nossa tranquili-

dade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um

júri, que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores.

Consente-se?! Fica válido e impune?!

Aqui em Angola todos nos sentimos afrontados, tomados de indignação!

É uma afronta! Afronta para os nossos soldados! Afronta para todos os que

em Angola permanecemos para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer

que se nos deve uma reparação. Não vale a pena continuar a resistir, se a

traição nos apunhala pelas costas e o pode fazer sem repressão nem sequer

desaprovação.

Por nossa parte, como portugueses e angolanos, protestamos, protesta-

mos, protestamos!

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Diário de Luanda | 213

Diário de Luanda. 20-V-1965, pp. 1 e 11.

Simplesmente inacreditável!

LISBOA, 20 – Causou espanto em toda a Metrópole a notícia ontem pu-

blicada de que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio da

novelística ao livro «Luuanda» a um terrorista de Angola de nome completo

José Vieira Mateus Graça, condenado por actos de terrorismo a catorze anos

de prisão.

Telegramas de Londres, que transcrevemos, dizem: «Em telegrama de

Lisboa, distribuído pelas agências noticiosas, anuncia-se que círculos da

oposição portuguesa declararam que um dos escritores distinguidos com

prémios anuais pela Sociedade Portuguesa de Escritores estaria a cumprir

uma pena de catorze anos de cadeia, por actividades subversivas».

Pouco depois foram distribuídos outros telegramas, também de Lisboa,

anunciando que o informador oficial declarara que Luandino Vieira, escritor

distinguido com o prémio do conto, pelo seu livro «Luuanda», era pseudó-

nimo de José Vieira Mateus Graça, que foi condenado em 22 de Junho de

1963 num tribunal de Luanda a catorze anos de prisão, por crimes de terro-

rismo, praticados na Província de Angola e não por actividades subversivas.

O mesmo informador teria declarado que certamente a Sociedade Portu-

guesa de Escritores concedera o prémio, em virtude de não conhecer a ver-

dadeira identidade daquele indivíduo, acusado e condenado por crimes tão

repugnantes. – L.

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214 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de Luanda. 21-V-1965, pp. 1 e 11.

A imprensa metropolitana verbera enèrgicamente a decisão

da Sociedade de Escritores sobre o prémio de novelística

LISBOA, 21 – Com uma rara excepção, a Imprensa da Metrópole, faz-se

eco da atitude saudável de protesto assumida por Angola e alguns dos seus

principais jornais pelo facto de ter sido atribuído um prémio literário a um

confessado terrorista.

O «Diário de Notícias» transcreve o editorial do «Diário de Luanda» en-

cabeçando a notícia a duas colunas com o seguinte título: «Estranheza em

Angola pela atribuição dum prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores».

«A Voz», também a duas colunas, afirma em título: «Angola protesta

com mágoa e repulsa contra a atribuição de um prémio a um terrorista». O

mesmo jornal acrescenta à reportagem um notável editorial em que chama a

atenção para os perigos de deixar cair nas mãos de pessoas que por política

são capazes de tudo, mesmo de atraiçoar a Nação, e conclui afirmando: «O

livro premiado não tem efectivamente categoria literária. É sofrível, entre os

dez e os doze valores. Há muito disso por cá e não acreditamos, ninguém

acredita, que o prémio não tenha tido objectivo político. Entretanto, o Mundo

irá criando a imagem de um mártir, dum “grande escritor”, preso por cárceres

dos “colonialistas”[.]. Chessman foi também um vil assassino e de todo o

mundo comunista e afins surgiram mensagens para o livrar da cadeira eléc-

trica. Ao laureado e à Sociedade de Escritores bastará para os condenar o

sangue dos nossos soldados, as lágrimas das mães portuguesas, o sentimento

ancestral da grei. A traição foi premiada.»

O «Diário da Manhã», com o título a quatro colunas «Indignação e repul-

sa pelo facto incrível», transcreve todo o noticiário distribuído pela «Lusitâ-

nia», incluindo os artigos do «Diário de Luanda» e de «O Comércio» e ainda

o protesto da Associação dos Naturais de Angola. Por outro lado, o mesmo

jornal publica um artigo de fundo intitulado «Perante a traição», no qual

historia o que se tem passado, terminando com as seguintes palavras: «É

urgente que os culpados, sejam eles quem forem e apresentem as hipócritas

explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade. Exi-

gem-no os mortos no campo de batalha. Exigem-no as mães de luto e as

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Diário de Luanda | 215

lágrimas das noivas e das irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação

quem o quer. Ainda desta vez vamos ficar de braços cruzados?» – L.

A Fundação Gulbenkian declina qualquer responsabilidade

na atribuição do prémio

LISBOA, 21 – O conselho de administração da Fundação Calouste Gul-

benkian entregou a seguinte nota:

1.º – Os grandes prémios de poesia, teatro, novelística e ensaio da Socie-

dade Portuguesa de Escritores, foram por esta instituídos com o patrocínio da

Fundação, em 1961; 2.º – A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer

intervenção directa ou indirecta na constituição dos juris que atribuem os

prémios e nas suas resoluções; 3.º – Essas resoluções só lhe são comunicadas

depois de definitivamente tomadas e não carecem da homologação da Fun-

dação para serem válidas e executórias; 4.º – Assim, a Fundação limita-se a

subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmente constituída e em

plena actividade na realização dum dos seus fins estatutários; 5.º – Do anteri-

ormente exposto resulta que a Fundação não tem qualquer responsabilidade

pela maneira como têm sido atribuídos os referidos prémios; 6.º – Tendo, po-

rém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a propósito da atri-

buição, no ano corrente, dum dos ditos prémios, a Fundação não deixará de

rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a atribuir por outras

entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição eventualmente se

realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patrociná-los». – L.

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216 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de Luanda. 22-V-1965, pp. 1 e 11.

O caso do prémio de novelística

Por decisão superior foi dissolvida a Sociedade Portuguesa de Escritores

LISBOA, 22 – Por considerar inadmissível a decisão do júri literário que

atribuiu o prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores a um

traidor à Pátria, o Ministro da Educação Nacional acaba de exarar um impor-

tante despacho que se transcreve na íntegra:

«Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através de um

júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o grande prémio de nove-

lística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior

por actividades de terrorismo na Província de Angola;

Considerando que apesar de tornadas do domínio público a identidade e a

situação do mesmo indivíduo, nem o júri revogou aquela decisão nem os

corpos gerentes a repudiaram;

Considerando com efeito que tal repúdio se não contém – nem mesmo de

forma implícita – no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à

Imprensa, e [de] que a mesma direcção me enviou cópia;

Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos que além do

mais profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados portu-

gueses tombam no Ultramar, vítimas do terrorismo de que o premiado foi

averiguadamente agente;

Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da disso-

lução da Sociedade em referência; determino, nos termos do art. 4.º do De-

creto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portu-

guesa de Escritores».

O Ministro da Educação Nacional, Dr. Galvão Teles». – L.

N. R. – A pronta e enérgica decisão tomada pelo sr. Ministro da Educação

Nacional mostra de forma inequívoca quão fundados foram os protestos da

nota que publicámos na nossa edição de anteontem; e quão legítima foi e é a

indignação da gente portuguesa de Angola, ante tão insólita atitude do júri

que atribuiu o prémio de novelística.

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Diário de Luanda | 217

Uma circular da Sociedade Cultural

LISBOA, 22 – Assinada pelo presidente da direcção da Sociedade Portu-

guesa de Escritores, sr. Prof. Dr. Jacinto do Prado Coelho, recebemos uma

circular enviada à Imprensa, afirmando, em primeiro lugar, que «desconhece

inteiramente a identidade do autor do livro “Luuanda”, subscrito com o

pseudónimo Luandino Vieira, revelada, anteontem, em telegrama provenien-

te de Londres».

Em segundo lugar, afirma que o valor literário da obra é atestado, além do

mais, pela atribuição anterior ao autor, dos seguintes prémios: 1961 – 1.º pré-

mio de conto da Sociedade Cultural de Angola, Luanda; 1962 – 1.º prémio

«João Dias» da Casa dos Estudantes do Império, Luanda [sic]; 1963 – 1.º e

2.º prémios de conto da Associação dos Naturais de Angola, Luanda; 1964 –

1.º prémio «Mota Veiga»[,] Luanda – atribuído este ao referido livro.

Em terceiro lugar, a circular afirma: «O grande prémio da novelística, ba-

seou-se, exclusivamente, no valor literário da obra, de modo nenhum signifi-

cando um juízo referente às actividades de que o autor é acusado».

Em quarto lugar, o presidente da Sociedade Portuguesa dos Escritores

afirma que a Sociedade estudará «atenta e objectivamente todos os elementos

e informações que lhe sejam fornecidas para exame do problema agora le-

vantado».

N. R. da «Lusitânia»: – Angola saberá, melhor do que ninguém, respon-

der a esta circular que, por nosso intermédio, chega aos seus órgãos de in-

formação, se houver ainda alguma coisa a acrescentar à saudável acção tes-

temunhada pelos artigos e manifestações de repulsa contra o infeliz acto do

júri da Sociedade. Quanto a nós, surpreende-nos que, no terceiro capítulo, a

circular da Sociedade Portuguesa dos Escritores, pareça considerar que o seu

beneficiado é, apenas, «acusado» – e não de [sic] um condenado por crime

provado. – L.

Joaquim Paço d’Arcos deixa a presidência da Assembleia Geral

da Sociedade de Escritores

LISBOA, 22 – O escritor Joaquim Paço d’Arcos, presidente da Assem-

bleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, enviou ao vice-presidente

da mesma sociedade, a seguinte carta:

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218 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Meu Ex.mo Camarada: Não me permitindo as circunstâncias que vim

encontrar, no meu regresso do estrangeiro, continuar a desempenhar em paz

de consciência e com convicção da utilidade, o esforço que durante tantos

anos desinteressadamente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escrito-

res – não me permitindo essas circunstâncias continuar a desempenhar as

funções de presidente da Assembleia Geral da Sociedade – rogo-lhe o favor

de assumir as referidas funções até que, em Assembleia Geral, seja preenchi-

do o cargo que entendo meu dever deixar de ocupar. Creia-me muito afec-

tuosamente, Joaquim Paço D’Arcos». – L.

Protesto de antigos combatentes de Angola e da Guiné

LISBOA, 22 – O Ministro do Exército recebeu numerosos telegramas de

protesto contra a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, subscritos,

na sua maior parte, por militares que estiveram a cumprir missões em Angola

e na Guiné e que através deles manifestam a maior indignação. Um desses

telegramas foi enviado por mutilados que se encontram em tratamento no

Hospital Militar Central. Assinaram outros telegramas: um grupo de comba-

tentes regressados de Angola; um velho lavrador do Congo Português, vítima

do terrorismo; um grupo de estudantes e professores primários, numerosos

militares de todas as graduações, etc. – L.

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Diário de Luanda | 219

Diário de Luanda. 22-V-1965, p. 12.

Grupos [sic] de indivíduos assaltaram a sede

da Sociedade Portuguesa de Escritores que foi totalmente depredada

LISBOA, 22 – Foram dirigidas à Presidência do Conselho e Ministérios

da Defesa, do Ultramar e Interior, vibrantes manifestações da mais viva re-

pulsa pela Sociedade de Escritores, a quem alguns chamam de ingénuos

intencionais e outros abertamente traidores.

A Metrópole reage com a mesma energia exemplar, dando assim mais

uma prova de unidade de sentimentos.

Segundo a reportagem do «Diário de Notícias», o assalto à Sociedade

Portuguesa de Escritores processou-se do seguinte modo: «Cerca de 50 des-

conhecidos assaltaram, ontem à noite, cerca das 22 h., a sede da Sociedade

Portuguesa de Escritores. Os assaltantes começaram por afixar, numa das

portas da entrada, um dístico onde se podia ler: “Agência de Terroristas na

Metrópole”.

Nas várias salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas:

“MPLA sucursal”.

Todo o mobiliário foi completamente destruído, as portas e as janelas fi-

caram danificadas, os candeeiros e as molduras partidos, as máquinas de

escrever e os ficheiros inutilizados. Os prejuízos são elevadíssimos.

Duas salas foram, no entanto, respeitadas: a biblioteca e a sala da reunião

da Direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador e pri-

meiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo aconte-

ceu às fotografias de Jaime Cortesão e de Joaquim Paço d’Arcos».

O Dr. Cunha Leão demitiu-se de sócio da SPE

LISBOA 22 – O dr. Cunha Leão dirigiu à Sociedade Portuguesa de Escri-

tores, de que era sócio, e foi antigo director, o seguinte telegrama: «Doloro-

samente surpreendido com as notícias e a falta de pronta explicação pública

pela decisão por maioria do júri da novela, peço a demissão de sócio por

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220 | A rep(r)e(rcu)ssão política

imperativo da minha consciência, lembrando o alto espírito de Jaime Corte-

são, com quem fiz parte da Direcção, confiado na possibilidade de agremiar

escritores, mas portugueses. Permito-me tornar pública esta resolução – Cu-

nha Leão». – L.

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Diário de Luanda | 221

Diário de Luanda. 23 de maio de 1965, p. 12.

Multiplicam-se os protestos contra a decisão

da Sociedade dos Escritores sobre o prémio de novelística

LISBOA, 23 – O sr. dr. Santos Júnior, Ministro do Interior, enviou da

Régua para Lisboa, ao seu colega da Educação Nacional, o seguinte telegra-

ma:

«Com minha inteira solidariedade firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª

despacho publicado, manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escri-

tores».

Telegramas recebidos no Gabinete do sr. Ministro do Ultramar:

«Tendo o Conselho de Administração do Banco de Angola, na sua sessão

de ontem, lavrado em acta um voto de vivo protesto e indignada repulsa pela

insólita atitude da Sociedade de Escritores, galardoando um traidor com gra-

ve ofensa à memória das vítimas do terrorismo e ao sentimento pátrio, deseja

exprimir a V. Exa. solidariedade à decisão do Governo através do despacho

do Ministro da Educação Nacional, reparando o agravo feito à Nação. – Fer-

nando Pessoa, vice-governador».

«Coração da família Tenreiro da Cruz, com dois filhos em serviço militar

no Ultramar, estala de dor pelo sacrilégio contra a Pátria praticado pela So-

ciedade Portuguesa de Escritores. – a) Teófilo da Cruz». – L.

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222 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de Luanda. 24 de maio de 1965, p. 6.

Ainda o caso do prémio de novelística da Sociedade de Escritores

Do sr. Maurício Gomes recebemos, com o pedido de publicação, a se-

guinte carta:

Sr. director:

Tendo o signatário feito parte do júri que atribuiu o prémio literário

«MOTA VEIGA» a um livro de contos do escritor Luandino Vieira, que não

conhece pessoalmente, – vem declarar pùblicamente que, como é óbvio,

apenas apreciou literàriamente as obras apresentadas pelos concorrentes em

nada influindo no seu juízo as personalidades, as ideias ou as actividades dos

candidatos àquele prémio regional, relativo ao ano de 1963.

O declarante ignorava então, como aliás continua a ignorar, que na atri-

buição dos prémios literários anteriores que distinguiram em anos sucessivos

o referido contista, tivesse havido qualquer propósito inconfessável a que é

totalmente estranho e que, a ter existido, repudia em absoluto.

Luanda, 22 de Maio de 1965.

a) Maurício Gomes

Um esclarecimento da Comissão Administrativa da «ANANGOLA»

A Comissão Administrativa da Associação dos Naturais de Angola, dis-

tribuiu ontem à Imprensa o seguinte comunicado:

A COMISSÃO ADMINISTRATIVA DA ASSOCIAÇÃO DOS NATU-

RAIS DE ANGOLA – «ANANGOLA» – reunida extraordinàriamente, deli-

berou, em aditamento ao seu telegrama de 20 do corrente, dirigido a Sua

Excelência o Ministro do Ultramar, tornar público o seguinte:

1.º) – Que reitera o seu protesto e se solidariza com todas as manifesta-

ções contrárias à atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores, quanto à

atribuição de um prémio pecuniário a José Vieira Mateus da Graça;

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Diário de Luanda | 223

2.º) – Que nunca foi solidária com a atribuição de qualquer prémio ao

mesmo Graça, mas apenas passou diploma e entregou prémio pecuniário a

quem [se] lhe apresentou em representação de Luandino Vieira, nome dado

como identidade do concorrente que, sob o pseudónimo «Vinteoito», se

candidatou e foi classificado num concurso literário promovido e ultimado

pela gerência anterior, aliás dissolvida pelo Governo-Geral da Província.

Luanda, 22 de Maio de 1965.

Pela Associação dos Naturais de Angola

O Presidente da Comissão Administrativa,

Augusto Pitta Groz Dias

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224 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de Luanda. 25-V-1965, pp. 1 e 11.

O Governo-Geral determinou que se proceda a completa averiguação

sobre o caso do prémio atribuído pela Sociedade de Escritores

A Repartição do Gabinete do Governo-Geral de Angola distribuiu hoje,

ao princípio da tarde, a seguinte nota acerca do caso do prémio atribuído pela

extinta Sociedade de Escritores:

1. – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso

da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade de Escritores.

2. – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimentos,

alguns ocorridos na Província em épocas e administrações sucessivas, cujas

inter-relações importa ao bem público detectar e esclarecer.

3. – Assim o entendendo desde início, o Governo-Geral determinou opor-

tunamente ao Serviço competente averiguação completa de assunto tão gra-

ve.

Repartição de Gabinete do Governo-Geral de Angola,

em Luanda, 25 de Maio de 1965.

O CHEFE

da Repartição de Gabinete,

JOÃO SALAVESSA MOURA

Major

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Diário de Luanda | 225

Diário de Luanda. 25-V-1965, pp. 1 e 11.

O caso da Sociedade de Escritores

Chegam à «ANANGOLA» dezenas de cartas

e telegramas de aplauso e solidariedade

Continuam a chegar à sede da «ANANGOLA» dezenas de cartas e de te-

legramas de solidariedade e de felicitações pela atitude assumida no caso

suscitado pela decisão da extinta Sociedade de Escritores, ao atribuir o pré-

mio de novelística a um livro de autoria de um indivíduo que atentou contra a

segurança do Estado e que, por isso mesmo, se encontra a cumprir pena de

prisão.

Entre esses testemunhos, contam-se mensagens de todas as delegações da

Associação dos Naturais de Angola e uma da Câmara Municipal de Bengue-

la, participando que na sua sessão do dia 21 deliberou «solidarizar-se com a

“ANANGOLA” e felicitar o seu presidente pela enérgica atitude assumida no

caso do prémio literário atribuído ao terrorista Mateus da Graça».

Também da Metrópole, quer de naturais de Angola ali residentes, quer de

familiares de soldados que aqui prestam serviço, têm chegado à «ANAN-

GOLA» expressivas cartas de repulsa pela decisão da Sociedade de Escrito-

res.

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226 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Diário de Luanda. 28-V-1965, p. 1.

Entrevistados pela TV, juntamente com o escritor Amândio César

José Redinha, Bessa Vítor e Mário António consideraram que o prémio

da Sociedade de Escritores foi concedido por motivos extra-literários

LISBOA, 28 – (Da nossa Delegação) – Revestiu-se de grande interesse a

«mesa redonda» realizada ontem à noite na Televisão, sobre o discutido caso

do prémio de novelística da extinta Sociedade de Escritores. Participaram no

programa, que foi conduzido pelo jornalista de Angola, José Mensurado, o

escritor e crítico literário Amândio César, devotado investigador da literatura

ultramarina; José Redinha, o maior etnólogo de Angola; e Geraldo Bessa

Vítor e Mário António, dois dos maiores poetas de Angola. Foi escalpelizado

o valor literário da obra premiada, concluindo todos os abalizados interve-

nientes que o prémio só pôde ser conferido por motivos extra-literários.

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2.2. No ABC – diário de Angola

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ABC – diário de Angola | 229

ABC – diário de Angola. Luanda. 8-VI-1965, p. 10.

Ecos da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores

VINTILA HORIA E LUANDINO VIEIRA

Dutra Faria

LISBOA. Junho. – Em 1960 atribuía a ilustre Academia Goncourt o pré-

mio anual que tem o nome dos dois famosos irmãos a um escritor romeno de

expressão francesa, Vintila Horia, pelo romance «Dieu est né en exil».

Era um livro singular, esse, misto de poderosa evocação histórica, de cân-

tico nostálgico pela pátria longínqua e perdida – e de relato autobiográfico de

uma evolução espiritual até esse Deus que, entre os homens, em Belém,

«nasceu no exílio».

Daniel-Rops, da Academia Francesa, prefaciara o romance, o que, sem

dúvida, representava uma garantia aos olhos dos membros da Academia

Goncourt, quanto à pessoa do escritor, acerca de quem apenas se sabia ser

um exilado como o poeta romano Ovídio, protagonista do seu romance.

Não convinha, porém, ao comunismo internacional que um escritor anti-

comunista de um país governado por comunistas recebesse o Prémio Gon-

court – e fosse posto assim em evidência na França e no Mundo.

A campanha desencadeou-se com rara violência e orquestrada por mão de

mestre. Afirmou-se que Vintila Horia militara nas fileiras de uma organiza-

ção fascista romena – a «Guarda de Ferro»; que em Roma, onde em 1940

desempenhara as funções de adido de Imprensa à embaixada do seu país,

fora um entusiasta do fascismo italiano – e que, mais tarde, de regresso a

Bucareste, colaborara com os «nazis». Tudo isto, provavelmente, era verda-

de, mas também o era que, ao terminar a guerra, Vintila Horia se encontrava

na Alemanha encerrados (sic) pelos mesmos «nazis» num campo de concen-

tração. E verdade era, ainda, ser o seu romance uma obra notável. Mas que

importava isso aos comunistas? Implacável, feroz, a campanha prosseguiu.

Contra a decisão da Academia Goncourt vieram protestar, sucessivamente,

os sobreviventes dos campos de extermínio «nazis», as agremiações da Re-

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230 | A rep(r)e(rcu)ssão política

sistência, os intelectuais de todos os matizes das esquerdas, os governos co-

munistas, a Imprensa esquerdista de todo o mundo… Não era possível, era

escandaloso, era intolerável que uma Academia – ainda reàccionariamente

apegada ao critério de julgar os escritores só pelo valor da sua obra – ousasse

premiar um colaboracionista, pôr em destaque e na montra de todas as livra-

rias, graças ao prémio literário francês de maior projecção mundial, um anti-

go fascista, um homem que aos vinte e poucos anos – no apogeu de uma

juventude impetuosa – cometera o crime horrível e sem perdão de dizer, em

artigos enviados de Roma para a Imprensa romena, quanto admirava Musso-

lini e quanto esperava do fascismo (e não sei se também do nacional-so-

cialismo) para a renovação ideológica da Europa.

Os académicos Goncourt são, quase todos, celebridades que ao tumulto

dos debates e das discussões preferem temperar com os loiros da glória o mel

da vida e saboreá-lo com o máximo de tranquilidade e de conforto, longe de

todo o bulício, de toda a agitação; na sua demagógica violência, a campanha

movida pelos comunistas intimidou-os – e já não me lembro se Vintila Horia

nunca chegou a receber o prémio que lhe fora atribuído, ou se veio, afinal, a

recebê-lo à capucha, pela porta das trazeiras [sic]…

Ora bem. O caso de Luandino Vieira e da sua novela «Luuanda» pare-

ce-se e não se parece com o de Vintila Horia. Mas, de qualquer modo, se a

uma Academia francesa (desligada, para mais, de quaisquer responsabilida-

des oficiais ou de representação da França) não era lícito premiar um escritor

unicamente pelo facto de ele haver sido, a uma distância de vinte anos, fas-

cista… em Roma, e pró-«nazi»… em Bucareste, então a uma Sociedade

Portuguesa de Escritores (ligada e obrigada a responsabilidades que o seu

nome lhe impunham: não era uma sociedade de escritores, era a Sociedade

Portuguesa de Escritores) muito menos lícito era premiar um autor seu com-

patriota condenado não há ainda dois anos por actividades subversivas e

terroristas no âmbito de um movimento cujo objectivo é separar da Pátria

desse autor uma vasta parcela do território nacional.

Se há, pois, uma coerência nas esquerdas, e se Vintila Horia não podia ser

premiado como escritor na França, por haver cometido presumíveis crimes

na Roménia e contra o interesse da Roménia, então, evidentemente, Luandi-

no Vieira também não devia ser premiado como escritor em Portugal, em

vista dos crimes por ele cometidos em território português e contra os inte-

resses de Portugal.

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ABC – diário de Angola | 231

– X –

Fui sócio da Sociedade Portuguesa de Escritores. Pensava e continuo a

pensar que há lugar, em Portugal, para uma sociedade de escritores – qual-

quer que venha a ser o seu nome – e que, para os escritores que honradamen-

te o são, só há interesse em que essa sociedade exista. Entendo que uma tal

sociedade tem que existir e que funcionar à margem da política e com abso-

luta independência; mas funcionar à margem da política não é tomar partido

por uma determinada política contra outra e menos ainda é tomar delibera-

damente o partido anti-nacional. Lastimo que a Sociedade Portuguesa de

escritores houvesse caído – até certo ponto por incúria nossa, dos escritores

das direitas – nas mesmas mãos que souberam apoderar-se da maioria das

editoriais portuguesas e da secção de crítica literária em quase todos os jor-

nais de Lisboa e do Porto. Não quero e não posso discutir – até por não ter

conhecimento de todas as peças do processo – se o caminho seguido pelo

Ministério da Educação Nacional ao extinguir a Sociedade Portuguesa de

Escritores era o único aberto a um Governo que soube na emergência (há que

assinalá-lo) mostrar-se sensível a inequívocas manifestações de uma opinião

pública indignada (e que exigia sanções) ou se haveria outros caminhos me-

nos susceptíveis de facilitarem especulações, no plano internacional, que não

deixarão de surgir. O que, todavia, tem de se acentuar é isto: os escritores

portugueses, na sua grande maioria, não estão contra Portugal, nem contra a

política de intransigente defesa do património ultramarino português. Se o

estivessem, o facto seria, efectivamente, de uma incomensurável gravidade:

com razão escreveu alguém que nas lutas políticas o escritor é sempre quem

ganha a última batalha. A inteligência portuguesa não desertou, não se pas-

sou para o inimigo. Seria injuriá-la, se a confundíssemos e deixássemos que

no estrangeiro viessem a confundi-la com a agitação de meia dúzia de extre-

mistas histéricos… – ANI

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232 | A rep(r)e(rcu)ssão política

ABC – diário de Angola. 24-V-1965, pp. 1 e 12.

«LUUANDA» E O PRÉMIO MOTA VEIGA

A recente atribuição do prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa

de escritores ao autor de um trabalho já galardoado com dois prémios ango-

lanos – o do Concurso Literário da «Anangola», comemorativo do seu 50.º

aniversário, que premiou dois dos três contos que a obra contém, e o Prémio

D. Maria José Abrantes da Mota Veiga, que deu lugar à 1.ª edição do livro –

provocou reparos que não se registaram quando o livro foi premiado em

Angola, e no qual este jornal se encontra, naturalmente, envolvido, na quali-

dade de responsável pela organização do segundo daqueles certames. Acha-

mo-nos por isso na obrigação de divulgar notas e documentos relativos ao

referido concurso, principiando pelo regulamento que é textualmente o se-

guinte:

«1.º – É mantido para o ano de 1963 o «Prémio D. Maria José Abrantes

da Mota Veiga», a distinguir duas obras publicadas durante o referido ano e

que contenham a explanação de motivos da presença portuguesa em Angola.

2.º – O prémio é formado por duas verbas – a primeira de 20.000$00 e a

segunda de 10.000$00 – que serão entregues a dois autores graduados por

um júri.

3.º – À concorrência do prémio, com a distribuição das verbas designa-

das, são admitidas todas e quaisquer obras, seja qual for a sua índole e forma

literária, que versem a referida matéria, desde que sejam publicadas ou te-

nham os originais p[r]ontos para publicação durante o ano civil decorrente.

4.º – Para as obras serem consideradas pelo júri é necessária a remessa

pelos autores ou editores de três exemplares à Direcção deste Jornal até 31 de

Dezembro.

5.º – As obras que não tenham sido ainda impressas tipogràficamente,

podem ser apresentadas com o texto dactilografado. Mas, neste caso, as ver-

bas do prémio só serão entregues aos autores classificados depois das respec-

tivas obras terem sido impressas em livro com uma tiragem nunca inferior a

1.000 exemplares.

6.º – A matéria deve ser explanada por forma a preencher o mínimo de 80

páginas de mancha tipográfica num formato usual de livros.

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ABC – diário de Angola | 233

7.º – O júri de classificação será formado por um delegado indicado pela

Direcção da Associação Comercial de Luanda, outro indicado pelo Rotary

Clube da mesma cidade e outro que represente conjuntamente a Associação

dos Naturais de Angola e a Liga Nacional Africana. Um redactor do «ABC

– Diário de Angola» a designar pela direcção do Jornal, servirá de secretário

do júri, sem voto.

8.º – A decisão do júri deverá ser formulada – e tornada pública – até ao

dia 28 de Fevereiro de 1964.

9.º – As quantias do prémio serão logo após esta decisão postas à disposi-

ção dos autores distinguidos, salvo a restrição do n.º 5. Neste caso ficará

depositada na empresa deste Jornal até que se mostre satisfeita a exigência

referida.

10.º – A decisão do júri será formulada em laudo de apreciação e apresen-

tará os motivos que a determinam.»

Constituído o júri para o concurso de 1963 – que, por sinal, foi recondu-

zido para o concurso de 1964 pelas entidades que o designam, sinal evidente

de que essas pessoas continuam a merecer a confiança dos organismos que

representam, os trabalhos presentes ao concurso foram apreciados e a 2 de

maio de 1964, foi lavrada a seguinte acta:

ACTA

Aos dois dias do mês de Maio do ano de mil novecentos e sessenta e qua-

tro, nesta cidade de Luanda e sede da Sociedade Cultural de Angola, reuniu

o júri nomeado para apreciar e classificar as obras concorrentes ao PRÉ-

MIO DONA MARIA JOSÉ ABRANTES DA MOTA VEIGA, relativamente ao

ano de mil novecentos e sessenta e três, com a constituição seguinte: em

representação e por indicação do Rotary Club de Luanda, o doutor Eugénio

Bento Ferreira; em representação e por indicação da Associação Comercial

de Luanda, Mário Fernando Carvalho Figueiredo Corte-Real; em represen-

tação da Associação dos Naturais de Angola e da Liga Nacional Africana e

acordo destas duas colectividades, Maurício Ferreira Gomes. Secretariou a

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234 | A rep(r)e(rcu)ssão política

sessão, sem voto, em representação do jornal «ABC – Diário de Angola», o

seu redactor Jorge de Macedo Bobela Motta.

Foram presentes, para apreciação do júri, cinco trabalhos, concorrentes

ao prémio e entregues ao jornal «ABC – Diário de Angola», para esse efeito,

dentro do prazo estipulado pelo regulamento, cujos títulos e autores são

como segue: «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola»,

da autoria de A. Correia de Araújo (um volume copiografado); «Luuanda»,

da autoria de Luandino Vieira (um volume dactilografado); «Mamã Cabin-

da», da autoria de Emílio Filipe (um volume dactilografado); «100 Poe-

mas», da autoria de Mário António (um volume impresso); e «Por que se

bate Angola», da autoria de Norberto Gonzaga (um volume dactilografado).

O júri, afirmando já ter lido e apreciado todos os trabalhos concorrentes,

deliberou, por unanimidade, não admitir ao concurso o trabalho «100 Poe-

mas», da autoria de Mário António, uma vez que o próprio prefácio do livro

revela que a obra não é completamente inédita, e, também por unanimidade,

escolher, para os dois prémios a atribuir, as obras «Luuanda», de Luandino

Vieira, e «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola», de

A. Correia de Araújo.

Passando a apreciar, para atribuição do primeiro e do segundo prémio o

valor de cada uma destas obras, uma em relação á outra, decidiu, por maio-

ria (votos dos senhores doutor Eugénio Bento Ferreira e Maurício Ferreira

Gomes) atribuir o primeiro prémio a «Luuanda», de Luandino Vieira, e o

segundo a «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola»,

de A. Correia de Araújo. Estes dois membros do júri basearam a sua decisão

no facto de a primeira obra constituir um trabalho literário excelente, com

características que o tornam uma primeira tentativa para a criação de uma

nova corrente literária, revelando notável poder de criação, enquanto o

segundo apenas revela um trabalho exaustivo de compilação.

Uma declaração do sr. Maurício Gomes que foi membro

do júri do prémio «Mota Veiga»

Tendo o signatário feito parte do júri que atribuiu o prémio literário

«MOTA VEIGA» a um livro de contos do escritor Luandino Vieira, que não

conhece pessoalmente, – vem declarar pùblicamente que, como é óbvio,

apenas apreciou literàriamente as obras apresentadas pelos concorrentes, em

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ABC – diário de Angola | 235

nada influindo no seu juízo as personalidades, as ideias ou as actividades dos

candidatos àquele prémio regional, relativo ao ano de 1963. O declarante

ignorava então, como aliás continua a ignorar, que na atribuição dos prémios

literários anteriores que distinguiram em anos sucessivos o referido contista,

tivesse havido qualquer propósito inconfessável a que é totalmente estranho e

que, a ter existido, repudia em absoluto.

Luanda, 22 de Maio de 1965.

as.) Maurício Gomes

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3. Em Moçambique

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3.1. No Notícias

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Notícias | 241

Notícias. Lourenço Marques, 22-V-1965, p. 1.

Um Prémio Literário da Sociedade de Escritores

LISBOA, 21 – Causou espanto em toda a Metrópole a notícia de que a

Sociedade Portuguesa dos Escritores atribuiu o prémio de Novelística ao

livro «Luanda», de que é autor um terrorista de Angola, de nome completo

José Vieira Mateus Graça, condenado a 14 anos de prisão por actos de terro-

rismo.

Sobre este caso, o conselho de administração da Fundação Calouste Gul-

benkian distribuiu a seguinte nota:

«1.º – Os Grandes Prémios de Poesia, Teatro, Novelística e Ensaio, da

Sociedade Portuguesa de Escritores, foram, por esta, instituídos com o patro-

cínio da Fundação, em 1961;

2.º – A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa

ou indirecta, na constituição dos juris que atribuem os prémios e nas suas

resoluções;

3.º – Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente

tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e

executórias;

4.º – Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural por-

tuguesa, legalmente constituída e em plena actividade na realização dum dos

seus fins estatutários;

5.º – Do anteriormente exposto, resulta que a Fundação não tem qualquer

responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos pré-

mios;

6.º – Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público, a

propósito da atribuição no ano corrente de um dos ditos prémios, a Fundação

não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a

atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição

eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patro-

ciná-los.»

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242 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Telegramas de protesto contra a atribuição

do prémio a Luandino Vieira

LISBOA, 21 – O ministro do Exército recebeu numerosos telegramas de

protesto contra a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, subscritos,

na sua maior parte, por militares que estiveram a cumprir missões em Angola

e na Guiné, e que, através deles, manifestam a maior indignação.

Um desses telegramas foi enviado por militares que se encontram em tra-

tamento no Hospital Militar Principal. Assinaram outros telegramas: Um

grupo de combatentes regressados de Angola; um velho lavrador do Congo

Português vítima de terrorismo; um grupo de estudantes e professores primá-

rios; e numerosos militares de todas as graduações.

*

O escritor Joaquim Paço d’Arcos, Presidente da Assembleia Geral da So-

ciedade Portuguesa de Escritores, enviou ao Vice-Presidente da mesma so-

ciedade a seguinte carta:

Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu regresso

do estrangeiro, continuar a desempenhar em paz de consciência, e com a

convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos consagreia [sic],

desinteressadamente, à Sociedade Portuguesa de Autores [sic] continuar a

desempenhar as funções de Presidente da Assembleia Geral da Sociedade

– rogo-lhe o favor de assumir funções até que, em Assembleia Geral, seja

preenchido o cargo que entendo de meu dever deixar de ocupar. Creia-me

muito afectuosamente.

*

O escritor Luiz Forjaz Trigueiros, que era vogal da Direcção da Socieda-

de Portuguesa de Escritores, comunicou que tinha pedido a demissão daquele

cargo. – (L).

Última Hora

Um despacho do Ministro da Educação

LISBOA, 21 – Por despacho do Ministro da Educação Nacional foi dis-

solvida esta noite a direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores. – (L.).

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Notícias | 243

Notícias. 23-V-1965, pp. 1 e 8.

A Nação reage salutar e patriòticamente à lamentável

decisão da Sociedade dos Escritores

Regista-se em todo o País um movimento de protesto contra

a atribuição do prémio a um indivíduo condenado por ter-

rorismo, considerando-se o facto como uma ofensa ao sen-

timento nacional ∙ Angola, vítima do terrorista premiado,

manifesta-se com veemência contra tão inaudita atitude dos

dirigentes daquela associação literária

LISBOA, 22 – De todos os pontos do País chegam notícias de que causou

a maior indignação a decisão da Sociedade dos Escritores, atribuindo um

prémio literário a um indivíduo condenado por actos de terrorismo contra as

populações de Angola e de actividades contra a Pátria.

Centenas de telegramas enviados à Presidência do Conselho e aos Minis-

tros da Defesa, do Ultramar e do Interior, assinados por individualidades de

todas as categorias sociais, manifestam a mais viva repulsa por uma atitude

que alguns dos signatários não escondem em classificar de autêntica traição à

Pátria.

Pode dizer-se que toda a Nação está a reagir patriòticamente contra este

caso inaudito: ser premiado um terrorista que tanto sangue fez correr na pro-

víncia de Angola. O país demonstra assim um salutar movimento de unidade,

ao mesmo tempo que se manifesta contra aqueles que transigem consciente-

mente com os inimigos da Pátria.

Impressionou vivamente os termos em que a Associação dos Naturais de

Angola comenta e protesta contra a atitude da Sociedade Portuguesa dos

Escritores. O seu telegrama enviado ao sr. Ministro do Ultramar é do seguin-

te teor:

A atitude da Associação dos Naturais de Angola

«O Corpo directivo da Associação dos Naturais de Angola, reunido ex-

traordinàriamente, depois de ouvidos os seus associados de maior prestígio,

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244 | A rep(r)e(rcu)ssão política

deliberou unânimemente solicitar a V. Exa. que seja, perante o sr. Presidente

do Conselho, o intérprete do mais veemente protesto dos autênticos portu-

gueses naturais desta Província contra a antipatriótica decisão do júri da So-

ciedade dos Escritores que se intitula portuguesa, atribuindo um prémio pe-

cuniário a favor do terrorista e traidor José Vieira Mateus Graça. Tal facto

identificará aquele júri com os inimigos de Portugal, a menos que se retrate

imediatamente, anulando a sua decisão que quereríamos pressupor assente na

ignorância do “curriculum vitae” do autor oculto sob pseudónimo.

A Associação dos Naturais de Angola deliberou também abrir nas colu-

nas de um jornal de Angola uma subscrição até ao montante igual àquele

conspurcado prémio para ser repartido pelas famílias dos primeiros militares

angolanos caídos na defesa da nossa Pátria eterna e bem portuguesa, em

Março de 1961.»

Protestos dos que lutaram contra o terrorismo

À tarde, foram recebidas mensagens de protesto enviadas por diversos

soldados em tratamento e que estiveram lutando no Ultramar, de grupos de

sargentos e soldados combatentes que regressaram já às suas terras e de vá-

rias delegações da Mocidade Portuguesa.

Artigos violentos da Imprensa

Os jornais publicam artigos violentos contra a decisão da Sociedade de

Escritores, todos eles salientando o seu significado anti-patriótico. O «Diário

da Manhã», em editorial intitulado «Perante a traição», no qual escreve: «É

urgente que os culpados, sejam eles quem forem e apresentem as hipócritas

explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade. Exi-

gem-no os mortos no campo de batalha. Exigem-no as mães de luto e as

lágrimas das noivas e irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação

quem o quer. Ainda desta vez vamos ficar de braços cruzados?»

Por seu turno, «A Voz» escreve: «A ré, e ré sem desculpa, é a Sociedade

Portuguesa de Escritores, que nasceu sob um mau signo e sob um mau signo

tem vivido. Ré sem desculpa não vá dar-se o caso de virem agora uns pru-

dentes directores alegar a ignorância de circunstâncias. Claro que ninguém

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Notícias | 245

acreditaria em tal, mas eles são bem capazes de o dizer com o ar mais cândi-

do. E depois disto, reservem-lhes lugar de honra nas páginas literárias, lou-

vem-nos e prestigiem-nos.»

Escritores que protestam

Além dos telegramas dos escritores Luís Forjás Trigueiros e Joaquim Pa-

ço de Arcos, o dr. Cunha Leão, que foi director daquela agremiação, enviou

aos actuais dirigentes a seguinte carta:

«Dolorosamente surpreendido com as notícias e a falta de pronta justifi-

cação pública pela decisão da maioria do júri de “Novela”, peço a demissão

de sócio por imperativo da minha consciência e lembrando o alto espírito de

Jaime Cortesão, com quem fiz parte da direcção, confiado na possibilidade

de agremiar escritores, mas portugueses».

Assaltada a sede da Sociedade dos Escritores

Ontem, à noite, um grupo de populares, em que figuravam antigos com-

batentes em Angola, assaltou a sede da Sociedade dos Escritores. O «Diário

de Notícias» dá a notícia nos seguintes termos:

«Cerca de 50 desconhecidos assaltaram ontem, cerca das 22 horas, a sede

da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Os assaltantes começaram por afixar numa das portas da entrada um dís-

tico onde se podia ler: “Agência de Terroristas na Metrópole”. Nas várias

salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas: “M.P.L.A. –

Sucursal”.

Todo o mobiliário foi completamente destruído. As portas e as janelas

danificadas. Os candeeiros e as molduras partidas. As máquinas de escrever e

os ficheiros inutilizados. Os prejuízos são elevadíssimos.

As duas salas foram, no entanto, respeitadas: a da biblioteca e a sala de

reunião da direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador

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246 | A rep(r)e(rcu)ssão política

e primeiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo

aconteceu às fotografias de Jaime Cortesão e Joaquim Paço de Arcos».

Desassombrada atitude dos escritores de Angola

LUANDA, 22 – Foi enviado ao sr. Presidente do Conselho o seguinte te-

legrama: «Um grupo de homem de letras de Angola. Galardoados com pré-

mios literários provinciais, Nacionais ou estrangeiros apoiam calorosamente

a atitude do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores dita Portuguesa

como responsável por uma grave afronta cometida contra a cultura portugue-

sa atribuindo o prémio de novelística a uma obra que consideram absoluta-

mente inferior tanto na sua temática como na efabulação. Além disso ultraja

deliberadamente o sagrado património da língua portuguesa, não se podendo

igualmente esquecer as visíveis intensões [sic] políticas da sobredita obra

cujo autor foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que

desde 1961 ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas.

«Respeitosos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Al-

tamira, Agnelo de Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Marti-

nho de Castro, António Pires, Almeida Santos, Lagriva [sic] Fernandes, Má-

rio Milheiros, Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa». – (L).

«Que é isto?» – pergunta o «Diário de Luanda»

LUANDA, 22 – O «Diário de Luanda», em artigo de fundo, subordinado

ao título «Que é isto? Quem nos está traindo?» escreve: «Da Metrópole nos

veio a notícia e de espanto esfregámos os olhos. Pois é possível que um ter-

rorista, um dos que fomentaram o drama tremendo que causou tantas vítimas,

pelo qual os nossos soldados continuam a bater-se para a conter, para impe-

dir que os crimes de 1961 se renovem, seja premiado em Portugal metropoli-

tano como uma personalidade normal?».

O articulista acrescenta: «Pois na Metrópole, há uma entidade que se con-

sidera de intelectuais escritores e entrega-se-lhe 50 contos recebidos da Fun-

dação Gulbenkian. Já sabemos que foi o júri. Mas que espécie de júri esco-

lheu a Sociedade de Escritores e como não anulou o concurso ao verificar

que o júri era dessa qualidade. Num país onde houvesse em todos os sectores

a noção das responsabilidades, o Luandino Vieira (José Vieira Mateus Gra-

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Notícias | 247

ça) não poderia sequer assistir ao concurso. Ele não é um oposicionista, co-

mo tão expresso se fez mandar dizer aos jornais estrangeiros. É um traidor à

Pátria.

«Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido

colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorren-

tes, mas o júri sabia e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades

que constituem o júri e todavia escolheu esse júri. Cabe-lhe, pelo menos, essa

responsabilidade, cabe-lhe a responsabilidade de haver aceite semelhante

veredicto, porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto, a

decisão do júri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado

com o Prémio de Novelística, devia provocar um movimento imediato de

repulsa e a anulação do concurso e a revisão do júri.

«Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal –,

padecem trabalhos, fadigas e riscos mortais, muitos deles têm deixado aqui a

vida imolada ao serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as

raças e credos que no Ultramar vivem. Pois bem, estes soldados que em An-

gola se batem pela nossa tranquilidade e segurança são atraiçoados por um

júri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores.

Todos nós nos sentimos afrontados, tomados de indignação. É uma afronta

para os nossos soldados, afronta para todos os que em Angola permanece-

mos, para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma

reparação. Não vale a pena que continue a resistir-se, [se] a traição nos apu-

nhala pelas costas. Que se pode fazer sem a repressão, nem sequer a desa-

provação. Por nossa parte, como portugueses e angolanos, protestamos, pro-

testamos, protestamos». – (Lusitânia)

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248 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. 23-V-1965, p. 1.

O despacho ministerial que dissolve a Sociedade dos Escritores

LISBOA, 22 – O despacho do sr. Ministro da Educação Nacional sobre a

extinção da Sociedade dos Escritores é do seguinte teor:

«Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através do júri

designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelís-

tica a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por

actividades de terrorismo na Província de Angola; considerando que apesar

de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indiví-

duo nem o júri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram;

considerando com efeito que tal repúdio se não contém, nem mesmo de for-

ma implícita no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Imprensa

e de que a mesma direcção me enviou cópia; considerando a gravidade ex-

cepcional dos factos referidos, que além do mais profundamente ofendem o

sentimento nacional quando soldados portugueses tombam no Ultramar,

vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente; consi-

derando que a situação exposta é legalmente justificativa da extinção da So-

ciedade em referência; determino, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei

n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de

Escritores. – Ministro da Educação Nacional, DR. GALVÃO TELES».

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Notícias | 249

Notícias. 24-V-1965, pp. 1-2.

A repulsa do País pela insólita atitude da extinta

Sociedade dos Escritores

LISBOA, 23. – Ainda não se apagaram os ecos da forte repulsa que cau-

sou em todo o País a inaudita decisão da extinta Sociedade dos Escritores,

atribuindo um prémio literário a um indivíduo condenado por actividades

terroristas.

Porque o criminoso premiado praticou os seus actos de terrorismo em

Angola, é, naturalmente naquela Província Ultramarina que os comentários e

as reacções mais profundamente se registam.

Ainda hoje vieram de Luanda várias mensagens de protesto e os jornais

continuam comentando àsperamente a atitude dos dirigentes da famosa

agremiação literária que tão insensatamente agiu.

Na Presidência do Conselho e nos Ministérios da Defesa e do Ultramar

foram recebidos muitos telegramas aplaudindo a decisão do ministro da Edu-

cação ao dissolver a Sociedade dos Escritores.

Volta a registar-se que é sobretudo dos militares que estiveram no Ultra-

mar em serviço de soberania que os protestos são mais veementes. Nos tele-

gramas enviados manifestam a sua forte repulsa pela atribuição do prémio a

um inimigo da Pátria.

Entre muitas outras mensagens impressionantes foi recebida a seguinte:

«O coração da família Teófilo da Cruz, com dois filhos em serviço militar no

Ultramar, sangra de dor, pelo sacrilégio contra a Pátria praticado pela Socie-

dade dos escritores».

No Ministério do Ultramar foi recebido o seguinte telegrama pelo [sic]

Banco de Angola:

«Tendo o Conselho de Administração do Banco de Angola, em sua ses-

são de ontem, lavrado em acta um vivo protesto e indignada repulsa pela

insólita atitude da Sociedade de Escritores, galardoando um traidor, com

grave ofensa à memória das vítimas do terrorismo e ofendendo o sentimento

pátrio, deseja exprimir a V. Exa. a sua solidariedade pela decisão do Gover-

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250 | A rep(r)e(rcu)ssão política

no, através do despacho do ministro da Educação Nacional, reparando o

agravo feito à Nação.»

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Notícias | 251

Notícias. 25-V-1965, pp. 1-2.

O caso do Prémio Literário a um traidor

O Governador-Geral de Moçambique enviou um telegrama

ao ministro do Ultramar dando conta do sentir de repulsa e

indignação pela atitude da extinta Sociedade de Escritores

que representa uma afronta a todos os portugueses

O sr. Governador-Geral, general Costa Almeida, enviou ao sr. ministro do

Ultramar o seguinte telegrama: «Tenho a honra de transmitir a V. Exa. o

seguinte: O Conselho Económico e Social, na sua reunião de hoje, decidiu

levar até V. Exa. o seu unânime sentir de repulsa e de indignação pela atitude

tomada pela Sociedade de Escritores, que representa uma afronta a todos os

portugueses. Respeitosos cumprimentos. Governador-Geral».

Este telegrama dá conta do que, na sua reunião de ontem, o Conselho

Económico e Social decidiu, após ter usado da palavra o vogal sr. José Luís

Sampaio Torres Fevereiro, o qual afirmou:

«Sr. Presidente: Por coincidência, sexta-feira passada, tornei a ler, e sem-

pre com o mesmo interesse e encanto, um livro de um dos maiores escritores

portugueses de todos os tempos. O livro tem por título “Viagens na Minha

Terra” e o seu autor chama-se Almeida Garrett, grande figura da nossa litera-

tura e que viveu intensamente um dos períodos mais per[tur]bados da nossa

história. Fixei, desse livro, logo nas primeiras páginas, a propósito da sua

admiração pelos “Lusíadas”, uma afirmação que profundamente senti e que

se resume em poucas palavras: “O Português tem fé na sua Pátria”.

De tal forma se gravou no meu espírito esta frase que ela me veio imedia-

tamente à memória quando na referida sexta-feira tive conhecimento da insó-

lita atitude tomada por uma Sociedade de Escritores (abstendo-me de incluir

a palavra Portuguesa na sua designação), ao galardoar um criminoso confes-

so e condenado por actos de traição.

Que longa distância separa os escritores dessa Sociedade do grande escri-

tor português Almeida Garrett.

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252 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Decidi logo também pedir a V. Exa., sr. Presidente, que me concedesse a

palavra na primeira sessão que se efectuasse deste Conselho para,

pùblicamente, manifestar a minha indignação de português por tal atitude

que é um insulto à memória de todos que desde o início da nossa história

verteram o seu sangue e deram a sua vida em defesa do património e da inte-

gridade nacional. Referi, no início desta minha intervenção, a frase de Al-

meida Garrett porque ela, vindo de quem vinha, trazia em si o testemunho

insuspeito de alguém que marcou vincadamente a sua posição dentro dos

ideais do liberalismo e que atravessou uma época em que portugueses dis-

cordaram uns dos outros mas sem nenhum deles deixar, em tempo algum, de

ter fé na sua Pátria e de a colocar, quando em perigo de sobrevivência, acima

das suas próprias paixões políticas.

Podem haver [sic] pontos de vista diferentes, podem haver credos e até

soluções diferentes para muitos problemas, mas não podem haver, quando de

portugueses se trate, tomadas de posições que ponham em causa a Pátria de

todos nós.

Peço por isso a V. Exa., sr. Presidente, que se acaso todos os membros

deste Conselho com isso concordarem, o que não me oferece dúvidas, seja

enviado um telegrama de protesto veemente a Sua Excelência o sr. ministro

do Ultramar contra atitudes como a assumida pela Sociedade de Escritores

que nada mais representam do que traição a todos aqueles que se honram da

condição de portugueses e que crêem e têm fé nos destinos da sua Pátria.»

Outros telegramas enviados de Lourenço Marques

Os deputados sra. dra. Custódia Lopes, Fernando Frade, Manuel João

Correia e Videira Pires também enviaram ao sr. ministro do Ultramar o se-

guinte telegrama: «Deputados Moçambique residentes, presentemente, nesta

Província solicitam V. Exa. seja legítimo intérprete junto do sr. Presidente do

Conselho dos seus sentimentos de veemente repulsa pela atribuição do pré-

mio literário pela Sociedade dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e

traidor Mateus Graça».

Por sua vez o Movimento Nacional Feminino enviou ao sr. ministro do

Ultramar um telegrama concebido nos seguintes termos: «Comissão Provin-

cial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique, com a autoridade de

ter sempre cumprido o seu lema “por Deus e pela Pátria”, apoiando, com a

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Notícias | 253

maior solicitude moral, os soldados de Portugal, expressa a V. Exa. o [sic]

mais sentida repulsa por haver sido concedido um prémio a um terrorista,

condenado por hediondo crime em Angola, considerando esse facto como

mais um acto contra a alta e patriótica moral com que os portugueses defen-

dem a Pátria e o futuro da Nação».

Comentário da Rádio Nacional Espanhola

ao caso da Sociedade de Escritores

MADRID, 24. – Numa crónica do seu correspondente em Lisboa, a Rádio

Nacional de Espanha, referindo-se ao caso da Sociedade dos Escritores, diz:

«Nunca, em nenhuma circunstância, o valor literário se pode afirmar impu-

nemente contra o patriotismo forte, até à heroicidade forte, até ao sacrifício

total duma nação em guerra e mais ainda, quando, como no caso de Portugal,

essa guerra é condenada por ser forjada a partir do estrangeiro». – (L.)

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254 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. Lourenço Marques. 26-V-1965, pp. 1 e 2.

Aqui é Portugal!

Reafirma o Conselho Legislativo de Moçambique ao analisar

a atitude da Sociedade de Escritores

Patrióticos sentimentos de repúdio e indignação originam

vibrante manifestação de apoio às reacções de Angola e da

Metrópole

Aprovado um expressivo telegrama a enviar ao Ministro do

Ultramar por proposta do Dr. Gonçalo Mesquitela

«O Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão, depois

de conhecida a inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Por-

tuguesa de Escritores atribuindo e mantendo um prémio a um terrorista res-

ponsável e como tal condenado, em nome do respeito que nos merecem os

nossos mortos, em nome do total apoio que damos aos nossos militares e

como afirmação da nossa perene vontade de resistir a todas as formas de

envenenamento da vontade nacional, apresenta o seu total, completo e indig-

nado repúdio àquela atitude» – é este o texto de um telegrama a enviar pelo

Conselho Legislativo da Província ao Ministro do Ultramar, proposto na

reunião de ontem pelo vogal dr. Gonçalo Mesquitela, que os vogais daquele

Conselho legislador de Moçambique aprovaram por aclamação.

Após a abertura da reunião, o dr. Gonçalo Mesquitela proferiu um patrió-

tico discurso a propósito da atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escri-

tores que, por todo o País, tem dado origem a salutar e forte indignação, ter-

minando a sua brilhante intervenção por pedir a aceitação e a votação do

telegrama proposto, e o maior rigor naquilo que em Moçambique possa sur-

gir, individual ou colectivamente contra a moral da população e o apoio in-

teiro a dar à resistência nacional ao terrorismo.

A intervenção daquele ilustre membro do Conselho Legislativo de Mo-

çambique, foi imediatamente secundada pelos vogais Padre Carvalho de

Araújo, dr. Satúrio Pires, Manuel João Correia, Armando Pedroso de Lima,

Moreira Longo e Felizberto Machatine que, representando os diversos secto-

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Notícias | 255

res da população da Província, deram o seu inteiro apoio às palavras proferi-

das pelo dr. Gonçalo Mesquitela.

Antes da «Ordem do Dia», usaram ainda da palavra os vogais dr. Satúrio

Pires – que se referiu ao plano de urbanização de Nacala, à sobrevalorização

da copra e ao valor e interesse dos capitais estrangeiros –, eng.º Ferreira Mar-

tins – que apontou a necessária transformação em Sindicatos autónomos das

secções respectivas existentes no distrito da Zambézia – e sr. Conceição

Ribeiro, que abordou os problemas do fomento e povoamento do Vale do

Zambeze e da rede rodoviária do distrito de Tete.

Ordem do dia

Na «Ordem do Dia», foram aprovadas as propostas n.º 5 (Regulamento

do Caçador-Guia), n.º 6 (Regulamento dos Troféus e Despojos) e n.º 7 (Re-

gime de Vigilância da Fauna), tendo prestado informações aos membros do

Conselho o vogal do Conselho Económico e Social eng. Camilo Silveira da

Costa e [o] Subdirector dos Serviços Provinciais de Veterinária e Indústria

Animal dr. Ernesto Ferreira de Abreu.

Tomaram parte na discussão daquelas três propostas, os vogais srs. Pro-

curador da República Juiz Desembargador dr. Melo de Gouveia, eng. Ferrei-

ra Martins, arquitecto Carlos Ivo, dr. Gonçalo Mesquitela, eng. Homero

Branco, dr. Mascarenhas Galvão, Saúl Brandão, Marino Moreira, dr. Satúrio

Pires, Felisberto Machatine, Vítor Gomes e Vasconcelos Júnior.

O Presidente do Conselho Legislativo general Costa Almeida, depois de

anunciar a prorrogação da presente sessão até ao dia 13 de Junho próximo

por necessidade de serem apreciadas grande número de propostas, marcou

nova reunião para a próxima terça-feira, dia 1 de Julho.

Intervenção do dr. Gonçalo Mesquitela

Como primeiro orador inscrito antes da «Ordem do Dia», usou da palavra

o dr. Gonçalo Mesquitela, cuja intervenção continuamente interrompida por

«apoiado» e «muito bem», passamos a transcrever na íntegra.

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256 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«Pedi hoje a palavra para comentar neste Conselho, como órgão represen-

tativo mais alto da Província, a atitude da extinta Sociedade Portuguesa de

Escritores que por todo o país tem dado origem a salutar e forte indignação.

«Concedido um subsídio da Fundação Gulbenkian para um prémio literá-

rio, é aberto um concurso e o júri disso encarregado atribuiu o prémio à obra

que entendeu. Conhecido o autor, imediatamente de Luanda, vem notícia de

que a reacção é de indignação e é tornado público que ele está cumprindo a

pena de 14 anos de cadeia por ter sido condenado, em tribunal português,

como responsável por crimes de terrorismo naquela Província martirizada.

«Perante isto, a opinião pública nacional aguardava que a Sociedade refe-

rida tomasse uma das atitudes que era lícito esperar: ou recusava o prémio,

pura e simplesmente, dado que o vencedor do concurso era moral, criminal e

nacionalmente menos idóneo para receber uma consagração, embora literà-

riamente pudesse ter mérito ou, não aceitando a decisão do júri com o mesmo

fundamento, classificava de novo as restantes obras. E assim, com decência e

respeito pela sensibilidade nacional e com o mínimo de patriotismo de qual-

quer português teria reagido normalmente.

«Preferiu, no entanto, seguir um terceiro e antipatriótico caminho: o de

apoiar o júri, protelando a solução do caso com razões de compreensão lite-

rária, de arte pela arte. Entretanto, claro está, de Londres, e aproveitando o

protelamento, começa a especulação internacional contra a reacção viril e

portuguesa que, de todos os lados se manifestava, considerando-se a atribui-

ção do prémio e principalmente a sua manutenção depois de conhecida a

verdadeira identidade criminosa do autor, como grave afronta aos mais res-

peitáveis sentimentos nacionais.

«Perante tal hesitação e tal compreensão dos responsáveis pela Socieda-

de Portuguesa de Escritores, o Governo Central, pelo Ministério da Educa-

ção, agiu como lhe impunham os interesses duma Nação em luta: extinguiu

por via legal a Sociedade, invocando o art. 4.º do Decreto-Lei 39 660 de 20

de Maio de 1954.

«Este artigo confere à entidade competente para aprovar os estatutos o di-

reito de extinguir as associações que exerçam actividade diversa da prevista

naqueles estatutos ou que seja contrária à ordem social. Estes os factos que,

na Metrópole e, em Angola principalmente, provocaram uma verdadeira

onda de indignação contra a extinta Sociedade Portuguesa de Escritores e de

vibrante apoio à firme acção do Governo.

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Notícias | 257

Tolerância inconsciente

«Peço escusa ao Conselho por ter sido tão longo ao recordar os factos

ainda recentes, mas as confusões que já se tentaram gerar na opinião pública

desta cidade e talvez até do resto da Província, apresentando a extinta Socie-

dade como digna da maior compreensão por ter sido inocente em tudo isto,

a tanto me obriga. Mas já entre nós, Senhor Presidente, há quem queira apre-

sentar a Sociedade Portuguesa de Escritores como uma vítima de prepotên-

cias e – pecado feio para certos mentores conhecidos – de falta de compre-

ensão das autoridades pelos elevados valores de espírito. Para tal, detur-

pam-se os factos, adoçam-se as asperezas do acto, esquece-se a reiteração

antiportuguesa de um erro, se é que de erro inicial se tratou.

«Já em Angola, que viu gente sua chacinada e martirizada, a reacção foi

outra. Honra seja à Associação dos Naturais de Angola e a outras instituições

privadas que reagiram portuguesmente repudiando a solidariedade com quem

se furtava a condenar moralmente um dos responsáveis por tanto sangue e

tanto crime naquela Província. Só é de lamentar que entre nós não tenham

vindo a público reacções semelhantes. Mas é que em certos meios existe um

ambiente de tolerância inconsciente, em que tudo se compreende desde que

seja contra as necessidades da autoridade MANTER a sanidade do clima

moral deste País, a quem impuseram uma luta na qual a arma mais eficiente é

a vontade inquebrantável de resistir.

«Ora é este o grave risco que corremos com atitudes como as da Socieda-

de Portuguesa de Escritores ou como as que já entre nós se deram, de impu-

nidade por insultos à Bandeira Nacional ou ainda como as da prática impuni-

dade dos que tentaram apelar para tropas estranhas para que apoiassem os

terroristas em território Nacional. E tanta compreensão e tanta tolerância

apenas beneficiaram um pseudo-intelectual que pouco tempo depois aderira

em Londres às falanges antiultramarinas de portugueses renegados. É sempre

onde acabam tais compreensões: no favorecimento de traidores ao que é

exclusivamente nacional.

Traição pelo espírito

«É assim que as Pátrias acolhem no seu seio os venenos letais que, para

além de quebrar a determinação para se lutar, insultam a tenacidade e o sacri-

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258 | A rep(r)e(rcu)ssão política

fício dos que, de armas na mão em Angola, em Moçambique ou na Guiné

defendem a integridade nacional. É por isso que entendi ser meu dever de

consciência pedir hoje – e aqui – a palavra para estes breves comentários à

traição pelo Espírito que cometem tais pseudo-intelectuais e pseudo-hu-

manitaristas, que escondem uma cumplicidade íntima com criminosos por

detrás da alegada alta compreensão dos motivos porque alguns cometem

verdadeiras traições à integridade nacional.

«Quase diria ser hoje mais grave a traição pelo Espírito do que a traição

material por actos em campo de batalha. É nas massas populacionais que está

a chave mais decisiva da resistência do ataque que nos fazem. É na sua saúde

moral, na sua vontade de resistir, na convicção profunda das razões por que

se morre e por que se mata, que está o apoio a cada militar, a cada cidadão

que em todas as frentes dá luta ao inimigo.

«Ao exprimirem a dúvida sobre a legitimidade da glorificação literária de

um terrorista – (e que expressão mais clara de dúvidas se quer do que a ma-

nutenção por uma associação de intelectuais de um galardão ao mesmo cri-

minoso mesmo depois de se saber quem era?) – ao afirmarem compreensões

como as que citei, estão, Senhor Presidente, a apunhalar pelas costas os ho-

mens que pela Pátria lutam e que com tanta frequência morrem, ou ficam

inutilizados em combate.

Força moral dos portugueses

«Isto é, Senhores deste Conselho, trair as razões por que cerca de dois mi-

lhares de portugueses foram chacinados no Congo precisamente pelos agen-

tes desse responsável a quem se atribuiu o prémio. Isto é trair a resistência

moral da Nação, essa mesma Nação a cujas camadas intelectuais se destinava

a servir a extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Isto é, quem sabe,

acalentar os motivos que amanhã nos podem fazer sofrer as ondas de sangue

que correram em Angola.

«Ao afirmar-se a compreensão pelos i[n]sultadores da Bandeira Nacional,

ao satisfazerem-se com as carícias com que se tratam os que pedem à ONU

auxílio para os terroristas, ao negarem-se a tomar a única posição que corres-

ponde à verdadeira reacção portuguesa que é de santa indignação, ao preten-

der-se desviar para coisas sem importância a explosão de bombas de plástico

em monumentos representativos de figuras nas quais se apoia a força moral

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Notícias | 259

dos portugueses, ao chorarem comovidas lágrimas de solidariedade com

responsáveis pelo assassinato de milhares de portugueses, ao constituírem

frentes de desorientação e de amolecimento da opinião pública, os que o

fazem solidarizam-se, consciente ou inconscientemente, com os autores dos

crimes e com os inimigos da Pátria.

«E é tempo, Senhor Presidente, de a Nação através do Governo, demons-

trar, na Metrópole e aqui, que não está mais disposta a deixar envenenar a

sua seiva de nacionalismo e de patriotismo, sem a qual não poderemos resis-

tir mas que, quando vicejante e rica é a base fundamental da resistência.

«Merece o mais formal repúdio a atitude da Sociedade Portuguesa de Es-

critores. Não há razões da Razão ou sem-razões da Política que devam impe-

dir que cada português o manifeste.

«A vida perdida pela Pátria, os sofrimentos daqueles que a ela os oferece-

ram, as lágrimas das Mães dos nossos mortos, as angústias das crianças e das

mulheres que à mão dos agentes dos chefes terroristas sofreram horrores

antes de serem esquartejadas e mortas, o sangue dos homens, das mulheres e

das crianças que santificaram no seu massacre a terra de Angola, a firmeza

das nossas forças armadas e o futuro que queremos altivamente português

dos nossos filhos ditam-me, como dever de consciência, a proposta que tenho

a honra de fazer a este Conselho.

«Senhor Presidente, Senhores Vogais, não é hábito usarmos aqui esta lin-

guagem. Mas também é inédita a atitude sobre que nos pronunciamos. É

invocando os que sofrem e morrem e sofreram a tortura e os horrores desta

luta para que Portugal seja português hoje e no futuro que peço a aceitação e

a votação desta minha proposta e o maior rigor naquilo que em Moçambique

possa surgir, individual ou colectivamente, contra o moral da população e o

apoio inteiro a dar à resistência nacional ao terrorismo.»

O dr. Gonçalo Mesquitela leu depois o teor do telegrama a enviar ao mi-

nistro do Ultramar, que todo o Conselho aprovou por aclamação.

[…]

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260 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. 26-V-1965, p. 2.

Nota do Governo de Angola

sobre o caso da Sociedade de Escritores

LUANDA, 25 – Nota oficiosa do Governo-Geral de Angola: «1.º – Tem o

Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso da atribuição

dum prémio pela extinta Sociedade de Escritores. 2.º – A luz logo feita à

volta do caso, revelou uma série de acontecimentos alguns ocorridos na Pro-

víncia em épocas de administrações sucessivas, cujas interrelações [sic] im-

porta ao bem público detectar e esclarecer. 3.º – Assim o entendendo desde o

início, o Governo-Geral determinou oportunamente ao serviço competente

uma averiguação completa ao [sic] assunto tão grave.» – (L.)

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Notícias | 261

Notícias. Lourenço Marques. 28-V-1965, pp. 1-2.

Ao recordar-se um passado recente mais se justifica a indignação

do País pela atitude da extinta Sociedade de Escritores

LISBOA, 27 – A Imprensa dá hoje o maior destaque à divulgação da sen-

tença que condenou o traidor Luandino Vieira a 14 anos de prisão.

José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de Luandino Viei-

ra e a quem um júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu

um prémio literário, era membro da organização terrorista denominada Mo-

vimento Popular de Libertação de Angola – M.P.L.A. – e entre outros cri-

mes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital daquela Provín-

cia, com o objectivo de atingir a população civil.

A sentença de julgamento a que foi submetido – proferida por unanimi-

dade em 22 de Julho de 1963 – revela também que Luandino Vieira tinha em

vista separar Angola da Mãe-Pátria. José Vieira Mateus da Graça foi julgado,

juntamente com dois outros indivíduos, acusados de haverem cometido em

comparticipação um crime contra a segurança externa do Estado, previsto e

punido pelo artigo 141.º, n.º 1 do Código Penal («intentar por qualquer meio

violento[,] fraudulento ou com o auxilio estrangeiro, separar a Mãe-Pátria ou

entregar a um país estrangeiro todo ou parte do território português, ou por

qualquer desses meios ofender ou pôr em perigo a independência do país».

A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação de-

duzida pelo Promotor de Justiça, tendo dado como provados os crimes a

seguir mencionados, pelos quais José Vieira Mateus da Graça foi condenado

a 14 anos de prisão maior e na suspensão de todos os direitos políticos por

tempo de 8 anos, além das medidas de segurança e internamento pelo perío-

do de 6 meses a 3 anos.

A 23 de Julho de 1959, foi José Vieira Mateus da Graça detido por distri-

buição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação de

Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em Novem-

bro de 1961, tendo confessado seguir as directrizes do M.P.L.A., movimento

de que se considerava membro e com o qual se tinha comprometido a enviar

para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror na população.

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262 | A rep(r)e(rcu)ssão política

O criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos terro-

ristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo des-

dobrou as actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo íntimos

contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do M.P.L.A.

residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma emissora,

editassem um jornal, enviassem bombas de plástico para aterrorizar a popu-

lação.

Pretendeu então, em Agosto de 1961, sair para o estrangeiro, a fim de ele

próprio trazer para Angola as citadas bombas de plástico.

Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi

impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião no aeroporto

das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para

Lisboa onde estabeleceu contacto com o segundo-tenente Costa Andrade,

com o fim de partir clandestinamente do país, o que não conseguiu. Nos

primeiros dias de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália

informando-o das suas diligências quanto à pretendida saída clandestina,

pondo-o ao corrente da opinião dos dirigentes do M.P.L.A. que era de, por

enquanto, nenhuma acção política ser desenvolvida por elementos brancos

em nome do «Movimento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a

U.P.A. para a formação de uma frente única, pelo que era necessário tomar

decisões tendentes a fazer abortar o boato espalhado pela U.P.A., de que o

M.P.L.A. era um «movimento de colonos».

O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indiví-

duos através dum seu primo António Júlio Santos, carpinteiro, que se encon-

trava prestes a partir para Angola.

Assinala ainda o mesmo documento que o José Vieira Mateus da Graça

enviou à África do Sul um dos réus, a fim de estabelecer contactos com um

membro da tribo cuanhama, Nangonja, então naquele país, com vista a revol-

tar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961, ou seja na ocasião mais aguda

dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte de Angola, os réus

procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e tomar a cidade de

Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do Exército que tão

heròicamente se batiam na região do Congo.

O julgamento de José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois réus pro-

cedeu-se no decurso de seis audiências, de acordo com as normalidades le-

gais, tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos.

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Notícias | 263

O Tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e de-

senvolvidas pelos réus, tendentes à consecução, por eles pretendida, da inde-

pendência desta província portuguesa de Angola, ou seja a sua separação e

desintegração da Mãe-Pátria por meios violentos e fraudulentos, e só não

atingiram a fase final da execução por razões independentes da vontade dos

réus, sobretudo pela intervenção oportuna da Polícia Internacional».

A citada sentença refere ainda que «todos os réus mantinham entre si re-

lações de amizade que vinham de longa data e afinidades e já tinham estado

presos em 1959», e a seguir sublinha que «volvidos apenas dois anos depois

de terem sido restituídos à liberdade, voltaram a ter actividades com assidui-

dade e intensidade, nomeadamente por ocasião dos acontecimentos trágicos

de Fevereiro e Março de 1961».

O Tribunal assinalou depois as atenuantes, tais como não terem os réus

antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem esti-

mado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam com a

prática dos crimes que conscientemente praticaram; a espontânea confissão

dos factos e actividades incriminadas, o que facilitou a descoberta do crime e

dos seus agentes, e ainda de outras pessoas nele implicadas.

Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o Tribunal considerou

que as atenuantes neutralizam a agravante militante contra os réus, pelo que

usaram da atenuação do artigo 94.º, n.º 1 do Código Penal, fazendo baixar a

penalidade do artigo 55.º, n.º 1, de dois escalões para se situar no n.º 3 do

referido artigo. Assim, José Vieira Mateus da Graça foi condenado naquela

pena de 14 anos de prisão maior. – (L.).

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264 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. 28-V-1965, pp. 1 e 13.

Um gesto digno perante um acto condenável

O escritor Joaquim Paço d’Arcos e o seu desassombrado

depoimento sobre o infeliz caso do Prémio da extinta Socie-

dade de Escritores

Como é já do conhecimento geral e, na altura devida, toda a Imprensa re-

feriu, tomou o conhecido escritor Joaquim Paço d’Arcos a atitude firme e

pronta de pedir a sua demissão de presidente da Assembleia Geral da Socie-

dade Portuguesa de Escritores, ao saber da insólita decisão, pela mesma to-

mada, de atribuir o seu grande prémio de Novelística, anualmente instituído,

ao livro «Luanda», da autoria de um terrorista confesso cumprindo pena de

14 anos por crimes contra a Nação e o Povo, em Angola.

Não vamos, neste momento, recordar, ponto por ponto, todo esse tristís-

simo caso que levantou Portugal inteiro num grito de indignado protesto e

levou à extinção daquela mesma sociedade, já que, sobre o assunto, quase dia

após dia as colunas da Imprensa largamente o têm feito. Mas porque nos

parece de extraordinário interesse, para um melhor e mais completo esclare-

cimento do caso, trazermos ao conhecimento do público moçambicano o

opúsculo há dois dias apenas vindo a lume em Lisboa, da autoria de Joaquim

Paço d’Arcos, transcrevêmo-lo hoje, na íntegra, nas nossas páginas.

«A Dolorosa Razão de uma Atitude – Para a História da Sociedade Por-

tuguesa de Escritores e do seu fim», é o nome desse opúsculo que seguida-

mente apresentamos à consideração de todos os nossos leitores:

«Foi no avião em que regressava de Paris, na quinta-feira, 20 de Maio,

que li, num exemplar do «Diário de Notícias» dessa própria manhã, a notícia

da outorga de três Prémios Literários pela Sociedade Portuguesa de Escrito-

res, e a concessão de um deles, o de Novelística, a Luandino Vieira. Desco-

nhecia inteiramente o autor e o livro. Mas uma nota em itálico, apensa à

notícia, disfarçada em telegrama de Londres, prevenia-me da identidade do

laureado e da acusação que sobre ele incidira e o tornara réu de pena maior.

Medi, com a maior apreensão, o significado e as possíveis consequências

da decisão acabada de tomar pela entidade a cuja Assembleia Geral presidia,

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Notícias | 265

cujos destinos dirigira e a que estava ligado, desde o início da sua existência,

por laços constantes de sincera e desinteressada dedicação.

Por isso, logo ao desembarcar em Lisboa, procurei pôr-me em contacto

com os membros da Direcção, para me informar do ocorrido e para saber

como evoluía a situação que o itálico do «Diário de Notícias» sugeria prenhe

de consequências. Pude chegar só à fala com um director, Luís Forjaz Tri-

gueiros, que me disse ter o presidente da Direcção, Prof. Jacinto do Prado

Coelho, convocado para as cinco da tarde uma reunião extraordinária daque-

le corpo gerente. Decidi comparecer a essa reunião, pois que a gravidade do

caso permitia e aconselhava que o Presidente da Assembleia Geral juntasse o

seu esforço ao da Direcção embora tão estranha e tão incerta.

Eu poderia ter-me colocado na posição cómoda de observador distante,

mas preferi dar a minha assistência, nunca negada e sempre devotada, aos

meus camaradas e à Sociedade de Escritores, naquela conjuntura em que os

próprios destinos desta poderiam ser jogados.

O Dr. Jacinto do Prado Coelho compareceu à reunião, cuja presidência

assumiu, vindo do Ministério da Educação, onde fora convocado. E sem

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266 | A rep(r)e(rcu)ssão política

preâmbulos, nem explicações, propôs «como a única coisa que tínhamos a

fazer», a suspensão do Prémio a Luandino Vieira. Sentado à sua esquerda,

ponderei-lhe a gravidade do assunto, a necessidade que tínhamos de ser es-

clarecidos, a precisão que tínhamos de saber o que lhe fora dito no Ministério

da Educação. Sobre tal matéria não consegui arrancar uma informação ou

esclarecimento útil ao Presidente da Direcção. Quase parecia que na entrevis-

ta no Ministério da Educação não se passara nada.

A Direcção e os seus membros suplentes, chamados à efectividade do

serviço, um membro do Júri, que fora convocado, um sócio a quem se reque-

riam as luzes de advogado, e a minha pessoa, constituíamos um grupo de

treze indivíduos, número fatídico em volta daquela mesa.

Na ausência de uma condução do debate pelo Presidente, expus os meus

pontos de vista, que foram escutados com atenção e deferência pelos meus

camaradas. No meu entender, não era só o valor absoluto ou relativo de uma

obra literária que podia estar em causa. Havia outros valores na conjuntura

portuguesa de que a Sociedade de Escritores não podia fazer tábua rasa.

Quando cem mil famílias portuguesas tinham filhos em África a combater,

quando centenas de combatentes mortos haviam pago já o tributo da nossa

sobrevivência ultramarina, quando centenas de mutilados pagariam esse

tributo para o resto dos seus dias, a Sociedade Portuguesa de Escritores não

podia premiar a obra de um condenado por actos de terrorismo em Angola.

Eram estes os aspectos do caso no plano moral. No plano prático era nosso

dever proteger a Sociedade Portuguesa de Escritores, património cultural e

moral que tínhamos herdado de gloriosos antecessores e tínhamos de trans-

mitir intacto aos que nos sucedessem, era nosso dever protegê-la dos actos de

represália que poderiam pôr até a sua existência em risco.

Luís Forjaz Trigueiros apoiou inteiramente as minhas palavras e disse que

para ele o problema ultramarino não era um problema político, mas um pro-

blema nacional. Prestara sempre a mais leal e desinteressada colaboração à

Sociedade Portuguesa de Escritores e isso dava-lhe autoridade para pedir

uma decisão rápida e inequívoca que afastasse as consequências que a deci-

são do Júri do Prémio de Novelística inevitàvelmente provocaria. A esse

propósito informou os assistentes de que fora procurado por um alto funcio-

nário do Estado, cujo nome só estava autorizado a revelar ao Presidente da

Direcção, que oficialmente o prevenira da reacção gravíssima que se avolu-

mava e dos perigos que pendiam sobre a própria existência da Sociedade.

Não transmitia esses avisos para exercer qualquer pressão sobre os seus ca-

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Notícias | 267

maradas, mas para os elucidar sobre as circunstâncias em que a Direcção da

Sociedade tinha de agir.

O debate prolongou-se por demoradas horas. Não houve uma palavra vio-

lenta nem qualquer sombra de azedume. Houve consciências a debaterem-se.

Alguns dos presentes – e não tenho de mencionar nomes – sustentaram o

ponto de vista de que o Prémio era concedido pelo valor intrínseco da obra,

independentemente das circunstâncias que pudessem macular o seu autor. A

Direcção não podia desautorizar o Júri e não devia voltar atrás da decisão

proclamada.

Respeitando os pontos de vista contrários, mas pedindo igual respeito pa-

ra os meus, proferi com comovida veemência palavras em reforço do que já

dissera. E quanto à minha posição pessoal, afirmei quão honrado me sentia

de ser Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escrito-

res, mas que não podia ser Presidente de uma Sociedade que premiava um

terrorista. Aceitava que nem todos sentissem o problema ultramarino da ma-

neira como eu o sentia. Mas herdara de meu pai o amor à África Portuguesa,

para lá fora com quatro anos, lá vivera e erguera parte da minha vida e à

sombra do nome de minha família, numa obra que meus irmãos e eu tínha-

mos construído em dezenas de anos de labor, à sombra do nosso nome vi-

viam muitas dezenas de famílias em harmonia racional, perante as quais eu

não me ousaria apresentar se uma instituição da minha presidência premiasse

um condenado pelos crimes de terrorismo. Eram esses motivos só meus, de

ordem pessoal, como o facto de ter tido um filho meu a combater, voluntário,

na defesa da terra portuguesa de Angola. Mas os meus motivos pessoais

confundiam-se com os de ordem nacional, de que a Sociedade Portuguesa de

Escritores não se podia alhear. E preocupação igual a essa era a minha no

que respeitava à segurança e sobrevivência da Sociedade cujos destinos tí-

nhamos de defender. As advertências que Luís Forjaz Trigueiros nos trans-

mitira deviam abrir-nos os olhos para o dever de preservarmos o património

a nosso cargo. Em meu entender, mais importante do que a outorga de um

Prémio era a existência da Sociedade cujo papel na vida portuguesa era es-

sencial para os escritores. Recordei o nome de Fernando Piteira Santos, bem

insuspeito certamente para os presentes, porque está hoje na emigração e em

Argel. Pois Piteira Santos, que nunca escondeu a sua maneira de pensar pes-

soal, foi, na Direcção a que presidi e de que era membro, o companheiro

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268 | A rep(r)e(rcu)ssão política

mais dedicado e mais cauteloso em não permitir que um único acto arriscado

ou passo irreflectido trouxesse dificuldades, dentro do condicionalismo por-

tuguês, à Sociedade por cujos interesses e prestígio tínhamos de velar.

Não encontrei cabal compreensão para os meus argumentos e escutei al-

guns depoimentos mais interessados na manutenção do Prémio do que na

sobrevivência da Sociedade. Devo dizer que foi em duas senhoras presentes

que encontrei maior compreensão para as realidades em jogo.

Esgotado o doloroso debate em que concepções tão diferentes se enfren-

taram – devo dizê-lo, sempre no maior respeito mútuo e em atmosfera de

estima que a todos honrou – o Presidente e o Vice-Presidente da Direcção

ausentaram-se para redigir o comunicado que se projectaria enviar para os

jornais.

Salientei a grande urgência na publicação desse comunicado e a imperio-

sa necessidade de ele aparecer na manhã seguinte. A tempestade avoluma-

va-se, as ameaças concretizavam-se e a Sociedade de Escritores tinha ainda a

seu favor o argumento de que as acusações ao premiado só haviam vindo a

público num telegrama de Londres e não num documento oficial. Horas de-

pois, confirmadas essas acusações em documento oficial, como não deixaria

de acontecer, a posição da Sociedade seria muito mais penosa.

Quando os dois autores do comunicado regressaram à sala com esse do-

cumento, foi ele alvo de exame e demorado debate. Não continha a suspen-

são do Prémio, como o Presidente da Direcção propusera na sua intervenção

inicial. Mas continha o argumento de que o premiado fora distinguido em

Angola, nos últimos quatro anos, portanto depois de preso e até de condena-

do, por quatro prémios literários. Embora esses prémios não tivessem catego-

ria e responsabilidade comparáveis aos da Sociedade Portuguesa de Escrito-

res, não haviam suscitado reacções conhecidas.

Não era aquele o comunicado que eu escreveria. Mas eu nem sequer per-

tencia à Direcção que o publicaria e estava ali como conselheiro, a participar

das dificuldades e das preocupações. Travara-se ali uma luta de conceitos e

de consciências e eu não podia impor as minhas concepções e o drama da

minha consciência à consciência dos meus camaradas. Aceitei o comunicado,

como Luís Forjaz Trigueiros o aceitou, dizendo este, embora, que o achava

insuficiente; aceitei-o na convicção de que publicado na manhã seguinte

daria parcial satisfação à onda levantada e permitiria fazer evoluir o proble-

ma de maneira a não se afundar a Sociedade Portuguesa de Escritores. Sugeri

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Notícias | 269

que entregassem nessa mesma noite o comunicado em casa do Ministro da

Educação Nacional e que o distribuíssem ainda naquela noite, ràpidamente,

aos jornais.

Voltei para minha casa pelas dez e meia da noite e, de moto próprio, tele-

fonei ao Prof. Galvão Teles, Ministro da Educação Nacional. Disse-lhe que

em breve ele deveria receber um comunicado que a Sociedade Portuguesa de

Escritores publicaria nos jornais da manhã seguinte. Não enfraqueci a posi-

ção dos meus colegas dando a entender qualquer falha ou dubiez desse do-

cumento. Insisti só, persuasivamente, na necessidade e conveniência de ne-

nhum obstáculo ser posto à sua publicação. Explicados os factos pela Socie-

dade Portuguesa de Escritores, ela deixaria possìvelmente morrer o Prémio e

até só para o Outono faria a entrega dos restantes. Entretanto, frisei, o Go-

verno só teria desvantagem em exercer qualquer represália sobre a Socieda-

de, pela repercussão desastrosa que isso poderia ter e porque desse modo o

Governo iria fazer o jogo dos que dentro da Sociedade – não, de forma al-

guma, dentro da Direcção – poderiam ser partidários do «quanto pior me-

lhor» e da política da terra queimada.

Pela meia-noite o Prof. Galvão Teles telefonou-me dizendo que recebera

havia instantes o comunicado, que o lera atentamente e que ele o desaponta-

ra. Não havia nele uma palavra de repúdio pelo terrorismo, motivo da conde-

nação do premiado, e no último parágrafo a Sociedade de Escritores coloca-

va-se olìmpicamente na posição de quem aguardava que o Governo lhe pres-

tasse informações para deliberar só então sobre a atitude que tomaria.

Procurei defender o comunicado o melhor que pude e grande esforço foi

esse, em que verguei a minha consciência para defender a Sociedade sobre a

qual tantas sombras se acumulavam. Insisti com o Ministro para que mesmo

assim fosse facilitada a publicação do comunicado nos jornais da manhã,

podendo depois ao longo do dia renovar-se a revisão do problema. Frisei-lhe

que só me mantinha na Presidência da Assembleia Geral, onde apenas sacri-

fícios e dissabores colhia, na medida em que sendo útil à Sociedade dos Es-

critores tinha a consciência de servir o meu país. E despedimo-nos com a

nota renovada do desapontamento do Prof. Galvão Teles.

Na manhã seguinte procurei debalde nos jornais o almejado comunicado

da Sociedade a cuja Assembleia Geral presidia. Receei que a Censura o ti-

vesse absurdamente proibido e telefonei ao Ministro da Educação Nacional

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270 | A rep(r)e(rcu)ssão política

para me esclarecer. O Prof. Galvão Teles disse-me que os jornais e as entida-

des oficiais tinham estado até de madrugada à espera do comunicado, mas

que não o tinham recebido. Desmentida assim a minha promessa da véspera,

não soube que responder ao Ministro.

Em comunicação telefónica imediata com o Dr. João José Cochofel, Se-

cretário da Direcção da S.P.E., mostrou-se este muito surpreendido com a

minha estranheza, dizendo que entregara na noite anterior uma cópia do co-

municado em casa do Ministro da Educação Nacional e metera simplesmente

no correio os exemplares destinados aos jornais, para serem recebidos no dia

seguinte. Não percebera a necessidade da urgência da sua entrega. Não che-

guei a poder iluminá-lo.

Em conversa telefónica, logo em seguida, com o Presidente da Direcção,

Prof. Jacinto do Prado Coelho, fiz-lhe ver o prejuízo gravíssimo que a imper-

doável demora trazia à causa da Sociedade de Escritores. Em vez de publicar

a defesa desta, incompleta que fosse, os jornais só publicavam as crescentes

acusações. Falei com certa veemência. O Prof. Prado Coelho disse-me que na

véspera à noite estava muito cansado e que não lhe ocorrera… o que eu tão

insistentemente lhe recomendara (palavras estas últimas minhas).

Indignou-me o contraste entre a actividade que eu estava desenvolvendo

por mera dedicação à Sociedade e a displicência dos seus imediatos dirigen-

tes.

Entretanto, impunham-se ao meu espírito as provas de que a concessão do

Prémio a Luandino Vieira não fora o puro acto de justiça literária a que al-

guns membros da Direcção, no doloroso debate da véspera, se haviam ape-

gado. Afastados concorrentes que são grandes novelistas e escritores da lín-

gua portuguesa, como Fernando Namora e Urbano Tavares Rodrigues, fora

buscar-se o livro de um escritor não concorrente para o distinguir com o

galardão. E no instante em que este era anunciado as agências telegráficas

estrangeiras comunicavam para o Mundo, em telegramas redigidos em inglês

e francês, que meus olhos viram, ter a Sociedade Portuguesa de Escritores

acabado de atribuir o Grande Prémio de Novelística a um preso condenado a

catorze anos de prisão por actividades subversivas.

Eu fora Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores e

era Presidente da sua Assembleia Geral para servir, com a devoção com que

o fiz, a causa e a dignidade dos escritores portugueses. Recusara-me sempre,

nesses cargos, a ser instrumento de qualquer política, fosse ela qual fosse.

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Notícias | 271

Muito menos o seria de uma política que, justificada embora aos olhos de

outros, não o era aos meus olhos de português.

Travei nessa manhã de sexta-feira, 21, o mais doloroso debate de cons-

ciência da minha vida já longa e experimentada pelas dores mais fundas.

Tudo fizera ao longo de anos para dignificar a Sociedade Portuguesa de Es-

critores, como tudo fizera agora para a defender, na hora em que as ameaças

se acumulavam sobre ela. Prendiam-me a muitos dos seus componentes laços

de amizade e de fraternidade literária. E como escritor fui sempre fiel à mi-

nha missão e à obra que ela me permitiu erguer. Por essa missão desprezei

grandezas do Mundo, seduções políticas, tentações da vaidade. Mas a minha

obra é a essência da minha vida e esta, por sua vez, tem tido uma trajectória

única e a ela permanecerei sempre fiel. Essa trajectória levou-me muito novo

para terras da África Portuguesa e lá ergui tudo o que constitui hoje a minha

vida extraliterária. Nenhum interesse material me inspira ao escrever estas

palavras: cheguei a uma altura da vida em que nenhuma ambição me anima

senão a de prosseguir a obra literária e em que nenhuma cobiça me atormen-

ta, porque na limitação dos bens materiais encontro a disciplina para não

vender a alma do artista aos deuses que a corrompem e que a escravizam.

Mas a trajectória da vida pôs em Angola, à sombra dos meus, e em Mo-

çambique, sob a minha direcção, famílias inúmeras que nas cidades ou no

mato olham para o meu vulto não como o do escritor que sanciona prémios,

mas como o de um homem por elas responsável. Estão sós, no mato, muitas

delas, e receiam talvez ameaças que não me atingem na vida cómoda de

Lisboa. Que não atingem os membros do Júri que outorga prémios despreo-

cupadamente, aceitemos, em mera diversão intelectual. Que não atingem o

Presidente e o Secretário de uma Sociedade para quem não é motivo de pres-

sa o esclarecimento que calaria a mágoa ou a indignação dessas famílias

esquecidas no mato.

Todos esses pensamentos e alguns mais mortificaram a minha consciên-

cia. E colocaram-me perante a opção mais dolorosa da minha carreira de

escritor.

Não tive um instante de mágoa quando, por coerência para comigo pró-

prio, abandonei em final de 1960 o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a

que parte da minha vida ficava ligada.

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272 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Mas sofri um dos mais fundos desgostos da existência quando, por fideli-

dade aos princípios que me norteiam, tive de me afastar de camaradas que

estimo e admiro, por não os poder acompanhar no equívoco ou na dubiez.

Ao fim dessa manhã escrevi ao Vice-Presidente da Assembleia Geral a

carta que a seguir transcrevo:

«Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu

regresso do Estrangeiro continuar a desempenhar em paz de consciên-

cia e com a convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos

desinteressadamente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escritores –

não me permitindo essas circunstâncias continuar a desempenhar as

funções de Presidente da Assembleia Geral da Sociedade, rogo-lhe o

favor de assumir as referidas funções até que em Assembleia Geral se-

ja preenchido o cargo que entendo de meu dever deixar de ocupar.»

E enviei cópia dela ao Prof. Jacinto do Prado Coelho, acompanhada das

seguintes palavras.

«Entendo do meu dever enviar-lhe cópia da carta que dirigi ao Vi-

ce-Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escri-

tores. Trata-se de uma decisão tomada após doloroso debate com a

minha consciência, mas foi ela que ma impôs. Creia que é muito dolo-

rosa para mim esta decisão que tomo e sabe bem como até ao último

momento procurei auxiliar a Sociedade Portuguesa de Escritores neste

passo difícil e infeliz. As delongas na acção que se impunha modifica-

ram as circunstâncias e é à luz destas que entendo proceder.»

Foi para mim esse um dia de fundo luto. Muito por que batalhara com de-

voção literária e dedicação cívica se esfrangalhava pelo gesto irreflectido ou

propositado de um Júri irresponsável e pela inépcia de uma Direcção que,

não ponderando devidamente os valores morais em causa e esquecendo o

condicionalismo apertado da vida portuguesa, não soube ver os perigos nem

afastar-se deles.

A Sociedade Portuguesa de Escritores, que Aquilino Ribeiro fundou, a

que Jaime Cortesão deu a altitude do seu nome, que eu procurei manter com

dignidade e independência, que Ferreira de Castro dirigiu com generosidade

modelar e nobre tolerância, – a Sociedade que era o Fórum amplo em que os

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Notícias | 273

escritores de todas as tendências deviam ter o seu lugar, veio a morrer às

mãos inertes do Prof. Jacinto do Prado Coelho. É possível que a tenham que-

rido matar. Mas ele não soube defendê-la.

Quando, à noite, Luís Forjaz Trigueiros e eu soubemos da decisão de se

extinguir a Sociedade, nós, que já não pertencíamos aos seus corpos gerentes,

ainda fizemos junto de personalidades responsáveis, que das nossas palavras

e argumentos se tornaram eco, diligências para paralisar o golpe, profunda-

mente errado em nosso entender.

Mais errado, porém, e deplorável, e degradante, foi o assalto que violou o

recinto, património dos escritores portugueses, onde tantas cerimónias de

elevação cultural tiveram lugar e de onde haviam saído os restos do portu-

guês insigne que foi o Dr. Jaime Cortesão. As acções não são feias só de um

lado. E se eu não o dissesse faltava à verdade que sempre servi.»

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274 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. 30-V-1965, pp. 1 e 8.

O Senado universitário de Lisboa presta homenagem

aos que tombaram no Ultramar e afirma a sua repulsa

pela atitude da Sociedade de Escritores

LISBOA, 29 – O Senado da Universidade de Lisboa, na sessão de 28 de

Maio, aprovou a seguinte moção:

«O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de

quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar e asso-

cia-se à mensagem que o Reitor da Universidade há dias tornou pública de

fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sa-

grada defesa da integridade da Nação.

É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável

da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e

está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terroris-

mo e traição à Pátria – considera ser seu dever, como instituição portuguesa

com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente

repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na

comunidade nacional portuguesa».

A mensagem do Reitor, prof. Paulo Cunha, referida na moção e [que] foi

dirigida ao Reitor da Universidade de Coimbra, quando este se encontrava

em Luanda a fim de assistir à homenagem prestada aos universitários de

Coimbra caídos em Angola no campo da honra, é do seguinte teor:

«Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na

tocante cerimónia de hoje, em que, além de representado pelo prof. Amaro

Monteiro, da minha Universidade, estarei plenamente presente em espírito,

curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte

infelizmente ceifou, mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a

vida pelo supremo bem que é a Pátria.»

Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o

esclarecimento de que não puderam estar presentes na sessão do Senado os

profs. Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada pelos restantes

membros do Senado, com ressalva do prof. Germano Sacarrão, que, comun-

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Notícias | 275

gando, aliás, no espírito patriótico da moção, não lhe deu, todavia, o seu voto

por preferir outra formulação que propôs ao Senado. – (L.)

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276 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Notícias. 31-V-1965, p. 2.

A Sociedade de Estudos e o caso da extinta Sociedade de Escritores

Datado do dia 28, a Sociedade de Estudos de Moçambique enviou ao che-

fe da Repartição de Gabinete do Governo-Geral da Província, o seguinte

ofício:

«Tenho a honra de solicitar o obséquio de V. Ex.ª se dignar levar ao co-

nhecimento de S. Ex.ª o Governador-Geral, que a Direcção da Sociedade de

Estudos de Moçambique, em reunião extraordinária efectuada nesta data sob

a presidência do signatário, por impedimento por doença do Presidente da

Direcção, tomou a seguinte resolução:

A Sociedade de Estudos de Moçambique

– informada através do serviço noticioso distribuído pela imprensa de

Lourenço Marques do que ocorreu na Sociedade Portuguesa de Escritores;

– ciente de que, por via de obrigações estatutárias, não há-de introme-

ter-se em questões de carácter político;

– ciente, também, de que quanto respeita a matéria atinente à Soberania

Nacional está para além de tal articulado estatutário;

– respeitando os direitos, por parte de um júri, ao reconhecimento dos

méritos literários de uma obra;

– fazendo distinção entre os valores estéticos reconhecíveis e a excepcio-

nal situação civil do escritor em causa,

estranha que a um autor que nega a Sociedade Nacional e, portanto, a legiti-

midade das instituições portuguesas, precisamente uma destas o haja consi-

derado idóneo para a recepção de um prémio literário.

Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos

cumprimentos.

No impedimento, por doença, do Presidente da Direcção, o Vice-Pre-

sidente, V. H. VELEZ GRILO».

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B) Do Prémio Mota Veiga

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O processo dos prémios literários | 279

Como ficou dito na introdução, o inquérito da P.I.D.E. que se apresenta

de seguida é uma das consequências da campanha contra José Luandino

Vieira surgida quando da atribuição do Grande Prémio de Novelística da

S.P.E. Surpreendido pela dimensão dos acontecimentos, o Governador-Geral,

Silvino Silvério Marques, vê-se forçado a mandar abrir um inquérito aos

antecedentes da distinção literária atribuída pela instituição da metrópole,

procurando assim contrariar a impressão de desatenção e de laxismo que se

terá formado acerca da sua atuação.

Elaborado em julho de 1965 pelo chefe de brigada Mário César Ferreira,

o relatório constitui um documento de interesse, não apenas para a história

luso-angolana, mas também para a história da literatura de Angola. De facto,

Mário Ferreira – condicionado embora pelo propósito de provar a intenção

política da atribuição dos prémios literários – acaba por fazer uma síntese da

literatura angolana mais recente, desde o Movimento dos Novos Intelectuais

de Angola, tendo o cuidado de identificar os seus fundamentos estéti-

co-ideológicos e de articulá-la com os movimentos internacionais

A parte do inquérito propriamente dita não trará novidades de maior, a

não ser o destaque conferido à figura do Dr. Eugénio Bento Ferreira, intelec-

tual ativo e militante da oposição que, como se pode ver num relatório indi-

vidual apenso ao inquérito, havia sido demitido da Companhia de Diamantes

de Angola pelo facto de ter casado com uma mestiça.

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O processo dos prémios literários | 281

Torre do Tombo – PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330

[F. 669r-689v]

PROCESSO DOS PRÉMIOS LITERÁRIOS

ATRIBUÍDOS A JOSÉ VIEIRA MATEUS

DA GRAÇA (LUANDINO VIEIRA)

Nota: – Foi despachado por Sua Excelência o Governador-Geral

para ser submetido ao Conselho Económico e Social.

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Folha de rosto do processo

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O processo dos prémios literários | 283

– RELATÓRIO –

Antes de entrar na apreciação dos factos que são matéria dos autos, penso

ser da maior utilidade, embora em termos gerais, uma breve análise do surto

literário que se denominou «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS

DE ANGOLA», nascido em 1950, do qual foram figuras mais representati-

vas ANTÓNIO JACINTO, VIRIATO CRUZ, MÁRIO DE ANDRADE,

ANTÓNIO CARDOSO, ANTERO ABREU, LESTON MARTINS, COSTA

ANDRADE, MANUEL LIMA, AGOSTINHO NETO, ERENESTO LARA,

HELDER NETO, LUANDINO VIEIRA, etc..

Este movimento literário, à semelhança de muitos outros nos diversos

países africanos, foi reivindicativo e revolucionário, com o objectivo de pro-

mover a consciencialização das massas nativas, preparando-as para as reivin-

dicações de libertação e independência.

A maioria, quase a totalidade das figuras mais representativas do «MO-

VIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», que surgiu

com a revista «MENSAGEM», da ANANGOLA, em 1950, e depois de um

período de crise ressurgiu na Sociedade Cultural de Angola, com o jornal

«CULTURA», está hoje à cabeça dos movimentos subversivos e terroristas

que tentam a desintegração da unidade da Nação Portuguesa.

À semelhança dos movimentos literários que nos outros territórios africa-

nos precederam os movimentos políticos e revolucionários que levaram à

independência da maioria desses territórios, também em Angola os dirigentes

do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» procu-

ravam dar às suas obras literárias uma problemática e uma imagética negro-

-africana.

Levados pelas novas ideias e “slogans” que agitavam toda a África, eles

pensavam, como diz Jack Woddis, no seu livro «ÁFRICA – AS RAÍZES DA

REVOLTA», a págs. 290, que:

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284 | A rep(r)e(rcu)ssão política

«O intelectual africano está sujeito a duas influências opostas. Por

um lado, os imperialistas tentam seduzi-lo pelo suborno, oferecen-

do-lhe pequenos previlégios [sic] e enfraquecendo seu orgulho e leal-

dade nacionais por um subtil processo de desafricanização e ocidenta-

lização. Por outro lado, como o imperialismo está ansioso de conser-

var todas as rédeas nas mãos, e porque os colonos brancos desejam as

vantagens dos postos e profissões, o intelectual africano tem suas am-

bições, tanto as pessoais como as ligadas ao destino do seu povo,

constantemente sufocadas e frustradas. Chega assim, finalmente, a

compreender que nem os interesses pessoais ou grupais, nem a cultura

geral do seu povo, podem progredir enquanto continuar o colonialis-

mo e o domínio imperialista. É a natureza dupla das pressões sobre o

intelectual africano – ter previlégios [sic] em relação à maioria do seu

povo, mas continuar subordinado aos dominadores europeus – que ex-

plica as hesitações, indecisões ou súbitas mudanças de posição de um

extremo ao outro, que caracterizam frequentemente seu papel no mo-

vimento nacional. No entanto, sua influência é muito importante, e

não há um único partido político nacional do povo africano, em qual-

quer dos territórios, no qual os intelectuais não desempenhem um pa-

pel significativo, e frequentemente de liderança.»

Esta problemática, então vinda com os “ventos da História”, leva o

«MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» a uma

poesia que, mais tarde, CARLOS EVERDOSA, no seu livro «A LITERA-

TURA ANGOLANA» (prémio de ensaio do concurso literário de 1963, da

ANANGOLA), viria descrever como «… um movimento de poetas virados

para o seu povo, utilizando nas suas produções uma simbologia que a própria

terra exuberantemente oferece. O vermelho revolucionário das papoilas dos

trigais europeus, encontram-no os poetas angolanos nas pétalas de fogo das

acácias…».

O mesmo aconteceu quanto à prosa que, segundo o mesmo autor, teve em

LUANDINO VIEIRA o seu «maior contista e novelista de sempre», porque

«colheu directamente do povo os ensinamentos que o tornariam no maior

escritor neo-realista angolano, pois narra, sem intransigências, a vida dos

seus heróis, que são sempre os filhos humildes do povo».

Ora, toda esta problemática, escrita em letras de forma e atirada aos qua-

tro ventos, através da revista intitulada «MENSAGEM» e do jornal «CUL-

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O processo dos prémios literários | 285

TURA», gerou uma corrente literária que teve os seus mestres e os seus dis-

cípulos, os quais se transformaram quase todos em “leaders” dos movimen-

tos subversivos e terroristas hostis à soberania portuguesa.

Isto significa que, fiéis às bases de que partiram e atrás referidas, os poe-

tas e escritores do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE

ANGOLA», depois de, sob o aspecto intelectual, terem cortado com aquilo

que denominam de “vassalagem” à cultura metropolitana e europeia, resolve-

ram mergulhar naquilo que designavam por “suas origens”, mais propria-

mente a “cultura negro-africana” ou simplesmente “negritude”.

Esta africanização, segundo nos diz ALFREDO MARGARIDO, no seu

trabalho intitulado «A EXEMPLARIDADE DE AGOSTINHO NETO»

(primeiro prémio de ensaio do concurso de 1961, da Sociedade Cultural de

Angola), processa-se da seguinte forma:

«Assumindo a responsabilidade de representar uma sociedade do-

minada, sem acesso à sua liberdade, o escritor negro deve definir os

problemas socio-económicos que se apresentam aos grupos sociais.»

E mais adiante, depois de pôr a dúvida dessa definição, por virtude da

equação colonizador-colonizado, confirma:

«O intelectual não pode trair o seu grupo e, por isso, se lança no

caminho da revolta, embora seja obrigado a reconhecer que toda a sua

cultura depende, em primeiro lugar, do grupo opressor. Ao ser obriga-

do a examinar a sua temática, o seu estilo (quer dizer, a sua fonética, a

sua sintaxe e a sua semântica), não tarda em descobrir que as palavras

com que trabalha correspondem, quase só, ao lastro cultural do colo-

nizador e que a renúncia às línguas e aos dialectos tradicionais lhe di-

minui, quando não elimina, as possibilidades de comunicar com o seu

próprio grupo. O público a que deve dirigir-se é, necessàriamente, um

problema que não pode deixar de ser examinado já que, querendo di-

rigir-se aos negros, acaba por só poder apresentar os problemas do ne-

gro dentro de um esquema de pensamento onde os instrumentos cultu-

rais são pertença do branco.»

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286 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Com esta teoria pretende o autor fazer a condenação de todos os intelec-

tuais de Angola que escreveram em língua portuguesa porque, como diz mais

adiante:

«A submissão complacente à escrita (língua portuguesa) seria uma

renúncia na medida em que todo o conhecimento do processo históri-

co da negritude ficaria perdido em virtude de uma euforia inobjectiva-

da. A única experiência verdadeira do português é a recusa da imita-

ção; a linguagem do colonizador não pode servir os objectivos de

quem procura recusar a alienação imposta e, por isso, Agostinho Neto

tenta injectar no seu esquema linguístico o vírus da negritude.»

Assim, ficamos a saber que duas barreiras separam o nativo do não-nativo

em Angola – a língua e a cultura – porque, na opinião dos autores que se

citaram, é necessário cortar com a “vassalagem” à língua e literatura metro-

politanas, pois só assim o escritor africano se sente bem dentro do seu mundo

e integrado no “seu povo”, donde partirá então para o “país” de que criou

uma nova língua, uma cultura – uma nação!

Estas as teses que também justificam, para os seus cultores, a linguagem

dos muceques de que LUANDINO VIEIRA se serve – e que já tem seguido-

res e imitadores em Angola – como a futura língua de uma “nação” que se

chamaria Angola, com uma literatura e uma cultura angolanas, da negritude,

sem “vassalagens” à cultura e à literatura metropolitanas.

– * –

Os presentes autos tiveram origem na determinação verbal de Sua Exce-

lência o Governador-Geral, transmitida por escrito a fls. 2 e confirmada por

despacho exarado na “Nota de Gabinete” junto a fls. 152x o qual ordena que

se averiguem as condições em que foram atribuídas a JOSÉ VIEIRA MA-

TEUS DA GRAÇA, que usa o pseudónimo literário de LUANDINO VIEI-

RA, as distinções dos concursos literários de 1961 e 1963, respectivamente

da Sociedade Cultural de Angola e da Associação dos Naturais de Angola, e

o primeiro lugar do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963.

Os membros dos juris destes concursos foram:

Concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola:

Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente;

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O processo dos prémios literários | 287

Dr. MANUEL DIAS CARVALHEIRO, vogal;

EDUARDO TEÓFILO BRAGA, vogal;

EMÍLIO FILIPE, secretário;

Concurso Literário de 1963, da Associação dos Naturais de Angola:

Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente;

Dr. ANTERO ERVEDOSA ABREU, vogal;

ACÁCIO ANTÓNIO PEREIRA DE LIMA BARRADAS, vogal;

ALEXANDRE HERCULANO DE CAMPOS, secretário;

«Prémio Mota Veiga», de 1963:

Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente;

MAURÍCIO ALMEIDA GOMES, vogal;

MÁRIO FERNANDO CARVALHO FIGUEIREDO CORTE REAL, vo-

gal;

ALFREDO JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA, secretário.

Os trabalhos premiados nos mesmos concursos foram os seguintes:

Concurso Literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola:

Poesia:

Menção honrosa: – «REQUIEM PARA A DESAPARECIDA», de AR-

SÉNIO MOTA (LÍRICO NESÁRIO):

Menção honrosa: – «AOS POETAS DO NORTE», de ERNESTO LARA

(MANA KURILÁ);

Menção honrosa: – «POEMA PARA A JUKE-BOX», de FERNANDO

VIEIRA (ZERO);

Conto:

1.º Prémio: – (Não foi atribuído);

2.º Prémio: – «A HISTÓRIA DA BACIAZINHA DE KITABA», de

LUANDINO VIEIRA (EME MUENE);

Menção honrosa: – «LENHA NO PINHAL» e «QUANDO A CHUVA

CAI», de ARSÉNIO MOTA;

Ensaio:

1.º Prémio: – «A EXEMPLARIDADE DE AGOSTINHO NETO», de

ALFREDO MARGARIDO (BUANGA);

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288 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Menção honrosa: – «PARA UMA VISÃO COMPREENSIVA DA LI-

TERATURA ANGOLANA», de MÁRIO ANTÓNIO FERNANDES DE

OLIVEIRA (JANIPE);

Concurso Literário de 1963, da Associação dos Naturais de Angola:

Poesia:

1.º Prémio: – «POEMAS DE APOCALIPSE», de CÂNDIDO DA VE-

LHA (JUVENAL QUEIROGA);

2.º Prémio: – «ALGUNS POEMAS ESCOLHIDOS», de ANTÓNIO

DIAS CARDOSO (KANGOLA);

Ficção:

1.º Prémio: – «A HISTÓRIA DA GALINHA E DO OVO», de LUAN-

DINO VIEIRA (VINTEOITO);

2.º Prémio: – «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SAN-

TOS», de LUANDINO VIEIRA (VINTEOITO);

Ensaio:

1.º Prémio: – «A LITERATURA ANGOLANA», de CARLOS ERVE-

DOSA (KINJANGU);

2.º Prémio: – «CONSCIENCIALIZAÇÃO NA LITERATURA CABO-

-VERDIANA», de Onésimo Silveira (NH’OMBROSE);

«Prémio Mota Veiga», de 1963:

1.º Prémio: – «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA;

2.º Prémio: – «ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

E SOCIAL DE ANGOLA», de A. CORREIA DE ARAÚJO.

Logo numa primeira apreciação dos trabalhos premiados nos concursos

literários de 1961 a 1963, respectivamente da Sociedade Cultural de Angola

e da Associação dos Naturais de Angola, que se encontram juntos aos autos

de fls. 32 a 35 e de fls. 184 a 199, verifica-se terem sido distinguidos indiví-

duos como ERNETSO LARA (FILHO), LUANDINO VIEIRA, ALFREDO

MARGARIDO, MÁRIO DE OLIVEIRA, ANTÓNIO DIAS CARDOSO,

CARLOS ERVEDOSA e ONÉSIMO SILVEIRA, todos eles integrados no

«MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA».

Este movimento literário pretendia, como já se disse atrás, estruturar e

marcar o princípio de uma “literatura angolana”, a qual, segundo ALFREDO

MARGARAIDO, CARLOS ERVEDOSA e ONÉSIMO SILVEIRA, deveria

quebrar com toda a subordinação à cultura e língua portuguesas porque, co-

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O processo dos prémios literários | 289

mo afirma o primeiro daqueles autores, no seu trabalho «A EXEMPLARI-

DADE DE AGOSTINHO NETO» (primeiro prémio de ensaio da Sociedade

Cultural de Angola):

«Recusando o português como língua apenas do colonizador, sub-

metendo-a a um ritmo angolano, adicionando-lhe expressões originais

e intraduzíveis do quimbundo, Agostinho Neto procurava destruir, sis-

temáticamente, a pureza do português, enquanto mera representação

da cultura do colonizador».

Mas acontece que, como afirma o mesmo autor no citado trabalho:

«Acompanhar a evolução das palavras portuguesas não é suficien-

te, pois que tais palavras não são suas. Usa-as apenas porque o coloni-

zador lho permite, por um lado e, por outro, lho impõe (na verdade tal

imposição é dupla, já que também lhe é imposta a estrutura sintáctica

e semântica da frase; a primeira distorção que o português sofre nas

áreas tropicais é a fonética)».

E isto porque, como conclui mais adiante:

«A objectivação estética dos problemas fundamentais do coloniza-

do fornece a arma necessária para inverter a função da própria língua,

de que é obrigado a servir-se, esvaziando-a da sua representatividade

particularizada: é uma língua que, deixando de servir os padrões esté-

tico-culturais do colonizador, afirma a autonomia cultural do coloni-

zado».

E assim se justifica o claríssimo objectivo do «MOVIMENTO DOS NO-

VOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» que pretendia, ao lançar uma corren-

te literária, criar uma literatura angolana cultural e linguisticamente autóno-

ma, o que implicitamente seria secundado por um movimento revolucionário

tendente à independência, como objectivamente analisa Jack Woddis na

citação já atrás transcrita.

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290 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Esta tese foi a que presidiu a todos os trabalhos premiados nos citados

concursos literários e teve em LUANDINO VIEIRA o seu mais representati-

vo escritor, como o afirma o próprio CARLOS ERVEDOSA, no seu livro «A

LITERATURA ANGOLANA», que foi primeiro prémio de ensaio do con-

curso literário de 1963, da ANANGOLA.

No livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, primeiro prémio no

concurso Mota Veiga, verificam-se todas as condições referidas por AL-

FREDO MARGARIDO – tanto fonética como semânticamente – por forma a

integrar-se na corrente literária da referida cultura angolana autónoma.

E isto é tão evidente, para o caso do livro citado, que o jornalista JOSÉ

JUSTINO DE FARIA ROBY AMORIM vem, no jornal «ABC – Diário de

Angola», em artigos que se encontram juntos a fls. 81, 85 e 86, respectiva-

mente intitulados «UMA LÍNGUA VIVA», «LUUANDA ASSINALA O

NASCIMENTO DE UMA LITERATURA» e «UMA LÍNGUA QUE NAS-

CE (A PROPÓSITO DE LUANDINO VIEIRA)», nos quais se lê, a fls. 81:

«Os poetas, para quem, normalmente, a sensibilidade vem antes de

qualquer forma de racionalismo, já começaram a fazer as suas expe-

riências no idioma básico de Angola, algumas delas muito válidas,

acrescente-se.

A prosa parece recear a aventura, mais ligada, como naturalmente

está, a formalismos e compromissos.

É, porém, a aventura que se impõe e para que parece ter chegado o

momento próprio.»

Continuando, a fls. 85, diz:

«O fenómeno acaba de suceder em Angola, com a publicação dos

três contos de Luandino Vieira, «LUUANDA» – com os quais, pode

dizer-se, nasce a prosa de ficção neste território tropical.

Aliás, podia adivinhar-se que o acontecimento estava prestes a so-

brevir. Anunciavam-se várias tentativas poéticas, usavam-na já os es-

critores quando os seus personagens empregavam o discurso directo,

tentava irromper nas colunas dos jornais e fizera mais que uma apari-

ção através dos microfones das estações de rádio.

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O processo dos prémios literários | 291

Incontrolável, esta força de expressão que procurava acesso, cida-

dania, acabou por obtê-la – com o que temos de congratular-nos – com

uma obra impecável.»

E ainda a fls. 86:

«Em Angola, neste momento, estão em transformação tanto uma

língua como uma literatura, uma e outra resultantes do regime econó-

mico, dos sistemas de trabalho, da organização social (que se podem

considerar equivalentes em Cabinda ou em Moçâmedes, em Luanda

ou no Cuando-Cubango, e que justificam uma unidade desta Angola

diversificada em raças, línguas, climas e condições geográficas).

Na nova literatura e na nova língua que surgem estão presentes

duas constantes, embora uma seja largamente superior à outra: a cultu-

ra e a literatura europeias, que os portugueses trouxeram consigo, e a

cultura e as línguas locais, que os primeiros assimilaram muito dèbil-

mente, mas os segundos aceitaram a oferta, embora com diversifica-

ções apropriadas. O que está a nascer é pujante, vigoroso, sobretudo

jovem e cheio de ambições, como é natural a toda a juventude.»

E mais adiante termina esta explanação, dizendo:

«Foi precisamente a conjunção destas duas forças que Luandino

Vieira conseguiu alcançar no seu «LUUANDA» que, em princípio,

deveria justificar este escrito necessàriamente breve, mas que desas-

trada e pouco inteligente intervenção alheia forçou a deixar um tanto

de parte, por exigir a explanação de um pensamento que se considera-

va suficientemente explicado, embora não para os que raiam o analfa-

betismo, alcandorando-se, muito embora, à posição de juízes em maté-

ria na qual só meteram a própria foice – como admitem – por mecena-

to (e em pagamento) político.»

No seu livro intitulado «A CRÍTICA REALISTA», junto a fls. 272, o

Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, que foi presidente dos juris em que foi

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292 | A rep(r)e(rcu)ssão política

distinguida esta literatura nitidamente desnacionalizante, diz-nos a certa altu-

ra:

«A literatura é uma forma ideológica integrada numa ideologia, is-

to é: num conjunto de ideias formando um sistema, uma teoria, uma

cultura.»

Noutra altura do seu trabalho, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA con-

tinua:

«Mas não haverá literatura enquanto não se gerar no seio das mas-

sas a consciência de si próprias, em novas e peculiares formas de ex-

pressão.»

E concretizando a sua tese com dialéctica verdadeiramente marxista-

-leninista, pois que, sendo materialista, se fundamenta em Feuerbach, onde

Marx e Engels foram beber os processos dialécticos com que propuseram o

Materialismo Dialéctico e o Materialismo Histórico, que são base das suas

teorias, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA justifica-a, ao afirmar no seu

livro:

«Georg Lukacs, em “A Destruição da Razão”, faz avultar, ao longo

de uma brilhante e poderosa análise, a natureza una, indivisível, totali-

tária, do fenómeno literário. A história da filosofia, escreve o pensador

húngaro, como a história da arte ou da literatura, não é simplesmen-

te – como consideram os pensadores burgueses – uma história das

ideias filosóficas ou dos filósofos. Os problemas e as direcções das so-

luções são dadas à filosofia pelo desenvolvimento das forças produti-

vas, pela evolução da sociedade e pela amplitude da luta de classes.»

Assim e claramente, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA aponta como

solução para a literatura dita angolana um processo dialéctico materialista no

qual todos os elementos do materialismo histórico entrem como factores

fundamentais.

E, em consequência, nós vemos que MÁRIO DE OLIVEIRA, no seu tra-

balho intitulado «PARA UMA VISÃO COMPREENSIVA DA LITERA-

TURA ANGOLANA», distinguido com menção honrosa no concurso literá-

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O processo dos prémios literários | 293

rio de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, vem apontar a necessidade de

uma análise dialéctica do movimento literário, com vista à definição da sua

literatura, para a qual considera contributo fundamental o trabalho do

Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA.

Quer dizer, destes pressupostos só se pode entender que a literatura dita

angolana, para corresponder às premissas em que se fundamenta o movimen-

to que a queria estruturar, teria de ser realista – isto é, os seus escritores e

poetas teriam de estar integrados no realismo literário.

Ora, segundo Roger Garaudy, no seu livro «D’UN RÉALISME SANS

RIVAGES»:

«La liberté n’est jamais abstraite. Elle ne surgit pas du “néant”. Il

n’y a de liberté authentique qu’enracinée dans la culture du passé,

dans les combats du présent, dans la tâche comme de ceux qui

bâtissent l’avenir.

L’artiste et l’écrivain n’échappent pas à cette ici. Le réalisme, en

art, est la prise de conscience de cette participation à la création

continuée de l’homme, forme la plus haute de la liberté.»

E depois de afirmar que a posição do escritor realista perante a sociedade

não é expectante, mas sim militante, querendo prová-lo dialècticamente pela

relação entre a superestrutura (vida intelectual) e a infra-estrutura (vida mate-

rial), acaba por concluir:

«Cette dialectique complexe des rapports de l’œuvre avec la réalité

et la vie, est l’object essentiel de l’esthétique marxiste.»

– * –

Ouvido de fls. 4 a 7, de fls. 243 a 250 e de fls. 256 a 260, ALFREDO

JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA começa por referir, a fls. 4 (verso),

a composição do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963. Depois, a

fls. 4 (versos) e 5, refere que o primeiro lugar do «PRÉMIO MOTA VEIGA»

foi atribuído ao livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, por maioria

de votos (Dr. EUGÉNIO FERREIRA e MAURÍCIO GOMES). A esta vota-

ção opôs-se o vogal MÁRIO CORTE REAL, alegando não estar o livro de

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294 | A rep(r)e(rcu)ssão política

LUANDINO VIEIRA tão integrado no espírito do prémio, que exigia que o

conteúdo das obras fosse uma explanação de motivos da presença portuguesa

em Angola, como o de A. CORREIA ARAÚJO, intitulado «ASPECTOS DO

DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ANGOLA», o qual

preenchia essa exigência.

A fls. 6 (verso), BOBELA MOTA reconhece que o livro «LUUANDA»,

de LUANDINO VIEIRA, não corresponde ao espírito do regulamento do

«PRÉMIO MOTA VEIGA», nem na sua problemática nem na sua imagética,

relegando para o júri a responsabilidade da sua atribuição.

A fls. 244, ao ser-lhe posto o facto do livro intitulado «CEM POEMAS»,

de MÁRIO ANTÓNIO, ter sido excluído por não ser completamente inédito,

quando a verdade é que o livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA,

também não o era, por virtude de dois dos três contos que compõem este

livro terem sido premiados em concurso anterior, da ANANGOLA, AL-

FREDO BOBELA MOTA reconheceu que o livro de LUANDINO VIEIRA

também carecia da qualidade de ineditismo que excluiu o livro de MÁRIO

ANTÓNIO.

A fls. 244 (verso), reconhece também que o regulamento do «PRÉMIO

MOTA VEIGA» não exige, taxativamente, que as obras concorrentes sejam

inéditas, mas apenas que sejam publicadas no ano a que se refere o concurso.

A fls. 245 (verso), declara ter tido conhecimento, em Agosto ou Setembro

de 1964, de que contos do livro de LUANDINO VIEIRA haviam sido pre-

miados no concurso anterior da ANANGOLA.

A fls. 246, BOBELA MOTA afirma não ter denunciado este facto, antes

da entrega do «PRÉMIO MOTA VEIGA», por não se julgar com competên-

cia para o fazer.

A fls. 246 (verso) e 247, admite que o juri tenha praticado uma injustiça

ao excluir o livro de MÁRIO ANTÓNIO por não ser completamente inédito,

quando o regulamento não prevê tal facto e ainda porque o livro de LUAN-

DINO VIEIRA se encontrava nas mesmas condições alegadas para o livro de

MÁRIO ANTÓNIO. E a fls. 257 admite que tais factos constituem grave

irregularidade.

A fls. 247 (verso), afirma que a Administração do jornal «ABC – Diário

de Angola», na pessoa de JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO, sabia da

injustiça praticada pelo juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», antes da entrega

dos prémios, e que não reagiu nem pôs quaisquer obstáculos.

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O processo dos prémios literários | 295

Acareado com JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO que, a fls. 254 e

255, nega ter conhecimento de tal injustiça, ALFREDO BOBELA MOTA

declara, a fls. 262, admitir que aquele teria conhecimento de que LUANDI-

NO VIEIRA havia sido premiado, mas não com os mesmos contos do livro

«LUUANDA».

A fls. 248, admite ter redigido o elogio que, na contracapa do livro de

LUANDINO VIEIRA, se faz à obra e ao autor, declarando tê-lo feito por ser

amigo e compadre do mesmo autor.

A fls. 257 (verso), descreve como se passou a reunião do júri, dizendo

que fora muito rápida. O Dr. EUGÉNIO FERREIRA sentara-se, na sala da

Sociedade Cultural de Angola, juntamente com MÁRIO CORTE REAL,

MAURÍCIO GOMES e BOBELA MOTA. Depois o Dr. EUGÉNIO FER-

REIRA dissera ter escolhido para o primeiro lugar o livro de LUANDINO

VIEIRA e para segundo o de A. CORREIA ARAÚJO. O MAURÍCIO GO-

MES concordara e o MÁRIO CORTE REAL afirmara que aceitava com a

condição do livro de CORREIA ARAÚJO ser o primeiro e o de LUANDINO

VIEIRA o segundo. Então o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, na sua qualidade de

presidente, teria decidido que, por maioria de votos, o primeiro seria o livro

de LUANDINO e o segundo o de CORREIA ARAÚJO, encerrando a sessão.

O MÁRIO CORTE REAL perguntou, então, quem era o LUANDINO

VIEIRA, e o Dr. EUGÉNIO FERREIRA e o MAURÍCIO GOMES informa-

ram-no tratar-se de JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA, inteirando-o das

actividades políticas deste e dizendo que se encontrava preso.

A fls. 260, BOBELA MOTA concorda que, ao serem publicados pelo

jornalista JOSÉ JUSTINO DE FARIA ROBY AMORIM, no jornal «ABC

– Diário de Angola», os artigos que se encontram juntos a fls. 81, 85 e 86, e

proclamam e apoiam, a propósito de LUANDINO VIEIRA, o nascimento de

uma nova língua e de uma nova literatura, são uma atitude desnacionalizante

que tem de ser qualificada de traição e declara o jornal co-responsável com o

autor de tais artigos.

A fls. 261, JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO, ao tempo responsável

pela publicação de «ABC – Diário de Angola», concorda também que o jor-

nal é co-responsável com o autor dos artigos e alega que, na altura em que

foram publicados, o conteúdo dos mesmos artigos o não chocou.

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296 | A rep(r)e(rcu)ssão política

– * –

Ouvido o vogal do júri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», MÁRIO FER-

NANDO DE CARVALHO FIGUEIREDO CORTE REAL, de fls. 10 a 12,

declara que, quando chegou, no dia da reunião, do juri, já ali se encontravam

o Dr. EUGÉNIO FERREIRA e o MAURÍCIO GOMES, os quais falavam

sobre o livro de LUANDINO VIEIRA.

Afirma ter notado que ambos aqueles membros do juri estavam dispostos

a dar o primeiro prémio a LUANDINO VIEIRA, pois o Dr. EUGÉNIO

FERREIRA alegava ser um trabalho com características que o tornavam na

primeira tentativa para a criação de uma nova corrente literária.

O MÁRIO CORTE REAL declara ter votado, então, contra a atribuição

do primeiro prémio a LUANDINO VIEIRA, por o livro não estar escrito em

língua portuguesa nem corresponder ao espírito do prémio, o que ficou regis-

tado na acta. (Fls. 10 (verso) e 11).

A fls. 11 (verso), MÁRIO CORTE REAL afirma não saber que LUAN-

DINO VIEIRA era um traidor, porque se o soubesse teria feito registar isso

na acta como razão mais poderosa para que o prémio lhe não fosse concedi-

do, e declara que, nessas circunstâncias, tal autor não deveria ser admitido ao

«PRÉMIO MOTA VEIGA».

A fls. 12, considera que a atribuição do «PRÉMIO MOTA VEIGA» a

LUANDINO VIEIRA foi uma valorização social do autor, a qual constitui

um paradoxo, por se tratar de um traidor à Pátria.

– * –

Ouvido de fls. 13 a 20, de fls. 233 a 239 e de fls. 263 a 269, EUGÉNIO

BENTO FERREIRA declara ter escolhido o livro de LUANDINO VIEIRA

para primeiro prémio do concurso Mota Veiga pela singular imaginação

criadora do autor, cujo fundo da obra retrata episódios anedóticos dos habi-

tantes dos muceques, procurando recortar com certo realismo a psicologia

dos chamados “calcinhas”, isto com linguagem típica dos muceques de

Luanda. (Fls. 14).

Depois de dar esta definição do estilo e forma da obra de LUANDINO

VIEIRA, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA afirma, a fls. 15, não se recordar de

no concurso literário anterior, da ANANGOLA, ter distinguido dois contos

do mesmo autor, intitulados «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO» e

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O processo dos prémios literários | 297

«VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SANTOS», que constituem,

com outro, o livro «LUUANDA».

A fls. 17, continua a afirmar que não há forma de se lembrar de ter pre-

miado tais contos, apesar de terem mediado entre a leitura que fez deles para

o concurso da ANANGOLA e para o «PRÉMIO MOTA VEIGA» apenas

cinco meses.

A fls. 19 e verso, concorda que, actualmente, em que se definiram os ob-

jectivos dos movimentos subversivos que eclodiram no Norte da Província,

não tem dúvida em afirmar que JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA traiu

os seus concidadãos.

Afirma, no entanto, que não imaginava que o livro fosse objecto, mais

tarde, da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores e que o juri do

«PRÉMIO MOTA VEIGA» apenas teve o intuito de valorizar a obra literária

e não o autor.

A fls. 232, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA concorda que, aquando da reu-

nião do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», já tinha trocado impressões com

MAURÍCIO GOMES e tinham concordado em dar o primeiro prémio a

LUANDINO VIEIRA, e isto antes de CORTE REAL chegar.

A fls. 232 (verso), afirma que o livro de LUANDINO VIEIRA, pelo seu

realismo psicológico, se filia na corrente literária neo-realista.

A fls. 233, ao ser-lhe perguntado por que razão, tendo sido presidente do

juri do concurso literário da ANANGOLA, que premiou os contos «A ES-

TÓRIA DA GALINHA E DO OVO» e «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU

NETO ZECA SANTOS», aquando do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de cujo

juri também foi presidente, distinguiu o livro «LUUANDA», em que cons-

tam aqueles contos, tendo excluído outro trabalho por não ser completamente

inédito, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA declara que, no momento da concessão

do «PRÉMIO MOTA VEIGA», tinha obliterado completamente os contos

que premiara no concurso literário da ANANGOLA.

A fls. 230, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA diz não se recordar das obras

que premiou no concurso literário da Associação dos Naturais de Angola,

mas confirma as que constam da cópia da acta junta a fls. 31, na qual figura

como presidente do juri.

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298 | A rep(r)e(rcu)ssão política

A fls. 230 (verso), diz não ter havido reunião do juri do concurso literário

da ANANGOLA, mas sim andar um elemento da direcção daquele organis-

mo a colher as decisões de cada membro do juri, individualmente.

Depois, a fls. 231, diz que se recorda de não haver unanimidade na atri-

buição dos prémios a LUANDINO VIEIRA, no concurso da ANANGOLA,

mas não sabe qual foi essa falta de unanimidade.

A fls. 263, ao ser convidado a analisar o poema de ERNESTO LARA

(FILHO), junto a fls. 188, que premiou com menção honrosa no concurso

literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, o Dr. EUGÉNIO FER-

REIRA concorda que tal poema pode, efectivamente, ser considerado sub-

versivo de uma certa forma de governo ou de administração, mas não o con-

sidera antinacional, porque nem sempre os actos subversivos são antinacio-

nais, havendo até alguns actos subversivos que se tornam mais tarde redento-

res de certas crises nacionais.

A fls. 265, ao ser-lhe posto o problema de que tal poesia se refere ao ter-

rorismo do Norte de Angola e que de todo ele transpira um desejo de liberta-

ção, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA declara que, quando fez a apreciação, não

teve em conta nem atribuiu ao poema carácter maléfico ou antinacional.

A fls. 265 (verso), afirma que, não declinando a quota parte de responsa-

bilidade que tem na classificação do poema, como membro do juri que foi, o

certo é que não foi ele que, individualmente, distinguiu o referido trabalho,

mas sim um juri colectivo, não se recordando das condições em que foi dis-

tinguido.

A fls. 268, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA concorda que pode admitir-se

que o trabalho de ALFREDO MARGARIDO (fls. 197), que obteve o primei-

ro prémio de ensaio no concurso de 1961, da Sociedade Cultural de Angola,

tem um conteúdo desnacionalizante, mas diz que não teve a repercussão que

possa traduzir uma influência nefasta ou prejudicial à cultura portuguesa.

A fls. 269, admite ter premiado obras que se integram na corrente da lite-

ratura angolana proposta por ALFREDO MARGARIDO e CARLOS ER-

VEDOSA, e não os autores do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELEC-

TUAIS DE ANGOLA».

– * –

Ouvido de fls. 22 a 27, MAURÍCIO FERREIRA RODRIGUES DE AL-

MEIDA GOMES, vogal do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», refere, a fls. 22

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O processo dos prémios literários | 299

(verso), que foi o Dr. EUGÉNIO FERREIRA quem iniciou a apreciação

literária do livro de LUANDINO VIEIRA.

A fls. 23, MAURÍCIO GOMES afirma ter dito nessa altura ao Dr. EU-

GÉNIO FERREIRA que gostaria mais da técnica de as personagens se ex-

pressarem como realmente se expressam no livro, mas na parte descritiva do

escritor que se empregasse o português corrente.

A fls. 23, MAURÍCIO GOMES reconhece não ter havido unanimidade na

atribuição do primeiro prémio ao LUANDINO VIEIRA, por virtude de MÁ-

RIO CORTE REAL ser de opinião que tal livro não estava, tanto como o de

A. CORREIA DE ARAÚJO, dentro do espírito do regulamento, que exigia

que a obra premiada fosse uma explanação da presença portuguesa em Ango-

la.

A fls. 24, ao ser-lhe dada a ler uma passagem de um conto onde o único

branco que surge é denegrido, MAURÍCIO GOMES concorda que, relendo

nesse momento tal passagem, ela não encerra exactamente o espírito contido

no regulamento do prémio.

A fls. 25, MAURÍCIO GOMES afirma que foi o Dr. EUGÉNIO FER-

REIRA que elucidou o MÁRIO CORTE REAL da verdadeira personalidade

de LUANDINO VIEIRA.

A fls. 25 (verso) e 26, MAURÍCIO GOMES diz que, se na altura da atri-

buição do prémio soubesse as razões reais em que foi condenado LUANDI-

NO VIEIRA, teria proposto que a obra fosse retirada do concurso.

A fls. 26 (verso), ao ser-lhe dado conhecimento de que do livro

«LUUANDA» constam dois contos que já tinham sido premiados num con-

curso anterior, MAURÍCIO GOMES declara-se perplexo ante tal atitude

do Dr. EUGÉNIO FERREIRA, que levou a excluir uma obra por não ser

inédita, quando a de LUANDINO VIEIRA estava nas mesmas condições, do

que resultou que o juri fosse induzido a praticar uma injustiça, concedendo

tratamento favorável a LUANDINO VIEIRA.

– * –

Ouvido de fls. 39 a 42, AUGUSTO PITAGRÓS DIAS declara que, ao ve-

rificar quem eram os autores das obras premiadas no concurso literário de

1963, organizado pela administração anterior da ANANGOLA, já depois de

ter convidado Sua Excelência o Governador-Geral, resolveu dar tais prémios

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300 | A rep(r)e(rcu)ssão política

em sessão privada, e não na sessão pública marcada, tanto por discordar do

conteúdo das obras como pelas actividades dos autores delas.

Mais declarou que esta foi a única manifestação de desagrado que pôde

ter, bem como a de não comparecer à sessão de entrega do «PRÉMIO MO-

TA VEIGA», de que também discordou.

– * –

Ouvido de fls. 63 a 66, ACÁCIO ANTÓNIO PEREIRA DE LIMA

BARRADAS, membro do juri do concurso literário de 1963, da ANANGO-

LA, afirma, a fls. 64 e verso, que o mérito dos contos de LUANDINO VIEI-

RA, premiados naquele concurso, está no aproveitamento para a língua lite-

rária de certos valores fonéticos da linguagem rural em uso nos subúrbios de

Luanda.

Afirma não rejeitar a probabilidade de existir em certos meios a tendência

de explorar este novo estilo como uma manifestação reivindicativa de carác-

ter político.

A fls. 65, afirma que, se em todos os contos uma das etnias surge despres-

tigiada (a branca), como no conto que lhe foi mostrado, se vê obrigado a

considerar no conteúdo do livro um propósito com o qual não está de acordo,

por ser avesso a admitir como justas as generalizações que se possam fazer

relativamente a qualquer das etnias existentes em Angola, com base nas ati-

tudes e nos conceitos pessoais de quaisquer elementos pertencentes a tais

etnias.

– * –

Ouvido de fls. 158 a 171, ANTERO ALBERTO ERVEDOSA ABREU,

membro do júri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA, depois de, a

fls. 159, fazer um elogio dos contos que premiou, da autoria de LUANDINO

VIEIRA, que compara a JORGE AMADO, encontra sempre em todas as

perguntas que lhe foram feitas uma forma de elogiar e desculpar cada um dos

premiados, e isto verifica-se de fls. 160 a 161 (verso), para a fls. 162 se con-

siderar um percursor [sic] do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELEC-

TUAIS DE ANGOLA», a que pertencem também os premiados.

No entanto, a fls. 162 (verso), considera da responsabilidade de CARLOS

ERVEDOSA ser ele, ANTERO ABREU, considerado um elemento do

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O processo dos prémios literários | 301

«MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», negando

essa qualidade.

Reconhece, contudo, a fls. 163, que no «MOVIMENTO DOS NOVOS

INTELECTUAIS DE ANGOLA» havia elementos animados de determinado

espírito revolucionário, e cita apenas quatro elementos de tal movimento que

não eram animados desse espírito.

A fls. 164 (verso), admite que os poetas do «MOVIMENTO DOS NO-

VOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» teriam, além da intenção de iniciar

um tipo de poesia, determinadas intenções de ordem política, defendendo não

só um extremismo de ordem puramente política como fortes sentimentos

nacionalistas.

A fls. 167, ao ser perguntado se considera ou não maléfica o tipo de poe-

sia que vinha sendo difundida nesta Província, integrada nas obras premia-

das, o Dr. ANTERO ABREU considera-a, em última análise, um jogo de

intelectuais para intelectuais.

De fls. 167 (verso) a fls. 169 (verso), o Dr. ANTERO ABREU aceita a

valorização social do escritor, mesmo que ele seja um traidor à Pátria.

Aceita mesmo esse caso para LUANDINO VIEIRA, de quem se afirma

amigo, dizendo que o qualificativo de traidor não é justo quando aplicado

àquele, até porque o Tribunal Militar Territorial de Angola foi, de certo mo-

do, injusto, na medida em que alguns factos do libelo acusatório foram dados

como provados em consequência de uma prova produzida que se lhe afigu-

rou, e aos seus colegas, algo precária.

A fls. 170, o Dr. ANTERO ABREU concorda que, no rigor dos termos,

LUANDINO VIEIRA será um traidor.

– * –

Ouvido de fls. 251 a 253, MANUEL TEIXEIRA DIAS CARVALHEI-

RO, membro do concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Ango-

la, apesar de, a fls. 252 e verso, afirmar que o juri não teve intenções deter-

minadas de premiar determinado tipo de literatura ou corrente literária, acaba

por concordar, a fls. 253, que todos os trabalhos se integram numa corrente

literária classificada por ALFREDO MARGARIDO, um dos premiados, de

movimento de negritude.

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302 | A rep(r)e(rcu)ssão política

– * –

Ouvido, por precatória, de fls. 218 a 228, ALEXANDRE HERCULANO

DE CAMPOS, que foi secretário do juri do concurso literário de 1963, da

ANANGOLA, afirma que a reunião para a atribuição dos prémios decorreu

sem grandes divergências. (Fls. 225).

A fls. 226 e verso, reconhece sem qualquer dúvida que a atribuição de um

prémio literário implica a valorização social do escritor e que, efectivamente,

foi grave e antipatriótica a atribuição de prémios a JOSÉ VIEIRA MATEUS

DA GRAÇA e a ANTÓNIO DIAS CARDOSO, no concurso da ANANGO-

LA.

– * –

CONCLUSÃO:

Da análise das declarações feitas nos autos, destacam-se três indivíduos

em diferentes escalas de responsabilidade.

O primeiro que surge, com responsabilidades intelectuais de mentaliza-

dor, é o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA.

Apesar de nos autos ter recorrido frequentemente à falta de memória ou à

sua inaptidão, mesmo quando se tratava de análises ou definições puramente

literárias ou de filosofia da literatura, a verdade é que:

1 – Foi o presidente do juri do concurso literário de 1961, da Sociedade

Cultural de Angola; do concurso literário de 1963, da Associação dos Natu-

rais de Angola, e do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963;

2 – Nestes concursos foi premiado JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRA-

ÇA:

a) sob o pseudónimo de EME MUENE e o trabalho «A HISTÓ-

RIA DA BACIAZINHA DE KITABA», com o segundo prémio de

conto, no concurso da Sociedade Cultural de Angola;

b) sob o pseudónimo de VINTEOITO e os trabalhos «A ESTÓRIA

DA GALINHA E DO OVO» e «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU

NETO ZECA SANTOS», com os primeiro e segundo prémios de con-

to, no concurso da ANANGOLA;

c) sob o pseudónimo de LUANDINO VIEIRA e o livro intitulado

«LUUANDA» (que reune [sic] os contos «VAVÓ XIXI E SEU NE-

TO ZECA SANTOS», «A ESTÓRIA DO LADRÃO E DO PAPA-

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O processo dos prémios literários | 303

GAIO» e «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO»), com o primei-

ro lugar no «PRÉMIO MOTA VEIGA»;

3 – Tendo dado o primeiro e segundo prémios descritos na alínea b) do

n.º 2, tornou a conceder o primeiro lugar aos mesmos trabalhos no concurso

descrito na alínea c) do n.º 2, onde outro concorrente foi excluído por virtude

do juri considerar não ser o seu trabalho completamente inédito.

Os outros membros do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA» admitiram nos

autos ter sido injusta tal decisão, na medida em que o livro de LUANDINO

VIEIRA também não era completamente inédito.

Além do mais, também os outros membros do juri concordam que o con-

teúdo do livro não correspondia ao espírito do regulamento do prémio, que

exigia que ele fosse uma explanação dos motivos da presença portuguesa em

Angola.

4 – É autor, o próprio Dr. EUGÉNIO FERREIRA, de um pequeno ensaio

intitulado «A CRÍTICA REALISTA», publicado pela Sociedade Cultural de

Angola, em 1961, o qual está dividido nos seguintes capítulos: «ALGUNS

ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA PROBLEMÁTICA DA FICÇÃO

LITERÁRIA EM ANGOLA» e «METODOLOGIA DA CRÍTICA REA-

LISTA», integrados num conjunto intitulado «O REALISMO LITERÁRIO».

Como nota curiosa, para apreciação das intenções e objectivos do traba-

lho do Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, transcrevo dois trechos, um

dele, outro de Roger Garaudy, a fim de que se veja o paralelismo de ambos.

Diz o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, a págs. 6 do seu ensaio:

«… embora do domínio das meras aparências, todos os conjuntos

de ideias particulares e coerentes que constituem as ideologias tenham

curso autónomo e independente, a superestrutura (vida intelectual) é o

reflexo da infraestrutura (vida material). As ideias são o reflexo das

coisas e é o nosso ser social que determina a nossa consciência. Certo,

tal reflexo não é directo nem linear. Entre as duas estruturas, cuja evo-

lução não é paralela, nem sincrónica, divisam-se, agindo e reagindo

mutuamente, um regime social e político e uma psicologia do homem

social, determinada em parte pela infraestrutura e em parte por aquele

regime:»

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304 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Roger Garaudy diz no seu livro «D’UN RÉALISME SANS RIVAGES»,

a fls. 250:

«En évoquant le mythe comme “médiation” entre la base e[t] la

superstructure, Marx souligne le rôle de la présence de l’homme

comme élément capital de la définition de la réalité artistique. Il exclut

par là même toute conception d’un réalisme clos. Car le réel, lorsqu’il

inclut l’homme, n’est plus seulement ce qu’il est mais aussi tout ce qui

lui manque, tout ce qu’il a encore à devenir, et dont les rêves des

hommes et les mythes des peuples sont le ferment.»

Resta dizer que Roger Garaudy é professor do Instituto Marxista-Le-

ninista, em Paris, e que o Dr. EUGÉNIO FERREIRA é frequentemente cita-

do por ensaístas da literatura da negritude, vulgarmente dita angolana.

–*–

O segundo indivíduo que se segue na escala de responsabilidades é o

Dr. ANTERO ALBERTO ERVEDOSA ABREU, o qual se revelou, através

dos autos, um defensor acérrimo de LUANDINO VIEIRA, tanto na sua per-

sonalidade real revolucionária como na sua qualidade de escritor.

Ora, o Dr. ANTERO ERVEDOSA:

1.º – Foi um percursor do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELEC-

TUAIS DE ANGOLA», cujas bases e objectivos foram definidos no início

deste relatório.

Os escritores do referido movimento consideram-no como integrado no

mesmo, embora o Dr. ANTERO ABREU se considere apenas um percursor

deles.

2.º – Não reconhece senão com certa relutância que LUANDINO VIEI-

RA seja um traidor e até o aponta como uma vítima de injustiça do Tribunal

Militar Territorial de Angola, por este ter declarado como provado todo o

libelo acusatório.

Admite mesmo que não hesitaria em premiar obra literária de um traidor,

tentando apresentar o dilema cidadão-escritor como dissociado, o que é abso-

lutamente ilógico pois, segundo os mais elementares princípios, a personali-

dade do homem não pode divorciar-se da do escritor.

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O processo dos prémios literários | 305

3.º – Fez parte do juri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA,

que distinguiu com os primeiro e segundo prémios de conto LUANDINO

VIEIRA.

Afirma que a obra de LUANDINO VIEIRA é comparável «às magníficas

novelas de JORGE AMADO», segundo sua própria expressão.

Neste concurso foram premiadas outras obras, quase todas, que se inte-

gram na corrente desnacionalizante da negritude.

– * –

O terceiro na escala de responsabilidades é ALFREDO JORGE DE MA-

CEDO BOBELA MOTA, o qual:

1 – Foi secretário do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», sem voto, como

delegado do jornal «ABC – Diário de Angola», tendo feito toda a propagan-

da a LUANDINO VIEIRA, após a concessão do prémio, inclusivé a contra-

capa do livro «LUUANDA», onde afirma:

«… plastizando da linguagem oral do muceque as mais admiráveis

formas de expressão, cria para a literatura da sua terra uma língua no-

va, cheia de encanto e rica de possibilidades…».

2 – Como encarregado da redacção do jornal «ABC – Diário de Angola»,

permitiu que o jornalista daquela redacção JOSÉ ROBY AMORIM, em vá-

rios artigos, afirmasse:

«… Em Angola, neste momento, estão em transformação tanto

uma língua como uma literatura…».

E mais adiante:

«… Na nova literatura e na nova língua que surgem…».

Tudo isto a propósito do aparecimento do livro «LUUANDA», de

LUANDINO VIEIRA.

BOBELA MOTA tenta alienar de si esta responsabilidade e remetê-la pa-

ra o jornal, afirmando até repudiar a ideia de uma língua nova, quando na

verdade ele assina a contracapa onde diz que LUANDINO VIEIRA cria

«uma nova língua».

3 – Apesar de ter tido conhecimento, depois da concessão do «PRÉMIO

MOTA VEIGA» e antes da sua entrega, que fora este concedido em condi-

ções injustas, como ele e os outros membros do juri, excepto EUGÉNIO

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306 | A rep(r)e(rcu)ssão política

FERREIRA, o reconheceram nos autos, diz não o ter denunciado ao jornal

que representava no concurso por não ser da sua competência.

– * –

E depois de definidas as posições dos três mais responsáveis, por escala

de valores, resta esclarecer que todas as obras premiadas nos concursos a que

se referem os presentes autos, com raras excepções, pertencem ao tipo de

literatura desnacionalizante definido no início do relatório.

Em grande parte, os trabalhos estão impressos e proibidos de circular no

território nacional, por se tratar de literatura subversiva e de conteúdo que

informa os movimentos separatistas e pró-independência.

Na divulgação desta literatura desnacionalizante tiveram responsabilida-

des a revista «MENSAGEM», da ANANGOLA, e o jornal «CULTURA», da

Sociedade Cultural de Angola, revista e jornal que já não existem.

Têm presentemente responsabilidade os jornais «ABC – Diário de Ango-

la» e «O PLANALTO», que a difundiram através das suas páginas literárias

e aos quais, por determinação de Sua Excelência o Governador-Geral, está a

ser organizado processo de averiguações.

Tem a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, que através da sua

editorial vem publicando todos os autores do «MOVIMENTO DOS NOVOS

INTELECTUAIS DE ANGOLA» e que atribuiu o «PRÉMIO ALEXANDRE

DÁSKALOS» a LUANDINO VIEIRA.

– * –

Eis o que me cumpre submeter à elevada apreciação de V.ª Ex.ª.

– * –

Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 16

de Julho de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA,

(ass.: Mário César Ferreira)

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O processo dos prémios literários | 307

[F. 690r]

– CONCLUSÃO –

Aos dezasseis dias do mês de Julho do ano de mil novecentos e sessenta e

cinco, faço conclusos os presentes autos.

E eu, António Fernando de Almeida, agente servindo de escrivão, a dacti-

lografei.

(DESPACHO:)

“juntem-se aos autos os antecedentes dos princi-

pais responsáveis para melhor apreciação.

23/7/65

a) Aníbal Lopes.”

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308 | A rep(r)e(rcu)ssão política

[F. 691r-693r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos do nacional EUGÉNIO BENTO

FERREIRA.

1 – Em 10/2/943, desembarcou em Luanda, na qualidade de adjunto do

representante da Companhia de Diamantes de Angola, assumindo funções de

direcção dos serviços policiais da mesma companhia.

2 – Em Setembro de 1945, surge como vogal da comissão central provi-

sória da «FRENTE NACIONAL ANTIFASCISTA PORTUGUESA», orga-

nização clandestina que se propunha actuar nesta Província com o nome de

«ALIANÇA DEMOCRÁTICA DE ANGOLA», procurando ligações com a

Metrópole e os portugueses exilados em vários países estrangeiros.

Desta organização apareceu um manifesto que correu a cidade de Luanda,

tendo o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, em carta dirigida à mesmo organização,

repudiado a sua adesão, afirmando pertencer ao «MOVIMENTO DE UNI-

DADE DEMOCRÁTICA».

3 – Em 13/4/947, deu uma entrevista ao jornal «A Província de Angola»,

a propósito do meio literário de Angola, na qual afirma que se impõe…

… «um esforçado trabalho de autocrítica, de estudo presistente

[sic] e honesto de cultura»,

para concluir, mais adiante, que …

… «o fenómeno da criação é de natureza essencialmente dialéctica,

quer dizer, é um efeito da oposição, da acção mútua, da luta do espíri-

to com a realidade».

O Dr. EUGÉNIO FERREIRA era, nesta data, presidente da direcção da

Sociedade Cultural de Angola.

4 – Em 8/10/949, a Direcção-Geral desta Polícia informa, por ofício

n.º 7565/SCI/CI, de que o Dr. EUGÉNIO FERREIRA cooperou nas sessões

levadas a efeito pela oposição ao Regime.

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O processo dos prémios literários | 309

5 – Em 14/11/953, a 2.ª Secção da P.S.P., em ofício n.º 3210/2.ª/953-SS,

informa a Repartição de Gabinete do Governo-Geral de Angola de que o

Dr. EUGÉNIO FERREIRA esteve preso na Polícia Internacional e de Defesa

do Estado, no ano de 1931, por pertencer à organização subversiva denomi-

nada «PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS».

Que participou em todos os movimentos da chamada oposição ao Regi-

me, aquando das eleições para a Presidência da República e para a Assem-

bleia Nacional.

Que foi adjunto do representante da Companhia de Diamantes de Angola,

tendo sido demitido por ter casado com uma mestiça.

6 – Em Outubro de 1957, publica na revista «Cazengo» o artigo intitulado

«ALGUMAS CONSTANTES E UMA VARIÁVEL NA HISTÓRIA DA

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA EM ANGOLA», no qual diz a certa altu-

ra:

«A colonização revestiu, assim, aspectos de conquista, de expan-

são, de hipertrofia imperialista, e é evidente que, se as descobertas ma-

rítimas fizeram precipitar a evolução da economia capitalista, foi o de-

senvolvimento capitalista que empurrou o Ocidente para a descoberta

de novas vias de tráfico que, uma vez abertas, precipitaram, por sua

vez, e ampliaram o ritmo da economia capitalista, em proporções que

iriam transformar completamente o equilíbrio do mundo».

7 – Em 1958, fez parte da comissão de candidatura à Presidência da Re-

pública do Dr. ARLINDO VICENTE, que sobejamente se provou ser apoia-

do pelo «PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS».

8 – Em 1960, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA continuava como dirigente da

Sociedade Cultural de Angola, exercendo o cargo de presidente da respectiva

assembleia-geral.

9 – Em 1961, inicia-se a publicação dos «cadernos culturais» da Socieda-

de Cultural de Angola, sendo o primeiro o trabalho do Dr. EUGÉNIO FER-

REIRA, intitulado «O REALISMO LITERÁRIO».

10 – ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO confessam,

no processo-crime n.º 662/61, que em Março de 1961 se realizaram reuniões

na Sociedade Cultural de Angola e no escritório do Dr. EUGÉNIO FERREI-

RA, reuniões a que estiveram presentes, além daqueles três, o Eng.º TITO

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310 | A rep(r)e(rcu)ssão política

DE MORAIS, Dr. ANTERO ABREU, FERNANDO PORTUGAL ESTRE-

LA e ALFREDO BOBELA MOTA.

Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se

tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimen-

tos subversivos, a fim de entabular negociações com vista a pôr termo às

violências.

11 – Em 1962, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA é assinalado como membro

da Associação Internacional dos Juristas Democráticos, uma das 15 organi-

zações internacionais nitidamente comunistas.

12 – Em 1964, é assinalado como membro do Conselho Mundial da Paz,

outra das 15 organizações internacionais comunistas.

– * –

Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de

Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA,

(ass.: Mário César Ferreira)

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O processo dos prémios literários | 311

[F. 694r-695r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos acerca do nacional ANTERO AL-

BERTO ERVEDOSA ABREU.

1 – Em 1957, desembarcou em Luanda, procedente da Metrópole, para

onde fora em criança.

Veio assinalado como elemento activo da chamada oposição ao Regime,

militando no sector dito liberal.

2 – Em 1958, foi elemento activo da candidatura à Presidência da Repú-

blica do Dr. ARLINDO VICENTE, que ficou provado ser apoiada pelo

«PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS».

3 – Em 1960, era vogal do conselho de direcção da Sociedade Cultural de

Angola.

4 – Em 1961, foi arguido num processo de averiguações por ter redigido

uma representação à Presidência da República, para a qual se angariavam

assinaturas e em que se requeria:

a) – o restabelecimento da liberdade de imprensa e de todos os meios de

informação, com a supressão da censura prévia;

b) – neutralização da acção da Polícia Internacional e de Defesa do Esta-

do;

c) – libertação de todos os presos políticos;

d) – descentralização do Governo-Geral, assistido por um Conselho de

Governo livremente eleito.

Esta representação secundava outras que estavam a ser feitas na Metrópo-

le, pela oposição dita democrática.

5 – ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO, no processo-

crime n.º 662/61, referem que, em Março de 1961, se realizaram reuniões na

Sociedade Cultural de Angola e no escritório do Dr. EUGÉNIO FERREIRA,

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312 | A rep(r)e(rcu)ssão política

a que assistiram também o Dr. ANTERO ABREU, Eng.º TITO DE MO-

RAIS, FERNANDO PORTUGAL ESTRELA e ALFREDO BOBELA MO-

TA.

Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se

tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimen-

tos subversivos dos negros, a fim de entabular negociações com vista a pôr

termo às violências.

6 – Em 1963, foi eleito presidente da direcção do Cine-Clube de Luanda.

– * –

Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de

Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA,

(ass.: Mário César Ferreira)

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O processo dos prémios literários | 313

[F. 696r-698r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos acerca do nacional ALFREDO JOR-

GE DE MACEDO BOBELA MOTA.

1 – Foi funcionário administrativo desde 1924 a 1944, tendo sido preso e

exonerado por desonestidade.

2 – De 1944 a 1945, foi funcionário do Instituto Nacional do Pão.

3 – De 1945 a 1951, foi chefe de secção do Instituto Pasteur de Lisboa.

4 – De 1951 a 1953, foi funcionário da Companhia do Açúcar de Angola.

5 – De 1953 a 1954, foi chefe de secretaria no Instituto de Assistência

Social de Angola.

6 – De 1954 a 1956, foi secretário-geral do Automóvel e Touring de An-

gola.

7 – Em 1956, iniciou a sua carreira de jornalista profissional, tendo traba-

lhado sucessivamente nos jornais «O Comércio», «O Sul de Angola», «O

Sul» e «ABC – Diário de Angola».

8 – Em 1958, desenvolveu activa campanha pró-candidatura de HUM-

BERTO DELGADO para a Presidência da República.

9 – Em 1959, fazia parte do grupo que publicou panfletos clandestinos de

carácter subversivo, os quais circularam em Moçâmedes e no Lobito aquan-

do das eleições para vogais do Conselho Legislativo desta Província.

10 – Em 1960, fazia parte da direcção da Sociedade Cultural de Angola.

11 – Em 1961, ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO

confessam, no processo-crime n.º 662/61, que em Março daquele ano se

realizaram reuniões na Sociedade Cultural de Angola e no escritório do

Dr. EUGÉNIO FERREIRA, a que assistiram também o jornalista ALFREDO

BOBELA MOTA, Eng.º TITO DE MORAIS, Dr. ANTERO ABREU, FER-

NANDO PORTUGAL ESTRELA.

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314 | A rep(r)e(rcu)ssão política

Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se

tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimen-

tos subversivos dos negros, a fim de entabular negociações com vista a pôr

termo às violências.

12 – Em 1962, dirigiu uma exposição a Sua Excelência o Governa-

dor-Geral, queixando-se do censor Dr. Freitas de Lemos, na qual diz o se-

guinte, a propósito da Comissão de Censura:

«A Censura à Imprensa, considerada um “mal necessário”, não

afecta, simplesmente, como à primeira vista poderá parecer, as empre-

sas jornalísticas. São suas vítimas, sobretudo, os redactores dos jor-

nais, que, muitas vezes, por cortes e alterações, vêem as suas ideias

deturpadas e – o que é pior – a sua semântica bàrbaramente assassina-

da, factos estes que, como é óbvio, só contribuem para o seu descrédi-

to profissional.»

13 – Em 1963, esteve preso nesta Polícia por actividades como elemento

do «MIPLA» («MOVIMENTO INTERNO POPULAR DE LIBERTAÇÃO

DE ANGOLA»).

Confessou ter sido abordado por MESQUITA BREHM para ocupar um

cargo no sector de imprensa, dado que estava prestes a eclodir um movimen-

to para derrubar o Governo da Província.

Diz ter aceitado este convite, comprometendo-se na altura a arranjar no-

vos elementos.

Confessou ter feito a retroversão para inglês dum panfleto de que foram

distribuídas várias cópias a jornalistas estrangeiros e em que se dizia:

«Não acreditem no que lhes é mostrado; não acreditem no que se

diz lá fora. A verdade acerca de Angola só pode surgir quando acabar

a censura à imprensa e houver liberdade de expressão e de pensamen-

to.»

Confessou ter servido de intermediário para a entrega de uma carta a

MÁRIO PINTO DE ANDRADE, a qual lhe fora entregue por MESQUITA

BREHM.

14 – Em Março de 1964, facilitou a publicação, no jornal «ABC – Diário

de Angola», de um artigo intitulado «PRETENDE-SE FORMAR UM AS-

SOCIAÇÃO ACADÉMICA NOS E.G.U. DE ANGOLA», da autoria de

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O processo dos prémios literários | 315

CARLOS ERVEDOSA, contribuindo assim para a agitação académica que

então se esboçava nesta Província.

– * –

Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de

Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA,

(ass.: Mário César Ferreira)

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Apêndice

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A notícia do N. Y. Times | 319

New York Times. 22-V-1965.

Lisbon Punishes Writer’s Group

Disbands Unit That Honored Man Jailed as Terrorist

Special to The New York Times

LISBON, May 21 – The Government of Premier Antonio de Oliveira

Salazar dissolved the Portuguese Writers Association tonight.

The association had awarded a high literary prize to a man convicted of

terrorism in Portugal’s African territory of Angola.

The Minister of Education, Dr. Inocencio Galvão Teles, took the action

against the association after a campaign against it by the pro-Government

press here.

Diário da Manhã, organ of Premier Salazar’s political movement, the Na-

tional Union, accused the association of “treason” and declared that those

responsible for having awarded the prize “must pay for their evil actions in

undermining the integrity of the nation.”

During the day the writers association issued a statement disclaiming

knowledge of the real identity of Luandino Vieira, who was awarded the

Grand Prize of the Novela earlier this week for his novel “Luanda”.

Author Used Pseudonym

After the award had been made public a Government spokesman an-

nounced that Luandino Vieira was the pseudonym of José Vieira Mateus de

Graca, who was condemned for “crimes of terrorism” in Angola in June,

1963.

Vieira is a 28-year-old white Portuguese who emigrated to Angola as a

child with his parents. He lived in a slum area outside Luanda, Angola’s

capital, and used it as the background for most of his short stories.

He was arrested in 1962, a few months after the outbreak of terrorism in

Angola, where rebels are seeking the territory’s independence, and is now

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320 | Apêndice

serving a 14-year term in a penal colony on Portugal’s Cape Verde Island,

off Senegal.

The pro-Government Association of Natives of Angola called an extraor-

dinary meeting in Luanda yesterday to protest the award. It charged that the

writers association jury “would be identified with the enemies of Portugal if

it did not immediately cancel its decision.”

The writers association, which includes most of Portugal’s prominent au-

thors and journalists, said in a statement that the prize had been given “for

the literary value of the work exclusively and in no way reflected judgment

on the activities of which the author was accused.”

The Calouste Gulbenkian Foundation, which had sponsored the writers

association’s Grand Prize of the Novela, disclaimed all responsibility for

naming the jury or for its decisions. The foundation announced that it

planned to revise its policy for subsidizing prizes to prevent their being

awarded for other tan cultural achievements.

Tonight, before the Government dissolved the writers association,

Joaquim Paço d’Arcos, president of its general assembly, resigned.

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Um eco do programa da R.T.P. | 321

Torre do Tombo – PIDE-DGS – CI-2-4236 – NT7330, pp. 138-140.

Polícia Internacional e de Defesa do Estado

N.º 1061/67 – CI (2)

Secção Central

Confidencial

Excelentíssimo Senhor

Director-Geral da Polícia Internacional

e de Defesa do Estado

Lisboa

P.I.D.E.

Gabinete do Ultramar

Entrada 013655 – Rec. 16. Dez. 1967

Assunto: Visita ao Campo de Trabalho de Chão Bom na Vila do Tarrafal

Desloquei-me no passado dia 9 do mês corrente à Vila do Tarrafal ao pos-

to desta Polícia naquela localidade a visitar, a convite do respectivo Director,

o Campo de Trabalho do Chão Bom.

Encontrei tanto o posto como a residência do agente ali destacado em

boas condições e inteiramente funcionais.

Posteriormente desloquei-me ao Campo de Trabalho onde pude contactar

com o respectivo Director o Administrador Eduardo Vieira Fontes e com o

Comandante do pelotão ali destacado, nada havendo de anormal.

Após o almoço realizado na residência do Director do Campo pude veri-

ficar as condições existentes para os reclusos ali a cumprir pena por crimes

contra a segurança do Estado ou com residência fixa.

Este estabelecimento prisional está dividido em duas secções: uma desti-

nada àqueles reclusos e outra para os de delito comum.

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322 | Apêndice

A primeira possui compartimentos separando os oriundos da Província de

Angola com os da Guiné. Ambas se apresentavam limpas, arejadas e com os

requisitos indispensáveis para higiene. Existe um pequeno pavilhão, ainda

em construção, para se celebrar culto religioso e biblioteca com sala de leitu-

ra. A guarda interior está entregue a um destacamento da PSP de Angola. A

externa é feita por guardas privativos apoiados pelo pelotão militar.

Página inicial do documento

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Um eco do programa da R.T.P. | 323

Na companhia do Director do Campo pude trocar breves impressões com

os ditidos [sic], especialmente com os que cumpriram a 1.ª parte da pena e

estão agora submetidos ao regime de medidas de segurança prorrogáveis.

Como é evidente todos se sentem «recuperados» e aptos para não fazer mal a

ninguém.

Não resisto à tentação de transmitir a V. Ex.ª um facto curioso lá sucedido

durante a visita.

Quando conheci o JOSÉ VIEIRA MATEUS GRAÇA – LUANDINO

VIEIRA – e pela conversa verifiquei manter-se ele dentro do mesmo espírito

de atitudes anteriores a sua prisão e antes de rematar o «colóquio» e como

pretende ainda enquadrar-se no número dos literatos de nomeada, desejei

deixar-lhe um ponto de meditação a fim de se compenetrar bem da sua situa-

ção actual. Disse-lhe que só deve futuramente contar consigo próprio e nada

esperar dos seus amigos intelectuais narrando-lhe, então, o pormenor de ter

sido discutida a sua categoria como escritor, aquando da pretensa dádiva do

prémio da falecida Sociedade de escritores. Houve nessa altura um programa

televisionado (a que assisti)1 em que escritores de diversas matizes se pro-

nunciaram em mesa redonda. Um deles sobressaiu pela crítica mais mordaz

aos seus escritos, quando anos passados, o tinha apresentado como promissor

elemento das letras.

Que visse agora com este facto, como é a vida… não lhe tendo revelado o

nome do referido crítico, porque com certeza o devia conhecer.

Quando me preparava para sair do salão onde se encontrava e voltando a

passar junto dele, me pediu de novo para falar declarando-me, em face do

facto narrado, ser só isso possível na pessoa do crítico literário AMÂNDIO

CÉSAR.

Tinha acertado em pleno e, ao mesmo tempo, pensei na triste figura do ci-

tado crítico.

1 Referência ao programa Panorama literário, emitido pela Rádio Televisão Portu-

guesa na noite de 27-V-1965, antes da final da Taça dos Campeões Europeus de Futebol, entre o Benfica e o Inter de Milão, disputada no Estádio de San Siro. Apresentado por José Mensurado, teve como convidados Amândio César, José Redinha, Geraldo Bessa Victor e Mário António Fernandes de Oliveira.

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324 | Apêndice

Na verdade, cheguei ali à conclusão do conceito da pouca lisura mental

em que é tido em meios intelectuais firmes de fidelidade nacionalista respei-

tante a AMÂNDIO CÉSAR e às suas duas faces que usa conforme lhe venha

da esquerda ou da direita o sopro dos ventos.

Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª respeitosos cumpri-

mentos.

A BEM DA NAÇÃO

Praia, 13 de Dezembro de 1967

O CHEFE DA SUBDELEGAÇÃO

José Vasco Meireles

Inspector

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