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Page 1: | INOVAÇÃO NO ENSINO • FORMAÇÃO SOB MEDIDAsob medida, a menor custo. A estratégia de desempacotamento, ao longo da próxi-ma década, talvez venha a se tornar uma imposição

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CE | INOVAÇÃO NO ENSINO • FORMAÇÃO SOB MEDIDA

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FORMAÇÃO SOB MEDIDA

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| POR FRANCISCO ARANHA

Na última década, as escolas de adminis-tração de empresas brasileiras implanta-ram um grande número de inovações em ensino-aprendizagem em seus progra-mas de bacharelado. Uma amostra de 23 dessas iniciativas está descrita no livro Inovação em Ensino e Aprendizagem,

publicado pela Associação Nacional dos Cursos de Gradu-ação em Administração (ANGRAD) em agosto último. São exemplos de todas as regiões do país, de escolas públicas e privadas, que demonstram o empenho de instituições, pro-fessores e alunos em adotarem práticas mais sintonizadas com as condições correntes do ecossistema educacional.

As escolas têm sido impactadas por poderosas forças tec-nológicas, sociais e econômicas, como as inovações digi-tais, a comoditização do conhecimento, a mudança do perfil demográfico da população e as transformações no mercado de trabalho. Comparando-se com a situação vigente no país dez anos atrás, hoje é muito mais provável que os alunos de administração utilizem materiais didáticos de domínio pú-blico ou com licença de uso aberta e gratuita, desenvolvam projetos reais ou estudem conteúdos em casa, reservando o

tempo liberado na escola para debater, trabalhar em grupo e executar projetos.

O foco prioritário das inovações tem sido os conteúdos abordados e os processos que ocorrem dentro da sala de aula. Em termos de conteúdo, buscam-se a integração de disciplinas antes isoladas, o aumento de aplicações práti-cas do conhecimento e a inclusão das habilidades socioe-mocionais, chamadas de soft skills. Quanto aos processos, há uma preocupação com a diminuição das aulas expositi-vas e a adoção de metodologias ativas, como aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem baseada em projetos ou classe invertida. Também podemos incluir nesse agru-pamento o crescimento do ensino a distância e do ensino híbrido, pois essas modalidades de entrega transformam a própria noção de sala de aula, tornando-a menos geográfica e física e mais um conjunto de relações sociais.

CONSERVADORISMOHá, no entanto, um problema. As mudanças estão acon-

tecendo em velocidade insuficiente, inferior às taxas de inovação observadas no ambiente externo às escolas, e na maior parte dos casos apenas pontualmente, em disciplinas

A tendência é as escolas de administração desagregarem seus programas educacionais, o que exigirá mudanças nos processos de

ensino-aprendizagem e, principalmente, nas áreas externas à sala de aula.

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As inovações organizacionais na área-meio têm sido ainda mais lentas que na área-fim. Observa-se certo descolamento entre o que as escolas de negócio ensinam e a forma como são, elas mesmas, administradas.

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esporádicas e frequentemente por iniciativa individual de professores. A continuar, essa tendência preocupa – pela pos-sibilidade de provocar uma erosão da relevância dos cursos de administração. Um olhar apreciativo poderia destacar que, ao menos, já há um movimento visível de atualização no campo pedagógico das escolas de negócio, cabendo aos gestores dessas instituições apoiá-lo de forma mais firme e deliberada, investindo nos projetos, e reconhecendo e re-compensando os esforços dos envolvidos.

As instituições de ensino superior, no entanto, não são formadas apenas por salas de aula. Devemos reconhecer a importância crucial das áreas de apoio aos processos de en-sino-aprendizagem: processos seletivos, secretaria escolar, contabilidade e finanças, tecnologia de informação, recursos humanos, comunicação, moradia e alimentação, saúde e es-portes etc. Sem essas áreas, as salas de aula ficariam vazias.

Ocorre que as inovações organizacionais na área-meio têm sido ainda mais lentas que na área-fim. Observa-se certo descolamento entre o que as escolas de negócio ensi-nam e a forma como são, elas mesmas, administradas. Aqui é mais difícil ser apreciativo. Too little, too late carrega o risco de inviabilizar mudanças pedagógicas, por mais que os professores se esforcem. Esse impacto negativo atinge desigualmente as instituições: na base da pirâmide de pres-tígio acadêmico, observa-se já o encerramento de ativida-des e fusões com grupos educacionais de grande porte; no grupo intermediário, a pressão por inovações mostra-se mais urgente; e, no topo da pirâmide, a tradição e o prestí-gio compram para as instituições um tempo adicional – mas também para elas o relógio está correndo.

Como um todo, a gestão da universidade é conservadora. Em relatório sobre o “imperativo da inovação”, publicado este ano no periódico The Chronicle of Higher Education, o jornalista Lee Gardner faz a seguinte análise: “De muitas maneiras, a academia não é boa em inovar. Ela é boa em produzir conhecimento, desenvolver novos programas edu-cacionais, introduzir melhorias neste ou naquele processo.

Mas muitas universidades e seus líderes parecem não ter as condições ou o desejo de repensarem o que estão fazendo de forma suficientemente abrangente para implementarem algo verdadeiramente diferente, muito menos totalmente novo, mesmo onde é evidente que o business as usual não é mais suficiente”.

As principais dificuldades apontadas são o fato de que as universidades operam tradições, rituais e pressupostos que vigoram há décadas, quando não há séculos; que os regu-ladores controlam a qualidade, mas inibem a inovação; que os professores preferem mudanças incrementais; e que os orçamentos disponíveis estão cada vez mais apertados – principalmente em tempos de recessão. Mudar exige toma-da de riscos, determinação e resiliência. E custa dinheiro.

DESEMPACOTAMENTOUma das possíveis mudanças disruptivas que podem ser

implementadas na educação superior é a estratégia de de-sempacotamento, ou desagregação (unbundling). Essa es-tratégia consiste em tomar um pacote de produtos ou ser-viços formados por um grande número de componentes, antes vendidos obrigatoriamente em conjunto, e separá-los para que possam ser usados isoladamente. O comprador pode, então, combinar apenas os componentes de que ne-cessita ou que deseja. Várias indústrias estão passando por esse processo. Hoje, podem-se comprar canções em vez de discos; computadores montados sob medida, com proces-sador, memória e periféricos escolhidos; passagens aéreas com ou sem despacho de bagagem, com ou sem lanche a bordo; livros didáticos contendo apenas os capítulos a se-rem trabalhados no curso; e assim por diante. O consumi-dor paga somente pelo que vai usar.

As faculdades e universidades são fortes candidatas ao processo de desempacotamento, pois combinam conteú-do e um grande número de serviços em seus programas: disciplinas regulares, eletivas, avançadas; uso de instala-ções e laboratórios; oportunidades de pesquisa; networking,

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FRANCISCO ARANHA > Professor e coordenador do Centro de Desenvolvimento de Ensino e Aprendizagem (CEDEA) da FGV EAESP > [email protected]

PARA SABER MAIS:− Clayton M. Christensen e Henry J. Eyring. The innovative University: Changing the DNA of

Higher Education from the Inside Out, 2011.− Edson Sadao Iizuka (org.). Inovação em ensino e aprendizagem: casos de cursos de

Administração do Brasil, 2019.− Lee Gardner. The Barriers to Innovation. The Chronicle of Higher Education, 2019.− Ryan Craig. College Disrupted: The Great Unbundling of Higher Education, 2015.

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estágios, intercâmbios nacionais e internacionais; supervi-são em projetos, dissertações e teses; uso de bibliotecas e acesso a acervos digitais; prática de esportes; moradia e alimentação; colocação profissional e aconselhamento de carreira etc. Desempacotar tais serviços pode ser uma gran-de oportunidade.

Com isso, as escolas podem alcançar um mercado amplia-do, que não quer o pacote completo, por falta de interesse, tempo ou recursos financeiros. Nesse mercado adicional, encontram-se, por exemplo, os profissionais já graduados que necessitarão de reciclagem nos processos de educação ao longo da vida toda. Para os estudantes, de maneira geral, a mudança traz a possibilidade de fazerem uma formação sob medida, a menor custo.

A estratégia de desempacotamento, ao longo da próxi-ma década, talvez venha a se tornar uma imposição às ins-tituições de ensino. A maior parte do peso das inovações necessárias para sua implementação recai sobre as áreas de suporte e administrativas, que, como vimos, estão mais atrasadas nos processos de mudança.

Hoje, recrutar e matricular os alunos em massa e man-ter o relacionamento com eles são processos cheios de fra-gilidades. Servir a um público maior, mais eclético e com maior variedade de percursos educacionais na instituição pode conduzir as escolas a uma crise em seus sistemas operacionais. É passada a hora de as instituições de ensino superior se prepararem para essas mudanças. De imediato, seria prudente prototipar e testar urgentemente novos mo-delos para as estruturas organizacionais externas à sala de aula que apoiarão os novos processos educacionais. A vi-rada digital que muitas empresas estão realizando podem servir de inspiração para esse projeto.

BENEFÍCIOS E RISCOS DO DESEMPACOTAMENTO PARA AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Dificuldade em operar subsídios cruzados entre componentes

BENEFÍCIOS RISCOS

Possibilidade de uma experiência

flexível e customizada

Oferta de certificações

mais especializadas

Abertura para novos públicos

Retorno mais frequente dos

ex-alunos

Competição das grandes escolas de renome internacional

Concorrência de especialistas no componente desempacotado

Aumento compulsório da transparência na precificação