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Empresário de sucesso e navegador experiente, Patrick Monteiro de Barros já cumpriu dois percursos à volta do mundo e prepara-se para voltar ainda este ano ao Oceano Pacífico, onde pretende visitar as ilhas Galápagos e desfrutar dois meses de férias na Polinésia Francesa. Num encontro na sua casa em Cascais, mesmo à beira-mar, contou as suas experiências náuticas e os esforços que efectuou na candidatura de Cascais a sede da America’s Cup 2007, um evento náutico centenário que será, entretanto, disputado em Valência, em Espanha. Nysse Arruda – Começou a velejar aos sete anos de ida- de com o seu tio, aos 13 anos, cometeu um acto de ex- trema ousadia ao velejar sozinho num pequeno veleiro de 3,5 metros de comprimento de Cascais até Setúbal. Conte-nos, por favor, esta história com mais detalhes. Patrick Monteiro de Barros – Ia participar no meu primeiro Campeonato de Portugal de Juniores e, por causa das minhas más notas na escola, os meus pais recusaram-se a levar o meu barco de ca- mioneta até lá. Parti, então, de Cascais sozinho e naveguei até Setúbal, dobrando o Cabo Espichel. Primeiro enfrentei a clássica nortada e depois uma calmaria ao largo de Sesimbra, para onde fui rebocado por um pescador. Quando cheguei ao cais, o meu tio estava à espera e disse-me que eu tinha faltado ao respeito ao mar! O episódio po- dia ter terminado aí, mas, dois meses mais tarde, o meu tio, que era almirante, levou-me a Norfolk para visitar a frota norte-americana e também o navio-hospital Gil Eanes, que integrava a frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova. Ao ter- minarmos a visita a bordo do bacalhoeiro Santa Maria Manuela o meu tio disse que eu iria ficar no barco por mais uma semana para aprender a respeitar o mar. E assim fiquei a bordo, a trabalhar como to- dos os outros nos dories de pesca do bacalhau, no meio do nevoeiro e ao frio, a preparar os equi- pamentos, a cortar e salgar os peixes. A vida é ex- tremamente dura no mar e aprendi imenso com esta experiência. Aprendi o respeito pelo mar!!!!! NA – Sempre teve o sonho de fazer grandes viagens de barco à vela, um sonho que se concretizou entre 1996 e 2001, quando foi pela primeira vez ao Taiti e à Polinésia Francesa, depois de comprar o clássico veleiro Seljm de 115 pés. Como foi essa primeira experiência oceânica? PMB – A minha primeira volta ao mundo à vela decorreu por etapas. Comecei a rota na Europa, depois segui para as Caraíbas e para a Costa Les- te dos Estados Unidos e então para o Pacífico, com a minha mulher e amigos. Fizemos várias escalas por ali, nas ilhas Marquesas, Tuamotú e Taiti. Depois fomos para as ilhas Fiji, Tonga, Va- nuatu, Nova Caledónia e Cook, em cruzeiros de verão e, em 2000, alcancei o porto de Auckland, na Nova Zelândia, para assistir à America’s Cup, que se disputava nesta cidade pela primeira vez, depois da vitória neozelandesa em 1995. Foi a concretização de um sonho de criança e marcou a minha carreira na vela. Até então, eu só tinha participado em provas de alta competi- ção nas classes Finn e Star como por exemplo entrevista de Nysse Arruda | fotos de Nuno Correia 19 Espiral do Tempo 24 Primavera 2007 [ Grande Entrevista ]

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Page 1: [ Grande Entrevista ] - espiraldotempo.com · melhores velejadores do mundo, incluindo Rus-sell Coutts, que, entretanto, foi afastado desta ... o maior promotor desportivo de Portugal,

Empresário de sucesso e navegador experiente, Patrick Monteiro de Barros já cumpriu dois percursos à volta do mundo

e prepara-se para voltar ainda este ano ao Oceano Pacífico, onde pretende visitar as ilhas Galápagos e desfrutar dois

meses de férias na Polinésia Francesa. Num encontro na sua casa em Cascais, mesmo à beira-mar, contou as suas

experiências náuticas e os esforços que efectuou na candidatura de Cascais a sede da America’s Cup 2007,

um evento náutico centenário que será, entretanto, disputado em Valência, em Espanha.

Nysse Arruda – Começou a velejar aos sete anos de ida-

de com o seu tio, aos 13 anos, cometeu um acto de ex-

trema ousadia ao velejar sozinho num pequeno veleiro

de 3,5 metros de comprimento de Cascais até Setúbal.

Conte-nos, por favor, esta história com mais detalhes.

Patrick Monteiro de Barros – Ia participar no meu primeiro Campeonato de Portugal de Juniores e, por causa das minhas más notas na escola, os meus pais recusaram-se a levar o meu barco de ca-mioneta até lá. Parti, então, de Cascais sozinho e naveguei até Setúbal, dobrando o Cabo Espichel. Primeiro enfrentei a clássica nortada e depois uma calmaria ao largo de Sesimbra, para onde fui rebocado por um pescador. Quando cheguei ao cais, o meu tio estava à espera e disse-me que eu tinha faltado ao respeito ao mar! O episódio po-dia ter termina do aí, mas, dois meses mais tarde, o meu tio, que era almirante, levou-me a Norfolk

para visi tar a frota norte-americana e também o na vio-hospital Gil Eanes, que integrava a frota bacalhoeira portuguesa na Terra Nova. Ao ter-minarmos a visita a bordo do bacalhoeiro Santa Maria Manuela o meu tio disse que eu iria ficar no barco por mais uma semana para aprender a respeitar o mar.

E assim fiquei a bordo, a trabalhar como to-dos os outros nos dories de pesca do bacalhau, no meio do nevoeiro e ao frio, a preparar os equi-pamentos, a cortar e salgar os peixes. A vida é ex-tremamente dura no mar e aprendi imen so com esta experiência. Aprendi o respeito pelo mar!!!!!

NA – Sempre teve o sonho de fazer grandes viagens

de barco à vela, um sonho que se concretizou entre

1996 e 2001, quando foi pela primeira vez ao Taiti e à

Po linésia Francesa, depois de comprar o clássico veleiro

Seljm de 115 pés. Como foi essa primeira experiência

oceânica?

PMB – A minha primeira volta ao mundo à vela decorreu por etapas. Comecei a rota na Europa, de pois segui para as Caraíbas e para a Costa Les-te dos Estados Unidos e então para o Pací fico, com a minha mulher e amigos. Fizemos várias escalas por ali, nas ilhas Marquesas, Tua motú e Taiti. Depois fomos para as ilhas Fiji, Tonga, Va-nuatu, Nova Caledónia e Cook, em cruzeiros de verão e, em 2000, alcancei o porto de Auckland, na Nova Zelândia, para assistir à America’s Cup, que se disputava nesta cidade pela primeira vez, depois da vitória neozelandesa em 1995.

Foi a concretização de um sonho de criança e mar cou a minha carreira na vela. Até então, eu só tinha participado em provas de alta competi-ção nas classes Finn e Star como por exemplo

entrevista de Nysse Arruda | fotos de Nuno Correia

19Espiral do Tempo 24 Primavera 2007

[ Grande Entrevista ]

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nas campanhas para os Jogos Olímpicos de 1968, 1972, 1984, 1988 – quando alcancei um 12.º lu-gar na classe Star –, e 1992. Participei, depois, nos anos de 1993 e 1994 em provas oceânicas a bordo dos maxi boats em especial, o Boomerang, em re-gatas na Flórida, EUA, e na Sardenha, Itália. Fui também vice-campeão mundial na classe Half Tonners no meu iate, Portuguese Connection. Este sonho só se pôde concretizar porque encon-trei, em 1995, o veleiro ideal para tal empreitada – o Seljm, um clássico veleiro em teca, desenha-do por Anselmo Boretti, construído na Itália, em 1980, no estaleiro Sangermani, e que estava qua-se esquecido numa marina italiana.

Com cerca de 35 metros de comprimento, com dois mastros, uma grande área vélica e muito espaço interior, é um barco perfeito para gran- des viagens oceâni cas. Estou agora a compi- lar com o jornalista americano Alexander Wardwell todas as memórias desta primeira via-gem num livro.

NA – A sua segunda volta ao mundo incluiu um percur-

so especial com as duas passagens pelo Cabo Horn,

no extremo sul da América do Sul. Como decorreu esta

viagem?

PMB – Aportámos primeiramente em Punta Are-nas, no Chile, e depois seguimos para o Cabo Horn, num dia de muito mau tempo, com chu-va e ventos fortes, um cenário típico nesta re-gião oceânica, onde o Pacífico se encontra com o Atlântico Sul e onde muitos barcos se perde-ram ao longo dos tempos. É um sítio tão mítico que toca o imaginário de todos os velejadores do mundo que sonham cruzar essas águas pelo me-nos uma vez na vida e entrar para o exclusivo clu-be de navegadores que ali traçaram uma rota. Foi tudo muito rápido; parecia que o tempo estava a encolher nas poucas horas que ali estivemos, mas é uma das minhas melhores memórias no mar, a realização de um desejo de miúdo que esperou tanto tempo para se concretizar. Circundámos o Cabo Horn uma vez mais, para fazermos foto-

“Foi tudo muito rápido; parecia que o tempoestava a enconlher nas poucas horas que ali estivemos, mas é uma das minhas

melhores memórias no mar, a realização de um desejo de

miúdo que esperou tanto tempo para se concretizar.”

Patrick Monteiro de Barros

grafias do barco com o famoso fotógrafo ame-ricano Daniel Foster. O tempo estava melhor e pudemos descer até terra, carimbar os nossos passaportes e passar a noite numa baía abri gada. O Daniel chegou mesmo a viajar num helicópte-ro para conseguir registar as vistas aéreas da nossa passagem pelo local.

NA – No seu rol de boas memórias no mar, há também

outras experiências que o marcaram em todos esses

anos dedicados ao desporto à vela. Quais foram elas?

PMB – Outro momento belo e perfeito de que me lembro foi a vitória na regata final na série de pro-vas comemorativas do 75.º Aniversário da classe Dragão em St. Tropez, França, frente a uma frota de 260 barcos de mais de 40 países. Aliás, esta classe, que foi olímpica até 1972, é uma das mi-nhas mais queridas. Sinto-me orgulhoso por ter sido o mentor do renascimento desta classe em Portugal, especialmente em Cascais, onde o meu clube tem hoje um troféu perpétuo, doado pelo Rei D. Juan Carlos de Espanha, que se disputa todos os anos na classe Dragão.

Tenho também outras memórias significa- ti vas das minhas várias campanhas nos Jogos Olím pi cos, um evento no qual a participação é por si só o apogeu para qualquer desportista. Uma coisa que não esqueço é a emoção de entrar num estádio olímpico envergando as cores do País com a delegação nacional.

Os glaciares da Patagónia registados por Daniel Foster durante a viagem que levou à dobragem do Cabo Horn. O homem do leme, Antigua 2006.

A passagem do Cabo Horn por Patrick

Mon teiro de Barros registada para a pos-

teridade por Daniel Foster.

Uma imagem do jovem velejador quan-

do ganhou o seu primeiro Nacional, em

Setúbal, com o veleiro de 3,5 metros o

mesmo usado na “aventura” de Cascais

a Sesimbra.

Imagem de 1988 com Patrick Monteiro

de Barros empunhando a bandeira por-

tuguesa aquando da participação nacio-

nal nos Jogos Olímpicos de Seul.

21Grande Entrevista Patrick Monteiro de Barros20 Espiral do Tempo 24 Primavera 2007

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NA – É também um grande fã da America’s Cup, ten-

do acompanhado de perto várias edições. Foi também

o responsável pela candidatura de Cascais a sede do

evento em 2007. Conte-nos um pouco todo esse seu

envolvimento com o mais antigo troféu náutico.

PMB – Acompanho a disputa da América’s Cup desde sempre e estive presente em Newport, EUA, em 1980, tendo participado nos treinos do Team Freedom com o Dennis Conner e, em 1983, com o Liberty. Depois estive em Perth, na Aus-trália, em 1987, e ainda em San Diego, EUA, em 1992, e em Auckland, Nova Zelândia, em 2000, tendo sido um dos sponsors do Team Young Amé-rica do New York Yacht Club, e, finalmente, em 2003. Quando percebi que a equipa suíça Alinghi estava prestes a ganhar o troféu e a trazê-lo para a Europa, depois de 156 anos de história do evento, achei que podia lançar a candidatura de Lisboa/Cascais. Apresentei de imediato a ideia a Ernesto Bertarelli, patrão do Alinghi, bem como ao ski-

pper neozelandês Russell Coutts, um dos maiores expoentes do desporto à vela mundial e também meu amigo pessoal.

Reuni, então, uma equipa composta de pro fis-sio nais e voluntários para elaborar a nossa candida-tura e trabalhei durante mais de sete meses em pesquisas e preparação. Foi uma experiência for-midável e tivemos muito apoio e muita solidarie-dade. Chegámos a figurar entre as ci dades fina-listas, mas, infelizmente, perdemos para Valência.

Acredito que Valência ganhou apenas pelas condi-ções materiais postas à disposição dos organizado-res, apesar de os suíços terem justificado a escolha pe las excelentes condições de mar e vento naquela cidade espanhola. Este é um perfil que Cascais preenche plenamente segundo as declarações dos melhores velejadores do mundo, incluindo Rus-sell Coutts, que, entretanto, foi afastado desta competição por divergências com Bertarelli sobre esta decisão.

NA – A sua relação de amizade com Russell Coutts per-

dura até hoje e está a ajudá-lo na criação do mais ino-

vador circuito mundial de vela, a World Sailing League.

Qual foi o seu contributo neste projecto?

PMB – Quando o Russel Coutts e o americano Paul Cayard me apresentaram a ideia de um novo circuito anual global para novos iates catamarãs de 70 pés, tipo Fórmula 1, com um prémio de dois milhões de euros, achei o projecto muito ino -vador. Apresentei-os, então, ao João Lagos, da Lagos Sports, o maior promotor desportivo de Portugal, que imediatamente aderiu ao pro jecto e está à frente da organização desta empreita-da náutica mundial. O objectivo é equipará-lo à America’s Cup e à regata à volta do mundo Volvo Ocean Race. Espero poder organizar um team por-tuguês para esta prova e torço para que Portugal fique com a sede permanente do circuito. Seria uma excelente desforra da America’s Cup!!! ET

Nome: Patrick Monteiro de Barros

Idade: 62 anos

Formação: Universidade de Paris Diplomas de Economia e Gestão

Local ideal: Minha casa na Virgínia, EUA

Defeito mais deplorável: Demasiado frontal

Defeito menos tolerável: Demasiado exigente

Virtude: Culto da amizade

Herói: Winston Churchill

Ídolo: Nelson Mandela

Vilão: Adolf Hitler

Sonho: Paz no mundo

Morte: É igual para todos

Religião: Católico praticante

Cor: Verde

Escultura: Vênus de Milo

Literatura: ‘Animal Farm’, de George Orwell

Quadro: A ronda da noite, de Rembrandt

Passatempo: Desporto à vela e caça

Vício secreto: Toblerone preto

“A minha primeira volta ao mundoà vela decorreu por etapas, entre os meus afazeres profissionais.

Comecei na rota na Europa, depois segui para as Caraíbas e costa

leste dos Estados Unidos e então para o Pacífico,

com a minha mulher e amigos.”

Patrick Monteiro de Barros

Patrick Monteiro de Barros com o seu Audemars Piguet

Offshore Alinghi, edição limitada comemorativa da vitória

na America’s Cup em 2003.

O Seljm construído em 1980 no estaleiro italiano Sanger-

mani, e desenhado por Anselmo Boretti, foi adquirido em

1995 por Patrick Monteiro de Barros. Foi com este veleiro

que o navega dor português cruzou o Cabo Horn.

Foto de Daniel Foster do veleiro Seljm

aquando da vitória na Antigua Classic

Regatta em Abril de 2006.

auto-retrato

A participação de Patrick Monteiro de

Barros em St. Tropez nas provas co me-

mo rativas do 75º Aniversário da Classe

Dragão foi coroada com a vitória na re-

gata final. Foto de Francisco Lino.

Alguns dos grandes momentos da car-

rei ra desportiva de Patrick Monteiro de

Barros foram as participações nos Jogos

Olímpicos. Na imagem, Seul 1988, onde

concorreu na Classe Star.

23Grande Entrevista Patrick Monteiro de Barros22 Espiral do Tempo 24 Primavera 2007