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  • Filosofia do Direito

  • Editora\ ^ 4 P S ara iv aRua Henrique Schoumonn, 270, Cerqueira Césor — São Poulo — SPCEP 05413-909PABX: (11) 3 6 1 3 3 0 0 0SAG UR: 0800 055 7688De 2 fl o 6 fl, dos 8 :3 0 òs 1 9 :3 0soraivajur@ editorasaraiva.com.brAcesse: www.soraivajur.com.br

    FILIAIS

    AM AZO N AS/R O ND Ô NIA/R O RAIM A/ACR ERuc Costa A ze.edo, 56 - CentroFone: (9 2 ) 3 6 3 3 -4 2 2 7 - Fox: (9 2 ) 3 6 3 3 -4 7 8 2 - Monous

    BAHIA/SERGIPERuc Ag-ip ino Dóreo, 2 3 - BrotesFone: (7 1 ) 3 3 8 1 -5 8 5 4 / 3 3 8 1 - 5 8 9 5Fax: (7 1 ) 3381 -0 9 5 9 -S c lv o d o r

    BAURU (SÃO PAULO)Ruc Monsenhor Cloro, 2 -5 5 /2 -5 7 - CentroFone: (1 4 ) 3 2 3 4 -5 6 4 3 - Fox: (1 4 ) 3 2 3 4 -7 4 0 1 - Bauru

    CEARÁ/P IAU Í/M AR AN H ÃOAv. F ibm eno Gomes, 6 7 0 - JoccreccngoFone: (8 5 ) 3 2 3 8 - 2 3 2 3 /3 2 3 8 - 1 3 8 4Fax: (8 5 ) 3 2 3 8 -1 3 3 1 - Forlalezo

    DISTRITO FEDERALSIA /SU L Trecho 2 Lote 8 5 0 - Setor de Industrio e Abastecimento Fone: (6 1 ) 3 3 4 4 - 2 9 2 0 /3 3 4 4 - 2 9 5 1 Fax: (6 1 ) 3 3 4 4 - 1 7 0 9 - Brasília

    GOIÁS/TOCANTINSAv. IndepencênciG, 5 3 3 0 - Se’ oc Aeropoito Fone: (6 2 ) 3 2 2 5 - 2 8 8 2 /3 2 1 2 - 2 8 0 6 Fax: (6 2 ) 3 2 2 4 -3 0 1 6 - Goiânia

    M A IO GROSSO DO S U l/M A IO GROSSO Ruc 14 ( fe J iih o , 3 1 4 8 -C e n troFone: (6 7 ) 3 3 8 2 -3 6 8 2 - Fcx: (6 7 ) 3 3 8 2 4 )1 1 2 - C a rp o Gronce

    MINAS GERAISRuc Além Pora'oo, 4 4 9 - LogoinhoFone: (3 1 ) 3 4 2 9 -8 3 0 0 - Fcx: (3 1 ) 3 4 2 9 -8 3 1 0 - Belo Horizonte

    PARÁ/AM APÁTravesso Apincgés, 186 - Borista CamposFone: (9 1 ) 3 2 2 2 - 9 0 3 4 / 3 2 2 4 - 9 0 3 8Fax: (9 1 ) 3 2 4 1 - 0 4 9 9 - Belém

    PARANÁ/SANTA CATARINARuc Conselheiro Lcurindo, 2 8 9 5 - Prado VelhoF o n e /F o x : (4 1 ) 3 3 3 2 -4 8 9 4 -C u r i t ib a

    P E R N A M B U C O /P A R A ÍB A ^. G. DO NORTE/ALAGOASRuc Corredor do Bispo, 1 8 5 — Boa VistoFone: (8 1 ) 3 4 2 1 -4 2 4 6 - Fcx: (8 1 ) 3 4 2 1 -4 5 1 0 - Recife

    RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO)Av. F icncisto J jn ç u e rc , 1 2 5 5 - CentroFone: (1 6 ) 3 6 1 0 -5 8 4 3 - Fcx: (1 6 ) 3 6 1 0 -8 2 8 4 - R foerco Preto

    RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTORuc Visconde de Scntc Isabel, 1 1 3 o 119 - Vilo IscbefFone: (2 1 ) 2 5 7 7 -9 4 9 4 - Fcx: (2 1 ) 2 5 7 7 - 8 8 6 7 / 2 5 7 7 - 9 5 6 5 - Rio de Joneiro

    RIO GRANDE DO SULAv. A . J. Renoer, 2 3 1 - ForrcposF o n e /F o x : (5 1 ) 3 3 7 1 -4 0 0 1 / 3 3 7 1 - 1 4 6 7 / 3 3 7 1 - 1 5 6 7Porto Alegre

    SÃO PAULOAv. Antártico, 9 2 - Borro Funde Fone: FftBX (1 1 ) 3 6 1 6 -3 6 6 6 - Sõo P e io

    ISBN 978-85-02-13655-7

    Dados In te rnac iona is de C atalogação no Publicação (CIP) (Câm ara Brasile ira do l iv ro , SP, B rasil)

    índ ices para catá logo s is tem ático :

    1. D ire ito - F ilo so fia 340.122 . F ilo so fia tio d ire ito 340.123. F ilo so fia ju r íd ic a 340.12

    Capa RoneyComelo

    Data de fechamento da edição: 9-12-2002

    Dúvidas?

    Acesse www.saraivajur.com.br

    N e n h u m a p a rte d e s ta p u b lic a ç ã o p o d e rá se r re p ro d u z id a po r q u a lq u e r m e io ou fo rm a sem a p ré v ia a u to r iz a ç ã o d a F d ito ra S ara iva .A v io laç ão do s d ire ito s a u to ra is é c r im e e s ta b e le c id o n a L ei n . 9 .6 1 0 /9 8 c p u n id o p e lo a rtig o 184 d o C ó d ig o Penal.

    R e a le , M ig u e l,F ilo so fia d o d ire ito / M ig u e l R e a le . — 20. e d .

    — São P a u lo : S ara iva , 2002.

    B ib lio g rafia .1. D ire i to - F ilo so fia I. T ítu lo .

    K d ita d o ta m b é m c o m o liv ro im p resso c m 2011.

    122.447.001 .001

    mailto:[email protected]://www.soraivajur.com.brhttp://www.saraivajur.com.br

  • P r in c ipa is Ob ras do A u to r

    O Estado Moderno. 1935. 3 edições esg.Formarão da Política Burguesa. 1935. esg.O Capitalismo Internacional. 1935. esg.Atualidades de um Mundo Antigo. 1936. esg.Atualidades Brasileiras. 1937. esg.Fundamentos do Direito. 1940. esg. 2. ed. Revista dos Tribunais, 1972.Teoria do Direito e do Estado. 1940. esg. 2. ed. 1960. esg. 3. ed., rev., Livr. Martins Ed., 1972, esg.

    4. ed.. Saraiva, 1984.A Doutrina de Kant no Brasil. 1949. esg.Filosofia do Direito. 1. ed. 1953. 2. ed. 1957. 3. ed. 1962. 4. ed. 1965. esg. 5. ed. 1969. 6. ed.

    Saraiva, 1972. 7. ed. 1975. 8. ed. 1978. 9. ed. 1982. 10. ed. 1983. II. ed. 1986. 12. ed. 1987. 14. ed. 1991. 15. ed. 1993. 16. ed. 1994. 17. ed. 1996. 18. ed. 1998. 19. ed. 1999.

    Horizontes do Direito e da História. Saraiva, 1956. 2. ed. 1977.Nos Quadrantes do Direito Positivo. Ed. Michalany, 1960.Filosofia em São Paulo. 1962. esg. 2. ed. Ed. Grijalbo-EDUSP 1976.Parlamentarismo Brasileiro. 2. ed. Saraiva, 1962.Pluralismo e Liberdade. Saraiva, 1963.Imperativos da Revolução de Março. Livr. Martins Ed., 1965.Poemas do Amor e do Tempo. Saraiva, 1965.Introdução e Notas aos “Cadernos de Filosofia ”, de Diogo Antonio Feijó. Ed. Grijalbo, 1967. Revogação e Anulamento do Ato Administrativo. Forense, 1968. 2. ed. 1980.Teoria Tridimensional do Direito. Saraiva, 1968. 5. ed. 1994.Revolução e Democracia. Ed. Convívio, 1969. 2. ed. 1977.O Direito como Experiência. Saraiva, 1968. 2. ed. 1992.Direito Administrativo. Forense. 1969.Problemas de Nosso Tempo. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1969.Lições Preliminares de Direito. Bushatsky, 1973. 24. ed. Saraiva, 1998.Lições Preliminares de Direito. Ed. portuguesa. Coimbra, Livr. Almedina. 1982.Cem Anos de Ciência do Direito no Brasil. Saraiva, 1973.Experiência e Cultura. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1977.Política de Ontem e de Hoje (Introdução à Teoria do Estado). Saraiva, 1978.Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. Saraiva, 1978.Poemas da Noite. Ed. Soma, 1980.O Homem e seus Horizontes. Ed. Convívio, 1980.Questões de Direito. Sugestões Literárias, 1981.Miguel Realena UnB. Brasília, 1982.A Filosofia na Obra de Machado de Assis — Antologia Filosófica de Machado de Assis. Pioneira,

    1982.Verdade e Conjetura. Nova Fronteira, 1983.Obras Políticas ( Ia fase — 1931-1937). UnB, 1983. 3 vols.Direito Natural/Direito Positivo. Saraiva, 1984.Figuras da Inteligência Brasileira. Tempo Brasileiro Ed. e Univ. do Ceará, 1984.Teoria e Prática do Direito. Saraiva, 1984.

  • VI M I G U E L R E A L E

    Sonetos da Verdade. Nova Fronteira, 1984.Por uma Constituição Brasileira. Revista dos Tribunais, 1985.Reforma Universitária. Ed. Convívio, 1985.O Projeto de Código Civil. Saraiva, 1986. 2. ed. 1998.Liberdade e Democracia. Saraiva, 1987.Memórias, v. 1. Destinos Cruzados. Saraiva, 1986. 2. ed. 1987.Memórias, v. 2. A Balança e a Espada. Saraiva, 1987.Introdução à Filosofia. Saraiva, 1988. 3. ed. 1994.O Belo e outros Valores. Academia Brasileira de Letras, 1989.Aplicações da Constituição de 1988. Forense, 1990.Nova Fase do Direito Moderno. Saraiva, 1990. 2. ed. 1998.Vida Oculta. Massao Ohno/Stefanowski Ed., 1990.Temas de Direito Positivo. Revista dos Tribunais, 1992.Face Oculta de Euclides da Cunha. 1993.Fontes e Modelos do Direito. Saraiva, 1994.Paradigmas da Cultura Contemporânea. Saraiva, 1996.Questões de Direito Público. Saraiva, 1997.Questões de Direito Privado. Saraiva, 1997.De Olhos Postos no Brasil e no Mundo. Expressão e Cultura, 1997.O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias. Saraiva, 1998. 2. ed. 1999. PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDASFilosofia dei Diritto. Trad. Luigi Bagolini e G. Ricci. Torino, Giappichelli, 1956.II Diritto come Esperienza, com ensaio introd. de Domenico Coccopalmerio. Milano, Giuffrè,

    1973.Teoria Tridimensional del Derecho. Trad. J. A. Sardina-Paramo. Santiago de Compostella, Imprenta

    Paredes, 1973.2. ed. Universidad de Chile, Valparaiso (na coletânea “Juristas Perenes”). Fundamentos dei Derecho. Trad. Júlio O. Chiappini. Buenos Aires, Depalma, 1976.Introducción al Derecho. Trad. Brufau Prats. Madrid, Ed. Pirâmide, 1976. 2. ed. 1977. 9. ed. 1989. Filosofia dei Derecho. Trad. Miguel Angel Herreros. Madrid, Ed. Pirâmide, 1979.Experience et Culture. Trad. Giovanni Dell’Anna Bordeaux, Éditions Brière, 1990.

  • A meus filhosEBE,

    LÍVIA MARIA e

    MIGUEL

  • índice Geral

    Principais Obras do Autor.................................................................................... VPrefácio à 14.a edição.............................................................................................. XIXPrefácio à 5.a edição............................................................................................... XXIPrefácio à 2.a edição ................................................................................................ XXIIIPrefácio à I aEdição.............................................................................................. XXV

    PARTE I Propedêutica Filosófica

    AD USUM JURISPRUDENTIAE

    Título IObjeto da Filosofia

    Capítulo I

    Noção Preliminar de Filosofia — Sua FinalidadeAmor do saber e exigência de universalidade.................................................. 5O problema dos pressupostos............................................................................. 10Capítulo II

    O Positivismo e a Redução da Filosofia a uma Enciclopédia das Ciências — O Neopositivismo“Philosophia, ancilla scientiarum” .................................................................... 14Os neopositivistas........................................................................................................ 18Capítulo III

    Autonomia da Filosofia — Seus Máximos ProblemasPerguntas prévias......................................................................................................... 23Teoria do Conhecimento: Lógica e Ontognoseologia......................................... 26É tica .............................................................................................................................. 34Axiologia...................................................................................................................... 36Metafísica e concepção do mundo.......................................................................... 37

  • X M I G U E L R E A L E

    Título IINoções de Gnoseologia

    Capítulo IVSentido do Pensar de Nosso Tempo — Gnoseologia,Ontologia e OntognoseologiaPredomínio do problema do ser até o Renascimento......................................... 43A Filosofia moderna e o problema do conhecer............................................... 45A correlação sujeito-objeto e o problema do se r................................................. 49Capítulo VGraduação do Conhecimento — O Conhecimento Vulgar e o CientíficoO particular e o genérico........................................................................................ 53Estrutura do conhecimento: tipos, leis e princípios............................................ 56O Direito como Ciência........................................................................................... 61Capítulo VINatureza Crítico-Axiológica do Conhecimento FilosóficoSentido geral do Criticismo.................................................................................... 65Condicionamento do saber filosófico................................................................... 68Capítulo VIIRelações Entre Filosofia e Ciência PositivaAcepções da palavra “ciência’,.............................................................................. 73Objeto e M étodo...................................................................................................... 74Metodologia da Filosofia e das Ciências.............................................................. 78Capítulo VIIIDo Conhecimento Quanto à OrigemO Empirismo ou empiricismo............................................................................... 86Empirismo e Direito............................................................................................... 90Racionalismo............................................................................................................ 92Racionalismo e D ireito .......................................................................................... 95Criticismo................................................................................................................. 98Juízos analíticos e sintéticos................................................................................. 104Criticismo ontognoseológico................................................................................ 105Criticismo e Direito................................................................................................. 111Capítulo IXDo Conhecimento Quanto à EssênciaO Realismo............................................................................................................... 114O Idealismo............................................................................................................... 116Posição de Kant e de Augusto Comte............................................................... 120

  • Posição ontognoseológica................................................................................... 122Correlação com a problemática jurídica............................................................ 125Capítulo XDas Formas do ConhecimentoDos processos intuitivos em geral......................................................................... 129Dos métodos de cognição m ediata.................................................................... 138Método e O bjeto.................................................................................................... 145Antecipações epistemológicas sobre o Direito................................................. 148Outras espécies de m étodo.................................................................................. 151Capítulo XIDa Possibilidade do ConhecimentoDoutrinas dogmáticas............................................................................................ 155Doutrinas céticas.................................................................................................... 159O relativism o........................................................................................................... 162

    Título IIINoções de Ontologia e de Axiologia

    Capítulo XIITeoria dos ObjetosNoções gerais......................................................................................................... 171Objetos físicos e psíquicos................................................................................... 173O Direito como objeto natural............................................................................ 176Objetos ideais........................................................................................................... 178O Direito e os objetos ideais............................................................................... 180Os valores e o mundo do dever ser.................................................................... 182Características do va lo r........................................................................................ 185Os valores e o Direito............................................................................................ 188Capítulo XIIITeorias Sobre o ValorExplicações psicológicas...................................................................................... 191Interpretação sociológica dos valores................................................................ 193Ontologismo axiológico.......................................................................................... 198Teoria histórico-cultural dos valores.................................................................. 200Capítulo XIVA Cultura e o Valor da Pessoa HumanaObjetividade e historicidade dos valores........................................................... 204A pessoa como valor fo n te .................................................................................. 207

    F I L O S O F I A D O D I R E I T O XI

  • xn M I G U E L R E A L E

    Título IVÉtica eTeoria da Cultura

    Capítulo XV

    Cultura, Espírito e LiberdadeCriação e tutela de b en s......................................................................................... 213Estrutura dos bens culturais.................................................................................. 218Capítulo XVI

    Ciclos de Cultura e Constelações AxiológicasOrdenação dos valores............................................................................................. 224Cultura e civilizações............................................................................................. 226Classificações dos valores..................................................................................... 230Capítulo XVII

    Natureza e CulturaBens culturais e ciências culturais....................................................................... 236Explicação e generalização — Compreensão e integração de sentido 239Juízos de valor e juízos de realidade................................................................... 243As leis do mundo cultural..................................................................................... 246Capítulo XVIII

    Leis Naturais e Leis Éticas - Teoria e PráticaO problema da sanção............................................................................................ 252Ciências especulativas e normativas — Ciência e Técnica................................ 259Capítulo XIX

    Bem Pessoal e Bem ColetivoJustiça e bem com um ............................................................................................. 266Individualismo, personalismo e transpersonalismo.......................................... 271

    PARTE II O ntognoseologia Jurídica

    Título VOs tem as da Filosofia Jurídica

    Capítulo XX

    Objeto e Divisão da Filosofia do DireitoConceito de Filosofia do Direito.......................................................................... 279A divisão tripartida................................................................................................. 285Divisão de Stammler.............................................................................................. 288

  • Capítulo XXI

    A Temática Geral e os Temas EspeciaisA Ontognoseologia Jurídica................................................................................... 293Epistemologia juríd ica........................................................................................... 298Deontologia jurídica................................................................................................ 301Culturologia juríd ica.............................................................................................. 302

    Título VIEmpirismo e Apriorismo Jurídicos e suas

    Com preensões Unilaterais

    Capítulo XXII

    O Conceito de Direito Segundo as Doutrinas EmpíricasPosição de Pedro Lessa........................................................................................... 309Crítica do empirismo jurídico................................................................................. 312Ser e dever ser........................................................................................................... 315A réplica dos empiristas.......................................................................................... 317O neo-empirismo jurídico...................................................................................... 320Capítulo XXIII

    A Concepção do Direito na Doutrina de StammlerO Direito como forma do querer.......................................................................... 323Conceito e idéia do Direito..................................................................................... 329Capítulo XXIV

    A Concepção do Direito na Doutrina de Del VecchioDireito e intersubjetividade.................................................................................... 332Justiça e alteridade.................................................................................................. 336

    Título VIIA Realidade Jurídica e o Problema Ontognoseológico

    Capítulo XXV

    O Inevitável Conteúdo Axiológico do DireitoCrítica do apriorismo jurídico............................................................................... 343Além do Empirismo e do apriorismo jurídicos................................................... 349Capítulo XXVI

    O Direito e a Investigação Histórico-AxiológicaAnálise fenomenológica da realidade jurídica..................................................... 353Da redução fenomenológica à reflexão histórico-axiológica — Implicação

    e polaridade.................................................................................................... 359

    F I L O S O F I A D O D I R E I T O XTTT

  • XIV M I G U E L R E A L E

    Título VIIIFenomenologia da Ação e da Conduta

    Capítulo XXVII

    Conduta e Ordem de FinsAto e valor................................................................................................................ 367Fins e categorias do ag ir........................................................................................ 370Capítulo XXVIII

    Tridimensionalidade da Conduta ÉticaMomentos da conduta............................................................................................ 377Especificidade da conduta ética........................................................................... 380Capítulo XXIX

    Modalidades de CondutaConduta religiosa.................................................................................................... 383Conduta moral.......................................................................................................... 385Conduta costum eira................................................................................................ 388Conduta j urídica...................................................................................................... 389

    Título IXExplicações Unilaterais ou Reducionistas da Realidade Jurídica

    Capítulo XXX

    Antecedentes HistóricosFormação de uma consciência normativa.......................................................... 398A Escola da Exegese e a jurisprudência conceituai.......................................... 403O Direito como fato histórico ou relação social............................................... 409Da crise na interpretação da lei à crise da ciência tradicional do D ireito 413Capítulo XXXI

    O Sociologismo JurídicoObservações de ordem geral................................................................................. 420Sociologismo jurídico de Duguit e as exigências da solidariedade............... 425Leis sociais e nexo teleológico............................................................................ 429Regras de Direito e normas técnicas................................................................... 434Capítulo XXXII

    O Normativismo Lógico de Hans Kelsen e a Eficácia do DireitoObjetivos da teoria pura do Direito...................................................................... 440Dever ser e im putabilidade................................................................................... 446Estática e dinâmica do D ireito.............................................................................. 453Uma tricotomia im plícita....................................................................................... 457

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O XV

    Capítulo XXXIIIO Moralismo Jurídico e a Natureza da Norma de DireitoO comando jurídico................................................................................................. 464O moralismo jurídico de Cathrein........................................................................ 466O moralismo jurídico de R ipert........................................................................... 469O moralismo concreto de Gentile e de Binder................................................... 472

    Título XTeoria Tridimensional do Direito

    Capítulo XXXIVO Termo “ Direito” e sua Tríplice Perspectiva HistóricaA intuição axiológica do Direito.......................................................................... 479A intuição normativa do D ireito .......................................................................... 488Capítulo XXXVOTridimensionalismo Abstrato ou GenéricoEspécies de teorias tridimensionais..................................................................... 492O trialismo de Lask e o monismo neo-hegeliano.............................................. 495O trialismo de Radbruch........................................................................................ 500Tridimensionalidade implícita: Santi Romano e Hauriou................................ 503O trialismo perspectivístico.................................................................................. 508O trialismo de Roscoe Pound e Julius S tone..................................................... 513Capítulo XXXVIOTridimensionalismo Específico e a Unidade da Experiência JurídicaA trilateralidade estática de Wilhelm Sauer....................................................... 517Pressupostos do tridimensionalismo dinâmico.................................................. 520Nomogênese ju ríd ica ............................................................................................. 527Processo normativo e poder.................................................................................. 532Capítulo XXXVIINormatividade e Historicidade do DireitoNormativismo jurídico concreto.......................................................................... 539Atualização histórica dos valores do D ireito..................................................... 548Normatividade, interpretação e Dogmática Jurídica......................................... 555Capítulo XXXVIIIFundamento, Eficácia e VigênciaNatureza filosófica do problema — Conexões com a Política do Direito,

    com a Teoria Geral do Direito e com a Sociologia Jurídica.................... 561

  • XVI M I G U E L R E A L E

    O problema do fundam ento.................................................................................. 563O problema da vigência e da positividade......................................................... 571O problema da eficácia.......................................................................................... 579As ciências da realidade jurídica.......................................................................... 585

    Título XI Direito e Moral

    Capítulo XXXIXO Problema na Grécia e em RomaO Direito na “paideia” grega................................................................................. 593O Direito como “voluntas” — A idéia romana de “Jus” e de Jurisprudência 599Capítulo XLDireito e Moral na Idade MédiaConcepção tomista da le i ....................................................................................... 607Justiça como “proportio ad alterum” .................................................................. 611Capítulo XLIDireito e Moral na Época Moderna — O ContratualismoRedução individualista........................................................................................... 614Modalidades de contratualismo........................................................................... 616Capítulo XLIIExterioridade, Coercibilidade e HeteronomiaThomasius e seus objetivos jurídico-políticos................................................... 622A contribuição de Emmanuel Kant...................................................................... 625Capítulo XLIIIAnálise do Problema da Exterioridade do DireitoA exterioridade à luz da experiência jurídica..................................................... 632Valoração do ato juríd ico....................................................................................... 636Capítulo XLIVCoercitividade e CoercibilidadeCoação social, coação psicológica e coação jurídica........................................ 639Objeções à teoria da coação.................................................................................. 643Coação virtual e coação a tua l............................................................................... 647Capítulo XLVA Bilateralidade Atributiva do DireitoBilateralidade ética e bilateralidade jurídica...................................................... 651Sentido objetivo da bilateralidade jurídica......................................................... 657

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O xvn

    Capítulo XLVI

    Conceito de DireitoDireito e valores de convivência.......................................................................... 665Os corolários da atributividade............................................................................ 672Distinção entre Direito e M oral........................................................................... 676

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 679ÍNDICE ANALÍTICO E REMISSIVO............................................................... 693ÍNDICE DE AUTORES......................................................................................... 703

  • PREFÁCIO À 14.“ EDIÇÃO

    O simples fato de uma obra de Filosofia do Direito atingir catorze edições, exaurindo-se a anterior em pouco mais de dois anos, vem confirmar minha assertiva no concernente à profunda alteração operada na atitude de mestres, advogados e estudantes perante a experiência jurídica, nestas últimas décadas.

    Nota-se, com efeito, talvez como reflexo das incertezas próprias de uma sociedade em acelerada mudança, maior preocupação pelos pressupostos filosóficos do Direito, mesmo quando os estudos se desenvolvem com propósitos de ordem prática.

    Devo dizer que, na edição de 1978, ano do jubileu da presente obra, já entendera necessário submetê-la a minuciosa revisão. Não que tenha alterado o texto das edições anteriores em sua estrutura básica, mas introduzi mudanças em pontos essenciais, a fim de pô-lo em sintonia com o estado atual de minhas pesquisas filosóficas, tal como resulta de meus livros Experiência e Cultura, Verdade e Conjetura e Nova Fase do Direito Moderno.

    Por outro lado, não podiam deixar de repercutir neste livro as colocações feitas em minhas Lições Preliminares de Direito, obra que é complementar desta, pois representa a projeção do tridimensionalismo no plano da Teoria Geral do Direito. Desse modo, os dois livros se completam, confirmando a tese, por mim tantas vezes defendida, de que os “ conceitos transcendentais” só se compreendem plenamente em função da experiência.

    M aio de 1991. M . R.

  • PREFÁCIO À 5.“ EDIÇÃO

    Ao preparar os originais para a edição anterior deste Curso, ju lgara ter-lhe dado a sua estrutura definitiva, sempre sujeita, é claro, a naturais complementos e retificações, mas os estudos finais de duas obras, de concepção geminada, “O Direito como Experiência ” e “Teoria Tridimensional do Direito”, convenceram-me da necessidade de rever toda a matéria dos capítulos XXXV, XXXVI e XXXVII, não só para fins pedagógicos, como também para correlacioná-la com o estado atual de meu pensamento.

    Além disso, procurei tom ar mais clara a exposição, em muitos pontos, sem prejuízo da densidade e do rigor dos conceitos. A nova distribuição dos assuntos, no tomo segundo, assim como os acréscimos introduzidos, têm por fim situar melhor o que denomino “norma- tivismo jurídico concreto” e, por conseguinte, a minha recente “teoria dos modelos jurídicos”, nos quadros da Filosofia do Direito contemporânea.

    Quem se abalançar a fazer um cotejo entre as diversas edições desta obra notará que não há solução de continuidade entre elas, mas antes o lento e gradual desdobrar-se de um pensamento que se altera na medida em que procura se completar, em função da experiência jurídica focalizada.

    Esta edição assinala, por outro lado, uma mudança substancial em meus propósitos, visto como julguei de bom alvitre considerá-la autônoma e conclusa, na sua feição de Curso: as partes complementares, relativas à Epistemologia, à Deontologia e à Culturologia Jurídicas terão mais caráter monográfico, desdobrando-se em ensaios independentes, o primeiro dos quais é o já citado livro “O Direito como Experiência”, que representa o fruto mais maduro de minhas atividades docentes no plano epistemológico. Se a presente obra lança as suas raízes no Curso de Bacharelado, aquela nasceu de investigações procedidas no Curso de Especialização.

  • xxn M I G U E L R E A L E

    Vê-se, pois, como vão de mãos dadas o ensino e a pesquisa, não podendo, por ora, dizer como e quando outros trabalhos me será possível dar a público. O que sei é que o trabalho continua fie l ao originário programa de estabelecer uma constante correlação entre a Ciência e a Vida.

    Janeiro de 1968.

    O A u to r

  • PREFÁCIO À 2.“ EDIÇÃO

    O simples fato de esgotar-se, em menos de três anos, a primeira edição de um livro de Filosofia do Direito no Brasil é deveras revelador do renovado interesse de nossos juristas pelos problemas fundamentais da Jurisprudência, após certo período de quase descaso por tudo o que ultrapassasse o plano empírico-positivo.

    Algumas obras de Teoria Geral do Direito, tratados, instituições e monografias especializadas, recentemente produzidas no País, distinguem-se por rigorosa preocupação metódica e sistemática, demonstrando que, vencendo a tentação dos comentários feitos de afogadilho, vamos retomando o ritmo da produção científica que, com Teixeira de Freitas e o Conselheiro Lafayette, Carvalho de Mendonça e Clóvis Beviláqua, já nos assegurara primado in- conteste nas letras jurídicas latino-americanas.

    É de esperar-se que correspondendo a este cuidado pelas idéias gerais, e pelo cultivo dos valores nacionais no quadro universal da Jurisprudência contemporânea, é de esperar-se que, na anunciada reforma dos ensinos ju rídicos, seja seguido o exemplo de São Paulo, da Bahia e do Rio Grande do Sul, incluindo-se a cadeira de Filosofia do Direito no currículo do Bacharelado. Parafraseando Francis Bacon, poder-se-ia dizer que um medíocre conhecimento do Direito arreda da Filosofia, enquanto que um sério estudo reconduz a ela.

    É, pois, com relativo otimismo — dado valor negativo de uma legislação muitas vezes descuidada — que me apresso a publicar esta nova edição, praticamente a terceira, eis que já introduzira algumas alterações no texto magnificamente vertido para o italiano pelo ilustre mestre Luigi Bagolini, da Universidade de Gênova, com o concurso precioso de Giovanni Ricci.

    Fácil será perceber os acréscimos e as modificações feitas, algumas de relevo, mas sem perda do sentido pedagógico que desde o início me inspirou. Procurei, por outro lado, ajustar ainda mais a obra às exigências dos juristas, convencido como estou de que a Filosofia do Direito deve ter significado concreto para a Jurisprudência, correspondendo às estruturas e ao desenvolvimento da experiência histórica do Direito.

  • XXIV M I G U E L R E A L E

    Aos mestres estrangeiros e nacionais, que honraram o meu trabalho com a sua atenção, formulando observações ou reparos fecundos, a que procurei atender, deixo aqui o meu mais vivo agradecimento, esperando poder levar a bom termo a árdua tarefa concebida, de maneira que, através das partes especiais do Curso, não se perca a necessária determinação da unidade do Direito como “processus”.

    Conforta-me verificar que, nesta tarefa de atingir a consistência integral da experiência jurídica, na concreção histórica de seus três elementos (fato, valor e norma) estão empenhados juristas da Europa e da América, como ainda recentemente pôde ser observado no Congresso Interamericano de Filosofia, no Chile.

    Pode-se dizer que outra questão ora se impõe com urgência: é fazer com que a concepção histórico-cultural do Direito, cada vez mais reconhecida pelos juristas-filósofos, passe a influir, de modo decisivo, também nos quadrantes da Dogmática Jurídica, assim como da Técnica judicial e forense, tomando-se menos acabrunhadora a distância entre a abstração das leis e os anseios concretos de Justiça.

    M aio de 1957.

    O A u to r

  • PREFÁCIO À I a EDIÇÃO

    Este livro representa o fruto de mais de dez anos de magistério na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob cujas Arcadas, quando ainda estudante, comecei a redigir minhas primeiras observações sobre os problemas do Direito e do Estado.

    Já naqueles escritos juvenis firmara o propósito de “ teorizar a vida e de viver a teoria na unidade indissolúvel do pensamento e da ação ”, e, ao volver à Academia, em 1940, para a disputa de uma cátedra, penso ter obedecido ao mesmo programa de vida, cuidando de determinar os fundamentos do Direito em função de elementos lógicos, axiológicos e f áticos.

    Jamais compreendi o Direito como pura abstração, lógica ou ética, destacada da experiência social. Nesta deve ele afundar suas raízes, para poder altear-se firme e receber o oxigênio tonificador dos ideais de Justiça. Esse sentido concreto do Direito tomou-se ainda mais vigoroso em contado com os problemas de governo, ou na vivência apaixonante dos embates políticos, quando submetidos a uma crítica viva os preceitos da legislação positiva.

    As lides forenses, assim como o trato assíduo com questões administrativas e políticas, inclinam o espírito a valorar melhor o drama cotidiano, as expressões particulares do querer e do agir, e, com isto, a perceber o risco das tipificações e dos esquemas rígidos e isolados, que seduzem ilusoriamente a tantos espíritos no âmbito da Jurisprudência.

    As oportunidades de legislar abrem novas perspectivas à compreensão dos limites do Direito vigente, revelando a tensão inevitável de uma experiência, como a jurídica, na qual nem bem se realiza algo como norma, e já se projeta como exigência nova de valores para o futuro, de maneira que a moralidade incessante de “mais justiça” polariza-se com a exigência de “mais certeza” ou de “mais segurança”.

    É possível que, nestas páginas, se mostre, tais as conjunturas da época, mais forte do que nunca o jamais abandonado ideal de compor o abstrato e o concreto, a abstração teórica e o querer particular, a força projetante da liberdade e a prudência do poder na gênese e no desenvolvimento do Direito, mas creio que essa tendência não contraria o ritmo de nossa tradição jurídica, sem

  • XXVI M I G U E L R E A L E

    pre aderente à realidade, até ao ponto de correr o risco de descambar para o casuísmo em que a Ciência irremediavelmente se estiola.

    Por mais, porém, que estas páginas se prendam às circunstâncias de nosso tempo, refletindo uma concepção geral do universo e da vida — na qual e pela qual adquirem real significado as concepções do Direito —, o seu modo de comunicação permanece nos lindes impostos pelas necessidades didáticas. Trata-se de um Curso, revisto e completado com base em apostilas taquigrafadas graças à iniciativa do Centro Acadêmico XI de Agosto. Embora haja suprimido o supérfluo e refundido a obra, acrescentando vários capítulos e dando-lhes nova ordem e unidade sistemática, conservei afeição original de lições, com a dupla finalidade de servir aos estudantes do Bacharelado e aos de Especialização.

    Não excluo possa merecer também a atenção dos juristas pátrios empenhados no trabalho científico-positivo. Se a meditação filosófica do Direito é sempre necessária, mais ainda se impõe em épocas de transmutação de valores, quando o Direito vigente recebe o impacto de forças imprevistas, crescendo a responsabilidade do jurista, alçado à dignidade de intérprete e de protagonista da História, não mais resignado ao papel de mero executa- dor de decisões tomadas à revelia de seus ideais e de sua consciência.

    Como advertiu Pedro Lessa — quando se praticou o grave erro de eliminar a Filosofia do Direito de nossos cursos jurídicos, em boa hora reparado pela Academia de São Paulo, não obstante a tendência ainda hoje dominante no sistema federal de ensino —, “em nenhum país mais do que no Brasil se acentua a necessidade de atrair a atenção dos que lidam com o Direito, constituído e constituendo, para os princípios, para as verdades gerais, para as leis fundamentais, que constituem o supedâneo do Direito, que lhe explicam a razão de ser, revelam o quid constante, permanente, invariável, que se nota em meio das transformações das normas jurídicas, e infundem a convicção da necessidade absoluta da Justiça (*)

    Na realidade, aqui como alhures, um pragmatismo fácil invade, dia a dia, os domínios da Jurisprudência, ameaçando comprometer a linha de continuidade de um labor científico, válido por seus princípios estruturais e pelo sentido de concreção que lhe deram jurisconsultos da estirpe de Teixeira de Freitas, Paula Batista ou Lafayette, e não pelo afã de acomodar-

    (* ) P edro L essa , Estudos de Filosofia do Direito, Rio, 2 a ed., 1 9 1 6 , p á g . 9 .

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O xxvnse a exigências que não exprimem necessidades vitais da comunidade brasileira, mas apenas opiniões improvisadas na crista dos acontecimentos.

    Legisla-se em geral, com imperdoável esquecimento dos princípios e das grandes diretrizes histórico-sociais do sistema jurídico pátrio, a tal ponto que, em um mesmo ato, preceitos díspares ou conflitantes se consagram; e, como eco inevitável, avolumam-se, não menos atabalhoadamente, comentários apressados de legislação em um casuísmo alarmante e infecundo. Felizmente, algumas personalidades vigorosas conseguem vencer nessa tarefa de ilustração de textos, animando a exegese com um sopro de doutrina e de compreensão geral da experiência jurídica, conscientes de todas as dificuldades de um trabalho de alto alcance quando não desviado para o plano das vantagens materiais.

    Por outro lado, não poucas e preciosas monografias sobre diversos setores da Jurisprudência, assim como Cursos elaborados com admirável rigor metódico, marcam o rumo a ser trilhado pelo autêntico jurista, cujo espírito se entreabre, necessária e beneficamente, para os problemas da Filosofia e da Teoria Geral do Direito, confirmando o acerto de um dos grandes mestres de nosso tempo: “Nenhum ramo da Ciência vive sem respirar Filosofia, mas esta necessidade é sentida no Direito mais do que em qualquer outra. À medida que se avança pela estrada da Jurisprudência, mais e mais o problema do metajurídico desvela a sua decisiva importância; o jurista convence-se cada vez mais de que, se não sabe senão Direito, na realidade não conhece nem mesmo o D ir e i to (**)

    Em minha experiência de magistério, não digo que tenha sempre logrado unanimidade de compreensão nessa ordem de problemas, mas posso afirmar que mesmo os jovens menos propensos à especulação filosófica acabam tocados pela majestade do Direito e pela dignidade da missão do jurista, e este resultado, que envolve a personalidade moral, não é menos precioso que o referente ao aprimoramento do intelecto.

    O melhor caminho para o mestre, que só deposita justificada confiança na espontânea transmissão dos valores, talvez seja apelar para a espiritualidade livre, procurando revelar e não impor formas de vida.

    Desejo ainda ponderar, pondo termo a estas considerações que já se alongam, que cuidei necessário fixar alguns problemas fundamentais da Fi-

    ( * * ) F r a n c e s c o C a r n e l u t t i, Tempo Perso, Bolonha, 1952, pág. 8.

  • xxvm M I G U E L R E A L E

    losofia, antes de entrar no exame das questões filosófico-jurídicas, não só por lembrar o sacrificado curso de Lógica e de Psicologia de nossos Colégios, como também para atender a uma exigência natural de unidade, sendo a Filosofia do Direito a Filosofia mesma voltada para uma das expressões universais do espírito.

    Uma Introdução à Filosofia, com a vivência direta e uintencional” dos problemas jurídico-sociais, apresenta outro centro de interesse para jovens habituados ao trato das leis e da problemática da existência humana, levando-os a compreender como andam errados os que projetam a Filosofia fora da vida, reduzindo-a a esquemas trios, em que se espelham as presunções e as veleidades de uma sabedoria pretensamente livre de problemas e de dúvidas.

    Além do mais, não há razão para negar-se autenticidade filosófica a quem se situa no campo de uma Ciência, para daí filosofar. Karl Jaspers chega mesmo a dizer que o melhor filósofo talvez seja o cientista, que firma, por assim dizer, os pés em dado setor da Ciência e, sem jamais perder de vista o concreto, perquire todos os lados da relação com o conhecimento em geral, mantendo-se em mutuação contínua com a realidade, tal como esta se lhe apresenta em sua concreteza. (***)

    Por ter dado certo desenvolvimento à Propedêutica Filosófica, ilustrando-a com exemplos da vida jurídica, o Curso pôde tomar, na segunda parte, sem quebra de sua finalidade didática, um cunho mais pronunciadamente pessoal, coisa aliás inevitável em qualquer especulação de caráter crítico. O leitor encontrará, desse modo, uma exposição da Teoria Tridimensional do Direito, que venho desenvolvendo e completando desde 1940, em cotejo com as doutrinas jurídicas fundamentais de nossa época, mas, acima de tudo, com os olhos voltados para a experiência viva e atuante do Direito.

    Os dois tomos, que ora confio à mocidade acadêmica, destinam-se à Parte Geral da Filosofia do Direito, esperando não me venham a faltar tempo e entusiasmo para poder levar a termo o plano proposto, com a publicação dos volumes destinados ao estudo especial da Epistemologia, da Deontologia e da Culturologia Jurídicas, aqui apenas esboçadas.

    São Paulo, 11 de agosto de 1953.O A utor

    (***) k Jaspers, Psicologia delle Visioni dei Mondo, trad. de V. Loriga, Roma, 1950, pág. 12.

  • PARTE I

    Propedêutica FilosôficaAD USUM JURISPRUDENTIAE

  • T ítu lo I

    Objeto da Filosofia

  • C ap ítu lo I

    Noção Preliminar de Filosofia — Sua Finalidade

    A m or do Saber e Exigência de Universalidade

    1. Poderíamos começar este curso apresentando uma longa série de definições de Filosofia ou de Filosofia do Direito lembrando o que disseram, por exemplo, Aristóteles, Kant, Hegel, ou Farias Brito, sobre a matéria. Seria exigir, no entanto, esforço mnemónico desmedido, com pouco ou nenhum resultado. Devemos, ao contrário, procurar atingir o conceito de Filosofia através de demorado e progressivo exame das exigências que suscitaram os problemas historicamente reconhecidos como sendo de ordem filosófica. Só essa compreensão histórica é que poderá ser fecunda; razão pela qual vamos estabelecer, por ora, apenas uma noção provisória ligada às próprias raízes etimológicas do termo.

    Se nos inspirarmos nas origens do pensamento ocidental verificaremos que a palavra Filosofia significa amizade ou amor pela sabedoria. O termo é deveras expressivo. Os primeiros filósofos gregos não concordaram em ser chamados sábios, por terem consciência do muito que ignoravam. Preferiram ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja — filósofos.

    A Filosofia reflete no mais alto grau essa paixão da verdade, o amor pela verdade que se quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo- se em mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe.

    Filósofo autêntico, e não o mero expositor de sistemas, é, como o verdadeiro cientista, um pesquisador incansável, que procura sempre

  • 6 M I G U E L R E A L E

    renovar as perguntas formuladas, no sentido de alcançar respostas que sejam “condições” das demais. A Filosofia começa com um estado de inquietação e de perplexidade, para culminar numa atitude crítica diante do real e da vida.

    Aristóteles (384-322 a.C), repetindo ensinamento platônico, dizia que a Filosofia começou com a perplexidade, ou melhor, com a atitude de assombro do homem perante a natureza, em um crescendo de dúvidas, a começar pelas dificuldades mais aparentes1.

    O homem passou a filosofar no momento em que se viu cercado pelo problema e pelo mistério, adquirindo consciência de sua dignidade pensante, Não é preciso, pois, sentir-se tranqüilamente ancorado em algum sistema de Filosofia, nem ser capaz de dizer em que ano escreveu Kant cada um de seus estudos, para se possuir atitude filosófica: esta é própria de quem saiba captar e renovar os problemas universais sobre o cosmos e sobre a vida, procurando satisfazer às exigências atuais, sig- nificantes por novos e por velhos problemas situados em diversos ciclos histórico-culturais.

    A Filosofia, por ser a expressão mais alta da amizade pela sabedoria, tende a não se contentar com uma resposta, enquanto esta não atinja a essência, a razão última de um dado “campo” de problemas. Há certa verdade, portanto, quando se diz que a Filosofia é a ciência das causas primeiras ou das razões últimas: trata-se, porém, mais de uma inclinação ou orientação perene para a verdade última, do que a posse da verdade plena.

    A Filosofia, com efeito, procura sempre resposta a perguntas sucessivas, objetivando atingir, por vias diversas, certas verdades gerais, que põem a necessidade de outras: daí o impulso inelutável e nunca plenamente satisfeito de penetrar, de camada em camada, na órbita da realidade, numa busca incessante de totalidade de sentido, na qual se situem o homem e o cosmos. Ora, quando atingimos uma verdade que nos dá a razão de ser de todo um sistema particular de conhecimento, e

    1. Cf. Metafísica, L . 1. Cap. 2.° Podemos dizer, com É m il e B r è h ie r , que “a Filosofia começou quando as afirmações da consciência espontânea sobre o homem e sobre o universo se tornaram problemáticas”, Études de Philosophie Antique, Paris, 1955, pág. 12.

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O 7

    verificamos a impossibilidade de reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva, dizemos que atingimos um princípio, ou um pressuposto.

    Quando se afirma que Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, o que se quer dizer é que a Filosofia pretende elaborar uma redução conceituai progressiva, até atingir juízos com os quais se possa legitimar uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total. Assim, o sentido de universalidade revela-se inseparável da Filosofia.

    Vê-se, pois, que a Filosofia representa perene esforço de sondagem nas raízes dos problemas. É uma ciência cujos cultores somente se considerariam satisfeitos se lhes fosse facultado atingir, com certeza e universalidade, todos os princípios ou razões últimas explicativas da realidade, em uma plena interpretação da experiência humana; mas, nas vicissitudes do tempo, tal paixão pela verdade sempre se renova; surgem teorias, sistemas, posições pessoais, perspectivas diversas, em um dinamismo que nos é conatural e próprio, de maneira que a universalidade dos problemas não pode contar com resultados ou soluções todos universalmente válidos. Poder-se-ia dizer, porém, que é em nossa procura total da verdade que se manifesta a verdade total. Parafraseando a reflexão agostiniana de Blaise Pascal, diríamos do filósofo com relação à verdade: “tu não me procurarias, se já não me tivesses encontrado”2.

    Quem passa a estudar Filosofia no plano da História fica, à primeira vista, desapontado, quando não cético, por encontrar um tumultuar de respostas, uma multiplicação de sistemas e de teorias. Surge, então, logo a pergunta: Por que estudar Filosofia, se os filósofos jamais logram se entender? Qual a vantagem ou a utilidade da Filosofia, se os maiores pensadores nunca chegam a concordância sobre pontos fundamentais? Quando se fazem tais perguntas, pensa-se que estão sendo destruídas as veleidades da Filosofia, esquecendo-se de que reside exatamente aí a

    2. “Console-toi, tu ne me chercherais pas si tu ne m ’avais trouvé.” Pensées, ed. de Victor Giraud, Paris, 1926, Le Mystère de Jésus, Aliás, consoante ponderação de N. H a r t m a n n , quando se formula um problema, algo já se conhece da coisa a que o mesmo se refere. De outro modo seria impossível até mesmo distinguir um problema de outro. Cf. Ontologia, I, Fundamentos, trad. de José Gaos, México, 1954, pág. 32. M a x S c h e l e r e M a r t in H e id e g g e r também se referem aos “esquemas antecipatórios” que possibilitam o conhecimento. Vide M ig u e l R e a l e — Experiência e Cultura, São Paulo, 1977, pág. 88.

  • 8 M I G U E L R E A L E

    grandeza e a dignidade do saber filosófico, sem que resulte comprometida a sua pretensão de ser ciência rigorosa.

    A Filosofia não existiria se todos os filósofos culminassem em conclusões uniformes, idênticas. A Filosofia é, ao contrário, uma atividade perene do espírito ditada pelo desejo de renovar-se sempre a universalidade de certos problemas, embora, é claro, as diversas situações de lugar e de tempo possam condicionar a formulação diversa de antigas perguntas: o que distingue, porém, a Filosofia é que as perguntas formuladas por Platão ou Aristóteles, Descartes ou Kant, não perdem a sua atualidade, visto possuírem um significado universal, que ultrapassa os horizontes dos ciclos históricos. A universalidade da Filosofia está de certa forma mais nos problemas do que nas soluções, o que não deve causar estranheza se lembrarmos, com Jorge Simmel, que a Filosofia mesma é, por assim dizer, o primeiro de seus problemas, revertendo o seu problematicismo sobre a sua própria essência3. A pesquisa das razões últimas das coisas e dos primeiros princípios implica a possibilidade de soluções diversas e de teorias contrastantes, sem que isto signifique o desconhecimento de verdades universais que se imponham ao espírito com a força irrefragável da evidência.

    A história da Filosofia tem o grande valor de mostrar que esta não pode se estiolar em um sistema cerrado, onde tudo já esteja pensado, muitas vezes antecipadamente resolvido. Quando um filósofo chega ao ponto de não ter mais dúvidas, passa a ser a história acabada de suas idéias, o que não quer dizer que não gere a Filosofia nos espíritos uma serenidade fecunda, apesar da incessante pesquisa. Como observa Karl Jaspers, “esse modo de estar em marcha — o destino do homem no tempo — não exclui a possibilidade de uma profunda paz interior, e até mesmo, em certos instantes supremos, a de uma espécie de plenitude”.

    3. S im m e l , Problemas Fundamentales de la Filosofia, trad. de Fernando Vela, Madri, 1946, págs. 11 e segs. Em sentido análogo pronuncia-se K a r l J a s p e r s ; “Toda filosofia de- fine-se a si mesma por sua realização. O que ela seja, não se pode saber senão pela experiência; vê-se, então, que ela é, ao mesmo tempo, a atualização do pensamento vivo e a reflexão sobre esse pensamento, ou a ação e o comentário da ação“ — Introduction à la Philo- sophie, trad. de Jeanne Hersch, Paris, 1950, pág. 9. Quanto à impossibilidade de se conceberem os diferentes sistemas filosóficos como tentativas diversas de responder às mesmas e eternas perguntas, v. R, G. C o l l in g w o o d , Autobiografia, trad. de J. Hernández Campos, México, 1953, págs. 65 e segs.

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O 9

    Para não dar senão dois exemplos de filósofos autênticos, lembraríamos duas figuras impressionantes, pertencentes a culturas distintas, e que representam pontos culminantes do pensamento contemporâneo — Benedetto Croce e John Dewey, os quais jamais se deram por satisfeitos com suas pesquisas, apesar de dezenas e dezenas de anos de perseverante estudo, mantendo ambos o mesmo teor de produção científica, até a vigília da morte.

    Dewey e Croce são dois padrões da Filosofia que não se cristaliza, nem fica paralisada por ter encontrado resposta para dados problemas. A Filosofia deve ser vista como atividade perene do espírito, como paixão pela verdade essencial e, nesse sentido, realiza, em seu mais alto grau e conseqüência, a qualidade inerente a toda ciência: a insatisfação dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros fundamentos, sem outra finalidade além da puramente especulativa. Isto não significa, porém, que o filósofo não possa ou não deva empenhar-se por suas idéias: o que é incompatível com a pesquisa filosófica é a conversão da ação prática e, sobretudo, do empenho político-social, em razão e meta do filosofar4.

    2. Ora, a Filosofia do Direito, esclareça-se desde logo, não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem de realidade, que é a “realidade jurídica”. Nem mesmo se pode afirmar que seja Filosofia especial, porque é a Filosofia, na sua totalidade, na medida em que se preocupa com algo que possui valor universal, a experiência histórica e social do direito.

    O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o direito fenômeno universal que é ele suscetível de indagação filosófica. A Filosofia não pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta a razão pela qual se faz Filosofia da vida, Filosofia do direito, Filosofia da história ou Filosofia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se evidenciando os títulos existenciais de uma Filosofia jurídica. Na Filosofia do Direito deve refletir- se, pois, a mesma necessidade de especulação do problema jurídico em

    4. Pode-se mesmo dizer que a Filosofia é a sabedoria mais o propósito de tomá-la real. Antecipando-se aos tempos modernos, D a n t e qualificava-a "uno amoroso uso di sa- pienza” (Convívio, III, XI).

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    suas raízes, independentemente de preocupações imediatas de ordem prática.

    Enquanto que o jurista constrói a sua ciência partindo de certos pressupostos, que são fornecidos pela lei e pelos códigos, o filósofo do direito converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo. Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, fica relativamente tranqüilo, porque a lei constitui ponto de partida seguro para o seu trabalho profissional; da mesma forma, quando um juiz prolata a sua sentença e a apoia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar cumprindo sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta a sua convicção em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios. O filósofo do direito, ao contrário, converte tais pontos de partida em problemas, perguntando: Por que o juiz deve apoiar-se na lei? Quais as razões lógicas e morais que levam o juiz a não se revoltar contra a lei, e a não criar solução sua para o caso que está apreciando, uma vez convencido da inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que a lei obriga? Como obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal?

    A missão da Filosofia do Direito é, portanto, de crítica da experiência jurídica, no sentido de determinar as suas condições transcendentais, ou seja, aquelas condições que servem de fundamento à experiência, tomando-a possível. Que é que govema a vida jurídica? Que é que, logicamente, condiciona o trabalho do jurista? Quais as bases da Ciência do Direito e quais os títulos éticos da atividade do legislador? Eis aí exemplos da já apontada preocupação de buscar os pressupostos, as condições últimas, procurando partir de verdades evidentes, ou melhor, evidenciadas no processar-se da experiência histórico-social.

    O Problema dos Pressupostos

    3. Talvez resida no problema dos pressupostos a principal diferença entre Ciência positiva e Filosofia. Ciência positiva é construção que parte sempre de um ou de mais pressupostos particulares; Filosofia é crítica de pressupostos, sem partir de pressupostos particulares, visto como as “evidências” se põem, não se pressupõem.

  • F I L O S O F I A D O D I R E I T O 11

    Assim, a Geometria é toda uma construção lógica, que obedece a determinados pontos de partida, a certos pressupostos ou “dados”. A Geometria euclidiana, por exemplo, baseia-se no postulado de que “por um ponto tomado fora de uma reta, pode-se fazer passar uma paralela a essa reta e só uma”. Por outro lado, a Geometria, que é ciência de todas as espécies possíveis de espaço, como nos diz Kant, não pode definir o que seja “espaço”, partindo de uma noção pressuposta, de caráter operacional.

    Ora, as Geometrias não-euclidianas não são menos Geometrias do que a que começamos a estudar nos ginásios, embora não admitam o postulado acima enunciado, preferindo afirmar, como Riemann, que “por um ponto tomado fora duma reta não se pode fazer passar nenhuma paralela a esta reta”, ou então, como Lobatchewsky: “Por um ponto tomado fora duma reta, pode-se fazer passar uma infinidade de paralelas a esta reta”. Trata-se, por conseguinte, de Geometrias igualmente rigorosas, cada qual no sistema de suas referências5.

    Toda ciência depende, portanto, em seu ponto de partida, de certas afirmações, que se aceitam como condição de validade de determinado sistema ou ordem de conhecimentos, E até mesmo quando se pretende abstrair de toda ordem dada, a fim de que a “indagação” ou a “pesquisa” possa determinar as verdades de maneira livre e autônoma, ainda assim se pressupõe a validade da pesquisa experimental como produtora ou reveladora de “assertivas garantidas” (warranted assertibility) para empregarmos expressões características de John Dewey em sua Lógica6.

    A Filosofia é, assim, um conhecimento que converte em problema os pressupostos das ciências, como, por exemplo, o “espaço”, objeto da Geometria. É, portanto, sempre de natureza crítica. Uma Filosofia que não seja crítica é, a nosso ver, inautêntica: é sempre perquirição de raí-

    5. ‘Toda Geometria”, escreve E r n s t C a s s ir e r , lembrando ensinamentos de K l e in , “pressupõe, com efeito, a forma geral do espaço, a forma da ‘possível coexistência’. Quanto a isto, em nada se distinguem umas Geometrias de outras (...). As distintas Geometrias não se encontram isoladas e desconexas entre si, mas se desenvolvem umas com base nas outras, e este desenvolvimento é o fruto de um pensamento rigorosamente determinado.” (Cf. C a s - s ir e r , El Problema dei Conocimiento, México, trad. esp. de W. R o c e s , 1948, pág. 57).

    6. Cf. J o h n D e w e y , Logica, Teoria dellTndagine, trad. it. 1949, caps. IV e V.

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    zes ou indagação de pressupostos, sem partir de pressupostos particulares, mas de evidências universalmente válidas 7.

    Eis aí uma noção geral do que entendemos por Filosofia, como estudo das condições últimas, dos primeiros princípios que governam a realidade natural e o mundo moral, ou compreensão crítico-sistemática do universo e da vida.

    Entender-se-ão melhor tais palavras quando da apreciação de algumas doutrinas fundamentais, principalmente ao tratarmos do problema das relações entre Filosofia e Ciência, objeto de um dos próximos capítulos.

    Que representa a Filosofia perante a Ciência? Qual a relação entre a Filosofia e as chamadas ciências positivas ou físico-matemáticas? A Filosofia é uma ciência da mesma natureza das ciências naturais, como a Física, a Química, a Astronomia, a Biologia ou, ao contrário, é ciência de ordem diversa, distinta das outras em sua essência e em seus métodos?

    Não desejamos, no entanto, concluir este primeiro contacto com a indagação filosófica sem, preliminarmente, esclarecer que o termo ciência pode ser tomado em duas acepções distintas. A Filosofia será, por certo, ciência, se dermos a esta palavra o significado lato de “sistema de conhecimentos metodicamente adquiridos e integrados em uma unidade coerente”. A discriminação mais ou menos rigorosa entre Filosofia e Ciência surge quando se atribui ao segundo termo um sentido estrito como “sistema de conhecimentos metodicamente adquiridos e de validade universal, pela verificação objetiva, inclusive experimental, da certeza de seus dados e resultados”, conforme será melhor esclarecido oportunamente8. Cumpre, aliás, observar que, de conformidade com a

    7. Não é possível pretender que a Filosofia seja, radicalmente, um saber sem pressupostos, ou, mais genericamente, sem verdades iniciais condicionadoras da especulação pura, O próprio SIMMEL, filósofo da problematicidade, reconhece como “suposto prévio comum de todo filosofar em geral” a potência psíquica de totalização, ou seja, o poder de “criar uma totalidade objetiva com os fragmentos da objetividade” (op. cit., pág. 17). Pensar sem supostos prévios é, sob certo prisma, mais uma exigência deontológica do que lógica, no plano da Filosofia, como pensar em função do homem, em sita universalidade, e não em função de um de seus aspectos particulares e contingentes.

    8. Cf. L a la n d e , Vocabulaire Téchnique el Critique de la Philosophie, Paris, 1932,4a. cd., vol. II, págs. 735 e segs.

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    Teoria do Conhecimento contemporânea, a certeza das ciências é sempre provisória, sujeita a sucessivas verificações, a tal ponto que já se disse ser próprio das asserções científicas a sua refutabilidade, realçando-se o seu viés conjetural.

    Em conclusão, a Filosofia, entendida como “ciência” na primeira das acepções acima recordadas, tem por objeto indagar dos pressupostos ou condições de possibilidade de todas as ciências particulares, as quais estão sempre sujeitas a novos “testes” e verificações.

    Não é demais acrescentar que, a nosso ver, a investigação filosófica pressupõe pelo menos uma verdade — admitida à vista das verdades das ciências — , e é a capacidade sintetizadora do espírito, pela qual o homem se distingue dos outros animais, aos quais não é dado superar, integrando-os numa unidade conceituai nova e concreta, os elementos particulares e multíplices da experiência9.

    9. Sobre essa capacidade que denominamos nomotética, v. nosso livro Experiência e Cultura, cit. Em livro posterior, Verdade e Conjetura, pensamos ler demonstrado o papel que esta desempenha em todos os domínios das ciências e também na Filosofia.

  • C ap ítu lo II

    O Positivismo e a Redução da Filosofia a uma Enciclopédia das Ciências — O Neopositiv ismo

    "Philosophia, Ancilla Scientiarum "

    4. Na determinação da natureza do saber filosófico, é preferível começar pela resposta mais simples e acessível. Vamos iniciar o estudo dessa matéria, apreciando, embora rapidamente, a posição do positivismo.

    Já se deve saber, pelo menos de maneira geral, o que se entende por positivismo. De qualquer forma, não será demais acrescentar algo sobre essa grande corrente de pensamento que exerceu e ainda exerce inegável influência no Brasil, especialmente através das obras do mais conhecido filósofo francês do século passado, Augusto Comte, cuja “lei dos três estados” é invocada como sendo a pedra angular de seu sistema, que atribui, com efeito, à humanidade três estádios históricos sucessivos fundamentais, o teológico, o metafísico e o positivo.

    Augusto Comte (1793-1857), o pensador europeu que no século XIX mais influiu na história cultural e política brasileira, era um homem de formação matemática, animado do propósito de dar à Filosofia uma certeza igual àquela que, a seu ver, seria própria das ciências físico- matemáticas. Para Comte, a Filosofia só é digna desse nome enquanto não se diversifica da própria Ciência, marcando uma visão orgânica da

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    natureza e da sociedade, fundada nos resultados de um saber constituído objetivamente à luz dos fa tos ou das suas relações. Tal posição e tendência de Augusto Comte, baseando o saber filosófico sobre o alicerce das ciências positivas, estavam destinadas a obter repercussão muito grande em sua época, notadamente por sua declarada aversão à Metafísica e a quaisquer formas de conhecimento a priori, isto é, não resultantes da experiência.

    A publicação do Curso de Filosofia Positiva de Augusto Comte (1830-1842) marca, sem dúvida, um momento relevante na história do pensamento europeu e americano, possuindo ainda entre nós continua- dores entusiastas, sem falar no neopositivismo contemporâneo, que invoca, porém, outras fontes inspiradoras, apesar de coincidir com a Filosofia positiva em vários pontos essenciais.

    Não podemos, logo no início do curso, mostrar a diferença entre o positivismo de Augusto Comte e suas ramificações na última centúria. Limitamo-nos a dizer que em todas essas correntes o que existe como constante é a idéia de que a Filosofia é algo de inseparável do saber empírico e positivo, uma forma ou momento das próprias ciências, quando não as ciências em sua visão unitária.

    Para Herbert Spencer, cuja teoria evolucionista é uma derivação do positivismo, a Ciência se distingue da Filosofia apenas por uma questão de grau. Ficou muito conhecida a afirmação spenceriana, contida em seu livro First Principies (1862), de que a Ciência é o saber particularmente unificado, enquanto que a Filosofia é o saber totalmente unificado.

    Entre Ciência e Filosofia não haveria, portanto, uma diferença de essência ou de qualidade, mas, tão-somente, uma diferença de grau ou de generalidade. O físico ou o químico elaboram, apreciam um aspecto particular da realidade ou de algo; o mesmo fazem o biólogo, o astrônomo ou o matemático. Cada qual tem seu campo de pesquisa e unifica e delimita os resultados de suas indagações. A Ciência é, portanto, um saber parcial unificado, referente a um aspecto abstraído de outros aspectos possíveis, como condição de observação e análise, nunca deixando de ser observação de fatos e de relações entre fatos.

    A Filosofia viria depois, como Enciclopédia das ciências de sistematização das concepções científicas. Terminada a tarefa de cada cientista no seu campo particular, ao filósofo caberia realizar a síntese ou o

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    compêndio dos resultados. Surgiu mesmo a afirmação de que a Filosofia não devia ser vista senão como uma “Enciclopédia” (en, kuklos, paideia), o que quer dizer conhecimento cíclico, total, das coisas. Assim sendo, se cada cientista trabalha no seu setor, ignorando muitas vezes a tarefa e o êxito dos outros, é necessário, depois, que todos os resultados se componham e se integrem em uma unidade de caráter provisório, sempre sujeita às revisões resultantes do progresso científico.

    O da Filosofia seria, desse modo, um trabalho de composição unitária das pesquisas de cada um e de todos os cientistas; tal esforço fundamental de unificação dos resultados das pesquisas particulares, base- ar-se-ia, de um ponto de vista estático, sobre a hierarquia das ciências, a unidade do método e a homogeneidade do saber, e, do ponto de vista dinâmico, na convergência progressiva de todas as ciências no sentido da Sociologia, ciência final e universal1.

    Qual a vantagem ou missão da Filosofia? Realizar esta síntese, para propiciar a cada cientista abertura de novas perspectivas, e a todos uma compreensão total, mas positiva do universo. A visão total e unitária dos conhecimentos científicos teria a vantagem de despertar em cada campo particular de pesquisa a possibilidade de aspectos até então obscuros e despercebidos. A Filosofia seria, de certa maneira, uma ancila das ciências, uma resultante das ciências na unidade do saber positivo, oferecendo diretrizes seguras para a reforma e o governo da sociedade.

    O positivismo contrapõe-se, sob certo prisma, a uma outra concepção, também de subordinação da Filosofia, dominante no período medieval. Na Idade Média, a Filosofia apresenta, com efeito, certo caráter instrumental análogo, no sentido de servir a algo. A Filosofia é uma serva da Teologia, uma “ancilla Theologiae”. Vale, desde que não carreie elementos contra uma visão teocêntrica da vida e a compreensão do homem segundo verdades reveladas. É uma forma de saber que, em suas conclusões, permanece subordinada à Teologia, cujas verdades não pode contrariar. Não que o pensador medieval desprezasse a experiência e os ditames da razão, limitando-se a desenvolver conseqüências a partir de verdades assentes ou predeterminadas por força de autoridade divina ou

    1. Cf. L. L é v y - B r ü h l , La Philosophie d'Auguste Comte, 4a ed., Paris, 1921, pág. 141. Cf., infra, § 44.

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    humana. O problema é outro: na especulação medieval os pontos de partida podiam ser estritamente filosóficos, como podia ser filosófica a orientação da pesquisa, havendo exemplos admiráveis de apego à experiência, mas a indagação prevalecia até e enquanto suas ilações não contrariassem certos enunciados reconhecidos como de valor transcendente. Desse modo, a Teologia funcionava como limite negativo último, balizando o trabalho especulativo puro2.

    Na visão positivista opera-se uma inversão: a Filosofia é também algo posto a serviço de algo, não mais um conhecimento subordinado à Teologia, ou que encontre nesta um “limite negativo”, mas, a serviço da própria Ciência, cujos resultados deve unificar e completar, e de cujas conclusões deve partir.

    Na concepção positivista da Filosofia como sendo a própria Ciência em sua explicação unitária — a Filosofia deixa praticamente de desempenhar uma função criadora autônoma. A Filosofia não cria, nem inova, porque seu trabalho fica na dependência do trabalho alheio. “A Filosofia caminha pelos pés da Ciência”, afirma um discípulo de Augusto Comte. À medida que a Ciência descobre verdades, a Filosofia se enriquece. Quer dizer que ela não teria função própria na busca da verdade, resolvendo-se a sua função em um apêndice do trabalho do cientista, para descobrir os nexos de harmonia entre os resultados, formulan- do-se um “compêndio de resultados”: destarte, o filósofo seria um “especialista de generalidades”.

    2. É essa, aliás, a atitude ainda dominante na Escolástica, tal como explicitamente se enuncia no conhecido Traité Êlémentaire de Philosophie, de M e r c ie r d e W u l f e N y s , L o u - vain, 1911,1.1, págs. 33 e segs.: “É missão da Igreja anunciar ao mundo a verdade revelada. Sendo essa a sua missão, não admite que se atente contra o ensinamento divino. Ela respeita a liberdade da Ciência e da Filosofia, até e enquanto os cientistas e os filósofos não se ponham em oposição às verdades que ela sabe reveladas por Deus e, por conseguinte, indubitavelmente verdadeiras”. (...) “A doutrina revelada não é para o filósofo e para o cientista um motivo de adesão, uma parte direta de conhecimentos, mas uma salvaguarda, uma norma negativa.” No mesmo sentido se expressa J a c q u e s M a r it a in : ‘‘A Teologia ou ciência de Deus, enquanto se deu a conhecer a nós pela revelação, está acima da Filosofia. A Filosofia lhe é submetida não em seus princípios, nem em seu desenvolvimento, mas em suas conclusões (sic), sobre as quais a Teologia exerce controle, constituindo assim regra negativa para a Filosofia”. (Introdução Geral à Filosofia, trad. bras., Rio, 1948, pág. 88.)

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    Houve várias formalidades dessa teoria. Umas mais brandas, outras menos rígidas, mas em toda a evolução positivista até nossos dias prepondera a idéia central de que a Filosofia é a expressão da própria Ciência, confundindo-se essencialmente com ela.

    Os Neopositivistas

    5. Para o neopositivismo contemporâneo, para o chamado Círculo de Viena, assim como para a Escola Analítica de Cambridge e todas as suas derivações, a Filosofia não é senão uma teoria metodológico- lingüística das ciências, uma análise rigorosa da significação dos enunciados das ciências e de sua verificabilidade, visando, segundo alguns, a purificá-las de “pseudoproblemas”. Daí a importância absorvente que na corrente neopositivista assume a Lógica matemática ou a Lógica simbólica, ou, de maneira mais geral, a Nova Lógica. Todavia, a Nova Lógica possui validade objetiva e independe de correntes filosóficas, não representando senão o ponto extremo de uma exigência de “formalização” já ínsita no desenvolvimento da Lógica clássica.

    Sem confundir, pois, o campo da Logística com o do neopositivismo, podemos dizer que, nesta corrente, a Filosofia consistiria em esclarecer e precisar os meios de expressão do conhecimento científico, para apurá-lo, ou melhor, depurá-lo de equívocos e pseudoverdades. Lembrem- se, a propósito, estes aforismos de Ludwig Wittgenstein em seu Tracta- tus Logico-Philosophicus: “O objeto da Filosofia é a clarificação lógica dos pensamentos, A Filosofia não é uma teoria, mas uma atividade. Um trabalho filosófico consiste essencialmente de elucidações. O resultado da Filosofia não são ‘proposições filosóficas’, mas é tomar claras as proposições”3.

    3. L. W it t g e n s t e in , Tractatus Logico-Philosophicus, Londres, 5* ed., 1951, pág. 77. Sobre o positivismo lógico em geral, v. a seleção de ensaios organizada por H e b e r t F e ig l e W il f r ie d S e l l a r s , Readings in Philosophical Analysis, Nova Iorque, 1949; R ic h a r d V o n M is e s , Positivism, a Study in Human Understanding, Cambridge, 1951; H a n s R e ic h e n b a c h , The Rise o f Scientific Philosophy, Berkeley e Los Angeles, 3a ed., 1956; J u l iu s R. W e in b e r g , Introduzione al Positivismo Logico, trad. deL. Geymonat, 1950; A. J. A y e r , Language, Truth and Logic, Londres, 1936. Para mais recente bibliografia, v. nosso livro Experiência e Cultura, cit.

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    A Filosofia não teria de fazer indagações sobre o ser, pondo ou alimentando problemas metafísicos, dos quais não é possível dizer que sejam verdadeiros, nem falsos, mas apenas destituídos de sentido. A Metafísica é expressão que não tem significado aos olhos do neopositivismo. O problema ético mesmo é algo que desborda do campo específico da pesquisa, científica, porquanto depende de cada indivíduo, de seus pendores e inclinações, de emoções variáveis e imprevisíveis, sem garantia de verificabilidade.

    Segundo o ponto de vista, por exemplo, de Hans Reichenbach, é impossível falar-se em “verdade moral”, porque a verdade é apenas atributo dos enunciados lógicos, e não de uma diretiva do comportamento humano. Uma diretiva não pode ser classificada como “verdadeira” ou “falsa”, porquanto estes predicados só se aplicam a enunciados, ou seja, a proposições, as quais podem ser ou sintéticas ou analíticas. Para explicar melhor a posição dos neopositivistas toma-se necessário abrir aqui um parêntesis sobre as possíveis espécies de juízos4.

    Dizem-se analíticos os juízos que são puramente formais: o predicado de tais juízos nada acrescenta ao sujeito; apenas toma explícito ou desenvolve rigorosamente o que no sujeito já se contém, Assim, se digo: “o todo é maior que a parte”, estou predicando do “todo” o que evidentemente está implícito em seu conceito, sem necessidade de recorrer, para tanto, a qualquer dado da experiência.

    Os juízos sintéticos, ao contrário, são fundados na experiência, e como tais são a posteriori: o que seu predicado expressa não está contido no conceito do sujeito, mas representa algo que se acrescenta ao sujeito por via empírica. Se digo: “Esta gramática é de língua portuguesa”, afirmo algo que não se contém no simples conceito de gramática, que podia ser de francês, de alemão etc.: a asserção só pode resultar da experiência.

    Ora, segundo os neopositivistas os juízos analíticos são todos tautológicos (daí o seu rigor formal), enquanto que os sintéticos são todos necessariamente empíricos. Como veremos, na Filosofia de Kant põe-se uma pergunta essencial sobre a possibiüdade de uma terceira espécie de

    4. Sobre o que se deve entender por juízo, v., infra, § 18, págs. 59 e segs. Quanto às espécies de juízo, v. § 36-A, págs. 106 e segs.

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    juízos: os “juízos sintéticos apriori”, entre os quais figuram os da Matemática.

    Declaram os neopositivistas que as proposições sintéticas nos informam sobre questões de fato, enquanto que as analíticas, como as da Lógica e da Matemática, são vazias, destituídas de conteúdo, quando não meras “fórmulas lógico-lingüístícas”: a Ciência, por isso, nos diz o que é. e não o que deveria ser. Desse modo, não se pode conceber a Moral como um sistema de conhecimentos ou de certezas, mas sim como uma provisão ou estoque de diretrizes ou imperativos, variáveis no tempo e no espaço, imperativos que, lingüisticamente, não são mais que expressões de decisões volitivas de origem social: “A fricção das volições entre si é a força motriz de todo o desenvolvimento ético. Poderemos, conclui Reichenbach, admitir que a força desempenha um papel eminente nas transformações da hierarquia dos valores morais, se a definirmos por qualquer das formas de sucesso na afirmação da vontade própria perante a das demais pessoas”5.

    Não é diversa a opinião de Camap, sintetizando, de certa forma, a dos “empiristas lógicos” em geral: “As afirmações hipotéticas da Metafísica, da Filosofia dos valores, da Ética — quando seja esta tratada como disciplina normativa, e não como uma pesquisa psicossociológica de fatos — , constituem pseudo-afirmações; elas não possuem conteúdo lógico, sendo apenas expressões de natureza emocional que, por sua vez, estimulam emoções e movimentos volitivos naqueles a que se destinam”6.

    Perante o positivismo de inspiração comteana, revelam os adeptos do neopositivismo, ou empirismo lógico, um cuidado maior na determinação das condições formais da investigação científica, baseados sobretudo no princípio de convencionalidade de seus pressupostos e no de verificabilidade.

    Partindo da distinção radical entre proposições verificáveis (e como tais dotadas de sentido) e proposições inverificáveis (e como tais destituídas de sentido) acabam, no entanto, excluindo sumariamente da Filosofia problemas que lhe são essenciais, ficando tudo subordinado aos

    5. Hans Reichenbach, op. cií., págs. 276 e segs.6. R u d o l f C a r n a p , The Logical Syntax o f Language, Londres, 1937, pág. 278.

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    horizontes do conhecimento científico-positivo. Daí resultarem afastados do domínio científico ou filosófico, na maioria desses autores, não só a Metafísica e a axiologia, como também a Moral e o Direito, tal como teremos a oportunidade de examinar no decurso deste livro7.

    É curioso observar que alguns marxistas chegam a conclusões semelhantes à dos neopositivistas, como é o caso de Althusser, para quem a Filosofia se reduz às leis do pensamento, “como podem ser inferidas da história das ciências”8.

    Fazendo abstração de diferenças particulares, mister é reconhecer em todas as formas de positivismo uma idéia central no sentido de subordinar a Filosofia às necessidades ou às coordenadas do saber científico positivo, concebendo-a como Metodologia da Ciência, ou Teoria das Ciências. No fundo, o que dita a atitude positivista é o prisma histórico com que pode ser focado o problema, no sentido de um saber f i losófico inicial que, no decorrer das Idades, ter-se-ia desmembrado em ciências particulares (a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Sociologia, a Política, a Economia, o Direito etc.), sem deixar resíduos, ou deixando apenas a missão residual de uma composição de resultados em uma visão unitária (aspiração do positivismo clássico), ou a verificação das significações com o rigor técnico expressional só peculiar às ciências mesmas (propósito dos neopositivistas).

    Em primeiro lugar, é discutível que os fatos se tenham passado segundo a explicação corrente de desintegrações progressivas, operadas em um saber inicialmente tido como de natureza filosófica. Se, de início, cuidavam os sábios e os filósofos, ao mesmo tempo e indistintamente, de problemas relativos a fenômenos que hoje as ciências da natureza ou as ciências do espírito consideram de seu âmbito respectivo, não é dito que a unidade amorfa e indiferençada do saber fosse de natureza filosófica, de uma Filosofia destinada a desaparecer à medida que fosse gerando, em seu seio, os filhos emancipados e rebeldes.

    7 . Sobre a repercussão do neopositivismo no campo do Direito, v. V ir g íl io G io r g ia n - n i , Neopositivismo e Scienza dei Diritto, Roma, 1 9 5 6 ; l u ig i c a ia n i , I Giudizi di Valore nell'Interpretazione Giuridica, Pádua, 1 9 5 4 , págs. 1 0 0 e segs.; e M ig u e l R e a l e . O Direito como Experiência, São Paulo, 1 9 6 8 , págs. 9 8 e segs.

    8 . A l t h u s s e r - L o u is — Lénine et la Philosophie, Paris, 1 9 6 9 , p á g . 4 7 .

  • 22 M I G U E L R E A L E

    Mesmo, porém, que não padecesse dúvida a história dos desmembramentos sucessivos da Filosofia, como mathesis de todos os conhecimentos positivos, ainda assim restaria indagar da existência ou não de algo não resolvido pelo processo da cientificarão do saber.

    Será exato dizer que a filosofia é apenas Metodologia das ciências, a Linguagem das ciências, ou a Enciclopédia das ciências? A nosso ver, tais afirmações não oferecem possibilidade de resposta a uma objeção fundamental, que é a seguinte; admitido que a Filosofia tenha a função de apreciar os resultados das ciências, de ser “a crítica da linguagem científica”, caberá saber com que critério ou medida se vão cotejar os resultados das pesquisas reaüzadas nos diversos domínios do saber. Pode a Ciência mesma oferecer os critérios de sua validade? É o que passaremos a averiguar.

  • C ap ítu lo III

    Autonomia da Filosofia — Seus M áxim os Problemas

    Perguntas Prévias

    6. À primeira vista, parece acertado dizer-se que a missão da Filosofia seja receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova, Mas, tudo isso envolve estas perguntas: — Com que critério se fará a síntese? Será essa síntese possível, ou necessária? Graças