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performatus.net 1 Inhumas, ano 5, n. 18, jul. 2017 ISSN 2316-8102 Entrevista com Zoravia Bettiol Davi Giordano Zoravia Bettiol 1 Entrevista a Davi Giordano, em 10 de maio de 2017 Zoravia Bettiol, Filomena na Escalada do Sucesso , 1994. Fotografia de Irene Santos DAVI GIORDANO : No ano passado (2016), você celebrou oitenta anos de vida e sessenta de profissão. Hoje você é reconhecida como uma das artistas brasileiras mais importantes, além de ser uma figura célebre para a história artística do Rio Grande do Sul, tendo já apresentado o seu trabalho em mais de 1 Zoravia Bettiol (Porto Alegre, RS, 1935) é artista visual, performer, curadora, arte-educadora e ativista política com oitenta anos de vida e sessenta anos dedicados à profissão. Sendo conhecida como uma das personalidades culturais mais importantes do país, principalmente do Rio Grande do Sul, a artista possui uma produção vasta que transita por diferentes linguagens, como gravura, desenhos, pinturas, arte têxtil, objetos, design de joias e cadeiras, performances, instalações e murais. O seu trabalho já foi apresentado em mais de 34 países, tendo realizado 137 exposições individuais pela América do Sul, Estados Unidos, Europa e Japão.

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Inhumas, ano 5, n. 18, jul. 2017

ISSN 2316-8102

Entrevista com Zoravia Bettiol

Davi Giordano

Zoravia Bettiol1

Entrevista a Davi Giordano, em 10 de maio de 2017

Zoravia Bettiol, Fi lomena na Escalada do Sucesso, 1994. Fotografia de Irene Santos

DAVI GIORDANO: No ano passado (2016), você celebrou oitenta anos

de vida e sessenta de profissão. Hoje você é reconhecida como uma das artistas

brasileiras mais importantes, além de ser uma figura célebre para a história

artística do Rio Grande do Sul, tendo já apresentado o seu trabalho em mais de

1 Zoravia Bettiol (Porto Alegre, RS, 1935) é artista visual, performer, curadora, arte-educadora e ativista política com oitenta anos de vida e sessenta anos dedicados à profissão. Sendo conhecida como uma das personalidades culturais mais importantes do país, principalmente do Rio Grande do Sul, a artista possui uma produção vasta que transita por diferentes linguagens, como gravura, desenhos, pinturas, arte têxtil, objetos, design de joias e cadeiras, performances, instalações e murais. O seu trabalho já foi apresentado em mais de 34 países, tendo realizado 137 exposições individuais pela América do Sul, Estados Unidos, Europa e Japão.

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34 países e realizado 137 exposições individuais. Muitas foram as pessoas que já

lhe entrevistaram e muitas coisas já foram escritas sobre o seu trabalho.

Contudo, em geral, os jornalistas, pesquisadores e crítica especializada se

interessam mais pelas suas produções ligadas às artes visuais. Para essa

entrevista, vou desvendar um olhar mais sensível sobre um campo menos

questionado em seu trabalho, que é a presença da Performance em suas

produções artísticas. Para começar, como a Performance entrou na sua vida?

ZORAVIA BETTIOL: A performance para mim é fascinante. Ela é uma

modalidade historicamente recente nas artes visuais que teve suas primeiras

manifestações na segunda metade do século XX, nos Estados Unidos.

Na minha infância, minha família morou um tempo em Erechim [RS,

Brasil] e era uma época na qual se apresentavam muitos circos na cidade e eu

dividia meu entusiasmo entre as matinês circenses e cinematográficas.

Colecionava fotografias de artistas de cinema e resolvi fazer um circo no

porão da minha casa. Para tanto, pegava as roupas e acessórios da minha mãe

para os figurinos e usava dois lençóis para criar as cortinas do palco.

Eu dirigia o circo que apresentava números de malabarismo, equilibrismo

e danças.

Sabe-se que na infância, principalmente nas dos artistas, as vivências e

situações marcantes muitas vezes são transmutadas, posteriormente, em

produções artísticas. Realizei, em 1967, a série de xilogravuras Circo.

Zoravia Bettiol, O Circo vem Aí, da série Circo, 1967

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Zoravia Bettiol, Cadeira da Bruxa, da série Cadeiras, Pra Que Te Quero?, 2004

DAVI GIORDANO: A Exposição “Zoravia Bettiol – O Lírico e o Onírico”,

com curadoria de Paula Ramos e Paulo Gomes, que aconteceu nos meses de

outubro a dezembro de 2016 no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (em Porto

Alegre), marca esse rito simbólico de retrospectiva importante em sua trajetória.

A exposição contempla grande parte de sua produção com gravuras, desenhos,

pinturas, arte têxtil, objetos, design de joias, moda, imagens, tapeçarias e

instalações. O trabalho que me chamou mais atenção foi a sua série de

fotoperformances Sentar, Sentir, Ser, que você iniciou em 2005 e terminou no

ano de 2016. Você cria uma série de ações que fazemos quando esperamos algo

sentados. O mais interessante é que você cria poses com bastante ironia e

humor. Como surgiu a proposta dessa série de fotoperformances?

ZORAVIA BETTIOL: Eu sempre trabalho com séries e, como sou artista

visual e designer e sou encantada por cadeiras, realizei a série Cadeiras, Pra Que

Te Quero?, criando 39 cadeiras. Acredito que como uma decorrência das

cadeiras, comecei a pensar: “Quantas ações fazemos no ato de sentar?”,

“Quantas horas de uma vida um ser humano passa sentado?”,

aproximadamente um terço de sua vida. Então resolvi criar essas ações

colocando humor e ironia e algumas têm até um certo lirismo. Fiz desenhos de

estudo. Ilustrei vinte e sete ações, que são aquelas que estão [na série Sentar,

Sentir, Ser] da exposição que você menciona. Os títulos das imagens receberam

verbos no infinitivo que são as ações como celebrar, comer, convalescer, divertir-

se, embelezar-se, esperar, fofocar, magicar, namorar, politicar, rezar, trabalhar,

viver...

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Sentamos para fazer as refeições. Sentamos para nos locomover de

ônibus, trem, carro e avião. A maioria das pessoas trabalha sentada. Grande

parte das diversões são as realizadas sentado.

Zoravia Bettiol, Magicar, da série Sentar, Sentir, Ser, 2006.

Fotografia de Daniel de Moura Rodrigues

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Zoravia Bettiol, Governar, da série Sentar, Sentir, Ser, 2006.

Fotografia de Daniel de Moura Rodrigues

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DAVI GIORDANO: Como esse tema do humor e da ironia foram

aprofundados e trabalhados por diversos ângulos?

ZORAVIA BETTIOL: Na ação de “Magicar”, por exemplo, eu mesclei as

figuras do mágico e do palhaço. Acho que o palhaço simboliza o artista. O artista

dá o melhor de si. Não interessa se está com problemas gravíssimos, ele tem a

função de fazer o público refletir, divertir-se e desenvolver o senso crítico, o que

muitas vezes acontece por meio do humor. Nessa imagem, junto também a

figura do mágico porque acredito que a obra de arte necessita sempre do

fascínio que mobiliza a racionalidade e afeta a parte emocional do espectador. O

palhaço é o símbolo do artista e o mágico traz o encantamento que a arte

produz.

Na ação “Governar”, o leão é mais homem do que animal. Usei esta

imagem como metáfora do homem que virou fera e não o contrário.

Quanto ao meu processo criativo desta série, pensei primeiramente em

uma quantidade grande de ações e acabei escolhendo vinte e sete. Depois fiquei

pensando detalhadamente nas imagens destas ações e comecei a fazer os

esboços e fui aprimorando a composição. Em seguida, foram feitas as

fotografias, mas as minhas posições estavam duras e forçadas. Estudei as fotos

e pensei como cada posição, cada gesto meu tinha de ser mais espontâneo,

mais fluido e as expressões faciais bem diferenciadas.

Houve uma segunda sessão de fotos com melhor resultado e comecei a

pintar os fundos e os detalhes de cada obra.

Após a pintura das 27 obras, elas foram refotografadas e ampliadas no

tamanho de 59,5 x 42 cm. Resumindo, foram utilizadas a performance teatral, a

fotografia, a pintura e a reprodução seriada da imagem.

DAVI GIORDANO: Como você busca explorar a presença do seu corpo

nas fotografias?

ZORAVIA BETTIOL: Para fazer as fotografias, comecei a experimentar

as ações. Quando tinha que fazer as posições, os gestos também tinham que

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estar de acordo com elas. Esta gestualidade está relacionada ao teatro. Eu

sempre tive paixão por teatro e cinema. Em um primeiro ensaio fotográfico, as

poses estavam muito comportadas e duras. Não gostei. Depois comecei a

experimentar poses mais dinâmicas e variadas. Percebi que não adiantava só

fazer as ações. Tive também que trabalhar as posturas para explorar justamente

a expressão do corpo. Essas poses foram fotografadas e considero que há um

registro de performance nessas imagens.

Zoravia Bettiol, Esperar, da série Sentar, Sentir, Ser, 2006.

Fotografia de Daniel de Moura Rodrigues

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DAVI GIORDANO: Dessa série de fotoperformances, a obra mais

emblemática e simbólica em relação ao momento atual do Brasil é “Esperar”,

em que você aparece sentada e envolta a uma teia de aranha com um tonel

cheio de projetos artísticos criados entre 2010 e 2016. O humor é típico do seu

trabalho e aparece em diversas outras obras, como, por exemplo, “O Descanso

do Empresário” da série Exuberância Primaveril I. A ironia sempre foi uma forma

de provocação do seu olhar sobre a realidade cotidiana e social? Em relação a

essas duas obras citadas, como você vê a questão do artista diante da situação

atual econômica e social do Brasil?

ZORAVIA BETTIOL: Eu acho que o artista, ao longo da história, é o ser

que sempre produziu nas melhores e nas piores condições, na paz e na guerra.

Acontece que o artista tem uma tenacidade e, às vezes, até uma obsessão de

expressão e comunicação através do seu ofício. O artista tem uma chama que

nada consegue combater ou extinguir, que é a pulsão de vida. E o que me

inspira? É a própria vida. Um mês antes da minha retrospectiva, eu fiz outra

exposição, “Opressão e Libertação: O Eterno Confronto”, com quarenta e uma

obras. Criei cinco obras novas ligadas ao momento político atual porque as

loucuras de nosso país me impulsionaram que eu fizesse essa série. Em

qualquer latitude, subsistir economicamente só com arte, como é o meu caso, é

bastante difícil e requer mais trabalho e concentração. Procuro estar, como

cidadã, sintonizada com o que está acontecendo diariamente. Escolhi a obra

“Rezar” e a usei para criar meu cartão virtual de ano novo com o texto do

cartunista Santiago para criticar a política nos âmbitos internacional, nacional,

estadual e municipal. Inclusive criei esse cartão virtual de ano novo com humor

para desmoralizar os políticos do atual governo.

Durante muitos anos, achei que a minha arte e a minha vida se

desenvolviam paralelamente. Hoje vejo que arte e vida são entrelaçadas,

imbricadas. Não tem como separá-las. O meu corpo serviu de suporte para as

fotografias da série Sentar, Sentir, Ser. Eu também uso o meu corpo para usar

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minhas criações de joias, ornatos têxteis, como os headresses e indumentárias

relacionadas ao teatro e ao carnaval.

DAVI GIORDANO: Seria interessante que você comentasse como

trabalha o corpo como suporte para valorizar as roupas, objetos e joias que você

costuma criar na sua linha de moda.

ZORAVIA BETTIOL: Ao criar objetos, joias e roupas, eu gosto de

trabalhar com a possibilidade da transformação. Fiz, por exemplo, as joias

da Coleção Brasília e depois fiz a coleção de ornatos têxteis da série Oxumaré. A

minha filha, Nora Prado, costuma posar para as minhas produções de moda. Ela

é atriz e começou a trabalhar no teatro com dezesseis anos e é uma ótima

modelo. Eu gosto de mostrar, em duas ou três fotografias diferentes, a

possibilidade de uso de um mesmo ornato. Um mesmo cinto, por exemplo, pode

ser usado como colar. Penso que a fotografia funciona como um registro que o

artista precisa ter para vender e divulgar o seu trabalho.

Zoravia Bettiol, Fi lomena e o Impeachment de Collor , 1992.

Arquivo pessoal da artista

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Zoravia Bettiol, Fi lomena Organiza Votação, 2005.

Fotografia de Irene Santos

Zoravia Bettiol, Fi lomena: da Amazônia a Porto Alegre.

Fotografia de Kátia Schaffer

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DAVI GIORDANO: No campo da performance, você criou a personagem

Filomena que, junto com sua arara Tremelinda, se apresentam em museus,

eventos culturais e espaços públicos para criar conversas e interações com

diferentes públicos e transeuntes sobre assuntos ambientais com bastante

humor, ironia, irreverência e teatralidade. A personagem age de forma

politicamente incorreta, uma vez que a ironia é usada justamente para criticar

os diversos assuntos de forma lúdica e criativa.

A personagem foi criada em 1989 e segue até hoje. Seria interessante

que você comentasse um pouco sobre a história dessa personagem e dessas

performances que vem realizando.

ZORAVIA BETTIOL: Criei a personagem Filomena quando participei de

um curso sobre utilização de fibras naturais ministrado pela artista canadense

Inese Birstins, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, em 1989. No

curso, aprendi a fazer feltro e fiz algumas esculturas com essa técnica. Fiz

também uma peruca com lã natural que é empregada para se fazer feltro.

No ultimo dia do curso, resolvi fazer uma performance, As Realizações de

Filomena, para homenagear a Inese, e utilizei a peruca para caracterizar a

personagem e as esculturas em feltro. Utilizei cartazes, mímica, música do Nino

Rota e criticava a mulher do lar e o imediatismo do artista para obter sucesso

sem trabalhar. Utilizei o humor, a dança e a performance durou oito minutos.

Apresentei essa performance na Universidade Federal do Paraná e

também no Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Depois, em 1992, fiz Filomena

e o Impeachment de Collor, em que a personagem usava uma peruca verde e

amarela e vestia uma espécie de avental com texto pintado sobre as denúncias e

os abusos do governo Collor. Fui para a rua com outros artistas e intelectuais

durante a época do seu impedimento. Depois surgiu Filomena na Escalada do

Sucesso, que realizei no Santander Cultural, em Porto Alegre, em 2004. Nela, a

minha personagem deseja ser uma artista famosa. Porém, ela era tão superficial

que o sucesso dela é pequeno também. Mais adiante, numa outra perspectiva,

no projeto organizado pela Associação Riograndense de Artes Plásticas

Francisco Lisboa (Ass. Chico Lisboa), criei o Filomena Organiza Votação, em que

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ela pede aos transeuntes que votem para que se eleja a maior anta do Brasil. Ela

oferecia prêmios e férias com paraísos fiscais patrocinadas pelo corrupto Marcos

Valério. Apresentei essa performance quatro vezes durante a quinta Bienal de

Artes Visuais do Mercosul, em 2005, em Porto Alegre. Já em 2008, criei O Buffet

de Filomena, que integrou o evento “Essa Poa é Boa”, em Porto Alegre, que

aconteceu na abertura do evento no DC Navegantes e depois no parque

Farroupilha, juntamente com outros colegas também caracterizados com

perucas, avental e bandejas. O cardápio, com os nomes das bebidas e comidas,

se referia a políticos brasileiros safados e corruptos. Por último, comecei a

desenvolver a série Filomena e a Ecologia. A primeira Filomena foi Da Amazônia

a Porto Alegre, em que Filomena assume uma figura politicamente incorreta

semelhante aos grileiros, madeireiros e políticos corruptos, ao dizer que o

“progresso” invadiu a Amazônia. Depois, na segunda variação, De Brasília a

Porto Alegre, Filomena vem ao sul do Brasil para propor soluções ecológicas

mirabolantes. Ela se tornou amiga dos políticos de Brasília e propõe coisas

absurdas para o público. Nessa performance, o humor também é trabalhado

com a presença da arara Tremelinda. Uso a Tremelinda como um contraponto.

Ela é o Superego da Filomena, que completa, nesse ano, 28 anos de sua criação.

DAVI GIORDANO: Quando você realiza suas performances na rua e em

espaços públicos, como costuma ser a reação do seu público?

ZORAVIA BETTIOL: A rua é sempre um espaço interessante para

trabalhar. O que mais gosto de observar na rua é ver a reação das pessoas. Você

tem que estar preparado para todo tipo de reação. É preciso ter muita atenção,

sensibilidade e disponibilidade. Costumo fazer intervenções de no máximo

quinze minutos. Antes fazia só cinco ou oito minutos. Para mim, é muito difícil

trabalhar o humor. Se me pedem para fazer uma performance, eu preciso saber

muito bem qual é o objetivo. Preciso sempre analisar em que circunstâncias,

local, público etc. Se acho que não conseguirei, declino do convite.

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DAVI GIORDANO: Além de artista, você é também conhecida como

uma grande referência na área da Arte-Educação. Você poderia comentar um

pouco sobre como aproxima a sua atividade de criação com a pedagogia e a

experimentação do ensino da arte?

ZORAVIA BETTIOL: Eu sou arte-educadora. Isso está muito presente

no meu dia a dia. Tudo isso começou na minha infância quando,

espontaneamente e por decisão própria, ensinei mais de uma empregada

doméstica da minha família a ler e escrever. Por outro lado, na minha família, há

muitos professores, portanto, acho que já trago a didática no sangue. Sempre

gostei de dar aulas. Eu não gosto de ministrar cursos rápidos. Prefiro ministrar

um curso que tenha a duração de um ano, com uma aula por semana e

atividades para os alunos desenvolverem em casa também. Assim acho possível

a pessoa se aprofundar mais. Eu tenho um rigor em meu trabalho. Sou exigente

e quero que o outro progrida e que ele seja exigente consigo mesmo. Importante

que haja um comprometimento de ambas as partes. Contudo, acredito que a

pedagogia deve ser leve e não pesada. Isso acho sempre um grande desafio. Na

minha visão, o artista-orientador é sempre um meio. A finalidade é que cada um

se encontre e descubra quem é e consiga se expressar. Eu não quero ter pessoas

que imitem meu trabalho. O mestre abre caminhos e cada um segue sua própria

trajetória. No ano passado, fui a artista homenageada na Escola Projeto em

Porto Alegre. Os alunos desde dois anos até os mais velhos estudaram e

recriaram as minhas obras. Às vezes eu passo pela rua e uma criança grita

“Zoravia”. É importante que os alunos estudem e conheçam a obra dos artistas,

pois a arte é um meio muito forte na educação e na formação de cidadãos mais

sensíveis, críticos e corajosos.

DAVI GIORDANO: Se você tivesse que fazer uma revisão de suas

memórias, sendo uma artista com muita maturidade e trajetória de vida e de

profissão, quais são as orientações que você daria para a nova geração de

artistas?

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ZORAVIA BETTIOL: Eu sempre soube que um bom profissional é

aquele que dá o seu sangue. Para ser artista, tem que estudar e pesquisar muito

ao longo de sua vida. Isso é algo ininterrupto. Além disso, é importante acreditar

muito no seu trabalho e no que você tem para expressar. Outra coisa importante

é que cada artista tem que pensar como criar o seu público. Primeiro, minha

família começou a comprar os meus trabalhos. Depois os meus amigos

começaram a comprar e depois o grande público. Eu não sei como criar um

mercado. As coisas foram se ampliando naturalmente, pois nunca deixei de

fazer arte e isso já dura sessenta anos. Agora veja que o exemplo da Escola

Projeto me colocou em contato com as crianças que serão a nova geração de

público e espectadores de arte. Muitas crianças me disseram: “Minha mãe, meu

pai, meu avô e minha avó conhecem e têm o seu trabalho.” Então agora está

vindo uma terceira geração que acompanha o meu trabalho. A última coisa que

gostaria de transmitir para os novos artistas, e que vale também para qualquer

profissional, é algo que digo sempre para os meus alunos. Mesmo quando tudo

estiver ótimo em sua vida profissional, não se ache o rei ou a rainha da cocada. E

nem quando tudo está ruim, não se ache um coitado ou fracassado. Sempre há

altos e baixos. Para a tua saúde mental, fique no meio, porque o equilíbrio é

fundamental para se ter uma vida feliz que inclua projetos pessoais e projetos

voluntários coletivos.

PARA CITAR ESTE TEXTO

GIORDANO, Davi. “Entrevista com Zoravia Bettiol”. eRevista

Performatus, Inhumas, ano 5, n. 18, jul. 2017. ISSN: 2316-8102.

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

Edição de Da Mata

© 2017 eRevista Performatus e o autor