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performatus.net 1 Inhumas, ano 3, n. 14, jul. 2015 ISSN 2316-8102 MATÉRIA EM CONSTANTE MOVIMENTO: JOSEPH BEUYS E TIM INGOLD Renan Marcondes 1. Introdução: um homem que fala com lebres A poluição ambiental avança paralelamente à poluição do mundo dentro de nós. Joseph Beuys e Heinrich Böll Um dos trabalhos mais paradigmáticos da arte contemporânea, reproduzido em diversos livros e estudos sobre o tema, consiste em uma performance de alto teor simbólico realizada em 1965 na Galerie Schmela, em Düsseldorf, intitulada Como se explicam quadros a uma lebre morta. Nela, o artista passeia pelo espaço expositivo repleto de quadros, embalando uma lebre morta nos braços e explicando para ela o que é “arte” pelo período de três horas. Vestindo sapatos com sola de feltro e cobre, e com o rosto envolto em mel e ouro em pó, Joseph Beuys (1921 – 1986) interrompe a explicação prévia e se senta com ela em um banco para lhe falar murmúrios incompreensíveis. O artista alemão, autor desse e de tantos outros trabalhos marcantes da segunda metade do século XX, será discutido no presente artigo como um promotor de novas formas de se pensar a relação entre homem e natureza. No trabalho que citamos acima, por exemplo, essa nova forma pode ser indicada pelas simbolizações e relações entre os elementos utilizados pelo artista, conforme apontado pelo crítico Alain Borer: o mel, produzido pelas abelhas – de forma absolutamente organizada – e utilizado pelo homem, ao ser empregado na obra une os diferentes reinos, assim como estão unidos homem e lebre, cujo pelo pode ser entrelaçado e feltrado (assim como o feltro sobre o qual o artista pisa com seus sapatos). Porém, morta, a lebre se torna símbolo de renascimento e reencarnação de uma relação que só é possível a partir de uma

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Inhumas, ano 3, n. 14, jul. 2015

ISSN 2316-8102

MATÉRIA EM CONSTANTE MOVIMENTO: JOSEPH

BEUYS E TIM INGOLD

Renan Marcondes

1. Introdução: um homem que fala com lebres

A poluição ambiental avança paralelamente à poluição do mundo dentro de nós. Joseph Beuys e Heinrich Böll

Um dos trabalhos mais paradigmáticos da arte contemporânea,

reproduzido em diversos livros e estudos sobre o tema, consiste em uma

performance de alto teor simbólico realizada em 1965 na Galerie Schmela, em

Düsseldorf, intitulada Como se explicam quadros a uma lebre morta. Nela, o

artista passeia pelo espaço expositivo repleto de quadros, embalando uma lebre

morta nos braços e explicando para ela o que é “arte” pelo período de três horas.

Vestindo sapatos com sola de feltro e cobre, e com o rosto envolto em mel e

ouro em pó, Joseph Beuys (1921 – 1986) interrompe a explicação prévia e se senta

com ela em um banco para lhe falar murmúrios incompreensíveis. O artista

alemão, autor desse e de tantos outros trabalhos marcantes da segunda metade

do século XX, será discutido no presente artigo como um promotor de novas

formas de se pensar a relação entre homem e natureza.

No trabalho que citamos acima, por exemplo, essa nova forma pode ser

indicada pelas simbolizações e relações entre os elementos utilizados pelo

artista, conforme apontado pelo crítico Alain Borer: o mel, produzido pelas

abelhas – de forma absolutamente organizada – e utilizado pelo homem, ao ser

empregado na obra une os diferentes reinos, assim como estão unidos homem e

lebre, cujo pelo pode ser entrelaçado e feltrado (assim como o feltro sobre o qual

o artista pisa com seus sapatos). Porém, morta, a lebre se torna símbolo de

renascimento e reencarnação de uma relação que só é possível a partir de uma

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língua primordial e gutural: os murmúrios (BORER, 2001, p. 20). A imagem

solitária do homem que tenta se comunicar de forma ritualizada com um animal

já morto sintetiza um interesse declarado do artista por uma revisitação de um

saber primitivo e por uma igualdade no diálogo entre homem e animal como

elementos necessários para se discutir, pensar e refletir não somente a respeito

da arte, mas acerca de uma nova sociedade crível.

Como é possível ver nesse breve exemplo, a produção artística de Joseph

Beuys promove um outro tipo de olhar sobre natureza, de caráter sinérgico e

coetâneo, o que leva ao nosso interesse de pensar sua produção por um viés da

coexistência entre forma e material na constituição de um “reino” que pretende

reconstruir espiritualmente a unidade do ser humano, “onde natureza e

civilização, ser humano e técnica, arte e vida, teriam suas dimensões igualadas”

(ROSENTHAL, 2002, p. 20).

Para tanto, colocaremos sua produção em relação às recentes teorias do

antropólogo britânico Tim Ingold, que propõe uma revisão dos termos

“natureza” e “cultura” e dos usos que deles fazemos, pensando a relação do

homem com o seu ambiente de modo coetâneo e sinérgico. Autor de livros como

Being alive (2011), The perception of environment (2001) e Making (2013), Ingold

– ainda não traduzido no Brasil1 – realiza constantes entrecruzamentos entre a

antropologia e as artes. Mesmo sem analisar diretamente a produção de Beuys

em seus textos, suas reflexões fornecem outros caminhos para pensarmos a

produção do artista, uma vez que a sinergia pensada por Ingold conversa

diretamente com a “fusão entre ecologismo radical e estética pós-moderna” no

projeto artístico de Beuys, que é acompanhada pela “falta de uma distinção

significativa entre humanidade e o resto da natureza” (GANDY, 1997, p. 638).

É importante o termo projeto para introduzirmos o artista pois suas

obras sempre se destinam a um objetivo maior, que visa, dentre outros fatores,

a reestruturação de uma economia baseada num imperativo ecológico,

reformulando o organismo social – o qual Beuys chama de escultura social. Esse

projeto tem como alicerces a sabedoria mitopoética criada a partir de sua própria

1 As traduções para o português contidas no artigo foram realizadas por Renan Marcondes.

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história pessoal e de uma série de partituras (grandes diagramas simbólicos e

textuais) que são resultantes de suas aulas e palestras.

Dessa forma, mesmo sem uma preocupação cronológica2, o artigo se

debruçará sobre algumas obras de Beuys que se agrupam a partir do

entrecruzamento entre o artista e Tim Ingold, uma vez que as obras nos levarão

aos questionamentos de Ingold acerca do olhar socialmente dado aos materiais,

que condiciona nossos modos de relação e sensibilidade para com o mundo

material e os tornam meramente utilitários. Iniciaremos com a constituição do

mito de Beuys e a importância desse ponto de partida para sua produção

posterior, ainda com grande caráter escultórico, porém com um modo de

tratamento dos materiais e resolução formal das obras que se distancia da

lógica utópica da modernidade artística, dando espaço para uma existência

concreta dos seus principais materiais (o feltro e a gordura animal). Em um

segundo momento, olharemos para alguns desenhos e anotações de Beuys,

comparando uma forma recorrente neles e na argumentação de Ingold: a forma

espiralada. Com esses breves estabelecimentos de relação, veremos em Beuys

modos de articulação concreta das proposições teóricas de Ingold.

2. Forma e matéria

Em ações concretas, Beuys traz para o espaço retangular de uma galeria vários pacotes de gordura. Abre-os, empilha-os e amassa tudo, de modo que o material se torne plasticamente maleável. Então ele aplica essa gordura a um ou mais cantos, alisando-a ao máximo. Depois contempla, analisa o todo por algum tempo e, a seguir, deixa a sala. Assim como se aplica óleo na cabeça do moribundo no sacramento da extrema-unção, o espaço humano, marcado pelo ângulo reto, é ungido nas ações do artista, para que possa estar à altura do futuro orgânico, das leis da vida e crescimento da natureza.

Volker Harlan 2 Como analisaremos as obras sem explicitar a relação entre sua forma e o percurso do artista, que é essencial para a compreensão aprofundada das transformações e principalmente para um aumento de proposições e intervenções de caráter mais performativo e intervencionista na fase final da produção, é importante citar brevemente sua passagem pelo grupo Fluxus (movimento vanguardista liderado por Nam June Paik e George Maciunas) durante os anos de 1960, e a posterior inclusão em diversos projetos sociais como a Organização pela democracia direta via plebiscito, a Organização para não-votantes e, principalmente, a fundação da Universidade Livre Internacional, em 1974, que coincide com a reformulação da teoria de escultura social a partir de seus estudos sobre a estrutura das plantas (vista na segunda parte do artigo) em comparação com a sociedade, ou, nas palavras do artista: o organismo social. A partir dessa vivência, cada vez mais as aulas e ações públicas tomam grande parte de sua produção, e o homem passa a ser considerado como um dos materiais essenciais a serem trabalhados e esculpidos. A relação entre o homem e seu entorno, agora não mais evidenciada apenas pelas propriedades da matéria em relação ao corpo – como nos trabalhos anteriores – opera também via discursos, performances e ações públicas.

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O artista Joseph Beuys, após ter participado da Segunda Guerra Mundial

como soldado da Alemanha nazista, retira-se em um longo período de exclusão

marcado por uma profunda crise pessoal, interrompendo a sua produção

durante os anos de 1950. Ao retomá-la, o artista narra constantemente uma

história sobre sua participação na guerra, que inclui uma experiência de quase

morte e que descreve principalmente o encontro afetivo com os materiais que

serão recorrentes em sua produção futura. Sem nunca ter comprovado os fatos –

de caráter altamente simbólico –, a história é geralmente nomeada como uma

lenda. Citamos um trecho dela, transcrita por Alain Borer em um denso texto

sobre a obra do artista, que servirá como uma das bases para nossa

argumentação:

Ainda jovem, começou o estudo de medicina, pretendendo devotar-se aos mais humildes, esse desejo, no entanto, foi destruído quando pilotava o seu Stuka, depois de ingressar na Luftwalle em 1941. No ano de 1944, aos 22 anos, ele miraculosamente escapou da morte na Ásia. O seu avião, um JU 87, caiu numa região coberta de neve chamada Crime ou Crimeia. Joseph ficou inconsciente por vários dias, semicongelado, foi levado por genuínos tártaros, que cuidaram de suas chagas. O povo, natural do lugar, logo o tomou por um dos seus: “Du nix Njemcky, du Tatar”3, e trouxe-o de volta à vida, enrolando-o em seus tradicionais cobertores de feltro e aquecendo-o com gordura animal (BORER, 2001, p. 13).

Essa lenda, constantemente atacada por diversos teóricos que duvidam

de sua veracidade, importa mais como elemento integrante do projeto artístico

de Beuys – que compreende um olhar afetivo e sensitivo em relação aos

materiais – do que como fato histórico a ser comprovado. Como nos coloca Alain

Borer, “a lenda de Beuys deve ser tida como 'verdadeira' não porque os fatos que

a alimentam sejam verdadeiros (eles nunca foram totalmente comprovados),

mas porque uma lenda não é nem verdadeira nem falsa” (ibid., p. 12).

Em outras palavras, interessa mais o reconhecimento corpóreo e,

poderíamos dizer, afetivo, que todos podemos ter da sensação de aquecimento

do feltro e da gordura, dois dos materiais mais usados pelo artista. Essa lenda

3 “Você não é alemão, você é tártaro”.

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demarca, em relação aos trabalhos anteriores, um processo de reconhecimento

do sensível nas obras de Beuys, que afirma: “Os homens de hoje não têm mais

conhecimento da essência das coisas [...] e nem do sentido da vida, ou do

sentido das relações com o mundo” (BEUYS apud BORER, 2001, p. 14).

Para pensar sobre a revisão dos sentidos em Beuys, olhemos para um

dos postulados de reversão citados por Borer ao introduzir o pensamento

poético do artista (BORER, 2001, p. 15). O segundo deles, denominado como

perda, consiste na percepção de uma redução da sensibilidade dos homens e da

tentativa constante do artista de revertê-la (daí o caráter reverso dos

postulados). O meio de operar contra essa redução será deslocar o olho e o corpo

do espectador de sua obra para a qualidade pura dos materiais, preocupação

próxima à de Tim Ingold, ao colocar a seguinte pergunta em seu livro Being alive:

“Que perversão acadêmica nos leva a falar não dos materiais e de suas

propriedades mas da materialidade dos objetos?” (INGOLD, 2011, p. 20). A

constatação feita é que o olhar que lançamos para o trabalho manual com os

materiais compreende todo o processo social que envolve sua produção (quem o

produziu, o contexto da produção, quais objetos produzidos etc.), porém nunca

olhamos para o material que o constitui. Somos culturalmente condicionados a

focar em processos de consumo em detrimento dos processos produtivos, o que

move nosso olhar para os objetos produzidos – e que contêm determinada

materialidade – e não para o material. Dito em outros termos por Ingold: “é por

isso que nós comumente descrevemos materiais como 'crus' mas nunca como

'cozidos' – pois a partir do momento em que eles se solidificam como objetos

eles já desapareceram” (ibid., p. 26).

Há um paralelo claro entre esse modo de visão teórica e grande parte da

história da arte ocidental, uma vez que ambas compreendem as substâncias

materiais do mundo como tábula rasa para a inscrição de formas ideais. É

preciso lembrar, inclusive, que Beuys contraria o minimalismo, movimento

contemporâneo a Beuys no qual a “noção de real significado de se descobrir

‘como é o mundo’ excluía a possibilidade de formularmos qualquer hipótese

estética segundo a qual pudéssemos investigar em profundidade o centro da

matéria e dar-lhe vida metaforicamente” (KRAUSS, 2002, p. 303). Negando a

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“interioridade da forma esculpida” (ibid), escultores minimalistas como Donald

Judd ou Carl Andre colocavam a ideia em primeiro plano, subjugando a matéria a

formas mínimas como cubos, retângulos etc. Em Ingold, podemos perceber

como esse posicionamento dialoga com uma visão mecanicista da natureza, na

qual a imersão do criador “foi gradualmente suplantada pelo trabalho operativo

cujo trabalho era colocar em movimento um sistema exterior de forças

produtivas, de acordo com os princípios do funcionamento mecânico” (INGOLD,

2011, p. 295).

Poderíamos dizer que Beuys, contrariando uma racionalidade

dominadora da matéria pressuposta no minimalismo, retoma uma importância

do espaço interior da forma escultural visto durante a primeira metade do século

XX4. Em um paralelo com os anéis de um tronco de madeira, Rosalind Krauss

demonstra a importância de um núcleo interno que mantém viva a energia da

matéria para os artistas modernistas:

A importância simbólica de um espaço interior, central, de onde provém a energia da matéria viva, a partir do qual sua organização se desenvolve como os anéis concêntricos que anualmente se formam em direção ao exterior a partir do núcleo constituído pelo tronco da árvore, tinha desempenhado um papel crucial na escultura moderna. Isso porque, na medida em que a escultura do século XX rejeitou a representação realista como sua principal ambição e voltou-se para jogos bem mais genéricos e abstratos da forma, surgiu a possibilidade – o que não se deu com a escultura naturalista – de que o objeto esculpido fosse visto como nada senão matéria inerte (KRAUSS, 2002, p. 301).

Porém – como Krauss argumenta –, não era o interesse desses artistas

fornecer o material não transformado ao espectador, o que em Beuys surge

como um dos principais fatores da obra. O uso da gordura animal, por exemplo,

permite que reflitamos “sobre o material antes da forma” (BORER, 2001, p. 15),

uma vez que ela possui um movimento próprio da sua relação sensível com o

calor. É essencial para Beuys as propriedades de cada material em relação à

4 Cf. KRAUSS, Rosalind. “O duplo negativo: uma nova sintaxe para a escultura”. In: Caminhos da escultura moderna.

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transmissão de calor5, uma vez que “observar as reações de materiais sensíveis

ao calor também é um modo de investigar a relação entre movimento e forma”

(ibid.). Em obras como Sala com gordura em Lucerna ou FOND III (ambas de

1969), podemos perceber como a forma de organização espacial e os materiais

usados dialogam diretamente com a transmissão de calor entre corpo humano e

material: Na primeira obra, o artista preenche as quinas da sala de exposição

com gordura, substituindo os ângulos retos por massas que os arredondam; em

FOND III, o artista dispõe, no espaço expositivo, diversas pilhas de feltro com

chapas de cobre sobre cada uma, ligadas a um fio condutor, criando sistemas de

fluxo, condensação e dispersão do calor que alteram diretamente o material

(como no caso da gordura na sala, uma vez que ela é colocada nas áreas mais

quentes do espaço) ou que simplesmente agrupam em áreas da sala

quantidades extremas de calor (uma vez que o calor contido nas placas de cobre

não se dissipa com o feltro).

Em Beuys, é a propriedade da matéria que constitui a obra, uma vez que

“ante a matéria e, se pode dizer assim, antes da forma, antes de dar a forma,

Beuys convida a apreender a dar próprias substâncias às potencialidades que

elas encerram e, por conseguinte, às nossas” (ibid.). Essa aproximação entre o

objeto de arte e um organismo vivo, que dialoga diretamente com outro (o

observador), nos reporta a Tim Ingold no capítulo “Sobre tecer um cesto”, de seu

livro The perception of environment (2001). Nele, o autor propõe o entendimento

de que a ação de fazer é um modo de tecer, ao contrário do comum pensamento

de que a ação de tecer é um modo de fazer, pois na tecelagem há uma geração

da forma que parte diretamente da relação entre a matéria e o artesão.

Para desenvolver seu argumento, Ingold se reporta à divisão entre forma

e substância, que, para o autor, implica a relação entre a especificação do objeto

e os materiais brutos que o constituem, respectivamente. No caso dos seres

vivos, poderíamos dizer que a forma é gerada internamente, uma vez que são os

genes que indicam a estrutura formal primeira do ser; já no caso dos objetos,

5 Vemos em Borer que “O be-a-bá dessa linguagem [de Beuys] implica reconhecer que o feltro, por exemplo – cujas fibras de origem animal entrelaçadas deixam circular o ar em seus espaços –, é um excelente isolador de calor, ou que a cera de abelha, um bom isolante, é também um mau condutor de calor, uma vez que o absorve muito lentamente, ou reconhecer que o cobre, um isolante medíocre, é um excelente condutor de calor ou de eletricidade” (BORER, 2001, p. 15).

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essa relação é invertida: a “forma é aplicada de fora, ao invés de ser revelada de

dentro” (INGOLD, 2001, p. 339). Nos objetos, em uma primeira instância é o

mundo das substâncias, da matéria pura, que precisa se apresentar ao feitor do

artefato como substância para ser transformado.

Mas Ingold prossegue, em uma pergunta que Beuys pode já ter feito

antes de passar mel em seu rosto, na performance de 1965: E por que uma

colmeia de abelha não poderia ser um artefato, uma vez que é decorrente da

aplicação de uma força externa sobre um material bruto? Uma visão

padronizada dessa distinção responderia que o que torna o objeto produzido um

artefato é a possibilidade de projeção humana (ou seja, de idealização) antes de

sua execução. Essa separação “metafísica” entre mente e natureza supõe que a

forma dos objetos tem sua origem na mente humana, como “soluções

preconcebidas e intelectuais para problemas particulares de design” (ibid., p.

340). Encontramos na constatação do seguinte problema por Ingold a chave

para sua relação com Beuys: “Se o fazer significa a imposição de uma forma

conceitual na matéria inerte, então a superfície do artefato vem representar

muito mais que uma interface entre substância sólida e o meio gasoso; ela se

torna a própria superfície do mundo material da natureza ao confrontar a mente

humana criativa.” (ibid.)

Para Ingold e Beuys, o fazer está vinculado mais a um processo de

diálogo e coexistência com o material do que à imposição de formas externas

sobre ele. Se vemos demonstrado esse interesse nos materiais em constante

transformação de movimento e calor em relação aos outros corpos e ao espaço,

encontramos em seus desenhos e diagramas outros eixos de representação e

visualização dessas questões. Porém, para chegarmos aos desenhos, voltemos

antes à argumentação de Ingold sobre o fazimento como um modo de

tecelagem para ver uma forma específica que demonstra esse diálogo entre

forma imposta e crescimento orgânico: a espiral.

3. A forma espiralada e a natureza

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O mundo de nossa experiência está, de fato, continuamente e eternamente se construindo ao redor de nós enquanto tecemos. Se há uma superfície, é como a superfície de um cesto: não tem “dentro” ou “fora”. A mente não está acima, nem a natureza abaixo; ao contrário, se nós nos perguntarmos onde a mente está, ela estará na tecelagem da própria superfície.

Tim Ingold

O fazimento como um processo de diálogo entre a aplicação de forças

internas e a força constituinte da própria forma do artefato é exemplificado por

Ingold através da forma do cesto. Construído a partir do entrelaçamento das

fibras em um processo de tecelagem, “a atual e concreta forma do cesto não

parte da ideia. Ela surge através do gradual desenrolar do campo de forças

armado através do engajamento sensitivo e ativo do praticante e do material”

(INGOLD, 2001, p. 342). Como já citado, o exemplo vem demonstrar a inversão

proposta por Ingold entre a ação de fazer e tecer: em vez de pensarmos a

tecelagem como um dos modos de fazer, o autor propõe pensar o tecer como um

modo de fazimento, processo de constante embate de forças que cria um campo

que “não é nem interno ao material nem interno ao praticante (por isso externo

à matéria); ao contrário, ele atravessa a superfície emergente entre eles” (ibid.).

É central para a argumentação do autor a forma espiral que se dá no

processo de entrecruzamento das fibras. Contrapondo um desenho da forma do

cesto feito pelo antropólogo Franz Boas com uma imagem da concha de um

molusco feita pelo biólogo D’Arcy Wentworth Thompson, Ingold demonstra

como em ambos os casos “a forma aparenta emergir com uma certa

inevitabilidade lógica do próprio processo, de enrolamento no primeiro caso [o

cesto] e sedimentação no segundo [a concha]” (ibid., p. 343). Essa recorrência da

forma tanto na natureza quanto no artefato encontra-se também em Beuys,

porém a partir da forma das plantas, como representação gráfica de processos

naturais como percebidos pelo artista.

Em um estudo minucioso sobre o processo de formação das teorias que

movem a produção de Beuys, Volker Harlan encontra diversas aparições das

espirais. Elas aparecem primeiramente em anotações e esboços nas margens

dos livros de Rudolf Steiner, grande influência teórica para o artista, que o leu

aos 26 anos, em 1947, antes da produção das obras analisadas neste artigo.

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Nessas anotações, a espiral surge tanto como uma forma circular que volteia ao

redor do seu eixo quanto como espirais ascendentes e descendentes, que se

unem numa formação gráfica que remete a uma flor (figuras 1 e 2).

F iguras. 1 e 2: Aparecimentos da forma espiralada nos desenhos de Joseph Beuys

Ao comparar com desenhos posteriores do artista, datados de 1970,

Harlan nota a semelhança formal entre o esquema morfológico de uma planta e

as formas espiraladas que o artista desenha. Como analisa o estudioso

Também aí se reconhece que a intenção do artista é representar a formação do tipo planta; quando a planta floresce, os cotilédones caíram, secos, há muito tempo. Girando em forma de espiral e balançando levemente, sobe pelo meio do desenho uma linha que se expande e, em seguida, contrai-se numa pequena estrutura, antes de continuar a subir e de partir, em linhas circulares, rumo ao centro (HARLAN, 2010, p. 33).

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Essas espirais, que geralmente aparecem em trios, partem dos estudos

do artista sobre a estrutura tripartida das folhas6, mas vão gradualmente se

estendendo à sua compreensão do organismo social. Curiosamente, em um dos

diagramas feitos pelo artista (figura 3), a espiral aparece como parte central

desse trio, entrecruzamento entre os polos da forma e do caos (sempre

representados com um triângulo e um quadrado, respectivamente). Estaria aqui

um caminho de aproximação com Ingold, ao propor a forma espiralada como

amálgama do embate entre forma idealizada e inexatidão formal do processo de

fazimento?

Figura 3: Diagrama de Joseph Beuys

Simbolicamente, as estruturas circulares se traduzem nas obras de

Beuys como o constante movimento das matérias usadas pelo artista em sua

obra, que se dá pela interface entre “objeto (organismo ou artefato)” e

“ambiente”. Assim, homem, gordura, planta fazem parte de um mesmo

6 Beuys toma como base a aplicação feita por Steiner dos três princípios alquímicos (enxofre, mercúrio e sal) para a formação da estrutura das plantas: ao processo de transformação e metamorfose das plantas, Steiner denomina mercúrio; à formação de raízes, sal; ao processo de florescimento, enxofre (HARLAN, 2010, p. 30).

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ambiente no qual “as propriedades dos materiais são diretamente implicadas no

processo de geração da forma” (INGOLD, 2001, p. 345).

Porém, além do simbolismo, a estrutura cíclica e espiralada nos remete

às esculturas citadas na primeira parte do artigo, pois a forma espiral

compreende, para Beuys, principalmente a movimentação inerente a todo

organismo em funcionamento, nos reportando novamente a Ingold, para o qual

“inverter o fazimento e a tecelagem é também inverter ideia e movimento, ver o

movimento como verdadeiro gerador do objeto e não como mero revelador de

um objeto que já está presente, em uma forma ideal, conceitual ou virtual”

(ibid.). Essa movimentação opera tanto nos materiais – como já vimos – quanto

na própria atitude do artista em relação à sua obra: ao propor para a documenta

de Kassel o trabalho 7000 Carvalhos, no qual plantava sete mil árvores pela

cidade, colocando, ao lado de cada uma, pedras de basalto, Beuys demonstra

profunda compreensão de que “o artista se envolve no mesmo sistema do

material com o qual trabalha, assim sua atividade não transforma o sistema

mas é – assim como o crescimento das plantas e animais – parte e parcela da

própria transformação do sistema” (ibid.). Sem crer em um espaço para a criação

de uma obra que parta de sua individualidade, o artista apenas se movimenta

pelo espaço urbano e planta árvores. Aqui a “regularidade da forma e repetição

rítmica do mesmo movimento” (BOAS apud INGOLD, 2001, p. 345), vista por

Ingold como parte integrante do movimento autopoético de tecelagem, aparece

traduzido como uma grande ação artística e urbanística.

4. Considerações finais: Para um só futuro

Para concluir, citemos a expressão usada por David Adams em seu artigo

para definir o artista: um ecologista radical. Vimos que Beuys não desenvolve

sua arte apenas como representação indireta de conceitos ou de teorias sobre o

papel da arte para a transformação de um organismo social, mas sim como uma

apresentação direta desses conceitos, com a qual “a criação artística pode

diretamente transmitir as atitudes existenciais de um entendimento mais

profundo das relações naturais e ecológicas” (ADAMS, 1992, p. 26).

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Assim, ao falar que todo homem é um artista, Beuys deixa pressuposto

que o pensamento e a criatividade são motores para a escultura. Essa

movimentação desvia-se de um olhar para a produção artística como algo já

morto – cadáver que só pode ser contemplado de forma desinteressada7 –, e

recoloca-a como algo da ordem mágica, mística e religiosa. Seu trabalho, como

aponta Adams, solicita “um passo adicional, levando a novos conceitos de arte e

ciência, baseados na aquisição de um modo de pensar intuitivamente vívido e

consciente” (ibid., p. 28), unindo pensamento racional e intuitivo.

É com integração parecida que Ingold traça sua argumentação: para que

seja possível uma mudança de atitude em relação ao mundo, é preciso deixar de

olhar para a natureza como um conceito metafísico percebido culturalmente

como algo separado de nós e passar a pensar sobre um ambiente, no qual

estamos construindo ao passo que somos construídos8. Isso inclui um retorno a

outros tipos de saberes renegados pela ciência, o que o autor nomeia como

intuição ou ecologia sentiente, uma sabedoria “informal” ou “não autorizada”,

que agrega ao distanciamento científico uma sensitividade e capacidade de

resposta que vem da integração ao próprio meio (INGOLD, 2001, p. 25). E se a

arte, para o autor, “é a forma que é tomada pela nossa percepção do mundo,

guiada por orientações específicas, disposições e sensibilidades que nós

adquirimos ao termos coisas apontadas ou mostradas para nós no curso da

nossa educação sensória” (ibid.), vemos em Beuys alguma possibilidade de se

pensar a arte fora da chave dicotômica entre natureza e cultura, como uma arte

que olha para o mundo como ambiente, e que vê em si a possibilidade de

“desmantelar os repressivos efeitos do antigo organismo social que continua a

vigorar [...] e deve ser desfeito para a construção do organismo social

7 Diversos teóricos da arte contemporânea, como Boris Groys e Jacques Rancière, situam a produção realizada desde o romantismo como um olhar desfuncionalizado para os objetos do mundo, tomando-os como mortos e não mais pertencentes ao mundo. Essa mudança no olhar do objeto artístico vem da necessidade dos revolucionários da Revolução Francesa de lidar com os objetos provenientes dos palácios tomados da monarquia. Conforme Boris Groys: “A Revolução Francesa transformou o design do Antigo Regime no que hoje chamamos de arte, ou seja, os objetos não de uso, mas de pura contemplação. Este ato violento, revolucionário, de estetização do Antigo Regime criou a arte como nós a conhecemos hoje. Antes da Revolução Francesa, não havia nenhuma arte – apenas design. Após a Revolução Francesa, a arte surgiu, como a morte de design” (GROYS, 2014, p. 6). Para mais, ver o artigo On art activism, de Boris Groys e a entrevista de Jacques Rancière a Laurent Jeanpierre e Dork Zabunyan no livro La méthode de l 'égalité. 8 [...] O meu ambiente é o mundo tal como ele existe e assume um significado em relação a mim, e, nesse sentido, sua existência e desenvolvimento se altera comigo e ao meu redor. Em segundo lugar, o ambiente não é completo. Se os ambientes são forjados através das atividades de seres vivos, então, desde que a vida continua, eles estão continuamente em construção. Assim também, é claro, são os próprios organismos (INGOLD, 2000, p. 20).

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como um trabalho de arte” (BEUYS apud ROSENTHAL, 2011, p. 113, grifo

nosso).

Figura 4: Detalhe de diagrama de Joseph Beuys

Como vemos no desenho acima, a relação entre homem e planta é

pensada de forma direta por Joseph Beuys, em uma clara metáfora acerca da

forma e dos processos biológicos de formação e da estrutura corporal desses

organismos. Não há distinção entre um homem, um coiote, um coelho ou uma

planta, da mesma forma que a obra de arte é entendida como “tanto algo que

resulta da ação do homem quanto uma obra da natureza” (HARLAN, 2010, p.

35). Talvez seja por isso que Beuys resolva se reportar a uma lebre morta para

falar de arte, mas em seus sussurros inaudíveis certamente fala para nós algo

sobre vida – ou ao menos um tipo de vida, já perdida ou ao menos já muito

imaginada – integrada ao meio no qual se insere, ou seja, “uma acepção na qual

a interioridade do homem estava também fora do ambiente, na qual a

consciência humana e o mundo externo são interdependentes” (ADAMS, 1992,

p. 28). Como a massa da gordura que vai lentamente se transformando e prova

que sua substância está em relação direta com seu ambiente, também o

homem e sua criatividade podem realizar o mesmo movimento.

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BIBLIOGRAFIA

ADAMS, David. “Joseph Beuys: pioneer of a radical ecology”. Art

Journal. V. 51, n. 2, p. 26-34, 1992.

BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

GANDY, Matthew. “Contradictory modernities: conceptions of nature in

the art of Joseph Beuys and Gerhard Richter”. Annals of the association of

American Geographers. V. 87, n. 4, p. 636-639, 1997.

HARLAN, Volker. “A planta como arquétipo da teoria da plasticidade e a

floresta como arquétipo da escultura social”. In: BEUYS, Joseph. Joseph Beuys:

a revolução somos nós. São Paulo: Edições SESC SP, 2010.

INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and

description. New York: Routledge, 2011.

_______ The perception of environment: essays on livelihood,

dwelling and skill. New York: Routledge, 2000.

KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo:

Martins Fontes, 2002.

ROSENTHAL, Dália. O elemento material na obra de Joseph

Beuys. Dissertação de mestrado. Campinas, SP: [s.n.], 2002.

_______ Joseph Beuys: o elemento material como agente social. ARS

USP. V. 9, n. 18, p. 110-133, 2011.

PARA CITAR ESTE ARTIGO

MARCONDES, Renan. “Matéria em Constante Movimento:

Joseph Beuys e Tim Ingold”. eRevista Performatus,

Inhumas, ano 3, n. 14, jul. 2015. ISSN: 2316-8102.

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

© 2015 eRevista Performatus e o autor