zinha 'e - página acadêmica de karin...

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I, ..... J r r. ....J ,.... t j ' _-3 J I , D2 / .J .( / .J J J ,"- (- o PRtNCIPE FEUZ THE HAPPY PRINCE 'A CARLOS BLACKER _/ Na parte mais alta da cidade, sabre uma elevada coluna, erguia-se a estatua do Principe Feliz. T6da coberta de leves f6lhas de Duro fino, tinha por olhos duas brilhan- t es safiras e urn grande nlbi vermelho refulgia no punho de sua espada. Era por isso muitissimo admirada . - E tao bela como urn cata-vento - observou urp. <los Conselheiros da Cidade, que desejava granjear fama de possuir g6sto artistico, acrescentando, no .receio de que nao 0 julgassem urn homem pratico, coisa que real mente nao era: - Embora nao seja tao uti!. - Por que nao es como 0 Principe Feliz? - perguntou uma mae a seu filhinho que chorava querendo a lua. - 0 Principe Feliz nunca pensa em chorar para ga- nhar alguma coisa. - Alegra-me saber que ha alguem no mundo comple- tamente feliz - murmurou urn homem desiludido, ao con- templar a maravilhosa estatua, - Parece urn anjo - disseram os meninos de urn asilo de caridade, ao salrem da catedral, com .:mas capas de urn vermelho vivo e seus limpos aventais brancos. - Como 0 sabeis? - disse 0 Professor de Matematica. - Nunca vistes nenhum. Contos de Oscar WUde _ , 13 , - '.' ",j;, . i - Oh! Vimo-Io em nossos sonhos - responderam os meninos e 0 Professor de Matematica franziu 0 cenho. to- mando urn ar de severidade, porque nao podia admitir . que crian<;:as sonhassem. Uma noite, voou sabre a cidade uma pequena Ando- ' ;'i , rinha. Suas companheiras tinham pC'rtido para 0 Egito seis semanas antes. ela , porem, ficara para tras, pois se achava de am6res com urn Cani<;:o. Vira-o logo no come<;:o ! . da primavera, quando voava s6bre. 0 rio, em persegui<;:ao a uma grande borboleta amarela, e sentira -se tao atraida '. pelo esbelto talhe dele que parara para dirigir-Ihe a pa- i! lavra . .1 . . - Deverei ama-Io? - disse a Andorinha, que gostava de entrar diretamente em assunto, e 0 Cani<;:o fez-Ihe uma profunda venia. P6s-se entao a Anrlorinha a voar em redor dele. ro<;:ando a agua com suas asas e fazendo tre- mulinas prateadas . Era sua maneira de fazer a c6rte e durou todo 0 verao. Ik - E uma paixao absurda - chirriavam as outras Ando- · 1: ·: rinhas. - tIe nilo tern dinheiro e parentes nilo Ihe faltam. i. De fato, 0 rio estava repleto de Cani<;:os. Depois, .: ;:;1 : quando ..chegou 0 outono t6das as andorinhas al<;:aram ji, voo. , ,,' ,' Uma vez partidas suas companheiras, sentiu-se ela so- zinha 'e come<;:ou a cansar-se de seu amado . ): , - Nao sabe conversar - disse ela - e receio que seja infiel, porque estil . sempre a namorar 0 vento. ,1:' p E, de fato, quando 0 vento soprava, 0 Cani<;:o fazia as . mais graciosas cortesias . - Pelo que vejo e muito caseiro - continuou a Ando- rinha -, ao passo que eu adoro viajar, e meu marido, 1 <' conseqlientemente, deveria gostar de viajar tambem . - Queres vir comigo? - perguntou-Ihe afinal, mas 0 { Cani<;:o abanou a cabe<;:a . Era tao apegado a seu lar ... , . - Estiveste a zombar de mim - exclamou ela. - Parto , para as Piramides . Adeus. E voou . Voou 0 dia inteiro e it noite chegou it cidade. 14 .. :, tJ\ ur i I 9

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o PRtNCIPE FEUZ

THE HAPPY PRINCE

'A CARLOS BLACKER

_/ Na parte mais alta da cidade, sabre uma elevada

coluna, erguia-se a estatua do Principe Feliz. T6da coberta de leves f6lhas de Duro fino, tinha por olhos duas brilhan­tes safiras e urn grande nlbi vermelho refulgia no punho de sua espada.

Era por isso muitissimo admirada . - E tao bela como urn cata-vento - observou urp. <los

Conselheiros da Cidade, que desejava granjear fama de possuir g6sto artistico, acrescentando, no .receio de que nao 0 julgassem urn homem pratico, coisa que realmente nao era: - Embora nao seja tao uti!.

- Por que nao es como 0 Principe Feliz? - perguntou uma mae s~nsata a seu filhinho que chorava querendo a lua. - 0 Principe Feliz nunca pensa em chorar para ga­nhar alguma coisa.

- Alegra-me saber que ha alguem no mundo comple­tamente feliz - murmurou urn homem desiludido, ao con­templar a maravilhosa estatua,

- Parece urn anjo - disseram os meninos de urn asilo de caridade, ao salrem da catedral, com .:mas capas de urn vermelho vivo e seus limpos aventais brancos.

- Como 0 sabeis? - disse 0 Professor de Matematica. - Nunca vistes nenhum.

Contos de Oscar WUde _ , 13

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i - Oh! Vimo-Io em nossos sonhos - responderam os meninos e 0 Professor de Matematica franziu 0 cenho. to­mando urn ar de severidade, porque nao podia admitir

. i~ que crian<;:as sonhassem. Uma noite, voou sabre a cidade uma pequena Ando­' ;' i ,

rinha. Suas companheiras tinham pC'rtido para 0 Egito seis semanas antes. ela, porem, ficara para tras, pois se achava de am6res com urn Cani<;:o. Vira-o logo no come<;:o

! . da primavera, quando voava s6bre. 0 rio, em persegui<;:ao a uma grande borboleta amarela, e sentira-se tao atraida'. pelo esbelto talhe dele que parara para dirigir-Ihe a pa­i! lavra .

.1 . . - Deverei ama-Io? - disse a Andorinha, que gostava

de entrar diretamente em assunto, e 0 Cani<;:o fez-Ihe uma profunda venia . P6s-se entao a Anrlorinha a voar em redor dele. ro<;:ando a agua com suas asas e fazendo tre­'I ~ mulinas prateadas. Era sua maneira de fazer a c6rte e durou todo 0 verao.Ik - E uma paixao absurda - chirriavam as outras Ando­·1: ·: rinhas. - tIe nilo tern dinheiro e parentes nilo Ihe faltam.i.

De fato, 0 rio estava repleto de Cani<;:os. Depois,.~1 : ;:;1 : quando ..chegou 0 outono t6das as andorinhas al<;:aram ji, voo. , ,,' ,' Uma vez partidas suas companheiras, sentiu-se ela so­

zinha 'e come<;:ou a cansar-se de seu amado.):, - Nao sabe conversar - disse ela - e receio que seja infiel, porque estil .sempre a namorar 0 vento.

,1:' p E, de fato, quando 0 vento soprava, 0 Cani<;:o fazia as .

mais graciosas cortesias . - Pelo que vejo e muito caseiro - continuou a Ando­

rinha -, ao passo que eu adoro viajar, e meu marido, 1<'

conseqlientemente, deveria gostar de viajar tambem . - Queres vir comigo? - perguntou-Ihe afinal, mas 0

{ Cani<;:o abanou a cabe<;:a . Era tao apegado a seu lar... , . - Estiveste a zombar de mim - exclamou ela. - Parto

, para as Piramides. Adeus. E voou . Voou 0 dia inteiro e it noite chegou it cidade.

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WILDE, Oscar. Contos completos. Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Editorial Brughera, s/d
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- Onde me alojarei? - disse. - Espero que II cidade tenha feito preparativos para receber-me.

Viu entao a estAtua sabre II alta coluna. - Alojar-me-ei ali - exclamou. - F; uma bela posi~ao,

com muito ar fresco.

E pousou justamente entre os pes do Principe Feliz. - Tenho urn quarto de dormir dourado _ disse ela

baixinho, olhando em redor. E preparou-se para dormir. Mas, precisamente, quando ia pondo sua cabe~a sob a asa, uma grande gota d'agua caiu-Ihe em cima.

- Que coisa curiosa! - excIamol1. - Nao hfI uma nu ­vern sequer no ceu, as eslrelas estao bern cIaras e bri­Ihantes e, contudo, esta chovendo. 0 clima no norte da Europa e realmente terrivel. 0 Cani~o gostava de chuva, mas era puro egofsmo da parte dele.

Depois caiu outra gata.

- Para que serve uma estAtua, se nao resguarda da chuva? - disse ela . - Vou tratar de arranjar urn born cano de chamine.

E decidiu voar.

Mas antes que abrisse as asas, caiu uma terceira gata. Olhou para cima e viu ... Ah! que viu ela? . ' •

Os olhos do Principe Feliz estavam cheios de lagrimas e IAgrimas escorriam-Ihe pelas faces de ouro. Seu rosto era tao belo ao clarao do luar que a pequena Andorinha encheu-se de compaixao.

- Quem es? - perguntml-Ihe. - Sou 0 Principe Feliz.

- Por que estAs chorando entao? - perguntou a Ando­rinha . - MOlhaste-me toda.

- Quando eu era vivo e tinha um cora~ao humano_ respondeu a estatua --, nao sabia 0 que eram lagrimas, pOis vivia no Palacio da Despreocupa~ao, onde nao ' se permite a entrada da tristeza. Durante 0 dia, brincava , com meus companheiros no jardim e a noite dirigia a Iidan~a no Grande SaHio. Em tOrno do jardim corria urn muro muito alto, mas nunca tive a preocupa~ao de per­guntar 0 que havia por tras dele, pois tudo quanto me

15 r

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f cercava era ' maravilhoso . Mens cortesaos chamavam-me ~ Principe Feliz e feliz de fato eu era, se 0 prazer e

i , felicidade . Assim vivi, e assim morri. E agora que estou morto, puseram-me aqui tao alto que posso ver toda a

" feiura e t6da a miseria de minha cidade e, embora meu , : ' cora~ao seja feito de chumbo, nao me resta remMio senao

"

chorar.<! ,: - Como? Nao e de Duro de lei? - disse a si mesma a " " Andorinha. Era por demais delicada para fazer qualquer

).. observa~ao pessoal em voz alta.

':1 - Bern distante - continuou a estatua, em voz baixa i j'; e musical - , bern distante daqui, numa ' ruazinha, ha uma

___ , I , pobre casa. Uma das janelas esta <lberta e atraves dela

~.../t · , ' posso ver uma mulher sentada a uma mesa. Seu rosto e I~ magro e fatigado, tern maos asperas e vermelhas, picadas1,;\ ' .; ,, .. '. tadas de agulha, pois e costureira. Esta bordando passi­1"1'::­

floras num vestido de cetim para a mais bela das damas

i'I:;:!' de' honor da Rainha usaI' no" pr6ximo baile da corte. it"

:'I . '

Numa cama, a urn canto do quarto, seu fiIhinho jaz doente. Tern febre e esta pedindo laranjas. Sua mae nada

',:'I;i'l tern para dar-Ihe senao agua do rio, por isso ele chora. ,(' " , Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha, nao quereras"\:,~' . "

levar-Ihe 0 rubi do punho de minha espada? Meus pes estao presos ao pedestal e nao posso mover-me. ' ,!iC

- Estou sendo esperada no Egito - disse a Andorinha . ~ ~t ' ! : '

- Minhas companheiras estao voando acima e abaixo doI ' : '.i':; Nilo e conversando com as grandes flares de 16tus. Em " II ' breve iraQ dormir no tumulo do grande Rei, que ali se,'i', . ::1 encontra no seu ataude pintado. Envolve-o urn panG ama­

I , ~ relo e esta embalsamado com substancias aromfiticas. j :, : Em tOrno de seu pesco~o ve-se uma corrente de , jade

, ,.:

, verde-palido e suas maos assemelham-se a falhas secas.

,~ I:: ,' - Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha - disse 0

)~ I,I! Principe -, nao quereras ficar comigo uma noite e ser ~ ,' minha mensageira? 0 menino esta com tanta sede e a mae ij tao tristEk':.

- Creio que nao gosto de meninos - respondeu a ' An ­I, dorinha. - No passado verao, quafido permanecia eu it

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margem do rio, dois meninos grosseiros, filhos do moleiro, estavam sempre a atirar-me pedras. Nunca me atingiram, naturalmente; n6s, andorinhas, voam0S bern demais para que isso aconte~a, e alem do mais, venho de uma familia famosa pela sua agilidade; mas apesar de tu'do, era uma falta de respeito.

Mas 0 I;'rlncipe Feliz parecia lEio triste ' que a pequena Andorinha tambem se entristeceu. .

- Faz muito frio aqui - disse ela - , mas fica rei con­vosco por uma noite e serei vossa mensageira.

- Obrigado, pequena Andorinha - disse 0 Principe. De modo que a Andorinha arrancou 0 grande rubi da

espada do Principe e VOOl! com ele no bieo por cima dos tetos da cidade.

Passou pel a torre da catedral, onde os anjos de mar­more branco estavam esculpidos. Passou pelo palacio e ouviu 0 som de dan~as . Uma formosa mo~a surgiu no balc!!o com seu amado.

- Como sao maravilhosas as estrelas - disse-lhe ele - e quae maravilhoso e 0 poder do amor!

- Espero que meu vestido esteja pronto para 0 bail~

da corte - respondeu ela. - Mandei bordar passiflotas nele, mas as costureiras sao tao pregui~osas .

Passou sobre 0 rio e viu as lanternas pencturadas dos mastros dos navios . Passou sobre 0 gueto e viu os velhos judeus barganhando uns com os outr05 e pesando dinheiro em balan~as de cobre. Por fim chegou a casa pobre e olhou para dentro. 0 menino remexia-se febrilmente em seu cat.re e a mae havia adormecido. tao cansada estava . A Andorinha penetrou na casa e depositou 0 grande rubi sobre a mesa, ao Jado do dedal da costureira . Depois revoluteou delicadamente em redor cia cama, abanando com suas asas a fronte do menino.

- Que frescor estou sentindo! - disse (' :nenino.-Devo estar melhorando.

E mergulhou num delicioso sono. Entao a Andorinha voou de volta para 0 Principe Feliz

e contou-Ihe I) que tinha feito.

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7 . ~ L. _ E curioso - . observou ela -, mas sinto-me com pIe· ~: ,; . !;

tamente quente agora, apesar do frio que esta fazendo. . " ,I _ E porque praticaste uma boa a~ao - disse 0 Prin·

r~· ;;.,

1); cipe. ~: ' E a pequena Andorinha come~ou a pensar. mas depois ;.,,~

adormeceu. P ensar sempre a fazia dormir. -­~.Quando rompeu 0 dia. voou para 0 rio e tomou urn " '.'

') ' ~ .~ banho. _ Que nota vel fenomeno! - exclamou 0 Professor de 0'

"j:] OrniloJogia. que passava pela ponte. - Uma Andorinha ~"" !!' ;l -' no inverno ! ;:..­" '.1 E escreveu uma longa carta a respeito disso para 0

" jornal local. Toda a gente a citou. pois estava cheia de "

, numerosas palavras incompreensiveis. k --.,11 :; _ Esta noite partirei para 0 Egito - disse a Andori­ ." '

! J: nha, e s6 em pensa-lo enchia-se de anima~ao. Visitou to­ 1-' i. Idos os monumentos publicos e pousou por muito tempo r

no alto do campanario da igreja . Por todos os lugares ,..l onde passava os Pardais chilreavam. dizendo uns aos

," outros:".,. _ Que estrangeira distinta! f

Isto a enchia de satisfa~ao . . r V'

II. ;1. Quando a lua surgiu. voou de volta para 0 Principe f~. ! . Feliz.

_ Tendes algum recado para 0 Egito? - gritou ela. ­ "' r' . Vou partir agora ' mesmo. "' f ~

, ' ,I t " _ Andorinha, Andorinhil, pequena Andorinha - disse L. o Principe -, nao queres ficar comigo mais uma noite? :.;" ii

r~

_ Esperam-me no Egito - responcteu a Andorinha.­ ,: ' " ~ ~.Minhas companheiras voarao amanha para a Segunda I ~ ;: t: '-,

::"j Catarata . Ali 0 hipop6tamo repousa entre os juncos e 0 .;~

' ., Deus Memnon est a sentado sobre uma grande casa de t;· ~:.':: granito. Durante a nOlte inteira contempla as estrelas ~';:~

'I' e quando a estrela da manha fulge. lanca ele urn grito "i: de alegria. para depois ficar silencioso. Ao meio-dia os t

I i ~ ,fulvos leaes descem para beber na margem do rio. Seus '" .'olhos sao como verdes berilos e seu rugido mais alto r,

:..;.do que 0 estrondo da catarata. C."'"

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- Andorinha, Andorinha, pequena Andorinhll - disse o Principe -, bern distante daqui, do outro lade da ci­dade, vejo urn rapaz num s6tao, curvado sobre uma mesa roberta de papeis e num copo a seu lado ve-se urn ramo de violetas murchas. Seu cabelo e castanho e anelado e seus labios vermelhos como uma roma. Tern olhos gran­des e sonhadores . Esta tentando acabar uma pec;:a para o Diretor do Teatro, mas sente tanto frio que nao pode escrever mais. Nao ha fogo na grelha e a fome deixou-o enfraquecido.

- Passarei convosco mais rinha que, na realidade, tinha de levar-lhe outro rubi?

- Ai de mim! Nao tenho

uma noite - disse a Ando­urn born corac;:ao. - Terei

rubi agora - disse 0 Prin­cipe. - Meus olhos sao tudo quanto me resta . Sao fei­tos de rarilS safiras, trazidas da india ha mil ano!> pas­sados. Arranca uma delas e leva-a para ele. Vende-Ia-a ao joalheiro, comprara lenha e acabara sua pec;:a.

- Querido Principe - disse a Andorinha - , nao posso fazer isto .

E comec;:ou a chorar. - Andorinha , Andorinha, pequena Andorinha"": disse 0

Principe....;. faze como te ordeno. De modo que a Andorinha arrancou 0 olho do Prin­

cipe e voou para 0 s6tao do estudantp.. Foi bastante facil penetrar nele, pois havia urn buraco no telhado. Varou-o e entrou na quarto. 0 rapaz tinha a cabec;:a mergulhada nas maos, tanto que nao ouviu 0 adejo das asas do pas­saro e, quando olhou para cima, descobriu a ' bela safira entre as violetas murchas .

- Estou comec;:ando a ser apreciado - exdamou. -Isto deve provir de alg\lm grande admirador meu. A.gora posso acabar minha pec;:a .

E parecia inteiramente feliz . No dia seguinte, VOOtl a Andorinha para 0 porto. Pou­

sou no mastro de urn grande navio e esteve venda os marinheiros extraindo, por meio de cabos, grandes caixas do porao.

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_ La embaixo, na prac;:a - disse 0 Principe Feliz-,f i. esta uma vendedorinha de f6sforos. Deixou seus f6sfo­

ros cairem na sarjeta. Estragaram-se. Seu pai batera'i',i:t nela, se nao levar algum dinheiro para casa e ela esta

_ Ic;:a! - gritavam, a medida que cada caixa chegava

em cima. _ Parto para 0 Egito! - gritou a Andorinha, mas nin­

guem se importou e, quando a lua se ergueu, voou de volta para 0 Principe Feliz.

_ Vim dizer-vos adeus - gritou ela_ _ Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha - disse 0

Principe -, nao quereras ficar comigo mais uma noite? _ Estamos no inverno - re!>pondeu a Andorinha -, e

a gelada neve nao tardara a cair aqui. No Egito 0 sol e quente sobre as verdes palmeiras e os crocodilos jazem na lama, ' lanc;:ando em tOmo de si olhares ociosos. Mi­nhas companheiras estiio construindo um ninho no Tem­plo de Baalbec e as pombas brancas e vermelhas as obser­vam, e 'arrulham entre si. Caro Principe, tenho de dei­xar-vos, mas nunca me esquecerei de v6s e na pr6xima primavera trar.-vos-ei de volta duas belas j6ias para subs­tituir aquelas que deste!>. 0 rubi sera mais vermelho do que uma rosa vermelha e a s.afira tao azul como 0 grande

mar.

. ,".j,.!. chorando. Nao tem sapatos nem meias e

~r:! esta descoberta . Arranca meu outro 6lho assim seu pai nao lhebatera.1f" '1 _ Ficarei convosco mais uma noite ­,. , ~ :I nha _ , mas 'nao posso arrancar vosso,I',. II! completamente cego entao,

sua cabecinha e entrega-Iho e

disse a Andori­olho. Ficarieis

1/ " , _ Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha - disse 0j i,;I' 'lY:!, Principe -, faze como te ordeno. ' ,' De modo que ela arral)cou 0 outro 6lho do Principe e" .,;,

"j'I: 1 voou rapida com ele. Desceu sobre a pequena. ' 1

, I;

j' , dora de f6sforos e deixou cair-Ihe na palma da \;

j6ia.IJ _ Que linda pedac;:o de vidro! - exclamou a E correu P9Ia casa,rlndo.

'~ '; 20

vende­mao a

menina.

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Entao a Andorinha voltou para 0 lado do Principe. '-- Estais cego agora - disse ela -, e por iS50 ficarei

sempre convoseo. - Nao, pequena Andorinha - disse 0 pobre principe-,

deves partir para 0 Egito. - Ficarei convoseo para sempre '- disse a Andorinha

e adormeceu aos pes do Principe. ' Durante todo 0 dia seguinte ficou ela pousada no om­

bro do Principe e eontou-lhe hist6rias do que tinha visto em terras estranhas. Falou-Ihe dos ibis vermelhos, que se alinham em longas fileiras nas margens do Nilo e apa­nham com os bicos peixes dourados; da Esfinge, tao velha quanto 0 proprio mundo e que vive no deserto e sabe todas as coisas; dos mercadores, que caminham lentamente ao lado de seus camelos e levam nas maos rosarios de &mbar; do Rei das Montanhas da Lua, tao negro como ebano e adorador de um grande cristal; da grande serpente verde que dorme numa palmeira e tem vinte sacerdotes para alimenta-la de bolos de mel; e dos pigmeus que navegam s6bre um grande lago em largas f6lhas chatas e estao sempre em guerra eom as' borbo­letas.

- Querida Andorinhazinha - disse . 0 PrinCipe -, fa­las-me de coisas maravilhosas, porem mais maravilhoso do que tudo e 0 sofrimE'nto dos hom ens e das mulheres. Nao ha Misterio tao grande como a Miseria. Voa s6bre minha cidade, pequena Andorinha, econta-me 0 que vires ali.

De modo , que a Andorinha voou ' sabre a grande cidade e viu os ricos divertindo-se em suas belas casas, enquanto os mendigos se sentavam diante dos port5es. Voou s6bre neg,as vielas e viu as caras plUidas de crianc;as famintas contemplando, indiferentes, as ruas escuras. Sob 0 arco de uma ponte, dois meninos jaziam abra~ados para ten­tar aquecerem-se mutua mente.

- Estamos eom , muita fome - diziam. - Nao devem ficar ai - gritou 0 guarda e eles tive­

ram de afastar-se, debaixo da chuva.

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'" I.

1, Entao ela voou de volta e conton ao Principe 0 que ) vira. ~ I _ Estou eoberto de fino Duro - disse 0 Principe.­, ..:

~ Deves tira-lo, folha a folha, e da-lo a meus pobres; os/ '\."

homens sempre pensam que 0 Duro pode torn a-los felizes. ~j;~~. F6lha ap6s fblha de fino Duro a Andorinha arrancou, , ',::. ate que 0 Principe Feliz ficou Inteiramente baf,;o e cin­

~'.: ';1: zento . F6lha ap6s COlha do fino ouro levou ela para os W:i~' pobres e as faces das crianf,;as tornaram-se mais rosadas

" e riam e brineavam nas ruas.:~l' _ Temos pao agora! - gritavam. ,

Entao ehegou a neve e depois da neve 0 gelo. As ruas .~.

pareciam feitas de prata, muito brilhantes e cintilantes; , , ,compridos pin gentes como punhais de cristal pendiam dos I I' , beirais das casas, todos saiam envoltos em peles e os~' iI i:

':~:,t meninos usav~m bones escarlates e patinavam sobre 0

\t ,:, ;, ,; " ~l ; ~;, gelo.

A pobre Andorinhazinha foi ficando eada vez mais fria, ji

"

' : , mas nao queria abandonar 0 Principe, porque 0 amava

, ternamente. Bicava as migalhas do lado de fora da porta.~1l" :

',! : ... " do padeiro, quando este nao estava olhando e tentava

\:,;; eonservar-se quente batendo as asas. Mas por fim pereebeu que ia morrer, Teve apenas a

t ' !!. forf,;a suficiente para voar ate 0 ombro do Principe mais

, l '~ I '; ; ' uma vez. _ Adeus, Querido Principe' - murmurou. - Permiti

"' ,'',\i que eu vos bE'ije a mao.:{,' ~ _ Alegra-me grandemente saber que vais por fim para ,1:;:1 o Egito, pequena Andorinha - di~se 0 Principe. - Ficaste

aqui demasiado tempo. Mas deves beijar·me os labios,

porque te amo.fY _ Nao e para 0 Egito que vou partir - disse a Ando ­\ I I: ~,:~ rinha. _ Vou para a Casa da Morte. A Morte e irma do 'yi.j

l ,,: ,. Sono, nao e?i'" , E beijou os labios do Principe Feliz e caiu morta a, seus pes.

Naquele momento, curiosa estalido soou no interior da~ estatua, como se alguma coisa se houvesse partido. 0 fato

i 22

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0

r ' i .

e que 0 cora~li.o de chumbo tinha-se partido certo em dois peda~os. Fazia certamente urn frio tremendo.

Cedo, no dia seguinte, estava 0 Prefeito passeando la embaixo, na pra~a, em companhia dos Conselheiros da Cidade. Ao passarem pela coluna, ergueu ~le a vista para a E;!statua:

- Deus meu! - exclamou. - Quao andrajoso parece o Principe!

- Quao androjoso, de fato! - exc1amaram os Conse­lheiros da Cidade, que sempre concordavaro com 0 Pre­feito. E puseram-se a contemplar a estatua.

- 0 rubi caiu-Ihe da espada. seus olhos desaparece­ram e nao e mais de Duro - disse O· Prefeito. - Na ver­dade. esta pouco melhor que urn mendigo!

- Urn pouco melhor que urn mendigo - disseram os Conselheiros da Cidade.

- E eis aqui sem dtlvida urn passaro morto a seus pes! - continuou 0 Prefeito. - Devemos efectivamente lan~ar uma proc1ama~ao para que nao seja permitido a passaros morrerem aqui.

E os Conselheiros da Cidade tomaram nota da' su­gestiio.

De modo que derrubaram a estatlla dQ Principe Feliz . - Uma vez que nao tern mais beleza. nao tern mais

utilidade - disse 0 Professor de Arte da Universidade. Depois fundiram a estatua numa fornalha e 0 Pre­

feito presidiu uma reuniao da Corpora~ao para decidir o que devia ser feito com 0 metal.

- Poderiamos ter outra estatlla - propos ele. - A mi­nha, por exemplo.

- A minha - disse cada urn dos Conselheiros da Ci­dade e travaram disputa . A tmica noticia que tive dele e que continuam ainda a discutir.

- Que coisa estranha! - disse 0 inspetor dos opera­rios da fundi~ao. - :este cora~iio de chumbo partido nao se deixa fundir na fornalha. Devemos atira-Io fora.

De modo que 0 atiraram a urn montao de lixo onde tambem jazia a Andorinha morta.

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_ Traze-me as duas coisas mais preciosas da cidade _ disse Deus a urn de Seus Anjos. E 0 Anjo trouxe-lhe o coraciio de chumbo e 0 passaro morto.

_ Escolheste certo - disse Deus -, pois no meu jar­dim do Paraiso esse passarinho cantara para tod~ sempre e na minha cidade de ouro o. Principe Feliz en­toara meus louvores.

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