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ZILDA LANGER
A EXCELENCIA NA EDUCAC;:AO PRE-ESCOLAR:
ALGUMAS CONSIDERAC;:OES
Trabalho apresentado para a obtenry3odo titulo deEspecia1iz81(.30 em Psicopedagogia do curso dePos-Graduat;:8o da Universidade Tuiuti do Parana.
Orientadora: Laura Bianca Monti
CURITIBA
2002
SUMARIO
RESUMO
INTRODUC;Ao ... ..1
I A EDUCACAO NA I'RE-ESCOLA 0
1.1 A CIDADE E A EDUCA<;iiO PRE-ESCOLAR EM REGGIO EMILIA 3
1.2 ALGUNS ASPECTOS DA EDUCA<;iiO PRE-ESCOLAR NO BRASIL. 5
A QUALIDADE DA EDUCAC;Ao NA PRE-ESCOlA .
3 ASPECTOS DO CURRicUlO PRE-ESCOlAR ...
..10
. 15
4 0 SISTEMA DE ENSINO PRE-ESCOlAR EM REGGIO EMILIA .. ..20
4.1 AS RELA<;()ES INTERPESSOAIS .. . .20
4.2 A DOCUMENTA<;Ao DAS ATIVIDADES 22
4.30 TRABALHO DOS PROFESSORES .. . .23
4.4 A PARTICIPA<;iio DAS FAMiLiAS E DA COMUNIDADE ...
4.5 0 AMBIENTE E 0 ESPA<;O .
4.60 ATELIERISTA EO ATELIER.
4.70 TRABALHO COM PROJETOS ...
. 24
...26
..28
..29
4.8 EQUIPE DE PEDAGOGISTAS 30
5 A PRE-ESCOlA NO BRASil E EM REGGIO EMILIA .. . 33
CONClusAo ... . 35
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ... ..38
RESUMO
o presente trabalho, realizado par meio de revisao bibliografica, visa trazer
aos educadores uma contribuig03.o com informa90es referentes a questeo da
qualidade na educac;ao pre-8scolar, descrevendo alguns dos aspectos presentes
na educa<;ao pnj-escolar de alta qualidade. Reggio Emilia, cidade italiana,
distingu8-se particularmente na qualidade desta educa9ao, fata comprovado par
uma ampla pesquisa realizada neste sentido.
As caracteristicas mais marcantes da abordagem ali adotada, sua
repercussao para as crianc;as, professores, familias e comunidade envolvidas, sao
a seguir breve mente apresentadas, e, de modo especial, a participac;ao dos pais e
da comunidade na questeo do ensina pre-escolar. Aponta-s8 tambem a
coincidencia de varias destas caracteristicas com aquelas descritas par alguns
autores brasileiros envolvidos com esta educa9ao, bern como, sao tambem
incluidas algumas informa90es do ultimo censo escolar.
INTRODU9AO
A constatac;ao, no Brasil, da importancia da educac;:ao pre-8scolar pode ser
considerada ainda um tanto recente. Embora jil existam intenc;oes de implementar
uma paUtica de universalizac;8.o para esta educaC;Bo no pais, sua efetiv8c;8.0 ainda
naD ocorreu.
No entanto, S8 aqui no pais esta palitica inexiste, tal naD ocorre na Europa
e Estados Unidos. Especialmente na !leilia, ha muito tempo deu-s8 inicio a urn
sistema de educ8c;ao para criangas de zero a seis anos, 0 qual vern sendo
aprimorado desde entao: trata-s8 do sistema educacional de Reggio Emilia,
cidade situ ada ao norte do pais.
o encontro com 0 sistema de educac;ao pre-escolar de Reggio Emilia
proporciona muitas surpresas: 0 conhecimento da existencia de uma experiemcia
impar em educa~ao infantil; a constata~o de que a educa~ao pre-escolar econsiderada de suma importancia e e objelo de allo investimento por parte de toda
uma populagao em Reggio Emilia; a constatagao de que esla experiencia e
amplamente divulgada, estudada e valorizada, contribuindo de inumeras formas
no planejamento e no exercicio da educa~ao infantil em diversos lug ares do
mundo. Ali, a excelencia na qualidade da educayao infantil fol conquistada, fato
comprovado por ampla e criteriosa pesquisa da revista Newsweek, e, alem disso,
lem sido mantida.
A educagao infanlil de qualidade e aquela que favorece 0 desenvolvimento
global da crjan~a, ou seja, seu desenvolvimento nos aspectos pSico16gico, de
socializa~ao, etico, cognitiv~, intelectual, psicomotor, estetico e outros mais que
possam ser considerados. E tambem aquela educa~ao que respeita a crian~a na
sua individualidade, permitindo que ela mesma formule suas quest6es sobre 0
mundo que esta descobrindo. A educagao de qualidade lambem atua no sentido
de estimular a curiosidade da crian~a e possibilita a crian~a todD 0 tempo
necessario para a resolu~ao de seus problemas. Permite tambem os confiitos,
posto que sao inerentes a condi~ao humana, orientando para a busca de solu~6es
juslas.
Sabe-se que os primeiros anos de vida sao fundamentais para 0
desenvolvimento das potencialidades da crianga, para a constituigao da sua
estrutura psiquica, e, sao determinantes em relagao a possibilidade do pie no uso,
no futuro, do potencial desenvolvido. A capacidade de aprendizagem nos
primeiros anos de vida e imensa, e em nenhuma outra epoca da vida esta
capacidade atinge novamente tal patamar. Diante destas consideragoes e
possivel afirmar que 0 investimento na qualidade da educagao infantil e um
empreendimento extremamente importante, com retorno incalculavel.
No Brasil, encontram-se duas situagoes diferentes em relagao ao ensino
pre-escolar: par urn lado, ocarre disputa entre as pre-escolas para a obtengao de
alfabetizagao cad a vez mais precoce, desconsiderando-se a maturidade e a
capacidade cognitiva da crianga. A outra situagao diz respeito a imensa
quantidade de criangas de classes sociais menos favorecidas que nao tern acesso
a esta educagao, ou, sao atendidas precariamente, dado 0 escasso investimento
por parte da administragao publica. Quanto ao primeiro aspecto, uma analise mais
detalhada dos latores que otimizam 0 desenvolvimento global da crian,a eimportante, na medida em que contribui para uma visao mais objetiva sobre
algumas das varias possibilidades que existem quanto a 0 que, como e quando
ensinar. Quanto ao aspecto seguinte, uma breve analise sobre 0 que vern
acontecendo podera trazer alguns subsidios para a compreensao das dificuldades
existentes. E esta a proposta do presente trabalho.
A EDUCA<;AO NA PRE-ESCOLA
A educagao pre-escolar e tradicionalmente vista como urn elemento
facilitador para a aprendizagem no ensine fundamental, au seja, seu principal
objetivo seria prevenir a fracasso escolar. De fato, a educac;ao infantil contribui
para evitar 0 fracasso escolar, mas, pode ter urn alcance muito maior: pode ser,
para a crian<;a, a possibilidade de uma entrada mais harmoniosa no mundo,
mundo do saber, do conhecer e do sentir, issa S8 dando de modo a garantir a
individualidade da crianc;a, sem deixar de promover sua socializ8c;ao.o objetivo da educa,8o pre-escolar, de acordo com EDWARDS, GANDINI
e FORMAN (1999, p.30) e levar a crianya a construir poderes de pensamento
proprios, par meiD de uma sinlese de todas as linguagens expressivas,
comunicativas e cognitivas. 0 sucesso obtido neste sentido em Reggio Emilia tern
leva do educadores de muitos palses a estudarem 0 funcionamento do sistema la
adotado, estudo esse que tem produzido bons frutos pela aplica,8o de seus
princlpios nas varias escolas em que tem sido adotado. 0 foco sistematico do
sistema educacional de Reggio Emilia incide sobre a representac;ao simb6lica.
1.1 A CIDADE E A HISTORIA DA EDUCA<;:AO PRE-ESCOLAR EM REGGIO
EMILIA
Reggio Emilia e uma cidade pr6spera situada ao norte da Italia, na regi80 de
Emilia Romagna, e tem aproximadamente 130.000 habitantes, segundo RABITTI
(1999, p. 54 e 59). A cidade muitas vezes foi classificada entre as cidades da Italia
que podem ter orgulho de uma qualidade de vida muito boa, conforme as
para metros de bem-estar social e econ6mico. A regi80 apresenta uma jil
centenaria tradic;ao cooperativista de produc;ao e con sumo, que e altamente
valorizada tanto politica como social mente, de acordo com EDWARDS, GANDINI
e FORMAN (1999, p. 150)
A historia do sistema educacional de Reggio Emilia teve inicio 6 dias ap6s 0
term ina da II Guerra Mundial, segundo RABlnl (1999, p. 59) e EDWARDS,
GANDINI e FORMAN ·(1999, p. 59-61). Loris Malaguzzi, jornalista e professor,
ouviu faJar que, em urna cidade pr6xima, as pessoas haviam S8 reunido para criar
e operar urna eseela infantil. Enviado por urn jarnal local, e, achando a ideia
incrivel, correu ate 103com sua bicicleta, constatando a veracidade da historia.
Encontrou mulheres ocupadas em recolher e lavar pedayDs de tijolos. Soube que
os recursos para a construyao viriam da venda de urn tanque de guerra
abandonado e alguns cavaJos e caminh6es deixados ali pelos alemaes quando em
retirada. Explicaram a ale que pretendiamconstruir a escoJapar conta deles
mesmas, trabalhando aos finais de semana e a noite. A terra havia sido doada por
urn fazendeiro e seria utilizado material retirado de casas bombardeadas.
Indagando sobre 0 dinheiro para operar a eseola, apes um momento de
embara90, obteve a resposta de que eles eneontrariam um modo.
Nas palavras do proprio Malaguzzi, quando entrevistado: " Encontrar apoio
para a escola, em uma cidade devastada, riea apenas no lute e na po breza, seria
um processo longo e diffeil, e exigiria saerificio e solidariedade impens8veis aepoca" (EDWARDS, GANDINI e FORMAN, 1999, p. 60). Malaguzz; conta que, no
prazo de oito meses, a escola e a amizade mutua haviam lan9ado raizes. Narra
tambem que esta havia side apenas a fagulha inicral, pois outras eseolas surgiram
em seguida na cidade, criadas e operadas pelos pais. Algumas destas escolas
nao sobreviveram, mas a maioria funcionou durante periodo de quase 20 anos.
De acordo com EDWARDS, GANDINI e FORMAN, 1999, p. 60-61), Loris
Malaguzzi decidiu deixar a escola na qual vinha ensinando e foi aRoma estudar
psieologia. Retornando a Reggio Emilia, iniciou um centro de saude mental para
crian9as com difieuldades de aprendizagem. Passou a trabalhar neste centro
durante 0 dia, e a nOite, nas escolas operadas pelos pais, cujos professores
apresentavam um nivel de motiva9.3o excepeionaL
o uso de urn dialeto local trouxe difieuldades, de aeordo com os auto res
aeima, pois a lingua italiana oficial era desconhecida pelas erian9as. Pediu-se
ajuda aDs pais, mas foi difieil encontrar uma forma de eoopera9ao de todos,
devido a falta de experiencia. Esta busca de coopera980 direta das familias levou
ao rom pimento com os padn5es tradieionais.
Malaguzzi explica aos autores que uma conquista marcante foi a cria,ao
das primeiras escolas municipais para crian,as pequenas, em 1963. A popula,ao
desejava um novo tipo de escola, de melhor qualidade, sem tendencias acaridacte, nao simplesmente custodiais e que de modo algum fossem
discriminativas. No entanto, esta mudany8 de adrninistrayao naD facilitou as
atividades das escolas: havia certa desconfian<;a devido a novidade de uma
escola ser administrada pelo municipio. Para tamar a escola conhecida, esta era
levada a cidade uma vez por semana. Malaguzzi narra: "Literalmente, faziamos
nassas malas, preparavamos as crian98s, levavamos nassas ferramentas em urn
caminhao e ensinavamos e mostravamosmateriais a ceu aberto, na pra98,parques publicos au sob a colunata do teatro municipal. As crianc;as estavam
felizes. As pessoas viam; elas sentiam-se surpresas e faziam perguntas"(EDWARDS, GANDINI e FORMAN, 1999, p, 62).
A divulga,ao do trabalho realizado nas escolas de Reggio Emilia e feita
atualmente par meio da exposi,ao itinerante "As Cem Linguagens das Crian,as",
a qual esteve recentemente Uulhode 2002) no Brasil (Sao Paulo). As palavras de
Malaguzzi sobre este evento sao:
Esla moslraconlraria loda pedagogia profelicaque sabe tudo. antes que tudo aconte~Que ensinaas criam1asque os dias sao lodos iguais.que as surpresas nao existem.e aos adultosque basta apenas repelirtudo aquila que nao conseguiram aprender (GRUPO DE ESCOLAS. 2002)
1.2ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAQAo PRE-ESCOLAR NO BRASIL
As tendencias. no Brasil. quanta aos programas educacionais para
crian,as com idade inferior a 6 anos, segundo KRAMER et al. (1994, p. 23-24),
sao identificadas como:
- tendencia romantica (a pre-escola e vista como um "jardim de infancia")
- tendencia cognitiva (com enfase na constru<;ao do pensamento infantil, no
desenvolvimento da inteligencia e na autonomia)
tendencia critica (a pre-escola e vista como um lugar de trabalho coletiva e a
educa<;ao tern 0 papel de contribuir para a transformagao social).
A tendencia critica e a mais recente, e tem recebido, segundo estas
autoras, maiores contribui<;oes da proposta pedag6gica de Celestin Freinet, que
criou na Fran<;a 0 movimento da escola moderna.
Segundo a LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAC;:AO (BRASIL,
LDB/1996, p. 13), a educa""o escolar, no Brasil, e composta por:
educ8<;ao basica - par sua vez formada pel a educa<;ao infantil, ensino
fundamental e ensino medio
educa<;ao superior - que consiste no antigo 3° grau.
Sobre a educa,ao infantil, nesta lei, no titulo V, capitulo II, se,ao II, nos
artigos 29 e 30 le-se que:
Art. 29. A educac;:ao infantil. primeira etapa da educac;:ao basica. tern como finalidade 0desenvolvimento integral da crianya ate seis anos de idade, em seus aspectos fisico,psico16gico, inteleclual e social, complemenlando a ac;ao da familia e da comunidade.Art. 30. A educayao infantil sera oferecida em:r - creches, ou enlidades equivalenles, para crianyas de ate Ires anos de idade;II - pre-escolas, para as crianc;as de qualro a seis anos de idade (BRASIL, lei nO 9.394,1996, p. 16).
Quanto ao numero de criangas atendidas pel a educ8<;ao infanti1 (pre-
escolas e creches), de acordo com os dados preliminares do Censo Escolar 2002,
realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (BRASIL,
2002), a Educa,ao infantil se mantem em processo de incorpora,ao de novos
alunos. Apresentou urn incremento de 212.619 matriculas no ultimo ano, que
representa urn crescirnento de cerca de 4% entre 2001 e 2002. Em 2002, os
alunos de creche e pre-escola somam 6.124.769 alunos. Na pre-escola fcram
matriculados 4.973.329 alunos em 2002,0 que significa 3% a mais do que no ano
anterior. 0 crescirnento na matricula, quando comparado com 1996, foi de cerca
de 17%. Em todas as regioes houve crescimento do numero de alunos da pre-
escola no ultimo ana, sobretudo nas regioes Norte e Sudeste, ambas com 5%.
Tambem de acordo com as dados preliminares do Censo Escolar 2002
(BRASIL, 2002), ha evidencias de melhoria na forma\A'io dos professores. 0 Brasil
apresenta hoje 2.418.131 fungoes docentes na Educag80 basica. A adequag80
destes prefessores a Lei de Diretrizes e Bases da Educac;ao Nacional tem
ocorrido em todos as niveis de ensino. Entre as 259 mil func;oes docentes de pre-
escota, 91% possuem formac;ao adequada considerando magisterio (64%), curso
superior com magisterio (4%) e curso superior com licenciatura (23%). Em 1996,
o indice de func;oes docentes na pre-escola com esta formaC;8o era de 79%.
Apesar de as dados apresentarem evidemcias de pregresso, sabe-se que
ainda falta muito para se chegar a um minima aceitavel em termos de
possibilidades de acesso a uma educaC;80 pre-escolar de qualidade, por parte da
grande maioria das crian98s brasileiras, educayao que a elas faculte 0
desenvolvimento de uma consciencia critica, assim como, a prepare para exercer
sua cidadania, e 0 prepare para 0 alcance de uma boa situac;ao profissional. Sabe-
se tambem, que nao basta proporcionar saude e educayao para as crian98s, se a
familia nao tern moradia, trabalho e condic;oes de vida adequadas.
N80 faz parte do presente trabalho analisar a situag80 de distribuig80 de
renda no pais, mas, quando se pensa na situayao da grande maioria das crianyas,
certas considerac;oes tornam-se inevitaveis. Muitos programas louvaveis e de
inquestionavel qualidade existem como: Projeto Pia e diversos projetos de cunha
esportivo e de lazer (no Parana), Boisaescola, Pastoral da Crianc;a, e outros tantos
existentes no pais, alguns da responsabilidade do governo, outros nao. No
entanto, nao conseguem suprir todas as necessidades basicas de grande parte
das crianc;as brasileiras.
Enquanto soluyoes de carater mais abrangente nao Sao implementadas ,
o governo, par meio do Ministerio da Educa<;Elo, se disp6s e elaborou a
Referencial Curricular Nacional para a Educag80 Infanti!. Quanto as
caracteristicas deste Referencialle-se que:
Este documento constitui·se em urn conjunto de referencias e oriental(oes pedag6gicasque visam contribuir com a implantac;aa au implementa930 de praticas educativas de
qualidade que possam promover e ampliar as condiyoes necessarias para 0 exercfcio dacidadania das crian9as brasileiras.Sua funyao e contribuir com as polilicas e programas de educa9ao infantil, socializandoinforma90es, discussoes e pesquisas, subsidiando 0 trabalho educatlvo de tecnicos,professores e demais profissionais da educa9ao infantil e apoiando os sistemas deensino estaduais e municipais (BRASIL, 1998, v.1, p. 13).
Trata-se de urn documento primorosamente elaborado, que oferece
amplas e valiosas informac;oes aos professores de pre-escolas. De acordo com a
apresentac;ao deste Referencial, a objetivo e "...contribuir para 0 planejamento,
desenvolvimento e avaliac;ao de praticas educativas que considerem a pluralidade
e diversidade etnica, religiosa, de genera, social e cultural das crianc;as brasileiras,
favorecendo a construyao de prapostas educativas que respondam as demandas
das crian~as e seus familiares nas diferentes regioes do pais" (BRASIL, v.1, p. 7,
1998).
Um dos aspectos muito bern analisados nesta obra diz respeito a parceria
das instituic;oes com as familias. Reconhece-se a grande importancia de uma
atenC;80 especial para com a rela980 entre as familias e as instituic;oes.
Constata-se, segundo este Referencial (BRASIL, 1998, v.1, p. 75), serem
muitas vezes conflituosas estas rela90es: famflias de baixa renda sao
consideradas como apresentando carencias de toda ordem; familias com maior
poder aquisitivo sao criticadas pela relac;ao afetiva dirigida as crianc;as. Traduzida
como preconceiluosa, esta concepC;8o dificulta 0 dialogo, par gerar ac;oes de
discrimina9ao, baseando-se em um modelo de familia idealizada.
Atualmente existem diversas outras modalidades de constituiyao familiar,
alem da familia formada por pai, mae e filhos, de acordo com 0 Referencial
(BRASIL, 1998, v.1, p. 76): ha familias monoparentais, em que s6 pai ou mae
estao presentes junto aos filhos; familias reconstituidas por novos casamentos,
nas quais ha filhos das relac;oes anteriores. E atribufda as instituic;oes escolares a
tarefa de estabelecer um dialogo aberto com os diversos tipos de familias, que
devem ser consideradas como interlocutoras e parceiras no processo de
educa~ao infantil.
Este Referendal (BRASIL, 1998, v.1, p. 77-78) tambem se refere apluralidade cultural, ou seja, as diferenc;:as de etnias, costumes, crenc;:as, valores,
entre Qutras, que caracterizam a populac;:ao do Brasil, e que tambem estao
presentes nas instituic;:6es de ensina. 0 trabalho e 0 convivio com as diferenc;:as e
com a diversidade possibilita, tanto para os professores como para as crianc;:as,
uma ampliaC;:8o de horizontes, pois permite a conscientiza<;8o de que a realidade
de cada urn e uma parte apenas de urn universo mais ample que traz multiplas
escolhas. De acordo com 0 Referendal, a tareta de acolher as diferentes
caracteristicas culturais das crianc;:as e de suas familias valoriza e respeita as
diferenc;:as, 0 que, par sua vez, nao significa aderir incondicionalmente aos valores
do outro. Para que esta valoriza98o e acolhida possa ocorrer, requer-se dos
profissionais das institui90es infantis 0 desenvolvimento da capacidade de escuta,
observa98o e aprendizado com as famllias.
Talvez deva ser lembrado que, uma das bibliografias citadas no
Referencial Curricular Nacional para a Educa9ao Infantil (BRASIL, 1998, v.1, p.
94) e 0 livro de EDWARDS, GANDINI e FORMAN na sua versao original em
ingles: The hundred languages of children: Reggio Emilia approach to early
Childhood education. E possivel reconhecer no referencial varias das ideias
apresentadas pelos autores deste livre.
10
2 A QUALIDADE DA EDUCA9AO NA PRE-ESCOLA
Segundo ZABALZA (1998, p. 38) a educa9ao infantil apresenta, na procura
de qualidade, desafios que the sao proprios. Urn destes desafios diz respeito a
valores e crenyas. 0 valor fundamental reconhecido e que a Educayao Infantil eurn recursa valioso para 0 desenvolvimento pessoal e social das crianC;8s. Existem
diferentes respostas praticas para a concretizat;ao deste valor, apresentando
lodas estas respostas pontcs fortes e pontcs fracos, como tambem, dilemas.
Denlre os varios dilemas presentes na busca da quail dade para a educaC;8o
infantil, 0 aulor cita como sendo mais importantes as seguintes: ... dilema entre
cuidados e educac;ao; ... dilema entre 0 publico e 0 privado na distribuic;ao de
compromissos; ...a conexao entre atenc;ao a infancia e igualdade de
oportunidades entre os sexos; ...a conexao entre direito ao trabalho dos pais e
maes e a atenc;ao as erianc;as pequenas; ...a difieil ruptura dos parametros
objetivos para alcan~r estimativas mais qualitativas (ZABALZA, 1998, p. 39).
Existem varias dimensoes de aten9ao a infancia, de acordo com 0 autor,
relaeionadas a atenc;ao as maes, as familias e a grupos marginalizados. Estas
dimensoes, no entanto, nao devem permitir que se esque9a que as erianc;as tern 0
direita de reeeber desde seus prirneiros anos urna edueac;ao de qualidade. uUma
edueac;ao que, talvez indiretamenle, possa rnelhorar as suas eondic;oes sociais au
farniliares, mas que esla. destinada, no fundamental, a poteneializar 0 seu
desenvolvimento global" (ZABALZA, 1998, p. 40) .
ZABALZA (1998, p. 49-55) apresenta sua visao dos dez "aspectos-chave"
que earaeterizam uma educac;ao infantil de qualidade:
a) organizac;ao dos espac;os: devem ser amplos, facilmente acessiveis, bern
diferenciados e com func;oes claramente pereeptrveis pel as crianc;as;
b) equilibrio entre iniciativa infantil e trabalho dirigido no momenta de planejar e
desenvolver as atividades: a erianc;a deve dispor de perfodos nos quais ela
escolhe as atividades, entremeados com perlodos de atividade dirigida;
c) atenc;ao privilegiada aos aspectos emocionais: "Nao apenas porque nesta
etapa do desenvolvimento os aspectos emocionais desempenham um papel
11
fundamental, mas parque, al8m disso, constituem a base au a condi98o
necessaria para qualquer processo nos diferentes ambitos do desenvolvimento
infantil" (ZABALZA, 1998, p. 51) .
d) utiliz8980 de urna linguagem enriquecida: a capacidade de aprendizagem vai
sendo construida a partir da linguagem, que deve, portanto, ser bastante
valorizada, estimulando a fala das crian98s e criando oportunidades para 0
enriquecimento do repert6rio vocabular das mesmas;
e) diferenciag80 de atividades para abordar todas as dimens5es do
desenvolvimento e lodas as capacidades: embora todas as areas a serem
desenvolvidas estejam interligadas, cad a qual requer processos diferenciados
de orientag8o. 0 autor observa que varias areas especfficas podem ser
incorporadas em uma mesma atividade global e integradora;
f) rotinas estaveis: as rotinas proporcionam uma organizayao estrutural das
experiencias do dia a dia, permit indo uma previsibilidade, que por sua vez,
transmite a crianga autonomia e seguranya;
g) materia is diversificados e polivalentes: 0 ambiente escolar deve ser estimulante
e organizado, pela oferta de diversos tipos de material, ou seja, materiais de
varias modalidades, de modo a facilitar e sugerir varias possibilidades de agao;
h) atengao individualizada a cada crianga: 0 autor ressalta a importancia do
contato individual do professor com as criangas, na medida do possivel, pois
muitas vezes as turmas tem 15-20 alunos (0 aulor se refere as caracteristicas
observadas na Espanha). Mesmo que 0 contata individual seja de breve
duragao, e importante para a crianya, em relag80 a linguagem pessoal e a
orientagoes diversas;
i) sistemas de avaliagao, anotagoes, etc., que permitam 0 acompanhamento do
grupo e de cada crianya: com 0 objetivo de orientar e permitir que 0 professor
avalie constantemente se ha pragresso em relagao as metas tragadas. A ideia
nao e formalizagao do precesso, mas que se tenha uma ideia geral do que se
deseja e daquil0 que se pretende alcangar;
j) Trabalho com a familia e com 0 meio ambiente: 0 auter esclarece que a
participagBo dos pais no trabalho escolar e fonte de enriquecimento tanto para
12
as proprios pais, como para as crianC;8s. Os recursos do ambiente tambem
podem contribuir, ampliando as experiencias educativas das crianc;as.
Para KRAMER et al. (1994, p. 20-21), a alta qualidade na educa~iio infantil
favoreee a pleno desenvolvimento psico16gico da crianC;8. As 8utoras destacam
alguns aspectos importantes neste sentido:
a importancia de a crianC;8 desenvolver urna auto-imagem positiva, juntamente
com 0 trabalho para que as crianC;8s possam aceitar e conviver
construtivamente com as diferenC;8s existentes no grupo, em relac;ao a elnia,
classe social ou sexo;
a necessidade de considerar sempre que e par meio da 8C;ElOque a crianC;8
constr6i conceitos e nQ(;6es, e que e na troca de informac;oes urnas com as
Qutras e com as adultos que as crian9as desenvolvem 0 pensamento;
o desenvolvimento das diversas formas de representa980 verbal e essencial
sob 0 ponto de vista lingi.i[stico;
A explora~o do corpo e do espa90 ffsico par meio da expansao dos
movimentos da crian9a.
KRAMER et al. (1994, p. 22) observam que e preciso reconhecer que as
crian9as sao diferentes e apresentam especificidades. Pertencem a classes
sociais diversas e situam-se em diferentes momentos de desenvolvimento
psicol6gico. Os valores e costumes das familias e da localidade em que estao
inseridas tambem interierem na inser~o e percep9ao de mundo que a crian9a
tem. A diversidade de habitos, costumes e valores tambem se faz presente no
contexto escolar atraves dos funcionarios, 0 que tambem traz influEmcias diversas
para as crianc;as, as quais as autoras se referem: ''Desta forma, as rela90es
estabelecidas entre os profissionais da escola, desses com as crian9as, com as
familias e com a comunidade, precisam ser norteadas por essa ViS80 real da
heterogeneidade - rica em contradi90es - que caracteriza a sociedade e as
escolas em geral, e cada creche ou pre-escola em particular" (KRAMER et aI.,
1994, p. 22)
Estes aspectos acirna citados tern estreita liga980 com a qualidade da
educa9ao, e e importante ressaltar que 0 reconhecimento da diversidade cultural e
13
social, nao deve levar a aceitat;;ao de discrimina9ao de escolas para crianry8s de
classes populares, e de classes medias, com diferenC;8s na qualidade do ensina.
As autoras insistem U ••• no criteria unico de qualidade como requisito para urna
educ8c;ao democratica, pois a diferenry8 deve ser considerada para que S8
possam alcanc;ar as mesmas objetivos independente da origem socia-economica
realidade e do conhecimento age da mesma maneira com seus alunos, propon
atividades fragmentadas, soltas, isoladas et que, par conseqOencia, nao tern
sentido para as crianC;8s.
Em Reggio Emilia, a qualidade da educa<;:iio pre-escolar tem sido objetivo
de toda a comunidade, que nao poupa investimentos nesta busea. Tudo nas
escolas e pensado detalhadamente, tanto pel os professores, como pelos pais,
administrac;ao publica e por outros profissionais cujos servic;as venham a ser
necessarias, como por exemplo, serviC;os de arquitetura na construyao ou em
reformas. 0 espac;o e criteriosamente planejado, de modo a proporcionar 0 melhor
bem-estar possivel para as crianc;as, para que se sintam bem ali, e para que
tambem os professores tenham um espac;a adequado e agradavel para
desenvolver seu trabalho.
As relac;oes interpessoais nestas escolas, de acordo com EDWARDS,
GANDINI e FORMAN (1999, p. 25 e 47), tem uma importimcia fundamental. Para
as educadores dali, no amago de uma educac;ao bem-sucedida encontram-se a
reciprocidade, 0 intercambio, e 0 dialogo.
As relac;6es de educadores e crianc;as nos Estados Unidos sao
comparadas com as que ocorrem em Reggio Emilia. Observa-se que nos Estados
Unidos a relac;ao dos professares com a crianc;a tern seu foco principalmente na
avalia<;:iio do desempenho das crian<;:as nas atividades; ja em Reggio Emilia 0
conteudo da relac;ao e focalizado sabre 0 proprio trabalho, sem priorizar a
qualidade do desempenho da crianl'a. Neste caso. a atengao dos professores e
das criancyasesta direcionada a quest6es que interessam a ambos eissa produz varios beneffcios que serao examinados mais a frente.
"3 ASPECTOS DO CURRicUlO PRE-ESCOlAR
Urn dos aspectos fundamentais na educac;ao pre-escolar esta ligado a
ideia de curriculo. A este respeito, ZABALZA (1998, p. 21) especifica 3 quest6es
principais: - 0 desafio do planejamento; - 0 desafio da multidimensionalidade
formativa; - 0 desafio da continuidad8.
o planejamento diz respeito a troca da antiga ideia de que 0 papel da
escola infantil era proporcionar momentos agradaveis par uma nova proposta, que
e a do trabalho planejado, que traz embutido 0 senti do da continuidade.
A multidimensionalidade (au polivalEmcia) das areas formativas, para este
autar, refere-s8 a constatac;ao de que a personalidade e as capacidades das
crian<;as constituern, como as dos adultos, espac;os perceptivelmente
diferenciados em suas estruturas de base e no ritmo de seu desenvolvimento. 0
papal da escola, neste sentido, e fundamental mente complementar: "As
experiemcias musicais, grafico-pict6ricas, expressivas, 16gico-cientificas, etc.
devem receber tanto mais atenryao (... ) quanta mais deficitarios em possibilidades
de exercita-Ias forem os contextos de origem das crianyas" (ZABALZA, 1998, p.
22). Resuminda, 0 autor explica que: " .. a ideia e que existem fortes variary6es
(interpessoais e intrapessoais) no ritmo em que os individuos desenvolvem as
diversas areas de competencia, as diversa5 inteligencias. E por i550 que tal
diferenciayao de areas de experiencia e de conteudos formativos do curricula da
Educayao Infantil e fundamental para enfrentar um desenvolvimento equilibrado e
pleno das crianyas" (ZABALZA, 1998, p. 22).
Quanto ao de5afio da continuidade, e importante que se alcance uma
conexao das atividades na escola infantil com as recursos e as experiencias do
meio ambiente. Seria uma simbiose entre 0 intra-escola e a extra-escola. 0 autor
acredita que:
No que se refere a escola infantil esta conex~o com 0 ambiente aprescnta duas prioridadesclaras: - a incorporalfao progfessiva dos pais e maes ao trabalho escolar com Ulnapresenca ativa e cooperadora (..,); - a incorpora(f3o paulatina dos recursos do meio(pessoais, institucionais, culturais, etc.) como recursos formativos destinados a enriqueceras experiencias vivenciais das crian(fas e a facilitar a sua reconstrulfao por meio deprocessos inlelecluais cada vez rnais sofisticados... (ZABALZA, 1998, p. 23).
16
Esta conexao com aspectos extra-escolares e urn dos aspectos peculiares
ao funcionamento do sistema pre-8scolar adotado em Reggio Emilia. A populaC;:8o
desta cidade tern feito uma opc;ao constants de investir nesta educac;:ao, e
participa das decis6es a ela concernentes de diversas maneiras. A conexao das
escolas com 0 meio extra-8scolar e expHcada par Malaguzzi, quando entrevistado:
Tambem tem sido sempre imporlante, para nus, 0 fala de nosso sistema de escolarizayaoexpalldir-se para 0 mundo das familias, com seu direito a conhecer e parlicipar. E, enUio,expande-se para a cidade, com sua pr6pria vida, seus pr6prios padroes dedesenvolvimento, suas pr6prias institui¢es, jtt que pedirnos que a cidade adotasse ascriancas como portadoras e beneficiarias de seus J.lf6prios direitos especHicos(EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p. 72-73).
A continuidade refere-se tambem a conexao entre as diversas etapas da
escolaridade que Y ••• pode ser estabelecida (... ) procurando uma conexao entre a
missao formativa que desenvalve cada uma das eta pas educativasn (ZABALZA,
1998, p. 24). Ja Malaguzzi, entrevistado por EDWARDS, GANDINI E FORMAN
(1999, p. 101), acredita que S6 0 papel da pre-escola for 0 de preparar para a
escola fundamental, as educadares acabam tarnando-s8 prisioneiros de um
modelo que acaba como um funil, funcionando como urn mecanismo de
estrangulamento.
KRAMER et al. (1994, p. 13 a 16) consideram a organizal'ao curricular
como sendo urn dos aspectos muito importantes para garantir a qualidade da
educagao pre-escolar, e, em relac;ao ao Brasil, talvez um dos maiores desafios.
As autoras, apresentam urna proposta possivel para a questao curricular.
Observam que entre as diversas quest6es que devem ser respondidas para que a
trabalho pre-escolar se concretize, existe uma questao especial, referente ao
curricula: "... como construir uma educac;ao democratica cujo curricula e cuja
pratica pedag6gica levem em conta a heterogeneidade de classe social, etnia,
sexo e cultura das crianc;as e, simultaneamente, promovam a desenvolvimento
plena das crian9as e 0 acesso aos conhecimentos basicos da lingua portuguesa,
da matematica, das ciemcias naturals e sociaisT (KRAMER et aI., 1994, p. 14). As
autoras esclarecem que 0 curricula, sendo um guia de apoio, nao substitui a ac;ao
da dire<;.3o e supervisao pedag6gicas, pel a fato de ser planejado de modo
17
dinamico, e tambem, par que a pn3.tica traz aspectos e problemas importantes que
requerem uma reflexao coletiv8. Assim sendo, 0 curricula e constantemente
reformulado, de forma a nao perder de vista as objetivos a serem alcanryados.
Outra questao, jigada a anterior, segundo informac;ao destas autoras, e que 0
curricula jamais substitui a ac;ao dos professores e alunos e a criatividad8. Par
isse, deve ser compreendido apenas como guia para complementary8o e apoio.
As autoras ainda lembram que, embora 0 curricula sintetize a proposta te6rico-
metodol6gica, nao exclui a necessidade de atualizac;ao pedag6gica e continuo
aperfei90amento dos professores. Mencionam ainda que todos estes aspectos
requerem condir;oes salariais e de trabalho dignas, para que possam ser
concretizados.
o curriculo proposto por KRAMER et al. (1994, p. 49-50) nao e organizado
par atividades diversas, como pintura, desenho au colagens, exercidas de maneira
a nao apresentarem conexao entre si. Aborda tambem aspectos da cultura e da
sociedade nas quais as crian~s estao inseridas. "Na medida em que sao
privilegiados tambem as aspectos de ordem cultural e social, 0 eixo condutor do
curricula e dado pelos Temas Geradores de Atividades Pedag6gicas [grilo das
autorasJ·
o trabalho com estes Temas Geradores possibilita a articulac;:iio da
realidade sociocultural das crianyas com sua fase de desenvolvimento, com seus
interesses e com os conhecimentes humanos acumulados historicamente, aos
quais todos devem ter direito de acesso. Propicia-se desta maneira urn clima de
trabalho cooperativo e em conjunto, e ao mesmo tempo, respeitam-se os
interesses individuais e rimes diversificados das crianyas.
KRAMER et al. (1994, p. 50-51) ressaltam como urn aspecto importante
deste curriculo, e que 0 diferencia das aulas tradicionais, a constante e necessaria
integrayao das areas de conhecimento abordadas. Isto possibilita a crianya a
aquisiyao de uma vi sao integrada do mundo, superando a fragmentay80 e
justaposiyao de informayoes desconexas e sem sentido. Para as professores,
segundo estas autoras, este tipo de trabalho traz uma responsabilidade a mais,
pelo fato de surgirem muitas perguntas inesperadas. Diante deste desafio, 0
18
professor necessita de mais estudo, pesquisa e informay<3o, de modo a ampliar
sua compreensao do desenvolvimento psico16gico, e tambem, dos conceitos e
informa90es em questao em cada tema explorado.
Uma estrategia indicada pelas autoras para instrumentaliz8yao do professor
em relac;ao a estas dificuldades e a este tipo de trabalho e u ..• 8 constrUC;<30
gradativa de um 'arquivo' [grilo das autorasJ dinamico de temas, onde vai se
registrando e acumulando as conhecimentos basicos referentes aDs diversos
temas desenvolvidos, e que, semestre ap6s semestre, ana apos ana, va; S8
tornando mais rico, porque rica e a tareta de conhecer!" (KRAMER et aI., 1994, p.
52).
Em Reggio Emilia, 0 curricula adotado para crianc;as abaixo de 6 anos edenorninado ucurriculo emergente". Este tipo de curricula " ..define 0
planejamento como urn metoda de trabalho no qual os professores apresentam
objetivos educacionais gerais, mas nao formulam as objetivas especificas para
cada projeto ou atividade de antemao" (EDWARDS, GANDtNI E FORMAN, 1999,
p. 113). Os professores, de acardo com experiencias anteriores e com 0 que
conhecem das crianC;:8s, formulam hip6teses sabre aquilo que pode ocorrer
durante as atividades. Estabelecem entao objetivos que sao flexiveis, baseados
no interesse e nas necessidades das crianc;:as. A justificativa para a adQ(;ao desta
forma de planejamento de curriculo e 0 fato de as escolas constituirem parte de
urn sistema publico que tem se empenhado em aliar 0 bem-estar das crianc;:as e
as necessidades publicas das familias aos direitos humanos fundamentais ainfancia. As crianc;:as sao vistas como individuos unicos e com direitos, e nao
como apenas apresentando necessidades a serem supridas.
o planejamento, segundo Cartina Rinaldi, educadora em Reggio Emilia,
quando entrevistada por estes autores, e " ... entendido no sentido de preparac;ao
e organizac;:ao do espac;:o, dos materia is, dos pensamentos, das situac;:6es e das
ocasi6es para a aprendizagem" (EDWARDS, GANDINt E FORMAN, 1999, p. 115).
Esta forma de planejamento permite a comunicayao entre as crianc;:a;;, suas
familias e as educadores, que sao considerados "parceiros interativos da escola"
19
Como orientac;ao para 0 planejamento, 0 Referencial Curricular Nacional
para a EduC8gflO Infantil apresenta objetivos a serem trabalhados as quais"
...8xplicitam intenc;oes educativas e estabelecem capacidades que as criany8s
poderao desenvolver como consequencia de 8<;oes intencionais do professor. Os
objetivos auxiliam na sele<;iio de conteudos e meios did<iticos" (BRASIL, 1998, v.
1, p. 47). FaJa-se em capacidades aD inves de comportamentos tendo em vista a
ampliac;ao da possibilidade de coneretizar as intengoes educativas: diversos sao
os comportamentos pelos quais as capacidades S8 expressam. oesta maneira
torna-S8 mais viavel 0 atendimento as difereng8s individuais das crianC;8s.
De acordo com 0 Referencial, "E importante marcar que nao ha
aprendizagem sem conteudos" (BRASIL, 1998, v. 1, p. 48). Portanto, alem de
fatos, conceitos e prindpios, tambem sao considerados como objetos de
aprendizagem e centelidos as conhecimentos ligados a procedimentos, atitudes,
valores e normas.
A idei8 e instrumentalizar 0 planejamento do professor" ...para que possa
contemplar as seguintes categorias: os centeudos conceituais que dizem respeito
aD conhecimento de conceitos, fatos e principios; os conteudos procedimentais
referem-se ao "saber fazer" [grifo dos autores] e as conteudos atitudinais estao
associ ados a valores, atitudes e normas" (BRASIL, 1998, v. 1, p. 49).
De forma didatica, 0 Referencial Curricular Nacional para a Educ8yao
Infant;! e organizado em do is ambitos de experienc;as:
Formag8o Pessoal e Social
Conhecimento de Mundo
A Forma<;iio Pessoal e Social e constituida pelos eixos de trabalho: Identidade
e autonomia; 0 Conhecimento de Mundo e composto pelos eixos: Movimento,
Artes visuais, Musica, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade, e
Matematic8.
20
4 0 SISTEMA DE ENSINO PRE-ESCOLAR EM REGGIO EMILIA
A metodologia, au seja, 0 sistema adotado na pre-escola em Reggio Emilia,
apresenta diversas particularidades que Ihe conferem a qualidade mundialmente
reconhecida. Os aspectos mais caracteristicos referem-se a ausencia de urn
curricula previa mente definido, a importancia atribuida a relag80 existente entre
adultos e crianC;8S,a ausencia de uma hierarquia nesta re18980, a documentaC;80
sistematica das atividades desenvolvidas pelas crianC;8s com os professores, aD
trabalho dos professores - em parceria, pesquisas, a cuidadosa disposig80 e
planejamento do espa,o e ambiente dentro da escola, a participa,ao das familias
e da comunidade, aD usa do atelier, ao trabalho com projetos, e tambem, aexistencia de uma equipe de pedagogistas. Alguns destes aspectos serao
examinados mais detalhadamente a seguir.
4.1 AS RELA!;OES INTERPESSOAIS
A for9a do sistema reside na mane ira como sao tornadas explicitas as
condi90es necessarias para as rela90es e interac;ao, que sao intensificadas. Nas
relac;oes, busca-se nas escolas de Reggio Emilia encontrar maneiras que
proporcionem a otimizac;ao do ".. .fluxo de expectativas, conflitos, cooperac;ao,
escolhas, bem como 0 desdobramento expHcito de problemas vinculados aos
campos cognitiv~, afetivo e expressiv~" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999,
p. 78-79). 0 refor,o do senso de identidade da crian,a que e obtido nas rela,oes,
por meio do reconhecimento por parte dos colegas e dos adultos, e tambem urn
dos objetivos do enfoque adotado.
Existe uma complementaridade entre os papeis de adultos e de crianc;as,
ambos fazendo perguntas uns aos outros, ouvindo e respondendo mutua mente.
Uma das caracteristicas que marcam a relac;ao existente entre adultos e crian9as
e que:
... desaparece nesse sistema educacional a hierarquia dos que sabem e dos que naosabem, dos que mandam e dos que obedecem, substituida por urn relacionamento
Conforme mencionado anteriormente, para EDWARDS, GANDINI E
FORMAN (1999, p. 47 a 50), em Reggio Emilia 0 conteudo da rela9ao professor e
aluno focaliza-se sobre 0 pr6prio trabalho, 0 qual e interessante para ambos.
Varios beneficios decorrem do fata de a atenc;ao dos professores e das crianc;as
estar direcionada a quest6es do proprio interesse. Urn deles €I que as crianc;:as S8
empenham nas atividades, pais 0 trabalho S8 torna excitante, incluindo tomada de
decis5es sobre representac;oes a serem feitas, sabre a coordenaC;:8o de esfon;:os,
resolugao de ideias conflitantes dos varios participantes de urn projeto, entre
Qutras. Outre beneficia e que os professores tambem S8 tornam alta mente
envolvidos, jil que 0 projeto ou atividade em questao e interessante para eles
tambem. Hi! maior disposic;ao da parte deles em Quvir, encorajar, e mesmo, em
permanecerem atentos para nao auxiliar em demasia.
Uma caracteristica do sistema reggiano, que envolve de forma importante a
rela9ao entre professores e crianyas, e a permanencia das crian9as com 0 mesma
professora durante os tn3:s an os de pre-escola. Esta permanencia livra as crianyas
do desgaste produzido por adaptac;oes a novas professoras a cada ano, e permite
tambem a cria9aO de vinculos estreitos entre professores, crian9as e familias.
Outro fator metodologico importante ligado as rela90es diz respeito ao
tamanho dos grupos de crianc;as que trabalham juntas. Este fator foi
cuidadosamente estudado por Malaguzzi e por ele descrito em entrevista a
EDWARDS, GANDINI E FORMAN (1999, p. 118), sendo explicado na sequencia.
A dinamica produzida por grupos de duas crian9as apresenta uma riqueza
extraordinaria nos aspectos social e cognitivo, sendo 0 beneficio destas duplas
maior para crian9as mais novas, Possibilita-se a crian9a e ao professor
compreender 0 ritmo da comunica9ao e a tarefa de ajuste de uma crian-;a a Qutra.
22
Urn grupo formado par tres crianc;as tern uma dinamica bastante diferente: 0
numero impar de participantes do grupo leva a possibilidades de separac;ao e
conflito, alem das possibilidades de solldariedade e alianc;a.
Para otimizar a aprendizagem cognitiva, ap6s muita consideray8o, as
educadores concluiram que 0 grupo naG deve ter numero maior do que cinco
crianc;as, pois grupos maiores apresentam uma dinamica muito complexa,
dificultando as criancyas a avaliac;ao e transformac;ao de seu conhecimento e de
sua identidade par meio do conhecimento em constanta mudam;a sabre a
identidade de Qutros.
a trabalho em pequenos grupos agrada tanto as crianc;as quanta aDs
educadores, fato devido ao qual as salas de aula sao transformadas em um
grande espac;o, com diversos pequenos grupos de crianc;as, cada qual com seus
projetos e atividades. Esta forma de trabalho permite uma boa observaC;80 por
parte DOS professores e que estes desenvolvam pesquisas sobre a
aprendizagem cooperativa e sobre a troca e divulgaC;ao de ideias. Tambem
permite as criangas a escolha entre diversas form as de interagir.
Outro aspecto caracteristico que diz respeito as relac;oes, segundo os
autores EDWARDS, GANDINI E FORMAN (1999, p. 75-77), refera-s8 as visitas,
que sao encorajadas: lanches das crianc;as na casa dos colegas, visitas aos pais
no seu local de trabalho, excursoes que sao organizadas com as familias.
Malaguzzi, quando entrevistado, lembra que a forma da relagao dos adultos com
as criangas influencia a motivaC;3a destas e seu aprendizado.
4.2 A DOCUMENTACAO DAS ATIVIDADES
A documentagao e um DOS aspectos muita fortes que orientam 0 trabalho. Efeita pelos professores por meio de anotac;oes do desenrolar das atividades, au,
por meio de gravagoes do discurso das criangas, ou ainda, por filmagens das
criangas. Para Malaguzzi, os professores devem descobrir meios de
comunicar e documentar as experiencias constante~ das criangas na escola .
23
(EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p. 80). A documenta9ao facilita a troca
de ideias dos professores entre si, como tambem, com os pais.
Com as observa96es feitas pelos professores e transcri96es de fitas sao
feitas reflex6es em grupo. Alem de gerarem discuss6es e conflitos no grupo, as
transcri96es promovem discussoes e conflitos intrapessoais para 0 proprioeducador. As reflex6es decorrentes destas discussoes e conflitos podem mudarradicalmente pensamentos e hip6teses sabre as crianC;:8s, como tambem, sabre as
interaC{6es
A documenta9aO das atividades, foi percebida pelos professores como
servindo a tres aspectos muitissimo importantes: permitir que as crianC;8s ten ham
urn registro concreto e visivel daquilo que fizeram e disseram, com a finalidade de
servir como inicio para passos seguintes na aprendizagem; fornecer aos
professores uma ferramenta para pesquisas e indicadores para melhoria e
renov898o; oferecer informac;:6esminuciosas para 0 publico e para as pais sabre 0
que aconteee nas escalas, como forma de obter suas rea90es e seu apoio.Para as crianyas. "". 0 fluxo de documentayao cria um segundo cenario,
igualmente agradavel. tomando-as mais curiosas. interessadas e confiantes.
enquanto contemplam 0 significado daquilo que conquistaram. Aprendem que
seus pais sentem-se a vontade na escola. com as professores e que estaoinformados sobre 0 que aconteceu e ira acontece(' (EDWARDS, GANDINI E
FORMAN, 1999, p. 80).
4.3 0 TRABALHO DOS PROFESSORES
Uma caracteristica peculiar do sistema reggiano e 0 fato de os professorestrabalharem em parceria, 0 que, na visao de Malaguzzi, representa urnrompimento propos ita I com a solidao e 0 isolamento dos professores nosaspectos profissional e cultural. No principio. houve resistencia a esta forma de
trabalho, mas logo varias vantagens foram percebidas pelos educadores.
Este trabalho em pares, e tambem, entre os diferentes pares de
professores. trouxe grandes beneficios para crian<;ase adultos. tanto no aspecto
psicol6gico quanto no educacional. Alem disto, 0 sistema de trabalho em conjunto
dos professores funcionou como ponte para a participac;ao tambem da
comunidade e dos pais no funcionamento das escolas.
Ainda faz parte do trabalho dos professores 0 envolvimento sistematico em
pesquisas, individualmente ou em grupos, buscando estrategias que possam ser
utilizadas pelas crianc;as, au favorecer 0 trabalho das mesmas. Existe urn
movimento continuo dos educadores entre a pesquisa e a aC;ao.
Para as familias e para as crianc;as e importante perceber 0 quanto os
professores trabalham juntos, a freqOencia com que se reunem para discussoes, a
maneira pela qual resolvem as divergEmcias que surgem. A este respeito le-se
que:
...os pais e as crianc;as (...) devem ver como as professores cooperam com projetos depesquisas e com outras iniciativas, como documentam seu Irabalho com paciemcia ecuidado. como manejam habilidosamente suas cameras de filmagem e de video. com quegentileza eles escondem suas preocupac;6es, juntam-se as brincadeiras das criam;:as eassumem responsabilidades. Tudo isso represenla para as crianc;asexemplos de condutaque causa uma profunda impressao. Eles veem um mundo onde as pessoas realmenteajudam umas as outras (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999. p. 80).
Uma questao importante para os professores e 0 aprendizado de que nada
deve ser ensinado as crianc;as, a nao ser a que elas possam aprender por si
pr6prias. 0 interesse e a motivaC;80 das crianc;as explodem quando se percebem
como autoras e quando recebem ajuda para perceber 0 prazer da investigayao.
Neste senti do e importante para os educadores a visao das crianc;as como
produtoras e nao como consumidoras. A aquisic;ao da compreensao de que a
crescimento profissional, ah?m de fruto do esforc;o individual, torna-se muito mais
rico por meio das discussoes com colegas, pais e especialistas, constitui outra
caracteristica dos professores nestas escolas.
44 A PARTICIPAi;Ao DAS FAMiuAS E DA COMUNIDADE
A participac;ao das familias e da comunidade na educaC;2o tern tido apoio
oficial em Reggio Emilia desde os anos 70. Acredita-se que e uma proteC;2o contra
25
a excessiva burocracia e uma rnaneira de apoiar a inovac;;ao e de estimular a
cooperacyao dos pais.
as objetivos desta participac;ao constituem parte do conteudo e metodos da
abordagem educacional. A participa~ao dos pais e da comunidade tern a
finalidade de ~...promover a v;gorosa interac;:ao e comunicac;ao entre educadores,
criam;:as, pais e comunidade. Ela melhora 0 valor de uma abordagem educacional
que tern suas origens e objetivos nos prindpios da comunicacyao e da
solidariedade" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p. 107). No entanto, para
a valida~ao desta participa~ao, ela deve ter orienta~6es pedag6gicas bern
fund ad as e claras.
As familias criaram uma Junta de Conselheiros que tern duas a tres
reuni6es par meso Alem disso, encontram-se sozinhas ou com as educadores, em
reuni6es individuais, de grupos, ou de toda a escola. Como a discussao e a
tomada de decisao funcionam coletivamente nas eseelas 0 envolvimento dos pais
e alto. Alias, a responsabilidade de tomar parte da comunidade de educadores
inclui todos funcionarios da escola: professores, cozinheiros e atendentes.
Ainda em relaC;ao a participagao das famllias, Malaguzzi, quando
entrevistado, explica que no sistema adotado 0 foco sabre as criangas nao esuficiente: as professores e pais sao centrais para a educag80 das criangas. 0
objetivo e que a escola seja um lugar confortavel, onde criangas, professores e
familias se sintam em casa. Assim, professores e pais tambem sao colocados
como centro de interesse, juntamente com as crianc;as. Malaguzzi relata que:
" ...n6s formamos urn mecanismo que combina locais, papa is e fungoes (... ). Tudo
isso funciona dentro de uma rede de cooperag80 e interaC;ao que produz para as
adultos, e sobretudo para as criangas, uma sensaC;8o de pertencerern a urn
mundo vivo, receptiv~ e autEmtico" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p.
74).
A participag80 das familias tambem se faz presente, juntarnente com os
professores, no planejamento, que consiste na preparag80 e organizaC;ao do
espac;o, materiais, pensamentos e ocasioes proplcias a aprendizagem
26
4.50 AMBIENTE E 0 ESPA90
Quando S8 entra nas escolas infantis de Reggio Emilia, de imediato tem-S8
uma sensa~ao de hospitalidade e serenidade, aHadaa uma atmosfera de
descoberta. A impressao geral e do allo valor da qualidade e dos tipos de
atividades das crianc;as, e tarnbam, do alto padrao de profissionalismo e dos
cuidados por parte dos adultos.
A cultura das pessoas que frequentam as escolas refJet8-se no ambiente de
varias maneiras, conlorme relato de EDWARDS, GANDINI E FORMAN (1999, p.
150). Uma marca caracterlstica e 0 grande valor atribufdo a beleza e harmonia do
desenho, que pode ser percebido nos moveis, cores das paredes, nas grandes
janelas pelas quais filtra-se a Juz do sol, no vivo das plantas, na manuten<;ao
cuidadosa, e em varios outros aspectos.
CaracterfSlicas que favorecem a cooperavao, conceito allamente valorizado
na regio3.o, dada a centenaria tradiyao cooperativista, tomam parte da organiza9ao
do ambiente para as atividades e retina.
A disposiyao espacial nas escolas e cuidadosamente planejada, de modo a
otimizar as interayoes, facilitar 0 movimento e criar um ambiente agradavel. Uma
vez que 0 desenvolvimento social e considerado como parte integrante do
desenvolvimento da cogniyao, 0 planejamento do espayo visa facilitar encontres,
interayoes e intercambios entre as crianyas. 0 espayo deve garantir 0 bem-estar
de cada crianya e do grupo todo. "Ao mesmo tempo, °espayo e estabelecido para
favorecer relacionamentos e interayoes dos professores, da equipe e dos pais
entre eles pr6prios e com as crian9as" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999,
p. 151). 0 bem-eslar dos adultos e tao importante quanto 0 bem-estar das
crianyas, e, juntamente com a confian9a dos pais que deixam seus filhos na
escola, e considerado vital para 0 funcionamento do sistema.
Ha um hall de entrada, espayo principal comum, que se presta a informar,
documentar, alem de antecipar a forma e organizay8.o da escola. As outras salas
podem eslar ligadas direlamente a esle espayo, chamado de "piazzatt (praya em
1Ialiano). As escolas possuern urn grande atelier, uma biblioteca (com espayo para
sala de aula para cada faixa etaria, e junto a essa, urn mini-atelier. Existem ainda
a cozinha, a sala de refei<;6es, uma sala com pessoas de idade para a lavagem au
brincadeiras na agua e as sanitarios, todos inslalados de maneira eficiente e
agradavel.
Nenhum espayo e desprezado. Em uma das escolas, as espelhos nos
banheiros e lavabos apresentam recortes em formatos diversos, para que as
crianyas possam ver suas imagens de modo divertido. Nos tetos podem ser vistos
mobiles ou esculturas feilas pelas crianyas e pendurados pelos professores.
Varias paredes sao de vidro, formando uma continuidade entre jardins internos e
externos. Permitem que haja muita luz natural, e que se possa brincar com
transparencias e reflexos. Paredes de vidro separando espayos de trabalho,
propiciam uma sensayao comunitaria. No entanto exislem tarnbem possibilidades
de alguem ficar sozinho quando 0 desejar, nos mini-ateliers ou outros pequenos
compartimentos fechados.
Quanto a disposiyao do espaQo, as crianQas tern variadas possibilidades de
escolha: exist em lugares onde podem ficar sozinhas, em grupos pequenos, em
grupos maiores, com au sem os professores. Podem escolher 0 atelier, 0 mini-
atelier, a grande piazza, e tambem a jardim fora da escola, quando 0 tempo
permite. 0 jardim apresenta muitas estruturas para brincadeiras. 0 material e
ferramentas para 0 usa das crianQas em suas atividades tam bern recebem uma
atenQao especial. Ficam dispostos sobre mesas, bancadas iluminadas au
cavaletes, au outros espayos adequados, como prateleiras abertas repletas de
material reciclado ou nao, dispostos de modo bern organizado. Prevendo
possfveis atividades, ligadas diretamente as escolhas educacionais basicas, os
professores ajudam a selecionar com antecedencia as materiais, e a disp6-los em
recipienles transparentes. "Os materiais e objetos, que estao no espayo onde as
crianyas passam muitas horas, foram escolhidos ou construfdos de acordo com 0
contexto no qual serao usados, com uma considerayao quanto ao modo como as
crian9as reagirao a eles. Anotac;6es cuidadosas devem entao ser feilas, acerca de
28
como as criangas agiram com esses objetos e, eventualmente, os reinventaram"
(EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p. 155).
Outra caracteristica mareante das escolas e a grande quantidade dos
trabalhos das proprias criangas dispostos em todos os cantos das escolas. A
selegao e preparagao desta exposic;:ao dos trabalhos e feita criteriosamente pelos
atelieristas.
o que S8 deseja em Reggio Emilia, para favorecer a educagao, e que 0
ambiente da escola seja tal que permita interligar os aspectos cognitivos com os
aspectos do relacionamento e da aprendizagem.
4.60 ATELIER EO ATELIERISTA
o atelier nas escolas em Reggio Emilia tern duas func;:oes:
- e urn lugar ande as crian9as podem trabalhar com todas as form as de tecnicas:
desenho, pintura, trabalhos com argila - utilizando todas as linguagens
simbOlicas .
• auxilia os professores a compreenderem como as crian~as "inventam
veiculos autonomos de liberdade expressiva, de liberdade cognitiva, de liberdade
simb61ica e vias de comunica9ao" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p.131).
o atelier tambem teve 0 papel importante de oferecer uma oficina de
documenta~ao. A documentayao obtida presta-se para reflexoes tanto individuais
como coletivas, permitindo a construyao de teorias e hipoteses estreitamente
ligadas as atividades concretas das crian~as.
A professora encarregada do atelier e conhecida como atelierista, e tem
forma~ao especffica em educa~ao artistica. Alem de poder acompanhar as
crian~as em seus projetos, atua principal mente junto aos professores, prestando
uma consultoria constante e garantindo a eles a circulayao de ideias. Urn vez que
o treinamenlo do atelierista e diferente daquele dos professores, 0 atelierista pode
auxilia·los a perceberem possibilidades visuais de temas e projetos que nao sao
aparentes a eles. A atelierista funciona como co-organizadora da experiencia das
29
crianc;as e dos professores e, tambem, como editora e designer da documentagao
do trabalho realizado na escola.
Uma atelierista descreve sua visao do atelier: "0 ambiente do atelier [grifo
dos autoresl lorna-S8 urn centro de cultura, cnde ao 10ngo dos anos os processos
e ferramentas lem sido modificados. A relagao com 0 atelierista e os professores
cresceu e aprofundou-se, afetando, par sua vez, 0 relacionamento profissional
enlre os professores e as crian9as" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p.
132).
4.70 TRABALHO COM PROJETOS
o trabalho com projetos e urn dos aspectos bastante caracterfsticos da
abordagem educacional de Reggio Emilia. Urn dos aspectos mais importantes
deste tipo de trabalho e permitir que as crianyas aprendam a conhecer assuntos
em maior profundidade. Quanta ao planejamento:
Nas escolas de Reggio, 0 projelo nos pequenos grupos e iniciado com serie de reuni6esentre as professores. Ali, os proiessores revisam os princfpios eslabelecidos sobre 0 quefaz um bam projeto. Um bam projeto permite a contribui<;ao individual de cada crianya etambem permite que elas interajam visando objetivos comuns. Permite nao apenas que ascrianyas busquem objetivos claramente delinidos, mas que tamb9m discutam e decidamsobre suas pr6prias submelas, regras e incentivos. Deve haver dialogo e conflito levando acoordenayao de diferenles opini6es. Nao apenas usa opini6es verbais, deve usar outrosmodos de representayao. como graficos, mfmica e gestos. as graficos e os gestosajudarao as crianyas comunicar suas ideias divergentes, e 0 dialogo verbal ira ajuda-Ias achegar a um consenso (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999, p. 177-178).
Urn projeto e encarado como uma especie de aventura e pesquisa, e pode
ser iniciado a partir de sugestoes de adultos, ideias de alguma crian<;:a, ou, a partir
de algum fato ocorrido. Gada projeto baseia-se em observa<;:oes atentas dos
professores quanto ao que as crian(::as dizem e fazem, e tambem, naquilo que nao
e dilo e feilo por elas. E importante que seja dado as crian,as lempo suficienle
para que possam desenvolver seus pensamentos e a<;:oes. As ideias sao
discutidas com as crian<;:as, e tambem, propostas aos pais.
Segundo RABITTI (1999, p. 128-131), trabalhar com projelos significa que
sao feitas avalia<;:oes a cada dois meses pelo pessoal da escola (na escola
30
Villetta) sabre 0 que S8 desejaria fazer dentro de urn determinado perfocto de
tempo. Ideias sao lanyadas e consideradas, tendo em mente que qualquer
proposta podera ser modificada par idsias das crianyas au dos pais, au pela
situayao. 0 trabalho com projatos evoluiu a partir dos pianos de trabalho que eram
usados anteriormente, nos quais havia manor margem de mudanyas ao longo do
trabalho - existia uma programaqao, ligada a objetivos precisos.
A forma atual - 0 trabalho com projetos, deriva de ideias au sugestoes
apresentadas pelas proprias crianyas. Nao ha urn roteiro predefinido para as
projetos, au seja, embora alguns aspectos possam ser previstos, issa nao significa
que necessariamente ocorrerao. Urn aspecto importante e que, se for percebido
que determinado projeto nao esla levando a lugar algum, nao produz resultados,
pode ser abandonado.
Ao ser dado inicio a um projeto novo, segundo EDWARDS, GANDtNI E
FORMAN (1999, p. 198), os educadores costumam reunir-se para a discussao de
todas as possibilidades de evoluc;;8.o do projeto, levando em conta as provaveis
ideias, hipoteses e as escolhas feitas pelas crianc;;as. Desta forma, preparam-se
para todos os estagios seqOenciais do projeto, mesmo para situac;;oes
inesperadas.
4.8 A EQUIPE DE PEDAGOGISTAS
A palavra pedagogista nao apresenta traduc;;8.o literal. Coordenador
pedagogico ou conselheiro educacional sao expressoes que se aproximam do
significado da palavra, mas nilo correspondem ao significado exato.
Mesmo na Italia, onde a func;;ao surgiu, os autores relatam que 0 papel do
pedagogista refere-se a um desempenho profissional relativamente novo. Em
diferentes locais existe certa variac;;ao nas func;;oes que 0 pedagogista
desempenha. Em Reggio Emilia, ha um aficial eleita para a administrac;;ao das
creches e pre-escolas, que coordena diversas diretores. Entre eles, existe 0
Diretor de Educac;;ao para a Primeira Infancia, que coordena uma equipe de nove
31
pessoas: sete pedagogistas, urn coordenador de educayao especial e um
especialista em curriculo para teatro.
Uma vez que a escola funciona como um sistema ern que tudo esta
interligado, tambem 0 pedagogista esta incluido no sistema relacional, e as
fun,6es a ele atribuidas sao multiplas. A pedagagisla entrevistada par EDWARDS,
GANDINI E FORMAN (1999, p. 124) mantem cantata com administradares
municipais e varios tipos de funcionarios, entre os quais, representantes de grupos
culturais e cientfficos.
A equipe de pedagogistas tern reuniees semanais com 0 diretor, nas quais
sao discutidos a politica e os problemas relacionados a toda a rede de creches e
pre-escolas, de acordo com as informayees dos autores. Cada urn dos
pedagogistas tem atribuiyoes especfficas, mas deve haver um continuo
intercambio de informayoes sobre 0 que ocorre nas escolas, sobre novos avanyos
na pratica e na teoria enos fatos politicos. 0 trabalho requer con stante luta para
manter clareza e franqueza de uns para com os outros.
Oentro das escolas 0 pedagogista interage no sentido de ajudar a
implementar e manter a filosofia do sistema, como por exemplo, aspectos da
organizayao basica: estabelecimento de horarios e turnos de trabalho, atribuiyees
e responsabilidades da equipe da escola, questees sobre 0 ambiente ffsico, e
outras quest6es.
Quanta ao trabalho com os professores,
E responsabilidade do pedagogista [grifo dos autoresj trabalhar com professores paraidenlificar as novas lemas e as experiencias para ° desenvolvimenlo profissional continuoe 0 Ireinamenlo em servi90. E uma tarefa delicada, em virtude da prepara9ao basicainsuficienle de muilos dos nossos professores. Acredilamos, contudo, que 0 mais alto nivelde ensino e melhor adquirido alraves da experiencia no trabalho. apoiada com ref1exao eenriquecimento conlinuos. (... ) 0 pedagogista trabalha para promover em si mesmo enosprofessores uma atitude de ~aprendendo a aprender" ( ...), uma receplividade a mudan9a euma disposi9ao para a discussao de pontos de vista opostos. (EDWARDS, GANDINI EFORMAN. 1999. p. 124).
E 0 pedagogista que auxilia os professores a melhorarem a habiJidade de
abservar e ouvir as crianyas, de conduzir as suas proprias pesquisas e de
dacumentar projetos, segundo os autores acima. Tambem e ele que promove
32
oficinas para format;:ao de habilidades tecnicas, para por exemplo, confeccionar
cartazes com informa90es sobre a escola para pais e visilantes. Promove reuni6es
separadas para as professores das creches e pre-escolas, durante a ana, nas
quais sao abordados temas diversos, como a desenvolvimento infantil. Junto aos
professores, 0 pedagogista trabalha com 0 objetivo de promover a autonomia
desses, sem limitar-se a oferecer soluc;:6es para as problemas que surgem.
Promove reuni6es entre professores e famllias para melhorar a qualidade
do relacionamento entre eles, possibilitando que venham a S8 conhecer methor,
bern como, conhecer as projelos de curricula para poderem explon3.-los e cria-Ios
juntos. 0 pedagogista tambem deve estar disponfvel para apoiar os professores
nos relac;onamentos diarios com os pais.
a trabalho nao e considerado simples • "Certamente, a arte de trabalhar e
compartilhar com outros adultos - sejam colegas ou professores - demanda um
longo aprendizado, 0 que nao e facil, mas e 0 caminho para 0 pleno
desenvolvimento profissional e pessoal" (EDWARDS, GANDINI E FORMAN, 1999,
p.126).
5 A PRE-ESCOLA NO BRASIL E EM REGGIO EMILIA
Seria passfvel acreditar que existe de alguma maneira, no Brasil, esta
qualidade de ensina pre-escolar e preocupa9ao com a primeira infancia,
encontradas em Reggio Emilia? ANTUNES (2002), apresentando a abordagem
educacional regiana, 8screve a este respeito: ", ..Essa breve explicac;ao sintetiza a
visao de que uma Reggio Emilia brasileira seria nao apenas plausivel, mas ate
mesmo eSla bastante proxima de muitas de nossas escolas de educac;ao infantil",
De fata, pode-s8 lembrar 0 relate de Madalena Freire em seu livre "Paixao
de Conhecer 0 Mundon, que apresenta uma orientac;ao em muitos aspectos
bastanle proxima deste sistema pre-escolar italiano. As ideias apresentadas por
varios auto res brasileiros, como Sonia Kramer et ai, pelos diversos autores do
Referencial Curricular Nacional para a Educagao Infantil, tambem possuem muitos
pontos coincidentes com a abordagem de Reggio Emilia.
No entanto, 0 Referencial curricular Nacional para a Educac;ao Infantil
(BRASIL, t 998, v.1, p.43) cita 0 diagnostico das propostas pedagogicas e dos
curriculos de educagao infanlil de varios estados do Brasil feito pela
COEDI/DPEISEF/MEC. A analise dos dados apresentados neste diagnostico
moslra existir um pronunciado desencontro entre as orientac;6es metodologicas e
os fundamentos teoricos adotados. Nao ha explicitagao das maneiras que
permilem articular 0 universo cultural das criangas com 0 desenvolvimento infantil
e com as areas do conhecimento. Esta falta de explicitagao pode dificultar as
escolhas de conteudos e metodos feita pelos professores, sobretudo para aqueles
com formagao apenas de ensino medio. Dificilmente a formac;:ao leo rica que
possuem permitin3. que eles consigam fazer esta articulagao.
A formagao escolar especffica dos profissionais que trabalham com a
educa,ao infantil em Reggio Emilia, segundo EDWARDS, GANDINI e FORMAN
(1999, p. 82), e deficitaria. As caracteristicas requeridas para 0 trabalho com as
criangas adquirem-se no trabalho, na vivencia do dia a dia e nas inumeras
maneiras pelas quais os educadores sao levados a refletir sobre seu desempenho
e a discuti-Io tambem. No Brasil a situac;ao da formagao dos professores nao
34
difere muito quanto a qualidade. De acordo com 0 Referencial Curricular
Nacional para a Educa,ao Infantil, "Embora nao existam informa,oes abrangentes
sobre as profissionais que atuam diretamente com as crian98s nas creches e pre-
escolas do pais, varios estudos tern mostrado que muitos destes profissionaisainda nao tem forma,ao adequada, recebem remunera,ao baixa e trabalham sob
condi,oes bastante precarias" (BRASIL, 1998, v.1, p. 39).
Ainda de acordo com 0 Referencial Curricular Nacional para a Educa,ao
Infantil (BRASIL, 1998, v.1, p. 39), as fun,oes dos profissionais que atuam na
eduC8,ao das crian,as da faixa de 0 a 6 anos estao passando por reformula,oes
profundas. As discuss6es existentes sobre estas func;6es apontam para a
necessidade de uma forma98o mais abrangente e unificadora para estes
profissionais, que permita que sejam levados em consideraC;8o as conhecimentosja adquiridos e tambem possibilite uma constante atualiza,ao profissional.
Em relayao a formay8o de urn quadro de profissionais competentes para
este tipo de educa,iio, 0 Referencial Curricular Nacional para a Educa,iio Infantil
(BRASIL, v.1, p. 39, 1998) cita a LOB, a qual estabelece as exigencias quanto aforma,ao destes educadores (a forma,ao minima para atua,iio na educa,ao
infantil e aquela oferecida em nivel de ensino medio - a chamada modalidade
"Normal") e estabelece um periodo de transi,iio para a regulariza,iio das escolas
quanto a esta questiio.
Para finalizar esta refiex8o, acredita-se que seja importante lembrar que urn
aspecto muito importante que 0 Brasil pode aprender com a abordagem pre-
escolar de Reggio Emilia e a nao elitiza,ao da educa,ao de alta qualidade. Isto
significa estender a toda popula,iio infantHa possibilidade de freqOentar uma pre-
escola que Ihe garanta um desenvolvimento 0 mais saudavel e completo posslvel.
35
CONCLUSAO
Diante de todas as considerayoes acima, comprova-se que a excet€mcia na
educayao pre-escolar e passivel, desde que haja interesse e investimento, tanto
em recursos materiais, quanto na formayao de recursos humanos. Surge entao
um questianamento: para 0 Brasil, seria uma utopia a criayao e manutenyao de
uma educa<;:ao pre-escolar de alta qualidade, universalizada de modo a garantir 0
ingresso e permanencia de toda, ou, pelo menos, quase toda populayao infanti1 na
faixa de tres a seis an os de idade, e, se possivel, tambem com idade de zero a
tres anos? Alem disso, que leve em conta a diversidade s6cio-econ6mica e
cultural da populayao infantil alendida? Que, alem de garantir a individualidade e
prom aver a socializayao, tambem en sine 0 valor da cooperayao, tao importante
num mundo altamente competitivo?
Quando se pensa em como se alcanyou e se mantem a alta qualidade da
educagao pre-escolar em Reggio Emilia, talvez seja importante lembrar que la
existe 0 envolvimento e participayao da sociedade. Esta consciemcia e
participayao social, se puder ser encontrada em algum lugar do Brasil, ainda e
incipiente e pouco significativa. Percebe-se, no entanto, que comeya a surgir uma
consciencia da impartancia da educayao nos primeiros anos de vida, e tambem,
uma preocupagao e busca para a otimizaga.o do ensino pre-escolar.
A participayao social nao implica necessariamente 0 investimento de
recursos diretamente pela sociedade, mas, a reivindicac;ao por parte desta para
que a governo invisla, erie e de continuidade a programas pre-escolares de
qualidade. Cabe tambem a sociedade verificar e acompanhar 0 funcionamento
destes programas.
E claro que uma otimizayao de disponibilidade de recursos financeiros e
diffcil de ser alcangada. Mesmo em Reggio Emilia fala-se sobre a existencia de
limitayoes financeiras. No entanto, nao se pode aceitar que a investimento neste
setor seja tao fnfima de maneira a nao permitir que se obtenha urn grau minima de
qualidade. Tambem nao deveria ocorrer que uma certa limitac;ao de recursos seja
usada como pretexto para inviabilizar mudangas, ou como fatar que paralise a
busca de qualidade.
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Em relal(ao a situav8.o atual vigenle, a grande incidencia de distorc;6es na
educac;ao pre-escolar talvez deva S8r lembrada, a tim de que nao S8 perea de
vista a necessidade de corrigi-Ia. Ha em muitas pre-8scolas uma forte enfase no
sentido de "apressar" a educa<;:ao por meiD da alfabetizac;ao precoce, bern como,
verifica-se tambem a distribuic;ao das atividades em tarefas e conlelldos
dissociados, 0 que contribui para prejudicar 0 interesse, a criatividade ecuriosidade tao caracteristicas dos prirneiros anos de vida.
Por Qutro lado, verifica-se tarn bam aspectos de discriminat;:ao em relac;:ao
as crianc;as de meies socials menDS favorecidos, peJa proposta e escolha de
atividades que contribuem para gerar a submissao e passividade, as quais desde
cedo conduzem a urn des interesse pela escola, ° que por sua vez favorece 0
aumento do indice de evasao escolar no ensino fundamental, alem dos danos em
relay8.o ao desenvolvimento destas crianyas pela falta de uma estimulayao
adequada. Alias, a lalla de capacidade das crian,as de classes sociais populares
e um mito a ser desfeito. 0 que geralmente ocorre e que neste meio social nao
existe uma valorizayao da aprendizagem tal como existe na classe media. Desta,
maneira as crianyas .nao encontram em suas familias a valorizay8.o do
aprendizado, e nao sao levadas a perceber 0 valor da leitura e escrita.
Dois aspectos importantes referentes a educayao pre-escolar, aos quais a
literatura atual vern dando anfase, sao: a visao da crianya como urn sujeito capaz,
dotado de imensa curiosidade natural; e, que 0 papel do adulto nao deveria ser 0
daquele que detem e repassa 0 saber, e sim, de alguem que esta disposto a
caminhar e aprender junto com a crianya, servindo principalmente como mediador,
ou, como alguem que lanya desafios.
Tambem 0 curriculo e a formayao dos profissionais sao ·duas
quest6es cruciais. Quanto a formay8.o dos profissionais, como ja mencionado, a
supervisao, discussao e reflexao sobre 0 desempenho e sobre os resultados
obtidos sao fundamentais. A necessidade de uma atualizayaa constante dos
professores tambem deve ser alva de atenyao, mas, cabe ressaltar que 0
inveslimento neste sentido cabe as escolas e/ou governo.
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Cabe ainda ressaltar a importancia, ja amplamente reconhecida, da
socializayao das crianyas. 0 processo da socializa<;ao caminha junto com 0
desenvolvimento global da crianya, na medjda em que 0 progresso da
motricidade, afetividade, cogniyao dependem do estimulo e reconhecimento do
outro. Talvez 0 mais importante deste processo seja aquilo que Dean Murray,
(citado por EDWARDS, GANDINI e FORMAN, 1999, p. 304) expressou: " ...A
liberdade das crianyas para brincarem cooperativamenle muda 0 mundol Quando
crescerem ficarao adultas e ensinarao outras crianyas ...se elas podem efiar uma
comunidade adulta, entao issa tera urn efeila profunda sobre 0 modo como
percebemos, mudamos e respeitamos 0 mundo real"
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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