zilah moreira: a correspondente do estadão na bahia durante a ditadura militar

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COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO WASHINGTON FAGNER ABREU RAMOS AMORIM ZILAH MOREIRA: A correspondente do Estadão na Bahia durante a ditadura militar SALVADOR 2011

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Livro reportagem apresentado ao curso de comunicação social – Jornalismo da Faculdade 2 de Julho como requisito a obtenção de grau de bacharel em comunicação social – Jornalismo. Orientação: Prof. Ms. Augusto Souza de Sá Oliveira.

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Page 1: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

WASHINGTON FAGNER ABREU RAMOS AMORIM

ZILAH MOREIRA:

A correspondente do Estadão na Bahia durante a ditadura militar

SALVADOR

2011

Page 2: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

WASHINGTON FAGNER ABREU RAMOS AMORIM

ZILAH MOREIRA:

A correspondente do Estadão na Bahia durante a ditadura militar

Livro reportagem apresentado ao curso de

comunicação social – Jornalismo da Faculdade 2 de

Julho como requisito a obtenção de grau de bacharel

em comunicação social – Jornalismo.

Orientação: Prof. Ms. Augusto Souza de Sá Oliveira.

SALVADOR

2011

Page 3: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Dedico esta obra a todos os estudantes de

jornalismo e a todos aqueles que são apaixonados

por essa profissão.

Page 4: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

“Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só

se pode digerir e humanizar mediante a

confrontação descarnada com a realidade. Quem

não sofreu essa servidão que se alimenta dos

imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não

viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o

orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso,

não pode sequer conceber o que são. Ninguém que

não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver

só para isso poderia persistir numa profissão tão

incompreensível e voraz, cuja obra termina depois

de cada notícia, como se fora para sempre, mas que

não concede um instante de paz enquanto não torna

a começar com mais ardor do que nunca no minuto

seguinte."

Gabriel Garcia Marquez, escritor e jornalista.

“Não é fácil escrever sobre a vida de outra pessoa.

Querendo ou não alguma fase não será contada,

algo não ficará bem explicado. É impossível

escrever sobre uma vida fielmente. Para escrever

uma biografia é necessário se ter admiração pela

pessoa escolhida e pelo tipo de escrita”

Sérgio Mello, jornalista.

Page 5: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Agradecimentos

A realização deste livro começou a ser pensada em 2009, ainda no quarto semestre

do curso de Comunicação Social, com Bacharelado em Jornalismo, da Faculdade 2

de Julho, graças ao apoio da professora Tania Motta que me estimulou a escrever e

a fazer uma homenagem a esta importante mulher, Zilah Moreira.

Começo os meus agradecimentos primeiramente a Deus depois a minha mãe,

Zuleide Abreu Ramos, que sempre esteve ao meu lado em todas as decisões

tomadas por mim e que é mãe, pai e grande amiga. Agradeço ainda as minhas tias e

tios que tiveram participação ativa no meu crescimento acadêmico, Dora, Zute,

Aderlinda (in memorian), Vilma, Vera, Hermenito e a todos outros que mesmo

estando longe torceram por mim. Eu não posso esquecer os meus primos Cléo e

Zezute, que me acolheram e me apoiaram enquanto completava os meus estudos

em Salvador, e os meus primos que moram na Suiça, Kurth e Renato, que foram os

primeiros responsáveis para que eu pudesse entrar na vida acadêmica. A todos os

quase incontáveis primos que existem em minha família que, direta ou

indiretamente, tem forte participação nesta minha caminhada. Nesta lista não pode

faltar ainda as minhas avós Ligia e Zizi e os meu avô Agnaldo. Tiãozinho (in

memorian) avô materno que, mesmo não vendo a realização deste trabalho sempre

confiou e acreditou em mim. Você, minha irmã Kleisla, por existir em minha vida e

pelo eterno apoio. Aos amigos de São Paulo, Dick, Leila, Keiko, Thiago e Toninho

que me receberam e me acolheram tão bem na capital paulista enquanto estive

fazendo as minhas pesquisas, e também ao meu melhor amigo, Pablo Magalhães,

pelos momentos que passamos juntos. Agradeço ainda a todo o corpo docente da

Faculdade 2 de Julho sem o qual não conseguiria concluir a minha graduação, em

especial os professores: Verbena Córdula, Tania Motta, Derval Gramacho, Daniela

Souza e Cristina Mascarenhas. Agradeço ainda ao meu professor orientador,

Augusto Sá, que aceitou comigo encarar este desafio e que com suas sábias

palavras, paciência e compreensão tornou possível também a realização deste

trabalho. Agradeço ainda a todos os entrevistados que me ajudaram a saber mais

sobre Zilah Moreira; a todos colegas que estiveram comigo nesta empreitada e a

Page 6: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Zilah Moreira, jornalista que sou fã, que teve uma passagem rápida em minha vida,

mas mesmo assim, com bondade e gratidão, me ensinou a arte de fazer jornalismo.

Page 7: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Sumário

1. Apresentação 06

2. De A Província de S. Paulo ao Golpe Civil-Militar de 1964 09

O Estado de S. Paulo e o clã Mesquita 12

A postura do Jornal durante a República Velha 13

O Estadão e a Era Vargas 14

O Estadão e o interlúdio de 1945 17

O Estadão e a sua participação no Golpe Civil-Militar de 1964 19

3. Os primeiros passos de Zilá Moreira no jornalismo 21

O primeiro contato com o jornalismo e a revisora do jornal A Tarde 24

A correspondência cai no colo 25

A convivência no Jornal da Bahia 27

4. Zilah Moreira a frente do Estadão na Bahia 30

Os embates com Antonio Carlos Magalhães 33

A cobertura da morte de Carlos Marighella e Carlos Lamarca 46

A saída das ruas e a chefia administrativa 53

5. Considerações Finais 57

6. Apêndice 58

A: Entrevista com Carlos Navarro 58

B: Entrevista com Cleonfe Martins 63

7. Anexos 66

8. Créditos das Imagens 76

9. Siglas 78

10. Fontes Primárias 79

11. Referências 80

Page 8: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Apresentação

A história que você vai ler agora é um perfil biográfico de uma das baianas mais

corajosas: a correspondente na Bahia de um dos mais importantes jornais

brasileiros, O Estado de S. Paulo. Uma história que fascina e ao mesmo tempo

instiga os que conviveram, e mesmo os que não conviveram, com ela. Estou falando

da jornalista Zilah Laura da Silva Moreira, ou melhor, “Zilah Moreira, a

correspondente do Estadão, na Bahia, durante a Ditadura Militar.”

Quando comecei os trabalhos de pesquisa, em 2009, sobre a trajetória de Zilah

Moreira no jornalismo percebi que a tarefa iria ser árdua e cansativa. As dificuldades

para compor o retrato da jornalista foram inúmeros. Primeiro: só encontrei um

trabalho acadêmico sobre Zilah, seja na internet ou mesmo em livro, que abordasse

a atuação dela no jornalismo. Segundo: Algumas fontes entrevistadas que

conviveram com Zilah Moreira sabiam apenas o que ela contou enquanto esteve à

frente do Estadão na Bahia. Terceiro: não existiam exemplares do Estadão durante

a ditadura militar nas bibliotecas públicas e particulares de Salvador. Assim, eu tive

que me deslocar até o Arquivo Público de São Paulo, na capital paulista, para

conseguir os exemplares digitalizados do periódico. E quarto: as reportagens não

eram assinadas pelos jornalistas.

Mas este trabalho árduo não me impediu de conseguir o meu objetivo de fazer uma

homenagem a esta mulher que deixou um legado importantíssimo para o jornalismo

baiano. Ela, sem sombra de dúvida, foi a primeira repórter da Bahia e abriu portas

para que as mulheres de hoje conseguissem seu espaço na profissão.

Para a produção deste trabalho, foi necessário uma revisão bibliográfica para

compreender o contexto sócio histórico do Brasil, o papel desempenhado pelo

Estadão no período e a contribuição de Zilah Moreira. O trabalho contou também

com entrevistas presenciais e por e-mail com jornalistas e amigos que conviveram

com ela.

Page 9: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

No primeiro capítulo, pode-se observar o nascimento do jornal, durante o Segundo

Império, que era denominado A Província de S. Paulo e o apoio do periódico à

Proclamação da República, em 1889. Em seguida, a mudança de nome para O

Estado de S. Paulo e o rompimento com o governo dos marechais. Um breve relato

sobre a participação do jornal na Revolução de 30 e o posicionamento contrário ao

primeiro governo de Getúlio Vargas, que resultou na prisão, exílio e, mais tarde,

anistia dos proprietários do jornal, Júlio de Mesquita Filho e Ruy Mesquita, também

pode ser conferido. O interlúdio de 1945, a posição do jornal no segundo governo

Vargas, a oposição à posse do presidente João Goulart e, em seguida, o apoio a

sua deposição, que resultou no apoio ao Golpe Civil-Militar de 1964 também são

tratados neste capítulo.

No capítulo dois, Zilah Moreira é retratada: a sua família, a infância, o período

escolar, a adolescência, a ida para o Rio de Janeiro, a graduação em direito e os

primeiros contatos com o jornalismo. Este capítulo mostra todo o processo que Zilah

percorreu até assumir o posto de correspondente do O Estado de S. Paulo.

O terceiro capítulo retrata as atuações de Zilah Moreira durante o tempo em que

esteve à frente do Estadão na Bahia. Demonstra-se a versatilidade da jornalista em

fazer reportagens de diversas editorias; a cobertura da morte dos dois principais

líderes da luta armada contra a Ditadura Militar, Carlos Marighella e Carlos Lamarca,

além da morte da esposa de Lamarca, Iara Iavelberg; os inúmeros embates com o

prefeito e mais tarde governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães; a fundação

da sucursal do Estadão na Bahia sob chefia de Zilah Moreira; a aposentadoria e os

seus feitos nessa nova fase da vida; finalmente o seu falecimento.

Nas considerações, o meu ponto de vista sobre a importância da atuação de Zilah

Moreira no jornalismo baiano, ficando sua vida e obra passíveis de outras

interpretações.

Neste trabalho consta ainda os apêndices com entrevistas na íntegra com o

jornalista Carlos Navarro e com a escritora e amiga de Zilah Moreira, Cleonfe

Martins. São entrevistas de grande importância para a compreensão da trajetória de

Zilah Moreira e, consequentemente, para a realização deste trabalho.

Page 10: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Nos anexos podem ser visualizadas as versões digitalizadas com reportagens

realizadas por Zilah Moreira enquanto era correspondente do Estadão; recortes com

reportagens importantes, extraídas do livro de José Maria Mayrink, Mordaça no

Estadão; e a repercussão na imprensa baiana da morte da jornalista.

Assim, esta obra que se apresenta sob o formato de TCC, Trabalho de Conclusão

de Curso, chega ao fim na expectativa de ter alcançado seu objetivo em mostrar aos

estudantes de jornalismo e o público em geral a importância de Zilah Moreira no

cenário jornalístico baiano e nacional.

O autor.

Page 11: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

De a Província de S. Paulo ao Golpe Militar de 1964

jornal O Estado de S. Paulo nasceu em 4 de janeiro de 1875, ainda

durante o Segundo Império, com o nome A Província de S. Paulo. Durante

os períodos monárquicos, os atuais Estados eram denominados de

Províncias como, por exemplo, a Província da Baía de Todos os Santos (Bahia),

Província da Guanabara (Rio de Janeiro), Província de São Paulo (São Paulo), etc.

O jornal (Figura 1) foi fundado por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de

Campos Salles e Américo Brasiliense durante a Convenção Republicana de Itú

(COSTA, 2007, p. 481). A idéia era construir um diário republicano para combater a

monarquia e a escravidão. Além dos já citados fundadores do jornal, participaram

ainda os fazendeiros de café do Oeste Novo Paulista, Américo Basílio de Campos,

Antônio Carlos de Sales, Antonio Pompeu de Camargo, Bento Augusto de Almeida

Bicudo, Candido Vale, o major Diogo de Barros, Francisco Sales, Francisco Glicério

de Cerqueiro Leite, Francisco Rangel Pestana, João Francisco de Paula Sousa,

João Manuel de Almeida Barbosa, João Tibiriçá Piratininga, João Tobias de Aguiar e

Castro, José Alves de Cerqueira César, José de Vasconcelos de Almeida Prado,

José Pedroso de Morais Sales, Manuel Elpídio Pereira de Queirós, Martinho Prado

Júnior e Rafael Pais de Barros. A redação do Diário foi designada a Francisco

Rangel Pestana e Américo Brasílico de Campos.

De acordo com Boris Fausto (2007, p. 200-209), nesta época a cidade de São

Paulo vivia uma constante prosperidade. O café era o principal produto comercial do

estado. O enriquecimento provocado pelo produto e a chegada de estrangeiros

como italianos, portugueses, espanhóis, japoneses e árabes à província, além do

desenvolvimento de uma grande rede férrea, colocaram São Paulo como um dos

principais centros econômicos do país. A rede férrea promoveu uma maior

aceleração da província. Desde sua fundação, a ferrovia era uma grande

conseqüência do grande avanço da economia cafeeira. Fausto (2007, p. 200) afirma

que “a dificuldade maior consistia em atravessar a escarpa da Serra do Mar e

chegar ao litoral. Ela foi vencida com a construção da estrada de ferro de Santos a

O

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Figura 1: Primeira capa do jornal A Província de S. Paulo

Page 13: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Jundiaí por uma companhia concessionária inglesa, a São Paulo Railway Co.

Limited, que começou a funcionar em 1868.” A função era escoar uma produção

crescente voltada para a exportação e conseqüentemente, o amadurecimento das

atividades industriais que alimentava o mercado interno.

Fernando Dannemann (2011) afirma que “o jornal defendeu desde o início os

interesses da elite agrária, combatendo a centralização política e administrativa

imposta pelo Poder Moderador ao longo do Império.” Eleições diretas para o Senado

e para a presidência das províncias, a separação entre a Igreja e o Estado, a

instituição do casamento e dos registros civis e a substituição progressiva da

escravidão pela liberdade, eram as reivindicações defendidas abertamente pelo

jornal. Reportando textos com críticas a política e a escravidão, Francisco Rangel

Pestana e Américo Campos colocam o diário em um patamar de grande jornal com

ideário republicano e abolicionista.

De acordo com João Alfredo Vidigal Pontes, em seu artigo “O Estado de S.

Paulo” (2011), o jornal se instalou inicialmente em um prédio na Rua do Palácio

(atual do Tesouro), número 14, onde permaneceu até abril de 1877. A redação,

administração e oficinas eram em uma mesma sala. A tiragem inicial era de 2.000

exemplares.

As características gráficas eram muito diferentes. Os jornais daquela época

pareciam grandes livros. Quando A Província de S. Paulo começou a circular a sua

diagramação era composta por cinco colunas largas, em quatro páginas. O logotipo

estava situado no topo do jornal, em letra de forma. Os títulos sempre em uma

coluna e o corpo (tamanho das letras) variava entre oito e dez.

Em janeiro de 1890, após a Proclamação da República, o jornal passa a ser

chamado O Estado de S. Paulo e atinge uma tiragem de oito mil exemplares. Em

1896, Euclides da Cunha, republicano, e que havia sido expulso do Exército

Monárquico, colabora com o jornal indo fazer a cobertura da Campanha de Canudos

(DA CUNHA, 2001). A transferência, ou melhor, a passagem do regime monárquico

– centralizador – para o republicano fez com que alguns projetos da sociedade

tomassem algumas projeções. De acordo com Benjamin Abdalla Junior e Isabel

Alexandre (1997), a Bahia foi um dos estados mais prejudicados com todas as

mudanças que aconteciam no país. Um lento desenvolvimento industrial, alto

Page 14: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

crescimento populacional e uma estagnada base econômica eram um dos principais

motivos para revoltas. Os autores trazem também outra discussão que levou o

governo da Bahia a declarar guerra a Canudos: foi a força desestabilizadora na

composição de forças produtivas de uma área imensa, que se estendia não apenas

pelo sertão baiano, mas alcançava o sul de Sergipe. A mão-de-obra normalmente

resignada e dócil abandonava as fazendas dos proprietários rurais atraídas pelas

promessas de redenção espiritual emanadas por Antonio Conselheiro. Euclides da

Cunha, que cobriu toda a campanha de Canudos para o Estado de S. Paulo, no livro

Os Sertões faz um relato do final daquela campanha1. O jornal apresenta uma

tiragem neste momento recorde de 18 mil exemplares.

O Estado de S. Paulo e o clã Mesquita

O jovem redator Júlio de Mesquita, genro de José Álvares de Cerqueira

César, em 1902 se torna o único proprietário do impresso. O jornal, que já era o

maior do estado de São Paulo – superando de longe o Correio Paulistano2– passa a

acompanhar o crescimento e a modernização da capital paulista. Nesta época a

cidade atingia a marca de 250 mil habitantes, metade dos quais italianos. Dois anos

antes havia circulado o primeiro bonde elétrico e em 1901 inaugurada à primeira

usina hidrelétrica para fornecimento regular de luz e força para a cidade. Júlio DE

Mesquita rompe laços com o então presidente da República, Manuel Ferraz de

Campos Salles, e com o governador de São Paulo, Rodrigues Alves. Começava a

ser instalada então a primeira Dissidência Republicana. A dissidência, que era

1 Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns

vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o “Hospital de Sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. (DA CUNHA, Euclides. Os Sertões: Campanha de Canudos. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p. 433). 2 O Correio Paulistano foi lançado em 26 de junho de 1854, em São Paulo, tendo como fundador o proprietário

da Tipografia Imparcial, Joaquim Roberto de Azevedo Marques e como primeiro redator Pedro Taques de Almeida Alvim. O jornal que nasceu liberal foi, posteriormente, atrelado ao Partido Conservador, do qual recebeu influências. Entretanto, após a criação do Partido Republicano Paulista (PRP), passou a ser seu órgão oficial. A oligarquia paulista, que dirigia o PRP, transmitia seus ideais através do jornal, que sofreu duramente com o resultado da revolução de 1930, a qual o PRP se opôs, o que fez com que o jornal perdesse espaço na imprensa política. O veículo foi contra o governo de Getúlio Vargas e o regime ditatorial do Estado Novo (1930-1945). O Correio Paulistano deixou de ser editado em meados do segundo semestre de 1963. (INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS. Correio Paulistano. Disponível em: <<http://www.ieb.usp.br/topico.asp?categ=1&subcateg=2&topico=73>> Acessado em: 1 Mai. 2011).

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integrada ainda por José Alves de Cerqueira Cesar e por Prudente de Moraes,

alegava que a “Política dos Governadores3” deixava os parlamentos estaduais e o

Congresso Nacional completamente dependente do Poder Executivo.

A postura do jornal durante a República Velha

Polêmico, Júlio de Mesquita começou a articulação para a candidatura do

baiano Rui Barbosa para a presidência da República em 1909, contra o militar,

Marechal Hermes da Fonseca. Iniciava aí a “Campanha Civilista” que O Estado de

S. Paulo vai dar todo apoio até 1930.

Com a morte de José Alves de Cerqueira César (ex – governador de São

Paulo), Júlio de Mesquita é escolhido para assumir a vaga deixada pelo sogro no

parlamento estadual.

Em 1914, com a proximidade da Primeira Guerra Mundial, Júlio de Mesquita

começa a escrever artigos contrários às Potências Centrais que eram integradas

pelos impérios alemão, austro-húngaro e turco-otomano, o que deixa a comunidade

germânica enfurecida retirando-lhe os anúncios do jornal. Mesmo com grandes

problemas financeiros, o proprietário mantém a sua postura, apoiando os aliados, o

que era coerente com a sua política civilista.

O diário, até então matutino, ganha uma versão vespertina em 1915.

Denominado Estadinho. O jornal era dirigido pelo seu filho, Julio de Mesquita Filho,

cuja edição circula até fevereiro de 1921. Neste mesmo ano, o escritor José Bento

de Monteiro Lobato passa a ser um dos articulistas do jornal com o artigo “Velha

Praga” (2007, p. 158), que na verdade era uma carta para seção “Queixas e

Reclamações”.

Com uma política contrária aos governos Federal e Estadual, o jornal de Júlio

Mesquita pela primeira vez, em 1924, é impedido de circular. Começa a primeira de

uma série de censuras que o jornal iria sofrer nos próximos governos. O motivo da

3 A mudança das relações entre o poder estatal e a classe operária é a condição do populismo; a perda do

comando político pelo centro dominante, associada à nova forma de Estado, possibilita, a longo prazo, o desenvolvimento industrial, no marco do compromisso como sustentáculo de um Estado que ganha a maior autonomia, em relação ao conjunto da sociedade. (FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 104).

Page 16: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

censura foi o apoio do jornal ao levante comandado pelo general Isidoro Dias Lopes

que ocupou a capital paulista por 23 dias. Em 29 de julho deste mesmo ano Júlio de

Mesquita é preso. Os revoltosos do levante liderado pelo general Isidoro, mais tarde,

iriam se juntar as forças revolucionárias liderada pelo capitão Luis Carlos Prestes,

dando início a Coluna Prestes.

Em 1926, O Estado de S. Paulo apoiou a fundação, na capital paulista, do

Partido Democrático, de oposição ao Partido Republicano Paulista, então detentor

do governo estadual e federal.

Aos 65 anos falece o jornalista Júlio de Mesquita, em 15 de março de 1927. A

partir de então seus filhos, Júlio de Mesquita Filho e Francisco de Mesquita

assumem a liderança do jornal.

Figura 2: Júlio Mesquita e jornalistas na sede do O Estado de S. Paulo

O Estadão e a Era Vargas

Em 1930, O Estadão ligado ao Partido Democrático, apóia a Aliança Liberal e

conseqüentemente a candidatura do gaúcho Getúlio Vargas à presidência do Brasil,

em oposição ao candidato Júlio Prestes, que tinha apoio do presidente Washington

Luís. O candidato do presidente ganha às eleições. Mas, com a Revolução de 30

(FAUSTO, 1997, p. 34), Washington Luis é deposto da presidência e Getulio Vargas,

mesmo derrotado nas eleições, assume o comando do país.

Page 17: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Mas, vários são os motivos para a eclosão desta revolução que terminou com

a política dos Governadores, que davam aos estados de São Paulo e Minas Gerais

o direito de revezarem na presidência da República. De acordo com Boris Fausto

(1997), muitos foram os motivos para que houvesse a Revolução de 1930. No Brasil

da década de 20 não havia conjuntura revolucionária em que o proletariado tivesse a

iniciativa, não chegando à classe operária organizada a constituir um fator político

relevante (1997).

Fausto afirma ainda que entre 1889 e 1930 houve um surto imigratório para o

Centro-Sul do país devido ao grande desenvolvimento econômico regional, o que fez

com que crescesse também a classe média urbana, ganhando maior força e

conteúdo. Uma opinião pública vinculada a estes setores tomou forma o primeiro

contingente da classe média operária.

Neste mesmo ano, 1930, o jornal consegue uma tiragem recorde no país de

100 mil exemplares e lança aos domingos um suplemento de rotogravuras4, que

moderniza o jornal dando destaques as fotografias.

Em 1932, O Estadão e o Partido Democrático – inconformados com o

autoritarismo do presidente, Getúlio Vargas, e com o tratamento agressivo reservado

a São Paulo pelos tenentes – criam uma aliança que origina a Revolução

Constitucionalista de 32, que estoura em nove de julho. Francisco de Mesquita vai

para frente da batalha enquanto seu irmão, Julio de Mesquita Filho, permanece em

São Paulo, na liderança civil do movimento. A Revolução de 32 não foi exitosa, mas,

dois anos mais tarde, o que foi reinvidicado iria ser posto em prática. A Constituição.

Os dois irmãos, donos do jornal, foram presos e exilados em Lisboa.

No ano seguinte, Getulio Vargas convida Armando de Salles Oliveira, genro

de Julio de Mesquita, para ser o interventor5 federal em São Paulo. Para aceitar o

convite, Armando Salles impôs que os revoltosos de 32 fossem anistiados e

4 A rotogravura é um sistema de impressão direto, atuando geralmente, com máquinas rotativas com suportes

em bombinas. (...) A rotogravura é na opinião de muitos, o melhor meio de reprodução gráfica de originais em tom contínuo, em preto-e-branco e em cores. (BAER, Lorenzo. Produção gráfica. 6 ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2005, p. 198-200). 5 Em São Paulo, liquidada a “guerra paulista”, Getúlio fizera um gesto conciliatório nomeando Armando de

Salles Oliveira para a interventoria. Este seria eleito governador pela Assembléia Legislativa, afastando-se do cargo em 1937 para disputar a Presidência da República. (FAUSTO, Bóris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 138).

Page 18: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

voltassem ao país, incluindo Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita, e a

convocação de uma Assembléia Constituinte.

O jornal ainda foi um dos responsáveis pela criação da USP, Universidade de

São Paulo. No dia 25 de janeiro, ainda como interventor federal, Armando de Salles

Oliveira baixa o decreto 6283/34 criando a USP. Assim, concretiza uma idéia de Júlio

de Mesquita Filho. De acordo com Shozo Motoyama (2006) tanto o Grupo Estado

quanto a ABE, Associação Brasileira de Educação, estavam empenhados em

levantar esta bandeira. Criar uma universidade no seu sentido integral, com a

finalidade de formar uma mística comum para enfrentar de forma articulada os

desafios existentes em benefício de todos. E foi o próprio Júlio de Mesquita Filho

quem se incumbiu de convidar professores franceses, italianos e alemães para a

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, com o auxílio dos professores George

Dumas e Theodoro Ramos.

Com a eclosão do “Estado Novo”, em 10 de novembro de 1937, golpe em que

Vargas permanece no poder e dá início uma ditadura, o jornal mantém oposição ao

regime. Tudo o que havia sido estipulado na Assembléia Constituinte de 1934 foi

completamente ignorado. De acordo com Boris Fausto, Armando Salles, interventor

de São Paulo, era candidato a presidência da república pela União Democrática

Brasileira, partido formado pelos constitucionalistas. Salles havia alertado aos chefes

militares que um golpe de Estado, comandado por Vargas, estava prestes a

acontecer, e já tinha data marcada: 15 de novembro de 1937.

Mas Vargas antecipou o ato, dissolveu o Congresso e uma nova Constituição,

a quarta do país, foi imposta. Nascia assim a “Ditadura Vargas”.

Julio de Mesquita Filho e Armando Salles foram presos e em seguida

expatriados para a França (Figura 3). Mesmo longe, o herdeiro do clã Mesquita

comandava o maior jornal do país. As críticas ao Governo Federal continuaram.

No dia 25 de março de 1940, tropas do DOPS, Departamento de Ordem

Política e Social, invadiram6 a redação do O Estado de S. Paulo. Armas foram

colocadas no forro do prédio pela própria polícia política para forjar as provas. Quem

6 A imprensa censurada promovia também os feitos governamentais. As vozes opositoras foram abafadas, como

aconteceu com o jornal O Estado de S. Paulo, de propriedade da família Mesquita, cuja sede foi invadida pela polícia em março de 1940, permanecendo o jornal sob intervenção até o fim do Estado Novo. (op. cit., p. 125).

Page 19: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

estava à frente do jornal era o irmão de Júlio de Mesquita Filho, Francisco Mesquita,

que foi preso por 40 dias no Rio de Janeiro. Sem provas, Francisco é solto, porém,

impedido de reassumir suas funções no jornal.

O Estadão então foi confiscado pela ditadura passando a ser administrado

pelo DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, até 19457. Com a deposição do

presidente Vargas neste mesmo ano, Julio de Mesquita Filho que já havia voltado do

exílio em 1943, assume o jornal novamente.

Figura 3: Júlio de Mesquita Filho embarcando para o segundo exílio

O Estadão e o interlúdio de 1945

Logo após a deposição do presidente Vargas e a volta do jornal O Estado de

S. Paulo aos seus proprietários de fato, o jornal recuperava assim o espírito crítico e

independente que o caracterizava desde a sua fundação (PONTES, 2011).

Pontes afirma em seu artigo que o jornal teve um progresso significativo,

recuperando o prestígio nacional. O Estadão abriu uma editoria internacional

comandada pelo jornalista Giannino Carta (FERREIRA JUNIOR, 2002, p. 69) e por

Ruy Mesquita que passou a ser a mais completa do jornalismo brasileiro. Em março

de 1951 é iniciada a construção da nova sede: na rua Major Quedinho e é

inaugurada em 31 de dezembro do mesmo ano.

Getulio Vargas é eleito presidente do Brasil, como candidato do PTB, Partido

Trabalhista Brasileiro, no dia 3 de outubro de 1950. Ele derrotou o candidato da

7 As tiragens do jornal publicadas durante este período não são conhecidas.

Page 20: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

UDN, União Democrática Nacional, Eduardo Gomes, que tinha se candidatado pela

segunda vez.

Vargas administrou o país de 1951 a 1954. Fez modificações importantes

para sociedade e a economia. De acordo com Fausto Saretta (2011) a política

econômica adotada pelo presidente durante os quase quatro anos de mandato,

proporcionou repercussões positivas para o surto de desenvolvimento nos anos

seguintes.

Mas, o presidente Getulio Vargas era um desafeto político do jornal O Estado

de S. Paulo, tendo em vista as inúmeras invasões da redação pelo DOPS, o exílio e

a prisão dos donos do jornal. Assim, a postura do jornal, a linha editorial foi de

oposição ao governo do presidente Vargas.

“O Estado” era a favor de uma política que levasse a industrialização do país,

o liberalismo econômico. Já a política do presidente Vargas era nacionalista, de uma

maior valorização do capital interno. No editorial de 08 de setembro de 1951

(SARETTA, p. 8) é perceptível a visão do jornal em relação à política econômica do

Governo Federal. “(...) nossa política comercial foi até agora prejudicada tanto pela

ausência, em muitos casos, de uma suficiente proteção alfandegária à nossa

crescente indústria, como pelo desconhecimento demonstrado em várias ocasiões

pelos órgãos federais acerca do desenvolvimento do parque industrial paulista.

Mas, ao mesmo tempo em que o jornal atacava os aspectos políticos e

administrativos do governo Vargas, o jornal também defendia os esforços do

governo na diversificação industrial, que começou a ser praticada no início de 1953.

Com a inflação crescente, a queda na exportação de café, os múltiplos

reclames da indústria e as altas taxas de cambio (SARETTA, 2011) o jornal passou a

expor ainda mais a insatisfação com o governo Vargas e propor a renuncia do

presidente.

Após o suicídio do presidente Vargas, o jornal publicou editorial intitulado

“Desfecho Trágico” onde afirmava que, aquele veículo, não poupava críticas ao

governo.

Page 21: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

O Estadão e a sua participação no Golpe Civil-Militar de 1964

É importante ressaltar que o jornal O Estado de S. Paulo participou de

embates importantes da vida nacional, como foi relatado aqui. Desde a sua

fundação, no final do século XIX quando lutou pela queda da monarquia; início do

século XX, quando instalou a Dissidência Republicana que era contra o governo dos

marechais; o apoio aos aliados na Primeira Grande Guerra; as constantes críticas

aos coronéis da República Velha; o apoio e logo após oposição a “Era Vargas”; o

embate com o presidente Getúlio Vargas em seu segundo mandato.

Agora mais uma vez, o jornal também participa de mais um embate político.

Desta vez, apoiou a derrubada do governo Goulart e através do Golpe Civil-Militar8,

de 1964, nomenclatura que é defendida pelo general do Exército, Sylvio Frota, em

seu livro, Ideais Traídos.

Como já foi dito antes, O Estado de S. Paulo alinhou-se a UDN e fez oposição

a todos os governos. Mas um foi especial: o governo João Goulart. Vale destacar

alguns aspectos: primeiro a forte ligação com o ex-presidente Getúlio Vargas; a sua

relação com os sindicatos; o crescimento do PTB; e a presença de Jango, como fora

apelidado, nos governos constituídos – como ministro de Vargas, vice-presidente de

Juscelino Kubitschek e vice-presidente eleito de Jânio Quadros (BIROLLI, 2006)

Após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, a

imprensa defendeu a posse de João Goulart. Jornais como, Correio da Manhã,

Jornal do Brasil, Última Hora, Correio Braziliense foram os que apoiaram o

presidente na sua ascensão a presidência. Já, O Estado de S. Paulo se opôs a

posse9.

As políticas aplicadas durante o governo Jango eram severamente criticadas

pelo jornal, assim como acontecia com o Governo Vargas. Uma industrialização

tardia, os modelos agrário-exportadores, fortalecimento operário e ampla

8 Sobrevêm, então, o Golpe Militar de 1964, que na verdade jamais foi uma Revolução, podendo ser

considerado, no máximo de condescendência, uma contra-revolução, porquanto revolução era a que, naqueles aflitivos momentos, planejadas solertemente pelos marxistas, pendia sobre a Democracia, como a espada de Dâmocles. (FROTA, Sylvio. Ideais traídos. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 72-73). 9ABREU, Alzira Alves. A imprensa e seu papel na queda de João Goulart. Disponível em:

<<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/A_imprensa_e_seu_papel_na_queda_de_Goulart>> Acessado em: 28. abr. 2011.

Page 22: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

mobilização política das massas populares foram algumas das reportagens

enfatizadas pelo jornal10 e que contribui para o que viria acontecer no dia 31 de abril

de 1964.

É a historia da primeira repórter baiana, que foi correspondente deste jornal,

em Salvador, durante a Ditadura Militar, que foi responsável pela abertura da

primeira sucursal do Estadão na Bahia, e abriu as portas para que outras mulheres

ingressassem nesta profissão, Zilah Moreira, que será contada nos próximos

capítulos.

10

Embora fossem os militares os que haviam interferido para salvar o Brasil da “corrupção” e do “comunismo”, civis havia (sic) que acreditaram serem eles os vencedores. Tais eram os jornais antigetulistas civís de idéias neoliberais e eram dirigidos por conservadores como, Bilac Pinto, e homens públicos como Júlio de Mesquita Filho, proprietário de O Estado de S. Paulo. (SKIDMORE, Thomas. Brasil: Getulio Vargas a Castelo Branco. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 368).

Page 23: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Os primeiros passos de Zilah Moreira no jornalismo

ais que gordinha, cabo verde, cabelos escuros, lisos, de comprimento

médios, pinta no queixo, olhos inteligentes e bondosos. Esta é Zilah

Laura da Silva Moreira (Figura 4), filha do juiz Eitel Moreira e da

professora Laura da Silva Moreira que abandonou a sala de aula para cuidar dela e

dos seus quatro irmãos, Hebert Moreira, Jeferson Moreira, Eitel Moreira Filho e

Roschild Moreira, todos jornalistas, sendo último correspondente do jornal O Estado

de S. Paulo, posto que ela ocuparia com o falecimento de seu irmão.

Era bisneta de Joaquim Castro, negro, comerciante casado com Jovina

Castro, branca, analfabeta, filha de português rico que empobreceu e não permitia

que as filhas aprendessem a ler para não receber e nem escrever cartas para os

namorados.

A jornalista Lídia Silva lembra o que Zilah Moreira disse certa vez a ela: “ela

falou que seu bisavô foi para a Guerra do Paraguai deixando a bisavó grávida e

depois de cinco anos retornou”. Lidia Silva diz ainda que a avó da jornalista não

seguiu os passos da mãe se formando professora porque dona Jovina não queria

que ela fosse analfabeta, como ela. A avó se casou com um professor e com ele

teve cinco filhos, um deles seu pai, “um negro respeitado por todos e que nunca

sofreu discriminação”, disse Zilah Moreira à jornalista. Mais tarde seu pai, Eitel

Moreira, viria a ser um juiz.

Zilah Moreira nasceu em sete de maio de 1922, ano famoso pela Semana de

Arte Moderna11, também chamada de Semana de 22. O episódio representou uma

verdadeira renovação de linguagem, passando da arte de Vanguarda para a arte

Modernista. Neste período, mulheres como Tarsila do Amaral, entre outras,

quebraram paradigmas e suscitaram a independência feminina na arte, no caso

11

Seu objetivo: derrubada de todos os cânones que até então legitimavam entre nós a criação artística. Este objetivo destrutivo, claramente enunciado, traria, como mais tarde Mário de Andrade diria, o direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional. (AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. 5. ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 13)

M

Page 24: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Figura 4: Zilah Moreira, arquivo da família

Page 25: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

dela, a pintura. Assim, muitas outras mulheres começaram a fazer parte de quadros

profissionais até então dominados por homens.

Pode-se dizer então que não existiu período melhor para o nascimento de

Zilah Moreira que, assim como Tarsila do Amaral revolucionou o país com a sua

arte. Zilah Moreira, na Bahia, iria também mudar uma profissão dominada pelos

homens.

Feliz, livre, debochada, assim era Zilah Moreira, uma mulher a frente do seu

tempo. Uma criatura que “se não existisse teria que ser inventada”. Estudou no

Ginásio da Bahia, atual Colégio Central da Bahia, na Avenida Joana Angélica, bairro

de Nazaré. Ela foi contemporânea, no ginásio, dos ex – governadores Antonio

Carlos Magalhães – figura que transformaria a carreira de Zilah Moreira no

jornalismo – e Waldir Pires e do desembargador Manoel Pereira.

Na escola não era das melhores estudantes. De acordo com a jornalista Lídia

Silva, o que Zilah gostava mesmo era de jogar futebol com os garotos, o que

acarretava, consequentemente, em problemas no ano letivo. Mas todos os garotos a

respeitavam.

Saiu do ginásio para tentar o vestibular no curso de direito da Faculdade de

Direito da Bahia, atual Universidade Federal da Bahia. Ela queria ser advogada igual

ao pai, que mais tarde viria a ser juiz. Mas, ela não conseguiu atingir o índice e

perdeu a vaga.

Logo depois, o jornalista Ernesto Simões Filho, dono do jornal A Tarde12,

convidou a jovem para ir para o Rio de Janeiro e ser revisora de A Tarde na sucursal

de lá. E assim Zilah começou os seus passos para encontrar no jornalismo a sua

verdadeira inspiração. No Rio, ela fez vestibular para direito e foi estudar ficando

cinco anos longe da Bahia.

12

O aparecimento, em 1912, de A Tarde, órgão independente de propriedade e direção de Ernesto Simões Filho, tendo na redação Ranulfo Oliveira, hoje seu diretor, marca, sensacionalmente, a estréia, na Bahia, da imprensa moderna pelo modelo de A Noite, que Irineu Marinho criara, com êxito na capital do país. (DE CARVALHO FILHO, Aloysio. Jornalismo na Bahia: 1875-1960. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes (Org.). Apontamentos para a história da imprensa na Bahia. – 2 ed. revista e ampliada – Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008, p. 93- 94).

Page 26: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

O primeiro contato com o jornalismo e a revisora do A Tarde

O irmão de Zilah Moreira, Roschild Moreira, fora por muito tempo repórter do

jornal A Tarde. Foi correspondente também, na Bahia, dos jornais Última Hora,

Gazeta Esportiva, Jornal da Tarde e, por último, de O Estado de S. Paulo. Com a

ajuda de seu irmão, Zilah Moreira foi ser revisora do jornal de Ernesto Simões Filho,

no Rio de Janeiro. Antes da informatização das redações, o revisor13 era visto como

elemento de grande importância. Era dele a responsabilidade pelos erros publicados

e pela uniformização dos textos de um veículo. Assim, os repórteres iam para as

ruas, colhiam as informações, voltavam para redação e faziam o texto. A reportagem

era encaminhada para o revisor, que fazia a correção ortográfica, de concordâncias

e adaptava o texto para uma melhor leitura. Em seguida, o texto era encaminhado

para o editor-chefe que liberava a reportagem. E esta era a função de Zilah Moreira

enquanto esteve no jornalismo de A Tarde.

No Rio de Janeiro, ela se dedicou ao vestibular para o curso de direito, na

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Enquanto esteve no Rio, Zilah conciliava a

profissão de revisora com os estudos. Passados cinco anos, a então advogada Zilah

Moreira, volta para Salvador e continua sendo revisora do jornal A Tarde.

Naquela época, mulheres nas redações eram muito poucas: “Não tinha quase

mulher nenhuma no jornal. Eu fui uma das primeiras a enfrentar o batente. Eles

faziam cara feia. Mas depois me firmei e todos me respeitavam. (...) N’A Tarde tinha

uma página feminina. Eu comecei no A Tarde como revisora. Todo jornalista

começava na revisão, porque na revisão a gente aprende a redigir a matéria, pois

somos obrigados a ler tudo que os outros jornalistas fazem. Eu e Vera Simões

fazíamos a revisão. Depois Vera Simões passou para a página feminina.

Hildegardes Vianna e Juli no A Tarde. No Jornal da Bahia, Isolda Menezes, todas

como colunistas. Não freqüentavam a redação. Somente eu fui para as ruas

(TAVARES, 2005, p. 17-18).

13

O decreto 83.284/79, artigo 11, item quatro, que regulamenta a profissão de jornalista, define o revisor como “aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria jornalística.” (FENAJ. Legislação sobre a profissão de jornalistas. Disponível em: <<http://www.fenaj.org.br/juridico.php?id=5#docs>>. Acessado em: 4 Jul. 2011)

Page 27: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Apaixonada pelo jornalismo – o jornalismo estava na veia da família Moreira,

pois todos os seus irmãos eram jornalistas – Zilah Moreira advogou por pouco tempo

para se dedicar literalmente ao jornalismo. Mais tarde, ela retornaria ao direito,

apenas como assessora jurídica da Câmara de Vereadores de Salvador, assunto

que será abordado no capítulo três.

O jornalista Florisvaldo Mattos, que por muito tempo foi editor-chefe de A

Tarde, lembra que Zilah Moreira marcou uma época de pioneirismos, de muita

coragem: “Ela foi a decana da imprensa baiana”.

Seu irmão Roschild Moreira, além de ser repórter do jornal A Tarde era

também o correspondente, na Bahia, do Estadão. Amigo de Júlio de Mesquita Filho,

proprietário do jornal, Roschild permaneceu no jornal até a sua morte. O que Zilah

não iria imaginar é que, com a morte de seu irmão ela iria assumir, em Salvador, a

correspondência do jornal. “Quando meu irmão faleceu, ocupei o lugar dele e virei

jornalista, profissão pela qual já estava apaixonada”, disse a jornalista certa vez em

reunião na Associação Baiana de Imprensa, lembra a jornalista Mery Bahia.

E assim Zilah Moreira começou a trilhar seus passos no jornalismo, como

correspondente de um grande jornal e que mais tarde viria a ser personagem de

grandes conflitos com políticos poderosos, coberturas significativas e vários

momentos cômicos.

A correspondência cai no colo

Falar de imprensa feminina e de mulheres jornalistas, na Bahia até 1970, é

tratar de um grupo restrito de profissionais em uma profissão ainda machista.

Imagine agora, uma mulher, cabo verde, advogada, com pouca experiência no

jornalismo e de uma hora para outra ser contratada como correspondente de um dos

mais importantes jornais do país, em uma época de conflitos políticos.

A primeira jornalista baiana, registrada na história, é Violante Bivar,

proprietária do Jornal das Senhoras14, que era feito por mulheres, mas distribuído no

14

(...) a baiana Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco, 1817–1875, que editou no Rio de Janeiro, a primeira revista – Jornal das Senhoras – destinada a assuntos femininos e dirigida por mulher. (DE SOUZA, Antonio Loureiro. Apontamentos para a história da Imprensa na Bahia. In: TAVARES, Luis Guilherme Pontes

Page 28: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

estado do Rio de Janeiro de 1852 até 1855. Um periódico que está entre a primeira

fase do jornalismo brasileiro, conhecida como uma fase artesanal do jornalismo no

país.

Mas, o certo é que Zilah Moreira é a primeira repórter baiana. A

correspondência do jornal O Estado de S. Paulo, na Bahia, cai no colo da jornalista.

Isto aconteceu devido à morte de seu irmão em 1964, Roschild Moreira, jornalista de

A Tarde e correspondente do Estadão. De acordo com o jornalista Carlos Navarro,

Roschild tinha deixado esposa e crianças, e como Julio Mesquita Filho era muito

próximo da família, deu o cargo a Zilah Moreira de correspondente do jornal, como

forma de ajudar. E é assim que Zilah Moreira começa a trilhar o caminho do

jornalismo e fazer seu nome neste importante jornal do Brasil.

A função dos correspondentes e das sucursais do periódico no país era fazer

a cobertura de tudo o que acontecesse em suas áreas de atuação e enviar para a

sede em São Paulo.

O quartel general da correspondência do Estadão na Bahia era a redação do

Jornal da Bahia. De lá Zilah Moreira pautava e transmitia as matérias por telefone,

western ou telex, usando o operador da casa, Simão Alves (TALENTO, 2003). E, de

acordo com o jornalista Biaggio Talento, Zilah dava uma graninha.

A correspondência do Estadão ficou instalada no Jornal da Bahia até 1973,

ano este em que o periódico decidiu montar uma sucursal.

Quando assumiu a correspondência do jornal, Zilah Moreira teve que fazer

cobertura de tudo o que acontecia em Salvador e no Estado. Torneios esportivos,

decisões políticas, moda, cultura, saúde, todo o tipo de notícia ela tinha que

investigar, escrever o texto (detalhe: ela não sabia usar a máquina de escrever

então fazia à mão e o teletipista, Simão Alves, que tinha que se virar para

datilografar) e enviar para São Paulo. Estas aventuras podem ser melhor entendidas

nos próximos capítulos.

[Org.]. Apontamentos para a História da Imprensa na Bahia. 2 ed. revista e ampliada. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2008, p. 102)

Page 29: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

A convivência no Jornal da Bahia

Fundado em setembro de 1958, por João da Costa Falcão, militante

comunista, o Jornal da Bahia tinha uma linha editorial que juntava as recentes

conquistas da imprensa baiana, com uma diagramação mais arejada dando inclusive

mais espaço às fotografias. Teve como editor-chefe o jornalista João Carlos Teixeira

Gomes15. De acordo com Carlos Navarro16, jovem jornalista do jornal da Bahia entre

1969 e 1970, o jornal tinha um dos mais modernos parques gráficos e apresentando-

se em off-set, como nos melhores jornais do mundo. Seguindo uma linha

independente, o Jornal da Bahia tinha como enfoque a defesa dos interesses do

povo.

João Falcão por muito tempo fez parte do Partido Comunista e, muitos dos

profissionais do seu jornal eram ex-comunistas, que abandonaram o Partido depois

de Kruschev, mas não os ideais políticos. Faziam parte da redação o cineasta

Glauber Rocha, o escritor João Ubaldo Ribeiro, Muniz Sodré, Flavio Costa, João

Batista Lima e Silva, Ariovaldo Matos, entre outros.

Era na redação do periódico de João Falcão que também funcionava a

correspondência do jornal O Estado de S. Paulo. O jornalista Luiz Guilherme afirma

que as duas empresas tinham acordo de cooperação para o uso comum dos

equipamentos de teletipo e radiofoto. De acordo com Carlos Navarro, as matérias

realizadas pela correspondência de Salvador eram enviadas para a sede, em São

Paulo, por western, telefone ou telex e, o Jornal da Bahia tinha estes equipamentos.

Assim, Zilah Moreira se instalou na redação como correspondente em Salvador do

jornal paulista.

Devido à convivência com jornalistas, cineasta e pensadores comunistas,

Zilah Moreira – de família tradicional de Salvador – passou a conhecer outras

ideologias para, assim, registrar seu nome na história do jornalismo baiano, em um

período marcado por uma ditadura repressora que não poupava os jornalistas. Ela

ficou famosa, pelos constantes embates com o prefeito de Salvador e, mais tarde,

15

Conhecido também como Joca, é o autor do livro Memória das Trevas: uma devassa na vida de Antonio Carlos Magalhães. 16

Entrevista com Carlos Navarro realizada pelo autor, conforme anexo na p 58.

Page 30: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães. Mas isso vai ser detalhado mais à

frente.

De acordo com João Falcão, em entrevista ao jornalista Bob Fernandes e

Maria Falcão para o Terra Magazine, a aproximação de Antonio Carlos Magalhães

com Jornal da Bahia começou quando o político foi indicado pelos militares, prefeito

de Salvador, em 1967, três anos após o Golpe Civil-Militar. Para ele, o antecessor

de Antonio Carlos Magalhães, Julival Pires Rebouças, vinha fazendo um bom

trabalho na administração de Salvador e por isso deu uma boa cobertura à

Prefeitura. A aproximação com ACM partiu do próprio político. “Não tínhamos

relações pessoais com ele, tivemos uma boa aproximação porque ele, quando tinha

interesse em algo, era uma pessoa agradável, comunicativa”.

Mas, com a promulgação do AI-5, Ato Institucional n° 5, em 1968, tudo

mudou. João Falcão disse que o redator do periódico, Marcelo Duarte, foi preso e,

quando ele procurou o político, para saber como Antonio Carlos Magalhães poderia

ajudá-lo, obteve a seguinte resposta. “Ele disse que o que eu colocava não era

verdade e que os jornais da Bahia eram pouco corajosos. Eu lhe respondi que o

Jornal da Bahia não era pouco corajoso e que ele não perdia por esperar”.

Entre 1969 e 1972 o jornal foi fortemente perseguido por Antonio Carlos

Magalhães que, segundo Navarro, usou meios jurídicos para desmoralizar o

periódico se aproveitando do cenário político promovido pelo AI-5.

E assim começou todo o imbróglio entre Antonio Carlos, João Falcão e os

jornalistas que faziam parte da redação do Jornal da Bahia, até mesmo Zilah Moreira

que, apesar de ser de O Estado de S. Paulo, mas, convivia com todos que ali

trabalhavam.

Para Carlos Navarro, este clima pode ter influenciado a jornalista a assim

começar o conflito pessoal com Antonio Carlos. “Ela fez matérias que não

agradaram a ele, que ameaçou pedir para o Estadão a demissão dela. Mas, naquele

tempo, os Mesquitas tinham pavor de Antonio Carlos, já não estavam bem com a

Ditadura, já que o jornal ajudou a fazer o Golpe de 64, mas logo depois rompeu

devido à censura a imprensa”.

Page 31: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

“Façam as reportagens e escrevam, os censores que cortem” (MAYRINK,

2008, p.49) eram as ordens enviadas pela sede do jornal O Estado de S. Paulo,

através de seu diretor, Júlio de Mesquita Filho, e mais tarde Júlio de Mesquita Neto,

a todos os correspondentes e sucursais. Quem trabalhava fora da sede deveria

dizer, se fosse interpelado pela polícia, que a decisão de publicar uma notícia era

sempre da direção do jornal, em São Paulo.

Este período, que se inicia com o AI-5 e o lançamento do Pasquim, irá se

encerrar com a anistia e a greve dos jornalistas. Muitas são as experiências

jornalísticas. É a época que O Estado de S. Paulo publica “Os Lusíadas”, Veja lança

uma edição sobre torturas, surgem os jornais Opinião, Movimento, Em Tempo entre

outros jornais da imprensa alternativa. Uma época em que pessoas inocentes,

acusadas de “subversão”, foram torturadas até a morte em nome de uma ideologia,

a Segurança Nacional. Período de intolerância, no qual não havia espaço para os

direitos humanos e para a dignidade da pessoa humana.

Page 32: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Zilah Moreira a frente do Estadão na Bahia

jornalista Ricardo Kotscho, que ingressou no Estadão em 1967 afirmou

que “na redação havia apenas duas mulheres, tradutoras da editoria

internacional” (KOTSCHO, 2006, p. 40). Jornalistas mulheres na própria

sede não existiam, quanto mais correspondente em uma grande capital do país, sem

muita infra-estrutura tendo que enviar reportagens todos os dias para o jornal. Esta

era a função, ou melhor, obrigação de Zilah Moreira, mas que ela fazia com muito

bom gosto.

Zilah Moreira não tinha uma editoria específica. Ela fazia cobertura de todos

os eventos: esportivo, político, policial, econômico ou de variedades, ela estava

pronta, sempre com uma calça marrom, um blusão folgado estampado com cores

vivíssimas – praticamente o uniforme dela, com seus cabelos curtos e seu velho

Fusca, a caça da notícia.

Na época tudo era muito difícil. Era um período em que a Ditadura Militar

mandava no País, com os vários atos institucionais e a repressão aos movimentos

populares contrários à ditadura. De acordo com o jornalista Carlos Navarro, para

outras mulheres talvez fosse difícil ter esta responsabilidade, mas para Zilah, não.

Ele afirma ainda que, com a desenvoltura dela, a espirituosidade, a jornalista entrava

em qualquer lugar: “Para Zilah, poderia ser um estádio de futebol ou Palácio do

Governo que ela estava pronta para investigar, apurar e noticiar.”

Uma de suas histórias interessantes como a “repórter de todas as editorias”

foi em relação ao esporte. Duas histórias relatadas por ela a amigos chamam

atenção. O jornalista Luiz Guilherme17 lembra um momento do lado esportivo de

Zilah Moreira. No início, ela não sabia nada de esporte, até porque naquela época

mulheres irem a estádio assistir uma partida de futebol era raro. Mas, como

correspondente do Estadão, teve que freqüentar rotineiramente. Durante as partidas,

17

Esta historia pode ser vista também na plaqueta organizada pelo jornalista Luiz Guilherme em que ele redigiu uma palestra de Zilah Moreira em 2002, Faculdade Integrada da Bahia. (TAVARES, Luiz Guilherme (org). Zilah Moreira. Salvador, Núcleo de Estudos da História da Imprensa da Bahia, São Paulo: Rede Alfredo de Carvalho, 2005, p. 10).

O

Page 33: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

ela ficava caminhando pelo campo (não se instalava na tribuna de imprensa) sempre

com um rádio – e vale lembrar que os rádios daquela época eram enormes – com a

alça no ombro, acompanhando o jogo. Determinado momento ouviu o locutor dizer:

“tiro de Meta”. Ela olhava para um lado e para o outro e não conseguia entender. O

mais interessante é que este nome já lhe era familiar porque, é claro, toda partida de

futebol tem que ter o tiro de meta. Então ela pensou e perguntou para si mesma

quem era este “Meta” que aparecia em todos os jogos. Para tirar a duvida recorreu

ao amigo e jornalista do A Tarde, Carlos González, para saber quem era este tal de

“Meta”. Ele então sorriu e explicou o que era o “tiro de Meta”.

Outro caso lembrado por Luiz Guilherme foi à relação entre Zilah Moreira e o

técnico do Esporte Clube Bahia, Paulo Amaral. Jornalista nenhum conseguia falar

com ele. Zilah Moreira então decidiu encarar o técnico, e como ela mesma dizia, fez

“uma cara de Santa Beata” e foi entrevistá-lo.

– Senhor Paulo? Disse.

Ele então respondeu:

– Não me chame de senhor.

– Então Paulo. Eu só sei que a bola é redonda e nada de jogo.

– Não posso. Respondeu o técnico.

Com os ânimos enaltecidos, ela disse:

– Como é que não pode. O senhor é o técnico do time, tem que dar

satisfações.

A partir daí ele explicou como ia ser o jogo, ela construiu a matéria, que foi

veiculada no jornal. Desse dia em diante, Paulo Amaral só concedia entrevistas a

jornalista.18 Até que um episódio desconstruiu este privilégio.

De acordo com relatos da jornalista, teve um momento em que ela não tinha

mais o que falar sobre o técnico. Ela procurou o seu irmão que entendia de futebol e

também era jornalista, Eitel Moreira, para fazer uma reportagem com o técnico em

18

op. cit., p. 11

Page 34: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

um terreiro de candomblé. Para completar a matéria, o Estadão tinha achado em

seu arquivo uma fotografia de Paulo Amaral em que uma luz emitia alguns raios e

que dava uma impressão de que ele era uma divindade. Com informações de um

filho-de-santo, Camafeu de Oxossi, ela escreveu que o técnico freqüentava um

terreiro de candomblé, as vésperas dos jogos do Bahia, chupava a cabeça de um

galo preto e que por isso o Bahia ganhava as partidas. O fato gerou uma confusão!

O técnico não gostou da história e deixou de conceder entrevistas a Zilah Moreira.

(TAVARES, 2005). A partir daí, a correspondente começou a gostar de noticiar

esporte e tudo foi ficando mais fácil. Cobriu o Vigésimo Campeonato Brasileiro de

Iatismo da classe Snipe19 (anexo, p. 67), a crise do Bahia no campeonato Roberto

Pedrosa, de 1971 (anexo, p. 70), a cobertura do primeiro jogo transmitido, via

satélite pela Embratel, entre Bahia e Grêmio20, entre outros.

Outro caso interessante vivido por Zilah enquanto esteve à frente da

correspondência do Estadão na Bahia foi à vinda do presidente do Banco Mundial,

Robert McNamara, ao Brasil. Na viagem ele passou por Salvador. McNamara veio

acompanhado de sua secretária, Chandras Sing. A secretaria resolveu conhecer a

capital baiana e, nesta época, os estudantes estavam fazendo muitas manifestações

contra o regime. Chandras Sing então chega ao Terreiro de Jesus, no Pelourinho, e

começou a tirar fotografias. Um soldado, que estava de plantão, achou que ela

estava tirando foto dele e então “arrastou” a secretária. Ela sem entender nada

perguntava ao policial em inglês.

– Do you speak english? Do you speak english?

Nada adiantou. Ela foi levada até a delegacia da Misericórdia, onde hoje é a

prefeitura de Salvador, tomaram a máquina, os documentos e a agrediram. Zilah

Moreira então correu para a redação do Jornal da Bahia, escreveu o texto e quando

iria enviar pelo telex para o Estadão ouviu que o secretário de Comunicação do

Governo Luiz Vianna, Prisco Viana, tinha pedido para não publicar. Mesmo assim,

enviou a matéria com a observação de que o Governo da Bahia havia censurado.

Apesar do aviso, o jornal publicou.

19

Entrevista com Carlos Navarro realizada pelo autor. Apêndice p. 58 20

Este caso vai ser melhor explicado os embates com Antonio Carlos Magalhães.

Page 35: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Outra reportagem de Zilah Moreira e que envolvia o ex-governador Luiz

Vianna Filho foi o pedido de impugnação no TRE, Tribunal Regional Eleitoral, do

candidato da Arena ao Senado Luiz Vianna Filho e seu suplente solicitado pelo

candidato do MDB, Movimento Democrático Brasileiro,

Clemens Sampaio. De acordo com Sampaio, em virtude

da desistência do deputado Agostinho Pinheiro, a Arena

deveria fazer uma nova assembléia para escolher o novo

candidato ao Senado (Figura 5).

Outras coberturas foram marcantes na história da

jornalista. Entre as principais, a morte do capitão Carlos

Lamarca e do líder comunista, o baiano Carlos Marighella

além dos inúmeros confrontos com Antonio Carlos

Magalhães. Algumas destas histórias, desta que foi a

repórter de todas as editorias, serão contatadas nos

próximos capítulos.

Os embates com Antonio Carlos Magalhães

O jornalista Clovis Rossi disse certa vez ao também

jornalista Ricardo Kotscho qual era o sentido do

jornalismo: garimpar boas histórias e oferecer informações

confiáveis à sociedade (KOTSCHO, 2006, p. 14). Começo

este capítulo com este trecho para explicar que esta era

uma das principais características defendida pela jornalista

Zilah Moreira: a busca inconstante da notícia com

veracidade.

Mas, para iniciar esta parte, que vai tratar dos inúmeros e inconstantes

embates entre a jornalista e o político Antonio Carlos Magalhães, é importante

remeter ao final do primeiro capítulo (De A Província de S. Paulo ao Golpe Civil-

militar de 1964), que trata do apoio de O Estado de S. Paulo ao Golpe Civil-Militar de

1964, quando o presidente João Goulart é deposto e o Exército assume a liderança

do país.

Figura 5: Em destaque nota de Zilah Moreira sobre o pedido de impugnação da candidatura de Luiz Vianna Filho. Extraída do livro Mordaça no Estadão, p. 204

Page 36: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Os primeiros anos da ditadura militar no Brasil foram marcados, de um modo

geral, pelo confuso movimento de acomodação das forças golpistas, quase sempre

caracterizados pelos antagonismos insuperáveis em seu interior. O que para as

Forças Armadas, em geral, é denominado de Revolução Democrática de 31 de

março de 1964, para o general Sylvio Frota, integrante de primeira hora do

movimento militar, isto nada mais foi que um golpe, quando ele afirma: “Sobrevêm,

então, o Golpe Militar de 1964, que na verdade jamais foi uma Revolução, (...)”

(FROTA, 2006, p. 63).

O que se pode entender, é que não havia ao certo, um projeto claro de poder.

Os militares, até então, se limitavam a intervir no que eles consideravam ser

ameaças às instituições do país, sem pretensões de poder, como defendia o

presidente Castelo Branco, que queria ser um instrumento de transição e, em

seguida, passar o comando do país aos civis. Assim, a grande imprensa – como, por

exemplo, O Estado de S. Paulo – diversas esferas da sociedade civil21, religiões,

dentre outros, apoiaram o Golpe Civil-Militar de 1964 com o intuito de mudar a visão

política até então vigente no país.

O jornalista Mino Carta afirma, na edição de Carta Capital, de seis de abril de

2011, que “o golpe foi armado pelos donos paisanos do poder, invocado

sofregamente por sua mídia, braço impresso e falado, e executado por seus

gendarmes, ou seja, pelas Forças Armadas que se prestaram ao serviço” (p. 25).

Mas a consolidação deste evento de 1964 constrói também uma nova história

que se traduz em um “Golpe dentro do Golpe”, com o decreto dos constantes atos

institucionais que leva o país à censura.

Assim, o poder das forças armadas toma conta do cenário nacional, que vai

indicar prefeitos, governadores, presidentes em eleições indiretas, fechar o

congresso e a censura prévia a imprensa. Uma forma de repressão22, muito bem

21

Conforme a afirmativa de Solange Simões (1985, p.36), essa “mobilização atendia, portanto, a um objetivo principal: viabilizar e justificar o golpe enquanto resposta a um espontâneo e legítimo apelo popular”. Visava, sobretudo, mobilizar os setores médios, posto que a classe trabalhadora encontrava-se mais afeita às propostas lançadas pelo nacional-reformismo de João Goulart. (SANTANA, Ediane Lopes. Campanha de desestabilização de Jango: as ‘donas’ saem às ruas. In: ZACHARIADES, Grimaldo [Org.]. A ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: Edufba, 2009. p. 19) 22

Quando se define os efeitos de poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica, deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. (...) O que

Page 37: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

explicada por Michel Foucault, onde a lei é fortalecida pela expressão, “não”. E a

Bahia não ficou fora deste período. Foi uma época em que de um lado estavam

prefeitos e governadores indicados pelas forças armadas, e do outro, jornais

censurados, jornalistas, movimentos estudantis, e guerrilheiros: todos perseguidos.

O primeiro prefeito de Salvador nomeado pela Ditadura Militar foi Nelson de

Souza Oliveira (1964-1967) que mais tarde foi substituído pelo jovem médico

Antonio Carlos Magalhães, indicado pela Câmara Estadual e nomeado pelo

governador Lomanto Junior.

Luiz Vianna Filho foi o primeiro governador da Bahia indicado pela ditadura

em 15 de março de 1967 e ficou no poder até 15 de março de 1971, assumindo em

seguida Antonio Carlos Magalhães.

Antonio Carlos Magalhães sempre esteve presente nas pautas de Zilah

Moreira, quando correspondente de O Estado de S. Paulo, na Bahia. Como foi dito

antes, acredita-se que este desafeto entre a jornalista e o político nasceu devido ao

seu convívio com os jornalistas na redação do Jornal da Bahia e consolidado com a

liberdade que o Estadão dava à jornalista, já que a família Mesquita não gostava do

político.

E sem dúvida alguma, a carreira jornalística de Zilah Moreira ganhou

notoriedade e visibilidade devido a sua coragem de enfrentar um grande político

poderoso, em todas esferas de poder.

A decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, período este em que o

prefeito de Salvador era Antonio Carlos Magalhães e o governador Luiz Vianna

Filho, colocou no papel aquilo que até então era somente uma intenção. Dava

poderes extraordinários ao presidente da República e suspendia várias garantias

constitucionais, dentre elas, obrigava os jornais a se enquadrar, colaborando na

tarefa de isolar os “impatriotas” e fazer com que o conjunto dos brasileiros se

identificasse com os projetos do governo militar (MAYRINK, 2008, p. 16). Com o AI-5

a situação piorou consideravelmente. O ato veio em represália à decisão da Câmara

dos Deputados, que se negara a conceder licença para que o deputado Marcio

faz com que o pode se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. (FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 8)

Page 38: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Moreira Alves23 fosse processado devido a um discurso

onde questionava até quando o Exército abrigaria

torturadores.

Com a decretação do AI-5, políticos e autoridades

baianas, contrárias as Forças Armadas foram ouvidas e

detidas em Salvador. Zilah Moreira, em reportagem

compartilhada com a redação em São Paulo e a sucursal

do Rio de Janeiro, intitulada “Deputado estadual

encontra-se detido” (apêndice p.), ela aponta que

autoridades como os deputados Marcelo Duarte e Mario

Piva e Luiz Henrique Dias, diretor de Ensino Médio e

responsável pela Bienal estavam presas na sede da

Polícia Federal há dias.

Embora tenha sido um entusiasta do Golpe Civil-

Militar de 1964, em seu início, apoiando as medidas de

exceção, a partir de 1966, o jornal muda de posição ao

perceber que o governo brasileiro não voltaria para os

23

"Senhor presidente, senhores deputados,

Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula

militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os

acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do

boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No

entanto, isto não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se

estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7

de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e

pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada

mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os

espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar

também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais.

Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e

recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que

silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os

que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível

resolver esta farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os

silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer

com que este país volte à democracia. Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não

compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que

tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos

seus superiores." (Folha Online. Leia discurso histórico do ex-deputado Marcio Moreira Alves. Folha de S. Paulo,

São Paulo, 12 de junho de 2011).

Figura 6: Recorte do editorial Instituições em Frangalhos

Page 39: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

civis e assim começam as críticas às ações deletérias dos agentes do governo. O

principal documento histórico desse momento é o editorial “Instituições em

frangalhos24” (Figura 6), publicado no dia em que o AI-5 é baixado.

A censura prévia no jornal começou a meia noite de 12 de dezembro de 1968,

um dia antes da instituição do AI-5. O general Silvio Correia de Andrade, chefe da

Polícia Federal em São Paulo, telefonou para a redação do Estadão para saber qual

seria a manchete da primeira página. O secretário da redação, Oliveiros S. Ferreira,

respondeu: “Câmara nega; prontidão”25.

De acordo com Oliveiros S. Ferreira, em depoimento no livro Mordaça no

Estadão, a ordem era trabalhar como se não existisse censura. “Façam as

reportagens e escrevam, os censores que cortem” (MAYRINK, p. 49). Zilah Moreira

confirma quando diz que ao longo dos 30 anos sendo correspondente do jornal na

Bahia, fazia tudo o que jornal mandava inclusive reportagens que fosse contra o

prefeito e mais tarde governador Antonio Carlos Magalhães (TAVARES, 2005).

Uma das polêmicas reportagens de Zilah Moreira que envolve Antonio Carlos

Magalhães foi à vinda de Carlos Simas, que fora ministro das Comunicações

durante o governo Castelo Branco, para chefiar a Telebahia, Companhia Telefônica

do Estado da Bahia designado pelo governo do presidente Emilio Garrastazu Médici.

Carlos Simas já era um antigo desafeto do político. Sabendo disso, o Estadão

enviou um repórter a Salvador para auxiliar Zilah Moreira na reportagem.

Quando o repórter chegou, disse a Zilah Moreira para ela ficar calada, que

marcasse apenas as entrevistas. Imagine, Zilah Moreira calada?! Quase impossível.

Mas, a princípio, ela obedeceu. Ela ligou para o prefeito Antonio Carlos Magalhães e

24

E é diante desse quadro todo, ele feito de tonalidades sombrias, que nos achamos. Até aqui as coisas pareciam suscetíveis de sua recomposição. Apesar de tudo, a passividade do Congresso Nacional, aliada a disciplina militar, poderia ainda fazer às vezes do apoio da opinião pública. Agora, porém, que são claros os sinais de desagregação irredutível da maioria parlamentar, como o comprova a estrondosa derrota sofrida ontem pelo governo, quando mais de 70 deputados da Arena votaram contra a concessão de licença para processar o deputado Marcio Moreira Alves, pergunta-se: que é que poderá resultar de um estado de coisas que tanto se assemelha ao desmantelamento total do regime que o Sr. Presidente da República julgava fosse o mais conveniente aquele delicadíssimo e frágil arquipélago de grupos sociais a que se referia ainda ontem, cuja integridade, é a S. Exa. o primeiro a reconhecê-lo. (Editorial. O Estado de S. Paulo. 13 de dezembro de 1968) 25

Era uma seqüencia (suíte, no jargão jornalístico) da manchete da véspera – “Câmara vota hoje a licença” -, referente à licença para o governo processar o deputado Marcio Moreira Alves (MDB pelo antigo Estado da Guanabara), por causa de um discurso, meses antes considerado inofensivo pelas Forças Armadas. (MAYRINK, José Maria. Mordaça no Estadão. São Paulo: O Estado de São Paulo, 2008, p. 24)

Page 40: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

marcou a entrevista. O mesmo ela fez com Carlos Simas, que preferiu não atender,

e com vários outros implicados no caso.

O repórter do Estadão então entrevistou o prefeito de Salvador que dizia

absurdos sobre o presidente da Telebahia. Ao chegar na redação do Jornal da Bahia

o repórter chamou Zilah Moreira para juntos compor a matéria. Mas, faltava ter a

entrevista de Carlos Simas. A reportagem só ficaria mais interessante se tivesse um

contraponto. O repórter tinha nas mãos um gravador que continha declarações do

prefeito de Salvador difamando Carlos Simas. Zilah, então, teve a idéia de fazer uma

acareação. Ela ligou para o presidente da Telebahia dizendo que estava com uma

gravação em que Antonio Carlos o arrasava. Simas reuniu seu staff, autorizou Zilah

Moreira ir até o escritório dele e lá ela mostrou todo o conteúdo da fita. Cada

afirmação do prefeito de Salvador, ele parava e rebatia. Terminada a acareação,

Zilah Moreira e o repórter que o Estadão tinha enviado fizeram uma reportagem,

literalmente a quatro mãos, que deixou Antonio Carlos Magalhães bastante furioso.

Sucursais e correspondentes do Grupo Estado sofreram todo tipo de pressão

durante a Ditadura Militar por causa das notícias que apuravam em suas regiões. As

reportagens na maioria das vezes não eram podadas nas fontes (MAYRINK, 2008,

p. 121), mas agentes da Polícia Federal e oficiais do Exército tentavam intimidar os

repórteres para que não enviassem o material escrito para São Paulo.

De acordo com Raul Bastos, chefe dos correspondentes, “as sucursais e

correspondentes sofreram pressões, porque estavam expostos, numa época em que

“O Estado” tinha uma máquina muito grande, fornecendo matérias que irritavam a

censura”.

Certa vez, irritado com as reportagens de Zilah Moreira, Antonio Carlos

Magalhães pediu a cabeça da jornalista ao jornal O Estado de S. Paulo, que o

ignorou.

A ação censória esteve no Estadão26 por mais de seis anos e mesmo

assim, Júlio Mesquita Neto não se curvava perante a ação. Assim, ao depor em um

26

Isso posto, as regras estão claras. Não há nada caótico e perdido na burocracia, como muitas análises tentam apontar. Não há acefalia. Até mesmo os temas censórios estão expostos desde o início, como as notas recebidas no dia do AI-5 comprovam. Mas o jornal, O Estado de S. Paulo continuou expondo o sentimento corrente da época, no artigo “Liberdade em debate na ABI”, de 23/03/1972, (p.6), ao refletir que: “(...) como a legislação é

Page 41: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

inquérito policial-militar, o diretor do Estadão causou um constrangimento para os

agentes do governo ao afirmar que não era mais o responsável pelo jornal e sim o

ministro da Justiça, Alfredo Buzaid (KUSHNIR, 2004, p. 51).

E se esta ação censória não intimidava os

donos do jornal, imagine se iria deixar Zilah

Moreira retraída?! Carlos Navarro afirma que a

jornalista era tão espirituosa que ia para as

entrevistas coletivas de Antonio Carlos

Magalhães, enfrentava o político e isso deu

grande notoriedade a ela, já que o Estadão

garantia e divulgava. Ele diz ainda que com a

coragem de encarar um poderoso e ainda mais

em plena ditadura, ela então ganha grande

importância no jornalismo baiano.

A censura era realizada na sede do jornal,

em São Paulo. Correspondentes e sucursais

tinham uma maior liberdade para escrever as

notícias pertinentes as suas áreas de cobertura. E

inúmeras foram estas reportagens realizadas por

Zilah Moreira, como por exemplo, o caso da

secretária do presidente do FMI, Fundo

Monetário Internacional, Robert McNamara,

contada no capítulo anterior, que foi arrastada por policiais do Exército, sofrendo,

inclusive, agressões físicas, e que a correspondente em Salvador enviou a

reportagem com o aviso de censura emitido pela assessoria de comunicação do

governo baiano e mesmo assim foi publicada pelo jornal.

Mas, na maioria das vezes, os censores instalados na redação do jornal, não

permitiam a publicação de matérias que comprometiam o governo militar. Para

contraditória, por força do grande número de portarias e instruções que complementam os diplomas de arrocho fundamentais, os jornais continuam a mercê de decisões subjetivas que variam consoante o critério da autoridade encarregada de interpretar os textos”. (KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 118-119)

Figura 7: Em destaque o Canto Décimo, de Luiz de Camões.

Page 42: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

driblar a ação, o Estadão então começou a publicar poemas27, principalmente os de

Camões, como um sinal de que naquele espaço uma reportagem havia sido

censurada (Figura 7). Os versos de Camões rechearam as páginas internacionais

em setembro de 1973, quando Clovis Rossi, pelo Estadão, cobriu em Santiago, no

Chile, o golpe militar do general Augusto Pinochet que destituiu do poder o

presidente Salvador Allende (MAYRINK, 2008).

Assim, destemida, Zilah Moreira seguiu fazendo o seu trabalho como

correspondente do Estadão, na Bahia. A briga do Jornal da Bahia com o prefeito

Antonio Carlos Magalhães, relatado no capítulo anterior, foi um dos estímulos para

que Zilah Moreira enfrentasse o político com mais coragem. Fatores que levaram ao

rompimento do jornal de João Falcão com Antonio Carlos Magalhães foram

inúmeros. Um dos últimos foi a reportagem do jornalista Nilton Sobral dizendo que o

prefeito era a causa do rompimento, da desunião dentro da Arena, Aliança

Renovadora Nacional, partido que era a base do governo militar, pois disputava com

o ex – governador Lomanto Junior a liderança do partido, tendo em vista a

sucessão. É evidente que a reportagem não agradou Antonio Carlos Magalhães.

Depois disso, o prefeito não publicou mais nota oficial no jornal de João Falcão.

Zilah Moreira, então, chamou o jornalista João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, que

era o editor-chefe do Jornal da Bahia e disse que iria fazer uma reportagem para o

Estadão denunciando o caso. Joca pediu para ela não fazer isso. Ela não ouviu, fez

a reportagem e enviou. No outro dia, Julio Mesquita Neto fez um editorial na terceira

página acabando com Antonio Carlos Magalhães e sua política. Como o dono do

Estadão era o presidente da Associação Interamericana de Imprensa, ele denunciou

as arbitrariedades do regime em reuniões e congressos internacionais e a

Associação protestou contra os desmandos na Bahia.

De acordo com Mayrink (2008), Julio Mesquita Neto se empenhava,

pessoalmente, em acompanhar de perto a situação dos jornalistas perseguidos. Em

seus discursos e relatórios apresentados na Associação Interamericana de Imprensa

27

Como a censura não permitia que saísse espaço em branco, o Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde deram um jeito de substituir o material cortado por alguma coisa que mostrasse aos leitores que algo estranho estava ocorrendo. Começaram publicando carta, depois recorreram a poemas e outros textos literários. (...) Foi ai que se começou a publicar Os Lusíadas, de Luiz de Camões, no espaço das matérias censuradas. A sugestão foi de Antonio de Carvalho Mendes, que escrevia uma coluna sobre cinofilia e já era o responsável pela seção de falecimentos. (MAYRINK, José Maria. Mordaça no Estadão. Op. cit., p. 63-66).

Page 43: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

ele sempre denunciou a censura. Um desses relatos28 foi realizado em Acapulco, no

México, em março de 1969, três meses após a edição do AI-5.

A década de 60, no Brasil, foi um período marcado por uma gradual

aproximação dos estudantes com as ideologias e organizações políticas de

esquerda, sobretudo após o Golpe Militar. Em todo o país foram fechadas entidades

estudantis, sindicatos, redações de jornais, dentre outras organizações que eram

consideradas subversivas.

No final de 1967 (SOUZA, apud ZACHARIADES, 2009) vários estudantes que

simpatizavam com o PCB, Partido Comunista Brasileiro, ingressaram neste partido

político. Duas dissidências do PCB de Salvador atuavam organizadamente: uma,

sob a liderança de Juca Ferreira e Sérgio Landulfo Furtado; a outra, coordenada por

Chantal Russi, Marie Hélène Russi, Carlos Sarno e Jurema Valença. A juventude

estudantil protestava contra a autoridade e os desmandos em relação à educação

no país. O brutal assassinato do estudante Edson Luís, no Rio de Janeiro, foi o

estopim para que os estudantes baianos também fossem as ruas protestar29.

Zilah Moreira contou a Luís Guilherme Tavares que ela e alguns jornalistas do

Jornal da Bahia, principalmente, ficavam sentados em baixo dos pés de Oitis (do

lado das bancas de revista de Marreco e de Careca) que ficavam em frente à

Prefeitura de Salvador, onde hoje é a Câmara de Vereadores, para falar mal de

Antonio Carlos Magalhães e como iriam ser as reportagens do dia seguinte. Ela

apelidava o ponto como “Rádio Oiti”. Era o governo Luiz Vianna, a cidade tomada

pelos estudantes, um verdadeiro campo de batalha. Estava ela e o deputado José

28

“No Brasil, não existe, hoje, liberdade de imprensa. O Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968, representou para a imprensa do Brasil o desfecho de uma situação cujo agravamento tínhamos previsto, havia muito”. (MAYRINK, José Maria. op. cit. p. 96). 29 Em 30 de março, o DCE e a UEB deflagraram greve geral de protesto contra o assassinato do estudante.

Programaram uma concentração na Praça Castro Alves e uma passeata com bandeira de luto pelo centro da cidade. O governador Luis Vianna lamentou a morte do jovem ao mesmo tempo em que fez pronunciamento pela TV pedindo aos estudantes para não irem às ruas “perturbar a vida na cidade”. Além dessa iniciativa, o governo tentaria esvaziar a reação estudantil fechando as escolas públicas. (...) No outro dia, os estudantes realizaram um comício no centro da cidade com direito a farta distribuição de panfletos e manifestos à população sobre as razões do protesto. Organizaram comícios-relâmpagos em pontos de ônibus. Alguns chegaram a entrar nos veículos e proferir discursos buscando angariar o apoio da população. Até pichação foi feita pelas ruas do centro. A passeata continha cartazes com vários dizeres, entre os quais: “Abaixo a violência”, “Abaixo o arrocho”. (BRITO, Antonio Maurício Freitas. Salvador em 1968: um breve repertório de lutas estudantis universitárias. In: ZACHARIADES, Grimaldo [Org.]. Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: Edufba, 2009. p. 93-94).

Page 44: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Penedo conversando no ponto da “Rádio Oiti” quando um policial chegou

expulsando todos de lá. Ela disse que só sairia se o deputado José Penedo saísse

também. Como o deputado não saiu, ela continuou no lugar. Os policiais voltaram

com cachorros, um soltou e foi para cima dela, e ainda jogaram bomba de gás

lacrimogênio. Ela então correu em direção a Farmácia Chile – onde hoje é uma loja

de produtos fotográficos – lavou o rosto e teimosa como era, voltou para os pés de

oitis. Dentro de instantes dois tenentes jovens vieram para junto de Zilah e ela

perguntou:

– Vão ajudar a bater nos meninos estudantes como vocês? Vocês são

estudantes não são? (TAVARES, 2005, p. 21)

Um deles respondeu que era estudante de direito, disse o nome para ela, e

que só cumpriam ordens. Eles não fizeram nada contra ela, mas pediu que a

jornalista se retirasse. Ela saiu apenas naquele dia, porque no dia seguinte lá estava

ela de volta.

Certa vez o jornal O Estado de S. Paulo saiu das bancas de Salvador. Carlos

Navarro disse que era comum quando acontecia de, alguma reportagem ser contra o

governador Antonio Carlos Magalhães ou integrantes do seu governo, ele mandar

apreender o jornal ainda no aeroporto ou comprar tudo na mão do distribuidor. Certa

vez Zilah Moreira estava passando pela Praça Municipal, quando Marreco, dono de

uma das bancas na área a chamou, e disse que tinham tirado o Estadão das

bancas. Ela foi conferir na banca vizinha, a de Careca, e confirmou que realmente o

jornal não estava lá. Ela então ligou para Raul Bastos, chefe dos correspondentes,

dizendo o ocorrido. Raul então pediu para ela tomar cuidado. Destemida, a jornalista

então, ligou para o governador Antonio Carlos Magalhães que respondeu

(TAVARES, 2005, p. 24):

– Isso é intriga da senhora.

Zilah replicou:

– Governador, o senhor me respeite, olhe que eu desligo o telefone. Não

quero bater o telefone na cara do governador da Bahia, porque na de Toninho do

Campo da Pólvora, Toninho Malvadeza, eu bato.

Page 45: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Quanto mais ela falava mais ele se irritava com ela.

Ele então pediu para o secretário de Segurança Pública da Bahia, o coronel

Joalbo Figueiredo, marcar um encontro para que ela explicasse o ocorrido, na sede

da Secretaria de Segurança Pública, na Piedade. Sob protesto, ela então contou o

ocorrido: que os exemplares do Estadão não estavam nas bancas de revistas. O

coronel Figueiredo, então, pediu para ela dizer os nomes dos informantes. Ela então

respondeu:

– Você acha que sou maluca? Dar os nomes dos jornaleiros para você dar

porrada neles, para depois eles dizerem que eu estou inventando história, como fez

seu chefe?

Contrariada ela saiu do encontro com o coronel Figueiredo e seguiu para a

Praça Municipal para avisar a Careca e Marreco para fecharem as bancas, pois a

polícia poderia chegar a qualquer momento.

No outro dia, depois de dar queixa na delegacia, Zilah Moreira descobriu o

motivo do boicote ao jornal na Bahia. O diretor de Turismo da Prefeitura de

Salvador, Herval Pereira, tinha ido a São Paulo para um congresso de turismo e de

acordo com a jornalista ele foi “passear” com uma menina. A polícia prendeu o carro

deles. Um jornalista de O Estado de S. Paulo soube do caso e publicou que o

funcionário municipal baiano tinha sido abordado por policiais e que estava

acompanhado. O diretor pediu então para apreender o jornal na Bahia, para a

esposa dele não ler. Todos os jornais foram tirados da banca e foram empilhados no

Belvedere da Sé, onde era a Sutursa. A jornalista ficou em cima do delegado para

que o caso fosse solucionado. O final da história foi que o delegado que conduzia o

inquérito faleceu e ficou tudo por isso mesmo (TAVARES, 2005).

Além de ser correspondente do O Estado de S. Paulo, Zilah Moreira, como

era advogada, também fora assessora jurídica da Câmara de Vereadores de

Salvador. Antonio Carlos Magalhães, que era prefeito de Salvador, era o mais

cotado a ser governador da Bahia por indicação dos militares e referendo da

Assembléia Legislativa. De acordo com a jornalista, era um período de eleições para

deputados federal e estadual e a apuração acontecia no Fórum Ruy Barbosa, sob a

segurança da Aeronáutica. Arrogante, o prefeito desacata os soldados da

Page 46: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Aeronáutica na tentativa de entrar no Fórum e é barrado. Revoltado, ele cria um

tumulto na frente do Fórum. Este tumulto gera um processo onde vários candidatos

vão ser ouvidos, dentre eles o vereador e candidato a deputado estadual, José

Penedo. Na saída do depoimento, Penedo diz que, pelos depoimentos, Antonio

Carlos não seria mais candidato a governador. Imediatamente, Zilah envia uma

matéria para o Estadão intitulada: Antonio Carlos Magalhães, que responde um

processo na Aeronáutica, provavelmente não será o governador da Bahia por

indicação.

Um dos assessores do prefeito pegou o recorte do jornal entregou a ele que

ficou furioso e exigiu que o presidente da Câmara de Vereadores, Paulo Magalhães,

demitisse Zilah Moreira. O presidente imediatamente obedeceu. Quando soube que

havia sido demitida, ela foi ao encontro do governador Luiz Vianna Filho, no Palácio

Rio Branco, que não estava no momento. Então relatou o ocorrido ao chefe da Casa

Militar, Coronel Isidro. Ele pediu para ela ir trabalhar e que iria conversar com o

presidente da Câmara. No dia seguinte, ela encontrou Isidro que disse: “você para o

Antonio Carlos Magalhães, é um perigo. Assim que acabei de falar com Paulinho, o

prefeito subiu as escadas dizendo ‘Isidro, faço uma força danada para demiti-la e

você quer readmiti-la. Para lá ela não voltará jamais’” (TAVARES, 2005, p. 30).

Sorridente, a jornalista foi para a Rua Chile, principal reduto dos jornalistas e

disse: “sou a mulher mais importante da Bahia. Toninho desceu a escada da

prefeitura, subiu a do Palácio Rio Branco para dizer a Isidro que não me queria na

Câmara” (TAVARES, 2005, p. 30).

Os abalos sofridos pela ditadura brasileira a partir de 1974 levaram o estado

maior militar a optar por um processo de abertura política controlada, alavancado

através da grande imprensa (KUCINSKI, 1991, p.95).

Com a ascensão do General Ernesto Geisel à presidência da República, a

censura começou a ficar de uma forma lenta e gradual mais branda. O fim da

censura à imprensa foi um compromisso do presidente em sua posse no dia 15 de

março de 1974 com Júlio de Mesquita Neto. O fato não se concretizou

imediatamente porque a censura continuou até janeiro do ano seguinte no

Page 47: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Estadão30. A censura continua em diversos outros órgãos de comunicação, sendo

particularmente severa contra os jornais alternativos já citados. Ela será

definitivamente abolida somente em 1979, já no governo do general João Batista

Figueiredo.

Durante o governo do presidente Geisel um caso inusitado vivenciado por

Zilah Moreira aconteceu em Salvador. O Estadão mandou Zilah Moreira cobrir o jogo

do Bahia e do Grêmio pelo Campeonato Roberto Pedrosa, que iria ser transmitido

pela Embratel, Empresa Brasileira de Telecomunicações. Como ela era repórter de

tudo o que era editoria, inclusive esporte, Zilah seguiu para o estádio Octavio

Mangabeira com o seu velho rádio de pilha. Ao chegar na arquibancada oficial

encontrou ela cheia de gente e o curioso, a maioria de torcedores do Vitória.

Estavam Antonio Carlos Magalhães, Jujú Vianna (esposa do governador Luis

Vianna), deputados, vereadores, todos torcedores do Vitória. Ela não conseguia

entender o por quê de tanta gente no estádio e esta coincidência do jornal mandar

ela cobrir. Ao conversar com Carlos Navarro, jornalista da sucursal31 do Estadão,

Zilah então percebeu o motivo de tanta gente no local. O presidente Geisel era

torcedor do Grêmio de Porto Alegre e como o jogo seria transmitido ele iria assistir e

é claro que os políticos baianos queriam aparecer na televisão. Mas um problema na

Embratel impediu que houvesse a transmissão do jogo e consequentemente o

presidente não assistiu o jogo. Zilah então escreveu a reportagem, que lhe rendeu

muitos elogios, intitulada: “Eles não foram vistos”.

A cobertura da morte de Carlos Marighella e Carlos Lamarca

Carlos Marighella e Carlos Lamarca, os dois dirigentes revolucionários de

maior expressão na luta armada no Brasil do final da década de 60 e início da

década de 70, tiveram trajetórias diferentes.

30

Na comemoração do centenário de O Estado de S. Paulo, em 4 de janeiro de 1975, a Polícia Federal liberou, sem cortes um suplemento histórico de 40 páginas de texto (mais de 67 cadernos, com seis paginas em média cada um, foram publicados nos meses seguintes), no qual o jornal contava sua trajetória, incluindo a resistência a todas as ditaduras. Carlos Chagas, que era o chefe da Sucursal de Brasília, ligou para os Mesquitas, na véspera da festa dos 100 anos, para dar a informação do ministro da Justiça, Armando Falcão, de que estava tudo liberado. No dia 3 de janeiro, os censores sumiram. Ruy Mesquita elogia a atitude do presidente. (MAYRINK, José Maria. op. cit., p. 116). 31

A sucursal foi instalada em 1973 e será explicada em “A saída das ruas e a chefia administrativa”.

Page 48: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Marighella tornou-se militante do Partido Comunista do Brasil aos 18 anos.

Sua vida política foi marcada pelo confronto do socialismo com o capitalismo,

fascismo e nazismo, a Era Vargas, O Stalinismo, a Segunda Guerra Mundial, a

redemocratização do Brasil no pós 45, a Guerra Fria, o imperialismo norte-

americano, o governo Juscelino Kubitschek, a Revolução Cubana, as lutas pelas

reformas de base no governo de João Goulart, o Golpe Civil-Militar, o AI-5. Assim,

falar de Carlos Marighella é passear por várias eras vivenciadas pelo Brasil e pelo

mundo.

Já a história de Carlos Lamarca segue um curso diferente. Semelhante com a

de tantos outros jovens, de origem pobre, e que buscam nas Forças Armadas, uma

formação, uma carreira. Aos 17 anos de idade, entra para a Escola Preparatória de

Cadetes e aos 29 anos se torna capitão do Exército. Vale lembrar que o capitão era

um exímio atirador, uma de suas principais características (JOSÉ, MIRANDA, 1984).

Mas em uma época marcada pela busca da libertação nos países da América

Latina, da miséria e da pobreza que o capitão conhecia de perto, Lamarca larga sua

carreira bem-sucedida no Exército, para se tornar revolucionário, comunista, o

capitão da guerrilha.

***

Carlos Marighella nasceu em Salvador em cinco de dezembro de 1911. Um

dos sete filhos do operário italiano, Augusto Marighella, e da baiana Maria Rita do

Nascimento, negra e filha de escravos oriundos do Sudão. Conheceu a prisão

durante o governo Vargas, em 1936, acusado de subversão, foi torturado pela

polícia de Filinto Müller. Ao sair da prisão, entra para a clandestinidade, é preso e

torturado novamente em 1939, ficando preso até 1945 quando é beneficiado com a

anistia pelo processo de redemocratização do país. Em maio de 1964 é baleado e

preso por agentes do DOPS em um cinema no Rio de Janeiro. Libertado em 1965

por decisão judicial, no ano seguinte opta pela luta armada contra a ditadura militar

(BETTO, 2006).

O golpe civil-militar de 1964 foi o grande divisor de águas na vida do militante

que já passara por outros momentos difíceis nos vários governos brasileiros.

Socialista e integrante do Partido Comunista sentiu que o caminho para combater o

governo dos militares não seria pacífico. Para ele também, o discurso do seu partido

Page 49: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

que substituiu a ação por uma burocratização dos revolucionárias não tinha tanto

embasamento. Para o revolucionário, os comunistas deveriam resistir à repressão,

combater o regime com luta. Ainda de acordo com Marighella era possível fazer a

revolução sem o partido e mais, sem o movimento social. Para Jacob Gorender

(1987, p. 98) o foquismo de Marighella se mantém, na medida em que a guerrilha

começa do zero, dissociada de qualquer movimento de massas e incorpora a função

de vanguarda política.

Nasce então a ALN, Aliança Libertadora Nacional, com base na ideologia de

Marighella, centrada na ação, na não submissão a comandos, as hierarquias, ao

centralismo. Com o lema “A obrigação do revolucionário é fazer a revolução” frase

impressa no cartaz da OLAS, Organização Latino-americana de Solidariedade, a

ALN de fato era a cara do revolucionário.

Diante do aumento da repressão pela Ditadura e no desdobramento do

seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, a busca por Carlos

Marighella tornou-se questão de honra para os militares32.

A morte de Carlos Marighella acontece quando ele, sem saber que os padres

dominicanos, Frei Fernando e Frei Ivo, haviam sido presos pelo delegado do DOPS,

Sergio Fernando Paranhos Fleury, e vai ao encontro deles. O delegado, com um

forte esquema policial, leva os padres para a Alameda Casa Branca, o ponto de

encontro entre os padres e o revolucionário. Disfarçado com uma peruca, Carlos

Marighella se aproxima e é reconhecido. Começa assim o tiroteio que culmina na

morte do revolucionário33.

32

Não dependia exclusivamente do depoimento dos religiosos a descoberta dos pontos de apoio aos que lutavam na capital bandeirante. A pista dessa rede começou a ser levantada pela repressão desde setembro, após o seqüestro de Embaixador Charles Burke Elbrick e a queda de um comando armado na Alameda Campinas, em São Paulo, no dia 24 daquele mês. Acusados de pertencerem à ALN, havia, em fins de outubro, mais de vinte presos políticos. Surpreendido pelas primeiras ações armadas, o aparelho repressivo equiparara-se para enfrentar o novo desafio. Em novembro de 1969, antes do cerco aos dominicanos, ele já detinha considerável soma de informações, inclusive a nosso respeito. Sabia que auxiliávamos refugiados políticos. Sabia que alguns frades tinham contatos com Carlos Marighella. Sabia que o Convento das Perdizes não fechara as suas portas aos perseguidos e às suas famílias. Por isso, na madrugada de 3 para 4 de novembro, a equipe do delegado Fleury invadiu nossa casa à Rua Caiubí (BETTO, Frei. Batismo de Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella – 14 ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Rocco, 2006, p. 131). 33

De dentro do Volks, Ivo reparou quando Marighella, sozinho, caminhava do outro lado da rua. Conhecia-lhe o porte e o passo. Apesar da peruca que usava, o comandante da ALN foi reconhecido pelos policiais antes de aproximar-se do carro. O tiroteio teve início, enquanto policiais abriam a porta do Volks e retiravam bruscamente os religiosos, pelo lado esquerdo. Ivo foi mordido nas nádegas pelo cão do DOPS. Deitados na

Page 50: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Agentes dos serviços de informação da polícia e das Forças Armadas

reivindicavam, cada um para sua equipe, o sucesso da operação. O Estadão

publicou a versão oficial concedida pelos militares de que frades dominicanos

entregaram Marighella e que ele morreu em um tiroteio e não que teria sido

metralhado em uma emboscada (MAYRINK, 2008, p. 51).

Apesar de a morte do revolucionário baiano Carlos Marighella ter acontecido

em São Paulo, Zilah Moreira teve uma participação também na cobertura. Luiz

Guilherme recorda que Zilah afirmara que O Estadão havia mandado uma

mensagem via western para a correspondente dizendo: “Mataram Marighella” e que

era para ela providenciar uma boa reportagem. Ela lembrou então que o guerrilheiro

tinha um irmão na Bahia, Caetano Marighella, que trabalhava na Petrobrás e que

morava no bairro de Periperi. No outro dia, ela então pegou seu Fusca e foi atrás de

Caetano. Ele estranhou a chegada da jornalista e perguntou o que ela estava

fazendo lá. Zilah então disse que iria dar uma carona para ele e no caminho contou

o ocorrido com o seu irmão. Quando chegaram na sede da Petrobrás, na Jequitaia,

os policiais já estavam a postos e abordaram o carro dela. Um deles disse: “Esquece

o que você viu e esquece o que você ouviu”.

Ela e Caetano ficaram uma hora juntos antes de serem levados pela policia.

O irmão de Marighella disse a ela que o revolucionário tinha um filho em Salvador,

chamado Carlos Marighella Filho. Ela combinou com Caetano para ele levá-la até o

menino. Como ela chegou com o irmão do revolucionário e os agentes do Exército o

abordaram no veículo dela, a jornalista recebeu um telefonema em que um agente calçada, os dois ficaram com o rosto virado para o chão. Não viram Carlos Marighella tombar morto do outro lado da rua. Apenas ouviram o tiroteio intermitente, que não deve ter durado mais de três ou quatro minutos. Cessada a fuzilaria, Fernando viu sair de uma camioneta estacionada perto do Volks um homem moreno, alto, elegantemente vestido, que foi trazido pelos policiais e algemado com os frades. Os três foram embarcados num camburão e conduzidos ao DOPS. Tudo seria simples e confirmaria a versão policial de que pesa sobre dois dominicanos a exclusiva responsabilidade pelo assassinato do famoso combatente comunista, se outros episódios e fatores não viessem comprovar, como veremos, que a "Operação Bata Branca" foi bem mais complexa do que se supõe. O cerco à Alameda Casa Branca só foi levantado uma hora após a morte de Marighella. Por que razões a polícia manteve o local inacessível por esse tempo? Uma delas, para pôr o corpo da vítima dentro do carro, a fim de reforçar a versão de anuência dos religiosos à cilada policial. Ao ser liberada a rua, a imprensa pôde constatar que ali se passara algo mais que o fuzilamento de Marighella: a investigadora Estela Borges Morato fora atingida por um tiro na testa, do mesmo calibre usado pelo delegado Fleury. Veio a falecer três dias depois. O protético alemão Friederich Adolf Rohmann, que se recusara a parar seu Buick (era neurótico de guerra e estivera em campo de concentração), estava morto. O delegado Rubens Cardoso de Mello Tucunduva, um dos responsáveis pela Operação', fora baleado na coxa direita. (Idem, p. 137-138).

Page 51: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

dizia que se procurasse o rapaz ela iria se entender com a polícia. Teimosa, ela

desobedeceu e foi ver o menino. Mas já era tarde. Os agentes já haviam levado-o

para São Paulo. Ela então escreveu uma reportagem sobre o que havia acontecido

com o irmão de Marighella e o caminho do filho do revolucionário até São Paulo.

***

Carlos Lamarca foi um dos líderes da oposição armada à Ditadura Militar

brasileira. Capitão do Exército Brasileiro abandonou as Forças Armadas em 1969

tornando-se um dos comandantes da Vanguarda Popular Revolucionária,

organização da guerrilha armada de extrema-esquerda que combatia o regime. Em

Salvador, a VAR-Palmares, Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, tinha

como tônica de luta a defesa dos direitos democráticos cerceados pelo poder

ditatorial implantados, sobretudo, após o AI-5·.

Lamarca não era um intelectual, um teórico, à vontade com as discussões da

revolução que tanto impulsionaram as organizações de luta armada. Ingressou na

guerrilha pela indignação com as injustiças do mundo, a miséria.

Mas, ao que se vê ele também não parecia satisfeito ali. Da Vanguarda

Popular Revolucionária ele partiu para o MR-8,34 Movimento Revolucionário Oito de

Outubro, da cidade para o campo, a vida dentro do sertão baiano, lugar que para ele

a sua ideologia iria se concretizar, mas culminou com a sua morte.

O capitão da guerrilha era casado com Iara Iavelberg, psicóloga e professora,

que também era integrante do MR-8. Quando Lamarca deixou o Exército, Iara e os

filhos foram para Cuba, com o intuito de retornar e trazer o socialismo para o Brasil.

Um encontro que jamais aconteceu. Para tentar amenizar a distância o guerrilheiro

escrevia cartas35 para a sua amada.

34

A cidade de Feira de Santana foi a principal base do MR-8, além da capital baiana. Contudo, em virtude de serem iniciantes, não houve nenhum trabalho prático naquela cidade, apenas a realização freqüente de discussões teóricas. Os levantamentos cartográficos e mapas de estradas de cidades como Feira de Santana, Vitória da Conquista, regiões do baixo e médio São Francisco e nordeste do estado indicam um esforço da organização em ampliar suas bases no interior. (DA SILVA SOUZA, Sandra Regina Barbosa. Bandeira Vermelha: aspectos da resistência armada na Bahia. In: ZACHARIADES, Grimaldo [Org.]. Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: Edufba, 2009, p. 143). 35

Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma – fico imaginando e me delicio com tua lembrança, tôda viva, junto de mim. Continuo então aguardando ansiosamente a oportunidade de te encontrar, olhar dentro de teus olhos lindos (perguntadores e atentos

Page 52: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Lamarca escondido, na sua solidão no sertão baiano, em Pintadas, foi

encontrado pelo Exército Brasileiro e morto no dia 17 de setembro de 1971, na

chamada Operação Pajussara, comandada pelo major Cerqueira, em que os

militares afirmam que houve o apoio da população na caçada ao guerrilheiro (JOSÉ,

MIRANDA, 1989).

Na sede do Estadão, o secretário de redação Oliveiros Ferreira, recebeu um

telefonema dizendo que estava proibido publicar qualquer coisa referente ao estouro

de um aparelho (esconderijo) em Salvador. No outro dia ele recebe outro

telefonema: “É proibido publicar qualquer coisa referente a operações no sertão da

Bahia” (MAYRINK, 2008).

Raul Bastos então ligou para Zilah Moreira dizendo que queria mais

informações sobre o caso Lamarca e que iria mandar um repórter para a região em

que ele foi morto e que ela ficasse atenta para a chegada do corpo em Salvador. O

repórter José Roberto foi o enviado especial do jornal para a cobertura da morte do

ex-capitão do Exército.

Quando o corpo de Lamarca chegou ao Instituto Médico Legal de Salvador,

Zilah Moreira já estava a espera, de plantão. A jornalista entrou então para ver o

corpo do ex-guerrilheiro. Carlos Navarro, que estava junto da jornalista, conta que

neste momento Zilah enxergou umas marcas estranhas no corpo de Carlos

Lamarca:

– E além das marcas de bala, ele tinha umas marcas em baixo, mas não

eram de balas, parecendo que enfiaram o sabre nele. O famoso Charles Pittex, um

legista que colocava o charuto no dedão do pé do defunto, disse que era para

esquecerem o que estavam vendo e que aquilo era marca de bala. Eu me lembro

que as pessoas que falaram disso fui eu, Zilah e uma menina repórter do jornal O

Globo e falamos que aquilo não era bala, era marca de sabre.

A reportagem de Zilah Moreira, “Cai Lamarca no Sertão Baiano” (Figura 8),

deixou os militares furiosos. O verbo insinuava a queda de um herói. Na reportagem

olhos), te abraçar, te beijar (queridinha) e amar. Já vi que não sei mais passear, só após a guerra poderemos passear – qualquer pedaço de rua, ainda teremos, é visto por mim taticamente como um campo de luta. (STUDART, Hugo. O guerrilheiro apaixonado. Istoé Independente, São Paulo, 28 de fevereiro de 2007. Disponivel em: http://www.istoe.com.br/reportagens/1356_O+GUERRILHEIRO+APAIXONADO. Acessado em: 18 jul. 2011).

Page 53: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Zilah Moreira diz que a imprensa tomou conhecimento da morte do ex-oficial

somente dois dias depois, mas revelaram detalhes da operação36.

A reportagem que foi capa do

jornal, também traz um breve histórico de

toda a operação, intitulada “Caçada

começa em agosto37.”

Em 21 de setembro de 1971, é

publicada outra reportagem de Zilah

Moreira, em parceria com os jornalistas

da sede do Estadão que diz os prováveis

substitutos de Lamarca e o reforço na

busca da esposa do guerrilheiro, Iara

Iavelberg (anexos, p. 73-74).

Em uma ação no bairro da Pituba,

em Salvador, agentes do Exército

invadiram a casa da mulher do

guerrilheiro. Iara para não se entregar,

suicidou-se. Esta foi a versão dada pelos

militares e que mais tarde, em 2003, seria

confirmada após exumação de seu corpo.

Mas, quando soube da morte da esposa

de Lamarca, Zilah foi até o local onde foi

interceptada pelo coronel Arthur Gomes

de Carvalho, superintendente da Policia Federal na Bahia, que disse que ela estava

proibida de noticiar o caso. Como sempre, destemida, Zilah Moreira não obedeceu e

mandou um telex para o Estadão dizendo que a Polícia Federal não autorizou

36

Os cadáveres de Lamarca e de seu companheiro José Campos Barreto, que morreu no mesmo tiroteio, então desde sexta-feira a noite no necrotério do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador, onde estiveram, ontem a tarde, o governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães e o secretario de Segurança Publica, Joalbo Figueiredo. Os jornalistas puderam vê-los, às 16 horas, mas não tiveram autorização para fotografá-los. Numa mesa de mármore da sala de necropsia, coberto por um lençol branco, Lamarca apresentava um grande hematoma no olho esquerdo e seu braço esquerdo, caído para fora da mesa, tinha a falange do dedo indicador estraçalhada. “Lamarca levou mais de quatro tiros”, disse o Dr. Charles Pittex, o médico legista. (MOREIRA, Zilah. O Estado de S. Paulo, 19/09/1971, anexos p. 72) 37

idem

Figura 8: Cai Lamarca no sertão baiano. Reportagem de Zilah Moreira sobre a morte de Lamarca.

Page 54: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

noticiar o caso, mas estava informando que Iara Iavelberg, esposa de Lamarca,

havia morrido. Ela então preparou uma reportagem em que traz todo o histórico da

guerrilheira e o seu sepultamento.

***

E assim a jornalista marcou história no jornalismo baiano e brasileiro, já que

fez importantes coberturas como a morte de Carlos Marighella, Carlos Lamarca e

Iara Iavelberg em um período conturbado da história política brasileira.

A saída das ruas e a chefia administrativa

A correspondência de Salvador estava vinculada à sucursal do Estadão em

Recife, única no nordeste, e que era chefiada pelo jornalista Carlos Garcia. Com a

promulgação do AI-5, o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, a Bahia

sendo governada por Antônio Carlos Magalhães e com o aumento da demanda por

reportagens, tudo isto, entusiasmou o dono do periódico a criar uma equipe de

jornalistas na Bahia, isto é, a criar uma sucursal na Bahia, o que tornava o jornal

ainda mais poderoso no âmbito nacional.

Assim, Júlio Mesquita Neto, que já tinha uma ótima relação com Zilah

Moreira, inclusive quando esteve na Bahia dispensou hotel, carro particular e ficou

hospedado na casa da jornalista e saia somente com ela em seu Fusca, fato

lembrado por Carlos Navarro e pela escritora Cleonfe Martins, conversou com Zilah

Moreira para que ela selecionasse um jornalista, a princípio, para auxiliá-la e o chefe

da sucursal de Brasília iria contratá-lo.

Como Zilah Moreira estava instalada na redação do Jornal da Bahia e já vinha

analisando o trabalho de dois jovens repórteres do periódico, Carlos Navarro e

Mariluce Moura, resolveu prestigiá-los.

Carlos Navarro lembra que em setembro de 1971, uma sexta-feira, pouco

antes das nove da manhã, ele tinha chegado à redação do Jornal da Bahia, que

estava localizado no antigo prédio da Barroquinha. Como já era de praxe, ele foi

direto a sala do chefe de reportagem pegar a pauta, pois o fotógrafo, Vigota, já o

esperava, até que foi interceptado por Zilah Moreira, que então perguntou:

Page 55: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

– Quer vir trabalhar comigo?

– Eu não. Eu tenho juízo. Disse ele.

– Estou falando sério, trabalhar no Estadão. O diretor da sucursal de Recife

está aí e nós vamos almoçar com ele.

Navarro conta que Zilah era muito debochada, então, era difícil de acreditar. E

como ela tinha saído da sala do secretário de redação, Rafael Pastore, e tinha o

deixado rindo muito, ele então não deu muita importância. Foi fazer uma reportagem

sobre o DETRAN -BA na Praça da Piedade. No retorno à redação, Zilah o chamou e

disse que o Estadão tinha interesse em montar uma sucursal em Salvador e que a

havia mandado escolher um jornalista para ajudá-la. Como, no dia, Carlos Navarro

tinha chegado primeiro que Mariluce Moura – outra opção de Zilah Moreira – ela fez

o convite para o jornalista e ambos foram almoçar com Carlos Garcia.

Mas a sucursal não foi criada de imediato. Eles passaram dois anos ainda na

redação do Jornal da Bahia até a criação do escritório do jornal paulista na Bahia.

Assim, em 1973, O Estado de S. Paulo cria o escritório em uma sala que Zilah havia

comprado no Edifício Bráulio Xavier, na esquina da Rua Chile com a Praça Castro

Alves. O Estadão havia mandado o jornalista que era o secretário gráfico, Cleonte

Pereira de Oliveira, para assumir a chefia da correspondência. No início não foi

muito fácil, pois Zilah se desentendeu com ele. Cleonfe Martins, filha do jornalista e

grande amigo de Zilah Moreira, Itaboraí Martins, afirma que a entrada de Cleonte foi

uma puxada de tapete na jornalista já que ela era a correspondente e foi ela a

responsável pela criação da sucursal. “Cleonte era gente boa, mas, não tinha nada a

ver com a Bahia. Era super paulista. Vivia em São Paulo de Piratininga.” Carlos

Navarro diz ainda que Cleonte Pereira veio para Salvador para viver em exílio, local

que abrigaria muitos outros jornalistas38.

38

A princípio, Salvador foi considerada “área de recuo”, no sentido de ser preservada de ações que atraíssem a atenção da ditadura militar. (...) Organizações como a VAR-Palmares e o MR-8 consideravam que Salvador deveria ser resguardada para a possibilidade de refugiar militantes procurados pela repressão em outros estados brasileiros. (DA SILVA SOUZA, Sandra Regina Barbosa. Bandeira Vermelha: aspectos da resistência armada na Bahia. In: ZACHARIADES, Grimaldo [Org]. Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: Edufba, 2009, p. 128)

Page 56: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Cleonte Pereira ficou apenas um ano à frente da correspondência e depois

retornou a São Paulo e assim Zilah Moreira assumiu a chefia da Sucursal. Carlos

Navarro então tornou-se chefe de reportagem e responsável por formar a equipe

que iria compor a sucursal. A primeira equipe foi formada pelos jornalistas: Simão

Alves, operador do telex (que conviveu demais com Zilah enquanto esteve instalada

na redação do Jornal da Bahia), Carlos Gonzalez, Fernando Escariz, Pedro Formigli

(que era o chefe de reportagem de Navarro no Jornal da Bahia) e o fotógrafo

Agliberto Lima. Mais tarde chegaram Césio Oliveira, José Barreto de Jesus, Jadson

Oliveira, Luiz Coelho, José Carlos Teixeira, Emiliano José. Nos anos 80 entraram os

jornalistas mais novos, Biaggio Talento, Demóstenes Teixeira, Lenilde Pacheco,

Paulo Leandro.

– Naquela época ainda havia repórteres. O sujeito que recebe a pauta e vai

para a rua apurar, investigar e trazer a informação de volta para a redação. É bem

diferente de hoje porque não havia computador, não havia internet, então você tinha

que ir pessoalmente, as entrevistas eram presenciais, o sistema telefônico era

precário, principalmente se fosse fora de Salvador, interior do estado. Nós tínhamos

pautas discutidas, ou propostas por Salvador ou propostas por São Paulo.

Reuníamo-nos todos os dias sob o comando de Zilah Moreira, chefe da Sucursal.

Zilah ficou responsável pela Sucursal e fazia matérias especiais. Então ela ganhou

uma sala, ficou na área administrativa e fazia as reportagens, mas, no ritmo dela,

uma matéria especial, um pedido de São Paulo (por exemplo, a cobertura da

transmissão do jogo do Bahia contra o Grêmio pela Embratel) e que não precisasse

do corre-corre –, afirma Carlos Navarro.

Ainda de acordo com o jornalista, nos anos 70, a jornada de trabalho na

sucursal só se encerrava às 23 horas, uma hora antes de fechar a sede em São

Paulo. Com o passar do tempo este tempo diminuiu para as 19 horas. Final dos

anos 70, a sucursal mudou do antigo Edifício Bráulio Xavier para o Edifício Martins

Catharino, também na Rua Chile, no conjunto de salas em que funcionou a revista

Page 57: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Veja. Navarro lembra que inúmeras reportagens importantes no cenário nacional

foram realizadas pela sucursal39.

O chefe de reportagem disse que Zilah Moreira ficou na chefia da sucursal até

a sua aposentadoria, em 1985. A partir daí, já com os seus 63 anos de idade,

resolveu dedicar a sua vida aos servidores aposentados, presidindo a Associação

dos Servidores Aposentados da Bahia, saindo da entidade apenas para criar o

Instituto Casa do Jornalista40 com o intuito de acolher os jornalistas desamparados e

de ensinar os novos “focas” a enfrentar os desafios da profissão. Mas, a jornalista

não pôde ver seu desejo se cumprir. Zilah Moreira veio a falecer no dia 25 de

fevereiro de 2007, aos 85 anos de idade, devido a uma infecção hospitalar contraída

no Hospital Jaar Andrade, após a cirurgia para correção de uma fratura no fêmur. A

jornalista foi sepultada no dia 26 de fevereiro de 2007, às 16 horas, no Cemitério da

Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador.

39Fizemos alguns trabalhos muito significativos. O maior deles, talvez, a cobertura da primeira viagem do papa,

em 1980. Em um trabalho de base, começamos a publicar matérias um mês antes, mostrando a Bahia política, social, econômica e cultural que João Paulo II iria conhecer. Mapeamos e acompanhamos cada passo de sua santidade em Salvador. Fiz um dos turnos, a primeira madrugada no Palácio Arquiepiscopal, da meia noite até a saída do papa, às seis horas. João Paulo II apareceu na porta principal do palácio, quando o dia amanhecia, cinzento, e, quando se dirigia às grades, que separavam o jardim da calçada da frente, para cumprimentar, a três metros de distancia, os fiéis do outro lado, passou pertinho de mim, aproveitei a falta de guardas por perto e toquei-lhe o braço. Foi o bastante para levar um safanão do cardeal Joseph Ratzinger, que chefiava a segurança, o mesmo que se envolveu nos problemas no Banco Vaticano e agora implica com a comunidade gay internacional. (TALENTO, Biaggio [Org]. A Sucursal: os 30 anos do Estadão na Bahia. Salvador: Bureau, 2003, p. 25).

40Ao tomar posse na presidência, em 28/06/2007, Zilah Moreira fez a seguinte declaração: “A nossa luta é pelos

jornalistas desamparados, no fim de carreira, e ao mesmo tempo pelos novos jornalistas, esses meninos que não viveram ainda a experiência dura da profissão, para que tenham um futuro melhor. Morrerei com muita felicidade se estes objetivos forem concretizados”. (A Tarde Online. Morre a jornalista Zilah Moreira. A Tarde, Salvador, 25 de fevereiro de 2008. Disponível em: <<www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=843926>>. Acessado em: 25 de maio de 2011)

Page 58: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Figura 9: Zilah Moreira e jornalistas em reunião na ABI, Associação Baiana de Imprensa, para a criação do Instituto Casa do Jornalista. Foto: gentilmente cedida pela jornalista Mery Bahia

Page 59: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Considerações finais

azer o perfil biográfico de qualquer pessoa não é fácil. Quanto mais fazer o

de uma pessoa que já não está no nosso meio, que não era jornalista de

formação, mas se tornou correspondente de um importante jornal do Brasil

em uma época conturbada da vida política nacional. Mais difícil ainda é entrar nas

salas de aula de algumas faculdades de comunicação da Bahia e perguntar aos

estudantes que estão conhecendo o curso e os que estão formando quem foi à

jornalista Zilah Moreira e eles não souberem responder.

A realização deste trabalho proporcionou um conhecimento de parte do

jornalismo baiano que ficou guardado no esquecimento do tempo e que traz à tona a

história de Zilah Laura da Silva Moreira, marcada pelo início da ditadura militar,

pelas brilhantes coberturas da morte dos guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos

Lamarca, pelos constantes embates com o ex – governador Antonio Carlos

Magalhães e sobretudo, nunca recuar diante das dificuldades, tornando-se a

repórter de todas as editorias do jornal O Estado de S. Paulo, na Bahia.

Zilah Moreira não foi somente uma jornalista competente, ética, íntegra,

combativa e responsável, que usou tão bem a sua profissão pelas causas sociais.

Pode-se dizer que ela também influenciou e até serviu de exemplo para muitos que

escolheram o Jornalismo como atividade profissional. Era o símbolo da resistência,

garra e determinação. Tudo isso fez de Zilah uma pessoa especial, amada pelos

amigos e colegas profissionais e respeitada até pelo mais arrogante de seus

oponentes; uma jornalista que soube entender tão bem a função social do jornalismo

e por ela se empenhou ao longo dos anos de atividade profissional. Uma jornalista

que viu nascer à ditadura e também a viu findar nas manifestações das “Diretas Já”.

Assim foi a trajetória de Zilah Moreira, primeira correspondente do Estadão na Bahia

e pioneira no jornalismo no estado.

F

Page 60: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Apêndices

A: Entrevista com o jornalista Carlos Navarro

1. Como o senhor ingressou no jornalismo? Por que escolheu a profissão? Qual

foi o primeiro veículo?

Eu faço jornalismo desde garoto. Com 13, 14 anos de idade eu tinha um

programa de rádio, “A Voz do Estudante”, lá em Alagoinhas e pouco tempo

depois me engajei em uma turma que editou uma revista local chamada

“Revistinha Cometa”. Eu já fazia política estudantil e me engajei na política

convencional. Eu fiz vestibular para jornalismo, passei e vim estudar em

Salvador. Simultaneamente, quando eu passei no vestibular, um amigo de

Alagoinhas chamado Alan Garcia, que já morreu, trabalhava no Jornal da

Bahia e me levou para trabalhar lá.

2. O jornalismo era muito diferente naquela época?

Era muito diferente. Naquela época ainda havia repórteres. O sujeito que

recebe a pauta e vai para a rua apurar, investigar e trazer a informação de

volta para a redação. É bem diferente de hoje porque não havia computador,

não havia internet. Então você tinha que ir pessoalmente, as entrevistas eram

presenciais, o sistema telefônico era precário, principalmente se fosse fora de

Salvador, interior do estado. Então, naquela época, eu diria que ainda

existiam repórteres, um sujeito que vai para a rua pedir informação. Hoje, em

qualquer redação, o sujeito recebe três, quatro pautas, na sua mesa mesmo

ele levanta, telefona, vai no Google e produz as suas matérias. Eu acho que

essas matérias são tão pasteurizadas, tão iguais em todos os jornais, em

todos os blogs que as fontes são praticamente as mesmas. Naquela época

haviam as agências de notícias internacionais e nacionais.

3. O senhor era do Jornal da Bahia. O que te fez sair do jornal e ingressar no

Estadão?

É. Eu comecei no Jornal da Bahia, quando eu passei no vestibular em 1969 e

um ano e meio depois eu entrei no Estadão justamente pelas mãos de Zilah

Moreira. Haviam alguns repórteres novos no Jornal da Bahia e quem mais se

Page 61: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

destacava era eu e Mariluce Moura, uma moça que se mudou para São Paulo

e era uma repórter brilhante também. E tinham pedido a Zilah um repórter

para ajudá-la. Na época ela era correspondente do Estadão. Então, ela me

contou depois que tinha eu e Mariluce e aquele que chegasse primeiro na

redação no dia que ela estava lá, que era um dia de sábado ela escolheria

para fazer a entrevista com o Carlos Garcia que era o diretor da Sucursal de

Recife, isso no final de 1970. A Bahia, politicamente no jornal, pertencia a

Pernambuco que era a única sucursal que tinha no Nordeste. Normalmente

todo moleque faz farra na sexta-feira, especialmente em redação, e era um

dia que eu nunca chegava cedo. Mas, nesse dia quem se atrasou foi Mariluce

e foi ai que Zilah me escolheu. Ela me perguntou se eu queria conversar com

o Garcia e foi assim que eu entrei no Estadão.

4. E como Zilah Moreira ingressou no jornal?

A história de Zilah é curiosa no jornalismo. O irmão dela era jornalista,

chamado Roschild Moreira. Trabalhava no jornal A Tarde e era

correspondente do Estadão. Isso anos 60, não me lembro muito bem. Talvez

início dos anos 60 e, o Roschild morreu. Como tinha filhos pequenos, o jornal

para ajudar a família – porque naquela época as pessoas não eram

contratadas, eu mesmo só fui contratado quatro anos depois de entrar no

Estadão – e mantiveram Zilah até como maneira de ajudar as crianças até

elas atingirem a maioridade. O jornal era um jornal de família, não é como

hoje uma empresa, então as pessoas gostaram da Zilah e ela foi ficando.

Zilah era advogada, não era jornalista. Ela aprendeu na prática, pela

tenacidade dela, ela era muito despachada. Sem nunca ter feito jornalismo,

de repente começou a fazer matéria, cobrir esportes e assim ela virou

jornalista no Estadão. Naquele tempo, o jornal não tinha sucursal, não tinha

base aqui, então ela se instalou no Jornal da Bahia, talvez pela ligação da

família Mesquita com João Falcão, não sei direito. E Zilah ficava lá porque

naquele tempo você passava as matérias ou por telefone, ou por rádio

(western) ou pelo telex. E o Jornal da Bahia tinha o telex.

5. Tinha outras mulheres no jornalismo baiano naquela época? E no Estadão

aqui na Bahia, teve outras ou pode-se dizer que ela foi pioneira?

Foi em 1969 que houve a regulação da profissão, com a nova legislação da

ditadura. Manteve aquelas pessoas que não tinha diploma, até porque aqui

Page 62: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

na Bahia os jornalistas eram advogados, ou faziam filosofia. Então, com a

regulamentação, os jornais começaram a procurar estudantes de jornalismo.

Nessa época no Jornal da Bahia de mulher, já estavam todas estudando,

Mariluce Moura, Ana Sampaio, Lúcia Ferreira. Na Tribuna da Bahia haviam

pouquíssimas, uma ou duas mulheres, Evanice e uma morena que não me

lembro o nome. Eram pouquíssimas.

6. É verdade que no início ela fazia reportagens de todas as editorias? Era fácil

para ela?

Olha para outras mulheres talvez era difícil. Não para Zilah. Com a

desenvoltura dela, com a espirituosidade ela entrava em qualquer lugar. Para

ela poderia ser um estádio de futebol, um palácio do governo. Zilah era muito

arisca. Falava muito, procurava e investigava.

7. Até então ela era correspondente. Como e quando o Estadão decidiu

implantar uma sucursal de fato?

Ficamos eu e Zilah até 1973 quando foi criada a sucursal. Criada a sucursal

veio um diretor de São Paulo, o Cleonte Pereira de Oliveira e aí nos

começamos a produzir matérias em um outro nível de trabalho que já não era

mais correspondência. Éramos no início três ou quatro repórteres. Eu passei

a chefiar a reportagem e nos produzíamos cinco, seis matérias por dia.

Começamos primeiro ali no Edifício Bráulio Xavier, na frente da Praça Castro

Alves. Agora com a sucursal já funcionando, nessa época já trabalhava eu,

Pedro Furmile, Gonzáles, Escaris, então a sucursal ganhou um dinamismo de

redação. Nós tínhamos pautas discutidas, ou propostas por Salvador ou

propostas por São Paulo. E não tinha muito sentido estar Zilah neste corre-

corre. E ela já era uma senhora. Então ela ganhou uma sala, ficou na área

administrativa, como chefe da sucursal e fazia as reportagens, mas no ritmo

dela, tipo uma matéria especial, um pedido de São Paulo e que não

precisasse do corre-corre. Eu me lembro que no começo Zilah nem

datilografava. Ela escrevia os textos a mão para Simão Alves, que era o

teletipista, datilografar.

8. E como era a relação do jornal com a sucursal? Como eram enviadas as

reportagens?

O Estadão tinha uma coisa positiva. Ele respeitava o seu trabalho. Ele era

conservador, mas protegia o repórter dele. O jornal podia até não publicar a

Page 63: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

matéria, mas também não alterava.

9. Ela participou diretamente ou indiretamente da cobertura das mortes de

Carlos Lamarca e Carlos Marighella?

A morte de Marighella eu não estava no jornal. Mas a morte de Lamarca,

Zilah cobriu também. Eu fui fazer para o Jornal da Bahia e Zilah foi comigo

para o Estadão. A cobertura da morte de Lamarca o Estadão dividiu. Dois

repórteres foram para o local onde ele tinha sido morto. E outro grupo ficou

aqui. Eu estava no Jornal da Bahia nesta época. E eu vi, cheguei a tocar no

corpo de Lamarca no Nina Rodrigues. E, além das marcas de bala, ele tinha

umas marcas em baixo, mas não eram de balas, parecendo que enfiaram o

sabre nele. E ai o famoso Charles Pittex, um legista que colocava o charuto

no dedão do pé do defunto, disse que era bala. Eu me lembro que as pessoas

que falaram disso fui eu, Zilah e uma menina repórter do jornal O Globo e

falamos que aquilo não era bala, era marca de sabre. Charles Pittex

confirmou. Mas, um agente de segurança disse para gente que nós não

tínhamos visto nada e que tudo aquilo ali era marca de bala. E ninguém

publicou nada, nem eu nem a menina do Globo, nem Zilah. E Zilah esteve ao

meu lado o tempo todo. O caso de Iara, mulher de Lamarca, é um caso que

eu acabei assistindo. Zilah chegou e me disse: Aconteceu um tiroteio na

Pituba, vai pra lá. Eu fui. E ai duas coisas: primeiro ninguém sabia quem era

Iara, eles não divulgavam, fomos saber depois. Mas nesse dia teve um caso

interessante, que um cara foi morto com quatro tiros nas costas e o Cel. Luiz

Arthur (chefe da Polícia Federal na Bahia) disse que ele se matou, que

suicidou. Ai disse que o cara se matou com quatro tiros nas costas. E nesse

dia Iara morreu, nós não podíamos entrar porque ela morreu no apartamento

e hoje fica a dúvida se ela se matou ou não, mas me parece que ela

realmente se matou para não se entregar. Nós voltamos para a redação.

Invariavelmente o Cel. Luiz Arthur chegava na redação, com um papelzinho

na mão dizendo assunto tal proibido e ninguém podia dizer nada.

10. Ela é famosa também pelos conflitos com o ex-governador Antônio Carlos

Magalhães? Houve um tempo em que o próprio político pediu a cabeça d

Zilah Moreira no Estadão?

Ela se destacou muito aqui quando ousou na ditadura bater em Antonio

Carlos. Quando falo em bater é publicar matérias que não agradava Antonio

Page 64: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Carlos. Antonio Carlos então começou a persegui-la. Ele ainda prefeito, não

era nem governador. Quando eu entrei no Jornal da Bahia estava no início de

uma briga com Antonio Carlos. Antonio Carlos, prefeito se desentendeu com

João Carlos Teixeira Gomes e começou a perseguir o Jornal da Bahia. Não

chegou a fechar, mas quase que destruiu o jornal. No início, a redação tinha

35, 40 pessoas, ficaram seis ou oito. E Zilah possivelmente influenciada por

esse clima de reação a Antonio Carlos, fez matérias que não agradou a ele,

ameaçou demiti-la, mas naquele tempo os Mesquitas tinha pavor de Antonio

Carlos, já não estavam bem com a ditadura, já que o “ O Estado” ajudou a

fazer o Golpe de 64, mas logo depois rompeu devido a censura a imprensa.

Ela era tão espirituosa que ia para as entrevistas coletivas de Antonio Carlos,

ela peitava Antonio Carlos e isso deu muita notoriedade a Zilah, até porque o

Estadão garantia e divulgava e foi exemplo para todo mundo, com a coragem

de encarar um poderoso e ainda mais na Ditadura.

11. Eu soube que ela simpatizava muito com o ex-governador Roberto Santos.

Mas ele não foi governador indicado pelas Forças Armadas?

Eu acho que Zilah não tinha ideologia política. Se fosse olhar por esse lado

ela seria uma conservadora até porque ela era de uma família tradicional

daqui, pelos costumes, pela cultura dela, ela não tinha nada de

revolucionária. Agora eu mesmo fui amigo de Roberto Santos. O motivo era

porque nós brigávamos com Antonio Carlos.

12. O jornal deixou de circular alguma vez, neste período?

Não, ele nunca deixou de circular. O que acontecia era que se tinha uma

matéria que falava mal de Antonio Carlos, o malote que chegava aqui ou ele

comprava tudo na mão do distribuidor ou ele mandava apreender no

aeroporto.

13. Como era sua relação com Zilah Moreira?

Por muitos anos Zilah foi minha chefe. Ela era a correspondente e eu era uma

espécie de repórter auxiliar, embora eu fosse jornalista e ela não. As coisas

com São Paulo todas eram tratadas com Zilah. Quando instalou a sucursal,

Zilah meio que chefiando a parte administrativa e eu chefiando a redação.

14. Por que ela saiu do jornal?

Eu tenho impressão que Zilah se aposentou no início dos anos 80, porque em

88 nós nos mudamos para o Max Center e Zilah já não estava mais conosco.

Page 65: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

Saiu para se aposentar.

15. Para o senhor, qual a importância de Zilah Moreira para o jornalismo baiano?

A vida, o trabalho distancia as pessoas. Quando eu deixei o jornal eu tive que

sair de Salvador porque aqui eu não podia trabalhar porque Antonio Carlos

não deixava. Boa parte dos meus amigos estavam trabalhando no governo,

mas mesmo assim eu não ia conseguir nada. Eu fui para São Paulo fazer

campanha política e só voltei para Salvador em 2004 para a campanha de

Nelson Pelegrino. Eu sou muito amigo do sobrinho dela, Marquinhos Moreira,

nós conversávamos muito por telefone, mas de Zilah eu tinha só notícias,

através de amigos em comum. Mas como Zilah já não andava mais nas

redações e eu vim para cá para fazer uma campanha, depois fui para a

Prefeitura, fiquei lá seis meses e sai para ir para o Tribunal de Justiça. Então

eu fiquei um pouco afastado. Mas claro que eu fui informado da morte dela,

fui para o velório, fui para o enterro e claro que entristeceu todo mundo.

16. Caso interessante:

Isso é um caso importante. Em 1965 Dr. Julio Mesquita veio aqui para

Salvador. Eu não sei se tinham preparado uma recepção para ele, mas foi

Zilah que foi o recebeu no Aeroporto com um Fusquinha todo velho

arrebentado. Ele circulou pela Bahia, dispensou carro oficial que o governo

botou a disposição com batedor e tudo e saia só com Zilah no Fusquinha

dela. Luiz Viana era o governador. Então ele ia com Zilah para as reuniões

com Luiz Viana. Estava recém inaugurado o Hotel da Bahia. E Zilah dirigia

mal pra burro, era barbeira.

B: Entrevista com a escritora Cleonfe Martins

1. Como a senhora conheceu Zilah Moreira?

Conheci Zilah, a Bahia, Silva Filho, J. Luna, Camafeu de Oxóssi e outros

porretas na mesma assentada. Em dois de julho de 1971. No dia do enterro

de Genaro de Carvalho (pintor e tapeceiro brasileiro). Nossa família estava de

férias em Salvador. Meu pai, Itaboraí Martins, até a aposentadoria foi

jornalista e editor do Estadão (editorias Trabalhismo e Sindicalismo). Zilah era

a correspondente do jornal naquela época. Conheci a tia Zilah no meu

primeiro encontro gastronômico com o “mui” amado acarajé (que não era dos

melhores) na Igreja do Bomfim. Ela veio chegando, com os braços abertos,

Page 66: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

chamando meu pai: “Itabó”. Ela estava a mais ou menos 20 metros de

distância, acompanhada do Roschildinho, filho do irmão dela Roschild

Moreira, que foi correspondente do Estadão na Bahia.

2. Como era a relação de amizade entre a senhora e Zilah Moreira?

Minha relação com a tia Zilah era a de uma menina de 15 anos com uma

mulher mais velha que meu pai (que hoje tem 77 e eu 54) mas que fala a

língua de todas as idades. Acho que fiquei fascinada pela Zilah e pela Bahia

ao mesmo tempo.

3. A senhora a conheceu quando ela era correspondente do Estadão?

Sim. Ela era a correspondente do Estadão. Caso eu esteja enganada pela

memória, a sucursal ainda estava engatinhando. O primeiro diretor da

sucursal foi Cleonte Pereira de Oliveira. Grande puxada de tapete em Zilah

que jamais se conformou com o golpe baixo, em minha opinião e de muitos

outros amigos dela. Tinha tudo para ser ela. Cleonte, apesar de ser gente

boa, não tinha nada a ver com a Bahia para onde foi destinado. Sujeito

“super-paulista” (assim a Zilah o chamava) que adorava viver em São Paulo

de Piratininga. Recordo-me de Zilah falando a palavra carpete (carrrrpete)

imitando o Cleonte. Mas, em seguida ela assumiu a chefia administrativa.

4. Como era o comportamento dela com o período político da época?

Zilah detestava Antonio Carlos Magalhães mas era apaixonada por Roberto

Santos. Naquela época o jornal também não simpatizava com ele. E a Zilah

“descia a lenha” em ACM sem piedade. O que lhe custou muito caro mais

tarde. A grana ficou mais curta. Mas ela jamais mudou de lado, foi até o fim na

causa, no bloco do eu sozinho.

5. Qual a formação de Zilah Moreira?

Zilah era formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Alem de jornalista, advogou e deu aula de Educação Moral e Cívica nos anos

1970. Teve um escritório no Edifício Martins Catharino, onde fora também a

antiga sucursal do Estadão.

6. A senhora, como grande amiga da jornalista, pode dizer o que ela mais

gostava de fazer?

Ela gostava de viver, de participar, de um papo inteligente, de MOVIMENTO,

de rir e fazer rir, de desafios, dos sobrinhos e de fazer amizades. Era uma

casa cheia. Sempre com o mesmo tipo de roupa com blusas folgadissimas,

Page 67: Zilah Moreira: a correspondente do Estadão na Bahia durante a Ditadura Militar

calça. Não estava nem aí. E todos a respeitava. Era relacionadíssima

conhecendo desde o governador à quituteira Dadá; a viúva de Corisco; o

Diabo Loiro de Lampião.

7. O que vocês faziam quando estavam juntas?

Nunca vi a Zilah sem uma dose de bom humor. Mesmo nos momentos

críticos. Era do bem, corajosa e ética. E era a rainha da impontualidade. O

relógio e o tempo para Zilah não passavam de detalhes. Quando eu estava

com ela eu ria muito. Ela tinha expressões, apelidos para tudo: “ataque de

periquito” (a pessoa se debate e o som que sai parece um periquito); “ataque

de borboleta” (se debate e não tem som). O fusca dela era o “cornovagen”.

Um americano que meu pai apresentou a ela – Alan Silberman, Adido

trabalhista no consulado de São Paulo – era o CAMONIBOY, e assim por

diante.

8. Como a senhora recebeu a notícia da morte da grande amiga?

Recebi a morte de Zilah Moreira em silencio eloqüente. Com reverência e

muita emoção que não reparto. Porque não da para repartir. Resolvi

homenageá-la com um artigo no jornal A Tarde. O texto foi elogiado pelo

jornal e os leitores. Meu pai ficou muito sentido com a morte dela. Zilah

representa para mim o que tem de melhor na nossa Bahia que tanto amo:

encontro soberbo de culturas e procedências. E o supra sumo do que existiu

(e não mais existe) na velha e querida imprensa. Nos velhos tempos de um

jornalismo mais artesanal.

9. Qual a importância de Zilah para o jornalismo?

Ela é pioneira , única, de vanguarda no jornalismo nacional. No tempo em que

a Zilah era correspondente do Estadão era a única mulher na função. E uma

das únicas em todo o jornal. Uma abridora de caminhos.

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Anexos

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Siglas

ABE Associação Brasileira De Educação

ABI Associação Baiana de Imprensa

ABI Associação Brasileira de Imprensa

ACM Antonio Carlos Magalhães

AI-5 Ato Institucional número 5

ALN Aliança Libertadora Nacional

ARENA Aliança Renovadora Nacional

DCE Diretório Central dos Estudantes

DETRAN–BA Departamento Estadual de Transito da Bahia

DIP Departamento de Imprensa de Propaganda

DOPS Departamento de Ordem Política e Social

EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicações

FMI Fundo Monetário Internacional

MR-8 Movimento Revolucionário Oito de Outubro

OLAS Organização Latino-americana de Solidariedade

PCB Partido Comunista Brasileiro

PRP Partido Republicano Paulista

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

UEB União dos Estudantes da Bahia

UDN União Democrática Nacional

VAR–PALMARES Vanguarda Armada Revolucionária Palmares

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Créditos das Imagens

Página Figura Descrição

10

1

Primeira capa do jornal A Província de S. Paulo. Acervo: homepage da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo <<http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/documento4_b.htm>>

14

2

Júlio Mesquita e jornalistas na sede do jornal. acervo: homepage do O Estado de São Paulo <<http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,trajetoria-de-um-jornalista-liberal-julio-de-mesquita-filho,471570,0.htm>>

17

3

Júlio de Mesquita Filho embarcando para o segundo exílio, no governo Getúlio Vargas. Acervo: homepage do O Estado de S. Paulo <<http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,trajetoria-de-um-jornalista-liberal-julio-de-mesquita-filho,471570,0.htm>>

23 4 Fotografia de Zilah Moreira com 80 anos de idade. Acervo: Arquivo da Família.

34

5

Trecho do jornal O Estado de S. Paulo com reportagem de Zilah Moreira sobre a impugnação do candidato Luiz Vianna Filho ao Senado, 04/09/1974. Acervo: José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão, p. 204.

37 6 Recorte do editorial “Instituições em Frangalhos”, 13/12/1968. Acervo: José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão, p. 153.

41

7

Recorte do jornal O Estado de S. Paulo com o “Canto Décimo” de Luiz de Camões, no lugar de uma reportagem censurada pelo DOPS, 07/05/1974. Acervo: José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão, p. 195.

52

8

Reportagem na capa de Zilah Moreira sobre o assassinato do guerrilheiro Carlos Lamarca, 19/09/1971. Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo.

57

9

Zilah Moreira e amigos jornalistas em reunião para criação do Instituto Caso do Jornalista na Associação Baiana de Imprensa. Acervo: Arquivo da jornalista Mery Bahia

67

10

Relatório interno produzido pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre as reportagens que foram censuradas por telefone pela Polícia Federal. Acervo: José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão, p. 154

68

11

Em destaque, reportagem de Zilah Moreira na cobertura do XX Campeonato Brasileiro de Snipe, realizado na Baía de Todos os Santos, em Salvador, em 14 de janeiro de 1969. Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

69

12

Reportagem em conjunto com a Sucursal do Rio de Janeiro, do serviço local e da correspondente em Salvador, Zilah Moreira. Na reportagem, Zilah traz informações de autoridades baianas que foram ouvidas devido à vigência do Ato Institucional nº 5 Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

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70

13

Reportagem sobre a inauguração da avenida Castelo Branco pelo então prefeito de Salvador Antonio Carlos Peixoto Magalhães Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

71

14

Reportagem sobre a crise do Esporte Clube Bahia no Campeonato Roberto Pedrosa Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

72

15

Capa do Estadão o sobre o assassinato de Carlos Lamarca. Nela Zilah retrata o que viu no Instituto Médico Legal. Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

73

16

Na reportagem Zilah Moreira retrata os possíveis substitutos de Carlos Lamarca na luta armada contra a ditadura militar Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

74

17

Nesta reportagem, Zilah Moreira traz um apanhado histórico sobre a vida de Iara Iavelberg, esposa de Carlos Lamarca Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

75

18

Reportagem em que é noticiado a situação de miséria dos baianos Acervo: José Maria Mayrink, Mordaça no Estadão, p. 170

76

19

O A Tarde online foi o primeiro veículo a noticiar o falecimento da jornalista Acervo: site do jornal A Tarde (www.atarde.com.br)

76

20

Itapoan online também foi outro meio de comunicação que noticiou a morte da jornalista Acervo: Portal Itapoan Online (www.itapoanonline.com.br)

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Fontes Primárias

1. Arquivos e Bibliotecas Arquivo Público do Estado de São Paulo, seção Júlio de Mesquita Biblioteca Basílio Catalá Castro da Faculdade 2 de Julho Biblioteca Central do Estado da Bahia Biblioteca Central Universitária da Universidade Federal da Bahia

2. Entrevistados Carlos Navarro Filho (jornalista), realizada em 4. Abr. 2011 Cleonfe Martins (escritora), realizada em 6. Abr 2011 Evanice dos Santos – jornalista, realizada em 20/01/2011 Luiz Guilherme Tavares – jornalista, realizada em 08/01/2011 Lídia Silva – Jornalista, realizada em 14/04/2011 Mery Bahia – jornalista, realizada em 08/02/2011 e 20/03/2011 Raul Bastos – Jornalista, realizada em 05/11/2010

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