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Zélia Gattai Amado Arquivo ABL

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Zélia Gattai AmadoArquivo ABL

Zélia GattaiAmado

Murilo Melo Filho

Zélia Gattai Amado foi uma baiana de coração, nascida emSão Paulo, ano de 1906, no dia 2 de julho. Li todos os

seus livros, alguns até pela segunda vez. Escreveu quatorze: Anar-quistas Graças a Deus (já na 40.a edição), Um Chapéu para Viagem, Se-nhora Dona do Baile, Reportagem Incompleta, Jardim de Inverno, O Segredoda Rua 18, Chão de Meninos, A Casa do Rio Vermelho, Cittá di Roma, Jo-nas e a Sereia, Códigos de Família, Jorge Amado: um Baiano Romântico e Sen-sual, Memorial do Amor e o romance Crônica de uma Namorada.

Nem sei o que neles todos mais admirei: se a linguagem simplese escorreita; se a cuidadosa recapitulação de tantos episódios, re-constituídos com enorme precisão, inclusive e sobretudo nos seusdiálogos; se o timing do romance, urdido numa tessitura de talentocriativo; se o texto correto e perfeito, escrito com todo o respeito àsintaxe, à concordância, ao léxico, à regência e à ortografia – institui-ções e fenômenos que hoje andam cada vez mais raros e mais escas-sos na paisagem brasileira.

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Ocupante daCadeira 20na AcademiaBrasileira deLetras.

Culto da Imortal idade

Desfilaram na minha lembrança fatos dos quais fui testemunha presente,como os inesquecíveis tempos da Assembleia Nacional Constituinte, aqui noPalácio Tiradentes, em cujo Plenário, quase diariamente, cruzava com o De-putado Jorge Amado, acompanhando a sua batalha e a da valorosa e destemidabancada do PC, que lutavam desesperadamente na defesa do seu Partido e dosseus mandatos.

Mas desfilaram também, com todos os detalhes, fatos que conhecia apenaspor ouvir dizer: os tempos de exílio do casal em Praga, com as rocambolescasaventuras na Mongólia, no Ceilão, na China, na União Soviética, além das pas-sagens pelos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Holanda, Dinamarca e Bélgi-ca, todas descritas com extremo bom gosto e competência próprios de umaexímia escritora, como Zélia era.

Desfilaram ainda: os nascimentos de João Jorge e de Paloma, as amizadescom Neruda, padrinho e compadre, com Caribé e suas incríveis brincadeiras,Ehremburgo, Nicolás Guillén, Picasso, Sartre e Simone de Beauvoir; as cente-nas de amigos brasileiros: Genaro de Carvalho, Di Cavalcanti, Vinicius,Oswald de Andrade, Tarsila, Djanira, Lasar Segall, Carlos Bastos, Jenner,Mário Cravo, Calasans, Mirabeau, Pelé, Gal, Gil, Caetano, Bethânia, Caymi,Glauber, Alfredo Machado, Odorico Tavares, Herberto Sales, Afrânio Cou-tinho, Eduardo Portella, Antonio Olinto, João Ubaldo e tantos outros; aconstrução e a decoração da “Casa no Rio Vermelho” e a “Casa de Jorge Ama-do” no Pelourinho; a odisseia a bordo do Cittá de Roma dos anarcossocialistas,que não encontraram no Brasil o prometido apoio de Pedro II, destronadopouco antes; os sogros Lalu e João; os pais Angelina e Ernesto; os irmãos Má-rio e Remo; os cunhados Joelson e James; as irmãs Vera e Wanda; os filhosLuiz Carlos, João Jorge e Paloma; os netos Bruno, Maria João, João Jorge Fi-lho, Jorge Neto e as netas Mariana e Cecília.

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Murilo Melo Filho

� No rádio, pela primeira vez

Estávamos em 1940, quando Zélia, no rádio e pela primeira vez, ouviu avoz de Pablo Neruda, contra a guerra civil iniciada por Francisco Franco, queiria instalar na Espanha uma longa ditadura. Neruda lia, então, um poema dedor e protesto contra o assassinato de um amigo, o escritor e poeta FedericoGarcía Lorca, fuzilado pelos franquistas.

Zélia conheceu Neruda em São Paulo, no ano de 1945, na mesma ocasiãoem que encontrou outra figura que, à distância, já muito admirava: a figura deJorge Amado, com quem se casaria logo depois e de quem seria mulher, duran-te muitos anos, pelo resto da vida.

Naquela ocasião, organizava-se um grande comício no Pacaembu, pela li-bertação de Prestes. Convidado, Neruda chegou na véspera em companhiade Della Del Carril, sua mulher, a quem Jorge encarregou Zélia de fazercompanhia.

Neruda percebeu facilmente o namoro entre Jorge e Zélia. Quando se des-pediram, com um ar malicioso, Neruda comentou: “Espero voltar em breve evê-los casados”.

Ele voltou em 1947 e, com Nicolás Guillén, foi visitar Zélia na maternida-de, onde ela acabara de dar à luz o seu filho João. E, acercando-se do bercinho,declarou: “Vou ser o padrinho dele”. Foi assim que Neruda, Jorge e Zélia,além de amigos, se tornaram compadres.

Sempre que se encontravam, Neruda pedia-lhe: “Conta-nos cuentos, co-madre”.

Da última vez, na saída, em Salvador, o amigo e compadre Neruda deu-lheum abraço tão apertado e caloroso, que aquela parecia ser a última despedida.E acontecia justamente que era.

Zélia imagina hoje o que Neruda diria se pudesse prever que sua comadrita,nas recentes comemorações do Centenário de seu nascimento, iria contar tan-tos cuentos.

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Zél ia Gatta i Amado

� Confundido com Caymi

Certa vez, Jorge, com Zélia, estava em visita ao terreiro da Menininha doGantois, quando uma senhora se aproximou dele, confundindo-o com sua ca-beleira branca e perguntou-lhe:

– O senhor não é o Dorival Caymi?– Não, senhora, sou irmão dele.E a mulher:– Ah! bom. Faz sentido.Noutra ocasião, Zélia e Jorge estavam com o filho João numa feira portu-

guesa em Sagres, quando um vendedor lhes ofereceu um figo para degustar.Jorge provou-o e o vendedor perguntou:

– Good?Jorge respondeu prontamente:– Good.Convicto de que o seu freguês era um americano legítimo, pois Jorge usava

uma camisa bem folgada e colorida, o vendedor insistiu:– Estás gordito, ó, filho de uma mãe.Jorge voltou-se para Zélia e João, perguntando-lhes:– Vocês viram do que o cara me chamou?Assustado, ao ouvi-lo, o vendedor tentou escapulir:– Ai! Jesus, que os gajos são portugueses.

� Jorge, marido e mestre

Ainda há pouco tempo, Zélia relembrou-me que, durante 56 anos, JorgeAmado, além de seu marido, foi também seu mestre. Tudo o que sabia, comele havia aprendido.

No início de 1948, fugindo às perseguições da ditadura do Estado Novo,Jorge e Zélia resolveram viver em Paris, decididos a enfrentar todas as dificul-dades num país recém-saído da guerra.

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Murilo Melo Filho

Zélia matriculou-se na Sorbonne, onde fez dois cursos: um de CivilizaçãoFrancesa e outro de Fonética.

Dois anos após, e pretextando sua intensa atividade política, o governofrancês os expulsa e lhes retira o permis de sejours, juntamente com três outrosbrasileiros: Mário Schemberg, Jacques Danon e Carlos Scliar, que também fo-ram considerados “personas non-gratas”.

Essa proibição durou 17 anos, durante os quais Jorge e Zélia eram simples-mente proibidos de cruzar a fronteira e entrar na França.

Ela só foi suspensa em 1965, quando a Embaixada do Brasil levou o assun-to ao conhecimento de André Malraux, Ministro da Cultura de De Gaulle,que anulou a proibição. Seu sucessor, o Presidente Mitterand, fez ainda mais:durante uma bonita cerimônia no Palais d’Elysée, condecorou Jorge com a Le-gião de Honra, na companhia de Alberto Moravia, Norman Mailer e FedericoFellini.

Estava corrigida a injustiça: Jorge e Zélia voltaram a amar a França, comoterra da liberdade, sempre tão importante aos seus corações.

� Asilo em Praga

Dezessete anos antes dessa reparação, Jorge e Zélia se asilam em Praga, aconvite da União dos Escritores Tchecos, passando a residir no Castelo deDóbris, distante 40 quilômetros.

Passam ali a maior parte do seu exílio, durante o qual nasce Paloma (em russosignifica “pomba”), que vem juntar-se ao irmão João Jorge. De lá, vão a Buda-peste, Bucareste, Londres, Varsóvia (para um Congresso da Paz), Sófia (PrêmioDimitrof), Moscou (para entrega dos Prêmios Lênin e Neruda), Paris (Prêmioda Latinidade), Roma (Prêmio Ítalo-Latino-Americano) e Lisboa (Prêmio Luísde Camões) e Pequim; pela ferrovia transiberiana, atravessam a Índia e a Birmâ-nia; num navio fluvial, pelo rio Yang-Tsé, chegam a Nanquim e daí, de avião, aPequim, para conhecerem as muralhas, a Ópera e o Palácio de Verão.

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Zél ia Gatta i Amado

Juntos, correram mundos, percorreram os mais distantes e estranhos países.Num navio-gaiola, atravessaram a floresta amazônica. Numa tenda, em plenodeserto de Góbi na Mongólia, abrigaram-se de um vendaval de areias escal-dantes. Numa travessia do Mar do Norte, enfrentaram um perigoso maremo-to. Num avião Concorde, romperam a barreira do som. Em céus de outros paísese em surpreendentes cenários, descobriram as mais belas estrelas.

� O primeiro livro: Memórias

Aos 63 anos de idade, Zélia escreveu seu primeiro livro de memórias, sem-pre estimulada por Jorge, e todos editados por Alfredo e Sérgio Machado.

Já haviam regressado ao Brasil, quando Jorge recebeu um convite da Sor-bonne para nela receber uma grande homenagem. Ficou entusiasmado, embo-ra não estivesse em condições de viajar. Sofrera um enfarto e andava atormen-tado com grave problema de visão, uma degenerescência senil da retina, quelhe dificultava a leitura.

Não adiantaram conselhos para que não viajasse. Resolveu ir e foram. Eleaproveitaria a ida a Paris para consultar seu oftalmologista, reveria os amigos,mataria saudades e levaria a enorme honra de ser laureado por uma das maisimportantes universidades do mundo.

Havia, porém, um sério problema a resolver: o do discurso, a ser pronuncia-do na solenidade de posse. Jorge não estava podendo escrevê-lo. Mas este não se-ria o maior empecilho. Ele o ditaria para Zélia. O problema mais grave era que elenão estava conseguindo ler.

� Em letras garrafais

Finalmente, foi encontrada a solução: já conhecedora dos segredos da com-putação, Paloma ampliou bastante, o mais possível, as letras do texto, impres-sas em letras garrafais, facilitando a leitura.

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Murilo Melo Filho

No dia da festa, uma comissão de professores sumiu com Jorge, não sesabe para onde. Zélia, João Jorge e Paloma ficaram na primeira fila, juntoao palco. Ouviram os primeiros acordes de uma orquestra, dando início àcerimônia.

Uma grande porta lateral foi aberta e começaram a entrar os professores en-vergando suas togas negras com arminho branco nos ombros. Dentro daquelaimponente vestimenta, Jorge parecia um gigante. Estava ladeado pela profes-sora e pelo professor que iam saudá-lo. Zélia adiantou-se, encontrou-se no pal-co e entregou-lhe o canudo, com aquelas enormes folhas de papel nas quais es-tava o seu discurso.

� Agradecimento em francês

Quando foi convidado a falar, Jorge aproximou-se do seu microfone. Coma maior tranquilidade, leu o texto, agradeceu as palavras de louvor que acabarade ouvir. E terminou dizendo:

– Merci beaucoup de tout mon coeur.Foi aplaudidíssimo.Vários anos depois, consultada e aconselhada por amigos, membros da

Academia Brasileira de Letras – entre os quais o nosso querido Eduardo Por-tella –, Zélia aceitou o convite de candidatar-se à mesma Cadeira 23, que Jorgeocupara durante 40 anos, patrocinada por José de Alencar, com Machado deAssis como seu Fundador e Lafayette Rodrigues Pereira, Alfredo Pujol, Otá-vio Mangabeira e Jorge Amado, como sucessores ocupantes.

Zélia elegeu-se e empossou-se no dia 21 de maio de 2002, como sucessora,mas não como substituta de Jorge, porque achava que Jorge era simplesmenteinsubstituível, restando-lhe repetir aquelas mesmas palavras por ele pronun-ciadas na Sorbonne:

– Muito obrigado, de todo o coração.

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Zél ia Gatta i Amado

� Visita em Salvador

Certo dia, eu estava em Salvador para representar a Academia nas comemo-rações do Centenário de nascimento do Acadêmico Luís Viana Filho.

Aproveitei uma brechinha no programa e fui visitar a nossa Acadêmica Zé-lia Gattai Amado. Encontrei-a no seu novo e espaçoso apartamento no bairrode Brotas, repousando num divã e respirando por um tubo de oxigênio, assisti-da por duas enfermeiras, uma à noite e outra durante o dia. Mostrou-se lúcidae atenta a todos os detalhes relacionados com a Academia e os acadêmicos.

Saí da visita esperançoso de que ela conseguiria, dentre as muitas outras an-teriores, superar mais aquela crise e transmiti essa esperança num relato que fizaos acadêmicos, durante nossa reunião plenária da ABL, na quinta-feira se-guinte, e que está gravado em nossos Anais.

� “Rezem por mim”

Afinal, por um desses curiosos desígnios do destino, eu estava sendo o últi-mo acadêmico a falar com ela, porque três dias depois se internaria no hospitale não mais ficaria acessível.

Nessa visita, Zélia confessou-me que estava com muita saudade da nossaAcademia. E concluiu:

– Murilo. Por seu intermédio, peço aos meus irmãos acadêmicos, que são aminha segunda família, peço-lhes que rezem por mim, pois estou precisandomuito da oração de todos.

Com esse apelo, Zélia pressentia que estava próxima do seu fim. E realmen-te acontecia que estava.

� Sobrevivendo a Jorge

De todos os livros de memórias que Zélia escreveu, restou-nos dela a ima-gem de uma paulista humilde, naturalizada baiana, cujos noventa anos de ida-

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Murilo Melo Filho

de foram comemorados quando ela já estava bem doente, e que, em sua moci-dade, se uniu a um jovem escritor, transformado depois num dos maiores ro-mancistas brasileiros.

Mas nos restou sobretudo o exemplo de um casal maravilhoso e autêntico,que nos ofereceu a inesquecível lição de uma família bem baiana e bem brasileira,a viver exclusivamente à custa dos seus direitos autorais e dentro dos mais altospadrões de honradez e dignidade.

Onde quer que agora esteja – e Jorge certamente estará habitando um uni-verso e uma galáxia bem melhores do que estes nossos – ele deve estar muitofeliz por ter deixado aqui na terra uma viúva e uma sucessora tão dignas dele eque a ele não sobreviveria por muitos anos.

Durante todo esse tempo, ela honrou a memória do seu marido, deixandonos seus irmãos acadêmicos muitas saudades.

Bem haja, Zélia Gattai Amado, que conquistamos para esta nossa Acade-mia, e que Deus nos proporcionou a imensa felicidade de conhecer e de muitoestimar.

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Zél ia Gatta i Amado

Luís EdmundoArquivo ABL

Luís Edmundo

Moacyr Scl iar

Luís Edmundo (L. E. de Mello Pereira da Costa), poeta, cro-nista, memorialista, teatrólogo e orador, nasceu no Rio de Ja-

neiro, RJ, a 26 de junho de 1878, e faleceu na mesma cidade em 8 dedezembro de 1961. Eleito em 18 de maio de 1944 para a Cadeira33, na sucessão de Fernando Magalhães, foi recebido em 2 de agostode 1944, pelo Acadêmico Viriato Correia.

Sua carreira literária começou cedo. Já aos 20 anos integrava ogrupo de poetas simbolistas do Rio de Janeiro, e era diretor da Re-vista Contemporânea, publicada pelo movimento. Foi também jorna-lista: trabalhou na Imprensa, de Alcindo Guanabara, e depois noCorreio da Manhã, recém-fundado por Edmundo Bittencourt. Paraganhar a vida foi também, durante muitos anos, corretor de com-panhias francesas de navegação, o que lhe deu a oportunidade devisitar a Europa várias vezes.

Publicou seu primeiro livro de versos, Nimbus, em 1899, seguidode Turíbulos, em 1900, e Turris Eburnea, em 1902. Era um poeta mui-

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Ocupante daCadeira 31na AcademiaBrasileira deLetras.

Culto da Imortal idade

to popular. O soneto “Olhos tristes” (“Olhos tristes, que são como dois sóisnum poente, / cansados de luzir, cansados de girar, / olhos de quem andouna vida alegremente, / para depois sofrer, para depois chorar”) era muito de-clamado nos salões literários. Nos seus poemas misturavam-se Parnasianis-mo e Simbolismo.

Mas certamente o que mais o consagrou foram seus escritos sobre o Rio deJaneiro do passado. Apaixonado pela cidade, foi dela um dos grandes cronistase também um incansável pesquisador da História, frequentando arquivos e bi-bliotecas não só em nosso país como também na Europa. Evocou o períododo vice-reinado nos três volumes de Crônica e Memórias: o Rio de Janeiro no Tempodos Vice-Reis (1938). Escreveu também A Corte de D. João VI no Rio de Janeiro,igualmente em três volumes (1940); O Rio de Janeiro do meu Tempo (1940); Recor-dações do Rio Antigo (1950), além de publicar, em cinco volumes, suas Memórias(1958, 1962 e 1968). Proferiu numerosas conferências de caráter histórico eusou seu conhecimento na elaboração de peças de teatro, como “Marquesa deSantos” (1924), “Dom João VI” (1924) e “Independência” (1925).

A visão de Luís Edmundo acerca do Rio de Janeiro era fundamentalmenterealista, como mostra este pequeno trecho de A Corte de João VI no Rio de Janeiro:

“No quadro maravilhoso da natureza, a cidade é um contraste. É umamancha brutal na paisagem radiosa. A casa é feia. A rua é suja. O conjuntoexaspera. Tudo conspira contra o povoado infeliz: o clima, clima abrasadore ardente, as montanhas que o cercam e o encantonam e o sufocam, o chãoúmido e verde, o paul onde ele se assenta, o desasseio gerado pelo própriohomem.”

E em seu discurso de posse:

“O Rio de Janeiro, pela aurora do século que corre, ainda conservava omofo dos velhos tempos coloniais. É o Rio do Presidente Campos Sales, doquiosque, do bigode, dos elegantes de sobrecasaca cortada em pano inglês,

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Moacyr Scl iar

cartola e botinas de verniz que, sob o fogo cruel de estios apavorantes, bemcomo salamandras, cruzam, tranquilamente, a Rua do Ouvidor. Tempo emque as mulheres vestem compridas e rodadas saias e usam cinturas de ma-rimbondo, leque, e uns trágicos chapéus que não lhes entram, nunca, na ca-beça, todos em pluma e fita, de forma e de tamanho sobrenaturais. Tempoem que o progresso ronda a entrada da barra, mas não entra, da casa feia esem conforto, da rua estreita ou desarborizada, do bonde de tração animal,dos saraus em família obrigados a ceia com porco assado, líricos discursos eassembleias em salas de visita que se ornamentam com flores de papel pelasparedes, se iluminam a querosene ou a gás, salas onde os namorados, comdramaticidade e piegas ternura, recitam, de mão ao peito e olho de carneiromorto, versos de Castro Alves, de Fagundes Varela e Casimiro de Abreu.Vive o povo esperando o Carnaval, os balões e as fogueiras de Santo Antô-nio e São João, enquanto que a bubônica, a amarela e outras epidemias dãotrágicos festins pela cidade. Vivem os moços, porém, felizes e contentes.Quando se têm 20 anos, a vida de qualquer forma e em qualquer parte, ésempre uma delícia. O bom tempo! a saudade dos velhos...”

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Luís Edmundo