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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III FLÁVIO LUÍS DE OLIVEIRA PAULO CÉSAR CORRÊA BORGES

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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA

PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III

FLÁVIO LUÍS DE OLIVEIRA

PAULO CÉSAR CORRÊA BORGES

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Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte destes anais poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP

Conselho Fiscal: Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)

Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP

Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF

Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC

Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMG

P963Processo, jurisdição e efetividade da justiça III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UNICURITIBA;

Coordenadores: Flávio Luís de Oliveira, Paulo César Corrêa Borges – Florianópolis: CONPEDI, 2016.

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Processo. 3. Jurisdição. 4. Efetividadeda Justiça. I. Congresso Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Curitiba, PR).

CDU: 34

_________________________________________________________________________________________________

Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br

Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBAComunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-353-5Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: o papel dos atores sociais no Estado Democrático de Direito.

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XXV CONGRESSO DO CONPEDI - CURITIBA

PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III

Apresentação

A parceria do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI com

o Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA propiciou a realização do XXV

CONGRESSO DO CONPEDI, no período de 7 a 10 de dezembro de 2016, com o tema

“Cidadania e Desenvolvimento: O papel dos atores no Estado Democrático de Direito”.

No Grupo de Trabalho “PROCESSO, JURISDIÇÃO E EFETIVIDADE DA JUSTIÇA III”,

houve um intenso debate com a participação de pesquisadores de todo o Brasil, doutores/as,

doutorandos/as, mestres/as e mestrandos/as e, inclusive, de um ilustre professor francês,

coautor de artigo apresentado. Vale destacar também que as contribuições não se

restringiram a processualistas, mas, participaram especialistas de outras temáticas, cujo

recorte epistemológico dialogava com a temática central da efetividade da Justiça, em

diversas dimensões.

Como coordenadores, tivemos o privilégio de conhecer diferentes pesquisas na temática do

GT, tendo como ponto de convergência a profundidade com que os artigos foram elaborados

e apresentados, além de viabilizar espaço para as intervenções que enriqueceram os blocos de

debates entre participantes e autores/as.

Tratando do processo, da jurisdição e da efetividade da Justiça, os debates giraram em torno

do novo Código de Processo Civil e de outras temáticas correlatas ao processo e à efetividade

da Justiça, tais como: CONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA DE PRECEDENTES

OBRIGATÓRIOS; LIMITES TERRITORIAIS DA COISA JULGADA EM AÇÕES

COLETIVAS; CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE E FORÇA

VINCULANTE; COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: OS EFEITOS DO

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE; OS PRECEDENTES

VINCULANTES NAS TRADIÇÕES DA CIVIL LAW E DA COMMON LAW;

EFETIVIDADE DA PUBLICIDADE DAS DECISÕES EM PROCESSOS COLETIVOS

POR MEIO DA ARQUITETURA DA INTERNET; MEIOS DE RACIONALIZAÇÃO DAS

DECISÕES JUDICIAIS; APLICAÇÃO DIFERENCIADA DAS ASTREINTES NO

DIREITO AMBIENTAL PARA GARANTIR A EFETIVIDADE DA SUA PROTEÇÃO;

PERSPECTIVA DO INSTITUTO DA EVICÇÃO; A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

DECORRENTE DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE; AS FACES DA

RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE AS GARANTIAS E OS DIREITOS

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CONSTITUCIONAIS; AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS

CAUSADOS AOS INVESTIDORES NO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS; A

EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL DIANTE DA POSTURA DA FAZENDA

PÚBLICA; FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS; AS CONVENÇÕES

PROCESSUAIS E OS REQUISITOS DE VALIDADE; A GARANTIA DA DURAÇÃO

RAZOÁVEL DO PROCESSO; A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA

ANTECIPADA ANTECEDENTE; ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO NOVO

INSTITUTO DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA SATISFATIVA DE URGÊNCIA;

ANÁLISE DOS DIREITOS SOCIAIS E A EFICIÊNCIA DA 'LAW AND ECONOMICS'

DE RICHARD POSNER; AS IMPLICAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA LEI

DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; A ATUAÇÃO PEDAGÓGICA DO

MAGISTRADO; e, A ASSISTEMATICIDADE NA APLICAÇÃO DO IRDR AO

SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS.

As contribuições dos autores e autoras de cada um dos artigos incluídos nesta publicação do

CONPEDI são relevantíssimas e terão impacto na produção científica em relação às

temáticas desenvolvidas, diante da seriedade das pesquisas realizadas, com grande potencial

de se tornarem referência para as pesquisas desenvolvidas e que tangenciam ou se vinculam

ao tema do Grupo de Trabalho “Processo, Jurisdição e efetividade da Justiça”.

Esta contribuição final do Grupo de Trabalho n. 36, revela o compromisso com a qualidade

da produção científica de pesquisadores da Área do Direito, fortalecendo o Sistema Nacional

de Pós-graduação.

Prof. Dr. Flávio Luís de Oliveira – ITE/Bauru

Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges – UNESP/Franca

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1 Doutora e Mestre em Direito pela UFMG. Professora Associada de Direito e Processo Civil e Coletivo na FDUFMG. Membro do IDPro (Instituto de Direito Processual). Bacharela em Pedagogia pela PUC-Minas.

2 Mestranda e Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogada.

1

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A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA ANTECEDENTE E A PROTEÇÃO AOS INTERESSES DE GRUPO: OS RISCOS INERENTES À

BUSCA PELA CELERIDADE

THE STABILIZATION OF EMERGENCY PRELIMINARY INJUNCTIONS AND THE PROTECTION OF GROUP INTERESTS: THE RISKS OF THE SEEK FOR

CELERITY

Tereza Cristina Sorice Baracho Thibau 1Thais Costa Teixeira Viana 2

Resumo

O Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 introduziu, no ordenamento jurídico, a

possibilidade de estabilização da decisão concessiva de tutela provisória antecipada em

caráter antecedente, viabilizando-se a consolidação dos efeitos de conteúdos decisórios

alicerçados em cognição sumária, ainda que sem a proteção da coisa julgada. Nada

mencionando a lei acerca da aplicabilidade do instituto em sede de ações coletivas, a presente

pesquisa se propõe a avaliar a compatibilidade entre o instrumento da estabilização da tutela

provisória antecipada antecedente e os princípios e demais normas processuais que regem a

proteção aos interesses de coletividades.

Palavras-chave: Tutela provisória de urgência, Tutela antecipada, Estabilização, Coisa julgada, Direitos coletivos lato sensu

Abstract/Resumen/Résumé

The 2015 Brazilian Code of Civil Procedure has introduced, in the legal system, the

possibility of stabilization of emergency preliminary injunctions, requested previously to the

main application, and based on summary cognition, without the protection of res judicata.

Once the law does not regulate the applicability of such institute to the class actions, this

research aims to evaluate the consistency between it and the principles and other rules that

regulate the protection of group interests.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Emergency preliminary injunction, Preliminary injunction, Stabilization, Res judicata, Group interests

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1. INTRODUÇÃO

A entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (CPC/15) trouxe consigo

inúmeras alterações no iter procedimental das lides submetidas à apreciação judicial,

impondo-se aos aplicadores do Direito a revisitação não apenas dos tradicionais institutos

processuais aplicáveis desde a década de 1970, como também dos próprios princípios sobre os

quais se erige a sistemática jurídico-processual brasileira.

Enalteceu-se o conceito de ‘processo judicial’ enquanto espaço de diálogo e efetiva

resolução de conflitos, por intermédio, inclusive, da inserção de fase de mediação/conciliação

processual. Lado a lado a essas premissas de cooperação entre as partes, notou-se a

preocupação mais detida do texto legal em garantir uma prestação jurisdicional célere, efetiva

e adequada à definitiva solução das controvérsias.

Com vistas a se concretizarem referidos propósitos, foi introduzida no ordenamento

jurídico brasileiro a possibilidade de ‘estabilização’ da tutela provisória antecipada concedida

em caráter antecedente, decorrente, em linhas gerais e conforme se demonstrará adiante, da

ausência de oposição da parte contrária à medida liminar. O instituto se inspira na sistemática

processual francesa e permite o ingresso em juízo pleiteando-se exclusivamente a tutela

provisória antecipada, de natureza satisfativa, após o provimento da qual, não havendo

oposição da parte contrária, alcançar-se-ia status de estabilidade, tornando, portanto,

‘desnecessário’ o prosseguimento do feito com a formulação e análise de pedidos principais.

A estabilização da tutela provisória antecipada, contudo, não é e não poderia ser

acompanhada da formação de coisa julgada material, haja vista formar-se sem que se

oportunize de forma plena o contraditório, em virtude da própria urgência que figura como

um dos pressupostos à sua concessão. Não se trata, portanto, de meio destinado a dar solução

definitiva e imutável sobre matérias controvertidas, mas senão direcionado a evitar debates

em juízo acerca de pedidos que não encontrem oposição veemente da parte contrária.

Dúvidas não restam, portanto, de que, caso seja aplicada corretamente, a

estabilização da tutela provisória de urgência satisfativa antecedente revestir-se-á de relevante

potencial pacificador na busca pelo aperfeiçoamento da sistemática processual civil brasileira

e na superação da cultura de litigiosidade, ainda predominante em nosso ordenamento.

Cumpre reconhecer, contudo, que, no âmbito do CPC/15, fora a estabilização idealizada para

ser aplicada eficazmente na resolução de lides individuais, sem abordar o texto legal a

hipótese de sua eventual incidência no bojo da tutela de direitos coletivos em sentido lato.

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A análise da aplicabilidade de institutos do clássico processo civil à esfera coletiva

deve ser permeada por cautela, de forma a se evitarem situações impremeditadas que possam

colocar em risco a proteção dos interesses das coletividades defendidos em juízo por entes

intermediários. A avaliação minuciosa deve se aplicar, tão logo, às ponderações acerca do

cabimento do referido modelo de estabilização sem formação de coisa julgada à tutela de

interesses coletivos em sentido lato, ponderando-se que, ao mesmo tempo em que a

estabilização proporcionaria economia processual, poderia impedir que os titulares do direito

discutido tivessem plena segurança jurídica e certeza quanto ao seu direito (desprovido da

imutabilidade própria das decisões sobre as quais se forma coisa julgada).

Partindo-se dessas premissas e diante dos inúmeros questionamentos que vêm

surgindo ao redor dos primeiros casos de incidência da nova ordem processual civil, propõe-

se a presente pesquisa a avaliar o (des)cabimento do instituto da estabilização da tutela

provisória antecipada como via a se evitar o trâmite ‘desnecessário’ de ações coletivas,

investigando-se, ainda, acerca da aptidão da tutela estabilizada para irradiar seus efeitos de

forma erga omnes ou ultra partes. Em outras palavras, na medida em que o art.103 do Código

de Defesa do Consumidor (CDC/90) confere eficácia ultra partes ou erga omnes à coisa

julgada formada em ações coletivas, a mesma lógica poderia ser aplicada às decisões em

tutela de urgência estabilizadas sem força de coisa julgada?

Com vistas a elucidar esta questão e suas repercussões no âmbito dos direitos de

grupo, a presente pesquisa perpassará a breve análise do instituto processual francês do

référé1, à luz do direito comparado, bem como o exame minucioso da doutrina brasileira já

existente acerca do instituto em estudo, porquanto seja ainda exígua a jurisprudência dos

Tribunais brasileiros sobre o tema recém-introduzido no ordenamento pátrio. Na sequência,

proceder-se-á à avaliação da compatibilidade entre as premissas sobre as quais se assentam o

novo instituto e os princípios que alicerçam a sistemática processual coletiva, considerando-se

a máxima proteção aos interesses das coletividades.

Portanto, diante da absoluta ausência de consenso entre a reduzida doutrina que, de

alguma forma, já tangenciou o tema, a pesquisa que se segue objetiva proceder à análise

crítica sobre o tema, permitindo-se avaliar a extensão da influência do instituto que entrou em

vigência por meio do CPC/15 à tutela processual aos direitos coletivos em sentido lato.

1 Conforme a doutrina de Bruno Vargens Nunes, no Direito Francês, o instituto do référé é responsável pela

resolução efetiva e célere – porém, sem eficácia de coisa julgada –, de cerca de 90% das lides submetidas ao

crivo do Poder Judiciário, o que demonstra sua eficiência e autonomia enquanto instituto de direito processual.

(NUNES, 2015, p.40)

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2. A NOVA SISTEMÁTICA DA TUTELA PROVISÓRIA E SUA ESTABILIZAÇÃO

NA ORDEM PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRA DE 2015

Diferentemente do que se notava na ordem processual civil de 1973, os juristas que

elaboraram o CPC/15 preocuparam-se em sistematizar, no texto legal, as modalidades de

tutela antecipada e cautelar sob uma única categoria que denominaram ‘Tutelas Provisórias de

Urgência’. A nomenclatura escolhida não representou grande inovação à comunidade jurídica,

visto que conhecida pelos doutrinadores e pela jurisprudência. Contudo, a forma de

organização dos conceitos, no texto legislativo, tornou-se diferenciada da adotada pela

redação do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73).

De fato, a ordenação do CPC/73 trazia disposições acerca da tutela antecipada

(satisfativa) de forma inicialmente dissociada da regulamentação da tutela cautelar (não-

satisfativa). O art.273 do Diploma Legal trazia as regras procedimentais ao requerimento da

tutela antecipada, ao passo que à cautelar era destinado Livro próprio (art.796 e seguintes),

tratando-se de tutela pleiteada, via de regra, em ação autônoma. Tal distanciamento veio a ser

quebrado após a inserção do §7º ao art.273, acrescentado pela Lei n.º 10.444/2002, o qual

previu possibilidade de, sob o rito do pedido de tutela antecipada, também se poder requerer a

medida cautelar, desde que presentes os específicos pressupostos legais para tanto. Apesar

disso, não havia coincidência completa no texto legal quanto aos requisitos à sua concessão.

Observa-se que o ‘perigo de dano’ estava indicado como requisito em uma das

hipóteses de tutela antecipada (inciso I do art.273, CPC/73), neste caso, aliado à prova

inequívoca da verossimilhança das alegações. Por sua vez, ao ser também o ‘perigo de dano’

elencado como requisito para a concessão de medidas cautelares, deveria estar aliado à

‘fumaça do bom direito’, sem qualquer exigência de prova inequívoca.

Assim, apesar de, na essência, guardarem entre si evidente similaridade as tutelas

antecipada e cautelar, a lei apenas trouxe maior proximidade, de forma expressa, entre elas,

após a inserção do §7º ao art.273. Ao contrário do que se poderia esperar, contudo, tal

regulação resultou em diversas incongruências interpretativas fundadas nas divergências entre

aqueles a quem cabia analisar e aplicar a norma.

Ciente dessas disparidades, atentaram-se os juristas que elaboraram o CPC/15 por

tornar mais claro, já no texto da lei, em que medida se aproximavam e se distanciavam tais

tutelas, organizando-as sob o gênero ‘Tutelas Provisórias’, o qual trouxe como espécies as

tutelas de urgência (antecipada e cautelar, que tiveram unificados os requisitos à sua

concessão) e as de evidência.

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Apesar de não se elencar dentre os escopos centrais do presente trabalho a análise

minuciosa de toda a sistemática processual que envolve o gênero das tutelas provisórias

trazido pelo CPC/15, faz-se mister tecer breves esclarecimentos sobre a forma como se

passaram a organizar esses modelos de cognição sumária no ordenamento jurídico brasileiro.

Pois bem. Ao se reunirem as tutelas fundadas em cognição sumária sob o único

gênero ‘Tutelas Provisórias’, além de se tornar expressa e indiscutível a existência de uma

natureza comum a essas formas de tutela, também se optou por trazer título destinado às

Disposições Gerais (arts. 294 a 299, CPC/15), por intermédio do qual se puderam arrolar

todas as normas que fossem afins entre as espécies e classificações de tutela provisória.

Assim, já no primeiro artigo dessas Disposições Gerais, estabeleceu o texto

legislativo classificações e espécies principais de tutelas provisórias, que poderiam ter seu

fundamento na urgência ou na evidência, de forma que, fundando-se na urgência, poderiam

ainda ter natureza cautelar (não-satisfativa) ou antecipada (satisfativa). Por sua vez, quanto

àquelas alicerçadas na evidência – dissociadas, portanto, da exigência de perigo de dano ou de

risco ao resultado útil do processo –, limitou-se o texto legal a indicar as hipóteses nas quais

seriam aplicáveis, cabendo à doutrina a tarefa de esclarecer que, em se tratando de tutela de

natureza satisfativa, estaria apta a proporcionar o acesso imediato (e provisório) ao bem da

vida pleiteado em caráter definitivo, porém sem possibilidade de estabilização de seus efeitos.

Em todos os casos, a decisão de concessão da medida pleiteada em caráter provisório

(seja ela de urgência ou de evidência) alicerça-se em cognição sumária, cuja principal

característica é o juízo de probabilidade (DIDIER JR. et al, 2016a, p.582), razão pela qual

pode ser objeto de revogação ou modificação a qualquer tempo (art.296, CPC/15), conforme

se mantenham presentes ou não os requisitos que a fundamentaram.

Seguindo-se a já exposta tendência sistematizadora de conceitos, ao regulamentar as

tutelas de urgência (integrantes do gênero Tutelas Provisórias), também primou o CPC/15 por

delimitar Disposições Gerais destas, de forma a tornar claras as regras cuja aplicação seria

comum às tutelas de urgência antecipada e cautelar, unificando, por exemplo, os requisitos à

sua concessão, que seriam, em qualquer dos casos, a probabilidade do direito e o perigo de

dano ou risco ao resultado útil do processo (art.300, caput, CPC/15).

Como consequência, eliminou-se a necessidade de provar que o dano que se pugna

evitar com a medida antecipatória seria ou não irreparável, conforme constava no CPC/73. Na

nova sistemática, sendo pleiteada tutela de urgência cautelar ou antecipada, bastará se

demonstrar o perigo de ‘qualquer’ dano ou, ainda, o risco ao resultado útil do processo.

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Já no que diz respeito à tutela de evidência, estabelece a legislação hipóteses outras,

dissociadas da noção de risco ou perigo de dano. Nestes casos, justifica-se a concessão da

tutela satisfativa provisoriamente, haja vista a “conjugação de dois pressupostos: prova das

alegações de fato e probabilidade de acolhimento da pretensão processual” (DIDIER JR. et al,

2016a, p.631), ou como medida sancionatória à prática de atos abusivos ou protelatórios por

uma das partes. Nesse sentido, ao contrário de condicionar a concessão da tutela de evidência

à cumulação de requisitos, opta o texto da lei por elencar rol de hipóteses que, uma vez

configuradas (de forma não cumulativa), ensejariam a adoção da medida (art.311 do CPC/15).

Pontuados estes aspectos, tem-se que já na sistemática processual do CPC/73 podia-

se vislumbrar a possibilidade de se vir a juízo exclusivamente se formulando pedido de

concessão de tutela provisória. Trata-se da disposição do art.796 daquele Diploma2, o qual,

direcionando-se inicialmente apenas à tutela cautelar (não-satisfativa), teve seu espectro de

aplicação ampliado às tutelas antecipadas (satisfativas) por força da introdução do §7º ao

art.273. Quanto a este ponto, a disciplina acompanhou o advento do CPC/15, que também

optou por viabilizar a formulação do pleito de tutela provisória de urgência (cautelar ou

antecipada) em caráter ‘antecedente’, antes de se declinar o pedido principal, meritório. A

sistemática que se passou a adotar, contudo, segue a premissa de que referido pedido

antecedente tramitará nos mesmos autos em que será processado e julgado o pedido principal.

Sobre a elaboração deste pedido ‘antecedente’, em sede de tutela provisória

antecipada (satisfativa), no âmbito do CPC/15, discorre a doutrina:

A situação de urgência, já existente no momento da propositura da ação,

justifica que, na petição inicial, limite-se o autor a:

a) requerer a tutela antecipada;

b) indicar o pedido de tutela definitiva – que será formulado no prazo

previsto em lei para o aditamento;

c) expor a lide, o direito que se busca realizar (e sua probabilidade), e o

perigo da demora (art.303, caput, CPC);

d) indicar o valor da causa considerando o pedido de tutela definitiva que

pretende formular (art.303, §4º, CPC); e, enfim,

f) explicitar que pretende valer-se do benefício da formulação do

requerimento de tutela antecipada em caráter antecedente, nos moldes do

caput do art.303, CPC (art.303, §5º, CPC). (DIDIER JR. et al, 2016a, p.615)

Uma vez deferido o requerimento antecedente de tutela antecipada, prevê o CPC/15

que deverá se proceder ao aditamento da petição inicial, com a complementação da

argumentação, a confirmação do pedido principal e a juntada de novos documentos, em 15

2 Art.796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre

dependente. (BRASIL, 1973)

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(quinze) dias (art.303, §1º, I). Na hipótese de sua não concessão, determina o CPC/15

(art.303, §6º) a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias.

De forma similar, acerca do requerimento antecedente de tutela cautelar, o Código

dispõe que, uma vez efetivada a tutela, o autor terá o prazo de trinta dias para formular o

pedido principal nos mesmos autos, podendo aditar a causa de pedir (art.308, caput e §2º).

A possibilidade de formulação de pedido de tutela provisória de forma antecedente,

por óbvio, encontra aplicabilidade somente na seara das tutelas de urgência, não sendo viável

concebê-la em sede de tutela de evidência, em relação à qual as próprias hipóteses de

cabimento exigiriam que já houvesse certa produção probatória (que demonstrasse a

evidência) ou, ainda, postura sancionável da parte Ré – elementos esses cuja configuração

seria impossível antes de serem declinados os pedidos principais.

Pois bem. Em alguns casos, e certamente neste ponto reside a principal inovação

trazida pelo CPC/15 no tocante à matéria, passa a permitir o novo texto legal que, após a

concessão da medida de urgência e sem prejuízo da continuidade de seus efeitos, não haja

necessidade de prosseguimento do feito, e de formulação de pedidos principais pelo

demandante, a serem submetidos à cognição exauriente. Trata-se do instituto da

‘estabilização’ da tutela provisória, que busca sua inspiração no direito francês e que, no

ordenamento jurídico brasileiro, aplicar-se-á apenas às tutelas provisórias antecipadas

(satisfativas) requeridas em caráter antecedente. Acerca do instituto, tratar-se-á na sequência.

2.1. A Tutela Provisória Estabilizada e seus Efeitos Jurídicos: Imutabilidade vs.

Estabilidade

O contraste entre as tutelas provisória e definitiva reside precisamente no fato de que

se funda a primeira em uma cognição sumária do feito, alicerçada em um juízo de

probabilidade, ao passo que a segunda somente se constrói após cognição exauriente da

matéria, considerando-se todos os fundamentos apresentados pelas partes e as provas

produzidas no processo judicial.

Quanto a este ponto, percebe-se o quanto a introdução da possibilidade de

estabilização da tutela provisória antecipada inova no ordenamento jurídico brasileiro, na

medida em que se viabiliza o prolongamento dos efeitos de decisão interlocutória fundada em

cognição sumária, sem a necessidade de se dar continuidade aos trâmites processuais com

vistas à prolação de decisão definitiva de mérito, alicerçada em cognição exauriente do feito.

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O instituto está previsto no art.304 do CPC/15 e trabalha com a premissa de que, uma

vez constatada a inércia do réu face à decisão interlocutória concessiva de tutela provisória

antecipada, pleiteada em caráter antecedente, tornar-se-iam estáveis os efeitos da aludida

decisão, extinguindo-se o processo, antes mesmo de se declinarem pedidos principais.

É necessária cautela, contudo, quanto à análise do que poderia ser considerado

‘inércia do réu’. O caput do art.304 traz redação restritiva, exigindo que, para que não haja

estabilização dos efeitos da decisão interlocutória concessiva da tutela antecipada antecedente,

o réu interponha ‘recurso’. Portanto, a partir de interpretação literal do texto legal, alcançar-

se-ia a conclusão de que apenas a partir da interposição de agravo de instrumento (art.1.015, I,

CPC/15) seria possível obstar os efeitos da estabilização. Acerca dessa exigência, entretanto,

mister ressaltar que, nos termos da própria literalidade da lei, não seria necessário que o

respectivo recurso fosse conhecido e, muito menos, provido, para se impedir a estabilização.

O caput do art.304 é claro ao dispor pela necessidade apenas da ‘interposição’ do recurso

cabível. Em outras palavras, via de regra3, ainda que não fosse o agravo de instrumento

conhecido pelo órgão julgador, estaria eficazmente obstada a estabilização dos efeitos da

tutela provisória concedida em caráter antecedente.

Parte da doutrina, contudo, tem se manifestado de forma contrária à interpretação

restritiva do dispositivo legal, entendendo pela necessidade de ampliação da noção do que

poderia ser tido como ‘inércia do réu’, de forma a se abarcarem os diversos tipos de

impugnação e se tornar medida excepcional a estabilização dos efeitos de decisão fundada em

cognição sumária. Nesse sentido, a lição de Bruno Garcia Redondo:

[...] a interpretação constitucional mais adequada, à luz das garantias do

contraditório e da ampla defesa, é a de que qualquer ato impugnativo lato

sensu do réu, apresentado dentro do prazo do recurso, deve servir ao condão

de impedir a estabilização da tutela antecedente e a extinção do processo:

seja a interposição de agravo de instrumento, seja a apresentação de

sucedâneo recursal (v.g., suspensão de segurança), seja a propositura de

demanda impugnativa autônoma [...], seja ainda a apresentação, em primeiro

grau, de contestação ou reconvenção. (REDONDO, 2015, p.167-194)4

Interessante esclarecer que, conforme alerta o mesmo autor, a versão original do

caput do art.304 do CPC/15, aprovada pelo Senado Federal, disporia pela estabilidade da

3 Diz-se, nesse ponto, “via de regra”, haja vista remanescerem interrogações acerca da efetividade, para fins de

obstaculização da estabilização da tutela provisória, do recurso interposto após o decurso do prazo legal e,

portanto, não conhecido por intempestividade. O debate, contudo, notadamente complexo, ultrapassa os limites

do objeto da presente pesquisa, razão pela qual pede-se vênia para não se adentrar na matéria. 4 No mesmo sentido, cf. DIDIER JR., et al, 2016, op. cit., p.622.

210

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tutela provisória em caso de ausência de ‘impugnação’ pelo réu (REDONDO, 2015), o que

apontaria à clara intenção, durante o processo legislativo, de se admitir amplitude quanto aos

meios dos quais poderia se valer o réu, para obstar a estabilização da tutela provisória.

Encontra-se, também, dissenso doutrinário, no diz respeito à postura exigível do

autor, para que se torne estável ou não a decisão interlocutória. Neste ponto, é silente o texto

legal que, como exposto, exige somente a inércia por parte do réu. Contudo, oscila-se quanto

ao entendimento acerca da exigência ou não de manifestação do autor, na petição em que

declina o pedido de tutela provisória, sobre sua intenção de não dar prosseguimento ao feito e

se valer da estabilização da tutela provisória porventura concedida.

Sobre o tema, há entendimento no sentido de que, para que o réu possa avaliar a

postura que adotará face à decisão interlocutória, precisará conhecer, de antemão, as intenções

da parte autora de se valer de eventual estabilização dos efeitos da tutela provisória concedida,

ou de dar prosseguimento ao processo, com o intuito de obter pronunciamento definitivo

sobre o mérito (DIDIER JR., et al, 2016a, p.620). Em sentido diverso, entretanto, é a lição de

Ester Camila Gomes Norato Rezende, segundo a qual:

Observe-se que não é ônus da parte autora, beneficiária da tutela antecipada

antecedente, provocar a composição definitiva da lide, como se dava no

regime do CPC/73. Assim, no CPC/15, se o autor estiver satisfeito com a

composição da lide pela via provisória, poderá permanecer inerte, usufruindo

de seus efeitos estabilizados (art.304, §3º), de modo que a ordem jurídica

transferiu para o réu o ônus de provocar a composição definitiva para afastar

os efeitos da tutela antecipada estabilizada. (REZENDE, 2016, p.86)

Nos termos de tal entendimento, a estabilização dos efeitos de decisão interlocutória

concessiva de tutela provisória antecipada antecedente dependeria apenas da inércia do réu,

não sendo imprescindível que se observasse concomitante conduta comissiva do autor.

De toda forma, uma vez alcançada a estabilização, dispensável se tornaria, em tese, o

prosseguimento da lide, pelo que a lei determina a extinção do processo (art.304, §1º,

CPC/15). Acerca deste aspecto, contudo, novamente há celeuma revestida de complexidade,

uma vez que, ao mesmo tempo em que não se extingue o processo por vício ou ausência de

pressuposto processual ou condição da ação (o que caracterizaria extinção sem resolução de

mérito), também não se tem a cognição exauriente da matéria e dos fundamentos que a

permeiam, sendo igualmente delicado conceber a extinção com resolução de mérito5.

5 Sobre o tema, cf. REDONDO, 2015, pp.167-194.

211

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Ocorre que, consoante já brevemente exposto, a decisão interlocutória apta a ser

estabilizada decorre da cognição sumária do feito, alicerçada em juízo de probabilidade e

análise de urgência. Portanto, resta claro que não adentra – senão de forma superficial – o

mérito da questão, razão pela qual o §6º do art.304 é expresso ao dispor que essa decisão não

formaria coisa julgada, podendo ser revista, reformada ou invalidada (art.304, §2º, CPC/15).

Ora, sem que haja a apreciação do mérito da questão, em sua plenitude, incoerente

seria falar-se em coisa julgada e, consequentemente, em imutabilidade do conteúdo decisório.

Ademais, não raro, a decisão estabilizada terá sido proferida liminarmente, vale dizer,

inaudita altera parte (art.300, §2º, CPC/15), de forma que não seria razoável conceber-se sua

imutabilidade sem que sequer tenha sido oportunizado à parte contrária o exercício do prévio

contraditório. Em outras palavras, para a formação de coisa julgada, não bastaria viabilizar o

contraditório superveniente à prolação da decisão, como se dará comumente no caso da

concessão de tutela provisória antecipada antecedente (art.303, §1º, II, CPC/15).

Corrobora este entendimento a interpretação conjunta dos parágrafos do art.304 do

CPC/15 segundo os quais, faculta-se a qualquer das partes demandar a outra, por ação própria,

para “rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada” (art.304, §2º, CPC/15),

podendo, para fins de instrução probatória, inclusive, requerer o desarquivamento dos autos

da ação na qual houve a estabilização. Ressalva-se, contudo, o fato de não se tratar de ação

rescisória, mesmo porque não há coisa julgada a ser desconstituída.

Tampouco o limite temporal de dois anos, imposto pela lei (art.304, §5º, CPC/15),

poderia conferir status de coisa julgada à decisão estabilizada, sob pena de se afrontar a

garantia constitucional à ampla defesa e ao contraditório, haja vista, reitera-se, o fato de ser a

decisão estabilizada comumente prolatada liminarmente, sem a oitiva da parte contrária.

Ademais, importaria grave violação à segurança jurídica conferir imutabilidade à decisão

proferida com base em cognição sumária.

O decurso do prazo bienal sem a propositura da respectiva ação de revisão, reforma

ou invalidação da tutela antecipada estabilizada tem apenas o escopo de conferir estabilidade

aos ‘efeitos’ da decisão, na medida em que, desde a configuração da inércia do réu, já se

encontraria estável o ‘conteúdo’ desta. No entanto, não há equivalência entre a estabilização

do ‘conteúdo’ ou dos ‘efeitos’ da decisão, e a noção de coisa julgada. Mesmo porque, após

escoado o prazo bienal para a propositura da ação de ‘desestabilização’, entende-se não haver

qualquer óbice legal, prima facie, ao ajuizamento de ação por qualquer das partes, destinada a

discutir o mérito da questão, de forma exauriente.

Neste tocante, vale esclarecer:

212

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[...] após os dois anos para a propositura da ação para reformar, rever ou

invalidar a decisão que concedeu a tutela provisória, os efeitos se tornam

estáveis. Esses efeitos são estabilizados, mas apenas eles – a coisa julgada,

por sua vez, recai sobre o conteúdo da decisão, não sobre seus efeitos; é o

conteúdo, e não a eficácia, que se torna indiscutível com a coisa julgada.

(DIDIER JR. et al, 2016a, pp.625-626)

Não se confundem, assim, as noções de imutabilidade (própria da coisa julgada) e de

estabilidade (própria do instituto disciplinado no art.304 do CPC/15). A decisão ‘estável’,

fruto de cognição sumária e fundada em juízo de probabilidade, é por essência precária,

encontrando-se sujeita a reforma ou modificação, nos termos do próprio art.296 do CPC/15.

2.2. A Tutela Provisória Satisfativa Estabilizada como forma de Acesso à Justiça

A prática da estabilização da tutela antecipada antecedente foi introduzida no

ordenamento jurídico brasileiro com vistas à promoção da sumariedade no trâmite das lides

processuais, já sendo verificada notável eficácia e ampla aplicação do instituto no contexto

dos inspiradores ordenamentos jurídicos estrangeiros francês (reféré) e italiano.

Neste sentido, é a lição de Bruno Vargens Nunes:

O procedimento do référé tem como característica sua autonomia em relação

ao processo principal, que pode ou não ser instaurado. Tem a finalidade de

estabilizar, sumariamente, uma situação, parar uma ilicitude ou interromper

um abuso, sem visar a definitividade. A decisão é desprovida da autoridade

da coisa julgada. Na França 90% dos casos são resolvidos pelo instituto do

référé, prescindindo do procedimento ordinário.

Inspirado no sistema do référé, usado no Direito francês, o ordenamento

jurídico italiano prevê, nos arts. 306 e 307 do Código de Processo Civil, a

extinção da tutela antecipatória, que se dá após a pronúncia do provimento

satisfativo. [...] Nesse sistema, a extinção só ocorre quando, de alguma

maneira, existe a vontade da parte contra a qual a tutela antecipada foi

concedida. Com a extinção, o provimento antecipatório mantém a sua força

executiva. (NUNES, 2015, p.40)

Percebe-se, portanto, que o instituto do référé e seu correspondente no sistema

jurídico italiano instituem-se a partir da ausência de oposição da parte demandada ao

conteúdo da decisão em cognição sumária, não havendo, sequer, exigência do demandante de

que o provimento esteja revestido das garantias de imutabilidade próprias da coisa julgada, o

que revela a presunção de boa-fé processual dos litigantes que aceitam se sujeitar à decisão

eivada de precariedade e que se comprometem a dar-lhe o devido cumprimento.

213

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No caso do Direito Brasileiro, o art.297, parágrafo único, do CPC/15 estabelece que

as decisões de concessão de tutela provisória serão efetivadas conforme as regras do

cumprimento provisório de sentença. No entanto, em se tratando de tutela antecipada

antecedente estabilizada, as próprias origens do instituto no Direito Francês e no Italiano

apontam ao cumprimento espontâneo e definitivo do conteúdo decisório.

De fato, um dos escopos do instituto é promover a redução do volume de demandas

que congestionam o Poder Judiciário, solucionando sem necessidade de trâmites processuais

mais complexos, as lides que não encontrarem a oposição ativa da parte demandada.

Inclusive, a ausência de impugnação à decisão interlocutória estabilizável pode ser

vantajosa também para o réu, que não arcará com custas processuais e incorrerá em patamar

reduzido de honorários sucumbenciais (DIDIER JR. et al, 2016a, pp.617-618). Ademais, ante

a desnecessidade de litigar no processo, cumprindo-se espontaneamente a decisão, sequer

incorrerá a parte demandada em despesas decorrentes da contratação de advogado. Sob essa

ótica, caso não se oponha ao pedido formulado pela parte autora ou considere exígua a

possibilidade de êxito futuro em ação judicial, apresenta-se como economicamente vantajosa

ao demandado a opção de quedar-se inerte e permitir a estabilização dos efeitos da tutela

antecipada antecedente.

A introdução do instituto, portanto, à primeira vista, na esfera da resolução de lides

individuais, apresenta-se como promissora na busca pela ampliação do acesso à Justiça, não

apenas por proporcionar o acesso mais célere a provimentos jurisdicionais efetivos (apesar de

não imutáveis), como também por viabilizar a redução do volume de demandas em trâmite

perante o Poder Judiciário, e, quem sabe, a custos menores.

Por outro lado, a análise de sua aplicabilidade e eficácia na seara da tutela coletiva de

direitos e da tutela de direitos coletivos (ZAVASCKI, 2014) merece maiores ponderações,

como se verá no texto que se segue.

3. A APLICAÇÃO DA NOVA SISTEMÁTICA DE TUTELAS PROVISÓRIAS AO

MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO

À tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, primou-se por

criar procedimentos processuais especiais, consentâneos à natureza dos direitos discutidos,

bem como mais aptos à proteção dos interesses das coletividades, sem que, no ordenamento

jurídico brasileiro, houvesse a codificação de toda essa legislação processual em um Diploma

único, um Código de Processo Coletivo.

214

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As regulamentações processuais, desta forma, encontram-se difundidas no âmbito de

uma diversidade de textos legais, em especial o Código de Defesa do Consumidor (CDC/90),

a Lei de Ação Civil Pública (LACP/85), a Lei de Ação Popular (LAP/65) e a Lei de

Improbidade Administrativa (LIA/92), os quais, em conjunto, compõem um microssistema de

tutela jurisdicional coletiva6, voltado à proteção em juízo dos interesses das coletividades.

Coube ao CDC/90, além de indicar as espécies de direitos coletivos em sentido lato

(art.81, p.u.), também regulamentar a coisa julgada coletiva, os critérios de competência, a

análise de litispendência de ações coletivas entre si e em relação a ações individuais, etc., se

encontrando por força de disposição legal indissociavelmente ligado à LACP/85:

Art.117. Acrescente-se à Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte

dispositivo, renumerando-se os seguintes:

"Art.21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e

individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor". (BRASIL, 1990)

Vale esclarecer que as normas processuais do CDC/90 foram idealizadas à proteção

de interesses individuais homogêneos de consumidores (Capítulo II do Título III), ao passo

que se insere no rol de objetos da LACP/85 (art.1º, IV) a proteção de quaisquer interesses

difusos ou coletivos. Assim, a inserção do art.21 à LACP/85 culminou por integrar os

instrumentos de tutela a direitos coletivos lato sensu, restando apenas as diferenciações

exigidas pelas singularidades a que cada lei específica tutela.

Entretanto, apesar do esforço legislativo e hermenêutico que se verificou, sobretudo

nos anos que permearam a promulgação da Constituição da República de 1988 (CRFB/88), no

sentido de se criar um microssistema de tutela jurisdicional coletiva que proporcionasse plena

proteção aos interesses coletivos em sentido lato, percebeu-se a necessidade de se viabilizar a

aplicação subsidiária à processualística coletiva das normas do processo comum, visando

garantir que, naquilo que fosse compatível, tornasse aplicável à proteção dos interesses de

coletividades, os instrumentos já disponíveis à tutela de direitos individuais.

Nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso (2014, p.97), acerca dos aspectos

procedimentais da LACP/85, “justifica-se a remissão e a aplicação subsidiária do Código de

Processo Civil porque a Lei 7.347/85 [...] não se ateve detalhadamente, sobre certos temas

relevantes, como o pedido, a resposta, a revelia, o julgamento antecipado etc.”.

6 Sobre o tema, cf. ALMEIDA, 2003. p.361.

215

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De fato, foi regulada a expressa aplicação subsidiária do CPC/73, no que fosse

cabível, à sistemática das ações civis públicas (art.19, LACP). Ainda, a Lei n.º 13.105/15, que

revogou o diploma processual de 1973, foi taxativa ao determinar que, não só permaneceriam

em vigor as leis de procedimentos especiais, como também seriam assimiladas como

remissões ao CPC/15 aquelas feitas anteriormente ao CPC/73 (art.1.046, §§2º e 4º, CPC/15).

Assim, foi o microssistema de tutela jurisdicional coletiva diretamente afetado pela

entrada em vigor do CPC/15, inclusive no que concerne à disciplina das tutelas provisórias,

aplicável à tutela processual coletiva no que não contrarie as premissas e princípios desta.

Com efeito, tanto a LACP/85, quanto o CDC/90 fazem menção expressa à aplicação

de tutelas de natureza provisória, seja antecipada (satisfativa) ou cautelar (não-satisfativa), na

defesa de interesses de grupos por ações coletivas. É o que se extrai do art.83 e do §3º do

art.84 do CDC/907, bem como do caput do art.5º da LACP/85

8.

Todavia, apesar de não haver dúvidas quanto à aplicação subsidiária das regras de

tutelas provisórias à proteção em juízo de interesses de coletividades, exsurge questionamento

sobre a medida na qual tais disposições seriam extensíveis ao microssistema.

Ora, é inquestionável que, apesar de trazer em seu texto, extensa regulamentação

direcionada à disciplina de causas repetitivas (comumente verificadas na defesa de interesses

individuais homogêneos, por intermédio de ações individuais), tem-se que o CPC/15, em

especial em seu Livro V (Da Tutela Provisória), foi redigido com vistas à proteção de direitos

individuais, pelo que se deve avaliar com cuidado a compatibilidade entre os novos institutos

introduzidos nessa seara e a proteção de interesses coletivos em sentido lato.

3.1. A Estabilização da Tutela Antecipada Antecedente na Tutela de Direitos Coletivos

em Sentido Lato

A doutrina de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. aponta à aplicação da integral

sistemática de tutelas provisórias do CPC/15 às ações coletivas, “o que inclui a disciplina da

estabilização da tutela provisória prevista nos arts. 304 e 305 do CPC” (2016b, p.350).

Contudo, há compreensões em sentido destoante deste entendimento, sobretudo

acerca da aplicabilidade do instituto da estabilização da tutela provisória às lides coletivas.

7 “Art.83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de

ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Art.84. [...] §3° Sendo relevante o fundamento da

demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela

liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.” (BRASIL, 1990) 8 “Art.5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: [...]” (BRASIL, 1985)

216

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Questiona-se, seja acerca da (i)legitimidade dos legitimados extraordinários elencados em lei

para, uma vez concedida a tutela provisória antecipada antecedente, deixarem de aditar a

inicial e promoverem a estabilização da tutela, seja acerca da aptidão dos efeitos das decisões

estabilizadas para irradiarem ou não, a fim de alcançarem toda a coletividade.

Inicialmente, tem-se que a análise da representatividade dos legitimados legais à

tutela em juízo de direitos coletivos em sentido lato, para deixar de aditar a inicial e de dar

continuidade ao feito, perpassa a avaliação da natureza do direito que se encontra sendo

tutelado. Há quem entenda que o mero fato de ser o interesse titularizado por coletividades o

tornaria indisponível. É o caso, v.g., da doutrina de Ricardo de Barros Leonel, que pondera:

Mesmo quando caracterizados interesses patrimoniais, ao ganharem

dimensão coletiva adquirem conotação social, tornando-se indisponíveis

processualmente, não obstante o lesado possa individualmente dispor de sua

parcela. Ademais, os legitimados também não podem deles dispor por não

serem titulares de tais interesses. (LEONEL, 2013, p.355)9

É nesse sentido, inclusive, o entendimento majoritário da doutrina brasileira, que

compreende que bastaria ao direito estar sendo tutelado coletivamente, via ação civil pública,

ação popular, etc., por intermédio de legitimados legais, para que se tornasse indisponível.

Não se trata, contudo, de compreensão que encontra ampla ressonância na doutrina

estrangeira, havendo sistemas que admitem a transação envolvendo direitos transindividuais.

Como exemplo, pode-se citar a acertada lição de Leandro J. Giannini que, em

‘Transacción y Mediación en los Procesos Colectivos (requisitos, alcances de la cosa juzgada

e impugnación de acuerdos homologados en acciones de clase)’, posiciona-se criticamente

face à compreensão de que direitos transindividuais seriam por essência indisponíveis:

La sola circunstancia de que un cúmulo de derechos disponibles se enjuicie

colectivamente [...], no transforma automáticamente a la materia en

'indisponible'. La calidad de los derechos controvertidos no se modifica por

la sola circunstancia de estar siendo reclamados en juicio a título grupal, por

alguien que carece de poder especial para representar típicamente a los

afectados. (GIANNINI, 2014. pp. 691-692)10

Como vem sendo largamente aceito pela doutrina estrangeira, sobretudo norte-

americana, deve-se ponderar, na análise da (in)disponibilidade dos direitos coletivos em 9 Ainda sobre o tema, cf. MAZZILLI, 2012, pp.444-445.

10 “A simples circunstância de um conjunto de direitos disponíveis ser processado coletivamente [...], não

transforma automaticamente a matéria em 'indisponível'. A qualidade dos direitos controvertidos não se modifica

pela simples circunstância de estarem sendo reclamados em juízo a título grupal, por alguém que possua poder

especial para representar tipicamente aos afetados.” (GIANNINI, 2014. pp. 691-692 – tradução livre)

217

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sentido lato e do grau de aplicação do princípio da reparação integral do dano coletivo, que,

em alguns casos, a concessão de certa margem de disponibilidade a esses direitos poderia

tornar a própria tutela coletiva mais célere e efetiva11

.

No entanto, paira a questão: restando controvertida na doutrina brasileira a natureza

indisponível ou disponível dos interesses coletivos em sentido lato, poder-se-ia conceber a

legitimidade dos entes intermediários elencados em lei (art.82, CDC/90 e art.5º, LACP/85)

para, simplesmente, deixar de aditar a inicial, em ações com pedido de tutela provisória

antecipada antecedente, e viabilizar a estabilização da decisão interlocutória? Além disso,

caso se compreenda pela desnecessidade de qualquer ação comissiva do autor, poderia a mera

inércia do réu já conduzir à estabilização da tutela provisória com a extinção do feito?

De forma análoga à disciplina da coisa julgada, dos conceitos de conexão,

continência e litispendência, e da legitimidade ativa ad causam, também a análise da

aplicação do instituto da tutela antecipada antecedente e seus respectivos efeitos, no âmbito da

tutela processual coletiva, deve se pautar pelas peculiaridades dos interesses aos quais se

propõe proteger, não sendo a hermenêutica literal do texto legal a mais adequada para a

garantia do melhor direito das coletividades.

Sob essa ótica, percebe-se que, apesar de dispor o art.304, caput, do CPC/15, que,

não havendo interposição de recurso pela parte ré, a decisão interlocutória de concessão da

tutela antecipada antecedente se estabilizaria, a lógica de proteção aos direitos

transindividuais e individuais homogêneos conduziria senão à conclusão de que não poderia

bastar a inércia do réu para fins de configuração da estabilização neste campo. Ora,

compreensão em sentido oposto conduziria senão à incongruência jurídica de se colocar nas

mãos da parte ré o poder de decidir quanto ao prosseguimento ou não das ações coletivas.

Face à possibilidade de pôr fim às ações coletivas já em sua origem (e de forma,

ainda, praticamente livre de ônus processuais), a tendência a ser observada apontaria

certamente na direção de se quedar a ré inerte, provocando a estabilização da tutela provisória

e a extinção do processo (art.304, §1º, CPC/15). Quanto a este ponto, apesar de proporcionar a

tutela provisória estabilizada o célere acesso da coletividade ao bem da vida pleiteado, priva-a

simultaneamente da obtenção da imutabilidade da respectiva decisão, que – a despeito de ser

estável e conectada aos propósitos de celeridade processual e promoção do acesso à Justiça –

permanecerá precária (sujeita a modificação ou revogação) e desprovida de força de título

executivo judicial, exceto para fins de cumprimento provisório (art.297, p.u., CPC/15).

11

Acerca da possibilidade de transação no bojo de class actions, cf. GIDI, 2007, pp.306-360.

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Portanto, não se havendo que cogitar a estabilização como decorrência automática da

mera inércia da parte ré, passa-se à análise da possibilidade de se manifestar a parte autora –

que concentra os interesses de grupo – pelo desejo de se valer do instituto do art.304, do

CPC/15, em caso de deferimento de pedido de tutela provisória antecipada antecedente.

Novamente, neste caso, cumpre considerar que a eventual decisão estabilizada a

pedido da parte autora não seria apta à formação de coisa julgada, pelo que inidônea a

promover a proteção definitiva dos interesses de grupo. Assim sendo, retoma-se a discussão

acerca da (in)disponibilidade dos direitos coletivos em sentido lato, inclusive no que concerne

às garantias processuais e, mesmo, constitucionais.

Dúvidas não restam quanto à possibilidade de ingressarem os entes intermediários

em juízo, unicamente pleiteando tutela provisória antecipada antecedente de direito coletivo

lato sensu. A medida seria eficaz para viabilizar o acesso célere ao bem da vida, enquanto, por

exemplo, ainda não tiverem se reunido elementos probatórios suficientes à formulação do

pleito definitivo, pelo que não deve ser afastada aprioristicamente. Contudo, não se vislumbra

como tão adequada a utilização do pleito de tutela antecipada antecedente para fins de

obtenção da decisão estabilizada, uma vez que essa não garantirá aos grupos e coletividades

substituídos em juízo qualquer segurança jurídica – estando sempre sujeita à reforma e à

revogação a decisão concessiva do pedido liminar.

O interesse público primário12

existente por detrás da maioria das ações coletivas,

bem como as premissas de busca da maior reparação possível do dano coletivo não se

revelariam harmônicos com a precariedade da medida, pelo que se justifica, em casos tais, a

restrição na interpretação dos poderes dos legitimados legais, bem como a mitigação da

própria autonomia da vontade dos grupos tutelados, de forma a se conduzir em direção à

máxima da solução efetiva dos conflitos coletivos.

Faz-se pertinente rememorar, inclusive, o ‘princípio da disponibilidade motivada da

demanda coletiva’, aplicável analogicamente ao contexto em análise e segundo o qual (i) não

há ampla discricionariedade na avaliação quanto à propositura ou não da ação coletiva e, (ii)

uma vez ajuizada a ação, não há espaço à desistência infundada ou ao abandono.

Primeiramente, pode-se falar em (i) ausência de discricionariedade absoluta na

avaliação quanto à propositura ou não da ação coletiva, na medida em que, tendo-se operado o

dano coletivo (ou, ainda, na iminência deste), não é facultado aos legitimados (destacando-se,

nesse caso, o Ministério Público, haja vista sua função institucional elencada no art.129, III,

12

O interesse público secundário seria aquele da Administração Pública.

219

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CRFB/88) simplesmente optarem por se quedarem inertes e deixarem de adotar as

providências judiciais pertinentes, sem apresentar qualquer justificativa plausível para tanto.

Nesse sentido, a lição de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

[...] essa obrigatoriedade está predominantemente voltada para o Ministério

Público, já que ele tem o dever funcional de, presentes os pressupostos e

verificada a lesão ou ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo

assim, poderá o Ministério Público fazer um juízo de oportunidade e

conveniência, que equivale a um certo grau de discricionariedade controlada

do agente. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2016b, p.107)

Ademais, (ii) não haveria amplo espaço à desistência infundada ou ao abandono da

ação por parte de algum dos legitimados, uma vez que isso ensejaria ao Ministério Público o

ônus de assumir a legitimidade ativa, exceto se, após juízo de oportunidade e conveniência,

apurar se tratar de demanda “infundada ou temerária” (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2016b,

p.107).

Portanto, uma vez constatado o dano à coletividade, não seria facultado aos

legitimados ativos, como regra, simplesmente optar por não ingressar com a demanda judicial

ou, ainda, desistir da demanda já proposta. Lógica análoga, assim, se aplicaria aos casos de

formulação de pedido de tutela antecipada em caráter antecedente, cujo deferimento, em

decisão apta a se estabilizar, demonstraria, senão, a probabilidade do direito coletivo arguido,

o que corroboraria a inviabilidade aos legitimados extraordinários de meramente se contentar

com o provimento de natureza precária, não imutável, e interromper os procedimentos

judiciais, de forma a não dar prosseguimento com a formulação de pedido definitivo.

De fato, a constatação da probabilidade de existência do direito coletivo, após

cognição sumária do pedido de tutela antecipada antecedente, apenas reforça a necessidade de

aditamento à inicial, nos termos do art.303, §1º, I, CPC/15, a fim de se deduzirem em juízo os

pedidos de mérito, com vistas a se garantir aos titulares do direito coletivo em sentido lato, a

segurança jurídica de uma possível decisão de mérito favorável, com força de coisa julgada.

Por fim, insta considerar, também, que, em grande medida, a razão da efetividade

dos provimentos jurisdicionais em ações coletivas repousa sobre as peculiaridades da coisa

julgada a elas aplicável. Consoante a literalidade do art.103, do CDC/90, irradiam-se de forma

erga omnes os efeitos da coisa julgada formada em ações coletivas em defesa de direitos

difusos e individuais homogêneos (neste último caso, desde que seja a sentença de

procedência), bem como de forma ultra partes os efeitos da coisa julgada formada em ações

em tutela de direitos coletivos stricto sensu. Excepcionam-se a essa regra, apenas as sentenças

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de improcedência por insuficiência de provas, nos casos de direitos difusos e coletivos stricto

sensu, hipóteses em que o próprio ente legitimado poderá ingressar com nova ação coletiva.

A regra é clara ao estabelecer que a irradiação de efeitos, de forma a se atingir

homogeneamente toda a coletividade interessada, aplica-se somente à ‘coisa julgada’ formada

em ações coletivas. Nada se diz, portanto, acerca das demais decisões judiciais não protegidas

pela imutabilidade da coisa julgada. E não poderia se dispor de forma diversa, na medida em

que seria absolutamente desprovido de razoabilidade – sem mencionar, a incoerência com a

ordem jurídica – permitir a irradiação de efeitos erga omnes ou ultra partes às decisões ainda

não transitadas em julgado e, portanto, sujeitas a reforma.

Assim, com fulcro nesta premissa, não se poderia conceber eficácia erga omnes ou

ultra partes às decisões estabilizadas, concessivas de tutela provisória antecipada, em caráter

antecedente, de forma análoga ao que se tem com a coisa julgada. Sobretudo, considerando

tratar-se de decisões fundadas em juízo de probabilidade e, portanto, cognição sumária,

eivadas de precariedade. Assim, se nem mesmo às sentenças e acórdãos não transitados em

julgado e proferidos em ações coletivas após cognição exauriente, se atribui qualquer eficácia

erga omnes ou ultra partes, nos termos da lei, muito menos coerência repousaria sobre a

concessão desses efeitos às decisões interlocutórias lastreadas em cognição sumária.

Em outras palavras, não seria adequado que o ordenamento jurídico admitisse que,

no âmbito da tutela processual coletiva, se pudesse valer da tutela provisória antecipada

antecedente para, de forma célere e independente da abertura prévia de contraditório à parte

contrária, se obter provimentos que, apesar de precários, em todo o restante se equiparariam

às decisões definitivas transitadas em julgado, inclusive quanto à irradiação de seus efeitos.

4. CONCLUSÃO

Percebe-se, portanto, a inadequação da aplicação do instituto da estabilização das

tutelas provisórias à defesa em juízo de interesses de grupo ou coletividades. Não apenas o

referido instituto não se encontraria apto a tutelar adequadamente e de forma definitiva os

interesses coletivos em sentido lato, como também não poderia se revestir dos mesmos efeitos

ampliativos da coisa julgada formada em ações coletivas, o que, em última análise, tornaria a

decisão estabilizada desprovida de relevante potencial de resolução dos litígios coletivos.

Não se vislumbram óbices, contudo, à adoção da sistemática da tutela provisória

antecipada antecedente, pelos legitimados ativos à defesa em juízo dos interesses de

coletividades, contanto que seja feito de forma prévia à dedução dos pedidos de mérito, em

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petição de aditamento à inicial. Ou seja, desde que não se busque, com isso, a estabilização da

decisão concessiva da medida liminar e a extinção prematura do processo.

Apesar de se tratar a estabilização de instrumento processual que, no processo civil

tradicional e voltado à resolução de lides individuais, encontra-se plenamente alinhado com os

propósitos de celeridade, economia processual e acesso à Justiça, sua adoção no âmbito da

sistemática processual coletiva pode se revestir do efeito reverso, no curto ou longo prazo,

destituindo os titulares do direito coletivo lato sensu da segurança jurídica proporcionada pela

coisa julgada formada sobre decisões fundadas em cognição exauriente.

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