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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI Grupo de Trabalho: POPULAÇÕES TRADICIONAIS, PROCESSOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAS NA REBIO DO LAGO PIRATUBA/AP Daguinete Maria Chaves BRITO ([email protected] ) - Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental e Políticas Públicas (PPGDAPP). Wilson José BARP ([email protected] ) - Universidade Federal do Pará (UFPA), Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS). Ana Rosa Baganha BARP ([email protected] ) - Universidade Federal do Pará (UFPA), Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC). Cecília Maria Chaves Brito Bastos ([email protected] )- Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Doutoranda do Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal de Uberlândia.

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE

e PRÉ-ALAS BRASIL

04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI

Grupo de Trabalho: POPULAÇÕES TRADICIONAIS, PROCESSOS

SOCIAIS E MEIO AMBIENTE

NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAS NA REBIO DO

LAGO PIRATUBA/AP

Daguinete Maria Chaves BRITO ([email protected]) - Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental e Políticas Públicas (PPGDAPP).

Wilson José BARP ([email protected]) - Universidade Federal do Pará (UFPA), Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS).

Ana Rosa Baganha BARP ([email protected]) - Universidade Federal do Pará (UFPA), Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC).

Cecília Maria Chaves Brito Bastos ([email protected])- Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal de Uberlândia.

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NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAS NA REBIO DO LAGO PIRATUBA/AP

Resumo O Amapá se destaca pelo percentual de Áreas Protegidas, principalmente Unidades de Conservação (UC). Áreas que, independente de sua categoria e órgão gestor, apresentam conflitos socioambientais. As alternativas adotadas para solucioná-los passam pelos campos político, jurídico e administrativo e os resultados nem sempre são positivos. Com objetivo de buscar alternativas para amenizar ou solucionar os conflitos na Reserva Biológica do Lago Piratuba, foi realizado diagnóstico e simulação de resolução de conflitos socioambientais com emprego de técnicas de mediação, facilitação, conciliação e negociação, tendo como apoio o software Nvivo. Concluiu-se que o emprego dessas técnicas são eficientes, pois há maior comprometimento e devem compor, juntamente com a normatização, arbitragem e jurisdição, as possibilidades de resolução ou amenização dos conflitos socioambientais em UC.

Palavras-chave: Amapá, unidades de conservação, conflitos socioambientais e negociação.

1 Introdução

No Amapá os conflitos socioambientais estão presentes na gestão e

manejo de Unidades de Conservação (UC), independente de sua categoria e

instituição gestora1. São representados por tensões que envolvem utilização

inadequada dos recursos naturais, como: invasões, incêndios (ou queimadas),

desmatamentos, pecuária e agricultura extensiva, pesca e caça predatória,

extrativismos florestais (sem plano de sustentabilidade ou de utilização),

extrativismo mineral, (garimpagem de ouro, tantalita e cassiterita), problemas

fundiários e presença de populações fixas em UC de proteção integral.

As alternativas que os órgãos gestores utilizam para solucionar tais

conflitos passam pelo campo político, como a emissão de leis, normas e

proposição de acordos políticos; por meios jurídicos, como arbitragem e jurisdição

e pela arena administrativa, com o cumprimento da normatização. Opções pouco

eficazes, pois os conflitos relacionados à gestão e manejo de UC vêm

aumentando e como consequência, cresce a degradação ambiental e social.

Os conflitos sociais (incluindo os socioambientais) são imprescindíveis às

relações humanas, e segundo Simmel (1995) é essencial à vida em grupo e para

o desenvolvimento das sociedades. Portanto, deve ser considerado, não apenas

1 UC ambientadas no Amapá: cinco estatuais, quatro geridas pela Secretaria de Estado do Meio

Ambiente (SEMA) e uma pela parceria entre SEMA e Instituto Estadual de Floresta do Amapá (IEF/AP); 12 administradas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), inclusive cinco Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e duas municipais, geridas pelas Prefeituras de Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio.

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sob a perspectiva negativa, mas como um elemento de transformação e de

aprimoramento das relações sociais. São os conflitos e suas negociações que

proporcionam as interações e o desenvolvimento das sociedades.

Para que os conflitos socioambientais proporcionem desenvolvimentos é

necessário utilizar técnicas e metodologias de negociação para amenizar ou

solucionar tensões entre usuários dos recursos naturais e responsáveis pelo

gerenciamento da área. Na Reserva Biológica (REBIO) do Lago Piratuba, entre

equipe gestora e moradores da UC e do entorno que utilizam recursos naturais.

Na negociação desses conflitos é possível o emprego de técnicas como a

mediação, facilitação e conciliação. Estas exigem longo período de tempo e

trabalhoso processo de envolvimento dos atores. Entretanto, os resultados se

demonstram mais eficazes, pois no processo de negociação há maior

comprometimento das partes, havendo a percepção de que na resolução ou

amenização do conflito resulte, não somente a sustentabilidade dos recursos

naturais, mas na própria permanência dos envolvidos com o ambiente.

Mesmo com utilização de técnicas e metodologias de negociação para

resolver conflitos socioambientais, não se devem abandonar os campos político,

jurídicos e administrativos tradicionais, pois a gestão ambiental é complexa e

carece de todos os meios para a sustentabilidade dos recursos ambientais e é um

permanente processo de planejamento e negociação.

2 Histórico do conflito

A REBIO do Lago Piratuba é uma UC que tem histórico de intensos

conflitos socioambientais. Instituída como compensação de degradação ambiental

promovida pelo Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia

(POLAMAZÔNIA), nasceu na essência do conflito entre a implantação de projetos

desenvolvimentistas do governo federal na Amazônia e reivindicações

preservacionistas dos ambientalistas nacionais e internacionais.

A REBIO foi instituída por meio do Decreto Federal nº 84.914/1980, com

área de 395.000 ha. No momento da decretação não houve preocupação de

consultar ou de indenizar as comunidades, posseiros e fazendeiros que residiam

na área. Com a criação da REBIO os moradores passaram a reivindicar direitos,

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pressionando o executivo federal a publicar novo Decreto (nº 89.932/1984),

redefinindo os limites da UC, que passou a ter área de 357.000 ha.

A redefinição da área foi uma tentativa de solucionar os conflitos

existentes, porém, somente pequena parcela de ocupantes2 foi beneficiada,

permanecendo vários usuários dentro da área que, ainda, reivindicam

indenizações. Atualmente a legislação3 prevê que as REBIO são UC de proteção

integral com maior nível de restrição ao uso dos recursos naturais e suas terras

devem ser constituídas de posse e domínio público.

Devido a não solução da situação fundiária, a REBIO concentrou várias

tensões, principalmente relacionadas a queimadas/incêndios, extrativismo animal,

utilização inadequada de rios, lagos e igarapés, agricultura predatória e pecuária

bubalina, demonstrando conflitos envolvendo práticas produtivas e preservação.

Os conflitos socioambientais na REBIO têm grandes possibilidades de

agravamento, pois sua área está inserida na planície costeira, próximo à foz do rio

Amazonas, na Região do Lagos e constitui grande potencial natural, com

destaque para os recursos pesqueiros, pratica do surf4 na pororoca5 e expectativa

de aumento populacional no entorno da REBIO, com a pavimentação da BR 156.

3 Material e Método de negociação

Existem duas opções teóricas de métodos de diagnóstico e simulação de

resolução de conflitos socioambientais que pode ser utilizadas para busca de

solução dos conflitos socioambientais, causada pelo uso dos recursos naturais na

REBIO do Lago Piratuba: métodos da Teoria da Comunicação dos Grupos e

métodos da Teoria da Decisão.

A teoria das comunicações dos grupos é comumente utilizada em

processos de mediação, como a socialização das informações entre distintos

grupos de atores em conflito ou para superar preconceitos e dificuldades na

comunicação entre os envolvidos nas tensões. Na REBIO a possibilidade de

socializar as informações técnicas é precária, em geral, os atores não têm

conhecimento das normas técnicas e legais e dos processos de negociação.

2 Algumas parcelas de fazendas e a Comunidade do Sucuriju foram excluídas da área da REBIO.

3 Lei nº 9.985/2000 – instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

(SNUC). 4 No rio Araguari, um dos limites naturais da REBIO.

5 Onda gigante resultante do encontro das águas do rio e oceano.

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Portanto, a aplicação desta teoria seria prejudicada com o desconhecimento dos

envolvidos.

Para simular a resolução de conflitos socioambientais na REBIO foi

escolhido a Teoria da Decisão. Método que tem objetividade maior e apresenta

dois segmentos que apoiam a resolução dos conflitos. O primeiro se preocupa

com o diagnóstico e se utiliza de várias técnicas como: teoria dos jogos,

hypergame, matagame e teoria do drama ou análise de confrontos. Técnicas que

proporcionam diagnóstico participativo, pois permite o envolvimento de todos os

atores e a confrontação e confirmação dos dados obtidos nos levantamentos. Na

REBIO, a maioria dos habitantes não tem conhecimento técnico e legal da área,

mas conhecem a realidade e os recursos naturais, fundamental para o processo

de negociação.

O segundo segmento se preocupa com o planejamento para a negociação

e resolução dos conflitos, ocasião em que são usadas técnicas como:

mapeamento cognitivo, modelos dinâmicos e abordagem da escolha estratégica,

técnicas que dão suporte à decisão. Nenhuma técnica se define como principal

para negociação e resolução dos conflitos na REBIO, pode ser usada qualquer

uma para alcançar os objetivos específicos da negociação.

A utilização de técnicas para solucionar conflitos socioambientais não são

novidades em países desenvolvidos. Ostrom (1990) e Shields et all (1999)

empregaram a teoria dos jogos, utilizando o dilema do prisioneiro, para analisar o

uso de recursos compartilhados e análise de decisão para equacionar o problema

de gasodutos e oleodutos.

Para Bennett e Cropper (1990), existem diferenças marcantes entre o

diagnóstico das tensões e os métodos de apoio ao planejamento para resolução

dos conflitos. Estas se apresentam a partir do modo como estas duas vertentes

trabalham as incertezas. No diagnóstico do conflito, a incerteza pode ser resolvida

com a descoberta das estratégias, posições e movimentos dos envolvidos. No

planejamento, as incertezas estão relacionadas às necessidades de informações

precisas, orientações políticas e desenvolvimento de relações entre os atores.

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Como suporte para a teoria da decisão utilizou-se o software Nvivo 86 para

elaboração de um mapa cognitivo. O Nvivo é uma ferramenta apropriada para a

elaboração do diagnóstico e planejamento da negociação, pois é um software que

permite análise qualitativa, e admite os processos de comunicação entre os

atores, favorecendo o mapeamento dos envolvidos, a identificação das

estratégias e a definição dos objetivos de negociação.

4 Diagnósticos dos conflitos socioambientais na REBIO do Lago Piratuba

O diagnóstico elaborado a partir da teoria da decisão se justifica por

oferecer subsídios suficientes para a negociação e tomada de decisão com o

propósito de solucionar ou amenizar os conflitos socioambientais na REBIO. É

fundamental na sua elaboração a identificação dos atores, as estratégias que

cada ator utiliza para explorar e conservar os recursos naturais, a análise política,

os possíveis cenários que deverão se apresentar após a negociação e qual o

nível de confiabilidade e credibilidade que cada ator se predispõe a assumir.

Na REBIO foram identificados os grupos de atores envolvidos, as relações

de poder que mantêm entre si, o ambiente e os recursos naturais em disputas,

atividades provocadoras das tensões, conflitos e mediadores e observadores que

participaram do processo de resolução dos conflitos socioambientais7

Com apoio na teoria da decisão e do software Nvivo 8 o diagnostico foi

elaborado a partir de levantamentos bibliográficos, oficinas, entrevistas e

aplicação de questionário. Entretanto, por ser uma simulação, o diagnóstico não é

completo, mas, não é uma peça fictícia, as informações são reais. A seguir, uma

síntese dos principais elementos inerentes aos conflitos na REBIO.

6 O Software Nvivo é uma ferramenta que permite armazenar e organizar documentos que

facilitam a análise de dados qualitativos. Segundo Flick (2004) é um programa que admite a utilização de documentos legais, artigos científicos, boletins informativos, registros de observações diretas, sistematização de entrevistas, levantamentos bibliográficos, vídeos, áudios, além de outros documentos que possam ser transformados em meio digital. É um programa que comporta a indexação, classificação e localização de informações importantes para a verificação no processo de pesquisa. É uma ferramenta com principais, a codificação e a modelização. 7 Utilizado as técnicas: teoria dos jogos, hypergame, matagame, teoria do drama e análise de

confrontos.

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4.1 Envolvidos no conflito

Foram identificados três grupos de atores envolvidos com o dilema entre a

exploração e proteção dos recursos naturais: pecuaristas, que estão na área

desde a criação da UC, com a pecuária bubalina; as comunidades e posseiros

que permanecem dentro dos limites da REBIO e no seu entorno, praticando

diversas atividades com base na utilização dos recursos naturais; e os técnicos do

ICMBio, que tem a função de gerir e manejar a UC de acordo com a legislação.

Os Pecuaristas, enquanto empreendedores negociam quando o risco de

frustração de seus investimentos é evidente ou inevitável, quando o problema

envolve os recursos naturais a negociação pode ocorrer por decisões judiciais,

precariedade das condições ambientais, exigências de órgãos financiadores ou

marketing negativo. Na REBIO a pecuária bubalina extensiva é um marketing

negativo e há dificuldades de acessar recursos financeiros de instituições

governamentais.

Nestas condições os pecuaristas tendem a negociar, pois os riscos são

grandes e iminentes, a correlação de força é desfavorável, a legislação ambiental

prevê a preservação da REBIO e o discurso técnico sensibiliza a opinião pública,

em detrimento da pecuária bubalina. Portanto, estes podem se esforçar para

negociar e solucionar os conflitos socioambientais decorrentes de sua atividade.

As comunidades8 e os posseiros, que habitam a UC e o entorno,

constituem o grupo que têm maior complexidade com relação ao envolvimento

nos conflitos, pois são diferentes e podem ser mobilizadas para negociar ou

podem formar coalizões, mantendo interesses contraditórios e conflitantes

internamente e entre as comunidades. Porém, são os mais prejudicados com a

degradação dos recursos naturais, pois destes dependem sua subsistência.

As dez comunidades tem carências socioeconômicas, portanto, os

problemas ambientais representam, somente, mais uma dificuldade e na escala

de prioridades, não é a primeira. Porém, dos recursos naturais da REBIO

dependem a sua sobrevivência e é possível perceber, por meio dos

levantamentos, que as populações residentes têm os mesmos interesses,

8 Santa Rosa do Araguari, Bom Jesus do Tabaco, Milagre de Jesus do Araguari, Paratu,

Araqueçaua, Bom Amigo do Araguari, São Paulo do Araguari, Lago Novo, Terra Firme e Sucuriju

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idênticos problemas e aparentam disposição para negociar, mesmo que não

conheçam as técnicas e metodologias desse processo.

A equipe gestora (ICMBio), como representante da instituição reguladora

da REBIO, tem papel de mediar os diferentes interesses (pecuaristas,

comunidades e legislação), já que tem a prerrogativa da gestão ambiental, ou

seja, deve administrar os interesses distintos pela via não violenta, com a

participação de todos os atores envolvidos com a UC.

Ressalta-se que os técnicos são atores que podem influenciar

decisivamente na tomada de decisão, pois detêm informações importantes, como

dados técnicos, legais, procedimentais e de tempo, usando em benefício de um

ou de outro grupo. Entretanto, segundo dados coletados, a equipe de cinco

técnicos, mesmo sem recursos financeiros e equipamentos tem interesse em

solucionar os conflitos existentes na REBIO.

Os três grupos de atores compõem, cada um, perfil homogêneo e mantêm

entre os grupos atividades que causam conflitos, são aparentemente coesos e

não formam coalizões internas. Também, não existem processos claros de

embates entre os grupos. Portanto, a possibilidade de negociação é real e pode

ocorre de forma positiva para a sustentabilidade dos recursos da REBIO e para a

permanência das comunidades no seu entorno.

4.2 Relação de poder entre atores

Para avaliar os conflitos socioambientais é necessário analisar as relações

de poder entre os grupos envolvidos, embora na REBIO, seja difícil determinar

com precisão o grau de influência que um tem sobre o outro. Contudo, foi possível

observar que os pecuaristas mantêm como funcionários os comunitários e

posseiros, o que sugere influência nas suas decisões. Entre os técnicos do

ICMBio, comunitários e posseiros a relação de poder é mínima, apenas quando

há fiscalizações e apreensões de seus apetrechos, diferente do que ocorre com

os pecuaristas que exercem suas atividades livremente.

As observações possibilitaram visualizar que os pecuaristas influenciam

fortemente seus funcionários, com ameaça de perda de seus empregos e a

equipe do ICMBio tem razoável controle para com os comunitários (precária

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fiscalização e monitoramento), não tendo a mesma influência em relação aos

pecuaristas.

4.3 Ambiente do conflito

A área da REBIO é um ambiente frágil e extremamente rico em

biodiversidade e seus recursos quando acessados inadequadamente sofrem

grandes danos. Área integrante da planície litorânea, formadas por rios, igarapés

e lagos, sofre influência do Atlântico e tem vários ambientes utilizados para a

agropecuária bubalina, pesca, caça e extração do caranguejo. Apenas, alguns

pontos de difícil acesso ainda não sofrem pressão. Portanto, para a simulação de

resolução de conflito foram considerados os 357.000 ha da UC, as comunidades,

os posseiros e os pecuaristas que habitam a REBIO e o entorno.

4.4 Recursos naturais em disputas

Os recursos naturais da REBIO têm valor de uso e de troca na região e é

comum sua exploração. Para esse exercício os recursos foram agrupados em três

grupos: hídricos (rios, igarapés, lagos e a faixa litorânea), faunísticos (peixes,

caranguejos, camarões, aves e pequenos mamíferos) e florísticos (manguezais,

campos inundáveis e floresta densa de planície aluvial). Entretanto, os recursos

estão inter-relacionados e de acordo com a disputa sofrem grandes ou pequenos

impactos. Porém, a categoria da UC, não permite nenhum tipo de exploração.

4.5 Como ocorrem às disputas

Os conflitos socioambientais na REBIO ocorrem desde sua criação. Um

deles é a questão fundiária não resolvida9 que provoca conflitos, como: pecuária

bubalina, que afeta os recursos hídricos prejudicando a pesca dos usuários; a

pecuária de pequenos animais que invadem as áreas agrícolas; e as

queimadas/incêndios, provocados na época do plantio ou gerados por caçadores

e pescadores que adentram a UC. Entretanto, as principais disputas ocorrem

entre os executores de atividades produtivas (agropecuária e extrativismo) e a

equipe gestora da unidade que tenta cumprir a legislação, porém não consegue

9 Não existe previsão orçamentária para as indenizações e desapropriações na área.

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executar medidas de fiscalização e monitoramento capazes de diminuir a

degradação da natureza.

4.6 Atividades provocadoras de conflitos

De acordo com levantamentos a principal atividade geradora de conflitos

na REBIO é a bubalinocultura, praticada de forma extensiva, principalmente na

região alagada. Essa prática causa grandes destruições ao ambiente natural,

inclusive provocando criação e modificação de cursos d’água. Mas, também,

existe pesca,10 caça e agricultura11 predatória, extração irregular do caranguejo,

deposição de resíduos sólidos e incêndios acidentais e criminosos. Esse conjunto

de atividades degrada o ambiente da UC.

4.7 Principais conflitos

Os levantamentos na REBIO mostram que os principais conflitos

socioambientais incidem sobre todos os recursos (hídricos, faunísticos e

florísticos), estão interligados entre sim e uma única atividade provoca vários

conflitos e um único conflito pode ser causado por várias atividades. Para efeito

metodológico foram agrupados em seis tipos: ausência de regularização fundiária,

bubalinocultura, agricultura rudimentar, caça e pesca predatórias,

queimadas/incêndios e uso inadequado dos recursos hídricos.

4.8 Mediadores e observadores

Para mediar às negociações que podem resultar na resolução ou

amenização dos conflitos socioambientais é imprescindível que a equipe gestora

e o Conselho Consultivo da UC participem de todo o processo, pois são os que

detêm maior conhecimento da área e das relações entre os atores envolvidos na

REBIO. Entretanto, não são os únicos a compor o quadro de negociadores e/ou

observadores. É necessária a participação de técnicos das três esferas públicas

envolvidas, de Organizações Não Governamentais, de especialistas em

negociação e resolução de conflitos e dos tomadores de decisão.

10

Pesca de arrasto e desrespeito ao período do defeso. 11

Uso de técnicas rudimentares, locais inadequados e uso de agrotóxico.

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Analisando os dados dos levantamentos elegeram-se como mediadores

técnicos especialistas em negociação e gerenciamento de conflitos vinculados as

três esferas de governos envolvidos com área. A negociação foi acompanhada de

observadores neutros, capazes de identificar problemas. Os escolhidos para esta

tarefa foram profissionais ligados a Universidade Federal do Amapá, Universidade

Estadual do Amapá, Ministério Público Federal/AP e Ministério Público Estadual

do Amapá.

O diagnóstico deve ser detalhado para que o planejamento da negociação

de resolução dos conflitos tenha êxito. É com base no conhecimento profundo e

claro da área, das atividades que provocam as tensões e das perspectivas e

interesses dos atores que se pode propor a negociação e a resolução dos

conflitos socioambientais.

5 Simulação de resolução de conflitos socioambientais na REBIO

Para o planejamento da negociação e resolução dos conflitos

socioambientais na REBIO do Lago Piratuba utilizou-se os métodos da teoria da

decisão, tendo como ferramenta fundamental o software Nvivo 8. Essa ferramenta

possibilitou elencar as características das tensões a serem resolvidas, as

possíveis propostas de decisão e a seleção de alternativas que contemplam os

diferentes interesses. O principal objetivo foi descobrir os meios para solucionar

os conflitos que afetam diretamente as características socioeconômicas dos

atores e os ecossistemas da REBIO.

Nesta fase foi enfatizada abordagem qualitativa dos conflitos. Foram

mapeados os conhecimentos proporcionados pelo diagnóstico, baseando-se nos

levantamentos bibliográficos, informações técnicas, observações in loco e dados

obtidos com os atores. A partir do mapeamento foi possível elaborar um modelo

para gerenciar os conflitos socioambientais existentes. As técnicas utilizadas para

planejamento e negociação dos conflitos socioambientais da REBIO foram:

mapeamento cognitivo, modelos dinâmicos e abordagem da escolha estratégica.

A técnica ou as técnicas utilizadas resultou da avaliação de cada conflito e

dos atores envolvidos. Com base no diagnóstico foi possível estruturar um modelo

qualitativo, identificando as principais características dos conflitos, permitindo

afirmar que os conflitos recorrentes na UC surgem com a exploração dos recursos

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naturais para a subsistência dos habitantes da área. Com base no diagnóstico

foram identificados os principais conflitos, quando eles acontecem e quem os

provoca. Assim, foi possível, a partir do envolvimento dos atores, propor soluções,

por meio de propostas alternativas como: mediação, facilitação, conciliação e

negociação.

A negociação nesse processo foi priorizada, pois houve necessidade de

buscar soluções conjuntas e firmar acordos entre os interessados, oportunizando

aos atores a emitirem opiniões, discutirem situações e combinarem posições. O

envolvimento permitiu a compreensão, internalização e respeito às decisões e foi

possível prever cenários e grau de confiabilidade e credibilidade que cada ator se

dispõe a assumir.

Para melhor estruturar a simulação de resolução de conflitos foi proposto

um plano de sustentabilidade para a área. As decisões tomadas foram

fundamentadas em procedimentos negociados, com finalidade de minimizar ou

solucionar os conflitos. Neste planejamento os mediadores e observadores

tiveram papel importante, pois deles dependiam o sucesso ou o fracasso da ação.

A seguir uma abordagem sucinta do planejamento, enfocando os principais

conflitos e suas respectivas propostas de soluções.

5.1 Conflitos pela ausência de regularização fundiária

A negociação para solucionar os conflitos advindos da questão fundiária se

baseou em documentos fornecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA), órgão que repassou as terras para criar a REBIO. As

análises demonstram que grande parte da área constituía-se de terras devolutas

pertencentes à União, portanto, não necessitando de indenizações.

O passo seguinte foi à avaliação das estruturas existentes nas fazendas e

posses. A análise considerou as características materiais e imateriais da

propriedade e foi importante para valoração econômica das benfeitorias e

empreendimento, e principalmente para negociar as indenizações com os

fazendeiros. Esta avaliação permitiu a previsão de gastos com a recuperação dos

ecossistemas degradados. Esses dados foram considerados quando das

negociações para as indenizações.

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Outra medida importante para solucionar os conflitos socioambientais

existentes na REBIO foi à destinação de áreas fora de seus limites para a

realocação dos posseiros e comunitários. Era importante que as áreas fossem

semelhantes à de suas posses, que houvesse opções de escolhas e que os

posseiros e comunitários conhecessem todas as áreas destinadas para essa

finalidade. Para atender este objetivo foi necessário elaborar um zoneamento no

entorno da REBIO, definindo os espaços que seriam destinados e as atividades

que poderiam ser desenvolvidas em cada área.

O processo de negociação para realocação dos fazendeiros, comunidades

e posseiros exigiu da nova área infraestrutura básica (fornecimento de energia

elétrica e meios de transportes) e disponibilidade de áreas que os pecuaristas

deveriam adquirir a partir das desapropriações. Estas informações são

importantes para negociar as indenizações e o tempo da realocação.

Nesta simulação as negociações para valorar e efetuar as indenizações

foram bem sucedidas, os pecuaristas, posseiros e comunitários demonstraram

disposição para negociar suas transferências. Os pontos negociados foram:

infraestrutura, valor das indenizações e período para as realocações. Nesta etapa

utilizou-se o Modelo Dinâmico possibilitando definir a política para resolução da

regularização fundiária. Os processos não são simples e nem fáceis, assim foi

necessário consolidar acordos, observar a legislação, criar programas de

monitoramento e fiscalização para acompanhamento das ações.

5.2 Conflitos pela presença do búfalo

A criação extensiva de gado bubalino é o segundo conflito socioambiental

negociado. Pressupõe-se que a regularização fundiária da REBIO foi plenamente

resolvida. Portanto, os búfalos pertencentes aos fazendeiros, posseiros e

comunitários que se fixavam no interior da REBIO não existe mais. O conflito a

ser solucionado é a retirada dos búfalos que estão na UC, mas que pertencem a

criadores que se localizam no entorno da área.

As proposições negociadas foram: disponibilidade de realocação, manejo

confinado do búfalo e substituição do gado bubalino pelo gado bovino confinado.

Nesta negociação os mediadores utilizaram técnicas relacionadas ao Modelo

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Dinâmico, com o objetivo de definir uma política voltada para o equilíbrio do

ecossistema da UC.

Entretanto, neste caso a resolução definitiva do conflito deve acontecer em

longo prazo, pois não se tem um controle efetivo sobre a propriedade dos búfalos,

necessitando, a partir de um determinado período12, de um programa de abate.

Essas medidas devem ser exaustivamente negociadas, observando-se os

procedimentos, acordos e prazos.

5.3 Conflitos gerados pela agricultura predatória

O terceiro conflito a ser resolvido foi o advindo da agricultura que ocorre

dentro da REBIO. É uma tensão que seria amenizada com a resolução da

questão fundiária. Entretanto, existem agricultores que residem fora, mas

cultivam13 dentro da UC. Para que os negociadores alinhavassem as condições

das negociações foi necessário identificar, no zoneamento, algumas áreas para

essa prática.

A principal proposta é que as áreas fossem solicitadas aos municípios

envolvidos, estado e união para a realocação das culturas. A partir da definição

utilizou-se a técnica da Abordagem da Escolha Estratégica, método que trabalha

com as relações entre diferentes decisões, para negociar as transferências das

culturas. Tal como nos casos anteriores, os negociadores ofereceram opções de

espaços, infraestrutura de transporte e assistência técnica para a produção.

Entretanto, um problema a ser avaliado mais detidamente é o manejo

agrícola no entorno da UC. Para atender este aspecto foi necessário alertar os

agricultores sobre os perigos do manejo inadequado das terras (queimadas14 e

utilização de agrotóxicos), que podem afetar diretamente a área da REBIO.

Neste exercício ficou evidente a disposição dos agricultores em remanejar

suas culturas de imediato, já que as culturas são sazonais (com exceção da

fruticultura). Neste caso específico não há necessidade de grandes intervenções

com relação à recuperação da área, pois o ecossistema se recupera

naturalmente, necessitando apenas de monitoramento e fiscalização.

12

Para evitar a procriação natural. 13

As principais culturas são: mandioca, milho, arroz e frutas diversas. 14

As queimadas não controladas podem se tornar incêndios incontroláveis e afetam a REBIO.

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5.4 Conflitos decorrentes da caça e pesca e capturas de caranguejos

A caça, pesca e captura de caranguejos são atividades recorrentes na

REBIO e também, será amenizado com a resolução fundiária. Porém, essas

atividades não se extinguem apenas com a regularização, já que os moradores do

entorno e até de fora do Estado utilizam esses recursos para sua alimentação e

comercialização, portanto, a negociação é mais trabalhosa.

Entretanto, para alcançar os objetivos, a negociação começou com a

destinação de áreas no entorno da UC (zoneamento) para a caça. Foi necessário

que os negociadores trabalhassem a ideia de que a REBIO é um viveiro e que a

finalidade da proteção da área é aumentar o estoque de animais.

Foi negociada a restrição da captura de filhotes de diversos mamíferos de

pequeno porte e a coleta de ovos de quelônios, inclusive fora da UC. Deste

controle depende a permanência dos recursos que são utilizados no entorno. A

negociação se deu, também, com relação às características da captura, que deve

ocorrer para subsistência, no entorno da UC, por moradores da área e abate de

animais adultos (captura seletiva de animais). A última etapa do processo de

negociação relativa à caça foi à proposição de um projeto de manejo das

espécies mais consumidas.

A negociação seguinte foi relativa à pesca, que em geral, ocorre na REBIO,

com apetrechos inadequados e em todo o ano, que neste caso há necessidade

de aplicação da legislação. Entretanto, o processo de negociação ocorreu para

que a população fosse parceira e colaborasse com a conservação das espécies.

Para isso os negociadores apresentaram algumas alternativas, como: a ideia de

que a REBIO é um viveiro15 e a construção de um cadastro de pescadores.

Para melhor definir as características da pesca no entorno da REBIO, os

atores negociaram os tipos de pesca que devem ser restringidas (pesca de

arrasto, malhadeiras fina e período do defeso) e negociaram projetos de

piscicultura16 que ocorrerão em médio prazo. Outro problema negociado foi à

captura do caranguejo. Neste item a negociação teve como base a ajuda

financeira na época do defeso e a proibição da captura de animais em

desenvolvimento. Nesta fase foi utilizada a técnica da Abordagem da Escolha

15

As espécies migram e podem ser capturas fora da REBIO em sua fase adulta. 16

As espécies que os oradores decidiram manejar foram: camarão, pirarucu e tucunaré.

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Estratégica, pois é uma técnica que permite avaliar as realidades locais com base

nas negociações dos atores.

5.5 Conflitos provocados por queimadas/incêndios

Se resolvida a questão fundiária haverá o remanejamento da população

que reside no interior da REBIO, normatização da agricultura17 e restrição da caça

e pesca e captura de caranguejo. Neste contexto, os problemas com as

queimadas serão naturalmente amenizados, pois os maiores provocadores destes

danos são os usuários da unidade. Porém as preocupações com as queimadas

permanecem, pois alguns limites da UC são linhas secas, e é provável, que se

ocorrer queimadas no entorno afete a REBIO. Portanto é necessário conter esta

prática, por meio de assistência técnica, fiscalização e monitoramento.

Entretanto, de acordo com o diagnóstico, não é somente a atividade

agrícola que provoca incêndios na REBIO, existem incêndios provocados a partir

de ação criminosa pelos pescadores e caçadores que exploram a área. Embora

esta situação seja mais de aplicação da legislação que de negociação foi

necessário propor algumas medidas, como por exemplos, acordos para que os

moradores denunciem os invasores e tenha maior fiscalização, controle e

monitoramento via satélite para identificar os focos de incêndios em tempo real.

Neste caso específico a negociação aconteceu com a proposição de

parcerias entre as várias instituições que trabalham com o controle das

queimadas e os comunitários. Portanto, será necessário capacitar agentes das

diversas comunidades para que possam proceder eficientemente as denúncias

quando da ocorrência dos incêndios. É necessário, também, um sistema de

comunicação moderno para que as denúncias cheguem aos órgãos competentes.

Aqui a técnica utilizada foi a Abordagem da Escolha Estratégica.

5.6 Conflitos por uso inadequado dos recursos hídricos

A poluição hídrica recorrente na REBIO será amenizada com a resolução

da questão fundiária, a retirada do gado bubalino do interior da UC, o abandono

das lavouras e a proibição da caça, da pesca e do extrativo predatório do

17 A agricultara é uma das principais fontes do problema, pois na região se pratica queimadas no preparo do solo para o cultivo.

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caranguejo. A partir das negociações destes focos de conflitos a poluição dos

recursos hídricos terá redução significativa.

Entretanto, existem atividades que provocam dano aos lagos, igarapés e

rios que ainda não foram contemplados nas negociações anteriores, como é o

caso da deposição de resíduos sólidos. Para solucionar este problema foi

proposta a elaboração de programas de educação ambiental para a área, com a

participação efetiva dos moradores e dos técnicos vinculados a REBIO. Nesta

negociação utilizou-se Abordagem da Escolha Estratégica para definir as ações.

A simulação de resolução de conflitos na REBIO do Lago Piratuba, (Figura

1) não foi tarefa fácil, pois muitas atividades provocadoras de conflitos são

praticadas diariamente e sem a percepção, por parte dos usuários, que oferecem

riscos e conflitam com a categoria de manejo da UC.

6 Tomada de decisão

A partir das negociações dos conflitos socioambientais foi possível

estruturar um modelo para a resolução dos conflitos presentes na gestão da

Figura 1 - Simulação de negociação e conflitos socioambientais na REBIO do Lago Piratuba.

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REBIO. Com o auxílio do software Nvivo 8 foi presumível a tomada de decisão. A

partir dos levantamentos, do diagnóstico, dos principais conflitos e das prováveis

negociações foi elaborado o mapa cognitivo dos conflitos socioambientais

recorrentes na REBIO.

Com a negociação pode-se formular prognósticos para a resolução dos

conflitos na REBIO. Este esforço metodológico é indispensável para que a UC

alcance seus objetivos legais de preservação dos recursos naturais. Entretanto,

foi evidenciado, também, que a gestão e manejo dos recursos naturais da área

ocorram em parceria com os usuários e moradores do entorno da REBIO. Estas

ações permitem o comando e controle da UC.

Neste contexto foi possível delinear um mapa cognitivo do processo de

resolução dos conflitos socioambientais na REBIO. As resoluções dos conflitos

estão proporcionalmente apoiadas nas ações de comando e controle e na

aplicação da legislação.

As ações de comando e controle vislumbram o monitoramento,

fiscalização, efetividade do conselho consultivo, programas de ecoturismo e

elaboração de plano de utilização para algumas espécies. A aplicação da

legislação ocorre a partir da elaboração do plano de manejo, disponibilidade de

recursos técnicos e financeiros, estruturação física e projetos de educação

ambiental, como mostra a Figura 2.

Figura 2 - Mapeamento da resolução de conflitos na REBIO do Lago Piratuba.

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Em síntese, para a resolução dos conflitos socioambientais na REBIO do

Lago Piratuba foi necessário identificar os conflitos, realizar negociações a partir

de métodos estruturados e envolver as comunidades, posseiros, fazendeiros e

técnicos, para que ponderando conseguissem analisar os conflitos e propor as

alternativas de solução.

É evidente que se a negociação na REBIO fosse executada, os conflitos

não terminariam imediatamente, pois a gestão dos recursos naturais e dos

próprios conflitos socioambientais são procedimentos contínuos e permanentes e

deve se está atento a todas as ações e reações que cada atividade, projetos e

programas podem provocar na área. É indispensável, também, contar com a

colaboração e envolvimento permanente dos atores envolvidos, para que o

sucesso das negociações não termine logo após a negociação.

Considerações

As metodologias de negociação permitem ampla participação dos atores

envolvidos no ambiente do conflito, possibilitando a coleta de informações e

discussão de posições, isso facilita a tomada de decisão para solucionar os

conflitos inerentes à área. O envolvimento do conjunto de atores é fundamental,

pois é comum o Estado determinar medidas e normas, e estas não serem

cumpridas. Quando há o comprometimento dos atores, as decisões são

compreendidas, internalizadas e respeitadas.

Os conflitos socioambientais concernentes à gestão e manejo de áreas

legalmente protegidas não podem ser solucionados apenas com as metodologias

de negociação. É necessária a disponibilidade do Estado em cumprir as normas

estabelecidas para alcançar a conservação das áreas, como disponibilidade de

recursos financeiros, capacitação de equipes técnicas e fornecimento de

equipamentos, dentre outros.

A utilização de métodos adequados que propiciam a solução de conflitos

poderá auxiliar os diferentes usuários e gestores que estão envolvidos com a

gestão e manejo de UC. O uso destas metodologias melhora o ambiente natural e

a qualidade de vida, tanto dos empreendedores (evitando riscos de seus

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negócios), como de comunidades que sobrevivem dos recursos naturais advindos

das áreas, além de proporcionar a sustentabilidade da natureza.

Entretanto, é necessário internalizar que a negociação de conflitos

socioambientais é um processo e as atividades devem ser planejadas e

replanejadas constantemente. São ações que minimizam os conflitos e

disponibilizam estratégias mais eficientes para garantir a permanência da

diversidade biológica e o desenvolvimento socioeconômico das populações

locais. Estas estratégias devem envolver o diálogo, a sensibilização, a

compensação, além do monitoramento e da fiscalização. É indispensável manter

os recursos ambientais e os processos ecológicos, entretanto, é primordial

garantir a sustentabilidade social, econômica e cultural das populações envolvidas

com as UC.

Referências

BENNETT P. and CROPPER S; Uncertainty and Conflict: Combining Analysis and Strategic Choice; in Journal of Behavioral Decision Making vol 3; John Wiley & Sons; 1990; Chichester U.K.

FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre, Bookman, 2004.

OSTROM, Elinor. Governing the Commons; Cambridge University Press. Cambridge, 1990.

SHIELDS, Deborah, TOLWISKI Boleslaw & KENT, Brian. Models for conflict resolution in ecosystem management. Socio Economics Planning Science 33; Pergamon Elsevier Science, 1999.

SIMMEL, Georg. Le Conflit. Paris: Circé, 1995.