xiv semana de geografia e ix encontro de estudantes de

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XIV Semana de Geografia e IX Encontro de estudantes de licenciatura em Geografia

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XIV Semana de Geograf ia e IXEncontro de estudantes de licenciaturaem Geografia

ÍNDICE

A Atuação Do Pnae No Município De Nova Andradina- Ms 1

A Cerâmica Do Sítio Arqueológico Piracanjuba Como Elemento Diagnóstico NoEstudo Do Sistema Regional De Ocupação Guarani Do Vale Do Rio Parapanema,Sp

8

A Informalidade Do Trabalho: Condição De Reprodução Do Desemprego ERealização Do Capital

14

A Localização Do Programa Minha Casa Minha Vida Em Cidades Médias 20

Análise Da Variação Termohigrométrica No Espaço Intra-Urbano De PresidentePrudente/Sp

26

Análise E Interpretação Dos Materiais Cerâmicos Do Sítio Arqueológico Turvo V-B,Norte Do Estado De São Paulo

34

Apostila Museu-Escola: Divulgação Para As Escolas Da Região De PresidentePrudente.

40

Avaliação Das Condições Atuais Do Teor De Chumbo No Solo Com Base NosParâmetros Da Resolução Conama 420/09, Em Caçapava-Sp

47

Bacia Do Rio Grande/Turvo: Análise Geoarqueológica De Sítios Pré Históricos 53

Classificação Via Cnefe E Cnae Como Recurso Da Geografia Do Comércio:Análises Em Londrina-Pr, Presidente Prudente-Sp E Ribeirão Preto-Sp

61

Clima Urbano Em Presidente Prudente/Sp: Diferenças Térmicas E HigrométricasEm Abril De 2011, Às 0h

65

Crescimento Populacional E A Valorização Imobiliária No Distrito Sede Da CidadeDe Três Lagoas – Ms

70

Dataluta Estrangeirização: Análise Sobre A Estrangeirização De Terras No Brasil 74

Diferenças Na Temperatura E Umidade Relativa Do Ar Em Áreas Urbana E RuralNa Estação Da Primavera

79

Em Busca Do Entendimento Geográfico Da Degradação Do Trabalho: UmaAproximação Teórica Crítica

85

Ensino De Geografia E A Metodologia De Freinet: A Prática Do Turismo Pedagógico 91

Episódios Climáticos Extremos E Sua Repercussão Na Imprensa De PresidentePrudente-Sp: Setembro De 1995

97

Estangeirização De Terras Brasil-Moçambique: O Prosavana 104

Eventos Extremos De Precipitação E Suas Repercussões Socioespaciais NoMunicípio De Ubatuba/Sp

110

Importância Da Cobertura Vegetal Em Vertentes: Da Fisiologia À Função 116

Mapeamento Geomorfológico Do Município De Estrela Do Norte-Sp 121

Mudanças Na Paisagem E Os Reflexos No Clima: Primeiras Referências Sobre AModificação Da Atmosfera No Ambiente Urbano De Londres

127

O Avanço Do Agrohidronegócio Canavieiro No Pontal Do Paranapanema E AMigração Do Trabalho Para O Capital

134

O Contexto Da Produção Agroecológica No Assentamento Guarani –Sandovalina/Sp

140

O Desenho Urbano E Suas Interferências Espaciais Na Qualidade AmbientalUrbana Na Cidade De Jales/Sp

144

O Gerenciamento Dos Resíduos Sólidos: Diagnóstico De Santo Anastácio 149

O Programa De Aquisição De Alimentos (Paa) No Pontal Do Paranapanema:Possibilidades, Limites E Desafios

155

O Programa Nacional De Alimentação Escolar (Pnae) No Município DePirapozinho/Sp

161

Os Jovens No Município De Caiabu-Sp: As Perspectivas Em Termos De Emprego EVida

167

Prodoção Imobiliária E Produção Do Espaço Urbano: Uma Análise A Partir DaImprensa Especializada

173

Projeto “Currículo É Cultura – Fde Lugares De Aprender&Quot; 179

Qualidade Ambiental Diferenciada Em Presidente Prudente/Sp: AnaliseComparativa De Indicadores Geoambientais Nos Bairros Watal E Jardim Caiçara.

185

Recuperação De Áreas Degradadas Por Erosão Hídrica Em PropriedadesProdutoras De Café Nos Municípios De Getulina E Vera Cruz-Sp

191

Sertãozinho (Sp) E Seu Eixo De Desenvolvimento 197

Transportes Coletivos Urbanos: Uma Análise A Partir Da Crescente Demanda PorTransporte Individual

203

Um Estudo Sobre As Concessionárias De Automóveis Em Presidente Prudente (Sp) 209

1

A ATUAÇÃO DO PNAE NO MUNICÍPIO DE NOVA ANDRADINA- MS1

Jodenir Calixto Teixeira / CPNA-UFMS

[email protected]

Paulo Sérgio D`Alkmin Filho / CPNA-UFMS

[email protected]

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1990 surgiram políticas públicas mais direcionadas a agricultura familiar no Brasil, incentivando a produção, a infraestrutura, a assistência técnica e a capacitação do produtor. Dentre esses programas se destacam: o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o PAA (Programa de Aquisição de alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

Este texto originou-se dos resultados da pesquisa desenvolvida junto à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), câmpus de Nova Andradina (CPNA) entre os anos de 2011 e 2012. Buscamos, com esse trabalho, entender como está ocorrendo à adequação da Prefeitura Municipal de Nova Andradina à Lei nº 11.947/2009, dando ênfase à aquisição de alimentos produzidos pelos agricultores familiares do município. Procuramos demonstrar as dificuldades encontradas tanto pelo órgão municipal para a aquisição, como pelos produtores para produzir e distribuir esses alimentos nas unidades educacionais, fazendo com que o município atinja a meta primária de que 30% dos repasses federais sejam gastos em alimentos fornecidos pela produção familiar, de preferência local. Para alcançarmos aos nossos objetivos utilizamos os seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa bibliográfica para a seleção de autores que discutem temas como a agricultura familiar, as políticas públicas e a alimentação escolar, para o embasamento teórico-científico; leituras e fichamentos da bibliografia pesquisada; trabalho de campo para a coleta de dados, mediante a aplicação de questionários e realização de entrevistas com produtores familiares e autoridades municipais; tabulação dos dados coletados, análise e apresentação dos resultados.

BREVE CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O município de Nova Andradina-MS apresenta uma área territorial de aproximadamente 4.776 Km², possuindo uma população de 45.585 habitantes segundo os dados do censo demográfico do IBGE de 2010. Está localizado a sudeste de Mato Grosso do Sul (figura 1) e faz limite com nove municípios, sendo: Anaurilândia, Angélica, Bataguassu, Batayporã, Taquarussu, Nova Alvorada do Sul, Novo Horizonte do Sul, Ivinhema e Ribas do Rio Pardo. Em seu relevo sobressaem os planaltos levemente ondulados, o solo predominante é o latossolo vermelho-escuro, a vegetação natural que predomina é o cerrado e seu clima, na classificação de köppen, é o Aw, com verões chuvosos e invernos secos.

A economia do município se baseia na produção agropecuária, com forte tendência para a expansão da cana-de-açúcar atualmente.

1 Eixo Temático: Geografia Rural e Agrária

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Figura 1: Localização do Município de Nova Andradina-MS

Em relação à agricultura familiar no município de Nova Andradina-MS, segundo informações obtidas na Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (AGRAER), se caracteriza pela produção extensiva de leite, seguida pelo gado de corte, o cultivo da mandioca, a horticultura e a fruticultura. Está em implantação no município a Cooperativa do Assentamento Santa Olga (COOPAOLGA), criada em 17 de novembro de 2009, objetivando beneficiar todos os agricultores familiares do município, sendo necessário apenas que o agricultor familiar se associe e participe do projeto.

O município possui três assentamentos: Casa Verde, 17 de Abril e Santa Olga. Esse último é o maior fornecedor de verduras, legumes e frutas para a alimentação escolar da rede municipal de ensino. Alguns desses produtores utilizam os recursos do PRONAF.

A PRODUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES PARA O PNAE EM NOVA ANDRADINA-MS

Por meio de levantamentos de dados, entrevistas e questionários realizados com os próprios agricultores familiares e agentes públicos responsáveis pelo desenvolvimento da agricultura familiar, analisamos a situação atual da produção familiar, que é de grande importância para o desenvolvimento econômico, social e para a segurança alimentar do município de Nova Andradina-MS.

Foram aplicados treze formulários de um questionário junto aos agricultores familiares de Nova Andradina-MS. Os agricultores que responderam ao questionário foram aqueles que atenderam à chamada pública e estão produzindo e vendendo seus produtos ao PNAE, porém a produção desses agricultores não é exclusiva para atender a esse programa. A metodologia aplicada se deve a especificidade do trabalho que envolve apenas os agricultores familiares que atendem ao PNAE e não aqueles que produzem para o comércio local e agroindústrias.

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Inicialmente, encontramos uma grande diferença entre o número de famílias que são habilitadas (famílias que possuem a Declaração de Aptidão ao PRONAF- DAP) e as famílias que produzem e fornecem ao PNAE, conforme a tabela 1.

Tabela 1: Proporção das famílias que participam do PNAE em relação ás famílias habilitadas

Número de Famílias %

Famílias habilitadas ao PNAE

714 100

Famílias que participam do PNAE

13 1,83

Total de famílias habilitadas que não participam do PNAE

701 98,17

Fonte: AGRAER

Organização: Paulo Sérgio D’Alkmin Filho (maio de 2012).

Ao analisarmos a tabela 1 podemos constatar que apenas 1,83% das famílias habilitadas fornecem ao PNAE do município, enquanto a maioria, 98,17% de famílias habilitadas, não fornece, sendo que muitos produzem alimentos que entram na pauta alimentar do PNAE, mas ou não têm interesse ou não têm conhecimento dessa reserva de mercado existente aos seus produtos.

A Prefeitura Municipal de Nova Andradina realiza duas chamadas públicas ao ano, podendo realizar outras conforme a necessidade. Isso ocorre por edital publicado com antecedência mínima de cinco dias, em jornal de circulação regional, afixado no mural localizado nas dependências do paço municipal e distribuído aos escritórios da AGRAER, nos municípios da região.

A falta de participação dos agricultores familiares no atendimento às chamadas públicas em Nova Andradina-MS pode estar ligada a maneira como ela é divulgada, não chegando ao principal interessado que é o agricultor familiar, que não tem hábito de ler jornal e frequentar o paço municipal. Mesmo assim, pudemos notar um aumento no fornecimento de produtos da agricultura familiar para o PNAE do início da implantação do programa no município até o momento atual.

A partir de dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto pudemos comparar a evolução das aquisições feitas pela Prefeitura Municipal de Nova Andradina-MS, desde o primeiro semestre do ano de 2010 até o primeiro semestre de 2012, que são apresentados na tabela 2.

Tabela 2: Evolução das aquisições de produtos da agricultura familiar pelo PNAE em Nova Andradina-MS

Anos 2010 2011 2012

Semestres 1º 2º 1º 2º 1º

Número de Famílias

3 4 5 8 11

Valores (R$) 4.184,55 13.748,63 23.956,80 47.740,00 87.420,60

Total das Aquisições (R$)

17.933,18 71.696,80 87.420,60

Fonte: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto.

Organização: Paulo Sérgio D’Alkmin Filho (maio de 2012)

Observamos que, no ano de 2010, a aquisição de produtos da agricultura familiar pelo PNAE foi de R$ 17.926,09, o que corresponde a 13,62% dos 30% que a lei exige. Os 30%

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4

do total dos repasses federais feitos ao município corresponde a R$ 131.616,00, sendo o valor total dos repasses R$ 438.720,00. Nota-se que o município não atingiu o mínimo exigido, conforme a Lei 11.947/2009. Nesse ano apenas sete famílias atenderam às chamadas públicas realizadas, após várias reuniões realizadas na AGRAER e no assentamento Santa Olga.

No ano de 2010 esses agricultores forneceram seis produtos ao programa: alface, cheiro verde, couve manteiga, beterraba, cenoura e mandioca, mas não atenderam em quantidades suficientes que suprissem as necessidades desses produtos, sem precisar adquirir de outros produtores.

No ano de 2011, o valor adquirido aumentou em 74,9% em relação ao ano de 2010, passando a R$ 71.696,80 e chegando a 53,43 % do exigido pela Lei, sabendo-se que 30% do total dos repasses federais feitos ao município no ano de 2011 para o PNAE foi de R$ 134.172,00. Portanto, mesmo aumentando os valores aplicados com a aquisição de produtos da agricultura familiar, ficaram longe do objetivo.

As possíveis causas desse fato são: a falta de interesse de grande parte desses agricultores devido a não participação das reuniões que acontecem para esclarecimento sobre a Lei 11.947/2009, a falta de estrutura de produção, a desconfiança que existe no poder público municipal e a falta de meios para distribuir esses produtos, já que a distribuição de é feita com veículos próprios dos produtores, pois o poder público não dispõe de meios de transporte para disponibilizar a esses agricultores.

O número de famílias envolvidas subiu de sete em 2010 para 13 em 2011, quase que duplicando o número, apesar de ser incipiente.

Após o primeiro ano de incertezas e desconfianças por parte da maioria dos agricultores familiares de Nova Andradina-MS e apesar de ainda não atingirem a meta dos 30%, houve melhorias na produção familiar, pois o número de itens oferecidos passou de seis para onze: alface, beterraba, cheiro verde, cenoura, couve manteiga, mandioca, abóbora verde, almeirão, chuchu, batata doce e abacaxi.

No primeiro semestre de 2012 o valor aumentou de apenas R$ 17.926,09, no ano de 2010, para R$ R$ 87.420,60, sendo que, somente no primeiro semestre de 2012, o número de famílias envolvidas no fornecimento de produtos da agricultura familiar para o PNAE da rede municipal de ensino foi de 11, existindo a expectativa do aumento desse número e valores no segundo semestre, devido à entrada em funcionamento da miniusina de pasteurização de leite da Coopaolga e a participação na chamada pública número 2 de produtores do assentamento Teijim que, segundo a AGRAER, estão sendo preparados para produzir melancia, mel, mamão e hortaliças.

No primeiro semestre de 2012 os agricultores familiares de Nova Andradina-MS, participaram da primeira chamada pública do ano com quatorze itens, sendo, alface, abóbora, berinjela, beterraba, cheiro verde, chuchu, couve manteiga, limão, mandioca, melancia, pimentão, repolho, batata doce, ou seja, mais que o ano de 2011 (tabela 3).

Apesar do aumento verificado nesse curto espaço de tempo do fornecimento de produtos da agricultura familiar para o PNAE da rede municipal de ensino, existe muito a ser feito ainda, pois dos treze agricultores entrevistados, nove disseram não possuir qualquer assistência técnica e quatro disseram que possuem assistência técnica, sendo dois de empresa de consultoria e dois da AGRAER.

Essa falta de assistência técnica pode ser causada pela falta de profissionais capacitados a trabalhar com essa modalidade de agricultores e o número baixo desses técnicos, considerando o total de pequenas propriedades do município.

Existe também a falta de um local apropriado para que esses agricultores familiares entreguem suas mercadorias para que aconteça a seleção e distribuição dos mesmos para as unidades educacionais.

Os produtos adquiridos para o PNAE são transportados por conta dos produtores, não havendo nenhuma ajuda por parte da administração para este fim.

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Tabela 3: Produtos fornecidos pela agricultura familiar ao PNAE no período de 2010 ao primeiro semestre de 2012 no município de Nova Andradina-MS

Produtos 2010 2011 2012

Abóbora** ---- 1100 800

Alface* 1946 2730 9450

Batata doce** ---- 500 2130

Berinjela** ---- ---- 270

Beterraba** 340 135 1280

Cenoura** 1409 760 ------

Cheiro verde* 869 2239 2980

Chuchu** ---- 200 1070

Couve manteiga* 980 2233 3418

Limão** ---- ---- 1900

Mandioca** 1918 3572 2000

Melancia** ---- ---- 4000

Pimentão** ---- ---- 2060

Repolho** ---- ---- 1000 * Quantidades em maços. **Quantidades em quilogramas. Fonte: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto. Organização: Paulo Sérgio D’Alkmin Filho (maio de 2012)

A Resolução nº 38 de 16/07/2012 em seu artigo 20, não obriga a aquisição de alimentos orgânicos, mas solicita a preferência a esses alimentos. Uma dificuldade existente para garantir a qualidade dos produtos é a falta de laboratórios específicos para a análise dos componentes e contaminantes químicos presentes nos alimentos e a fiscalização ineficiente nas áreas produtivas.

Mesmo com as dificuldades encontradas por esses agricultores, a agricultura familiar no município de Nova Andradina-MS vem aumentando sua produção e, na atualidade, fornece alimentos de boa qualidade para todas as unidades educacionais da rede municipal de ensino, em um total de 13 unidades que atendem o ensino fundamental, nove unidades que atendem a creche e educação infantil e 3 entidades filantrópicas que atendem creche, educação infantil e ensino fundamental.

Com o fornecimento de verduras, legumes e frutas da agricultura familiar, foi aumentada a quantidade de alimentos, ricos em fibras, vitaminas e sais minerais na dieta dos estudantes, que anteriormente ingeriam quantidades menores desses nutrientes. Aumentando o aporte dos nutrientes, o programa tem também como objetivo melhorar a situação nutricional desses estudantes e estimular os bons hábitos alimentares da população, diminuindo os riscos de desenvolvimento de doenças cardíacas, diabetes, obesidade, hipertensão arterial e o câncer.

O programa almeja um atendimento cada vez maior a rede municipal de ensino, com produtos advindos da agricultura familiar, aumentando a quantidade de produtos adquiridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PNAE) no município de Nova Andradina-MS é inegável, porém essas ações ainda estão “engatinhando”, pois notamos um grande desinteresse, tanto do poder público nas três esferas, quanto da sociedade de um modo geral, na reversão dessa situação. Esse fato é visto claramente quando observamos que os agricultores familiares não recebem a devida atenção por parte dos governantes, no que se refere á assistência técnica necessária para que a sua produção seja aumentada e melhorada.

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Os números irrisórios de participantes nas chamadas públicas mostram a falta de divulgação eficiente do processo de aquisição dos produtos pelo PNAE, mas também o desinteresse ou a falta de confiança nos dirigentes governamentais. A deficiência em relação às infraestruturas existentes para a produção, o armazenamento e a distribuição desses produtos até o mercado consumidor é outro fator que dificulta o bom funcionamento do programa. A falta de conhecimento por parte do agricultor quanto ao funcionamento do PNAE também diminui o rol de pequenos produtores que fornecem produtos ao programa. Isso demonstra claramente a ineficiência da divulgação do PNAE no município. Para exemplificar, não conseguimos ver uma preocupação por parte dos bancos em divulgar as facilidades dos créditos advindos do PRONAF para os pequenos agricultores, mediante juros baixos. Mesmo em instituições financeiras estatais, essa divulgação é inexistente ou imperceptível. E mesmo o próprio agricultor familiar se intimida a fazer empréstimos, devido ao longo histórico de injustiças e constrangimentos sofridos por esses agricultores. A melhor divulgação das políticas públicas destinadas ao pequeno produtor, através de cartilhas, folders distribuídos aos filhos desses agricultores nas escolas rurais, reuniões com agentes bancários e profissionais ligados ao PNAE para esclarecimentos, propagandas radiofônicas e melhor atuação das agências governamentais responsáveis pela assistência técnica, além de investimentos na logística de apoio (armazenamento e distribuição desses produtos) seriam ações que influenciariam de modo positivo a produção familiar rural de Nova Andradina-MS, bem como em outros municípios brasileiros. Diante das questões levantadas neste trabalho, concluímos que existe a possibilidade de um melhor desenvolvimento da agricultura familiar de Nova Andradina-MS. Porém, falta uma melhor conscientização da sociedade e de seus dirigentes sobre a importância de dar condições a esses agricultores para produzirem e comercializar seus produtos no município e em outras regiões. Em um município carente de oportunidades de trabalhos, promover o desenvolvimento da agricultura familiar pode representar novas oportunidades de empregos, além de garantir a fixação dessas famílias no campo. O bom funcionamento do PNAE promoveria essas mudanças tão importantes para a economia dessa região.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Jordana Cristina Barbosa. A organização e o desenvolvimento das relações sociais dos assentados no P.A. Casa Verde-MS (1989- 2009). Monografia (graduação em

História), Nova Andradina: UFMS, 2011. ANTUNES, Maryna Vieira Martins; HESPANHOL, Rosângela Ap. de Medeiros. O Programa de Aquisição de Alimentos no município de Dracena. In: Caderno Prudentino de Geografia. n. 33, v. 22, 2011, p.101-122.

BRASIL – IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário de 2006. Disponível em: HTTP://www.ibge.gov.br/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/default.shtm. Acesso em: 10/09/2011. BRASIL – IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010. Disponível em: HTTP://www.ibge.gov.br. Acesso em: 10/09/2011.

BRASIL – MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNaTER). Disponível em:

HTTP://www.mda.gov.br/portal/saf/programas/assistenciatecnica/2522569. Acesso em: 10/09/2011.

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CAMUCI, Marisa, Estudo da organização produtiva do assentamento Santa Olga no município de Nova Andradina- MS. Monografia (graduação em Geografia), Nova

Andradina: UFMS, 2010. DENARDI, Reni António, Agricultura familiar e políticas públicas: alguns dilemas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável. In: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. n.3, v.2, Porto Alegre, Jul./Set. 2001, p.56- 62.

STEFANINI, Maria Lucia Rosa, Merenda Escolar: história, evolução e a contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Disponível em:

HTTP://www.isaude.sp.gov.br/teses/malu97.pdf. Acesso em 13/01/2012. TEIXEIRA, Elenaldo Celso, O papel das políticas públicas no desenvolvimento local e na transformação da realidade. Disponível em:

HTTP://www.fit.br/home/link/textos/politicas_publicas.pdf. Acesso em: 20/11/2011. VENANCIO, Marcelo. Agricultura Familiar: diferentes interpretações e territorialidades. Disponível em: HTTP://mirante.110nb.com/4ed/6508.pdf. Acesso em: 20/05/2011. VIEIRA, Débora de F. A.; VIANA, Carla A. dos S.. O Programa de Aquisição de Alimentos- PAA e sua relação com o modo de funcionamento da agricultura familiar. Disponível em: HTTP://www.conab.gov.br/olalaCMS/upload/arquivos98d489686768a24d24fa7f0d1acabf81.pdf. Acesso em: 26/05/2012.

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A CERÂMICA DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO PIRACANJUBA COMO ELEMENTO DIAGNÓSTICO NO ESTUDO DO SISTEMA REGIONAL DE OCUPAÇÃO GUARANI

DO VALE DO RIO PARAPANEMA, SP

Luzia Carolina Bezerra Salomão/ FCT-UNESP1 E-mail: [email protected]

Neide Barrocá Faccio E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A cerâmica é um dos elementos que caracterizam a tradição arqueológica e,

em alguns casos, grupos étnicos. Apresenta-se o estudo da cerâmica arqueológica do

Sítio Piracanjuba, localizado no Município de Piraju/SP, no médio curso do Rio

Paranapanema, entre as Represas de Xavantes e Jumirim. O sítio arqueológico está

localizado nas coordenadas UTM: 7443546 N/654963 E e 7439246 N/662054 E

(Figura 1).

Figura 1: Localização do Sítio Arqueológico Piracanjuba, Município de Piraju, SP.

Fonte: Morais, 2006, p. 201.

O estudo da cerâmica do Sítio Piracanjuba possibilitou associá-lo a grupos

Guarani e, em consequência, verificar que esse sítio pertence ao Sistema Regional de

Ocupação Guarani do Vale do Rio Paranapanema.

O material cerâmico do Sítio Arqueológico Piracanjuba foi encontrado durante

escavações realizadas na abertura de valas para depósito de lixo pela Companhia

1 Bolsista PIBIC/CNPq.

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Brasileira de Alumínio (CBA). O Sítio Piracanjuba é pesquisado desde 2000, sob a

coordenação do Prof. José Luiz de Morais, do Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universidade de São Paulo (MAE/USP). O estudo desse sítio é parte do Programa de

Salvamento Arqueológico da UHE Piraju, desenvolvido pelo Projeto Paranapanema

(ProjPar), iniciado em 1968. Desde a década de 1980, o projeto é coordenado pelo

Prof. José Luiz Morais.

Nesse contexto, Morais (1979) descreve as pesquisas realizadas nas áreas

dos sítios arqueológicos do Município de Piraju/SP, ressaltando que esses

“proporcionam, ainda, dados significativos para o levantamento dos espaços

habitacionais pré-históricos em Arqueologia Brasileira” (MORAIS, 1979, p. 220).

No período de 2001 a 2005, 15.288 fragmentos de cerâmica da área do Sítio

Piracanjuba foram analisados por Faccio (2001, 2003 e 2005). Os 15.288 fragmentos

cerâmicos são provenientes de três fundos de habitações e entorno. A contribuição de

nossa pesquisa reside na verificação da possível relação existente entre decoração e

forma das bordas das vasilhas Guarani do sítio arqueológico em apreço. Como na

área desse sítio só foram evidenciados fragmentos de cerâmica, utilizamos os

fragmentos de borda para a reconstituição gráfica2 da forma das vasilhas.

Os grupos Guarani, pertencentes ao Sistema Regional de Ocupação Guarani

e à família linguística Tupiguarani, ocuparam a Bacia do Rio Paranapanema. Esses

indígenas praticavam a agricultura e confeccionavam sua cerâmica.

De acordo com Morais, “os sistemas regionais de assentamento poderiam ser

definidos como sítios ou conjuntos de sítios de certa região, demonstrando relações

concomitantes por contemporaneidade, similaridade ou complementaridade”

(MORAIS, 1999/2000, p. 202).

RESULTADOS

Para o estudo das decorações expressas nas vasilhas Guarani, utilizou-se a

metodologia desenvolvida no LAG, para o estudo da cerâmica pintada da área do Vale

do Rio Paranapanema (FACCIO, 2011). Nesse sentido, utilizou-se várias técnicas,

entre as quais o decalque, o scanner e a reconstituição digital das decorações

contidas nos fragmentos cerâmicos, com o auxílio do software Corel Draw.

Na análise tecnotipológica do material cerâmico, foram identificadas as

categorias: base, borda, borda com suporte para tampa, parede, parede com furo de

suspensão e rolete fragmentado, totalizando 146 fragmentos cerâmicos.

2 As peças, objeto de estudo, estão na reserva técnica do Laboratório de Arqueologia Guarani

da FCT/UNESP, sob a coordenação da arqueóloga Neide Barrocá Faccio.

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Identificou-se, na coleção em estudo, um fragmento de prato dividido. De

acordo com Ribeiro et al. (2009), as vasilhas especiais como pratos divididos podem

ter sido utilizadas em duas ocasiões: rituais religiosos e em processos de

aprendizagem.

Das 37 bordas identificadas no Sítio, apenas dez possibilitaram a

reconstituição gráfica da forma da vasilha. Os dez fragmentos de borda apresentaram

a presença de motivos gráficos (Figura 2).

Figura 2: Reconstituição gráfica da forma das vasilhas. Sítio Arqueológico Piracanjuba, Município de Piraju, SP.

Pesquisou-se documentos e estudos em geral sobre a etnografia e etno-

-história da cerâmica Guarani, a fim de correlacionar esses dados com os dados

obtidos a partir da análise da cerâmica do Sítio Arqueológico Piracanjuba. Nesse

sentido, utilizando os conceitos e os desenhos das formas da cerâmica Guarani

apresentadas por Brochado e Monticelli (1994) (figura 3) realizamos uma comparação

com a cerâmica Guarani identificada na área do Sítio Arqueológico Piracanjuba

(Figura 2).

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Figura 3: Principais formas das vasilhas Guarani, divididas em seis classes: 1. panela = yapepó; 2. caçarola = ñaetá; 3. prato para assar = ñamõpiu; 4. Jarra para beber = cambuchi;

5.prato para comer = ñaembé; 6. tigela para beber = cambuch caguabá.

Fonte: Brochado; Monticelli, 1994, p. 110.

Com a reconstituição gráfica da forma das vasilhas a partir de fragmentos de

borda pudemos inferir que se tratam, em sua maior parte, de jarras para beber ou

cambuchi. Essa inferência foi realizada pelo fato de as formas das vasilhas se

assemelharem com os cambuchi apresentados na figura 3, e pelo fato de serem

pintadas. As vasilhas também se assemelham na forma com os yapepó; todavia, essa

associação, quando analisada em relação à pintura, não se efetiva, pois os yapepó

caracterizam--se pela ausência de pinturas.

De acordo com Brochado e Monticelli (1944) denomina-se cambuchi “a

vasilha utilizada para conter líquidos; principalmente aquelas para servir bebidas

fermentadas alcoólicas, mas também, possivelmente, as usadas para guardar água”

(p. 113). Os autores apresentam as dimensões das cambuchi Guarani descritas no

Dicionário Guarani-espanhol, de Montoya:

Montoya dividiu os cambuchí, quanto as dimensões, em pequenos e grandes. Convencionamos classificar como pequenos (cambuchí miri) aqueles com o diâmetro da boca variando de 18 a 34 cm e como grandes (cambuchí guaçú) aqueles com diâmetro maior de 36 cm. As vasilhas da mesma forma, mas menos de 12 cm e que não deveriam ter a mesma função, foram consideradas miniaturas (BROCHADO; MONTICELLI, 1994, p. 114).

Acreditamos que possam ter a função de uso especial (utilizados na produção

e guarda de elementos de difícil reposição) ou exclusivo (utilizados em ritos religiosos

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sociais), por apresentarem, na maioria dos fragmentos, o tipo de decoração pintado

(que não poderia ser levado ao fogo, como foi visto anteriormente).

Contudo, a cerâmica do Sítio Piracanjuba, quando analisou-se o diâmetro da

boca das vasilhas apresenta vasilhas pequenas e médias, não havendo a presença de

tamanhos grandes. As dimensões pequenas das vasilhas podem estar atreladas ao

tamanho do grupo residencial e à função que exerciam ao longo do cotidiano.

Também, por meio dos estudos históricos e etno-históricos, verificou-se que vasilhas

pequenas e médias, da forma em tela, foram utilizadas pelos Guarani para beber.

Em relação aos tipos cerâmicos, podemos destacar o pintado como o mais

numeroso em comparação aos outros (Figura 4). Os 68 fragmentos desse tipo somam

46,6% do total. Foram encontrados fragmentos lisos (36,3%), incisos (8,2%), com

engobo vermelho (3,4%), engobo branco (2,7%) e ungulado (2,1%) e o escovado

(0,07%).

Figura 4: Reconstituição gráfica do motivo. Sítio Arqueológico Piracanjuba.

Município de Piraju, SP.

A barbotina3 foi identificada nas faces externa e interna. O antiplástico

utilizado para a confecção das vasilhas cerâmicas foi o mineral e o mineral associado

ao caco moído. A técnica de manufatura observada foi a de roletes.

A ocupação dessa região em época pretérita foi realizada por grupos

indígenas Guarani. Ao conjunto dessas ocupações, Morais (1999/2000) denominou de

Sistema Regional de Ocupação Guarani. Os vestígios dessas ocupações apresentam

evidências culturais dos Guarani. A partir dessas evidencias, temos informações a

respeito da organização social e política do grupo Guarani. Nesse sentido, propõe-se

uma abordagem interdisciplinar nas pesquisas arqueológicas.

3 A barbotina é um revestimento superficial, anterior à queima, de argila mais refinada (líquida e

fina) que proporciona maior umidade e plasticidade para a confecção das vasilhas cerâmicas

(LA SALVIA; BROCHADO, 1989).

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CONCLUSÃO

Na medida em que estudou-se e identificou-se a cerâmica do Sítio

Piracanjuba como Guarani, acrescentamos dados ao “quebra-cabeça” que se

apresenta, quando procurou-se reconstituir o Sistema Regional de Ocupação Guarani,

do Vale do Rio Paranapanema.

A reconstituição gráfica da forma da vasilha possibilita a realização de

inferências a respeito da funcionalidade de cada vasilha e do tamanho do grupo que

habitava a área, trazendo dados para a compreensão do comportamento humano,

bem como dos costumes do grupo em estudo.

O presente trabalho ganha importância, na medida em que contribuirá para os

estudos arqueológicos referentes à cerâmica dos grupos indígenas Guarani e para a

valorização e conservação da cultura material desse povo na perspectiva de cenários

de sistemas regionais de ocupações indígenas.

REFERÊNCIAS

BROCHADO, J. P.; MONTICELLI, G. Regras práticas na reconstituição gráfica da cerâmica Guarani por comparação com vasilhas inteiras. Estudos Ibero-Americanos, v. 20, n. 2. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994. p. 107-118. FACCIO, N. B. Arqueologia Guarani na Área do Projeto Paranapanema: estudo dos sítios de Iepê, SP. Relatório apresentado para o concurso de Livre Docência, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011. _________. Resultados das análises cerâmicas do Sítio Piracanjuba. 2001/2003/2005. FRANCO, C. Visão sistemática do sítio arqueológico Piracanjuba: a descoberta de conhecimento em sítios arqueológicos. Tese (Doutoramento em Ciências Cartográficas) - Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente, 2007. 148 p. LA SALVIA, F.; BROCHADO, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989. 175 p. MORAIS, J. L. A pré-história do Município de Piraju, SP. Revista do Museu Paulista, v. 26, n.s. São Paulo: IPHAN, 1979. p. 219- 234. ________. Arqueologia da Região Sudeste. Revista USP, São Paulo, v. 44, 1999/2000, p. 194-217. ______. Reflexões acerca da arqueologia preventiva. In: MORI, V. H et all (Orgs.). Patrimônio: Atualizando o debate. São Paulo: 9ª SR/ IPHAN, 2006. RIBEIRO, L. et al. (Orgs.). Cenários Regionais em Arqueologia Brasileira. São Paulo: Ed. Annablume, 2009. p.160-161.

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A INFORMALIDADE DO TRABALHO: CONDIÇÃO DE REPRODUÇÃO DO DESEMPREGO E REALIZAÇÃO DO CAPITAL1

Adma Viana Bezerra / Mestranda em Geografia (FCT-UNESP Campus de Presidente Prudente)

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Sócrates Oliveira Menezes / Professor Assistente do Departamento de Geografia –(UESB/DG)

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INTRODUÇÃO

Sabe-se que o sistema de produção capitalista fundamenta-se em uma busca incessante pelo lucro, fato que se concretiza mediante o imenso esforço, por parte dos capitalistas, em reproduzir de modo ampliado o capital. Trata-se de um sistema que passa por períodos de expansão e também de recessões. Neste século XXI, o capitalismo tem se revelado sob uma profunda crise com dimensões jamais constatadas até então, considerada como uma verdadeira crise estrutural (MÉSZÁROS, 2002). Todo esse conflitante cenário acaba por repercutir em profundas mudanças no mundo do trabalho, na medida em que gera impactos diretos na forma de utilização e exploração da mão de obra em função, sobretudo, da exploração intensa dos trabalhadores e da alienação dos mesmos.

Verifica-se que tanto desempregados como empregados ficam a mercê do capital, aceitando qualquer forma de emprego, com salários indignos, jornadas intensas, pouca ou nenhuma proteção social, sem carteira assinada, sem garantias, entre outros prejuízos. Para os trabalhadores desempregados restam apenas buscarem alternativas para a sua sobrevivência, principalmente por meio de atividades econômicas e de trabalho caracterizado pelo trabalho por conta própria, terceirizado, informal.

É preciso ressaltar que essas profundas mudanças no mundo do trabalho tornaram-se possíveis mediante o processo de reestruturação produtiva do capital, que se caracteriza por um forte processo de inovações tecnológicas e científicas utilizadas, sobretudo, para aumentar a produtividade e reduzir os gastos em força de trabalho. Para tanto, se pôs em prática uma espécie de regulamento e flexibilização da legislação trabalhista: contratos de trabalho em tempo parcial, temporários (flexíveis), terceirização, etc., fato que contribuiu para acentuar o crescimento do desemprego de forma progressiva, configurando uma crescente tendência de precarização do trabalho em escala crescente (POCHMANN, 1999).

Esta pesquisa foi realizada na cidade de Vitória da Conquista/BA (Figura 01), tendo como objetivo analisar o processo de precarização a que se encontram submetidos os trabalhadores informais, no contexto do desemprego estrutural e da reestruturação produtiva do capital, na especificidade do comércio ambulante no centro comercial da referida cidade. Procurou-se, assim, buscar compreender as condições de trabalho a que estão submetidos esses trabalhadores desempregados no atual estágio de acumulação capitalista e, ao mesmo tempo, a importância de sua inserção para a manutenção do sistema acumulativo.

Para o desenvolvimento dos objetivos propostos e seguindo a orientação teórica, a pesquisa empírica foi estabelecida com a realização de entrevistas e aplicação de questionários a 146 trabalhadores informais dos dois principais pontos de concentração de trabalhadores informais no centro comercial de Vitória da Conquista/BA: a Praça Arlindo Rodrigues - Feira do Paraguai - e a Praça da Bandeira, correspondendo a uma amostra de 40% de uma população de 364 trabalhadores informais destas localidades, representando um conjunto tendencial importante e significativo para a análise.

1 Eixo temático: Geografia do Trabalho e Geografia Econômica.

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Figura 1- Bahia - Localização de Vitória da Conquista – 2010 Fonte: ROCHA, 2010.

Esta pesquisa esteve amparada pelo constante movimento indissociável de observações em campo, análise dos dados obtidos, leituras e discussões. Os dados empíricos foram confrontados e contextualizados com a produção do comércio informal em Vitória da Conquista, na Bahia. A análise se estabeleceu pelo posicionamento crítico no levantamento das contradições do processo histórico de desenvolvimento do setor informal e de precarização das condições de trabalho no centro comercial dessa cidade, tendo como fundamento o método científico dialético materialista.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Mediante a complexidade que permeia o fenômeno da informalidade na atualidade, torna-se então necessária uma definição mais abrangente que implique numa melhor compreensão do que seja de fato o trabalho informal e qual sua importância para a exploração capitalista na contemporaneidade.

Pode-se verificar que a informalidade do trabalho encontra-se sujeita as mais diversas análises e interpretações, com a existência de pelo menos três interpretações possíveis: “[...] (1) os economistas, com a oposição formal/informal; (2) os juristas, com a oposição legal/ilegal; (3) e o senso comum com a oposição justo/injusto.” (NORONHA, 2003 apud MENEZES, W.F., 2008, p. 6).

Vale ainda ressaltar que, atualmente, a denominação informalidade tem sido utilizada para representar os mais diversos fenômenos, tais como: terceirização, estagiarização, contratação ilegal de trabalhadores assalariados, trabalho temporário, assalariamento disfarçado, comércio de rua, trabalho ambulante, prestação de serviços, trabalho autônomo, microempresas, sonegação e evasão fiscais, etc. (BARRETO, 2003).

Assim, observa-se que o universo da informalidade é bastante amplo, ao passo que esse fenômeno não se restringe apenas as relações de trabalho sem carteira assinada, passando a englobar também os momentos de compra e venda de mercadorias (dentre

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essas a própria força de trabalho) e serviços em que não se obedeça as leis de pagamento de impostos (GONÇALVES, 2007).

É importante ressaltar que o crescimento populacional, a crescente complexidade das relações sociais e econômicas no meio urbano, entre outros fatores, acaba levando ao surgimento de funções até então inexistentes para os trabalhadores que compunham o setorInformal, e tudo isso tem contribuído para a expansão ou diversificação deste setor, dando origem a uma variedade de ocupações, tais como: empregadas domésticas, professores particulares, músicos, taxistas, catadores de lixo, etc. (GONÇALVES e THOMAS JR., 2002). Porém, é preciso que se perceba que as antigas formas de trabalhos informais ainda são produzidas e mantidas ao lado do surgimento desse conjunto de novas atividades informais, sendo estas marcadas pela precariedade das condições de trabalho, não só nas ruas, mas também dentro das pequenas e grandes indústrias (BARRETO, 2003).

Em virtude da ampla diversificação da esfera do setor informal, nesta pesquisa a abordagem do tema da informalidade estará voltada de forma mais específica para o trabalho informal dos vendedores ambulantes que se concentram, sobretudo, em áreas que apresentam certas vantagens em termos de localização, como é o caso do centro comercial conquistense, uma vez que nele existem elementos que possibilitam o consumo e a dinâmica econômica desse espaço: alta mobilidade de pessoas, mercadorias e capitais, bem como um sistema de comércio e serviços diversificados.

Observa-se ainda que os trabalhadores de rua sempre estiveram presentes como elementos participantes do trabalho urbano. Entretanto, é necessário destacar a diferença histórica entre essas formas de informalidade do trabalho num capitalismo embrionário e as formas atuais de informalidade vinculada ao estágio crítico da acumulação capitalista. Foi somente a partir do último quartel do séc. XX que o trabalho de rua passou a ter peso mais significativo nas relações produtivas do sistema capitalista industrial, podendo-se hoje observar uma forte imbricação entre os trabalhadores de rua e o processo de valorização do capital.

Diante do exposto, pode-se então perceber que a informalidade tem se apresentado como condição de reprodução do desemprego e realização do capital, uma vez que esses trabalhadores continuam a participar da economia urbana e colaboram amplamente para o processo de reprodução do capital.

Precarização do trabalho em Vitória da Conquista/BA: território da informalidade

Ao longo do desenvolvimento da presente pesquisa, pôde-se observar a presença de vendedores ambulantes em vários pontos estratégicos do centro comercial de Vitória da Conquista, sendo a Praça Arlindo Rodrigues (Feira do Paraguai) e a Praça da Bandeira, os dois principais pontos de concentração dos trabalhadores informais no centro comercial principal conquistense, conforme dito anteriormente. A aplicação de questionários aos trabalhadores informais dessas referidas localidades, tornou possível o registro e a análise dos dados obtidos.

Na Praça Arlindo Rodrigues, há atualmente a presença de 179 blocos (barraquinhas), onde são comercializados os mais diversos tipos de mercadorias (eletroeletrônicos, acessórios para celular, celular, etc.), adquiridas em outros estados brasileiros, bem como no Paraguai. Já a Praça da Bandeira atualmente constitui-se em um local onde se encontram um número considerável de camelôs que diariamente se instalam nos 142 blocos (barraquinhas) ali presentes. Nessa praça, há uma grande variedade de mercadorias a serem vendidas, tais como bolsas, bonés, bijuterias, artesanatos, confecções, entre outros. Assim, verificou-se por meio de uma amostra de 40% de uma população de 364 trabalhadores, que a maioria entre os entrevistados são naturais desta cidade (78%); entretanto, dentre esses trabalhadores há ainda pessoas de outras cidades da Bahia (17%), tais como Caraíbas, Tanhaçú, Itambé, etc., bem como de outros estados brasileiros (5%), sobretudo de Pernambuco e Alagoas. É válido ainda ressaltar o fato de que todos esses trabalhadores residem e trabalham no município de Vitória da Conquista/BA.

Já ao que se refere á renda familiar desses trabalhadores, observa-se que essa se apresenta de forma bastante variável, sendo que 17% dos entrevistados possuem uma renda inferior a um salário mínimo; 39% possuem uma renda média mensal de um salário mínimo; 36% ganha em torno de dois salários mínimos; apenas 8% afirmaram faturar mensalmente cerca de três salários mínimos. Assim, verifica-se que a maioria desses

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trabalhadores possui uma renda mensal equivalente a apenas um salário mínimo, sendo esse considerado insuficiente para o sustento dos mesmos, bem como de suas famílias.

É importante ressaltar que o comércio informal é a única fonte de renda desses trabalhadores, correspondendo a 74,3% dos entrevistados. O restante, representativo de 25,7% declarou realizar ainda outros tipos de trabalho informal, de modo a complementar a renda familiar. Esses trabalhadores alegaram ser a falta de opção o principal fator que os conduziram a realização de outros tipos de atividades caracterizadas também pela precarização e pela informalidade.

Dentre esses trabalhadores, apenas 9,5% declararam pagar algum tipo de plano de previdência; já a maioria, que corresponde a um total de 90,5%, alegou não ter condições financeiras suficientes para contribuírem. Assim, observa-se que a insuficiência de renda desses trabalhadores repercute diretamente em suas condições de vida. Constatou-se, também, que muitos dos trabalhadores ali presentes se encontram há muito tempo na informalidade: 7,7% há cerca de um ano; 11,4% há cerca de dois anos; 1,9% há cerca de três anos; 79% por um período superior a 3 anos. Desse modo, verifica-se que muitos desses trabalhadores encontram-se inseridos na informalidade por um período bastante considerável, fato que revela uma tendência da informalidade mais constante.

Entretanto, é preciso ainda reconhecer a existência de um conjunto de fatores que contribui não somente para a inserção, como também para a permanência nesse tipo de atividade fundada na informalidade. 56% dos trabalhadores entrevistados declararam ser a falta de opção a principal ‘motivação’ que os conduziram ao comércio informal; 39% afirmaram conhecer pessoas que já trabalhavam nesse tipo de atividade, as quais serviram como referência; 5% asseguraram terem sido diversos os motivos que os levaram a prática de atividades dita informal, podendo destacar, dentre os demais, a questão da intensa precarização dos trabalhos anteriormente realizados pelos mesmos como sendo um dos principais motivos para a saída do mercado de trabalho formal. Assim, mediante uma situação de desemprego e da própria precarização presente no trabalho dito formal, essas pessoas não vêem outra opção, a não ser permanecer desenvolvendo atividades informais.

O trabalho informal apesar de constituir-se em única fonte de renda para uma grande parcela da população, como já dito, traz consigo inúmeras desvantagens para o trabalhador que a ele encontra-se subjugado. Assim, do total de pessoas entrevistadas: 33,3% consideram o trabalho nas ruas como sendo um dos principais problemas enfrentados diariamente; 24,8% afirmaram ser a infraestrutura do local a principal dificuldade a ser superada; 18% asseguraram serem as condições do comércio que impede o desenvolvimento do trabalho; 8,6% declararam ter problemas com a Prefeitura e com demais órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização; 2,9% alegaram sofrer uma forte discriminação social, de modo a se sentirem a margem da sociedade; 1,9% declararam ser a violência um dos problemas a ser enfrentados; 1,9% declararam existir ainda alguns atritos entre colegas, de modo a prejudicar o relacionamento entre os mesmos. Além dessas, uma série de outras desvantagens foram ainda mencionadas por se constituírem em dificuldades a serem superadas, tais como: insegurança financeira e ausência de benefícios futuros; o desconforto do local de trabalho; as intempéries climáticas; dentre outras (8,6%). Tudo isso remete a questão da intensa precarização, uma vez que são inúmeros os problemas a serem enfrentados por esses trabalhadores diariamente.

Ainda no comércio informal em Vitória da Conquista/BA, pode-se observar uma total falta de infraestrutura do local, na medida em que as mercadorias ali comercializadas encontram-se sujeitas a assaltos, roubos, bem como as intempéries climáticas, tais como sol, chuva, etc. Com relação à jornada de trabalho semanal, 87% dos entrevistados declararam trabalhar em média seis dias; 10% afirmaram trabalhar sete dias e apenas 3% afirmaram trabalhar por um período de cinco dias consecutivos.

Já com relação à jornada de trabalho, 2,9% dos trabalhadores entrevistados afirmaram possuir uma carga horária diária de 8 a 10 horas; porém, a maioria, correspondendo a 89,5%, afirmou trabalhar em média 10 a 12 horas por dia; somente 7,6% dos entrevistados afirmaram trabalhar por um período maior que 12 horas diárias. Considera-se que essa intensa jornada diária de trabalho implica em uma serie de desgastes físicos e psicológicos, acabando por repercutir na questão da própria qualidade de vida desses trabalhadores.

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Quando questionados sobre a possibilidade de troca do trabalho informal por um trabalho formalizado, 19% dos trabalhadores entrevistados manifestaram dúvidas, considerando a necessidade de se avaliar uma série de aspectos antes da tomada de qualquer tipo de decisão, tais como: o tipo de trabalho, a função exercida, o valor do salário, entre outros. Dos entrevistados 29% declararam que trocariam sem problemas suas atividades informais por um trabalho formal, pois vêem no mesmo uma maior estabilidade, segurança e possibilidade de crescimento, porém 52% afirmaram que não trocariam suas atividades por um emprego dito formal. Os motivos citados foram diversos, dentre eles é possível citar a questão da intensa precariedade no mundo do trabalho que atinge também o setor formal; a idade avançada; baixo grau de escolaridade de muitos desses trabalhadores, sendo esses os motivos mais mencionados.

Por conseguinte, a maioria dos trabalhadores entrevistados manifestou uma verdadeira ausência de perspectiva para o mercado de trabalho formal, uma vez que a sua simples inserção não configura garantia de segurança e estabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se perceber que a abordagem do mundo do trabalho a partir da informalidade, do chamado desemprego estrutural, bem como do processo de precarização do trabalho, é de fundamental importância, visto que esses se apresentam como evidencias da ativação dos limites do capital constituindo-se, assim, em reflexo da atual crise estrutural do sistema do capital. Assim, verifica-se que a dimensão real/concreta do processo atual de exploração do trabalho se apresenta como um fenômeno central e bastante complexo na sociedade capitalista contemporânea.

Do ponto de vista do trabalhador, pode-se então asseverar que o trabalho informal se apresenta como uma verdadeira falta de opção imposta pelo processo real da exploração do trabalho ao capital, processo esse que desencadeia, por outro lado, a condição do desemprego que empurra massas de trabalhadores a qualquer forma precarizada de trabalho na luta pela sobrevivência, obrigando-os a se sujeitarem ao subemprego e a informalidade, como forma de geração de ocupação e renda. Portanto, conclui-se que o trabalho informal se constitui em condição do desemprego e realização do capital, uma vez que esses trabalhadores continuam a participar da economia urbana e colaboram amplamente para o processo de reprodução capitalista revelando, assim, toda a sua funcionalidade para o sistema do capital.

Desse modo, pode-se perceber que essa se trata de uma realidade um tanto complexa, na medida em que são verificadas condições de trabalho precarizadas de milhares de pessoas que encontraram na informalidade uma forma de garantirem a sua própria sobrevivência. Contudo, cabe lutar por perspectivas melhores sem perderem a esperança de mudanças que se configurem em benefícios e melhorias para esses trabalhadores informais.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Theo da Rocha. A precarização do trabalho e da vida dos novos trabalhadores informais: o trabalho flexível nas ruas de Salvador. 2003. Monografia – (Graduação em Geografia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.

GONÇALVES, Marcelino Andrade; THOMAZ Jr., Antônio. Informalidade e Precarizaçãodo Trabalho: uma contribuição a geografia do trabalho. Scripta Nova: revista eletrônicade geografia e ciências sociais, Barcelona, Vol. 6, n. 119 (31), ago. de 2002. ISSN: 1138-9788. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/ sn119-31.htm> Acesso em: nov. 2009.

GONÇALVES, Marcelino Andrade. Reestruturação Produtiva e Precarização dasRelações de Trabalho. Revista Pegada Eletrônica, São Paulo, Vol. 2, n.1, out. de 2007.Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/ceget/>. Acesso em: abr. 2010.

MENEZES, Wellington Fontes. O Livre Mercado da Informalidade: Precarização,

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Desertificação do Emprego e a Diluição dos Direitos Trabalhistas. In: Anais do VISeminário do Trabalho. Marília/SP, 2008. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.anais6seminariodotrabalho/wellingtonfontesmenezes.pdf>. Acesso em: ago, 2009.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital – rumo a uma teoria da transição. Tradução de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.

POCHMANN, Márcio. O trabalho sob fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no final do século. São Paulo: Contexto, 1999.

SOARES, Marcos Antônio Tavares. Trabalho informal: da funcionalidade à subsunção ao capital. Vitória da Conquista, BA: Edições UESB, 2008.

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1

A LOCALIZAÇÃO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM CIDADES MÉDIAS1

Aline Fernanda Coimbra2 – FCT/UNESP Campus de Presidente Prudente

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INTRODUÇÃO O estudo sobre este tema se desenvolve a partir da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias – ReCiMe, reunindo diversas universidades e pesquisadores. A pesquisa em rede tem o intuito de estudar as constantes mudanças das formas, funções e estruturas das Cidades Médias, que são aceleradas a partir dos anos de 1980. Aborda também como tais cidades garantiram novos papéis de intermediação na rede urbana, papéis estes que antes se concentravam de maneira focalizada nas grandes cidades e metrópoles. Sendo assim este trabalho busca comparar três cidades médias, Campina Grande – PB, Mossoró – RN e Passo Fundo – RS a partir da localização dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, vis a vis à análise da produção do espaço urbano com enfoque do mercado imobiliário, o qual produz novas localizações, realocações, concentrações e dispersões, organizadas a partir da ação de agentes incorporadores que atuam em diferentes escalas geográficas. A discussão é realizada através da localização intra-urbana das unidades do PMCMV já entregues ou que ainda estão na fase de construção, já que os empreendimentos foram aprovados entre o ano de 2009 e 2012. Implica, ainda, na análise de qual faixa da população está se dirigindo para cada empreendimento, isto é, a qual faixa de renda o empreendimento se destina, dado serem três as faixas salariais de acesso para o residente: Faixa 1 (0 a 3 salários mínimos), Faixa 2 (3 a 10 salários mínimos) e Faixa 3 (acima de 10 salários mínimos).

RESULTADOS E DISCUSSÃO O estudo sobre cidades médias no âmbito do mercado imobiliário busca considerar as transformações que estão ocorrendo no espaço intra-urbano, a partir de dinâmicas de estruturação urbana nas cidades. Com isso temos diversos agentes imobiliários que intensificam suas estratégias de atuação e reorganizam o espaço urbano conforme suas necessidades, e intencionalidades e nível de organização empresarial. Além disso, vemos que para que o espaço urbano seja produzido temos a ação de vários agentes sociais relacionados, que são “concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade” como cita Corrêa (2011, p. 43). Sendo assim, os agentes sociais estão inseridos na temporalidade e espacialidade de cada formação socioespacial, refletindo as possibilidade e necessidades criadas pelos processos, materializando-os na forma de ambiente construído, e assim podemos incorporá-los no estudo do mercado imobiliário.

1Eixo Temático: Geografia Urbana

2 Bolsista PIBIC – CNPq

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Tendo como base SPOSITO (2010) as cidades médias fazem a intermediação na rede urbana, contendo suas particularidades na forma com que a urbanização ocorreu em cada uma delas e por isso suas dinâmicas no intra-urbano acabam se intensificando e conquistando importância conforme seu poder de influência sobre as demais, desenvolvidas através de deslocamento de pessoas, mercadorias e até mesmo de fluxos de natureza financeira. Já o mercado imobiliário é considerado aqui como um ramo de atividades voltado à produção do ambiente construído, em particular à habitação, a partir do qual se articulam diferentes agentes econômicos, com funções e papéis definidos, tais como agentes incorporadores que buscam valorizar seus capitais através das mudanças de usos do solo e que se articulam às políticas públicas habitacionais, como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida para abarcar uma maior possibilidade de atuação no mercado. Portanto, todos esses agentes citados anteriormente através de suas diferentes relações, ou até mesmo reorganizações no espaço urbano, podem transformar o intra-urbano e assim garantir certas especificidades em cada cidade estudada, com características em comum que podem sinalizar a direção de seus movimentos e as localizações dessas implantações dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida. O Programa Minha Casa Minha Vida é um programa do Governo Federal em parceria com estados, municípios e empresas que buscam produzir unidades habitacionais para ampliar assim o mercado de atendimento para baixa renda, como cita Shimbo (2011). O Programa se divide em quatro modalidades sendo: habitações para famílias com renda até 3 salários mínimos; habitações para famílias com renda acima de 3 e até 10 salários mínimos; habitações para famílias com renda acima de 10 salários mínimos, sendo também chamadas respectivamente de Faixa 1, Faixa 2 e Faixa 3, e por fim o crédito corporativo para infraestrutura que não será incorporado ao trabalho. Se tratando dos procedimentos metodológicos adotados neste trabalho, temos os dados do Programa Minha Casa Minha Vida, fornecido pelo Ministério das Cidades através de um projeto com vínculo entre o Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) denominado “TRAJETÓRIAS DO MERCADO IMOBILIÁRIO NAS CIDADES DE MARÍLIA E PRESIDENTE PRUDENTE – SP, 1995 – 2012. A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA DO PMCMV, SEUS AGENTES E A DIFERENCIAÇÃO E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS INTRA-URBANAS”. Estes dados apresentam muitas informações, mas neste trabalho serão restritos os dados do município, Campina Grande, Mossoró e Passo Fundo, a faixa que é incorporado o empreendimento, a quantidade de unidades habitacionais, o nome do empreendimento e a construtora. Foram gerados mapas no Mapinfo® com a localização destes empreendimentos e a quais faixas eles pertencem, discriminando através do tamanho de cada círculo o número de unidades em cada empreendimento. Através das cores em que foram nomeados os empreendimentos é possível saber a faixa a que pertencem, sendo o vermelho destinado a Faixa 1, azul a Faixa 2 e verde a Faixa 3. São destacados, ainda no trabalho os agentes responsáveis por cada empreendimento. Em Mossoró temos as incorporadoras: Cng Construtora Nobrega Gomes Ltda, Engeplan, Foss & Consultores Ltda, Mossoro Empreendimentos Imobiliarios S/A, Paiva Gomes & Cia Ltda, Proel-Projetos de Engenharia e Execuções, Repav Rosario Edificações e Pavimentação Ltda, sendo que as duas últimas concentram grande parte das unidades habitacionais. Já em Campina Grande temos as incorporadoras: Borges e Santos, Cipresa Empreendimentos Ltda, MRV e Unidade Engenharia, sendo que a Cipresa destaca-se com a maioria dos empreendimentos e das unidades. Em Passo Fundo temos um número maior de incorporadoras: B & B Construções e Incorporações Ltda, BSGF Construtora e Incorporadora Ltda, Construtora e Incorporadora Eld Ltda, Construtora e Incorporadora Walan Ltda, Construtora Priori Ltda, Cooperativa Habitacional Bom Fim, Cooperativa Habitacional de Agricultura Familiar Ltda – COOHAF, Coplan Construções e Loteamentos Ltda, Cresol,

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3

Dilermando Lopes Leal & Cia Ltda, Incorporadora e Construtora Incoben Ltda, RD Nazari Construções LTDA, Sturm Construção e Incorporação Ltda, Zucchetti Incorporações Ltda. Como há uma grande diversificação de incorporadoras em Passo Fundo, não há uma que se destaca concentrando a produção de unidades habitacionais. Na tabela abaixo temos os números de unidades habitacionais e a divisão por faixas:

Tabela 1: Total de unidades habitacionais por Faixas do PMCMV.

Cidade Total Unidades Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3

Mossoró 2770 1178 1496 96

Campina Grande 7334 4508 1924 902

Passo Fundo 1402 487 852 63 Fonte: SNH/ DHAB/ DUAP/ CAIXA/ IBGE. Dados coletados em: 31 dez 2012.

É possível atentar pelo grande número de novas unidades habitacionais em Campina Grande, percebe-se que a grande maioria de residências abarca a Faixa 1 entre 0 e 3 salários mínimos, que é a faixa social que abarca o grande déficit habitacional do país. Esta faixa totaliza residências de 32 m² de área útil para casa ou 37 m² para apartamento, como cita CARDOSO et al (2011), o que pode provocar uma homogeneização do espaço urbano nas áreas em que forem instaladas, já que abarca um grande número de unidades. Já em Mossoró e Passo Fundo vemos que a Faixa 2 ganha destaque com a maioria das unidades habitacionais, demonstrando uma intensa atuação nesta faixa de renda já que há a possibilidade de financiamentos para tal faixa salarial, tornando-se assim público-alvo das incorporadoras. Já a Faixa 3 ainda é reduzida, mas é importante a análise desse número em Campina Grande, já que é alto se comparado ao total de unidades nas duas outras cidades. Abaixo temos os mapas gerados através dos dados disponibilizados, e é possível observar que os novos empreendimentos se localizam distantes do centro, apenas Passo Fundo possui alguns empreendimentos residenciais ou edifícios próximos a esta área central. Portanto é importante analisar futuramente o impacto destas instalações no processo de planejamento, principalmente o deslocamento dessas famílias até as principais áreas das cidades. Uma explicação para que os empreendimentos desse programa instalarem-se em

áreas periféricas seja por necessitarem que o preço da terra por m² seja mais barato e

assim reduza o preço total da instalação, principalmente quando se trata da Faixa 1 e

Faixa 2, como será observado em Mossoró e Campina Grande como cita MERCÊS

(2013).

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Figura 1: Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Passo Fundo e

Mossoró.

Em Passo Fundo a grande maioria de empreendimentos são da Faixa 2, encontrando-se dispersos pela cidade e com um número menor de unidades habitacionais. Já os empreendimentos da Faixa 1 estão mais distantes das áreas centrais, e na direção sudeste/sudoeste, com um aumento de unidades habitacionais e apenas o Residencial Riviera se enquadra na Faixa 3. O mesmo de repete em Mossoró, temos apenas o Residencial Jardim Primavera – Etapa 1 na Faixa 3 do programa, enquanto que a maioria consistem na Faixa 2. Temos o Residencial Américo Simonetti1 e 2 e o Residencial Santa Clara enquadrando-se na Faixa 1, o primeiro com poucas unidades habitacionais e o segundo com um número superior a 200 unidades, além do que estão em área de expansão do tecido urbano. É importante atentar que próximo ao residencial Jardins Planalto temos a instalação da Petrobrás, influenciando a dinâmica imobiliária a atuar nessa área. Abaixo temos o mapa da Campina Grande que apresenta empreendimentos com um número de unidades habitacionais maiores do que as demais cidades como já observado anteriormente, em maioria eles encontram-se instalados também em áreas periféricas como já se atentou. Somente o Dallas Park – Módulo 1, 2 e 3 está próximo ao centro, e este é o único a pertencer a Faixa 3. Temos igualmente empreendimentos para as Faixas 1 e 2 em Campina Grande, sendo que a primeira faixa ganha destaque para o número de unidades.

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Figura 2: Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Campina

Grande.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise desenvolvida até este momento reúne alguns dos elementos necessários para aquilo que BRANDÃO (2012, p. 168) chama a atenção: a necessidade de comparar as “similaridades e diferenças entre os elementos de estudo”. Por isso, é tão importante comparar cidades distintas, já que há possibilidades de ocorrência de determinadas semelhanças no processo de formação e construção do espaço urbano e, sobretudo, nos movimentos do mercado imobiliário. Como cita Brandão (2012, p. 170-171) aplicar tal abordagem comparativa acaba por fazer necessário optar pela “a) busca pelas semelhanças, (b) o realce das diferenças e, por fim, (c) a não aceitação das pré-determinações verificadas nos itens anteriores. Uma vez que parte-se das semelhanças existentes entre as cidades para a partir daí elencar os pontos que são diferentes e talvez possam provocar transformações, já que podem variar conforme a sua importância no intra-urbano. Portanto, esse processo favorece o pesquisador a entender os processos que estão ocorrendo de fato, já que a produção do espaço urbano está em constante modificação por diferentes agentes, tanto imobiliários, sociais, econômicos, e outros. Nas cidades médias estudadas vimos que o mercado imobiliário atua por meio do Programa Minha Casa Minha Vida e atinge faixas sociais de 0 até mais de 10 salários mínimos para a instalações de famílias nas unidades habitacionais que foram ou ainda

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estão sendo construídas. O Programa se subdivide em faixa salarial como já citado anteriormente, e conforme a faixa em que se enquadra há uma mudança na tipologia das residências e o tamanho por m², além do que a própria localização delas. A maioria dos empreendimentos estão distantes da área central, e isso reorganizará o espaço urbano e os meios de acesso até ele, já que uma parcela da população se deslocará para estas áreas, mudando as características sociais do local. É importante também destacar que cada cidade se desenvolve em direções diferentes, sendo que apresentam localizações díspares para as áreas de inclusão/exclusão social, assim como as Universidades, Shopping Centers e supermercados, os condomínios e loteamentos fechados, e isso atingiu a localização dessas áreas das instalações e de futuras áreas dos empreendimentos do programa, pois temos mecanismos econômicos ligados à essa produção do espaço urbano com a articulação de diferentes agentes econômicos.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, P. R. B. Velhas aplicações e novas possibilidades para o emprego do método comparativo nos estudos geográficos. Geotextos (Salvador), v. 8, p. 167-185, 2012. BRASIL. Ministério das Cidades. IBGE, 2012. CARDOSO, A. L. ; ARAGÃO, T. ; ARAUJO, F. S. . Habitação de interesse social: Política ou mercado? Reflexos sobre a construção do espaço metropolitano. In: XIII Encontro Nacional da ANPUR, 2011, Rio de Janeiro. Anais do XIII Encontro Nacional da ANPUR, 2011. P. 20. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. CORRÊA. R. L. Sobre agentes sociais, escala e produção do espaço: um texto para discussão. In: ______CARLOS, A. F. A. ; SOUZA, M. L. de ; SPOSITO, M. E. B. A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo: Contexto, 2011. P 41-52. CORRÊA, R. L. Construindo o conceito da cidade média. In: ______Maria da Encarnação Spósito. (Org.). Cidades Médias: Espaços em Transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007, v. 1, p. 15-25. ELIAS, D. ; PEQUENO, R. Mossoró: o novo espaço da produção globalizada e aprofundamento das desigualdades socioespaciais. In: ______ SPOSITO, M. E. B. ; ELIAS, D. ; SOARES, B. R. Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional: Passo Fundo e Mossoró. São Paulo: Expressão Popular, 2010. P. 103-283. MELAZZO, E. S. Dinâmica imobiliária e processos de estruturação intra-urbana em cidades de porte médio: hipóteses e propostas de trabalho. In: XVI Encontro Nacional de Geógrafos, 2010, Porto Alegre. XVI ENG. Porto Alegre: AGB, 2010. p. 1-11. MERCÊS, S. Programa Minha Casa Minha Vida na região metropolitana de Belém: localização dos empreendimentos e seus determinantes. In: ______CARDOSO, A. L. O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. P. 187-204. SHIMBO, Lúcia. Habitação social, habitação de mercado. A confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. São Carlos: USP, 2011. (Tese de Doutorado). SPOSITO, M. E. B. Desafios para o estudo das cidades médias. In: XI Seminário Internacional de la Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Territorio, 2010, Mendoza. Trabalhos completos. Mendoza: UNCUYO - Universidad de Cuyo, 2010. p. 01-18.

SPOSITO, M. E. B. ; ELIAS, D. ; SOARES, B. R. Uma rede de pesquisadores, sua pesquisa e o caminho partilhado. IN: ______ Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional: Passo Fundo e Mossoró. São Paulo: Expressão Popular, 2010. P 7-27.

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ANÁLISE DA VARIAÇÃO TERMOHIGROMÉTRICA NO ESPAÇO INTRA-URBANO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP1

Janaina Lopes Moreira - Licenciada e Bacharela em Geografia pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNESP – campus de Presidente Prudente-SP

[email protected]

Aline Kuramoto Gonçalves - Graduanda em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNESP – campus de Presidente Prudente-SP

[email protected]

INTRODUÇÃO

A qualidade ambiental tem levantado o interesse dos estudiosos de diversas áreas do conhecimento, isso porque cada dia mais vem se buscando alternativas para melhorar a qualidade de vida do homem moderno. E como a maioria da população tem a cidade com seu ambiente de habitação, consequentemente tem-se aumentado o número de estudos sobre as cidades. O clima como um fator determinante na qualidade ambiental e na qualidade de vida da população tem recebido também este enfoque.

Os estudos sobre o clima urbano têm sido justificados pela expressão que as cidades têm atualmente, principalmente no que diz respeito à densidade demográfica e o grande número de pessoas que são afetadas por essas características climáticas (VICENTE; TOMMASELLI; AMORIM, 2002).

As cidades dos países em desenvolvimento, e no Brasil isso não foi diferente, cresceram de forma rápida e desordenada e sem levar em consideração as características físicas do ambiente e especialmente seu contexto climático. Nesse sentido, a implantação dessas cidades exigiu rápidas transformações no ambiente natural, tais como: retirada da cobertura vegetal, impermeabilização do solo, mudanças no relevo, canalizações de rios e córregos, entre outros (MOREIRA, 2012).

Apesar de representarem pequenas parcelas territoriais, as cidades têm grande expressão, pois representam a maior modificação do meio natural, uma vez que geram transformações significativas no balanço de energia e no balanço hídrico urbano, que alteram o clima local, proporcionando a cidade um clima único, que a diferencia das áreas circunvizinhas (AMORIM, 2000; LOMBARDO, 1985).

Portanto, em virtude das áreas urbanas apresentarem características climáticas específicas, estão sendo multiplicados em várias cidades brasileiras estudos que abordam a temática “clima urbano”, pois a partir desses é possível detectar as anomalias causadas pela urbanização, as quais prejudicam o estado de bem estar da população, e ainda, propor alternativas para o poder público visando à melhoria da qualidade de vida do homem urbano.

Sob esta perspectiva, elaboramos este trabalho, o qual procurou analisar as características térmicas e higrométricas em Presidente Prudente – SP, procurando diagnosticar diferenças de temperatura e umidade relativa do ar dentro do campus da UNESP/FCT e no ambiente intra-urbano do município.

Presidente Prudente localiza-se no extremo oeste do Estado de São Paulo entre os paralelos de 22º 07’ de latitude sul e 51º 23’ de longitude oeste, abriga uma população de 207.625 habitantes. O município possui relevo marcado por colinas amplas, morrotes e espigões.

A cidade situa-se em uma faixa de transição climática, onde atuam a maioria dos sistemas atmosféricos presentes na América do Sul. Em virtude disso, o verão e a primavera são marcados por elevadas temperaturas, proporcionadas pelos sistemas

1 Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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tropicais, enquanto o inverno e outono se caracterizam por períodos de precipitação e temperaturas mais amenas, provocadas pelos sistemas extratropicais (CARDOSO, 2012). MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização deste trabalho foi fundamental a realização de leituras que abordassem o clima urbano, assim como, o contato com trabalhos semelhantes que utilizassem a mesma metodologia científica. De modo que, isso foi proporcionado pela disciplina intitulada Climatologia Aplicada, ministrada pela Profª Dra. Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim, a qual através de aulas expositivas e laboratoriais apresentou conhecimento prévio sobre a temática e as técnicas usadas, os quais foram colocados em prática nesse trabalho.

Para a realização da coleta dos dados atmosféricos foram escolhidos catorze pontos fixos para a observação e mensuração meteorológica. Sendo que, nove estão localizados dentro do campus da UNESP e os outros quatro espalhados na zona urbana.

Tabela 1 – Pontos de Coletado dos dados atmosféricos

Pontos Latitude Longitude Características

Museu 457848 7553434

Vegetação gramínea e baixa densidade de edificações

Disc. 5 e 6 457752 7553441

Central de laboratórios 457930 7553500

Dpto de Planejamento e Cart 457968 7553612

Jd. Das Rosas 457474 7553877

Solo impermeabilizado, grande quantidade de áreas verdes nos canteiros e praças.

Moradia Unesp 457814 7553995

Solo impermeabilizado, vegetação gramínea.

Vila Charlote 458392 7553801

Alto grau de edificações, solo impermeabilizado, pouca vegetação e grande fluxo de veículos e pessoas.

Jd. Bongiovani 458392 7553209

Alta densidade de edificações, solo impermeabilizado, poucas áreas verdes, intenso fluxo de veículos e pessoas.

Centro 458395 7553470

Alta densidade de edificações, intenso fluxo de veículos e

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pessoas, solo impermeabilizado, poucas árvores dispersas.

Núcleo Morumbi 457216 7553255

Solo impermeabilizado, presença de árvores altas que promovem o sombreamento, grande fluxo de veículos e pessoas.

Biblioteca 458049 7553703

Baixa densidade de edificações, presença de áreas verdes, principalmente árvores altas.

Pista de Atletismo 458241 7554039

Solo impermeabilizado, próximos de avenidas de fluxo intenso de veículos e pessoas, pouca vegetação esparsa.

D.A 457842 7553784

Baixa densidade edificações, grande quantidade de vegetação, principalmente árvores de grande porte.

Fundo de vale 457559 7553256

Alta densidade e diversidade de vegetação, solo pouco alterado pela ação antrópica.

Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011). Fonte: trabalho de campo (2011). Os equipamentos utilizados para a coleta da temperatura, umidade relativa do ar e

direção e velocidade do vento constituiu na utilização de um sensor. A coleta dos dados foi realizada no dia 04 de outubro de 2011, e teve início às 9:00 e término as 21:00, com intervalos de meia hora entre cada medição. Foram escolhidos para a análise cinco horários representativos: 9:30, 12:00, 15:00, 18:00 e 21:00.

Posteriormente, foi utilizado o software Excel que permitiu a tabulação estatística dos dados coletados. Após esta etapa, foram elaboradas cartas horárias de isolinhas – isotermas – isoígras, a partir da utilização do software Surfer 9, o qual proporciona espacializar as diferenças nos elementos climáticos (temperatura e umidade relativa do ar). RESULTADOS E DISCUSSÃO CONDIÇÕES SINÓTICAS E ANÁLISE DAS VARIAÇÕES TÉRMICAS E HIGROMÉTRICAS

De acordo com a CPETEC/INPE durante todo o mês de outubro, ocorreu uma considerável diminuição da atividade frontal no leste do Brasil, o que acabou causando poucos episódios chuvosos em toda a região sudeste. Contudo, no dia da coleta de dados

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estava atuando sobre a região de Presidente Prudente-SP a Zona de Convergência de Umidade (ZCOU), que favoreceu a ocorrências de áreas de instabilidade em algumas cidades.

Este episódio ocorre com frequência entre os meses de outubro e abril atuando em grande parte do Brasil, e pode ser caracterizado como uma faixa orientada do noroeste para o sudeste, o qual geralmente traz para a região atingida abundante nebulosidade e precipitação. Dessa forma, o sistema atmosférico atuou em Presidente Prudente-SP do dia 02 até o dia 06 de outubro de 2011 provocando o aumento da umidade relativa do ar, porém não houve ocorrência de pancadas de chuvas no município.

No horário das 9:30 as temperaturas mais altas foram registradas na Moradia estudantil da UNESP (Figura 01), este ponto apresenta como características o solo impermeabilizados e a presença de algumas gramíneas, porém a área é desprovida de sombreamento, pois não possui vegetação arbórea de grande porte, estas temperaturas elevadas podem ser explicadas pelos materiais construtivos da edificação que armazenam calor durante o dia e dissemina durante a noite e inicio da manhã.

Nesse horário os pontos que registraram as temperaturas mais amenas foram a Discente 5 e 6, Central de laboratórios e o Museu, isso pode ser justificado pelos pontos estarem localizados em áreas com grandes árvores que promovem o sombreamento e por não possuírem grande densidade de edificações nos arredores como é o caso do Museu, o que auxilia na ventilação e dispersão de calor.

Figura 01 – Carta de isoterma – 04/10/2011 (9:30h) – Presidente Prudente/SP Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011)

Como se sabe, o comportamento da umidade é inverso ao da temperatura, nesse

horário, a umidade se apresentou mais baixa foi no ponto de maior temperatura (Figura 02), ou seja, na Moradia estudantil, e a umidade relativa do ar mais alta neste horário corresponde aos pontos onde as temperaturas foram as mais amenas, ou seja, Discente 5 e 6, Central de Laboratórios e Museu.

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Figura 02 – Carta de isoígra – 04/10/2011 (9:30h) – Presidente Prudente/SP Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011)

Às 12h as temperaturas se elevaram (Figura 03 e 04), porém o ponto que registrou

a temperatura mais elevada foi a Vila Charlote, esse ponto é caracterizado pela alta densidade de edificações e alto fluxo de veículos, o que auxilia na manutenção e produção do calor, este ponto foi também o que apresentou menor umidade relativa do ar neste horário, junto com o ponto do Centro. Seguindo quase o mesmo padrão do horário anterior, os pontos que registraram as temperaturas mais amenas e a maior umidade relativa do ar foram os pontos do Discente 5 e 6, Jardim das Rosas, Museu Central de Laboratórios.

Figura 03 e 04 – Carta de isoterma e isoígra – 04/10/2011 (12h) – Presidente Prudente/SP

Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011)

No período vespertino, mais especificamente no horário das 15h (Figura 05 e 06), as temperaturas se elevaram ainda mais, chegando ao pico de 33,4ºC no ponto da vila Charlote, representando assim, a temperatura mais alta registrada no horário, também foi nesse ponto que apresentou a umidade mais baixa do horário, registrando 37% de umidade relativa do ar. Neste horário nota-se o comportamento diferente dos elementos climáticos em questão se comparado aos padrões até agora denotados, o ponto que registrou a menor temperatura foi o Jardim das Rosas, porém não foi onde apresentou a maior umidade relativa doa ar, isso foi registrado no ponto do Discente 5 e 6.

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Figura 05 e 06 – Carta de isoterma e isoígra – 04/10/2011 (15h) – Presidente Prudente/SP Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011)

No horário das 18h (Figura 07 e 08), percebe-se uma pequena queda nas

temperaturas, porém mais pontos se apresentam com temperaturas elevadas. Sendo que, as temperaturas mais baixas foram localizadas nos ponto do Discente 5 e 6 e no Jardim das Rosas, já as temperaturas mais altas foram registradas na pista de Atletismo e na Vila Charlote. No que se refere à umidade neste horário, o Discente 5 e 6 foram onde registraram a maior umidade relativa do horário, e os pontos do Morumbi e da Pista de Atletismo apresentaram as menores medições de umidade relativa do ar neste horário.

Figura 07 e 08 – Carta de isoterma e isoígra – 04/10/2011 (18h) – Presidente Prudente/SP Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011)

No período noturno, representado pelo horário das 21h (Figura 09 e 10), percebe-

se que as temperaturas diminuíram, porém mais pontos se apresentam com temperaturas elevadas, apenas o ponto do Fundo de Vale apresentou temperatura amena. Foi nesse ponto também que registrou-se umidade relativa do ar mais alta do horário.

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Figura 09 e 10 – Carta de isoterma e isoígra – 04/10/2011 (21h) – Presidente Prudente/SP

Org: Kuramoto, A. G., Moreira, J. L. (2011) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a análise das cartas de isolinhas – isotermas – isoígras constatou diferenças térmicas e higrométricas entre os pontos, que variam de magnitude de acordo com o horário e o tipo de uso e ocupação da terra. Essas diferenças apontam para a formação de possíveis ilhas de calor, frescor, assim como, ilhas úmidas e secas, as quais só poderão realmente ser diagnosticadas através de transectos móveis.

Conjuntamente a isso, foi diagnosticado que a temperatura se apresenta inversa a umidade relativa do ar em todos os horários. Sendo que foi no período da tarde, principalmente às 15h que as temperaturas apresentavam-se mais altas. Já as temperaturas mais amenas foram detectadas no período da manhã, no horário das 9h30mim.

Durante o período diurno as menores temperaturas se localizam nos pontos do Jardim das Rosas, Biblioteca, D.A, Departamento de Planejamento e Cartografia, Central de Laboratórios, Discente 5 e 6, Museu, Fundo do Vale, Morumbi.

Este fato pode ser explicado através da grande quantidade de vegetação existente no campo, principalmente algumas áreas que apresentam árvores de grande porte que geram o sombreamento. Além disso, o campus exibe baixa densidade nas edificações e construções espaçadas que permitem a ventilação do ar, o que consequentemente, favorece a dispersão de poluentes e da temperatura. O Jardim das Rosas é um bairro com ruas mais largas e com bastantes áreas verdes, principalmente nos canteiros das avenidas e praças, o que justifica as temperaturas mais amenas nesse local.

No período noturno as temperaturas mais elevadas se abrangem a maioria dos pontos, deixando bem nítido a temperatura mais amena (lha de frescor) no ponto do Fundo de vale.

Em todos os horários analisados a Vila Charlote se apresentou sempre com a temperatura mais elevada, o que comprova como as condicionantes produzidas pela urbanização alteram os elementos climáticos. Esse bairro não possui vegetação representativa, além do que o tráfego de veículos é mais intenso e a densidade de edificações é muito alta.

Em relação à umidade relativa do ar, foi possível notar também que os maiores valores, nos horários 9h:30mim e12h, estavam localizadas nos pontos entre a Biblioteca, D.A, Jardim das Rosas, Morumbi, Fundo de Vale, Discente 5 e 6, Museu, Central de laboratórios e Departamento de Planejamento e Cartografia.

No período da tarde as maiores umidades relativas do ar ficaram localizada no Discente 5 e 6, já no período noturno, no horário das 18h, estavam localizadas no Discente 5 e 6 e no Departamento de planejamento e Cartografia, essa áreas possuem grande

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quantidade de áreas verdes o que auxilia no armazenamento de água. Às 21h o ponto do Fundo de Vale demonstrou a maior umidade relativa do ar no horário, esse local possui uma densa e diversificada vegetação arbórea e o solo pouco alterado pela ação humana em comparação com outros pontos analisados.

Sendo assim, conclui-se que pelo campus não apresentar grande fluxo de veículos e por ter grandes quantidades de áreas verdes as temperaturas nesse local são mais amenas em relação aos pontos distribuídos pelo intra-urbano, porém isso é variável de acordo com o horário em questão e o sistema atmosférico atuante. Como pode-se perceber o ponto localizado no Centro da cidade não apresentou as temperaturas mais elevadas nem as menores umidades, o que pode ser justificado pela atmosfera não tem barreiras, visto que o se produz em uma área pode se manifestar em outra, isso dependerá da atuação dos ventos.

REFERÊNICIAS AMORIM, M. C. C. T. O clima Urbano de Presidente Prudente/ SP. São Paulo, 2000. 374p. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. CARDOSO, R. S. O campo e a cidade em Presidente Prudente: uma contribuição aos estudos de clima urbano. Presidente Prudente, 2012. 95p. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista. CPTEC/INPE- Infoclima Outubro/2011. Disponível em: <http://infoclima1.cptec.inpe.br/>. Acesso em: 25/11/2011. LOMBARDO, M. A. Ilha de Calor nas Metrópoles: o exemplo de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1985. 244p. MONTEIRO, C. A. de F. Teoria e Clima Urbano. São Paulo: IGEOG/USP, 1976. 181p. (Série Teses e Monografias, 25). MOREIRA, J. L. Análise da temperatura e umidade do ar em Nova Andradina/MS: uma contribuição para os estudos de clima urbano. Presidente Prudente, 2012. 102p. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista. VICENTE, A.K. ; TOMMASELLI, J.T.G. ; AMORIM, M. C. C. T. . Conforto Térmico em Presidente Prudente/SP. In: João Lima Sant'Anna Neto. (Org.). Os climas das cidades brasileiras. Presidente Prudente: UNESP/FCT/Programa de Pós-graduação em Geografia, 2002, v. 1, p. 197-227.

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ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS MATERIAIS CERÂMICOS DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO TURVO V-B, NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO¹

Juçara Pereira da Silva/ FCT-UNESP² e-mail: [email protected]

Neide Barrocá Faccio/ FCT-UNESP³

e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

O Sítio Arqueológico Turvo V-B está localizado na porção noroeste do Estado de São

Paulo, no município de Pontes Gestal (Figura 1). O principal objetivo deste estudo é analisar a indústria cerâmica do Sítio Arqueológico Turvo V-B, buscando compreender a ocupação indígena na porção noroeste do Estado de São Paulo, durante o período pré-colonial.

Figura 1 – Localização do município de Pontes Gestal-SP

O sítio em tela encontra-se assentado na margem esquerda do Córrego do Anil

(Figura 2), distante cerca de 800 metros do seu encontro com o Rio Turvo, ou seja, na Bacia Hidrográfica Turvo/Grande.

O Sítio Turvo V-B está numa colina ampla de vertente, levemente acentuada e topo aplainado, localizando-se na baixa vertente (Figura 3). Contudo, sua área encontra-se bastante perturbada pela ação antrópica, devido à retirada de grande parte da vegetação nativa, que foi substituída por gramíneas e pelo cultivo de cana-de-açúcar. Nas proximidades do Córrego do Anil, não há a presença de mata ciliar, o que pode ocasionar o assoreamento dos cursos d’água. 1

1 Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde.

2 Aluna da graduação de Geografia e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq.

3 Profa. Adjunta do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente.

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Figura 2 – Localização do Sítio Turvo V-B

Fonte: Google Earth (17/6/2011).

Figura 3 – Ambiente do Sítio Arqueológico Turvo V-B

Fonte: Adaptado de Faccio (2012, p. 91).

A área do sítio está dentro dos limites de uma unidade menor da Bacia Hidrográfica

Turvo/Grande, a sub-bacia Baixo Turvo/Tomazão, que é representada pelas

Águas do Rio Turvo (a partir da foz do Rio Preto) e dos ribeirões Tomazão e Guariroba, do Córrego Tomazinho, além de outras drenagens de menor porte, inclusive o Córrego São José, que drena para o reservatório de Água Vermelha. Da mesma forma que o Ribeirão do Marinheiro, o baixo Rio Turvo e seus afluentes apresentam extensão de quase 30 km em que se comportam como reservatório [...]. Cardoso e Pontes Gestal (com 11.500 e

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2.500 habitantes, respectivamente) são os dois únicos municípios com sede na sub-bacia (SÃO PAULO, 1999, p. 10-11).

O Grupo São Bento é composto pelas formações Pirambóia, Botucatu e Serra Geral.

Neste trabalho chamaremos a atenção para a Formação Serra Geral, pois, dentre as três, somente esta está exposta na área da sub-bacia Baixo Turvo/Tomazão.

A Formação Serra Geral possui rochas eruptivas que constituem um conjunto de derrames de basaltos toleíticos. Neles, intercalam-se arenitos com características dos arenitos da Formação Botucatu. “Outra faixa expressiva de afloramento situa-se ao longo do baixo Rio Turvo e próximo à confluência com o Rio Preto [...]” (SÃO PAULO, 1999, p. 23). Os derrames são constituídos por rochas de coloração cinza escura a negra.

Quanto à geomorfologia, a área do sitio está no Planalto Ocidental Paulista, que corresponde aos derrames basálticos que cobrem as unidades sedimentares do final do ciclo de deposição da Bacia do Paraná, e às coberturas sedimentares, depositadas na Bacia Bauru, acima desses basaltos (SÃO PAULO, 1999).

Apresenta um relevo monótono, levemente ondulado, de colinas e morrotes. As formas de relevo que ocorrem na maior parte da sub-bacia são as colinas amplas, que ocupam a quase totalidade das áreas drenadas para o Rio Grande. RESULTADOS E DISCUSSÃO

No início das pesquisas no Brasil, os vestígios arqueológicos com características próprias e peculiares encontrados em sítios arqueológicos da região Nordeste do país foram identificados como pertencentes a uma tradição denominada Aratu, enquanto que em Minas Gerais, vestígios semelhantes foram associados a uma tradição denominada Sapucaí. À medida que se comprovou a similaridade entre as duas tradições, os arqueólogos passaram a utilizar uma única denominação para classificar tais vestígios: Tradição Aratu-Sapucaí. (GASPAR; BARBOSA; CORDEIRO, 2007).

Os agricultores ceramistas da Tradição Aratu ocuparam de forma intensa o Planalto Central entre os séculos VIII e IX. Oriunda dos Estados do Amazonas ou Rondônia, os povos da Tradição Aratu cruzaram as redes fluviais dos rios Tapajós, Xingu e Araguaia, em busca do atual interior do estado de Goiás. A partir do Centro-Oeste, as levas migratórias teriam se desmembrado: uma parte seguiu para o Nordeste brasileiro, a outra para o sul de Goiás, centro e oeste de Minas Gerais, e para adentrar o nordeste de São Paulo utilizaram um trecho do Alto São Francisco.

O povoamento indígena do Estado de São Paulo no período pré-colonial, segundo Morais e Morais (2009), ocorreu, conforme as condicionantes proporcionadas pelo meio ambiente físico e biótico, principalmente por meio da distribuição das unidades do relevo e dos recursos hídricos, que orientaram a expansão humana e construíram o espaço geográfico paulista.

Acredita-se que os povos vinculados à tradição Aratu-Sapucaí tenham se expandido nas franjas territoriais do nordeste do Estado de São Paulo, abrangendo trechos das redes hidrográficas do rio Grande e do rio Paraíba do Sul, chegando até a área noroeste do Estado.

O Sítio Arqueológico Turvo V-B possui uma área de 150 por 80 metros, onde os materiais arqueológicos líticos e cerâmicos se encontravam espalhados em meio ao plantio de cana-de-açúcar (Figura 4). Na área do Córrego do Anil, também foram encontrados fragmentos de cerâmica, que certamente, foram levados para o leito do córrego devido à ação das águas das chuvas.

Na área do sítio em tela foram encontradas nove peças líticas lascadas e 32.095 peças cerâmicas, o que permite classificar esse sítio como sítio lito-cerâmico, de povos agricultores ceramistas que habitaram a região no período pré-colonial.

A indústria ceramista desse local é composta por 32.095 fragmentos de cerâmica que foram analisadas a partir dos pressupostos teórico-metodológicos definidos para o estudo das ocupações ceramistas do Oeste Paulista (FACCIO, 1992) e adaptados para o estudo das ocupações ceramistas do Norte do Estado de São Paulo.

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Figura 4 – Material evidenciado na área do Sítio Arqueológico Turvo V-B

Fonte: Faccio (2012, p. 92).

Foram analisadas as seguintes categorias: tipo de fragmento, técnica de manufatura

e tratamento de superfície (decoração). Tomando a vasilha cerâmica enquanto unidade de estudo, torna-se necessário, ao

analisar a coleção, identificar as unidades culturais de comportamento, podendo relacioná-las com outros aspectos da cultura.

Segundo Faccio (1992), na Arqueologia Brasileira, a grande maioria do material cerâmico é coletado na forma de fragmentos, sendo raros os vasos recuperados inteiros. Assim,

O encaminhamento proposto é agrupar os fragmentos provenientes de um mesmo vasilhame através de análises de sua distribuição na área do sítio, dos planos de fratura e dos diferentes atributos tecnológicos e estilísticos (características da pasta, decoração, forma e dimensões). Obtêm-se, com isto, diferentes conjuntos de fragmentos do mesmo vasilhame (FACCIO, 1992, p. 82).

A partir da análise dos 32.095 fragmentos cerâmicos, foram evidenciadas bases, bordas, bordas com parede angular, bordas de vaso conjugado, paredes, paredes com suporte, paredes com furo de suspensão, paredes angulares, paredes de vaso conjugado e um único polidor de sulco, como pode ser visualizado Tabela 1.

Tabela 1 - Fragmentos cerâmicos evidenciados

Tipo de fragmento N° de peças %

Base 626 1,95

Borda 1.615 5,03

Borda com parede angular 32 0,10

Parede de vaso conjugado 17 0,05

Parede 29.654 92,39

Parede Angular 119 0,37

Parede com furo de suspensão 2 0,01

Parede com suporte para tampa 2 0,01

Polidor de sulco 1 0,00

Não identificado 27 0,08

Total 32.095 100

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A categoria parede é a que aparece com maior freqüência, totalizando 92% do total dos materiais; em segundo lugar as bordas, com 5% do total; e com a menor frequência, temos o polidor de sulco, com apenas uma peça. Em uma segunda etapa desta pesquisa, as bordas serão utilizadas para confeccionar a reconstituição de recipientes cerâmicos.

As peças do sítio em tela são, em sua maioria, do tipo simples (lisas), com quase nenhum tipo de decoração. Além do tipo liso, o sítio apresenta alguns fragmentos com o tratamento de superfície engobo na cor vermelha, o que significa que os recipientes que possuíam engobo eram aqueles utilizados em ocasiões especiais.

Estando o sítio em tela assentado em uma colina ampla, de vertente levemente acentuada e topo aplainado, permitia que as populações que o habitavam uma maior visibilidade da área, o que lhes garantia maior proteção. Estando próximo ao Córrego do Anil, tinham a garantia de água para as atividades domésticas, de pesca e recreação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cerâmica da Tradição Aratu-Sapucaí costuma ser abundante nos sítios arqueológicos, como é o caso do sítio Turvo V-B, onde se evidenciaram 32.095 fragmentos cerâmicos, em sua grande maioria sem nenhuma decoração (tratamento de superfície alisado). Em alguns casos, têm-se, também, a presença de pequenas vasilhas geminadas/formas duplas, rodelas de fuso e cachimbos, porém neste caso, evidenciaram-se paredes com furo de suspensão, características de populações indígenas pré-históricas.

Os elementos predominantes na pasta de argila utilizada para confeccionar os artefatos cerâmicos são os elementos vegetais e principalmente os minerais, como a areia – fina e grossa – encontrada nos leitos de rios. A Tradição Aratu caracteriza-se por usar uma tecnologia mais simples na confecção de suas vasilhas, normalmente sem decoração, à exceção de alguma interação cultural que os influenciasse. À medida que mudassem de território também modificariam as técnicas confecção, dependendo da matéria-prima ofertada pelo meio.

Os povos indígenas dessa Tradição eram agricultores ceramistas, ou seja, praticavam a agricultura de subsistência e fabricavam a cerâmica. Escolhiam como espaço topográfico para localizar suas ocupações as elevações suaves, como colinas distante de importantes rios, como é o caso do Rio Turvo à 800 metros dali, mas próximo a um córrego de menor dimensão, como o Córrego do Anil.

Seus aldeamentos circulares a céu aberto tinham sua formação constituída de um a três anéis concêntricos de habitações e no interior haveria uma praça central. Atualmente essa mesma configuração de organização da aldeia pode ser observada entre os indígenas pertencentes ao tronco linguístico Jê, como os Kayapó, os Bororo e os Xavante.

Quando uma aldeia crescia de modo que ultrapassava o tamanho que permitia sua subsistência, parte de sua população mudava para outro local. Assim, depois de certo tempo haveria diversas aldeias de povos Aratu dispersos por uma grande área, como é o caso da área onde se encontra o sítio Turvo V-B, pois além dele existem no entorno outros cinco sítios arqueológicos.

Associando os registros históricos, etnográficos, aspectos geomorfológicos e a análise dos materiais cerâmicos do sítio em tela, pode-se comprovar essa área como sendo de ocupação dos povos Jê do Norte do Estado São Paulo, filiados à Tradição Aratu-Sapucaí.

REFERÊNCIAS FACCIO, N. B. O estudo do Sítio Arqueológico Alvim no contexto do Projeto Paranapanema. 1992. 154 f. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. _______. Relatório de Resgate das Áreas dos Sítios Arqueológicos Turvos. FCT/ UNESP, 2012, p. 75-93.

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GASPAR, M.; BARBOSA, M.; CORDEIRO, J. Arqueologia dos Vales dos Rios Paraíba do Sul e Guandu. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 2007, 60p. Série Livros 27. MORAIS, J. L. de; MORAIS, D. de. Diagnóstico arqueológico, avaliação de impactos e medidas mitigadoras. Relatório Técnico de Arqueologia Preventiva, Plano Integrado Porto-Cidade – Município de São Sebastião, São Paulo, 2009, p. 17-20; 27-29; 47-52. SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Diagnóstico da situação atual dos Recursos Hídricos e estabelecimento de diretrizes técnicas para a elaboração do Plano da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande. Relatório Final (RELATÓRIO N° 40.515), v. 1, 1999. Disponível em: <http://www.sigrh.sp.gov.br/sigrh/ARQS/RELATORIO/CRH/CBH-TG/415/r0/2_1cap1a5final.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2013.

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Campus de Presidente Prudente

APOSTILA MUSEU-ESCOLA: DIVULGAÇÃO PARA AS ESCOLAS DA REGIÃO DE PRESIDENTE PRUDENTE.

Autora: Larissa Figueiredo Daves /FCT - UNESPe-mail: [email protected]

Bolsista: Museu Escola – Banco do Brasil

Co-autora: Camila Manoel Pereira / FCT - UNESPe-mail: [email protected]

Bolsista: Museu Escola – Banco do Brasil

Co-autora: Ruth Künzli /FCT - UNESPe-mail: [email protected]

Professora Doutora do Departamento de Planejamento,Urbanismo e Ambiente.

RESUMO

O Projeto “Museu – Escola: Dialogando com a Interdisciplinaridade” tem como objetivo principal tornar as visitas ao CEMAARQ mais atrativas e produtivas e fazer com que os visitantes (alunos) relacionem os assuntos abordados durante a visita ao museu com os conteúdos trabalhados na escola pelos professores. Pensando nisso, foi elaborada uma apostila abordando os assuntos de Antropologia, Arqueologia e Etnologia que o museu apresenta em seu acervo. Esta apostila será divulgada para as escolas da região de Presidente Prudente, e, desta forma, os alunos terão a oportunidade de entender melhor e mais facilmente os conteúdos abordados pelos monitores durante as visitas. Acreditamos que assim aumentaremos a qualidade do atendimento e a quantidade de visitantes ao CEMAARQ.

PALAVRAS CHAVES: Ensino de Geografia, Educação, Museologia, Arqueologia, Antropologia, Etnologia.

INTRODUÇÃO

O Projeto “Museu – Escola: Dialogando com a Interdisciplinaridade” tem o propósito de tornar a visita para as crianças mais atrativa e produtiva, para que eles relacionem os assuntos abordados durante a visita ao museu com os conteúdos trabalhados na escola pelos professores. Para isso foi criada uma apostila que aborda os assuntos de Antropologia, Arqueologia e Etnologia que o Cemaarq apresenta em seu acervo.

A Faculdade de Ciência e Tecnologia – UNESP, Campus de Presidente Prudente, disponibiliza visitas para a população de Presidente Prudente e região no Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia, Cemaarq, principalmente para estudantes de escolas públicas ou particulares do Ensino Infantil, Fundamental, Médio e Superior. No

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CEMAARQ, conhecido popularmente como “Museu do Índio”, os temas são voltados aos índios desde a Pré-história aos nossos dias, se bem que existe também um acervo sobre Paleontologia.

O projeto “Museu – Escola” tem parceria com outros três projetos no Cemaarq: o Projeto “Circuito Cientifico Cultural”, “Projeto Ciência na Unesp” e “Projeto Lugares de Aprender: a Escola sai da Escola”, este da Fundação para Desenvolvimento da Educação – FDE do Estado de São Paulo. Nestes projetos são agendadas as visitas, e o projeto “Museu – Escola” utiliza os agendamentos para convidar os professores e as escolas a conhecerem o museu através da divulgação da apostila.

Os visitantes são levados inicialmente para a Sala de Manuseio pelos estagiários, que apresentam peças da reserva técnica, sobretudo arqueológicas e inquebráveis, para uma experiência tátil. A seguir, é feita uma visita à exposição, com uma introdução dos assuntos, que varia de acordo com cada faixa etária, o que demanda um treinamento específico do monitor para abordar assuntos que vão desde o período da pré-história - com exposição de peças da pedra lascada, pedra polida, artefatos e fragmentos de cerâmica - até artefatos dos índios contemporâneos e fósseis paleontológicos. Há ainda um “Teatro de Fantoches”, através do qual são narradas lendas indígenas para as crianças da Educação Infantil e, para as crianças do Ensino Fundamental e Médio são apresentados documentários sobre os índios do “Xingu”, elaborado pelo jornalista Washington Novaes, que registra o cotidiano de cinco grupos do Parque Indígena do Xingu no Estado do Mato Grosso, ou então o documentário sobre os índios “Canela”, realizado por uma equipe teuto-brasileira.

Todas estas atividades realizadas têm o propósito de inserir os assuntos sobre Antropologia, Arqueologia e Paleontologia para os visitantes e com isso fazer com que haja uma interação entre visitantes e os estagiários desde o inicio da visita ao acervo do Cemaarq.

A divulgação da apostila para as escolas da região de Presidente Prudente é realizada através de telefonemas para as escolas que fazem o agendamento das visitas, com posterior envio da mesma por e-mail pelos estagiários do Cemaarq. A apostila trata dos assuntos de Antropologia, Arqueologia e Etnologia por meio dos temas:

• Organização tribal e a sociedade indígena

• A obtenção de alimentos

• Artefatos e utensílios.O objetivo desta subdivisão em temas é tornar os ensinamentos sobre esses assuntos mais didáticos e de fácil entendimento para as crianças e adolescentes, e dessa forma tornar o Cemaarq mais atrativo e produtivo.

OBJETIVOS

O projeto “Museu-Escola” tem como objetivo um maior aproveitamento dos conhecimentos que são transmitidos durante as visitas ao Cemaarq, para transmitir de maneira adequada os assuntos para os visitantes de diferentes faixas etárias fazendo com que os alunos assimilem melhor estes conhecimentos transmitidos pelos estagiários. Este projeto também se propõe a despertar o interesse dos professores que vêm acompanhando as visitas, para isso os estagiários do Cemaarq estão fornecendo aos professores a apostila que aborda os assuntos que o acervo apresenta para as escolas da região de Presidente Prudente, antes de realizar a visita, contendo assuntos sobre Arqueologia, Antropologia e Etnologia. Com isso os professores têm a possibilidade de discutir em sala de aula, antes da visita, com os seus alunos, a respeito do que será visto no

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Museu. Assim, podem também participar e se envolver nas atividades realizadas durante a visita, e, sobretudo facilitar o entendimento dos alunos sobre esses assuntos para que os professores possam relacionar os conteúdos ensinados na sala de aula, ao retornarem à escola. O projeto também visa ultrapassar os limites da mera observação visual e explicação verbal durante a visita, fazendo com que os professores e os alunos participem e se envolvam nas várias atividades que são desenvolvidas durante a visita ao Cemaarq.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os métodos utilizados pelo projeto “Museu–Escola” têm como principal relevância o aprimoramento dos estagiários para explicar o museu de forma didática e atrativa para os visitantes, para aumentar a quantidade de visitas e melhorar as atividades realizadas. Os estagiários realizam leituras para o referencial teórico e conhecimento dos artefatos que estão no museu, relativo às ciências que são abordadas, como a Arqueologia, explicando sobre a pré-história, através de artefatos da pedra lascada e pedra polida e o período do conhecimento da cerâmica, além de urnas funerárias. A Etnologia aborda aspectos da cultura indígena, seja sobre seus utensílios, rituais, a organização das tribos de algumas aldeias da região e de outras partes do Brasil. Para tanto os estagiários devem conhecer e explicar desde o período de 1500 até a cultura indígena atual, em que algumas tribos estão sofrendo aculturação. Os monitores também abordam para as visitas assuntos sobre a Paleontologia, que estuda os fósseis da era mesozóica, apresentando uma homenagem feita ao professor doutor José Martin Suárez com uma sala que expõe fósseis de dinossauros, crocodilianos e quelônios da região de Presidente Prudente, descobertos e escavados por ele. Um dos métodos utilizados no projeto é reunião mensal com a orientadora Ruth Künzli, quando são discutidas as leituras para conhecimento dos assuntos abordados pelos estagiários no museu, para que os visitantes tenham uma melhor compreensão a respeito do que estão observando: levantamentos bibliográficos, seleção dos conteúdos que são explicados pelos monitores, treinamento e preparação dos materiais e assuntos que são explicados no monitoramento. Com base nesses conhecimentos é que foi elaborada a apostila para os professores visitantes. Na Sala de Manuseio utilizamos alguns materiais para interagir com as visitas, que são peças líticas e fragmentos de cerâmica para abordar a Arqueologia e um fóssil paleontológico para explicar a Paleontologia, além de documentos para abordar a Antropologia Cultural, principalmente a cultura indígena brasileira contemporânea; é utilizado também um “Teatro de Fantoches”, através do qual é narrada uma lenda indígena. Os estagiários também utilizam a Sala de Manuseio quando a visita no acervo terminou para fazer o “Quiz Cemaarq” com perguntas sobre os assuntos abordados para interagir com os visitantes e saber se as crianças conseguiram aprender os assuntos relatados na visita. No entanto estes métodos têm a relevância de melhorar as atividades do monitoramento das visitas, seja pela separação de conteúdos de cada faixa etária das visitas entre idade e séries, seja pela utilização dos agendamentos das visitas; e, ao final da visita, os professores preenchem um formulário de avaliação, dando suas opiniões e sugestões sobre a reação das crianças visitantes, os assuntos abordados e a própria estrutura física do Museu. Com isso, os monitores e a Coordenação têm a possibilidade de entrar em contato com elementos que lhe facilitem futuramente sua tarefa como professores ou pesquisadores.

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A apostila serve sobretudo levar para as escolas visitantes e professores os assuntos que o Cemaarq expõe durante as visitas. Este material aborda as ciências como Arqueologia, Antropologia e Etnologia com os temas: Organização tribal e a sociedade indígena, A obtenção de alimentos, e Artefatos e utensílios, com o intuito de tornar os ensinamentos sobre esses assuntos didáticos e de fácil entendimento para que as visitas ao Cemaarq se tornem mais atrativas e produtivas para as crianças e adolescentes, já que eles vêm para a visita com uma noção básica do que estarão visualizando. Os materiais e métodos utilizados pelos estagiários durante a exposição dos assuntos têm como propósito aprimorar o conhecimento dos monitores e dos visitantes e informar os assuntos das ciências abordadas durante a visita para os professores e alunos. A apostila serve como material fundamental para ajudar os professores nestes conhecimentos e até mesmo ser usada em trabalhos na sala de aula.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O projeto “Museu–Escola”, em parceria com os outros projetos, tem realizado atividades para aumentar a quantidade de visitas e mostrar para a sociedade aspectos da cultura e educação, tais como a Semana do Índio, Semana de Museus, Semana do Meio Ambiente, Semana do Folclore, Primavera em Museu. A coordenação geral do Projeto está a cargo da professora Doutora Voluntária Ruth Künzli do Departamento de Planejamento, Ambiente e Urbanismo da Faculdade de Ciência e Tecnologia de Presidente Prudente.Os principais resultados obtidos são a interação dos visitantes com os estagiários, pois os estagiários percebem a compreensão dos assuntos pela curiosidade e atenção com que os alunos participam das atividades expostas; houve um aumento significativo de atendimento de visitas no Cemaarq nos últimos anos, principalmente nos eventos que a Faculdade oferece para a comunidade e para os estudantes.

“A partir de 2001, com a criação do CEMAARQ o número de visitas tem aumentado significativamente: 6.249 em 2001, 9.181 em 2.002 (ano em que o CEMAARQ foi realmente implantado) e 9.199 em 2.003. Destes, em 2001 foram atendidos 980 pelo Projeto Museu-Escola, 1.120 em 2002, 1.414 em 2003.” (KUNZLI, SOUZA e SILVA p. 78, 2000)

Podemos perceber que desde a criação do CEMAARQ o projeto está proporcionando qualidade para o monitoramento e novidades para os visitantes, pois no ano de 2012 nos eventos realizados que o CEMAARQ apresentou, houve cerca de 14.689 visitantes envolvendo todos os agendamentos de visitas e eventos realizados dentro e em outros locais fora da UNESP. O presente Projeto também proporciona um melhor atendimento nos vários Setores, sobretudo tendo em vista o Projeto Circuito Científico Cultural, visto que os monitores são orientados e treinados para fazer o atendimento de forma condizente com o horário que a turma tem disponível e de modo que esta possa aproveitar ao máximo a visita. A apostila está ajudando os professores nestes conhecimentos que os monitores apresentam durante a visita e também interessando os alunos a interagir com os estagiários durante a visita, com resultados positivos. Ao final das visitas é apresentado aos professores visitantes um documento de avaliação, no qual eles podem se manifestar quanto aos resultados, tanto das explanações

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dos monitores quanto da adequação do espaço físico, que servem como retroalimentação para futuras ações seja para melhorar até a parte externa do Museu ou partes da exposição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visto que a apostila é um material fundamental para divulgar as ciências abordadas durante a visita, ela mostra-se de grande importância para a interação com as escolas da região de Presidente Prudente e a FCT-UNESP de Presidente Prudente, podemos perceber as diferentes formas de aprendizagem que os monitores apresentam para as visitas. Com isto, os professores podem utilizar diferentes métodos de ensinamento para seus alunos. O projeto tem interesse em continuar melhorando o seu monitoramento, seja com as orientações e treinamento dos estagiários, adquirindo novidades e conhecimentos sobre os assuntos abordados, com levantamento bibliográfico, participação eventual em atividades de formação oferecidas, por exemplo pelo Sistema Estadual de Museu – SISEM, a seleção de conteúdos pertinentes à exposição e explicação, as leituras, o treinamento e preparação de material expositivo, elaboração de maquetes e jogos, como o “Quiz Cemaarq”, a Sala de Manuseio e aumentar a divulgação da apostila para as escola da região de Presidente Prudente. Com tudo isso o museu vem obtendo novidades para o aprimoramento das visitas. Com isto os monitores necessitam estar sempre atualizados nos assuntos abordados para uma melhor exposição para as visitas. Nota-se que um dos principais objetivos é o aprimoramento dos monitores para que o interesse pelas visitas aumente e o conhecimento seja passado de forma cada vez mais interessante aos alunos visitantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATA, Frederico. Arqueologia: As artes plásticas no Brasil. Editora Ediouro. Rio de Janeiro, 1968CASTROGIOVANNI, Antonio C. Ensino da Geografia: Caminhos e Encantos. Editora EDIPUCRS, 2007.GOMES, Mércio P. Antropologia - Ciência do homem: Filosofia da cultura. Editora Contexto, 1ª edição. São Paulo, 2008.KÜNZLI, R. Arqueologia Regional: a Experiência de Presidente Prudente. Ciências em Museus vol 4 outubro 1992 pg 4, 151-154.KÜNZLI, Ruth; SOUZA, Renata Junqueira; SILVA Ilíada Pires. O projeto museu-escola: dialogando com a interdisciplinaridade – uma experiência que está dando certo. Revista Nuances, vol. VI 1º ed. São Paulo: UNESP, 2000MELATTI, Julio C. Índios do Brasil. Editora Hucitec. 5º edição. São Paulo-Brasilia, 1987.PALLESTRINI, Luciana e MORAIS, José L. Arqueologia pré- histórica brasileira. Editora Universidade de São Paulo - Museu Paulista Fundo de Pesquisas. 1° edição, São Paulo, 1980.PEREIRA Jr,José A.Introdução ao Estudo da Arqueologia Brasileira. Editora Gráfica Bentivegna.São Paulo, 1967.PIEDEMONTE, Celso de L .Evolução Humana. Editora Ática, São Paulo 1990.RIBEIRO, G. Berta. Cultura Material: Objetivo e Símbolos. Ciências em Museus, Belém, Editora do Museu Paraense Emilio Goeldi/CNPq, vol 2, outubro 1990, p. 17-25.SCHEINER, T.C. Museus e Museologia – Uma Relação Científica? . Ciências em Museus vol 1 abril 1989 pg 1, 59-63.

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TAVARES, R.M.M. Ação Cultural dos Museus. Ciências em Museus vol 4, outubro 1992. p. 4, 11-14.

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i1 Eixo Temático: Ensino de Geografia

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AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES ATUAIS DO TEOR DE CHUMBO NO SOLO COM BASE NOS PARÂMETROS DA RESOLUÇÃO CONAMA 420/09, EM CAÇAPAVA-SP

Bel. Raquel Henrique/ FCT Unesp

[email protected]

Bel. Renata Sakurai/ FCT Unesp

[email protected]

INTRODUÇÃO

O chumbo é um dos metais mais abundantes na crosta terrestre e por possuir características físicas e químicas que lhe conferem qualidades como maleabilidade e resistência a corrosão se tornou um dos elementos mais presentes no ambiente fabril. Seu principal produto atualmente é a bateria automotiva, mas está fortemente presente em outros produtos como ligas, cabos, artigos de cerâmicas e entre outros.

O Brasil não produz o chumbo primário como principal produto. A principal obtenção do chumbo no país é a partir do processo de reciclagem de baterias automotivas, processo em que se obtém o mineral com características quase semelhantes ao primário. Segundo Paoliello (2002), no Brasil podem ser encontradas elevadas concentrações de chumbo no entorno das indústrias de atividade de exploração do chumbo ou de reciclagem de baterias automotivas. Mesmo com todos os indicadores e estudos de impactos ambientais que associam a contaminação deste setor produtivo e alguns desequilíbrios na saúde pública, ainda existem poucos estudos geográficos que analisem este aspecto poluidor, mensurando a concentração deste elemento no ambiente afetado.

Tanto no processo de beneficiamento primário (que é a partir da extração do metal) quanto secundário (pelo processo de reciclagem) há o lançamento de particulado tóxico na atmosfera, que depois irá se depositar no solo e curso d’água, contaminando-os. O ser humano pode absorver este metal pelas vias digestiva, cutânea e oral, porém este elemento não possui função fisiológica para o organismo do homem, causando intoxicações que vão de leve a grave. Portanto, qualquer ambiente contaminado por chumbo representa potencialmente um risco à saúde pública.

Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa que buscou avaliar a concentração de chumbo no solo na área de uma extinta fábrica de baterias automotivas no município de Caçapava-SP e compará-la aos parâmetros estabelecidos pela Resolução CONAMA 420/09 para o uso do solo industrial.

O ambiente em análise pertence a uma extinta fábrica recicladora de baterias automotivas, localizada em área periurbana de Caçapava-SP, próximo a um bairro de expressiva população. A característica da área é rural, circundada por um grande número de nascentes intermitentes, de uso do solo agrícola, com hortifrutigrangeiro e pecuária leiteira. Características que são preocupantes, pois nas instalações da fábrica encontram-se escória de chumbo armazenadas de maneira irregular, apresentando-se como um risco potencial à saúde das pessoas e ao ambiente que estão no entorno. Análises ambientais no período de funcionamento da fábrica, aplicadas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) já apontavam a área do entorno da fábrica com alto teor de chumbo no solo.

Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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Para tanto, foram realizadas quatro análises de solo na área de propriedade a fábrica para averiguação da concentração do chumbo. Pretende-se com estes resultados demonstrar que mesmo após o encerramento das atividades da fábrica em 1999, o ambiente continua sendo contaminado devido à escória de chumbo armazenada de modo irregular no interior da empresa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Visto a pertinência em se pesquisar o impacto que este setor produtivo ocasiona no meio em que está inserido e, ao mesmo tempo, a quantidades de empresas que estão espalhadas pelo país e em maior quantidade na região sudeste, algumas pesquisas foram fundamentais para esta investigação confirmatória. Paoliello (2002) e Figueiredo et al. (2004), por exemplo, investigaram a contaminação ambiental por chumbo no Vale do Ribeira SP-PR, região em que ocorrera a exploração do chumbo pela empresa Plubum e identificaram um ambiente que ainda possui o impacto da contaminação pelo metal na saúde pública, principalmente nos residentes próximos as antigas áreas de exploração. Por sua vez, Amaral (2005) realizou sua pesquisa no município de Bauru-SP, investigando o impacto de uma indústria de bateria automotiva no quoeficiente de inteligência em crianças residentes nos bairros próximos a fábrica. Esta autora identificou que as crianças com os maiores níveis de concentração de chumbo no sangue obtiveram menores êxitos nos testes aptidão aplicados aos jovens.

O município de Caçapava-SP localiza-se no médio Vale do Paraíba, entre os municípios de São José dos Campos e Taubaté. Esta região, que apresentava condições propícias para o desenvolvimento industrial (acesso através da Rodovia Dutra, planícies de grande extensão na proximidade ao Rio Paraíba do Sul e oferta de mão-de-obra), tornou-se efetivamente industrial a partir dos anos 70, impulsionada pelo processo de desconcentração industrial de São Paulo. Caçapava, em especial, acabou atraindo algumas empresas tidas como potencialmente poluidoras, por apresentarem elevado risco ambiental em seu processo produtivo, como as empresas Reprocessa, Italspeed e a extinta Faé. Este incentivo, por parte dos gestores municipais à vinda desta categoria de empresas ocorreu, pois, acreditava-se que estas poderiam atrair maior desenvolvimento para Caçapava. O mapa 1 ilustra a localização da fábrica em relação ao município.

Dentre estas empresas citadas, a Faé S/A Indústria e Comércio de Metais trabalhava com a produção de lingotes de chumbo a partir da reciclagem de baterias automotivas no período de 1979 a 1999. Atualmente, esta fábrica está fechada por ordem judicial por cometer crimes ambientais e está sendo processada judicialmente pelo município, fato que impossibilitou a pesquisa em laudos e relatórios realizados pelo município sobre o caso.

O grau de intoxicação do chumbo sob o organismo humano pode ser determinado pela quantidade e tempo de exposição ao metal, também influenciado pela forma física e química em que se apresenta no ambiente de risco. São vários os sintomas que este elemento pode ocasionar no ser humano e seu maior agravante é o fato de ser cumulativo no organismo, podendo ficar retido nos ossos durante anos e ser então reintegrado a circulação sanguínea e tecidos moles. Segundo Brasil, 2006, os sinais e sintomas de uma intoxicação por chumbo podem ser classificados segundo sua gravidade. Portanto, classificam-se como leve: fadiga leve, dor abdominal intermitente, letargia, mialgia, irritabilidade e prestesia. Enquanto moderada, apresenta-se: cefaleia, perda de peso, vômitos, náuseas, redução da libido, fadiga severa, tremores, dificuldade de concentração e etc. E, finalmente, sinais e sintomas graves: coma, encefalopatia, neuropatia motora, nefropatia, convulsões, linha gengival de Burton e etc.

Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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Mapa 1: Localização da fábrica no município de Caçapava-SP.

Visto a emergência em se investigar qual a situação da contaminação por chumbo neste ambiente, foi realizado nesta pesquisa trabalho de campo e coleta de amostras de solo. O trabalho de campo, ferramenta consolidada para pesquisa entre os geógrafos, foi fundamental, uma vez que possibilitou reconhecer a realidade in locu, além de viabilizar a coleta de amostras de solo para análise do teor de chumbo. Todas as amostras foram enviadas para análise laboratorial na Bioagri Ambiental, empresa que faz parte da Mérieux NutriSciences e presta serviços analíticos para avaliar a qualidade do meio ambiente. A empresa então forneceu a dosagem de metais pesados nas amostras atendendo integralmente as legislações vigentes no país (Portaria 2914/11 do Ministério da Saúde; Resolução CONAMA 357/05 e 420/2009; Decreto Estadual 8468/76).

As amostras de solo foram coletadas em 4 pontos distribuídos na área de propriedade da fábrica, sendo a amostra 1 próxima ao galpão da fábrica, a amostra 2 próxima a uma estrutura de concreto que armazena escória de chumbo, a amostra 3 próxima ao córrego e a amostra 4 próxima a fábrica, em uma possível área de pastagem. As amostras foram devidamente coletadas da camada superficial do solo, como a literatura sugere com relação à deposição do chumbo (PAOLIELLO, 2002; MOURA, 2006; PIERANGELI et al, 2001), e posteriormente lacradas em sacos plásticos e enviadas para análise, com menos de 24 horas de coleta.

Os resultados podem ser observados no quadro 1 e na figura 1 a seguir:

Resultados Analíticos das amostras

Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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Solo Resultado de

Pb mg/kg Parâmetro de

Pb mg/kgValor

acima (%)

Amostra 1 X 1396 900 155,11

Amostra 2 X 762 900 0

Amostra 3 X 1074 900 119,33

Amostra 4 X 3095 900 344Quadro 1: Resultados analíticos das amostras.

Fonte: Henrique, 2012.

900*: Valor de Investigação para o cenário industrial estabelecido pelo CONAMA 420/2009

Figura 1: Gráfico com os resultados analíticos de chumbo nas amostras.

Fonte: Henrique, 2012

Em análise ao quadro e ao gráfico, pode-se constatar que apenas a amostra 2 não apresentou valores acima ao parâmetros nacional de investigação quanto ao valor máximo para o chumbo em ambientes industriais. Vale a pena resaltar que a fábrica parou seu funcionamento a cerca de 14 anos.

Pode-se também averiguar que a amostra 4 apresentou um valor 344% superior ao valor estabelecido pela resolução CONAMA 420/2009. Este valor apresenta-se superior a máxima de 1700 mg/kg encontrado por Leroyer et al. em 2000, em solo de áreas próximas a emissões industriais na França (PAOLIELLO, 2002).

Estes valores também foram superiores aos valores encontrados por Paoliello (2002) em áreas próximas a refinaria de chumbo no Vale do Ribeira SP-PR, que foram de 26 mg/kg a máxima de 915,6 mg/kg.

Comparando com análises de solo realizada pela CETESB em 2001, em áreas do polo cerâmico de Santa Gertrudes – SP, que obteve valor de 529 mg/kg de chumbo no solo, em profundidade de 0 a 20 cm (MOURA, 2006), todos os valores encontrados nesta pesquisa encontram-se superiores a este, em nível de contaminação. Moura (2006) ainda apresenta que, em profundidades de 50 a 60 cm no solo neste mesmo local, a CETESB encontrou teor máximo de chumbo em 2890 mg/kg. A amostra 4, analisada neste trabalho, apresenta também valor superior a este em concentração de chumbo no solo.

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Por mais que o número de amostragem neste trabalho, não tenha sido expressivo, quase todas as amostras apresentaram teores de chumbo acima ao Valor de Investigação para ambiente industrial apresentado pela Resolução CONAMA 420/09, apontam assim para a contaminação ambiental naquela área em detrimento do chumbo. A partir desses resultados, faz-se necessário uma investigação mais criteriosas, que abranja também outros metais, a exemplo o cádmio, que também pode estar sendo um agente contaminante naquela área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se propôs apresentar uma avaliação do teor de chumbo no solo em uma área pertencente a uma extinta fábrica de baterias automotiva, a fim de compará-la ao parâmetro estabelecido pela Resolução CONAMA 420/09. O objetivo foi verificar se aquele ambiente encontra-se contaminado, compreendendo enquanto contaminado um ambiente que possua substâncias químicas decorrentes de atividades antrópicas em concentrações que restrinjam a utilização dos recursos naturais, tendo como base a avaliação de risco à saúde humana (BRASIL, 2009).

As análises aqui realizadas confirmam que o solo nesta área encontra-se contaminado, mesmo tendo a fábrica encerrado suas atividades em 1999. A hipótese levantada é que a presença da escória de chumbo armazenada de modo irregular nas instalações da Faé são fonte de contaminação contínua para o ambiente.

O caso aqui apresentado é mais um reflexo da expressiva utilização deste metal no setor industrial, haja vista suas características físicas e químicas, e que acaba por expor tanto à saúde coletiva quanto a saúde ambiental a concentrações elevadas desse metal.

Ciente de que há muito a se estudar sobre esta temática e que, identificado à problemática, se faz necessário uma investigação mais criteriosa acerca do perigo e risco oferecido por esta contaminação à saúde pública e ambiental, este trabalho conclui a primeira etapa, na intenção de que próximos estudos sejam empreendidos a partir dos resultados iniciais aqui apresentados. Faz-se necessário, nos próximos estudos, um monitoramento e análises de solo, água, sedimentos e plantas em diferentes distancias a partir da origem da contaminação para que se intente delimitar a área de risco e os diferentes níveis de exposição. Também seria interessante se conhecer como a concentração do chumbo apresenta-se no perfil do solo, para isto, podem ser realizadas coletas neste em diferentes profundidades, lembrando que o aporte teórico aqui consultado recomenda o estudo na camada superior do solo devido a grande absorção do chumbo neste e sua relativa imobilidade.

Esta pesquisa limitou-se ao resgate teórico inicial, necessário para abordagem desta temática e a realização de análises ambientais iniciais, a fim de verificar a hipótese de contaminação daquele ambiente mesmo após o encerramento das atividades no local.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção a saúde dos trabalhadores expostos ao chumbo metálico. Brasília, 2006. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/06_0449_M.pdf Acesso 22. out. 2012.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 357/2005, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Brasília, 2005. Disponível em: www.mma.gov.br/port/conama/res/res05/res35705.pdf Acesso 22. out. 2012.

FIGUEIREDO, B. R.; De CAPITANI, E. M.; GITAHY, L. C. Exposição humana à contaminação por chumbo e arsênio no Vale do Ribeira (SP-PR). In: Encontro da ANPPAS 2, 2004, Indaiatuba: UNICAMP, 2004. 1 CD Rom.

HENRIQUE, R. Contaminação na cidade de Caçapava, SP: exposição ao risco e investigação confirmatória. 2012. 104 f. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, UNESP, Presidente Prudente. 2012.

MOURA, A. N. Remediação de áreas contaminadas com metais pesados utilizando acidithiobacillus sp. 2006. 252 f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo. 2006.

PAOLLIELO. M. M. B. Exposição humana ao chumbo em área de mineração, Vale do Ribeira, Brasil. 2002. 203 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. 2002.

PIERANGELI, M. A. P. et. al. Teor total e capacidade máxima de absorção de chumbo em latossolos brasileros. Revista Bras. Ci, Solo. v. 25, p. 279-288, 2001. Disponível em: <http://sbcs.solos.ufv. br/solos/revistas/v25n2a04.pdf>. Acesso em 20. out. 2012.

SÃO PAULO (Estado). Diário Oficial: Decreto n° 8468/1976, de 8 de setembro de 1976. Dispõe sobre a prevenção e o controle da poluição do meio ambiente. São Paulo: IMESP, 1976. Disponível em: http://www.cetesb.sp.gov.br/Servicos/licenciamento/postos/legislacao/Decreto_Estadual_8468_76.pdf. Acesso 27. jun. 2012.

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BACIA DO RIO GRANDE/TURVO: ANÁLISE GEOARQUEOLÓGICA DE SÍTIOS PRÉ HISTÓRICOS 1

Autor: Paula Cabral de Lima/FCT UNESP2

Email: [email protected]

INDRODUÇÃO

Neste trabalho apresentamos os resultados dos estudos desenvolvidos na área da Bacia do Rio Grande/Turvo. Foram estudadas as áreas de quatro sítios arqueológicos sob a perspectiva da geoarqueologia. Utilizamos pressupostos das Ciências da Terra, particularmente a Geomorfologia e a Petrografia Sedimentar, para a interpretação e reconstituição ambiental de contextos arqueológicos. Enfoque foi dado à localização dos sítios na sua relação com a Bacia Hidrográfica do Rio Grande Turvo

Bacia do Rio Grande/Turvo é composta por 62 municípios, somando mais de um milhão de habitantes em uma área de 16.037 km², tendo como atividades predominantes à agropecuária, a cana-de-açúcar, o café, o milho, a laranja, a fruticultura e atividades industriais como usinas de açúcar e álcool, moveleira, laticínios e frigoríficos (Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rio Turvo/Grande – CBH – TG, 2004 ). A Bacia Hidrográfica do Grande/Turvo (UGRHI 15) localiza-se no norte noroeste do Estado de São Paulo e apresenta limite ao norte com o Estado de Minas Gerais, a leste com a UGRHI 12 (Baixo Pardo/Grande), a sudeste com a UGRHI 9 (Mogi-Guaçu) e, pelo flanco Sul, com as UGRHI 16 (Tietê/Batalha) e 18 (São José dos Dourados). A bacia do Turvo/Grande apresenta uma área de drenagem de 15.983 km², sendo definida por várias bacias hidrográficas, de cursos d’água afluentes ao trecho do Rio Grande entre a barragem da UHE Marimbondo e a confluência do Rio Paranaíba. A seguir as figuras com a localização dos sítios arqueológicos estudados na pesquisa. Figuras 1,2,3,e 4.

Figura 1: Localização dos sítios e da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande e as UGRHI

limítrofes. Fonte: IPT (1999)

1 Eixo Temático Geografia Ambiental

2 Bolsista de Iniciação Cientifica- Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP)

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Figura 2: Localização do Sítio Arqueológico Barra de Ouro e da Área de Ocorrência

Arqueológica Barra de Ouro I e II, Município de Orindiúva, SP. Fonte: IBGE

Figura 3: Localização dos Sítios Arqueológicos Porto Velho e Porto Velho II e da Área

de Ocorrência Porto Velho I, no Município de Orindiúva, SP. Fonte: IBGE

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Figura 4: Localização do Sítio Arqueológico Menino Jesus, no Município de Icém,SP.

Fonte: IBGE

A Bacia do Rio Grande/Turvo, com sua densa rede de afluentes proporcionou

acesso a inúmeros ambientes favoráveis à fixação humana, o processo de ocupação de uma região por grupos humanos pretéritos leva em consideração todos os elementos da paisagem, sendo que esses são de grande importância para a fixação de uma população em determinado espaço. No que se refere à disponibilidade de água, a região apresenta um grande número de córregos tributários do Rio Turvo. A população indígena do período pré-colonial, que ocupou a área da Bacia do Rio Turvo/Grande instalou recorrentemente seus assentamentos próximos às áreas de confluência entre os córregos e o Rio Turvo ou Grande, provavelmente para facilitar o acesso à água. Os córregos ao que tudo indica, podem ter sido importantes pontos de coleta de argila e de moluscos, fonte de água para beber e para o banho. A coleta de seixos também pode ter sido realizada em Stones lines nos barrancos dos córregos.

A Geografia, no sentido exato do seu significado, quer dizer “estudo da Terra”. É uma ciência interdisciplinar por excelência. Por se tratar de algo tão vasto quanto às ciências da Terra, é de extrema importância sua influência em outra ciência, como a arqueologia.

A arqueologia por sua vez é o estudo da sociedade por meio de seus vestígios. Podem ser eles artefatos como uma cerâmica ou um lítico, ou evidências de uma fogueira, de um acampamento, entre outros. A arqueologia é ainda “o estudo da cultura material em sua relação com o comportamento humano, as manifestações físicas das atividades do homem, seu lixo e seu tesouro, suas contribuições e seus túmulos” (RATHZ, 1989, p. 49). O estudo da técnica para a arqueologia é de fundamental importância, tendo em vista que os artefatos e vestígios estudados pela arqueologia têm por de traz de sua produção, um trabalho de concepção por meio de técnicas, que os diferentes povos indígenas desenvolveram para transformar o meio

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em que viviam e os materiais que estavam a seu alcance. Tanto para a Geografia quanto para a Arqueologia é importante o estudo das técnicas, pois é por meio delas que o homem pode criar novos métodos de exploração.

Nesse contexto, a Geoarqueologia une a análise da interação entre culturas pretéritas e paisagens vivenciadas, aproximando a Arqueologia das Ciências Ambientais. O conhecimento dos elementos faunísticos, florísticos, pedológicos e litológicos desses ambientes antigos auxilia na interpretação da alimentação e do desenvolvimento de técnicas humanas pretéritas em locais escolhidos para desenvolver tais atividades, esses locais são os sítios arqueológicos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Pallestrini (1978), todo ser vivo desenvolve sua demarcação territorial de uma forma ou de outra, na tentativa da delimitação de um espaço dentro do qual ele exerce suas atividades funcionais, decorrentes de sua maior ou menor especialização encefálica. A ocupação de um determinado espaço habitacional por uma espécie viva decorre, portanto, de uma habilidade de escolha em função de um “optimum” de meio natural. Esse meio selecionado é escolhido por meio de uma série de operações decorrentes das necessidades da espécie, com exigências tanto mais requintadas quanto maior o desenvolvimento encefálico.

A Geoarqueologia está ligada diretamente ao surgimento e desenvolvimento do pensamento da Nova Arqueologia, em 1959, com a publicação da obra de Joseph Caldwell denominada “A Nova Arqueologia Norte-Americana”. Essa obra deu ênfase à “valorização da ecologia e dos padrões de assentamento como evidências de um novo interesse pelo processo cultural” (TRIGGER, 2004, p. 286). Intrinsecamente, a geoarqueologia busca o entendimento dos processos de formação do registro arqueológico “tais como descarte, transformação, acumulação, redeposição, destruição de materiais e depósitos sedimentares” (ARAÚJO, 2001 p.62).

Temos então a caracterização do chamado fator geo (relações entre a Arqueologia, a Geografia, a Geomorfologia e a Geologia). Segundo Morais, (1999), o fator geo distribui-se no âmbito de pelo menos dois subcampos bem consolidados da Arqueologia: a Geoarqueologia e a Arqueologia da Paisagem.

Morais (1999) descreve que a Geoarqueologia tem uma identidade bem marcada, enquanto abordagem interdisciplinar. De acordo com o autor, a busca da otimização de uma postura interdisciplinar, reitera o postulado de que os antigos cenários de ocupação humana são revivenciados pelo curso de várias disciplinas inseridas no contexto das ciências humanas e sociais (especialmente a Arqueologia, a História, a Geografia Humana, a Etnologia, a Sociologia e, mais recentemente, a Geografia Cultural), das ciências naturais (principalmente a Geografia Física, Geologia, Geomorfologia, Biologia e Botânica) e das ciências exatas e tecnológicas (Física, Química, Matemática e Informática).

As ligações entre a Arqueologia e a Geografia, parecem concretas, depois que o homem pré-histórico inseriu-se em contextos complexos, “cenários” onde desempenhou papéis variados. Genericamente, os cenários identificam-se como o meio ambiente. Considerando-se as esferas geográficas que se entrelaçam e se complementam (atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera), o Homem pré-histórico, como participante delas, não pode ser estudado fora de seu conjunto (MORAIS, 1986).

O Homem biológico e cultural agrediu o meio e foi agredido por ele, teve de adaptar-se a meios regionais específicos. A Arqueologia tenta, também, estudar tais adaptações. Assim, o planejamento arqueológico considerará a abordagem dos aspectos físicos em suas mais variadas nuances espaço-temporais, além de tentar avaliar o comportamento do Homem (MORAIS, 1986, p.34).

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Estudando os trabalhos realizados na Bacia do Rio Paranapanema e na Bacia do Rio Paraná, verificamos que a Geoarqueologia vem sendo focada em diversos aspectos. Dois títulos podem ser citados, como exemplo: a interferência da compartimentação do relevo nos padrões de povoamento pré-histórico, a implicação da petrografia das rochas silicificadas nas técnicas de lascamento e na consequente análise tecnotipológica (MORAIS, 1983) e a interferência dos agentes modeladores do relevo nas técnicas de trabalho de campo (PALLESTRINI, 1975).

De acordo com Leroi-Gourhan (1984), a descoberta de sítios arqueológicos que, na realidade, se traduzem pela obtenção de novas fontes arqueológicas, pode ocorrer por três vias.

A primeira liga-se à tradição ou ao acaso. Alguns locais são tradicionalmente conhecidos como de interesse arqueológico (abrigos, cavernas e “cemitérios de índios”). Contudo, mais frequentemente, sítios arqueológicos são descobertos fortuitamente, por meio da realização de empreitadas agrícolas, projetos urbanísticos e outras construções civis.

A segunda via, de conotação empírica, está ligada à experiência do pesquisador que conhece detalhes ambientais e arqueológicos de sua região de trabalho. Com base nessa premissa, ele investiga locais favoráveis, considerando o reconhecimento e fazendo uso dos parâmetros verificados pela experiência.

A terceira é a prospecção dita científica, na qual o arqueólogo busca técnicas e aparelhos especiais (alguns de caráter espetacular, como frisa Leroi-Gourhan), tais como a fotografia aérea, a prospecção geofísica e geoquímica, a micro-sismologia e outros. Na realidade, a terceira via apenas completa a segunda. Sendo assim, de pouco adiantam modernas técnicas de varredura, sem a experiência do pesquisador.

A Geomorfologia, entre outros aspectos, estuda os processos intervenientes no modelado do relevo. A análise dos processos contemporâneos e sua distribuição espacial proporcionam analogias para a associação e compreensão do passado (GLADFELTER, 1977).

O contexto geomorfológico e geológico do artefato completa informações, pois o objeto arqueológico é, de fato, remanescente de padrões de comportamento vividos em contextos ambientais pretéritos (MORAIS, 1986).

Segundo Casseti (1981) o objetivo é o de estabelecer inicialmente, uma compartimentação topográfica da região arqueológica, fornecendo uma descrição explicativa dos níveis altimétricos, por meio do método geométrico, além de procurar catalogar as formas do relevo e as suas vinculações com a escolha dos sítios.

A boa qualidade da pesquisa de campo da Geoarqueologia “depende do uso das geotecnologias, técnicas modernas para estabelecer, registrar e gerenciar paisagens e seus componentes” (CASSETI, 1983).

Marcadamente interdisciplinar, a geoarqueologia relaciona-se com a geomorfologia, a climatologia, a pedologia e diversas outras ciências para obtenção de respostas que satisfaçam as questões elaboradas pela arqueologia, a fim de interpretar e conhecer o passado humano. Segundo Kashimoto (1992):

O geoarqueólogo surge no bojo da evolução das pesquisas arqueológicas, que são realizadas com o objetivo central de conhecer a vida humana em tempos pretéritos dentro da perspectiva interdisciplinar, que gera vias diversificadas de enfoque, tais como a georqueologia, a bioarqueologia, a zooarqueologia e a arqueometria. Essas especialidades, cada qual centrada com enfoque específico desenvolvem instrumentos metodológicos peculiares. Da interação dessas formas de análise poderá advir uma substancial compreensão relativa às culturas pré-históricas (KASHIMOTO, 1992, p.15-16).

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Em meio a isso não podemos deixar de englobar nessa discussão o meio geográfico que, segundo Bertrand (2007) é um dos conceitos que marcam uma fase na pesquisa sobre a paisagem. Esse (o meio geográfico) se decompõe rapidamente em uma enumeração com vários elementos que ainda caracterizam alguns “quadros geográficos”. Assim, foi por falta de análise coerente e pertinente do “meio natural” que a geografia humana desviou-se não apenas na análise da natureza, mas também da análise regional clássica. Nem por isso o “meio geográfico” representa menos uma primeira tentativa de definir a paisagem em relação ao homem ou à sociedade, isto é, ele traz à natureza uma dimensão social, o que corresponde à preocupação da arqueologia (BERTRAND, 2007). Gonçalvez (1989) notou que a cultura se produz no interior da natureza, desenvolvendo seu próprio caráter face aos estímulos do meio ambiente e das relações entre os homens.“O condicionamento recíproco entre cultura e natureza resulta na assertiva de que o homem por natureza produz cultura” (GONÇALVES, 1989, p.83). Dennell (1987) correlacionou geografia física às abordagens relativas aos níveis de caçadores-coletores, onde a partir dos produtos, os processos são desenvolvidos visando compreensão paleoambiental. Goudie (1987) entende que alterações geomorfológicas podem ser direcionadores significativos ao entendimento dos padrões de assentamento humano. Por outro lado na relação entre arqueologia e geografia, o autor lembrou que o homem é elemento provocador de mudanças no ambiente desde tempos pretéritos. Butzer (1987) concluiu que as pessoas são agentes geomorfológicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interdisciplinaridade é de fundamental importância para essa pesquisa, pois, fornece respostas não só para a arqueologia, mas também para a Geografia, Geologia e Pedologia, ciências que são abordadas nesse estudo. Fica claro o vinculo entre essas disciplinas, pois não é possível estudar a ocupação humana fora do contexto dessas ciências humanas, sociais, naturais, exatas e tecnológicas, uma vez que o homem interage com elementos, alvo do estudo dessas ciências, deixando marcas de suas ações no meio ambiente.

Entendemos que a geoarqueologia não pode ser separada completamente do estudo da paisagem, como duas coisas distantes, pois uma complementa a outra. Nesse sentido a paisagem é fator importante para o estudo geoarqueológico. Não poderíamos estudar a geomorfologia, os solos e a hidrografia, de uma área sem observar sua paisagem e identificar por meio dela os prováveis motivos que levaram os grupos pré-históricos a interessar-se por determinado espaço.

Sobre os estudos e levantamentos referentes aos aspectos geológicos e geomorfológicos regionais, identificamos preliminarmente as características geológicas da região que refletem a evolução histórica. O período da formação das rochas em sua grande maioria corresponde ao Cretáceo e ao Cretáceo Superior.

A área em tela localiza-se no Planalto Ocidental e possui uma formação de relevo levemente ondulada com longas encostas, representadas fundamentalmente por amplas colinas e colinas médias. Identificamos também que os sítios arqueológicos e as áreas de ocorrências, estão localizados em áreas baixas do relevo, nos fundos de vale com proximidade do Rio Grande e alguns córregos como, por exemplo, o Córrego da Mandioca.

Podemos observar que a evolução da paisagem, na dinâmica espacial e temporal, por meio de processos gradativos e degradativos sofreram alterações bruscas na atualidade, aumentadas pela ação do homem. Os sítios arqueológicos refletem tal dinâmica mostrando em muitos casos, elementos e componentes de vários níveis de ocupação humana do período pré-histórico. Nesse contexto, buscamos compreender um questionamento que visa antes de qualquer coisa estudar sítios parcialmente destruídos.

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REFERÊNCIAS

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BERTRAND,G. et C. Uma geografia transversal e de travessias: o meio ambiente através dos territórios e das temporalidades, Editora Massoni, Maringá, PR, 2007. CASSETI, V. Elementos de geomorfologia aplicados à arqueologia. Revista do ICHL- Universidade Federal de Goiás, ano 1, nº1, 1981. DENNELL, R.W Geograph and prehistoric subsistence In: Wagtaff,J.M Culture Geographic and Archaeological perspective 1987 GEORGE, P. O Homem na Terra. Trad. de José Gama, Lisboa: Edições 70 Ltda., 1993, in CONTI, J.S. A geografia física e as relações sociedade-natureza no mundo tropical, Novos caminhos da geografia, Editora Contexto, São Paulo, 2001. GLADFELTER, B. G. Geoarchaeology: the geomorphologist and archaeology. American Antiquity, v 42, nº 4, 1977. GONÇALVES, C.W.P. A geografia está em crise viva a geografia. Boletim Paulista de Geografia 1989. GOUDIE, A, S Geography and Archaeology: The Growth of a Relationship In: WAGTAFF,J.M Landscape and Culture Geographic and Archaeological perspective p 4-36 , 1987. HASSON, 1978 INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diagnóstico da situação atual dos Recursos Hídricos e estabelecimento de diretrizes técnicas para a elaboração do Plano da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande - Relatório Final. São Paulo: IPT/Digeo, 1999. (Relatório Técnico nº 40.515). KASHIMOTO, E.M. Geoarqueologia no baixo Paranapanema: uma perspectiva geográfica de estabelecimentos humanos pré-históricos. 1992. Dissertação (Mestrado em Arqueologia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo. KASHIMOTO, E. M.; SALLUN, A. E. M. ; SUGUIO, K. . Geoarqueologia de ambientes fluviais: o Alto Paraná. In: Julio Cezar Rubin de Rubin; Rosiclér Theodoro da Silva. (Org.). Geoarqueologia - Teoria e Prática. Goiânia - GO: Editora da UCG, 2009, v., p. 107-132. LEROI–GOURHAN, A. Evolução e técnicas: o homem e a matéria, Lisboa, Edições 70. 1984.

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MORAIS, J. L. Arqueologia e o fator geo. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, Editora MAE, nº 9, 1999. ______. Aerofotoarqueologia: um estudo de caso no projeto Paranapanema. Revista do Museu Paulista, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, Vol. XXXI 1986. ______. A utilização dos afloramentos litológicos pelo homem pré-histórico brasileiro: análise do tratamento da matéria-prima. Coleção do Museu Paulista, Série de Arqueologia, São Paulo, n.º 7, Fundo de Pesquisa do Museu Paulista, 1983. PALLESTRINI, L. e PERASSO, J. A. La cerâmica pré-histórica: el hombre y la ocupacion del espacio geográfico. Biblioteca Paraguaya de Antropologia, Vol. IV. Universidad Católica, Assunción, 1984. RAHTZ, P. Convite à Arqueologia, Tradução de Luiz Orlando Coutinho Lemos, Rio de Janeiro: Imago, 1989. ROSS J.L.S. Geografia do Brasil.4 ed, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1996.

TRIGGER, B. G. A História do Pensamento Arqueológico. Ed. Odysseus, 2004.

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CLASSIFICAÇÃO VIA CNEFE E CNAE COMO RECURSO DA GEOGRAFIA DO COMÉRCIO: ANÁLISES EM LONDRINA-PR, PRESIDENTE PRUDENTE-SP E

RIBEIRÃO PRETO-SP1

Talita Lopes Ruano2/ FCT-UNESP

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO No contexto em que as cidades se tornam o principal cenário de ação do Homem, um conjunto profundo de transformações vem ocorrendo. Nesta pesquisa destacaremos as mudanças sucedidas através da reestruturação produtiva, que associam-se: à ampliação das formas de deslocamento; à melhoria dos meios de comunicação; à tendência geral da concentração econômica; à ampliação do número de conglomerados econômicos que atuam em diferentes ramos e setores de atividade econômica; à flexibilização dos contratos de trabalho; e à modificação das plantas industriais e suas localizações. Interessa-nos compreender a redefinição nas lógicas de produção e apropriação dos espaços urbanos destinados ao consumo de bens e serviços. Para a delimitação destas áreas comerciais e de serviços será feita a comparação da realidade, observada in loco e indiretamente, via obtenção e mapeamento de dados oriundos do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos, com as delimitações estabelecidas pelo zoneamento urbano e/ou pelos planos diretores das cidades de Londrina (PR), Presidente Prudente (SP) e Ribeirão Preto (SP). Considerando ser este um projeto de iniciação científica, temos como principais objetivos: identificar e delimitar as áreas comerciais e/ou de serviços nas cidades em investigação; avaliar a delimitação e a especialização de áreas comerciais e/ou de serviços; e estabelecer parâmetros de comparação entre os resultados obtidos com a investigação da delimitação e especialização de áreas comerciais e/ou de serviços com o zoneamento oficial e com a identificação de tais áreas nos planos diretores municipais; estabelecer comparações entre as tipologias observadas e aquelas definidas nos referenciais teóricos considerados clássicos na Geografia do Consumo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os procedimentos de investigação nesta pesquisa estão organizados nos seguintes passos: revisão bibliográfica sobre o tema escolhido; identificação das áreas centrais e/ou de concentração de atividades de comércio e serviços no zoneamento e/ou nos planos diretores municipais; comparar estas áreas com aquelas em que a concentração de atividades levantadas por meio do CNEFE (Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos) for mais alta; estabelecer uma tipologia dos usos do solo nestas áreas, servindo-nos da classificação estabelecida pela CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas); e comparar a tipologia detectada e sistematizada com a tipologia clássica considerada na Geografia do Consumo. Assim, estando este estudo em fase inicial, já concluímos um levantamento bibliográfico sobre algumas obras de fundamental importância para a temática de análise e iniciamos nos atendo a obras sobre a Geografia Urbana, afim de situar a

1 Eixo Temático: Geografia Urbana

2 Bolsista de Iniciação Científica – FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

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discussão específica (da Geografia do Consumo) numa mais abrangente (da Geografia Urbana).

Nesse sentido, a primeira delas foi a obra de CORRÊA (1989). O presente livro possui como abordagem principal a cidade. Considera-se a cidade como o espaço urbano, e através disso procura definir este espaço. O autor define o espaço urbano como sendo o espaço dos diferentes usos da terra na cidade, como áreas comerciais, industriais, de serviços, de lazer, residenciais etc. O espaço urbano, desta forma, torna-se fragmentado e cada uma das partes mantém relações espaciais com as demais, mas com diferentes intensidades. O núcleo de todas as relações é o centro da cidade. É nesta área onde ocorrem as principais relações sociais, econômicas e políticas. Porém, juntamente a esse grande número de relações e fluxos, surgem as desigualdades, pois por fazer parte de um modelo capitalista de produção, tende a ocorrer divisão de classes socioeconômicas na sociedade, que no espaço urbano vai resultar na diferenciação socioespacial. Na terceira parte do livro o autor irá tratar de quem são os responsáveis em produzir o espaço urbano, destacando que a ação de agentes capitalistas é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem. Partindo dessa perspectiva o autor destaca cinco agentes que fazem e refazem a cidade: proprietários dos meios de produção; proprietários fundiários; promotores imobiliários; o Estado; e os grupos sociais excluídos. Os proprietários dos meios de produção são os proprietários industriais e de grandes empresas comerciais, sendo grandes consumidores de espaço. Necessitam de terrenos amplos e baratos que satisfaçam requisitos locacionais pertinentes às atividades de sua empresa. A ação espacial dos proprietários industriais leva à criação de amplas áreas fabris próximas as áreas proletárias. Deste modo, a ação deles modela a cidade, produzindo o seu próprio espaço e interferindo decisivamente na localização de outros usos da terra. Os proprietários fundiários são os proprietários de terra que atuam no sentido de obterem maior renda fundiária de suas propriedades, em que estas tenham o uso que seja o mais remunerado possível, especialmente o uso comercial, ou residencial de status. Esses agentes têm interesse na expansão do espaço da cidade na medida em que a terra urbana é mais valorizada que a rural. A variação da demanda por terras depende do aparecimento de novas camadas sociais, oriundas em parte de fluxos migratórios e que detém nível de renda que as torna capacitadas a participar do mercado de terras e habitações. Os promotores imobiliários, que em suas operações se inclui, o proprietário construtor do terreno e as firmas incorporadoras, especializadas na construção ou em uma etapa do processo produtivo. Vale ressaltar que grandes bancos e o Estado atuam também como promotores imobiliários. A atuação dos promotores imobiliários se faz de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencial que caracteriza a cidade capitalista, através da exclusão das camadas populares. O Estado atua diretamente como grande industrial, consumidor de espaço e de localizações específicas, proprietário fundiário e promotor imobiliário, sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos. As terras públicas são uma reserva fundiária que o Estado dispõe para usos diversos no futuro, inclusive para negociações com outros agentes sociais. A ação do Estado é marcada por conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles. A segregação residencial é um dos conflitos que pode resultar também de uma ação direta e explícita do Estado através do planejamento, quando da criação, de núcleos urbanos. É através dos grupos sociais excluídos que se verifica diferenças sociais no que se refere aos bens e serviços. É na produção da favela, em terrenos públicos e

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privados invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores, produzindo o seu próprio espaço, na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros agentes. Por fim, o autor retrata os processos e as formas espaciais, onde menciona que os processos espaciais são os responsáveis imediatos pela organização espacial desigual e mutável da cidade capitalista. Este texto é de grande importância, pois Corrêa (1989) nos traz de forma resumida o espaço urbano, abordando como este se constituiu, quais agentes este concentra, como se dão as relações neste espaço e quais os aspectos e ações que o modificam. Portanto, tal leitura serve como base para dar uma visão geral do que é o espaço urbano, mas há ainda a necessidade de se aprofundar mais ainda no assunto tratado pelo autor. Outra obra que nos proporcionou uma visão geral a respeito da geografia urbana foi a de Santos (1989), que abrange diversos assuntos principais da geografia urbana. Os principais eixos abordados neste livro são: a urbanização nos países subdesenvolvidos; a população urbana; economia urbana e estruturas sociais; as profissões e empregos nas cidades; fatores de crescimento econômico; o controle dos fatores de crescimento; o papel do Estado; redes urbanas e tecidos urbanos. O autor nos traz um debate acerca da industrialização nos países subdesenvolvidos, onde a urbanização foi desenvolvida com o advento do capitalismo que apareceu na Europa como fato moderno logo após a revolução industrial. Mais recentemente e paralelamente à modernização ela se generaliza nos países subdesenvolvidos, por isso, costuma-se associar a ideia de urbanização à de industrialização. Dessa forma, não haveria industrialização sem o avanço da implantação da urbanização. O aumento da urbanização está ligado diretamente à migração da população, devido ao aumento da rede viária, sendo um forte instrumento para o crescimento urbano. O crescimento devido ao movimento migratório é muitas vezes, superior ao crescimento natural. Aspectos que podemos resgatar do livro para a nossa pesquisa é sobre as diferentes estruturas sociais, nas quais as camadas bem definidas da população (pobres e ricos) têm poderes de compra diferentes. Sendo este consumo variável em qualidade, quantidade e em frequência. Através dessa realidade podemos traçar o perfil do consumidor, assim como os produtos consumidos e em quais locais são consumidos. Outra discussão pertinente a nossa pesquisa é sobre as regiões de influência de uma cidade, quanto menor for o volume das compras de produtos de subsistência que a cidade realiza fora da região ou no estrangeiro, tanto maior será sua influência na região que a circunda. Milton Santos nos traz muitos aspectos a serem trabalhados e discutidos na pesquisa, como as diversas estruturas sociais, empregos nas cidades, fatores de crescimento, entre outros. Essas foram algumas das leituras que já foram concluídas, juntamente com alguns artigos científicos. Estamos iniciando a leitura e análise dos planos diretores municipais em conjunto com a classificação desenvolvida via CNEFE e CNAE. Na etapa atual da pesquisa estamos concluindo a classificação do comércio em Ribeirão Preto (SP), Presidente Prudente (SP) e Londrina (PR), via CNEFE e CNAE. Após organizarmos a tabela do CNEFE das cidades em investigação realizamos a adequação desta tabela ao CNAE, isto para um maior detalhamento das atividades econômicas das cidades estudadas, além de contribuir posteriormente a esta etapa no mapeamento destas atividades no espaço urbano. A CNAE é uma classificação das atividades econômicas, desenvolvida sob a coordenação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tendo como referência a International Standard Industrial Classification – ISIC, aprovada pela Comissão Estatística das Nações Unidas em 1989 e recomendada como instrumento

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de harmonização na produção e disseminação das estatísticas econômicas no âmbito internacional. A CNAE padroniza os códigos de identificação das unidades produtivas do país nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas do governo. Já o CNEFE é um banco de dados do IBGE, que consiste em uma lista de endereços urbanos e rurais, que permite selecionar a informação desejada, como edificações em construção; estabelecimentos agropecuários; estabelecimentos de saúde; domicílios particulares, entre outros. Através do CNEFE podemos baixar o banco de dados do Distrito desejado e iniciar os estudos sobre o uso e ocupação do solo neste distrito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os nossos resultados são apenas parciais, pois a pesquisa está em andamento, algumas leituras de obras básicas para o início da pesquisa já foram realizadas. Estamos concluindo as tabelas de classificação do comércio e/ou serviços via CNEFE e CNAE, a próxima etapa será o mapeamento das variáveis encontradas juntamente com a análise feita dos planos diretores. Para averiguar se os dados levantados respeitam as delimitações impostas pelo zoneamento urbano e o plano diretor da respectiva cidade.

Os dados levantados nesta pesquisa, após receberem tratamento estatístico e cartográfico, serão analisados, procurando-se identificar e classificar os espaços de consumo, denominados como áreas de concentração de atividades de comércio e serviços. Com as proposições, análises e estudos que servirão de referencial teórico inicial, tentaremos promover uma apreciação entre o lido e o observado, com o objetivo de, mesmo compreendendo-se tratar de uma pesquisa de iniciação científica, contribuir com o debate científico

O nosso objetivo principal é classificar e mapear o comércio e/ou serviços nestas cidades. A fim de analisar se a espacialização atual do comércio condiz com que foi implementado segundo o plano diretor, ou se migrou para outros lugares, como shoppings centers por exemplo. E além disso, identificar o que mudou no perfil do novo consumidor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2004. 68 p. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. Editora Ática, 1989. 94 p. PIERRE, George. Geografia do Consumo. São Paulo: Difel, 1971. 119 p. SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. São Paulo, Hucitec, 1989. 214 p.

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CLIMA URBANO EM PRESIDENTE PRUDENTE/SP: DIFERENÇAS TÉRMICAS E HIGROMÉTRICAS EM ABRIL DE 2011, ÀS 0H1

Suelen Daudt SILVALicenciada e bacharel em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de

Presidente Prudente SP.E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Desde o início do século XX, com o processo de urbanização brasileira acontecendo em ritmo acelerado e, a consequente mudança do perfil populacional do Brasil, pesquisadores de diversas áreas perceberam a necessidade de se estudar a cidade, não só sob aspectos sociais, políticos e econômicos, mas também ambientais, incluindo o clima.

Muitas pesquisas têm buscado estudar os fatores que atuam no processo de modificação do sistema climático da cidade, que, na maioria das vezes, são ocasionados pela ação humana. Essa interferência do homem sob o meio ambiente alterou expressivamente a natureza existente, conforme afirma Monteiro (1976, p.54): “os espaços urbanos passaram a assumir a responsabilidade do impacto máximo da atuação humana sobre a organização na superfície terrestre e na deterioração do ambiente”.

Essas transformações produzem condições atmosféricas diferentes das apresentadas nas proximidades da cidade, gerando um clima particular, o qual é denominado clima urbano.

Segundo Amorim (2000, p. 23), a passagem de uma paisagem natural para um ambiente urbano, altera o equilíbrio entre a superfície e a atmosfera, interferindo no balanço hídrico e de energia, devido à substituição dos materiais naturais pelos materiais urbanos. Essas transformações realizadas nos ambientes urbanos conduzem a alterações nos componentes climáticos, que seriam a temperatura, a umidade relativa do ar e a direção dos ventos.

Nesse contexto, tem-se notado o interesse por parte dos pesquisadores em analisar o ambiente urbano, uma vez que foi constatado que as características de temperatura e umidade do ar da cidade são diferentes das encontradas em áreas rurais.

Sendo assim, este trabalho busca correlacionar características da temperatura e umidade do ar, registradas em pontos distintos na cidade de Presidente Prudente - SP, a fim de investigar possíveis diferenças nas características do clima em condições adversas de uso e ocupação do solo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para este estudo, primeiramente foi realizado levantamentos bibliográficos a partir de leituras acerca da temática do clima urbano, assim como leituras sobre as características da área de estudo.

A coleta dos dados meteorológicos foi realizada a partir de registros de estações meteorológicas automáticas do tipo “Vantage PRO 2” da marca “Davis Instruments”, instaladas em três pontos no município de Presidente Prudente – SP, sendo dois em área urbana, mais especificamente no Conjunto Habitacional Ana Jacinta e no Jardim Colina, e um na área rural. As medições foram realizadas no horário das 0h, durante o mês de abril de 2011.

Foram elaborados na planilha eletrônica do EXCEL gráficos que auxiliaram na organização dos dados e nas análises dos resultados da variação dos elementos climáticos (temperatura e umidade relativa do ar), nos pontos escolhidos para o estudo.

Além disso, foram coletados junto aos sites do INPE/CPTEC e Marinha do Brasil, imagens de satélites e cartas sinóticas diárias do mês de abril de 2011, para auxiliar na identificação dos sistemas atmosféricos atuantes.

1 Eixo: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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Com o auxílio das imagens de satélites e das cartas, assim como dos dados das estações automáticas e dos dados registrados na estação meteorológica da FCT/UNESP foi elaborado o gráfico de análise rítmica do mês de abril, baseado na proposta de Monteiro (1971), analisando a variação dos elementos climáticos de acordo com os sistemas atmosféricos atuantes.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Todo o estudo foi desenvolvido na cidade de Presidente Prudente - SP, esta que se encontra localizada na latitude 22°07’32” Sul e longitude 51° 23’20” Oeste, região do extremo oeste do Estado de São Paulo. Dentro dela, foram escolhidos três pontos de coleta no qual a caracterização e a localização de cada um deles será apresentada a seguir.

O ponto 1 encontra-se localizado fora da malha urbana de Presidente Prudente, possui no entorno cobertura vegetal rasteira e arbórea e baixa edificação (Figura 1). Situa-se na porção sudeste do município. O ponto 2 encontra-se localizado no Conjunto Habitacional Ana Jacinta (CHAJ), na zona sudoeste da cidade, área esta densamente construída. Seus lotes são pequenos, com pouca presença de vegetação arbórea nas calçadas e nos quintais. As construções são, geralmente, de um pavimento, de alvenaria, e com telhados de cerâmica vermelha (Figura 2). O ponto 3 localiza-se no bairro Jardim Colina, no quadrante sul da malha urbana. Trata-se de uma área predominantemente residencial, com destacável presença de vegetação arbórea. Possui lotes maiores comparados aos dos Conjuntos Habitacionais, possuindo moradias de médio e baixo padrão construtivo, com presença de alguns lotes sem edificações (Figura 3).

Figura 1: Ponto 1 (rural )

Fonte: Google Earth TM mapping service/NASA/Terra Métrics copyright (acesso: agosto de 2012)

Figura 3: Ponto 3 (Jardim Colina) Fonte: Google Earth TM mapping service/NASA/Terra Métrics copyright (acesso: agosto de 2012)

No que se refere ao clima de Presidente Prudente, segundo Sant’Anna Neto e Tommaselli (2009, p. 11), pode-se dizer que a sazonalidade climática da cidade caracteriza-se por dois períodos: um quente e chuvoso, entre outubro e março e, outro mais ameno e

Figura 2: Ponto 2 (Ana Jacinta)

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seco, entre abril e setembro. No período de primavera e verão, o clima é determinado predominantemente, pela presença das massas Tropical Atlântica (mTa), Tropical Continental (mTc) e Equatorial Continental (mEc), que são as responsáveis pelas elevadas temperaturas nesta época do ano. As chuvas, geralmente, são provocadas por meio da entrada de frentes frias. Já no outono e no inverno, a chegada dos sistemas frontais (FPA) e a ação da massa Polar Atlântica (mPa), ocasionam aumento da velocidade do vento, queda brusca da temperatura e longos períodos de estiagens.

O mês de abril de 2011 não fugiu ao padrão. Conforme demonstrado no gráfico de análise rítmica abaixo, o mês em questão recebeu influência de oito sistemas atmosféricos. As chuvas foram provocadas por atuações de cavados, CCM e Frentes Frias, apresentando um total mensal de 84 mm. A umidade relativa do ar variou de 32 a 90% no mês e a pressão entre 1004,9mb a 1017,4mb. A temperatura mensal teve máxima absoluta de 32,7ºC e mínima absoluta de 15ºC. A velocidade do vento teve uma variação de 0m/s a 12,5m/s.

Ao adentrarmos a análise dos dados coletados, percebeu-se que o ambiente rural, às 0h, na maioria dos dias, apresentou temperaturas menores do que as encontradas em áreas urbanas (Gráfico 1). No entanto, também se notou diferença entre os dois pontos de coleta localizados na área urbana. O Jardim Colina, na maioria das vezes, mostrou-se mais fresco do que o Ana Jacinta.

Sendo a umidade inversamente proporcional à temperatura, foi constatado um comportamento oposto ao da temperatura: quase sempre a umidade do ambiente rural esteve maior que as demais (Gráfico 2).

Segundo dados obtidos, a variação térmica do bairro Ana Jacinta em comparação com o rural ficou entre 0,7ºC e 4,1ºC. No dia 10 de abril de 2011, data em que houve a maior diferença, o bairro esteve mais quente 4,1ºC do que o rural, atuava sobre a região uma Massa Polar Atlântica. Porém, os ventos foram nulos no bairro Ana Jacinta e no rural

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atingiram 0,4 m/s. Vale ressaltar que as ilhas de calor apresentam maior intensidade em situação sinótica de calmaria, sem precipitação ou vento, estado este encontrado neste dia.

No que se refere às diferenças higrométricas, no dia 10 às 0h, o rural apresentou-se 15% mais úmido do que o bairro Ana Jacinta. Este foi o valor máximo atingido neste mês e horário.

O fato de a zona rural apresentar umidade relativa maior do que as encontradas em áreas urbanas é um padrão reconhecido na literatura. No entanto, no dia 13 de abril de 2011, sob influência de uma Frente Fria, o bairro Ana Jacinta ficou 3% mais úmido do que o rural.

Comparando o bairro Jardim Colina com o rural, percebe-se que a diferença térmica encontrada é menor do que a do Ana Jacinta. O valor máximo foi no dia 02 de abril de 2011, quando se registrou 3,6ºC de diferença, sendo o bairro o mais quente. Neste dia, um CCM atuou sobre a região, ocasionando chuva. Os ventos neste horário não passaram de 0,4m/s em ambos locais.

Quanto à umidade, a diferença máxima registrada foi no dia 02, quando o rural esteve 19% mais úmido que o Jardim Colina. No dia 07 de abril de 2011, sob influência de uma Massa Polar Atlântica, o bairro Jardim Colina ficou 13% mais úmido do que o rural.

Fazendo uma análise comparativa entre os dois pontos urbanos, percebe-se que o Ana Jacinta mostra-se mais aquecido e menos úmido que os outros locais. A maior diferença térmica entre o Ana Jacinta e o Jardim Colina ocorreu no dia 07 de abril de 2011 (2,7ºC). A diferença higrométrica foi de 14%. Neste dia atuava sobre a região uma Massa Polar Atlântica e os ventos eram nulos.

A título de comparação, no dia 10, a diferença térmica entre o Jardim Colina e o rural foi de 2,4ºC e a diferença higrométrica foi de 8%, ao passo que no Ana Jacinta a diferença térmica chegou a 4,1ºC e a higrométrica 15%, conforme dito anteriormente. Cabe ressaltar que os ventos registrados no Jardim Colina também foram nulos.

Tais resultados reforçam ainda mais a ideia de como o uso e ocupação do solo e a quantidade de vegetação arbórea influenciam no clima local, pois o bairro Ana Jacinta, mais densamente edificado e com menor quantidade de vegetação arbórea, apresentou-se 1,7ºC mais quente e 7% mais seco que o Jardim Colina, em comparação com o rural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos dados de temperatura e umidade relativa do ar do rural e dos bairros Ana Jacinta e Jardim Colina - Presidente Prudente / SP, permitiu identificar em quais condições de tempo e de uso e ocupação do solo as diferenças térmicas e higrométricas se destacaram.

Os resultados demonstraram que, no geral, condições de tempo estáveis evidenciam as diferenças. Além disso, nos dias em que houve precipitação, as diferenças termo-higrométricas foram menores e, às vezes, foram inversas ao comportamento padrão do horário.

Constatou-se também que no horário das 0h, o rural esteve mais fresco e úmido de que a cidade. Isso ocorre devido à diferença na cobertura do solo e nos materiais

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construtivos do ambiente rural e da cidade. O rural absorve calor rapidamente, porém o libera na mesma velocidade. Os ambientes urbanos demoram a se aquecer, mas também demoram se resfriar.

Portanto, às 0h, por não haver incidência de radiação solar ocorre o que denominamos de resfriamento noturno – o calor absorvido durante o dia é liberado durante a noite. No entanto, devido às diferenças dos materiais constituintes de cada localidade, a forma como esta energia será liberada torna-se diferente. O ambiente rural libera a energia armazenada mais rapidamente, se resfriando em passo acelerado. A cidade se mantém mais aquecida, uma vez que seus materiais construtivos despendem de mais tempo para liberar o calor obtido durante o dia.

Ao comparar os dois pontos urbanos, o bairro Ana Jacinta, mais densamente construído e com menor quantidade de vegetação arbórea, exibiu temperaturas mais elevadas do que as encontradas no Jardim Colina. Isso confirma a influência das edificações e da quantidade de vegetação, dentre outros fatores, no clima urbano.

Nesse sentido, faz-se necessário um maior investimento em implantações de áreas verdes e revitalização das já existentes em Presidente Prudente, com presença de grande quantidade de vegetação arbórea, haja vista que estas podem amenizar as temperaturas, melhorando o conforto térmico, além é claro, de servir como espaço de lazer para os citadinos.

No bairro Ana Jacinta, em especial, deve ser realizada políticas de incentivo de plantações de árvores em frente às casas e nos fundos dos quintais (quando possível), pois estas fornecem sombra às edificações, diminuindo seu aquecimento, além de contribuir para a redução do escoamento superficial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, M. C. C. T. O Clima urbano de Presidente Prudente/SP. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado) FFLCH-USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

MONTEIRO, C. A. F. Teoria e Clima Urbano. (Tese de Livre Docência apresentada ao Departamento de Geografia/FFLCH-USP). São Paulo, 1976.

SANT’ANNA NETO, J. L.; TOMMASELLI, J. T. G. – O tempo e o clima de Presidente Prudente. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2009.

Sites: BRASIL, (Centro de Hidrografia da Marinha). Cartas Sinóticas. Disponível em: <http://www.mar.mil.br/dhn/chm/meteo/prev/cartas/cartas.htm.>

BRASIL, (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos [CPTEC], vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [INPE]). Disponível em: <http://www.cptec.inpe.br/>

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CRESCIMENTO POPULACIONAL E A VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA NO DISTRITO SEDE DA CIDADE DE TRÊS LAGOAS – MS1

Autor: Kleber Rodrigo Penteado/UFMS – CPTLE-mail: [email protected]

Coautor: Wallace de Oliveira/UFMS – CPTLE-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte integrante da pesquisa de mestrado em Análise Geoambiental e Produção do território da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Campus Três Lagoas (CPTL) e tem como objetivo discutir o impacto gerado pelo aporte populacional sobre a valorização dos imóveis urbanos no distrito sede do município de Três Lagoas no leste do estado do Mato Grosso do Sul (figura 1).

Figura 01 – Localização da área de estudo – Área urbana do município de Três Lagoas – MS.

A discussão deste tema se deu a partir da análise dos dados do crescimento populacional fornecidos pelo IBGE e dos valores médios do metro quadrado dos terrenos urbanos no distrito sede do município nos dois últimos anos obtidos a partir de informações coletadas via correio eletrônico com corretores imobiliários da cidade, onde foi possível notar que recentemente algumas áreas da cidade vêm sofrendo um processo de valorização imobiliária motivada por este aporte populacional e pela atuação dos agentes produtores do espaço urbano.

REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO URBANO

A compreensão, bem como o estudo da dinâmica urbana das cidades capitalistas pode ser concebida a partir da ideia exposta por Corrêa (2003) que nos aponta que:

“o espaço urbano capitalista – fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, conjunto de símbolos e campo de lutas – é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço” (CORRÊA, 2003, p.11).

1 Eixo temático: Geografia Urbana

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Percebe-se que as transformações no espaço, bem como a ação dos agentes sobre ele, são visíveis na cidade, no entanto, precisam ser compreendidas em sua natureza e dinâmica que nos permitirão concebê-lo a partir da complexidade desta fragmentação e articulação que resulta – ainda segundo Corrêa (2003) - “tanto de ações que se realizam no presente como também daquelas que se realizaram no passado e que deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais do presente”.

Compreender a dinâmica do espaço urbano de uma cidade capitalista não é tarefa fácil, pois a composição do espaço e a sobreposição dos diferentes tempos e usos dados a este espaço é pensada, organizada e orquestrada por diferentes agentes que produzem e consomem espaço. Estes agentes, segundo Corrêa (2003) são: os proprietários dos meios de produção; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado; e os grupos sociais excluídos, que atuam ora articulando-se, ora conflitando-se sempre em busca de atender seus interesses, gerando variadas combinações e conjecturas ao longo do tempo e no espaço.

A atuação dos agentes produtores do espaço faz com que ocorra, por parte de alguns agentes (sobretudo dos três primeiros), a apropriação de uma renda da terra, visto que esta última é concebida, segundo Silva (1995), dentro do sistema capitalista como uma mercadoria, adquirindo valor de uso e valor de troca, onde, o valor de uso se dá na medida em que ela é necessária para a produção de todas as espécies de mercadorias e para existência dos homens, como também incorpora um valor de troca, na medida em que assume um preço a ser pago pelos indivíduos destituídos do direito de propriedade.

Sendo a terra uma mercadoria, então se faz importante considerar na análise do urbano os processos de valorização e de desvalorização que os imóveis sofrem devido à alocação diferenciada de infraestrutura, promovida por alguns agentes capazes de implantar amenidades as quais, entendemos aqui como sendo

[...] um conjunto de características específicas de uma localidade com contribuição positiva ou negativa para a satisfação dos indivíduos. As amenidades não estão restritas a características naturais, como áreas verdes, praias, clima etc. Também estão incluídos na definição os bens (ou males) gerados pelo próprio homem, tais como trânsito, poluição, oferta de entretenimento, segurança etc (HERMANN B. M.; HADDAD E. A. 2005, p.238).

A alocação destas amenidades, juntamente com o aporte populacional tem se mostrado as principais responsáveis pela valorização dos imóveis urbanos em nossa área de estudo até o momento.

RESULTADOS PARCIAIS

Desde o ano de 1996 até 2010 a cidade de Três Lagoas experimentou um expressivo crescimento populacional conforme pode ser visualizado no quadro 1.

Quadro 1 - Evolução da população de Três Lagoas – 1996 A 20101996 2000 2007 2010 2012 (estimativa)

74.430 79.059 85.914 101.791 105.224Fonte: IBGE CIDADES – organizado por PENTEADO, K. R. (2013).

Nota-se que o período compreendido entre 2007 e a estimativa de 2012 demonstra grande aumento da população da cidade em comparação com os períodos anteriores. Este aumento populacional, segundo dados da prefeitura municipal2, foi desencadeado, principalmente, pela ampliação do parque industrial da cidade.

O aumento da população gera, consequentemente, aumento pela procura de imóveis. Desta forma, os agentes produtores do espaço, sobretudo os corretores imobiliários

2 Disponíveis em: < http://www.treslagoas.ms.gov.br/cidadao/industria-e-comercio/6/> acesso em: 16 de julho de 2013

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e os proprietários fundiários, buscam criar estratégias para fazer com que seus imóveis se tornem cada vez mais valorizados e para que possam extrair a maior renda possível da mercadoria terra urbana. Estes agentes, na maioria das vezes, acabam pressionando o Estado para que ocorra a alocação diferenciada de infraestrutura que agrega valor a terra.

Além de solicitar/exigir alocação de infraestrutura estes agentes pressionam o Estado a alterar a legislação a favor ou em detrimento de determinados grupos, especialmente quando se trata do zoneamento da cidade. Neste caso entram em cena os “rent-seekers [procuradores de renda na tradução literal], terminologia econômica para os caçadores de renda, aqueles que conseguem auferir renda por mecanismo de pressão aos órgãos públicos” (HERMANN B. M.; HADDAD E. A. 2005, p.255 – grifo nosso). Pressão esta que faz com que algumas áreas se tornem imediatamente zonas residenciais especiais ou zona de interesse social, conforme os interesses dos agentes. Isto determina que tipo de investimento pode ser realizado pelos diversos detentores do capital em cada zona e acaba por conferir diferentes valores à mercadoria terra urbana.

O processo de valorização dos imóveis urbanos, sobretudo dos terrenos, dentro da cidade de Três Lagoas pode ser visualizado no quadro 2 que apresenta os valores médios do metro quadrado em alguns bairros da cidade entre os anos de 2011 e 2012.

Quadro 2 – Valor do médio do m² dos terrenos urbanos em alguns bairros de Três Lagoas2011 e 2012

Bairro Valor do m² do imóvel em 2011 Valor do m² do imóvel em 2012Paranapungá R$ 50 R$ 120Colinos R$ 166 R$ 500Setsul R$ 116 R$ 170Parque São Carlos R$ 96 R$ 176Nova Três Lagoas R$ 83 R$ 150

Elaborado por Penteado, K. R. (2013)

Ao analisar os dados do quadro acima é possível notar que ocorreu um expressivo processo de valorização, ultrapassando a marca de 100% no caso de alguns bairros em um curto espaço de tempo. Acreditamos que, em linhas gerais esta valorização não foi gerada apenas pelo aporte populacional, mas sim por um conjunto de ações dos diversos agentes produtores do espaço que, em dado momento, se articularam e se engajaram em alocar amenidades que fossem capazes de promover a valorização da terra urbana com o propósito da exploração da renda máxima desta terra.

CONCLUSÃO

Analisando os dados censitários da população de Três Lagoas não é difícil perceber que a cidade vem experimentando um crescimento populacional nos últimos anos e que este crescimento populacional gera aumento da demanda por imóveis. Este aumento tem como consequência a valorização destes imóveis devido à lei da oferta e da procura, entretanto, sabemos que o aporte populacional não é o único responsável pelo processo de valorização imobiliária. Este é desencadeado de acordo com os interesses dos agentes produtores do espaço urbano que alocam infraestrutura e se articulam com o objetivo de extrair a máxima renda possível da mercadoria terra urbana.

Neste trabalho procuramos mostrar, de forma bastante sucinta, que um dos elementos responsáveis pela disparada no valor dos imóveis urbanos da cidade de Três Lagoas está ligado ao crescimento populacional, entretanto, sabemos que este não é o único motivo responsável por este processo e que de forma alguma esgotaríamos tão vasto assunto em poucas linhas. Sabemos que a valorização dos imóveis está fortemente ligada à atuação dos agentes produtores do espaço urbano e aos seus interesses, sabemos ainda que suas ações são resultado de uma construção feita ao longo do tempo, conforme nos lembra Villaça (2001) que afirma que o valor da terra (e da localização desta terra) está intimamente ligado ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, tornando-se assim (ao nosso ver) objeto inesgotável de estudos e apreensões não apenas para a

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Geografia, mas para tantas outras ciências interessadas em discutir a atuação dos vários agentes sobre o espaço urbano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2003. 95p.

HERMANN, B. M. e HADDAD, E. A. Mercado imobiliário e amenidades urbanas: a view through the window. In: Estudos Econômicos, São Paulo: [s.n.], v. 35, n. 2, abril-junho 2005, p. 237-269.

IBGE. Cidades. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=500830> Acessado em: 25 de julho de 2013.

SILVA, Joseli Maria. Valorização fundiária e expansão urbana recente de Guarapuava – PR. 1995, 181 f. Dissertação (Mestrado em desenvolvimento regional e urbano) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995.

VILLAÇA, F. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001. 373p.

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DATALUTA ESTRANGEIRIZAÇÃO: ANÁLISE SOBRE A ESTRANGEIRIZAÇÃO DE

TERRAS NO BRASIL1

Lorena Izá Pereira2/ FCT – UNESP

[email protected]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto de uma iniciação científica financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) que está em andamento e aborda a questão da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil. Para melhor análise deste fenômeno foi criada a categoria de Estrangeirização de terras no projeto DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra – no ano de 2013. A estrangeirização de terras obteve maior ênfase no cenário mundial no século XXI com a crise de 2007/2008, período que acelerou as disputas territoriais em todo o mundo. Países ditos desenvolvidos passaram a buscar terras e áreas cultiváveis em países ditos subdesenvolvidos, seja para garantia de sua soberania, seja para prevenir uma suposta crise alimentar ou até mesmo para a produção de commodities e de matrizes agroenergéticas. Ao tratarmos desta crescente disputa territorial também podemos discutir aspectos que dizem respeito da geopolítica da questão agrária, na qual encontram-se práticas imperialistas ou até mesmo neoimperialistas referente a esta questão.

Esta novidade também está relacionada com as crises de falta de alimentos e com o aumento do preço dos combustíveis. Um fator novo é que estamos vivendo um momento de mudança estrutural na produção de energia. O campo produtor de alimentos e fibras passa a produzir cada vez mais energia. Evidente que esta nova realidade exige a expansão dos territórios. E os países ricos em capitais e pobres em território estão adotando as estratégias imperialistas para se apropriar de novos territórios pela lógica do mercado (FERNDANDES, 2010, p. 78, grifo nosso).

A partir destes apontamentos nos deparamos com a questão da geopolítica da questão agrária mundial atual, na qual é necessário se pensar em novas maneiras, formas e articulações. Desse modo, podemos abordar o imperialismo e subimperialismo como formas de dominação geopolítica, adequando-se as transformações históricas. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Primeiramente, o objetivo da categoria de Estrangeirização de terras é uma análise ampla do referido processo, como ocorre, suas implicações, repercussões e influências na conjuntura agrária atual. Logo, é interessante abordarmos este como um banco temático, qualitativo, analítico e reflexivo. O DATALUTA Estrangeirização é uma categoria do Projeto DATALUTA que foi criada, de fato, no ano de 2013, no Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisa de Reforma Agrária (NERA). Cabe enfatizar que já haviam esforços anteriores quanto à criação desta categoria, sobretudo com pesquisas individuais da própria Rede DATALUTA, juntamente com iniciativas anteriores de criação deste banco de dados. Basicamente, esta categoria consiste na sistematização de informações e materiais sobre o processo trabalhado, sendo: trabalhos acadêmicos, pesquisas, notícias (jornais e revistas),

1 Eixo temático: Geografia Rural e Geografia Agrária.

2 Bolsista de iniciação científica não Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).

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documentos oficiais, tanto de movimentos sociais e ONGs entre outros. A categoria conta com fontes secundárias que são sistematizadas em planilhas padronizadas do Microsoft Excel e salvas em pdf. O quadro 1 evidencia a organização dos materiais e utilizados na categoria.

Quadro 1: Organização das pastas do DATALUTA Estrangeirização

Pastas Características

Acadêmico Nacional

São inseridos trabalhos acadêmicos e revistas acadêmicas sobre o país

estudado publicado pelo mesmo ou publicada pelos professores, acadêmicos

da nacionalidade do país

Acadêmico Internacional São inseridos trabalhos acadêmicos e

revistas acadêmicas publicados fora do país pesquisado

Agronegócio – Corporações São inseridos documentos publicados por

empresas

Instituições – ONGs - Nacional São inseridos trabalhos publicados pelo país pesquisado por instituições e ONGs

Instituições – ONGs - Internacional São inseridos trabalhos publicados em outros países por instituições e ONGs

sobre o país pesquisado

Notícias Nacionais São inseridos trabalhos publicados em jornais no país e sobre o país estudado

Notícias Internacionais São inseridos trabalhos publicados em jornais de outros países sobre o país

pesquisado

Movimentos Sociais

São inseridas notícias/manifestos/trabalhos feito pelos

movimentos camponeses, pequenos agricultores entre outros

Governo

São inseridos documentos oficiais como leis, pareceres, relatórios e/ou qualquer

documento oficial sobre estrangeirização de terras

Organizações Intergovernamentais São inseridos documentos feitos por

instituições como o Banco Mundial, FAO, FMI, ONU

Fonte: DATALUTA Estrangeirização, 2013. Org: PEREIRA, L.I., 2013.

Na verdade, não podemos denominar esta categoria de banco de dados, uma vez que não é o nosso objetivo quantificar o número de hectares de terras em posse de estrangeiros. Além disso, determinadas informações são vagas e imprecisas, nas quais algumas nem temos acesso, pois se trata de informações disponibilizadas pelas empresas que participam deste processo, um dos motivos para que a planilha desta categoria tenha itens não informados, bem como lacunas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Muito se houve falar atualmente do processo de estrangeirização de terras, land grabbing e acaparamiento de terras no cenário mundial. A estrangeirização consiste na aquisição, por forma de compra ou arrendamento, por estrangeiros, ou seja, podemos dizer que é uma corrida do capital internacional para a realização aquisições de extensas áreas de terra. A problemática fundiária transcende muito ao problema do que denominamos land grabbing, que envolve desde a grilagem de terras bem como transações comerciais, sendo uma reação aos efeitos negativos da corrida por terras a nível mundial e, consequentemente, a

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estrangeirização. No entanto, esse processo não é tão recente como é expresso pela mídia, onde adquiriu enfoque, sobretudo, nos anos 2000, mais precisamente com a crise de 2008, na qual o aumento da disputa territorial tornou-se mais visível e, deste modo, passou a ser visto como um fenômeno global. No caso brasileiro, a estrangeirização de terras começou a tornar-se evidente já na década de 1960 com a publicação do Relatório Velloso, que será abordado no capítulo posterior. De acordo com Sérgio Sauer (2011), a estrangeirização de terras não é um fenômeno inédito, mas sim um novo ciclo de expansão do capital, que tem como resultado o aumento dos números de conflitos territoriais e fundiários e elevação dos preços das terras. Segundo Fernandes (2010),

No início deste século, a estrangeirização de terra é um novo elemento da conjuntura da questão agrária. Contudo, é importante lembrar que a expansão do capital sempre rompeu fronteiras nacionais desde seu princípio, de modo que a territorialização do capital não é um fenômeno novo. O que estamos denominando de estrangeirização da terra ou “acaparamiento de tierras” ou “land grabbing” nas versões em espanhol e em inglês, são processos recentes de intensificação da territorialização da agricultura capitalista, associados a outros elementos atual conjuntura da questão agrária que são a mudança na matriz energética do combustível fóssil para a agroenergia, o que implicou a crise alimentar. (FERNANDES, 2010, p. 77)

Como já apontado anteriormente, a demanda mundial por terras tem se tornado enorme. A crise de 2007/2008, a “agroinflação”, a alta dos preços agrícolas, o aumento nos preços de alimentos e o forte crescimento populacional projetado para os próximos anos vêm influenciando o que estamos denominando aqui de estrangeirização. Assim, outros países veem a compra de terras como uma medida de segurança contra uma futura e possível crise alimentar. Governos e empresas de diversas nações estão buscando caminhos para aumentar a produção agrícola, pois áreas cultiváveis em países desenvolvidos já estão ocupadas, não havendo mais áreas disponíveis para a agricultura, o que leva a estes a comprarem terras em outros países, na maioria das vezes subdesenvolvidos. Deste modo, tratamos esta questão como um “neoimperialismo”, uma vez que há presença de práticas imperialistas entre países no momento em que são efetuadas tais relações de disputa territorial e de soberania entre os países. Em relação à compra e venda de terras por estrangeiros no Brasil, observa-se que esta prática é antiga, uma vez que em meados da década de 1960 já haviam investigações referente a presença de estrangeiros no Brasil, sobretudo na região da Amazônia, constatada com o Relatório Velloso3. Mas a preocupação maior tomou o governo brasileiro a partir do século XXI, período em que o número de transações entre países aumentou absurdamente, colocando em risco a soberania brasileira em seu próprio território. A partir desta preocupação do governo brasileiro foram criadas medidas que visam diminuir a compra de terras por estrangeiros no Brasil e regulamentar os estrangeiros que já possuem propriedades fundiárias no país. Existe uma lei de 1971 que regulamenta esta questão no Brasil, a Lei nº 5.709/71, que segundo as considerações de Oliveira (2010), trouxe medidas como:

A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua;

3 O relatório Velloso foi resultado de uma CPI para apuração dos boatos de compra e venda de terras

brasileiras. Estas iniciativas, que ocorreram sob a orientação do deputado federal Haroldo Velloso, o qual o relatório foi denominado, veio a público em junho de 1968, o que permitiu a formação de um quadro, mesmo que simples, que já indicava a gravidade do problema e a importância que se deveria atribuir a essa questão. No relatório foi constatado que cerca de 20 milhões de hectares de terras do território brasileiro estavam sob controle de grupos estrangeiros, sua maioria na região Amazônica.

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Quando se tratar de imóvel com área não superior a três (3) módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei;

A área rural pertencente à pessoa física ou jurídica estrangeira não pode ultrapassar ¼ da área do município onde o imóvel se situe;

As pessoas jurídicas estrangeiras só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, porém vinculados aos objetivos estatuários;

Estes projetos efetuados por estrangeiros deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área. Sobre os projetos industriais, estes deverão ser aprovados pelo Ministério da Indústria e Comércio;

No caso de loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação de, no mínimo, 30% da área total serão feitas obrigatoriamente por brasileiros;

A aquisição de imóvel situado em área considerada indispensável à segurança nacional por pessoa estrangeira, física ou jurídica, depende do assentimento prévio da Secretaria - Geral do Conselho de Segurança Nacional;

Não se aplica a transmissão causa mortis;

Na aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, física ou jurídica, é da essência do ato da escritura pública;

Desta escritura relativa à aquisição de área rural por pessoas físicas estrangeiras constará, obrigatoriamente: menção do documento de identidade de quem está adquirindo; prova de que este reside em território brasileiro;

No caso dos Cartórios de Registros de Imóveis, estes manterão um cadastro especial das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas;

Pessoas de uma mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada município, de mais de 40% do limite fixado na lei;

A Lei nº 5.709/71 consagrava, portanto, todas as restrições e aberturas para o capital estrangeiro chegar à propriedade da terra no Brasil, além daquela formas famosas de associação com brasileiros “testas-de-ferro” ou “laranjas” como são denominados na atualidade. E mais, ampliava as possibilidades de regularização das fraudes cometidas antes do Decreto-Lei de 10/03/69. Isto era possível porque a lei, ao contrário do Ato Complementar e do Decreto-Lei, permitia inclusive que, se os estrangeiros tivessem adquirido terras antes de 1969, teriam um prazo para regularizá-las. Mais do que isso, permitia ao presidente da República, através de decreto, autorizar à aquisição de terras por estrangeiros além dos limites fixados em lei, desde que fosse julgada prioritária face aos planos de desenvolvimento do país. (OLIVEIRA, 2010, p. 16)

No entanto, esta própria legislação vigente no Brasil é falha e possui possibilita diversas lacunas. Isso fica evidente no ponto em que afirma que as terras em posse de estrangeiros não pode ser superior a ¼ da área total do município, porém, isso torna-se relativo, pois cada município possui uma extensão territorial distinta no Brasil, sobretudo na região Norte e Centro-Oeste, onde a extensão dos municípios em ternos de área é enorme e estes são os principais alvos dos estrangeiros ligados ao agronegócio de produção de commodities. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da pesquisa referente à estrangeirização de terras observa-se um aumento na demanda por terras por países desenvolvidos em países “subdesenvolvidos”, onde estes procuram aumentar e garantir a sua soberania, adquirindo novos territórios. Há uma demanda e necessidade de se pensar a geopolítica, trazendo para a análise visões

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clássicas e contemporâneas, assim como autores, elementos e contextos. Também é preciso refletir sobre novos elementos que circundam tal questão, como a soberania territorial, produção de alimentos, receio de uma crise alimentar, commodities, agroenergia e agrocombustíveis, entre outros. Em relação à compra e venda de terras por estrangeiros no Brasil, observamos que esta prática é antiga. Há uma preocupação geopolítica maior, mas que apenas tomou grande preocupação do governo brasileiro a partir do século XXI, quando o número de transações entre países aumentou sensivelmente. No âmbito da criação da categoria de Estrangeirização de terras no projeto DATALUTA, enfatiza-se que esta é de suma importância para o desenvolvimento do estudo em questão e para novos estudos que vão nesta perspectiva. O tema trabalhado, apesar de antigo quanto a sua existência, é recente quanto à demanda de estudos, logo, a categoria de Estrangeirização é um marco essencial neste estudo. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 5.709, de 07 de outubro de 1971. Regula a Aquisição de Imóvel Rural por estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil. Brasília. FERNANDES, Bernardo Mançano. Estrangeirização de terras na nova conjuntura da questão agrária. In: Conflitos no Campo Brasil 2010. Goiânia: CPT Nacional – Brasil, 2011

FERNANDES, Bernardo Mançano. Geopolítica da questão agrária mundial. Cadernos Conflitos no Campo – Brasil. São Paulo: Comissão Pastoral da Terra, 2011.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A questão da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil - um retorno aos dossiês. AGRÁRIA, São Paulo, No. 12, pp. 3-113, 2010.

SAUER, Sérgio; LEITE, Sergio Pereira. Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural. 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/resr/v50n3/a07v50n3.pdf.>. Acesso em: 26 abr. 2013.

SAUER, Sérgio. Demanda Mundial por terras: “land grabbing” ou oportunidade de negócios no Brasil? In: Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. n 1, v. 4. 2010.

SAUER, Sérgio. Corrida mundial por terras e direitos territoriais no Brasil. In: Agriculturas, n. 4, v. 8. Dezembro de 2011.

SAUER, Sérgio; LEITE, Sérgio Pereira. A estrangeirização da propriedade fundiária no Brasil. In: Carta Maior, 2013.

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DIFERENÇAS NA TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA DO AR EM ÁREAS URBANA

E RURAL NA ESTAÇÃO DA PRIMAVERA1

Hiago Pereira Barbosa

2

Graduando do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Presidente Prudente (SP)

[email protected]

Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim

Professora Dra. do curso de Graduação e de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, câmpus de Presidente Prudente (SP)

[email protected]

INTRODUÇÃO

No ambiente tropical as altas temperaturas são uma constante durante boa parte dos

dias do ano, que combinadas com baixos ou altos valores de umidade do ar podem trazer

episódios severos de desconforto, que consequentemente afetam a saúde e o desempenho

humano.

De acordo com Amorim (2013, p.2) “a concentração populacional nos ambientes

urbanos tem ocasionado diversos problemas ambientais e sociais resultantes das atividades

econômicas e industriais, da expansão do espaço construído”, dentre esses problemas os

que mais chamam atenção são os efeitos ocasionados pelas alterações das características

na temperatura e umidade do ar desses ambientes.

É no ambiente citadino que os efeitos da urbanização nas condições climáticas são

mais sentidos. Dessa forma, estudos comparativos da temperatura e umidade relativa do ar

entre áreas urbana e rural são de extrema importância, para a quantificação dessas

diferenças e posteriores análises que visem a amenização destas na cidade.

Sabe-se que a população mundial se torna cada vez mais urbana. No Brasil,

aproximadamente cerca de 84% da população se concentra em cidades pequenas, médias

e grandes (IBGE, 2010). De acordo com o Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010) a

população urbana no Brasil (ou o número de pessoas vivendo em áreas urbanas) cresceu

3%, ou seja, em 2000 eram 81% e em 2010 foram 84%.

Por isso é de extrema importância o ordenamento das cidades, levando em

consideração seus aspectos do meio físico e social, buscando criar espaços de satisfação,

qualidade de vida e conforto aos que residem nas cidades.

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi o de analisar as características da

temperatura e umidade relativa do ar no amanhecer, às 6h em dias representativos da

estação da primavera. Os dados meteorológicos utilizados foram registados no mês de

outubro de 2012.

Justifica-se a escolha desse horário pelo fato da atmosfera urbana e rural se

encontrar mais estabilizada; a cidade liberar o calor estocado durante o dia anterior,

sobretudo em dias com significativa presença de nebulosidade, que há a retenção do calor

produzido no período diurno na superfície.

Os procedimentos utilizados para a realização do trabalho dividiu-se em duas etapas.

A primeira etapa refere-se ao tratamento dado aos dados registrados em campo, com o

intuito de elaborar gráficos e quadros que expressem os resultados encontrados. Uma

1 O presente trabalho se insere no eixo temático “Geografia Ambiental e Geografia da Saúde”.

2 Bolsista de Iniciação Cientifica da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São

Paulo).

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segunda etapa foi realizada a partir do levantamento de informações em campo dos pontos

de registro, e posterior comparação dos resultados obtidos entre as áreas urbana e rural.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

De acordo com Sant’Anna Neto e Tommaselli (2009) a cidade de Presidente Prudente situa-se numa área de transição entre os climas zonais controlados pelos sistemas tropicais, que lhe conferem elevadas temperaturas de primavera e verão; e pelos sistemas extratropicais (massas polares) que ocasionam episódios de invasão das frentes frias e do ar polar nas estações de outono e inverno, provocando temperaturas mais amenas. A área de estudo do presente trabalho foi o bairro Jardim Maracanã, localizado na zona noroeste da cidade, enquanto que a zona rural em questão localiza-se na zona sudeste da cidade de Presidente Prudente. A aprovação dos lotes do bairro em questão foi realizada em meados dos anos 1980, com efetiva ocupação residencial da área a partir dos anos 1990 e maior crescimento das atividades de prestação de serviços e comércio a partir dos anos 2000, sobretudo no eixo leste do bairro (Avenida Salim Farah Maluf). Foram escolhidos três pontos representativos para a coleta dos dados meteorológicos no ambiente urbano, levando em consideração a densidade de construção e vegetação nessas localidades, bem como a variação de altitude. As características de entorno de cada ponto representativo são explicadas abaixo e representadas na figura 1.

Figura 1 – Localização dos pontos de registro dos dados meteorológicos Fonte: Google Earth™ Mapping Service, 2012.

A. Ponto urbano 1: há uma presença significativa de vegetação nas calçadas e interior

dos lotes, a área é próximo ao fundo de vale, a densidade de construções é média se comparada com os demais pontos urbanos. A altitude do ponto é de 425m sob o nível do mar;

B. Ponto urbano 2: há uma presença média de vegetação nas calçadas e interior dos lotes, a área apresenta solos expostos ou com atividade construtiva, apresenta alta densidade de construções se comparada com os demais pontos urbanos. A altitude do ponto é de 447m sob o nível do mar;

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C. Ponto urbano 3: há uma menor presença de vegetação nas calçadas e interior dos lotes, apresenta uma área densamente construída com presença de solo exposto, está localizado numa área com significativo fluxo de veículos e setor de serviços ao norte do ponto. A altitude do ponto é de 462m acima do nível do mar;

D. Ponto Rural: há uma presença significativa de vegetação arbórea, arbustiva e rasteira, baixa densidade de construções, ou seja, há pouca intervenção antropogênica se comparado com os pontos urbanos. A altitude do ponto é de 448m acima do nível do mar.

O mês de outubro de 2012 foi caracterizado por pouco registro de precipitação em Presidente Prudente, com valor de 52,5 mm registrado no ambiente rural. Ressalta-se que a nebulosidade durante os dias analisados foi alta.

A tabela a seguir contém informações importantes para a análise que se prosseguirá.

Dias Diferenças térmicas

(°C)

Diferenças higrométricas

(%)

Precipitação acumulada

em 24h (mm)

Velocidade do Vento

(km/h)

03/10/2012 0,4 7,4 0 16,2

04/10/2012 1,7 3 0 6,5

05/10/2012 1,8 3,9 1,7 4,7

06/10/2012 0,7 2,7 0,2 11,2

07/10/2012 1,6 1,9 0 4,7

08/10/2012 1,9 3,2 0 9,7

09/10/2012 1,8 2,5 0 4,7

10/10/2012 0,8 5,9 0,5 17,6

11/10/2012 1,9 3,9 0 1,4

12/10/2012 1,3 2 3,5 14,4

13/10/2012 1,6 3 0 7,9

14/10/2012 1,1 3,6 0 17,6

15/10/2012 1 4 0 14,4

16/10/2012 1,5 1,6 0 9,7

17/10/2012 1,4 7,5 0 0,0

18/10/2012 3 10,3 0 0,0

19/10/2012 3,5 7,5 0 13,0

20/10/2012 2,5 4,2 0 1,4

21/10/2012 0,5 5,7 0 22,7

22/10/2012 1,4 2,1 0 11,2

23/10/2012 0,9 10,6 0 35,3

24/10/2012 1,8 4,7 3,3 0,0

25/10/2012 2,3 5,7 0 0,0

26/10/2012 1,6 1,8 6,6 4,7

27/10/2012 2,3 5,4 0 3,2

28/10/2012 1,4 2,9 22,3 9,7

29/10/2012 2,3 5,8 0 1,4

30/10/2012 3,2 8,7 0 6,5

31/10/2012 1,7 3 0 4,7

Tabela 1 – Diferenças térmicas e higrométricas nas áreas urbana e rural de Presidente Prudente às 6h; Dados de precipitação acumulada em 24h e velocidade do vento na área rural de Presidente Prudente às 6h

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Os dados com destaque na cor vermelha referem-se as maiores diferenças (térmicas e higrométricas), encontradas no período analisado, como também os maiores valores registrados de velocidade do vento às 6h. Nesse horário não houve registro de chuvas. A distribuição da temperatura do ar nos pontos localizados na zona urbana apresentou maiores valores em relação ao ponto localizado na zona rural. Os pontos urbanos 2 e 3 foram os que apresentaram os maiores valores térmicos. As maiores diferenças térmicas urbano-rural foram registradas nos 19, 30 e 18 de outubro com valores de 3,5°C, 3,2°C e 3°C, respectivamente.

No dia 19 não ocorreu registro de precipitação no horário analisado e a velocidade do vento era de 13 km/h, o ponto rural apresentou temperatura de 18°C enquanto que os pontos urbanos apresentaram valores acima de 21°C.

No dia 30 seguiu o mesmo padrão do anterior, não ocorrendo queda de precipitação no horário analisado, e a velocidade do vento foi de 6,5km/h. Os pontos urbanos se mostraram mais aquecidos, sobretudo o ponto 3 se comparado com os demais urbanos e o rural. Ressalta-se que neste dia as temperaturas no urbano e rural apresentaram valores acima dos 24°C.

No dia 18, as características eram favoráveis para se mensurar o quanto o urbano modifica as características climáticas dos ambientes, pois não ocorreu registro de precipitação e nem de ventos. Nesse dia o ponto que se apresentou menos aquecido foi o localizado nas proximidades do fundo de vale, enquanto que o rural e os demais pontos urbanos estiveram mais aquecidos.

Nos três dias que apresentaram as maiores diferenças térmicas estava atuando na região de Presidente Prudente sistemas atmosféricos de alta pressão. No caso dos dias 18 e 19 uma forte massa de ar Tropical Atlântica (TA) e no dia 30 a massa de ar Tropical Atlântica Continentalizada (TaC), que inclusive interferiu na diminuição da umidade relativa do ar neste dia. Nos demais dias do mês de outubro as diferenças térmicas variaram de 0,4°C a 2,5°C, permanecendo com o padrão de maior aquecimento na zona urbana, enquanto que na zona rural foram registrados os menores valores de temperatura do ar.

Figura 2 – Temperatura do ar nas áreas urbana e rural em Presidente Prudente às 6h

A distribuição da umidade relativa do ar às 6h nos pontos representativos na zona urbana apresentou valores mais baixos se comparados com os dados registrados na zona rural, com exceção de alguns dias. As maiores diferenças higrométricas urbano-rural foram registradas nos dias 23, 18 e 30 de outubro com valores de 10,6%, 10,3% e 8,7%, respectivamente. No dia 23 a velocidade do vento registrada na zona rural foi de 35,3 km/h e nenhum registro de precipitação. O ponto que apresentou o menor valor de umidade relativa do ar (62%) foi o representativo da zona rural, enquanto que os da zona urbana registraram valores acima de 70%. No dia 18 não houve registro de ventos e precipitação no horário analisado. O ponto representativo da zona rural apresentou valor intermediário junto aos pontos da zona

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urbana, onde os pontos 1 e 2 apresentaram valores maiores de umidade relativa do ar, se comparados com o ponto urbano 3 e o da zona rural. A presença de vegetação ao entorno do ponto 1 contribui para a manutenção da umidade relativa do ar, estando acima dos 88%. No dia 30 não ocorreu também a queda de precipitação e a velocidade do vento foi de 6,5 km/h. Nesse dia o ponto representativo da zona rural se mostrou com maior valor de umidade relativa do ar, enquanto que os pontos urbanos 1, 2 e 3 seguiram uma ordem de decréscimo de umidade relativa do ar, de acordo com as características de entorno de cada ponto urbano. Ressalta-se que no dia 23 a região de Presidente Prudente estava sob a atuação de uma Frente Polar Atlântica, explicando a alta velocidade do vento registrada neste horário. No dia 30, a atuação da TaC possibilitou a diminuição dos valores de umidade relativa do ar e aumento da temperatura do ar se comparado com dias anteriores em todos os pontos representativos, sejam estes na zona urbana ou rural.

Figura 3 – Umidade relativa do ar nas áreas urbana e rural em Presidente Prudente às 6h

CONSIDERAÇOES FINAIS As diferenças térmicas registradas e apresentadas no presente trabalho estão relacionadas, sobretudo, ao adensamento construtivo e a existência ou ausência de vegetação urbana. O mesmo padrão refere-se às diferenças higrométricas, haja vista que a umidade relativa e a temperatura do ar são inversamente proporcionais. Neste trabalho a maior diferença térmica urbano-rural foi de 3,5°C (variação térmica entre 18,7 a 22,2°C), sem registro de precipitação e com ventos leves. A maior diferença higrométrica foi de 10,6% (variação higrométrica entre 61 e 71,6%), sem ocorrência de precipitação e ventos com velocidade média. Interessante notar, que mesmo antes do amanhecer, às 06h as diferenças entre o urbano e o rural são consideráveis. Além disso, os dados registrados e analisados no presente trabalho são representativos da estação da primavera, considerada a estação mais quente na cidade de Presidente Prudente. Dessa forma, mesmo em um horário representativo do período antecessor ao amanhecer, as diferenças na temperatura e umidade relativa do ar já são registradas, evidenciando que as modificações realizadas na paisagem urbana interferem nas características climáticas dos ambientes urbanos. Ações como o plantio de árvores no interior dos lotes e calçadas; a utilização de

materiais construtivos que possuem uma menor retenção de calor; a efetivação de áreas

verdes destinadas ao mesmo fim pelo poder público, dentre outras ações podem contribuir

para a amenização das diferenças encontradas.

Essas ações podem contribuir para uma melhor condição de vivência nos ambientes urbanos, sobretudo nos ambientes tropicais, que apresentam características favoráveis para o desenvolvimento de episódios de estresse térmico com maiores intensidades.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão da bolsa de Iniciação Científica que possibilitou a realização do projeto de pesquisa referente ao processo nº 2012/01604-4. REFERÊNCIAS AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade. O clima urbano a partir do sensoriamento remoto e de registros da temperatura do ar. In: Encuentro Nacional de Géografos da América Latina – EGAL,14., 2013, Lima. Anais... Lima, 2013. CD 1. BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censos demográficos e populacionais. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/> Acesso em: 10 jun. 2013. SANT’ANNA NETO, João Lima e TOMMASELLI, João Tadeu Garcia. O tempo e o clima de Presidente Prudente. 1. ed. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2009. 72 p.

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EM BUSCA DO ENTENDIMENTO GEOGRÁFICO DA DEGRADAÇÃO DO TRABALHO: UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA CRÍTICA1

Guilherme Marini Perpetua. Doutorando em Geografia pela FCT/UNESP [email protected]

Antonio Thomaz Junior. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da

FCT/UNESP [email protected]

INTRODUÇÃO

Já não é tão recente o argumento segundo o qual o espaço geográfico teria, atualmente, sua importância reduzida na explicação dos fenômenos sociais em função da aniquilação provocada pela aceleração do tempo. O mesmo se pode afirmar em relação às teses do fim do trabalho e de sua centralidade na compreensão de uma economia mundial que assiste à redução do proletariado industrial, ao aumento do trabalho imaterial e é crescentemente lacerada pelo desemprego estrutural.

Ambas as posições, no entanto, estão apoiadas sobre fulcros teóricos deliberadamente reducionistas e, no mínimo, questionáveis. De um lado, um espaço social concebido como sinônimo de distância, sob a forma de planície isotrópica que contém passivamente às ações dos sujeitos e agentes sociais. De outro, uma concepção de trabalho como sinônimo de trabalho produtivo em seu sentido mais estreito, ou seja, o do proletariado clássico, com base num viés que ao invés de contribuir para o seu entendimento, coloca antolhos e invisibiliza as complexas metamorfoses do mundo do trabalho na atualidade.

Não obstante tal obliteração teórica, o espaço geográfico se impõe hoje, mais do que nunca, como condição instrumental de controle e exploração da classe trabalhadora, e o trabalho, ao invés de acabar, intensifica-se de maneira avassaladora, impondo-se de forma precária e degradante para a maioria da humanidade.

O presente trabalho pretende expor reflexões iniciais (e não acabadas) no sentido de demonstrar teoricamente algumas das relações entre espaço e trabalho, com foco na degradação do trabalho, um fenômeno que não é recente, mas que tem se exacerbado no bojo da crise estrutural do capital e da disseminação desigual e contraditória de sua reestruturação produtiva. SOCIOMETABOLISMO DO CAPITAL E DEGRADAÇÃO DO TRABALHO

Uma das mais inovadoras características da obra marxiana foi, sem dúvida, o entendimento da relação indissociável entre homem e natureza pela mediação do trabalho. Segundo Marx, “antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla o seu metabolismo com a natureza” (2004 [1984], p. 29-30); um processo – complementamos - que não transforma apenas a natureza externa ao homem, como também sua própria natureza interior. Assim, o trabalho é a atividade por meio da qual o homem se hominiza (fisiologicamente) e humaniza (social e culturalmente) a si mesmo (ENGELS, 2004 [1896]; MOREIRA, 2004), a atividade potencialmente emancipatória e plena de significados por excelência.

Homem e natureza, portanto, compõem juntos um mesmo metabolismo, ou melhor definido, um sociometabolismo no interior do qual se realiza seu intercâmbio produtivo e reprodutivo por intermédio do trabalho. No entanto, como explica Mészáros (2011), o

1 O trabalho se insere no eixo temático “Geografia do Trabalho e Geografia Econômica” e constitui

uma primeira aproximação teórica desenvolvida no âmbito da nossa pesquisa de doutorado, intitulada “Pilhagem territorial e degradação do trabalho nos novos espaços da produção de celulose no Brasil”, com apoio financeiro da FAPESP, a quem agradecemos.

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sociometabolismo do capital é uma forma histórica absolutamente singular de relação dos homens entre si e com a natureza em seu intercâmbio reprodutivo, dentro da qual as mediações primárias (ou de primeira ordem), voltadas para a produção de valores de uso, foram suplantadas por mediações secundárias (ou de segunda ordem), voltadas para o objetivo externo e reificado da acumulação. Esse sistema específico de mediações de segunda ordem do capital, por sua vez, conforma “[...] um todo social antagonicamente estruturado [...] por meio do sistema estabelecido de produção e troca”, regido pelo imperativo do valor de troca em permanente e incontrolável expansão (Ibid., p. 67. Grifos no original).

Reside precisamente nisto a contradição basilar que rege todo o sociometabolismo do capital: pela separação histórica entre produtor direto e meios de produção, a capacidade de realizar trabalho útil (força de trabalho) tornou-se mercadoria, e como mercadoria, passou a possuir em si o duplo aspecto do valor de uso e do valor de troca (MARX, 2008). Contudo, como explica Gaudemar (1977), essa mercadoria apresenta uma especificidade que a diferencia de todas as outras, e que consiste no fato de que o seu valor de uso supera o seu valor de troca, possibilitando um sobre-valor (mais-valia), que é excedente acumulado pelo capitalista e convertido em novo capital - o valor cujo objetivo é a autovalorização. Como resultado, desdobra-se uma série de conseqüências nefastas para os trabalhadores, reais produtores da riqueza, a principal das quais sendo a redução do trabalho vivo em função do aumento do trabalho morto (matérias-primas, maquinaria, instalações etc.) no processo de trabalho. Deste modo, o capital, ele mesmo trabalho transmutado, nega dialeticamente o trabalho, e no outro extremo, “o único valor de uso que pode constituir uma antítese ao capital é o trabalho [...]” (MARX, 2011, p. 212).

Como o objetivo da produção não é mais a produção de valores de uso, como ocorrera em modos de produção pré-capitalistas, mas sim a circulação sempre crescente de valores de troca na forma de mercadorias, e tendo em vista que esse objetivo se realiza, necessariamente, dentro de um ambiente de mercado regido pela livre-concorrência, as necessidades humanas, a saúde e o bem-estar dos homens e mulheres que trabalham, não fazem parte das preocupações legítimas do capital. Precisamente por isso, advoga Marx (O capital, livro I, p. 293-294 apud QUAINI, 1979):

O capital não tem consideração com a saúde e a duração da vida do operário, a não ser quando for constrangido a isso pela sociedade. Ao lamento pela retração física e mental, pela morte prematura, pela tortura do excesso de trabalho o capital responde: deveria tal tormento atormentar-nos, na medida em que aumenta o nosso prazer (lucro)? Mas, considerando o fenômeno em seu conjunto, tudo isso não depende da boa ou má vontade de cada capitalista. A livre-concorrência faz valer as leis imanentes da produção como lei coercitiva externa a cada capitalista (p. 132).

A degradação física e mental do ser humano que trabalha é inerente à forma de ser

do capital, como vemos no excerto de Marx, e a intensidade disso pode variar de acordo com os anteparos sócio-institucionais colocados entre ele e o trabalho em cada período histórico. Mas engana-se redondamente quem supõe que tal natureza desumana e desumanizante está desvelada a priori diante olhos dos trabalhadores, e mesmo dos próprios capitalistas. Muito ao contrário, segundo Caio Prado Jr (1979), a exploração e a degradação colocam-se como fatos ocultos e repousam sob um véu de normalidade, pois que

As relações sociais de trabalho e de produção se revestem aí da forma de transação mercantil idêntica em substância a outra forma qualquer de operação de compra e venda, e não se observa traço algum de privilégios jurídicos ou políticos, de subordinação ou dependência pessoal dos trabalhadores, com relação àqueles para quem eles trabalham (PRADO JR. 1979, p. 57).

A explicação para isso deve ser buscada no fato de que a dominação exterior, política, que caracterizava as relações sociais em outros tipos de sociedade que não a capitalista, cedeu lugar a outro tipo de dominação, de cunho eminentemente econômico, na qual o trabalhador é livre em dois sentidos: livre para vender sua força de trabalho a quem

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quiser (positivo) e livre dos meios necessários para sua subsistência (negativo), o que o força a fazê-lo sob pena de perecer. DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NA ERA DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

Toda e qualquer análise social que se pretenda sóbria deve ser sempre situada no tempo e localizada no espaço. A análise da degradação do trabalho como fenômeno intrínseco da sociedade burguesa não constitui uma exceção a esta regra.

Por degradação do trabalho estamos entendendo o processo que afeta negativamente a saúde e o bem-estar físico e mental do trabalhador, decorrente, direta ou indiretamente, da atividade laboral na qual este se encontra inserido. Para isso, obviamente, contribuem de maneira decisiva as formas de organização e controle da produção e do trabalho, as condições e o ambiente de trabalho e a natureza dos vínculos entre trabalhador e empresa, características essas transformadas ao longo do tempo e diferentemente distribuídas nos distintos lugares. Nesse sentido, nosso argumento é que o processo de reestruturação produtiva do capital, mais perceptível a partir da década de 1970 e disseminado de forma desigual e combinada com modos de estruturação pretéritos desde então, bem como todas as transformações políticas do quadro neoliberal com ele identificadas, não apenas intensificou quantitativamente a degradação, como a transformou qualitativamente, alterando sua própria natureza.

Visando a superação da grave crise de acumulação que se abateu sobre o sistema naquele período, houve a introdução de novas tecnologias aos processos produtivos pari passu a implementação de novas formas de organização da produção e do trabalho, as quais, em conjunto, inauguraram um novo regime produtivo e de acumulação comumente denominado “flexível”, “toyotista” ou “pós-fordista” (ANTUNES, 1999, p. 24). No entanto, como adverte Antunes (2011), convém notar que essa complexa mutação não desfechou a alteração dos elementos essenciais e fundantes do capital, mas tão somente a modificação dos mecanismos de seu padrão de acumulação e de geração de valor. Cumpre ainda lembrar que, devido à crescente imbricação setorial, esta nova racionalidade não se restringiu ao setor industrial, abarcando também o setor terciário e o agronegócio.

Benko (1996) salienta que tais transformações compõem, na realidade, o esforço por transpor as barreiras da rigidez taylorista/fordista e restaurar as condições de valorização por meio de práticas de racionalização e flexibilização que remodelam a totalidade das

práticas de socialização. Tal empreitada tem sido levada a cabo em duas frentes, simultaneamente: de um lado, desvalorizando a força de trabalho e reduzindo todos os componentes de sua reprodução, e de outro, utilizando “[...] todas as virtualidades tecnológicas da sua automação como suporte material a fim de remodelar a organização do trabalho, os processos de produção, os sistemas de gestão e a qualidade dos produtos ou mesmo a norma social de consumo” (BENKO, 1996, p. 22). Nisso reside um aspecto fundamental de nossa análise.

É novamente Antunes (2008) quem explica que as mutações no setor produtivo e de serviços nas últimas décadas têm conduzido a mutações na forma taylorista e fordista de degradação do trabalho predominante até antão. Segundo o autor, “ainda que regulamentado e contratado, a degradação do trabalho na sociedade taylorista e fordista estava estampada em sua mecanização, parcialização, manualização, alienação e, no limite, desantropomorfização” (Ibid. p. 20).

O contexto do regime flexível, que faz emergir o desemprego explosivo, o rebaixamento salarial, a precarização estrutural do trabalho (substituição do trabalhador estável pelo terceirizado, part time, cooperado etc.) e a perda de garantias e direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, permite visualizar um novo horizonte para a degradação, cujas marcas principais são a intensificação do trabalho, sua fragmentação, a instabilidade e a interiorização dos mecanismos de controle pelos trabalhadores, tornados verdadeiros “déspotas de si mesmos”. Deste modo, quanto mais avança a pragmática flexível, “[...] mais intensos parecem tornar-se os níveis de degradação do trabalho (no sentido da perda de liames e da corrosão dos mecanismos de regulação e contratação) para uma parcela enorme de trabalhadores e trabalhadoras” (ANTUNES, 2008, p. 22).

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Tais considerações nos autorizam a concluir que as novas modalidades de degradação são o resultado concreto dos processos de precarização (dos vínculos, das condições, dos ambientes) do trabalho inscrito nos corpos dos sujeitos sociais para os quais a única alternativa é a venda de sua força de trabalho. ESPAÇOS DA DEGRADAÇÃO DO TRABALHO?

A partir das décadas de 1960 e 1970, noções, metáforas e conceitos relativos ao espaço emergiram com grande vigor nas mais diversas ciências da sociedade. Esta reafirmação do espaço na teoria social crítica, para usar os termos de Soja (1993), deve ser entendida no bojo de um contexto mais amplo de reinserção dos sujeitos sociais nas interpretações que, até então, privilegiavam a temporalidade e as estruturas sociais. Como argui o referido autor (SOJA, 1993), implícita nas obras de Marx e negligenciada pelo marxismo ocidental ao longo do século XX, em função de uma epistemologia essencialmente histórica, a compreensão da dimensão espacial da exploração capitalista supõe considerar o espaço produzido, dialeticamente, como condicionante da e condicionado pela ação social; um participante ativo naquilo que denominou dialética socioespacial, composta, além do próprio espaço, também pelo tempo e pelo ser social.

Ora, ao considerarmos o espaço como componente ativo da dinâmica social, estamos igualmente postulando que ele desempenha um papel fundamental na lógica da exploração capitalista, e logo, na degradação do trabalho. Foi exatamente isso o que defendeu Lefebvre em A produção do espaço (1974 apud SOJA, 1993), indicando que a própria sobrevivência do capitalismo está baseada na criação de uma espacialidade cada vez mais abrangente, disciplinar, instrumental e socialmente mistificada. Um melhor entendimento deste argumento poderia nos reportar à Moreira (2004) e ao seu conceito de geograficidade, definido como “[...] uma cooperação e uma divisão do trabalho, uma estrutura de regulação que aparece na paisagem na forma de um arranjo de espaço que regula, impulsiona e controla a coabitação entre os homens” (p. 33-34), de modo que cada forma de metabolismo possui uma forma correspondente de geograficidade, expressando-se a do capital pelo seu ímpeto à acumulação ampliada, pelas relações de classe e pela alienação espacial dos seres humanos.

Disso se deduz também que as mutações nos mundos da produção e do trabalho não poderiam ter deixado de resultar em mutações, rearranjos e reestruturações nessa geograficidade. São exemplos, a nosso ver, os processos de decomposição técnica da produção e de transferência de unidade produtivas no sentido centro-periferia desdobrados nas últimas décadas (CHESNAIS, 1996); a “fábrica difusa”, estratagema empresarial que consiste na separação territorial entre produção e gestão, cada vez mais comum em nossos dias (BIHR, 1998); e ainda, a substituição de grandes unidades produtivas por uma miríade de pequenas unidade “[...] interligadas pela rede, com número cada vez mais reduzido de trabalhadores e produzindo cada vez mais” (ANTUNES, 2008, p. 21), mutações essas que vêm quase sempre de mãos dadas com as formas flexíveis e precarizadas de trabalho.

O mesmo pode ser constatado noutras atividades para além da produção industrial em sentido estrito, como no caso da agricultura de precisão da qual se gaba o agronegócio. Como exposto por Silva e Martins (2010), tomando o setor sucroalcooleiro a título de exemplo, nos espaços extrovertidos de produção de commodities, imperam o uso

desenfreado de agroquímicos, altamente danosos tanto para os trabalhadores quanto para o meio ambiente, e formas extremamente predatórias de exploração do trabalho, com destaque para a superexploração dos migrantes temporários, o pagamento por produção, e até mesmo formas de trabalho análogas à escravidão.

Podemos concluir, portanto, que as mudanças nos processos de trabalho promovem, como contrapartida, “[...] profundos rearranjos territoriais e conseqüentemente, redefinições locacionais do domínio espacial” (THOMAZ JUNIOR, 2011, p. 96).

Nossa hipótese é que, em sintonia com os processos de reestruturação produtiva e suas correspondentes mutações no âmbito do trabalho ocorridos nas últimas décadas, estariam constituindo-se novos espaços instrumentais de exploração e controle dos trabalhadores, cuja conseqüência direta têm sido a degradação da força de trabalho, no sentido antes explicitado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Contrariando as teses do fim do trabalho e da importância do espaço geográfico, trabalho e espaço continuam formando juntos um par conceitual prenhe de significados ainda pouco explorados e deveras enriquecedores para a teoria social crítica. Nesse sentido, procuramos delinear, ainda que à guisa de uma aproximação bastante esquemática e inconclusa, as relações entre o sociometabolismo do capital e a degradação do trabalho, em suas feições clássica e contemporânea, e entre esta última e a espacialidade instrumental da sociedade burguesa, cada vez mais abrangente e potencialmente destrutiva para a força vital que, junto com a natureza, a sustenta. BIBLIOGRAFIA ANTUNES, R. L. C. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.

______. Desenhando a nova morfologia do trabalho: as múltiplas formas de degradação do trabalho. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 83, Dez. 2008, p. 19-34.

______. O sistema de metabolismo social do capital e seu corolário, a alienação, na obra de István Mészáros. In. István Mészáros e os desafios do tempo histórico. JINKINGS, I.;

NOBILE, R. (Org.). São Paulo: Boitempo, 2011.

BENKO, G. Economia, espaço e globalização: na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec, 1996.

BIHR, A. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. São Paulo:

Boitempo, 1998.

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem [1896]. In: ANTUNES, R. (Org.). Dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo:

Expressão Popular, 2004.

GAUDEMAR, J-P. de. Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Editorial Estampa, 1977.

MARX, K. Processo de trabalho e processo de valorização [1984]. In: ANTUNES, R. (Org.). Dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

______. Contribuições à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

______. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 - esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.

MOREIRA, R. Marxismo e Geografia (A Geograficidade e o diálogo das ontologias). GEOgraphia, Rio de Janeiro, ano 6, nº 11, 2004, p. 21-37.

PRADO JÚNIOR, C. Teoria marxista do conhecimento e método dialético mateiralista. Discurso, São Paulo, ano IV, nº 4, 1973. p. 41-78.

QUAINI, M. Marxismo e geografia. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1979.

SILVA, M. A. de M.; MARTINS, R. C. A degradação social do trabalho e da natureza no contexto da monocultura canavieira paulista. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, n. 24, mai./ago. 2010, p. 196-240.

SOJA, E. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

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THOMAZ JUNIOR, A. O mundo do trabalho e as transformações territoriais: os limites da ‘leitura’ geográfica. Revista Pegada, Presidente Prudente, vol. 12 n.1, jun. 2011, p. 94-112.

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ENSINO DE GEOGRAFIA E A METODOLOGIA DE FREINET: A PRÁTICA DO TURISMO PEDAGÓGICO 1

Claudemira Azevedo Ito – FCT- [email protected]

Ana Flavia Sousa Gonçalves2- FCT-Unesp [email protected]

Amanda Silva Jesus3 FCT-Unesp [email protected]

INTRODUÇÃO

Célestin Freinet foi um dos primeiros educadores a perceber a importância do ensino aprendizagem para fora do ambiente escolar ele aponta caminhos para a reflexão da prática do professor e é alicerçada na postura diante da vida. A prática dessas saídas de campo sob os preceitos da aula-passeio ajuda os alunos a entenderem a complexidade da realidade: as relações socioculturais e históricas que transformam a paisagem e os espaços. A metodologia obedeceu aos cinco passos indicados por Freinet. Inicialmente a motivação é quando as crianças são incentivadas a relatar sobre os espaços que conhecem e usam no seu cotidiano, no segundo encontro, a preparação com a apresentação dos espaços indicados pelas crianças, enaltece as características destes espaços. A ação é o desenvolvimento da visita a lugares escolhidos. O prolongamento é posterior à saída a campo onde as crianças relatam a experiência fora da sala de aula, valorizando as impressões e opiniões das crianças. A comunicação ocorreu por meio de desenho, nestes desenhos as crianças destacavam os pontos mais importantes das visitas. Concluímos que o conhecimento sobre o processo de transformação do espaço pelo homem, que ocorre conforme a sociedade se organiza econômica e socialmente pode ser apreendida com visitas a áreas históricas ou museus na cidade. Para finalizar, a visitação planejada, organizada e reflexiva de lugares históricos, turísticos ou de características comuns pode auxiliar na compreensão e reflexão de muitas áreas de conhecimento. Assim o aluno passa a refletir sobre o seu cotidiano, a realidade local, aprende a observar e analisar o espaço vivido.

GEOGRAFIA E TURISMO NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino fundamental espera-se que, ao longo dos oito anos, “os alunos construam um conjunto de conhecimentos referentes a conceitos, procedimentos e atitudes relacionados à Geografia, que lhes permitam ser capazes de: valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a sociodiversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e um elemento de fortalecimento da democracia”.

Na área de História, comparecem nos PCNs orientações sobre o estudo do meio, como recurso didático, o qual favorece à participação ativa do aluno na elaboração de conhecimentos, atividade que comporta a interpretação, a seleção e cria formas de estabelecer relações entre as informações. Fortalecendo o raciocínio de que o conhecimento é uma organização específica de informações, que se sustenta na materialidade da vida concreta, assim como a partir de teorias formuladas sobre ela.

Percebe-se então que a utilização de trabalhos fora da sala de aula torna-se importantes para a compreensão de diversos conteúdos de várias áreas de conhecimento, assim como de temas transversais.

O conceito de paisagem é muito caro à área de Geografia e também aos estudos de Turismo, cada qual com suas especificações. Nos PCNs, na área de Geografia dá-se destaque ao estudo do “ O lugar e a paisagem” assim descrito:

1 Ensino de Geografia2 Bolsista do Núcleo de Ensino3 Bolsista do Núcleo de Ensino

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tratam das relações mais individualizadas dos alunos com o lugar em que vivem. Quais foram as razões que os fizeram morar ali (vínculos familiares, proximidade do trabalho, condições econômicas, entre outras) e quais são as condições do lugar em que vivem (moradia, asfalto, saneamento básico, postos de saúde, escolas, lugares de lazer, tratamento do lixo). Pode-se aprofundar a compreensão desses aspectos a partir da forma como percebem a paisagem local em que vivem e procurar estabelecer relações entre o modo como cada um vê seu lugar e como cada lugar compõe a paisagem. Outro ponto a ser discutido são as normas dos lugares: como é que se deve agir na rua, na escola, na casa; como essas regras são expressas de forma implícita ou explícita nas relações sociais e na própria paisagem local; como as crianças percebem e lidam com as regras dos diferentes lugares. É importante discutir tentando encontrar as razões pelas quais elas são estabelecidas dessa forma e não de outra, sua utilidade, legitimidade e como alteram e determinam a configuração dos lugares.(PCN,1997,p.76).

As paisagens, segundo Milton Santos, são arranjos de formas em um determinado momento, constituem-se em resultado e ao mesmo tempo um fator social, isto é, produto e agente do processo de produção do espaço. Entretanto, a sua característica de fixidez no espaço, ou seja, a sua concretude, é talvez a dimensão que mais colabora para o seu entendimento e compreensão aos estudantes dos ciclos básicos da educação.

O turismo é apontado por diversos estudiosos como a única prática social que consome espaço, o que ocorre pela apropriação do espaço pelo turismo: meios de hospedagem, restauração, de lazer e consumo da paisagem. O turismo se aproveita das características e belezas paisagísticas, englobando desde seus atributos naturais como clima, vegetação, relevo, assim como sua dimensão construída pelo homem.

O texto apresentado pelos PCNs é bastante explicativo e detalhado quanto aos objetivos e conteúdos de cada ciclo. Os conteúdos que podem ser trabalhados a partir do turismo são muitos, destacam-se no primeiro ciclo os “blocos temáticos e conteúdos: O estudo da paisagem local”. Verifica-se que as dimensões apresentadas abordam “observação e descrição de diferentes formas pelas quais a natureza se apresenta na paisagem local” , “a caracterização da paisagem local: suas origens e organização, as manifestações da natureza em seus aspectos biofísicos, as transformações sofridas ao longo do tempo”; “ identificação da situação ambiental da sua localidade: proteção e preservação do ambiente e sua relação com a qualidade de vida e saúde”; “ produção de mapas ou roteiros simples considerando características da linguagem cartográfica como as relações de distância e direção e o sistema de cores e legendas”; “valorização de formas não-predatórias de exploração, transformação e uso dos recursos naturais”; Estas dimensões propostas pelos PCNs são facilmente apreendidas no âmbito do turismo, pois a paisagem é a primeira instância do contato do turista com o lugar visitado e na maioria das vezes, os atributos da paisagem são os principais atrativos e centro da motivação para o visitante.

Como exemplo, a visita ao Museu Histórico Municipal pode ser utilizada para a discussão sobre o espaço geográfico, onde o aluno pode apreender que o espaço é historicamente produzido pelo homem enquanto organiza econômica e socialmente sua sociedade e que o homem é sujeito da construção deste espaço.

Dessa forma, há a valorização do espaço topológico – vivido, percebido e com laços emotivos. “A percepção que os indivíduos e comunidades têm do lugar nos quais se encontram e as relações singulares que com ele estabelecem fazem parte do processo de construção das representações de imagens do mundo e do espaço geográfico. As percepções, as vivências e a memória dos indivíduos e dos grupos sociais são, portanto, elementos importantes na constituição do saber geográfico.” PCNs, p.76.

FREINET E O CONCEITO DE AULA PASSEIO

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A aula passeio baseia-se nas idéias de Freinet, homem de origem simples, ligado ao modo de vida das aldeias onde morou, “ seus escritos referem-se, constantemente, à natureza, à vida rústica, ao meio que lhe ensinou o essencial, especialmente a participação das crianças na vida e no trabalho dos adultos”Elias (1997:16). Sua proposta pedagógica está alicerçada na postura diante da vida, “na prática, procurava seguir o empenho dos alunos e transformá-los pelo trabalho, por uma vivência coletiva, permeada pelo meio ambiente, pela ação. Para ele, a liberdade faz parte do aprendizado histórico-social” Elias (1997:17).

O principal norteador desta nova pedagogia era definido por “uma pedagogia essencialmente prática e cooperativa”.

Havia em Freinet como uma necessidade biológica e moral para conviver com uma classe social(dos docentes, principalmente), refletir com eles sobre os elementos do meio de que ele mesmo fazia parte, para propor uma escola democrática, capaz de formar seres livres para decidir o seu destino coletivo e pessoal. (ELIAS,1997,p.26).

Freinet acreditava que educar é construir coletivamente, baseando em quatro alicerces fundamentais: A cooperação- forma de construção social do conhecimento; a comunicação- forma de integrar este conhecimento; a documentação- registro diário do que se constrói e por fim, a afetividade – elo essencial entre as pessoas e o objeto de conhecimento. Assim,afirma Elias (1997) a pedagogia de Freinet pode ser entendida como “prática coletiva” pois seu objetivo maior é o desenvolvimento da compreensão crítica da realidade e a ação participativa na transformação, conforme a designação do coletivo, referendando a idéia de que o sujeito da ação coletiva é o conjunto de indivíduos que participa do processo.

Neste sentido, a aula passeio proposta por Freinet apresenta-se como possibilidade de enriquecimento das atividades e ações pedagógicas. Sua metodologia permite que a criança alcance três objetivos principais: Autonomia – vivendo situações reais, assumindo novas responsabilidades e descobrindo capacidades; Pesquisa- ampliar o campo das investigações, chegando a descobertas inesperadas e interessantes e; Integração- privilegia o encontro com o outro (colega, monitor ou professor) em ambiente fora do cotidiano, incentivando o desenvolvimento do vínculo afetivo.

A motivação, o interesse, a curiosidade, o questionamento, a alegria criarão condições para que o meio físico e o meio humano constituam-se numa fonte de atividades e descobertas felizes. Eles também vão se integrar naturalmente na vida social, na vida afetiva e no conteúdo de todas as disciplinas do currículo escolar: matemática, ciências, estudos sociais, línguas, artes, filosofia, trabalhos manuais e educação física. (SAMPAIO,1997,p.180)

A aula passeio proposta por Freinet é composta por cinco fases: Motivação, preparação, ação, prolongamento e comunicação.

A motivação é a fase que desencadeia o processo, inicia-se com a percepção de fatos e acontecimentos que são foco de discussão no dia a dia, ou que está nas páginas de jornais e revistas. Após a identificação do interesse pelo assunto, naturalmente surge a proposição da visita in loco.

A preparação é a fase onde ocorre o planejamento, onde devem ser privilegiados aspectos como o plano pedagógico, o plano financeiro e material, onde os participantes, crianças e adultos preparam-se para se adaptarem às regras coletivas de conduta, tais como: fazer fila, hora de lanche, desembolso de recursos, normas de segurança.

A ação representa o auge da atividade: “ Durante a aula das descobertas surgem os momentos nos quais as crianças encontram ocasiões para desabrocharem,

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construindo seu conhecimento, situações autenticas nos planos social, intelectual e afetivo”, Sampaio (1997:184). É o momento de romper o cotidiano, explorar novos ambientes, interagir com o grupo que se enriquece com as observações individuais. A atividade deve ser realizada com a mente aberta e atenta para captar as sensações de todos os sentidos, e os professores devem estar atentos para as indagações, exclamações e atitudes dos alunos, pois eles serão fundamentais para o desenvolvimento da fase seguinte.

O prolongamento, nesta atividade as relações afetivas estabelecidas continuarão o que facilitará o processo de comunicação. “Os acontecimentos e as reflexões que forem registrados pelos professores responsáveis pelo passeio poderão levar a pistas inesperadas e abrir o coração para novos mundos de sensações. Isso pode acontecer tanto com as crianças como com os professores. Todos se enriquecerão.” Sampaio (1997:185)

A comunicação poderá ocorrer por diferentes formas: Jornal, exposições, teatro, música, ou seja, cada grupo decide como poderá realizar a comunicação do conhecimento adquirido, das sensações e das descobertas realizadas. Cada sala é única e cada professor tem suas convicções e formação diferentes, de tal forma, que duas salas poderão desenvolver sobre a mesma temática, mas as estratégias e resultados serão muito diferentes. Os resultados são variados, especialmente por que as individualidades são respeitadas, e o processo de construção é democrático.

EDUCAÇÃO E TURISMO

A relação entre turismo e educação é um tema pouco explorado. De forma geral, a concepção de educação para o turismo ou a educação turística, faz-se a partir da prática do ecoturismo. O Ministério do Turismo, no documento Segmentação do Turismo: Marcos conceituais, define o Ecoturismo como um dos principais segmentos do turismo no Brasil e o define da seguinte forma:

O Ecoturismo caracteriza-se pelo contato com ambientes naturais e pela realização de atividades que possam proporcionar a vivência e o conhecimento da natureza, e pela proteção das áreas onde ocorre. Ou seja, assenta-se sobre o tripé: interpretação, conservação e sustentabilidade. Assim, o Ecoturismo pode ser entendido como as atividades turísticas baseadas na relação sustentável com a natureza, comprometidas com a conservação e a educação ambiental. p.9.

O turismo entendido como prática social pode e deve ser associado com a construção de saberes. Viajar e visitar lugares, longe ou perto, curta ou longa duração, a trabalho ou lazer, não importa, a necessidade de viajar é criada pela sociedade. Krippendorf (2003) afirma que as pessoas viajam pela necessidade de se desvincular, mesmo que temporariamente, da rotina de trabalho e das obrigações sociais do cotidiano.

Ruschmann (1997) ressalta a importância da relação entre educação e turismo, assim como da educação ambiental como um fator imprescindível para a salvaguarda dos recursos naturais, patrimônio cultural e turísticos locais.

Para justificar a necessidade da educação turística Krippendorf afirma que o aluno “aprenderá a olhar, a compreender e a respeitar a natureza e o modo de vida do próximo. Com a Geografia e a História, descobrirá o espaço e o palco dos acontecimentos.” Este processo deverá iniciar-se com pequenas viagens, com o objetivo de construir com o aluno as noções de espaço e tempo, e despertar seu interesse por diversas áreas de conhecimento como: Ecologia, Biologia, Zoologia, Geologia e muitas outras. (Krippendorf (2000), p.183).

A correlação entre turismo e educação é patente. Pois na prática do turismo está presente o processo de aprendizagem, conceitos de diversas áreas do conhecimento são construídos e reelaborados, pois não se pode negar que ao visitar um lugar, o turista entra em contato com suas singularidades: Expressões artísticas, folclóricas, geografia e

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história, entre outros que podem estimular e enriquecer o arcabouço de conhecimento e conceitos deste indivíduo.

Rodrigues (2008) fundamentando-se em diversos autores afirma que o turismo pedagógico “é aquele que serve as escolas em suas atividades educativas que envolvem as viagens, cuja finalidade é o conhecimento”, baseando-se em Fonseca Filho (2007) ainda, enfatiza o caráter pedagógico, mesmo havendo momentos de lazer, pois a prática educativa estimula e sensibiliza os estudantes sobre o respeito aos monumentos e patrimônios culturais.

Neste contexto é usual a discussão sobre o conceito de paisagem, pois alem de ser uma das principais categoria da Geografia “ reforça-se a idéia de que a relação entre paisagem e turismo é íntima, justificando a colocação de que a paisagem é a matéria-prima do turismo”. Xavier (2007, p. 39)

O Ministério da Educação através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino fundamental apresenta suas orientações sobre as áreas de conhecimentos e os temas transversais em dez volumes. Sendo que o volume 5 (5.1 e 5.2) traz as orientações sobre os conteúdos de a História e Geografia. É a partir do referencial dos PCNs que trataremos de relacionar a área de Geografia com o turismo e lazer, especificando as possibilidades de utilização dos principais pontos de interesse turísticos do Município para o desenvolvimento dos conceitos e conteúdos de Geografia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visitação de forma planejada e organizada destes lugares pode auxiliar a compreensão de praticamente todos os conceitos da área de Geografia, assim como de outros da área de História. O Turismo e a Geografia podem levar os alunos a compreenderem de forma mais aprofundada a complexidade da realidade, a perceberem as relações socioculturais e históricas que transformam a paisagem. A compreender a interface entre o velho e o novo, as marcas do tempo na paisagem. Tal capacidade deverá envolver práticas que são descritas nos PCNs: “Problematização, observação, registro, descrição, documentação, representação e pesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou naturais que compõem a paisagem e o espaço geográfico, na busca e formulação de hipóteses e explicações das relações, permanências e transformações que aí se encontram em interação”.

O turismo e a Geografia são fundamentais para a valorização do espaço vivenciado, aquele que é percebido, alem do imediato, ou seja, é observado, documentado e estudado. Assim o aluno passa a pensar e refletir sobre a realidade local relaciona-a com o contexto global.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MOLINA, Sergio E. e RODRÍGUES, Sergio A. Planejamento integral do Turismo. 1ª ed. Bauru: Sagrado Coração de Jesus, 2001.OURIQUES, H. R. A Produção do Turismo: Fetichismo e Dependência. Campinas: Alínea.2005.PANOSSO NETTO, A. Filosofia do Turismo: Teoria e Epistemologia. São Paulo: Aleph, 2005.RODRIGUES, A B.. Turismo e Espaço. São Paulo: Hucitec, 1997. _________. Turismo e geografia – reflexões teóricas e enfoques regionais. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2000.RUSCHMANN, D. V. de M. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente. Campinas: Papirus, 1997.SAMPAIO, Rosa M.W.F, A aula-passeio transformando-se em aula de descobertas. In ELIAS, Marisa D C.(org) Pedagogia Freinet:Teoria e Prática. Campinas:Papirus, 1996XAVIER, Herbe, A Percepção Geográfica do Turismo, São Paulo:Aleph,2007.YAZIGI, C. Turismo – espaço, paisagem e cultura. 2ª Edição. São Paulo; Hucitec, 2000.

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EPISÓDIOS CLIMÁTICOS EXTREMOS E SUA REPERCUSSÃO NA IMPRENSA DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP: SETEMBRO DE 19951

Renata dos Santos Cardoso2 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da

Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente-SP [email protected]

INTRODUÇÃO

Como resultado das modificações que as superfícies, materiais e as atividades das áreas urbanas provocam nos balanços de energia, massa e movimento, o clima local é evidenciado através das anomalias em seus elementos (temperatura, umidade relativa do ar, direção e velocidade do vento), principalmente quando o processo de urbanização carece de planejamento adequado ao ambiente que a cidade está inserida. Portanto, a cidade é o local onde mais se percebe as mudanças climáticas devido à interferência da estrutura urbana nas trocas de energia entre a superfície e a atmosfera, e onde os efeitos mais diretos do clima urbano são percebidos pela população, principalmente quando tais efeitos estão relacionados a eventos excepcionais e de grande intensidade (CARDOSO, 2012). Os eventos climáticos extremos, caracterizados por anomalias negativas ou positivas em relação aos valores médios, têm provocado impactos no ambiente urbano que atingem a vida do homem e influenciam a organização da sociedade. No que diz respeito às chuvas, o fenômeno merece atenção nos estudos de clima urbano, pois as fortes precipitações concentradas ou longos períodos de estiagem refletem negativamente no urbano e no rural (alagamentos, diminuição da produção agrícola, problemas respiratórios, entre outros) e afetam a qualidade de vida da população. Tais impactos, apesar de pouco frequentes, têm provocado grandes danos e perdas, que na maioria das vezes estão mais relacionados às condições de uso e ocupação da superfície do que à excepcionalidade de um evento climático. Sendo assim, os dados meteorológicos precisam ser analisados além do ponto de vista estritamente estatístico, pois este muitas vezes camufla o impacto na realidade, visto que “os episódios mais excepcionais, do ponto de vista climático, nem sempre são os mesmos que têm maior repercussão no território” (SOUZA, 2005, p.12). Dessa forma, acredita-se que a associação de notícias veiculadas pela mídia local aos dados meteorológicos registrados emerge como relevante alternativa, pois além de resgatar os eventos climáticos extremos em séries históricas, possibilita analisar sua pertinência e repercussão. Todavia, tal procedimento requer maior atenção em relação à confiabilidade do material, considerando o fato de que, além de informar, muitas vezes a imprensa também explora o lado sensacionalista, culpando o tempo e o clima como os vilões das consequências dos episódios extremos. Nesse contexto, objetivou-se analisar a ocorrência desses episódios por meio de dados meteorológicos, bem como os impactos hidrometeóricos ocorridos na cidade de Presidente Prudente no mês de setembro de 1995, divulgados pela imprensa local no jornal “O Imparcial”, a fim de compreender melhor a repercussão de um evento climático extremo (no caso um longo período de seca) na sociedade e na mídia.

1 Eixo Temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

2 Bolsista FAPESP

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a identificação de anomalias nos dados meteorológicos que remetessem à ocorrência de eventos climáticos extremos, foram analisadas séries temporais, em escalas anuais, mensais e diárias de temperatura, umidade, pressão atmosférica e precipitação, registrados na estação meteorológica de Presidente Prudente, entre os anos de 1969 a 2007. A partir da identificação de valores extremos, foram selecionados os dados referentes ao mês de setembro de 1995, por ter sido um período de longa estiagem com repercussões no espaço geográfico (diminuição do nível dos rios que abastecem a cidade) e na saúde da população (aumento dos problemas respiratórios). Assim, após a escolha do episódio, consultou-se o jornal “O Imparcial” referente ao período para obter as notícias veiculadas relacionadas ao episódio climático extremo e relacioná-las com os dados meteorológicos. EPISÓDIO DE SETEMBRO DE 1995

De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), no ano de 1995 houve atuação da La Niña (fenômeno oceânico-atmosférico com características opostas ao EL Niño), que se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. No trimestre de junho, julho e agosto era esperada a ocorrência de temperaturas mais baixas na região, porém, o inverno de 1995 foi anomalamente quente, apresentando temperaturas mais elevadas que o normal em parte da Região Sul e nas Regiões Sudeste e Centro Oeste do país (PEZZI; CAVALCANTI, 1998). Em Presidente Prudente, assim como em parte do Centro-Sul, as precipitações também apresentaram um comportamento anômalo, abaixo da média, principalmente no mês de agosto (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Climograma de Presidente Prudente (1995)

Fonte: Estação Meteorológica da FCT/UNESP (2013).

Diante desse fato, poder-se-ia ter escolhido agosto como mês de análise, mas optou-se em selecionar setembro de 1995 (início da primavera) por corresponder a um longo período de estiagem (sem registro de precipitação entre os dias 21 de julho e 18 de setembro), no qual foram divulgadas notícias (Tabela 1) que relacionaram a seca com a falta de água e o seu racionamento, e com o aumento de doenças respiratórias.

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Tabela 1 – Notícias veiculadas pelo jornal local O Imparcial, referentes aos eventos climáticos ocorridos no mês de setembro de 1995.

Dias / Set. 1995 Notícias – Jornal O Imparcial

Sábado, 9 de setembro de 1995

“Sabesp prepara rodízio (no abastecimento de água) dentro de 15 dias, caso não ocorra chuvas fortes que possam reabastecer os mananciais”.

A represa do rio Santo Anastácio e o Balneário da Amizade são os dois maiores fornecedores do produto aos prudentinos, tendo cada um 1 800 000 000 litros de água. O nível está em 75%, mas pode chegar a 50% se continuar assim.

Domingo, 10 de setembro de 1995

“Atual seca exige uma mudança de hábito” (estiagem prolongada).

Terça-feira, 12 de setembro de 1995

“Sabesp: Campanha pretende evitar racionamento”.

“Sabesp faz campanha para economizar água” (capacidade dos reservatórios

cai 30%).

Quarta-feira, 13 de setembro de 1995

“Rodízio fornece água somente a cada dois dias”. (Se não chover nos próximos

15 dias, será fixado rodízios de 48 horas de abastecimento por setor).

“Estiagem aumenta quantidade de pernilongos na cidade” (seca há cerca de 2

meses).

“Falta de chuva começa afligir pecuaristas”.

Domingo, 17 de setembro de 1995

“Casos de gripe alérgica aumentam” (instabilidade na temperatura e baixa umidade do ar estão entre os motivos).

“No Instituto da Criança, o atendimento de doenças respiratórias aumentou 80%”.

Quinta-feira, 21 de setembro de 1995

“Sabesp não descarta racionamento”. As chuvas que caíram quase todo dia em Presidente Prudente não foram suficientes para normatizar o nível dos principais mananciais da Sabesp. A temperatura continua em queda hoje com a máxima devendo ser de 17°C.

Quarta-feira, 27 de setembro de 1995

“Forte ventania assustou Presidente Prudente ontem” (bombeiros atenderam

150 chamadas – ventos de 68,4 Km/h).

Segundo a estação da FCT, a ventania durou das 17h40 até 18h48 – o pico foi às 18h07.

Fenômeno provocado por uma área de instabilidade através de uma frente fria de baixa pressão vinda do Sul do país. Até às 20h45 tinha chovido 1,2 mm. A temperatura mínima de ontem foi de 18 °C com 70% de umidade. Sabesp opera com apenas 56% de sua capacidade.

Quinta-feira, 28 de setembro de 1995

“Ventos atingem plasticultura de Alfredo Marcondes”.

“Vendaval” (os estragos causados pelo vendaval da última terça-feira em

Presidente Prudente eram visíveis em quase todas as partes da cidade).

Sábado, 30 de setembro de 1995

“Sabesp mantém proposta de racionamento” (chuvas que caíram nos últimos 8 dias em Presidente Prudente registraram 51,4mm – somente no dia 28 registrou-se 35mm).

Fonte: Jornal “O Imparcial” – 1995 (2013).

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CONDIÇÕES DO TEMPO E REPERCUSSÕES NA MÍDIA LOCAL

No dia 9 de setembro, sob a atuação da massa Tropical Atlântica, a temperatura máxima registrada foi de 35,4°C, a pressão atmosférica diminuiu e a umidade do ar registrada foi de apenas 32%. Nesse mesmo dia, o jornal “O Imparcial” publicou uma notícia referente ao possível racionamento de água caso não chovesse nos próximos 15 dias. Essas condições (temperatura elevada e pressão do ar e umidade relativa do ar baixas) continuaram até o dia 11, no qual foram registrados 37,7°C, a maior temperatura mensal e anual. No dia 12, uma frente Polar Atlântica que se deslocou para o oceano provocou a diminuição da temperatura na cidade, cuja máxima foi de 33,7°C e a umidade do ar de 57%. A notícia veiculada nesse dia se referiu a uma campanha realizada pela Sabesp, com o objetivo de economizar água. No dia 13 ainda se verificou a diminuição da temperatura, mas com o aumento da pressão atmosférica e da umidade relativa do ar, sendo noticiada: “Rodízio fornece água somente a cada dois dias”, já que até este dia ainda não havia chovido. No dia 14, a atuação da massa Tropical Continental provocou o aumento das temperaturas e a diminuição da umidade relativa do ar. No dia seguinte, quando atuou uma Polar Tropicalizada, registrou-se a diminuição das temperaturas e a pressão atmosférica aumentou, permanecendo assim nos dias 16 e 17, sem ocorrência de precipitação. Na mídia, a repercussão dessas condições resultou na publicação de notícias referentes à saúde da população: “Casos de gripe alérgica aumentam” e “No Instituto da Criança, o atendimento de doenças respiratórias aumentou 80%”. Já no dia 18, observou-se o aumento da temperatura, com máxima de 36,6ºC. No dia 19, a passagem de uma frente Polar Atlântica foi caracterizada pelo registro de 16,3°C e precipitação de 4,2mm após 60 dias de seca. Nos dias 20 e 21, sob influência da massa Polar Atlântica, a temperatura diminuiu para 12,3ºC, a pressão atmosférica se elevou e choveu 1,2mm. Apesar do registro de precipitação, o total precipitado foi muito baixo, motivo para a publicação da notícia “Sabesp não descarta racionamento”. Nos dias 22 e 23, a massa Tropical Atlântica ocasionou o aumento das temperaturas para 30,6°C e 30,2°C respectivamente, e precipitação de 1,2mm no dia 23. No dia 24, com a atuação da frente Polar Atlântica, as temperaturas e pressão atmosférica diminuíram, a umidade relativa do ar aumentou para 72% e o total pluviométrico atingiu 4,7mm. No dia 25, apesar de ter precipitado (2,2mm), as características termo-higrométricas foram parecidas com as do dia anterior. No dia 26 também houve registro de precipitação (1,7mm), acompanhado do aumento da temperatura e diminuição da pressão e da umidade relativa do ar. Porém, a velocidade dos ventos se intensificou (68,4 Km/h) e provocou o destelhamento de casas, assim noticiado no dia seguinte: “Forte ventania assustou Presidente Prudente ontem” (segundo o jornal, neste dia os bombeiros atenderam cerca de 150 chamadas). Já no dia 27, sob atuação de uma massa Polar Tropicalizada, registrou-se a diminuição das temperaturas e elevação da umidade relativa e da pressão atmosférica, sem nenhum registro de precipitação. No dia 28, com a passagem de frente Polar Atlântica, registrou-se um total pluviométrico de 35mm – o maior desde o mês de maio, quando choveu 60,3mm em apenas um dia. A temperatura mínima registrada nesse dia foi de 22,6°C, a umidade do ar foi de 87% e, apesar de ter chovido, o jornal divulgou a notícia: “Sabesp mantém proposta de racionamento”, pois esse total não foi suficiente para reabastecer os mananciais fornecedores de água para a cidade: a represa do rio Santo Anastácio e o Balneário da Amizade. Em síntese, ao analisar a precipitação ao longo do ano de 1995 somente com os dados meteorológicos, pode-se notar que os totais mensais estavam de acordo com as características climáticas da região; chuvas abundantes no verão e escassas no inverno. Porém, quando se incluiu o jornal como uma fonte complementar, percebeu-se a importância das notícias em revelar os impactos na sociedade, que muitas vezes os valores médios podem camuflar.

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Tal fato pode ser comprovado com o episódio de setembro de 1995. Como visto acima, verificou-se que este mês não apresentou os menores totais pluviométricos em relação ao ano todo, tanto que o mês de agosto também poderia ter sido escolhido para representar o período de estiagem prolongada, já que não registrou precipitação. Entretanto, ao utilizar o jornal como subsídio aos dados meteorológicos, foi possível estabelecer relações consideráveis: dos 51,4mm precipitados em setembro, 35mm foi registrado em apenas um dia, não sendo suficiente para amenizar o déficit hídrico dos mananciais durante o mês ou para reverter o prejuízo na agricultura e pecuária (Figura 3).

Figura 3 – Sabesp define sistema de racionamento.

Fonte: “O Imparcial” – 13 de setembro de 1995 (2013).

Além disso, as variações de temperatura e umidade do ar ao longo do mês, associadas ao tempo seco, provocaram o aumento dos casos de doenças respiratórias, principalmente nas crianças, assim como o aumento da velocidade dos ventos ocasionaram destelhamentos de casas e queda de árvores, conforme as notícias veiculadas no jornal “O Imparcial” (Figura 4).

Figura 4 – Vendaval causa estragos em Presidente Prudente.

Fonte: “O Imparcial” – 26 de setembro de 1995 (2013).

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Diante do exposto, ainda se ressalta a importância da confiabilidade das fontes para que não se corra o risco de realizar análises com base em dados e informações dúbias, assim como retrata a Figura 5: “Frente fria afasta as chuvas”.

Figura 5 – Frente fria afasta as chuvas.

Fonte: “O Imparcial” – 21 de setembro de 1995 (2013).

Sabe-se que as chuvas que precipitam na região de Presidente Prudente são de origem frontal, ou seja, provocadas pela passagem de frentes e, por esse motivo, não seria correto afirmar que as chuvas são afastadas pelos sistemas frontais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar que ano de 1995 se mostrou mais quente que o habitual, inclusive no inverno, que apresentou elevadas temperaturas em relação aos anos de 1994 e 1996. Além disso, o total pluviométrico ficou abaixo da média, resultando em um longo período de estiagem, que provocou impactos retratados quase diariamente na imprensa local durante o mês de setembro. Além disso, notou-se que entre os eventos climáticos extremos, a estiagem foi a que mais se destacou na imprensa em setembro de 1995, seguida dos fortes ventos e da precipitação. Diante desses eventos, o estudo do impacto hidrometeórico é de grande importância, pois sua ocorrência afeta sobremaneira a população, principalmente no que se refere à qualidade de vida (proliferação de vetores e de doenças infecto-contagiosas) e à economia (maiores gastos na agricultura e pecuária, perdas de culturas). Também se faz necessário levar em consideração os episódios em que não há precipitação ou quando os baixos totais pluviométricos se associam às fortes ventanias, provocando problemas como o déficit hídrico; maior ocorrência de problemas respiratórios no período seco; queda de árvores e postes de energia, juntamente com a interrupção do fornecimento de energia elétrica e a dificuldade de acesso aos lugares com ruas interditadas; destelhamento de casas etc. Apesar de algumas limitações, a análise das notícias veiculadas pela imprensa mostrou-se vantajosa, e sua relação com os registros dos dados meteorológicos demonstrou a importância de tais procedimentos em resgatar a ocorrência dos eventos climáticos extremos e auxiliar na avaliação de forma mais completa seus impactos e repercussões.

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REFERÊNCIAS

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JORNAL “O IMPARCIAL” – Presidente Prudente, setembro de 1995.

MURARA, P. G. Clima e Saúde: Variações atmosféricas e enfermidades circulatórias. Presidente Prudente. 2009. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista. PEZZI, L. P.; CAVALCANTI, I. F. A.. Anomalias de temperatura e precipitação sobre o Brasil durante o inverno de 1995: características atmosféricas e ocêanicas. Rev. Bras. Geof., São Paulo, v. 16, n. 2-3, julho 1998. Disponívelem:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art text&pid=S0102-261X1998000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 abr. 2013. SANT’ANNA NETO, J. L.; TOMMASELLI, J. T. G. O tempo e o clima de Presidente Prudente. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2009. SOUZA, C. G. de. Análise dos episódios climáticos extremos no Oeste Paulista a partir das notícias veiculadas pela imprensa local. Presidente Prudente, 2005. 87p. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista.

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ESTANGEIRIZAÇÃO DE TERRAS BRASIL-MOÇAMBIQUE: O PROSAVANA1

Lara Cardoso Dalperio2 – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

[email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) em

desenvolvimento no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente, e das pesquisas em desenvolvimento realizadas com o fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2013 pela referida autora.

O estudo sobre a estrangeirização de terras torna-se importante para compreendermos a geopolítica da questão agrária mundial num novo contexto. Diante desta necessidade, o presente trabalho tem o intuito de estudar o Programa de Desenvolvimento da Agricultura nas Savanas Tropicais de Moçambique (PROSAVANA) por cooperação entre Brasil, Japão e Moçambique, mostrando quais os impactos e resistência da implantação do programa.

A partir de referenciais teóricos do paradigma da questão Agrária (CLEMENTS; FERNANDES, 2013), analisamos os dados de estrangeirização de terras Brasil-Moçambique que são levantados pelos grupos de pesquisa da Rede DATALUTA e sistematizados no DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra. Esses dados são armazenados em planilhas do programa Excel para cada país onde geramos bases para as

elaborações de tabelas, gráficos e quadros. Criamos um acervo bibliográfico digital reunindo mais de 600 arquivos de jornais, trabalhos acadêmicos, documentos oficiais etc. de ambos os países. Esses procedimentos deram embasamento para a elaboração do presente trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A relação do Brasil com Moçambique vem desde sua colonização, trazendo escravos moçambicanos forçadamente para o território brasileiro. No processo de luta revolucionária no sentido da independência moçambicana (1975) surgiu a da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), movimento que contribui para o sucesso da luta. Frente ao movimento, cria-se o Movimento Nacional de Resistência (RENAMO) por intervenção de militares, que acarretou numa guerra civil que só teria fim na década de 1990 com um acordo entre ambas as partes. Nesta década, foi realizada a primeira eleição multipartidária com vitória da FRELIMO. Nas décadas de 1970, 1980 e 1990 a relação entre ambos os países não era tão intensa como em 2000 com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (LULA), colocando o continente africano na pauta da agenda da politica externa, tendo Moçambique como principal receptor dos investimentos (CAU, 2011). Neste contexto, surge a UNAC importante movimento camponês de Moçambique que fara frente a algumas ações do Estado e das empresas estrangeiras em favor dos camponeses.

Na década de 1990, foi aprovada a Lei de Terras em Moçambique. Diferentemente do Brasil, que é permitida à venda/compra da terra, em Moçambique tem-se o direito do uso, já que a terra é propriedade do Estado não podendo ser vendida/comprada. Esse direito é denominado Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), fato tratado na Lei de Terras. Os estrangeiros podem utilizar-se do território, desde que tenham um projeto de investimento aprovado pelo Estado (MATAVEL; DOLORES; CABANELAS, 2011). Essa lei teve reflexos na conjuntura agrária do país, visto que, mais de 80% da população moçambicana é camponesa e possui uma lógica de produção diferente das empresas estrangeiras instaladas no país.

1 Eixo Temático: Geografia Rural e Geografia Agrária.

2 Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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Nos últimos anos, aumentou a obtenção de terras estrangeiras para investimentos comerciais em grande escala, em especial por empresas transnacionais para cultivo de commodities como soja, cana-de-açúcar e outras culturas para produção de alimentos e

agrocombustíveis. Este processo é denominado estrangeirização da terra e refere-se à compra/arrendamento de grandes extensões de terras por parte de países predominantemente ricos ou em desenvolvimento com insegurança alimentar e interessados em investir na produção de agroenergia, a partir de investimentos estatais e privados destes mesmos países em países pobres e em desenvolvimento. Este é o caso da presença do Brasil e Japão em Moçambique, através do Programa de Desenvolvimento da Agricultura nas Savanas Tropicais de Moçambique (PROSAVANA).

Este processo de estrangeirização revela uma fraqueza no que tange a postura do Estado para a inserção desenfreada das multinacionais em países com situação precária em todos os aspectos, como é o caso de Moçambique. Segundo DATALUTA (2013) os países que estão explorando a terra em Moçambique são: Brasil, Japão, Angola, Austrália, China, Estados Unidos, França, Índia, Inglaterra, Portugal, Líbia, Noruega, Suécia e Vietnã. Os fatores que contribuem para a estrangeirização de terras são:

aspectos ligados à segurança alimentar em particular por parte dos países investidores, que por sua vez determina os fins para os quais é canalizado o seu apoio e investimento. As incertezas e as limitações na cadeia de fornecimento de alimentos são criadas pelas restrições na produção agrícola devido à limitada disponibilidade de água e terra arável, pelos inúmeros desafios no armazenamento e transporte de alimentos e ainda pela expansão da produção de agrocombustíveis, uma cultura que compete fortemente com a produção agrícola em termos de necessidade de terra arável e água (MATAVEL; DOLORES; CABANELAS, 2011, p. 7).

Também podemos citar a grande demanda do mercado de carbono. Neste sentido, os estrangeiros monopolizam a terra, os recursos naturais onde as pessoas terão ainda mais dificuldades de alimentação. Vale ressaltar, que as empresas, não têm deveres, como o Estado, perante a lei internacional dos direitos humanos que permite vários direitos aos humanos (MATAVEL; DOLORES; CABANELAS, 2011). Dificultando ainda mais o modo de vida das pessoas, mostrando a incapacidade do Estado moçambicano em planejar essas ações e arcar com as consequências ao longo prazo.

As explorações no território moçambicano por empresas estrangeiras, é facilitada pelo Estado a partir da DUAT e pelo fato de ter conseguido sua independência tardiamente algumas leis ainda não estão bem definidas, dando brechas para a implementação de grandes projetos a partir do planejamento das empresas estrangeiras e do Estado. Todo projeto de mudanças econômicas e sociais acarreta em conflitos e consequências.

Neste sentido, temos a grande dificuldade do planejamento territorial de sair do âmbito econômico, visto que, o planejamento é elaborado a fim de privilegiar as grandes corporações em nome do desenvolvimento, em que camponeses, trabalhadores rurais/urbanos, comunidades tradicionais etc., são afetados de forma negativa, pois, muitos desses planos não consideram o planejamento em todos os seus aspectos como social e cultural. Geralmente não ocorre a participação popular, em especial dos movimentos socioespaciais/socioterritoriais, como é o caso do PROSAVANA.

O planejamento toma diferentes formas a partir, por exemplo, do “planejamento num sistema capitalista não é mais que a forma de racionalização da reprodução ampliada do capital. Pode operar, exatamente neste sentido, na mudança da forma da mais-valia que deve ser reposta para a continuidade do ciclo”. (OLIVEIRA, 1987, p. 24). Esta é a lógica do Estado moçambicano e das empresas brasileiras que exploram Moçambique. Posteriormente será abordado neste trabalho o pronunciamento da União Nacional de Camponeses (UNAC), contra a forma como foi elaborado do PROSAVANA.

Observamos como é importante o planejamento para o sucesso de determinado projeto, para não afetar negativamente o território. Um estudo realizado pela União Nacional de Camponeses e Justiça Ambiental publicado por Matavel, Dolores e Cabanelas (2011) apontam a expropriação dos camponeses e/ou alterações nos hábitos alimentares e culturais, por meio da vinda de empresas estrangeiras. Como por exemplo, a territorialização da Vale, em que a situação de segurança alimentar dos camponeses locais

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era diferente, depois da vinda da empresa, a insegurança alimentar de algumas famílias ficou critica, faltando alimento para comer. E com o reassentamento de camponeses em áreas com dificuldades para a coleta de água, solo impróprio para a sua reprodução etc. Na questão de empregos eles geralmente são sazonais.

O Brasil e Japão atuam através do projeto PROSAVANA que objetiva levar tecnologias agrícolas através do agronegócio na região do Corredor da Nacala (figura 1), que abarca as províncias do Niassa, Zambézia e Nampula. Inspirado no Programa Desenvolvimento dos Cerrados por Cooperação Japão-Brasil, causando conflitos por terra, expropriando os produtores familiares:

O projeto ProSAVANA foi habilmente apresentado pelas lideranças do Brasil e de Moçambique aos moçambicanos e à comunidade internacional, sob o pretexto do “desenvolvimento agrícola sustentável”. Na verdade, de acordo com os signatários do ProSAVANA, o objetivo oficial do projeto “é criar novos modelos de desenvolvimento agrícola sustentável na região de savana tropical de Moçambique” (Mocumbe, 2009, p. 4). A reivindicação onipresente da sustentabilidade inclui “aumentar o emprego, o alcance da segurança alimentar e redução da pobreza ao longo do Corredor de Nacala e em áreas adjacentes” (Notícias, 2012). Dado que ProSAVANA procura explicitamente “replicar” a experiência de desenvolvimento agrícola no Cerrado brasileiro, é imperativo questionar os problemas ambientais como a deforestação e uso intensivo de agrotóxicos, bem como as disputas territoriais entre agronegócio, populações indígenas e camponesas, que poderão ser tratadas como no Brasil: com a expropriação e migração para as cidades (CLEMENTS; FERNANDES, 2013, p. 15-16).

O discurso da implantação deste programa no corredor de Nacala é baseado na sustentabilidade que inclui a segurança alimentar e crescimento no número de emprego para a população moçambicana. Nem sempre o planejamento de determinado programa acarreta na conquista de todos os objetivos, pois a realidade está em movimento. Por meio deste Programa o “Brasil está tentando exportar para Moçambique o modelo de desenvolvimento do agronegócio que falhou profundamente em termos de fornecimento de alimentos para a segurança alimentar e desenvolvimento sustentável no Brasil” (CLEMENTS; FERNANDES, 2013, p. 20).

Figura 1: Corredor de Nacala

Fonte: JAIANTILAL, 2012.

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O Corredor de Nacala ao norte do País é uma importante região produtiva. Clements e Fernandes (2013) apontam algumas empresas que estão envolvidas no PROSAVANA, logo nesta região:

Enquanto o projeto ProSAVANA foi liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vários outros parceiros estão envolvidos na concepção e execução do projecto, incluindo a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), a Japan International Cooperation Agency (JICA), o Centro Internacional de Investigação em Ciências Agrícolas do Japão (JIRCAS), juntamente com o Ministério da Agricultura de Moçambique (MINAG) e do Instituto de Investigação Agrária Moçambique (IIAM) (CLEMENTS; FERNANDES, 2013, p. 13).

São diferentes interesses que envolvem esse programa. Interesses dos países envolvidos, das empresas, da população camponesa local e do movimento camponês mais expressivo em Moçambique, a UNAC. Deste modo, a implementação do Programa terá impactos no corredor, gerando conflitos entre os distintos modelos de desenvolvimento: o agronegócio que usa o trabalho assalariado na produção em larga escala de monocultura e o campesinato que usa o trabalho familiar, em pequena escala e com diversidade de culturas.

Em pronunciamento a UNAC (2012) condena como foi planejado o PROSAVANA, com a não participação das organizações da sociedade civil, de modo especial das organizações de camponeses. O Movimento conclui que o programa é uma politica realizada de cima para baixo sem levar em consideração a população da área atingida, condena a expropriação de terras camponesas e a precarização do reassentamento dos mesmos, para a implantação de grandes projetos baseados na produção de commodities

como soja, cana-de-açúcar e algodão, o trabalho dos camponeses moçambicanos nessas áreas; a vinda de brasileiros que trabalham para o agronegócio. Esses problemas aconteceriam devido à falta de terras disponíveis para a implantação do projeto. Segundo Saveca (2012) a UNAC também questiona os impactos com a poluição e extração dos recursos naturais; a corrupção e os conflitos de interesses (SAVECA, 2012). Tanto Japão como Brasil tem o interesse na extração de minério, energia e na produção de commodities,

através da criação de infraestruturas necessárias para suas reproduções. A UNAC (2012) também aponta algumas consequências que são possíveis de

prever a partir de experiências de lutas como:

O surgimento de Comunidades Sem Terra em Moçambique, como resultado dos processos de expropriações de terras e reassentamentos; Frequentes convulsões sociais ao longo do Corredor de Nacala, e não só; Empobrecimento das comunidades rurais e redução de alternativas de sobrevivência; Aumento da corrupção e de conflitos de interesse; Poluição dos recursos hídricos como resultado do uso excessivo de pesticidas e fertilizantes químicos, bem como o empobrecimento dos solos; Desequilíbrio ecológico como resultado de desmatamento de extensas áreas florestais para dar lugar aos projectos de agronegócio (UNAC, 2012, p. 2-3).

O Movimento exige que para o desenvolvimento do corredor de Nacala sejam feitas ações, no sentido de promover a economia camponesa/agroecológica e sua agricultura, que se combina com a “Soberania Alimentar, como alternativa para o desenvolvimento do sector agrário em Moçambique, modelo este que considera todos os aspectos ligados a sustentabilidade e na sua pratica é amigo da natureza” (UNAC, 2012, p. 3).

Como ações de resistências a UNAC têm feito estudos dos impactos de grandes projetos implementados em Moçambique a exemplo, o PROSAVANA, a vinda da Odebrecht, Vale, Riversdale etc., com a modificação total do território e do modo de vida dos

camponeses. Também ocorrem reuniões para debater com os camponeses sobre a implantação dos projetos, em especial do PROSAVANA, para o conhecimento dos impactos gerados.

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A UNAC também têm articulações com outros movimentos como a Via Campesina e o Movimento dos Pequenos Agricultores como forma de resistência produtiva e de fortalecimento de alternativas com sementes nativas (MELLO, 2013). Assim, internacionalizando o debate e a luta contra os grandes projetos, que são planejados/implementados sem a participação ou com uma participação mínima da população e/ou dos movimentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações entre Brasil e Moçambique datam desde o período colonial com a vinda

de moçambicanos para trabalhar de forma escrava no território brasileiro. Os laços entre os países se fortificaram com a subida do Partido dos Trabalhadores no poder elegendo Lula, que colocou o continente africano como central em sua política externa. Através desse processo é formulado juntamente com o Japão o PROSAVANA, que tem o intuito de levar tecnologias através do agronegócio frente ao modelo do campesinato.

A implantação de grandes projetos como o PROSAVANA sempre causam impactos sociais e ambientais, em defesa do modelo de desenvolvimento do agronegócio em detrimento do modelo de desenvolvimento do campesinato, colocando em questão, qual modelo é sustentável. Neste sentido, a UNAC, vem fazer frente ao Programa em apoio aos camponeses com elaboração de pesquisas para comprovação de tais impactos e articulações com outros movimentos, internacionalizando a luta. REFERÊNCIAS

CAU, Hilario Simões. A construção do Estado de Moçambique e as relações com o Brasil. 132 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. Porto Alegre, 2011. CLEMENTS, Alice Elizabeth; FERNANDES, Bernardo Mançano. Estrangeirização da terra, agronegócio e campesinato no Brasil e Moçambique. 2013.

DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra. 2013.

FERNANDES, Bernardo Mançano. A geopolítica da questão agrária mundial. 2009. Boletim DATALUTA. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/nera/boletimdataluta/boletim_dataluta_06_2009.pdf >. Acesso em: 18 mar. 2013. GARCIA, Ana Saggioro; KATO, Karina; FONTES, Camila. A história contada pela caça ou pelo caçador? Perspectivas sobre o Brasil em Angola e Moçambique; 2013.

JAIANTILAL, Dipac. Agro-Negócio em Nampula: casos e expectativas do ProSAVANA.

Instituto de Investigação Para Desenvolvimento José Negrão. 2012 MATAVEL, Nilza; DOLORES, Sílvia; CABANELAS, Vanessa. Os Senhores da Terra -

Análise Preliminar do Fenómeno de Usurpação de Terra em Moçambique. Justiça Ambiental e UNAC, 2011. MELLO, Fátima. O que quer o Brasil com o ProSavana?. Brasil de Fato. 2013. Disponível

em: < http://www.brasildefato.com.br/node/12405 >. Acesso em: 17 jul. 2013. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião: Sudene, Nordeste, Planejamento e

Conflitos de Classes, de autoria Francisco de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. SAVECA, Filimão. UNAC contra expropriação de terras pelo ProSavana. 2012.

Disponível em: <http://macua.blogs.com>. Acesso em: 12 jul. 2013.

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União Nacional de Camponeses – UNAC. 2012. Pronunciamento da UNAC sobre o Programa ProSAVANA. Nampula, Disponível em: <farmlandgrab.org/post/view/21205 >.

Acesso em: 17 jul. 2013.

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EVENTOS EXTREMOS DE PRECIPITAÇÃO E SUAS REPERCUSSÕES SOCIOESPACIAIS NO MUNICÍPIO DE UBATUBA/SP1

Washington Paulo Gomes/FCT-UNESP2

[email protected] Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim/FCT-UNESP

3

[email protected]

INTRODUÇÃO

As transformações no espaço natural sempre ocorreram, entretanto, o homem tem acelerado ainda mais esse processo, com o objetivo de adaptá-lo às suas necessidades. A ocorrência, cada vez mais comum nas grandes cidades, de fenômenos como enchentes, inundações, alagamentos e deslizamentos relacionados a eventos extremos de precipitação, são, conforme afirma Sant’ Anna Neto (2008) quase sempre associados a uma sociedade baseada na reprodução das desigualdades que são produzidas e se manifestam de forma material e desigual no próprio território.

A forma como as relações espaciais entre o meio urbano e a natureza vem se dando não ocorre de maneira equilibrada, a falta de planejamento frente a esse crescimento está introduzindo nas cidades problemas expressivos.

A ocupação desordenada das encostas litorâneas pode ser um exemplo significativo dessa realidade de grande parte das cidades brasileiras, onde acaba favorecendo aos impactos pluviais causadores dos processos de movimento de massa e inundações. Ao mesmo tempo essas tornan-se áreas de grandes riscos para a população em que ali residem. Chuvas intensas em curtos períodos de tempo associados ao uso e ocupação nessas áreas de riscos, resulta em centenas de vítimas e graves danos ambientais e econômicos para o município (ROSEGHINI, 2007).

As zonas costeiras litorâneas foram os primeiros espaços a serem ocupados no Brasil e como podemos ver os problemas em relação a intensa ocupação do solo pelo processo de urbanização ainda não foram resolvidos. Em Ubatuba (nosso recorte territorial de análise) não é diferente, pois há muitas construções de alto padrão em terrenos próximos ao mar. São dezenas de condomínios de luxo e casas de veraneio, ou seja, construções que são ocupadas pelos seus proprietários somente nos períodos de férias, feriados e uso ocasional ou são alugadas para terceiros, mais incisivamente no período de verão.

Segundo Brigatti (2008), nas reentrâncias, onde se formam as pequenas planícies costeiras, ocorre uma grande penetração da mancha urbana. Muitas vezes essa concentração humana é impactante ao ambiente porque são realizadas de forma aleatórias e sem um planejamento urbano adequado.

As pessoas menos favorecidas economicamente encontram-se, na maioria das vezes, em áreas periféricas e constroem as suas residências em morros, essas áreas são consideradas de riscos devido à retirada da cobertura vegetal e a alta declividade do terreno. Ainda neste sentido, há muitas pessoas que vão viver nas baixadas próximos às margens dos rios. Desta forma, com a ocorrência de eventos extremos relacionados à precipitação, aumenta ainda mais a possibilidade de movimentos de massa e inundações que são bastante frequentes no município.

Eventos como esses podem tirar à vida de muitas pessoas, assim como já vem ocorrendo nas cidades brasileiras, a falta de uma planificação, ordenação do território,

1O trabalho esta inserido no eixo temático “Geografia Ambiental e Geografia da Saúde”. 2Aluno do 4º ano do curso de Geografia da FCT/UNESP bolsista pela agência de fomento PIBIC/CNPq. 3Profa. Dra. do departamento de Geografia da FCT/UNESP.

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planejamento urbano e ambiental, fazem com que esses processos resultem em maior número de vítimas.

Este processo de ocupação irregular em áreas marginais aos rios e nos morros, aliadas a uma dinâmica atmosférica peculiar presente no município, ocasionam sérios prejuízos socioambientais. Deste modo, tendo como ponto de partida esse viés político, social e econômico é que se faz presente neste trabalho uma preocupação muito grande em relação à população que habita nessas áreas de riscos.

Devido primordialmente a esses fatores é que este trabalho tem como objetivo, identificar os impactos causados pelos eventos extremos de precipitação no município de Ubatuba/SP no período de sete anos (2004 a 2010). Pretende-se também compreender e analisar os eventos extremos e sua correlação com as ações antrópicas, no sentido de entender os níveis de interferência humana no ambiente e identificar os possíveis danos socioambientais que tais eventos podem acarretar no município com o intuito de fornecer subsídios que possam auxiliar no desenvolvimento de ações que visem minimizar os problemas relacionados a inundações e movimentos de massa e que possa contribuir para proteger a vida da população e do próprio meio ambiente.

Assim sendo, temos a total clareza de que os problemas decorrentes de episódios extremos de precipitação, como enchentes e inundações, são resultados da combinação entre as características próprias da dinâmica natural e formas de ocupação desordenadas, permitidas pelo poder público em função de planejar e indicar diretrizes e limites condizentes com um ambiente dotado de dinâmica natural extremamente complexa.

Caracterizar e espacializar os impactos, buscando correlações com as ações antrópicas, serve do ponto de vista teórico como um importante indicador para descrever quais são de fato os níveis de interferência humana no município de Ubatuba/SP e do ponto de vista prático, quais serão os possíveis impactos e prejuízos socioambientais que esses eventos podem acarretar no município, e também propor possíveis sugestões de como minimizar esses impactos que se repetem todos os anos.

Deste modo, para o desenvolvimento do trabalho, os dados quantitativos foram coletados das meteorológicas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Posteriormente a aquisição dos dados foram utilizados parâmetros estatísticos de tratamento dos mesmos, através da aplicação de cálculos de média, percentil, desvio padrão e o inverso do quadrado da distância.

Os procedimentos estatísticos e os mapas nos quais foram espacializados os impactos, foram elaborados em softwares como Microsoft Office Excel 20074, Surfer 9.05 e TerraViem 4.16.

Após a aquisição dos dados estatísticos, foram realizados trabalhos de campos com o intuito de buscar fontes qualitativas para o desenvolvimento do trabalho. Assim sendo, foram realizadas análises de notícias junto à imprensa local, no sentido de conhecer as repercussões dos eventos extremos no município. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O município de Ubatuba está localizado no Litoral Norte do estado de São Paulo, na latitude do Trópico de Capricórnio. Apresenta uma área continental de 723 km² (Censo IBGE 2010) e situa-se numa área de transição climática entre os sistemas

4 Excel é marca registrada da Microsoft Co. 5 Surfer é marca registrada da Golden Software Inc. 6 TerraView software desenvolvido pela Divisão de Processamento de Imagens (DPI) do Instituto de

Pesquisas Espaciais (INPE).

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atmosféricos intra e extratropicais, apresentando maior atuação dos sistemas tropicais e grande atividade frontal (SANT’ ANNA NETO, 1990). Deste modo, para começar nossa análise optamos por identificar a distribuição das chuvas do ponto de vista sazonal, levando em consideração a média mensal de todos os anos (2004-2010).

Como podemos identificar no gráfico 01, do ponto de vista sazonal, a estação do verão é a mais chuvosa, apresentando aproximadamente 38% do total pluviométrico para o período estudado.

Gráfico 01 – Distribuição sazonal das chuvas (2004-2010).

38%

25%

11%

26%

Distribuição sazonal das chuvas no municipio de Ubatuba-SP (2004-2010)

Verão Outono Inverno Primavera

Fonte: Estação meteorológica do IAC. Org: GOMES, W. P.

Após a identificação das estações mais chuvosas no período analisado, partimos para a caracterização dos anos excepcionais chuvosos, através do cálculo do desvio padrão. Neste caso, percebemos através do gráfico 02 que o ano de 2005, foi o único que se apresentou acima do cálculo do desvio padrão positivo, com um total de 3356,2 mm de chuva.

Gráfico 02 – Variabilidade anual de precipitação – Cálculo do Desvio Padrão.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Pre

cip

itaç

ão (

mm

)

Anos

Variabilidade anual de Precipitação e calculo do Desvio Padão - município de Ubatuba - SP (2004 -

2010)

Total média Desv. Pad (+) Desv.Pad (-)

Fonte: Estação meteorológica do IAC. Org: GOMES, W. P.

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Para confirmar os anos extremos, utilizamos também a técnica do percentil e constatamos que para os cálculos superiores a 0,9 percentil, os anos extremos deveriam ter uma precipitação superior a 2770,4 mm. Neste caso, como podemos verificar no gráfico 03, houve uma confirmação do ano de 2005 como o ano mais

chuvoso da série trabalhada.

Gráfico 03 – Variabilidade anual de precipitação – Cálculo do Percentil.

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Pre

cip

itaç

ão (

mm

)

Anos

Variabilidade anual de Precipitação e calculo do Percentil - município de Ubatuba - SP (2004 - 2010)

Total média Percentil

Fonte: Estação meteorológica do IAC. Org: GOMES, W. P.

Após a confirmação do ano de 2005 como excepcionalmente chuvoso, realizamos uma análise qualitativa com a finalidade de espacializar os impactos causados pelos eventos extremos, identificando as suas repercussões no espaço.

Para tanto, como podemos observar na figura 01, foi utilizado como base o acervo do jornal “A cidade” do próprio município de Ubatuba/SP.

Neste sentido, é valido ressaltar que a imprensa foi uma importante fonte de dados, tendo como vantagem a descrição e a localização das ocorrências.

Figura 01 – Exemplos de matérias do jornal “A cidade” do ano de 2005

Fonte: Jornal “A cidade” matérias publicadas em 22/01/2005.

Após a identificação dos fenômenos nas matérias de jornais, foi construído um mapa para apontar a localização dos impactos descritos nas reportagens. Deste modo, foram identificados 24 pontos na cidade que sofreram algum tipo de impacto decorrente dos eventos extremos de precipitação. Neste mapa foram caracterizados 2 pontos onde ocorreram deslizamentos de terras (em vermelho), sendo eles, um no bairro do Prumirim e outro no bairro do Sertão da Quina. Também encontramos 22 pontos de enchentes (em preto),

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destacando os bairros Parque Guarani, Estufa I, Estufa II e Itaguá, que apareceram mais de uma vez como bairros atingidos. Podemos analisar também que ocorre uma grande relação entre a área central (densamente ocupada) e a concentração dos impactos relacionados às enchentes, que ocorreram na área central do município.

Deste modo, Pinheiro (2007, p. 96) aborda que:

Não existe rio sem ocorrência de enchente. Todos tem sua área natural de inundação e esse fenômeno não e, necessariamente, sinônimo de catástrofe. Quando o homem ultrapassa os limites das condições naturais do meio em que vive então as inundações passam a ser um problema social, econômico e/ou ambiental.

A planície costeira do município de Ubatuba possui uma grande rede de

drenagem que provém da serra do mar. Deste modo, quando a ocupação urbana ocorre de forma desordenada e o homem passa a ocupar as margens dos rios, vimos que tem uma grande interferência na dinâmica natural dos mesmos, passando assim, a ocorrer os impactos sociais, econômicos e ambientais.

475000 480000 485000 490000 495000 500000 505000 510000 515000 520000 525000

Distribuição espacial dos impactos causados pelos eventos extremos de precipitação no município de Ubatuba-SP - 2005

7395000

7400000

7405000

7410000

7415000

7420000

7425000

7430000

Toninhas;

Pereque-açu

CentroIpiranguinha

Praia dura

Maranduba

Lagoinha

Parque Guarani

Praia Grande

Estufa II

Sertão da Quina

Morro da prainha Prumirim

0 10000 20000 30000 40000

Deslizamentos

Enchentes

Legenda

Fonte: Jornal “A cidade” Org: GOMES, W. P.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os impactos causados pelos eventos extremos de precipitação têm provocado muitas situações negativas, com perdas materiais e também em alguns casos, com perdas de vidas humanas.

Podemos ver diariamente notícias de ocorrências de enchentes em vários pontos do país, principalmente nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, onde as enchentes provocam sérios problemas à sociedade. No entanto, como vimos

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nesse trabalho, estes tipos de problemas ocorrem em muitos outros locais, com registros de danos econômicos, sociais e ambientais significativos.

Assim como foi visto nas análises dos jornais, os impactos são mais significativos nos meses considerados chuvosos. Deste modo, notamos que tem ocorrido um grande descaso por parte dos gestores do município, referente ao planejamento urbano nos períodos de férias e feriados (momento propício para o turismo). Nestas datas o município recebe um acréscimo muito significativo de visitantes (turistas), e chega a comportar dez vezes a mais do que o número de habitantes.

De certo modo, é justamente nesses períodos em que ocorrem os eventos mais significativos de precipitação, com totais pluviométricos muito elevados. E como se tem percebido, o cotidiano da gestão da cidade não altera nesses períodos e a quantidade de lixos e resíduos nas ruas é muito grande e acabam sendo lançados nas “bocas de lobos”, fechando assim a malha de escoamento de água ocasionando uma série de alagamentos em vários pontos da cidade atingindo principalmente a população local de mais baixa renda. REFERÊNCIAS

BRIGATTI, N. Variação do nível do mar associada às situações sinóticas na gênese dos episódios extremos no município de Ubatuba/SP. (Dissertação de

Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008. CONTI, J. B. Circulação secundária e efeito orográfico na gênese das chuvas na região lesnordeste paulista. São Paulo, IGEOG/USP, 1975. (Série teses e

monografias). CRUZ, O. Contribuição Geomorfológica ao estudo de escarpas da serra do mar.

Revista, Instituto Geológico, São Paulo, l990 MONTEIRO, C. A. de F. Análise rítmica em climatologia. São Paulo: IGEOG/USP, 1971. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1> Acessado em 05/03/2013. PINHEIRO, A. Enchentes e Inundações. In: SANTOS, R. F. (Org.). VULNERABILIDADE AMBIENTAL desastres naturais ou fenômenos induzidos?.

MMA, Cap. 7, pg. 95 – 106, 2007. SANT’ANNA NETO, J. L. Ritmo climático e a gênese das chuvas na Zona Costeira Paulista. (Dissertação de Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo, SP, 1990. _____________________. Da Climatologia Geográfica à Geografia do Clima:

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IMPORTÂNCIA DA COBERTURA VEGETAL EM VERTENTES: DA FISIOLOGIA À FUNÇÃO1

Guilherme Alves de Oliveira / Universidade Estadual de Londrina

Email: [email protected]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca uma explanação parcial de pesquisas desenvolvidas no projeto “Processos erosivos no norte do Paraná: o caso de microbracias no município de Londrina”, através de uma análise integrada da dinâmica dos processos erosivos, busca-se uma apreensão de meios e métodos que auxiliem a interpretação e projeção dos fenômenos, podendo diagnosticar o caso e a causa, e desenvolver meios que proporcionem a resiliência do sistema natural.

Para tal, cabe uma análise da dinâmica ambiental através do amálgama de metodologias científicas da Geomorfologia e da Botânica, buscando a compreensão da fisiologia e das funções que abrangem a cobertura vegetal como principal objeto de estudo no que circunda sua acuidade perante os processo erosivos em vertentes.

A erosão abordada como categoria incita diálogos entre o natural e o antrópico por ter uma implicância fundamental no tempo geológico, e ser expressivamente impactante no cotidiano nos arrolamentos do tempo histórico. Abrindo espaço para a compreensão destas relações com um diálogo voltado aos processos erosivos básicos cujo cada vertente possa estar suscetível, tanto sob influência da ação d’água como em casos de emprego de energia externa.

Baseando-se na concepção de Christofoletti (1979,p.1) “Qualquer conjunto de objetos que possa ser relacionado, no tempo e no espaço, constitui um sistema.” Tratando-se dos empregos das entradas e saídas de energia, a vertente pode ser previamente estipulada como um sistema de processos-respostas,haja vista que cada componente que a constitui deva ser considerado um subsistema de interação e fluxo de energia.

Sendo assim, cabe o destaque à cobertura vegetal como o subsistema a ser analisado devido a sua representatividade e interação direta na vertente, tanto com subsistemas exógenos como a precipitação, intemperismo e a infiltração, quanto subsistemas endógenos como a percolação, intemperismo e a estabilidade física do solo. Alentando também a representatividade da cobertura vegetal como um agente fundamental em análises morfométricas, tal qual a “Equação Universal de Perda de Solo” (EUPS-USLE) onde a cobertura vegetal (fator C) atua como principal incógnita da equação no que diz respeito à supressão ambiental em meio natural, urbano e agrícola.

1 Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

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RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para dar-se inicio a discussão, é basal abordar o conceito de bio-resistasia sugerido por Erhart (1955), pois este auxilia no panorama sobre a real importância da cobertura vegetal associada às diferentes intersecções de fenômenos que constituem a dinâmica ambiental. Tal conceito apoia-se na ideia de que a cobertura vegetal é responsável por amenizar de forma significativa os processos morfoesculturantes, auxiliando na evolução da paisagem natural. Entretanto, deve-se considerar a dialética presente na dinâmica dos fenômenos tendendo sempre a resistasia como um impacto ambiental a ser ponderado, seja ela adversa ou benéfica ao ambiente.

Dentre os principais fenômenos naturais que atuam como agentes de condição adversa dos processos erosivos em circunstâncias onde não há cobertura vegetal, destaca-se o fenômeno pluviométrico. Este quando associado à ausência de cobertura vegetal é vinculado diretamente com a perda dos horizontes superficiais do solo e em longo prazo tal dinâmica leva ao aparecimento de feições erosivas nas vertentes, tais como ravinas e voçorocas.

Apoiando-se em Guerra (2007, p.161) é possível uma prévia organização do grau de importância de dois grandes grupos vegetais, quando este salienta que “a cobertura vegetal de uma floresta pode atuar de duas maneiras: primeiro reduzindo o volume de água que chega ao solo através da interceptação, e, segundo, alterando a distribuição do tamanho das gotas, afetando com isso, a energia cinética da chuva.”.

Sendo assim, pode-se inferir que a atuação da cobertura vegetal esta diretamente relacionada com a ação simultânea do grupo das Monocotiledôneas e Dicotiledôneas, especificamente pela fisiologia dos grupos vegetais e o mutualismo ecológico proveniente destas relações. Cabe aqui abrir espaço para uma prévia descrição dos dois grupos vegetais e como estes dão respaldo à importância da cobertura vegetal.

Segundo Amabis (2004, p.189-217) Os vegetais Monocotiledôneos possuem folhas parilelinérvas2, raízes fasciculadas com profundidade variável entre 10 – 55cm, já os Vegetais Dicotiledôneos possuem folhas reticuladas3, raízes axiais com profundidade variável a partir de 10cm. Através destes apontamentos fisiológicos dos referentes grupos vegetais, tem-se uma visão dos principais fatores controladores impactantes da cobertura vegetal, visto que as folhas de ambos os grupos possuem como característica básica a redução da cinética do fenômeno pluviométrico além do sombreamento da camada superficial, reduzindo a incidência direta de radiação solar e permitindo o desenvolvimento de vegetais menores assim como a produção e decomposição da matéria orgânica.

Já as raízes acabam por aumentar a resistência física do solo, retendo energia de deslocamento e pressão e paralelamente levando a um aumento da drenagem e areação do solo, permitindo a fixação de microrganismos que elevam os potenciais nutrícios do substrato. As raízes axiais auxiliam na fixação, na resistência interna do solo e a uma melhor drenagem devido à extensão vertical de seus capilares fornecendo uma relutância à pressão e favorecendo a drenagem interna, quanto as raízes fasciculadas, estas apresentam-se eficazes no deslocamento horizontal de massa e na captação da drenagem superficial.

Crê-se então que as associações destes tipos de vegetais que compõe as mais diversas coberturas vegetais levam a um impacto benéfico paralém de uma análise da vertente, destacando as finalidades das folhas que detêm um potencial de redução do albedo e do calor específico armazenado no solo. Conjunto ao desempenho dos estômatos4

2 As nervuras se apresentam de forma verticalmente paralela nas folhas.3 As nervuras se apresentam ramificadas bilateralmente.4 Estrutura celular epidérmica inferior responsável pelas trocas gasosas entre o meio externo e interno do vegetal.

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presentes em ambos os grupos, mas em maior número nas dicotiledôneas, esta estrutura auxilia na regulação gasosa do vegetal e implicando em um conforto térmico no microclima do ambiente. Destacando assim a cobertura vegetal como um fator basal para a manutenção da micro e macro biota, e, consequentemente do meio ambiente pelo viés ecológico.

Na tentativa de aproximar a interpretação metodológica e teórica da importância da cobertura vegetal a meios práticos de diagnósticos ambientais, foi realizada uma oficina voltada aos alunos de graduação da disciplina de Geomorfologia da Universidade Estadual de Londrina, com o intuito de expor a interação entre diferentes metodologias e avaliar os resultados esperados destas análises.

Para a delimitação do ambiente para a realização do experimento, buscou-se pontos dentro do campus com classes de declividades variáveis de média a forte tal como estipulado por Ross(1994) ao tratar potencialidades erosivas. Paralelo tornou-se necessário encontrar uma vertente em que atuassem os dois grupos vegetais de monotiledôneas e dicotiledôneas.

Com dois pontos de análise previamente estipulados, deu-se início a experimentação conforme a proposta, um dos pontos amostrais teve sua cobertura vegetal retirada por completo dentro da delimitação do estudo (fig.1). Ambos pontos foram analisados no decorrer de 15 dias, realizando coletas semanais das amostras de solo deslocado e depositado nos tubos de 4 polegadas

Figura 1 – Quadrado de monitoramento na vertente. Fonte: Luísa Mazzer A. Ferreira

Através da execução do estudo foi possível evidenciar de fato a ocorrência da perda de solo e a fragilidade física deste quando a cobertura vegetal é suprimida. A fim de quantificar a pesquisa, foram realizados cálculos trigonométricos para fornecer a altura dos pontos perante a base (cateto oposto e adjacente) e um cálculo de área e volume do triângulo retângulo, com o intuito de aproximar-se da massa total em os ambos pontos de análise.

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Com o término do experimento foram analisados e discutidos os tópicos e resultados abordados na tabela abaixo (tabela 1) buscando uma nítida validação da influência dos grupos vegetais e a estabilidade física da vertente.

Tabela 1 – Quantificação da dinâmica erosiva na vertente.

Vertente Ponto A Ponto BCobertura Vegetal Monocotiledôneas/Dicotiledôneas RetiradaExtensão da Rampa 150 centímetros 150 centímerosComprimento da Rampa 30 centímeros 30 centímetrosDeclividade 26º 24ºVolume da área 150,178 kg 158,468 kgTotal de solo coletado 73 gramas 428 gramas% de Solo deslocado 16 dias 0.035% 0.270%

Fonte: OLIVEIRA, A. G., UEL, 2013

Analisando a cobertura vegetal na área selecionada para o experimento, há uma nítida predominância de gramíneas monocotiledôneas e pequenas e esparsas espécies dicotiledôneas, tal informação é fundamental para compreender a dinâmica anterior e posterior à análise. Tendo em vista como já fora supracitado, as raízes dos grupos vegetais possuem um papel fundamental para que sejam compreendidas as potencialidades de fragilidade física do solo vinculadas a cobertura vegetal.

Casseti (1991, p.68) quando aborda a geometria das vertentes, descreve características similares ao do recorte de estudo, alegando que “Vertentes portadoras de comprimento reto e largura reta respondem pelo predomínio do fluxo laminar”. Recorrendo a este parâmetro de análise, cabe à relação entre os grupos vegetais e a erosão superficial, devido à predominância de monocotiledôneas, é passível dar inicio as análises no que se diz respeito á redução do escoamento superficial, proporcionado pela redução da cinética pluviométrica, e pela estabilidade física decorrente das raízes fasciculadas destes vegetais.

Haja vista que as raízes de ambos os grupos vegetais proporcionam uma melhor distribuição das zonas de empuxo passivo de uma vertente, garantindo a estabilidade física horizontal através das raízes fasciculadas do grupo monocotiledôneo, e verticalmente com as raízes axiais do grupo dicotiledôneos. A ausência de cobertura vegetal esta diretamente relacionada com a dispersão das zonas de empuxo ativo, sujeitas ao deslocamento de massa pela vertente.

Tratando-se do empuxo ativo, tem-se como proporção a perda de solo decorrida no ponto B, fora deslocada cerca de 0,270% de massa da vertente, haja vista que o cálculo aplicado ao volume total compreendeu-se a densidade do solo da área em 1,2g/ml. Também é possível realizar um prognóstico da perda de solo no decorrer do tempo e da escala mantendo os padrões de erodibilidade, ex: “em 200 dias pode ser erodido cerca de 3,375 kg do ponto B”. Porém torna-se necessário frisar que a resiliência ambiental atua como um fator adverso aos processos erosivos, paralelo à sazonalidade dos fenômenos climáticos que atuam diretamente na relação de perda de solo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Por fim, é nítida a importância que a cobertura vegetal e a interação ecodinâmica dos grupos vegetais desempenham perante a estabilidade física da vertente, as amostras compreendem a um paralelo de análise entre a realidade ambiental observada em diferentes localidades do país, onde a supressão antrópica da cobertura vegetal ocasiona as feições erosivas na vertente de maneira brusca, levando a uma nova modelagem do relevo excedendo a resilencia das dinâmicas naturais do ambiente.

A proposta de estudo se deu basicamente sobre indagações perante o fator C da equação universal de perda de solo (EUPS), evidenciando assim a supra importância da cobertura vegetal com a estabilidade física de vertentes ou em pontos com declividades menos acentuadas, propondo que tal incógnita presente na equação deva ser analisada através da fisiologia e função dos grupos vegetais monocotiledôneos e dicotiledôneos, pois estes possuem grande representatividade nos diagnósticos e recuperação de áreas degradadas por processos erosivos.

Paralém de uma análise voltada somente á cobertura vegetal, cabe ainda se aprofundar nas implicâncias de outras incógnitas da EUPS, tais como a declividade, pluviosidade e etc. Evidenciando métodos e meios que possibilitem uma maior representação quantitativa da realidade, para que seja possível exprimir uma análise ambiental integrada de forma prática e qualitativa, a modo que a soma da análise das partes exceda o todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMABIS, J. M. Desenvolvimento e morfologia das plantas angiospermas. In: AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Biologia dos Organismos.Vol.2. 2.ed. São Paulo: Moderna, 2004, p.189-219.

CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991, p.67-91

CHRISTOFOLETTI, A. Análise de sistemas em geografia. São Paulo: HUCITEC, 1979.p. 1-29

GUERRA, A. J. T. & CUNHA, S. B. Geomorfologia. Uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand; 2007.

ROSS, J. L. S. Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais e Antropizados. In: Revista do Departamento de Geografia n°8, FFLCH USP, São Paulo, 1994.

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MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO DO MUNICÍPIO DE ESTRELA DO NORTE-SP1

Mayara Cristina de Paula Felipe/ FCT-UNESP2

e-mail: [email protected]

João Osvaldo Rodrigues Nunes/ FCT-UNESP3

e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A geomorfologia tem contribuído para compreender a inter-relação entre os processos naturais e sociais que atuam sobre o relevo. Entre as diferentes formas de se trabalhar na geomorfologia, a cartografia geomorfológica é uma que se destaca, pois possibilita, conforme a escala, entender a dinâmica de formação das morfologias mapeadas, identificar os diferentes compartimentos do relevo, auxiliando na compreensão da evolução da ocupação do relevo pela sociedade e em estudos de diagnósticos e prognósticos nas áreas urbanas e rurais.

O mapeamento geomorfológico é um instrumento importante na pesquisa do relevo, sendo um elemento indispensável na realização do inventário do mesmo. Os mapas geomorfológicos possuem uma complexidade maior em relação aos demais mapas temáticos, devido ao fato de ter que se apreender e representar uma realidade relativamente abstrata, ou seja, as formas do relevo, sua dinâmica e gênese (ROSS, 1996). Todavia, para Guerra e Marçal (2006, p.129) “são muitas as possibilidades de aplicações dos mapeamentos geomorfológicos nos projetos de gerenciamento ambiental ou até mesmo numa concepção mais integradora, como na gestão de território”. Ainda nesse sentido, Ross (1992, p.17) afirma que os estudos geomorfológicos, tanto os de escala detalhe como os voltados para o âmbito regional, “atendem as necessidades políticas-administrativas e funcionam como instrumento de apoio técnico aos mais diversos interesses políticos e sociais”.

A região do Extremo Oeste Paulista carece de trabalhos de mapeamento geomorfológico na escala do planejamento urbano e regional (1:25.000). No município de Estrela do Norte-SP, especificamente, não foi confeccionado um mapa geomorfológico na escala de planejamento municipal, que envolvesse as principais características geomorfológicas presentes tanto nas áreas urbanas como nas áreas rurais. Os documentos que envolvem o município de Estrela do Norte devido a sua escala estão voltados para um planejamento mais amplo, são exemplos, os mapas geomorfológicos do IPT (1981) na escala 1:1.000.000 e de Ross e Moroz (1997) na escala de 1:500.000.

A falta de documentos nessa escala faz com que haja uma lacuna em nível de planejamento municipal. Muitas vezes os agentes sociais públicos e privados não respeitam as características do meio físico, resultando em ocupações inadequadas de forma de relevos como as planícies aluviais, áreas de nascentes, etc. Além disso, gera uma lacuna na elaboração de estudos acadêmicos, onde a morfologia do relevo apresenta-se como importante aspecto a ser considerado na compreensão dos fatores responsáveis pela história de ocupação e expansão sobre as diversas formas de relevo do município de Estrela do Norte-SP.

Para Nunes et al (2006, p. 2):

[…] o mapa geomorfológico é uma importante ferramenta na pesquisa do relevo, contribuindo de modo fundamental em estudos de diagnósticos e prognósticos tanto para áreas urbanas como rurais. Em áreas urbanas auxilia na escolha de locais para construção de aterros sanitários na delimitação de zonas residências e industriais; na demarcação precisa de

1 Geografia Ambiental e Geografia da Saúde

2 Aluna da graduação de Geografia da FCT-UNESP, bolsista de Iniciação Científica FAPESP. 3 Professor Assistente Doutor do Departamento de Geografia da FCT-UNESP.

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áreas de proteção ambiental (mananciais hídricos de abastecimento público); áreas de risco a enchentes, etc. Em áreas rurais contribui para escolha de áreas para assentamento rurais; identificação e controle de processos erosivos lineares e areolares; em projetos de conservação e manejo de solo, etc.

Dessa forma, este estudo tem como principal objetivo realizar o mapeamento geomorfológico do município de Estrela do Norte-SP na escala de 1:25.000. Para sua elaboração está sendo utilizada a técnica de restituição-3D através das imagens ALOS/PRISM ALPSMN063234050 e ALPSMN063234055, utilizando-se de métodos aerofotogramétricos digitais que vem sendo desenvolvidos em conjunto com o professor Júlio Kiyoshi Hasegawa do Departamento de Cartografia da UNESP- FCT.

O município de Estrela do Norte está localizado no extremo Oeste Paulista, na Latitude 22°29’17" Sul e Longitude 51º39'37" Oeste. Segundo dados do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do município é de 2.661 habitantes, com uma extensão territorial de 263 Km2, sendo limitado a oeste pelo município de Sandovalina, a leste e sul pelo município de Pirapozinho e ao norte pelo município de Tarabai (Figura 01).

Figura 01: Localização do município de Estrela do Norte-SP.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os conhecimentos geomorfológicos têm contribuído para uma melhor apreensão tanto das dinâmicas dos processos naturais, como para uma melhor compreensão das inter-relações entre esses processos naturais e sociais que agem sobre o relevo. Assim sendo, tem auxiliado em diversas áreas do conhecimento com ênfase nos aspectos ambientais ou sociais, por meio de projetos acadêmicos, administrativos, na elaboração de planejamento ambiental e de educação ambiental (NUNES et al, 2006).

Portanto, um dos potenciais de aplicação dos mapeamentos, diz respeito, ao seu interfaceamento com os projetos de planejamento urbano e rural, prevenindo problemas no futuro.

O estudo das morfologias terrestre tem despertado cada vez mais o interesse nos pesquisadores, principalmente após meados do século 20, pois as pesquisas começaram a mostrar as implicações das modificações, resultantes da ação humana, no relevo e em outros sistemas naturais (SILVA, 2012).

Contudo, a elaboração do mapeamento geomorfológico do município de Estrela do Norte-SP encontra-se em estágio intermediário, a caracterização geomorfológica está sendo elaborada de acordo com os dois primeiros níveis de abordagem do relevo propostos por Ab’Saber (1969), em sua obra “Um conceito de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o quaternário”: Compartimentação Topográfica e Estrutura Superficial da Paisagem.

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Em relação aos procedimentos utilizados na elaboração do mapeamento geomorfológico, as principais referências serão: Tricart (1965), compreendendo a 6ª unidade taxonômica 10-2 e Ross (1992) que corresponde ao 4º, 5º e 6º táxon. Em ambos, serão realizadas adaptações para a área de estudo.

No trabalho de fotointerpretação de feições geomorfológicas a técnica utilizada é a de restituição-3D a partir das imagens ALOS/PRISM ALPSMN063234050 e ALPSMN063234055 (figura 02).

Figura 02: Imagem ALOS/PRISM da região de Estrela do Norte-SP.

O satélite japonês ALOS (Advanced Land Observing Satellite) colocou a disposição da comunidade as imagens do sensor PRISM (Panchromatic Remote-sensing Instrument for Stereo Mapping), o qual é composto por três sistemas ópticos independentes, um com visada nadir e dois com visadas inclinadas para frente e para trás, o que permite que suas imagens tenham visão estereoscópica (BARROS, 2008).

Para a realização da extração das feições geomorfológicas houve a inicialmente necessidade de efetuar o georreferenciamento dessas imagens. Assim sendo, realizou-se um trabalho de campo na região do Pontal do Paranapanema e norte do Estado do Paraná para coletar as coordenadas de 16 pontos (figura 03), no levantamento precisava-se de uma alta precisão, dessa forma, utilizou-se o GPS Geodésico.

Para o levantamento dos pontos utilizou a metodologia do posicionamento relativo, o qual determina as coordenadas em relação a um referencial materializado, ou seja, através de uma ou mais estações com coordenadas conhecidas. Desse modo, é indispensável que ao menos dois receptores coletam dados de, no mínimo, dois satélites concomitantemente. Assim sendo, um dos receptores localiza-se na estação com coordenadas conhecidas, designada de estação de referência ou estação base e o outro ponto na estação a determinar (IBGE, 2008).

Vale ressaltar, que para realização de trabalhos geodésicos as estações de referência devem fazer parte do Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), destacando a Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo do Sistema GPS (RBMC), no levantamento de campo realizado a estação de referência RBMC utilizada foi a de Presidente Prudente, a qual se localiza no campus da UNESP-FCT.

O posicionamento relativo pode ser subdivido em quatro grupos: estático, estático-rápido, semicinemático e cinemático. Em campo utilizou o posicionamento relativo estático, onde tanto o receptor da estação de referência como a da estação com coordenas a determinar, permanecem estacionários durante todo o levantamento (IBGE, 2008). Para Monico (2008, p.338) “o posicionamento relativo estático permite obter precisão da ordem de 1,0 a 0,1 ppm ou mesmo melhor que isso”.

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Figura 03: Localização dos pontos coletados com GPS Geodésico.

Após o georreferenciamento das imagens iniciou-se o trabalho de extração das feições geomorfológicas. Para obter a visualização estereoscópica utilizou-se inicialmente um estereoscópio de espelhos na frente do computador. Posteriormente, foi desenvolvido pelo professor Júlio Kiyoshi Hasegawa do Departamento de Cartografia da UNESP- FCT, uma nova ferramenta para a visualização estereoscópia: o método anaglifo. Este método consiste em direcionar os campos de visão para cada par de fotografias, porém se utiliza filtros vermelho e ciano (verde e azul), assim sendo, a imagem da esquerda é projetada sobre uma tela branca, com um filtro, já na imagem da esquerda o filtro é azul. Desse modo, de acordo com Amorim (2000, p.12):

Se o observador utiliza óculos cuja lenta da direita for vermelha e a da esquerda for ciano, o olho esquerdo vê apenas a imagem da esquerda e o olho da direita, apenas a imagem da direita, formando assim a imagem tridimensional em tons de cinza.

Portanto, as feições estão sendo compiladas utilizando da visualização estereoscópica a partir de óculos com lentes vermelha e azul na frente do computador (figura 04), colocando as marcas flutuantes (medição) sobre o ponto no estereomodelo e transmitindo para o arquivo de desenho. A feição será compilada deslocando-se as marcas flutuantes sobre todos os pontos que a caracterizam.

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a) b)

Figura 04: a) Extração das feições geomorfológicas a partir do método anaglifo; b) óculos anaglifo.

Contudo, a partir da visão em 3D estão sendo extraídos os cursos d’água (figura 05), em seguida, serão delimitados os divisores de água, os topos das colinas, as planícies aluviais e alvéolos e as cabeceiras de drenagem em anfiteatros.

Figura 05: Extração da rede de drenagem em modelo digital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relevo apresenta uma grande diversidade e diferentes tipos de formas, as quais apesar de parecerem estáticas e iguais, são dinâmicas se manifestando ao longo do tempo e do espaço de modo distinto, em virtude das influências dos demais componentes do estrato geográfico. As inter-relações entre esses componentes são responsáveis pela gênese do modelado da superfície terrestre, dessa forma, para compreender cada padrão de forma de relevo é necessário verificar quais as influências de cada componente do estrato geográfico na dinâmica atual e pretérita das formas do relevo (ROSS, 1996).

Desse modo, para apreender o que está por trás de cada padrão de forma ou de tipo de vertente, é necessário constatar as influências dos componentes do estrato geográfico na gênese e na dinâmica atual e pretérita dessas formas. Além disso, para o entendimento do relevo é preciso envolver a paisagem como um todo. Assim, para compreender a gênese e a dinâmica das formas do relevo é necessário compreender os processos movedores de sua geração e as interferências dos demais componentes dentro de uma determinada Unidade da Paisagem.

Contudo, o mapa geomorfológico contribuirá para identificar as áreas mais impactadas pelas atividades do homem, como também auxiliará nos diagnósticos ambientais, uma vez que, para qualquer interferência do homem na natureza deve-se conhecer o quadro ambiental onde se vai atuar. Nessa perspectiva, o mapa contribuirá para os projetos de Planejamento socioambientais urbanos do município de Estrela do Norte, relacionados ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, mapa de Zoneamento Urbano do município e à Lei Orgânica Municipal, além de contribuir para elaboração de projetos acadêmicos especialmente vinculados a erosão dos solos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB’SABER, A. N. Um conceito de geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o quaternário. Geomorfologia, São Paulo, nº 18, p. 1-23, 1969. AMORIM, A. Utilização de modelos estereoscópicos híbridos na atualização cartográfica. São Carlos, Tese: Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2000. 124p.

BARROS, Rafael Silva de et al. Avaliação Planimétrica de Imagens ALOS/PRISM nível 1B2G. In: II Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação, Recife - PE, 2008. Anais...CDROM.

GUERRA, A. J. T.; MARÇAL, M. S. Geomorfologia Ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, 192p.

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INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (IPT). Mapa geomorfológico do Estado de São Paulo: 1:1.000.000. São Paulo: IPT, vol. II, 1981, (Publicação IPT 1183).

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo GNSS: descrições, fundamentos e aplicações. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

NUNES, J.O.R. et al. Mapa geomorfológico do perímetro urbano da cidade de Presidente Prudente. In: VI Simpósio Nacional de Geomorfologia e Regional Conference on Geomorphology, Goiânia, 2006. Anais...CDROM.

ROSS, J. L.S. Geomorfologia: ambiente e planejamento. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1996. 85p.

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TRICART, J. Principes et méthodes de La géomophologie. Paris: Masson e Cie, 1965.

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MUDANÇAS NA PAISAGEM E OS REFLEXOS NO CLIMA: PRIMEIRAS REFERÊNCIAS SOBRE A MODIFICAÇÃO DA ATMOSFERA NO AMBIENTE URBANO DE LONDRES1

Larissa Piffer Dorigon2 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente-SP

[email protected]

Ana Carolina Colnago Roco - Licenciada em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente-SP

[email protected]

Renata dos Santos Cardoso3 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente-SP

[email protected]

INTRODUÇÃO

De acordo com Passos (2000), a emergência da paisagem no âmbito da geografia data do século XIX, no qual é concebida como o conjunto de “formas” que caracterizam em setor dominante da superfície terrestre. Cria-se e classificam-se, então, as paisagens morfológicas, vegetais, agrária, entre outras.

Com o tempo as concepções e análises referentes à paisagem se ampliaram e com isto sua definição se tornou complexa. Segundo o mesmo autor, atualmente “é mais fácil e cômodo dizermos o que não é paisagem do que conceituá-la com precisão” (PASSOS, 2000, p.133). Por isso, o conceito de paisagem possui um extenso leque de definições e estudiosos admitem sua polissemia.

As duas maiores dificuldades para uma definição da paisagem estão na hipertrofia da utilização do termo e nas acepções redutoras: nós os encontramos em todos os meios, desde o homem da rua até os cientistas mais especializados na matéria (PASSOS, 2000, p. 134).

Neste sentido, dentre as várias abordagens existentes, este trabalho foi baseado na proposta conceitual de paisagem de Suertegaray (2001). Para formular o seu entendimento sobre este termo, Suertegaray utilizou as ideias de Bertrand (1968), que relaciona a paisagem com a combinação dinâmica e dialética dos elementos físicos, biológicos e antrópicos, e Milton Santos (1997), que concebe paisagem como a expressão materializada do espaço geográfico, interpretando-a como forma.

Sendo assim, Suertegaray (2001) expõe que percebe a paisagem como:

[...] um conceito operacional, ou seja, um conceito que nos permite analisar o espaço geográfico sob uma dimensão, qual seja o da conjunção de elementos naturais e tecnificados, sócio-econômicos e culturais. Ao optarmos pela análise geográfica a partir do conceito de paisagem, poderemos concebê-la enquanto forma (formação) e funcionalidade (organização). Não necessariamente entendendo forma–funcionalidade como uma relação de causa e efeito, mas percebendo-a como um processo de constituição e reconstituição de formas na sua conjugação com a dinâmica social. Neste sentido, a paisagem pode ser analisada como a materialização das condições sociais de existência diacrônica e

1 Eixo Temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde2 Bolsista FAPESP3 Bolsista FAPESP

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sincronicamente. Nela poderão persistir elementos naturais, embora já transfigurados (ou natureza artificializada). O conceito de paisagem privilegia a coexistência de objetos e ações sociais na sua face econômica e cultural manifesta (SUERTAGAY, 2001, p. 11).

Portanto, a paisagem aqui é entendida como a união do social, cultural e o físico, através de uma abordagem histórica, que tem como marco principal a Revolução Industrial. Neste sentido buscou-se identificar/estabelecer uma correlação entre as transformações ocorridas na paisagem de Londres e as alterações no clima local, levando em consideração os primeiros estudos realizados por ingleses sobre o assunto.

A fim de atingir o objetivo citado, adotou-se uma forma de análise que considera o conceito de paisagem de acordo com Suertegaray (2001),autora está que trabalha em muitos momentos com a perspectiva de Bertrand (1968), como uma entidade global, que possibilita a visão sistêmica numa combinação dinâmica e instável dos elementos físicos, biológicos e antropológicos, as escalas tempo-espaciais são utilizadas como base geral de referência para todos os fenômenos geográficos.

Deste modo, a análise de imagens e fotografias que revelam uma paisagem do passado e, indiretamente, uma dinâmica socioeconômica, mesmo que de forma estagnada entre as molduras, apresenta grande importância já que o pretérito foi capturado e pode ser rememorado a qualquer instante, desvendando uma série de relações.

Por este motivo, optou-se comparar uma pintura do holandês Jan Griffier, que retrata a paisagem rural de Londres no século XVII, com uma gravura dos bairros pobres desta cidade, de autoria de Gustave Doré em 1872. As distintas características visuais, associadas ao momento histórico da sociedade, ajudaram a compreender como as transformações na paisagem ao longo do tempo podem influenciar no clima local e na qualidade de vida da população.

CONTEXTO HISTÓRICO DO RECORTE TEMPORAL PARA O ESTUDO DE LONDRES

A cidade de Londres, assim como a maioria das cidades da Europa durante a Idade Média, passou por um declínio expressivo em relação a sua estruturação urbana. A queda do Império Romano e o fim das atividades comerciais, somados a ascensão do modo de produção feudal, foram marcos do período e refletiram diretamente na regressão do processo de urbanização.

O renascimento da função urbana se deu no final da Idade Média, com a reativação das atividades comerciais que impulsionaram as primeiras iniciativas capitalistas e, simultaneamente, a destruição da base econômica feudalista.

A concretização desta primeira fase do capital, denominado de capitalismo comercial foi baseada em quatro pilares fundamentais: o fim do monopólio feudal sobre a produção de alimentos, uma vez que os aristocratas se viram obrigados a vender ou arrendar suas terras, quando estas foram transformadas em mercadorias; o monopólio capitalista das corporações, que foi impulsionado pela dissolução das leis que protegiam a produção artesanal urbana e pelo incentivo as manufaturas; a formação dos Estados Nacionais Absolutistas e o empreendimento de grandes navegações marítimas que buscavam expandir o desenvolvimento do capital e criavam novos monopólios comerciais.

Na segunda metade do século XVIII, o modo de produção capitalista passa pela Revolução Industrial, no entanto, como explicita Spósito (1988) não é a descoberta da máquina a vapor, dos teares mecânicos de fiação, da locomotiva e da estrada de ferro que acarretaram essa revolução, mas sim, toda a transformação que o processo de produção vinha transcorrendo desde o século XVI.

O fator mais importante a se destacar e que culminou no capitalismo industrial é o trabalho assalariado. Este criou condições de acumulação individuais ou corporativas, uma vez que este capital acumulado poderia se multiplicar, sendo investido na produção.

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[...] através da compra dos meios de produção necessários: matéria-prima, ferramentas, máquinas e força de trabalho. Embutido no preço do produto, agora sob a determinação do capitalista, estava o "lucro", aquilo que a economia liberal considera a remuneração do capital investido, e que, na verdade, constitui-se na apropriação de parte da riqueza produzida pelo trabalhador que o seu salário não remunera – a mais-valia. Para esta apropriação de mais-valia ampliar-se e permitir a própria ampliação do capital era preciso incentivar o aumento da produção e o aumento da produtividade (SPOSITO, 1988, p.47).

Essa explosão industrial, além de explorar a mais valia com salários reduzidos, longas jornadas e precárias condições de trabalho, também afetou o processo de urbanização nas principais cidades da Europa, visto que o impulso tomado pelo crescimento das cidades a partir do pleno desenvolvimento da industrialização foi intenso.

Conforme Sposito (1988), a estrutura urbana recebeu diretamente os impactos deste rápido crescimento populacional, e sofreu transformações na sua paisagem e espaço interno. O primeiro conflito diz respeito à moradia, visto que a mobilidade urbana não era abrangente e os trabalhadores necessitavam habitar a uma distância que poderia ser percorrida a pé até o local de trabalho, além do valor da terra, que era comercializada como mercadoria.

Assim, ocorreu um adensamento habitacional muito grande e, na área do centro da cidade, os novos moradores – imigrantes e trabalhadores vindos do campo – se amontoavam em pequenos e inúmeros cubículos. O Estado não mais regia essas construções como espaços públicos, mas tornou-se um especulador, beneficiando a classe dominante que aproveitava para realizar seus investimentos imobiliários.

Não somente o mínimo espaço para a vivência dentro dessas residências era um problema, pois ainda se tinha as condições de desconforto, com sérias dificuldades em relação à ventilação, insolação, higiene e lazer. Também se padecia com a proximidade das indústrias, estradas de ferro, emissores de fumaça, barulho e poluição de corpos d’água.

Ainda de acordo com a autora citada acima, o padrão arquitetônico dessas cidades, já no final do século XVIII, rompeu com a hegemonia existente e incentivou a separação espacial das classes sociais, dando origem a bairros pobres, ricos, entre outros. Além da moradia, encontrava-se “problemas urbanos” como:

A falta de coleta de lixo, de rede de água e esgoto, as ruas estreitas para a circulação, a poluição de toda ordem, moradias apertadas, falta de espaço para o lazer, enfim, insalubridade e feiúra eram problemas urbanos, na medida em que se manifestavam de forma acentuada nas cidades, palco de transformações econômicas, sociais e políticas (SPOSITO, 1991, p. 58).

Dessa forma, constata-se que a cidade era a própria desordem e que passou por transformações muito rápidas, não tendo tempo e condições para se planejar. Isso resultou numa transformação da paisagem que, de essencialmente rural durante o feudalismo, se modificou para comercial e depois para industrial em menos de quatro séculos, provocando alterações não só visuais, mas também na qualidade de vida e ambiental urbana.

CARACTERÍSTICAS PAISAGÍSTICAS E O CLIMA

Muitos dos problemas que têm ocorrido atualmente nas cidades são decorrentes de processos de urbanização e de ações antrópicas, que desconsideram a relação entre os condicionantes ambientais e o atendimento às demandas da sociedade. Santos (2006) explica que, no período onde tudo era meio natural, “o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo” (SANTOS, 2006, p. 157).

Segundo o autor, esse meio natural, sem grandes transformações, foi seguido por um período técnico caracterizado pela emergência do espaço mecanizado. Os objetos que o

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compõem não são apenas os culturais – a estes se somam os técnicos, ambos constituindo o componente material do espaço, que agora é formado do “natural” e do “artificial”. “As áreas, os espaços, as regiões, os países passam a se distinguir em função da extensão e da densidade da substituição, neles, dos objetos naturais e dos objetos culturais, por objetos técnicos” (SANTOS, 2006, p. 158).

Nesse contexto, pode-se afirmar que o processo de urbanização é bastante expressivo na modificação de uma paisagem anteriormente natural. As modificações na paisagem natural dão lugar para as construções da cidade, o que provoca a alteração do equilíbrio entre a superfície e a atmosfera. Essa transformação no balanço térmico, assim como as alterações químicas na atmosfera, constitui fatores intrínsecos na produção de um clima local específico, ou seja, o clima urbano.

As primeiras referências sobre as preocupações com a modificação da atmosfera no ambiente urbano são expressas nos estudos realizados sobre o clima urbano na cidade de Londres. Evelyn (1661) propôs a criação de um cinturão verde para purificar o ar já poluído de Londres, enquanto o químico Howard (1818), no início da era industrial, constatou que a queima do carvão nas indústrias provocava a contaminação do ar e o aumento da temperatura da cidade. A diferença térmica constatada foi de 2,2°C, que fazia a cidade mais quente que as áreas circunvizinhas (LOMBARDO, 1985).

Howard analisou observações meteorológicas do período de 1797 a 1831 e relatou as primeiras características do clima londrino, indicando a formação do fenômeno da neblina urbana “city fog” e das “ilhas de calor” (LIMA, 2011).

ANÁLISE DA PAISAGEM DE LONDRES RETRATADA EM OBRAS ARTÍSTICAS

A análise das imagens abaixo possibilitará a melhor compreensão de como as formas materiais assumidas pela cidade de Londres, principalmente a partir da Revolução Industrial, assim como as atividades que nela se desenvolvia/desenvolvem, estabeleceram uma nova dinâmica que interfere direta e indiretamente no balanço energético e nas propriedades da atmosfera, produzindo, assim, condições climáticas que diferem das áreas rurais.

A Figura 1 corresponde a uma obra do pintor holandês Jan Griffier, que usualmente retratava paisagens. Suas pinturas são reconhecidas por seu ponto de vista topográfico, que geralmente é destacado em grande escala e com uma tonalidade de terra.

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Figura 1 – Paisagem rural de Londres do século XVII (obra de Jan Griffier). Fonte: Disponível em: <http://www.allposters.com.br/-sp/Leaving-for-the-Hunt-on-the-Outskirts-of-London-posters_i7682892_.htm>. Acesso em: 7 jun. 2013.

Por volta de 1660, o pintor se mudou para Londres e foi admitido pela empresa London Painter-Stainer. Durante esses anos produziu pinturas sobre assuntos de história natural, como o feudalismo, além de desempenhar um papel pioneiro na representação da paisagem britânica em pinturas a óleos e gravuras. Em cerca de 1700, Griffier retornou para a Holanda, onde permaneceu até sua morte.

Como pode ser observado na obra escolhida, “Leaving for the Hunt on the Outskirts of London”, esta também se insere no “padrão” de pintura de paisagens do artista, ou seja, majoritariamente de um ponto de vista topográfico que abarque todo um horizonte a sua volta.

De acordo com o próprio nome da obra sugere, no primeiro plano têm-se ingleses se preparando para a caça – esporte típico da época –, conversando e brincando com alguns animais nos arredores de Londres. A prática cotidiana desse período, que provavelmente contemplava o contato com a natureza, demonstra um sentimento de pertencimento e identidade do homem com este tipo específico de paisagem que, com o passar do tempo, parece ter se diluído, emergindo atualmente em uma parcela da sociedade.

Já no segundo plano, percebe-se o que há de mais significativo para este trabalho, ou seja, uma vasta paisagem que, embora apresente algumas alterações no uso da terra e construções, revela o predomínio de vegetação rasteira e arbórea, inclusive às margens de um curso d’água ainda livre de edificações. Tais características se estendem mais ao fundo da paisagem, onde é possível observar o verde em direção às montanhas, com apenas algumas manchas construtivas.

Quanto à Figura 2, “Os bairros pobres de Londres, sob os viadutos ferroviários”, corresponde a uma gravura de Gustave Doré de 1872. Gustave Doré (1832-1883), pintor, escultor e ilustrador francês, cujas ilustrações tiveram grande sucesso, principalmente em obras famosas como A Divina Comédia de Dante, Gargantua de Rabelais, Contos de Balzac, Dom Quixote de Cervantes, entre outras, num total de 120 ilustrações.

Figura 2 – Os bairros pobres de Londres, sob os viadutos ferroviários (gravura de Gustave Doré de 1872).

Fonte: Mumford (2004).

Ao observar a figura acima, percebe-se que ela contrasta claramente com a pintura de Jan Griffier. Ao contrário dos vastos campos verdes, tem-se agora, durante a Revolução Industrial, um aglomerado de habitações em condições precárias localizadas em bairros londrinos pobres, com completa ausência de vegetação. Além disso, no lugar de um céu azul com a presença de algumas nuvens, vê-se na gravura um céu cinzento, coberto por

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fumaças expelidas pelas chaminés das indústrias, caracterizando uma nova paisagem frequentemente perceptível nas cidades.

Conforme destaca Mumford (2004), entre 1820 e 1900, a destruição e desordem nas grandes cidades faziam lembrar um campo de batalhas. O industrialismo produziu o mais degradado ambiente urbano que se tem notícias, mesmo os bairros das classes dominantes eram imundos.

Se o capitalismo tendia a expandir os domínios do mercado e transformar cada parte da cidade numa comodidade negociável, a mudança dos trabalhos manuais urbanos organizados para a produção fabril em larga escala transformou as cidades industriais em sombrias colméias, a fumegar ativamente, a bater, guinchar, a expelir rolos de fumo de doze a quatorze horas por dia, algumas vezes durante as vinte e quatro horas. A rotina escrava das minas, cujo trabalho constituía um castigo intencional para os criminosos, tornou-se o ambiente normal do novo trabalhador industrial (MUMFORD, 2004, p. 483).

É nesse sentido que, considerando as diferentes paisagens expostas nas obras acima, pode-se compreender a preocupação de estudiosos desde o século XVII com a qualidade do ar atmosférico em Londres, inclusive no que diz respeito à importância de áreas verdes na purificação do ar na cidade e na amenização da temperatura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como propõe Suertegaray (2001), a análise paisagística é “transtemporal”, juntando objetos passados e presentes. Neste sentido, a “evolução” da cidade de Londres, como a maioria das europeias, que de essencialmente rural passaram a serem regidas pela ordem do capital, demonstra suas consequências até os dias de hoje.

Sposito (1988), ao explicar os problemas urbanos advindos da Revolução Industrial, afirma que as bases da estrutura urbana das cidades de hoje, excluindo o padrão arquitetônico, são heranças do passado, sendo possível reconhecer traços específicos em muitas cidades contemporâneas, principalmente no que se refere à especialização funcional do uso da terra.

Portanto, constata-se a expressividade em analisar a mudança paisagística historicamente, visto que essa é resultado de um processo dinâmico e pode marcar, como fez a urbanização industrial, todo um percurso da sociedade. Como já afirmou Suertegaray (2001, p. 11) apud Santos (1997), a “paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. Ou ainda, a paisagem se dá como conjunto de objetos reais concretos”.

Somado a isso, percebeu-se com esse trabalho que a análise de imagens possibilita a melhor compreensão de como as formas materiais assumidas pela cidade de Londres, principalmente a partir da Revolução Industrial, assim como as atividades que nela se desenvolvia/desenvolvem, estabeleceram uma dinâmica diferenciada que interfere direta e indiretamente no clima local e na qualidade do ambiente urbano.

REFERÊNCIAS

GEORGE, P. Paisagem – do urbano ao rural: notas a partir de Lisboa. Finisterra, XXXVI, 72, 2001, p. 115-121.

LIMA, Gabriela N. Caracterização do clima urbano de Nova Andradina-MS. (Tese de Mestrado apresentada ao conselho de Curso de Pós-Graduação em Geografia/FCT-UNESP). Presidente Prudente, 2011.

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LOMBARDO, Magda A. Ilha de calor nas metrópoles: O exemplo de São Paulo, editora Hucitec. São Paulo, 1985.

MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 741 p.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

SPOSITO, M. Encarnação. Capitalismo e Urbanização. São Paulo, Contexto, 1988. 80 p.

SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço Geográfico Uno e Múltiplo. Scripta Nova (Barcelona), Barcelona, v. 93, 2001.

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O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO PONTAL DO PARANAPANEMA E A MIGRAÇÃO DO TRABALHO PARA O CAPITAL

Fredi dos Santos Bento

Antonio Thomaz Júnior

Resumo

O construto aqui realizado é fruto do acompanhamento dos processos recentes da dinâmica migratória sazonal para os canaviais da região do Pontal do Paranapanema-SP, e os rebatimentos para a dinâmica geográfica do trabalho, ou especificamente para os trabalhadores migrantes que se envolvem no corte manual da cana-de-açúcar. Esse processo migratório de trabalhadores para o corte da cana-de-açúcar, como parte da expansão recente do agrohidronegócio, no Pontal do Paranapanema, que estamos acompanhando mais diretamente nos municípios de Emilianópolis, Presidente Bernardes e Santo Anastácio (recorte espacial que temos dado ênfase), assume, desde 2005, a promessa de mudança e desenvolvimento para a região. Todavia, sua verdadeira forma intensifica mais as desigualdades e os conflitos no campo e na cidade, pois nessas relações estranhadas e obscuras que se subjazem, nos possibilitam entender as ações contraditórias do capital e como podem se refletir em escalas de proporção muito maiores, apresentando o desafio para entender e transpor isso através do processo migratório. Desse modo procuramos entender este processo migratório, não apenas através de levantamento bibliográfico e diálogo com os próprios sujeitos investigados,mas também com entidades locais a citar representações da Igreja Católica,da área da saúde, nas prefeituras, STR’s(Sindicato dos Trabalhadores Rurais e SER’s(Sindicato dos Empregados Rurais) todos a nível regional,um processo que para além disso permite o avanço perverso do agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema,encastelando os lucros do capital usineiro.

Introdução O principal objetivo deste trabalho é, além de divulgar os resultados iniciais de nossa pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC), realizada com o fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), compreender a situação dos trabalhadores migrantes no contexto da dinâmica territorial do trabalho, no Pontal do Paranapanema, principalmente no município de Emilianópolis-SP, com as atenções voltadas para o que os levou a deixar seus locais de origem para se submeterem aos ditames do agronegócio canavieiro.

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1 Bolsista de Iniciação Científica(IC) PIBIC do CNPq ,sob orientação de Antonio Thomaz Júnior.Eixo de apresentação: Geografia do Trabalho e Geografia Econômica

Assim, buscar-se-á elucidar os condicionamentos que os levam a migrar e suas implicações diante da ação perversa do capital, tanto na origem quanto no destino,

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considerando-se os níveis de exploração, descumprimentos da legislação, das normativas regulamentadoras.

Todavia, tal pesquisa nos tem possibilitado entender o processo contraditório engendrado pelo capital que, ao mesmo tempo em que aciona mecanismos que fragilizam a situação de vida e de trabalho dos trabalhadores nos locais de origem, desterritorializando-os, desempregando-os etc., também precariza as condições de trabalho no corte da cana-de-açúcar, sob o manto da superexploração, jornadas extensas, roubo no pagamento da cana cortada ou outras práticas diversas que se efetivam contra estes trabalhadores.

Atentamos assim para o processo de fragilização deste trabalhador encimado no avanço perverso do agronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema que se utiliza desta mão de obra para poder ampliar seus lucros e assim expandir sua territorialização perversa na região de destino destes trabalhadores, o que doravante afeta as regiões de origem dos mesmos, por conta do intenso (re) ordenamento territorial promovido pelo capital em território nacional,onde a (re) arrumação promovida em determinado local, é sentida em outros locais, ou melhor traz impactos para outros lugares que não apenas onde se deu inicialmente tal (re)arrumação.

Outras questões também se apresentam para nossa pesquisa, como, por exemplo, a compreensão das estratégias de manipulação e alienação direcionadas contra estes trabalhadores, e se estes também não constroem estratégias de enfrentamento a tal situação, bem como de que forma isso rebate na própria imagem que se tem do trabalhador migrante sazonal ou temporário nestas regiões de destino, não apenas pelo Ministério Público do Trabalho, quanto pelas representações da Igreja, dos sindicatos e pela população residente destes municípios de destino, ou cidades dormitórios dos migrantes.

Lançamos mão, em nossas entrevistas do método da história oral na abordagem a estes sujeitos que compõem o objeto da pesquisa, procurando assim dar voz aos mesmos na compreensão da perversidade das ações do capital agroindustrial canavieiro nas regiões de destino.

Apesar das limitações decorrentes do estágio da pesquisa (ainda em andamento), procuramos desde já oferecer contribuições para o entendimento das postulações acima, mesmo que de forma parcial.

Resultados

O município de Emilianópolis está situado no Pontal do Paranapanema e possui, segundo os dados do Censo Demográfico de 2010, uma população estimada em 3024 habitantes, sendo em sua maioria urbana. Entretanto, um fator que tem chamado atenção nos últimos anos se dá pelas intensas migrações que, segundo informações recolhidas no âmbito da prefeitura municipal e da paróquia do município, podem ser quantificadas a partir de 2005, tendo auge entre os anos de 2008 e 2009, que é o período em que as usinas mais contratavam mão-de-obra e era rentável, grosso modo, para estes trabalhadores se submeterem ao eito.

Todavia, há registros de que já houve períodos com cerca de 500 trabalhadores migrantes habitando em Emilianópolis até 2010, número alto considerando uma comparação com o número de habitantes. Vale ressaltar também, que, dos entrevistados, 85,71% já estiveram em Emilianópolis ou em municípios da região nos anos anteriores,

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mas também se deslocaram para outras regiões e municípios como Goiânia, Campinas, Vargem Grande do Sul, Ribeirão Preto, não tendo ainda migrado exclusivamente para o corte da cana, mas para as mais diversas atividades, desde a construção civil, trabalhando ainda como garçons, e em outras lavouras como a do café em Minas Gerais, sendo o migrante assim um “faz tudo”.

Boa parte destes trabalhadores, é proveniente da Bahia, podendo se pontuar uma forte presença de migrantes advindos da microrregião de Bom Jesus da Lapa-BA, ou do Rio Corrente e, segundo informações da prefeitura municipal, nos últimos anos apenas de Paratinga-BA chegaram cerca de duzentos migrantes, sendo que boa parte deles era circulante ou temporário e já não se encontra no município, podendo-se perceber que os que ficaram são os que criaram laços no território, ou melhor, se reterritorializaram no local de destino.

Nossa iniciativa em qualificar os trabalhadores em agricultor com terra, sem terra, ou na terra dos pais, se deve ao fato de termos percebido que a totalidade destes entrevistados advém das áreas rurais destes municípios baianos na microrregião de Bom Jesus da Lapa-BA, principalmente de Paratinga e Sítio do Mato-BA, podendo ser caracterizados como camponeses que, utilizando aqui a expressão de Singer (1977), sofrem os fatores de estagnação, pois 38,1% dos entrevistados se dizem residindo ainda em terras pertencentes aos seus pais e possuindo muitos irmãos, sem espaço suficiente para desenvolver suas lavouras.

Deve-se considerar que estes migrantes têm origem camponesa e, na expectativa de manterem sua condição camponesa, sujeitam-se à venda da sua força do trabalho nos canaviais paulistas. Ou seja, o que ocorre na atualidade é um conflito do camponês em busca de manter suas relações de vida no campo, mas constantemente é utilizado e manipulado pelo capital que o recria na necessidade de destruí-lo (MARTINS, 2002).

Para os canaviais do Pontal do Paranapanema, assevera-se que estes sofreram a influência e o papel do “gato” (arregimentador), figura tão conhecida no país como agenciadores de força de trabalho, e em Emilianópolis não foi diferente.

Em nossas entrevistas pudemos perceber que, a partir de 2005, o fluxo constante de migrantes neste município se dava pela necessidade da usina Floralco, hoje falida, em buscar mão-de-obra migrante para a realização da colheita da cana. E muitos dos migrantes que continuam a se deslocar para Emilianópolis são ex-empregados da Usina Floralco, que em 2009 foram demitidos sem receber décimo terceiro, nem salários, e que passaram a buscar em outras usinas da região, também em estágio falimentar, a sua fixação, a exemplo da Alvorada do Oeste e da Decasa.

Sendo assim, a usina deu vida à presença do gato, que muitas vezes são cortadores de cana destes locais de origem já estabelecidos a certo tempo nas usinas, fiscais ou principalmente turmeiros, que são aqueles que formam as turmas para o trabalho nas usinas. Considera-se, assim, que entre 2005 e 2010 o município em questão recebeu forte presença migratória advinda do aliciamento pelo gato.

Estes sujeitos começam a despontar a partir do mês de abril e maio, época em que se inicia a colheita da cana, não vindo antes por não se adequarem ao plantio, considerando este pouco rentável. Por isso são também chamados de safristas, pois em meados de novembro e dezembro eles retornam para seus locais de origem, mantendo-se neste constante ir e vir, dividindo-se em tempo e espaço migratórios.

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Apesar de termos entrevistado trabalhadores na faixa dos 19 até 51 anos, entendemos que a faixa etária predominante destes trabalhadores é dos 18 aos 30 anos, sendo na imensa maioria homens solteiros, embora também haja presença de mulheres e de casais.

Ao investigarmos os reais condicionamentos e motivações que levam estes trabalhadores para o eito, pudemos identificar algumas questões referentes à sua própria origem como viventes nas áreas rurais de municípios no interior de alguns estados do Nordeste, em especial a Bahia, quando falamos em Emilianópolis, e Minas Gerais ao citarmos Presidente Venceslau.

Entretanto, nos chamou atenção não apenas a questão da dificuldade de permanência na terra, como também a expectativa de poder vender sua força de trabalho nas regiões de origem, como um agravante que os leva a estes deslocamentos.

Discussão

Nos últimos anos têm crescido a área plantada com cana-de-açúcar nos canaviais do Pontal do Paranapanema, podendo se afirmar na substituição de culturas de subsistência e até mesmo de um eixo de deslocamento da pecuária, que prevalecia na região até alguns anos atrás, mas que tem perdido espaço na última década.

Historicamente o Pontal do Paranapanema é recheado de conflitos históricos, a começar pela forte presença de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), devido ao fato desta região ser alvo constante de disputas pela terra devido ao grande número de terras griladas consideradas devolutas,gerando conflitos entre o grande latifúndio capitaneado pela UDR (União Democrática Ruralista).

Neste intenso caldeirão de conflitos tem se notado uma associação entre o latifúndio grilado e o capital usineiro nesta região, dado o fato de as terras da região estarem sendo arrendadas ou mesmo compradas pelo capital usineiro para o plantio da cana ampliando assim a área plantada na região e favorecendo também a instalação de novos grupos usineiros na região, como os grupos UMOE/Biofuel e ETH/Odebrecht.

Entretanto acompanhando os reflexos do setor a nível nacional nos últimos anos, deve se notar para o fato de estar havendo mesmo é um processo de concentração e centralização do capital agroindustrial canavieiro no Pontal do Paranapanema, com o fechamento de usinas e a compra destas por outros grupos que tem se reterritorializado na região, advindos não apenas do Nordeste do país, mas também devendo se notar a presença de capital estrangeiro, alterando assim o ‘jogo de disputas’ no Pontal do Paranapanema.

Nos últimos anos,tem havido a desterritorialização e reterritorialização do capital usineiro,sendo que entendemos territorialidade a partir da perspectiva de Haesbaert (2004) consistindo essas em relações de poder, podendo ser manipulado e modificado estrategicamente, o que promove também um intenso processo de desterritorialização e reterritorialização perversa do trabalho. (OLIVEIRA, 2009).

Ultimamente, têm se acompanhado o cenário desolador criado em torno da crise do setor que atingiu em cheio os grupos instalados no Pontal do Paranapanema e na Alta Paulista ambas na 10a R.A, principalmente os grupos considerados pequenos como a Decasa S/A e Alvorada do Oeste Ltda, que veem-se em situação adversa com

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fechamento de usinas, venda da cana para a moagem por outro grupo,demissões em massa de trabalhadores, baixa mecanização de sua produção, greves trabalhistas geradas por falta de pagamento e outros acertos que deveriam ser feitos por estes grupos.

Aproximadamente 20% das usinas de cana do Centro-Sul ou fecharam as portas ou estão mudado de proprietário. Nos últimos três anos cerca de 60 unidades agroindustriais canavieiras, produtoras de açúcar e etanol, das 330 que processam 90% de toda a cana do país, deverão interromper suas atividades, de acordo com reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 18 de fevereiro de 2013. As previsões da UNICA para a safra 2013/2014 refletem o fechamento de pelo menos dez unidades que deixaram de processar por dificuldades financeiras.

Haja vista boa parte destes grupos ameaçados de fechamento estão em processo de recuperação judicial, destacando a Usina Floralco, do município de Flórida Paulista, que está em recuperação judicial desde 2010, e que decidiu encerrar suas atividades em dezembro de 2012, deixando cerca de dois mil trabalhadores sem receber o último salário e a segunda parcela do décimo terceiro, além de não depositar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Em 2012 segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o setor agroindustrial canavieiro eliminou mais de 18 mil postos de trabalho.Outros grupos envolvidos na crise a serem considerados,fazem parte do recorte de nossa pesquisa a citar os grupos instalados nos municípios de Santo Anastácio no caso a Usina Alvorada do Oeste Ltda, e em Caiuá a Decasa Açúcar e Álcool S/A, que nos últimos anos além de estarem envolvidos com a crise do setor tem sido alvo de ações do Ministério Público do Trabalho, por conta dos constantes atrasos nos pagamentos de seus trabalhadores, situação agravada em dezembro de 2012, quando ambos os grupos se negaram a pagar direitos dos trabalhadores.

Nesse sentido pudemos comprovar em pesquisa de campo, que estes grupos em estágio falimentar são os que mais se fazem notar a permanência da prática do corte manual ao contrário de grupos mais mecanizados como a ETH e a UMOE, estes grupos falimentares se utilizam principalmente da mão de obra de trabalhadores que se deslocam para os canaviais paulistas, num fluxo que existe a várias décadas e que se faz mister notar durante todo o processo de desenvolvimento do CAI canavieiro muito devido as próprias (re)arrumações promovidas pelo capital.

Considerações Finais

O que tentamos entender até aqui continua a pulular em nossas reflexões, pois é um debate inconcluso em que estamos acompanhando, neste sentido não apenas do ponto de vista da simples relação pesquisa e apreensão da dinâmica migratória no Pontal, mas acima de tudo da própria esfera de realização do trabalho que temos chamado ao debate neste momento.

Sabemos, de nossa dificuldade neste momento de poder apreender e para além disso postular e materializar resultados que sejam conclusivos mas sobre o que vimos até este momento nos indica que apesar da invisibilização, da descaracterização e da falácia do discurso do agronegócio capitalista, podemos sim considerar o trabalhador migrante não apenas como sujeito que sofre estas ações, mas também como sujeito que cria e traça estratégias mesmo que permeadas pelas (re) arrumações do capital.Assim, este é

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um processo que temos investigado nas migrações para o Pontal do Paranapanema, região que é palco de tantos conflitos e a dinâmica geográfica o trabalho sob o crivo das migrações não passa desapercebida, como mais uma das faces deste intenso nó que tentamos desatar. Assim, o migrante é parte desta engrenagem na compreensão dos processos engendrados pelo capital e as formas de atuação deste.

Enfim, até este momento apesar das inconclusões e também da dificuldade de se apreender um processo que é duplo apenas por uma de suas faces, que são os locais de destino dos migrantes, faltando uma melhor compreensão dos locais de origem, mesmo assim não nos sentimos desestimulados e muito menos descredenciados para realizar este debate, assim continuamos nossas investigações fortalecidos sobretudo, pelas nossos debates realizados no âmbito do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) com outros pesquisadores.

Referências

HAESBAERT, Rogério da Costa. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 395 pág.

MARTINS, J.S. A Sociedade vista do abismo. Petrópolis: Vozes, 2002.

OLIVEIRA, Ana Maria Soares. Reordenamento territorial e produtivo do agronegócio canavieiro no Brasil e os desdobramentos para o trabalho. 2009. 566f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.

SINGER, Paul. Migrações Internas: Considerações teóricas sobre o seu estudo. In: Economia Política da Urbanização. 6. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1977. p. 29-60.

THOMAZ JUNIOR, Antonio. A Dinâmica Geográfica do Trabalho no Século XXI.( Limites explicativos, autocrítica e desafios teóricos). 997 pág. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009.

____________. Sinal dos tempos do Capital: Irreformabilidade e Emancipação! In: Geografia e Trabalho no Século XXI. ALVES, J., PONTE, K. F.; THOMAZ JUNIOR, A. (Orgs.). Presidente Prudente: Editorial Centelha, 2011.

____________. A Nova Face do Conflito pela Posse da Terra no Pontal do Paranapanema (SP): Estratégia de Classe do Latifúndio e do Capital Agroindustrial Canavieiro. In: Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. V.2. ANTUNES, R. (Org.). São Paulo: Boitempo, 2013.

THOMAZ JUNIOR, A.; LEAL, A. C.; GUIMARÃES, R. B.; LUCHIARI, A. Conflitos Territoriais, Relações de Trabalho e Saúde Ambiental no Agrohidronegócio Canavieiro no Pontal do Paranapanema (SP). Scripta Nova - REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES - Vol. XVI, nº 418 (30), noviembre de 2012. Universidad de Barcelona. Depósito Legal: B. 21.74.[Nueva serie de Geo Crítica. ISSN: 1138-9788. Cuadernos Críticos de Geografía Humana] http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-418/sn-418.htm

Outras fontes

SÃO PAULO,O Estado de São Paulo.Crise ameaça usinas do país. Edição de 18

de fevereiro de 2013.

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O CONTEXTO DA PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA NO ASSENTAMENTO GUARANI – SANDOVALINA/SP1

Diógenes Rabello/FCT-UNESP2

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1. INTRODUÇÃO

O estudo aqui apresentado surge a partir das discussões suscitadas pelo desdobramento das atividades promovidas no âmbito do Projeto "Práticas Agroecológicas no Pontal do Paranapanema", coordenado pelo professor Antonio Thomaz Junior, com financiamento do Edital 58 MDA/CNPq, que possui um recorte espacial de pesquisa mais amplo, englobando outros três Assentamentos (Margarida Alves, Paulo Freire e São Bento), todos no município de Mirante do Paranapanema/SP. Este trabalho de pesquisa teve como objetivo central identificar os elementos que se apresentam como empecilhos para a prática da produção agroecológica para as famílias do Assentamento Guarani, que se localiza no município de Sandovalina, no Pontal do Paranapanema, no Oeste do estado de São Paulo. Propomos-nos ainda identificar as formas de uso e exploração da terra e da água; identificar as atividades agroecológicas desenvolvidas ou ainda em desenvolvimento neste Assentamento, associadas às condições de trabalho das famílias. Nossa pesquisa estrutura-se em via de mão-dupla, em ações que contemplam a dimensão formativa, que é levada aos assentados através da realização das oficinas, bem como Trabalhos de Campo e entrevistas. Esse exercício concreto de práxis – unificação entre teoria e prática nos forneceu as indicações necessárias para entendermos e dimensionarmos os desafios e organizar as ações de pesquisa que constavam no Plano de Trabalho. Assim, as três ações básicas: Instrução/formação teórica sobre o tema, que nos permitiu identificar as correntes teóricas que viriam a ser nossa referência; trabalhos de campo nos Assentamentos, que também nos ajudou a agregar pessoas que contribuíram para na articulação com as demais famílias e lideranças dos movimentos sociais locais; e a realização das oficinas que também redefinidas das necessidades e anseios dos assentados/camponeses. 2. AS PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS EM UM AMBIENTE NÃO-AGROECOLÓGICO. O Município de Sandovalina surge a partir do desenvolvimento das atividades agrícolas, com destaque para o algodão, quando as famílias começaram a se fixar naquele ponto, com isso o comercio do povoado começou a se desenvolver e com isso foi crescendo, e, o então dono das terras, Antonio Sandoval Neto vendo que o local possuía potencial para se tornar uma cidade loteou uma área em torno do povoado, e começou a vendê-las a prestação. Sentindo o avanço no desenvolvimento do povoado os moradores reivindicaram a criação do distrito de Paz de Sandovalina,

1 Eixo Temático: Geografia Rural e Geografia Agrária. 2 Graduando do curso de Geografia da FCT/Unesp. Membro de Centro de Estudos de Geografia do

Trabalho – CEGeT. Colaborador no Núcleo de Pesquisas em Estudos Agrários, Território e Trabalho -

NUPEAT. Participante do Projeto Práticas Agroecológicas no Pontal do Paranapanema (SP), financiado

pelo CNPq, referente ao Edital nº 58/2010. Bolsista Curso de Especialização em Desenvolvimento

Territorial, Trabalho, Educação do Campo e Saberes Agroecológicos (UNESP/PRONERA/CNPq com os

Movimentos Sociais do Campo).

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criado no Município de Presidente Bernardes, com sede e povoado de igual nome e com território desmembrado do Distrito de Nova Pátria pelo Decreto nº 2.456 de 30 de dezembro de 1953, posto em execução em 01 de janeiro de 1954 (SANDOVALINA, 2012). A vila foi elevada a município, com sede na própria vila, pela Comissão Administrativa do Estado, presidida pelo Deputado Leônidas Camarinho, pela Lei nº 5.121 de 31 de dezembro de 1958, regulamentada pela Lei nº 5.285 de 18 de fevereiro de 1959, instalando-se o Município em 01 de janeiro de 1960. O município de Sandovalina sedia instalações de grande porte, uma empresa do segmento agroindustrial canavieiro (Omoe Bioenergy S.A.) e a Usina Hidrelétrica Taquaruçu, instalada no Rio Paranapanema, que margeia o município. Essas empresas contribuem para que a arrecadação do município seja grande, se analisamos olhando para o número de habitantes do município. O município ainda abriga dois assentamentos rurais, sendo eles o Assentamento Bom Pastor, com criação em 1997, que tem cerca de 130 famílias, e o Assentamento Guarani. A mobilização dos camponeses da época a fim de reivindicar a reforma agrária no município, como afirma Feliciano (2009), começou justamente nas ocupações das fazendas São Domingos I e II e Santa Irene, no ano de 1996. Naquele ano, cerca de 230 famílias ocuparam a fazenda e depois montaram o acampamento Chico Mendes, à margem da estrada que liga a Usina Hidrelétrica Taquaruçu a Sandovalina. Inúmeras foram as ocupações de terra nas fazendas do município, sempre repelidas com ações violentas por parte dos fazendeiros-grileiros, e da Polícia Militar. Os camponeses reivindicavam junto ao INCRA as vistorias para ação de desapropriação das terras, sendo que, quando notificados sobre a improdutividade, os fazendeiros se mobilizavam e se defendiam sob o dispositivo jurídico da suspensão da desapropriação que, via de regra, alcançaram êxito, pois em seguida passaram a ser consideradas produtivas. (THOMAZ JUNIOR, 2009). Os acampados juntaram-se aos integrantes de outro acampamento no município de Mirante do Paranapanema, que passou a somar 210 famílias e formou o Acampamento Conquista, e a partir daí começaram a reivindicar também a fazenda Guarani. Após inúmeros episódios de repressão e intimidação à bala, por parte dos seguranças da Fazenda Guarani, a mesma foi negociada pelo ITESP, e em 2001 transformada em Assentamento Rural. O Assentamento Guarani tem hoje 68 famílias. Sua configuração territorial nos chama a atenção por estar disposto espacialmente de forma a “abraçar” a área urbana do município. A maioria dos assentados que ali vivem, mantém uma relação direta com a cidade de Sandovalina, que se caracterizam por serem relações de aspectos socais, vínculos empregatícios, atendimento médico etc. Outro aspecto a destacar é que número de assentados que trabalham na empresa Umoe Bioenergy S.A., percebemos assim as estratégias do capital em captar a mão de obra do campo para suas atividades. A maioria das abordagens teóricas sobre a Agroecologia converge para a reflexão de que este modelo representa uma ruptura paradigmática, cujas pretensões são minimizar, ou erradicar o uso de insumos químicos, para assim frear a degradação ambiental. Há, também, uma preocupação em relação a questões como a ecologia, a produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, além de considerar o aspecto cultural envolvido no que tange a produção agroecológica. Outro aspecto interessante que a Agroecologia abrange é a valorização dos saberes-fazeres dos povos tradicionais, adquiridos historicamente, em contato diretamente com o natural, e que são passados de geração em geração, em uma relação que caracteriza genuinamente o camponês.

A Agroecologia surge neste contexto propondo uma nova forma de agricultura, que não se reduz apenas na modificação das bases técnicas, mas que englobe também a busca de melhorias na

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qualidade de vida da população do campo, fazendo com que esta se integre novamente a sociedade como componente participante e atuante na construção de uma sociedade melhor e mais justa (CAMPOS, 2006, p. 06).

Podemos verificar no Assentamento Guarani, que muitos são os elementos que se configuram como empecilhos para uma agricultura de base agroecológica. A começar pela expansão das áreas de cultivo da cana-de-açúcar, quando observamos que estas se fazem de tal forma a estabelecer seus limites cada vez mais próximos das pequenas propriedades. Enxergamos desta forma, que os assentados veem as possibilidades de cultivo barradas, uma vez que nestas plantações de cana-de-açúcar faz-se o uso ou aplicação de agrotóxicos via aérea. Muitos dos trabalhadores relatam a dificuldade em desenvolver algumas atividades como, por exemplo, horticultura, fruticultura, apicultura e sericicultura. As queixas nos levam a entender que os problemas foram se agravando nos últimos cinco anos, quando se intensificaram as atividades dos grupos agroindustriais canavieiros Umoe Bioenergy S.A.; e ETH/Odebrechet, esse, pois, com mais contundência nos municípios de Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha Paulista. Outro aspecto que nos chama atenção é quando nos propomos a discutir o contexto da Agroecologia no Assentamento Guarani, é o fato de que há uma grande quantidade de famílias que estão vinculadas à UMOE. Desta forma, no nosso entendimento, há um fator prejudicial para o desenvolvimento das atividades nos lotes, pois esses trabalhadores despendem de oito a dez horas por dia trabalhando nas atividades do grupo agroindustrial canavieiro, restando pouco tempo hábil para manter ritmo que trabalho que lhe permita praticar atividades em seu lote. É possível perceber ainda que uma parte considerável das famílias do Assentamento Guarani é constituída por funcionários públicos, aposentados, trabalhadores urbanos, o que nos permite entender tratar-se de um lugar de moradia para essas pessoas, pois sua fonte de sustento principal advém de atividades laborais fora do lote, e não do trabalho na terra. A maioria das famílias assentados praticam agricultura convencional, neste ponto, percebemos que grande parte está ligada a produção de leite, e como segunda atividade os assentados estão produzindo alimentos para os programas de compra institucionais do governo, vendendo alimentos como abóbora, feijão, milho, mandioca e hortaliças. O acesso por parte dos assentados a programas de compra institucional de alimentos, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e, mais recentemente, o PPAIS (Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social), mesmo com entraves e agravantes de cunho burocrático e político, está aumentando a diversidade e a quantidade da produção, assim como a maior participação da família no trabalho do lote (LEAL, 2013). Assim podemos dizer que o PAA, principalmente, tem se estabelecido como uma ferramenta de reprodução do campesinato, e que permite que o mesmo se insira como a produção de base agroecológica ou orgânica, ou ainda em transição, todavia, é importante destacar que a maior parte das famílias ainda produzem com base nas práticas convencionais. (THOMAZ JUNIOR, 2012; 2013). 3. CONCLUSÕES

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Embora os princípios e práticas agroecológicas já sejam de conhecimento dos camponeses, pois sabemos que a Agroecologia é uma construção histórica, intrínseca à cultura e aos saberes tradicionais das comunidades, propor um novo modelo de produção requer muito trabalho de formação, trocas de aprendizados e conscientização, levando em conta que cada assentado desenvolve suas atividades agrícolas pautadas nos modelos convencionais. Podemos verificar que uma produção agroecológica permite que o camponês esteja territorializado, uma vez que permite sua reprodução social combinada com a uma produção de alimentos mais saudáveis, além de estar resgatando e reafirmando os saberes-fazeres que trazem consigo durante o passar das gerações. Defendemos que o modelo agroecológico de produção familiar ainda pode ser uma alternativa para aqueles que ainda esperam por seu pedaço de terra, introduzindo desta forma, uma base teórica de conhecimentos sobre esse modelo de produção agrícola para que ao tornar-se dono de sua terra, o camponês/agricultor familiar possa fundamentar-se nos princípios e bases da Agroecologia. Referências

CAMPOS, Alessandra Bernardes Faria, Agroecologia: Uma alternativa para a agricultura familiar. Universidade Federal de Viçosa, 2006.

FELICIANO, C. A. Território em Disputa: terras (re)tomadas no Pontal do Paranapanema.: Estado, propriedade da terra e luta de classes. Tese, 2009. USP.

LEAL, S. C. T. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a disputa territorial em torno da luta pela/na terra no Pontal do Paranapanema – SP. Relatório parcial FAPESP – Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo. Presidente Prudente, 2013. SANDOVALINA, P. M. de. Disponível em: http://www.sandovalina.sp.gov.br/ Acesso em 04/12/2012).

THOMAZ JUNIOR, A. Dinâmica geográfica do trabalho no século XXI. (Limites explicativos, autocrítica e desafios teóricos). 997p. Tese (Livre Docência) -

Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009.

________. Degradação e Centralidade do Trabalho (As Contradições da Relação Capital x Trabalho e o Movimento Territorial de Classe). In: II Reunión del Grupo

de Trabajo Desarrollo Rural: disputas territoriales, campesinos y decolonialidad, da CLCASO. Cidade do México, 2012.

________. A Nova Face do Conflito pela Posse da Terra no Pontal do Paranapanema (SP): Estratégia de Classe do Latifúndio e do Capital Agroindustrial Canavieiro. In: Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. V.2.

ANTUNES, R. (Org.). São Paulo: Boitempo, 2013. pp.325-340.

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O DESENHO URBANO E SUAS INTERFERÊNCIAS ESPACIAIS NA QUALIDADE AMBIENTAL URBANA NA CIDADE DE JALES/SP1

Renan Gomes Moretti2 FCT/UNESP

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INTRODUÇÃO

A imagem da cidade, o desenho urbano e a percepção de seus usuários, o surgimento e produção do espaço urbano, dentre outros fatores, cumprem um papel de grande importância no seu desenvolvimento, refletindo na qualidade ambiental urbana de uma cidade e consequentemente na qualidade de vida da população.

Neste contexto, o surgimento dos primeiros sinais de divergências entre o espaço e suas relações territoriais, em confronto com interesses políticos, financeiros e sociais, a Geografia se preocupou e vem contribuindo para que os processos de criação e organização do espaço construído sejam da melhor forma possível e que seja coerente com as realidades.

Desde o final do século XIX, quando a sociedade mundial tornou-se essencialmente urbana, no período pós-revolução industrial, a geografia adotou diretrizes quanto ao urbanismo e aos princípios do desenho urbano, levando em consideração a morfologia e aspectos físicos da cidade, juntamente com as características históricas, sociais e o contexto político e econômico do território.

Nesta perspectiva, a presente pesquisa mostra a relação entre o desenho urbano e seus elementos e o reflexo na qualidade de vida da população na cidade de Jales/SP, contudo, olhando para o cidadão como um ser influenciado pelo desenho urbano, abrangendo a percepção do indivíduo, na compreensão da cidade pelo seu usuário e como um ser influenciado pelas características urbanas.

Para Lynch (1997) o morador da cidade descobre sua vida habitual através dos seus padrões de ruas, caminhos, praças, parques, áreas de comércio, áreas residenciais. Dessa forma, as insatisfações com a baixa qualidade do ambiente em diversos centros urbanos fez com que gestores readquiriram abordagens humanistas envolvendo fatos urbano-arquitetônicos, procurando novas abordagens para as relações do homem em seu meio para que essa seja satisfatória.

Assim, apresentamos o estudo desenvolvido no recorte territorial do centro urbano da cidade de Jales/SP.

DESENHO URBANO, PERCEPÇÃO AMBIENTAL E QUALIDADE AMBIENTAL URBANA

De maneira geral, o Desenho Urbano envolve a aparência, a disposição e a funcionalidade da cidade, ligado aos estudos do planejamento urbano, arquitetura paisagística e urbanismo, estabelecendo essa interdisciplinaridade.

Kevin Lynch, urbanista americano destaca:

“O desenho Urbano é a arte de criar possibilidades para o uso, gerenciamento e forma de assentamentos ou de suas partes significativas. Ele lida com padrões no tempo e no espaço, tendo sua justificativa na

1 Eixo Temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde2 Bolsista de Iniciação Científica/CNPq

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experiência cotidiana humana destes padrões. Não lida exclusivamente com coisas grandes, mas também com políticas para coisas menores, como árvores, bancos de praça ou o sentar em pórticos e entrada – quaisquer aspectos que afetem a performance do assentamento . O desenho das cidades se preocupa com objetos, atividades humanas, instituições de gerenciamento e processos e transformações” (LYNCH, 1981, p. 290).

Da mesma forma, DEL RIO coloca que:

“Desenho Urbano é o campo disciplinar que trata da dimensão físico-ambiental da cidade enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistema de atividade que interagem com a população através de suas vivências, percepções e ações cotidianas”. (DEL RIO, 1990, p. 54).

De fato, o desenho urbano busca a associação do espaço para atender as atividades, como também definir a forma urbana para que haja um diálogo entre estética e significação. É o reconhecimento da imagem da percepção no inconsciente do cidadão que usufrui do ambiente mais agradável e de qualidade. (MENEGUETTI, 2001)

O inverso disso gera o repúdio às áreas não agradáveis, aquelas que apresentam fatores negativos na qualidade ambiental urbana, onde a população identifica e evita os mesmos.

Os estudos de percepção do ambiente foi desenvolvido primeiramente por Guifford (1987), segundo este autor, é a maneira de integrar informações a respeito da cognição ambiental, no qual ocorre um julgamento pessoal, podendo variar conforme as características do ambiente e do observador.

Yi-fu Tuan nos explica a respeito da percepção do espaço urbano e afirma que este é um tema que merece destaque na Geografia, pois, de certa forma, a percepção dos habitantes de uma cidade reflete nos problemas sociais urbanos, atitudes e na vivência da população. O mesmo autor afirma que o estilo de vida de um grupo é a junção de suas atividades econômicas e sociais em um dado espaço em um determinado tempo, gerando padrões espaciais (formas arquitetônicas e ambientes materiais) que posteriormente irão refletir no padrão das atividades do grupo. (TUAN, 1980)

Embora também esteja muito presente em estudos na Arquitetura, a percepção para a Geografia evidencia o estudo da paisagem e do espaço vivido pelo homem, pois este se tornou um componente da qualidade de vida e pela questão da sobrevivência neste ambiente. (OLIVEIRA, 2002).

Á respeito da Qualidade Ambiental Urbana (QAU), esta por sua vez se tornou uma preocupação aos profissionais e gestores ligados ao urbano e ao meio ambiente, devido à crescente e rápida urbanização, pois o avanço das cidades sem planejamento adequado, intensificação das ações antrópicas, tem contribuído em uma maior deterioração do espaço urbano e diminuição da qualidade ambiental com diversos efeitos negativos no meio ambiente (LOMBARDO, 1985).

Para a análise dos indicadores ambientais urbanos neste trabalho, utilizou-se da metodologia proposta por NUCCI (1996), considerando-se: pontos de poluição potencial, ausência de vegetação, densidade de edificações, densidade populacional, pontos de enchentes e também sobre ilhas de calor, qualidade das calçadas e revitalizações feitas no espaço urbano da cidade. Os resultados apontam os atributos negativos, regulares e positivos percebidos pela população.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como nos ressalta Borges (2004) as cidades perderam muito da sua identidade com o crescimento desordenado, não se vê mais a tranquilidade, a singularidade, o aconchego, pois, centros urbanos hoje são lugares de passagem, são lugares que não agradam, diferente de antigamente onde a vida cotidiana se dava nas principais ruas e avenidas.

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Atualmente, o centro urbano é um local vendido pelo citymarketing, tomado pelo comércio que, junto com a preocupação do urbanismo, busca-se alargar avenidas para adequar ao tráfego crescente ou criar vias alternativas para desviá-lo, tornando-o cada vez mais rápido. O centro hoje é um local de passagem, não de permanência, a não ser para os devidos fins comerciais, mas que, com o stress urbano, ilhas de calor entre outros problemas, impedem o bem estar no centro para a população e a cidade de Jales não foi diferente disso.

O estudo realizado teve como principal objetivo analisar a QAU de Jales, a partir da percepção da população, podendo este ser aplicado como instrumento no qual a administração municipal pode auxiliar no planejamento e gestão na cidade.

Para tanto, utilizou-se da metodologia proposta por Borja (1997), cuja avaliação da QAU se da através dos métodos subjetivos de avaliação, na perspectiva de quem utiliza o espaço central diariamente, por meio da pesquisa participante, através de um questionário previamente elaborado aplicado em trabalho de campo.

O recorte territorial para o estudo foi a área central, abrangendo também as duas principais avenidas centrais, onde o fluxo populacional e de serviços é maior. Ao longo do trabalho de campo buscou-se entrevistar pessoas que vivenciam o lugar diariamente.

A partir do questionário aplicado e feitos os devidos cálculos de porcentagem chegamos a seguinte conclusão: diante dos fatores considerados neste trabalho de qualidade ambiental urbana, citados anteriormente, elaborou-se o gráfico de percepção ambiental urbana em Jales, como mostra a figura 1.

Figura 1: Percepção da Qualidade Ambiental Urbana da cidade de Jales. ORG: Renan G. Moretti, 2013.

Dessa forma, observou-se que a percepção negativa da população de Jales direcionou-se por grau de importância, do maior para o menor, naquilo que mais lhe importa como qualidade ambiental urbana e consequênte qualidade de vida. O fator que apresentou maior percepção foi a ilha de calor no centro da cidade no qual grande parte dos entrevistados afirmaram sentir a diferença climática. Em segundo foi a arborização urbana, ou a falta dela no centro da cidade, sendo uma das fontes causadoras do primeiro item. Em terceiro foi a revitalização do centro na cidade (modificações no piso e corte de árvores na

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avenida central) culminando no aumento da temperatura superficial no centro da cidade. Em quarto foi os pontos de alagamentos, principalmente na Avenida João Amadeu, que causa uma percepção negativa não somente a quem vive perto e sim para toda a população. Em quinto foi a poluição nas avenidas e nas principais ruas do centro de Jales como um dos fatores negativos com menor percepção da população. Em sexto, sétimo e oitavo ficaram as características e condições das calçadas, a densidade populacional no centro e a densidade de edificações, respectivamente, como fatores menos percebidos pela população para a qualidade ambiental urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações antrópicas no ambiente natural geraram a criação de espaços urbanos com efeitos benéficos, porém com reflexos que afetam a qualidade ambiental que está intrinsecamente ligada à qualidade de vida dos citadinos. As modificações e o mal planejamento geram problemas que vão além do desconforto ambiental e estético e na maioria dos casos não são consideradas a natureza humana como quem usufrui o espaço.

Esta realidade desconsidera o verde urbano e o planejamento sustentável no qual os anseios da sociedade de mudança são pouco considerados, sendo a poluição, o desconforto térmico e a baixa qualidade ambiental urbana os reflexos da má gestão do território.

A metodologia aplicada nesse trabalho, com base na abordagem perceptiva, permitiu atingir os objetivos propostos inicialmente e junto a isso, a interdisciplinaridade entre a Geografia, Arquitetura e o Urbanismo permitiu um melhor entendimento do estudo que gira em torno do desenho urbano à qualidade de vida na cidade.

Na cidade de Jales, especificamente na área central, o resultado dos questionários de percepção apontou que a população vem sofrendo as conseqüências da falta de planejamento e gestão do território. O gráfico mostra os atributos negativos mais percebidos pela população, principalmente a ilhas de calor, devido aos materiais construtivos, inércia térmica e ação antrópica junto à baixa arborização. Outro problema identificado foi o descontentamento da população com a revitalização feita na avenida central com as devidas modificações que alteram o microclima local. Os atributos que menos foram percebidos e citados pela população correspondem à densidade populacional e de edificações, considerados, portanto de menor importância e pouco interferem na qualidade ambiental em Jales.

Por fim julgou-se que esta pesquisa contribuiu para caracterizar o universo de realidades do município e principalmente para identificar áreas prioritárias para o planejamento urbano com o propósito de prevenir problemas associados à qualidade ambiental urbana e na sua melhoria. De imediato, implantar a arborização adequada no quadrilátero central, assim como sua manutenção é de fundamental importância, amenizando os principais problemas identificados e percebidos, além dos inúmeros benefícios que proporciona e, por conseguinte amenizando os outros problemas identificados na cidade.

REFERÊNCIAS

BORGES, D. J. dos S. B. Análise da implantação do sistema de mobiliário urbano de Salvador. 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, FAAP, 2004.

BORJA, P C. Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana. Uma contribuição metodológica. Salvador. Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, 1997, Salvador. (Dissertação Mestrado em Arquitetura e Urbanismo).

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DEL RIO, V. Desenho Urbano no Processo de Planejamento. São Paulo: Pini, 1990.

GUIFFORD, R. Environmental Psychology: principles e practice. Massachusetts: Allyn and Bacon, 1987.

LOMBARDO, M. A. Qualidade Ambiental e Planejamento Urbano: considerações e métodos. 1995. Tese (Titulo de Livre Docência em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

LYNCH, K. A Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

LYNCH, K. “A Theory of Good City Form”, Cambridge MA: M. I. T. Press, p. 290, 1981.

MENEGUETTI, K. S. Desenho urbano e Qualidade de Vida. O caso de Maringá – PR. (Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Geografia, Análise regional e Ambiental, do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá). Maringá, 2001.(p.18)

NUCCI, J. C. Qualidade Ambiental e Adensamento Urbano: um estudo de planejamento da paisagem do distrito de Santa Cecília (MSP). 1996, 229p.Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

OLIVEIRA, L. de. A percepção da qualidade ambiental. In: Caderno de Geografia. Belo Horizonte: PUC, 2002, v. 12, nº.18.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: Um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.

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O GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS: DIAGNÓSTICO DE SANTO ANASTÁCIO

Bruna Dienifer Souza Sampaio

Graduanda em Geografia

Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista

Bolsista de Iniciação Científica- CNPq

E-mail: [email protected]

Antonio Cezar Leal

Professor da FCT-UNESP

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte da pesquisa realizada no município de Santo Anastácio (2012/2013), sobre o diagnóstico dos resíduos sólidos urbanos. A temática de resíduos ganhou destaque nas pesquisas acadêmicas e por parte da sociedade (o famoso “desenvolvimento sustentável” veiculado pela mídia), pois é um problema atual de grande relevância, em relação à saúde pública, ou seja, é um problema urbano que afeta o meio ambiente e a vida da população.

Diante essas questões, a pesquisa no município de Santo Anastácio-SP (localizado no extremo Oeste Paulista) visou diagnosticar a destinação dada aos resíduos sólidos urbanos, ou seja, como o tratamento desses resíduos acontece no município.

Para se realizar o diagnóstico foi utilizado como procedimentos metodológicos à coleta e análise de dados para conhecer as formas de geração, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos neste município considerado de pequeno porte, com 20.475 habitantes, segundo o Censo IBGE (2010). Também foi utilizada a proposta da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, para um diagnóstico pormenorizado da situação dos resíduos sólidos.

Com essa pesquisa foi possível averiguar a situação do local de destinação atual dos resíduos sólidos, assim como a forma das condições de vida das pessoas que trabalham com os materiais recicláveis na cidade, e o seu comércio. Porém, neste breve resumo expandido será enfatizado sobre como se deu esse diagnóstico, seu resultado e importância para as possíveis tomadas de ações com os vários setores da sociedade, e para com a gestão (por parte do poder público municipal) e o gerenciamento integrado dos resíduos no município.

O gerenciamento de resíduos sólidos é

Um conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos. (Lei 12.305/2010, inciso X).

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Pelo mesmo viés, a sua gestão integrada significa um “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para o tratamento desses materiais de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável” (Lei 12.305/2010).

O diagnóstico dos resíduos sólidos urbanos é essencial para a etapa do planejamento das ações, considerando que o tema envolve cada setor da sociedade, ou seja, envolve as questões políticas, econômicas e sociais, para solucionar esse grave problema.

Para Rodriguez (2002), o planejamento é um dos instrumentos mais importantes na tomada de decisão e implementação de ações, nas esferas sociais e econômicas. O autor, concebe “la Planificación Ambiental como um proceso indisolublemente ligado a cualquier tipo de toma de decisión em material social, económica y territorial.” Ele trabalha com os conceitos de gestão ambiental, política ambiental e planejamento.

La Planificación Ambiental, se ha ido considerando desde sus inicios como uma material fundamentalmente centrada em los fenómenos naturales (de índole ecológica y geográfica). Sin ebargo, cada vez más en los útimos años se acepta que la inclusión de la compleja problemática política, económica y social que atravesa la población debe ser el punto de partida para cuaquier planeación y gestión ambiental. (RODRIGUEZ, 2002, Introducción).

Deve-se articular a questão ambiental com as contradições da produção social do espaço, em que se tratando da questão do lixo urbano, analisar como se concretiza as ações de cada setor da sociedade, como por exemplo, o trabalho do catador de material reciclável, onde está localizado o aterro e quem mora nas áreas ao entorno. Todas essas questões evidenciam as contradições inerentes ao modelo de produção atual.

A partir dessas análises é possível, por parte da gestão pública municipal, adotar as devidas ações, como a implantação da coleta seletiva com a inclusão desses catadores que já fazem o trabalho (de forma precária) nas ruas do município, investir em educação ambiental nas escolas e para a população em geral.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O diagnóstico local é essencial na etapa do Planejamento, na qual é necessário descrever detalhadamente as alternativas utilizadas para a coleta e transporte dos diversos resíduos e a estimativa de participação de cada agente quanto aos volumes transportados no município, e também o índice de cobertura que a coleta atinge e os tipos de veículos utilizados, isso induz a uma análise pormenorizada da situação de todos os tipos de resíduos produzidos localmente.

A população de Santo Anastácio produz e destina ao aterro 356.400 kg por mês de resíduos domiciliar e comercial. Cada habitante da área urbana produz e destina ao aterro 0,720kg de resíduos por dia. Esses resíduos são dispostos em aterro em valas.

Figura 1: Mapa do município de Santo Anastácio com a localização das áreas de disposição final dos resíduos sólidos urbanos.

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Fonte: ArcGis online, adaptado por Sampaio B., em 2013.

O sistemas de valas é a forma de destinação final do lixo domiciliar orgânico do município, que consiste na abertura de uma vala onde o caminhão descarrega o lixo, e imediatamente é coberto por uma camada de terra ou material inerte (são materiais incapazes de provocarem reações químicas), em uma área cercada e restrita exclusivamente para esse fim (LIMA; CETESB).

O aterro em valas tem a preferência do poder público porque é um empreendimento de baixo custo, onde precisa apenas da área, uma máquina pá-carregadeira, esteira ou retroescavadeira, o operador de máquinas e o vigia. Este processo permite o licenciamento ambiental, com limite de até 10.000 kg/dia.

Porém, o aterro em sistema de valas do município já está no limite, os gestores responsáveis estão com pedido de ampliação para novas áreas ao entorno, observando que o terreno atual de disposição final dos resíduos é propriedade da prefeitura municipal.

Para Jacobi (2008 p.42) os aterros sanitários, mesmo recebendo a maior parte dos resíduos sólidos coletados na cidade, não possuem tratamento adequado para o “chorume”, líquido produzido pela decomposição dos materiais orgânicos que escorre do lixo, se infiltra no solo podendo atingir os lençóis d’água, emanando também alguns gases tóxicos. É necessário atenção a estes locais de deposição do lixo, pois é a população que contribui para a produção dos resíduos e ao serem descartado vão para o aterro ou lixões, sendo assim, um problema social.

Quando se trata sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos refere-se aos aspectos tecnológicos e operacionais, que envolve fatores administrativos, gerenciais, econômicos, ambientais e de desempenho, ou seja, a produtividade e qualidade (prevenção, redução, segregação, reutilização, acondicionamento, coleta, transporte, tratamento, destinação final).

A coleta do lixo (domiciliar e comercial) no centro da cidade é feita diariamente, nos bairros a coleta é feita três vezes por semana, todos os resíduos coletados são dispostos no aterro em valas. O município não possui coleta seletiva, porque ainda tem que ser aprovado o Plano de Coleta Seletiva, os responsáveis estão criando uma minuta de Lei.

Os resíduos de serviços de saúde (RSSS) são aqueles resultantes de atividades exercidas em hospitais e clínicas médicas para humanos e veterinários. O município coleta aproximadamente 800 kg/ mês de RSSS e são perigosos porque contêm germes patogênicos. Esses resíduos são coletados semanalmente pela empresa prestadora do

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serviço “Noroeste Ambiental”. Os resíduos RSSS do grupo A (risco biológico) e grupo E (perfurocortantes) são encaminhados para São José do Rio Preto onde passam pela incineração.

Figura 2 A; B: Áreas de despejo de Resíduos Volumosos, (A) entulho da Prefeitura dentro do perímetro urbano e (B) resíduos volumosos no lixão.

Fonte: Sampaio, B. em outubro de 2012.

Os resíduos de construção e demolição e resíduos volumosos são coletados pelos caçambeiros e dispostos em terreno da prefeitura não licenciado pela CETESB, por estar dentro do perímetro urbano.

Há pessoas que ainda joga lixo na área do antigo lixão (como os pneumáticos), isso se dá porque a comunidade localizada próxima às áreas de aterro e principalmente as pessoas da cidade, mesmo após a sua desativação, continuou jogando lixo nestes locais, por comodidade ou mesmo porque já se habituaram a isto, onde o espaço permanece em constante degradação (Mazzini, 1997, p.32).

Figura 3 A; B: Entulhos na área do antigo lixão, (B) com vista de dentro do terreno do morador.

Fonte: Sampaio, B, em janeiro de 2013.

No município também acontecem mutirões para o recolhimento de embalagens de agrotóxico, que são mandados para Paraguaçu. A cada três vezes por ano acontecem mutirões do lixo eletrônico. A prefeitura também armazena os pneumáticos e quando totaliza 1400 pneus são encaminhados para o eco ponto de Presidente Prudente.

Figura 4 A; B: Local de separação dos materiais coletados pelos trabalhadores/famílias.

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Fonte: Sampaio, B., 2012.

Em relação aos catadores e trabalhadores que coletam os materiais recicláveis foi elaborado um fluxograma para identificar o percurso desses materiais, para onde são encaminhados. E concluí-se que o município de Presidente Prudente é definido como polo de atração, pois os materiais são encaminhados para lá e, em seguida tomam outro rumo.

Fonte: Sampaio, B., 2013.

Com isso pode-se notar a importância dos resíduos sólidos para a complementação e geração de renda para essas famílias e a necessidade de elaboração de um programa de coleta seletiva para o município.

CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto é necessário o esclarecimento que, antes do município implantar o Programa de Coleta Seletiva, deve planejá-lo e não concebê-lo como uma ação isolada, mas dentro do Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, tendo-o como alternativa para a recuperação de materiais, associada à outra forma de tratamento (LIMA, p.119).

Em Santo Anastácio foi elaborado um Plano de Gerenciamento Integrado dos Resíduos Sólidos. A partir deste plano, foi possível a aquisição de verbas para construção do barracão – que segundo o responsável pelo serviço de limpeza urbana, será ao lado do aterro do município.

São necessárias ações urgentes, pois com a proliferação dos lixões e a continuidade de lançamento de esgotos sem tratamento, produz-se um quadro de alto potencial de contaminação das águas subterrâneas e superficiais em toda a UGRHI Pontal do Paranapanema (LEAL, 2000, p.148), no qual o município de Santo Anastácio se insere.

O município já possui o Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, com isso atende as regras para receber a verba do Ministério Público e CESP, para construção de um Barracão de Reciclagem (nota-se que deverá ser regularizado até 2014) para que os catadores possam trabalhar. No total, em Santo Anastácio, possui 150 pessoas cadastradas na prefeitura que catam materiais recicláveis na rua. Com a construção desse barracão (que será implantado próximo ao aterro) será possível a essas pessoas trabalharem de forma digna, seja por meio de associação ou cooperativa.

A coleta Seletiva tem previsão para funcionamento no segundo semestre desse ano (2013), até que o barracão fique pronto. São necessárias com urgência as medidas para aumentar a vida útil do aterro, vez que o mesmo já está no limite e precisa de ampliação.

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Toda a discussão feita sobre o Diagnóstico dos resíduos sólidos leva-nos à compreensão de que no processo de desenvolvimento local devem-se incluir todas as esferas da sociedade, por meio de incentivo às pesquisas acadêmicas sobre a temática dos resíduos, que servem como alicerce para o órgão público municipal elaborarem as estratégias para ações, junto à comunidade local, principalmente com divulgação do conhecimento e educação ambiental, promovendo ampla participação no processo.

REFERÊNCIAS

CETESB. Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/mudancasclimaticas/biogas/Aterro%20Sanit%C3%A1rio/21-Aterro%20Sanit%C3%A1rio>. Acesso em: 12 out 2012.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Dados Demográficos dos Municípios Brasileiros, 2000 e 2010. Disponível em: <http://www.ibge.com.br>. Acesso em: 15 set 2012.

JACOBI, Pedro. Cidade e Meio Ambiente: percepções e práticas em São Paulo. 3ª edição, São Paulo: Annablume Editora, 2008.

LEAL, A. C. Gestão das águas no Pontal do Paranapanema (tese) - São Paulo. Campinas, 2000. Tese, Instituto de Geociências – UNICAMP.

LIMA, José Dantas de. Gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil. João Pessoa: UFPB, 2001.

MAZZINI, Eliane de Jesus Teixeira. De lixo em lixo em Presidente Prudente (SP): novas áreas, velhos problemas. Monografia. Presidente Prudente: UNESP, 1997.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE; ICLEI- BRASIL. Planos de gestão de resíduos sólidos: manual de orientação. Curso básico de ensino a distância em Gestão de Resíduos Sólidos. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.iclei.org.br/residuos/wp-content/uploads/2012/03/ManualPlanosResSolidos_GeRes_final.pdf>. Acesso em: 26 fev 2013.

PLANO DE GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS DE SANTO ANASTÁCIO (PGIRSA), Santo Anastácio, SP, 2011.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Política Nacional de Resíduos Sólidos: Lei N° 12.305/2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 2 jan 2013.

RODRIGUEZ, José Manoel Mateo. Planificación Ambiental. La Habana, 2002.

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O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA) NO PONTAL DO PARANAPANEMA: POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS1

Sidney Cássio Todescato Leal/FCT-UNESP e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO2

Os recursos e inconstantes destinados a Agricultura Familiar são direcionados comumente por meio de Políticas Públicas que não consideram as diversidades territoriais, e na maioria dos casos impõem aos camponeses/assentados os esquemas protagonizados pelos atravessadores e os ditames do mercado, sem contar que não proporcionam apoio técnico efetivo no manejo e na colheita, inviabilizando e/ou encarecendo a produção. Todavia, o ganho diferencial está no fato de se manter enquanto produtor familiar, por contar com a força de trabalho da família; esse é, pois, o salto qualitativo da estrutura camponesa. Situação que no Pontal do Paranapanema não deixa de ser diferente.

De todo modo, com base nas experiências em curso, os camponeses continuam subordinados às grandes corporações agroquímico-alimentar-financeiras, em detrimento da priorização do mercado interno, das reais necessidades de consumo dos trabalhadores e da permanência da produção camponesa e da priorização da Reforma Agrária.

Nessa conjuntura, temos como objetivo apreender os desdobramentos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no Pontal do Paranapanema, ou a subordinação dos camponeses a ele, e as dificuldades enfrentadas para o atendimento do Programa, bem como a importância da produção de alimentos para a classe trabalhadora no Pontal.

O PAA, uma conquista dos movimentos sociais, foi instituído em 2003 pelo governo federal e tem como objetivo estimular e fortalecer a agricultura familiar através da aquisição da produção alimentícia e distribuição a entidades carentes como asilos, albergues, cozinhas comunitárias, restaurantes populares e a populações com insegurança alimentar. O Programa é “operacionalizado” pela Companhia Nacional de Abastecimento CONAB em parceria com estados e municípios com verbas destinadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).

Para acessar o PAA os camponeses/assentados tem que possuir a Declaração de

Aptidão ao Pronaf (DAP). Criada pela Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) a DAP é

utilizada como instrumento institucional ou como identificação do agricultor familiar para

acessar políticas públicas. Outra obrigatoriedade de acesso ao programa é que os

camponeses/assentados estejam organizados em grupos socias, ou seja, em cooperativas

ou associações que possuem CNPJ. O programa realiza as aquisições de alimentos por meio de cinco modalidades:

Compra com Doação Simultânea (CPR-Doação), Compra Direta da Agricultura Familiar (CDAF), Apoio a Formação de Estoque pela Agricultura Familiar (CPR-Estoque), Incentivo à Produção e Consumo de Leite e por último não menos importante e recente a modalidade Compra Institucional3. Dessas no Pontal do Paranapanema são acessadas, por enquanto, apenas duas a CPR-Doação e a CPR-Estoque, sendo que as associações que tivemos contato estão acessando o PAA somente por meio da CPR-Doação.

A CPR-Doação destina-se a aquisição de alimentos de camponeses/assentados organizados em grupos, associações ou cooperativas e destinados a entidades que compõem as redes de Proteção e Promoção Social que tenham programas e ações de

1 Geografia Agrária e Geografia Rural

2Esse resumo traz parte dos resultados preliminares do projeto de Pesquisa “O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a

Disputa Territorial em torno da Luta pela/na terra no Pontal do Paranapanema – SP” financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. 3 A modalidade Compra Institucional foi regulamentada pela Resolução nº 50, de 26 de Setembro de 2012

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acesso à alimentação. Já a CPR-Estoque destina-se a aquisição de alimentos de agricultores familiares e camponeses/assentados organizados em grupos, associações ou cooperativas e destinados a formação de estoques públicos de alimentos para posterior comercialização. Cada associado/fornecedor do PAA pode vender no ano pela CPR-Doação R$ 6.500,00 e pela Modalidade CPR-Estoque R$ 8.000,00, podendo acessar as modalidades simultaneamente.

Para apreender os desdobramentos da implementação do PAA no Pontal do Paranapanema realizamos levantamento bibliográfico, privilegiamos também textos e documentos publicados em periódicos eletrônicos para ampliar nossa discussão. Com o intuito, concomitante, de se obter informações e de se discutir com sujeitos que estão envolvidos com o tema proposto, utilizamos a metodologia da entrevista semi-estruturada. Ainda, padronizamos nossas entrevistas em semi-diretiva que segundo Colegenese e Mélo (1998, p.144) “[...] nela a formulação da maioria das perguntas é prevista com antecedência e sua localização é provisoriamente determinada. O entrevistador tem uma participação bem mais ativa em relação a entrevista não-diretiva, embora ele deve observar um roteiro mais ou menos preciso e ordenado de questões”.

Realizamos entrevistas com presidentes de associações e assentados/associados no Assentamento Gleba XV de Novembro, localizado entre o Município de Rosana-SP e Euclides da Cunha-SP e no Assentamento São Bento, localizado no município de Mirante do Paranapanema-SP (Figura 1) e também entrevistas com militantes de movimentos sociais. Ademais, buscamos informações secundárias em bancos de dados eletrônicos das instituições gestoras do PAA. Ainda, pretendemos realizar entrevistas no assentamento Margarida Alves localizado no Município de Mirante do Paranapanema (Figura 1) e entrevistas com representantes de entidades beneficiadas com a entrega dos gêneros alimentícios.

Figura 1: Localização dos Assentamentos no Pontal do Paranapanema Fonte: Adaptado de Thomaz Jr (2009)

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em 2011 o PAA, na Região Sudeste, atingiu 26.935 famílias de agricultores familiares e assentados, cadastrados, sendo 17.350 assentadas no Estado de São Paulo sendo que, destes, aproximadamente 1.814 no Pontal do Paranapanema, o que equivale a 10,34%. No ano de 2012 o número de famílias assentadas que acessaram o PAA, no Estado de São Paulo, praticamente dobrou passando para 30.619 sendo que 3.025 mil de assentados no Pontal o que equivalia 9,87 %.

Apesar do aumento do número de famílias vinculadas ao PAA, nos Assentamentos Gleba XV de Novembro e São Bento, ainda é expressivo aquelas que não obtém êxito devido às exigências, burocracias e ausência de associações com projetos voltados para o PAA e até mesmo por falta de divulgação do programa. No Assentamento Gleba XV de Novembro são apenas quatro associações envolvendo 130 famílias assentadas/associadas que estão entregando alimentos ao PAA, o que equivale a 4,3% do total. No Assentamento São Bento, por enquanto conseguimos constatar que apenas 19 famílias estão acessando o PAA. Segundo o coordenador do setor de produção do MST na região [...] falta instrumento, que seria associações ou cooperativas legalizadas para poder ter as famílias para acessar esse programa[...] (C.M.S)4

Apesar de poucas famílias assentadas estarem acessando o PAA, e o mesmo apresentar falhas na operacionalização que serão discutidas adiante, estamos apreendendo que como um instrumento de Política Pública está possibilitando que os assentados vendam o que estão produzindo nos lotes, e com isso incentivando o trabalho familiar e a diversificação da produção nos assentamentos. Conforme o coordenador do setor de produção do MST na região: [...] Hoje com essa questão do PAA e com as orientações do Setor de produção do MST a gente vê uma grande diversificação na área de produção [...] (C.M.S).

Nos assentamentos que estamos realizando a pesquisa os assentados estão dedicando maior importância para a produção de quintal e criando estratégias de produção diversificada de hortaliças, legumes, tubérculos, e frutas que produzem várias safras o ano inteiro, como a acerola, o maracujá, mamão entre outras. Le Moal (2013) em pesquisa realizada no Pontal do Paranapanema, sobre o PAA, nos assentamentos rurais, argumenta que:

Através do PAA eles conseguem, por exemplo, ampliar sua renda com produtos como frutas e legumes, antes pouco valorizados no lote. Com efeito, o programa conhece uma resposta rápida por parte dos agricultores, que reorientam sua produção para fornecimento de alimentos. (p.92)

Essa realidade somada às iniciativas dos movimentos sociais em divulgar os

programas nos assentamentos está incentivando os assentados que apresentavam algum receio a essas políticas de governo a estarem acessando os programas e se comprometendo com a produção de alimentos para atender as demandas do mercado institucional.

O PAA em nível nacional, no ano de 2012, atendeu 2.185 projetos da modalidade CPR-Doação, sendo 314 projetos do Estado de São Paulo, o que correspondeu ao repasse de R$ 57.517.310,91, advindos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Desses projetos, 83 eram do Pontal do Paranapanema, o que equivale aproximadamente 26,43% dos projetos. Nesse sentido, a arrecadação no Pontal do Paranapanema através da modalidade CPR-Doação foi de R$ 10.356.020,67. No Município de Mirante do Paranapanema onde estão localizados os Assentamentos Margarida Alves e São Bento, foram atendidos 25 projetos, o que equivale aproximadamente a 30% das CPRs-Doação do estado de São Paulo. Já em Rosana, onde está localizado o Assentamento

4 Entrevista concedida em 22 de Janeiro de 2013.

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Gleba XV de Novembro, foram atendidos cinco projetos, o que equivale a aproximadamente 6% das CPRs-Doação atendidas no estado.

As associações que acessaram o PAA, em Mirante do Paranapanema, arrecadaram no ano de 2012, pelas CPRs-Doação, cerca de R$ 2.609.180,14 e as associações do Município de Rosana, mesmo sendo apenas cinco R$ 632.968,33. Somadas as arrecadações tem-se R$ 3.242.148,47, que equivale aproximadamente 5,6% da verba de repasse do MDS por meio da CPR- Doação para o Estado de São Paulo. Entendemos que no Município de Mirante do Paranapanema o número de CPRs-Doação foi o maior no Pontal, porque detém o maior número de assentamentos do Estado de São Paulo. Segundo o DATALUTA (2011) tem-se 33 assentamentos e 1.025 famílias assentadas.

No Assentamento Gleba XV como supracitado existem quatro associações que estão vinculadas ao PAA: Organização das Mulheres Unidas do Setor II da Gleba XV (OMUS), Associação Agropecuária André Franco Montoro (AAAFM), Associação Regional de Cooperação Agrícola (ARCA) e Associação Agropecuária Vale Verde (AAVV).

Em 2011 a OMUS arrecadou cerca de R$ 160.740,00 do PAA, já em 2012 R$ 313.020,00. Esse aumento, de 2011 para 2012 pode ser explicado devido o número de associados também ter aumentado. Enquanto em 2011 a OMUS contava com 38 associados, em 2012 contava com 74. De 2011 a 2012 a OMUS vendeu para o PAA um montante de 294.000 Kg de alimentos arrecadando cerca de R$ 473.760,00.

No ano de 2011 a AAAFM arrecadou cerca de R$ 93.059,70, vendendo 54.741 Kg5 de bebida láctea, já em 2012 R$ 152.279, 20 e, vendendo 89.576 Kg. Segundo o tesoureiro a Associação tem capacidade para entregar às entidades cerca de 20.000 a 21.000 litros por mês de bebida láctea. A ARCA de 2011 a 2012 vendeu para o PAA um total de 123.748

Kg de alimentos, arrecadando cerca de R$ 116.908,00. A AAVV vendeu para o PAA

83.910Kg de alimentos no ano de 2012 e arrecadou cerca de R$ 88.830,00. No Assentamento São Bento constatamos que as famílias estão acessando o PAA

pela Associação dos Trabalhadores do Uni Pontal do Paranapanema Setor I (Uni Pontal) e pela Cooperativa dos Assentados da Região do Pontal do Paranapanema (Cocapar) que atende associados de diversos municípios do Pontal.

A Cocapar ano a ano acessa o PAA pelas modalidades CPR – Doação e CPR-Estoque, porém no ano de 2012 não acessou o PAA e para o ano de 2013, segundo cooperado entrevistado assentado no São Bento, a cooperativa quer voltar a acessar a modalidade CPR- Estoque e já enviou projetos para a modalidade CPR-Doação, e estão aguardando aprovação. Já a Uni Pontal no ano de 2012 vendeu para o PAA através da

CPR-Doação 28.549 Kg de alimentos arrecadando R$ 42.300,00.

Nessa seara, o que estamos apreendendo é que o PAA está sendo um importante instrumento de política pública, pois está possibilitando que os camponeses/assentados, vendam o que estão produzindo nos lotes e com isso está incentivando a diversificação da produção nos assentamentos e a manutenção dos responsáveis e da família nos lotes, diminuindo a necessidade de se assalariarem em outras ocupações, como no corte da cana-de-açúcar. Contudo, com limites e desafios na implementação. Podemos afirmar que em nossas pesquisas junto aos assentamentos, associações e através das entrevistas com seus presidentes e associados, e representantes dos movimentos sociais, já estamos colhendo informações que podem nos dar respaldo para discutir as possibilidades, já apresentadas acima, os limites e os desafios no âmbito do PAA.

Já estamos identificando as dificuldades de operacionalização por parte das associações para atender as demandas burocráticas do Programa, dos associados e de outros que querem se associar para acessarem o PAA. Nessa conjuntura, as associações estão operando no limite, não possui pessoal “capacitado” e não estão tendo condições estruturais para realizar a logística, incluindo o transporte dos alimentos dos lotes até os pontos de coleta nos assentamentos e, posteriormente até as entidades beneficiadas. Esta situação está sobrecarregando os presidentes das associações que acabam por se responsabilizarem por operações que deveriam receber apoio logístico, técnico e de recursos humanos por parte da Conab o que não está acontecendo. Assim, os presidentes

5 Unidade utilizada pela CONAB

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estão deixando suas atividades cotidianas para resolver tais implicações sem apoio por parte das instituições gestoras do Programa. Nesse sentido, as associações estão ficando dependentes e apesar de não receberem apoio necessitam do PAA. Se o Programa acaba amanhã as associações também acabam.

Outro limitante imposto pelo PAA aos camponeses/assentados é a questão da DAP. Para acessar o Programa, como supracitado, os assentados têm que possuir a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Um dos fatores que emperra a emissão da DAP é a renda, pois para a comprovarem os assentados têm que apresentar notas e/ou comprovantes fiscais do que foi vendido no ano anterior. Isso é um problema, pois os assentados não têm costume de emitir notas das suas operações de vendas. Outro problema é a omissão por parte alguns órgãos responsáveis pela emissão no Pontal do Paranapanema, como o INCRA e ITESP. Essa é uma situação que demonstra que no Pontal do Paranapanema, um número maior de assentados poderia estar acessando o PAA.

Outra limitação que estamos constatando nas entrevistas é sobre o teto permitido por venda para cada participante do programa através CPR-Doação. A CPR-Doação é a modalidade do PAA mais acessada pelos camponeses no Pontal do Paranapanema e permitia até o ano de 2012 que cada participante vendesse até R$ 4.500,00 reais por ano. Neste ano através do Decreto Nº 8.026, de 06 de Junho de 2013 cada associado, vinculado pode vender até R$ 6.500,00 pela modalidade. Contudo, Segundo o coordenador do Setor de Produção do MST, no Pontal do Paranapanema as famílias já tem capacidade para entregar R$ 10.000,00 reais por ano. Um adendo, no Plano Agrícola e Pecuário 2012/2013 o Estado previu destinar para a agricultura empresarial recursos da ordem de R$ 115,25 bilhões. Já para a agricultura familiar foram previstos, no Plano Safra da Agricultura Familiar 2012/2013, recursos na ordem de R$ 22,3 bilhões. Desses R$ 22,3 bilhões só foram disponibilizados R$18 bilhões. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não sabemos se podemos fazer considerações finais, mas temos certeza que já podemos fazer algumas considerações iniciais. Estamos apreendendo através dos resultados preliminares da pesquisa que o PAA no Pontal no Paranapanema está possibilitando que os camponeses/assentados vendam a produção de alimentos contribuindo com a segurança alimentar de entidades de apoio a populações carentes, dos povos pobres da cidade e populações em situação de insegurança alimentar, como acampados sem terras. Contudo, com limites na operacionalização e desafios para ampliação e consolidação do Programa. Nessa conjuntura, é que também estamos compreendendo quais estão sendo os desafios postos aos camponeses/assentados, as associações, aos representantes das entidades beneficiadas, aos movimentos sociais e aos sujeitos que estão de forma direta ou indireta participando de projetos que envolvem o PAA, bem como as estratégias/ou não que os mesmos estão utilizando para reivindicar que o Programa se torne uma Política Pública efetiva, estruturante e que atenda as reais necessidade da classe trabalhadora. REFERÊNCIAS COLOGNESE, SA; MELO, JL. A Técnica da Entrevista na Pesquisa Social. Porto Alegre: Cadernos de Sociologia, 1998. V. 9, p. 143-159 COMPANHIA Nacional de Abastecimento: Transparência Pública do PAA. Disponível em <http://www.conab.gov.br/detalhe.php?a=1296&t=2>. Aceso em 30/07/2013.

GUERRA, J. S. O Programa de Aquisição de Alimentos no Âmbito do Fome Zero: compensação ou emancipação?. 2010. 185p, Dissertação – Pontifícia Universidade Católica de Pelotas.

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HESPANHOL, R. A. M. Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) na Região de Dracena. Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Porto Alegre. Anais, 2009. p.1-18.

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LIMA, N. P. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e seu impacto no processo de desenvolvimento socio-produtivo de famílias assentadas: estudo de caso no assentamento 17 de abril – Restinga –SP. 2011. 67 p. Monografia - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP.

Plano Agrícola e Pecuário 2012/2013. Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/page100,8623,10806,0,0,1,1.bb?codigoNoticia=11829&codigoMenu=11721&codigoRet=11785&bread=8_3>. Acesso em: 01/05/2013.

Plano Safra 2012/2013 assegura valor recorde de R$ 22,3 bilhões para agricultura familiar. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=10191547>. Acesso em: 01/05/2013.

Plano Safra 2013/2014 é debatido em Brasília por Comissão de Agricultura em Brasília. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=12348190>. Acesso em: 01/05/2013.

OLIVEIRA, A. R. O associativismo na região do Pontal do Paranapanema-SP: limites e possibilidades para o desenvolvimento rural, 2010. 209 p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.

THOMAZ JUNIOR, A. Degradação e Centralidade do Trabalho (As Contradições da Relação Capital x Trabalho e o Movimento Territorial de Classe). Pegada, Presidente Prudente, V.13, N°2, 2012. p. 4-19

THOMAZ JUNIOR, A. Dinâmica geográfica do trabalho no século XXI. (Limites explicativos, autocrítica e desafios teóricos). 2009. 997 p. Tese (Livre Docência) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.

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O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE) NO MUNICÍPÍO DE PIRAPOZINHO/SP1

Marleide de Jesus da Silva Aristides Rosangela Aparecida de Medeiros Hespanhol

2

E-mail: [email protected] Aluna do Curso de Bacharelado em Geografia

Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente Bolsista Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

INTRODUÇÃO

A partir de meados da década de 1990 e, mais intensamente, no decorrer dos anos 2000, o Estado brasileiro adotou novas concepções com relação às políticas públicas direcionadas ao campo, e, sobretudo, incorporou a dimensão espacial do desenvolvimento rural, estruturada com base numa abordagem territorial. Nessa perspectiva, cada vez mais as diferenças regionais são vistas como um fator positivo, pois seria a partir delas que se formulariam políticas específicas para cada local ou região (HESPANHOL, 2010).

Essa mudança de enfoque permitiu que se considerasse o espaço rural a partir de vários elementos que não somente o agrícola, levando em conta os aspectos cultural, social, econômico e institucional de um dado espaço (HESPANHOL, 2010). Tal postura, aos poucos, criou no âmbito do MDA uma hibridação entre políticas setoriais e territoriais, apostando na multifuncionalidade e na multidimensionalidade dos espaços rurais brasileiros.

O conceito de território foi apreendido, nesse contexto, como meio para o planejamento a partir de diferentes escalas de ação, em que não sobressaísse a relação de poder exercida por um ou outro grupo sobre as classes sociais. Para Raffestin (1993) existem várias formas de poder que não somente aquela exercida pelo Estado, manifestadas nas múltiplas estratégias regionais ou locais. Assim, algumas políticas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) Infraestrutura e Serviços, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são claros exemplos de como o Estado, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, incorporou a perspectiva espacial com enfoque territorial nas políticas públicas direcionadas ao campo.

O PNAE, criado em 2003, é um programa de apoio ao agricultor familiar, vinculado ao Programa Fome Zero, do Governo Federal, resultado das preocupações do Estado em torno da segurança alimentar e nutricional no Brasil, datadas do Governo Lula. Nesse governo, com a reativação do Conselho de Segurança Alimentar (Consea) e a implantação do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), foi possível elaborar uma política que se preocupasse com a erradicação da fome e da miséria através de um conjunto de ações sociais voltadas para a segurança alimentar e a alimentação adequada, para o fortalecimento da agricultura familiar, para a criação de infraestrutura, para o acesso a empregos formais e à educação nutricional (TAKAGI, 2006). Assim, é possível observar que essa política entende a segurança alimentar do ponto de vista da promoção da equidade social, e não apenas o estabelecimento do acesso aos alimentos.

O PNAE tem como objetivo atender parcialmente3 as necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala de aula por meio da merenda escolar, bem como promover a formação de hábitos alimentares saudáveis (BRASIL, 2013). Tem como diretrizes básicas: o emprego de alimentação saudável e adequada; educação alimentar e nutricional no processo de ensino aprendizagem; universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; participação da comunidade no controle

1 Esse trabalho está inserido no Eixo Temático: Geografia Rural e Agrária.

2 Orientadora, Docente dos cursos de Graduação e Pós Graduação da FCT-Unesp – Campus de

Presidente Prudente e Líder do Grupo de Pesquisa GEDRA. 3 A alimentação escolar deve suprir, no mínimo, 30% das necessidades nutricionais dos alunos no

período escolar.

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social; apoio ao desenvolvimento sustentável; e o direito à alimentação escolar, visando garantir segurança alimentar e nutricional aos alunos (BRASIL, 2013).

A venda dos produtos destinados à merenda escolar é feita por agricultores familiares e empreendedores familiares rurais organizados em grupos formais (vinculados em associação ou cooperativa) e/ou informais.

Além de atender as demandas nutricionais e de segurança alimentar, o PNAE é também um importante instrumento de conquista dos agricultores familiares que, organizados em associação ou cooperativas, conseguem comercializar parte de seus produtos diretamente para as escolas, creches e instituições filantrópicas, podendo receber até R$ 20.000 reais por ano com a entrega dos produtos para o PNAE. Desse modo, os agricultores familiares que antes vendiam seus produtos sob a forma de licitações públicas ou levantamento de preços que não consideravam os critérios sociais (devido às políticas públicas existentes), como também através da ação dos intermediários, agora obtêm acesso a esse mercado institucional e escoam suas mercadorias para uma clientela fixa – as escolas -, podendo ainda complementar a sua renda mensal a partir da comercialização dos produtos em feiras livres e no comércio local (supermercados, sacolões e quitandas) e regional.

Dessa forma, o presente texto pretende discutir as especificidades dessa política pública, formulada em âmbito federal, e sua repercussão no cenário municipal de Pirapozinho, avaliando a sua relevância para a organização coletiva no meio rural.

Diante disso, os procedimentos metodológicos utilizados nesse trabalho foram pesquisa bibliográfica relacionada à temática, bem como a sua articulação com os dados disponibilizados pelos documentos oficiais do IBGE, LUPA/CATI e FNDE. Além disso, foram feitas entrevistas com o presidente da Associação dos Produtores Rurais do Município de Pirapozinho, com a presidente do Conselho de Alimentação Escolar e a Nutricionista da Cozinha Piloto de Pirapozinho. O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR EM PIRAPOZINHO/SP

O município de Pirapozinho está localizado na porção Oeste do Estado de São Paulo (figura 1), e ocupa uma área de 477,99 km². Sua população é de 24.694 habitantes, apresentando uma densidade demográfica de 51,49 habitantes/km² (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010).

De acordo com os dados do Projeto LUPA - Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo, de 2008, o município de Pirapozinho possui 445 propriedades rurais com 886 trabalhadores. Destas 445 propriedades, 328 tem área inferior a 50 hectares, o que corresponde a 73,7% das propriedades do município. Destas 328 a grande maioria é explorada principalmente com bovinocultura de leite e de corte. A agricultura familiar corresponde a 16,96% do número da população rural, ou seja, 430 agricultores familiares explorando 302 propriedades.

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Fonte: Elaborado pela autora.

Assim, a estrutura fundiária de Pirapozinho baseia-se em pequenas e médias

propriedades, onde se tem maior expressão as unidades de produção agropecuária com 0 a 50 hectares, em média. As unidades de produção agropecuária em Pirapozinho possuem, em sua maioria, o cultivo de culturas temporárias, ou seja, aquelas culturas de curta duração (menor que um ano) e que necessitam de um novo plantio após cada colheita. Além dessas culturas, a criação de gado para corte e leite, como também a cultura de eucaliptos são fortes. Mas a cultura mais importante no que tange à área produzida e ao número de unidades agropecuárias é a cultura de cana de açúcar, o que dificulta o estímulo à produção de alimentos, como se pode observar na tabela 1.

Tabela 1 – Principais Atividades Agrícolas do Município de Pirapozinho/SP

Principais explorações agrícolas

Área (em ha) Nº de Unidades de Produção

Agropecuária

Cana de açúcar 21.972,0 116

Eucalipto 224,4 102

Batata-doce 350,0 28

Horta 6,0 15

Coco da Baia 13,5 8

Fonte: LUPA/CATI, 2008.

Ainda que o município apresente uma estrutura fundiária muito voltada à produção

de monocultivos e pastagem, sendo a produção de alimentos pouco significativa, os dados

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referentes à alimentação escolar mostram que todos os alunos são atendidos pelo programa de alimentação escolar de forma satisfatória4.

O PNAE Escolar foi implantado em Pirapozinho em 1994, quando ocorreu a descentralização do programa, a partir da celebração de convênios com a esfera municipal, pois até esse ano a merenda era de responsabilidade da União. Em 1994 essa política foi descentralizada, ficando essa competência a cargo dos municípios.

No início do ano letivo é feito um planejamento, a fim de listar os produtos pertinentes ao cardápio que constituirão a merenda escolar durante os 200 dias letivos. Depois disso, é aberto o processo de licitação, em que as empresas alimentícias dispostas a entregar seus produtos (não perecíveis) para o PNAE se inscrevem. Os produtos oriundos da agricultura familiar passam pelo processo das chamadas públicas, em que os agricultores familiares que desejam se filiar ao programa, e que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), organizam seus projetos de venda e se inscrevem no programa. Depois de avaliados pela nutricionista e pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE), os alimentos são entregues pelas empresas a cada 15 dias na Cozinha Piloto. Os alimentos da agricultura familiar (perecíveis) são entregues duas vezes por semana, sendo que a alimentação escolar deve abranger, no mínimo, 30% dos gêneros oriundos dessa categoria da agricultura.

De acordo com a nutricionista do município, as hortaliças (alface – todos os tipos -, almeirão, agrião, rúcula e cheiro-verde) são uma especialidade dos agricultores locais que entregam seus produtos para o PNAE. Além delas, os produtores locais entregam também: mandioca, goiaba, couve-flor, abóbora e batata-doce. Os outros legumes e verduras, como também algumas frutas da época, são comprados da Central de Abastecimento do Estado de São Paulo (CEASA) de Presidente Prudente, como também chegam alguns produtos de Regente Feijó, como a melancia e o tomate, e também de Presidente Prudente, Álvares Machado, entre outros.

Assim, não há muita diversidade de alimentos produzidos no município. Nesse sentido, segundo a presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), a maior dificuldade encontrada pelo programa no município é que não se está conseguindo atingir os 30% da compra de gêneros da agricultura familiar, porque a diversidade de produtos é muito pequena, ou seja, os produtores se especializam em poucos produtos, como as hortaliças, por exemplo. Para atingir os 30% é preciso comprar de agricultores da região. Isso está sendo problemático do ponto de vista da logística e da qualidade e segurança dos alimentos. Ou seja, se o raio de distância entre o ponto da compra dos gêneros alimentícios da agricultura familiar e do município aumenta, o custo que se tem nessa logística também aumenta, diminuindo a qualidade dos alimentos, os quais devem chegar frescos à cozinha piloto, e isso muitas vezes pode ser comprometido.

A associação de produtores rurais de Pirapozinho foi criada em 1993, a fim de dar assistência ao pequeno e médio produtor, para contribuir na valorização dos seus produtos e dar apoio técnico, a partir da prestação de serviços. Ela é composta por pessoas de vários segmentos: da saúde, da comunidade e os próprios produtores rurais. A associação não possui sede fixa, mas apenas um escritório localizado numa loja de tintas, em que uma secretária atua na organização das documentações, visitando semanalmente a Cozinha Piloto para registrar a quantidade e os produtos entregues pelos associados que participam do PNAE (apenas quatro produtores).

O associativismo é uma construção social, que ocorre por meio do fortalecimento e articulação de grupos que estão ligados por uma rede social, promovida pelos laços de proximidade e de solidariedade, seja devido aos laços de parentesco ou até mesmo por questões religiosas (HESPANHOL, 2005). Em se tratando do associativismo rural, tais relações são ainda fortalecidas devido à existência de problemas comuns entre os moradores que possuem algum tipo de produção agropecuária, referentes à comercialização ou na infraestrutura. As associações funcionam, desde já, enquanto importante estratégia de reprodução social no campo, que para Oliveira (2010) concretiza-se no âmbito econômico, social, político e cultural.

4 Nesse ano estão sendo atendidos 5.072 alunos das escolas públicas de Pirapozinho pelo PNAE, ou

seja, todos os alunos matriculados.

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Segundo o presidente da associação, há dois anos a área de abrangência da associação compreendia somente alguns produtores rurais do município, mas atualmente ela atende também alguns produtores rurais da região, como Tarabai, Coronel Goulart, e Presidente Prudente, perfazendo um total de 94 associados. Desses produtores, 50% são pequenos, 25% grandes e 25% médios produtores, em termos de área e volume de produção. As reuniões com a diretoria da associação (presidente, vice-presidente, tesoureiros [dois], secretário [dois] e o conselheiro fiscal) são mensais, e com os associados, uma vez por ano apenas. Segundo o presidente da associação, somente uma minoria dos associados participa das reuniões, em que são abordados assuntos como os gastos da associação e os investimentos realizados. O presidente da associação afirmou que a maior dificuldade da associação é de atender o produtor rural em mais serviços, pois a associação não possui alguns maquinários muito importantes para os cultivos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estrutura fundiária que se configura no Brasil torna o desenvolvimento rural um desafio para a agricultura familiar, diante das contradições em que a mesma está inserida. Problemas estruturais são verdadeiros entraves que impedem que o pequeno produtor alcance níveis ideais de sobrevivência digna e permanência no campo. As políticas públicas, nesse sentido, passam a ser ainda menos expressivas quando há uma redução ou inexistência da participação e articulação dos grupos locais, com ênfase nos agricultores familiares, que não buscam alternativas para a mitigação dos problemas a que estão sujeitos, como a organização de associações, por exemplo.

A associação é uma forma de organização coletiva importante para a conquista de muitos direitos do homem do campo. A possibilidade de inserção de um município em programas sociais é muito maior, ou melhor, se faz concreta diante das demandas e necessidades vividas pelos grupos que não dispõem de condições técnicas e estruturais.

Nesse sentido, o PNAE possui uma grande importância para os agricultores familiares do município de Pirapozinho, contribuindo para o escoamento de parte de sua produção e para a elevação das condições de renda e emprego no campo, valorizando a diversidade regional da produção de alimentos e a participação de grupos sociais na gestão local, por meio da ação das formas coletivas de organização, como a associação de produtores rurais. Também é relevante devido ao fato de que contribui para a minimização da condição de insegurança alimentar e nutricional da população local, visto que possibilita uma alimentação regular e de qualidade àquelas pessoas que vivem numa situação socioeconômica desfavorável, em especial as crianças e jovens em idade escolar. E ainda, acredita-se que as condições de vida da população rural que participa do programa são melhoradas, devido ao fato de que o PNAE contribui para a comercialização dos produtos da agricultura familiar, a partir da ampliação de canais de comercialização que garantem o escoamento da produção, possibilitando a existência de uma renda mensal fixa.

No entanto, o que se pode verificar no município de Pirapozinho é uma fragilidade ou até mesmo a inexistência de um espírito cívico que favoreça o estabelecimento de experiências bem sucedidas com essa política pública, a partir de estratégias coletivas, no âmbito da associação de produtores rurais, para fortalecer o vínculo desses sujeitos sociais que vivem no campo, permitindo que o uso da terra para a produção de alimentos possa ser mais produtivo, além da inexistência de incentivo do poder público para a mitigação dos problemas estruturais do espaço rural.

Assim, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) apresenta alguns problemas no município de Pirapozinho, que puderam ser verificados até o momento do estudo, que são: baixa articulação dos produtores rurais associados, que enxergam a associação apenas como um órgão utilitário, e não constroem laços de solidariedade com vistas à conquista de direitos para o campo; ausência de estrutura física que sedie a associação e abrigue os materiais e equipamentos particulares, como uma forma de assegurar contra roubos; pouca divulgação do programa; a falta de documentação da associação (DAP Jurídica), impossibilitando a participação em outros programas de complementação da renda. Além disso, os 30% dos produtos oriundos da agricultura familiar

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não estão sendo alcançados, nem em nível local, nem extrapolando os limites regionais. O que falta é comprado no CEASA de Presidente Prudente, o que desvincula o real sentido do programa, que busca complementar a renda dos agricultores familiares.

Assim, verifica-se que os agricultores não se sentem motivados a diversificar sua produção, especializando-se em poucos produtos para atender o programa e utilizando-se de outras formas de comercialização, como em feiras locais e regionais. Ou seja, não possuem perspectivas organizacionais voltadas para o investimento em poucas fontes de comercialização, que destinem uma maior quantidade e diversidade de gêneros para a merenda escolar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Alimentação Escolar. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-alimentacao-escolar>. Acesso em: 23 mar. 2013. Censo Demográfico 2010. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao>. Acesso em: 12 jan. 2013. Estatísticas Agrícolas, Município de Pirapozinho – 2007/08. Projeto LUPA/CATI – Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo, da coordenadoria de Assistência Técnica Integrada. Disponível em: http://www.cati.sp.gov.br/lupa. Acesso em: 04 abr. 2013. HESPANHOL, Rosangela A. M. Ação coletiva no meio rural: as associações de produtores na Região de Presidente Prudente. III Simpósio Nacional de Geografia Agrária – II Simpósio Internacional de Geografia Agrária Jornada Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Presidente Prudente, 11 a 15 de novembro de 2005. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/grupos/nera/publicacoes/singa2005/Trabalhos/Resumos/Rosangela%20Ap.%20M.%20Hespanhol_PT_FR.PDF>. Acesso em: 11 mai. 2013. HESPANHOL, Rosangela A. de Medeiros. A adoção da perspectiva territorial nas políticas de desenvolvimento rural. Campo-Território, Revista de Geografia Agrária, São Paulo, Ago. 2010, v.5, n.10, p. 123-147. OLIVEIRA, Adriano Rodrigues de. O associativismo na Região do Pontal do Paranapanema: limites e possibilidades para o desenvolvimento rural. Tese de Doutorado, Área de concentração: Produção do Espaço Geográfico. Presidente Prudente: [s.n], 2010. xiii, 209 f. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. [trad. Maria Cecília França]. 3ª edição. São Paulo: Ática, 1993. Vol. 29, 269 p. TAKAGI, Maya. A implantação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: seus limites e desafios. 2006. 214f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada). Campinas, São Paulo. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document. Acesso em: 20 mai. 2013.

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OS JOVENS NO MUNICÍPIO DE CAIABU-SP: AS PERSPECTIVAS EM TERMOS DE EMPREGO E VIDA

Lúcia Iaciara da Silva – Graduanda em Geografia pela FCT/UNESP1

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A pesquisa que apresentaremos procurou apreender os anseios e as necessidades da população jovem compreendida na faixa etária entre 15 e 24 anos no contexto do município de Caiabu.

Considerando que o município depende para a geração de empregos da usina sucroalcooleira Alto Alegre, buscamos identificar as estratégias destes jovens para sua inserção no mercado de trabalho, bem como verificar se a população percebe esta estreiteza de relações entre usina e município, ou se possuem outras perspectivas que não essas.

A pesquisa foi realizada, dentro das limitações existentes, com 29 jovens caiabuenses, verificamos também a escolha dos cursos por estes, e sua relação com as oportunidades existentes em Caiabu.

De certa forma, a abordagem que se quer fazer a respeito do assunto busca inserir o que quotidianamente é possível ser ouvido pela população. Muitos apontam o município de Caiabu sem dinamismo econômico-social, pois é difícil estabelecer-se uma sociedade forte quando se vê poucas perspectivas de trabalho, gerador de renda e responsável, em grande parte, por manter estável a população de um município. INTEGRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DE CAIABU

O município de Caiabu integra a 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, cujo conjunto possui 53 municípios. A sede desta região, representada pelo município de Presidente Prudente, constitui-se no polo regional, principal centro de investimentos de capital e que também oferece vários serviços, como especialidades médicas, que se estendem para seu entorno, dependente do polo.

O município caiabuense mostrou em seu último recenseamento o quadro de urbanização comum hoje no Brasil, com 81,4% da população vivendo em perímetro urbano, apresentando densidade demográfica de 16,11 hab./km².

Caiabu se formou a partir de Henrique Pedro Ferreira (indivíduo que hoje dá nome a uma das ruas principais da cidade). Henrique P. Ferreira residia em Indiana, de onde saiu em busca de novas terras. Assim, as terras que hoje formam Caiabu formavam antes uma parte do município de Regente Feijó. Seu início se deu pelo cultivo do algodão, o que fez o distrito de Iubatinga ser conhecido popularmente como “Ouro Branco”. Hoje, este nome remonta a tempos de riqueza que viveu a economia local muitos anos atrás, segundo a história oral.

Em 30 de dezembro de 1953, Caiabu, englobando os Distritos de Boa Esperança d’Oeste e de Iubatinga (Lei Estadual nº 2456), passa a sua denominação atual de Município. A dependência que nos referimos de Caiabu em relação à Presidente Prudente reflete-se, basicamente, no grande número de habitantes do município que possuem vínculo empregatício com a empresa sucroalcooleira Alto Alegre, que se estabelece no Distrito de Ameliópolis, pertencente à Presidente Prudente, nas proximidades de Caiabu.

1 Este trabalho é resultado de pesquisa realizada com apoio da BAEE, com orientação da Profª Drª Rosângela

Aparecida de Medeiros Hespanhol, durante 2011-2012.

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OS PEQUENOS MUNICÍPIOS

Para Olanda (2008) as cidades “são, ao mesmo tempo, condição e resultado das

forças que atuam e que atuaram na sociedade (Olanda, 2008,p.186).” Há aí uma dimensão histórica da formação de uma população/ sociedade municipal. Consideremos aqui que Caiabu possui em suas “raízes históricas” características de uma economia agrária, oriunda direta e estritamente da terra. Atualmente é a economia/produção da cana-de-açúcar tem se expandido na região.

É preciso pensar a dimensão da importância da cidade nas relações regionais e estaduais. Ou seja, não basta a nós definirmos a cidade pelo número de habitantes rurais e urbanos ou pelo grau de urbanização, mas sim por sua função em um conjunto maior (Olanda, 2008).

Mesmo a população de Caiabu formando um município bastante pequeno (sendo eles consideravelmente expressivos em número no Brasil) pode-se dizer que:

Uma cidade, por menor que seja, constitui-se numa concentração de pessoas; concentração que pode ser denominada material com objetos diversos, edificações, habitações, automóveis, máquinas, etc.; e concentração imaterial com ideias diversas, valores religiosos e laicos, crenças, tradição cultural, conhecimento científico [...] (OLANDA, 2008, p.186).

Em “População Jovem no Brasil: Mulheres em Destaque - O Perfil da Mulher Jovem de 15 a 24 anos: Características Diferenciais e Desafios”, publicado pelo IBGE (2004[?]), e no artigo “Perspectivas dos Jovens Rurais: Campo versus Cidade” foi que estabelecemos nosso perfil de entrevistados, considerados jovens, segundo alguns critérios, como: os “cinco marcos conceituais”: o trabalho sob condição de aprendiz a partir dos 12 anos de idade; o ingresso ao trabalho amparado pela lei para idade inicial de 14 anos; o direito ao voto com 16 anos, maioridade penal aos 18 anos e maioridade civil aos 21 anos (IBGE, 2004[?]).

A faixa etária que corresponde de 15-19 anos para o sexo masculino e para o sexo feminino está presente, respectivamente, em 4,60% (187 pessoas) e 4,10% (166 pessoas) da população total. Juntos, os dois sexos representam 8,7% desta mesma população ou 353 pessoas. Somando a faixa etária de 20-24 anos de idade, representando 4,80% (197) para o sexo masculino e 4,10% (166) para o feminino, tem-se 17,6% da população aqui demarcada como jovem.

Em razão da criação dos pequenos municípios, os mesmos acabam por depender muito dos repasses de recursos financeiros do governo federal, como o FPM – Fundo de Participação dos Municípios. Cerca de 86,4% do FPM (os dados de 1995) são direcionados a municípios com população de até 156.216 habitantes, 42,81% do total (Censo 2000) são destinados a municípios com até 5 mil habitantes.

A PESQUISA DE CAMPO: ENTREVISTANDO OS JOVENS

Ao total foram aplicados 29 questionários para jovens de ambos os sexos, na faixa etária situada entre 15 e 24 anos de idade, de acordo com os propósitos do estudo, significando aproximadamente 43,28% de todos os jovens identificados nos dias de pesquisa. Foram 17 (53,12%) questionários abrangendo o sexo feminino e 12 (34,28%) ao masculino. Em relação à percepção de existência de políticas públicas dinamizadoras do mercado de trabalho local a maioria (86,2) dos estudantes entrevistados, ao responder que não percebia políticas públicas, que estas não eram evidentes a eles, tinha como justificativa o tamanho (populacional) do município, que não comportaria muitos investimentos ou não tenderia ao crescimento, como também a falta de comprometimento dos gestores públicos para com seus munícipes. Os jovens de maneira geral não sentem a presença da liderança política.

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Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 2011. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

Comentando as formas que se apresentam como meio de profissionalização/capacitação por iniciativa dos jovens entrevistados na pesquisa, constata-se que a maioria destes distribui-se por cursos do tipo técnico/profissionalizante (13/ 44,82%), seguidos por cursos superiores tradicionais (10/ 34,48%), superiores à distância (05/ 17,24%) e preparatório para vestibular (1/ 3,44%), como se verifica na tabela 11.

Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 2011. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

A maior parte destes estudantes não exerce atividade remunerada e estava ainda

em fase escolar no período em que se realizou a pesquisa, sendo que três deles, do sexo feminino, trabalham em atividades informais, em período parcial, no âmbito doméstico (duas como babás e uma como doméstica).

Observamos quatro instituições de ensino técnico: Escola Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Santo Paschoal Crepaldi, Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –, Microlins, localizadas em Presidente Prudente, e a Escola Técnica Professor Eudécio Luiz Vicente, em Adamantina. As três primeiras são privadas e a última é pública.

A inexistência plena de um transporte público para estudantes caiabuenses prejudica a procura por capacitação, por novas perspectivas, por meio de cursos por parte menos favorecida da população, que não pode se responsabilizar por custos com o curso e com o transporte, pois ambos, concomitantemente, se tornam muito onerosos.

Entretanto, existem outras formas de transporte no município. Neste se concentram estudantes que realizam cursos na instituição universitária Uniesp – União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo –, em Presidente Prudente, em que através da participação destes estudantes no programa governamental intitulado “Escola da Família”, com o desenvolvimento de atividades artesanais, esportivas e de recreação na escola estadual do município nos fins de semana, o transporte é custeado pelo poder público, assim como parte da mensalidade dos cursos, vista a existência de convênio entre prefeitura e universidade, facilitando e proporcionando maiores expectativas aos jovens e a outras faixas etárias quanto ao ensino superior.

0

10

20

30

simNão

Sem resposta

10,344%

86,206%

3,448%

Distribuição de respostas dos estudantes quanto

à existência de políticas voltadas à geração de

empregos

Nº de

respost

as

2

(15,38%)

2

(15,38%) 9

(89,23%)

Cursos técnicos de estudantes de Caiabu-

SP

Açúcar e álcool

Mecânica

Informática/técnico

em informática

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Entretanto, quando falamos em bolsas de estudo nas universidades particulares, desconsiderando os estudantes da Uniesp, restando, assim, 10 estudantes, a maioria destes afirmou possuir qualquer espécie de desoneração do curso, foram 6 estudantes, dois estudando na Unoeste e o restante do polo de educação à distância UNIDERP-Anhanguera. Aqueles que também declararam não haver tipo algum de isenção são estudantes da Unoeste.

Porém, as declarações de todos não convergem, pois um dos estudantes do polo de educação à distância UNIDERP-Anhanguera quando indagado sobre a existência de isenção sobre parte do custo do curso respondeu que não havia, porém todos os outros quatro consideraram a redução da parcela, já que o funcionamento das aulas acontece em espaço público (Escola municipal).

O gráfico a seguir mostra a concentração dos estudantes em instituições privadas (UNOESTE/ Presidente Prudente e UNIDERP-Anhanguera, em Caiabu).

Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 2011. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

A maior parte dos estudantes caiabuenses não realiza qualquer atividade

remunerada, segundo se verificou na pesquisa. Cerca de 38% deles tem uma relação de conciliação com o trabalho remunerado, mesmo assim, com uma pequena diferença, a maior parte se distribui em atividades informais, como alternativa ao escasso mercado de trabalho no município, como também forma desta atividade ser realizada em período parcial, dando mais oportunidade de se investir nos estudos.

Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 2011. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

Observamos que três indivíduos mantinham-se em atividade remunerada na usina

sucroalcooleira Alto Alegre, no distrito de Ameliópolis – Presidente Prudente, em tempo

0

5

10

15

Total de estudantes nas instit. Univ.

33,33%

33,33%

26,66%

6,66%

Participação de estudantes caiabuenses em cada

instituição de ensino superior

UNESP

Uniesp

Unoeste

UNIDERP-

Anhanguera

170 de 214

integral, dois deles com seus respectivos cursos intrinsecamente relacionados aos seus postos de emprego (cursos de química e de administração).

Com os 29 questionários aplicados a estudantes de ambos os sexos, 10 (34,48%), de alguma forma, tiveram suas respostas atreladas à usina sucroalcooleira. A relação que podemos discorrer se trata, portanto, de que esta fração reconhece esta dependência que há do município em relação ao setor, já aperfeiçoando-se, isto é, capacitando-se de acordo com as necessidades que suas colocações no mercado de trabalho exigem, ou “criando” oportunidades de assimilação sua pela unidade fabril, como verificamos.

Quando realizada a pergunta do motivo da escolha do curso, dos dez jovens aos quais referimo-nos a pouco, 50% (5) afirmou que a escolha pelo curso está relacionada direta ou principalmente à usina sucroalcooleira próxima à Caiabu. Destes cinco estudantes três não realizavam atividade remunerada, mas demonstravam expectativas quanto a esta opção de trabalho.

Falando-se de permanência ou não no município, as pretensões dos jovens pesquisados demonstram a relação de afeto e de identificação com o lugar de vivência, mas em contrapartida o desejo de crescimento profissional que, em certa medida, parece “amputado” quando não visualizam margens de crescimento e valorização do profissional da área na qual estudam. Assim abrem-se perspectivas de abandono do município.

Ao indagar aos jovens que fizeram parte da amostragem da pesquisa se queriam/desejavam permanecer no município após término do curso ou não, 13 (44,83%) responderam que sim, que querem continuar na localidade, 16 ou 55,17% não desejavam isto. Quase todos ao responder assim associavam sua resposta ao fato de não haver mercado de trabalho na área de sua formação ou mesmo porque não havia muitas possibilidades de emprego em Caiabu, mesmo em qualquer área, assim como desvalorização do profissional.

Já se pensando na decisão de ficar no município, este desejo mostrou-se vinculado ao indivíduo já possuir um emprego ou manifestar desejo de estabelecê-lo residindo no município, às vezes cogitando-se possibilidades na usina sucroalcooleira (cinco indivíduos assim se manifestaram). Quase na mesma proporção verificou-se a questão realmente afetiva com Caiabu.

Fonte: Pesquisa em 2011. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos que os jovens de 15-24 anos, expressivos no município são a

população alvo ideal, não desprezando outros grupos etários, logicamente, para políticas públicas que lhes possam conferir mais oportunidades para o futuro.

Entre as outras oportunidades de empregos para a população na cidade, excetuando-se, então, a agropecuária, são visíveis algumas poucas vagas no funcionalismo público, como também no comércio da cidade de Caiabu que, devido ao número de habitantes (4072) não pode se esperar que seja muito dinâmico.

Com a pesquisa pôde-se constatar que existem muitas estratégias dos jovens quanto ao seu preparo para o mercado de trabalho, e mesmo como forma de crescimento e

0123456789

10111213

Desejo de permanência

Motivos apontados para o desejo de permanência no

município Outros motivos

Relação afetiva

Perspectiva ou

relação empregatícia

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realização profissional, pois quando se pôs a pergunta do motivo pela opção pelo curso, dez jovens (equivalente a 34,48% da amostragem) afirmaram identificar-se com seus respectivos cursos. Estas estratégias se consolidam a partir de sua localização, isto é, de seu local de residência, da relação estabelecida com seu trabalho, de a perspectiva que se mantém em respeito à usina sucroalcooleira próxima e de emigração do município como real alternativa, às vezes concebida, como forma de prosperar e alcançar realização em termos de vida e trabalho. REFERÊNCIAS BRAGA, Roberto; PATEIS, Carlos da Silva. Criação de municípios: uma análise da legislação vigente no estado e São Paulo. In: Revista de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (ISSN1519-4817). Ano IX, nº 17, jan.-jun. de 2003, p.7-14.

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WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Urbanização e ruralidade: Relações entre a pequena cidade e o mundo rural; estudo preliminar sobre os pequenos municípios de Pernambuco. Recife, UFPE, 2001.

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O atual trabalho se encaixa no eixo temático de Geografia Urbana.

PRODOÇÃO IMOBILIÁRIA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA IMPRENSA ESPECIALIZADA

Bruno Leonardo Barcella Silva

[email protected]

Graduando em Geografia – Unesp – Presidente Prudente

Bolsa/Financiamento: PIBIC/CNPq

Everaldo Santos Melazzo Docente do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente – FCT/ Unesp - Presidente

Prudente

[email protected]

INTRODUÇÃO:

O resumo apresentado a seguir integra-se a um conjunto maior de investigações que tem como foco a análise, comparação e discussão conceitual sobre cidades médias no Brasil. No caso específico, pretendemos contribuir com dados e informações para o desenvolvimento do projeto temático “A produção econômica do espaço urbano em cidades de porte médio: uma análise comparativa da dinâmica imobiliária recente” (MCT/CNPq/MEC/CAPES nº 02/2010 - processo: 400849/2010-0), a partir da organização e analise de conjuntos de dados e informações sobre o mercado imobiliário brasileiro, através de matérias publicadas em uma revista especializada da área.

Segundo Paiva (2007), o mercado imobiliário brasileiro passou por profundas modificações, a partir da reorientação para segmentos de classe de mais baixa renda, com a ampliação do crédito disponibilizado, abertura de capitais de diversas empresas na bolsa de valores (o que ampliou até o alcance espacial de mercado para suas atuações) e alterações de legislação que passaram a dar maiores garantias às operações imobiliárias.

Assim, o presente trabalho visa expor alguns resultados colhidos durante o período de vigência da bolsa de estudos, centrando-se nos procedimentos desenvolvidos até o momento junto à fonte primária de informações utilizada, e as analises feitas a partir dos estudos e discussões sobre bibliografias julgadas como de grande importância para entender o tema proposto, relacionando essas discussões com as matérias analisadas do bando de dados construído para a elaboração da pesquisa proposta. Seu volume, e a riqueza dos dados e a variedade temática presente no banco de dados nos permite afirmar que as análises subseqüentes de seus conteúdos, através de uma sistematização/classificação rigorosa, contribuirá para que possamos traçar um painel amplo do objeto sob estudo.

A escolha da fonte, a Revista Construção Mercado (Editora PINI), a partir da qual se elaborou o banco de dados e informações, resulta do fato de constituir-se em publicação especializada da área com mais de dez anos no mercado. Assim o projeto visa estudar o mercado imobiliário a partir dos olhares da imprensa com o objetivo final de obter informações qualificadas referentes não apenas às estratégias/diretrizes empresarias e do Estado sobre o mercado imobiliário e suas transformações, mas também, refletir sobre qual tem sido as cidades que esse mercado tem construído e modificado com suas estratégias e ações e como a imprensa especializada na área tem noticiado essas ações.

Segundo Villaça (2003) a imprensa em geral é o “porta voz da elite brasileira”, portanto o estudo da produção do espaço urbano na visão da mesma é de suma importância, pois ela vai ser a intermediadora da noticia para o leitor, ou seja, ela possui

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O atual trabalho se encaixa no eixo temático de Geografia Urbana.

uma grande importância em como o leitor tem visto a produção e as mudanças ocorridas nas cidades.

Ultimamente tenho procurado pesquisar a segregação urbana e a visão – ou falta de visão – que nossa elite tem dela. Parto da hipótese de que a imprensa em geral é porta-voz dessa elite. Reflete suas visões de mundo e de suas cidades e, portanto, seus interesses. Em meu ultimo livro publiquei os resultados de duas pesquisas que realizei por intermédio da Folha de São Paulo e do Jornal do Brasil para ver qual era a cidade de São Paulo e qual era a cidade do Rio de Janeiro que esses jornais transmitiam a seus leitores. (VILLAÇA, 2003, p. 36).

Nesse trecho do livro “Urbanização Brasileira: Redescoberta”, do ano de 2003, Flávio Villaça relata a importância de estudar qual tem sido a realidade que a imprensa brasileira tem relatado ou até mesmo construído para seus leitores, produzindo um fenômeno que ele denomina de “falta de visão”, que para ele é uma das grandes causas da segregação urbana,

[...] a segregação é um processo segundo o qual diferentes classes sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros, para ele a segregação dialética “em que a segregação de uns provoca ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros. (VILLAÇA, 2001, p.142).

A partir dessa justificativa fica evidente a importância de se entender e interpretar corretamente a imprensa em meio a sua complexidade, opiniões e ideologias incorporadas em seus trabalhos. Sendo assim a proposta aqui apresentada tem como principio entender que é possível a identificação de uma realidade real e uma realidade artificial na análise da imprensa. Segundo Abramo (2003) existe a realidade que realmente existe e a realidade criada pela imprensa.

Por isso o padrão de ocultação é decisivo e definitivo na manipulação da realidade: tomada a decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da imprensa. O fato real foi eliminado da realidade, ele não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário. E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real e a compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa. (ABRAMO, 2003, p. 27).

Segundo o mesmo autor, a imprensa por meio de diversos artifícios de manipulação das noticias, possui o “poder” de produzir uma realidade de acordo com sua vontade. Comprovando assim a importância de estudar as transformações do mercado imobiliário a partir da imprensa, nos permitindo analisar essas transformações sob duas diferentes visões de realidade, uma “realidade real”, que seria as verdadeiras transformações desse mercado a partir de estudos baseados em bibliografias referentes ao assunto e produções cientificas nesse âmbito, e a outra visão sob esse mercado é a visão da imprensa que tenta reproduzir a necessidade da demanda de noticias sob determinada perspectiva, e da ideologia e opinião de quem “produz as noticias”, e que por força dos padrões de manipulações empregadas nessas noticias, propicia a transformação de “realidade artificial ou imaginaria” em uma “realidade real”. Vale ressaltar que segundo Abramo (2003) “a maior parte do material que a imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta é uma relação indireta à realidade, mas que distorce a realidade.”.

Os procedimentos metodológicos empregados nessa pesquisa foram a leitura de 118 edições da Revista “Construção Mercado” (editora PINI), que trata de assuntos relacionados ao tema sob abordagem. Durante a leitura dessas 118 edições foram selecionados 500 artigos e matérias publicadas no pi7eríodo de agosto de 2001 até maio de 2011, que foram separadas em pastas mensais e anuais de acordo com cada data de publicação de cada matéria e artigo. A partir da seleção dos artigos, matérias e notas relevantes ao tema proposto foi possível à criação de um banco de informações a partir de palavras-chave.

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Assuntos Segmento Palavras-chave Número de matérias

Macroeconômico:

Setor Público

Crédito público; Política habitacional; Infra-estrutura urbana; Habitação Social; Atuação de órgãos e instituições;

59

Setor Privado

Financiamento (linhas de crédito próprias); Financeirização e Bolsa de valores (Fundos mútuos, fundos imobiliários e Compra e venda de Títulos, securitização); Abertura de Capital das empresas nacionais; Capital Interno (empresas nacionais); Capitais Externos (empresas estrangeiras); Agentes: Incorporadoras, construtoras; imobiliárias e outras; Ciclo Imobiliário (boom e crise); Especulação imobiliária; Expectativas imobiliárias

90

Microeconômicos:

Edificação; Projetos relevantes; Comportamento de Preços e Custos da edificação; Comportamento de preços e custos da terra; Concentração (fusões e aquisições); Centralização (sede das empresas); Terceirização; Gestão (empresarial e canteiro de obras – inovações e mudanças); Avaliação de Imóveis – técnicas e usos; Carga Fiscal

64

Matérias de relação direta com o mercado imobiliário

Mercado Residencial; Lançamentos Imobiliários importantes; Painel do Mercado; Rota do Negócio

220

Outros: Tendência de Mercado; Cidades; Região; Questões relacionadas à Construção; Terceirização; Segmento de construção

32

Quadro 03: Classificação e número de matérias publicadas. Fonte: Dados da Revista Construção Mercado (Editora PINI); Organização: Bruno Leonardo Barcella Silva.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Aqui vamos destacar que o mercado imobiliário brasileiro que nos últimos anos tem passado por mudanças, não só correspondente às altas valorizações de preços e expansão de mercado, mais também no que diz respeito também à forma de organização de capitais que atuam nesse setor e suas articulações, com isso a partir de uma leitura mais profunda junta ao banco de dados criado é possível identificar um crescimento sistemático dos fundos de investimentos imobiliários residenciais. As ofertas de Fundos de Investimento Imobiliário no Brasil registraram recorde no ano de 2010 ao ponto em que em 2009, o volume de emissão foi de R$ 3,4 bilhões, já no ano de 2010, até o mês de agosto, o volume já era de

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O atual trabalho se encaixa no eixo temático de Geografia Urbana.

R$ 3,5 bilhões, ou seja, 2010 em oito meses já superou o volume de 2009 inteiro possuindo ainda uma expectativa de dobrar até o final do ano. O número de emissões é considerado alto pelos jornalistas responsáveis pelas matérias da revista em questão principalmente em relação ao volume atual de operações no País, de R$ 5,8 bilhões. A demanda de investidores internacionais e nacionais por ativos imobiliários no País aumentou consideravelmente nos últimos anos, mostrando assim claramente uma nova característica desse mercado pós-abertura de capital na bolsa de valores a inserção de capital internacional investindo nesse setor. Na busca de investimentos mais rentáveis, os Fundos de Investimentos Imobiliários apresentam-se como uma opção muito atraente. Eles permitem investimentos com valores baixos e contam com isenção de Imposto de renda para o investidor e para o fundo, desde que atendidas determinadas regras. Os Fundos de Investimentos Imobiliários são uma forma de investimento imobiliário indireto, onde os investidores não têm quaisquer direitos reais sobre os ativos e em contrapartida também não são responsáveis por sua gestão, ficando esta responsabilidade para o administrador do referido fundo. Essas quotas são negociadas em bolsa de valores, as quotas ganham um adicional de segurança, por se tratar de um investimento que atende à regulamentação e conta com governança corporativa, exigência fundamental dos investidores atuais. O grande aumento da demanda e de emissão de quotas faz com que o entrave da falta de liquidez comece a ser removido.

Mesmos com todos esses motivos listados acima como determinantes para o aumente da importância do mercado imobiliário em relação à conjuntura econômica do país, talvez o mais importante tenha sido o grande numero de empresas do setor de construção e engenharia que abriram seu capital na bolsa de valores como é possível visualizar com o Gráfico 01, logo abaixo.

Gráfico 02: Inserção das empresas do setor da construção e engenharia na Bolsa de Valores ao longo dos anos. Fonte: www.bmfbovespa.com.br Organização: Thiago B. F. Vilas Boas (2011).

Foi nesse momento em que as empresas anteriormente somente de capital brasileiro abriram seu capital para o capital internacional e com isso houve um grande aumento nas suas capacidades de incorporação e captação de recursos, havendo também uma maior valorização de seus produtos pelo novo caráter especulativo do mercado imobiliário, trazendo com isso a criação de grandes incorporadoras hegemônicas no país e causando assim uma oligopolização desse setor do mercado, isso associado a crescente financeirização do setor nos últimos anos, traz a luz uma perspectiva de cada vez uma maior importância do mercado imobiliário e seus efeitos nas cidades brasileiras e na economia do país de forma geral.

Podemos perceber que a entrada de um grande volume de capital por ocasião da abertura de capitais faz com que estas incorporadoras racionalizem e intensifiquem a produção imobiliária em si, mas a realidade é

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O atual trabalho se encaixa no eixo temático de Geografia Urbana.

que o capital é em parte usado para a compra de terrenos, em parte segue para a “valorização” na esfera financeira. Este aporte de capital encontra valorização real na construção civil, e pode de fato provocar aumento de produtividade neste setor, mas se posiciona em grande parte junto à captação de rendas futuras, imobiliárias e financeiras, por meio da compra de terras e da atuação no mercado financeiro. (MARTINS, 2010, p. 30).

É possível observar que posteriormente a abertura de capital na bolsa de valores mais intensivamente pós ano de 2007, o cenário do mercado imobiliário foi colocado pela imprensa como mais eficaz e consolidado, muito diferente do perfil desse mercado antes dessa nova dinâmica de atuação quando esse setor se limitava a construção e venda.

Com as aberturas de capital, as empresas de real estate residencial passaram a operar em uma nova realidade, distinguida, principalmente, pela exposição aos analistas e investidores do mercado de capitais e pela nova escala operacional (com capacidade de produção multiplicada em oito vezes para o conjunto das empresas). A percepção de valor das empresas pelo mercado de capitais e, assim, o reflexo nos valores das ações das empresas de real estate na Bovespa, passou a orientar as decisões nas companhias. As empresas passaram a operar olhando para cima, ou seja, operar de modo a criar valor conforme a percepção dos investidores e analistas do mercado de capitais. Nesse sentido, a corrida para formar estoques de terrenos, e criar valor numa medida virtual, foi a estratégia seguida por todas, já que a percepção de valor estava atrelada ao potencial de receita dos empreendimentos projetados nos terrenos das companhias.(COSNTRUÇÃO MERCADO, 2010) .

Como foi possível observar na matéria da revista logo acima, com esse novo perfil de mercado pós-abertura de capital começou a ocorrer uma corrida das incorporadoras para a formação dos seus land bank (banco de terras), para a criação de um estoque de terrenos, colaborando para a expansão desse mercado para novos lugares antes fora do circuito de negócios dessas incorporadoras, como veremos mais a frente no capítulo referente a expansão desse mercado para as cidades médias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O fio condutor para a análise da produção imobiliária e a produção do espaço urbano no atual contexto, segue a perspectiva de Melazzo (1993), dentre outros, que parte do conceito de capital incorporador, definido

[...] como fração do capital que transforma os usos do solo (e consequentemente o espaço intra-urbano) com vistas à apropriação de rendas fundiárias, na forma de lucros de incorporação. (MELAZZO, 1993, p.15)

A centrar a análise neste agente e em suas ações é possível observar o crescimento

territorial do espaço urbano e os resultados das decisões capitalistas de transformações desse mesmo espaço. É possível verificar, ainda, como para tais agentes a cidade passa a ser tratada como um “negócio” onde se articulam as estratégias de ampliação de rentabilidade do setor e os espaços urbanos passam a ser apenas “mercadorias”, como colocado por Rodrigues (2007). A autora afirma que no período atual denominado, os estudos urbanos que predominam e se destacam são sobre a cidade-mercadoria.

Assim a cidade passa a adotar o papel de matéria-prima para a implantação de seus produtos que são os empreendimentos imobiliários, sem demonstrar os citados agentes a menor preocupação com os diferentes resultados causados nos espaço urbano por essa dinâmica.

[...] os empreendimentos orquestrados pelos capitais incorporadores desencadeiam alterações no padrão de acessibilidades intra e inter áreas urbanas, nos preços de imóveis e no próprio ritmo de produção de novas habitações que acabam por influenciar diretamente o conjunto da estrutura urbana. (MELAZZO, 1993, p.24)

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O atual trabalho se encaixa no eixo temático de Geografia Urbana.

Mostrando assim a grande importância de se estudar e descobrir os diferentes rebatimentos no espaço urbano e de investigar qual tem sido o espaço urbano produzido por esse setor que é alimentado por grandes incorporações privadas, muitas vezes com o apoio do Estado, pois com essa nova dinâmica de atuação do mercado imobiliário, a segregação socioespacial, é cada vez mais notável com os presentes processos de valorização imobiliária e de dominação do espaço urbano expulsando os habitantes de suas áreas mais valorizadas para áreas mais periféricas como na hipótese trabalhada por Adriano Botelho (2007).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

ABRAMO, P. Padrões de Manipulação na Grande Imprensa; São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2003. BOTELHO, A. O urbano em fragmentos: A produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Pulo: Annablume; FAPESP, 2007.

CONTRUÇÃO MERCADO. São Paulo: PINI, 2001-2011 – Mensal. MELAZZO, E. S. Mercado imobiliário, expansão territorial e transformações intra-urbanas: Caso de Presidente Prudente-SP. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR, 1993. Dissertação de mestrado. PAIVA, C. C. de. A diáspora do capital imobiliário, sua dinâmica de valorização e a cidade no capitalismo contemporâneo: a irracionalidade em processo. Campinas/SP. 2007. Tese de doutorado. RODRIGUES, Arlete MOYSÉS. A cidade como direito. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (33). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24533.htm> [ISSN: 1138-9788].

VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001. VILLAÇA, F. Tendências e problemas da urbanização contemporânea no Brasil In: CASTRIOTA, Leonardo Barci (Org.), Urbanização brasileira, redescobertas. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2003, pp.260-271.

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PROJETO “CURRÍCULO É CULTURA”

LUGARES DE APRENDER - FDE

Autor: Wellington Fernando Augusto da Silva /FCT-UNESP

E-mail: [email protected]

Co-autoras: Klésia Bezerra de Moura/FCT-UNESP

E-mail: [email protected]

Pâmela Bonilha Schulz/FCT-UNESP

E-mail: [email protected]

Orientadora: Profª. Drª. Emérita Ruth Künzli

(Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente)

CEMAARQ (Centro de Museologia Antropologia e Arqueologia)

FCT- UNESP Presidente Prudente

Agosto de 2013

179 de 214

INTRODUÇÃO

O programa “Cultura é currículo” integra o conjunto de ações definidas pela

Secretaria da Educação do Estado de São Paulo através da Fundação para o

Desenvolvimento da Educação (FDE) para concretização da sua política educacional,

visando propiciar melhor qualidade de ensino à Escola Pública Estadual, no sentido de

atender aos desafios do mundo moderno, em relação à função de transmissão do saber,

para inserção social de seus alunos.

Tendo em vista que a cultura é parte do patrimônio das sociedades, os alunos têm

o direito de usufruir de equipamentos e atividades culturais desenvolvidas no Estado de

São Paulo. Porém, não basta que estes alunos apenas assistam aos espetáculos ou

visitas, mas é necessário que estas situações sejam inseridas no currículo escolar de

forma planejada, para que assim possam efetivamente tornar-se usuárias deste

patrimônio.

Para tanto o programa “Cultura é Currículo” faz uma articulação entre conteúdos

de diferentes áreas curriculares e os relaciona ao conhecimento que existe nos museus,

espaços culturais, peças de teatro, espetáculos de dança e filmes e tais atividades têm

suas ações desenvolvidas por meio de três projetos, sendo eles: Escola em Cena, O

Cinema Vai à Escola e Lugares de Aprender. É este o Projeto alvo deste trabalho.

Desta forma, na seqüência de atividades para o ensino de disciplinas curriculares,

uma delas consta da visita ao Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia

(CEMAARQ), localizada na Faculdade de Ciência e Tecnologia – UNESP de Presidente

Prudente-SP.

Estas visitas têm como objetivo aproveitar os atrativos que são disponibilizados

pelo Museu aos alunos da rede estadual daquelas instituições que participam do projeto

“Lugares de Aprender”.

Desde o ano de 2009 o CEMAARQ passou a compor um dos lugares

estabelecidos pela FDE para parceria, justamente por se tratar de um espaço para

conhecimento organizado sobre aspectos da vida social, política, de culturas indígenas

pretéritas e contemporâneas. Ou seja, faz jus aos objetivos estabelecidos pela Fundação.

MÉTODOS

O CEMAARQ desenvolve atividades voltadas a receber os alunos do FDE, são

desenvolvidas as seguintes atividades, com o intuito de melhorar o entendimento dos

alunos:

180 de 214

Visita Monitorada - Consiste na apresentação e explicação do acervo, conduzidas

por um ou mais estagiários, em que são apresentadas as peças referentes ao setor de

Arqueologia, concernentes aos períodos da Pedra Lascada, Pedra Polida, Cerâmicas, e

Idade do Bronze; peças etnográficas, que se referem às vestimentas e ornamentos de

diversas tribos indígenas contemporâneas; e fósseis de sáurios e crocodilianos

pertencentes à Paleontologia, referindo-se ao período mezosóico. A maioria das peças

arqueológicas e paleontológicas foi encontrada em Presidente Prudente e região, sendo

que das primeiras algumas datam de sete mil anos atrás (pedra lascada) e outras de mil

anos atrás (pedra polida e cerâmica) e as segundas de até 80 milhões de anos.

A visita monitorada é um momento aberto a perguntas, dúvidas, curiosidades e

questionamentos que possam vir por parte dos alunos e também dos professores que

participam e acompanham os mesmos durante as atividades. A participação dos

professores mostra-se de extrema importância, visto que os mesmos podem acompanhar

o aprendizado e necessidades dos seus alunos, para posteriormente trabalharem tais

aspectos em sala de aula, enriquecendo ainda mais a atividade.

Manuseio das Peças - Consiste num momento muito importante e interessante da

visita, pois os alunos podem entrar em contato direto com algumas peças arqueológicas,

que fazem parte da reserva técnica, separadas para realizar tal atividade. Ao lado das

explicações dos monitores, as peças podem ser vistas e tocadas pelos visitantes,

tornando, assim, a explicação menos abstrata, na medida em que tamanha matéria-prima

e função podem ser avaliadas.

Mapa da Mina – são fornecidos aos alunos bússola e mapa, para que procurem,

dentro e fora do Museu, pistas que os levem ao “tesouro”. Assim, além de circular pelo

museu e arredores, aprendem um pouco sobre a localização geográfica. Como brindes,

os ganhadores recebem marcadores de livros do CEMAARQ.

Quizz – São feitas perguntas, através do computador, que remetem ao que foi

visto no Museu.

Apresentação de vídeos-documentários - Esta atividade é interessante, pois, se

os alunos já passaram pela visita monitorada, podem reconhecer com mais facilidade o

funcionamento de uma aldeia, o modo de vida indígena, os rituais que fazem parte da

cultura deles e as vestimentas características dos mesmos, fazendo, assim, uma

associação e sistematização das principais idéias apresentadas durante as atividades.

Com isto são concluídas as atividades de responsabilidade dos estagiários

direcionadas aos alunos do FDE, que, em seguida, recebem os lanches a eles

destinados, oferecidos com recursos do governo do Estado. Também são elaboradas

“Avaliações de visita”, as quais são destinadas aos professores, que, ao responderem,

podem julgar o que foi feito e visto e/ou sugerir, através de críticas e sugestões,

181 de 214

melhorias para o projeto, no que diz respeito à parte dos estagiários, fazendo, assim, com

que os mesmos não fiquem acomodados e na inércia, estimulando sempre a criação de

novos métodos e novas didáticas para o atendimento dos alunos no museu e da estrutura

física do Museu, para seu aperfeiçoamento.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O CEMAARQ, em especial, oferece uma opção cultural muito rica à população.

Contudo, grande parte dos alunos da escola pública, sobretudo de periferia, não tinha

acesso a ela e, muitas vezes, até desconhecendo sua existência. Com a implantação do

Projeto Lugares de Aprender tornou-se viável, mesmo a escolas distantes ou de outros

municípios, terem a possibilidade de usufruir das atividades propostas pelo Museu. Por

ser a cultura parte do patrimônio das sociedades, é função da escola fazer com que seus

alunos reconheçam esses locais, como também que a eles tenham acesso. Dessa forma,

tendo em vista uma formação plural, este projeto oferece oportunidades para que alunos

e professores da rede pública usufruam os equipamentos culturais disponíveis na cidade.

O CEMAARQ, no 1° semestre de 2013, contou com a presença de dois mil e

trezentos e cinqüenta e três alunos das Escolas Públicas Estaduais Paulistas vinculadas

ao projeto da Fundação para o Desenvolvimento da Educação, tendo sido desenvolvidas

com todas as turmas todas as atividades propostas pelo CEMAARQ. Pode-se notar o

tamanho da importância que esse projeto tem, pois é por meio dele que os alunos têm

acesso ao nosso Patrimônio Cultural Indígena, fazendo com que o CEMAARQ tenha sido

o primeiro “ponto de contato” entre os alunos e esse patrimônio.

É notória a repercussão e os questionamentos que esse projeto provoca para a

educação dos alunos. Os mesmos, devido às respectivas idades, “necessitam” dessa

dinamização do conhecimento. Podemos afirmar com toda certeza que, se não fosse o

projeto, no qual se incentiva o aluno a conhecer nossos patrimônios artísticos, pré-

históricos, históricos e culturais, acrescentando à sua formação a comparação com os

dias atuais, provavelmente eles não teriam o acesso a tais conhecimentos.

Pode-se perceber que houve uma dinamização do trabalho de aprendizado com

a realização de projetos didáticos correlacionados ao currículo escolar e às experiências

desenvolvidas nas instituições e espaços culturais, junto com a ampliação e

aprofundamento do conhecimento dos alunos pela apropriação de conteúdos de

disciplinas das áreas científicas, de arte e de comunicação lingüística, proporcionados

nas visitas às instituições culturais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Salientamos que a repercussão e questionamentos que o projeto provoca no que

se refere ao aprendizado dos alunos, tem sido muito importante, pois pode-se afirmar que

o Projeto Lugares de Aprender cumpre um papel muito eficaz no sentido de valorizar e

incentivar os alunos a conhecerem o patrimônio artístico, histórico e cultural da região e

também valorizar a sua história e preservar a sua cultura. Pode-se perceber que houve

uma dinamização do trabalho do professor em sala de aula com a realização desse

projeto e das experiências desenvolvidas através das visitas, aprofundando bastante a

aprendizagem dos alunos, levando à educação patrimonial, tão importante na busca de

raízes culturais Nota-se também que ocorreu uma maior valorização do patrimônio

cultural, tendo em vista uma compreensão e respeito dom as diferenças culturais de

grupos e povos. Houve um aumento de público que busca o CEMAARQ, pelo fato de

estar inserido nesse processo educacional, uma vez que este projeto, embora local,

consegue uma enorme projeção regional, na medida em que a visitação ao museu já faz

parte do calendário escolar de boa parte das escolas públicas da região e também de

outras regiões do Estado. Os incentivos financeiros que o Projeto vem obtendo por parte

das instituições parceiras e de outros projetos financiados estão contribuindo para a

continuidade e a qualidade dos serviços que são prestados à sociedade, pela

possibilidade de acesso ao museu. A participação do CEMAARQ nos projetos educativos

possibilita a efetivação enquanto um lugar de continuação do aprendizado e valorização

da educação, utilizando-se da riqueza cultural indígena, visto que esta oferece uma

opção cultural muito rica à população e aos alunos, pois se trata de um espaço para

conhecimento organizado sobre aspectos da vida social, política, artístico-cultural e

econômica da cultura indígena desde a pré-história até os dias atuais, trazendo uma

bagagem cultural e de conhecimento que acrescentam e ampliam os horizontes de

aprendizado dos mesmos. A exposição paleontológica projeta outra realidade, mais

antiga, mas não menos interessante e importante.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

AGUIRRE, Emiliano. A origem do homem. Salvat Editora do Brasil, S.A. Rio de

Janeiro, 1979.

VASCONCELLOS, C. M.; ALMEIDA, A. M. Por que visitar museus. In: Circe

Bittencourt (Org.). O saber histórico na sala de aula. 7. ed. São Paulo: Editora

Contexto, 2002.

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BESSEGATO, Mauí Luiz. O Patrimônio em sala de aula: Fragmentos de ações

educativas. Editora Evangraf, Santa Maria, 2004.

FERREIRA, Regina Helena Penatti Cardoso. Diálogo escola-comunidade.

Presidente Prudente, 2005.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Índios: passado, presente e futuro. In: Índios no

Brasil 1 Cadernos da TV Escola. Ministério da Educação, 1999.

KÜNZLI, Ruth; SOUZA, Renata Junqueira; SILVA Ilíada Pires. O projeto museu-

escola: dialogando com a interdisciplinalidade – uma experiência que está dando

certo. Revista Nuances,vol. VI 1º ed. São Paulo: UNESP, 2000.

MARQUES, Denise C. P. Catunda. Museu e Educação: reflexões a cerca de uma

metodologia. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia. USP, MAE, nº 4.

São Paulo, 1994.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil, 5º ed. São Paulo-Brasília: Hucitec/UnB,

1987.

PALLESTRINI, Luciana; MORAIS, José Luiz de. Arqueologia Pré - Histórica

Brasileira.1ª ed. São Paulo: Edusp/Museu Paulista, 1982.

RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas. Série Princípios. Ed. Ática. 1986.

SANTOS, Fausto Henrique. Metodologia Aplicada em Museus. Editora

Mackenzie, São Paulo – SP, 2000.

SCOCUGLIA, Jovankav Baracuhy Cavalcanti. Cidadania e Patrimônio Cultural:

Oficina-Escola, Projeto Folia Cidadã e Acervo no Centro Histórico de João

Pessoa. Editora Universitária João Pessoa, 2004.

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¹ Eixo temático “Geografia Ambiental e Geografia da Saúde”.

QUALIDADE AMBIENTAL DIFERENCIADA EM PRESIDENTE PRUDENTE/SP: ANÁLISE DE INDICADORES GEOAMBIENTAIS NOS BAIRROS WATAL E JARDIM CAIÇARA.¹

Iury Tadashi Hirota Simas/ FCT-UNESP

e-mail: [email protected]

Thais Michele Rosan/ FCT-UNESP e-mail: [email protected]

Carolina Karoll Battistam/ FCT-UNESP e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

O crescimento e adensamento populacional atrelado ao processo de desenvolvimento econômico do país, além da migração das áreas rurais para as urbanas, resultaram em cidades médias e grandes fortemente marcadas pelas diferenças de habitação de sua população. Assumindo que o espaço urbano segue a lógica capitalista e, portanto, é produzido e também apropriado diferentemente pelos diferentes agentes sociais, temos o macroprocesso que origina o fato urbano das condições precárias de habitabilidade (infraestrutura, equipamentos públicos, serviços) e baixa qualidade ambiental justamente nas áreas onde se concentra a população de menor renda.

Sabe-se há muito que o ambiente urbano, possui capacidade de influenciar positiva ou negativamente nas satisfações psicofisiológicas dos indivíduos. Assim, torna-se interessante analisar as particularidades destes espaços de forma detalhada, atentando aos elementos da paisagem que servem à identificação da forma como se apresentam as diferenças sociais e ambientais.

Mesmo no caso das cidades médias paulistas, onde se inclui o município de Presidente Prudente, as problemáticas que envolvem a qualidade ambiental urbana têm atraído atenção de pesquisadores ao longo das ultimas décadas, uma que vez que os processos a serem considerados são tanto consolidados historicamente, quanto dinâmicos e, portanto, variáveis de acordo com as escalas de tempo e pelo espaço.

Considerando-se que a natureza na cidade não existe de forma autônoma, mas sim como uma construção social que é apreendida diferencialmente pelos diferentes agentes (VEYRET, 2007), a paisagem natural urbana se compreendera como o conjunto de elementos geoambientais que interagem com a população em seu cotidiano determinando, de diferenciadas formas, a sua qualidade de vida.

As mudanças na paisagem natural se evidenciam notadamente pela retirada da cobertura vegetal e a incorporação ao aparato urbano de novos elementos como edificações, pavimentação (impermeabilização do solo), poluentes, entre outros que potencialmente alteram o balanço de energia do sistema (AMORIM, 1993), influenciando diferentes fenômenos físicos (clima urbano, processos geológicos) e fisiológicos (morbidade respiratória, desconforto térmico) que se manifestam neste meio.

Foram estudadas as paisagens dos bairros do Parque Watal Hishibashi, área onde ha concentração de população de menor renda com reconhecida alta exclusão social, e Jardim Caiçara, bairro de inclusão social cuja maior parte da população possui renda acima da média municipal (VIEIRA, 2009). Assim, através da coleta dos indicadores geoambientais mais interessantes e pelos mapeamentos subsequentes, buscou-se conceber uma síntese de elementos desses espaços diferenciados que pudesse levantar as bases necessárias para uma comparação entre a qualidade ambiental existente, tanto em um bairro cuja população possui maior renda e outro de menor.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA. O bairro Watal Hishibashi está localizado na Zona Norte de Presidente Prudente e

tem como principal aspecto ser habitado por moradores de classe média baixa. É possível

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comprovar este aspecto através do mapa de indicadores econômicos de VIEIRA (2009, p. 148), onde se observa que a população tem renda mínima de até dois salários mínimos. Podemos confirmar esta característica, também, quando fomos a campo e observamos as edificações que o bairro abriga. São, em sua maioria, edificações extremamente simples, contendo somente a residência e garagem, além de algumas possuírem jardins na parte frontal do terreno. A área verde se caracteriza como praça e se localiza no centro do bairro, com vegetação diversificada, que abrange todos os tipos (vegetação rasteira e gramado) e tamanhos de árvores (pequeno, médio e grande porte).

Já no bairro Caiçara, que se localiza na Zona Sul de Presidente Prudente, abrange moradores de classe média alta, como se pode observar no mapa de indicadores econômicos de VIEIRA (2009, p. 148). A diferença do bairro Caiçara para o bairro Watal Hishibashi está no estilo e desenho das edificações. Enquanto no bairro Watal Hishibashi as edificações são mais simples, no bairro Caiçara estas são mais sofisticadas no sentido de serem construídas com material mais adequado e propicio a uma melhor qualidade ambiental urbana no bairro.

Assim como no bairro Watal Hishibashi, a área verde do bairro Caiçara é caracterizada como praça pública, com instalação da academia do idoso, é próxima aos lotes recortados para esta análise, e por haver uma grande área sem edificações em um dos quarteirões analisados, há uma maior quantidade de vegetação nessa área recortada para estudo. Este lote sem edificações e a área verde possuem vegetação diversificada, tanto em gênero como em tamanhos variados.

A Figura 1 representa a localização dos quarteirões visitados durante a pesquisa de campo na cidade de Presidente Prudente – SP.

Figura 1: Localização dos quarteirões visitados em Presidente Prudente – SP. Fonte: Google Earth.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS. Para a caracterização dos lotes em relação aos indicadores geoambientais foi

preciso a realização de um trabalho de campo, na qual para cada lote foi atribuído valores referentes à tipo de uso do solo, áreas verdes e edificações adaptado de Rampazzo (2012).

A utilização do indicador uso do solo serviu para identificar o tipo de uso do solo nos dois quarteirões escolhidos para a comparação. A tabela 1 representa a organização estabelecida para a realização do trabalho de campo e definição dos usos do solo.

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Tabela 1 – Classificação do Uso do Solo

Uso do Solo - Classificação

Comercial 1

Serviços 2

Residencial 3

Lote não construído 4

Área Verde 5

Serviço Público 6

Industrial 7

Misto 8

Fonte: Adaptado de Rampazzo, 2012.

Por meio dos indicadores de área verde, foi possível estabelecer uma relação entre os dois bairros distintos socioeconomicamente quanto à presença de vegetação, porte e

quantidade nos lotes. Na tabela 2 é possível observar o modelo utilizado em campo.

Tabela 2 – Indicador das características da vegetação

Localização das áreas verdes/valores atribuídos

Porte da Vegetação/valores atribuídos

Sem Vegetação 1 Sem Vegetação 0

Interior Fundos 2 Gramado 1

Interior Frente 3 Árvore de Pequeno Porte

2

Externo 4 Árvore de Médio Porte 3

Ambos 5 Árvore de Grande Porte

4

Diversificado 5

Fonte: Adaptado de Rampazzo, 2012

Para os indicadores sobre edificação, fez-se uma caracterização do tipo de edificação, material construtivo e cobertura presente em cada lote visitado. Na tabela 3 são descritas as variáveis e os valores atribuídos para diferenciação.

Tabela 3 – Indicador das características das

edificações

Tipos de Edificação Geminada Edícula

Terreno vazio 0

Ed. 1 piso 1 a b

Ed. 2 pisos 2 a b

Ed. Mais de 2 pisos 3 a b

Cobertura das Casas

Sem edificação 0

Cerâmica Vermelha 1

Cerâmica Portugesa 2

Lage 3

Fibrocimento 4

Metálica 5

Concreto (cimento) 6

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Tipos de Materiais

Alvenaria (tijolos) 1

Madeira 2

Pré-moldado 3

Fonte: Adaptado de Rampazzo, 2012.

Para a realização da carta síntese de qualidade ambiental, foi atribuído pesos para cada variável de acordo com aspectos qualitativos descritos no Quadro 1.

Condições do Ambiente Cobertura Cerâmica Concreto Lage Fibrocimento Metálica

Material Construtivo

Alvernaria Pré-moldado Madeira

Tipo de Edificação

Com edícula Geminada

Uso do Solo

Residêncial Res./misto Serviços/comércio

Vegetação Grande Porte/

Médio Porte/Diversificado

Pequeno Porte/ Gramado Ausência de

vegetação

1 2 3 4 5

Quadro 1 – Variáveis consideradas e seus pesos. Fonte: Adaptado de Rampazzo, 2012.

Após a atribuição de pesos, os mesmo foram somados para cada lote e divididos

por 5, compondo uma coluna com a média desses valores. Com isso os valores foram divididos em 5 classes: Ótimo, Bom, Regular, Ruim e Péssimo.

Em sequência à realização do trabalho de campo e sistematização das tabelas, foi criado um banco de dados em ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica). A base cartográfica com os lotes foi obtida no site da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente.

Para o mapeamento temático foi necessário a transformação da base em formato .dwg (formato do AutoCAD) para shapefile, formato aceito pelo aplicativo ArcGIS®. Foi inserido os indicadores e suas variáveis na tabela de atributos da base cartográfica.

Para cada indicador foi atribuído uma cor a cada variável, assim foi possível fazer a espacialização dos dados obtidos em campo e padronizar as cartas no aplicativo ArcGIS®.

RESULTADOS OBTIDOS. No Bairro Watal, de classe social baixa, a qualidade ambiental fica entre Regular e

Ruim (Carta 1). Isso ocorre devido, principalmente, a renda das famílias que moram nessa região, visto que não possuem poder aquisitivo para a compra de materiais construtivos mais eficientes do ponto de vista do conforto térmico.

Percebe-se que as casas que tem um índice ótimo e bom de qualidade ambiental, possuem material de construção que permite uma melhor conforto térmico dentro da residência, como cobertura por cerâmica vermelha, material construtivo de alvenaria, além de possuírem vegetação considerável em seu terreno.

As casas com índice de qualidade bom só se diferenciam devido a presença de pouca vegetação. Apesar de terem sido construídas com material adequado, o conforto térmico da residência é prejudicado devido à falta de vegetação expressiva no terreno e no seu entorno.

Os lotes que possuem qualidade Regular a Ruim possuem edificações que foram construídas de alvenaria e com cobertura de laje. O que as diferencia das casas com qualidade ótima ambiental urbana é a pouca presença de vegetação, além do muro muito

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próximo a casa em si, o que impede a circulação de ar e se tornam casas mais quentes e abafadas.

Já os lotes com qualidade Ruim são os que possuem casas com cobertura de fibrocimento, com total ausência de vegetação. Desta forma, a qualidade ambiental urbana desses lotes não alcança um nível agradável para que se possam obter melhores índices de conforto térmico.

No que diz respeito à análise da qualidade ambiental urbana do bairro Caiçara, deve-se destacar que este é habitado por famílias de classe média a alta, isto implica diretamente na construção e preservação das áreas verdes dentro e no entorno dos lotes.

Percebe-se que no bairro Caiçara (Carta 2) a qualidade ambiental fica entre ótima e boa, ao contrário do bairro Watal Hishibashi. Essa diferença ocorre quando se analisa principalmente a presença e quantidade de vegetação no terreno e o tipo de cobertura das edificações. Os lotes com qualidade ótima/boa/regular são lotes que possuem cobertura de cerâmica vermelha ou portuguesa e presença de vegetação, sendo diferenciados apenas pelo porte e quantidade de vegetação. Já lotes com qualidade regular/ruim/péssima são caracterizados pela ausência de vegetação e tipo de cobertura das edificações, que na sua maioria são fibrocimento e concreto.

Por fim, tem-se claramente que a qualidade ambiental urbana do bairro Caiçara é melhor que a do bairro Watal Hishibashi por aspectos técnicos, como os analisados e mapeados aqui, mas também, principalmente, pela renda das famílias residentes em ambos os bairros.

Carta 1: Qualidade ambiental do bairro Watal Hishibashi, em Presidente Prudente. Junho/2013.

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Carta 2: Qualidade ambiental do bairro Caiçara, em Presidente Prudente. Junho/2013.

REFERÊNCIAS.

AMORIM, M. C. C. T. Análise ambiental e qualidade de vida na cidade de Presidente Prudente/SP. Dissertação de mestrado. Presidente Prudente: Faculdade de ciências e tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 1993. CAMARGO, C. E. S. Qualidade ambiental urbana em Presidente Prudente-SP. Dissertação de mestrado. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2007. RAMPAZZO, C. R. Clima Urbano em Alfredo Marcondes/SP: Uma analise dos indicadores geoambientais. Monografia de bacharelado. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2012. VEYRET, Y. Os Riscos: O homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Ed. Contexto, 2007. VIEIRA, A. B. Mapeamentos da exclusão social em cidades médias: interfaces da Geografia Econômica com a Geografia Politica. Dissertação de mestrado. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2009.

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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR EROSÃO HÍDRICA EM PROPRIEDADES PRODUTORAS DE CAFÉ NOS MUNICÍPIOS DE GETULINA E VERA

CRUZ-SP1

Jéssica de Sousa Baldassarini/FCT-UNESP2 e-mail: [email protected]

João Osvaldo Rodrigues Nunes/FCT-UNESP e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A região do Oeste Paulista tem sofrido ao longo das décadas um intenso processo de desmatamento, por meio da substituição de áreas nativas de Mata Atlântica e de cerrado, por pastagens e cultivos agrícolas, principalmente o café no século XX (BEZERRA et al., 2009). Este processo de ocupação sem planejamento e manejo adequado do solo resultou em graves problemas de erosão (laminar e linear), além de promover a diminuição da produtividade agrícola e o assoreamento de cursos d’água.

Tal degradação redundou em um dos mais graves quadros de impacto ambiental do Estado de São Paulo, com eliminação dos horizontes superficiais do solo, erosão linear acelerada (com formação de incontáveis sulcos, ravinas e voçorocas) e, por decorrência, de um assoreamento generalizado das drenagens (BEZERRA et al., 2009, p.426).

Segundo Bertoni e Lombardi Neto (1999) a erosão constitui-se: “[...] no processo de desprendimento e arraste acelerado das partículas do solo causado pela água e pelo vento. A erosão do solo constitui, sem dúvida, a principal causa do depauperamento acelerado das terras” (pág. 68). No caso da erosão provocada pela chuva, tem-se que a água que não fica retida sobre a superfície ou mesmo que não infiltra, transporta tanto as partículas do solo em suspensão como também importantes nutrientes. No que tange as dinâmicas de cunho natural, a erosão é provocada tanto por forças ativas (chuva, declividade e comprimento do declive do terreno e a capacidade de absorção de água pelo solo) como também por forças passivas (resistência do solo à ação erosiva da chuva e características da cobertura vegetal) (BERTONI; LOMBARDI NETO, 1999).

Porém, este processo de caráter natural, por vezes é intensificado pela ação antrópica que interfere, por exemplo, na redução da cobertura vegetal, favorecendo o aumento do escoamento superficial e do transporte de sedimentos; o emprego de máquinas agrícolas que podem ocasionar o processo de compactação do solo com diminuição da capacidade de infiltração; a ausência de técnicas conservacionistas nos solos agrícolas o que favorece o empobrecimento do mesmo e a menor estabilização de seus agregados etc. (GUERRA, 1994; BERTONI; LOMBARDI NETO, 1999).

Frente a este cenário de degradação se faz necessário o desenvolvimento e, principalmente, a disseminação de metodologias de recuperação de áreas degradadas por erosão que permitam a diminuição da perda de solos cultiváveis bem como a reprodução socioeconômica dos sujeitos que ocupam estas áreas.

Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo identificar os fatores naturais (características geomorfológicas, pedológicas etc.) como também os socioeconômicos (processo de uso e ocupação da terra) que condicionam o desencadeamento de processos erosivos em duas propriedades agrícolas produtoras de café, que constitui-se, historicamente, na principal atividade agrícola dos municípios em estudo. Uma das propriedades está localizada no município de Getulina, sob os arenitos da Formação Adamantina, e outra no município de Vera Cruz, localizado sob os arenitos da Formação Marília, mais especificamente no Planalto Residual de Marília. Estas propriedades foram

1 Eixo temático: Geografia Ambiental e Geografia da Saúde.

2 Bolsista de iniciação científica com projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de São Paulo (FAPESP).

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escolhidas por apresentaram características naturais e socioeconômicas distintas que influenciam, diferentemente, no desencadeamento de processos erosivos (Figura 1).

Figura 1 - Localização dos municípios de Getulina e Vera Cruz no Estado de São Paulo. Fonte: IBGE (2000).

Os fatores naturais participam do processo de esculturação do relevo, porém,

considerando que as dinâmicas naturais já não dão conta de explicar a complexidade dos fenômenos que ocorrem no espaço geográfico, se fez necessário a incorporação dos fatores socioeconômicos, considerando a sociedade como transformadora da paisagem e dos elementos que a compõem e, consequentemente, como fator que também influencia na ocorrência de erosões. Neste sentido, a paisagem se coloca como instrumento de compreensão da complexidade do espaço geográfico, enquanto materialização “momentânea” das dinâmicas processadas entre a sociedade e o meio em que suas ações se realizam, ou seja, o espaço natural (SANTOS, 1988; RIBAS, 1999).

Por vezes a relação estabelecida entre a sociedade e a natureza se coloca como conflitante e degradante, sendo aquela enxergada como recurso ao dispor das demandas da sociedade, em especial, as que se relacionam com o fator econômico (CASSETI, 1991).

A história do processo de ocupação do território brasileiro tem demonstrado que a terra sempre foi utilizada de modo intensivo e numa visão imediatista, até o limite de sua potencialidade. Trata-se, portanto, de uma postura capitalista primitivista, em que a concentração do capital se faz em detrimento da potencialidade, limitando o período de exploração, uma vez que a renovação do recurso implica, muitas vezes, uma relação de tempo geológico, “incompatível” com os anseios do sistema (CASSETI, 1991, p.79).

Quando o relevo e os elementos da natureza como um todo são visto enquanto propriedade, sabe-se que os mesmos estão vulneráveis a diferentes intensidades de uso e subordinados: “[...] aos interesses das relações de produção” (CASSETI, 1991, p.52). Portanto, deve-se considerar, na compreensão da relação sociedade-natureza, tanto os aspectos da natureza morfológica e fisiológica, como também os aspectos político-econômicos que influenciam na forma com que a apropriação do espaço natural pela sociedade e sua transformação vão ser processadas.

O desenvolvimento e, principalmente a disseminação de metodologias de recuperação de áreas degradadas por erosão se colocam, neste cenário, como instrumentos de intervenção em prol da amenização dos efeitos da degradação do solo, bem como subsídio para uma conscientização ambiental que combata o uso dos recursos naturais de forma predatória, inconsciente e inconsequente.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES Cada uma das propriedades apresentam dinâmicas naturais e socioeconômicas

distintas. Observou-se que as propriedades agrícolas do município de Getulina são, em geral, constituídas por pequenos produtores rurais que buscam na diversificação produtiva uma estratégia de reprodução socioeconômica com o objetivo de depender menos dos preços agrícolas de uma única cultura. Este fator levou a substituição do café por outras atividades, em especial pela pecuária de corte e de leite. Porém, o estabelecimento de pastos em um solo já desgastado favoreceu a ocorrência de pastagens degradadas que somadas com o pisoteio do gado e a concentração do fluxo superficial da água, intensificaram a ocorrência da erosão hídrica. De forma geral, há uma relação entre o processo de substituição do café pelas pastagens e o aumento da ocorrência de processos erosivos no município de Getulina (PLANO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL, 2010). Estes fatores foram observados na propriedade rural abrangida no presente trabalho como responsáveis pela ocorrência dos sulcos erosivos (Figura 2).

Figura 2: Ocorrência de sulcos erosivos sobre a pastagem que, anteriormente, se constituía de uma plantação de café. Fonte: Arquivo pessoal.

Já no município de Vera Cruz, observou-se uma predominância de grandes

produtores rurais com maior possibilidade de dispêndio de capital para o manejo do solo, como também para técnicas de recuperação de áreas degradadas. Porém, viu-se que grande parte do recurso financeiro é investido no processo de mecanização da produção do café, objetivando o aumento da produtividade do solo, o que favoreceu o desgaste do mesmo e o estabelecimento de processos erosivos, principalmente associados com os pés de café em formação que não apresentam cobertura vegetal e sistema radicular consideráveis, deixando uma maior parcela do solo exposto a ação da água da chuva.

Na propriedade de Vera Cruz abrangida na pesquisa observou-se a ocorrência de sulcos erosivos nas ruas do café em formação e em áreas de ruptura de curvas de nível, além disso, o relevo de caráter mais acentuado (cerca de 15°) é responsável pelo aumento da velocidade do runoff, favorecendo a intensificação da erosão (Figura 3).

Figura 3: Ocorrência de processos erosivos nas ruas com plantio de café em formação. Fonte: Arquivo pessoal.

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Para compreender melhor a importância de cada um dos elementos que participam do desencadeamento das erosões estudadas, foram coletadas amostras de solos nas duas áreas pesquisadas, realizando-se descrições gerais e morfológicas com base em Lemos e Santos (1996). As amostras foram enviadas ao Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos da FCT/UNESP para realização das análises texturais adaptadas do Manual de Métodos de Análise de Solos (EMBRAPA, 1997). Obtidas a partir da análise textural, as porcentagens de areia, silte e argila foram transpostas para o diagrama de classes texturais do United States Department of Agriculture (U.S.D.A., 1951 apud LEMOS; SANTOS, 1996).

Após as análises foi possível identificar o tipo de solo predominante em ambas as propriedades agrícolas, sendo este o Argissolo. Além disso, observou-se a relevância da declividade do terreno, do uso de maquinários agrícolas e das diferenças texturais e morfológicas entre os horizontes do solo na propriedade agrícola de Vera Cruz no desencadeamento dos sulcos erosivos, bem como o pisoteio do gado, a exposição do solo a ação da chuva e as diferenças texturais e de densidade entre os horizontes do solo na propriedade de Getulina como fatores relevantes na ocorrência das erosões.

Após a identificação dos fatores que levaram ao surgimento das erosões nas duas propriedades, foi estabelecida a metodologia de recuperação das áreas degradadas, sendo que a mesma consistiu-se na construção de barramentos de bambu com o objetivo de diminuir a velocidade da água dentro dos processos erosivos e reter os sedimentos transportados. As bases das barreiras foram impermeabilizadas com o uso de sacos de ráfia preenchidos com restos vegetais, oriundos do roçado das próprias áreas de implantação das estruturas, e com solo (Figura 4). Os barramentos foram construídos no mês de março em Getulina e no mês de abril em Vera Cruz.

Figura 4: Construção dos barramentos de bambu na propriedade de Getulina (a) e na propriedade de Vera Cruz (b).

Esta técnica foi aplicada justamente por ser acessível, ou seja, de baixo custo, já que

os materiais podem ser adquiridos em stands locais (ARAUJO, 2010). Sabe-se que um dos grandes problemas enfrentados pelos produtores rurais brasileiros, é que os mesmos, em sua maioria, não possuem informação de cunho mais específico de como se aplicar técnicas de conservação ou mesmo de recuperação de áreas degradadas por erosão. Porém, mesmo que haja informação, a aplicação da maioria destas técnicas depende da possibilidade de dispêndio de capital para sua efetivação. Neste sentido, a grande maioria dos produtores descapitalizados, que buscam sobreviver com o pouco que ganham pela sua produção agrícola, veem a aplicação destas técnicas como algo financeiramente inalcançável. Desta forma, a presente metodologia se apresenta como uma alternativa.

A técnica também se mostrou eficiente e pouco invasiva, sendo rapidamente incorporada ao ambiente, já que é constituída de materiais naturais. Como resultado houve um rápido crescimento e disseminação de vegetação no entorno das barreiras, bem como a contenção de grande parte dos sedimentos transportados. A este fato associa-se o surgimento de brotos de bambu em todas as estruturas montadas, sendo que estes

a) b) a)

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funcionam como barreira natural. Além disso, a metodologia pode ser aplicada por pequenos e grandes produtores rurais, sendo facilmente construída por eles. A seguir (figura 5) observa-se os resultados parciais das estruturas da propriedade de Getulina (a, b), três meses após a implantação, ou seja, no mês de junho, e em Vera Cruz (c, d), quatro meses após a implantação das barreiras, ou seja, no mês de agosto.

Figura 5: Resultados parciais do monitoramento espaço-temporal dos barramentos de bambu na contenção dos processos erosivos na propriedade de Getulina (a, b) e em Vera Cruz (c, d).

Esta forma de intervenção mostrou-se, até o momento, eficiente no controle de

processos erosivos impedindo sua intensificação, e podendo favorecer, de médio a longo prazo, a recuperação da área degradada e a sua reincorporação as atividades agrícolas, sendo este fator extremamente relevante, em especial, quando se trata de pequenos produtores rurais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfatizou-se neste trabalho alguns dos resultantes da relação, por vezes degradante entre sociedade e natureza, em especial no que se refere a degradação do solo, seus condicionantes naturais e a formas de intervenção antrópica que aceleram os processos erosivos. Esta intervenção relaciona-se a um processo de apropriação e uso do solo condicionado por um sistema econômico que incorpora a natureza como recurso a ser explorado. Esta relação fica muito evidente quando se observa as dinâmicas de exploração agrícola do solo, representada, em sua maioria, pela ausência de técnicas conservacionistas.

Frente a necessidade de se pensar em formas de intervenção que possibilite a recuperação de áreas degradadas por erosão hídrica que o presente trabalho propõe a

a) b)

c) d)

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construção de barramentos de bambu, enquanto técnica que reduziria a velocidade do escoamento superficial, responsável tanto pelo deslocamento e transporte de sedimentos do solo como também pelo processo de assoreamento de muitos cursos d’água.

Considerando que a técnica é de baixo custo, pouco impactante e eficiente foi possível que a mesma fosse aplicada tanto em uma grande propriedade agrícola como em uma pequena propriedade. Sendo que, até o momento, a intervenção apresentou ótimos resultados, promovendo a contenção de sedimentos e o estabelecimento/disseminação de vegetação dentro dos sulcos erosivos.

REFERENCIAS

ARAUJO, Gustavo Henrique de Sousa; ALMEIDA, Josimar Ribeiro de; GUERRA, Antonio José Teixeira. Gestão ambiental de áreas degradadas. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2010. 322 p. BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do solo. 4.ed. São Paulo: Ícone, 1999. 355p. BEZERRA, Maria Ângela. et al. Análise Geoambiental da região de Marília, SP: Suscetibilidade a processos erosivos frente ao histórico de ocupação da área. 2009. Disponível em: <http://ppegeo.igc.usp.br/pdf/geosp/v28n4/v28n4a07.pdf>. Acesso em 15 de Outubro de 2012. CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.146 p. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solos. 2.ed. Rio de Janeiro: 1997. 212 p. GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos (org.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. 458p. KIEHL, Edmar José. Manual de edafologia: relações solo – planta. São Paulo: Agronômica Ceres, 1979. 262 p. LEMOS, R. C. de.; SANTOS, R. D. dos. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 3. ed. Campinas: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1996. 84 p. PREFEITURA MUNICÍPAL DE GETULINA. Plano municipal de desenvolvimento rural sustentável. Getulina: Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2010. 29p. RIBAS, A. D.; RIBEIRO, J. C.; SANTOS, D. E. P.; SOUZA, M. T. R. Marxismo e Geografia: paisagem e espaço geográfico - uma contribuição para o entendimento da sociedade contemporânea. Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, p.102-123, 1999. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. 1.ed. São Paulo: Hucitec, 1988.

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SERTÃOZINHO (SP) E SEU EIXO DE DESENVOLVIMENTO1

Letícia Moreira Sant’ Anna2/ FCT-UNESP

e-mail: letí[email protected]

INTRODUÇÃO

Sertãozinho tem apresentado um boom industrial, com forte crescimento da produção das usinas de açúcar e álcool e do setor de máquinas para a agroindústria ligada ao setor sucroalcooleiro (Sellingardi–Sampaio, 2009). Dessa forma, essa região ficou conhecida como um conjunto de complexos territoriais agroindustriais de abrangência local e regional.

Como objetivo central deste trabalho temos a análise do eixo que interliga Ribeirão Preto, Sertãozinho e Jaboticabal a partir da metodologia definida por Hernández (1998). Para isso, buscaremos compreender o papel de cada município para a formação da cadeia agroindustrial.

RESULTADOS

A formação da cadeia produtiva sertanezina está relacionada à distância dela com a capital do Estado. Sendo assim, o difícil acesso a novos equipamentos e as dificuldades de importação criaram a necessidade da abertura de oficinas locais para a manutenção e montagem dos equipamentos. Em Sertãozinho, o início da produção canavieira foi com Francisco Schmidt, em 1906, através de uma lei de incentivo fiscal à implantação da agroindústria canavieira nas terras do município. O projeto foi criado pelo vereador Aprígio de Araujo.

Assim, a produção canavieira já nasceu de um incentivo do governo e vai se intensificar ao longo de muitas outras, como o Proálcool.

As condições favoráveis para produção canavieira são heranças deixadas pela estrutura consolidada durante a economia cafeeira que foram se reestruturando para atender as necessidades dessa nova fase. Para isso, ressaltamos o papel do Estado através de investimentos diretos e incentivos fiscais que possibilitaram as condições básicas de infraestrutura, tanto com investimentos na malha viária quanto na rede de telecomunicações. Um dos principais estudos que aborda a discussão para o conceito eixo de desenvolvimento foi feito por José Luis Sánchez Hernández (1998), baseado em seus estudos do doutorado intitulado “Ejes de desarrollo y articulación territorial: El ejemplo del eje Irún-Aveiro”, elaborada na Universidade de Salamanca.

Hernández definiu eixo de desenvolvimento como uma entidade econômico-espacial resultante da interação entre as infraestruturas de transporte, as atividades industriais e os núcleos urbano-industriais, sendo que as infraestruturas de transportes são responsáveis pela redução das distâncias temporais, o principal obstáculo que se encontra no sistema produtivo.

Para a caracterização de um eixo de desenvolvimento, Hernández (1998) traçou uma metodologia baseada em 11 propriedades: 1. Conjunto de vias de transporte que outorga acessibilidade aos fatores de localização industrial. 2. Redutor das incertezas nas decisões de localização. 3. Conjunto de vias de transporte balizadas por núcleos urbanos industriais. 4. Canal de circulação de mercadorias.

                                                            1 Eixo Temático: Geografia do Trabalho e Geografia Econômica. 2 Bolsista de Iniciação Científica – FAPESP, sob orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

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5. Canal concentrador de oferta que apresenta um alto nível de serviços. 6. Cenário privilegiado para a difusão de inovações. 7. Sucessão de centros e periferias funcionais e especializadas. 8. Suporte territorial dos processos de desconcentração produtiva. 9. Unidade geográfica dotada de uma base econômica própria derivada da agregação de centralidade territorial, centralidade locacional e centralidade funcional. 10. Síntese dos elementos do sistema de transporte. 11. Instrumento e objeto de política regional.

Essas propriedades serão base para análise do nosso recorte espacial, considerando que tais propriedades foram traçadas em um contexto diferente do Brasil; dessa forma, serão consideradas as propriedades aplicáveis ao nosso contexto.

No Brasil, as discussões sobre eixos de desenvolvimento tiveram início com pesquisadores do GAsPERR – Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais – da UNESP de Presidente Prudente.

Sposito e Matushima (2002) já constatam a mudança do paradigma de área para o paradigma de eixo, sendo necessário considerar a importância da rede urbana como um novo fator para a disseminação de tecnologias e unidades produtivas, com base nos estudos sobre o eixo rodoviário – Rodovia Washington Luís – que interliga as cidades de São José do Rio Preto e Mirassol, objeto de estudo da dissertação de Matushima (2001).

No artigo sobre a reestruturação produtiva e urbana no Estado de São de Paulo, Sposito (2007) argumenta que os novos padrões de localização industrial influenciam na formação dos eixos de transporte e comunicações que são escolhidos pelas empresas, constituindo territórios que se diferenciam por sua densidade de investimentos e de implantação de estabelecimentos industriais com fortes componentes tecnológicas.

Nesse contexto, Sposito (2007) considera eixo de desenvolvimento como

A infra-estrutura de transporte e comunicações adequada e de qualidade propicia condições favoráveis para a dinâmica territorial dos centros urbanos situados nas proximidades dos eixos, principalmente no tocante à localização das mais diversas atividades industriais, com as empresas buscando reduções do tempo necessário aos deslocamentos de matérias-primas e mercadorias, bem como o aumento da competitividade produtiva.

Com a expansão industrial do município de Sertãozinho houve a necessidade da ampliação das plantas industriais e assim o deslocamento para terrenos fora da cidade e mais próximos das vias de acesso. A antiga área industrial do município, hoje é o centro comercial urbano e as áreas de grande densidade industrial se deslocaram para as margens das rodovias de acesso à cidade. A mecanização da produção agroindustrial também altera a relação preestabelecida anteriormente, na qual Jaboticabal seria o principal fornecedor de mão de obra especializada, porém as necessidades de Sertãozinho responder à demanda de mão de obra especializada, segundo Estall e Buchanan (1976)

A mecanização dá lugar a uma demanda de indivíduos superespecializados, tanto para a manutenção de um dispendioso parque industrial como para tais atividades como a fabricação de ferramentas, cuja importância é aumentada em altíssimo grau de mecanização. Operadores especializados em determinados ofícios fazem-se, portanto, ainda necessários, e sua disponibilidade pode exercer alguma influência sobre a localização de indústrias onde encontrem emprego (p. 99).

Dessa forma, a localização industrial passa a considerar também a importância da pesquisa, devido às mudanças tecnológicas, além das atividades governamentais, como as isenções fiscais a partir de 1988 com a nova Constituição que estabelece maior autonomia aos municípios.

Sertãozinho é interligada por duas rodovias, a Armando Salles de Oliveira (SP- 322) e a Attílio Balbo (SP – 322). É na margem dessas rodovias que encontramos os distritos industriais do município.

Além disso, está próximo da Rodovia Anhanguera (SP-330) que a interliga as cidades da região com Campinas, São Paulo, Triângulo Mineiro e Brasília, bem como a SP-

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322 (Atílio Balbo e Armando Salles) que interliga o município com Ribeirão Preto e Bebedouro e a SP-333 (Carlos Tonani) que a interliga a Jaboticabal. Em Ribeirão Preto encontramos um anel rodoviário que interliga as principais rodovias da região.

As empresas de Sertãozinho possuem parcerias e clientes em outros estados e países (ver figura 1) e com isso há a formação de uma rede que vai além da escala regional e atinge patamares globais. As parcerias denotam as nossas dependências tecnológicas ainda presentes e a rede de clientes internacionais aponta para a importância da região na indústria metal-mecânica, com grande diversificação da produção.

Figura 1 - Principais parcerias e clientes internacionais.

DISCUSSÃO

Como mencionamos anteriormente, Hernández (1998) traçou sua metodologia com base em 11 propriedades. E foram com base nelas que realizamos os estudos do recorte proposto, sempre considerando a aplicabilidade dessas propriedades na realidade brasileira. Dessa forma, analisaremos quais propriedades podem ser atribuídas à pesquisa. - Conjunto de vias de transporte que outorga acessibilidade aos fatores de localização industrial: tanto a rodovia Armando Sales de Oliveira quanto a Atílio Balbo possuem fácil acessibilidade; - Redutor das incertezas nas decisões de localização: a facilidade de fluidez entre os municípios próximos a esses eixos e a sua facilidade de acesso à rodovia Anhanguera que a interliga à São Paulo foram fatores preponderantes da localização das empresas presentes neles. A rodovia Armando Sales de Oliveira apresentando um perfil com empresas mais tradicionais do município que antes se localizavam no centro da cidade e mudaram objetivando a ampliação das plantas industriais. E a rodovia Atílio Balbo com empresas mais recentes e outras que já possuíam, anteriormente, unidades em outros municípios. - Conjunto de vias de transporte balizadas por núcleos urbanos industriais: os municípios que estudamos apresentam intensas atividades industriais que extrapolam a escala regional. Se a pesquisa contemplasse as demais partes desses eixos a sua importância só aumentaria, pois a maioria dos municípios que circundam esses eixos é voltada para o complexo agroindustrial da região. Assim, essa propriedade não pode ser avaliada por completo.

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- Canal de circulação de mercadorias: A intensidade de fluxos nos eixos estudados é elevada, desde a circulação de pessoas, como de mercadorias e matérias-primas. Além de ser via de passagem rumo a capital de áreas mais distantes. Ambos os eixos se caracterizam como um canal de comunicação entre os dois mais importantes municípios da região, Sertãozinho e Ribeirão Preto, com alto grau de fluidez entre os territórios. - Canal concentrador de oferta que apresenta um alto nível de serviços: sendo Ribeirão Preto um município centralizador das principais prestações de serviço da região, desde atividades voltadas para o consumo, como serviços financeiros e de publicidade. Dessa forma, ocorrem intensos fluxos com destino a esse município, porém a prestação de serviços voltada para o setor sucroalcooleiro se concentra em Sertãozinho, onde encontramos as mais importantes empresas de prestação de serviços desse setor. - Cenário privilegiado para a difusão de inovações: no que tange o setor sucroalcooleiro, a questão da inovação se mostrou propícia, através de vários institutos de ensino superior e técnico com cursos voltados para o setor. E também da parceria de várias empresas com empresas de outros países com o objetivo de adquirir novas técnicas. O que se destaca no recorte da pesquisa é a sua alta capacidade de resposta aos novos desafios impostos pelo meio técnico-científico-informacional. - Sucessão de centros e periferias funcionais e especializadas: com certeza essa propriedade é aplicável ao estudo. Em Ribeirão Preto encontramos a especialização na fabricação de equipamentos médicos, óticos, de automação e precisão, sendo que Atílio Balbo tem um campus da USP que se destaca pela presença do curso de medicina e do Hospital das Clínicas, centro especializado em pesquisas médicas. E em ambos os eixos em Sertãozinho encontramos a especialização da indústria metal-mecânica, com empresas que visam desde a elaboração de projetos até a construção de usinas inteiras. - Suporte territorial dos processos de desconcentração produtiva: encontramos algumas empresas que possuíam, anteriormente, unidade em outros municípios antes de se instalarem nesses eixos, mas não se relaciona com o movimento de desconcentração industrial. O que ocorreu foi justamente que a distância da capital fez com que as empresas locais se adaptassem a necessidades que surgiam ao longo da produção. Dessa forma, formou se uma cadeia produtiva sucroalcooleira completa. - Unidade geográfica dotada de uma base econômica própria derivada da agregação de centralidade territorial, centralidade locacional e centralidade funcional: essa propriedade é uma síntese das demais propostas, pois reúne todos os elementos que o caracterizam. - Síntese dos elementos do sistema de transporte: em Sertãozinho havia uma linha férrea que cortava o município, porém não foi objeto de pesquisa. Inicialmente, tinha como função o transporte de álcool das usinas para Paulínia, mas em 1992, com a privatização da Fepasa ela ficou sem utilidade. Mas não foi objeto de trabalho nesse momento, o transporte rodoviário se mostrou mais relevante à pesquisa, pois é o principal circuito de circulação que as mercadorias e matérias-primas percorrem. - Instrumento e objeto de política regional: Devido às oscilações do setor sucroalcooleiro, Sertãozinho é objeto de várias políticas regionais de regulamentação do setor, já que essas oscilações refletem na dinâmica de vários outros municípios. Atualmente, vem sofrendo intervenções do mercado quanto ao preço do etanol que colocou 70% da indústria local em ociosidade, assim há propostas do Governo Federal de aumentar a porcentagem de etanol na composição da gasolina para a normalização dos preços. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, não houve uma interiorização da indústria, como argumentam muitos autores, e para explicar o desenvolvimento industrial dessa região, considerando a sua distância da capital do Estado, o que ocorreu nesse recorte espacial foi à implantação de estabelecimentos industriais que complementassem a produção da cana-de-açúcar. Dessa forma, a partir do crescimento do mercado desse cultivo, também foi acompanhado do desenvolvimento dos estabelecimentos que propiciavam a manutenção e criação dos equipamentos necessários. A dinâmica analisada aqui não se justifica pela desconcentração rumo ao interior, da década de 1970. E sim, através de incentivos por parte do Estado, no

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caso o Proálcool, que movimentou o mercado e financiou a ampliação desse ramo que antes era voltado para a produção do açúcar e foi somada a produção do etanol.

Em Sertãozinho, observamos que ao longo dos anos com a formação do complexo agroindustrial a partir da modernização agrária ocorreram quatro mudanças significativas nas características do parque industrial sertanezino: - ampliação das suas plantas com o deslocamento do centro da cidade para as margens das rodovias; - maior tecnificação da produção com base na importação de novas tecnologias. - terceirização de etapas específicas da produção, como estratégia de crescimento, segundo Kon (1994, p. 125)

As funções transferidas podem se compor de etapas do processo produtivo ou de atividades ou serviços de apoio, como de publicidade, contabilidade, limpeza, transportes, manutenção, alimentação de funcionário, vigilância, telefonia, entre outros.

- grandes investimentos públicos para a ampliação de infraestruturas. Segundo Elias (2003, p.71)

Os grandes investimentos foram dirigidos às áreas já dotadas de condições favoráveis a atender às necessidades demandadas pela produção agrícola moderna, como infra-estrutura de transporte, armazenamento, comunicações, energia etc. ou em condições de rapidamente desenvolvê-las. Caracteriza-se, desse modo, a existência de áreas mais receptivas à modernização da agricultura, entre as quais destaca-se a região de Ribeirão Preto [...].Uma série de políticas e programas do governo federal, seja em infra-estrutura, pesquisa tecnológica, crédito agrícola, entre outras, patrocinaram uma verdadeira revolução de sua atividade agropecuária.

No que tange à relação entre os municípios, Sertãozinho e Ribeirão Preto apresentam uma relação de consumo e de prestações de serviços voltada para a publicidade, administração e área financeira. E entre Sertãozinho e Jaboticabal uma relação com base na formação de mão de obra pela presença da Universidade Estadual Paulista em Sertãozinho. Além dessas relações há também o fluxo de matérias primas, mercadorias e pessoas que objetivam estudos e/ou trabalho.

Sertãozinho possui relações que extrapolam a escala regional e há a formação de uma rede entre as empresas desse município e outros países e estados que são interligados através de parcerias tecnológicas e de clientes que contratam serviços de empresas sertanezinas, criando uma interdependência entre os municípios. Essas relações vão além dos eixos e caracterizam esse município como um território de alta fluidez.

A maioria das empresas desse eixo iniciaram suas atividades voltadas para o setor sucroalcooleiro, porém entre os períodos de entressafra e de crises foram diversificando o leque da produção. Quando se fala nesse setor muito se aponta a “região de Ribeirão Preto” e atribui a esse município grande responsabilidade, porém no que tange a presença de indústrias e usinas, toda a dinâmica produtiva, se dá em outros municípios, principalmente, em Sertãozinho. E fica a cargo de Ribeirão Preto, realmente, de “capital do agronegócio”, pois nela estão centralizadas as principais atividades financeiras e administrativas do setor na região. Entretanto há uma dependência de Ribeirão Preto junto aos outros municípios, porque por oferecer uma gama de serviços e comércio, depende do dinamismo das atividades econômicas dos demais.

Para a consolidação do complexo agroindustrial sertanezino ocorreu forte atuação de ativos específicos que visavam o financiamento da ampliação das empresas, a adesão de novas tecnologias e a regulamentação do setor diante das oscilações do mercado. E que não está relacionada com o processo de desconcentração industrial da capital para o interior, devido à presença das principais empresas anteriormente a esse processo. O que ocorreu foi que a partir da década de 1970 houve um aumento na importância dessas empresas devido, principalmente, ao Proálcool que propiciou a criação de novas empresas no município e a ampliação de antigas.

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A forte integração entre a produção canavieira, as agroindústrias e o setor metal-mecânico gerou uma cadeia produtiva que em períodos de crise todos são afetados e, assim, ressalta a importância das políticas públicas para a regulamentação do setor.

Em suma, o eixo estudado denota a relevância internacional de Sertãozinho para o setor sucroalcooleiro e mais especificamente o setor metal mecânico que possui diversas parcerias e clientes em outros países. Além do mais, as relações entre os municípios são interdependentes, apesar de cada um apresentar uma função diferente.

REFERÊNCIAS ELIAS, Denise. Globalização e Agricultura. São Paulo: EDUSP, 2003. ESTALL, R. C; BUCHANAN, R. Ogilvie. Atividade industrial e geografia econômica. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. KON, Anita. Economia Industrial. São Paulo: Nobel, 1994. MATUSHIMA, Marcos Kazuo. A formação de um eixo de desenvolvimento entre os municípios de São José do Rio Preto e Mirassol-SP. 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SÁNCHEZ HERNANDÉZ, José L. El eje Irún-aveiro. Geografia de un eje de desarrollo. Salamanca .España: Caja Duero, 1998. SELINGARDI-SAMPAIO, Silvia. Indústria e território em São Paulo: a estruturação do Multicomplexo Territorial Industrial Paulista:1950/2005. Campinas:Editora Alínea,2009. SPOSITO, Eliseu Savério; MATUSHIMA, Marcos Kazuo. Dinâmica econômica no Estado de São Paulo: Do paradigma de área ao paradigma do Eixo de desenvolvimento. In. SILVA, João Márcio Palheta; SILVEIRA, Márcio Rogério (orgs.). Geografia econômica do Brasil temas regionais. Presidente Prudente: FCT/ UNESP, 2002. SPOSITO, Eliseu Savério. Reestruturação produtiva e urbana no Estado de São Paulo. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (69). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn- 24569.htm> [ISSN: 1138-9788].

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TRANSPORTES COLETIVOS URBANOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CRESCENTE DEMANDA POR TRANSPORTE INDIVIDUAL1

Deivid Francisco da SILVA2/ FCT-UNESP

[email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como meta principal contribuir para compreender os transportes coletivos urbanos, suas políticas e seus principais problemas nos dias atuais, levando em consideração a metrópole de São Paulo, mais precisamente os bairros de Santana, Tucuruvi e Horto Florestal, uma vez que os elementos que compõem sua realidade sintetizam as relações e os processos associados aos deslocamentos urbanos.

Sendo resultado do trabalho de monografia, apresentado no final de 2012 para obtenção do título de bacharel em Geografia, este estudo teve como foco contribuir para o estudo dos transportes coletivos urbanos, levando em consideração os diversos elementos que compõem a demanda, cada vez mais crescente, por um transporte público de qualidade.

Essa problemática, observada do ponto de vista da circulação, pode também ser enfocada de outra perspectiva, qual seja a da ampliação das desigualdades socioespaciais. Com o decorrer do processo de expansão urbana e de ampliação do sistema de transportes coletivos, houve um retrocesso no tratamento da dimensão social que envolve essa temática.

O maior enfoque esta na discussão acerca da crescente opção pelo o uso do transporte individual, sendo destacado que muitos usuários desejam e sonham com o primeiro veículo para fugir do stress gerado pelos transportes públicos. Mesmo que a sua aquisição aumente o nível de congestionamento nas vias, o que importa é estar em seu veículo, ou seja, demonstrando sua individualidade e conseguindo certo status diferente dos que usam os transportes coletivos.

Essa dinâmica tem que ser analisada em contextos mais amplos, considerando-se, de grande importância, a caracterização dos segmentos que compõem a sociedade e os meios de deslocamento que adotam, no âmbito dos quais podem acontecer diariamente, tanto práticas segregadoras, como integradoras por meio dos transportes, em função, respectivamente, da sua ineficácia e da sua qualidade.

O BAIRRO DO HORTO FLORESTAL

O bairro do Horto Florestal, localizado na zona norte de São Paulo, está entre os Distritos do Mandaqui e Tremenbé, e é habitado por mais de 30 mil pessoas (dados da Subprefeitura). Compreende uma área de 9 Km² e um perímetro de 16,4 Km, além de abranger uma densidade elevada de área verde, abrigando parte da Serra da Cantareira e do Parque da Cantareira onde, de fato, está localizado o Horto Florestal de São Paulo, o setor onde o bairro está localizado é administrativamente regido pela Subprefeitura de Santana/Tucuruvi. Tem como modal de transporte coletivo urbano, o realizado por ônibus e, principalmente, por micro-ônibus, sendo que este último se caracteriza pela cobrança da passagem ser efetivada pelo próprio motorista, ou seja, inexiste a figura do cobrador. Essa medida justifica-se pela necessidade de diminuir gastos, para que a empresa não perca sua taxa de lucro e/ou as tarifas sejam reajustadas, já que a receita tem diminuído, em função da queda do número de usuários do sistema de transporte coletivo, em decorrência da opção crescente pelo transporte individual.

1 Eixo temático: Geografia Urbana. 2 Licenciado e Bacharel em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, campus de Presidente Prudente – SP.

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Mapa 1: São Paulo. Município de São Paulo. Localização do Bairro Horto Florestal, 2010.

Fonte: Atlas Municipal de São Paulo, 2010.

O BAIRRO E OS TRANSPORTES

Ao analisar o bairro do Horto Florestal e o histórico dos transportes coletivos, fica visível a intrínseca relação entre os problemas do trânsito e dos transportes, mas nem sempre se teve uma preocupação mais apurada sobre eles. Entre os responsáveis pela organização e estruturação das cidades, o que se tinha era o “culto” ao automóvel, este sendo considerado como a “artéria” pulsante do coração chamado industrialização, o que mais tarde se tornaria a indústria mais protegida do Brasil.

Distrito e Subcentro Santana

Distrito e Subcentro Tucuruvi

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Expressamente detalhado na seguinte afirmação:

É muito mais do que urgente chamar a atenção para o fato de que a relação da sociedade brasileira com o automóvel é especialmente doentia, mesmo para os padrões patológicos com que o mundo ocidental trata do assunto. [...] pode ser espantosa a constatação de que boa parte da classe média brasileira investe mais em seus carros que na própria casa (LUDD, 2004, p.10).

A aquisição do automóvel como símbolo de status e uma variável consequente da

modernidade, fez e faz com que os órgãos públicos, empresas e a própria população se acomodem, deixando que o tempo se encarregue de dar soluções em um futuro não tão distante ou até mesmo as cidades se tornem capazes de agrupar ou mesmo suportar a crescente quantidade de automóveis, mas nem sequer planejam uma conciliação ou até mesmo uma infraestrutura que se encarregue de harmonizar os modos públicos e privados de transporte.

A utilização desenfreada do automóvel acabou modificando a distribuição modal

3 do transporte urbano, levando à deterioração dos transportes

públicos. Em função desta deterioração dos transportes públicos quem mais sofreu e sofre são as camadas inferiores da sociedade urbana que estão subordinadas a meios de locomoção frequentemente precários e pelos quais devem pagar uma parcela cada vez maior dos seus ganhos (SANTOS, 1990, apud Raia Jr.,2000).

Nas últimas décadas, observou-se, nas metrópoles, e principalmente em São Paulo

e nas grandes cidades brasileiras, uma busca pela transformação de espaços em espaços eficientes para o automóvel, que é considerado como única alternativa eficiente de transporte para populações de médio e elevado poder aquisitivo, como mostra o crescimento da frota de automóveis. Recentemente, esta tendência amplia-se porque a diminuição do IPI e a oferta crescente de crédito possibilitam também que os segmentos de médio baixo poder aquisitivo possam adquirir seus veículos.

Todas essas dinâmicas aceleram as transformações no sistema viário, no intuito de ampliar e facilitar o deslocamento dos modos individuais de transporte, visto que órgãos públicos foram implantados para garantir boas condições de fluxo e fluidez para o automóvel. Dessa maneira, formou-se a base para a implantação de uma cultura voltada ao automóvel, capaz de consumir um nível elevado de recursos (ANTP, 1999).

Pode-se dizer que o transporte público na cidade de São Paulo foi pouco desenvolvido durante esses anos, dando margem a um uso crescente do automóvel, o que, por sinal, já não promove uma elevação da mobilidade em razão dos congestionamentos a que o mesmo deu origem. A cultura voltada basicamente ao consumo e “culto” do automóvel acabou modificando a estrutura urbana e a distribuição dos modos de transporte, levando à deterioração e precarização dos transportes públicos.

Em função desta deterioração dos transportes públicos quem mais sofreu e sofre são “as camadas inferiores da sociedade urbana que estão subordinadas a meios de locomoção frequentemente precários e pelos quais devem pagar uma parcela cada vez maior dos seus ganhos” (SANTOS, 1990).

O BAIRRO HORTO FLORESTAL E O TRANSPORTE COLETIVO URBANO

3 Modais de Transporte: a) Individual: viagens realizadas por automóveis, táxi, caminhão, moto e

bicicleta; b) Coletivo: viagens de ônibus, trem e metrô; c) A pé: viagem realizada a pé da origem ao destino quando a distância percorrida for superior a 500 metros. Quando o motivo da viagem for trabalho ou escola a viagem é entra no registro independente da distância percorrida (Metrô – SP, 1997).

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O bairro do Horto Florestal é servido por modal de transporte coletivo urbano, realizado por ônibus e, principalmente, por micro-ônibus. Um dos fatores importantes e questionados pela população do Horto Florestal está na infraestrutura, o que podemos perceber em trabalhos de campo é uma má distribuição dos pontos de parada (embarque e desembarque) durante o percurso, pois não existe nenhuma lógica aparente, ou seja, os mesmos estão distribuídos aleatoriamente, alguns com apenas um quarteirão de distância entre eles, e outros apresentam mais de quatro quadras de distância.

Na tabela 1, tem informações sobre as condições destes pontos de ônibus e se percebe que é grande a proporção dos que não têm cobertura agravando as condições do serviço, visto que os usuários ficam expostos ao sol, chuva e frio, sendo este mais um aspecto que gera desconforto e insatisfação. TABELA 1: Horto Florestal. Distribuição dos pontos para embarque e desembarque (2012).

Quantidade de paradas com ou sem cobertura

Horto Florestal sentido Santana com cobertura 9

Horto Florestal sentido Santana sem cobertura 17

Santana sentido Horto Florestal com cobertura 8

Santana sentido Horto Florestal sem cobertura 15

Horto Florestal sentido Tucuruvi com cobertura 5

Horto Florestal sentido Tucuruvi sem cobertura 18

Tucuruvi sentido Horto Florestal com cobertura 7

Tucuruvi sentido Horto Florestal sem cobertura 20

Fonte: SILVA, D.F. Trabalho de Campo, Julho de 2012.

Outro fator que influencia na insatisfação dos usuários da cidade de São Paulo, mais precisamente no bairro em questão é a demora para se chegar aos respectivos destinos, além da espera para embarcar no modal público. Nos diversos trabalhos de campo realizados em diferentes horários, tendo em vista que a facilidade de se chegar a determinado local depende da mobilidade e esta se distingue ao longo do dia, ou seja, em horários de pico há imobilidade ocasionada pela disputa territorial. Em um percurso que normalmente se faz entre 25 e 35 minutos, nos horários de pico, os índices aumentam de forma exorbitante chegando a se estar no veículo por volta de 1h e 30 minutos. Isso é agravado pelo tempo que se permanece nos pontos, visto que, quando os ônibus chegam, estão completamente lotados, impossibilitando na maioria das vezes o embarque de usuários que estavam esperando por muito tempo a chegada deste modal, gerando desgaste e insatisfação para seus usuários, além do caos urbano que está diretamente ligado ao trânsito e a certa “interdição relativa” da circulação para os que necessitam deste meio de transporte em detrimento dos modos individuais de transporte.

Nos trabalhos de campo realizados foram constatados, através das 350 enquetes e de algumas conversas informais, que a opção pelo o uso do transporte coletivo se dá pela necessidade e não por preferência, sendo destacado que muitos usuários desejam e sonham com o primeiro veículo para fugir do stress gerado pelos transportes públicos. Mesmo que a sua aquisição aumente o nível de congestionamento nas vias, o que importa é estar em seu veículo, ou seja, demonstrando sua individualidade e conseguindo certo status diferente dos que usam os transportes coletivos.

Temos que reconhecer que a oferta de transporte público à população não é boa, principalmente nas horas de pico, onde há uma enorme dificuldade de acesso a todos esses modos, sem exceção, e as viagens são feitas em veículos superlotados. Sendo assim, associa-se a superlotação dos veículos à baixa velocidade de percurso, em razão na maioria das vezes do congestionamento da vias, principalmente nos picos. Pode-se, assim, dizer que o transporte público na cidade de São Paulo foi contido e esquecido durante os

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últimos 40 anos, dando margem a um crescente uso do automóvel, que já não promove uma elevação da mobilidade em razão dos congestionamentos monumentais que o mesmo deu e dá origem. A NECESSIDADE DE UM TRANSPORTE INDIVIDUAL

Na última década, a frota de automóveis cresceu substancialmente impulsionada

pelas grandes montadoras e o sistema viário sofreu adaptações para garantir boas condições de deslocamento a favor do modo individual de transporte, tendo como contraponto a deterioração dos transportes públicos.

Procuramos desvendar a atual demanda da população por outros meios de transporte, já que as políticas para aquisição do primeiro veículo particular têm se destinado, também, a atender as populações de baixa renda, através de facilidades de obtenção de crédito. De um lado, há o transporte coletivo que oferece serviços aquém da demanda, em freqüência, tempo e custo do deslocamento, bem como conforto para os passageiros. Por outro lado, há que se considerar o conjunto de valores que reforçam o desejo de acesso ao transporte individual, expressão de status social e reflexo da tendência de individualização, que marca a sociedade contemporânea. Sobre esta questão, deparamo-nos com a possibilidade, nos atuais dias, de diferentes formas de discriminação ocorridas nos meios de transporte coletivos, incluindo visões e atitudes pejorativas em relação aos usuários, influenciando e/ou reforçando o interesse de muitos em financiarem automóveis, como forma de fugir desse modo de diferenciação social, tendo em vista a ideia de que ganhará status em sua vida social e importância nas relações estabelecidas diariamente, na medida em que dispuser de transporte automotivo individual. Essa hipótese ganha apoio nas seguintes idéias:

Falamos [...] de um sistema econômico capitalista e de um sistema de locomoção capitalista. Sistemas instituídos que encarnam e expressam determinados valores, significações. Que tornam objetivo um mundo de subjetividades (LUDD, 2004, p.18).

A maioria dos usuários de transportes públicos não tem condições de arcar com custos para obter um meio de transporte particular, mas estão desgastados com o transporte público e acabam fazendo consórcios e/ou financiamentos para aquisição de um meio de transporte individual, até porque as parcelas estão na média dos gastos que os mesmos têm com os meios coletivos por mês. Graças a estas facilidades e, atualmente, em decorrência do crescente poder de compra das populações das classes C e D engendradas pela atual posição econômica que o Brasil atualmente ocupa há situação favorável à ampliação de usuários de transporte coletivo. Segundo a empresa Honda4, metade das compras de carro e moto é feita com a ajuda de consórcio, que, ao contrário dos demais financiamentos, não cobra juros e nem exige uma quantia de entrada. Dependendo do modelo escolhido e do tipo de pagamento (12x, 36x ou 48x) a mensalidade sai por volta de R$ 80,00 reais por mês, sendo muitas vezes menor que o gasto com o ônibus para ir ao trabalho, além de não ter que enfrentar as mazelas do transporte público.

Podemos destacar, ao final deste capítulo, que atualmente a necessidade por um transporte individual é caracterizada como prioridade, sendo motivos de planos e planejamentos de muitas famílias e usuários do transporte público. As facilidades de acesso a esses meios de transporte se fazem presentes, nos dias atuais, para pessoas que nem sequer tinham em seus planos obter um automóvel ou uma moto, não por escolha mais por estar fora de seus padrões de consumo. Não podemos esquecer que as condições de infraestrutura das cidades brasileiras, principalmente de São Paulo, não conseguem absorver tamanho crescimento de frota, ocasionando problemas urbanos diretamente influenciados por este modal de transporte, que acabou por ser cultuado por toda a sociedade como um “rei” das ruas e das vidas das pessoas. Apenas com intuito provocativo,

4 Informações obtidas no site da empresa Honda.

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se a população supostamente desejasse o retorno do Messias5, este certamente estaria dirigindo um modelo esportivo com quatro portas e 200 cavalos de potência, sendo mais claro, acaba sendo pouco saudável a relação das pessoas com os carros e motos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O maior interesse, em nosso estudo, com relação ao transporte coletivo urbano está

basicamente relacionado com a organização do sistema. Ele foi concebido, principalmente, pautado em interesses relativos à reprodução capitalista. Como diversos fatores de nossa sociedade relacionados ao modelo de produção capitalista, com os transportes a evolução dos acontecimentos não foi diferente: há utilização crescente e desmesurada do automóvel que acabou modificando a distribuição modal em benefício do modelo individual através de grandes investimentos, tendo como consequência a deterioração (poucos investimentos) dos transportes públicos.

É nesse contexto que as escolhas entre os modais de transporte devem ser repensadas, principalmente as escolhas que privilegiam o transporte individual. A escolha pelo automóvel, por parte da população que pode e têm possibilidades dessa escolha, decorre das necessidades de deslocamento levando em consideração os condicionantes econômicos e o tempo propriamente dito, contudo devemos lembrar que o uso indiscriminado deste modal acaba ocasionando problemas relacionados ao tráfego e à circulação, além dos problemas relacionados a questões ambientais. O que presenciamos há algum tempo é que o direito de circular e a circulação propriamente dita estavam diretamente ligadas às condições sociais e, principalmente, relacionados à renda, o que de certa forma vêm mudando, pois as classes mais baixas estão ganhando poder de compra e ganhando força na aquisição de modais individuais de transporte, encabeçados pela atual posição econômica do país e pela necessidade cada vez maior de circulação. Aliás, muito desta circulação é negada quando se têm uma sociedade que privilegia o uso do automóvel em detrimento dos transportes coletivos cada vez mais esquecidos pelo poder público e pela população que se conforma cada vez mais com o caos urbano diário em suas vidas.

Entendemos que aqui não se esgotam as possibilidades de análise, acreditamos que outros aspectos podem ser abordados, no âmbito da temática dos transportes. Almejamos que os dados levantados e as discussões aqui apresentadas possam servir de auxílio para futuras pesquisas quanto ao tema, possibilitando, através das pesquisas, a colaboração nas reflexões acerca de um espaço urbano com mais equidade e transportes coletivos urbanos que propiciem mobilidade e acessibilidade, além de conforto a todos os usuários.

REFERÊNCIAS

ANTP, Associação Nacional dos Transportes Públicos. Circulação com qualidade na cidade do século XXI. São Paulo, ANTP, 1999. LUDD, Ned (org); tradução Leo Vinicus. Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. (Coleção Baderna). METRÔ. Relatório Pesquisa Origem e Destino do Metrô/SP de 2007. Disponível em

www.metro.sp.gov.br/ acessado em agosto de 2012.

RAIA JR, Archimedes Azevedo. Acessibilidade e Mobilidade na estimativa de um índice de potencial de viagens utilizando redes neurais artificiais e sistemas de informações. Tese de Doutorado. Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2000. SANTOS, Milton. Metrópole Coorporativa Fragmentada: o caso de São Paulo. Secretaria de Estado e cultura/Nobel. São Paulo, 1990.

5 Fazendo referência a Jesus (o Messias) filho de Deus, que segundo a Bíblia veio à Terra para salvar a

humanidade dos pecados.

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UM ESTUDO SOBRE AS CONCESSIONÁRIAS DE AUTOMÓVEIS EM PRESIDENTE PRUDENTE (SP)1

Flaviane Ramos dos SantosContato: [email protected]

Aluna do Curso de Geografia na FCT/UNESPBolsista de Iniciação Científica FAPESP

Maria Encarnação Beltrão Sposito (orientadora)

Contato: [email protected] do Departamento de Geografia na FCT/UNESP

INTRODUÇÃO

Tanto o crescimento demográfico e territorial, quanto o desenvolvimento econômico da cidade não acontecem de maneira uniforme, nem no tempo, nem no espaço. No que concerne à distribuição dos usos do espaço urbano, podemos constatar áreas menos dotadas de meio de consumo coletivo e economicamente desvalorizados e, em contrapartida, setores melhor equipados, que estão a cada momento se renovando e reestruturando seus usos a partir dos interesses dos agentes modeladores do espaço urbano (CORRÊA, 1989), os quais podem, inclusive, ser contraditórios entre si. Quando se observam essas dinâmicas, ao longo do tempo, é notável a redefinição destes usos, segundo diferentes áreas da cidade, revelando o processo de estruturação do espaço da cidade.

As atividades comerciais e de serviços, e o consumo que a elas se associa, têm papel fundamental neste processo, pois as áreas em que se concentram tais atividades, de modo especializado ou não, conformam nós importantes que orientam a lógica de distribuição de outros usos de solo, com destaque para o residencial.

Há tendência histórica ao aparecimento de novas áreas comerciais e de serviços associado ao crescimento demográfico e territorial das cidades, mas o que se revela como novo são as lógicas que orientam esta tendência, no período contemporâneo. Elas estão diretamente vinculadas a duas dinâmicas, que nos interessam particularmente na pesquisa que estamos desenvolvendo: a) aumento da importância dos deslocamentos gerados pelo consumo no processo de estruturação dos espaços urbanos, em detrimento da perda relativa do papel dos deslocamentos casa – trabalho; b) intensificação das lógicas de segmentação socioespacial do uso e da apropriação do espaço urbano, o que se reforça e é propiciado pela concentração e especialização de atividades comerciais e de serviços, em determinados setores ou eixos do espaço urbano.

Tendo em vista tais dinâmicas é que se tomou como foco empírico deste trabalho o estudo da concentração de empresas comerciais e de serviços associadas ao ramo de concessionárias de veículos, em determinados eixos importantes de estruturação do espaço urbano.

Desta forma, este estudo volta-se, então, à identificação dos fatores locacionais que justificam a concentração de concessionárias em dois eixos de circulação importantes na estrutura da cidade de Presidente Prudente, verificando se as referidas avenidas apresentam uma especialização funcional e/ou socioeconômica.

Considerando que os estudos sobre a produção do espaço urbano desta cidade apresentam uma lacuna no que tange à lógica de formação dos recentes eixos comerciais especializados, o presente trabalho tem por finalidade tentar compreender essa dinâmica e, por meio dela, o processo de reestruturação de seu espaço urbano.

1 Eixo temático: Geografia Urbana

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Para tanto, atentamo-nos para a análise dos mapas que se mostram a seguir, nos quais podemos observar a localização das concessionárias de automóveis em Presidente Prudente nos anos de 1987/1988, 1998/1999, 2008/2009 e 2013 com base nas listas telefônicas de Presidente Prudente e Região da Editora EPIL dos respectivos anos escolhidos para análise, que se constituíram na fonte principal das informações que fundamentam nossa análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Desde a década de 1970, a expansão territorial urbana de Presidente Prudente foi significativa para as porções sudoeste e, sobretudo para a porção oeste, deixando nos dois casos, extensas áreas desocupadas. Este fato pode ser explicado pela situação geográfica destas áreas apresentarem menos dificuldades no que diz respeito à topografia, se comparado com a porção leste. (SPOSITO, 1983)

Sposito (1983) fornece uma rica contribuição para o entendimento da lógica da expansão territorial urbana em Presidente Prudente, a partir da década de 1970. Afirma que Presidente Prudente teve uma expansão territorial urbana sem precedentes, especialmente a partir de 1976, sem que, no entanto, essa ampliação da malha urbana através da abertura de loteamentos fosse acompanhada pelo aumento da população na cidade. Assim a autora constatou que “[...] a venda de terrenos cresceu na década de 70, de forma muito mais acelerada, do que aquele que poderia ser considerado o necessário [...]” (SPOSITO, 1983, p.81)

Conforme pode ser observado no Mapa 1, no final da década de 1980, podemos observar que as concessionárias de automóveis se localizavam, sobretudo, na porção central e no final da Avenida Coronel José Soares Marcondes, isto é, em uma das principais ‘entradas’ da cidade de Presidente Prudente.

Essa concentração no centro pode ser explicada pelo fato de que, na década de 1980, este era o setor mais acessível e para onde convergiam todos os fluxos da cidade. Além disso, compunham a área que coordenava todo o tecido urbano já consolidado, com infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos.

MAPA 1 - Presidente Prudente:Localização das concessionárias de automóveis em 1987/1988

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No final da década de 1990, mais especificamente em 1998/1999 (Mapa 2), as concessionárias de automóveis não se localizavam mais no centro principal de Presidente Prudente. Elas se dispersaram pela cidade, em função de novas lógicas locacionais, ainda que mantendo uma significativa concentração na Avenida Coronel José Soares Marcondes, nas proximidades com as Avenidas Quatorze de Setembro e Onze de Maio, os seja, do Parque do Povo.

A saída do centro principal pode ter ocorrido por duas razões. Em primeiro lugar, diante da valorização dos terrenos localizados no centro e consequente elevação de seus preços. Além disso, houve também a necessidade de distanciamento do centro principal a fim de evitar dificuldades de estacionamento, o que de maneira implícita revela a clientela prioritariamente almejada e atendida. De acordo com Villaça (2001) esse fenômeno de distanciamento do centro principal explica-se pela ampliação da mobilidade espacial, consequência do aumento da taxa de motorização da população mais abastada, que expandiu o raio de ação em que as pessoas podem fazer uso do comércio e serviços, assim como lazer e a residência.

[...] a difusão do uso do automóvel juntamente com o empenho do capital imobiliário em tornar obsoleto os centros existentes e promover novos centros proporcionou um violento processo de descentralização que se abateu sobre quase todas as metrópoles brasileiras e até mesmo nas cidades médias. (VILLAÇA, 2001, p.281)

E em segundo lugar, por causa do surgimento de novas centralidades, ou seja, “a organização urbana passou, portanto, de uma situação dominada por um centro para uma outra de policentrismo em que existem várias áreas de centralidade, sendo que umas são especializadas [...]” (BARATA-SALGUEIRO, 2013, p.8)

MAPA 2 – Presidente Prudente:Localização das concessionárias de automóveis em 1998/1999

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Já em 2008/2009 (Mapa 3), o número de concessionárias de automóveis aumentou significativamente e o mais interessante é que as novas concessionárias procuraram se instalar próximo de outras concessionárias já estabelecidas, fazendo com que houvesse o surgimento de eixos comerciais especializados, como é o caso da Avenida Coronel José Soares Marcondes, nas proximidades com as Avenidas Quatorze de Setembro e Onze de Maio e da Avenida Manoel Goulart, no trecho compreendido entre as Avenidas Quatorze de Setembro e Celestino Figueiredo.

MAPA 3 - Presidente Prudente:Localização das concessionárias de automóveis em 2008/2009

Apenas, no mapa 4, referente à localização das concessionárias de automóveis no ano de 2013 foi possível diferenciação delas, segundo a tipologia - exclusiva, multimarcas ou ambas - por meio de um trabalho de campo, pois esta informação não consta nas listas telefônicas consultadas para confecção dos mapas apresentados anteriormente.

No que diz respeito às concessionárias exclusivas constata-se que elas estão localizadas no prolongamento da Manoel Goulart - Caiado (Fiat), Cia Motors (Hyundai), Lumiére (Citroen), Ville Nissan e Ville Renault - e na Avenida Joaquim Constantino, em que há três concessionárias exclusivas - Via Muchiutt (Ford), La place (Peugeot) e Autoeste (Chevrolet) – em que há uma grande variedade de comércio e serviços ligados ao setor de veículos, como por exemplo, lojas de autopeças, postos de combustível, distribuidora de pneus e peças automotivas, funilaria e pintura, dentre outros.

Um ponto interessante a se observar é que há uma única concessionária exclusiva – Mahindra Mumbai Motors – que se localiza fora das duas avenidas supracitadas, ou seja, se localiza na Avenida Coronel José Soares Marcondes, nas proximidades com o Parque do Povo. Entretanto, já foi anunciada a mudança da Mahindra para o prolongamento da Avenida Manoel Goulart até o fim do ano, onde inclusive já tem uma placa em frente a uma construção com a seguinte afirmação: “Futuras instalações Mahindra”.

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MAPA 4 - Presidente Prudente:Localização das concessionárias de automóveis exclusivas e multimarcas em 2013

O interesse das concessionárias exclusivas pela instalação no prolongamento da Avenida Manoel Goulart e na Avenida Joaquim Constantino, dois eixos importantes que se cruzam próximo ao Prudenshopping, que exerce uma centralidade importante para os segmentos de maior poder aquisitivo, dá-se pelos seguintes motivos: a) relativa proximidade em relação às áreas residenciais de padrão ocupacional alto e médio, o que revela sua pretensão em atingir uma determinada clientela e dá as referidas avenidas níveis de especialização socioeconômica; b) o grande fluxo de veículos e pessoas que transitam diariamente pelas avenidas, com especial destaque para a Avenida Joaquim Constantino, visto que, neste caso, são também fluxos interurbanos, provocam essa concentração no espaço urbano; c) proximidade com as saídas da cidade o que também é relevante, não só do ponto de vista do mercado consumidor, ou seja, facilitar o acesso às pessoas de outras cidades, mas também do ponto de vista do abastecimento de mercadorias nessas concessionárias, afinal, não é por quaisquer vias, que os caminhões transportadores de carros, popularmente conhecidos como “caminhões cegonhas” podem se locomover facilmente ou serem estacionados; d) necessidade de distanciamento do centro principal a fim de evitar congestionamentos e dificuldades de estacionamento, o que de maneira implícita revela a clientela prioritariamente almejada e atendida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, conforme os mapas apresentados, é no setor sul-sudoeste da cidade de Presidente Prudente que se observa a concentração de concessionárias e outras empresas associadas ao comércio e aos serviços voltados para transporte automotivo, servindo, dessa forma, de exemplo do processo de reestruturação da cidade da valorização do quadrante sul-sudoeste, decorrente da ocupação de “vazios urbanos”

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constituídos nos anos de 1970 e 1980, acompanhada da nova “onda” de expansão do tecido urbano.

O estudo das lógicas espaciais das empresas que comercializam veículos automotores oferece elementos para se compreender as articulações entre a reestruturação urbana e a das cidades. Na primeira escala, a da rede urbana, é importante notar que são empresas que representam as grandes montadoras de capital internacional que operam no país e desenvolvem lógicas comerciais e espaciais, segundo estratégias e normas estabelecidas por estas transnacionais. Na escala da cidade, as mudanças também têm sido grandes, pois, se antes havia uma tendência à concentração das concessionárias nos eixos comerciais e de serviços que se desdobravam do centro principal, tem-se mais recentemente a implantação delas em eixos mais distantes. O principal deles é marginal à rodovia, atendendo demandas de consumo dos grupos de maior poder aquisitivo, que se instalaram no setor residencial sul da cidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATA-SALGUEIRO, Teresa. Do centro às centralidades múltiplas. In: _____ FERNANDES, José Alberto Rios e SPOSITO, Maria Encanação Beltrão. A nova vida do velho centro: nas cidades portuguesas e brasileiras. 2013, p.13-29.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. Ed. Ática, São Paulo, 1989.

Lista Telefônica TELESP 175 de Presidente Prudente e Região. Editora EPIL, 1987/1988.

Lista Telefônica TELESP 176 de Presidente Prudente e Região. Editora EPIL, 1998/1999.

Lista Telefônica de Presidente Prudente e Região. Editora EPIL, 2008/2009.

Lista Telefônica de Presidente Prudente e Região. Editora EPIL, 2013.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O chão em Presidente Prudente: A lógica da expansão territorial urbana. Rio Claro. 1983. Dissertação (Mestrado). 230 p. – Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.

VILLAÇA, Flávio. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001.

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