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1 XIII JORNADA DE CANDIDATAS DO IP DA SPMS EROS X THANATOS: REFLEXÕES NA ATUALIDADE A indissociável força da dualidade pulsional: reflexões e associações de uma jovem candidata. Claudia E. R. Martins Morais Candidata da sexta turma do IP/SPMS Introdução Este é um tema que considero fundamental para a compreensão do funcionamento psíquico, no entanto, acredito ser um tanto quanto desafiador escrever a seu respeito, devido a sua complexidade e pelo fato de estar ciente da minha condição de “Aprendiz de feiticeira”. Este é um Trabalho teórico, onde procuro relacionar a força indissociável das pulsões de vida e de morte ao processo de criação e sublimação dos artistas. Escrevo a partir da leitura de Freud - e de outros autores que seguem as suas ideias - e a partir do meu contato com algumas criações artísticas. Gostaria de enfatizar que não é minha intenção analisar seus criadores, mas compartilhar o que observei e associei com esse contato. A arte está relacionada à expressão de sensações e sentimentos profundos dos artistas, que nos encantam e nos impactam, pois os mesmos conseguem muitas vezes reproduzir um “encontro estético” em suas obras. Freud só introduziu os conceitos de pulsão de vida e de pulsão de morte a partir de seu texto “Além do princípio de Prazer” (1920). Portanto, divido este trabalho em duas partes: Na primeira parte abordo alguns conceitos sobre as pulsões antes de “Além do Princípio do prazer” e abordo as possibilidades de sublimação dessas forças por meio do processo criativo. Ilustro este capítulo com um trecho da música de Vinícius de Moraes e com um pouco do que encontrei sobre sua vida. Na segunda parte, pretendo escrever a partir do referido texto acima, sobre as pulsões de vida, de morte, a compulsão à repetição e o processo criativo dos artistas. Ilustro esse capítulo com um breve resumo de alguns aspectos que pesquisei sobre a vida do poeta francês Arthur Rimbauld, e descrevo as minhas suposições, baseada no que senti ao ler a sua poesia. A leitura de alguns autores contemporâneos a Freud, como Renato Mezan e Ignácio Paim, os quais considero brilhantes pela forma objetiva com que desenvolvem uma releitura das obras de Freud, me inspiraram a desenvolver este Trabalho neste formato, pois os mesmos enfatizam em seus textos a evolução do pensamento de Freud nesse período.

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XIII JORNADA DE CANDIDATAS DO IP DA SPMS

EROS X THANATOS: REFLEXÕES NA ATUALIDADE

A indissociável força da dualidade pulsional: reflexões e associações de uma jovem candidata.

Claudia E. R. Martins Morais Candidata da sexta turma do IP/SPMS

Introdução

Este é um tema que considero fundamental para a compreensão do funcionamento psíquico, no entanto, acredito ser um tanto quanto desafiador escrever a seu respeito, devido a sua complexidade e pelo fato de estar ciente da minha condição de “Aprendiz de feiticeira”. Este é um Trabalho teórico, onde procuro relacionar a força indissociável das pulsões de vida e de morte ao processo de criação e sublimação dos artistas. Escrevo a partir da leitura de Freud - e de outros autores que seguem as suas ideias - e a partir do meu contato com algumas criações artísticas. Gostaria de enfatizar que não é minha intenção analisar seus criadores, mas compartilhar o que observei e associei com esse contato. A arte está relacionada à expressão de sensações e sentimentos profundos dos artistas, que nos encantam e nos impactam, pois os mesmos conseguem muitas vezes reproduzir um “encontro estético” em suas obras.

Freud só introduziu os conceitos de pulsão de vida e de pulsão de morte a partir de seu texto “Além do princípio de Prazer” (1920). Portanto, divido este trabalho em duas partes: Na primeira parte abordo alguns conceitos sobre as pulsões antes de “Além do Princípio do prazer” e abordo as possibilidades de sublimação dessas forças por meio do processo criativo. Ilustro este capítulo com um trecho da música de Vinícius de Moraes e com um pouco do que encontrei sobre sua vida. Na segunda parte, pretendo escrever a partir do referido texto acima, sobre as pulsões de vida, de morte, a compulsão à repetição e o processo criativo dos artistas. Ilustro esse capítulo com um breve resumo de alguns aspectos que pesquisei sobre a vida do poeta francês Arthur Rimbauld, e descrevo as minhas suposições, baseada no que senti ao ler a sua poesia.

A leitura de alguns autores contemporâneos a Freud, como Renato Mezan e Ignácio Paim, os quais considero brilhantes pela forma objetiva com que desenvolvem uma releitura das obras de Freud, me inspiraram a desenvolver este Trabalho neste formato, pois os mesmos enfatizam em seus textos a evolução do pensamento de Freud nesse período.

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1- Alguns conceitos sobre as pulsões antes da obra de Freud (1920) “Além do Princípio do prazer” e as possibilidades de sublimação dessas forças por meio do processo criativo.

A definição de pulsão descrita por Laplanche e Pontalis (1995, p. 394) no “Vocabulário de Psicanálise” vem do alemão “Trieb” que não tem tradução, e está relacionado à impulsão. Os autores enfatizam o caráter irreprimível de uma “pressão” interna e inata e pontuam que:

“Embora o termo Trieb só apareça nos textos de Freud em 1905, ele tem sua origem como noção energética na distinção que desde cedo faz entre os tipos de excitação a que o organismo está submetido e tem que descarregar em conformidade com o princípio de constância (...). Existem fontes internas portadoras constantes de um afluxo de excitação a que o organismo não pode escapar e que é o fator propulsor do aparelho psíquico”

Laplanche e Pontalis (p. 395) citando Freud (1915) apontam em seu texto “Pulsões e destinos das pulsões” que essa força interna chamada pulsão, seria um “conceito – limite entre o somático e o psíquico” e apresenta um fator quantitativo-econômico, que é como “uma exigência de trabalho imposta ao aparelho psíquico”. Os autores pontuam ainda que a pulsão está relacionada aos estudos de Freud sobre a sexualidade humana, mais especificamente, sobre o que ele observou nas perversões e na sexualidade infantil. A teoria de Freud mantém o conceito de que a teoria das pulsões é sempre dualista, e nesse período ele menciona o dualismo das pulsões sexuais e das pulsões do ego, ou de autoconservação. Ele relaciona as pulsões de autoconservação como fator imprescindível para a conservação do indivíduo, e as associa à fome e à função de alimentação. Freud tenta explicar esse dualismo o relacionando às origens da sexualidade, onde a pulsão sexual se destaca das pulsões de autoconservação, explicando que existe um conflito psíquico onde o ego encontra na pulsão de autoconservação o essencial da energia necessária à defesa contra a sexualidade.

Renato Mezan em seu texto “Dualidade das pulsões” (2013, p.155) propõe que apesar de Freud ter embasado a teoria das pulsões sobre o paradigma sexual, o conceito de pulsão não se restringe a esta esfera, pois entende que desde 1905, “a noção de apoio da sexualidade sobre as grandes funções orgânicas da nutrição e da excreção sugere a existência das pulsões de autoconservação, cujo protótipo é dado pela fome”. Ou seja, existem forças internas que vão além da sexualidade, e essas forças são duais e buscam satisfação. À medida que as excitações internas aumentam devido a algum desconforto como, por exemplo, a fome e a sede, o aumento da tensão é

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sentido como desprazer que deve ser descarregada segundo o princípio da constância.

Freud diz que quando escrevemos uma obra, escrevemos sobretudo a respeito de nós mesmos. Talvez esse desejo da escrita possa ser causado por uma necessidade de descarga pulsional, desencadeado pela tensão das forças pulsionais que descrevi acima. Quando essa força pulsional se liga a uma ideia ocorre a sublimação, que estaria relacionada à qualidade de um dos destinos pulsionais que não está subordinada ao recalcamento. Algumas pessoas como o próprio Freud e alguns poetas e compositores, apresentam uma invejável sensibilidade e talento ao representar uma espécie de “domesticação” da dualidade e força pulsional em seus Trabalhos. Acredito que a música, a poesia e a psicanálise nos possibilitam entrar em contato com sensações e sentimentos mais profundos, que quando nomeados podem ser simbolizados.

Algumas músicas e poesias como as do nosso poeta Vinícius de Moraes, me despertam algumas ideias relacionadas a este tema e procurarei colocá-las em palavras. Assim como em nosso psiquismo, as pulsões de vida e de morte são inseparáveis, na música essa força ou tensão pode ser representada em algumas composições que se tornam atemporais. Vinícius de Moraes canta: “É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe... Mas para fazer um samba com beleza é preciso de um bocado de tristeza"

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A maior parte de suas composições descrevem suas paixões, suas reflexões sobre vida, morte, a percepção do lado obscuro do homem e a sua coragem de se entregar e se aprofundar, e como disse Drumond: ”Foi o único de nós que teve a vida de poeta”.

Pensando no sentido concreto da palavra dualidade, podemos observar a partir do que encontramos na “figura pública” do poeta, que essa palavra é uma constante na vida de Vinícius, pois ele era um diplomata e um poeta, se dizia um preto de alma branca e um branco de alma negra. Casou-se nove vezes e no documentário “Vinícius de Moraes” (2015) de Miguel Faria Júnior, interpretado por Camila Morgado e Ricardo Blat, vários de seus amigos e as suas filhas dizem que ele buscava estar sempre apaixonado, e que quando a paixão acabava ele se separava, pois entendia que essa era a chama que alimentava a sua poesia.

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Sua vida boêmia incomodou o Ministério das relações exteriores, que impôs alguns limites o obrigando a cantar de terno e gravata e ordenou que ele não recebesse nenhum cachê para tocar. Sua vida sempre foi feita de contrapontos, de um lado a rotina do diplomata, e de outro o poeta apaixonado. O diplomata fazia coisas que assombravam seus colegas, mas que para o poeta eram absolutamente normais.

Mezan (p. 155) coloca que “As excitações internas, cujo aumento da tensão é sentido como desprazer, devem ser descarregadas segundo o princípio de constância, postulado anteriormente para dar conta do mecanismo do ato reflexo”. O que me vêm à mente são algumas questões: O que seriam essas pulsões que agem tão fortemente em nosso funcionamento mental?

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Mezan traz uma interessante definição de pulsão e sua finalidade na sua obra “A trama dos conceitos” (2013, p. 257-258)

“A pulsão se define sobre as suas zonas de origem, por sua finalidade, por seu objeto e por sua intensidade como lemos na obra de Freud “As pulsões e seus destinos”, contudo, o que diferencia a pulsão dos instintos é a sua independência frente ao objeto que a satisfaz (...) a pulsão é uma fração de energia, mas de energia livre. O processo primário representa a circulação desta energia, enquanto o objetivo do processo secundário é exatamente ligá-la e canalizá-la para objetos e finalidades propícias para o ego”

O processo criativo pode ser um dos caminhos para que o ego do indivíduo possa alcançar o objetivo do processo secundário, que é possibilitar a ligação da energia pulsional a uma ideia, e esse processo favoreça a simbolização de um material reprimido que até então não podia ser representado. Isaías Paim com o texto “Compulsão à repetição: pulsão de morte trans-in-vestida de libido” (2014, p.107) pontua que quando a pulsão sexual “enlaça a pulsão de morte” o resultado do destino pulsional pode ser estruturante, com uma adequada sintonia ou ligação entre a pulsão de morte e a pulsão sexual.

As obras dos artistas nos impactam, pois penso que ao nos depararmos com algumas delas, elas nos fazem entrar em contato com uma apreensão da estética. Meltzer apud Freud (1994, p. 271) em sua obra “A apreensão do Belo” comenta que “Freud, e outros autores que o seguiram, consideravam a criatividade artística como sendo uma parte do funcionamento mental intimamente relacionada à formação onírica”. Para o autor a atividade artística seria como o sonho, e é tomada como uma elaboração no inconsciente, relacionados aos resíduos do inconsciente reprimido. Sendo assim, imagino que a música, assim como uma tela de Renoir ou uma escultura de Rodin, torna-se atemporal quando consegue registrar essas manifestações sobre a impressão estética que temos com essas obras. Seria a apreensão daquilo que vai além do conteúdo manifesto nas obras.

Não sou uma crítica de arte, tampouco uma exímia pianista - o que conheço sobre música aprendi nas aulas de piano e ouvindo músicas desde criança. Acreditando, como disse anteriormente, que a música é capaz de despertar nossos mais profundos sentimentos e nos trazer à memória as mais remotas lembranças de antigas experiências, ouso dizer, que ela é capaz de reproduzir a ambivalência das mais profundas sensações. Ao ouvir a música “Samba da Bênção” de Vinícius de Moraes, algumas questões vieram à minha mente, e pensando nas palavras dele: O que é a alegria sem antes termos sentido a tristeza? E o que é a vida sem a certeza da morte? O que seriam dos Encontros sem os Desencontros? Mais uma vez a dualidade dos opostos

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sobrepostos, como nas teclas de um piano onde o som mais grave e forte do Bemol se sobrepõe e também se rende ao som mais fino e frágil do Sustenido, como encontramos nos recitais. Sem a pretensão de analisar o poeta, gostaria de compartilhar que o fato que me levou a associar a vida e a obra de Vinícius às pulsões sexuais e de autoconservação neste capítulo, é o fato de imaginar que a força da dualidade das pulsões em seu funcionamento puderam ser “domesticadas” e não o “destruíram” pois ele conseguiu se manter diplomata e poeta ao longo de sua vida.

Segundo Paim (p.207) citando Freud (1933, p. 121) podemos pensar sobre esse processo que envolve: “Um determinado tipo de modificação da finalidade [da pulsão] e de mudança de objeto [sexual para um não sexual], na qual leva em conta nossos valores sociais, são descritos por nós como sublimação”. Em relação à compreensão do que seriam esses valores sociais, Paim (p.209) aponta que ele diferencia uma criação-catarse de uma criação-criativa. O autor descreve a criação-catarse como aquela onde existe uma descarga da demanda pulsional pouco metabolizada pelo aparelho psíquico, onde não há a presença do outro como um interlocutor e não está relacionada com os ideais da cultura na qual se encontra inserido o sujeito. Na criação-criativa a demanda pulsional é metabolizada de forma mais qualificada pelo aparelho psíquico, adquirindo um maior valor simbólico, onde encontramos a presença de um emissário (o criador) e um receptor (o espectador/ a cultura), sendo que este se deleita com um desejo que reconhece também como seu. Paim (p.209) coloca que as obras mais criativas são aquelas que atingem um número maior de pessoas que possam viver “A fantasia de plenitude compartilhada, entre seu desejo recalcado e a apresentação do desejo não recalcado, mas sim, sublimado do criador”. Sendo assim a sublimação é um processo que envolve o criador e o seu interlocutor. Penso que Vinícius apresenta uma criação-criativa em suas obras.

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2- Pulsões de vida, pulsões de morte e a compulsão à repetição na obra de Freud a partir de “Além do princípio do prazer” (1920) e o processo criativo dos artistas.

Segundo Paim (p.104) Freud já havia dado início à reviravolta conceitual sobre as pulsões que ele introduz em “Além do princípio do prazer” (1920) com a criação do texto “O Estranho” (1919), ao se inquietar sobre o caráter repetitivo e mais primitivo da pulsão. “É através da sensação de estranhamento que Freud se vale para postular uma forma peculiar do retorno do recalcado, marcado pelo horror, pelo assustador produto de algo conhecido/familiar”. Ele relaciona o estranho ao repetir da compulsão. Assim ele começa a teorizar a ideia de uma compulsão à repetição não vinculada ao princípio do prazer.

A definição dos conceitos relacionados às pulsões e a compulsão à repetição provocaram algumas controvérsias entre Freud e autores contemporâneos a ele. No Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1992, p.83) ele diz que o referido tema tem seu ponto central na obra de Freud (1920) “Além do Princípio do Prazer”, que é um texto que provoca uma reviravolta na definição da teoria das pulsões, e inaugura um novo modelo metapsicológico na obra de Freud, onde a compulsão à repetição tem sua origem no trauma e é considerada como uma força “demoníaca”, pois é irrepreensível e relacionada à pulsão de morte. Essa força é definida pelos autores citados acima como: “Experiências manifestamente desagradáveis que são repetidas, e, numa primeira análise, não se vê muito bem que instância do sujeito poderia encontrar satisfação nisso”.

Ignácio Paim (p.106) coloca que “Além do Principio do prazer” é uma obra que estabelece uma dicotomia da compulsão à repetição, onde de um lado, temos uma repetição governada pelo principio do prazer, centrada na força do desejo, a partir dos pontos de fixação; e de outro, temos uma repetição do que nunca foi prazeroso, centrado na força do traumático. Sobre a

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pulsão de morte, ele entende que ela é uma força pulsional não enlaçada, não ligada, que está solta e não está subordinada à função ordenadora do aparelho psíquico. Portanto, o autor enfatiza o caráter disruptivo da pulsão de morte, em que podemos observar seu potencial para fazer surgir o novo, por um viés criativo. Ele entende que a pulsão é sempre nova, e o que se repete é sua permanente demanda por descarga. O autor comenta que nesta obra de Freud, a questão do narcisismo e da sublimação adquirem maior complexidade, pois o novo dualismo que ele propõe traz a ideia de que esse novo conceito da pulsão de morte é um retorno à cena de autodestrutividade humana, como uma forma desorganizadora do que estava até então estabelecido, mas que tem como contraponto a pulsão sexual, que visa à união, a criar uma organização.

Com o objetivo de ilustrar as minhas associações sobre: pulsões de vida, pulsões de morte, a compulsão à repetição e as possibilidades de sublimação por meio do processo criativo, descrevo um pequeno resumo da vida e uma obra do poeta francês Arthur Rimbaud, de acordo com o que encontrei sobre ele em minha pesquisa, que tem como fonte os sites: www.ebiografia.com/arthur_rimbaud; http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista/revistas/24/PeBRev24_12_Campos.pdf e https://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Rimbaud

Arthur Rimbaud nasceu no seio da classe média provincial de Charleville em Ardenas, departamento no nordeste da França. Ele foi o segundo filho de Vitalie Rimbaud e o Capitão Frédéric. Logo depois que o casal teve a quinta criança, que morreu um mês depois do nascimento, o pai deixou a família, sendo assim, ele cresceu sem a presença de seu pai. Segundo o que encontrei em minha pesquisa, Rimbaud nunca se sentiu amado por sua mãe. Descrevo um trecho de sua poesia “A consoada dos órfãos” que pode ilustrar essa ideia:

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Segundo o relato de historiadores, quando garoto Rimbauld era impaciente, inquieto e assim se manteve por toda a sua vida. No entanto, foi um estudante brilhante e pela idade de quinze anos ganhou muitos prêmios e compôs versos originais e diálogos em Latim. Em 1870 seu professor Georges Izambard se tornou o mentor literário de Rimbaud e seus versos em francês começaram a melhorar rapidamente.

Segundo dados encontrados sobre a figura-pública do poeta, ele se tornou um anarquista, começou a beber e a fazer uso de haxixe, e se divertia chocando a burguesia local com suas vestes rotas e o cabelo longo.

Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês que exerceu grande influência na poesia do século XX. Foi considerado um dos precursores da poesia moderna. Seu possível relacionamento com o poeta Paul Verlaine foi inspiração para o filme “Eclipse de Uma Paixão”.

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Com apenas 20 anos, Rimbaud deixa de escrever e decide trabalhar

com o comércio de café na Etiópia. Arthur Rimbaud faleceu em Marselha, França, vitimado por um câncer na perna, no dia 10 de novembro de 1891.

Minha Intenção não é analisar o poeta, como disse anteriormente, mas gostaria de compartilhar o que pensei enquanto pesquisava sobre a sua vida e ao ler a sua obra “A consoada dos órfãos”. Baseio-me no que foi escrito sobre a figura pública do poeta Rimbauld, e no meu contato com a sua poesia. Imagino que os sentimentos de desamparo e de abandono que o poeta descreve em sua obra, podem ter ocasionado efeitos turbulentos em seu psiquismo. Parece-me que o seu processo de criação, pode envolver a necessidade de repetição, em que ele busca o encontro com algo que pode dar uma nova forma a esses sentimentos de vazio e possa nomear suas angústias.

Ignácio Paim (2014, p.210) no texto “O pulsar da pulsão e os enigmas da criação” coloca que Freud apontou que é a partir da sublimação que vamos

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encontrar uma forma de tentar teorizar o processo criativo dos artistas, mas enfatiza que esse é um tema bastante “enigmático”. O processo criativo pode estar relacionado à pulsão de morte, onde ele levanta a hipótese de que o mesmo é produzido pela sublimação e está relacionada em uma maior liberdade pulsional. O autor sugere que a sublimação apresenta dois lados: um deles está relacionado a um recalque propriamente dito, e de outro está subordinada ao desejo pelo recalque primário. Esse recalque é fundante do inconsciente recalcado, que contem em seu núcleo o desejo, e que esse desejo vive a pulsar em busca de satisfação em que o grau de renúncia seja de menor intensidade.

A compreensão do processo de sublimação envolve a necessidade da compreensão do Narcisismo presente neste processo, onde podemos supor que a fonte propulsora da sublimação são os desejos narcísicos do Eu-Ideal. “A sublimação diz respeito à libido objetal, que requer um recolhimento dessa libido para o Eu (...). No momento em que o Eu passa a ser objeto do investimento libidinal teremos a reativação dos desejos narcísicos”. O segundo momento da sublimação propõe que esse Eu investido libidinalmente, constrói um objeto “não sexual” que propicie a satisfação mítica do narcisismo de nossas origens. Nesse momento se dá a construção de um novo/velho objeto de desejo onde a representação de coisa encontre uma nova representação e uma mudança de estado, onde ocorra um desprendimento da força negativadora do recalque primário. Paim coloca uma interessante analogia com a Química para exemplificar essa mudança de estado na sublimação: “É uma mudança de estado mantendo a essência – como do sólido ao gasoso. A sublimação é uma forma “não sexual” do sexual encontrar gratificação. Paim (p.214) coloca que:

“O narcisismo dos grandes criadores, assim como o de todos nós, é nosso grande capital, todavia para gerar dividendos, precisamos encontrar caminhos para que ele se comunique com o mundo. Os artistas são um exemplo expressivo, pois possuem esse raro talento de mergulharem nas profundezas do lago de Narciso, e voltarem à vida trazendo em suas criações todo o encanto da paixão de um mundo conhecido e também desconhecido. Esse processo do conhecido e o desconhecido traz, em sua gênese, um dos pilares do mundo psíquico que é a repetição”.

Associo esse mergulho no conhecido/desconhecido descrito acima à quando estamos produzindo. Nesse processo de criação precisamos entrar em contato com aquilo que sentimos, precisamos nomear esses sentimentos para então tentar comunicar nossas ideias a um interlocutor. Na maior parte das vezes vamos buscar respostas às nossas indagações ao que nos é familiar ou conhecido. Num primeiro momento evitamos o desconhecido por ele nos parecer estranho. Tenho a impressão de que o artista é “corajoso”, ele se desprende e se arrisca com mais facilidade ao contato com esse

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desconhecido, ou seja, ele mergulha de forma mais profunda, e pensando na questão da repetição, ele se lança a essas profundezas por mais vezes.

Paim (p.216) nos traz que a repetição se relaciona com a criatividade quando a pulsão de morte opera como uma força disruptiva, que cria diferenças, que abre espaço para que o processo da repetição se faça de outra forma. Paim apud Garcia –Rosa (1896b) “A repetição do mesmo é da esfera da pulsão de vida, ela por si só busca se livrar das tensões, aspira à tranquilidade do paraíso perdido. Criar é fazer, da repetição reprodução, uma repetição diferencial. Repetir por novos caminhos permite ligar morte à vida”.

Acredito que quando um artista busca um maior contato com conteúdos internos voltados à autodestruição, ele se aproxima de um masoquismo primário, que pode indicar que existe prazer no desprazer, remetendo-o a uma compulsão à repetição, onde muitas vezes ele pode se envolver em relações conturbadas, com o uso abusivo de álcool e drogas. Nesse sentido podemos pensar que o que está mais Além do principio do prazer é a repetição.

A respeito do lugar da repetição no processo criativo dos artistas Paim (p.215) citando Ostrower (1995) nos sugere não existe criação artística sem “acasos” e se questiona se existem “acasos” na criação. Ele aponta que os “acasos” seriam as manifestações de nosso ser sensível, que são capturados por nossa percepção e atenção. Os mesmos nos levam a pensar na força propulsora do desejo inconsciente relacionada à pulsão de morte. O “acaso” é um pulsar sem meta originária, pura pulsão. O “acaso” uma vez capturado torna-se um “caso” em busca de significação, de uma nomeação que permita mover-se além das origens. A pulsão de morte, ao destruir parcialmente os sistemas ordenados e governados pela força de Eros, dará lugar ao acidental e nesse processo será desvelado o mundo da criação, mundo esse que está relacionado ao eterno retorno, impulsionado pelo pulsar da pulsão. Sendo assim pode-se constatar que a pulsão é pura intensidade, que mantém a sua indissociável dualidade e só é representada quando está ligada a uma ideia.

Considerações Finais

Em relação aos artistas que descrevi neste Trabalho, a presença da indissociável força das pulsões de vida e morte no funcionamento psíquico dos mesmos, quando ligadas a uma ideia, favorece o processo de criação em suas obras artísticas. A dualidade das pulsões é um conceito que Freud mantem ao longo dos textos estudados, e penso que a criação promove o encontro daquilo que pode ser representado com o irrepresentável.

A dualidade das emoções que vão de um estado depressivo/produtivo a um momento mais alegre, descritos pelo poeta Vinícius em suas canções é presente em todos nós. Entrar em contato com a frustração e com nossa fragilidade, nos possibilita um pensar menos evacuativo e mais reflexivo, é a frustração que permite a entrada do Princípio da realidade e a possibilidade da entrada do processo secundário do pensamento. A força pulsional encontrada na dualidade indissociável entre as pulsões de vida, de morte e a compulsão à

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repetição também estão presentes no nosso funcionamento psíquico, no entanto o que diferencia esse funcionamento em cada pessoa é a história pessoal de cada um e suas fixações libidinais. Nesse sentido, percebemos que na poesia de Vinícius e em sua vida e obra, assim como na história de Rimbauld, existe um investimento sexual na pulsão de morte que também pode estar relacionada a um masoquismo primário que vai muito “Além do princípio do prazer”.

Concluo este Trabalho considerando as ideias de Isaias Paim (p. 112) “Portanto é imprescindível desconstruir a ideia equivocada de que a pulsão de morte é a vilã dos processos psicopatológicos”. A partir disso ele descreve a possibilidade de integração do traumático das origens da compulsão à repetição a partir da pulsão de morte. “A pulsão de morte, ao pulsar via compulsão à repetição, cria uma possibilidade de ser escutada e, decorrente desse encontro, pode vir a ser capturada pala malha representacional”. Quando existe a representação ocorre uma integração do traumático que pode ser simbolizado e “o desconhecido fez-se parcialmente conhecido” como o que eu acredito que ocorre no funcionamento dos artistas que descrevi anteriormente.

Penso que os poetas dão nome às suas emoções e sentimentos mais profundos, como na poesia abaixo, de Vinícius, mas entendo que as pulsões são pura intensidade, são irrepresentáveis, e é uma tarefa difícil falar sobre aquilo que opera em nosso psiquismo como uma força, portanto não me afastei da teoria e tentei compartilhar com vocês apenas o que veio à minha mente ao escrever este Trabalho.

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Referências Bibliográficas

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LAPLANCHE & PONTALIS, J. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MELTZER, D. A apreensão do belo: o papel do conflito estético no desenvolvimento, na violência e na arte. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 2013.

PAIM, I. Metapsicologia: um olhar à luz da pulsão de morte. Porto Alegre: Movimento, 2014.

Referências encontradas na internet

- www.ebiografia.com/arthur_rimbaud;

http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista/revistas/24/PeBRev24_12_Campos.pdf

- https://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Rimbaud