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13 Xeroderma Pigmentosum – Um Caso Clinico na Raça Negra Carla Teixeira 1 , Jorge Palmares 2 , Fernando Falcão-Reis 3 , Ana Paula Cunha 4 , Filomena Azevedo 5 , M. Antónia Barros 5 , Paulo Santos 5 , José Mesquita-Guimarães 6 O xeroderma pigmentosum (XP) é uma genodermatose autossómica recessiva, de consanguinidade comum nas famílias afectadas, muito rara na raça negra. Caracteriza- -se por hipersensibilidade à radiação ultravioleta, a determinados fármacos e a agentes carcinogéneos, com reparação deficiente do DNA. Os autores descrevem o caso clínico de uma doente de 17 anos de idade, de raça negra, com alterações oculares e cutâneas típicas de XP. A doente apresentava numerosas lesões de lêntigo na pele exposta, mancha de lêntigo maligno na região malar esquer- da, fotofobia, hiperemia e melanose conjuntivais, extensos leucomas vascularizados, distrofia nodular em banda da córnea e triquíase, bilateralmente. A acuidade visual era de 3/10 no OD e de 2/10 no OE. Posteriormente, surgiu um carcinoma basocelular nodular pigmentado na asa do nariz e um fibroma na ponta da língua. A doença atinge todas as raças, mas existem poucos casos publicados em indivíduos de raça negra. As alterações oculares são mais frequentes nesta raça, atingindo preferen- cialmente as estruturas expostas à luz solar. INTRODUÇÃO Xeroderma pigmentosum (XP), uma dermatose autossómica recessiva rara, foi descrita em 1874 por Hebra e Kaposi 1 . Caracteriza-se por hipersensi- bilidade à radiação ultravioleta (UV), a determi- nados fármacos e a agentes carcinogéneos 2 , por deficiente reparação do ADN lesado por estes agen- tes físico-químicos. Atinge todas as raças, sem predomínio de sexo. Clinicamente, caracteriza-se pelo aparecimento de pele seca e efélides apenas em áreas cutâneas ex- postas à luz solar e um risco aumentado de apare- cimento de tumores cutâneos em idades jovens. Em 30% dos casos observam-se alterações neuro- lógicas 2,3 . As manifestações oculares são frequentes, atin- gindo preferencialmente as estruturas expostas à luz solar. O pólo posterior está protegido pela ab- sorção da radiação UV pela córnea e cristalino 2,4 . Em indivíduos de raça negra as manifestações Palavras-chave: Xeroderma pigmentosum, distrofia corneana em-banda nodular, raça negra. oculares são mais frequentes e apresentam, carac- teristicamente, uma distrofia em-banda nodular da córnea 4,5 . Este artigo descreve o caso clínico de uma doente de raça negra com manifestações cutâneas e ocu- lares de XP. CASO CLÍNICO Em Novembro de 2000, uma doente de raça ne- gra, com 17 anos de idade, foi enviada à Consulta de Córnea do Hospital de S. João. Natural e resi- dente em Moçambique, veio para o Porto para tra- tamento de lesões cutâneas e oculares de Xeroderma pigmentosum. Referia o aparecimento das manifestações da doença aos 2 anos e era o único caso conhecido na família. Toda a pele exposta à luz solar apresentava lesões características da doença (Fig. 1). Na pele da região malar esquerda tinha uma lesão hiperpigmentada suspeita (Fig. 2), com 1,5 por 2 cm de maiores dimensões, que foi extraída cirur- gicamente. A anatomopatologia revelou tratar-se de um lêntigo maligno (Fig 3). A doente não apre- sentava envolvimento neurológico nem sistémico. A nível ocular (Fig. 4, 5, 6), podiam observar-se extensos leucomas vascularizados da córnea ex- 1 Interna Complementar de Oftalmologia do H. S. João - Porto 2 Assistente Graduado de Oftalmologia do H. S. João - Porto 3 Director do Serviço de Oftalmologia do H. S. João - Porto 4 Interna Complementar de Dermatologia do H. S. João - Porto 5 Assistente Graduado de Dermatologia do H. S. João - Porto 6 Director do Serviço de Dermatologia do H. S. João – Porto Acta Oftalmológica 11; 13-18, 2001

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Page 1: Xeroderma Pigmentosum – Um Caso Clinico na Raça Negra · Xeroderma Pigmentosum - Um Caso Clínico na Raça Negra 15 DISCUSSÃO Em 1874, F. Hebra e M. Kaposi descreveram, pela primeira

Xeroderma Pigmentosum - Um Caso Clínico na Raça Negra 13

Xeroderma Pigmentosum – Um Caso Clinicona Raça Negra

Carla Teixeira1, Jorge Palmares2, Fernando Falcão-Reis3, Ana Paula Cunha4, Filomena Azevedo5,

M. Antónia Barros5, Paulo Santos5, José Mesquita-Guimarães6

O xeroderma pigmentosum (XP) é uma genodermatose autossómica recessiva, deconsanguinidade comum nas famílias afectadas, muito rara na raça negra. Caracteriza--se por hipersensibilidade à radiação ultravioleta, a determinados fármacos e a agentescarcinogéneos, com reparação deficiente do DNA.Os autores descrevem o caso clínico de uma doente de 17 anos de idade, de raça negra,com alterações oculares e cutâneas típicas de XP. A doente apresentava numerosaslesões de lêntigo na pele exposta, mancha de lêntigo maligno na região malar esquer-da, fotofobia, hiperemia e melanose conjuntivais, extensos leucomas vascularizados,distrofia nodular em banda da córnea e triquíase, bilateralmente. A acuidade visual erade 3/10 no OD e de 2/10 no OE. Posteriormente, surgiu um carcinoma basocelularnodular pigmentado na asa do nariz e um fibroma na ponta da língua.A doença atinge todas as raças, mas existem poucos casos publicados em indivíduos deraça negra. As alterações oculares são mais frequentes nesta raça, atingindo preferen-cialmente as estruturas expostas à luz solar.

INTRODUÇÃO

Xeroderma pigmentosum (XP), uma dermatoseautossómica recessiva rara, foi descrita em 1874por Hebra e Kaposi1. Caracteriza-se por hipersensi-bilidade à radiação ultravioleta (UV), a determi-nados fármacos e a agentes carcinogéneos2, pordeficiente reparação do ADN lesado por estes agen-tes físico-químicos.Atinge todas as raças, sem predomínio de sexo.Clinicamente, caracteriza-se pelo aparecimento depele seca e efélides apenas em áreas cutâneas ex-postas à luz solar e um risco aumentado de apare-cimento de tumores cutâneos em idades jovens.Em 30% dos casos observam-se alterações neuro-lógicas2,3.As manifestações oculares são frequentes, atin-gindo preferencialmente as estruturas expostas àluz solar. O pólo posterior está protegido pela ab-sorção da radiação UV pela córnea e cristalino2,4.Em indivíduos de raça negra as manifestações

Palavras-chave:Xeroderma pigmentosum, distrofia corneana em-banda nodular, raça negra.

oculares são mais frequentes e apresentam, carac-teristicamente, uma distrofia em-banda nodularda córnea4,5.Este artigo descreve o caso clínico de uma doentede raça negra com manifestações cutâneas e ocu-lares de XP.

CASO CLÍNICO

Em Novembro de 2000, uma doente de raça ne-gra, com 17 anos de idade, foi enviada à Consultade Córnea do Hospital de S. João. Natural e resi-dente em Moçambique, veio para o Porto para tra-tamento de lesões cutâneas e oculares deXeroderma pigmentosum. Referia o aparecimentodas manifestações da doença aos 2 anos e era oúnico caso conhecido na família.Toda a pele exposta à luz solar apresentava lesõescaracterísticas da doença (Fig. 1).Na pele da região malar esquerda tinha uma lesãohiperpigmentada suspeita (Fig. 2), com 1,5 por 2cm de maiores dimensões, que foi extraída cirur-gicamente. A anatomopatologia revelou tratar-sede um lêntigo maligno (Fig 3). A doente não apre-sentava envolvimento neurológico nem sistémico.A nível ocular (Fig. 4, 5, 6), podiam observar-seextensos leucomas vascularizados da córnea ex-

1Interna Complementar de Oftalmologia do H. S. João - Porto2Assistente Graduado de Oftalmologia do H. S. João - Porto3Director do Serviço de Oftalmologia do H. S. João - Porto4Interna Complementar de Dermatologia do H. S. João - Porto5Assistente Graduado de Dermatologia do H. S. João - Porto6Director do Serviço de Dermatologia do H. S. João – Porto

Acta Oftalmológica 11; 13-18, 2001

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14 Carla Teixeira, Jorge Palmares, Fernando Falcão-Reis, Ana Paula Cunha, Filomena Azevedo, M. Antónia Barros, Paulo Santos, José Mesquita-Guimarães

posta à luz, com depósitos nodulares centraisamarelados no OD (distrofia nodular em-banda),hiperemia conjuntival, lesões melânicas daconjuntiva, fotofobia marcada e triquíase; o 1/3superior da córnea mantinha a transparência, per-mitindo a observação da câmara anterior e íris,que não mostravam alterações, e uma acuidadevisual não corrigida de 3/10 no OD e 2/10 no OE.

Fig. 3 – Histologia do lêntigo maligno (proliferação melanocíticada camada basal da epiderme).

Fig. 2 – Lêntigo maligno na região malar esquerda.

Fig. 4 – Lesões faciais e oculares da doença.

Fig. 1 – Lesões de lêntigo na pele foto-exposta, característicasde Xeroderma pigmentosum.

Fig. 5 – Biomicroscopia OD – hiperemia conjuntival, lesõesmelânicas da conjuntiva, leucoma vascularizado na córnea ex-posta à luz, zona poupada sob a pálpebra superior.

Fig. 6 – Biomicroscopia OE – aspecto semelhante.

Procedeu-se a uma queratectomia superficial doOD (Fig. 7), com esclerótomo, na presença de EDTA(ácido etilenodiaminotetraacético) dissódico a 0,05M, para remoção dos referidos depósitos. O mate-rial recolhido foi enviado para exame histológico:fragmentos de epitélio e estroma superficial dacórnea com depósitos de cálcio intra-estromais(Fig. 8). A acuidade visual manteve-se.A doente foi medicada com lubrificantes corneanose pondera-se a hipótese de proceder a umaqueratoplastia penetrante parcial.Na Consulta de Dermatologia, foram detectadasduas novas lesões suspeitas: uma, com 6 mm dediâmetro, na pele da asa do nariz (Fig. 9) e outra,com 1 cm de diâmetro, na ponta da língua (Fig.1 0).Após exérese cirúrgica, a anatomopatologia reve-lou um carcinoma basocelular do nariz (Fig.1 1) eum fibroma da língua (Fig 12).Entretanto a doente regressou ao seu país de ori-gem.

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Xeroderma Pigmentosum - Um Caso Clínico na Raça Negra 15

DISCUSSÃO

Em 1874, F. Hebra e M. Kaposi descreveram, pelaprimeira vez, uma dermatose que ficou conhecidacomo doença de Kaposi1, mais tarde denominadaXeroderma pigmentosum. Actualmente o númerode casos conhecido é muito pequeno (1:250.0005,6,7

a 1:1.000.0002). Entre 1874 e 1982 (período de 108anos) foram descritos apenas 830 casos2,3.A doença atinge todas as raças (embora se tenhaverificado ser mais frequente no Japão2,3) e ambosos sexos. A consanguinidade é comum nas famí-lias afectadas.

Fig. 8 – Histologia das lamelas de córnea: fragmentos de epitélioe estroma superficial da córnea com depósitos de cálcio intra-estromais.

Fig. 7 – Aspecto da córnea após queratectomia superficial comEDTA.

Fig. 9 – Carcinoma basocelular nodular pigmentado na asa donariz.

Fig. 10 – Fibroma da ponta da língua.

Fig. 11 – Histologia do carcinoma basocelular nodular do nariz.

Fig. 12 – Histologia do fibroma da língua.

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16 Carla Teixeira, Jorge Palmares, Fernando Falcão-Reis, Ana Paula Cunha, Filomena Azevedo, M. Antónia Barros, Paulo Santos, José Mesquita-Guimarães

Caracteristicamente, a patologia condiciona umahipersensibilidade à radiação ultravioleta (UV), adeterminados fármacos e a agentes carcinogéneos(quadro I)2, devido a uma deficiente reparação doADN lesado por estes agentes. Os fotões de UVpodem alterar o estado energético dos electrões,os átomos e moléculas ficam instáveis e surgemreacções oxidativas responsáveis pelos danos nostecidos: ligações proteicas cruzadas, desnaturaçãodas proteínas e mutações nas moléculas de ácidosnucléicos. Em 1968, Cleaver mostrou que osfibroblastos da pele destes doentes apresentavamuma diminuição marcada ou ausência de repara-ção do ADN comparativamente aos fibroblastosnormais5.

A doente descrita neste artigo não apresentavasinais e sintomas neurológicos nem somáticos.As manifestações oculares são frequentes (30-70%5,6,8,9) e atingem preferencialmente as estruturas ex-postas à luz solar (quadro II). O pólo posterior estáprotegido pela absorção da radiação UV pelacórnea e cristalino4,10. A fotofobia é das manifes-tações mais frequentes (21%), assim como a con-juntivite (18%) e as complicações corneanas(17%)3,6. Em indivíduos de raça negra as manifes-tações oculares são mais frequentes (70%) e apre-sentam, caracteristicamente, alterações descritascomo distrofia nodular em-banda da córnea4,5,12.Esta entidade clínica foi descrita em homens ido-sos, de raça negra e etnia Bantu (65 casos conhe-cidos, todos em indivíduos com 50 anos ou mais4),mas pode surgir em jovens Bantu com doençafotossensibilizante. Consiste numa opacificaçãoem-banda do epitélio e do estroma superficial, compigmentação justa-límbica e nódulos dedepósitoshialinos que destroem a membrana basal do epité-lio. O restante estroma não apresenta alterações.A nossa doente apresentava extensos leucomasvascularizados da córnea exposta à luz. No ODpodiam observar-se alguns depósitos nodularescentrais amarelados, ligeiramente mais extensosque os apresentados noutros casos de XP, em do-entes de raça negra4. O facto de o 1/3 superior dacórnea, protegido da luz solar pela pálpebra supe-rior, estar completamente transparente pode ex-plicar a acuidade visual apresentada pela doente,apesar da extensão dos leucomas na área centralda córnea.Quando a visão está diminuída ou se o epitélionão existe sobre os depósitos, a queratopatia em--banda com deposição de cálcio pode ser tratadacom EDTA (ácido etilenodiaminotetraacético)dissódico, um quelante do cálcio que também ini-be as colagenases in vitro e in vivo13. No caso des-crito foi utilizado EDTA dissódico neutro numaconcentração 0,05 M (uma ampola de 20 ml deEndrato 150 mg/ml diluída em 175 ml de águadestilada), que foi colocado em contacto com acórnea, após anestesia tópica e remoção do epitélio.Em seguida procedeu-se à queratectomia superfi-cial.Manteve-se oclusão com antibióticos durante 48horas até à reepitelização. A queratoplastia é umaterapêutica viável neste doentes, embora ainda sedesconheça o efeito a longo prazo da radiação UVno enxerto. Estão descritos 12 casos em que esteprocedimento foi realizado em doentes comXeroderma pigmentosum (quadro III)9. Em 5 casosocorreu rejeição do enxerto, mas em todos verifi-cou-se resposta ao tratamento da rejeição. Avascularização corneana e as alterações palpebraise da película lacrimal podem limitar o sucesso dotransplante.

Quadro I – Xeroderma pigmentosum: agentes lesivos para o ADN

Fármacos Carcinogéneos

Psoralenos associadosa raios UV (PUVA) AflatoxinaClorpromazina BenzopirenoNitrofurantoína Derivados do óxido nitroquinolínicoMitomicina C Derivados do acetoaminofluorenoAntramicina Derivados do fenantrenoCisplatinaCarmustinaAdaptado: referência 2.

As manifestações clínicas são muito característi-cas: a pele adquire um aspecto seco e surgemefélides, apenas em áreas cutâneas expostas à luzsolar. Ao nascimento a pele é normal e os primei-ros sinais da doença surgem entre os 6 meses e os3 anos de idade, em 75% dos casos5. Estes doentestêm um risco aumentado (cerca de 1000 vezes2) detumores cutâneos em idades jovens (antes dos 20anos), nomeadamente carcinomas basocelular eespinocelular (os mais frequentes), melanoma,angiossarcoma e fibrossarcoma2,3,5. Existe aindaum risco aumentado (10-20 vezes) de desenvolveroutras neoplasias: carcinoma espinocelular daponta da língua (por exposição solar), sarcoma emeduloblastoma cerebrais, astrocitoma da medu-la espinal, leucemias e tumores do pulmão, útero,mama, pâncreas, estômago, rim e testículo.Em 30% dos casos, na infância e adolescência,observam-se alterações neurológicas devidas adegenerescência axonal primária, que cursam comatraso mental, surdez neurossensorial, espas-ticidade e convulsões. O síndrome DeSanctis-Cacchione corresponde ao quadro clínico neuro-lógico mais grave, caracterizado por alteraçõescutâneas e oculares clássicas da doença associa-das a alterações neurológicas (microcefalia, dete-rioração mental progressiva, baixo QI, hiporre-flexia, coreoatetose, ataxia e espasticidade) esomáticas (nanismo e imaturidade sexual)2,3.

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Xeroderma Pigmentosum - Um Caso Clínico na Raça Negra 17

Pálpebras Conjuntiva Córnea Íris Pólo posterior

Atrofia da pele Conjuntivite Infiltração celular Atrofia MelanomaBlefarite Edema/hiperemia Edema Irite Edema macularBlefarospasmo Nódulos inflamatórios Distrofia em banda Defeitos pigmentaresEctropion/entropion nodularMadarose Lacrimejo Ceratite de exposição NeoplasiasEritema Neoplasias Distrofia gelatinosa SinéquiasMargens irregulares Queratinização Ceratite secaPerda de pálpebras Pigmentação CeratoconeHiperpigmentação Lesões flictenulares Neoplasias límbicasTelangiectasia Fotofobia NeovascularizaçãoTriquíase Pingécula OpacificaçãoCA espinocelular Pterygium PerfuraçãoCA basocelular Infecções recorrentes CicatrizaçãoMelanoma Secreção mucopurulenta Nódulos estromais

UlceraçãoSimbléfaroAnquilobléfaroTelangiectasiaXerose

Adaptado: referências 6 e 11.

Quadro II – Manifestações oculares de Xeroderma pigmentosum

Quadro III – Queratoplastia penetrante em casos de Xeroderma Pigmentosum

Investig. Diagnóstico Idade/Sexo AV pré- AV pós- Episódios Re-enxertos Follow-upoperatória operatória de rejeição (M)

Freedman 1979 Opacidade corneana 30/M PL 20/30 - - 6Opacidade corneana 16/M PL 20/30 1 1 6Opacidade corneana 13/M PL 20/80 1 1 6

Gaasterland 1982 Edema corneano 37/F 20/400 ? 2 2 36

Blanksma 1986 Perfuração 24/M ? Melhor - - 12Ceratocone 24/M ? Melhor - - 6

Haller 1991 Opacidade corneana 19/M CD 30cm 20/50 - - ?Opacidade corneana 19/M CD 30cm 20/100 - - ?

Calonge 1992 Opacidade corneana 33/F PL 20/30 Múltiplos - 36

Jalali 1994 Opacidade corneana 27/F PL 20/25 - - 24Opacidade corneana 27/F CD 2m CD 50cm 2 Aguarda 48Edema corneano emassa límbica 23/M CD 50cm 20/30 - - 18

Adaptado: referência 9.

Quadro IV – Características clínicas dos 8 grupos de complementação de Xeroderma pigmentosum

Grupos de Alterações Alteracões Prevalência % reparação doComplementação cutâneas neurológicas DNA vs normal

A (9q34) sim sínd. DeSanctis-Cacchione Japão <2

B (2q21) sim sínd. Cockayne EUA, Europanão Tricotiodistrofia Itália 3-7

C (3p25) sim não EUA, Europa, Egipto 10-25

D (19q13.2) sim moderado EUA, Europanão Tricotiodistrofia EUA, Europasim sínd. Cockayne Europa 25-50

E sim não Europa, Japão 40-50

F (15) sim não Europa, Japão 10-20

G (13q32-33) sim moderado Europa, Japãonão sínd. Cockayne EUA, Europa <5

Variante sim não EUA, Europa, Japão 100Adaptado: referência 2.

Síndrome de DeSanctis-Cacchione – alterações cutâneas e oculares clássicas da doença associadas a alterações neurológicas (microcefalia, deterioraçãomental progressiva, baixo QI, hiporreflexia, coreoatetose, ataxia e espasticidade) e somáticas (nanismo e imaturidade sexual).Síndrome de Cockaine – alterações cutâneas menos evidentes que na XP associadas a alterações somáticas e neurológicas (nanismo caquético, surdez,neuropatia periférica, degenerescência pigmentar retiniana “em sal e pimenta”, cataratas, atrofia óptica).Tricotiodistrofia – ictiose, alterações dos pêlos, défice intelectual, diminuição da fertilidade e baixa estatura.

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18 Carla Teixeira, Jorge Palmares, Fernando Falcão-Reis, Ana Paula Cunha, Filomena Azevedo, M. Antónia Barros, Paulo Santos, José Mesquita-Guimarães

Foram identificados sete genes diferentes que sãoresponsáveis por oito defeitos moleculares e oitoformas clínicas de XP (quadro IV). O grupo C é omais frequente, isoladamente. Cerca de 90% doscasos são dos grupos A, C, D e Variante. Estão jádescritos mais dois casos de dois novos grupos decomplementação (H, I)3.Neste caso clínico não foi realizado o estudo dogrupo de complementação, pois trata-se de umexame complementar de diagnóstico apenas aces-sível em alguns centros de referência no estudoda doença14.Estes doentes apresentam uma esperança de vidamuito diminuída. Podem considerar-se três tiposde evolução da XP: a mais grave e aguda, em quesurgem tumores muito precocemente e a morteocorre por volta dos 3 anos de idade; uma de gra-vidade intermédia e subaguda, em que asneoplasias surgem aos 8-10 anos; e uma de me-nor gravidade e crónica, com uma esperança devida que pode ultrapassar os 20 anos, com apare-cimento mais tardio das neoplasias6.Na literatura consultada existem 53 casos descri-tos de Xeroderma pigmentosum em pacientes deraça negra: 3 casos no Uganda, 26 na África doSul, 7 no Senegal, 1 na Mauritânia, 5 nas IlhasComoro, 1 nos Camarões, 3 na Nigéria e 7 casosnos EUA. Nos doentes africanos o grupo decomplementação é desconhecido; os afro-ameri-canos em que este teste foi realizado pertenciamao grupo de complementação C15.

SUMMARY

Xeroderma pigmentosum is an inherited autosomalrecessive disease, characterized by intolerance ofthe skin and the eyes to light due to defective DNArepair, leading to clinical and cellular hypersensi-tivity to ultraviolet radiation. This disorder is ex-tremely rare in the negroid race.The authors report the case of a 17-year-old blackfemale patient, with typical ocular and cutaneouslesions of Xeroderma pigmentosum. She had nu-merous lentigo lesions on sun-exposed areas, alentigo maligna in the left cheek, photophobia,conjunctival injection and melanosis, bilateralneovascularizated corneal leucomas and band-shaped nodular corneal dystrophy. Her visual acu-ity was 3/10 in the right eye and 2/10 in the lefteye. She had also a pigmented cutaneous basalcell carcinoma at the side of the nose and a fi-broma in the tip of the tongue.

Key wordsXeroderma pigmentosum, band-shaped nodularcorneal dystrophy, negroid race.

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