xamanismo e cultura

Upload: gevermelho

Post on 03-Apr-2018

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    1/41

    ALBERTO - No h como ser advogado.

    GOUVEIA - Administrativo, meu amigo, administrativo. No confundas.

    ALBERTO - At logo. Gouveia, v se aplacas os nervos de minha mulher. (Quer dar um beijoem Milu, ela volta-lhe o rosto.) Tolinha... Adieu! (Sai ao fundo. Gouveia acompanha-o at aporta.)

    CENA III

    GOUVEIA e MILU

    GOUVEIA - Ento? sempre com cimes de seu marido?

    MILU - Olhe, seu doutor, eu lhe previno que se vem repetir as bobagens do outro dia, fecho-meno meu quarto e no lhe apareo mais.

    GOUVEIA - Por que h de ser assim to ingrata, Dona Milu? Eu amo-a como ningum a amounesta vida; consagrei-lhe todos os meus cuidados, todos os meus pensamentos... e a senhorafaz-me sofrer tormentos que o Dante no imaginou para o seu inferno! Sacrifiquei-lhe tudo, tudo!at o meu prprio futuro poltico. O Ministro do Imprio, que me considera muito, ainda h diasme ofereceu a presidncia do Sergipe... Recusei, recusei porque no queria interpor tantaslguas entre os seus lbios e os meus!

    MILU - Que atrevimento! (Quer sair para a direita.)

    GOUVEIA (Embargando-lhe a passagem.) - Atrevimento, sim, porque o meu amor atrevido. Jno estou na idade em que as paixes so balbuciantes e tmidas. Por isso, expando-me com orisco de ofend-la e mago-la. Oh! mas creia que no esse o meu desgnio! Adoro-a, esentiria muito causar-lhe o menor desgosto.

    Romance

    O amor em meu peito moraE o faz com fora bater.E to casto como a auroraPor trs do monte a nascer,Senhora!Senhora!No v que me faz sofrer?

    Piedade um triste implora

    E no lhe ofende o pudor:Um anjo do cu no coraDe ouvir qualquer pecador.Senhora!

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    2/41

    Senhora!No v que morro de amor?

    (Declamando.) Ento no me responde?

    MILU - Respondo que no sei o que mais admire: se o seu atrevimento, se o cinismo com que osenhor engana o Alberto, que to seu amigo se mostra, e sai de casa deixando-nos sozinhos eat lhe recomendando que me aplaque os nervos.

    GOUVEIA - Ora, o Alberto! Mas a senhora no v que o abomino, que o odeio... e que se finjoser amigo dele para estar ao lado da senhora... falar-lhe... expor-lhe os meus tormentos, epedir a misericrdia do seu amor.

    MILU - O senhor tem palavreado... mas para c vem de carrinho. Hei de ser sempre a esposa

    honesta que at hoje tenho sido... E sinto-me to forte nesta minha elevada resoluo, que seno chamo o feitor para p-lo no meio da rua, porque tenho toda a confiana em mim. Osenhor est muito enganado se me supe como essas moas da Corte, que vo atrs decantigas de bacharis. Boas!

    GOUVEIA - Oh! no imagine um momento que eu a confunda com outra mulher! Nem a prpriaVnus Capitolina... nem a Gioconda de da Vinci seriam capazes de substitui-la no meupensamento. Quer saber duma coisa? Ainda a semana passada estive em casa do Ministro daGuerra, que me considera muito, e l encontrei uma das senhoras mais lindas, maisespirituosas e mais provocantes do Rio de Janeiro. Ela o que fez, Santo Deus, ela o que fezpara que eu queimasse iucenso e mirra nos seus altares. Resisti, porque a sua imagem, Dona

    Milu, de tal forma me enche o esprito, que no h meio de ocup-lo com outra mulher!

    MILU - Pois olhe, faz mal; se realmente precisa de distraes desse gnero, convena-se deque errou a porta. Acho bom que o senhor aproveite a boa fortuna que encontrou em casa doMinistro da Guerra, mas ainda melhor me parece que aceite a presidncia de Sergipe. Dizemque em Sergipe h moas muito bonitas.

    GOUVEIA - No zombe assim do meu afeto. No me obrigue a recorrer a meios extremos paraalcanar a sua piedade!

    MILU - De que meios extremos quer falar?

    GOUVEIA - C sei.

    MILU - Diga! No gosto de reticncias!

    GOUVEIA - No... Para que afligi-la?

    MILU - Pois coisa que me possa afligir?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    3/41

    GOUVEIA - Naturalmente. Trata-se de pessoa que lhe toca muito de perto.

    MILU - De meu marido? Sabe alguma coisa a seu respeito?

    GOUVEIA - No... no... senhora... esquea-se das minhas palavras.

    MILU - Oh! Conte-me tudo, pelo amor de Deus! H muito tempo que desconfio... e quero tercerteza...

    GOUVEIA - melhor que no a tenha.

    MILU - Mas no v que isso vai ser o meu desespero? Diga-me tudo.

    GOUVEIA - No lhe digo nada.

    MILU - Nesse caso sab-lo-ei dos prprios lbios de meu marido. E ento conto-lhe tudo. Digo-lhe que foi o senhor quem me deu o alamir para seduzir-me.

    GOUVEIA - No faa isto!

    MILU - Se o senhor teima em estar calado, conveno-me de que pretendeu caluni-lo!

    GOUVEIA - Caluni-lo?!... Eu?!... Oh!... A senhora no me conhece!

    MILU - Para certos homens, todos os meios so bons para conseguirem os seus fins.

    GOUVEIA - Pois a senhora acredita que, se seu mando fosse um modelo de fidelidade conjugal,eu ousaria declarar-me, como tenho feito?

    MILU - Diga-me tudo. Olhe que se arrepende.

    GOUVEIA - Pois bem, j que a todo transe o quer saber, saiba-o: - Ele tem uma amante!

    MILU - Uma amante!...

    GOUVEIA - Uma amante, sim senhora. Uma mulher por quem a despreza, por quem a substituiinfamemente! (Milu fica esttica. Gouveia toma-lhe a mo, e continua com fogo.) Enquanto asenhora sozinha, aborrecida, metida entre estas quatro paredes, pensa em seu esposo eaguarda ansiosamente o momento em que ele volte da rua, para receb-lo com singelos e

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    4/41

    honestos carinhos; ele delicia-se l fora nos braos de uma cortes, e traz para o lar domsticoo rosto sulcado por beijos vendidos. Essa ingratido fez com que o meu amor recrudescesse.No s amor; tambm piedade. Ofereo-lhe um corao virgem de afetos... um coraoonde a senhora entrou sem desalojar ningum... um corao que de noite e de dia palpita porti... (Transportado.) Oh! no imaginas como te amo e como sofro por te amar assim. Dize-me,dize-me que poderei alimentar uma vaga esperana de que os teus rigores cessaro um dia.(Pausa.) Ento, Milu? No me respondes? Dize-me; posso esperar?

    MILU (Retirando a mo e afastando-se.) - Me deixe.

    GOUVEIA ( parte.) - minha.

    CENA IV

    GOUVEIA, MILU, JOS, depois BERMUDES

    JOS (Entrando a correr.) - Iaiazinha! Iaiazinha! Uma grande notcia: Sinh Bermudes, o tio deioi, vem a.

    MILU - Que dizes?!

    JOS - Vem de carro. Quando dei com ele, j vinha atravessando o jardim!

    MILU - Que felicidade!

    A voz DE BERMUDES - de casa! de casa!

    MILU (Correndo para a porta.) - Entre! Entre!

    BERMUDES (Entrando.) - Ora Deus Nosso Sinh esteje nesta casa. Venha de l um abrao,

    lai! (Abraa-a.)

    Tango

    Chega agora da Bahia, Com trs dia,Com trs dia de viage...Pra um homem and nas ondashediondas, preciso tercorage!

    No gostei d'gua sargada,S me agrada,S me agrada gua do pote.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    5/41

    Tava o barco to danado, que, enjoado,No sa do camarote.

    Mas, finalmente,Graas a Deus,Aqui estou co minha gente,Aqui estou co filhos meus.

    (Declamando.) Ento vocs no quiseram ir me busc a bordo?

    MILU - No sabamos que vossemec viesse.

    BERMUDES - Como no sabia? Ento o telegrama?

    MILU - Que telegrama? No recebemos telegrama algum!

    BERMUDES - Antes de embarcar, passei um telegrama para o meu sobrinho.

    MILU - At agora no o recebemos.

    BERMUDES - Home!Pois vinha a casa e o nome, tudo direitinho.

    MILU - Provavelmente se desencaminhou. O servio to mal feito.

    BERMUDES - Eu, quando digo que isto de porguesso tudo uma farofada! Faa fav de mediz pra que serve o telgrafo?

    MILU - Mas, d-me... d-me noticias do papai, da mame e do Tonico.

    BERMUDES - T tudo bom, iai! O compadre teve umas febrinha, mas no foi coisa de cuidado.

    Foi para cinco dias na Itaparica e se arrestabeleceu. A comadre, essa no h mal que lhechegue, e meu afilhado est empregado em negcio de estrada de ferro. T mesmo umdoutoro o diabo do engenheiro, e muito bonito moo, benza-lhe Deus. Anda namorando umamoa da Rua Quinze Mistrio, e aquilo t ali, t de casamento tratado. (Dando com Jos.) Olhaisto! O diabo deste moleque como est um homem.

    JOS - Bno!

    BERMUDES - Deus te faa branco. Anda, vai l na carruage busc minha mala e o resto. (Jossai ao fundo. A Milu.) Teu pai te mandou trs quartinha... uma se quebrou na viage... Tua me temandou um cesto de manga e um frasco de doce de ara feito pela Maximiniana. O Tonico temandou muita arrecomendaes.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    6/41

    MILU - Maximiniana est boa?

    BERMUDES - T boa. Inda a semana passada, teve um moleque.

    GOUVEIA - Dona Milu, tenha a bondade de me apresentar a seu tio.

    MILU - Ah! desculpe. (Apresentando-o.) O Senhor Doutor Gouveia.

    GOUVEIA (Apertando-lhe a mo.) - J o conhecia de nome. muito estimado nesta casa.

    BERMUDES - Vossoria dout em Medicina ou em Leses.

    GOUVEIA - Sou advogado.

    BERMUDES - E amigo de meu sobrinho?

    MILU - Oh! muito! muito amigo de meu marido.

    GOUVEIA - Para o servir, meu caro senhor.

    BERMUDES - Encontra-se a necessidade co desejo, porque eu vim na Corte trat daquelaquestozinha das terra. (A Milu.) Te alembras? O Coron Casimiro tomou conta do que meu, eno h foras humana que ponha aquele desavergonhado de l para fora. O persidente daProvina caoou comigo at agora, hoje amanh, hoje amanh, no houve meio de faz comque o home despache meuspap.

    GOUVEIA - Oh! descanse; h juizes em Berlim.

    BERMUDES - Que me importa os de Berlim! Eu quero que haja disso no Rio de Janeiro. Ocompadre, que home sisudo me aconselhou que viesse me entend diretamente co Ministro, eeu vim.

    GOUVEIA - Creia que no pde confiar a sua causa em melhores mos que as minhas, porqueo Ministro me considera muito.

    BERMUDES - Ora muito que bem, porque toda a minha desgraa foi ter ido atrs de um rbulemuito ordinrio, um tal Secundino Barbosa.

    GOUVEIA - O senhor trouxe os seus documentos?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    7/41

    BERMUDES - T tudo aqui. (Tira uma papelada do bolso.) Trago sempre os documento nobolso, porque o seguro morreu de vio.

    GOUVEIA (Tomando os papis.) - D licena?

    BERMUDES - Tem toda, seu dout. (Gouveia senta-se mesa e dispe-se a examinar ospapis.)

    MILU - Seu doutor, entre para o gabinete do Alberto, e l examinar esses papis vontade.Preciso conversar com meu tio.

    GOUVEIA - Pois no, minha senhora. Com licena. (Sai pela porta da esquerda.)

    CENA V

    BERMUDES e MILU

    BERMUDES - um home bem apessoado. mesmo um advogado, no?

    MILU - Parece... Eu pouco entendo destas coisas.

    BERMUDES - Ele disse que amigo do Ministro... mesmo?...

    MILU - Sei l... O mesmo diz de toda a gente que tenha certa posio. Est sempre se gabandodas amizades e da importncia que tem... e dos empregos que lhe oferecem e no aceita. Ssei que quis ser deputado e teve dez votos. J ouvi dizer que escreve nas folhas, defendendo oGoverno, mas j ouvi tambm dizer que isso no exato... que ele que se gaba que os artigosso seus...

    BERMUDES - Nesse caso um home todo cheio de imposturias?

    MILU - No... no sei com certeza, o que se diz... No Rio de Janeiro mente-se tanto. E quandoassim fosse? Julga vossemec que nesta terra a mentira seja um vcio, e a hipocrisia umainfmia? Demore-se quinze dias na Corte e ver que no estamos em Camamu.

    BERMUDES - Terra grande, iai, terra grande... isso que eles dizque porguesso. Mas, meusobrinho? Por onde anda? Se demora muito?

    MILU - dele justamente que lhe quero falar.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    8/41

    BERMUDES - Apois.

    MILU - Vossemec no podia chegar mais a propsito.

    BERMUDES - Por que, iai? Temos novidades no beco? (Milu quer falar, mas acometida pelopranto, e atira-se nos braos de Bermudes, chorando dolorosamente.) Que isto, iai? Que temvoc? Por que est chorando?

    MILU - Eu sou a mais infeliz das mulheres!

    BERMUDES - U!

    MILU - Alberto um mau marido.

    BERMUDES - Mau marido? Meu sobrinho?

    MILU - H dois anos apenas estamos casados, e j me despreza e abandona por causa deoutra mulher...

    BERMUDES - Por causa de outra mui!No possive!Tire por fora, iai. Meu sobrinho umhome de bem. Quem foi que lhe meteu isso na cabea?

    MILU - No queira saber por que meio vim ao conhecimento desta verdade terrvel. O que certo que meu marido tem uma amante.

    BERMUDES (Tapando vivamente a boca de Milu.) - Bico, iai! no diga nomes feio. meuNosso Sinh do Bonfim, preciso vir ao Rio de Janeiro para ouvir certos nomes na boca dasmoa. - No acredito nessa demoralzage. Meu sobrinho era incapaz de se meter com outramui... (Milu continua a chorar. Fazendo-lhe festas.) Coitadinha da iai!... No chore. Deixe que,se isso for verdade, eu e seu marido ajustemo nossas continha... Mas no chore, no chore,iai. Mesmo antes dejant, eu mostro a ele de quantos paus se faz uma jangada.

    MILU' - Alberto no vem jantar em casa.

    BERMUDES - Pois ele deixa dejant com iai?

    MILU - No s deixa de jantar comigo, como me faz ficar na companhia desse Doutor Gouveia,que daqui saiu, recomendando-lhe que me aplaque os nervos.

    BERMUDES - Nervo de boi merecia ele no lombo. Minha Nossa Sinhora! Numa ocasio quedevia ser de tanta alegria, venho te encontr chorando. Ora, meu sobrinho! Deixe est, iai. Onegcio fica por minha conta, mas h de mepromet que no chora mais.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    9/41

    MILU - Pois bem, restitua-me Alberto tal qual era h um ano, e s me ver sorrir.

    BERMUDES - Deixa a coisa comigo.

    CENA VI

    BERMUDES, MILU e JOS

    JOS (Entrando.) - Iaiazinha, eu pus as malas do Senhor Bermudes no quarto dos hspedes.

    MILU - Fizeste bem.

    JOS - Firmina est pedindo a chave da despensa.

    MILU - Eu vou l. Vou dar algumas ordens para o jantar. Quando quiser, v entrando... o seuquarto est preparado. (Sai pela direita baixa.)

    JOS (Consigo.) - Coitadinha! como chorou!

    CENA VII

    BERMUDES e JOS

    JOS (A Bermudes, que ficou pensativo.) - Sinh Bermudes est cada vez mais moo!

    BERMUDES - Cala a boca, moleque! Tu continuas a ser pernstico... e ento, agora na Corte,fao idia!

    JOS - Ih! Sinh Bermudes no imagina. Eu me matriculei cidado fluminense. J conheo estacidade na palma das mos! Quando vossemec quiser passear, me leve, e eu lhe mostro comoestou um carioca da gema! At j tenho partido...

    BERMUDES - Partido! Pois aqui moleque tambm se mete em poltica?

    JOS - No partido poltico, no sinh. Como poltico, eu sou republicano. partido decapoeirage. Eu sou guaiamu.

    BERMUDES - Tu o qu, moleque do diabo?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    10/41

    JOS - Guaiamu, legtimo guaiamu, de princpios. Esse partido a faco mais adiantada daflor da gente. Quando houver rolo, hei de convidar o Sinh Bermudes.

    BERMUDES -Apois.

    JOS. - Ver como eu sei entrar bonito. (Fazendo uns passes de capoeira.)

    BERMUDES - Pra l, moleque!

    Coplas

    JOS -

    A fama j me apregoa,Eu sei armar um chinfrim,No h na Corte pessoaQue no se esconda de mim.

    Sou formado em capoeira,pois talento tenho at,no p!Pra passar uma rasteira,O Brasil como eu no temningum!Ol!Nesta terra no h,Ol!P melhor que o meu p,Oh!Quem me disse no viu,Ol!Sou feliz porque sou,Olu!Porque sou guaiamu!

    Quis a polcia levar-meUm dia para o xadrez,E para catrafilar-meOs pndegos eram trs.Com trs belas cabeadas,Pus a todos trs no cho,Pois no!E soltando gargalhadas,Esquiptico fugiDali!Ol, etc.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    11/41

    (Declamando.) Sinh Bermude, pode-se informar. No h a quem no conhea o Zeca Baiano!Agora, no imagine que eu sou um mau moleque. No, sinh! Olhe, por iaiazinha, aqui estquem capaz de se atirar ao fogo.

    BERMUDES - E por meu sobrinho?

    JOS - Ioi homem... no precisa tanto de minha amizade - Quem dera que ele estimassetanto iaiazinha como eu.

    BERMUDES - Moleque, tu est pondo defeito em teu sinh?

    JOS - Ora! Ento o Senhor Bermudes pensa... que eu no ouvi tudo?

    BERMUDES - Tudo o qu?

    JOS - As queixas e as lgrimas de iaiazinha. Para que serve a porta do quarto, seno para agente ouvir o que se diz na sala?

    BERMUDES - Ento, seu diabo... voc sabe quem essa desavergonhada que meu sobrinhotem fora de casa...

    JOS - Eu, Sinh Bermude? Eu no me meto com a vida de ioi. Posso ver as coisas, mas como se no visse nada. Bem sei que ela francesa e que se chama Jeannette, bem sei, masdesta boca nunca saiu nada a esse respeito. No sinh; ningum pode dizer que Zeca Baianoseja linguarudo.

    BERMUDES (Depois de pensar.) - Pois olha; amenh hs de me lev na casa dessa francesa.Tenho o meu plano!

    JOS - O melhor arranjar isso com a lavadeira dela -, uma ilhoa minha conhecida, que moranum cortio na Cidade Nova. melhor que vossemec se entenda com essa mulher.

    BERMUDES - T bom, voupens; esta noite hei de arresorv tudo e amenh de menh te falo.

    JOS - Mas, Sinh Bermudes no diz nada a ioi que fui eu quem disse.

    BERMUDES - No digo, no. Fica descansado.

    JOS - A vem iaiazinha.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    12/41

    CENA VIII

    BERMUDES, JOS e MILU

    MILU (Entrando.) - Vamos jantar.

    BERMUDES - Vamos, iai... eu confesso que estou morrendo de fome. A bordo no comi nada.

    MILU - Jos, vai ao gabinete e diz ao Senhor Doutor Gouveia que venha jantar. Vamos indo.

    BERMUDES - Iai no espera o homem?

    MILU - Ele conhece a casa e infelizmente no de cerimnia.

    BERMUDES - Apois. (Sa com Milu pela direita baixa.)

    CENA IX

    JOS, depois GOUVEIA

    JOS (S.) - Eu disse tudo porque parece que em benefcio de iaiazinha. Se este tabaruacabar com as bilontrages de ioi, merece uma comenda. (Chamando porta.) Jantar!

    GOUVEIA (Entrando com uma carta na mo.) - Em vez de examinar os papis do velho, escreviuma carta a Milu. Hei de arranjar meios de fazer com que lhe chegue s mos.

    JOS - Iaiazinha e SinhBermudej esto na mesa.

    GOUVEIA (Consigo.) - Homem, este moleque... (Alto.) Vem c... queres ganhar uns cobres?

    JOS - Isso no se pergunta.

    GOUVEIA - Entrega esta carta a Dona Milu. (Jos tem um movimento de indignao, mascontm-se.) No o que supes... o assunto desta carta muito srio.

    JOS (Sorrindo.) - Posso ento entregar na presena de ioi?

    GOUVEIA (Vivamente.) - No!

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    13/41

    JOS (Sorrindo e tomando a carta.) - Seu dout, para me engan era preciso que nascesse denovo e se formasse outra vez.

    GOUVEIA - Vamos, deixa-te de luxos... Toma. (Quer dar-lhe dinheiro.)

    JOS - Guarde o seu dinheiro. Nada de pagamento adiantado. Pode ser que no faa a coisa aseu gosto.

    GOUVEIA - provvel que ela responda. Na ocasio em que me trouxeres a resposta, podescontar com dez mil ris. (Saindo.) Todo o cuidado, hein?... todo o cuidado! (Sai.)

    JOS (S.) - Que patife! que grande patife! Deixa estar, que te ensino!... Iaiazinha, coitada!...to pura!... to sria!... to virtuosa, que nem parece uma senhora casada. (Abrindo a carta comum movimento impetuoso e febril.) Bendita a hora em que ela se lembrou de me ensinar a ler.

    A voz DE MILU - Jos!

    JOS (Sem prestar ateno e lendo a carta.) - "Meu doce amor"... Tratante! "Convence-te deque te mereo muito mais do que esse Alberto que no sabe apreciar-te devidamente."

    A voz DE MILU - Jos, vem servir a mesa, Jos!

    JOS - J vai, Iaiazinha. (Continuando a ler.) "Se corresponderes a este afeto sublime"...(Guardando a carta.) Bom, por ora, no preciso saber o resto. Deixa estar, que hs de receberuma boa lio das mos dum negro.

    CENA X

    JOS e BERMUDES

    BERMUDES (Entrando com um guardanapo na mo. Msica at o final.) - Ento, moleque, noouves? Que ests fazendo metido na sala de visitas? (Toque de campainha eltrica na porta.)

    JOS - Tem gente a. (Sada falsa pelo fundo.)

    BERMUDES - A hora m. Quando a janta t na mesa, no se arrecebe visita.

    JOS (Voltando com um telegrama na mo.) - o telegrama. (D-lhe.)

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    14/41

    BERMUDES - O meu telegrama! Eu cheguei primeiro! Quando digo que isto de porguesso uma farofa... (Sai, acompanhado por Jos. Forte na orquestra.)

    (Cai o pano.)

    ATO SEGUNDO

    Sala luxuosa em casa de Jeannette. A esquerda, duas janelas de sacada, direita duas portase outra ao fundo. Div e mesa ao centro.

    CENA I

    JEANNETTE eALBERTO

    JEANNETTE (De penteador, repoltreada no div. Alberto est ajoelhado aos seus ps.) - Vat'en, mon petit chri, tu est ici depuis trois heures. Ta femme doit tre inquite.

    ALBERTO - Je t'ennuie?

    JEANNETTE - Oh! non! tu ne m'ennuies jamais... mais enfin... tu dois penser tout... et tafemme.

    ALBERTO - Toujours ma femme!...

    JEANNETTE - Du reste, j'ai une migraine affreuse.

    ALBERTO - Milu n'est pas toute seule.

    JEANNETTE - Qu'est ce que c'est a, Milu?

    ALBERTO - Milu... ma femme. Nous avons mantenant chez nous un vieil onde de Bahia.

    JEANNETTE - Eh! bien, ton veil oncle aussi remarquera tes absences et t'en voudra.

    ALBERTO - Ne suis-je pas mdecin? Je lu dirai comme je dis toujours ma femme, que j'ai etchez un malade.

    JEANNETTE - On ne te croira pas. Tu as la mine pas trop ch:ffonne, mon petit.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    15/41

    ALBERTO (Erguendo-se.) - Eh! bien! Je m'en vais. Adieu, Jeannette.

    JEANNETTE (Dando-lhe modestamente a mo.) - Adieu, je vais sommeiller... (Alberto sai muitodesconsolado. Jeannette fecha os olhos; passados alguns minutos, Alberto volta.)

    ALBERTO - Esqueci-me do estojo! Sempre este trabalho! (Vai busc-lo sobre a mesa.)

    JEANNETTE (Sem abrir os olhos.) - Tu es encore l?

    ALBERTO - Je m'en vais; mais le porterais un grand poids sur le coeur.

    JEANNETTE - Pourquoi donc?

    ALBERTO - Je te trouve froide, je te trouve un je ne sais quoi que me fait un drle effet. Tun'tais pas comme a au commencement de notre amour.

    JEANNETTE - Je suis toujours la mme Jeannette. C'est toi qu me regardes avec d'autresyeux.

    ALBERTO (Ajoelhando de novo.) - Dis-moi que tu m'aimes toujours... et que ton coeur n'estoccup que de moi...

    JEANNETTE - Mais oui... mais oui... je te le rpte toujours, mon cher. Je suis toute toi, et jen'ai pas d'autres soucis en tte. Ah!

    ALBERTO - Oh! merci. Ces paroles me font du bien!

    JEANNETTE (Estendendo-lhe a mo.) - Adieu?

    ALBERTO - Adieu! (Beija-lhe as mos.) Jusqu'?

    JEANNETTE (Fechando os olhos.) Quand tu voudrais, tu sais... (Volta o rosto.)

    Duetino

    ALBERTO -

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    16/41

    Ma charmante, si je t'aime,Je t'aimerais plus encoreSans cette froideur extrme.

    JEANNTTE - Va t'en! va t'en! car ta Jeannette dort!

    ALBERTO ( parte.)

    - Ela deseja dormir!O meu dever partir!

    (Alto.) Sur tes lvres, avant de m'en aller,Il faut, Jeannette, que je poseUm doux baiser...

    JEANNETTE

    - Oh! non! non! non!Laisse-moi donc!Demande-moi toute autre chose;Mais il vaut mieux [que tu] ne meDemandes rien!V t'en! va t'en! car ta Jeannette dort!

    ALBERTO - Je vais, je vais! adieu mon cher trsor!

    JEANNETTE -Adieu!

    ALBERTO - Pense moi.

    JEANNETTE - Je penserai toi.

    ALBERTO (Afastando-se.) - Adieu. (Perde-se a voz no bastidor. Jeannette verifica se est s eergue-se muito esperta.)

    Traduo da Cena I:

    JEANNETTE - Vai-te embora, queridinho; j ests h trs horas aqui. Tua mulher deve estarencucada.

    ALBERTO - Eu te enfado.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    17/41

    J. - Oh! no! tu nunca me enfadas... mas enfim... tu deves preocupar-te com tudo... e com tuamulher.

    A. - minha mulher a dar-lhe!...

    J. - Ademais, estou com uma enxaqueca horrvel.

    A. - Milu no est sozinha.

    J. - Que quer dizer Milu?

    A. -Milu... minha mulher. Estes dias est l em casa um tio meu vindo da Bahia.

    J.- Est bem, teu tio velho tambm notar tuas ausncias e ficar de olho em ti.

    A. - Ser que no sou mdico? Eu lhe direi como sempre digo a minha mulher, que estive nacasa de um doente.

    J. - No acreditaro em ti. Tu no tens o rosto muito abatido, queridinho.

    A. - Est bem! Vou-me embora. At logo, Jeannette.

    J. - At, vou dormir...

    J. - Tu ainda ests a?

    A. - Vou-me embora, mas carregarei um grande peso no corao.

    J. - Ora por qu?

    A. - Acho-te distante, acho-te um no sei qu que me provoca um efeito estranho. Tu no s amesma do comeo de nosso amor.

    J. - Sou sempre a mesma Jeannette. Es tu que me olhas de outra forma.

    A. - Dize-me que me amars para sempre... e que teu corao no de outro seno meu.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    18/41

    J. - Mas sim... mas sim... eu to repito sempre, queridinho. Sou toda tua e no tenho outrocuidado na alma. Ah!

    A. - Muito obrigado. Essas palavras me fazem um bem...

    J. - Adeus?

    A. - Adeus!... At?

    J. - Quando quiseres, tu sabes...

    Duetino

    A. - Meu encanto, se te amo,-----Te amaria mais ainda-----Sem esta frieza extrema.

    J. - Vai-te embora! vai-te embora! pois tua Jeannette dorme!

    A. - Nos teus lbios, antes de ir-me embora,----- preciso, Jeannette, que eu deposite

    ----------Um doce beijo...

    J. - Oh! no! no! no!-----Deixa-me pois!-----Pede-me outra coisa qualquer;-----No entretanto prefervel que tu----------Nada me peas.

    -----Vai-te embora! vai-te embora! pois tua Jeannette dorme!

    A. - Eu vou, eu vou! adeus meu caro tesouro!

    J. - Adeus!

    A. - Pensa em mim!

    J. - Pensarei em ti.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    19/41

    A. - Adeus!

    CENA II

    JEANNETTE, s

    [JEANNETTE (S.)] Oh! quel cacete! Ii n'a pas le sou, ce pauvre garon, et il serait gentil derester d'une bonne foi chez sa femme. Ces messieurs s'imaginent qu'on les aime pour les beauxyeux, ou par besoin d'aimer quelqu'un. Eh, non! non! non! D'abord, je ne suis pas venue auBrsil pour aimer et tre aime... Je veux m'enrichir et retourner lbas au plus vite pour chercherun mari. Qu'est ce que dirait ma vieille mre si elle me voyait retourner en France sans dot? Jeveux un amant riche... vieux comme le monde et vilam comme un singe, pourvu qu'il soit riche.

    Traduo da Cena II.

    [JEANNETTE (S.)] - Oh! que cacete! No tem cheta, esse pobre rapaz e ser fineza ficar deboa f junto a sua mulher. Esses senhores crem-se amados por seus belos olhos, ou pelanecessidade de se amar a um qualquer. Eh, no! no! no! Pra comeo de conversa no vim aoBrasil para amar e ser amada... Quero enriquecer e voltar pra l o mais depressa possvel parabuscar um marido. Que que direi a minha velha me se ela no me vir voltar Frana sem umdote? Quero um amante rico... velho como o mundo e safado como um mono, contanto que sejarico.

    CENA III

    JEANNETTE e CATARINA

    CATARINA (Fora.) -A madama d licena?

    JEANNETTE - Ah! voc, Catarina. Entra.

    CATARINA (Entrando com uma bandeja na mo, contendo roupa.) - Venho trazer-lhe a bela daroupinha. Quer conferir o rol?

    JEANNETTE - A criada ter esse cuidado! V pr essa roupa sobre a cama.

    CATARINA - Venho j, porque tenho de lhe falar de um negcio de muito interesse.

    JEANNETTE - De interesse para quem?

    CATARINA - Para a madama. Nada, que se fosse para mim, tnhamos muito tempo.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    20/41

    JEANNETTE - Pois v e volte. (Senta-se no div. Sada falsa de Catarina.) Que peut elle mevouloir cette femme? (Traduo: Essa mulher, o que pode querer de mim?)(Inclina-se no div.)

    CATARINA (Voltando com a bandeja vazia e a toalha.) - Ora, c estou. Diga-me c a madama,como vamos de amores?

    JEANNTTE - Oh!... amores... qu'est-ce que c'est ce a?(Traduo: qu que isso?)

    CATARINA - Ainda est com a pasta o doutozinho?

    JEANNETTE - Que quer voc, Catarina? cadver mais agarrado.

    CATARINA - Pois quer saber? No me parece que seja aquele o homem que mais lhe

    convenha.

    JEANNETTE - Tambm a mim. Que hei de fazer?

    CATARINA - Ponha-o a andar. Faa-lhe o mesmo que fiz ao meu Antnio, que foi muito bomenquanto no achei coisa melhor.

    JEANNETTE - Pois sim, mas eu no tenho coisa melhor.

    CATARINA - Quem disse?

    JEANNETTE - Digo eu.

    CATARINA - Pois diz mal! (Em tom de confidncia.) Trago-lhe um fazendeiro...

    JEANNETTE - Um fazendeiro? Oh! mon idal!

    CATARINA - Fica desde j prevenida de que no se trata de um bonito homem. (Gesto deindiferena de Jeannette.) De mais a mais, veste-se mal e fala como um campnio. Mas ou eume engano, ou h ali bagalhua grossa.

    JEANNETTE - Bagalhua? No sei o que ...

    CATARINA (Explicando.) - Bagalhua? (Faz com os dedos sinal de dinheiro.)

    JEANNETTE - Ah! Je comprends a. (Faz o mesmo sinal.)

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    21/41

    CATARINA - Parece-me que isso quer dizer a mesma coisa em todas as lnguas.

    JEANNETTE - Mas onde foi voc achar um fazendeiro?

    CATARINA - c uma histria. Ele que me procurou. Soube no sei por que cargas d'guaque eu era a lavadeira da madama; foi l ter estalagem e pediu-me que lhe falasse a seurespeito.

    JEANNETTE - Oh! l'imbcile!No precisava incomodar voc; bastava escrever-me um bilhete.

    CATARINA - Foi melhor assim. Apanho uma molhadura.

    JEANNETTE - Ah!

    CATARINA - E conto que a madama tambm no se esquea de mim. Ah! minha rica senhora,os tempos andam bicudos. O sabo e a goma esto pela hora da morte.

    JEANNETTE - Deixe estar, Catarina...

    CATARINA - A madama quer receber o homem?

    JEANNTTE - Certamente.

    CATARINA - J?...

    JEANNETTE (Sentando-se.) - J...

    CATARINA - Ele ali est na esquina, espera de que lhe eu faa um sinal da janela.

    JEANNETTE - Deixa ver? (Ergue-se e vai janela.) - aquele?

    CATARINA - Sim. Disfarce, que est a olhar para este lado.

    JEANNETTE (Vindo cena.) - Como feio.

    CATARINA - Qual feio! H l homens feios!

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    22/41

    JEANNETTE - Alberto saiu agora mesmo, no natural que volte. Manda-o entrar. Eu vou ldentro pr um vestido. No lhe quero aparecer depeignoir.

    CATARINA - Faa-se o mais bela que lhe for possvel. (Jeannette sai.) Foi mais fcil do que eusupunha. Tiro e queda! (Vai janela e chama por gestos.) Ele ai vem... Queira Deus que noseja pr'a um unhas-de-fome, que me d uma tuta-e-meia.1 (Vai porta do fundo.) Entre... suba...

    por aqui!...

    CENA IV

    CATARINA e BERMUDES

    BERMUDES - Ento, a francesa quis?

    CATARINA - Com muita dificuldade. Primeiro que a resolvesse, tive que suar as estopinhas.Espere um pouco. Ela j a vem.

    BERMUDES - Voc uma mui sabida. V pra Bahia, que h de faz um fortuno!

    CATARINA - Agora, venha l o que prometeu.

    BERMUDES - Sim, senhora, no h dvia.Aqui tem voc cinco mil ris.

    CATARINA - Cinco mil ris. Ora tire o cavalo da chuva.

    BERMUDES - Acha muito?

    CATARINA - Muito? Agora acho! Pois eu tive o trabalho que tive e o senhor oferece-me cincomil ris?

    BERMUDES - Est bem, senhora,pro via disso, no briguemos. Aqui est mais cinco tostes, eno me aborrea.

    CATARINA - Faz favor de dobrar a parada?

    BERMUDES - T bo, dobro... Tome outros cinco tostes.

    CATARINA - Perdo, o dobro seria onze mil ris.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    23/41

    BERMUDES - mui do diabo, voc pensa que dinheiro se acha no meio da rua? Tome l maisuns nqueis, e v-se embora com Deus e a Virge Maria.

    CATARINA - Mas, meu rico senhor!...

    BERMUDES - Oh! meu rico sinh do Bonfim! Tome l mais dois vintns e v-se com todos osdiabos para o meio do inferno!

    CATARINA - Com efeito! Sete mil, duzentos e quarenta ris!

    BERMUDES - T muito bem pago. Voc pensa que eu nasci onte, seu diabo? Credo! queregateira!

    CATARINA ( parte.) - E o Zeca Baiano, que me disse... Esta c me fica... (Sai zangada.)

    CENA V

    BERMUDES, depois JEANNETTE

    BERMUDES - Este diabo pensa que dinheiro farinha... Oh! mas que luxo! Tudo isto custa deiai, coitadinha. No v-se a madama demorar muito... Duas horas t pingando... e s duas

    horas chega o Baro de Pituau. Se as bichas pega, meu sobrinho h de arrecebe uma boalio. ela... U!... bem bonita!

    JEANNETTE (Entra com muita faceirice, simples e elegantemente vestida.) - Monsieur!...

    BERMUDES - Dona madama...

    JEANNETTE - Donnez vous la peine de vous asseoir.(Traduo: Queira sentar-se)

    BERMUDEB - Me descurpe, madama, mas eu no sei trat lngua de francs. Eu s falobrasileiro, e quanto basta para que todo o mundo me entenda.

    JEANNETTE - Faa o favor de se assentar. (Senta-se no div e arranja-lhe um lugar ao lado.)

    BERMUDES - Com todo o gosto, mesmo porque estou cansado.

    JEANNETTE (Chegando-se muito para Bermudes e requebrando-se.) - Que deseja?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    24/41

    BERMUDES - No o que a madama pensa.

    JEANNETTE - Comment?

    BERMUDES - Eu sou da reserva, sou home vio e sisudo. J passei da idade em que a gented cabeada pro via do rabo-de-saia. (Jeannette afasta-se.) No h nada mais pi do que umhome de idade quando d pra essas tolices. Eu no vim da Bahia pra and correndo atrs dasmui; eu vimpro mode aquela questozinha das terra.A madama no leu no Correio da Bahia?

    JEANNETTE (Erguendo-se.) - Mas ento que deseja o senhor?

    BERMUDES - Eu vou logo dizendo tudo, porque no gosto de est com impaliao. Eu tenhoaqui na Corte um sobrinho, que casado cuma moa muito boa, uma santa que merece muitasateno.A madama virou a cabea de meu sobrinho.

    JEANNETTE ( parte.) - C'est le veil onde.

    BERMUDES - Meu sobrinho j no faz caso nem nada da pobre da iai, e eu quero acab comesta pouca vergonha. (Ergue-se.) Apois...

    JEANNETTE - Eu no fui busc seu sobrinho... ele que me procurou.

    BERMUDES - Eu sei disso perfeitamente... no curpo a madama... a madama faz o seunegcio... t no seu direito. No quero meu sobrinho de graa, no. Eu sou matuto, verdade,mas no sou estpio, que no compreenda estas coisas. Tambm no vim nesta casa pra lhediz: dona madama, d c pra c meu sobrinho e tome l tanto, cumo fiz co a lavadeira. Nosenhora. O que eu quero d home pro ele.

    JEANNETTE - No compreendo.

    BERMUDES - J vai compreend. Faa fav de se assent. (Senta-se ela no div e ele numa

    cadeira.) Saber a madama que est nesta Corte o home mais rico da Bahia, o Baro dePituau, e esse home est apaixonado...

    JEANNETTE - Por mim?

    BERMUDES - Haver de s por mim? No vive seno pensando na madama. Ele passou umdia aqui na sua casa, viu-lhe najinela e d'entonces para c, no drome sossegado, nem nada!

    JEANNETTE - Oh!

    BERMUDES - At mete pena.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    25/41

    JEANNETTE - Pauvre homme!

    BERMUDES - Eu, sabendo disso, arresolvi vir-lhe pedir que bote Alberto no oio da rua, e nolugar dele fique o Baro.

    JEANNETTE - rico?

    BERMUDES (Depois de soltar um assobio prolongado.) -No carcula!Metade da Bahia dele.Nunca ouviu fal no Baro de Pituau?

    JEANNETTE - Non.

    BERMUDES - Oh! Home!S fazenda de madeira tem seis, e escravatura assim. (Gesto.)Aes

    do banco, aplias.A nem se conta. Soube lev o home co jeito, em menos de seis ms pode irpra estranja, podre de rica.

    JEANNETTE - E que tal... como figura?

    BERMUDES - A que a porca troce o rabo, se ela tem rabicho.

    JEANNETTE - velho?

    BERMUDES - Isso no... e muitojvio... Pode s meu neto.

    JEANNETTE - Ento muito feio?

    BERMUDES - Tambm no feio: at um bonito rapaz.

    JEANNETTE - Pois se moo e bonito, no sei em que me possa desgostar?

    BERMUDES - Por uma coisa muito simples: ele no branco.

    JEANNETTE - Oh!

    BERMUDES (Erguendo-se.) - Mas descanse; tambm no mulato.

    JEANNETTE - Ento preto.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    26/41

    BERMUDES - Preto como um tio... Mas que arma... que bo home... e muito inteligntio: temviajado por todas essas Eurpias. A madama no comeo h de sentir certa arrepugnao, masdepois de convers dez minuto co ele, ver que o mi dos home!

    JEANNETTE (Depois de refletir.) - No sei... s vendo...

    BERMUDES - Ele ficou de vir aqui s duas horas. (Ouve-se passar um carro.)

    JEANNETTE - Parou um carro porta.

    BERMUDES - Talvez seja o Baro. (Correndo janela e voltando.) No me enganei-me: ele!Se no qu arreceb o home, inda estemos em tempo. Eu encontro ele no corred, e digo quechore na cama, que lug mais quente.

    JEANNETTE - Olhe, saia por aqui. Logo que ele tiver entrado, abra aquela porta que d para ocorredor, e desa.

    BERMUDES - Veja l, dona madama; olhe que metade da Bahia dele!

    JEANNETTE - J sei.

    CENA VI

    JEANNETTE, depois JOS

    JEANNETTE (S.) - Un ngre! Oh! bah! qu'est ce que a me fait? (Traduo: Um preto! Oh!Bah! O que que isso me provoca?) (Vai abrir a porta do fundo. Entra Jos vestidoexageradamente ltima moda e de monculo, cumprimentando gravemente.)

    JOS - Madame...

    JEANNETTE - Monsieur...

    Rond

    JOS -

    Madama, consintaQue eu tenha a distinta(Tamanha

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    27/41

    Qu'acanha!)De a cumprimentar;Com todo o respeitoSolcito preito,Dengoso,Garboso,Que vim tributar.

    Causar-lhe desgostoBem pode o meu rostoDistinto,Mas tintoDa cor do carvo;Mas, quando me sonde,Ver que se escondeBrancura,CanduraNo meu corao!

    Madama, consintaQue eu tenha a distinta(TamanhaQu'acanha!)De a cumprimentar;Solcito preitoCom todo o respeito,Dengoso,Verboso,Lhe vim tributar!

    Sei que no mereoDas damas apreo,Beijinhos,Carinhos,Por ser um tio.Ningum me deseja,Muito embora eu sejaO nervoso,Famoso,Famoso Baro.

    (Declamando.) Entretanto, madama, consinta.

    JEANNETTE - Donnez-vous la peine de vous asseoir,monsieur le baron.

    JOS - Avec plaisir, madame. (Senta-se, fazendo muitas cerimnias para Jeannette sentar-seantes dele.)

    JEANNETTE - J'ai caus aveo ce monsieur qui m'a parl si bien de vous.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    28/41

    JOS (Sem perceber.) - Oui, madame.

    JEANNETTE - Ce monsieur,ce vieuxfazendeiro... il a oubl de me laisser son nom.

    JOS - Madame, je parle bien le franais) mais... mas eu prefiro falar em portugus, para noperder o costume.

    JEANNETTE - Como quiser.

    JOS - Merci. Dis donc.

    JEANNETTE ( parte.) - Il ne pane pas franais.

    JOS - No esteve aqui um monsieurda Bahia?

    JEANNETTE - Mas justamente o que eu lhe estou dizendo... Um velho que me falou muito doSenhor Baro... o me preveniu da sua visita.

    JOS - Ah! bem... eu compreendi... eu compreendi... Nesse caso ele disse tudo... tudo o queh...

    JEANNETTE - Pouco mais ou menos.

    JOS (Escolhendo os termos.) - Madama... eu sei que um distinto cavalheiro... um dosornamentos do high-life fluminense... consagra certa afeio a Vossa Excelncia... Mas, como omeu amigo e patrcio, o Senhor Bermudes... mostrou-se muito amargurado por ser esse mooseu sobrinho, e casado com iaiazinha... quero dizer, com uma interessante senhora, tambm daBahia... Vossa Excelncia acompanha o curso das minhas idias?

    JEANNETTE - Oh! monsieur le baron!

    JOS - Eu me conheo... Esta cor... esta maldita cor...

    JEANNETTE - Oh!

    JOS - Esta ndoa da Bblia... o preconceito social... as convenincias, etc., etc. Mas, dizia eu,no pelos meus encantos, mas pela minha posio... pelo meu ttulo... pela minha fortuna...poderia alcanar um sorriso, e, deste modo, fazer um benefcio, restituindo um chefe de famlia

    aos braos da estremecida esposa.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    29/41

    JEANNETTE - E o Senhor Baro solteiro?

    JOS - Je suis garon tout fait. Solteiro e livre como os pssaros que cortam o espao... oespao azul. No quis ligar o meu destino ao de uma mulher... Sempre julguei que as brancasno quisessem casar comigo, e eu no gosto de pretas: abomino a minha raa no belo sexo.

    JEANNETTE - A Europa mais adiantada: no faz questo de raas.

    JOS - Foi o que me animou... Quando estive em Paris...

    JEANNETTE - Ah! o Senhor Baro j esteve em Paris?

    JOS - Umas poucas de vezes.

    JEANNETTE - Em que hotel morou?

    JOS (Atrapalhado.) - Como?

    JEANNETTE - Pergunto em que hotel morou em Paris?

    JOS - Ah! no Htel de Ville. (Traduo: Na Prefeitura).

    JEANNETTE - Oh! (Sorri.)

    JOS ( parte.) - Disse asneira. (Com desembarao.) Quando estive em Paris pela primeira vez,reconheci que as cocotes me davam preferncia, algumas; e quase todas no me repeliam. Foio que me animou, porque Vossa Excelncia francesa... (Lembrando-se.) Ah! madama, peo-lhe que aceite este insignificante cadeau... souvenirdo nosso primeiro tte--tte... (D-lhe umestojo. Jeannette ergue-se e faz examinar a jia perto da janela.)

    JEANNETTE - Oh! les beaux diamants...

    JOS ( parte, sempre sentado.) - Brilhante de Paris... Senhor Bermudes deu quinze mil contospor eles. (Alto.) Com a fortuna de que disponho, poderia dar-lhe coisa melhor, mas o que memandou o Lus de Resende, que o meu fornecedor... Mais tarde colocarei no seu coloalabastrino um riqussimo colar de prolas, cependant... Vossa Excelncia gosta de prolas?

    JEANNETTE (Descendo.) - Oh! Beaucoup.

    JOS - Moi aussi.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    30/41

    JEANNETTE (Pondo-lhe a mo sobre os ombros.) - E de mim? Gosta um bocadinho de mim?

    JOS - Je vous aime... no lhe digo mais nada... Ou antes, digo-lhe tudo nesta carta (Tirandouma carta, parte.) A carta do Doutor Gouveia (Alto.)... nesta carta que escrevi... porquereceava no ter expresses que... Vossa Excelncia sabe: quando se escreve, diz-se tudo... efalando a gente deixa muita coisa em branco. (D-lhe a carta e ergue-se.)

    JEANNETTE (Lendo.) - "Meu doce amor: Convence-te de que te mereo muito mais do queesse Alberto que no sabe apreciar-te devidamente. (Interrompendo.) Oh! pauvre Alberto!(Lendo.) Se corresponderes a este afeto sublime, eu esconderei o nosso amor nas trevas domais profundo mistrio. (Interrompendo.) C'est gentil.(Lendo.) Tu..."

    JOS (Tomando-lhe a carta.) - Leia depois... veja que me vexa. (Deixa a carta sobre a mesa docentro.)

    JEANNETTE - Mas para que esse mistrio de que fala nessa carta? Oh! no! pelo contrrio...terei todo o prazer em aparecer em pblico com o senhor. O senhor ser a minha fantasia... omeu capricho... O mais que podero dizer de mim que sou uma mulher original... e havermuitas, muitas que me invejem.

    JOS - Isso! isso! Comme a! No tenha vergonha de ser minha... No faa caso dasociedade... Que tem a minha cor? No sou um homem como os homens?

    JEANNETTE (Ouvindo passos na escada.) - Mon Dieu!

    JOS - Que ?

    JEANNETTE - Ele!

    JOS - Ele quem?

    JEANNETTE - Alberto.

    JOS - Ioi.

    JEANNETTE - Comment?

    JOS - Nada.

    JEANNETTE - Vou despedi-lo.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    31/41

    JOS - Brav!

    JEANNETTE - Venha c. (Leva-o para a porta da direita segundo plano.) Quando ele entrar,abra aquela portinha e saia. Depressa.

    JOS - Esta noite venho busc-la para irmos ao Santana.

    JEANNETTE - Oui. (Jos sa depois de beijar a mo de Jeannette.)

    Traduo das passagens francesas da Cena VI:

    JEANNETTE - Queira sentar-se, Senhor Baro.

    JOS - Com prazer, senhora.

    JE. - Conversei com este senhor que me falou to bem do senhor.

    JO. - Sim, senhora.

    JE. - Esse senhor esse velho fazendeiro.. esqueceu-se. de me deixar seu nome.

    JO. - Senhora, falo bem o francs, porm...

    JO. - Obrigado. Diga logo.

    JE. - Ele no fala francs.

    CENA VII

    (JANNETTE e ALBERTO)

    JEANNETTE (S.)- Je vais le mettre la porte.

    ALBERTO (Entrando.) - Je n'ai pas pu souffrir ton absence. Me voil de nouveau. Comme jet'aime!

    JEANNETTE - C'est un scie .

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    32/41

    ALBERTO - Hein?!

    JEANNETTE - Tu m'embtes la fin! Finissons, Alberto, je suis lasse de toi. Fiche-moi la paix .

    ALBERTO - Jeannette!

    JEANNETTE -Adieu!

    ALBERTO - Qu'est ce que a veut dire?

    JEANNETTE - a veut dire qui j'en ai par dessus la tte! Laisse-moi!

    ALBERTO - Jeannette... tu... mais... tu no ests no teu juzo. Entrou aqui algum na minhaausncia?

    JEANNETTE - Eh! ben, oui! Sache-le donc: j'ai un amant.

    ALBERTO - Oh!

    JEANNETTE - Un monseur que me convient plus que toi. Je ne veux plus d'homme mari. Tu

    est pauvre et as besoin de ton argent pour ta famille... tu vois, je suis franche... je ne t'ai jamaistromp... et je ne te trompe pas dans ce moment.

    ALBERTO - a c'est un... Isto um desaforo!

    JEANNETTE - Tout ce que tu voudras, en portugais ou en franais. Adieu, tu ne veux pas sortir?Eh! bien, alors c'est moi qui sors. (Sai pela direita, primeiro plano, e fecha a porta.)

    Traduo da Cena VII:

    JEANNETTE - Vou lev-lo porta.

    ALBERTO - No tenho conseguido suportar tua ausncia. Eis-me aqui de novo. Como te amo!

    J. - um saco.

    J. - Tu me enches! Terminemos... estou cansada de ti. Deixa-me em paz.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    33/41

    J. - Adeus.

    A. - Que que quer dizer isso?

    J. - Quer dizer que eu tenho a cabea no lugar! Deixa-me!

    J. - Est bem, sim! Saiba-o logo: tenho um amante.

    A. - Oh!

    J. - Um senhor o qual prefiro a ti. No quero mais homem casado. Tu s pobre e precisas de teudinheiro para tua famlia... v bem, sou franca... nunca te enganei... e no te engano agora.

    A. - Isso um...

    J. - O que quiseres, em portugus ou em francs. Adeus, no queres sair? Ento sou eu quesaio.

    CENA VIII

    [ALBERTO, s.]

    ALBERTO (S, indo porta por donde saiu Jeannette.) - Jeannette! Jeannette! Ecoute-moi. Oh!Meu Deus! que mulher ingrata! (Cai soluando numa cadeira que est junto da mesa do centroe, passados alguns segundos, d com a carta e abre-a.)A letra do Gouveia! Sim, a sua letra...(Lendo.) "Meu doce amor, convence-te de que te mereo muito mais do que esse Alberto," Oh!"que no sabe apreciar-te devidamente." (Com um gesto.)Ah! preciso encontrar esse homem.Vou procur-lo! (Vai a sair arrebatadamente.)Ah! o estojo! (Volta a buscar o estojo na mesa docentro e sai.)

    (Cai o pano.)

    ATO TERCEIRO

    O jardim do Teatro Santana, em noite de espetculo) durante um entreato. A cena representa oespao compreendido pela fachada do teatro, que se v ao fundo. Pelas separaes da colunaentrev-se a sala do teatro iluminada. A cena est cheia de espectadores e cocotes, quepasseiam. De vez em quando atravessa a cena um criado de botequim ou um vendedor deflores.

    CENA I

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    34/41

    Espectadores, GOUVEIA, FRASQUITA, depois BERMUDES

    CORO -

    Oh! que espetculo!Ri-me a fartar!Eu c divirto-me:No h negar!No pode mgicaHaver melhor!A pea, o pblicoSabe de cor!

    - E se algum sujeitinho exigenteEsta pea no pode aplaudir,Venha c pro jardim, certamenteTer muito que ver e ouvir.

    Oh! que espetculo! etc.

    (Continuam as coristas a passear at o final do ato.)

    GOUVEIA - (Entrando pela esquerda.) - Amanh... s oito horas... No penso noutra coisa...

    Ainda me parece um sonho!

    FRASQUITA (Indo ao encontro de Gouveia.) - Ol, Gouveia... hoje?

    GOUVEIA - Hoje o qu?

    FRASQUITA - Vais pagar-me a ceia no Louvre?

    GOUVEIA - sempre assim! Tenho-te convidado um milho de vezes e tens sempre recusado.Hoje estou comprometido.

    FRASQUITA - No admito compromissos - No ser to grosseiro que te negues a ir cearcomigo.

    Gouveia - Pois sim... daqui a pouco...

    FRASQUITA - Que mais esperas? Isto hoje est muito aborrecido. Tem pouca gente.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    35/41

    GOUVEIA - Preciso falar com algum. Eu previno-te quando for ocasio...

    FRASQUITA - Bom... eu estou por aqui. (Afasta-se.)

    GOUVEIA (Consigo.) Amanh... - oito horas. Que deliciosos momentos vou passar! E estaespanhola... esta Frasquita que me obriga a cear em sua companhia? Pois eu posso pensarnoutra que no seja ela, a minha querida Milu, que amanh... s oito horas... Entretanto, voucear com a Frasquita - um meio como outro qualquer para fazer passar o tempo... At a horada entrevista, os minutos me parecero sculos. (Tirando um bilhete e lendo.) "Amanh... s oitohoras da noite espero-te no porto dos fundos da chcara. Achars o porto encostado:empurra e entra. - Milu." Recebi este bilhete ainda agora... no hotel, e tenho-o lido quinhentasvezes. O diabo que estou sem dinheiro, e esta ceia... Oh! l vem o Bermudes! est tudoarranjado!

    BERMUDES (Entrando pela esquerda.) - seu doutor, estimei muito encontr vossoria.

    GOUVEIA - Oh! Senhor Bermudes! como tem passado?

    BERMUDES - Vamos indo: - Que notcia me d do meu negoo?

    GOUVEIA - O seu requerimento j deu entrada na Secretaria.

    BERMUDES -Apois.

    GOUVEIA - Estive com o Ministro (o senhor sabe, o Ministro me considera muito), prometeudespachar favoravelmente. A coisa depende um pouco da informao da seo e aoempregado que tem de informar no seria mau fazer presente duma pelega de cem.

    BERMUDES - Que qu diz uma pelega de cem?

    GOUVEIA - Pois no sabe? Uma pelega de cem uma nota de cem mil ris.

    BERMDES - Qu, seu dout, pois preciso d dinheiro aos empregado?

    GUVEIA - Fale baixo. O senhor no conhece este Rio de Janeiro! Se tem a cem mil ris,disfarce e passe, porque amanh muito cedo irei ter com o empregado e lhe levarei at ainformao j pronta para ele copiar. Est feito de tal maneira, que o Ministro, embora no mequisesse servir no teria remdio seno concordar com ela.

    BERMUDES - Que diabo! Se destes cem mil ris depende o aviamento da minha questozinha,aqui tem o cobre. (Dando-lhe dinheiro.) Mas muito me conta vossoria... os empregado da nao,hein?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    36/41

    GOUVEIA (Guardando o dinheiro.) - verdade! ( parte) Pobres empregados! (A Sinfrnio, quepassa.) Oh! viva!... Como tem passado?...

    CENA II

    BERMUDES, GOUVEIA, SINFRNIO e figurantes

    SINFRNIO - Assim, assim... Viu a pernambucana como voltou magra de So Paulo? Eu tantasvezes lhe disse: - Minha filha, no te deixes levar por aquele valdevinos. Deu-lhe uma vida deco. Bem-feito. Oh, com licena, vai ali a Ambrosina. Ainda no lhe dei as boas-noites. umabela pequena! Muito honesta! (Afasta-se apressado para o fundo.)

    BERMUDES - Que home este?

    GOUVEIA - Um pobre diabo que se constituiu amigo e conselheiro de todas estas infelizes...Trata-as de filhas, d-lhes conselhos muito teis e sobretudo muito desinteressados, quenenhuma delas aproveita... e tem invariavelmente amesma frase, tratando de cada uma delas,seja qual for: Muito honesta! muito honesta!

    CENA III

    BERMUDES, GOUVEIA, MARION, QUINCAS, depois SINFRNIO e MARIANA, depoisfigurantes

    MARION (Entrando pelo brao de Quincas.) - GOUVEIA, ma dernire conqute... Je te laprsente. (Apresenta-lhe que o cumprimenta.)

    QUINCAS - Estou-me desemburrando.

    GOUVEIA - A Marion boa mestra. (Marion afasta-se para o fundo, rindo-se. A Bermudes.). uma portuguesa: est a depenar aquele menino, que recebeu h dias a legtima paterna.

    BERMUDES - Ah! mui danosa! E que faz o juiz de orfo?

    GOUVEIA - Pois se ele est emancipado.

    BERMUDES - Qu emancipado! Emancipado uma boa manaranduba no lombo.

    SINFRNIO (Voltando, a Gouveia.) - Viu a Marion? Com um menino pelo brao. Estou farto delhe dizer: Minha filha, procura gente sria; no estejas a desmamar crianas. Mas qual! pregarno deserto. Estes demnios no se convencem de que eu falo em seu beneficio.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    37/41

    BERMUDES - Aquilo uma desavergonhada, seu homelSINFRNIO - No diga isso, coitada. at muito honesta! muito honesta! (Indo a Mariana, que passa.) Mariana, eu estava uma noitedestas na Maison Moderne, e ouvia sua voz... Voc fazia um barulho infernal num gabineteparticular... No continue, minha filha, no se prejudique.

    MARIANA - Ora v dar conselhos s suas filhas. (Afasta-se esquerda.)

    SINFRNIO (A Bermudes.) - Esta francesa muito honesta, mas doida...

    BERMUDES - macriada. (Frasquita, que tem estado ao fundo, desce a Gouveia.)

    FRASQUITA - Quando quiseres, vamos.

    GOUVEIA - Espera. S o tempo de me ver livre deste matuto.

    FRASQUITA - Quem ? (Continuam a falar baixo.)

    SINFRNIO (A Bermudes.) - O senhor no da Corte?

    BERMUDES - No sou, no. Deus me livre! Sou da Bahia.

    SINFRNIO - Ento no conhece aquela espanhola que est ali a conversar com o Silveira?...

    BERMUDES - muito honesta, j sei...

    SINFRNIO - Mas tola. No sabe aproveitar a mar do carvoeiro. O Visconde das Dores doIndai tem umapaixa enorme por ela; deixou-o por um pelintra, que no lhe dava uma de x.

    BERMUDES - Veja que desgraa!

    SINFRNIO (A Frasquita, que tem acabado de conversar com Gouveia e vem passando dadireita para a esquerda.) -Frasquita, minha filha, venha c: voc j tomou juzo?

    FRASQUITA - Agora estou mais sossegadinha.

    BERMUDES (A Gouveia.) - Seu dout, o senhor tambm conhece elas todas.

    GOUVEIA - Ah! elas me consideram muito.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    38/41

    BERMUDES -Apois. (Continua conversar baixo.)

    FRASQUITA (A Sinfrnio.) - Dou-lhe uma notcia: o Visconde voltou.

    SINFRNIO - Voltou? Bravo, d c um abrao.

    FRASQUITA - Oh! mas no lo quero. muito velho... SINFRNIO - Deixa disso.

    FRASQUITA - Oh! descanse!... tambm no quero o outro... muito moo... Nada, meu amigo,a experincia foi cara. Quando lhe mandei pedir aqueles vinte mil ris emmprestados... que porsinal nunca paguei...

    SINFRNIO - Oh! oh! oh! oh!

    FRASQUITA - Nunca paguei, nem pago. Esteja tranqilo. Quando lhos mandei pedir, no tinhao que comer, acredite.

    SINFRNIO - Bem feito, minha filha... voc estava to bem... no me quis ouvir... Bem sabe quesou um amigo desinteressado.

    FRASQUITA -Adis.Aparea. Ainda estou na mesma casa. V almoar comigo amanh.

    SINFRNIO - Amanh, no posso; fiquei de ir almoar com a Rosa Paulista.

    FRASQUITA - Ento v jantar.

    SINFRNIO - Para jantar estou comprometido com a Berta, Qualquer dia destes l vou.

    FRASQUITA - Quando quiser.Ads. (Afasta-se.)

    SINFRNIO - Adeus, minha filha. (A Bermudes e Gouveia.) Muito honesta! muito honesta! Lvai a Florinda. Vou pedir-lhe notcias da Pitoca. (Afasta-se, apressado, pelo fundo.)

    HERMUDES - Este home um almanaque!

    GOUVEIA - Senhor Bermudes, quer ir caixa?

    HERMUDES - Que caixa? Caixa d'gua?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    39/41

    GOUVEIA - No; a caixa do teatro.

    BERMUDES - Pois treatro tem caixa?

    GOUVEIA - O palco... o lugar onde esto os atores. Eu dou-me muito com o Vasques...Considera-me muito...

    BERMUDES - algum Ministro?

    GOUVEIA - No... - o Vasques? Pois no sabe? Aquele que representa... que vai pedir a moda princesa em casamento...

    BERMUDES - Ah! o jocoso... O diabo tem muita graa!

    GOUVEIA - Pois vamos v-lo. o mesmo homem fora da cena

    BERMUDES - Vamos l v o Vasque. (Saem pela direita alta.)

    CENA IV

    SINFRNIO, um SUJEITO, depoisALBERTO e figurantes

    SINFRNIO (Com o brao por cima dos ombros do Sujeito.) - Pra que h de voc amargurar apobre menina com tantos cimes? Coitada, uma injustia. Ainda ontem, l no Lucinda, elaqueixou-se-me de voc, e eu disse-lhe: - Florinda, minha filha, v descansada, que eu falo aoGuimares.

    ALBERTO (Entrando, a Sinfrnio.) - Sinfrnio. (Ao sujeito.) Desculpe. (Sujeito retira-se.) Vocsabe de uma que me aconteceu? A Jeannette deixou-me.

    SINFRNIO (Com um pulo.) - Hein?!

    ALBERTO - Ps-me na rua... como a um co.

    SINFRNIO (Resoluto.) - Eu vou l!

    ALBERTO (Puxando-o pelo casaco.) - No, no v! Esta tudo acabado. Depois do que se

    passou, impossvel uma reconciliao entre ns.

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    40/41

    SINFRNIO (Muito interessado.) - Mas como foi isso, meu Deus?

    ALBERTO - Voc no imagina. No pode imaginar! Saio, deixo-a um pouco fria, verdade,dizendo que me ama, e mais isto e mais aquilo. Dou trs voltas, apertam-me as saudades, voltoe encontro-a outra.

    SINFRNIO - Ora esta!

    ALBERTO - Completamente mudada. Nunca a vi assim. Disse-me todas! Finissons! Fiche-moila paix. Je suis lasse de toi.

    SINFRNIO - Oh! ela disse isso?

    ALBERTO - verdade!

    SINFRNIO - Je suis lasse de toi, quer dizer: Estou farta de ti?

    ALBERTO - Pois .

    SINFRNIO - Eu no sou muito forte em francs.

    ALBERTO - Fiche-moi la paix - um desaforo muito maior. Nunca se diz [a] ningum: Fiche-moila paix!Os franceses tudo suportam, tudo, menos o tal - Fiche-moi la paix.

    SINFRNIO - E que quer dizerFiche-moi la paix?

    ALBERTO - Quer dizer: Deixe-me em paz, no me aborrea!

    SINFRNIO - Eu acho o - Je suis lasse de toi - mais forte.

    ALBERTO - Em portugus no h dvida, mas em francs O - Fiche-moi la paix - maiscanalha que Je suis lasse de toi.

    SINFRNIO - Ora senhor! Uma rapariga to... to honesta. Pois olhe, no por falta de bonsconselhos meus: - Jeannette, minha filha, aquele moo um tesouro; no se desfaa dele.Quantas vezes eu lhe disse isto. - Voc que no devia meter-se nestas coisas... um homemcasado...

    ALBERTO - E voc solteiro?

  • 7/29/2019 Xamanismo e Cultura

    41/41

    SINFRNIO - Eu? Ora viva! Eu sou casado, mas desafio que haja marido mais fiel sua mulherdo que eu. Sou amigo destas desgraadas por humanidade, por filosofia. Muita, festa para c,muito agrado para l, toma mais isto, v l mais aquilo, etc.; mas nunca passou disto. Quemdisser o contrrio mente. Mas no se trata de mim. Diga-me, h mouro na costa?

    ALBERTO - Naturalmente.

    SINFRNIO - E sabe quem ?

    ALBERTO - Um amigo ntimo.

    SINFRNIO - sempre assim.

    ALBERTO - Um patife em quem eu depositava tanta confiana, que ainda h dias o deixei emcasa sozinho com minha mulher, a jantar com ela. O Gouveia.

    SINFRNIO - O Gouveia?

    ALBERTO - verdade. Apanhei sobre a mesinha da sala carta dele. Conheo a sua letra e oseu estilo. No me resta a menor dvida. Ele deve estar aqui no Santana.

    SINFRNIO - Est. Ainda h pouco conversvamos. ALBERTO - Era desnecessrio estebilhete annimo que achei no consultrio. (Tira um bilhete e l.) Se quer saber quem o novoamante da sua ingrata Jeannette, v hoje ao Santana, v-lo- com ela. Ela tambm deve estar.

    SINFRNIO - No; est s ele.

    ALBERTO - No importa! Vou procur-lo!

    SINFRNIO - Olhe l, no d escndalo. Voc um mdico.

    ALBERTO - Esteja tranqilo. Escndalo por quem? Pela Jeannette? No o merece, Queroapenas dizer-lhe umas coisas que tenho atravessada na garganta.

    SINFRNIO - Aquela Jeannette. Deixe estar, que amanh vou visit-la e conversar com ela aseu respeito.

    GOUVEIA (Entrando e aproximando-se.) Alberto, por aqui!