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IDEYLSON DA SILVA VIEIRA DOS ANJOS
INTRODUO AO PENSAMENTO DE INTELIGNCIA COLETIVA DE PIERRE LVY
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO CURSO DE FILOSOFIA CAMPO GRANDE/MS
2006
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INTRODUO AO PENSAMENTO DE INTELIGNCIA COLETIVA DE PIERRE LVY
IDEYLSON DA SILVA VIEIRA DOS ANJOS
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INTRODUO AO PENSAMENTO DE INTELIGNCIA COLETIVA DE PIERRE LVY
Monografia apresentada como exigncia final para obteno do ttulo de Licenciado em Filosofia, Banca Examinadora da Universidade Catlica Dom Bosco, sob orientao do Prof. Dr. Josemar de Campos Maciel.
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO CURSO DE FILOSOFIA CAMPO GRANDE/MS
2006
BANCA EXAMINADORA
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Orientador Prof. Dr. Josemar de Campos Maciel
_____________________________________________________________
Co-Orientador Prof. Ms. Jacir Alfonso Zanatta
______________________________________________________________
Examinadora Prof. Ms. Cludia Durand Zwarg
Seres humanos, pessoas daqui e de toda parte, vocs que so arrastados no grande movimento da desterritorializao, vocs que so enxertados no hipercorpo da humanidade e cuja pulsao ecoa as gigantescas pulsaes deste hipercorpo, vocs que pensam reunidos e dispersos entre o hipercrtex das naes, vocs que vivem capturados, esquartejados, nesse imerso acontecimento do mundo que no
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cessa de voltar a si e de recriar-se, vocs que so pegos nesse enorme salto que nossa espcie efetua em direo nascente do fluxo do ser, sim, no ncleo mesmo desse estranho turbilho, vocs esto em sua casa. Benvindos nova morada do gnero humano.
(Pierre Lvy, 1956 - )
Com carinho: A todos os meus familiares, irmos salesianos, amigos e a todos os apaixonados pela vida e pela sabedoria. Com esperana: A todos os futuros estudiosos que, com o auxlio das tecnologias de comunicaes se comprometero com a busca da sabedoria para o desenvolvimento da vida do Ser Humano.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e incentivador do saber Prof. Dr. Josemar de Campos
Maciel pela sua motivao e incentivo, sem os quais no haveria esprito para
realizar esta monografia.
Ao Prof. Ms. Jacir Alfonso Zanatta pela confiana amiga nos emprstimos
das obras necessrias para iniciar-me no campo das novas tecnologias de
comunicao, sem as quais, as dificuldades seriam maiores, e pelas ricas
colaboraes crticas e sinceras no incentivo construo de um trabalho filosfico
de qualidade.
Prof. Ms. Cludia Durand Zwarg pela partilha fraterna e significativa de
seu saber e de sua experincia no mundo de Pierre Lvy, que me dava segurana
para continuar os estudos.
Aos meus grandes professores do curso de Filosofia que durante trs
anos se dedicaram em me incentivar intelectualmente ao compromisso e misso
de buscar a verdade e a significao da vida.
Ao meu diretor Pe. Hermenegildo Conceio e todos os meus formadores
por viabilizarem os meios materiais e espirituais necessrios para a construo
desta monografia.
Aos meus irmos salesianos de turma, que unidos cotidianamente na
mesma jornada, me apoiaram e me motivaram nessa caminhada.
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Aos meus irmos salesianos da comunidade Paulo VI, pela compreenso
e apoio, especialmente queles que, gentilmente, fizeram preciosas observaes na
reviso textual.
A todas as pessoas que de alguma forma, material ou espiritualmente, me
ajudaram finalizar este trabalho.
A Deus por me conceder a oportunidade de viver, de ser salesiano, de
estudar filosofia e de realizar essa monografia.
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ANJOS, Ideylson da S. Vieira. Introduo ao pensamento de inteligncia coletiva de Pierre Lvy. Monografia como trabalho de concluso de curso. UCDB. Campo Grande, 2006.
RESUMO
Pierre Lvy um dos mais influentes filsofos da atualidade que trabalha a questo da cibercultura e da inteligncia coletiva. um otimista das novas tecnologias de comunicao e acredita que a humanidade, pelo fenmeno da popularizao da Internet, caminha para a construo de um novo espao antropolgico, o espao do saber, no qual todos os seres humanos estaro interligados em tempo real pela Internet. Neste espao, a inteligncia, entendida como dimenso que constitui o ser humano, ser o centro das relaes. Com pretenso universal, mas no totalitria, a Internet a nova escrita, a qual possibilita uma interligao dos seres humanos e de seus conhecimentos. Assim nasce o pensamento da inteligncia coletiva de Pierre Lvy que se fundamenta no reconhecimento de que, cada ser humano sabe alguma coisa, mas ningum sabe de tudo, e ao mesmo tempo, todo o conhecimento est presente na humanidade. Por isso, a inteligncia coletiva uma inteligncia de liberdade, de no totalitarismo, que valoriza cada ser humano e compreende em si os saberes de todos, em busca de uma aproximao do saber absoluto, para a partir da tentar resolver melhor os problemas da humanidade. Palavras-chave: Pierre Lvy. Inteligncia coletiva. Espao antropolgico. Espao do saber.
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SUMRIO
RESUMO
INTRODUO ......................................................................................................... 09
I. PIERRE LVY E A INTELIGNCIA COLETIVA
1. CONHECENDO PIERRE LVY ........................................................................... 16
2. INTELIGNCIA COLETIVA ................................................................................. 30
II. ESPAO ANTROPOLGICO
3. O QUE UM ESPAO ANTROPOLGICO?..................................................... 44
4. TERRA ................................................................................................................. 47
5. TERRITRIO........................................................................................................ 54
6. MERCADORIAS................................................................................................... 61
7. ESPAO DO SABER........................................................................................... 72
CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 89
ANEXOS................................................................................................................... 94
REFERNCIAS ........................................................................................................ 99
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INTRODUO
De acordo com Pierre Lvy (2001, DVD), inconcebvel negar que o
mundo est na era das telecomunicaes. Basta olhar a maneira como ele se
relaciona, como move a sua economia, sua poltica, sua sabedoria, para ver que em
tudo os processos tcnicos de telecomunicao esto se adentrando. No obstante,
as telecomunicaes, so indispensveis na maioria das atuais reas de trabalho e
principalmente nas instituies educacionais, pois esta tcnica j se constitui como
um elemento essencial na construo de conhecimentos e vem mudando
completamente a maneira das pessoas pensarem, de se comunicarem, de
conviverem uns com os outros e com o mundo.
O mundo se encontra em uma acelerada evoluo das telecomunicaes
e para ver, s observar os aparelhos telefnicos, os celulares, os computadores, e
notar que eles esto, em alta velocidade, cada vez mais sofisticados e possuem
variadas funes que visam facilitar a vida das pessoas. Para Pierre Lvy, essas
tecnologias esto causando uma transformao no mundo humano e, por isso, a
tcnica hoje um dos temas mais importantes para se trabalhar no campo filosfico.
Percebe-se que, o que se passa hoje, a vivncia de uma verdadeira
revoluo tecno-antropolgica, a qual, pela tcnica, atinge com velocidade todas as
dimenses do mundo humano (social, poltica, econmica, intelectual, espiritual).
Pelo sistema tcnico de universalizao, chamado Internet, se constri uma rede
mundial, na qual todos esto interligados num mesmo espao o ciberespao e
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num mesmo tempo presente, onde h contatos de um para com cada um, de um
para com todos, e de todos para com todos que esto conectados. Com isso, a
noo de espao e tempo, que at ento s fora mudada no nascimento da escrita,
se v, hoje, totalmente transformada devido ao surgimento desse novo sistema que
unifica o mundo em tempo presente e indeterminado. Movimentar-se j no mais
deslocar de um ponto a outro na superfcie terrestre, mas sim, atravessar universos
de problemas, mundos vividos, diferentes sentidos que exploram o espao interior
da intersubjetividade. Eis a atual revoluo na qual estamos s sombras.
Como se v, a humanidade est na era das telecomunicaes, porm,
segundo Lvy (1999), est passando despercebida a grandeza dessa nova
realidade, e isso faz desconhecer totalmente os benefcios que essa revoluo pode
vir a nos oferecer, principalmente no campo do conhecimento. A Internet, por
exemplo, utilizada pela maior parte das pessoas somente como um instrumento de
transmisso e no como uma metodologia de construo de conhecimentos.
Segundo Pierre Lvy (1993), devido ao no conhecimento do momento
em que se vive, diante das velozes mudanas e inmeras interrogaes de
incertezas, muitas pessoas, preferem abraar as crticas sobre a tcnica, nascidas
do medo e da ignorncia, que investir em estudos para conhecer o que se passa.
O cmulo da cegueira atingido quando as antigas tcnicas so declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto que as novas so denunciadas como brbaras e contrrias vida. Algum que condena a informtica no pensaria nunca em criticar a impresso e menos ainda a escrita. Isso, porque a impresso e a escrita (que so tcnicas!) o constituem em demasia para que ele pense em apont-las como estrangeiras. No percebe que sua maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo de acreditar em Deus so condicionadas por processos materiais (LVY, 1993, p. 15).
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Por isso, diante desse contexto de revoluo e indeterminao, de
novidade e da incerteza, de mudana e de medo, se julga de suma importncia
elaborar estudos, principalmente filosficos, que visam o entendimento e o
esclarecimento, do atual momento, para a partir da, nele se posicionar e at propor
um rumo para a humanidade caminhar. nessa tica que o presente estudo tenta
ser significativo, pois se dedicar em analisar de maneira introdutria o pensamento
de inteligncia coletiva de Pierre Lvy acreditar que por meio da informtica, h a
possibilidade de uma nova maneira de construir conhecimento. Esse conhecimento
produzido pela inteligncia coletiva no somente um conhecimento, mas , na
verdade, um reconhecimento das competncias pessoais de cada indivduo, isso
quer dizer, a possibilidade de um novo sistema de validao de competncias
pessoais, enfim, a construo de um novo humanismo. Esta a proposta que este
estudo vem trazer.
A proposta de uma inteligncia coletiva apresentada por Pierre Lvy, no
aplicada somente na dimenso do conhecimento, mas tambm atinge fortemente o
campo poltico-social e o econmico. Porm, o presente trabalho se delimita na
proposta de introduzir somente o campo do conhecimento, isto , na nova maneira
de construir o conhecimento. Esta escolha no do autor deste trabalho, mas sim
de Pierre Lvy (2001, DVD), o autor do pensamento, pois para ele, o que mais
importa e precisa ser valorizada a dimenso de uma nova maneira de saber,
porque o saber que ser o centro do novo espao antropolgico que a
humanidade est iniciando, o espao do Saber.
Com a pretenso de assemelhar-se s obras de Pierre Lvy e apresentar
minuciosamente o tema proposto, o presente trabalho, se divide metodologicamente
em duas grandes partes, as quais se dividem em captulos e sub-captulos
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correntes. A primeira parte, chamada PIERRE LVY E A INTELIGNCIA
COLETIVA, vem contextualizar a vida e o pensamento do autor e adentrar no tema
da inteligncia coletiva. Para isso, a primeira parte composta por dois captulos.
O primeiro captulo pretende responder o problema sobre o que levaria
um filsofo a dedicar sua vida ao estudo da tecnologia enquanto ao mesmo tempo
muitos se dedicam somente a destru-la? Para atingir esse objetivo, o captulo
apresenta por meio de uma sntese biobibliogrfica, quem Pierre Lvy, quais so e
sobre o que tratam suas obras. Esse captulo ressalta o otimismo e a ousadia de
Pierre Lvy, um autor que no se intimida diante do novo, mas se dedica a conhec-
lo, no se rebaixa diante das crticas, mas as utiliza para fortificar e fundamentar seu
pensamento, no se acha o prepotente, mas pem em cheque os que buscam a
prepotncia. Aqui, Lvy apresentado como um ser humano otimista, no sentido
etimolgico da palavra, como aquele que se compromete e se coloca na tentativa de
ajudar a melhorar o mundo onde se vive.
O segundo captulo, ainda na primeira parte, se prope a tratar
detalhadamente o pensamento de inteligncia coletiva de Pierre Lvy, seu
significado e sua fundamentao filosfica. Esse captulo a chave do trabalho, ele
uma verdadeira descrio, passo a passo, do que significa inteligncia coletiva em
Pierre Lvy.
A segunda parte deste trabalho, intitulada ESPAO ANTROPOLGICO,
tem como fim principal apresentar o ambiente no qual vive e se desenvolve a
inteligncia coletiva de Pierre Lvy. Nesse captulo, espao antropolgico o
espao criado pela relao entre pessoas. Para Lvy (1999), a humanidade vive
fortemente, a presena de trs grandes espaos antropolgicos: Terra (captulo
quatro), Territrio (captulo cinco), Mercadorias (captulo seis) e agora est em
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construo de um quarto (captulo sete), o qual Pierre Lvy denomina espao do
Saber. Os quatro espaos antropolgicos, nos quais a humanidade vive, so
apresentados de maneira objetiva, tendo obviamente um maior destaque na
constituio do quarto espao antropolgico, no qual, segundo Lvy, se constri a
inteligncia coletiva.
Em suma, o presente trabalho se desenvolve por meio da tcnica de
reviso bibliogrfica, atendendo s etapas de leitura, anlise, compreenso,
explicao, exposio e definio das noes e conceitos relativos inteligncia
coletiva no pensamento de Pierre Lvy. O mbito da pesquisa formado,
principalmente, pelos textos de Pierre Lvy tendo como texto base a obra A
inteligncia coletiva na qual o prprio autor apresenta seu pensamento e escritos
de autores relacionados aos conceitos que se referem aos fundamentos do
pensamento de Lvy.
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I. PIERRE LVY E A INTELIGNCIA COLETIVA
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1. CONHECENDO PIERRE LVY
Pierre Lvy um dos mais influentes filsofos da atualidade que trabalha
com a cibercultura e a inteligncia coletiva (LVY, 2005, DVD). um dos principais
defensores das novas tecnologias de informao, dos computadores e em particular
da Internet, vista como instrumento de ampliao do conhecimento humano
(PRADO, 2006). Pierre Lvy, se auto intitula de engenheiro do conhecimento,
aquele que v na tcnica de comunicao a possibilidade da construo
revolucionria de um novo pensamento, de uma nova inteligncia (PELLANDA,
2006). Porm, o que no se pode perder de foco, que a centralidade do
pensamento de Pierre Lvy o ser humano, e o que Lvy reala que a tcnica
vem ajud-lo no seu desenvolvimento.
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O pensamento e viso de mundo de Pierre Lvy, so motivados pela
concepo filosfica do jesuta e paleontlogo francs Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955). Esse filsofo e telogo, defende a tese de que a humanidade caminha
no sentido de uma evoluo universal, num caminho de ascenso, vencendo
obstculos e superando barreiras (PINTO, 2006). Lvy acredita e faz vivo o
pensamento que h 50 anos Chardin sonhava:
Ningum pode negar que uma rede [] de filiaes econmicas e psquicas est sendo tecida numa velocidade que aumenta sempre, que abraa e constantemente penetra cada vez mais fundo em ns. A cada dia que passa, torna-se um pouco mais impossvel para ns agir ou pensar de forma que no seja coletiva [] Ns chegaremos ao princpio de uma nova era. A Terra ganha uma nova pele. Melhor ainda, encontra sua alma (CHARDIN, 1947, apud: ZWARG, 2005, p. 12).
Lvy verdadeiramente um grande otimista dos efeitos das novas
tecnologias de informao, especialmente da Internet, e por isso, tem bem claro o
conceito de otimismo como sendo uma atitude de uma enorme exigncia, bem mais
que o pessimismo (LVY, 2001).
Segundo a especialista e grande admiradora do pensamento de Pierre
Lvy, Cludia Zwarg (2005), devido a esse otimismo, em relao aos efeitos das
novas tecnologias, Lvy se torna um alvo fcil para as crticas. Sobre isso, Pellanda
(2000, p. 09), afirma que Lvy para os conservadores, um fantasma indesejado e
temido. Para F. Rdiger, terico e crtico da cibercultura, Pierre Lvy no passa de
um ingnuo otimista por assumir as pretensas benesses do progresso tecnolgico
como suporte para uma f cega nos destinos prspero dos seres humanos
(RDIGER, apud ZWARG, 2005, p. 18). Agora, para Paul Virilio, este considerado
um dos maiores crticos de Pierre Lvy, atribui a Lvy o papel de guru da Internet,
pelo fato de que, para Virilio, Lvy tem permitido arrastar para o terreno do delrio,
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um delrio de interpretao nefasto a respeito da ciberntica e temas adjacentes
(VIRLIO, apud ZWARG, 2005, p. 12).
O interessante da questo que em nenhum momento, Pierre Lvy se
desanima diante das crticas, alis, se anima cada vez mais, pelo fato de ter a
possibilidade de exercer sua responsabilidade e compromisso de cooperar com a
humanidade em sua posio de vivncia e entendimento diante do atual processo
de desenvolvimento humano. Sendo assim, diante da atual dinmica de novos
desenvolvimentos humanos, considerada tambm como evoluo da tcnica de
virtualizao, Lvy (1996, p. 12) recomenda a toda a humanidade, e em especial aos
seus crticos, que: antes de tem-la, conden-la ou lanar-se s cegas a elas,
proponho que se faa o esforo de apreender, de pensar, de compreender em toda
a sua amplitude. Para ele, isto o que ainda falta, principalmente, para seus
crticos.
Lvy (2000), afirma que a grande maioria desses intelectuais que tanto o
criticam, so uma casta de homens cultos que detinham em si, o monoplio do saber
e do conhecimento, mas, que ainda no se deram conta de que esto perdendo os
seus poderes para a coletividade presente na Internet, e por isso criticam tanto, isto
, eles esto perdendo o privilgio da transmisso do conhecimento, e isso se d,
por nada conhecerem do mundo virtual. Segundo Lvy (2000), Virilio nunca viu um
correio eletrnico na vida! Suas crticas so crticas de quem est apavorado com a
nova realidade. essa liberdade que intelectuais como Virilio identificam com a
barbrie e no podem tolerar.
Como se v, a ousadia uma das caractersticas principais de Pierre lvy
que, diante de todo esse contexto de medo, omisso e crtica s tecnologias, levanta
a voz ao mundo e afirma:
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Sim eu sou otimista [] Ser otimista dar-se conta de que temos a possibilidade de escolher e que, portanto somos responsveis. dar-se conta de que no devemos colocar a responsabilidade sobre o que nos externo, sobre bodes-expiatrios, em pessoas que queremos acusar. Ser otimista dar-se conta que ns contribumos para construir o mundo em que vivemos. E o que iremos escolher? O pior? No! Vamos escolher o melhor. Eis porque sou otimista (LVY, 2001).
Tudo isso, j o suficiente para compreender que Pierre Lvy um
filsofo vivo, instigante, atraente, corajoso, ousado e otimista do mais atual sistema
de informao, o ciberespao, a cibercultura, a inteligncia coletiva.
1.1 UM POUCO DA VIDA DE PIERRE LVY
Para conhecer um pouco da vida de Pierre Lvy e entender as suas
brilhantes navegaes, escolhas, decises, paixes, como tambm, dedicao e
motivao vida, necessrio, primeiramente, conhecer o que ele mesmo diz a
respeito de sua prpria vida, de sua prpria identidade.
Sou judeu (de nascimento e de tradio espiritual), budista (por meditao), tunisiniano (de nascena e por uma parte de minha cultura musical, gastronmica, etc.), francs (de lngua e educao escolar), europeu (pelo ideal de uma entidade poltica supranacional pacifista e multicultural), quebequense (pela escolha de uma participao na Amrica francfona), canadense (imigrante ao Canad, amante dos lagos e florestas), brasileiro (por gosto), filsofo (por vocao), professor (por ambientao), e assim sucessivamente (LVY, apud: ZWARG, 2005, p. 10).
A vida de Lvy ainda est em curso e muitas experincias havero de
ocorrer, porm, o que se consta at hoje que Pierre Lvy nasceu numa famlia
judia em 02 de julho de 1956 em Tunis, capital da Tunsia, que naquela poca era
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colnia francesa (CAOSMOSE.NET, 2006). Desde pequeno Pierre Lvy comeou a
se interessar pela questo do pensamento humano. Quando tinha por volta de 10
anos, Lvy afirma que comeou a ler livros sobre a ciberntica e sobre o que se
chamava naquela poca, de crebro eletrnico, pois, queria saber como era possvel
mquinas ter pensamento (LVY, 2001).
Em torno dos 17 anos, Pierre Lvy teve o seu primeiro contato com o
computador. Prestava o servio militar e era responsvel de alimentar os
computadores do Exrcito com cartes de identificao. Afirma Lvy, que naquela
poca os computadores no tinham nem tela, nem teclado (LVY, 2003).
Com o passar do tempo, diferentemente do que se sentia atrado desde
criana, Pierre Lvy, no final da dcada de 70, se graduou em Histria e Geografia.
No era o que queria quando pequeno, mas foi nesses cursos, e especificamente
nas aulas de metodologia da pesquisa histrica e de cartografia, que Lvy afirma ter
aprendido a utilizar o computador, pois, segundo Lvy, a mquina mudava a
maneira de fazer pesquisa e isso transformava a maneira de pensar do
pesquisador. Nessa poca, Pierre Lvy encarava o computador como uma
inteligncia artificial, como uma mquina que pensava como os humanos,
pensamento este, que futuramente vem combater (LVY, 2001).
Ainda no final dos anos 70, antes mesmo de se falar em Internet, foi
publicado na Frana um relatrio oficial chamado Nora-Menk. Era um prospecto
sobre a informatizao da sociedade por meio de instalao em rede dos
computadores via sistema telefnico, era como que os primrdios da Internet. E,
segundo Pierre Lvy, foi lendo esse relatrio que ele se dedicou a investir seus
estudos na rea das tcnicas da informao. Dizia: em cima disso que
precisamos trabalhar (LVY, 2001).
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Seguidamente, em 1980, empolgado com a tcnica da informao que
vinha transformando a maneira se comunicar, de pensar e memorizar das pessoas,
Pierre Lvy fez seu mestrado em Histria das Cincias na Universidade de
Sorbonne em Paris. E foi justamente nesse perodo que Lvy, freqentando as aulas
de seu mestre Michel Serres, descobre sua vocao de pesquisador.
Conseqentemente, os estudos de Pierre Lvy comeam a chamar a ateno e seu
nome comea a se popularizar (TORRES, 2006).
Segundo Fernando Torres (2006), em 1983, Pierre Lvy, tambm na
Sorbonne, se doutorou em Sociologia e Cincia da Informao e da Comunicao.
Lvy, em seus dois anos seguintes (1984 e 1985), trabalhou na Escola Politcnica
onde seus estudos embarcaram a temtica da ciberntica e inteligncia artificial.
Pierre Lvy sempre manteve contato com seu mestre e motivador Michel
Serres, chegando a participar da redao da obra Elementos de histria das
cincias, publicada por Serres em 1989, onde assina o captulo sobre a histria do
computador. Mas, antes, em 1987, Lvy publica sua primeira obra chamada A
mquina universo, a qual trata das implicaes culturais da informatizao e suas
razes na histria do ocidente (CAOSMOSE.NET, 2006).
Ainda em 1987, Pierre Lvy convidado a ser professor do departamento
de comunicao da Universidade de Quebec, em Montreal, no Canad. L, durante
dois anos (1987-1989), Lvy lecionou sobre a utilidade dos computadores no
processo da comunicao, aprimorou seus estudos em cincias cognitivas,
fundamentou filosoficamente o conceito de hipertexto e elaborou um programa
chamado ecologia cognitiva. Em 1990, segundo Fernando torres (2006), Lvy volta
Frana, mas o seu estudo realizado no Canad, teve como fruto a sua segunda
obra As Tecnologias da Inteligncia, publicada na Frana ainda em 1990.
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Neste mesmo ano, 1990, Pierre Lvy torna-se professor de Cincias
Educacionais na Universidade de Paris X Nanterre, onde lecionou at 1992.
Paralelo a esse trabalho, Lvy desenvolve pesquisas, sobre a conexo em rede do
conhecimento e a economia do saber, no centro europeu Neurope Laboratrio em
Genebra na Sua, instituto que ajudou a fundar. L, trabalha com diversos
cientistas. Em 1991 Pierre Lvy termina seu Ps-doutorado em Cincia da
informao e da comunicao na Grenoble, Frana (PLANETWORK, 2006). Em
1992, com o incentivo do amigo Genebrs, o matemtico Xavier Comtesse, Pierre
Lvy publica sua terceira obra chamada A Ideografia dinmica. Esta obra traz a
proposta de uma nova forma de escrita, a qual se apresentaria por meio de cones e
seria interativa na rede de computadores (CAOSMOSE.NET, 2006).
No Laboratrio Neurope, juntamente com seu amigo Michel Authier e
equipe, Lvy efetua, de 1991 a 1995, diversas investigaes e reflexes sobre as
novas formas de acesso ao saber, permitidas pelos instrumentos numricos, o
computador. Em 1992, depois de publicar A ideografia dinmica, Pierre Lvy, com
Michel Authier, publica a obra que alcanou projeo mundial, a chamada As
rvores de conhecimentos, prefaciada por seu respeitado Michel Serres. Afirma Lvy
(2001, DVD), que a sua obra As rvores de conhecimentos, uma nova forma de
considerar o funcionamento da sociedade, no mais relacionado ao poder, mas ao
conhecimento, isso se d por meio de um programa de informtica criado por
Authier, que permite uma abertura de comunicao em tempo real entre indivduos
conectados no sistema, no qual formadores e empregados, patres e clientes,
professores e alunos, estaro juntos, permitindo reconhecer a diversidade das
competncias das pessoas, a formao intelectual da sociedade, alm de favorecer
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uma melhor visibilidade das relaes humanas nos diversos campos (poltico,
econmico, intelectual, social, familiar).
Pierre Lvy reconhece que com o avano da tecnologia de informao
como uma expanso social, seu sistema de rvore de conhecimentos pode ser
aplicado mundialmente por meio do atual sistema de Internet. No que o sistema
desatualizou, pelo contrrio, com a Internet, Lvy expande sua proposta para o
mundo causando o impacto de uma revoluo antropolgica. Segundo Lvy (2001,
DVD), o sistema das rvores de conhecimentos j aplicado hoje em diversos
lugares do mundo, em instituies de ensino, empresas, organizaes sociais,
econmicas, como por exemplo, a organizao do sistema econmico e a
organizao de desenvolvimento humano da Unio Europia.
Aps essa obra, Lvy se torna mundialmente conhecido, e assume
diversas funes e cargos. Torna-se professor do departamento Hipermdia da
Universidade de Paris, torna-se membro do Comit de redao da revista virtual do
centro Pompidou, torna-se conferencista a nvel mundial, vindo vrias vezes ao
Brasil. Suas obras foram traduzidas em diversos pases como: Brasil, Itlia, Portugal,
Alemanha, Estados Unidos, Coria, Grcia, Espanha (CAOSMOSE.NET, 2006).
Em 1994, com fundamentaes nas As rvores de conhecimentos, Pierre
Lvy publica a obra A inteligncia coletiva, a qual apresenta o que realmente Pierre
Lvy pensa sobre inteligncia coletiva. interessante, nessa obra, a proposta
revolucionria de Pierre Lvy, denominada por ele mesmo como sendo utpica.
Nela, Lvy apresenta humanidade o surgimento de um novo espao antropolgico,
o espao do Saber, um espao de uso das tecnologias de comunicao interativa.
Sobre essa obra afirma Pierre Lvy (2001, roda viva): No tenho pretenses
exatido histrica e cientfica, mas fecundidade filosfica e prtica. A primeira
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parte da obra, denominada A engenharia do lao social, considerada por Lvy
(1999), como uma verdadeira arte de suscitar coletivos inteligentes valorizando ao
mximo a diversidade das qualidades humanas. Nela, apresentada, sob uma viso
histrico-social da tcnica, o processo de construo do pensamento da inteligncia
coletiva de Pierre Lvy. Na segunda parte, denominada O espao do Saber, Lvy
desenvolve a sua teoria dos espaos antropolgicos. Para Lvy (1999) na histria da
humanidade esto presentes quatro grandes espaos antropolgicos, sendo eles:
Terra, Territrio, Mercadorias e Saber. Segundo o autor, no espao do Saber que
se desenvolve a sua proposta de inteligncia coletiva.
Seguidamente, logo em 1995, Lvy publica a obra O que Virtual? A qual
sem dvida, uma das mais revolucionria. Nela, Lvy quebra a viso de que virtual
oposio daquilo que real, de que virtual ilusrio, imaginrio, falso. Lvy (1996,
p. 12. SIC) no se contenta em definir o que virtual, mas tambm pretende
analisar e ilustrar um processo de transformao de um modo de ser no outro,
estendendo-se ao plano filosfico (o conceito de virtualizao), antropolgico (a
relao entre o processo de hominizao e a virtualizao) e scio-poltico
(compreender a mutao contempornea para poder atuar nela).
Em 1997, como fruto do relatrio encomendado pelo Conselho Europeu,
Lvy publica a obra Cybercultura, um manifesto humanista da nova cultura em
emergncia. Nesta grande obra Lvy fundamenta seus argumentos em defesa da
cibercultura e responde vrios questionamentos pertinentes a respeito da informtica
como a excluso digital e a monopolizao da elite pelo domnio da nova tcnica. A
construo do pensamento humanista, utilizando e valorizando a cibercultura, a
prola dessa obra de Pierre Lvy.
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Em 1999, Pierre Lvy, com a colaborao de sua companheira Darcia
Labrosse, publica a obra Fogo Liberador, que , na verdade, o resultado de dois
anos de anlises sinceras sobre as mudanas espirituais da vida do prprio autor.
Nela, Lvy (2000 apud: GUSTAVO, 2006) afirma que no basta compreender o
mundo, no basta compreender a humanidade, pois para se dar bem diante dos
problemas, tambm precioso conhecer a si mesmo.
Olhe para a merda do mundo. exatamente a mesma merda que h em voc: a besteira, a cobia, a raiva, a violncia, a arrogncia, o cime, o medo, a autodestruio, a vergonha. Se voc se culpa, voc s um covarde. Se acusa os outros, o mundo, o sistema, os estrangeiros, e sei l o que mais, voc um verdadeiro covarde. Mas se voc se recusa a ver a merda, voc o pior dos covardes. A coragem est em ficar na merda. Trabalhar com ela. Aceit-la tal como . Ver que vazia. Sentir no mais ntimo que a merda um sonho de merda (LVY, 2000, p. 168 apud: GUSTAVO, 2006).
Esta obra a viso de mundo que Lvy alcana por meio da experincia
espiritual embasada nos ensinamentos budista, da cabala e da sabedoria dos
antigos.
No ano de 2000, sai a publicao da obra A Conexo Planetria, na qual,
Lvy aborda as discusses do mercado, do ciberespao e da conscincia humana e
coletiva. A partir desse ano Pierre Lvy comea a trabalhar para a unio europia
com estudos sobre uma democracia eletrnica. E em 2002, com uma abordagem
poltica-filosfica, sai a ltima publicao de Pierre Lvy, a obra chamada
Ciberdemocracia, ainda no traduzida no Brasil. Esta , na verdade, uma proposta
de uma democracia eletrnica, isto , uma democracia direta que acompanhada
por computadores. Na ciberdemocracia, todos os indivduos ligados rede tero
acesso direto e instantneo nas relaes polticas, seria como que uma inteligncia
coletiva aplicada poltica.
-
H muito tempo, Lvy acredita que as novas tecnologias de informaes
oferecem ao homem a oportunidade de uma poltica clara, transparente, participativa
para todos, isto , uma democracia verdadeira, pois no existe democracia sem
comunicao livre (LVY, 2001). Bem antes de publicar a Cibercultura, Lvy (2001,
DVD), j afirmava que h uma profunda relao entre o progresso das novas
formas de comunicao e o progresso da democracia. A informtica criadora da
possibilidade da ciberdemocracia, uma verdadeira democracia eletrnica. Quanto a
isso, Lvy (2001, DVD) refora que democracia eletrnica no votar pela Internet.
Mas atuar individualmente, diretamente, transparente e instantaneamente nos
problemas e nas decises polticas. Essa a ciberdemocracia.
Desde 2002, Pierre Lvy trabalha na Universidade de Ottawa, no Canad,
como titular da cadeira de pesquisa em Inteligncia Coletiva. membro da
Sociedade Real do Canad Academia Canadense de Cincias e Humanidade.
Sobre a sua ida para o Canad, Lvy, afirma:
[] eu queria lecionar uma disciplina que se chamasse Inteligncia Coletiva e na Frana no consegui. No Canad disseram-me: Voc quer criar uma disciplina? V em frente. Assim pude desenvolver, na Universidade de Ottawa, um projeto de dez anos de durao que tem por objetivo estudar e acompanhar a formao da inteligncia coletiva (LVY, 2003).
Em 2005, em uma das suas ltimas vindas ao Brasil, Pierre Lvy
apresentou, platia da Universidade de So Marcos SP, a pesquisa que ele
estava desenvolvendo naquele ano, naquele momento, em Ottawa. Confira:
No laboratrio que eu dirijo, estamos exatamente agora, desenvolvendo uma nova gerao de linguagem de aumento cognitivo. So dados computveis, no apenas em sua dimenso sinttica, mas tambm em sua dimenso semntica e pragmtica [] So linguagens projetadas para serem lidas, no apenas pelos
-
computadores, mas tambm pelos seres humanos. Finalmente, isso leva a aventar a existncia de um espao que no o espao fsico tridimensional ou quadridimensional, segundo Einstein, mas de um espao semntico, pragmtico, cognitivo, um espao intelectual ou espiritual, mas que obviamente multidimensional, hipertextual, evolutivo, complexo. A mente assim, concordamos com isso. Mas antes dos computadores, no tnhamos meios para poder modernizar um espao assim. Hoje podemos. Pois bem, faamos (LVY, 2005, DVD).
Ao fim dessa tentativa de conhecer um pouco da vida de Pierre Lvy,
percebe-se que, dizer quem Pierre Lvy no algo to simples como pode
parecer. Filsofo, historiador, socilogo, cientista, pesquisador, terico, estudioso,
utpico da Internet, engenheiro do saber, guru da Internet e at webfilsofo so
apenas algumas das vrias nomenclaturas dadas a Pierre Lvy. Mas, diante de
tantas titulaes, vem tambm, algumas interrogaes, como por exemplo, quem
realmente Pierre Lvy hoje? Qual a sua classificao intelectual e profissional? Ele
filsofo? Se sim, de qual escola filosfica?
Para quem se preocupa fortemente com essas interrogaes e as
consideram essenciais para sua pesquisa sobre algum autor, saiba que para Pierre
Lvy, essa preocupao no to significante, pois para ele, o que importa pensar
e isso independente de titulaes e de disciplinas, confira o que Lvy responde na
entrevista de Rogrio da Costa:
Acredito que minha formao no tem nenhuma importncia e considero que o pensamento em seu desenvolvimento livre no tem estritamente nada a ver com as disciplinas [] no se trata de forma alguma de multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade, trata-se de pensar e isso tudo. Ento acontece de eu ter feito estudos de histria e de administratividade eu ter diploma de sociologia e de cincia informtica, mas nunca me considerei como pertencendo ou como tendo alguma formao (COSTA, 1993, p.55).
O pensamento de Lvy vai alm das limitaes das disciplinas e das
titulaes, o centro a sabedoria humana e o humano na sua integralidade. Quanto
-
s titulaes ou diplomas, Lvy afirma que desde cedo se interessou por robtica,
ciberntica e fico cientfica chegando a possuir o ttulo de doutor nessa rea, e
isso ns vimos, porm, confirma Lvy: Digamos que do que mais gosto de
filosofia, j que eu disse que o pensamento o que conta, mas no tenho um nico
diploma de filosofia (COSTA, 1993, p. 55). Contudo, para a alegria dos
conservadores e prisioneiros das disciplinas, Lvy (2001, DVD) afirma: eu no sou
guru, sou um filsofo.
2. INTELIGNCIA COLETIVA
O termo Inteligncia Coletiva pe diante de quem o observa a unio de duas
significativas palavras: inteligncia e coletiva. Segundo Pierre Lvy (1999), a palavra
inteligncia, ao ser ouvida pode, sem muito esforo, levar o indivduo a pensar a
respeito de tudo o que se encontra armazenado em sua cabea desde o dia de seu
nascimento at quele exato momento; conseqentemente, tambm o leva a se
questionar se ou no inteligente. Mas Lvy no se apropria dessa concepo de
inteligncia - e esse um aspecto por onde o presente trabalho tenta elucidar a
originalidade do seu pensamento.
Para Lvy (1996, p. 97), a inteligncia o conjunto cannico das aptides
cognitivas, a saber, as capacidades de perceber, de lembrar, de aprender, de
imaginar, de raciocinar. No contexto (LVY, 1996), conjunto cannico (nfase deste
autor) deve ser visto como um arcabouo de aptides, ou seja, um conjunto de
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aptides cognitivas. No se trata somente da inteligncia entendida no sentido
cognitivo quase material, muito prximo da capacidade da memria, como sendo a
faculdade de armazenar o maior nmero de informaes na mente, muito mais,
trata-se de todas as faculdades humanas constitudas no decorrer da vida de cada
individuo.
Na composio do termo, a segunda palavra coletiva que, da mesma
forma que a primeira, tambm carregada de importantes significados. No
obstante, ao se falar de coletividade, de imediato pode-se recordar um grupo de
pessoas, composto de vrios membros que se ajudam mutuamente. Se o
observador afinar a imaginao, lembrar-se- tambm dos grupos do local de
trabalho, dos grupos da Igreja, dos grupos do bairro, dos da cidade, como um
grande grupo concentrado em um determinado local, e, se forar mais um pouco,
chegar-se- em fim, ao gigantesco grupo da humanidade, no qual todos os seres
humanos esto tentando se organizar para viver. E de acordo com a lei natural da
espcie humana, esta gigantesca coletividade se constitui e se mantm viva pela
procriao.
Como foi exposto at este momento, a unio das duas palavras, inteligncia
e coletiva, criando uma nova locuo, vai abraar em si os significados
normalmente associados a cada uma das palavras tomadas individualmente.
sobre a originalidade do filsofo Pierre Lvy que se desenvolve todo o texto que vem
a seguir.
2.1 O QUE INTELIGNCIA COLETIVA?
-
No pensamento de Pierre Lvy (1999, p. 28), se v com clareza que
inteligncia coletiva uma inteligncia distribuda por toda parte, incessantemente
valorizada, coordenada em tempo real, que resulta uma mobilizao efetiva das
competncias. Essa a definio de Pierre Lvy, que, por sinal, est bem
compactada, bem concentrada de contedos e por isso, necessita ser analisada
detalhadamente parte por parte, a fim de que se atinja a fundo o pensamento do
autor.
2.1.1 Uma inteligncia distribuda por toda parte
O que uma inteligncia distribuda por toda parte? Bem, quando Pierre
Lvy (1999, p. 28) afirma que a inteligncia coletiva uma inteligncia distribuda
por toda parte, no quer dizer que a inteligncia foi recortada por algum, seja um
ser igual, inferior ou superior a si, e depois foi distribuda, um pouquinho para cada
pessoa, em todas as partes do mundo. No isso. O que Lvy, quer dizer que no
existe no mundo nenhum reservatrio de conhecimentos que seja apriori ou
transcendente, isso quer dizer, no existe no mundo nenhum intelectual sbio o
bastante para concentrar em si todo o conhecimento, e mais, no existe o
conhecimento pronto, completo e perfeito no reservatrio memorial ou enciclopdico
de ningum. Mas, o que verdadeiramente existe um mundo cheio de pessoas em
todas as partes, e em cada uma dessas pessoas se concentra algum tipo de saber,
isto , cada pessoa no mundo sabe alguma coisa, e sabe alguma coisa que as
outras pessoas no sabem.
-
No obstante, Lvy (1999, p. 29) afirma que o saber no nada alm do
que as pessoas sabem, mas saber disso no suficiente, preciso compreender
que ningum sabe tudo, mas ao mesmo tempo, todos sabem alguma coisa, e que
o conhecimento completo no se encontra fechado na cabea de ningum, mas,
todo o saber est na humanidade, a qual, como apresentado anteriormente, a
gigantesca coletividade.
Mal se percebe, mas acabam de ser apresentados, de maneira bem
simplificada, os princpios que fundamentam o pensamento da inteligncia coletiva
de Pierre Lvy, os quais so: Cada um sabe Nunca se sabe Todo o saber est
na humanidade.
fcil entender que cada pessoa no mundo sabe de alguma coisa, que
cada indivduo aprendeu alguma coisa, ou experinciou alguma coisa em sua vida,
mas, o difcil compreender que o saber uma dimenso do ser (LVY, 1995, p.
100).
Segundo Pierre Lvy (1995), nos momentos mais difceis da vida, bem
quando se correm perigos de vida ou se encontram encurraladas e quase que sem
sada diante da morte, na imaginao das pessoas passa, aceleradamente, todo o
filme das suas prprias vidas, desde as primeiras lembranas, os primeiros
relacionamentos, os primeiros amores, as paisagens marcantes, as conquistas, e
tudo o que marcou as suas vidas de maneira singular. Sobre isso, confirma Lvy
(1995, p. 99): esta exausto da memria, este inventrio pnico o ltimo esforo
de minha vontade de sobrevivncia. Nesta situao, diante dessa rpida
lembrana que a pessoa pode vir a encontrar nas experincias da vida, alguma
informao, contedo, ou hbito memorizado na mente que a livre da morte. Essa
lembrana ltima e integral de todos os conhecimentos condensados na experincia
-
da vida humana para Lvy, o ato ltimo do instinto humano de conservao. Aqui
onde o ser humano explora o saber que o constitui.
Sendo assim, no pensamento de Pierre Lvy (1999), cada pessoa um
estoque de conhecimentos, o qual, at sua morte, estar sempre crescendo. O
interessante que ao lanar um olhar mais amplo, percebe-se que cada pessoa tem
um estoque de conhecimentos diferente, pois cada uma tem uma histria de vida
diferente, tem traado caminhos diferentes, tem leituras de livros diferentes e
entendimentos diferentes de leituras, as reaes e os sentimentos tambm so
diferentes para cada uma, com isso, so milhares e milhares de coisas que cada
pessoa vive e conhece de maneira diferente de todas as outras pessoas.
Aps toda essa reflexo, de acordo com o pensamento de Pierre Lvy
(1995), seria, pois, uma atitude de muita ignorncia dizer a algum que ela de nada
sabe, e mais, no se limita na ignorncia, pois, com essa afirmao se deixa de
considerar toda uma vida repleta de experincias e conhecimentos e isso, seria a
maior expresso daquilo que se entende por excluso, seria, na verdade, uma
destruio da pessoa em sua integralidade, seria um homicdio de um ouro no
valorizado. Assim tambm, Lvy fundamenta o primeiro princpio da inteligncia
coletiva: cada um sabe.
Agora, como fora proposto no incio, no se deve esquecer que o
presente captulo est refletindo, parte por parte, o conceito de inteligncia coletiva
de Pierre Lvy. Sendo assim, aqui se finaliza a primeira parte Uma inteligncia
distribuda por toda parte e a seguir inicia-se as reflexes sobre a segunda parte.
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2.1.2 Uma inteligncia valorizada
A inteligncia humana valorizada? A inteligncia precisa ser valorizada?
A inteligncia coletiva valoriza a inteligncia humana? aps essas questes que
Pierre Lvy (1999, p. 29, SIC) afirma: se voc comete a fraqueza de pensar que
algum ignorante, procure em que contexto o que essa pessoa sabe ouro. Aqui,
Lvy apresenta dois elementos importantes, um fato e o outro projeto. A
inteligncia presente em cada pessoa um fato, agora, porm, o reconhecimento e
o valor necessrio que merece tal inteligncia, ainda projeto.
Est claro para Lvy (1995) que de todos os saberes da vida, somente
uma nfima parte reconhecida oficialmente, merecendo ttulos ou diplomas. Sobre
isso, Pierre Lvy (1999, p. 29), afirma que a nossa inteligncia desprezada,
ignorada, inutilizada, humilhada, justamente por isso no valorizada.
Numa poca em que as pessoas se preocupam cada vez mais em evitar o desperdcio econmico ou ecolgico, parece que se dissipa alegremente o recurso mais precioso, a inteligncia, recusando-se a lev-la em conta, devolv-la e empreg-la (LVY, 1999, p. 29, SIC).
Sob essa concepo de Lvy, o que se percebe hoje, que desde o
boletim escolar com suas estruturas de avaliaes aos mtodos de reconhecimentos
qualitativos das empresas, e em tudo o que se diz ser mtodo de avaliao ou
reconhecimento das qualidades e inteligncias humanas, o que verdadeiramente
existe uma organizao da ignorncia sobre a inteligncia das pessoas (LVY,
1999, p. 29).
Sendo assim, de acordo com Lvy (1999 B), no seria um equvoco dizer
que hoje, a humanidade vive em um mundo totalitrio, no qual, pessoas ou
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instituies so consideradas autoridades supremas e donas de todos os
conhecimentos da humanidade, e se consolidam com a posse do poder. Elas agem
como se dissessem: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14, 6), ou mais, Eu
sou a luz do mundo. Quem me segue no andars nas trevas, mas ter a luz da
vida (Jo 8, 12), ou seja, elas se consideram Deus, e ao mesmo tempo no do
abertura para uma interatividade entre as pessoas, para que se possa haver a
construo da coletividade inteligente. Com isso, sem dvida, volta lgica da
excluso e destruio da pessoa inteligente.
Tudo o que pretende ser uma autoridade esmagadora, vai dizer: Eu sou a autoridade sem a qual vocs vo se perder. Mas a pessoa, ou a instituio []. Como vai saber se ela est perdida? Quem tem o privilgio de saber qual rumo tomar? Um poltico mais inteligente que a maioria das pessoas? De jeito nenhum. So exatamente como ns. E um cientista? Claro mais competente que eu, mas em matemtica. Em sociologia, no. O socilogo mais competente quanto diviso social, mas talvez no em outra rea. Quem vai dizer qual o bom senso? Ningum individualmente [] Temos de tomar conscincia de que juntos, possumos o conhecimento absoluto (LVY, 2001, DVD).
Agora que se tem conscincia de que cada um possui um saber, Pierre
Lvy (1995, p. 101-102), adverte que preciso imediatamente acrescentar que
ningum sabe tudo, pois ao se saber que cada um sabe, funda ao mesmo tempo
uma humildade primeira e o respeito que os homens devem uns aos outros. Pois o
que eu ignoro antes de tudo o que o outro sabe.
A partir dessa tica, ao dizer que nunca se sabe, Lvy (1995, p. 102) faz
uma crtica cincia absoluta, afirmando que tantos outros se enganaram quando
acreditavam conhecer como tambm, tantos outros que se enganam acreditando
no conhecer. Dizer que nunca se sabe reconhecer-se como parte de uma
coletividade que possui o saber absoluto e, alm disso, reconhecer-se como uma
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parte minscula que cresce e aprende a cada dia. Essa reflexo, Lvy traz para os
dias atuais, para fundamentar que o conhecimento sempre inacabado, e que ao
mesmo tempo em que se sabe que s sei que nada sei, essa certeza desaparece,
pois o saber no como o ttulo que por vez o representa, no um objeto
inaltervel que se possa ter entre as mos, um signo estvel do qual estou certo.
Fora do seu exerccio, sempre nos deixa nus, vazios, incertos (LVY, 1995, p. 102).
Pierre Lvy (1995) afirma que no sabe quanto vale seu saber, no sabe
mais, no sabe ainda, Lvy no sabe se sabe, porque nunca se sabe e dessa
forma, sob todo este contexto, Lvy fundamenta o segundo princpio da inteligncia
coletiva: nunca se sabe.
2.1.3 Uma inteligncia em tempo real
Aps saber que cada um sabe e que nunca se sabe, Pierre Lvy (1995,
p. 102) reconhece, como terceiro princpio, que todo o saber est na humanidade.
Tendo isso como verdade, Lvy se dedica em estudos e pesquisas para conseguir
interligar toda a humanidade, a fim de que, com isso, se interliguem tambm todos
os conhecimentos, as experincias e tambm os problemas de cada indivduo, de
cada comunidade, de cada cidade e pas. Em fim, Lvy se dedica a pensar em um
novo espao de inter-relaes, para que no qual haja interaes entre
conhecimentos e conhecedores de coletivos inteligentes desterritorializados (LVY,
1999, p. 29). Para Lvy (CIBERESPAO, 2000, p. 13), essas interligaes so feitas
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por dispositivos chamados por Lvy um e um, um e todos e todos e todos,
esses, so na verdade, uma interligao planetria, isto , uma interligao de um
para com cada um e de um para com todos e de todos para com todos, e isso se d,
porque o planeta est interligado pelas novas tecnologias de informaes,
especificamente a Internet.
Mesmo com toda a importncia dessa interligao planetria, Pierre Lvy
(1995, p. 103) afirma que a soma dos indivduos no basta para sustentar o
conhecimento, pois as lnguas, os relatos, os discursos, os livros, os instrumentos,
as mquinas, as formas sociais e tudo o que os homens constroem continuamente
acompanham por sua vez o saber. Sendo assim, Lvy (1995) quer dizer que, as
transformaes tecnolgicas so decorrentes da acelerada construo dos
conhecimentos exatos.
Hoje, os conhecimentos no apenas evoluem muito rapidamente, mas,
sobretudo, comandam a transformao das outras esferas da vida coletiva,
especialmente no que diz respeito s novas tecnologias de informaes (LVY,
1995, p. 103-104).
Tendo isto em vista, Lvy (1999, p. 29) prope uma interligao em tempo
real, isto , uma coordenao das inteligncias em tempo real pela Internet, para
que assim, os indivduos conectados na rede coletiva do espao do Saber,
acompanhem a acelerada transformao tecnolgica e seus conhecimentos
implcitos. O que Lvy prope que a construo das inteligncias em tempo real
seja coordenada pela prpria coletividade, isto , pela prpria humanidade, pois ela
a dona do saber.
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2.1.4 Uma inteligncia efetiva das competncias
Aps reconhecer que os indivduos podem se interligarem uns com os
outros e com toda a humanidade ao mesmo tempo e em tempo real, Pierre Lvy
(1999, p. 29) complementa o seu pensamento de inteligncia coletiva propondo-se
atingir uma mobilizao efetiva das competncias, para Lvy (1999, p. 30) isto ,
quando valorizamos o outro de acordo com o leque variado de seus saberes,
permitimos que se identifique de um modo novo e positivo e ao mesmo instante,
contribumos para mobiliz-lo, para desenvolver neles sentimentos de
reconhecimento que facilitaro, conseqentemente, a implantao subjetiva de
outras pessoas em projetos coletivos.
Segundo os estudos histricos de Lvy, a Europa, no final do sculo
XVIII, teve o seu famoso salto econmico mundial, mas isso s ocorreu, devido a
[] instaurao de uma garantia jurdica eficaz para a propriedade intelectual (direitos autorais, patentes, licena de investigao etc). Desse modo, os inventores podiam dedicar seu tempo, sua energia intelectual e seus recursos financeiros inovao, sem medo de ter seus esforos roubados pelos poderes da poca []. Ao se atribuir regras ao jogo da inovao, fazendo dela uma atividade legtima, socialmente encorajada, economicamente compensadora, desencadeou-se uma dinmica tecnocientfica e industrial de imenso alcance (LVY, 1999, p. 30, SIC).
De fato, isso ocorreu na Europa em pleno sculo XVIII, e no aqui, no
Brasil em andamento do sculo XXI, mas, contudo, o Brasil se encontra no mundo e
para Pierre Lvy (1999, p. 30, SIC), o mundo de hoje se encontra diante da
necessidade de realizar um salto do mesmo tipo na ordem das competncias e das
inteligncias coletivas, pois, esta nova realidade ainda no dispe de nenhum
-
sistema de avaliao, de contabilidade, representao alguma, nenhuma regulao
jurdica digna desse nome.
Neste momento, diante de toda a intencionalidade de uma legalizao
jurdica para dar autonomia inteligncia coletiva no espao do Saber, vale
relembrar que, a inteligncia coletiva no totalitria, nem exploradora, pois, em um
coletivo inteligente, a comunidade assume como objetivo a negociao permanente
da ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a
definio de seus objetos, a reinterpretao de sua memria (LVY, 1999, p. 31).
Agora, Pierre Lvy (1999, p. 31, SIC), mesmo com toda a coletividade
imposta no espao do Saber, funda seu pensamento e afirma que, os indivduos,
so ao mesmo tempo singulares mltiplos, nmades e em vias de metamorfose (ou
de aprendizado) permanente. Sendo assim, no espao do Saber, a inteligncia
coletiva convoca a proposta de um novo humanismo, pois, para Lvy, a inteligncia
coletiva, um processo de crescimento, de evoluo e retomada recproca das
singularidades, sem totalidade e com devido valor.
Aps a conceituao da inteligncia coletiva no pensamento de Pierre
Lvy, percebe-se que, ao ser distribuda por toda parte, tendo cada uma o seu
devido valor, sendo coordenada em tempo real e por todas as significativas
competncias, a inteligncia coletiva, no se limita somente na nova maneira de se
dar com o conhecimento, ou com uma nova educao, mas tambm atinge vrios
outros campos sociais, como por exemplo, o campo poltico e o campo cultural.
Antes de encerrar este captulo, o qual se comprometeu em apresentar
uma introduo ao que inteligncia coletiva para Pierre Lvy, consta-se como
necessrio, ao leitor, a importante informao de que a inteligncia coletiva no
pensamento de Pierre Lvy no existe concretamente, existe apenas como projeto,
-
mas isso, para Lvy (1999 B, p. 208), no se trata de forma alguma de uma utopia
tecnolgica, mas do aprofundamento de um antigo ideal de emancipao e de
exaltao do humano que se apia nas disponibilidades tcnicas de nossos dias.
Com toda essa navegao feita sobre o pensamento de Pierre Lvy, o
presente captulo vem para seu fim sem nenhuma definio completa e definitiva
sobre toda a complexidade da inteligncia coletiva, e melhor assim, pois aqui no
est contemplada a presuno de uma apresentao totalizante da inteligncia
coletiva, nem por intencionalidade, nem por condio. Pois, est claro para Pierre
Lvy (1999 B, p. 209) que a inteligncia coletiva muito mais problema em aberto
tanto no plano prtico como terico que uma soluo pronta para ser usada.
Mesmo que as experincias e as prticas sejam abundantes, trata-se de uma cultura
a ser inventada e no de um programa a ser aplicado.
Para que faa real a vida da inteligncia coletiva, Lvy (1999) no v
outra maneira a no ser pela concepo de um novo espao antropolgico. At aqui,
foi por vrias vezes apresentado e sem nenhuma explicao o termo espao do
Saber. No pensamento de Pierre Lvy, a humanidade construiu definitivamente trs
grandes espaos antropolgicos e se encontra hoje na construo de um novo
espao antropolgico, o espao do Saber, ou amplamente, ciberespao. Para Lvy,
nesse, somente nesse espao, que o projeto da inteligncia coletiva ser
possvel.
Sendo assim, somente compreendendo os espaos antropolgicos,
especificamente o quarto espao, para que se possa entender com eficincia todo o
suporte que sustenta e d vida inteligncia coletiva de Pierre Lvy. por isso, que
a seguinte, a segunda parte do trabalho no poderia ser se no a apresentao dos
espaos antropolgicos do pensamento de Pierre Lvy.
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II. ESPAO ANTROPOLGICO
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3. O QUE UM ESPAO ANTROPOLGICO?
O espao Antropolgico reconhecido por Pierre Lvy (1999, p. 22) como
um sistema de proximidade prprio do mundo humano. O qual depende de tcnica,
linguagem, cultura, significaes, convenes, representaes e emoes humanas.
Tudo isso que permite o nascimento de um espao antropolgico.
Um espao antropolgico nasce da interao entre pessoas (LVY,
1999, p. 125). Porm, segundo Lvy (1999, p. 126), os seres humanos no habitam
somente no espao fsico, ou geomtrico, isso quer dizer, no se interagem em
somente um espao. As pessoas habitam, e por muito tempo, em vrios outros
espaos, afetivos, estticos, sociais, histricos. Espaos de significaes em geral.
-
As pessoas tm diante de si diferentes espaos antropolgicos devido s
vrias possibilidades de habitao que lhes so propostas pela prpria natureza.
Dessa forma passamos nosso tempo a modificar e a administrar os espaos em que vivemos, a conect-los, a separ-los, a articul-los, a endurec-los, a neles introduzir novos objetos, a deslocar as intensidades que os estruturam, a saltar de um espao a outro (LVY, 1999, p. 126).
Os espaos antropolgicos so como superespaos. Sua constituio
apresenta vrios outros espaos interdependentes, em que cada espao possui sua
axiologia. O que de grande valor em um espao, pode no ser em um outro. Da a
importncia de reconhecer os valores dos espaos nos quais vivemos e tambm
daqueles os quais somos levados a viver.
Diante de toda a histria da humanidade, at hoje, Pierre Lvy reconhece
a existncia de quatro grandes espaos antropolgicos: Terra, Territrio,
Mercadorias e Saber. Esses espaos surgiram devido a acontecimentos de ordem
intelectual, tcnico, social ou histrico e tambm pelas suas grandes capacidades de
reorganizarem as proximidades e a interao entre as pessoas, entre as distncias.
Para Lvy (1999), um grande erro considerar os espaos antropolgicos
como recortes cronolgicos de uma realidade preexistente. Da mesma maneira um
equvoco tomar os espaos antropolgicos por classes ou conjuntos nos quais se
acomodariam os seres, os signos, as coisas, os lugares, cada entidade do mundo
humano (LVY, 1999, p.129).
Os espaos vo surgindo de uma maneira complementar e processual.
Para melhorar a compreenso dessa complexidade, Pierre Lvy configura:
[] imaginemos que um calendrio de quatro pginas (cada uma correspondendo a um espao antropolgico) seja rasgado e
-
amassado at formar uma bola. Suponhamos agora que uma agulha (que representa o fenmeno a ser cartograficamente representado segundo nosso sistema de projeo) seja espetada nessa bola de papel. A agulha atravessar em certa ordem, cada um dos espaos e poder furar vrias vezes o mesmo espao. Cada nova agulha espetada estabelecer relaes diferentes com os quatro espaos, tanto sob o aspecto da sucesso como sob o do nmero de encontros (LVY, 1999, p. 130).
Tem-se claro na figurao que, no pensamento de Pierre Lvy, os novos
espaos antropolgicos, mesmo surgidos em tempos diferentes, no vem suprimir
os anteriores. O que acontece uma superao em velocidade e significaes,
tendo os mesmos como plano de existncia, ou seja, como necessidade para
existncia dentro de um processo contnuo de transformao (LVY, 1999, p. 128).
Pierre Lvy (1999, p. 189), deixa bem claro que um espao antropolgico, quando
se desenvolve de maneira consistente torna-se irreversvel, ele no eliminado
pelo que vem depois dele, ou seja, para Lvy (1999, p. 190), os espaos
antropolgicos so eternos. O interessante que os espaos vo sendo atualizados
de acordo com os desenvolvimentos dos pensamentos e relaes humanas. Nesse
sentido, no pensamento de Pierre Lvy (1999, p. 190, SIC) o tempo no passa
realmente, os ambientes afetivos, as configuraes existenciais so postos em
reserva, em memria, no deixando jamais de agir, esto disponveis para todos os
retornos. Tudo est sempre presente.
Cada parte dos grandes espaos antropolgicos do pensamento de Lvy
(1999), so apresentados a partir de seis aspectos, os quais, julga Lvy, abordam
todas as necessidades de um espao antropolgico em suas mais importantes
dimenses. Os aspectos de abordagens dos espaos so: identidade, semitica,
figura de espao e tempo, instrumentos de navegao, objetos de conhecimentos e
epistemologias.
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4. TERRA
O primeiro espao antropolgico da humanidade, para Lvy (1999), foi a
Terra. Nela nossa espcie irrompe o paleoltico e desenvolve trs caractersticas: a
linguagem (fala, comunicao), a tcnica (invenes, pedra trabalhada), e o lao
social (cls, tribos, povos). Essas trs caractersticas monitoram a Terra como
espao antropolgico. Por isso, Lvy afirma que a humanidade inventou a si mesma.
A espcie humana que desenvolveu a Terra. Que a modelou, que a fez como .
A Terra no o solo originrio, nem o tempo das origens, mas o espao-tempo imemorial ao qual no se pode atribuir origem, o espao desde sempre presente da espcie, que contm e supera o comeo, o desdobramento e o futuro do mundo humano. A Terra no um planeta, nem mesmo a biosfera, mas um cosmo em que os
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seres humanos esto em comunicao com animais, plantas, paisagens, lugares e espritos. A Terra esse espao em que os homens, as pedras, os vegetais, os animais e os deuses se encontram, falam-se e separam-se para se reconstruir perpetuamente (LVY, 1999, p. 115).
Por isso que, para Lvy, quem vive na Terra somente a espcie
humana, as outras espcies habitam. somente o humano que desenvolve a Terra
e nesse desenvolver que ele a constri. A espcie humana elabora e reelabora
constantemente a Terra pela linguagem, pela tcnica e pela maneira de se organizar
socialmente. A Terra o espao antropolgico que se constitui juntamente com
todas as significaes que a espcie humana criou.
O homem no vive em um nicho, como um co, pois ele contempla as estrelas, inventa deuses que o inventam, d a si mesmo a guia ou o leopardo como ancestrais, vive entre os signos, os relatos e os mortos. o nico animal que vive no cosmo, que no s pertence a uma espcie, mas escolhe totens (LVY, 1999, p. 116).
A Terra no voltada para a humanidade, mas esta que est voltada
para a Terra, para o cosmo, e para si mesma.
Agora, a relao do homem com o cosmo gera uma maneira particular de
se viver nesse espao e essa maneira de se viver, d espcie humana uma
identidade.
4.1 A IDENTIDADE NA TERRA
Na Terra como espao antropolgico a identidade adquirida
primordialmente pelo nome. Mas, afirma Lvy (1999) que, tambm pode ser
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adquirida ou complementada por signos como tatuagens, brases, totens ou
mscaras.
Lvy, na verdade, confirma que a definio de um indivduo, ou seja, sua
identidade, se d por diferentes formas. Pela sua participao no cl, pelo sistema
de filiao, pela aliana e pela linhagem a qual vem a ser uma definio igualmente
csmica.
Para Pierre Lvy (1999), nesse espao, todo ser humano possui como
ascendentes: ancestrais mticos, heris, deuses, plantas e todo tipo de identidades
totmicas, arquetpicas ou elementares.
E a exterioridade transforma-se em interioridade: situado no universo, o indivduo humano , ele prprio, um microcosmo, um eco, um reflexo do todo. Cada parte de seu corpo ou movimento de sua alma remete a conhecimentos ou lugares do mundo (LVY, 1999, p. 131).
Por essa ligao csmica natural da estrutura humana, as relaes com o
cosmo definem e designa o ser humano em um determinado espao. o cosmo que
concede o espao ao homem na Terra, isso porque, como j dito, o cosmo que lhe
concede a identidade.
4.2 A SEMITICA NA TERRA
Segundo Pierre Lvy (1999), todos os espaos antropolgicos possuem
um sistema de signos, ou seja, uma semitica especfica.
Na Terra, o ser e o signo se complementam, um participa do outro; o
signo participa do ser e o ser do signo. Eles esto sempre muito prximos. Tudo
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gera signo. Cada acontecimento gera mensagem e faz com que cada pessoa seja
mensageira.
Simetricamente, o signo um atributo, uma parte ativa das coisas, do ser ou da situao que ele qualifica [] As palavras so potncias. Cada nome difunde uma energia, uma qualidade. Graas ao sopro que os leva, o signo no se separa jamais de uma presena. As falas so atos, exercem poderes, destroem e criam. Imagem e fetiches agem distncia. Atos divinos ou rituais humanos so gestos e cantos que sustentam o mundo (LVY, 1999, p.141).
Nesse espao, animais e humanos, astros e climas, formas e detalhes,
tudo se transforma em sinal e nos remetem a relatos, a discursos, ou a rituais. O ser
se faz pelo signo e o signo se faz pelo ser.
4.3 FIGURA DE ESPAO E TEMPO NA TERRA
De acordo com os locais peridicos de presena de gua, de presena
das vastas coletas e colheitas, e at de acordo com as mudanas climticas das
estaes do ano, os nmades, na Terra, traam suas trilhas, suas passagens, seu
habitat, e junto a, criam tambm seu espao.
Durante as peregrinaes nas trilhas da vida nmade, os seres da
natureza eram nomeados pelos deuses ou pelos seus ancestrais.
A terra a memria dos homens. Sua paisagem o mapa das epopias, o depsito das sabedorias. Todo o espao vive. Os cantos e relatos contam a Terra; a Terra se lembra do tempo do sonho, do tempo das origens, que est sempre presente; e a Terra morre, com os deuses, se os cantos no so retomados, as viagens novamente empreendidas, se as trilhas so abandonadas (LVY, 1999, p. 149).
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No pensamento de Lvy (1999, p. 150) o espao, na Terra, o espao-
memorial, o espao-narrao. Mais precisamente a encarnao de uma
subjetividade coletiva dentro de um cosmo. Sendo assim a Terra sempre ser e
sempre existir, desde que reavivamos nossas histrias, re-habitemos nossos
lugares, cantemos nossos cantos e faamos ser nossa memria.
A Terra imemorial transporta seu tempo consigo, ela est presente desde sempre, no jamais passada. Estamos sobre a Terra quando vamos Lua. Os peregrinos, os viajantes, os aventureiros e os poetas despertam a Terra. Todo espao habitado reconstitui a Terra (LVY, 1999, p. 150).
Se o espao memorial, a noo de tempo na Terra imemorial, pois
segundo Lvy, toda inveno no passa de uma simples reminiscncia, ou seja, o
mesmo que um retorno cmico.
4.4 INSTRUMENTOS DE NAVEGAO DA TERRA
Os instrumentos de navegao existentes na Terra so trs: relatos,
portulanos e os algoritmos. Esses instrumentos de navegao no so entendidos
somente como instrumentos de orientao para fazer grandes locomoes
martimas, mas os instrumentos de navegao, so tambm instrumentos de
conhecimentos.
Na Terra, o relato o principal instrumento de conhecimento. So pelos
relatos que as geraes descendentes se orientaro para se locomoverem e para
adquirirem conhecimentos de tcnicas e experincias de vida. Principalmente
durante as descobertas das grandes e novas viagens e navegaes.
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Para Pierre Lvy (1999), a Odissia um dos primeiros portulanos.
Segundo o autor (1999, p. 160), o portulano uma odissia da qual vocs so os
heris, um banco de dados para mil e um relatos de viagens possveis.
Os relatos constroem os portulanos. De fato, os portulanos so como banco
de dados, de relatos. Os navegadores narram suas experincias martimas em
diversos relatos, e assim se cria o portulano. Este, no permite focalizar o centro dos
fatos, mas permite conhecer todo o contexto dos fatos, dos acontecidos, da histria
narrada.
Contudo, os relatos e os portulanos, possuem uma estrutura abstrata
chamada algoritmo. Esta a estrutura abstrata pela qual os relatos e os portulanos,
se registram na histria e se fazem conhecer.
4.5 OBJETOS DE CONHECIMENTO DA TERRA
Cada espao antropolgico possui seus objetos de conhecimentos. So
os instrumentos de navegao que constituem os objetos de conhecimentos
especficos de cada espao.
Como j visto, os relatos so os instrumentos de navegao e de
conhecimentos na Terra. Porm, para Lvy (1999), os relatos j pressupem uma
fixao escrita que provm das tradicionais narraes.
Sendo assim, o objeto do saber terrestre o objeto das narrativas. Agora,
as narrativas constituem uma cadeia indefinida de derivaes e transformaes a
cada narrao. Por isso, afirma Lvy, que o objeto das narrativas no a sua
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origem, o seu ponto de partida. O objeto verdadeiro do saber terrestre um devir-
comeo eterno. um ponto imemorial.
4.6 EPISTEMOLOGIAS DA TERRA
Na Terra, o sujeito do saber o coletivo, a comunidade. Sendo assim, o
saber est no cl, na tribo, est em toda uma gerao que aprendeu tudo o que
sabe com a gerao anterior e com a sua gerao.
Para Lvy (1999), na Terra, o saber presente na coletividade imanente
ao sujeito terrestre. E isso importante, pois na terra, percebe-se que j havia um
tipo de inteligncia coletiva. Contudo, no esse coletivo inteligente que o presente
trabalho quer apresentar, pois o coletivo da Terra no totalizante, mas tambm no
universal, enquanto a inteligncia coletiva de Pierre Lvy no totalizante, mas
universal.
Comumente, o saber est presente na prpria Terra, nos experimentos,
na memria, nos atos, na maneira de viver e de ver o mundo. Pierre Lvy (1999, p.
177) concorda que, na Terra, quando um ancio morre uma biblioteca que se
queima. Segundo o autor, o saber est na intuio e na carne do coletivo e de cada
um.
5. TERRITRIO
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Segundo Pierre Lvy (1999), h mais de doze mil anos difunde-se sobre a
Terra um segundo espao antropolgico, o Territrio. Comea com a simples
domesticao e criao de animais, depois se expande com o cultivo de lavouras
gerando a nova agricultura, a comunidade que cresce e se torna cidade, estado, o
surgimento revolucionrio da escrita que transforma todo o sistema de saber
(conhecimento) e da sociedade. A vida modifica.
Esse sistema de vida se expande e se fortalece gerando uma potncia
permanente de um novo mundo, o mundo sedentrio da civilizao.
A agricultura, a cidade, o Estado ou a escrita so da por diante virtualidades inerentes humanidade, que remetem uma s outras e contribuem, cada uma sua maneira para quadricular o Territrio [] O Territrio a partir de dentro, edificam nos costumes e na alma coletiva dos povos uma pirmide social (LVY, 1999, p. 117).
Os costumes do Territrio se fizeram imanente na humanidade de tal
forma que de trs a quatro mil anos para c, e at a Segunda Guerra Mundial, a
maior parte da humanidade, camponesa, viveu no Territrio superando vrias
revolues e inovaes tcnicas (LVY, 1999, p. 118).
Com relao Terra, o Territrio age de forma interna. Canaliza os rios,
queima as florestas, constri pontes, cria caladas. Tende a dominar a Terra, porm,
de acordo com Pierre Lvy, a Terra sempre irrompe do meio do Territrio e volta.
5.1 IDENTIDADE NO TERRITRIO
Diferentemente da Terra, a identidade no Territrio, para Pierre Lvy
(1999), so as posses, o domnio sobre pores territoriais, as posies sociais,
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posses intelectuais (diplomas), as posies nas instituies, nas castas e nas ordens
hierrquicas. O centro da existncia no Territrio a sua pertena, sua propriedade
definidas por suas fronteiras.
[] no territrio o corpo um organismo hierarquizado e a alma aparece como um micrpole, uma micro polis, um pequeno Estado agitado por rebelies, paixes, contra o imprio da razo ou da lei. A psicologia do Territrio uma poltica interiorizada, como sua religio a imagem hipostasiada da ordem social (LVY, 1999, p. 132).
Percebe-se que ao se identificar, aps o nome, vem o endereo, o
territrio, isto , o lugar onde se habita, que, segundo Pierre Lvy, a identidade
territorial, sedentria e contribuinte. De acordo com Lvy (1999, p.23), o sistema de
identidade no Territrio ainda vivenciado por muitos, pois, at hoje, as instituies
as quais vivemos so igualmente territrios, com suas hierarquias, burocracias,
sistemas de regras, fronteiras, lgicas de pertena ou de excluso.
5.2 SEMITICA DO TERRITRIO
Tem-se claro que para Lvy (1999), a semitica do Territrio supera a
semitica da Terra, pela escrita. A escrita sedentarizou a fala ao se destacar do
sopro vivo e ser fixada num suporte inerte. Os signos representam as coisas:
tornam presentes as coisas ausentes (LVY, 1999, p. 142). Por isso, a
representao o tema central do Territrio.
[] os signos j no so apenas trocados na situao, mas podem ser separados de seus autores, separados das potncias vivas a que se apegavam no regime semitico da Terra [] As separaes e as fronteiras que quadriculam o Territrio insinuam-se no centro das
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relaes de significaes: o corte semitico est institudo (LVY, 1999, p. 142).
De fato, as coisas em si, no territrio das significaes, esto ausentes,
isto faz com que a transcendncia do signo seja a pedra angular das hierarquias
polticas e sacerdotais, o segredo da submisso dos sujeitos castrados a todas as
transcendncias (LVY, 1999, p. 143).
No Territrio se vive no mundo das representaes, das significaes, das
ausncias e das presenas, isto , as coisas que esto presentes, no esto
somente presente, pois traz dentro de si vrias coisas que esto ausentes ao ato
emprico, mas presentes em suas significaes, por isso, no territrio as coisas
esto ausentes e ao mesmo tempo presentes. V-se claro isso na inveno da
moeda. Numa s moeda est presente uma s moeda, mas, pode estar ausentes
vrias moedas, mas ao mesmo tempo que essa uma moeda est presente, ela se
faz ausente para que as outras se faam presentes.
5.3 ESPAO E TEMPO NO TERRITRIO
Aqui, a compreenso de espao e Tempo no Territrio se d de maneira
bem diferente da Terra. Tudo se inicia a partir da fundao do Territrio.
O primeiro indivduo que delimitou um territrio e afirmou isto meu e fez
com que as pessoas acreditassem, foi, para Pierre Lvy (1999), o fundador da
sociedade civil, da civilizao e do Territrio.
Com isso, a fundao, de acordo com Lvy (1999, p. 150) o ato que
cria o Territrio [] designa com a mesma palavra, a gnese de um espao e a
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inaugurao de um tempo. O tempo e o espao, s se sustentam com a fundao e
a refundao no Territrio.
Criam-se cercas para delimitar a posse, criam-se tbuas para delimitar a
escrita, criam-se fronteiras e delimitam-se os acessos, os canais, alfndegas,
guichs, portas. Desta forma, cria-se o fora e o dentro. Segundo Lvy (1999, p. 151),
at os escribas, com os exames e concursos erguem bandeiras em torno do saber,
isto , cercam e restringem o acesso, pode-se dizer que cobram caro para exercer
seu trabalho, pois eles so os donos, pertence a eles a informao, que est escrita
ou que ainda vai ser escrita, mesmo que no sejam eles os criadores.
Comumente, a fundao e refundao dos espaos na Terra, criam o
Territrio e conseqentemente, inaugura um novo tempo. Sendo assim, de fato,
[] o Territrio produz o tempo com o espao. O limes romano, a grande muralha da China, todas as fortificaes so protees contra a aniquilao e o esquecimento, esforos para durar, permanecer, no passar. O tempo ecoa a partir da fundao da Cidade, aps a instaurao da dinastia. O campo cultivado, semeado, invoca a colheita, mais tarde, pelo jogo de uma diferena, de um diferimento que cria o tempo territorial. A agricultura instaura os jogos e os riscos da durao do atraso, do estoque. Eis os celeiros, os silos, os depsitos, as adegas, os tesouros enterrados, a previso para os anos de vacas magras, a aposta sobre o futuro (LVY, 1999, p. 151, SIC).
A fala, em si, se perde no tempo, mas a fala escrita fortemente em papiro,
segundo Lvy (1999), se perpetua, se universaliza. Conseqentemente, a escrita
fica, permanece e sucessivamente invoca posteriormente a releitura, o acesso
quela antiga fala que se perdera no tempo. Confirma-se assim que, segundo Lvy
(1999), o tempo linear da histria existe pela fundao do territrio. A histria no
imemorial Terra mas territorial, fundada em uma outra velocidade e em outro
tempo.
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5.4 INSTRUMENTOS DE NAVEGAO NO TERRITRIO
No territrio, os navegadores avanam para mares desconhecidos e
perigosos, afirma Lvy (1999). Relatos e portulanos, j no so mais teis a estas
viagens, porque para Pierre Lvy, no Territrio, inicia-se a navegao astronmica.
Isto , uma verdadeira projeo de um cu sobre uma Terra.
Comea a orientao pelas marcaes de pontos. Os pontos so
resultados obtidos aps um rigoroso estudo das posies dos astros e encontros das
latitudes. O ponto abstrato, provindo de uma coordenada celeste.
Ele tinha razo: no territrio, Aquiles jamais alcana a tartaruga. No se progride no Territrio, s se pode marcar o ponto. Mas na Terra, constituda pelos viajantes, pelos percursos e pelas viagens, Aquiles alcana a tartaruga. Ora, como o marinheiro, Aquiles vive em ambos os espaos. Ele toma como referncia e orienta-se no Territrio, mas progride na Terra (LVY, 1999, p. 161).
Com esse novo mtodo de navegao, o trajeto desconhecido torna-se
seguro e navegvel. A partir da, as acumulaes de relatos gravados na memria
pelas experincias das geraes, ou pelas suposies e dedues dos antigos, j
no servem mais para se orientar, neste novo contexto. Os mapas tero seus pontos
indexados pelo cu e espetados pela esfera dos fixos.
Os antigos relatos e os algoritmos do lugar ao sistema astronmico. E
segundo Pierre Lvy (1999), pelo cu a Terra demarcada por vrios pontos,
abrindo ngulos e coordenadas, criando nossos endereos.
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Para Lvy, o surgimento da escrita e a geometria, foram o marco inicial do
Territrio. E as grandes navegaes, por volta dos sculos XV e XVI, concluiu com a
constituio do Territrio.
5.5 OBJETOS DE CONHECIMENTO DO TERRITRIO
O objeto de conhecimento no Territrio a Terra, com todas as suas
marcaes e medidas astronmicas. a geometria.
Se o Territrio uma Terra medida, geometrizada, o nascimento da geometria revela uma das genealogias do Territrio. Pode-se ler na histria de Tales uma tripla ilustrao de nossa definio do Territrio, a saber: uma Terra fixada por um cu (LVY, 1999, p. 168).
O cu astronmico se torna marco inicial da Terra. Quem est mais
prximo do cu, quem est mais prximo do sol, o mais poderoso. [] o
imperador da China o filho do cu, o fara e Lus XVI so reis-sis (LVY, 1999,
p. 168).
Contudo, para atingir o conhecimento do cu na Terra, necessrio
conhecer os livros, os mapas, os cdigos astronmicos para que, a partir da possa
se orientar na Terra.
5.6 EPISTEMOLOGIA DO TERRITRIO
O sujeito do saber, no Territrio, quem domina a escrita, so os
especialistas, os interpretes, os que comandam os cdigos, somente deles. Isso
quer dizer que nesse espao, o saber de domnio reservado, ou seja, limita-se nas
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mos dos escribas. Segundo Pierre Lvy (1999, p.178), no Territrio, o saber a
imagem do espao: cercado de muros, deixa de fora os camponeses, os
ignorantes.
Comumente, os donos do saber so os que dominam os livros, os mapas.
Porm, para Lvy (1999, p. 178), j antes, o Livro contm o saber territorial. No os
livros, nem a biblioteca, mas o Livro: a Bblia, o Coro, os textos sagrados, os
clssicos, Confcio, Aristteles.
Todos os outros escritos do Territrio so interpretaes, explicaes ou
dedues do Livro. Isto , a epistemologia, em sua maior parte, parece ter-se
detido no Territrio (LVY, 1999, p. 178). A dialtica que mantm o saber
territorial. Dialtica da teoria e da experincia, do racionalismo e o empirismo, do
sujeito transcendente e o fenmeno, do cu e da Terra.
A Terra s est presente a final de contas, para exaltar o cu, suas leis, sua transcendncia, sua universalidade. A epistemologia difunde a msica das esferas, no o canto da Terra. claro, o saber territorial mantm-se por uma dialtica do cu e da Terra: sem experincia prtica, nada de teoria. Mas sempre a teoria que afirma o verdadeiro (LVY, 1999, p. 178).
Mesmo com todas as dialticas, nada muda a epistemologia no Territrio.
As dialticas esto em um mesmo diagrama territorial. Para Lvy, toda dialtica faz
parte de um mesmo espao territorial, de um mesmo afastamento vertical.
6. MERCADORIAS
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O espao das Mercadorias o terceiro espao antropolgico no
pensamento de Pierre Lvy. Ele comea a se tecer fortemente, a partir do sculo
XVI com a inaugurao do mercado mundial, devido s novas conquistas da
Amrica.
Esse espao um novo mundo, marcado pela veloz e evolutiva circulao
de dinheiro. Segundo Pierre Lvy (1999, p. 118), no se encontra uma data
especfica da origem do espao das Mercadorias, mas se sabe que este, como
resultado de uma extraordinria conjuno histrica, rene vrios membros
dispersos no tempo: surgimento da moeda, do banco, dos mercados, intercmbios
A dana do dinheiro traz consigo, em uma evoluo acelerada, uma mar
ascendente de objetos, signos e homens.
Comumente, desde a criao da moeda, as primeiras trocas, os primeiros
comrcios, desde a Renascena, que v o surgimento da imprensa no primeiro meio
de comunicao de massa e porta do mercado mundial, desde o sculo XVIII com a
Revoluo Industrial e os tempos modernos se constitui a rede originria do espao
das Mercadorias.
Conseqentemente, segundo Lvy (1999, p. 23), o princpio ordenador
do novo espao o fluxo: fluxo de energia, de matria-prima, mercadorias, capitais,
mo-de-obra, informaes [] A riqueza no provm do domnio das fronteiras
(Territrio), mas do controle dos fluxos.
O espao das Mercadorias finaliza sua constituio com a implantao
global do capitalismo. Isso, para Lvy, se d, porque, tudo o que o capitalismo inclui
em seus circuitos se transforma em mercadorias: pedra, madeira, animais, leite,
pele, l, roupa, plantas, mquinas de costura, produtos qumicos, remdios,
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eletrodomsticos, aparelhos de divertimentos, lojas, acumulao de bens, depsitos,
shopping...
E de fato, para Pierre Lvy, desde neste espao, o capitalismo j se
institui na humanidade de tal forma que se eternizar com ela.
O capitalismo desterritotializante, e o movimento da industria e do comrcio foi durante trs sculos o motor da evoluo das sociedades humanas [] O capitalismo irreversvel. daqui por a economia, e a institui como dimenso impossvel de ser eliminada da existncia humana (LVY, 1999, p. 119-120, SIC).
Os espaos antropolgicos (Terra Territrio Mercadorias) jamais se
sucumbiro. Da mesma maneira que at hoje h a Terra (ritos, cosmos) e o
Territrio (escrita, astronomia), tambm sempre haver o espao das Mercadorias, e
com ele a economia de bens, o capitalismo, a tecnocincia.
6.1 IDENTIDADE NO ESPAO DAS MERCADORIAS
No espao das Mercadorias, a identidade subjetiva, segundo Pierre Lvy
(1999), se gravita em volta da famlia, do trabalho e do dinheiro.
Como dito, a profisso, o emprego uma identidade nesse espao. Mas
a fabricao, circulao e consumo de coisas, informaes e imagens que do a
identificao ao indivduo.
A partir desta construo do pensamento da identidade, que
desterritorializa e at desestrutura os sistemas de sociabilidade e identidade dos
espaos anteriores, surgem os signos da identidade no espao mercantil. Para Lvy
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(1999), esses signos so: renda econmica, salrio, conta bancria, representaes
exteriores de riquezas.
Comumente, segundo Pierre Lvy (1999), o trabalho tende a se tornar um
vetor de unidade social e de afirmao prpria neste espao. De fato, pois, pela
profisso (trabalho, emprego) o indivduo constri o signo da identidade subjetiva
(renda, salrio, capital), e pelo signo, se posiciona no consumo e circulao de
coisas, informaes ou imagens (mercado).
A identidade est para economia. E segundo Pierre Lvy (1999, p. 133),
a economia a gesto do lar, a boa organizao da casa, pois etimologicamente
a palavra economia vem, por intermdio do latim, do grego oikos (casa) e nomia
(administrao). Conseqentemente, o indivduo que conquista a economia um
micro oikos. Na famlia, a relao dos pais com os filhos, constri a identidade
pessoal. E dentro da famlia, at a transmisso dos bens materiais por herana faz
parte da constituio interior da pessoa, de sua identidade. Por isso, para Lvy
(1999), neste espao, a psicologia deixou de ser uma poltica, para se tornar uma
economia dos afetos, uma gesto das energias.
6.2 SEMITICA NAS MERCADORIAS
Diferentemente do Territrio, na semitica das Mercadorias, o signo perde
a originalidade e a transcendncia das coisas, pois, as coisas originais j no
existem mais. O que existe so reprodues miditicas desenfreadas que
desestruturam as coisas originais e destroem a transcendncia semitica do Espao
territorial.
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Aqui, no somente a fala que se separa da originalidade viva, mas as
paisagens, os ritos, os acontecimentos, as msicas, as arquiteturas, os rostos, as
pessoas Em fim,
[] todos os tipos de acontecimentos so indefinidamente reproduzidos e difundidos fora de seu contexto de surgimento pelos livros, pela imprensa, por fotos, discos, cinema, rdio, cassetes, televiso. Multiplicado pela mdia, levado por mil vias e canais, o signo desterritorializado (LVY, 1999, p. 143).
A partir dessa perspectiva, para Lvy, a imprensa e a televiso criam a
re