workshop de bd/ilustração raúl brandão em imagens

8
Workshop de BD/Ilustração Raúl Brandão em Imagens Maria Lima A frequentar a Licenciatura de BD/Ilustração na ESAG Guimarães, 7 de Setembro de 2016

Upload: manuela-paredes

Post on 06-Apr-2017

152 views

Category:

Education


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

Workshop de BD/Ilustração

Raúl Brandão em Imagens

Maria Lima

A frequentar a Licenciatura de BD/Ilustração na ESAG

Guimarães, 7 de Setembro de 2016

Page 2: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

1. O Projeto

O workshop de BD/ilustração pretende fazer uma abordagem geral à obra de Raul Brandão,

através do recurso à experimentação direta, através do texto e da imagem.

O presente documento resume o esquema de funcionamento desta unidade didática e

detalha as necessidades de base da mesma.

Inicialmente, far-se-á uma breve introdução ao autor e respetivo obra, a fim de

contextualizar os alunos.

Propõe-se esta abordagem introdutória ao estudo/análise da obra do autor (de carácter

lúdico), já que os temas tratados na sua obra poderão não cativar, de imediato, os alunos.

Com esta atividade, pretende-se, também, que os alunos tenham contacto com outros tipos

de contar/escrever histórias, sendo a criação de Banda Desenhada um estímulo para a

resolução de problemas e reação rápida. Deseja-se, ainda, estimular a leitura nos jovens.

O workshop ocupará dois blocos de 90mn., com um curto intervalo entre as atividades.

O espaço onde decorre a atividade deve ser relativamente espaçosa, adequada ao número

de alunos, devendo ser bem iluminada (idealmente os grupos deverão não ultrapassar os 18

alunos).

Os materiais principais serão:

folhas A4,

lápis,

borrachas,

canetas,

godés,

pincéis,

tinta-da-china.

Materiais de cor, como marcadores, lápis de cor, guache ou aguarelas, serão facultados pela

formadora.

Page 3: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

No final de cada uma das atividades, dar-se-á lugar à exploração de temas da obra do autor e

à discussão entre alunos e formadora sobre a atividade acabada de realizar. Procurar-se-á,

deste modo, explorar as dificuldades sentidas, o que mais os atraiu, qual a mensagem do texto,

se a dimensão imagética lhes permitiu descodificar algo novo sobre o complexo imaginário da

literatura de Brandão.

Verificando-se um bom resultado e um impacto positivo nos alunos, ser-lhes-á proposta a

criação de uma ilustração num formato maior, podendo ser desde uma folha de 100x150 até a

um mural, pintado pela formadora e pelos alunos. Esta obra de maior escala poderá servir como

homenagem à vida e obra do autor e como marco de comemoração dos 150 anos do seu

nascimento.

2. Atividades a desenvolver durante o workshop.

2.1. Página Coletiva

Consiste num exercício em que grupos de 9 alunos criam uma página de BD. O trabalho em

grupo tem como objetivo levar os alunos a não se inibirem pela falta de competências nessa

área. Pretende-se, então, que o primeiro aluno desenhe uma vinheta e passe ao colega

seguinte, que dará continuidade à história, e assim sucessivamente, até resultar uma página de

X vinhetas com uma história criada por todos, em que X corresponde ao número de

participantes.

Tempo da tarefa: 45-60 minutos

2.2. Desenhar com texto

Neste exercício o objetivo é levar o aluno a contar uma história só com texto

desenhado/escrito nas vinhetas, permitindo apreender a expressividade visual que o texto pode

ter ao ilustrar uma narrativa. O resultado final será uma página de quatro vinhetas por aluno,

preenchidas com frases das obras de Raul Brandão.

Tempo da tarefa: 45-60 minutos

Page 4: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

2.3. Desenhar com imagem

Este exercício inverte as regras do proposto em 2.2.. Cada aluno recebe um parágrafo de um

texto, tendo de o ilustrar apenas com imagens, o que lhe permite apreender a expressividade

da BD muda.

No final, deverá ser preenchida uma página de 4 vinhetas a partir de frases das obras de Raul

Brandão.

Tempo da tarefa: 45-60 minutos

2.4. Ilustração com texto.

Este exercício abrange a proposta 2.2. e 2.3. e resume as competências adquiridas pelos

alunos nos mesmos. Permite-se que cada um crie uma ilustração a partir de palavras-chave das

obras de Raul Brandão – como são, por exemplo, as palavras sonho, quimera, vida, morte, vila,

fumo - usando as próprias palavras, ou não, na sua ilustração.

Pretende-se que este exercício permita uma compreensão global da obra do autor em

questão e que dote os alunos de ferramentas teóricas para compreender a íntima ligação entre

o texto e a imagem.

Tempo da tarefa: 45-60 minutos

NOTA: as atividades vão basear-se nas narrativas dispersas “Maio” (adaptado para o 2º ciclo) e

“A alma da montanha” (destinada ao ensino secundário) de Raúl Brandão, retiradas da obra

Sonhos, Raúl Brandão, O Independente Global, 2004 (ISBN 972-9437-22-X)

Page 5: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

ANEXO

A alma da montanha

Page 6: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

A a l m a da m o n t a n h a

Com uma figura humilde de tragédia, esse homem passava na terra odiado e

perseguido. Não tinha um irmão nem um amigo, e dir-se-ia, que a própria, a

espantosa natureza, o arredava para o fazer sofrer. Pobre, nos próprios pobres,

encontrava ódio. Fora talvez escravo, e não sabia ao certo de que dor nascera.

Todos os caminhos tinham para ele pedras, e a vida só o lodo doloroso e amargo.

Lar não conhecia, e sua mãe era talvez a Desgraça, que por toda a parte o seguia,

para o espezinhar com rancor. De resto o destino fizera-o triste, humilhado e torto:

assim passava na terra, de manto esfarrapado, com fome e frio, os pés nus e feridos.

A multidão nas praças insultava-o, e, pobre, nos próprios pobres encontrava ódio,

pois que ainda lhe restava na sua miséria este brazido1 de oiro – o sonho.

S ó o encontravam de noite nos sítios ermos, nas praças solitárias. Batera a todas

as portas e de toda a parte fora expulso com ignomínia2 e escárnio. Parece que no

infinito há necessidade de berros, visto que a natura de propósito cria matéria para

a dor. Ei-lo que caminha pela terra, curvado, a soluçar, sem amigos, sem irmãos,

envolto na sua capa esfarrapada...

Às vezes pára. Sujeita-se a todos os trabalhos: carrega blocos, para construção de

catedrais; a dor broca-lhe a carne ressequida, os ossos disformes; o frio retalha-o e

ele só tira esta singular condição:

Deixem-me sonhar...

Então a multidão berra pela sua morte. Apedrejam-no, e ele põe-se a caminho,

atravessa rios, gelos, soturnas3 florestas... Por toda a parte o espera a perseguição e

os risos.

Reis e príncipes mandam-no prender; a esse ser grotesco, pária4 sem irmãos nem

amigos, e quer ter por força este lar - o Sonho.

1 Brasido: ardor, entusiasmo 2 Desonra, infâmia 3 Sombrias 4 Indivíduo que a sociedade repele ou exclui

Page 7: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

A natura cria com o mesmo Iodo, criaturas de luar e escravos. Esse homem era

tao disforme, que nem sabia falar: nascera para invejar as pedras e as árvores.

Tudo o hostilizava, ninguém o acolhia, e pela terra viam-no passar, de povo para

povo, com o seu manto esfarrapado, resignado, triste e maldito...

Deixem-me sonhar...

Expulso, seguia, lá ia, vilipendiado5, insultado, só com a sua fé e as suas

lágrimas...

Nessa tarde as forças extinguiam-se-lhe. Caminhava mais derreado e trôpego, e

no pó da estrada as suas pegadas incertas ficavam a estremecer de dor. O manto

trémulo caía-lhe aos pedaços. As últimas pedradas v ieram tomb ar aos seus pés,

derrubá-lo, quando ele chegou ao pé da montanha assombrosa.

Era num poente todo violeta e oiro, tão cheio de emoções que parecia que as

árvores iam falar, tranzidas6. A montanha era extraordinária: etérea7, ora verde,

ora violeta, erguia-se no céu como um prodígio. Dir-se-ia arfar, num esplendor, com

murmúrios, vozes, torrentes, oiro: era a força, era a beleza.

Quando o escravo caiu tudo em torno se calou, atento. A terra sentira como a

dor, a própria dor, a arrastar-se sobre ela. Pelas suas bocas de pedra pôs-se então a

clamar:

Tu, quem és?...

Um pobre ser, a dor... Quero falar, exprimir, dar formas a este sonho que

trago escondido, roubado, material izado, e não posso! Ando fugido na terra com

este lume, que me mata e que eu amo, como a um filho. Magoam-me, despedaçam-

me, mas eu trago-o comigo!... É ainda uma amálgama, oiro e lama, matérias

desconexas, pedras para realizar o prodigioso Sonho. Queria, montanha, que o homem

passasse diante da minha obra e dissesse: – É o meu sonho!... – e que a humanidade, ao

encontrá-la, exclamasse:

Eis o meu sonho!...

5 Menosprezado 6 Transidas: Repassadas, esmorecidas (de dor ou susto) 7 Pura, sublime

Page 8: Workshop de BD/Ilustração  Raúl Brandão em Imagens

Sofro, procuro, grito, e tudo se perde menos a dor. As formas que ia a prender Iá vão

perdidas, e tudo me sai apagado e nulo... E não é a amargura de me ver perseguido e odiado

que me mata... Se eu nem sinto as pedras!... É não realizar, não criar!...

Soluçava. As coisas emudecidas ouviam a história, contada aos gritos, com palavras

desconexas, daquela pobre criatura odiada, perseguida pelo seu próprio sonho, sem irmãos,

sem amigos e que os mesmos pobres insultavam. Arrastando a capa esfarrapada, mísero, ele

fugia a esconder o seu sonho incompleto, como um tesoiro, como um império. Calcavam-no,

espezinhavam-no, escarneciam-no, e ele passava sem ouvir, sem sentir, enlevado e estático...

A noite caíra como uma espantosa camélia láctea. A montanha estremecia e ouvia as

palavras e os gritos, que ecoavam na noite calma e tão pura que parecia que estrelas vinham

pousar nas árvores como aves todas de oiro. Dir-se-ia que por instantes tudo parara no

universo, se fizera um silêncio sufocado: o coração da montanha deixara de bater. Uma

evaporação, como um hálito, uma grande alma que fosse emoção, se desprendia pouco a pouco

do colosso e poisava, gigânteo fantasma violeta, entre as estrelas e a terra. E lento e lento

envolvia uma nuvem o escravo exânime8, ferido, abandonado...

No alvorecer, a montanha apareceu mirrada, seca, trágico calvário, e o poeta, o escravo,

transfigurado, pôs-se a descê-la. Por entre os farrapos do seu manto corria o sol a jorros, e de

cabeça erguida, iluminado, dizia palavras que eram a voz dos montes, das árvores, das águas, de

Deus. Tudo em torno, atento, o escutava. A montanha era o desgraçado – o homem era a

montanha.

In Brasil-Portugal, 1899, p. 15,

com ilustração de autor não identificado.

Raúl BRANDÃO, SONHOS, O Independente

8 Desfalecido