winston de carvalho vieira do sacramento a experiência...

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Winston de Carvalho Vieira do Sacramento A experiência televisiva como mediadora da relação de crianças com o cinema. Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Educação da PUC- Rio. Orientadora: Rosália Duarte Rio de janeiro abril de 2008

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Winston de Carvalho Vieira do Sacramento

A experiência televisiva como mediadora da relação de crianças com o cinema.

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Educação da PUC- Rio.

Orientadora: Rosália Duarte

Rio de janeiro abril de 2008

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WINSTON DE CARVALHO VIEIRA DO SACRAMENTO

“A EXPERIÊNCIA TELEVISIVA COMO MEDIADORA DA RELAÇÃO DE CRIANÇAS COM O CINEMA”.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª Rosália Maria Duarte Orientadora

PUC-Rio

Profª Sonia Kramer Presidente

PUC-Rio

Profª Rita Marisa Ribes Pereira UERJ

Profº Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial do Centro de teologia e

Ciências Humanas PUC-Rio

Rio de Janeiro, 18 de abril de 2008.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da autora, da orientadora e da universidade.

Winston de Carvalho Vieira do Sacramento

Graduou-se em Pedagogia (habilitação Educação de Jovens e Adultos) pela Uerj. Professor da Escola Oga Mitá, no Rio de Janeiro, atuando na coordenação da biblioteca escolar.

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Sacramento, Winston de Carvalho Vieira do A experiência televisiva como mediadora da relação de crianças com o cinema / Winston de Carvalho Vieira do Sacramento; orientadora: Rosália Duarte. – 2008. 89 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Educação)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Cinema. 3. Recepção. 4. Mediação televisiva. 5. Crianças. I. Duarte, Rosália. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Engenharia Elétrica. III. Título

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À Denise e Lucas, parceiros na travessia turbulenta

desse rio chamado vida.

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AGRADECIMENTOS À professora Rosália Duarte, pela forma paciente, competente e carinhosa com

que me orientou nos momentos mais difíceis.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa em Mídia e Educação (GRUPEM) da PUC-

Rio, co-autores desse trabalho.

Aos professores e funcionários do Departamento de Educação da PUC-Rio pela

acolhida respeitosa que me proporcionaram nessa universidade.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) pela bolsa de

mérito a mim concedida.

Ao César, técnico da Petrobras-BR, responsável pela montagem dos

equipamentos nas dependências da biblioteca do Hospital e que, por diversas

vezes, “matou um leão” para que tudo corresse bem durante as sessões de

visualização.

Às crianças que, de forma “transitiva ou intransita”, tomaram parte na pesquisa

com uma generosidade enorme, tornando-a possível. A Patrícia, mediadora

importante junto às crianças durante boa parte da pesquisa de campo.

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Resumo Sacramento Winston de Carvalho Vieira do; Duarte, Rosália. A experiência televisiva como mediadora da relação de crianças com o cinema. Rio de Janeiro, 2008, p.91. Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Esta dissertação de mestrado tem como objetivo identificar, descrever e

analisar prováveis atravessamentos e mediações que a experiência televisa

estabelece na relação de crianças com produções cinematográficas exibidas em

tela grande. O estudo foi realizado com um grupo de aproximadamente trinta

crianças, com idades variando entre 08 e 13 anos que desconheciam a experiência

de expectador cinematográfico numa sala de projeção. Trata-se de um recorte

produzido no âmbito da segunda fase da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de

Pesquisa em Educação e Mídia – GRUPEM, intitulada: Crianças, televisão e

valores morais. Este estudo, de caráter exploratório, baseia-se em observações de

campo, oficinas e entrevistas, individuais e coletivas, cujos registros — diário de

campo, audiogravações e videogravações — foram submetidos a uma análise

também qualitativa. Do ponto de vista teórico, identifica a Teoria das Mediações,

norteadora dos estudos de recepção desenvolvidos atualmente na América Latina,

como uma possibilidade relevante de análise e compreensão do problema, uma

vez que tais estudos relativizam as funções, qualificações e possibilidades do

emissor, percebem o receptor como sujeito ativo na relação com os meios e

analisam fatores que interferem nesse processo. Os resultados indicam que as

mediações televisivas alteraram a textura das experiências cinematográficas

vivenciadas por estas crianças durante o estudo realizado. Nesse processo, em que

o ato de espectatura apresentou-se fortemente marcado pelas mediações

televisivas, a definição de padrões de gosto, de interesse pelo que foi exibido,

além da seleção do que é visto aproximou significativamente os modos de ver

cinema aos modos de ver TV.

Palavras chaves:

cinema, recepção, mediação televisiva, crianças.

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Abstract Sacramento Winston de Carvalho Vieira do; Duarte, Rosália. The television experience as a mediator of children’s relationship with the cinema. Rio de Janeiro, 2008, p.91. Dissertation – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The aim of this study is to identify, describe and analyze the presence of

possible crossovers and mediations of children’s television viewing in their

relationship with widescreen cinema. This study has been carried out with a group

of approximately thirty children aged between 8 and 13 years who had never been

in the position of viewers in a projection room before. This study integrates the

second phase of the research developed by the Education and Media Research

Group (GRUPEM), entitled: Children, television and moral values. This

exploratory study was based on field observations, workshops and individual or

group interviews; its registers – casebooks, audio and video recordings – were

also submitted to a qualitative analysis. From the theoretical perspective, it points

out the Theory of Mediations, which guides reception studies in Latin America, as

a significant approach to problem analysis and understanding, since it deals with

the relative roles, qualifications and possibilities of the emitter, perceives the

receptor as an active participant in his/her relationship with the media and

analyzes the factors that interfere in this process. The results show that television

mediations have definitely altered the texture of these children’s everyday

experiences. There is significant evidence that the television holds a distinguished

position in the processes of generation of meaning in their experiences with the

cinema.

Keywords: cinema, reception, television mediation, children.

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Sumário

1. Introdução 11

2. O campo empírico 15

2.1 Aspectos socioeconômicos 15

2.2 Conceitos norteadores 17

3. Notícias do campo 27

3.1 os primeiros passos 28 3.2 As sessões de visualização 32

3.3 Vamos ao cinema! 40

3.4 “Me conta sobre os f i lmes?” Entre oficinas e dinâmicas 45

4. Analise dos dados 53 4.1 As experiências do ver 53 4.2 Diversidade X Mais do mesmo 57

4.3 Lembranças de fi lmes e de televisão 59

4.4 Diversidade na produção: a questão da qualidade 62

4.5 História audiovisual 66

4.6 Produção social do gosto 68

4.7 O consumo como expressão do gosto 72

4.8 “Juro que vi” ou o papel da escola 75

4.9 Recontando fi lmes 76

5. Considerações finais 84

6. Referências bibliográficas 88

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Lista de fotos e tabelas a) Fotos

b) Tabelas

Tabela 1- Número de habitantes por residência 16 Tabela 2- Freqüência das crianças nas sessões de visualização e

oficinas. 29 Tabela 3 - Total de crianças entrevistadas 76

Foto 1 - Criança na biblioteca do Hospital Curupait i 27 Foto 2 - Sessão de visualização 35 Foto 3 - Ida ao cinema 45 Foto 4 - Oficina de animação com sombras 51 Foto 5 - Oficina de animação com massa de modelar 52

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A construção da vida, no momento, está muito mais no poder dos fatos que de convicções. E aliás de fatos tais, como quase nunca e em parte nenhuma se tornaram fundamento de convicções. Nessas circunstâncias, a verdadeira atividade literária não pode ter a pretensão de desenrolar-se dentro de molduras literárias – isso, pelo contrário, é a expressão usual de sua infertilidade. A atuação literária significativa só pode instituir-se em rigorosa alternância de agir e escrever; tem de cultivar as formas modestas, que correspondem melhor a sua influência em comunidades ativas que o pretensioso gesto universal do livro, em folhas volantes, brochuras, artigos de jornal e cartazes. Só essa linguagem de prontidão mostra-se atuante à altura do momento. As opiniões, para o aparelho gigante da vida social, são o que é o óleo para as máquinas; ninguém se posta diante de uma turbina e a irriga com óleo de máquina. Borrifa-se um pouco em rebites e juntas ocultos, que é preciso conhecer.

Walter Benjamin.

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1 Introdução

Ao longo dos estudos de mestrado aprendi a importância de

“tornar claro o lugar de onde se fala”. Por isso opto por trazer aqui,

nessa apresentação pessoal, alguns itinerários percorridos por mim e

que de alguma forma tornaram possíveis as questões que apresento.

Antes de voltar a atenção para o campo da Mídia e Educação pude

experimentar a pesquisa acadêmica em outros espaços. Ainda na

graduação um programa de bolsas de iniciação científica me

aproximou da pesquisa, no caso em História da Educação Brasileira.

Naquele momento eu começava a ter em conta a existência de um

conjunto de saberes e práticas que faziam do hábito de estudo algo

bastante diverso e bem mais dinâmico do que boa parte daquilo que

eu fazia em meus estudos de graduação. Durante dois anos (2000-

2002) as atividades de Iniciação Científica me apresentaram à

‘cultura’ dos grupos de pesquisa, aproximando-me das leituras

sistematizadas e de participações em encontros e seminários de

área. É nesse momento que, pela primeira vez, sou tocado pela idéia

de que uma pesquisa traz consigo, sempre, algo de inacabado, a ser

retomado e possivelmente ressignificado.

Ao fim de meus estudos de graduação em Pedagogia

continuei acompanhando grupos de pesquisa, já não mais no campo

da História da Educação, mas nos estudos sobre cotidiano escolar

que aconteciam na Faculdade de Educação da UERJ. Agora, eu

estava mais próximo de estudos que se perguntavam sobre e

procuravam dar conta da multiplicidade de fatores que tornavam

possíveis a compreensão da escola. Uma escola que deixava de ser

algo conceitual e genérico para render tributos aos acontecimentos

cotidianos que eram vivenciados pelos que partilhavam de um

mesmo espaço escolar. É no contexto desses estudos que surge o

meu interesse pelas relações que se estabelecem entre Mídia e

Educação.

É desse período (2001-2004) meu primeiro contato com os

Estudos de Recepção latino-americanos, em especial com a teoria

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das mediações tal qual a apresentava o colombiano Jesús Martin-

Barbero. Naquela ocasião acompanhei por dois meses 20 alunos do

ensino fundamental de uma escola particular. Num trabalho

conjunto com uma das professoras da turma investiguei sobre as

preferências deles diante do que era exibido nas TV’s. Não só a

diversidade de gostos e preferências como os porquês que os

determinavam chamaram minha atenção para o fato de que deveria

haver espaço suficiente no ato comunicativo para que os receptores

produzissem significações distintas daquelas determinadas pelo

emissor.

A empiria de que eu dispunha, sob a forma de entrevistas e

videogravações, dava conta de motivos semelhantes produzindo

preferências televisivas distintas, às vezes antagônicas, nos sujeitos

daquela pesquisa. Motivos aparentemente distantes um do outro

também pareciam ser capazes de apontar para a formação de

preferências que se diziam iguais. Foi um período intenso e que

acabou por me levar ao GRUPEM.

Na condição de integrante do Grupo de Pesquisa em Educação

e Mídia – GRUPEM desde 2005, grupo coordenado pela professora

Rosália Duarte (PUC-Rio), acompanho com crescente interesse

parte das discussões e pesquisas relacionadas aos modos pelos quais

os consumidores de produções midiáticas em geral e audiovisuais

em particular estabelecem relações, interações e resignificações de

sentidos a partir do que é veiculado pelos produtores de conteúdo.

Interesso-me, particularmente, pelo que parece ser esse alcance

generalizado da experiência televisiva e o impacto deste no

cotidiano de crianças e jovens. É a partir do contato com a pesquisa

desenvolvida pelo GRUPEM – Crianças, televisão e valores morais

– que tal interesse se consolida.

No decorrer das análises e discussões levadas a cabo no

GRUPEM, pude perceber que as relações que as crianças

acompanhadas ao longo de minha pesquisa mantinham com filmes

apontavam maneiras de lidar com as produções cinematográficas

que pareciam ‘alimentadas’ por um emaranhado de fios capazes de

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levar e trazer o fluxo da vida em sociedade. Isso se dava muitas

vezes com uma seletividade reveladora, levando-me a perguntar se a

função de telespectador proporcionada pela relação com a tevê

poderia estar atravessando a relação das crianças com o cinema.

Com minha chegada ao GRUPEM, foi possível lançar mão de

metodologias de pesquisa que, até então, eu não conhecia. A

pesquisa de base etnográfica era uma delas tornando-se, para mim,

uma metodologia a ser melhor conhecida e utilizada. Alguns dos

métodos e conceitos formulados nos estudos de sociologia da

infância passaram também a fazer parte de meu horizonte de

pesquisa. A partir daí, considero ter iniciado um período no qual

ainda me encontro. Hoje, há de minha parte uma maior preocupação

com o recorte a ser feito e que se pretenda analisar.

Concluo essa apresentação pessoal talvez com menos certezas

a respeito das pesquisas em Mídia e Educação, mas creio ter

aprendido que pesquisar é surpreender-se a todo instante. Frustrar-

se para em seguida ter as expectativas renovadas por pistas

mínimas, colhidas no trabalho de campo e nas análises do mesmo.

O objetivo deste estudo é compreender melhor as relações que

as crianças têm com filmes, procurando identificar e descrever o

que vêem, do que gostam e o modo como se relacionam com aquelas

narrativas. Ao propor um estudo sobre essas relações é preciso

considerar que enormes contingentes populacionais, em especial os

de menor poder aquisitivo, têm nos diversos formatos audiovisuais

disponíveis uma ferramenta importante para sua socialização no

mundo contemporâneo. Autores como Jesús Martin-Barbero (2001),

defendem a idéia de que:

as maiorias na América Latina estão se incorporando à, e se

apropriando da, modernidade sem deixar sua cultura oral , is to é, não por

meio do l ivro, senão a partir dos gêneros e das narrat ivas, da l inguagem

e dos saberes, da indústria e da experiência audiovisual .”(MARTIN-

BBARBERO, 2001: 34)

Nesse contexto, chama atenção o fato de a sociedade

brasileira figurar entre as mais audiovisuais do planeta, em que

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crianças e jovens são os que se relacionam de modo mais intenso e

extenso com a produção voltada para televisão e cinema. Se

levarmos em conta que, no Brasil , o tempo médio gasto diante de

aparelhos de TV fica em torno de quatro horas diárias, estudos que

procurem conhecer e compreender um pouco mais sobre a dinâmica

das relações que se estabelecem no ato de visualização desses

produtos audiovisuais ganham relevância.

A América Latina está bastante avançada na elaboração de

teorias e métodos de pesquisa voltados para o estudo da recepção de

produtos audiovisuais.

Pesquisadores como Jesús Martín-Barbero (Colômbia),

Guillermo Orozco Gómez (México), Néstor Canclini (México),

Beatriz Sarlo (Argentina), Valerio Fuenzalida (Chile), entre outros,

vêm conquistando reconhecimento internacional com os trabalhos

desenvolvidos em âmbito latino-americano.

De acordo com Orozco Gómez (2001), quatro principais

fontes de mediação atuam sobre o processo de recepção: mediação

individual (questões relativas à história de vida do sujeito, gênero,

idade, etnia, desenvolvimento cognitivo e emocional e assim por

diante); mediação situacional (diz respeito aos cenários em que se

produzem as negociações e apropriações de significado, ou seja, as

situações na quais se processam as relações entre a mídia e seu

receptor); mediação institucional (diz respeito ao papel

desempenhado na produção de sentido pelas instituições e

organizações sociais das quais o indivíduo participa

simultaneamente: Estado, família, escola, grupo de pares, Igreja

etc.) e mediação tecnológica (trata-se dos mecanismos exclusivos

da mídia em questão, isto é, l inguagem e características técnicas

que influenciam a recepção).

Essas diferentes fontes de mediação precisam ser levadas em

conta quando se analisa a recepção de produtos audiovisuais.

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2 O Campo Empírico

O estudo em que se baseia esta dissertação é de natureza

exploratória, de base qualitativa e foi realizado com,

aproximadamente, vinte e cinco crianças, com idades entre 08 e 13

anos, moradoras de uma comunidade de baixa renda situada em

Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ao todo foram 24

encontros ao longo de 10 meses.

Nesse período, sucederam-se idas ao cinema, sessões de

visualização realizadas na biblioteca do hospital, além das oficinas

e videogravações. As atividades realizadas com as crianças tinham

como objetivo:

1- possibilitar a identificação de indícios e pistas sobre os

possíveis elementos de mediação e significação fílmicas por elas

construídos diante do que vêem, com destaque para a longa

experiência que elas têm como espectadoras de televisão. A esse

respeito, considero importante destacar que tal preocupação não

estava presente no início de minha pesquisa. A presença dos modos

de ver televisão impactando, de alguma forma, os modos de ver

filmes é uma hipótese que surge e ganha força ao longo da pesquisa.

2 - conhecer as preferências que as crianças demonstravam

diante do que era exibido e o que era levado em conta na produção

dessas preferências.

3 - Conhecer suas lembranças de filmes — do que se

lembram, como se lembram, que associações fazem entre o que foi

visto antes e o que é visto agora, e assim por diante — e como estas

são organizadas no tempo.

2.1 Aspectos socioeconômicos

As crianças que participaram deste estudo integram famílias

pertencentes às classes populares, algumas delas, vivendo em

condições bastante precárias. Para melhor dimensionar as condições

de existência material em que vivem, visitei treze famílias (aquelas

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às quais pertenciam as crianças mais assíduas às oficinas), com o

objetivo de aplicar, junto aos pais, questionários relativos ao padrão

sócio-econômico e ao consumo cultural das mesmas.

A análise desses dados, com base no 1Critério de

Classificação Econômica Brasil , apontou que a maioria das

famílias enquadra-se nos padrões de consumo das classes D e E.

Quanto ao consumo de bens culturais, foi possível apurar que

nenhuma das treze famílias entrevistadas tinha por hábito a leitura

de um jornal diário. Aos fins de semana esse quadro sofria alguma

alteração, com cinco das treze famílias consumindo algum jornal.

Esses números se repetiam quando perguntados sobre o consumo de

revistas semanais (Época, Veja, etc.)

Somente uma das famílias declarou possuir algum tipo de

enciclopédia em casa. Esses números se invertem quando

perguntados sobre a existência de livros de literatura em casa (X

famílias dizem ter). Instrumentos musicais foi o item que alcançou

maior equilíbrio entre os entrevistados: sete famílias declararam

possuir algum tipo de instrumento e outras seis disseram que não.

Nenhuma dessas famílias declarou possuir computador em casa.

Quanto ao nível de escolaridade dos pais, a análise dos

questionários indicou que seis mães completaram o primeiro

segmento do ensino fundamental e dois pais alcançaram essa mesma

escolaridade. Outras sete mães concluíram o segundo segmento do

ensino fundamental. O ensino médio foi concluído pelo pai de uma

das crianças. Quanto ao número de pessoas residentes em cada casa

os números foram os seguintes:

Nº Habitantes residência

1

2

3

4 a 5

6 a 8

+8

Nº de famílias

--- 2 --- 5 3 3

Tabela 1 1 O Critério de Classificação Econômica Brasil, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa,enfatiza sua função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de classificar a população em termos de “classes sociais”. A divisão de mercado definida abaixo é, exclusivamente de classes econômicas.

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Um dado bastante significativo no contexto analisado é o que

diz respeito à taxa de empregabilidade: metade dos entrevistados

(pai ou mãe) declarou estar desempregada. O que chama a atenção

nesse aspecto é que, apesar da precariedade material das casas,

todas têm aparelho de televisão e de DVD; além disso, a maioria das

crianças relatou ver filmes em DVD com bastante regularidade (o

que implica gastos com locação e/ou compra de disco digital).

Vale dizer que não foi possível aplicar os questionários a

todas as famílias: por mais de uma vez essa etapa teve de ser adiada

por motivos que vão da inexistência de condições mínimas de

segurança para percorrer as casas ao desencontro com as famílias

em função de seus horários de trabalho.

Até mesmo uma greve dos funcionários do Hospital impediu uma

visita previamente agendada para a aplicação dos questionários.

2.2 Conceitos Norteadores Educação e comunicação: o contexto histórico dessas pesquisas

Vistos com desconfiança por parte considerável das famílias,

dos educadores e do meio acadêmico os meios de comunicação de

massa - em particular o cinema e logo em seguida a televisão - são,

desde sempre, questionados sobre os supostos malefícios advindos

de seu consumo.

Em função dessa percepção, antes mesmo da primeira metade

do século XX, prospera a idéia de empreender ações no sentido de

‘neutralizar’ os efeitos pretensamente negativos da mídia, aos quais

os sujeitos, sobretudo crianças e jovens, estariam,

irremediavelmente, submetidos.

De acordo com ALEGRIA (2007) em 1910, em Bruxelas, o

Troisième Congrèss International d'Education Familiale discutiu

modos de classificar o cinema pelo seu conteúdo, visando responder

à apreensão das famílias e dos educadores quanto à perniciosidade

das películas junto aos mais jovens.

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Na maior parte dos países onde a mídia se expandiu de forma

significativa, uma das estratégias formuladas por educadores,

preocupados com os possíveis danos decorrentes da exposição aos

meios, consistiu na apresentação de propostas de ação preventiva

visando dotar a sociedade de defesas diante do que era veiculado.

Hipertrofiando as possibilidades do emissor, projetos desse tipo

muitas vezes têm como objetivo dotar os sujeitos dos mesmos

recursos interpretativos (em geral calcados em discussões de

natureza ideológica) para que eles possam ler, ouvir e ver

corretamente, como deve ser.

Assim, a sociedade em geral e a juventude em particular, uma vez

sujeitas aos conteúdos expostos não estariam mais na condição de

presas fáceis das intenções, quase sempre malignas, dos agentes

emissores.

É nesse contexto que surge, originalmente, a Mídia-Educação.

O discurso subjacente a essa análise dava conta de que era preciso

proteger-se, prevenir-se e imunizar-se diante dos meios massivos de

comunicação que começavam a ganhar força em termos globais e de

que seria necessário empreender uma ação pedagógica no sentido de

dotar os leitores, ouvintes e espectadores dos instrumentos

necessários para não se deixarem apreender pelo discurso midiático.

Essa premissa de inculcação foi bem trabalhada por Len Masterman, professor da Universidade de Liverpool e um dos líderes do movimento pela Mídia Educação no mundo. Em sua clássica obra, A rationale for Media Education in 1990´Europa2 (1994), Masterman observa os paradigmas que foram servindo de base para a mídia-educação em diferentes faixas históricas. Na abordagem inoculatória, as mídias aparecem como agentes de declínio cultural, uma “doença infecciosa” e veículo de anti-cultura. Esse pessimismo inaugura os estudos de comunicação, no final da década de 30. (DUARTE, 2005)

Esse quadro analítico permanece mais ou menos hegemônico até o início

dos anos 80 do século XX, quando pesquisadores de Ciências Sociais e das

Ciências da Comunicação começaram a dar-se conta, empiricamente, da fluidez

que envolve as relações estabelecidas no contexto da comunicação de massas,

passando a ter em conta a necessidade de se conhecer e estudar as práticas

2 Tradução italiana: MASTERMAN, Len. A scuola di media. Educazione, media e democrazia nell´Europa degli anni 90. Milano: La Scuola, 1997.

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empreendidas pelos usuários da mídia para lidar com os conteúdos por ela

veiculados. Os estudos e práticas no campo da Mídia-Educação incorporaram

esse novo modelo analítico. Até aqui, estamos falando de estudos desenvolvidos

fundamentalmente em território europeu. A idéia de se “educar para os meios”,

que se consolida na década de 1990, pode ser entendida como um esforço no

sentido de melhor compreender a diversidade de estudos e práticas que

apontavam, de maneira geral para:

1) o estudo dos usos escolares dos meios de comunicação como ferramentas educativas; 2) análises de conteúdo de produtos midiáticos (sobretudo de filmes e de programas de televisão); 3) estudos quantitativos que procuravam mensurar os efeitos das mídias sobre o comportamento de crianças e jovens; 4) formulação e desenvolvimento de propostas e métodos para ensinar os mais jovens a compreender e interpretar mensagens e códigos midiáticos (numa perspectiva defensiva, isto é, ensinando-lhes a se defenderem das estratégias de manipulação adotadas pela mídia em geral). (DUARTE, 2005)

Se na Europa o enfoque principal era o acima apresentado,

nos Estados Unidos a preocupação maior, nesse mesmo período,

apontava para os estudos sobre o impacto da violência veiculada

pela televisão nas pessoas que se relacionam com ela regularmente.

A perspectiva teórica dotada nesse contexto é o behaviorismo

e as pesquisas e práticas desenvolvidas buscam analisar, mais

diretamente, os efeitos da mídia sobre o comportamento de seus

receptores. Essa abordagem ocupa, ainda hoje, parte considerável

dos esforços de pesquisa nos Estados Unidos

Enquanto isso, na América Latina, pesquisadores como José

Martin-Barbero (Colômbia), Guillermo Orozco Gómez (México),

Néstor Canclini (México), Beatriz Sarlo (Argentina), Valerio

Fuenzalida (Chile), Tatiana Merlo Flores (Argentina), Mauro Wilton

de Souza (Brasil), Nilda Jacks (Brasil), Maria Immacolata Lopes

(Brasil), entre outros, vêm conquistando reconhecimento

internacional com os trabalhos desenvolvidos em âmbito latino-

americano. Nesse contexto, adquire projeção a Teoria das

Multimediações (proposta por Martin-Barbero e desenvolvida

metodologicamente por Orozco Gómez) que dá sustentação a grande

parte das pesquisas realizadas nesses países sobre às relações entre

mídia e cotidiano e mídia e educação. A originalidade dessa

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abordagem parece situar-se no entendimento de que os possíveis

processos de construção de significados encontram-se mediados sim

pelos produtos que a mídia veicula, sem que isso signifique

desconsiderar o peso que o universo particular do sujeito receptor

tem nesses mesmos processos. Como articulador dessa lógica

teríamos o contexto cultural no qual ambos, emissor e receptor,

encontram-se inseridos.

Os estudos de recepção têm inspirado boa parte das pesquisas

que o GRUPEM (Grupo d Pesquisa em ducação e Mídia) vem

realizando desde 2001. Minha pesquisa, em particular, procura

respaldar-se teoricamente nessa abordagem teórica,

fundamentalmente, por considerar o receptor como parte ativa nos

processos de significação dos conteúdos e mensagens veiculados.

Compreender os processos de mediação e significação em sua

fluidez e complexidade exige por parte do pesquisador uma

abordagem multidisciplinar na qual conceitos são ferramentas a

serviço da investigação.

Nesse sentido apresento a seguir os principais conceitos que

melhor me auxiliaram na análise e compreensão do material

empírico produzidos ao longo deste estudo

Recepção

Na perspectiva teórica deste trabalho, falar de recepção

implica entendê-la como fenômeno contínuo, complexo e

contraditório. Trabalhar com o conceito de recepção, na perspectiva

desenvolvida e aperfeiçoada por teóricos como Martin-Barbero e

Orozco Gómez, implica considerá-lo como um fator interativo,

capaz de comportar um amplo processo de negociação entre os

agentes envolvidos nos processos de significação socialmente

produzidos. Não se trata de desconsiderar a intencionalidade

presente no que é produzido e veiculado pelos agentes que

controlam a produção e distribuição do que a mídia veicula, mas

considerar que a recepção se dá em um ambiente onde fatores

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capazes de interferir nesse processo parecem estar fora do alcance e

controle exclusivo do agente emissor.

Multimediação

Conforme postulado por Orozco Gómez, trata-se de considerar

que a interação mídia-receptor emerge de um processo complexo,

multidimensional e multidirecional, abarcando vários momentos,

cenários e negociações que transcendem o momento mesmo em que

se está diante da tela de cinema, de um aparelho de TV, de um

rádio, celular, DVD, jornal, revista etc. Dividindo esse caráter

múltiplo em quatro grandes grupos (mediação individual,

situacional, institucional e tecnológica) o autor defende que os

processos de significação são anteriores ao momento em que as

pessoas entram em contato com determinado produto ou texto

midiático e não terminam no momento em se afastam dele.

Indústria cultural

Desenvolvido por T. Adorno e M. Horkheimer (1947), o

conceito de indústria cultural diz respeito a um sistema,

desenvolvido no contexto do modo de produção capitalista, no qual,

a partir do discurso sobre a necessidade de tornar as massas

esclarecidas, a Cultura (no sentido de erudição, como os autores a

entendiam naquele momento) é transformada em mercadoria a ser

produzida de forma industrial (discos, livros, filmes, programas de

rádio e de televisão), padronizada, e distribuída à baixo preço e

baixa qualidade aos trabalhadores, atuando como domesticadora das

aspirações destes.

Textura da experiência

Esse conceito, desenvolvido por Roger Silverstone, atribui a

experiência televisiva um nível de penetração e onipresença na em

nossas vidas cotidianas a ponto de já não ser mais possível imaginar

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como seria a existência individual e coletiva sem a presença desse

dispositivo tecnológico.

Segundo o autor, a programação televisiva, seus formatos e seus

horários “nos proporcionan estructuras y modelos de vida

doméstica o, por lo menos, de ciertas versiones de vidas

domésticas.” (Silverstone, 1994) Para Silverstone, a experiência

com a televisão atravessa nosso modo de ver o mundo, conferindo

uma nova textura a nossa experiência.

Se considerarmos que as crianças que participaram do estudo

a que este trabalho se refere constituem a parcela da população

brasileira que proporcionalmente destina a maior quantidade de

horas diante da televisão, teremos motivos para suspeitar que,

particularmente nesse caso, o conceito de “textura da experiência”

ajuda a compreender os modos de ver delas no que se refere aos

filmes.

Produção social do gosto

Adotamos nesse estudo a posição teórica desenvolvida por P.

Bourdieu em seu estudo intitulado “Gostos de classe e estilos de

vida”(BOURDIEU, 1994) O conceito de formação do gosto, tal

como o concebe este autor, pressupõe a existência de relações

correspondentes entre o espaço das posições sociais e o espaço dos

estilos de vida. Tais relações exprimiriam, de forma singular, as

condições objetivas da existência material as quais os indivíduos

encontram-se submetidos. Roger Silverstone, apropriando-se desse

mesmo conceito, sugere que o consumo expressaria, também, a

produção social do gosto, conferindo ou negando status aqueles que,

através do consumo, expressam níveis de competência diante da

produção cultural contemporânea.

Ato de espectatura

O canadense Martin Lefbvre define o conceito em questão como sendo:

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O fi lme como eu o vejo, como eu o concebo, como eu o represento para mim mesmo como eu o significo, a part ir de minha história de vida, minhas experiências, minha formação e minha cultura cinematográfica. (apud DUARTE,2005:)

Esse conceito foi particularmente útil para a análise dos

relatos das crianças sobre os filmes a que assistiram e sobre a

maneira como os recontam. Segundo o autor, o caráter fragmentário

da apreensão do que vemos em um filme é típico do ato de

espectatura, ou seja, a relação que estabelecemos com narrativas

fílmicas no momento em que entramos em contato com elas permite

que guardemos delas apenas fragmentos, em geral, aqueles que

foram mais signficativos para nós.

Figura

Para M. Lefebvre o conceito de figura diz respeito a

segmentos dos filmes que são capazes de impressionar o espectador,

de marcar, de forma definitiva, a lembrança que ele guardará do que

viu e suas experiências posteriores com outras narrativas fílmicas.

Monitoreo intermitente

O conceito desenvolvido por V. Fuenzalida descreve o

espectador de tevê como alguém que destina formas de atenção

diferentes ao que é exibido, que podem e irão variar de acordo com

uma série de fatores. O autor defende como improvável um mesmo

estado de ânimo ao longo de todo o tempo em que se está diante de

uma dada programação televisiva. O momento do dia em que se está

assistindo televisão, a presença de outras pessoas nesse momento, o

envolvimento com outras tarefas enquanto o aparelho de TV está

ligado, entre outros irá determinar um monitoramento intermitente,

capaz de oscilar e de estar atento, por exemplo, em alguns

momentos, apenas às emissões de áudio.

Esse conceito foi particularmente caro a este estudo quando

posto a serviço da hipótese de que, nas situações de visualização de

filmes pelas crianças, seja na biblioteca do Hospital ou mesmo nas

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idas ao cinema, esse modo de ver parece ser mobilizado pelas

crianças, ajudando a desfazer a impressão inicial de que se tratava

apenas de falta de hábito, distração, balbúrdia e/ou desinteresse

pelo que estava sendo exibido.

Tática dos praticantes

Esse conceito é utilizado aqui na definição elaborada por

Michel de Certeau par quem as táticas dos praticantes estariam

ligadas a:

“um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que dist ingue o outro como totalidade visível . A tát ica só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capital izar seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias( . . . ) [A tát ica] tem constantemente que jogar com osacontecimentos para o transformar em “ocasiões”. Sem cessar, o fraco deve t irar part ido de forças que lhe são estranhas(. . . ) Mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a “ocasião”. (CERTEAU, 1994: 46-47)

Para além das referências teórico-metodológicas adotadas

nessa pesquisa, considero importante ressaltar alguns pressupostos

que orientaram o cotidiano das relações pesquisador/pesquisados.

Se, por um lado, o contato mais efetivo e organizado com autores

ligados a Sociologia da Infância, com as questões consideradas de

grande relevo para esse campo, só se tornou possível durante meus

estudos de mestrado, por outro lado, não era a primeira vez que eu

estava em contato direto e sistemático com crianças. Em função

disso, a minha entrada no campo pressupôs, desde o início, um

entendimento de que aquelas crianças não poderiam e não deveriam

ser vistas como “simples objetos” disponíveis ao pesquisador como

costuma estar a “lâmina” que será descrita e analisada, por olhares

atentos, num laboratório qualquer de uma instituição de pesquisa.

Tratava-se de considerá-los enquanto sujeitos de direitos,

portadores de vontades e, principalmente, de saberes. Algo mais que

um simples exercício de retórica, isso significou um compromisso

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ético que me fazia refletir, antes e depois de cada entrada no campo,

sobre o que eu estava construindo acerca daquelas crianças.

Logo de início elas me foram apresentadas sob a suspeita de

um não saber, no caso um não saber sobre ver cinema. Além disso,

antes mesmo de qualquer levantamento socioeconômico o senso

comum já me indicava se tratar de uma infância pobre, com baixo

rendimento escolar. Diante disso eu me perguntava desde o início

sobre os cuidados necessários para não transformar minha pesquisa

numa espécie de “atestado de óbito” que apenas confirmaria, do

ponto de vista acadêmico, as piores suspeitas e prognósticos que o

imaginário social costuma tecer sobre o horizonte dessas crianças.

Longe de pretender construir uma narrativa com contornos de

exaltação fantasiosa o que eu buscava com determinação era uma

aproximação com as formas de narrar daquelas crianças, convencido

que estava de que tais formas, certamente, expressavam um

discurso, um modo de pensar e de entender o mundo ao seu redor

que como parte do meu desafio, eu deveria melhor conhecer e

compreender.

Dito de outra forma, mesmo nos momentos em que me vi

cercado das maiores dúvidas – e esses momentos foram muitos ao

longo da pesquisa – havia em mim a crença de que aquelas crianças

eram as protagonistas daquela pesquisa.

Portanto, o sucesso ou fracasso de minha pesquisa decorreria,

em boa medida, da minha capacidade em construir respostas para as

questões que estavam sendo colocadas por aquele conjunto de

crianças, ao mesmo tempo niveladas entre si e portadoras, cada uma

delas, de singularidades que as tornavam únicas. É nesse sentido

que apresento um fragmento que no campo da Sociologia da

Infância me parece paradigmático em termos de pesquisas

envolvendo a participação de crianças.

Temos feito no Brasil, nos últimos vinte anos, um sério esforço para consolidar uma visão da criança como cidadã, sujeito criativo, indivíduo social, produtora da cultura e da história, ao mesmo tempo em que é produzida na história e na cultura que lhe são contemporâneas. (KRAMER. S, Cadernos de Pesquisa. 2002: 42)

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Ao longo de minha pesquisa foram produzidas videogravações e

entrevistas. Essas, por sua vez, contaram com o consentimento

expresso das crianças que contribuíram para a pesquisa. Fazem

parte do acervo da pesquisa gravações onde peço o consentimento

delas para gravar tudo o que é dito. O conteúdo dessas entrevista foi

previamente transcrito e inserido no ambiente NUD*IST. Através

desse programa foram realizadas diferentes análises descritivas dos

textos tendo como ponto de partida a definição de categorias de

análise (teóricas – definidas a partir da literatura de referência – e

não teóricas – extraídas da primeira leitura geral das entrevistas.

Essas categorias permitiram a organização de informações,

impressões, idéias, opiniões e reflexões que as crianças emitiam a

partir dos diferentes filmes a que tiveram acesso durante a pesquisa

e, também aqueles que elas conheciam anteriormente. No processo

de análise das categorias que foram emergindo, a partir da inserção

das entrevistas no ambiente NUD*IST, algumas foram abandonadas,

outras reagrupadas em novas categorias portadoras de maior apelo

analítico.

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3 Notícias do campo

Foto 1: criança no salão da biblioteca do Hospital Curupait i .

No início de 2006, numa das reuniões de estudo e orientação

do GRUPEM, ficamos sabendo, por meio de nossa coordenadora,

que um grupo de aproximadamente 25 crianças, com idades variando

entre 08 e 13 anos, participava de uma série de atividades semanais

de acompanhamento e reforço escolar numa biblioteca instalada nas

dependências do antigo Hospital Colônia Curupaiti , hoje Instituto

Estadual de Dermatologia Sanitária, localizado em Jacarepaguá

(Zona Oeste do Rio de Janeiro). Como parte de sua atuação na

comunidade, o Hospital realiza acompanhamento médico e psico-

social de crianças das comunidades vizinhas. São comunidades de

baixa renda, em processo de favelização, fronteiriças aos limites do

hospital.

Algumas das crianças são descendentes de ex-internos e

residem nas vilas remanescentes do período de isolamento a que

seus pais, avós e bisavós estiveram submetidos como portadores da

hanseníase. Todas as crianças, exceto uma delas, estão matriculadas

em escolas da rede municipal de ensino da Cidade do Rio de

Janeiro.

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Uma das atividades ali desenvolvidas, “A hora do conto” ,

consiste na contação de histórias e eventuais exibições de filmes

infantis. O GRUPEM foi procurado, à época, pela psicóloga que

orientava e acompanhava esse grupo de crianças e que se mostrava

preocupada com o que ela identificava como sendo “dificuldades

para compreender os filmes a que assistiam”, o que se manifestaria,

segundo ela, na dispersão e confusões geradas durante as exibições

e na impossibilidade de relatar o que haviam visto. O fato de a

maioria dessas crianças desconhecer a experiência de expectador

numa sala de projeção até agosto de 2006, quando iniciamos nosso

trabalho de pesquisa junto a elas, nos era sugerido, também, como

uma possível hipótese explicativa para tais dificuldades. Diante

desse quadro, o GRUPEM decidiu-se pela aproximação com essas

crianças, visando melhor compreender o que estava em jogo nos

processos de significação e mediação levados a termo por elas no

contato com produções audiovisuais. Meu estudo em particular

pretende aproximar-se desses prováveis atravessamentos que

organizariam as possíveis narrativas, significações e mediações

diante das produções cinematográficas direcionadas a crianças, que

passamos a exibir em tela grande, na biblioteca do Hospital, assim

como das idas delas as salas de projeção.

3.1 Os primeiros passos

Como já foi dito, os primeiros contatos com o grupo de

crianças que viria a ser sujeito do estudo aqui relatado ocorreram

em agosto de 2006. Vale ressaltar que ao falar de “grupo de

crianças sujeitos da pesquisa” não necessariamente se está falando

das mesmas crianças acompanhando, todo o tempo, a maioria

absoluta das etapas da pesquisa. Com base nas listas de presença

dos encontros na biblioteca e das idas ao cinema é possível

constatar que oitenta e três crianças estiveram presentes, ao menos

uma vez, em alguma de nossas atividades. Desse total, cerca de dez

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crianças têm-se 1constituído enquanto grupo desde o início e se

mantido mais ou menos constante ao longo desse período. Esse

número alcança a marca de vinte crianças se levarmos em conta o

grupo que tem estado presente em mais da metade das atividades

desenvolvidas ao longo desse período. As crianças que estiveram

presentes a mais da metade das atividades desenvolvidas foram as

seguintes:

Nome - idade

2Sessões de visual ização

3Oficinas

e dinâmicas

4Idas ao cinema

1. Carlos Alber to - 12 07 05 05

2. Cyntia - 12 06 04 05

3. Samuel - 10 05 04 04

4. Yago - 12 07 05 05

5. Richard - 08 05 06 04

6. Ruan - 13 05 04 04

7. Keila - 09 04 04 04

8. Welington - 13 08 06 05

9. Carlos Fabiano - 9 06 04 05

10. Alan - 12 05 05 04

11. Taíssa - 11 04 04 03

12. Jonatan - 08 06 05 04

13. Maiara - 13 08 05 05

14. Carol - 08 07 06 04

15. Erick - 09 06 05 03

16. Renan - 08 05 04 03

17. Marcela - 10 05 04 04

18. Luis Fel ipe - 09 06 04 04

19. Daniel - 08 06 05 03

20. Lucas - 10 04 04 03

21. João Pedro - 09 07 05 04

22. Romário - 12 04 04 03

23. Jéferson - 13 05 05 03

24. Gabriel - 10 07 06 04

1 Apesar desta etapa do estudo estar em fase de conclusão, o trabalho de campo com as crianças deve continuar até agosto de 2008. 2 N º de sessões de visualização: 08 sessões 3 N º de oficinas e dinâmicas: 07 4 N º de idas ao cinema: 05

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Nos últimos dez meses estive, quinzenalmente, em contato

com essas crianças, na maioria das vezes com a parceria de outros

integrantes do GRUPEM na execução das atividades propostas, nas

idas a sala de cinema, nas sessões de visualização realizadas na

biblioteca, incluindo exibições de filmes e conversas posteriores

sobre o que foi visualizado, assim como nas dinâmicas que

intercalavam essas diferentes formas de contato com as narrativas

audiovisuais.

Sabendo dos riscos implícitos em descrições desse tipo,

procurarei apresentar, daqui por diante, o conjunto de situações

vivenciadas no trabalho de campo e, posteriormente, reflexões sobre

a natureza desse trabalho e sobre os achados que foram emergindo

dele. A apresentação da empiria coletada está organizada em três

grandes blocos relativos às sessões de visualização ocorridas na

biblioteca do hospital, as idas ao cinema e as oficinas e dinâmicas

realizadas entre as sessões de visualização e as idas ao cinema.

Impactados com a afirmação feita pela psicóloga que

trabalhava com aquele grupo no início da pesquisa, dando conta de

que as crianças não entendiam o que viam nas exibições feitas na

própria biblioteca de Curupaiti porque nunca tinham ido ao cinema,

o GRUPEM organizou a primeira ida ao cinema, para que

pudéssemos melhor considerar essa hipótese. Naquela ocasião

fretamos um micro-ônibus e uma van para que um grupo numeroso,

em torno de trinta crianças, pudesse ir ao Cine Santa Teresa, cujo

responsável havia-se disposto a fazer uma exibição gratuita, para

elas, de um filme infantil . Ficou a cargo da assistente social que os

acompanhava definir o que seria exibido naquela ocasião. A nós

caberia apenas a observação daquelas crianças no ambiente da sala

escura e devidamente sonorizada.

O filme exibido chamava-se O amigo invisível (BRA, Maria Letícia,

2005). Trata-se de uma ficção, ambientada no Brasil dos anos

cinqüenta, que toma como pano de fundo o quadro político

turbulento daquele período e conta a vida de uma menina de oito

anos que imagina ter um amigo que só ela pode ver. Essa amizade é

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vista com estranheza pela família. Com seu amadurecimento, ela

fica sabendo que o amigo só existe em seu pensamento.

Considerando-se as expectativas, minhas e dos demais

integrantes do GRUPEM ali presentes, a exibição constituiu-se

numa grande ‘fracasso’.

Crianças corriam por toda a sala, brigando, gritando, atirando

pipoca umas nas outras, entre outras coisas. Tudo isso intercalado

por breves momentos de atenção ou concentração diante do filme

exibido que, muitas das vezes, atingia a quase totalidade do grupo.

Essa experiência, ainda que negativamente avaliada pelos

integrantes do GRUPEM, se constituiu como uma lembrança

recorrente das crianças, mencionada por elas sempre que convidadas

a falar dos filmes que assistiram no decorrer da pesquisa.

A partir daí, decidimos escolher nós mesmos os filmes que

seriam exibidos para elas durante o trabalho de campo, adotando

como critério para a seleção a diversidade de nacionalidades,

línguas e culturas. Também a possibilidade de pôr aquelas crianças

em contato com produções que, de alguma forma, se distanciassem

do “padrão Disney” de produções audiovisuais parecia ser algo

significativo. Isso porque, no início de minha pesquisa, estávamos

todos convencidos de que o contato com uma filmografia

diversificada implicaria um melhor entendimento das possíveis

mediações estabelecidas pelas crianças, a partir do contato com o

cinema, nos processos de significação com o que estava à sua volta.

As idas ao cinema eram intercaladas com sessões de

visualização ocorridas na própria biblioteca do Hospital; também

era lá que aconteciam as oficinas e atividades que nos permitiam

melhor compreender o impacto que as sessões de cinema

eventualmente poderiam ter provocado. Em algumas dessas sessões

estão destacadas situações, diálogos ou falas que considero de maior

significado. Conforme se iam sucedendo as sessões de visualização,

as idas ao cinema e as oficinas na biblioteca do hospital,

percebemos a recorrência de alguns padrões de comportamento.

Quando fazíamos exibições no espaço da biblioteca, assim que

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surgia a tela azul na parede, as crianças quase sempre iniciavam a

brincadeira com sombras. Em algumas ocasiões, antes da exibição,

mostramos fotos digitais que fizemos delas [fotografias tiradas em

nossos encontros e idas ao cinema, além do cotidiano da biblioteca]

ou algumas das videogravações de atividades realizadas

anteriormente. Nessas ocasiões, quando apareciam as primeiras

imagens a interação com a tela era imediata. Quando surgiam

imagens, em close, de crianças trocando dentição havia um frenesi

entre elas. As crianças identificavam os locais em que estiveram

com facilidade, apesar da pouca luz em algumas fotos.

No início da exibição há quase sempre uma agitação entre

elas que, logo nas primeiras imagens, dá lugar ao ‘clima de

exibição’. Algumas crianças parecem acompanhar a trilha sonora em

momentos de maior suspense, inventando palavras e sons.

3.2 As sessões de visualização

24.08.2006 Viagem de Chihiro - (Japão. Hayao Miyazaki 2001)

Perdidos em uma viagem de mudança, Chihiro e seus pais acabam descobrindo uma misteriosa passagem que os leva até um mundo mágico. É lá que a jovem Chihiro precisará enfrentar uma jornada heróica para salvar seus pais, que foram transformados em porcos. Vencedor do Oscar de Melhor Fi lme de Animação.

O primeiro filme exibido para as crianças na própria

biblioteca, com o auxílio de um projetor multimídia, foi Viagem de

Chihiro . Antes da projeção foram exibidas imagens da ida das

crianças ao cinema e delas na biblioteca do Hospital. Inicialmente,

o ato de reconhecer a si e aos demais na tela grande pareceu

capturar amplamente as atenções. À medida que as imagens se

repetem, as crianças passam a brincar com as sombras que se

formam na parede. Isso as mobiliza intensamente e será uma

constante ao longo da maioria das sessões de visualização ocorridas

na biblioteca do Hospital.

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Pouco depois, tem início a exibição do filme programado e a

concentração das crianças é grande. Algumas especulam sobre o

sistema ótico que torna possível a projeção. Fazem isso olhando

para trás e apontando para o ponto luminoso de origem. Eu estava

sentado entre elas, buscando ouvir e observar o que diziam e

faziam.

- Todos são fantasmas. . . - Menos ela. [Por ocasião da cena em que Chihiro foge dos fantasmas e é alcançada pelo herói]

Após 20 minutos de exibição, é possível ouvir alguns ruídos,

mas, logo em seguida, a audiência concentra-se novamente na

projeção.

Um olhar interrogativo, curioso, parece expresso nos olhares

trocados entre as crianças que assistem ao filme5. Passados pouco

mais de 30 minutos, a concentração oscila novamente, com um ou

outro comentário em voz alta sobre acontecimentos do filme sem

comprometer a exibição.

Minha presença no meio das crianças é motivo de curiosidade.

Quando um garoto(a) olha para trás pode ser acompanhado por

outras crianças nesse movimento. Quando sou eu quem o faço,

imediatamente as crianças que estão à minha volta viram-se para

trás. Decorridos sessenta minutos do início da sessão, a audiência

tem níveis ótimos. Quando alcança a marca dos noventa minutos, os

ruídos são em maior intensidade, mas sem comprometer a exibição.

Uma criança me pergunta se pode ir ao banheiro e eu respondo que

sim.

5 A biblioteca do Hospital de Dermatologia é um espaço amplo, de cerca de quase 20 metros qusdrados, com janelas de esquadria de alumínio e vidro, cobertas com cartolina preta. A projeção é feita na parde dos fundos da sala, com cerca de cinco metros quadrados. A entrada da sala é guardada por uma porta de ferro, parecida com um portão, com grades, pela qual passa muita luz; por essa razão a equipe que atende as crianças colocou em frente desse portão de ferro, do lado de dentro da sala, uma espécie de cortina, preta, para tornar a sala mais escura para a exibição de filmes. As crianças sentam-se em cadeiras escolares, de madeira, bastante desconfortáveis para se permanecer por duas horas, tempo que, em geral, dura a exibição dos filmes. Ainda assim, permanecem quietas, silenciosas, concentradas, olhos e ouvidos integralmente voltados para a projeção na maior parte do tempo.

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Viagem de Chihiro tem, aproximadamente, cento e vinte minutos de

duração, muito tempo para as condições de acomodação em que nos

encontrávamos. Mas elas permanecem ali, quietas e atentas a cada

novo acontecimento do filme. Aos cento e cinco minutos uma

criança que está à minha frente diz:

- Acaba, acaba!

Um grupo de seis crianças sai da sala para retornar logo em

seguida. É perceptível uma certa agitação que se traduz em

movimentação pela sala. Há conversas entre as crianças. Ainda

assim sem prejuízo na exibição, que segue sendo acompanhada pela

maioria. Nesse contexto ouvi o seguinte comentário:

- Eu vi vocês dois lá! [Referência a seqüência de fotos exibidas antes do início da sessão]

Decorridos cento e dez minutos do início da exibição a

totalidade dos que iniciaram a sessão continua na sala, num estado

de vigília que contraria totalmente minhas expectativas iniciais.

Novamente, posso ouvir falas sobre o que se passa na tela:

- Ela vai acertar [cena em que Chihiro é desafiada a identif icar seus pais entre dezenas de porcos. Chihiro acerta e alguns se entreolham, como que confirmando suas hipóteses]

Estamos nos instantes finais e a audiência parece curiosa

quanto ao final do filme. Quando dos primeiros créditos ouvem-se

palmas ‘ralas’. É a ‘hora da pipoca’, prática que sinaliza o fim de

cada sessão na biblioteca do Hospital. Formam-se grupos que,

enquanto comem, conversam. Quando perguntados se gostaram do

filme ouve-se um coro:

- Muito bom, muito bom, muito bom! - Alguém conhecia? [Rosana, psicóloga da insti tuição] - Eu conhecia! [uma criança responde que sim] Agora todas as crianças comem pipoca e bebem refrigerante. Logo em seguida se dispersam e vão embora.

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26.10.2006 Série Juro que vi O Curupira (BRA. Humberto Avelar, 2003) O Boto (BRA. Humberto Avelar, 2005) Iara (BRA. Sergio Glenes, 2005) Produção - MULTIRIO (Empresa de Mult imeios da Prefeitura do Rio de Janeiro). Lendas brasi leiras recontadas sob a ót ica das cr ianças, no formato de animação e f inal izadas em película. Ambos os curtas vêm sendo destacados com importantes prêmios nacionais e internacionais.

Foti 2 – Sessão de visualização

Ao final das exibições, a equipe de pesquisa propôs atividades

que pudessem ajudar a identificar a percepção que as crianças

tiveram do filme e o modo como lidam com o conteúdo do mesmo.

Estas atividades consistiam, basicamente, em desenhar as partes do

filme que a criança mais gostou. Eventualmente, elas colocavam

alguma legenda sob os desenhos, mas na maioria das vezes elas

apenas desenhavam.

Nessa ocasião foi possível perceber que a maioria daquelas crianças

tinha um domínio muito elementar em termos de escrita e leitura.

Poucas conseguiam escrever alguma coisa sob seus desenhos, ainda

assim o faziam com poucas palavras. Ao perceber isso abandonamos

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logo de início a estratégia do registro escrito, optando

eventualmente pelo desenho.

23.11.2006 Couro de gato (BRA. Joaquim Pedro de Andrade, 1960) Episódio do longa-metragem Cinco Vezes Favela (1963). Às vésperas do carnaval, garotos de uma favela roubam gatos para fabricantes de tamborins. Exercício de realismo lírico, síntese de ficção e documentário, o filme narra o amor de um menino por um angorá e seu dilema ao ter que vender o bichano. Foi considerado pelo Festival de Clermont-Ferrand, na França, como um dos cem melhores curtas dos últimos tempos e recebeu o Prêmio de Qualidade da Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica do Rio de Janeiro (CAIC).

23.11.2006 Bilú e João (BRA/ITA. Kátia Lund, 2005) O curta-metragem é parte do filme Crianças Invisíveis. O curta acompanha duas crianças pobres em São Paulo, na sua busca por alguns reais para comprar tijolos. Pedir ou roubar não é dado como possibilidade, e isso introduz as crianças em uma complexa circulação pela cidade e também em uma cadeia de produção e trocas econômicas. O filme se passa em um dia e uma noite sem levar a nenhum lugar especial e sem nenhum grande evento.

Após reunião do GRUPEM, decidiu-se pela exibição de dois

filmes com temáticas semelhantes, no caso crianças pobres das

periferias brasileiras.

A idéia inicial era perceber se a exibição de filmes

produzidos a partir de um contexto social aparentemente familiar ao

daquelas crianças produziria algum impacto ou associação especial

com o que era cotidianamente vivenciado por elas. Optou-se, então,

pela exibição de “Couro de gato” e “Bilú e João” Durante a exibição

de “Bilú e João” o nível de concentração é quase absoluto.

Praticamente não se vê desvio nos olhares sempre atentos diante da

trama.

A certa altura, duas crianças simulam os mesmos movimentos do

protagonista que se diverte numa máquina de videogame. As duas

crianças simulam jogar o mesmo jogo, fingindo pilotar o carro de

fórmula 1 que aparece na tela. Quando “Couro de gato” é exibido, a

primeira reação das crianças é acompanhar com as mãos a marcação

do som de um pandeiro que abre a trilha sonora do filme. Ao

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contrário do que ocorre durante a exibição de “Bilú e João” há um

certo grau de dispersão, mas sem comprometer a sessão.

Durante a exibição desses dois filmes, algumas cenas parecem

capturar a atenção das crianças de forma mais intensa. Isso se

traduz num absoluto silêncio durante essas cenas. Numa delas, as

crianças expressam repulsa diante da cena em que uma das crianças

come frutas retiradas do lixão (“Couro de gato”). Outra cena que

captura a audiência é a que mostra uma perseguição generalizada em

“Couro de gato”.

07.12.2006 A Velha a Fiar (BRA. Humberto Mauro, 1964) Filme ilustra de forma bem humorada a tradicional canção popular sobre o ciclo da vida.

Essa sessão de visualização teve pouca participação das

crianças. A todo momento elas se levantavam e saíam do espaço de

exibição. Enquanto o filme era exibido muitas delas conversavam

entre si .

Ao final da exibição havia poucas crianças sentadas

assistindo, a maioria delas estava na sala ao lado desenhando e

brincando. Durante as sessões eu estava sempre posicionado

próximo à elas, visando registrar alguma coisa que me parecesse

significativa. Nesse dia praticamente nada foi dito sobre o que se

viu. Num certo sentido, era como se ‘nada tivesse acontecido ali’.

Após a exibição foi possível registrar o seguinte diálogo entre duas

delas:

- Alguém já viu esse f i lme? - Eu vi - E você viu aonde? - Eu vi na TVE

09.05.07 As Bicicletas de Belleville (FRA/CAN/BEL. Sylvain Chomet, 2003 É a história de um garotinho triste chamado Champion que é adotado por sua avó, Madame Souza. Ela descobre por acaso que o menino tem um grande interesse por bicicletas, e lhe dá uma de presente. Tudo vai bem, e com o passar dos anos, Madame submeta o neto a um treinamento rigoroso, até o dia

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em que Champion se torna um grande ciclista, a ponto de participar da competição Tour de France. Mas durante a corrida, o rapaz e outros ciclistas são seqüestrados por dois misteriosos homens de preto.

Nesse caso, a possibilidade de mostrar um filme que, em seu

formato e temática, distanciava-se bastante do “padrão Disney” foi

o que determinou a escolha. Trata-se de um filme com diálogos e

planos seqüências bastante longos, com os quais a maioria das

crianças não estava acostumada. Curiosamente e contrariando as

expectativas do GRUPEM a recepção a esse filme foi bastante boa,

embora não tenha produzido registros significativos após sua

exibição. Novamente, a impressão de que ‘nada acontecera’ parecia

dar a tônica entre as crianças. Elas mantiveram-se sentadas e atentas

a tela, mas ao final da exibição diziam não ter nada a comentar

sobre o que acabavam de ver.

16.05.07 Príncipes e Princesas (FRA. Michel Ocelot,1999) Neste filme, Ocelot opta por uma série de pequenos contos, fábulas mesmo. Utiliza-se da construção visual do teatro de sombras, na qual os personagens e cenários são apenas delineados por uma luz que vem de trás. Cada cena se passa numa época completamente diferente - desde o Egito antigo até o futuro. Em nenhuma delas há a lição de moral fácil, ou a divisão entre bons e maus.

Essa exibição surge a partir de discussões no GRUPEM sobre

a recorrência das brincadeiras com sombras que as crianças levavam

a termo antes do início ou após o término das exibições ocorridas na

biblioteca. Levantou-se, então, a hipótese de que, após assistirem a

um filme baseado em técnicas de animação com sombras, as

crianças demonstrariam interesse em conhecer melhor essa técnica.

A essa altura da pesquisa discutíamos, também, sobre o papel

jogado pelo conhecimento técnico nos processos de significação dos

filmes que viam. Importava, naquele momento, a hipótese de que

conhecer um pouco mais sobre como se produz um filme implicaria

uma forma qualitativamente distinta de produzir significado diante

do que tinha sido visto até então.

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04.07.07 A chave mágica (EUA. Frank Oz, 1995) Entre os diversos presentes que um garoto ganha ao fazer 9 anos estavam dois sem muita importância: um pequeno armário e um índio de plástico. Mas quando uma antiga chave é usada para fechar o armário o índio ganha vida, provocando situações inimagináveis.

Assim que a exibição começa, algumas crianças afirmam já

ter visto o filme em questão. São rapidamente advertidas pelas

demais para que não contém o filme para aquelas que ainda não

assistiram.

Com cerca de 55 minutos de exibição, o áudio de dois personagens

que dialogam entre si sai por caixas de som (canais) diferentes e

isso é percebido pelas crianças que, por mais de uma vez voltaram-

se para trás como se procurassem a origem dos áudios dos diferentes

personagens.

À medida que o tempo vai passando, é possível perceber que a

concentração vai diminuindo, sendo retomada nos instantes finais

que mobilizam a maioria das crianças. Ao final, as crianças

aplaudem o filme. Antes do início da projeção, o técnico

responsável pelos equipamentos (César) resolve ensinar a um

pequeno grupo como funciona a montagem dos equipamentos de

áudio e vídeo. Aproximo-me deles e passo a registrar os diálogos

que se seguem:

César – Que cor é essa aqui?[referindo-se ao cabo de áudio] Crianças – vermelho! César – Então, vai sair daqui e entrar al i . (referindo-se as entradas de áudio e suas respectivas cores de identif icação) César – Amarelo é vídeo, vermelho é áudio. Vídeo é que cor? Crianças - Amarelo! César – Isso garotos!

César continua passando noções básicas enquanto conclui a

montagem e o grupo, de aproximadamente dez crianças, parece

bastante interessado no que acontece.

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3.3 Vamos ao cinema!

24.09.06 Alosha (RUS. Konstantin Bronzit, 2004) Alosha é um aspirante a herói, grandalhão e desajeitado. Quando seu vilarejo é ameaçado por bárbaros, ele vê a chance de finalmente ser admirado. Mas seu plano fracassa. Agora cabe a Alosha recuperar o ouro da cidade e a própria honra, com a ajuda de seu burrinho de estimação, seu velho tio, sua noiva, a avó dela e de um cavalo falante.

Após a “desastrosa” primeira sessão de cinema, a equipe

organizou novas idas a salas de exibição. O primeiro filme dessa

nova etapa foi o longa de animação intitulado “Alosha”.

Esta exibição era parte da programação do Festival do Rio 2006,

que tem sessões específicas para o público infantil . Cerca de trinta

crianças foram ao Estação Botafogo, em dois microônibus fretados

pelo GRUPEM, para este fim.

Foram acompanhadas por membros da equipe de pesquisa e do

Hospital. Ao contrário da primeira sessão, que havia sido

organizada exclusivamente para elas, esta era uma sessão destinada

a um conjunto grande de crianças, de diferentes escolas da cidade,

na qual o filme foi dublado ao vivo, ou seja, os dubladores estavam

presentes na sala de exibição e podiam ser vistos todo o tempo pelos

expectadores. Enquanto esperavam na fila de entrada algumas

crianças demonstraram muito interesse pelos cartazes expostos nas

paredes da entrada do cinema.

Antes do início da sessão, monitores explicaram à platéia a

técnica de dublagem ao vivo, fizeram referências ao enredo do filme

que seria exibido e informaram que, antes do filme principal,

assistiriam a um curta-metragem. Uma criança da platéia pergunta o

que vinha a ser um curta e recebe a informação devida. Nossas

crianças estiveram bastante atentas, todo o tempo, às explicações.

No início da exibição, dividiram a atenção entre a tela e os

dubladores, posicionados no fundo da sala, mas, em poucos

minutos, a dublagem foi incorporada como elemento da exibição e

os olhares que se dirigiam ao fundo da sala tornam-se escassos. Ao

final, avaliaram positivamente o filme.

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14.03.2007 Happy Feet – O pingüim (EUA. George Miller, 2006) Um jovem pinguim canta muito mal, o que é um desastre para a comunidade em que vive. Ele sabe sapatear muito bem, mas isto não é considerado importante.

A chegada ao Downtwon (conjunto de salas multiplex

localizado na Barra da Tijuca) é cercada de um certo alvoroço. As

crianças demonstram interesse por tudo que cerca o espaço. A

audiência de hoje é composta basicamente por meninos.

Trata-se de uma sessão fechada, exclusiva para o nosso grupo. Logo

que chegam à sala de exibição, é possível ouvir o seguinte

comentário:

- Pô, maior telão! Diante de um dos trai lers que antecedem a sessão uma das crianças comenta: - Esse f i lme é o que eu queria ver, que eu vi na TV!

Assim que o filme se inicia, as crianças acompanham a trilha

sonora com palmas. Logo a seguir, uma criança explica como

funciona o mecanismo de exibição a outra criança:

- Ta vindo dali (apontando para o alto onde se vê um facho de luz) e tá indo para lá (apontando para a tela)

Numa das cenas do filme, ao se dar conta que um dos

pingüins está falando uma língua que não é o português[espanhol],

ouço a seguinte frase de um das crianças:

]

- Pingüins estrangeiros!

A essa altura, algumas crianças vão ao banheiro, sempre aos

grupos, com muita empolgação, a ponto de rivalizar com o interesse

pelo filme. É como se o banheiro fosse uma “atração à parte”.

Nos instantes finais do filme, diante da cena em que vários

helicópteros surgem diante dos pingüins ouço a seguinte frase:

- Isso é desenho misturado com realidade.

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30.05.07 Deu a louca na chapeuzinho (EUA. George Miller, 2006) A tranqüilidade da vida na floresta é quebrada pelo roubo de receitas. Os suspeitos: nada menos do que a Chapeuzinho Vermelho, o Lobo-Mau e a Vovozinha. Com cada um contando uma história diferente. Quem estará falando a verdade? Quem será o Bandido Guloso? A animação faz uma paródia do conto da Chapeuzinho Vermelho.

No trajeto de ida para o cinema, me impressiona o

conhecimento que parte das crianças detinham sobre carros e motos

de luxo. Ao longo do trajeto, eles vão apontando e descrevendo com

riqueza de detalhes as concessionárias e os modelos de grandes

marcas (BMW, Volvo, Crysler)

Quando nos aproximamos das torres que formam um complexo

conhecido como Athaydeville, registro o seguinte diálogo entre dois

garotos:

- Esses prédios são esquisi tos. . . - Parece aquela torre que tem na I tál ia - Torre de Pisa - É, Torre de Pisa

Agora, já estamos todos dentro da sala de exibição. Logo após

o início da sessão, diante da primeira cena em que a protagonista

(Chapeuzinho) aparece, ouço o seguinte comentário:

- É a docinho? [referência a uma das personagens do desenho animado Super Poderosas].

Um dos meninos (Lucas) fotografou diversas cenas ao longo

do filme e, na saída, admirou-se com o display de propaganda de um

outro filme a ponto de também fotografá-lo.

Ao final da exibição, houve palmas e comentários do tipo:

- Poxa, bonzão o fi lme!

Comparativamente à vez anterior, houve uma maior

concentração das crianças durante a exibição. Mesmo assim, foram

freqüentes as conversas e diálogos entre eles. O banheiro do cinema

continua “rivalizando” com o filme exibido.

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20.06.07 O ano em que meus pais saíram de férias (BRA. Cao Hambúrguer, 2006) Mauro, um garoto de 12 anos apaixonado pelos jogos da seleção brasi leira de futebol, vai morar na casa de seu avô, no bairro de Bom Retiro, em São Paulo, depois que seus pais são presos pela di tadura mil i tar.

Foto 3 – Ida ao cinema

Logo no início do filme, diante da cena em que a mãe do

protagonista espera, fumando, pelo pai do menino, ouço o seguinte

comentário em tom de ironia:

- Olha a mãe puxando um baseado! (Alan)

É possível perceber que algumas crianças se esforçam para ler

as legendas que indicam os lugares por onde o filme se desenvolve

(ex: Belo Horizonte, São Paulo)

Numa das cenas do filme, surge a palavra de ordem “abaixo a

ditadura”. Logo as crianças começam a repetir de forma alternada:

-Ditadura! Dentadura! Ditadura! Dentadura!

Nos momentos em que o filme reforça o sotaque judeu, as

crianças se esforçam por tentar imitá-lo. Diante da cena em que o

judeu que acolhe o menino diz que vai viajar e o menino pergunta

pra onde, ouço a seguinte frase:

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-Vai pra Israel!

Diante da cena em que o protagonista dança freneticamente ao

som de Roberto Carlos, algumas crianças acompanham a música e

reconhecem a voz de Roberto Carlos. Mais adiante, na cena em que

a polícia, numa batida, invade o bairro da Liberdade, ouço os

seguintes comentários:

- São os comunistas! - É o pai dele! - Acho que vão matar o Shom! [judeu que cuida do protagonista ao longo do fi lme]

Agora, o filme se aproxima de seu término. A final da Copa

do Mundo de 1970 é o pano de fundo dos acontecimentos que se

seguem. Diante de um gol marcado por Pelé, no jogo final contra a

Itália, ouço o seguinte diálogo:

- Até os judeus torcem pro Brasi l! [Alan] - Judeu é o quê? Logo a seguir surgem imagens aéreas do Estádio Azteca, no México. Segue-se o seguinte diálogo. - Maracanã! - Maluco, isso aí é no México! [Alan]

Ao final da exibição, as crianças batem palmas. Algumas

delas se detêm nos créditos, com destaque para Alan, que identifica

a direção de Cao Hamburger.

03.08.07 Jogada decisiva (BELG. Jan Verheyen 2005) Jogada Decisiva mostra o garoto Gilles como um talentoso e apaixonado jogador de futebol. Seu pai, Bert, é seu maior fã e treinador. Bert sonha em transformar seu filho num grande craque, como Garrincha, seu ídolo, e ver o menino jogando no maior estádio da Bélgica, com a camisa dos Red Devils, seu time favorito. Mas algo inesperado acontece e Gilles tem que decidir sozinho o seu destino, fazendo escolhas e aprendendo que a vida é um jogo em que às vezes você ganha, quando perde

Por mais de uma vez, as crianças anteciparam o desfecho de

uma determinada cena. O banheiro do cinema continua sendo uma

atração à parte, porém com menor intensidade. Entre os exemplos de

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antecipação ou interação com as cenas do filme destaco as

seguintes:

Numa das cenas o menino que protagoniza o filme escreveu

no calendário, em belga, a palavra teste. As primeiras letras da

palavra coincidiam com a escrita em português. Então, um dos

meninos se antecipa e diz:

- Teste, ele está marcando o dia do teste[de futebol]

Quando o protagonista leva a foto de seu pai para a avó de um

colega de time tentar “contato” com o pai é possível ouvir:

- Macumba, ela é macumbeira!

Ao final do filme as crianças aplaudiram de pé. Uma das

meninas presentes me diz na saída do cinema:

- Foi o melhor f i lme que eu já assist i na minha vida!

3.4 “Me conta sobre os filmes?” Entre oficinas e dinâmicas

Na maioria das vezes, as crianças chegavam aos poucos, umas

dirigiam-se à copa anexa a sala onde acontecem as atividades para

beber refresco ou água, outras ficavam brincando de correr pela

sala, algumas lendo gibis, jogando dama ou brincando com um ou

outro jogo de tabuleiro.

As menores circulavam entre as maiores observando o que faziam.

Rosana [a psicóloga] costumava ficar circulando entre os diversos

grupos, arbitrando questões e dúvidas das crianças, perguntando

sobre os pais e sobre a escola6. Algumas crianças optavam por não

brincar nos grupos, correndo, pulando e agitando o ambiente.

Começávamos nossas atividades em geral às 14 horas, quando a

maior parte das crianças já estava presente.

6 Essa psicóloga, que desenvolvia um excelente trabalho junto às crianças, foi removida de suas funções quando houve alterações nos postos de direção do Hospital Curupaiti por ocasião do novo Governo do Estado que se estabeleceu a partir de janeiro de 2007. Em função disso, não foi mais possível contar com o apoio dessa psicóloga nas atividades que desenvolvemos com as crianças.

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OFICINA “MUSEU DE IMAGENS” 31.08.2006 e 21.09.06

Uma de nossas primeiras atividades com as crianças consistiu

em fazer circular pela biblioteca uma caixa decorada com imagens

relacionadas ao cinema e à televisão, no interior da qual havia

perguntas relativas a filmes infantis, seriados e desenhos animados.

Cada criança retirava uma pergunta que era lida, devendo ser

respondida em seguida.

À medida que as perguntas iam surgindo, aquelas relacionadas

aos seriados e desenhos animados eram rapidamente respondidas.

Não raro, uma criança se antecipava àquela que deveria responder a

pergunta sorteada. Nessa ocasião, tudo estava sendo gravado em

vídeo e, apesar de anteriormente combinado com as crianças sobre a

necessidade de que cada um falasse de uma vez, tal combinado foi

solenemente ignorado e o que se ouvia era o somatório de muitas

vozes, inviabilizando qualquer entendimento do que estava

registrado em vídeo. Ao ouvir a pergunta sobre uma determinada

produção audiovisual, uma das crianças grita:

- Rebelde!

Outras crianças respondem o mesmo. Surgem respostas tais

como Scoobydoo e Malhação. A equipe do GRUPEM argumenta com

as crianças sobre a pouca variedade das respostas para uma mesma

pergunta. Porém, várias continuam dando as mesmas respostas, ao

mesmo tempo. Após uma rodada de perguntas e respostas, já não é

possível registrar ou produzir muita coisa. As crianças entram num

ritmo que se ‘descola’ da dinâmica pretendida para aquela

atividade. A equipe insiste com as crianças sobre a necessidade de

se organizar as falas. Explicamos que tudo está sendo videogravado

e que não era possível compreender o que se falava na gravação

quando todos falavam ao mesmo tempo. Há, por parte das crianças,

um vivo interesse em participar da atividade proposta, mas parece

haver um desconhecimento generalizado quanto à lógica que preside

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os registros audiovisuais. A excitação delas atinge níveis até então

desconhecidos por nós, o que nos faz mudar um pouco a condução

da atividade. Um outro integrante do GRUPEM assume a condução e

obtém algum sucesso, no início. A seguir recomeça o clima de

balbúrdia e decidimos encerrar a atividade.

Passamos a direcionar as perguntas individualmente e não

mais para todo o grupo, mas isso não produziu mudança

significativa no quadro anterior. Tentamos uma outra abordagem:

dessa vez lançamos mão do formato expositivo, com um “clima de

sala de aula”, pretendendo estimular e organizar as possíveis

respostas. Dessa forma, obtivemos algum sucesso, porém

igualmente momentâneo. Em seguida, a nosso pedido, as crianças

começaram a relatar lembranças de filmes que haviam visto e

conseguimos novamente alguma organização, o que também durou

muito pouco. A partir daí, a psicóloga da instituição assumiu a

direção da atividade e tentou convencer as crianças a participarem

de forma um pouco mais organizada, enquanto os integrantes do

GRUPEM dividiram-se na orientação das tarefas proposta às

crianças de registrar por escrito as lembranças de filmes: o que mais

gostaram, do que se lembravam, o que poderiam contar, etc.

Neste momento, fomos alertados pela psicóloga de que a

maioria não estava alfabetizada, embora boa parte delas tivesse dez

anos ou mais. Propusemos então que o registro fosse feito através

de desenhos. Divididos em pequenos grupos, com o intuito de

desenhar cenas dos filmes que haviam visto, as crianças acabaram

por formar um ‘arquipélago’ onde, inicialmente, reinava a mais

absoluta confusão.

Por fim, envolveram-se com a atividade e executaram o que

foi combinado. Elas desenhavam e, às vezes, o desenho vinha

acompanhado de algum registro escrito. Enquanto isso, cerca de dez

crianças abandonaram, definitivamente, a atividade proposta e

passaram a brincar do lado de fora da biblioteca e também a correr

por entre as crianças que optaram por executar a tarefa ou,

simplesmente, foram embora. Já próximo do horário de

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encerramento [16h], ainda havia três grupos de crianças

desenhando. Era hora do lanche que finaliza o dia. Uma menina teve

que abandonar seu desenho diante da insistência da mãe que

precisava ir embora. Enquanto isso, outra criança usava o sistema

de avaliação adotado pela rede de ensino municipal do Rio

atribuindo o conceito “B” ao filme cuja cena estava desenhando.

Isso confundiu a psicóloga Rosana. Andréa, auxiliar da psicóloga,

encarregada da manutenção e organização do espaço da biblioteca,

informa:

- É 7,5 ou 8,0

No encontro seguinte, optamos por dividir o grupo em dois,

evitando, assim, o ‘tumulto’ do último encontro. As crianças foram

convidadas a montar um museu de imagens de filmes que guardavam

na memória, isto é, a colocar em desenhos cenas de filmes que

viram e das quais, por alguma razão, ainda se lembravam.

Duas crianças desenharam a mesma cena e, quando

perguntadas se haviam visto o mesmo filme, afirmaram que

“assistiram juntos”. Elas pareceram apreciar a atividade e a troca de

opiniões e dicas, enquanto produziam seus registros, era intensa.

Poucos fizeram da atividade uma tarefa individual, a maioria pediu

ajuda para colocar textos nas ilustrações e a escrita da maioria delas

revelava um precário domínio da linguagem escrita.

No início da atividade, explicamos às crianças que os

desenhos deveriam ser colados em cartolinas coloridas. Elas

pareceram apreciar muito a montagem dessa espécie de cartaz com

os desenhos das cenas dos filmes que lembravam, pareciam ter

gostado do resultado do trabalho, pois olhavam curiosas para seus

cartazes.

Um dos meninos fez o texto para seus filmes usando letras

tipo BOLD. É ele quem coloca os textos nos desenhos de outro

menino. João chama seus desenhos de grafite e diz ter desenhado

um videoclipe de música funk. Há movimento nesse desenho.

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Lucas, 10 anos, me chama para mostrar seus desenhos e comenta as

cenas registradas nos desenhos:

- Esse aqui é quando o Harry Porter enfrenta a cobra gigante! - Esse aqui é quando ele está numa sala e uma máscara de pregos se fecha na cara dele e ele morre! - Esse aqui [Quarteto Fantástico], é quando o f i lme acaba! - Esse aqui [As branquelas], é quando eles chegam no hotel .

A essa altura, já é possível perceber o mosaico que se forma a

partir dos diversos desenhos colados nas cartolinas e expostos no

chão. A atividade está chegando ao fim, pois são quase 16h. Mais

uma vez, o menino Lucas me interpela para que eu veja suas

produções. Seus desenhos apresentam boas relações de proporção e

simetria. A possibilidade de contemplar o conjunto de produções

realizadas não mobilizou a atenção da maioria das crianças.

26.10.2006

Dessa vez, o GRUPEM propõe a atividade do dia, que

consiste em escolher o curta-metragem de sua preferência e

desenhar uma cena no papel. Essa atividade desenvolveu-se em

função da exibição da série “Juro que vi”, constituída de um

conjunto de curta-metragens cujo tema central é o folclore das

regiões brasileiras. Após a exibição dos curta-metragens de

animação da série Juro que vi, foi proposto às crianças que

desenhassem uma história que pudesse parecer absurda, mas que,

cada um, “Jurava que viu”. Muitas crianças resistem inicialmente a

participar da atividade, alegando não conhecerem nenhuma história

desse tipo; aos poucos, a maioria acaba participando. Um dos

meninos dividiu a folha de papel em quadros e desenhou uma

história na qual o pai aparecia sentado em uma poltrona vendo tevê

quando uma cobra entra na casa e se aloja sob a poltrona. Ele salta

de susto, mas enfrenta a cobra e a mata.

Em um dos quadrinhos, no meio da história, ele desenha a cobra,

enorme, sozinha. Ao ser questionada se ela era de fato tão grande,

respondeu:

- Não t ia, é que aqui ela está vista bem de perto!”

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Quando perguntados sobre o nome da série que reunia os

vários curtas assistidos, somente uma criança [Alan] acertou.

23.11.2006

Após a exibição, na biblioteca do Hospital, de “Couro de

gato” e “Bilú e João”, foi proposto às crianças que produzissem

registros sobre os filmes exibidos, procurando destacar as

semelhanças e diferenças, por elas percebidas, entre os dois filmes.

Motivadas a responder sobre o que tratavam os filmes elas

produziram os seguintes registros em folhas de papel:

- Duas crianças catando papelão! - Tinha um gato no fi lme! - Tinha um homem! GRUPEM - E o que é que ele fazia? - Era pobre! - O menino roubou o gato da moça! GRUPEM - O menino era ladrão?

Diante dessa pergunta há hesitação em responder e a pergunta

“morre”. Agora, seis crianças estão confeccionando desenhos

relativos aos filmes. A maioria deles retratava “João e Bilú” na cena

em que ambos são apanhados por um temporal nas ruas de SP.

Enquanto isso, na sala ao lado, algumas crianças brincam com a

filmadora. Orientados sobre as funções básicas e o modo de

operação desse equipamento por membros do GRUPEM, eles passam

a entrevistar outras crianças sobre os filmes exibidos hoje. Há forte

resistência das outras crianças em dar respostas. Cíntia (doze anos)

é quem maneja a câmera e sugere a seguinte pergunta à Marcela

(nove anos) que faz o papel de repórter:

- Pergunta por que eles vendiam papelão[referência ao f i lme João e Bilú]

Nenhuma das crianças quis responder a essa e a outras

perguntas, um dos meninos presentes (Lucas) chega a ensaiar uma

resposta, mas desiste logo em seguida.

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OFICINA DE ANIMAÇÃO COM SOMBRAS 23.05.07

Essa oficina decorre da exibição de “Príncipes e princesas”. A

idéia de produzir imagens em movimento a partir de sombras

projetadas na parede surge do recorrente movimento de brincar com

sombras diante da tela azul que surgia na parede no momento em

que o projetor era ligado. Explicamos como funcionava o

encadeamento das sombras que seriam fotografadas para formar uma

imagem em movimento a partir das mesmas. A maioria das crianças

assimilou razoavelmente bem a lógica de encadeamento dos

personagens, considerando-se que se tratava de uma experiência

inédita para todos os que ali estavam.

Com o auxílio dos adultos presentes as crianças desenharam e

recortaram seus personagens. Em seguida foram orientadas por mim

e por outros integrantes do GRUPEM sobre a importância de fixar

as posições a cada fotografia tirada. Houve grande dificuldade na

execução dessa etapa, já que as crianças geralmente colocavam o

seu personagem em lugares distintos a pesar de minha insistência

sobre isso.

Foto 4 – Oficina de animação com sombras

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OFICINA DE ANIMAÇÃO COM MASSA DE MODELAR 06.06.2007

Também aqui, a oficina surge após as crianças assistirem

a curta-metragens que faziam uso da técnica de animação conhecida

por STOP_MOTION. Essa técnica consiste em fotografar os

movimentos dos personagens modelados em massa para em seguida

simular a impressão do movimento. A oficina pretendia apresentar-

lhes os elementos básicos dessa técnica.

Nossa hipótese era a de que, ao aproximarmos as crianças

de uma das técnicas de animação utilizadas pelo cinema, isso as

motivaria a conhecer melhor a linguagem em questão.

Essa oficina contou com grande participação das crianças, todas, ou

quase todas, interessadas em compreender aquele processo. Mesmo

na etapa mais “árdua” do processo, em que era preciso movimentar

com cuidado e paciência cada um dos personagens que compunham

a cena fotografada, uma parte considerável das crianças continuou

acompanhando e participando ativamente.

Figura 5 – Oficina de animação com massa de modelar

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4 Análise Dos Dados

Neste capítulo, pretendo aprofundar as análises com base nos

dados fornecidos pela empiria. O foco principal dessas análises

estará voltado para a descrição do que foi ouvido e observado, no

decorrer das entrevistas e oficinas realizadas com a crianças. Para

um melhor entendimento dos possíveis significados contidos no

conjunto da empiria disponível até aqui, passaremos a operar cm os

conceitos norteadores definidos anteriormente.

4.1 As experiências do ver

No início desta pesquisa, tínhamos uma hipótese inicial,

formulada pela psicóloga que desenvolvia atividades educativas

com as crianças no Hospital, de que elas teriam dificuldades para

compreender os filmes exibidos na biblioteca, provavelmente pelo

fato de a maioria absoluta delas nunca ter estado em uma sala de

cinema. Por outro lado, não se tratava de um desconhecimento da

filmografia infanto-juvenl produzida em grande escala pelos

estúdios “Disney”, “Pixar”, “Dream World”, entre outros. No

contato direto com as crianças, logo percebemos que, apesar de não

freqüentarem salas de exibição, o acesso delas a filmes é

extremamente amplo — quantitativamente, vale dizer — inclusive a

tí tulos produzidos para o público adulto. Por meio de aparelhos de

DVD e o acesso quase irrestrito a cópias, na maioria das vezes não

autorizadas, elas têm acesso a um grande volume de títulos e, não

raro, acompanham o ritmo dos lançamentos em grande circuito.

Restava-nos, então, a refutação da referida hipótese, à qual fomos

associando outras, construídas nas discussões que ocorriam no

grupo de pesquisa, de modo a configurar algum entendimento da

relação estabelecida por aquelas crianças com os filmes.

Supúnhamos que a visualização de filmes infantis de

qualidade, em salas de cinema apropriadas e também na biblioteca

do Hospital, produziria um impacto significativo nas experiências

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de ver e de significar o que viam dessas crianças, quando

comparado aos resultados obtidos até então. Assim, acreditávamos

que os filmes a serem exibidos para elas deveriam garantir uma

diferenciação significativa, em termos de linguagem e estrutura

narrativa, em relação ao que a maioria delas estava acostumada a

assistir — “padrão Disney de animação” e filmes de ação, comédia e

terror realizados em Hollywood. Nossa hipótese era a de que a

diversidade estética e narrativa poderia provocar impacto no padrão

de gosto das crianças e, provavelmente, influenciaria as escolhas

futuras do que seria visto.

Com o desenrolar da pesquisa, as sucessivas idas ao cinema,

as exibições em tela grande na biblioteca do Hospital, além das

oficinas e conversas com elas, trouxeram para nós uma empiria ao

mesmo tempo decepcionante e desafiadora.

Decepcionante na medida em que pôs abaixo nossa hipótese

inicial: não identificamos, no trabalho de campo, nada com força

suficiente para sugerir diferenças substantivas em termos de modos

de recepção, significação ou padrões de gosto das crianças a partir

do contato com filmes de padrões diferentes daqueles com os quais

elas estavam familiarizadas. Houve, sem dúvida, um certo

encantamento com as instalações do cinema, um certo alvoroço pelo

ineditismo das sessões exclusivas e pelos deslocamentos que eram

feitos em vans e micro-ônibus, também exclusivos. Porém, para

além disso, quase nada indicava que os filmes escolhidos e os locais

adequados de exibição haviam produzido um impacto diferenciado.

As oficinas que sucederam as exibições só reforçavam essa

impressão: os relatos das crianças sobre essas experiências seguiam

um padrão de respostas quase idêntico aos que havíamos obtido

quando conversamos com elas sobre os filmes que costumavam ver

em casa, com raríssimas exceções.

O mesmo acontecia quando analisávamos os desenhos e registros

escritos que elas, eventualmente, produziam sobre o que haviam

visto.

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Quando cotejamos as lembranças dos filmes que haviam visto

em casa com as impressões sobre o que haviam visto conosco

recentemente, nos pareceu que, para elas, não havia diferença

significativa entre o que elas já conheciam e o que haviam acabado

de conhecer. O que poderia ser atribuído a uma inibição inicial das

crianças conosco não se confirmou, pois, mesmo depois que elas se

familiarizavam conosco, mantinham respostas e registros

semelhantes diante do que lhes era exibido.

Enfim, nossa hipótese não se confirmara diante da empiria de

que dispúnhamos o que para mim, em particular, adquiriu tons

dramáticos. Como seria possível construir uma dissertação se o

material que eu tinha em mãos contestava a hipótese inicial de

trabalho? O que eu deveria colocar no lugar?

Até aqui, falamos do que havia de decepcionante na empiria

que emergiu do campo. Tratemos agora do que me pareceu

desafiador nela.

Ao mesmo tempo em que eu me decepcionava com o que tinha

em mãos, as discussões no GRUPEM começavam a apontar outras

possibilidades. Abandonar a hipótese inicial descrita em meu

projeto deixava de ser um problema e passava a ser uma solução.

Isso porque comecei a perceber que outra hipótese ganhava força a

partir da análise dos dados de que eu dispunha.

As categorias de análise que iam tomando forma reforçavam

uma suspeita que já se apresentara antes sem, no entanto, ter sido

devidamente analisada: estamos falando do atravessamento das

experiências de ver televisão nos modos de ver e de entender filmes,

da forte e constante presença da televisão e da relação com a

linguagem televisiva nos relatos e registros das crianças sobre

filmes e sobre cinema.

Referindo-se ao alcance da televisão nos dias atuais Roger

Silvertone (1994) afirma que:

“la televisión se ha insertado en las complejas culturas de nuestra propia domesticidad. Ya no podemos concebir la televisión si no es como un componente necesario de esa domesticidad, y tampoco podemos

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concebir nuestra domesticidad sin ver, tanto en el aparato mismo como en la pantalla, un reflejo y una expresión de esa vida doméstica.(pág.51).

É a partir da idéia da televisão como ‘componente necesario

de esa domesticidad’ que Silverstone nos convida a pensar a

televisão como sendo capaz de alterar a textura das experiências

cotidianamente vividas por todos nós. No caso específico dessa

pesquisa, a alteração da textura das experiências de visualização e

significação fílmicas.

Os eventos destacados anteriormente — algumas das idas ao

cinema, as sessões de visualização na biblioteca e as oficinas —

passaram a receber, a partir de então, um enfoque que pretendeu

entender as experiências de ver filmes como eventos atravessados,

em diversos aspectos, pelas experiências de ver televisão. O que

aparentemente parecia indicar apenas balbúrdia e indiferença,

intercaladas por alguns momentos de concentração, nas vezes em

que as crianças foram ao cinema, ganhou novos contornos a partir

do momento em que fizemos uso de aportes teóricos relativos às

experiências de ver televisão. Valério

Fuenzalida (2002), ao falar sobre a qualidade da atenção dos

‘televidentes’, afirma que:

“por mucho tiempo se ha vulgarizado la idea de que la televisión hipnotizaría a los televidentes, lo cual significa que los mantendría en un estado de atención concentrada e estática. Pero estuúdios con nuevas técnicas de observación muestran varios t ipos e atención a la TV(. . . )Así , la audiencia otorga a los televisores encendidos en el hogar una atención variable, que puede ser concentrada hacia algunos pocos programas, de monitoreo intermitente al televisor.” (pág.52).

De fato, em praticamente todas as idas ao cinema e sessões de

visualização, eu podia perceber essa característica que Fuenzalida

atribuía ao que ele denomina como “televidentes”. Também aqui

havia uma espécie de “atención variable” que se concentrava não

em alguns poucos programas, mas em trechos, em seqüências

específicas do que estava sendo exibido.

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Ao eleger os atravessamentos produzidos pela televisão como

especialmente significativos para as experiências de ver e de

significar filmes, não pretendi desconsiderar as condições objetivas

de existência social em que se inscrevem as crianças acompanhadas

neste estudo. Se, por um lado, a empiria nos sugere que os modos de

ver e de significar filmes são atravessados pelos modos de ver e

significar a televisão e que, talvez em função disso, as fontes

audiovisuais mais presentes nos relatos das crianças nos remetam a

uma produção originária essencialmente da televisão, por outro

lado, sabemos, também, que os gostos e preferências – e isso inclui

também o gostar ou não desta ou daquela produção televisiva ou

cinematográfica — guardam estreita relação com as diferentes

posições ocupadas pelos sujeitos no espaço social. A esse respeito,

é Pierre Bourdieu(1994) quem nos diz que:

“a correspondência que se observa entre o espaço das posições

sociais e o espaço dos est i los de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem habitus substituíveis que engendram, por sua vez, segundo sua lógica específica, práticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular, mas sempre encerradas nos l imites inerentes às condições objet ivas das quais elas são o produto e às quais elas estão objetivamente adaptadas.” (pp.82-83).

Por essa razão, entendemos como necessário o levantamento

de dados relativos ao nível socioeconômico das crianças, dados

tabulados e apresentados anteriormente, objetivando uma melhor

compreensão das condições materiais objetivas em que se dá a

existência dessas crianças e a influência dessas mesmas condições

no modo como elas se relacionam com a produção audiovisual.

4.2 Diversidade X Mais do mesmo Durante o período da pesquisa, fizemos perguntas às crianças

sobre os filmes a que elas tinham assistido até aquele momento,

sobre quais haviam sido suas visualizações até então. Logo de

início, percebemos que, se por um lado havia uma quantidade

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significativa de filmes relatados, por outro, tratava-se de um

quantitativo de filmes que expressava basicamente o padrão

hegemônico dos grandes estúdios de cinema norte-americanos.

Também começava a chamar atenção o fato de que esses filmes eram

assistidos no suporte DVD e muitas das vezes se repetiam quando a

descrição referia-se ao que era visto na televisão. O que a descrição

e análise desses indícios poderiam nos mostrar de novo? Em que

isso nos ajudaria, diante dessa nova hipótese que construímos no

decorrer da pesquisa?

Quando analisamos as entrevistas em que as crianças falam

sobre o que viram antes de começarmos a exibir filmes e de levá-los

ao cinema, obtivemos respostas como as destacadas abaixo:

Winston - E depois disso, o que mais você começou a assist ir? Vai me falando o que você assist iu e gostou muito e que você lembra desde os onze anos. Carlos – Pânico na f loresta, Pânico 1, Pânico 2. Tem bastante f i lmes. Winston – E agora, o que é que você tem assist ido em dvd? Carlos – vários f i lmes. Winston - Então me diz alguns. Carlos – Blade, o caçador de vampiros, O últ imo samurai Jack Lee 3, tem muito f i lme. Winston - Qual foi o úl t imo[fi lme] que você viu em casa, no dvd? Carlos – “Blade, o caçador de vampiro” Winston – E quais os f i lmes que você lembra que via na casa da sua prima? Maiara – Vi“Trezentos”, um montão Winston – o últ imoa que você assist iu em dvd, você lembra? Maiara – Shrek 3, Cavaleiro Fantasma, Motoqueiro fantasma, Cazuza, Piratas do Caribe, Homem aranha 3, Tropa de Elite Winston – E você Welington, o que é que você lembra de ter visto em casa, no dvd? Welington – vários f i lmes: Shrek, Homem aranha 2, Homem aranha. Vários f i lmes. Robôs, Espanta tubarão, Shrek 1, Shrek 2, Shrek 3. Um montão de f i lmes. A noiva cadáver, A viagem de Chiriro. Winston – Qual foi o úl timo que você viu em dvd, em casa? Welington – O mar não está pra peixe Winston – E você Alexandre, o que você viu? Alexandre – Shrek, High School Music, Jason.

Filmes de ação e aventura, de terror, muitos deles frutos do

“universo Disney”, é o que se pode observar em termos de gêneros

dramáticos. Diferentes entre si certamente, mas com uma lógica

discursiva que os aproximava a todos: o Bem versus o Mal; a

linearidade dos acontecimentos como padrão de narrativa; finais

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felizes ou, no mínimo, com uma lição moral edificante acerca do

que se deve ou não fazer, ser ou desejar. Outro ponto que destaco

refere-se ao fato de que a maioria desses filmes foi visto duas, às

vezes três vezes, pela mesma criança, seja na televisão ou através

de cópias piratas no formato DVD.

Até que ponto a saturação desses mesmos gêneros, representados

por filmes como os que as crianças relatam já ter assistido, pode

representar uma espécie de embotamento, de pasteurização do

processo de significação de filmes produzidos a partir de outras

linguagens e padrões estéticos? Não há respostas conclusivas a esse

respeito nessa pesquisa e esperamos que outros estudos possam-se

dedicar a questões dessa natureza.

Sabemos o quanto há de problemático na clássica análise

empreendida por M. Horkheimer e T. Adorno acerca da produção

cultural que se vê convertida e redutível a uma lógica estritamente

industrial . Autores como Martín-Barbero, G. Orozco, entre outros,

têm apontado os limites de análises sobre a produção cultural

baseadas nos constructos teóricos originários do que se

convencionou chamar de “Escola de Frankfurt”. Ainda assim, se

considerada como pista, como indício, parece-nos esclarecedora a

advertência feita por ambos, sobre as prováveis conseqüências desse

processo quando estes afirmam que:

“A cultura contemporânea à tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e semanários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos entre si . As manifestações estét icas, mesmo a dos antagonismos polít icos, celebram da mesma forma o elogio do ri tmo do aço.” (pág. 7) 4.3 Lembranças de filmes e de televisão

Numa das oficinas realizadas, apresentamos fotografias de

diversos filmes, seriados e programas de TV. Chamamos a atividade

de “jogo da Memória”. O objetivo era identificar mais

especificamente que filmes as crianças tinham visto e que

lembranças tinham deles, além de buscar elementos para pensar o

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que faz com que um filme passe a integrar “o museu de imagens

fílmicas” que os espectadores, crianças e adultos, trazem consigo.

Num dado momento, exibimos a fotografia de um longa

metragem da Disney intitulado “Lillo & Stitch”. A essa altura, os

atravessamentos que a experiência delas com a televisão produzia

na relação que elas estabeleciam com os filmes ganhavam uma

importância definitiva para essa pesquisa. Quando um dos meninos

identificou, na foto, de que filme se tratava e disse ter assistido

“pela Net”, imediatamente passei a perguntar a todos os que

estavam ali que programas costumavam ver na televisão.

Nessa oportunidade colhi respostas que indicavam que o que

eles viam era, basicamente, a mesma programação no que diz

respeito a filmes (infantis e para adultos) e a animações (desenhos

animados para a tevê e/ou longas metragens feitos para o cinema).

A lista dos filmes mencionados pelas crianças como tendo

sido vistos por elas inclui, entre outros Chuckie, o boneco asssassino

(EUA, John Lafia, 1990), as duas edições de O demolidor, as várias edições de

Jogos mortais, American Pie, Velozes e furiosos, Duro de matar e O

exterminador do futuro, Tropa de Elite (BR, José Padilha, 2007).

As fotos contendo cenas exibidas pelo GRUPEM e identificadas pelas crianças

como referentes a filmes que elas já haviam visto1 incluíam filmes como A Era do

Gelo 1 e 2 (EUA, Chris Wedge e Carlos Saldanha, 2002 e 2006), O homem

aranha 1 e 2 (EUA, Sam Raimi, 2002, 2004), O exterminador do futuro (EUA,

James Cameron, 1984, 1991, 2003), Harry Potter e a câmara secreta (EUA,

Chris Columbus, 2002), Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (EUA, Alfonso

Cuaron, 2004), American Pie (EUA, Paul Weitz, James Rogers, Jesse Dylan,

1999, 2001, 2003) Homens de Preto 1 e 2 (EUA, Barry Sonnenfeld, 1997, 2002),

Velozes e Furiosos (EUA, Rob Cohen, 2001), + Velozes + Furiosos (EUA, John

Singleton, 2003), Piratas do Caribe - A maldição do Pérola Negra (EUA, Gore

Verbinski, 2003), Matrix e Matrix Reload (EUA, Andy Wachowski e Larry

Wachowski, 1999, 2003), Batman - O Retorno (EUA, Tim Burton, 1992), Tropa

1 Para termos certeza de que o filme havia sido visto, pedíamos a elas que relatassem a cena da foto e que contassem um pouco mais do filme, de preferência narrando também o final.

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de Elite (BRA, José Padilha, 2007), Carros (EUA, John Lasseter, 2006), Duro de

Matar 1 e 2 (EUA, John McTiernan, 1995, 1997), King Kong (EUA, Peter

Jackson, 2005), O Demolidor (EUA, Marco Brambilla, 1993), Demolidor – O

Homem Sem Medo (EUA, Mark Steven Johnson, 2003), Hulk (EUA, Ang Lee,

2003), X-Men – o Filme (EUA, Bryan Singer, 2000), Shrek 1, 2 e 3 (EUA,

Andrew Adamson, Vicky Jenson; Kelly Asbury e Conrad Vernon; Chris Miller,

2001, 2004, 2007), Quarteto Fantástico (EUA, Tim Story, 2005), Quarteto

Fantástico e o Surfista Prateado (EUA, Tim Story, 2007), Os Incríveis (EUA,

Brad Bird, 2004), Jogos mortais 1 e 2 (EUA, James Wan, 2004), Monstros S.A

(EUA, Pete Docter e David Silverman, 2001), Lilo & Stitch (EUA, Dean Deblois

e Chris Sanders, 2002).

Diante dos dados relativos ao que as crianças viam entre

filmes e desenhos — não importando se o suporte é um aparelho de

DVD ou um televisor — parece indicar que a maioria esmagadora,

talvez a totalidade, das experiências audiovisuais daquelas crianças

que participavam do estudo compartilhava não apenas um repertório

muito semelhante de produções audiovisuais, com estruturas

narrativas muito parecidas.

Quando perguntadas acerca das fontes de visualização que

proporcionavam o seu acesso às produções audiovisuais por elas

relatadas percebemos, na maioria das vezes, a predominância dos

mesmos canais de tevê, mesmos títulos em DVD, adquiridos em

camelôs e/ou videolocadoras. Os relatos que apresentamos a seguir

nos permitem afirmar que, quase sempre, essas crianças acessam as

mesmas fontes que, por sua vez, veiculam produções portadoras de

linguagem e estrutura narrativas no mínimo semelhantes.

Rosália – Você viu na TV aberta? [Mais velozes e mais furiosos] Cíntia – Não, na Record Menina – Eu tenho o DVD [do fi lme "Trezentos"]. Winston – Como é o nome desse f i lme? Meninos(as) – Didi quer ser criança Rosália – esses vocês viram aonde, na tv no dvd ou no cinema?["Didi quer ser criança"] Meninos(as) – Na televisão. Rosália – mas esse f i lme também não é pra criança.["American pie"] Carol – mas passou na tv. Winston – Você já t inha visto esses f i lmes na televisão e viu de novo no dvd ou viu, pela primeira vez, no dvd?

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Carlos – Já t inha visto na televisão o Pânico 1 e o Pânico 2 Winston – A noiva cadáver, você já t inha visto ou já t inha ouvido falar? Carlos - Já t inha visto. Winston – Onde? Carlos – Lá em casa.

Isso foi o que me levou a definir ‘Mais do mesmo’ como

uma possibilidade de descrição da relação dessas crianças com

produtos audiovisuais. Pode-se dizer que a produção a que elas têm

acesso, seja ela realizada para tevê ou para cinema, segue um

padrão narrativo mais ou menos recorrente: temática simples,

montagem linear, personagens padronizados e pouco complexos,

conflitos mais ou menos superficiais que acabam bem resolvidos, no

final da trama. Em sua maioria, produções altamente comerciais,

realizadas nos Estados Unidos, destinadas ao grande público.

4.4 Diversidade na produção: a questão da qualidade

O que as entrevistas e videogravações feitas com as crianças

nos permitem perceber até aqui é que o consumo de produtos

audiovisuais se dá, fundamentalmente, através da televisão e das

cópias de filmes em DVD’s. Tal consumo parece refém de um

reduzido número de matrizes estéticas e fontes audiovisuais.

E o que se pode afirmar sobre essas fontes audiovisuais? No

que diz respeito à quantidade, as videolocadoras brasileiras

recebem, anualmente, algo em torno de quinhentas mil cópias de

filmes produzidos pela indústria hollywoodiana. Se considerarmos

que no Brasil, segundo dados do IBGE, 70% dos municípios com

mais de 10 mil habitantes possui locadora de vídeo, não é preciso

muito esforço para dimensionar o nível de capilaridade alcançado

por essas produções. Quando agregamos a essa análise a

indisfarçável presença da indústria de cópias não autorizadas

presença que vem mostrando, inclusive, ser capaz de se antecipar às

datas de lançamento previstas pelos grandes estúdios temos, em boa

medida, um efeito multiplicador ainda a ser melhor conhecido e

analisado quando comparado ao alcance já obtido pelo circuito

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oficial das locadoras.

Os canais de TV aberta, fonte de acesso à produção

audiovisual, presente de forma hegemônica nos relatos das crianças,

exibem, sistematicamente, filmes premiados pela academia de

cinema americano, “campeões de bilheteria”, “os (supostos)

melhores filmes de todos os tempos”, além de um grande número de

produções de segundo nível (os chamados telefilmes: filmes de

baixa qualidade e de baixo custo, feitos para televisão) que são,

obrigatoriamente, incluídos no pacote de compras anuais das

emissoras. Dessa forma, complementam e reforçam a lógica de

distribuição dos assim chamados blockbusters .

Em vários momentos das entrevistas feitas com as crianças,

me pareceu clara a existência de uma espécie de “circuito fechado”

por onde produções cinematográficas com as características acima

descritas são frequentemente veiculadas. A seguir apresento alguns

diálogos acerca desse tema:

Menina – Eu tenho o DVD [do filme “Trezentos”]

Winston - Como é o nome desse filme [foto com cena do filme Didi quer ser criança]

Meninos(as) - Didi quer ser criança

Rosália – Esse vocês viram aonde, na TV, no DVD ou no cinema?

Meninos(as) – Na televisão

Diante de uma foto de cena do filme American Pie, quase todos afirmaram te-lo visto.

Rosália –Mas esse filme não é para criança!

Carol – Mas passou na TV!

[Fotos de cena da série Pânico]

Winston – Você já t inha visto esses f i lmes na televisão e viu de novo no

dvd ou viu, pela primeira vez, no dvd?

Carlos – Já t inha visto na televisão o Pânico 1 e o Pânico 2

[A noiva cadáver], identif icado por Carlos

Winston – E você já t inha visto ou já t inha ouvido falar?

Carlos - Já t inha visto.

Winston – Onde?

Carlos – Lá em casa.

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Isso se repetiu com a maioria dos filmes mencionados. Até

que ponto é possível afirmar, com base na força desse “circuito

fechado”, que a indiferenciação que se verifica nas estruturas

narrativas e padrões estéticos dos filmes em geral se estenderia

também às fontes a partir das quais as crianças tomam conhecimento

desses mesmos filmes?

Diante do exposto, vale citar, como contraponto ao que se

verifica na fala das crianças, que as pesquisas que discutem

critérios de avaliação de qualidade relativos à produção audiovisual

têm como um dos poucos elementos de consenso a idéia de que não

há qualidade sem diversidade.

Segundo Giuseppe Richeri e Maria Cristina Lasagni (2006), autores

de um estudo que apresenta um extenso panorama do debate

internacional sobre qualidade televisiva, o consenso em torno da

diversidade como critério fundamental para avaliação do que a tevê

veicula deve-se ao fato de ser menos subjetivo em face de outros e

de facultar medidas empíricas mais ou menos objetivas:

“Es possible medir con cierta precisión la diversidad de la programación de un canal (vertical) o la complejidad del sistema televisivo (horizontal) a través de una serie de indicadores empíricos; por ejemplo, las horas dedicadas a cada uno de los tipos de programa; los recursos económicos y professionales destinados a las diversas sesiones; el tiempo y el espacio dedicados a grupos sociales, étnicos o generacionales diversos, etc.” (Richeri & Lasagni, 2006:21). A análise das entrevistas e das videogravações considera o

contexto de acesso e consumo material dessas crianças. Diante

disso, recorremos a alguns indicadores de consumo das famílias das

crianças que participaram da pesquisa. O que verificamos foi um

acesso bastante restrito a uma produção cultural diversificada e a

existência de um padrão de consumo cultural baixo, na maioria dos

casos, sobretudo no que diz respeito a salas de cinema, teatro,

museus e bibliotecas. Essas famílias têm acesso, basicamente, à

tevê, ao rádio e a cópias de filmes em DVD adquiridas através de

vendedores ambulantes.

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Durante a aplicação dos questionários, percorri as casas e verifiquei

a existência de alguns filmes, em DVD ou VHS. Algumas crianças

mencionaram, nas entrevistas, quem, no contexto familiar ou em seu

convívio mais próximo, costuma facilitar o acesso a esses filmes:

Winston – E esses dvd´s, quem costuma escolher? Você mesmo, seus irmãos, é todo mundo junto, como é que é? Carlos – Meu pai. Winston - Mas escolhe perguntando à vocês ou ele traz e pronto? Carlos – Ele traz. Winston – Maiara, onde é que você consegue esses dvd´s? Maiara – é a minha t ia que compra. Winston – E ela é quem decide o que ela compra ou você pede? Maiara – ela compra pra ela e a minha mãe pede emprestado e vê. Winston – E esses dvd´s que você vê em casa, quem é que leva? Welington – Meu pai. Winston – É ele quem escolhe ou você pede pra ele trazer? Welington – Alguns ele escolhe, outros eu peço pra ele trazer. Outros minha mãe compra ou fala pra ele comprar.

Nesses casos, a lógica predominante é a que venho

chamando de “Mais do mesmo” . Evidentemente, não podemos

considerar de todo negativa a existência desses filmes nas casas

visitadas. Fazer isso seria interditar o acesso que essas crianças têm

a uma já reduzida diversidade de fontes e produções audiovisuais. O

que pretendemos aqui é destacar as condições objetivas em que

essas crianças experimentam o consumo audiovisual, as

possibilidades reais de mediação e significação de filmes levando-se

em conta a diversidade das fontes audiovisuais e das respectivas

produções que estas veiculam.

Cabe supor, então, que os padrões de gosto dessas crianças,

suas preferências, a diferenciação ou indiferenciação quanto ao que

vêem devem estar sendo influenciadas por esse acesso mais ou

menos irrestrito a uma produção regida, basicamente, pelos mesmos

pressupostos, ainda que possa haver (e certamente há!) alguma

diferenciação interna entre os produtos.

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4.5 História audiovisual

Na perspectiva de compor uma história audiovisual dessas

crianças, ou seja, de fazer um levantamento cronológico do contato

delas com a produção audiovisual, perguntamos a elas o que

lembravam de ter visto em seus primeiros contatos com a tevê e com

aparelhos de vídeo (VHS) e de DVD. O mesmo padrão de produções

televisivas e cinematográficas dava a tônica dos relatos, com

alguma ênfase nos longa-metragens de animação da Disney, já que

se tratavam de filmes vistos quando eram mais novos. Além disso, o

que elas vêm assistindo desde pequenas está circunscrito, quase que

exclusivamente, ao que é veiculado nos canais abertos de TV.

Em alguns poucos casos, detectou-se a presença de canais infantis

da TV por assinatura, além das produções comercializadas em

bancas de jornais e/ou ambulantes.

Há, certamente, uma lógica de complementaridade entre o

que a televisão exibe e o que é lançado no mercado de DVDs, de tal

forma que, ao termo e ao cabo, essas crianças assistissem, salvo

raras exceções, aos mesmos produtos, contidos nos mesmos pacotes

num volume avassalador. Mesmo quando fazem referência a algo

distinto dos filmes o que se tem, na maioria das vezes, são desenhos

animados (quase sempre estrangeiros – a maioria realizada nos

EUA) e telenovelas, cujos padroes e estrutura narrativa variam

muito pouco, no tempo e entre emissoras, como se pode perceber no

trecho de uma das entrevistas, transcrito abaixo, na qual algumas

crianças falam de suas primeiras visualizações:

Winston – O que é que você lembra de mais antigo que você começou a ver na televisão? Carlos – Desenho Winston – Mas você lembra de algum? Carlos –Popeye, Pica-pau, Tom and Jerry. Winston – Esses são os mais antigos de que você lembra? Carlos – Chaves e Pernalonga. Winston – A partir de que idade você começou a ver esses desenhos? Carlos – Cinco anos, seis anos Winston – E fi lme? Carlos - A lagoa azul.

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Winston – Quando você começou a assist ir f i lmes em dvd, com que idade? Carlos – onze anos Winston – E você lembra qual foi o primeiro f i lme que você assist iu em dvd? Carlos – “O exorcista” Winston – Maiara, quais são as lembranças mais antigas que você tem da televisão? Maiara – eu lembro de um montão de coisas: novela, f i lme, desenho. Winston – Desenho, o que é que você lembra de mais antigo? Maiara – Tom and Jerry, Pica-pau, Chaves Winston – o que você lembra de f i lmes quando você era pequena? Maiara – eu não lembro não. O mais velho que eu já vi é “Lagoa azul” Winston – A lagoa azul vocês viram na Sessão da tarde? Grupo - Foi. Winston – Alexandre, lembra quantos anos você t inha quando viu A lagoa Azul, na Sessão da tarde? Maiara – nove anos. Winston – Welington o que é que você lembra de mais antigo que você via na televisão? Welington – Novela e desenho. Winston – Me diz algumas novelas que você lembra. Welington – O beijo do Vampiro. Winston – E desenho. O que é que você lembra dessa época? Welington – Corrida maluca, Pegue o pombo. Winston – E fi lme? Que f i lme você lembra que assistiu bem pequeno na televisão? Welington – O corcunda de Notre Dame. Winston – Você t inha quantos anos nessa época? Welington – Uns nove. . sete Winston – E você lembra da primeira coisa que viu num aparelho de DVD? Welington – Tróia Winston – Alexandre Bruno, qual é a lembrança mais antiga que você tem da televisão. Você t inha quantos anos e o que você lembra? Alexandre – Dez. Novela e desenho. Winston – Quais desenhos e quais novelas você lembra? Alexandre – Beijo do Vampiro Winston – E f i lme na televisão? Quais são os mais antigos que você viu? Alexandre – Jason [Sexta-feira,13] Nas suas falas sobre o que viram e o que vêem, essas

crianças trouxeram os mesmos elementos: pouca ou nenhuma

experiência com uma produção audiovisual fora do padrão

comercial, quase nenhum contato com cinema brasileiro, exceto

alguns filmes dos Trapalhões - ainda assim poucos - e quase

nenhum contato com produções que reflitam alguma diversidade

(narrativa — outras formas de contar; geográfica e cultural —

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outras cinematografias, de outros países e culturas), exceto,

eventualmente, algum contato com a série “Juro que vi”, produzida

pela Multirio e exibida na escola em que estudam.

Não pretendo estabelecer uma correspondência determinista

entre os gostos e preferências audiovisuais dessas crianças e o tipo

de produção audiovisual a que elas tiveram e têm acesso

regularmente, a partir de uma mesma fonte de exibição, neste caso,

a televisão e o DVD. No entanto, os elementos fornecidos pela

empiria nos levam a supor que há uma relação estreita entre o

acesso a bens culturais e a formação do gosto nessas crianças. Gosto

este que, segundo Bourdieu, configura-se na família e no espaço

social, a partir dos estilos de vida e das possibilidades de acesso à

escola e a bens culturais socialmente legitimados. (BOURDIEU,

1994).

4.6 Produção social do gosto

Anteriormente, lançamos mão de uma argumentação teórica

que pressupõe a existência de relações correspondentes entre o

espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de vida, relações

que por sua vez exprimiriam de forma própria as condições

objetivas da existência material:

“em sistemas de preferências cujas oposições reproduzem, sob uma forma transfigurada e muitas vezes irreconhecível , as diferenças l igadas à posição na estrutura da distr ibuição dos instrumentos de apropriação, transmutadas, assim, em dist inções simbólicas. (Bourdieu, 1994: 83) Com base nessa assertiva e lançando mão da teoria como

hipótese (BRANDÃO, 2002), tomemos por válida para o conjunto de

nossa pesquisa a proposição acima. Da mesma forma, proponho

considerarmos como relevante a idéia de que os filme produzidos

pelos grandes estúdios, particularmente os realizados em

Hollywood, e identificados com gêneros tais como ação, aventura,

terror e comédia, são portadores de uma espécie de endereçamento,

definida em parte pela “posição na estrutura da distribuição dos

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instrumentos de apropriação”, de que nos fala Bourdieu. Se

considerarmos também que, em se tratando da exibição de filmes, a

dinâmica das emissoras de TV atua, em boa medida, como “correia

de transmissão” dos grandes estúdios estadunidenses, teremos uma

rede mais ou menos fechada de produção e distribuição, da qual

produções audiovisuais que expressam e priorizam a diversidade das

culturas estão, em geral, excluídas.

Isso, sem dúvida, pode levar à padronização do gosto, ainda que

seja pela dificuldade de acesso a outros modos de narrar.

Os relatos dos meninos do grupo (nesse dia não havia

meninas) acerca do que seria para eles um “filme bom” nos sugere,

segundo creio, pistas a serem seguidas na direção de uma discussão

acerca da configuração do gosto estético audiovisual:

Winston: Me digam uma coisa: se vocês (Juan, Wellington, Richard, Iago, Marcos, Fabiano, Carlos, Marcelinho), se vocês fossem fazer um fi lme.. . eu queria que me dissessem cinco coisas que vocês colocariam no fi lme, para ele ser bom. Pensando nos f i lmes de que vocês gostam, o que um fi lme tem que ter para ser bom? Juan, cinco coisas que você colocaria no seu fi lme pensando assim: Ah, eu vou fazer esse f i lme com essas cinco característ icas, com esses cinco pontos, porque eu acho que vai ficar um fi lme bom. O que você colocaria nesse fi lme? Juan: Ação e aventura. Winston: mais algum ingrediente? Well ington: Comédia. Winston:Wellington, o que entra no fi lme do Wellington? Well ington:Ação,comédia, mutação! Winston: E no seu f i lme Richard, quais os ingredientes que ele teria? Richard: Palavrão! Winston: Mas não dá pra fazer um fi lme só com palavrão. Até dá para fazer um fi lme com palavrão, mas só com palavrão não dá! O que mais ele teria para ser bom? Richard: Violência, t iro. Winston: Palavrão, violência e t iro? Richard: é!. Wellington: Ele está com a mente poluída! Winston: Marcos, o fi lme do Marcos o que teria? Marcos: Comédia. Winston: Iago, e seu f i lme? Iago: Comédia. [Nesse dia, Iago disse que não viu o f ilme Tropa de Eli te, foi o único do grupo a não ter visto o f i lme. Segundo ele, não viu porque não gosta de f i lme com violência. Disse que a irmã mais velha levou o DVD pirata para casa e ele começou a ver, mas desist iu porque era muito violento]

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Se, por um lado, os relatos dos meninos sobre os elementos

constitutivos de um “bom filme” parecem estar em conformidade

com uma produção social do gosto nos termos definidos por

Bourdieu, por outro lado isso não parece tão claro quando eles e

elas se põem a avaliar os filmes a partir de fotografias, exibidas por

nós, na biblioteca do Hospital. Nesse caso, as avaliações que as

crianças fazem a respeito dos filmes a que assistiram, e isso inclui

também os que lhes foram apresentados pela pesquisa, apontam uma

certa equivalência entre os filmes. Aqui, curiosamente, os sistemas

de preferências, supostamente associados às condições objetivas de

existência, parecem dar lugar a um conjunto de avaliações que,

tendencialmente, reflete uma espécie de “geléia geral”, ou seja,

fruto de uma avaliação indiferenciada da maioria absoluta dos

filmes: todos são bons, de certo modo, embora nem todos tenham as

características que eles definem como necessárias para que um filme

seja considerado bom.

Como elemento complicador dessa análise emergem, das falas

das crianças, os critérios que orientam essa avaliação

indiferenciada: maior ou menor quantidade de cenas de ação; o Bem

vencendo o Mal no final; finais felizes; maior ou menor capacidade

de fazer rir; maior ou menor incidência de cenas violentas. Estes

são, a meu ver, critérios aparentemente coerentes, levando-se em

conta a lógica de um gosto socialmente produzido. Então, porque

essa mesma lógica não se manifesta no processo de avaliação que as

crianças implementam quando identificam os filmes por intermédio

das fotografias? Não seria razoável supor que, no processo de

avaliação que as crianças realizam, os filmes melhor avaliados

fossem aqueles que, em sua estrutura narrativa, mais se

aproximassem do modelo de realização dos grandes estúdios de

Hollywood?

Ao invés disso, os relatos das crianças trazem a paradoxal idéia de

que elas constroem para si, de forma mais ou menos bem definida,

critérios de avaliação que uma vez mobilizados produzem uma

indiferenciação entre os filmes assistidos. Se tomarmos como

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referência as notas atribuídas à maioria dos filmes avaliados, a

impressão que fica é de que para as crianças eles se equivalem.

Winston – [Mais velozes e mais furiosos] Cíntia dá dez. Por que? Cíntia – Porque o fi lme é bom de ver, tem mais ação. Winston – [Os Dálmatas] Carol, que nota você dá para esse f i lme? Carol – Dez Winston – E o que é que tem nesse f i lme que fez você gostar tanto? Carol – É porque os f i lhotinhos pegam a Cruela, levam ela pra piscina e ela se afoga. Rosália – ["A Bela e a Fera"] Que nota que vocês dariam para esse f i lme? Meninos(as) – Dez! Rosália – ["Branca de neve"] E que nota vocês dão pra esse outro f i lme? Meninos(as) – Dez! Winston – ["A fantástica fábrica de chocolate"] E que nota você dá para esse fi lme? Taíssa – Dez! Winston – e o que nesse f i lme faz você gostar dele? Taíssa – O chocolate. Rosália – E qual é a nota que você dá para "O ano em que meus pais saíram de férias"? Carlos – 9,0 Rosália – por que? Carlos – porque tem uma parte que ele [o protagonista] fala que a mãe dele ia voltar junto com o pai e só volta a mãe. Ele conheceu um grupo de crianças. Esse grupo de crianças fazia muita coisa inadequada, f icava numa loja que mulher trocava de roupa. Tinha que pagar pra ver as mulheres trocando de roupa num buraquinho. Era muito triste! Rosália – o que era tr iste? Carlos - O fi lme!["O ano em que meus pais saíram de férias"] Rosália – [João e Bilú ' - Crianças invisíveis] Que nota você dá para esse fi lme Fabiano? Fabiano – Eu dou Dez! Carlos –Dez! Rosália – Por que? Carlos – Porque é muito tr is te esse f i lme Rosália – Mas você deu nove para o outro f i lme porque era tr iste e agora deu dez pra esse f i lme porque é tr iste? E agora? Carlos – agora vai f icar assim! Rosália – ["Deu a louca na chapeuzinho"] E qual seria a nota desse fi lme? Meninos(as) – Dez! Dez! Rosália – Também? Por que? Marcela – Porque é bom, é divert ido, é pra criança, tem ação, tem muita diversão pra gente! Rosália - [Happy feet , o pinguim] E esse, qual a nota? Wellington - 9,9. Rosália - Por que? Well ington - Porque eu perdi o fi lme, uma parte do fi lme! Rosália:- Que nota você da para o homem-aranha 3? Well ington:- 9 Rosália: - Por quê? Wellington: - Porque eu gostei da ação.

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Rosália: - Mas você deu 9! Wellington: - Tem bastante ação! Rosália:- Mas você deu 9,9 para o Happy Feet e agora deu 9 para o Homem Aranha? Por que isso? Wellington: - Porque o Happy Feet é melhor! Rosália: - E por que é melhor? Well ington:- Porque o Happy Feet é mais engraçado. Rosália: - O principal para você dar nota é ser engraçado? Well ington:- É, tem que ter graça, senão o f i lme não é completo.

No processo de análise desses dados, cheguei a considerar a

possibilidade de simplesmente abandoná-los, já que não conseguia

chegar a algum tipo de conclusão que parecesse razoável. A

releitura de alguns autores que compõem o corpo teórico dessa

pesquisa ajudou a pensar melhor o problema.

4.7 O consumo como expressão do gosto

Roger Silvertone, em seu estudo intitulado “Televisión y

vida cotidiana”, aborda as relações existentes entre televisão e

consumo. Ali, o autor se apropria da discussão que Bourdieu faz

sobre o gosto para sugerir que o consumo, como expressão do gosto,

confere ou nega status social aos sujeitos e aos grupos sociais na

razão direta em que esse mesmo consumo surge como expressão de

competência no trato da cultura contemporânea.

Recorrendo, uma vez mais, à teoria como hipótese (BRANDÃO,

2002), parece-me possível supor que a indiferenciação manifestada

pelas crianças neste estudo quanto à qualidade dos filmes que viram

e vêem possa estar ligada a uma estratégia, um tanto intuitiva, de

substituir quantidade por qualidade. Ou seja, ainda que tenham

critérios próprios de gosto, estes aparecem na fala delas como

irrelevantes diante da necessidade de ver muito, de ver tudo aquilo

que está para ser visto — lançamentos, produções objeto de grande

publicidade, produções de que a televisão e as outras crianças

falam. Nesse caso, a estratégia distintiva seria ver o maior volume

possível de filmes, não importando ou importando pouco as

distinções sociais que o consumo, como expressão do gosto,

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estabelece entre as classes sociais. É o que parece sugerir

Silvertone ao afirmar que:

“el consumo expresa el gusto y el gusto el est i lo de vida(. . . ) Por lo tanto, en la perspectiva de Bourdieu, el consumo es una cuestión de dist inción. Es una cuest ión de status, nuestra pretensión de status y nuestra negación de status a los otros. El consumo es una expresión de competencia, y de una competencia entre los códigos y las convenciones, los conocimientos, las apti tudes y las diferencias (reales e imaginadas) que conforman el mosaico de la cultura contemporánea(. . . ) Los objetos, las obras de arte, están todos marcados y ordenados en una matriz de diferencia claramente definida aunque em constante cambio y interacción. Esas diferencias no son esenciales sino que están definidas socialmente.( . . .) El valor de los objetos no es algo dado previamente ni es inherente a el los. El valor se les asgan por la práctica y por la práctica de um consumo informado. Todo consumo, aun el de los oprimidos, está informado: informado por las demandas y el s tatus, las necesidades y los deseos definidos socialmente de aquellos que consumen. Al consumir nos comunicamos. (Silverstone, 1994: 196-197) Dito de outra forma, talvez essas crianças tenham a

percepção de que em nossa sociedade o consumo de filmes é

socialmente valorizado, e que assistir , reconhecer e emitir juízos

sobre os filmes que vêem constitui-se em prática capaz de conferir

algum status , afirmando ou negando estilos de vida e expressando

competências no trato com produções culturais, no caso as de

caráter audiovisual. Mas é possível que não tenham ainda se dado

conta de que, perversamente, ver não é suficiente, pois a distinção

se estabelece também pelo que é visto. Diante da ‘exigência de ver’,

para sentirem-se integradas, talvez seja possível imaginar que as

crianças mobilizem seus esforços — materiais inclusive — na

direção de um consumo capaz de expressar um “padrão de gosto”,

dado, neste caso, pela quantidade de filmes vistos.

Não se trata, necessariamente, de um consumo que,

simplesmente, não leva em consideração as possíveis e prováveis

diferenças qualitativas existentes entre filmes tão distintos do ponto

de vista estético e narrativo. As crianças elegem critérios e fazem

uso deles conforme podemos verificar em seus relatos. Porém, o que

parece realmente estar em jogo quando essas crianças classificam de

forma mais ou menos indiferenciada os filmes a que assistem é

menos uma adjetivação e hierarquização do que se vê, do que o

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estabelecimento de algo próximo de um “ranking”, onde as

“primeiras colocações” são definidas pelo volume de produções

audiovisuais a que, de alguma forma, elas conseguiram ter acesso

em suas trajetórias audiovisuais.

Também podemos analisar essas pistas com base na

observação da freqüência das crianças aos encontros na biblioteca

do Hospital. Comparando os índices de freqüência nos dias em que

ocorreram as oficinas e videogravações com os dias em que

exibimos filmes, teremos na maioria absoluta das vezes, uma

freqüência maior em dias de exibição de filmes. Vale destacar que

as crianças ficavam sabendo, sempre com uma semana de

antecedência, o que aconteceria a cada semana em que estaríamos

presentes. Essa informação sugere que as freqüências diferenciadas

em função da programação do dia é algo mais que simples

coincidência.

Assim sendo, assistir aos filmes que o GRUPEM selecionou

com base em critérios onde a qualidade se expressa

fundamentalmente pela diversidade de estilos, de países de origem,

da participação em festivais de cinema, etc., não parece ter sido tão

significativo para essas crianças. Diante dessas evidências, parece

possível afirmar que as práticas avaliativas que essas crianças

empreendem guardam relações com a organização de uma economia

simbólica de natureza essencialmente tática. Aqui, tomamos de

empréstimo o conceito de tática dos praticantes, desenvolvido pelo

francês Michel de Certeau, para sustentar a hipótese de que diante

da percepção do valor social e simbólico presente nas práticas de

visualização de filmes, essas crianças adotam a prática do consumo

indiscriminado de produções audiovisuais.

Não tendo bem definida a percepção de que socialmente o

status que a visualização de filmes proporciona aos indivíduos é

dado não apenas pela quantidade de filmes assistidos, mas também

pelo tipo de filme que se assiste, essas crianças apostariam suas

“fichas” no consumo em escala industrial como fator de distinção

social.

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Tática aqui entendida nos termos formulados pelo francês Michel de

Certeau como sendo:

“um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que dist ingue o outro como totalidade visível . A tát ica só tem por lugar o d outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capital izar seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias(. . . ) [A tát ica] tem constantemente que jogar com osacontecimentos para o transformar em “ocasiões”. Sem cessar, o fraco deve t irar part ido de forças que lhe são estranhas(. . . ) Mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a “ocasião”. (Certeau, 1994: 46-47)

4.8 “Juro que vi” ou o papel da escola

Desde o início dessa pesquisa as informações a que tivemos

acesso relativas à vida escolar dessas crianças foram bastante

reduzidas. Sabemos que todas, exceto uma, estão matriculadas na

rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, a maioria absoluta

estuda na E.M. Noel Nutels, localizada nas proximidades de seus

locais de moradia.

Em nenhum momento, a escola fez parte de nosso foco

principal de estudo, o que não significa dizer que esse espaço de

socialização não seja importante. Simplesmente o espaço escolar, no

contexto dessa pesquisa, estava secundarizado pelo espaço da

biblioteca do Hospital Curupaiti , local em que se deu o nosso

primeiro contato com as crianças e também onde aconteceram todas

as atividades da pesquisa excetuando-se as idas ao cinema. Nas

entrevistas e videogravações a escola aparece na fala das crianças

duas únicas vezes:

Menino – Eu vi na escola umas três vezes! [Episódio “O Curupira” parte integrante da série Juro que vi] Winston – Quantos anos você t inha quando viu um aparelho de DVD pela primeira vez? Alexandre – Dez Winston – Foi em casa, na casa de parente ou amigo? Alexandre – Foi na escola.

Ainda que a escola não se constituísse em objeto de estudo

dessa pesquisa, a ausência de menções a ela como espaço de acesso

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a bens culturais diferentes daqueles a que as crianças costumam ter

acesso em casa ou com a família nos surpreendeu a todos.

Esperávamos que as crianças mencionassem ter ido com a escola ao

cinema, a um museu ou teatro ou mesmo ter assistido, na escola, a

produções distintas daquelas com as quais estão familiarizadas, mas

isso não se verificou.

Isso não impediu que colocássemos itens relativos à escola

nas questões direcionadas especificamente às crianças no

levantamento socioeconômico que fizemos.

Entendíamos que essa seria uma boa oportunidade para melhor

apreender o papel desempenhado pela instituição escolar no

processo de apropriação do conteúdo de filmes. Foram duas as

perguntas diretamente ligadas à escola e, para nossa surpresa, as

respostas contrariaram o senso comum, o discurso dos órgãos

oficiais e muitas das proposições que o mundo acadêmico faz sobre

esse assunto. Na percepção das crianças, a participação da escola é

pouco significativa no que diz respeito aos itens acima descritos,

como sugerem as respostas que seguem abaixo:

1Total de crianças entrevistadas: 22 Idas ao cinema

(2007)

Vê vídeos na

escola

nunca 22 4

raramente --- - 6

quase sempre - -- - 12

sempre --- - - - - -

Tabela 3

4.9 Recontando filmes

Até esse momento, falamos sobre o que as crianças

assistem, sobre a percepção que a pesquisa nos traz de uma

visualização onde a diversidade encontra-se secundarizada pela

quantidade de filmes elaborados a partir de uma mesma lógica

estética e narrativa. Trouxemos dados, acerca da avaliação feita por

elas, dos filmes a que assistem e dos critérios que são levados em

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conta nesse processo. Falamos, também, sobre o gosto que parecem

expressar, diante do que vêem, e do impacto da existência material

objetiva dessas crianças na construção desse mesmo gosto. De como

nos demos conta, ao longo da pesquisa, que os modos de ver e

significar filmes pareciam guardar relação com os modos de ver

televisão.

Não menos significativo para a pesquisa, pareceu-me o que

essas crianças contam sobre os filmes a que assistiram. Como

recontam o que viram.

Como elementos de sustentação teórica da análise das falas

das crianças, a esse respeito, fiz uso de dois conceitos formulados

pelo semiólogo canadense Martin Lefebvre (1997): o conceito “ato

de espectatura” e de “figura”. Para o autor (apud DUARTE,2005:)

ato de espectatura é a at ividade de significação que faz exist ir o f i lme como ‘texto’ , cujo objeto é ‘f í lmico’, no mesmo sentido em que se diz que o objeto da lei tura é um objeto l i terário. O objeto da espectatura, diz Lefebvre, é o f i lme como eu o vejo, como eu o concebo, como eu o represento para mim mesmo como eu o significo, a part ir de minha história de vida, minhas experiências, minha formação e minha cultura cinematográfica .(p.87)

Quanto ao conceito de ‘figura’, desenvolvido por Lefevbre,

pode ser entendido como:

f ragmento significativo dos fi lmes vistos, como aquilo que resulta da interação entre o f i lme, a memória e a imaginação do espectador ( . . . ) ; retemos dos f i lmes apenas os fragmentos mais significativos deles, aquilo que nos toca, nos sensibil iza e vai ao encontro do que somos, do que cremos, de nossas práticas, hábitos e costumes. Trata-se de uma memória f í lmica: aquilo que se guarda de um fi lme, um resíduo que se manifesta por um conjunto de signos abertos no imaginário. ( . . . ) A figura oscila constantemente entre o universo íntimo e privado da memória e do imaginário espectador e o universo público da memória social e do imaginário cultural . (DUARTE, idem)

Uma vez apresentadas as considerações, de natureza teórica,

relevantes para a análise dos relatos das crianças sobre os filmes a

que assistiram, passemos aos relatos propriamente ditos. No

processo de análise desses relatos, pude identificar situações em

que os conceitos de ato de espectatura’ e ‘figura’ surgem, para

mim, com força e clareza significativas.

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[Marcela havia dito que “De repente trinta” é o filme de que ela mais gostou entre todos os que viu. Que ela adora o filme.] Rosália – E o que é que você lembra dele? Marcela – Que a menina tem 13 anos. O amigo dela preferido dá uma caixa de presente a ela que tem purpurina. Que ela quer desejar o desejo dela. Quando ela está chorando ela fica assim: Eu quero ter 30 anos! Ela foi lá, acordou, e já tava com 30 anos. Casada e estava com tudo. [A Bela e a Fera] Winston – E esse agora, Quem lembra? Marcela – A Bela e a Fera! Eu tenho o dvd! Carol - no final ele [a Fera] vira humano e ele se casa . Tudo volta ao normal. [Alosha] Cíntia – Eles tinham que ir numa montanha pra pegar... eu acho que era um pote de ouro grandão pra levar lá pra cidade pra colocar lá perto de uma estátua. Depois disso, um cara foi lá, roubou de novo e levou de novo pra montanha e ele [Alosha] teve o trabalho de novo, chovendo, pra ir lá em cima buscar de novo. [O ano em que meus pais saíram de férias] Carlos – Eu lembro que os pais dele falaram que iam voltar na Copa [do Mundo] e não voltaram. Só voltou a mãe e doente. Ele conheceu um grupo de crianças. Esse grupo de crianças fazia muita coisa inadequada. Ficavam numa loja que mulher trocava de roupa. Tinha que pagar pra ver as mulheres trocando de roupa num buraquinho. Era muito triste. [João e Bilú' – um dos episódio do filme Crianças invisíveis] Fabiano – Ele catava garrafa, latinha, e vendia no ferro velho. Eu não gostei que eles foram no ferro-velho e o ferro-velho estava fechado. Winston – E o que aconteceu depois? Fabiano -Aí eles não conseguiram vender. Winston – E aí... Fabiano - Foram embora pra casa. Carlos – é muito triste esse filme.É o caso de duas crianças que sobreviveram de catar de lixo pra vender, pra sobreviver. [O Curupira – episódio da série Juro que vi] Carol – O caçador matou o tatu. O Curupira foi lá e assustou, transformou ele no bicho que ele está em cima. Quem mata os bichos da selva, o Curupira transforma naquele bicho que ele está em cima. [Happy feet, o Pinguim] Wellington - Eu lembro que ele era um pingüim. O pai dele deixou ele cair quando ele era um ovo. O pai dele deixou ele cair na neve. Ele nasceu com problema. Em vez dele cantar, ele dançava . Ele imaginava que as pessoas eram ETs. Ele foi pego, botaram ele dentro de um local com os outros pingüins. Chegou uma garota e bateu assim no vidro. Ele começou a dançar no ritmo que a garota batia. Foi dançando. As outras pessoas foram vendo, todo mundo foi vendo. Eles queriam saber de onde ele vinha. Botaram um rastreador nas costas dele e liberaram ele. Ele voltou pra casa. Ele falou que os ETs eram bons e que eles não tinham pêlo, nem pena. No final, ele começou a dançar e todo mundo foi dançando. Chegou os moços e jogaram um montão de peixes do helicóptero. ["A viagem de Chiriro"] Filipinho – Viraram porco. A filha deles queria ir pra casa e não descobriu mais o caminho. O garotinho lá, ajudou ela.

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[Homem aranha 3] Wellington:- Por causa que esse Homem-aranha é preto; a roupa dele foi contaminada por um por um bicho. a roupa dele ficou preta ele ganhou outra forma de Homem-aranha. [American pie] Cíntia – essa aí [foto de cena] é numa casa. Eles vão se casar. Carol – esse cara que está com uma flor na boca, ele vai pra dentro dum Armário. Tem uma velhinha que está dentro e ele faz sacanagem com a velhinha. [Branca de neve] Carlos – Essa é a parte que o duende carrega água pra regar as plantas.Tem a parte em que a mulher dá a maçã pra ela. Ela come, aí desmaia. A bruxa dá a maça pra ela. Ela desmaia e acorda no castelo da bruxa. A bruxa dá uma injeção nela e começa a sangrar o dedo dela. [A fantástica fábrica de chocolate] Winston – E essa cena você lembra qual é, o que acontece aí? Taíssa – não. Eu lembro uma parte, que é o começo, que essas crianças aí vão visitar a fábrica. Na frente aparece um montão de boneco dançando e depois tudo começa a se destruir. Coisa estranha... [Couro de gato] Cíntia – Quando vocês passaram esse filme aqui ele falava que o garoto sempre vivia correndo atrás do gato. Tentava pegar o gato pra poder comer. Ele ficava com fome e fazia as coisas pra ganhar dinheiro pra família dele. Marcela – Porque a família dele sempre ficava precisando de dinheiro pra comer. Cíntia – Ele ficava correndo atrás do gato Rosália – E por que o filme se chama Couro de gato? Cíntia – Aí eu já não sei. Carlos – Eu me lembro de uma parte que ele vai lá na cidade, mas corre atrás do gato; ele virou lixador de sapato. Ele engraxava os sapatos pra ganhar um dinheiro pra poder sobreviver com a família dele. Comprava carne, comida para ele comer. Porque ele não tinha nada pra comer. [O demolidor] Carlos – Não, ele tava almoçando, veio o carro e bateu no restaurante que ele tava, aí explodiu tudinho. O pai dele tava na saída do banco pra pagar o restaurante, a mãe dele ficou em coma. O pai dele virou um robô e matou um cara lá, que o cara queria roubar ele. Fabiano – o carro bateu num monte de negócio de gasolina; o negócio queimou o olho dele. Ele ficou cego e ficou no hospital.

O conceito de espectatura de Lefebvre nos ajuda a

compreender que a fragmentação, presente nos relatos das crianças,

sobre os filmes não é um fenômeno exclusivo delas, nem está

associado, necessariamente, a uma falta de possibilidade de

expressão oral que traduza, coerentemente, a experiência do que

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viram. Na verdade, essa é, segundo o autor, a maneira pela qual a

maioria de nós apreende os filmes. Para ele, a apropriação de tudo a

que assistimos é fragmentada e, mesmo sendo individual, guarda,

também, traços de uma produção coletiva, por encontrar-se inscrita

numa dada cultura. É importante assinalar que o ato de espectatura

constitui-se como espaço de interseção entre as intenções contidas

no filme e a significação construída pelo espectador, significação

vinculada à subjetividade, ao lugar social e à cultura

cinematográfica dos sujeitos.

A idéia da figura como segmento, forma ou elemento do

filme, capaz de impressionar significativamente o espectador,

aparece nas narrativas acima apresentadas. O que a maioria dessas

crianças traz como relato dos filmes vistos são, ao que parece,

cenas, seqüências ou situações que deixaram marcas em sua

memória fílmica. Vale dizer, que boa parte desses relatos foram

motivados pela exposição, para elas, de uma foto de cena, porém, o

que elas trazem a partir dessa foto são lembranças do filme que lhes

pareceram significativas, que as sensibilizaram de algum modo. É o

que se observa, por exemplo, emblematicamente, no relato de Carlos

sobre O ano em que meus pais saíram de férias , no qual o episódio

da loja de roupas adquire maior relevância do que o fato do pai do

menino não ter regressado da viagem.

Cabe pensar, ainda, em uma outra possibilidade de análise

desses relatos. Tomo, então, um outro aporte teórico, que entendo

ser também interessante para interpretar as pistas e indícios que

esses relatos nos oferecem. Mas para isso, é preciso compreender

que o ‘abandono’ dos conceitos elaborados por Lefebvre dá-se

segundo o entendimento de que, diante da fluidez e complexidade

inerentes aos processos de significação de filmes é preciso que o

pesquisador faça uso de uma abordagem multidisciplinar no

enfrentamento das questões que a empiria lhe coloca e, assim

procedendo, possa ver, nos conceitos que estão ao seu alcance,

ferramentas que se colocam a serviço da investigação na qual ele,

pesquisador, se encontra envolvido.

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Sandra Massoni, pesquisadora da Universidad Nacional de

Rosário, parece apontar com precisão as dificuldades relativas à

fluidez e complexidade dos processos de significação ao afirmar

que: “tratamos con objetos que em realidad son procesos.”

A teoria de Lefebvre diz respeito, fundamentalmente, a um

ato de espectatura que se estabelece diante da tela de cinema,

sabemos que isso difere bastante da espectatura de filmes que se faz

em casa, diante da tela da tevê, inserida na dinâmica própria de

funcionamento da casa, o que certamente altera o modo de ver e de

se apropriar dos conteúdos do que é visto. Na tentativa de melhor

compreender a dinâmica de apropriação que acontece nesse

contexto, passo a operar, daqui por diante frente, com o conceito de

“monitoreo intermitente”, elaborado e desenvolvido por Valério

Fuenzalida (2002). Nesse estudo, o autor procura compreender a

lógica que preside o fenômeno da audiência televisiva. Inicialmente,

o autor considera que o espaço familiar, o lugar em que se habita,

constitui-se “en la situación habitual y cotidiana de recepción de la

comunicación televisiva” .

Para Fuenzalida, a variação dos níveis de consumo e atenção, frente

ao que a televisão veicula, está diretamente relacionada à

permanência dos sujeitos nos lugares em que vivem. O autor

acredita que os diversos habitantes de um mesmo espaço doméstico

têm seus ritmos próprios de vida, ritmos em função dos quais

administrariam seus afazeres específicos. Diante dessa lógica, a

programação televisiva se vê incorporada aos ritmos estabelecidos

pelos sujeitos de um dado lugar. É a partir daí, que a formulação

teórica de Fuenzalida cresce em importância para essa pesquisa.

Isso porque, segundo o autor, os ritmos de vida dos sujeitos

encontram-se associados a um estado de ânimo e a expectativas

situacionais de caráter subjetivo, diante do que a televisão veicula

diariamente.

“Si un ama de casa se queda sola en el hogar por varias horas en el dia, su expectativa si tuacional y su estado de animo t ienden a demandarle a la TV la función de compañia amistosa; si t iene muchas tareas que realizar durante ciertos períodos de t iempo su estado de animo será más

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consonante con programas energizantes; si , por el contrario, se encuentra en sus períodos de descanso, t iende a demandar a la TV una compañía que le permita descansar f ísica y psicológicamente, talvez divagar en su imaginación, y hasta dormitar . (Fuenzalida, 2002: 50)

O autor chama atenção para o fato de que, se considerarmos

como válida a hipótese de um estado de ânimo variável, seremos

levados a concluir que a disponibilidade - física e psicológica – de

quem assiste não coincidirá, necessariamente, com as expectativas

dos produtores de programas de televisão: o expectador dedica uma

atenção variável ao que é exibido e é ele quem decide o grau e a

forma de atenção que ele dedicará a esse ou àquele programa. Esta

atenção, frente ao que se exibe, pode ser mais auditiva que visual e

é, quase sempre, intermitente. Em função do momento e da situação

específica em que os sujeitos se vêem envolvidos, o televisor,

apesar de ligado, “aparece más como fondo visual y auditivo sobre

el cual se desarrolla otra actividad primaria(.. .) La atención de

monitoreo es la más habitual em el hogar. (Fuenzalida, 2002: 54)

Diante do conceito de “monitoreo intermitente”, proposto

por Fuenzalida, poderíamos supor que as crianças, ao assistirem

filmes, estariam operando a partir de padrões de comportamento

típicos de uma audiência televisiva. Nesse caso, poderíamos supor,

também, que as diferenças expressas nos relatos delas refletem

diferentes graus de atenção, em função das condições domésticas no

momento em que estes foram vistos. Por outro lado, relativamente

aos modos de ver filmes no cinema, essas crianças estariam mais

familiarizadas com “la situación habitual y cotidiana de recepción

de la comunicación televisiva” (Fuenzalida, 2002), decorrendo daí,

o fenômeno da manifestação de padrões de atenção e audiência

tipicamente televisivos, com a conseqüente narrativa sobre o que se

viu, marcada por uma variação dos estados de ânimo de quem,

habitualmente, assiste televisão contínua e sistematicamente. Se

considerarmos que, segundo Fuenzalida, o ânimo que determina uma

maior ou menor intermitência está associado também a expectativas

situacionais, talvez pudéssemos supor que, apesar das condições de

exibição na biblioteca do Hospital emularem um ambiente de

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exibição adequado, ainda assim, aquele lugar sugere, do ponto de

vista físico (calor, barulho, entra e sai de crianças pela porta

principal, o que acarreta a quebra da penumbra propositamente

produzida nessas nessas situações, os irmãos pequenos brincando no

fundo da sala etc.), uma ambiência bastante próxima do espaço

familiar em que se dá o consumo cotidiano da programação

televisiva.

Como se vê, de fato, nosso objeto apresenta-se, a todo

instante, segunda uma dinâmica fundamentalmente processual.

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5 Considerações finais

Essa pesquisa surge a partir de um relato adulto que dava

conta de um conjunto de crianças que, hipoteticamente, não

compreendia aos filmes a que assistia, na medida em que

desconhecia a experiência de espectadores de filmes em salas de

cinema. A partir daí, nos aproximamos dessas crianças, na

tentativa de compreender melhor as relações que as crianças

tinham com produtos audiovisuais, procurando identificar e

descrever o que viam, do que gostavam e o modo como se

relacionavam com aquelas narrativas cinematográficas.

Durante, aproximadamente, dez meses mantivemos

contato regular com esse grupo, proporcionando-lhes idas ao

cinema, visualizações de filmes no espaço da biblioteca do

Hospital e, também, nos momentos em que aconteciam as oficinas

e dinâmicas que com eles realizamos.

Descobrir que a imensa maioria daquele grupo era

consumidora de uma grande quantidade de filmes foi, para mim, e

para os demais integrantes do GRUPEM uma agradável surpresa.

Isso porque, no início da pesquisa, temíamos pelo pior: a

possibilidade dessas crianças desconhecerem não apenas a

experiência de ver filmes em salas de cinema, mas, também, um

possível desconhecimento do que a indústria do audiovisual

veicula por diversos meios e suportes.

À medida que íamos conhecendo a história audiovisual

dessas crianças, ficava claro para todos nós que havia sim o

consumo de filmes em escala industrial – filmes veiculados pela

televisão, por aparelhos de DVD e até mesmo através das Lan

Houses. O que chamava a atenção, era o fato de que, se o

consumo de filmes era um dado real, não menos real era o fato de

que esses filmes eram, basicamente, aqueles produzidos e

distribuídos pelos grandes estúdios americanos. Longe de

considerar esse fato como um mal em si mesmo, um olhar mais

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detido sobre esses filmes apontava a presença, quase invariável,

das mesmas matrizes estéticas e estruturas narrativas.

Percebemos a existência de consumidores atualizados

com os lançamentos postos em circuito, ao mesmo tempo em que

praticamente desconhecem uma cinematografia que contemple a

diversidade de países produtores; de outras formas de contar; de

outras formas de expressão estética, enfim, de uma

cinematografia que contemple a diversidade e a pluralidade de

expressões artísticas e culturais.

Isso adquire tons dramáticos quando

consideramos que, talvez, o único critério consensual, quando se

discute a qualidade da produção cultural veiculada pelos meios

massivos de comunicação, refira-se ao acesso a uma produção

diversificada. Ainda que submetidos aos constrangimentos de

uma indústria cultural que restringe, em termos quase absolutos,

o acesso dessas crianças a bens culturais diversificados.

Ainda assim elas demonstraram ser capazes de estabelecer

critérios de análise e avaliação dos filmes a que assistem

repetidamente nas TV’s abertas, nos aparelhos de DVD’s e,

eventualmente, por meio de alguns canais por assinatura, que eles

consomem através do fornecimento clandestino de sinais.

A grande ‘novidade’ apontada por essa pesquisa, ainda a

ser melhor estudada e compreendida por outros estudos, consiste

na identificação, significativa, de atravessamentos dos modos de

ver televisão frente aos modos de ver cinema. Ainda em termos

bastante preliminares, mas não menos expressivos, os resultados

dessa pesquisa parecem indicar que o consumo em larga escala de

uma programação pensada, desenhada e produzida a partir das

especificidades do formato televisivo tem levado as crianças,

aqui pesquisadas, a mobilizar dispositivos técnico-perceptivos,

formas de atenção e de monitoramento específicos da gramática

televisiva, para outros formatos audiovisuais como o cinema.

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Talvez, isso não se verifique quando o acesso, aos diversos

formatos de veiculação da linguagem audiovisual, estiver

garantido à essas crianças.

Não menos significativo, foi o conjunto de relatos que

essas crianças produziram ao compararem os filmes, já por elas

conhecidos antes do início da pesquisa, com aqueles que foram

exibidos durante a pesquisa. Uma flagrante indiferenciação entre

produções audiovisuais, por nós consideradas como extremamente

distintas entre si, nos fez suspeitar dos possíveis efeitos de um

consumo massificado de filmes nos processos de mediação e

significação por elas executados.

Outro ponto a destacar, refere-se ao fato de que, se por

um lado, contrariando a hipótese inicial dessa pesquisa, a

visualização de filmes de qualidade, exibidos em espaços

adequados, não parece ter impactado significativamente a forma

com que essas crianças se relacionam com o cinema, por outro

lado, não detectamos uma recusa ou aversão a essas produções, o

que talvez indique a necessidade de haver um incremento das

políticas públicas voltadas para a garantia do acesso de crianças

das classes populares, mas não somente a estas, a produções

audiovisuais pautadas pela diversidade de conteúdo. Iniciativas

locais, como o 1Festival do Rio e a Mostra Geração, têm

conseguido mobilizar e formar platéias em torno de uma produção

cinematográfica onde as mais variadas formas de expressão

(regionais, de gênero, étnicas, religiosas,etc) têm encontrado

espaço de veiculação na tela grande.

1 O Festival do Rio surgiu em 1999 da fusão de dois dos maiores festivais de cinema do país: o Rio Cine Festival – que existia desde 1984 – e a Mostra Banco Nacional de Cinema, criado em 1988. Os principais vencedores do festivais de Cannes, de Sundance, de Veneza e do Oscar são apresentados ao público brasileiro durante o Festival do Rio. Hoje o Festival do Rio exibe mais de 300 filmes inéditos no Brasil e na maior parte do mundo, confirmando sua importância como centro de debate cultural, com palestras e discussões sobre o que há de mais atual na criação cinematográfica

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Apesar da importância de iniciativas como estas, entendemos que

num país com a dimensão e complexidade encontradas no Brasil,

o desafio de garantir um padrão de consumo cinematográfico

pautado na diversidade, constitui-se num desafio de proporções

que somente o estado pode tomar para si.

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