winnicot x klein

Upload: dserra

Post on 14-Oct-2015

13 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 1/11

    Autor Jos Outeiral

    Mdico, Psicoterapeuta, estudioso das Obras de Winnicot

    www.joseouteiral.com

    INTRODUO

    A questo das dimenses no universo psicanaltico sempre interessou (e mesmo fascinou) aos praticantesda psicanlise, como herana deixada por Freud com tantos cismas em sua vida cientfica, envolvendodiscpulos nobres como Adler, Yung e Ferenczi, entre outros. So pais e irmos se desentendendo emesmo se digladiando, deixando a ns filhos cientficos surpresos, atnitos ou mesmo estupefatos, aoesperar dos pais acima de tudo compreenso, tolerncia e boa convivncia.

    A cisma Winnicott x Klein deixou um rastro no menor que os de Freud, como confirmam os inmerostrabalhos publicados sobre este tema desde que se iniciou o boom Winnicottiano na dcada de 90. Assim,s no Congresso Latino-Americano sobre o Pensamento Winnicottiano de 1994, em Gramado, tivemosvrios temas-livres sobre esta questo. Diga-se, a bem da verdade, que o assunto vem sendo debatidoapenas pelos Winnicottianos, j que os kleinianos continuam a s escrever sobre os temas e questesdiretamente vinculados a seu grupo. Vejo o assunto repercutir para ns winnicottianos como se fosse umaluta, uma porfia, entre o pai (Winnicott) e a me de origem (Klein), como um desentendimento sem fim,j que ela no quis nunca uma conciliao.

    J tendo escrito sobre o tema em 1989, tento agora neste trabalho dar uma viso mais atual do mesmo,inclusive em razo da publicao de um importante manuscrito de Klein, ao mesmo tempo em que tragonovos dados biogrficos de Klein e de Winnicott que podero lanar mais luzes sobre a questo.

    Winnicott era ainda um analista jovem quando conheceu Melanie Klein. Ela era cerca de 10 anos maisvelha do que ele e tinha recm-chegado a Londres quando ele a procurou por indicao de seu analistapessoal, James Strachey, que lhe disse: Se voc trabalha com crianas v ver Melanie Klein que nesteassunto ela fundamental. Eles se encontraram e se simpatizaram mutuamente, tornando-se ele seusupervisando. Coloca Brett Kahr, um dos bigrafos de Winnicott, a este respeito:

    Pouco antes de Winnicott e Melanie Klein terem se conhecido, morreu a me de Winnicott. Ele tinhaapenas 29 anos. Em qualquer caso se pergunta desde logo, se a conjuno to prxima da morte da Sra.Winnicott e o posterior aparecimento da Sra. Klein de to generoso peito pode ajudar a explicar aatrao por Klein, em um nvel mais infantil... Sem ter em conta as motivaes mais profundas, Winnicott,sem dvida, contemplava o trabalho clnico de Klein e suas teorias psicanalticas com a mxima admirao,durante este perodo de seu desenvolvimento profissional[1].

    Continua Kahr: As observaes de Klein sobre a vida mais precoce da criana entusiasmaram muito aWinnicott, e suas idias lhe ofereceram tanto confirmao de sua prpria investigao atravs daobservao como inspirao para seus posteriores estudos. E, nas prprias palavras de Winnicott: Passeia aprender algo da enorme quantidade de coisas que encontrei que ela j sabia... era capaz de voltar sobrecada detalhe do trabalho da semana, com cada paciente, sem olhar as anotaes. Recordava meus casos emeu material analtico melhor que eu mesmo (Winnicott, 1962).

    Assim, tudo indica que esta fase da superviso de Winnicott foi uma longa lua-de-mel para os dois.Inclusive Klein indicou Winnicott para fazer a anlise do seu filho Eric sob a superviso dela prpria,situao esdrxula que Winnicott no aceitou. Quando terminou esta anlise, Klein escreveu a Winnicott:No sei se posso comunicar o quanto me sinto grata por tudo que o Sr. fez por Eric O fato que Winnicottusou os importantes insights de Melanie Klein sobre os primeiros meses de vida da criana (fase esquizo-paranide e depressiva, voracidade, foras erticas e sdicas, relao infantil com o peito materno) paraelaborar suas prprias teorias centradas na pessoa da me e na relao entre os dois: holding, mesuficientemente boa, preocupao materna primria, me ambiente e me objeto, etc. J Klein centrou-sequase totalmente na figura do beb e no seu potencial instintivo como se a me no se comportasse comoum partenaire ativo da relao. Esta modificao de enfoque, nunca foi perdoado por Klein com seupensamento absolutista e nem por muitos kleinianos que consideram Winnicott at hoje, com uma pechade desprezo, como um ambientalista.

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 2/11

    fato corrente que Winnicott desejou ser analisado por Klein e que esta todavia recusou seu pedido e oencaminhou para Joan Riviere, uma importante discpula sua que escreveu, entre muitos trabalhos, umintitulado Uma Contribuio a Anlise da Reao Teraputica Negativa, que se tornou um clssico dapsicanlise.

    Foi uma anlise difcil para Winnicott em virtude do temperamento do Riviere, impositiva (como Klein),uma mulher altssima, matrona (Grosskurt), aterradora (Ricroft), que inclusive fazia crticas cidas pblicasa seu analisando durante reunies vrias. Sobre isto disse Winnicott um dia a um colega: No posso dizerque estive em anlise com Joan Riviere. certo, no entanto, que ela me analisou durante uns 10 anos. Econtinuou me analisando durante discusses em reunies cientficas. (Khan, 1988).

    Quando Winnicott, anos depois, quis preparar uma homenagem a Riviere pela data do seu aniversrio de75 anos, sem o seu conhecimento, ela lhe escreveu uma carta chamando-o de irresponsvel e dizendo queele e ela iriam posar para as pessoas como dois idiotas. Em resposta Winnicott escreveu a Rivire dizendosimplesmente: Por uma razo ou outra creio que voc est demasiadamente sensvel. A festa foirealizada, ela compareceu e escreveu nova carta para ele enviando seus mais sinceros agradecimentos edizendo que a festa foi para ela uma das recordaes mais memorveis.

    Nesta festa de missivas que caracterizava a psicanlise britnica, Winnicott escreveu a Rivire pedindoque reconhecessem (os kleinianos) qualquer contribuio sua:

    Aps o trabalho da Sra Klein voc e ela conversaram comigo e de um modo amistoso voc me deu aentender que ambas estavam absolutamente certas de que eu no tinha nenhuma contribuio positiva afazer para a interessante tentativa que Melanie est fazendo todo o tempo para estabelecer a psicologiados estados precoces. Voc concordar que o problema que sou incapaz de reconhecer que MelanieKlein disse as mesmas coisas que eu estou dizendo a ela. Em outras palavras, que h um bloqueio emmim... Eu quero lhe dizer que no aceito o que voc e Klein insinuaram, principalmente que minhasconsideraes sobre o estabelecimento da psicologia da infncia precoce so baseadas mais em fatoressubjetivos que objetivos.

    Em outro momento ele escreve uma carta a prpria Melanie Klein, que j comea a ficar famosa pela suaclareza e oportunidade do seu contedo:

    Eu pessoalmente, penso que muito importante que o seu trabalho seja apoiado por pessoas que odescubram atravs dos seus prprios caminhos e apresentem estas descobertas em suas linguagens. somente desta forma que a linguagem permanecer viva. Se voc estipula que no futuro somente a sualinguagem ser usada para o estabelecimento das descobertas de outras pessoas, ento a linguagem setornar uma linguagem morta... Como j acontece na Sociedade (..) Eu estou preocupado com estaposio, que pode ser chamada de kleiniana, a qual acredito ser o perigo real para a difuso do seutrabalho. Suas idias somente vivero se elas forem descobertas e reformuladas por pessoas originais nomovimento psicanaltico e fora dele. (...) o perigo (...) que a sua faco desenvolva um sistema baseadona defesa da posio conquistada pelo pesquisador original, neste caso voc mesma (..).

    Winnicott escreve Kahr conhecia o mundo externo no modo como facilitava ou inibia a mente infantil.Desta forma, ameaava muito os primeiros kleinianos que s sabiam trabalhar com uma nfase total sobreo mundo interno. Assim, ele disse um dia a Rivire: Vou escrever um livro sobre o ambiente. E ela:Escreve este livro e eu te farei um sapo. Deste modo ele se transformou de prncipe (herdeiro de Klein)em sapo e ela de princesa em bruxa, diz Kahr

    Sem dvida, o trabalho mais completo sobre a vida e a obra de Melanie Klein o livro de Phyllis GrossKurt, que investigou vrias fontes bibliogrficas in locum e entrevistou inmeros analistas e outraspessoas que conheceram Melanie Klein mais de perto, inclusive Claire Winnicott que foi analisanda deKlein. Ela retrata o clima de lua-de-mel entre os dois e publica vrias cartas de Klein a Winnicott das suasboas fases, entre vrias perdas e embates que Klein sofreu na vida, falando de viagens, de decepes coma Sociedade de Psicanlise e dos medos da velhice.

    Sobre Winnicott escreve Kurt: Quase todo mundo emprega a palavra duende para defini-lo . Para BettyJoseph, ele tinha algo de Peter Pan. Charles Rycroft classificou-o de carismtico. Ela tambm disse queembora Klein fosse sem dvida alguma uma primadona, Winnicott era um criptoprimadona, emboraparecesse um homem humilde, apesar de sua grande experincia. No final de uma superviso eleagradecia ao aluno por ajud-lo... Quando estudante, aprendera com Lord Horner a ouvir seus pacientes...Segundo John Padel, a maior fora de Winnicott era que ele sempre contava com o paciente para fornecer

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 3/11

    o mximo de explicaes sobre si mesmo, em vez de confiar em suas prprias especulaes... Poderiamduas pessoas serem mais diferentes que Donald e Melanie Klein? Como ele poderia acreditar emagressividade inata e em instinto de morte? E, acrescento eu, como poderiam ter uma mesma viso dohomem e do processo analtico, sendo este decorrente basicamente da forma de se ver a vida?

    Contudo, Cliford Scott afirma que, a sua maneira, Klein tambm era muito humilde porque sabia que aindatinha muito a aprender. Creio que ela gostava de sua ignorncia, diz ele: Talvez a diferena entre elesfosse que Winnicott se mostrava disposto a aprender com os outros, enquanto Klein tinha que aprendertudo por si mesma.

    Quando a definiu como uma gritadora de Eurecas, Winnicott estava se referindo a tendncia dela paraencarar cada insight como a verdade suprema.

    Gross Kurt continua seu importante livro sempre mostrando admirao por Klein, pela sua capacidade deluta, seu esprito indomvel, porm acentuando as vrias perdas que teve ao longo da vida (o marido dequem se separou e que depois morreu sua irm Emile, seu filho Hans). Podemos ainda citar a perda de suafilha mais velha Melita, psictica, mdica, que depois se tornou psicanalista e que passou a criticarabertamente a me em todas as sociedades psicanalticas que contatava, sua pessoa e sua obra de umamaneira torpe e pejorativa.

    Em 1942, Winnicott ainda era considerado um kleiniano, mas ao longo da guerra e depois, as relaesforam se estremecendo at que em 1951, quando da feitura do seu trabalho sobre Objetos e fenmenostransicionais Klein no o aceitou para ser publicado num novo livro kleiniano e Winnicott saiudesconsolado da reunio com os originais debaixo do brao. Klein lhe dissera que o trabalho no tinhanada de relevante a acrescentar a psicanlise. Logo este trabalho que viria a lhe trazer um reconhecimentomundial.

    Depois deste incidente ele continuou a lamentar os desentendimentos com Klein, porm esta se mostravacada vez mais indiferente a ele, inclusive quando ele se tornou Presidente da Sociedade Britnica dePsicanlise, por duas vezes.

    Todos sabemos sobre a nfase que Melanie Klein deu a anlise da inveja, para ela umtrabalho fundamental na anlise de todos ns. Ela via a inveja como algo inato, uma manifestao doinstinto de morte. Escreve Kurt: Ela fez uma distino cuidadosa de inveja, cobia e cime. A inveja osentimento irritado de que outra pessoa possui e desfruta de alguma coisa desejvel, sendo o impulsoinvejoso o de toma-la e estrag-la. A cobia (voracidade) um desejo insacivel e, num nvel inconsciente,expressa-se na fantasia de devorar completamente o seio. O cime provm mais de perder o que sepossui. O fato de que ela tenha to pouco a dizer a respeito do cime sexual indicativo de sua nfase noobjeto introjetado, e no na estrutura tripla da relao edipiana. A cobia difere significativamente dainveja, porque seu objetivo a introjeo destrutiva, ao passo que a inveja, em seu nvel mais profundo,busca destruir a criatividade do objeto... A inveja excessiva quando os traos esquizo-paranides sofortes, dizia Melanie Klein.

    Gross Kurth, com sua grande cultura analtica, sobre a posio de Winnicott diante destes conceitos deKlein, continua:

    Winnicott nunca se sentira satisfeito com a posio esquizo-paranide e a exposio da inveja primitivafeita por Klein parecia lev-la a um ponto ainda mais extremo. Para Winnicott, a criana no existia ex-vcuo: a relao me-filho preenchia qualquer conscincia do self...

    O conceito de inveja formulado por Klein subentendia sentimentos extremamente complexos no beb; eele simplesmente no podia aceitar nenhuma descrio do beb que ignorasse o comportamento dapessoa que cuidava dele. Ele estava disposto a aceitar a inveja como um componente numa situao emque a me agisse com a criana de forma torturante. Com isso ele queria dizer uma situao em que ocomportamento da me fosse incoerente e, percebendo que a bondade lhe estava sendo negada, detempos em tempos, a criana entrava num processo de desiluso.

    Quando Melanie Klein publicou o seu famoso livro Inveja e Gratido lustrou-o com casos clnicos e, dizGross Kurth: possvel que Heimann fosse uns dos relatos de caso no artigo sobre a inveja e que ela nos se ressentisse do que diziam a seu respeito, mas temesse que a identificassem como a mulher comfortes traos depressivos e esquizides. E, continua Kurt muitas pessoas falaram do encanto e davivacidade de Heimann. Deve ter sido terrvel para ela ter sido eliminada do grupo a que pertencia

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 4/11

    atravs de uma carta seca, breve e lacnica de Klein, sem qualquer chance de reconciliao.

    Analistas kleinianos teorizavam que a inveja desempenhou um papel importante na ruptura entre Klein eHeiman. Aparentemente, a suposio foi a de que a inveja foi de Heimann. No h a menor dvida queHeimann era ambiciosa e se ressentia de sua subservincia a Klein escravido, definiu ela para PearlKing... Mas a inveja que Klein sentia de Heimann? Heimann era mais nova do que Klein, muito estimada econsiderada brilhante. Klein criticou bastante o artigo sobre contratransferncia da autoria de Heimann, oqual fora imediatamente aclamado como um clssico.

    Winnicott, assistindo toda esta gigantesca controversa, deu apoio a Hermann, visivelmente deprimida, econvidou-a a participar de um grupo de seminrios clnicos, em sua residncia, que ela aceitou epermaneceu por um longo perodo.

    Continua Kurt, Klein forneceu um relato eficiente das defesas erguidas pelo ego para os danos causadospela inveja. As pessoas dotadas de um alto grau de inveja tendem a idealizar seus objetos... O cimetambm aceitvel como uma defesa contra a inveja, j que d origem a muito menos culpa... Outrasformas de defesa so a desvalorizao do objeto, a violenta possessividade e a provocao de inveja emoutras pessoas.

    Winnicott no estava sozinho como um analista que foi afastado do movimento kleiniano por no aceitarsem reservas as suas idias. Kurt cita tambm Rickman, a prpria Rivire, Eva Rosenfeld e Clifford Scott.Para ela Bion foi um caso intermedirio pois, embora tivesse desenvolvido conceitos pessoais muito almdos de Klein, se apresentava sempre como um seguidor de suas idias em qualquer parte do mundo queviajasse. Para mim, seus conhecimentos sobre memria, desejo e conhecimento, sobre a cesura e sobre aquesto da verdade, se equiparam em valor aos postulados kleinianos clssicos.

    Kurt tambm se referiu ao incidente entre Klein, Winnicott e Margareth Little quando esta apresentou oseu famoso trabalho K a reao total do analista s necessidades do paciente no qual foi mesmo almde Heimann. Segundo ela, Little em seus trabalhos sobre contransferncia, dizia que esta era uma parteessencial de toda a anlise, uma ferramenta to positiva (e til) quanto a transferncia. Na discusso quese seguiu apresentao do trabalho, Klein fez publicamente este comentrio (j repetido por ela outrasvezes) de queTudo o que este artigo mostra que a Dr Little precisa de mais anlise. Winnicott, quetinha sido analista de Little e presidia a sesso intercedeu irritado dizendo que Klein no tinha o direito dedizer aquilo. E acrescentou: Todos ns precisamos de mais anlise. Ningum consegue ter mais do quecerta quantidade e o mesmo poderia ser dito de qualquer pessoa.

    Um tema longamente abordado por Kurt a anlise de Claire, a segunda esposa de Winnicott, com Klein.Claire que era assistente social e psicanalista ficou muito impressionada com o artigo de Klein sobre o lutoe h muito queria uma anlise kleiniana. Disse isto ao marido e comentou: Acho que ela dura o bastantepara mim. Winnicott j havia dito para ela: Acho que ela j no me considera mais um kleiniano. Noentanto, acrescenta Kurt, ele ainda a tinha como um gnio.

    Coloca Kurt: Esta anlise foi um extraordinrio duelo de vontades e em determinado ponto Winnicottdisse esposa que no conseguia enxergar um fim previsvel para ela: Voc vai matar Melanie ou entoela vai matar voc. Claire se recorda dos traos positivos de Klein: uma fantstica memria para detalhes;dava ao paciente uma sensao de fora por trs dele. Porm, a situao era muito impessoal: Klein no acumprimentava, nem se despedia dela, Claire a achava uma excelente terica, mas no clnica: Elaencaixava a prpria teoria naquilo que o paciente apresentava a ela. Tambm havia um total descaso emrelao ao fator ambiental: No adianta voc falar sobre sua me; no podemos fazer nada a este respeitoagora.

    Claire achava que a situao analtica era muito difcil para Klein, aceitar amor e gratido, e ela sempreenfatizava o lado destrutivo, de modo que os atos positivos eram interpretados como um disfarce para odio. Apenas uma vez Claire sentiu que havia tocado em suas cordas sensveis, num dia em que haviambelas tulipas brancas e vermelhas no consultrio. Claire intuiu que era o dia do seu aniversrio. E disse:Mandarei flores vermelhas e brancas como estas quando a Sr morrer. E, apesar de sua brutalambivalncia, Klein se comoveu e nem conseguiu responder.

    Durante a anlise de Claire, Melanie Klein faleceu. Claire passou a fazer anlise com Lois Munro, de quemveio a falar sempre elogiosamente. Comenta Kurt: Relembrando o passado, Claire Winnicott achou quetinha cometido um grande erro ao procurar Klein para fazer anlise, sobretudo porque isto colocou seumarido numa posio embaraosa, embora eleno tivesse feito nada para dissuadi-la... difcil no

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 5/11

    levantar a conjectura de que tanto Winnicott quanto Klein, por motivos conscientes e inconscientes,estavam usando-a como um pretexto... De vez em quando Winnicott indagava sobre a anlise: "Elamenciona sexo alguma vez? No. Alguma vez ela mencionou o Complexo de dipo? No. A esposalembra-se dele afirmando: por isso que ela no sabe nada a este respeito!, caracterizando o ladonegativo de sua relao com Klein, o seu cime, a sua rivalidade com ela.

    Comentou Claire, no final da anlise: Eu uso as idias dela o tempo todo, do meu jeito. Indago: ser umatentativa falso-self de reconhecimento? Todavia, diga-se, Claire foi sempre uma pessoa verdadeira, comoWinnicott. Talvez da um dos segredos do sucesso deste casamento.

    Winnicott e Klein: Novas Vises

    Em um recente trabalho Joseph Aguayo, de Los Angeles, reestuda o cisma Klein x Winnicott e apresentauma interessante contribuio de Klein, no publicada. Trata-se de um trabalho datilografado de 200pginas no qual ela relata o relacionamento do seu primeiro neto com os pais, sendo a me sua filha. umrelato minucioso cobrindo desde os quatro meses aos dois anos da criana, pioneiro mesmo sobre aobservao da relao de um menino com seu ambiente: me, pai, bab e ela mesma como uma avparticipante e interessada. O relato centrado nas reaes da criana ao afastamento dos pais por ocasioda Segunda Grande Guerra. um relato fluente, agradvel, sensvel, diferente mesmo de muitos trabalhosde Klein, escritos numa linguagem seca e pouco atraente. A criana manipula duplas de objetos paradramatizar os efeitos da separao dos pais querendo, sobretudo uni-los novamente, pronunciando seusnomes. Com isto, escreve o autor, ela nos mostra como era sensvel a percepo das influnciasambientais no psiquismo de uma criana.

    A questo porque Melanie Klein, mostrando-se to sensvel a percepo da realidade externa sobre aconduta de uma criana no inclua isto no seu trabalho clnico? No seria, portanto, uma questo detemperamento, como insinuou Winnincott.

    O trabalho de Aguayo importante por deixar claro que no havia em Klein um bloqueio detemperamento em ver os efeitos da realidade externa, como sugeria Winnicott. Seria ento uma questode usar estas percepes ou no. Para Aguayo isto se deveria a uma no aceitao das descobertas deWinnicott (sendo ele o arauto da realidade externa) por serem muito contrastantes com os referenciaiskleinianos e, nos casos de modificaes do setting, mesmo inaceitveis, para estes. Vemos aqui mais umamanifestao de agressividade (o bloqueio) de rivalidade de Winnicott para com Klein, discordante desua habitual idealizao e mesmo subservincia diante desta.

    O autor historia a dificuldade progressiva de Winnicott em ser aceito pelo movimento kleinianno a luz decinco etapas, que caracterizam a sua evoluo como psicanalista:

    Perodo Freudiano de 1923 a 1935

    Perodo Kleiniano de 1935 a 1946

    Perodo de gestao do ambiente materno de 1941 a 1946

    Elaborao terica de uma viso analtica diferente de Klein de 1946 a 1951

    Observaes clnicas diferenciadas de 1952 a 1971

    No primeiro perodo, Winnicott publicou um livro dirigido aos clnicos no qual se podia ver a influncia doinconsciente na curiosidade infantil, na rivalidade entre irmos, no impacto retardado de um trauma.Portanto, vises freudianas.

    No segundo perodo, que eu denominei de lua de mel com Melanie Klein, Aguayo refere-se ao trabalhosobre A defesa manaca, um dos temas preferidos de Klein, enfatizando a onipotncia e a negao comouma defesa contra a depresso. Tambm como uma fuga, na mesma linha, do contato com um mundointerno pleno de objetos moribundos (o problema do luto). Quanto ao famoso trabalho como o jogo daesptula Aguayo tambm o v como pleno de concepes kleinianas como a importncia da atuao defatores super-egicos (super-ego precoce) na fase de excitao e na viso da prpria esptula como umseio apetitoso.

    Mas, escreve Aguayo, foi fundamental para Winnicott elaborar suas teorias sobre a proviso ambiental (esuas patologias) bem como a sua experincia de durante a guerra ter assistido mes e crianas evacuadas

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 6/11

    dos seus lares, num trabalho conjunto que comeou com John Bowlby, no qual ele supervisionou 256crianas (isto , famlias). Foi quando Winnicott sentiu os efeitos diretos das carncias maternas nos filhose a relao disto com o que chamou de tendncia anti-social e com a prpria delinquncia.

    Em 1940 ele pediu a Klein para ajud-lo na elaborao de um trabalho sobre os efeitos da evacuao decrianas dos seus lares e Klein escreveu que os prprios pais poderiam ficar ansiosos sobre como os seusfilhos perceberiam as normas dos seus prprios lares depois que estes voltassem, mostrando como elaestava consciente destas questes sociais.

    Vrias concluses tirou Winnicott desta experincia: os fatores mais importantes eram a idade da criana eo tipo de ambiente familiar de origem; as crianas mais saudveis tinham saudades do lar oudesenvolviam depresses enquanto as mais perturbadas apresentavam atitudes anti-sociais:progressivamente a agressividade das crianas resultava de que estas no toleravam sentir as coisas pormuito tempo internamente e portanto tinham que expeli-las para fora.

    Depois da guerra Winnicott tentou conceitualizar estas experincias ainda de uma maneira kleiniana aoreferir-se a uma posio pr-depressiva que aconteceria durante o primeiro ano de vida. Klein, s voltascom o trabalho de Fairbain, que se chocava frontalmente com o dela, no se pronunciou sobre isto, masenfatizou os aspectos do trabalho de Winnicott que se localizavam mais na posio esquizoparanide quenos atributos reais da me.

    quela altura, Winnicott j se referia qualidade do cuidado materno calor, contato e suavidade e nomais apenas experincia oral em torno da qual tudo se passava, segundo Klein.

    A criao do middle-group deu a Winnicott uma enorme fora para continuar pesquisando e levar seusresultados British Society. Ele agora tinha um grupo de respeitados psicanalistas que apoiavam suasidias e as compartilhavam. Deste modo, enfatizando o que cada vez via mais em sua prtica de pediatra epsicanalista, ele chegava a enfatizar que as queixas somticas de uma criana eram frequentementeexpresses da hipocondria da me.

    Escreve Aguayo que enquanto Klein estava s voltas com a experincia subjetiva da criana em torno dosinstintos de vida e de morte, Winnicott estudava a adaptao da criana em funo da qualidade docuidado materno recebido.

    Por outro lado, acrescento, foi um impacto na sociedade a apresentao de Desenvolvimento EmocionalPrimitivo em 1945, quando Winnicott introduz as suas noes prprias do que chamou de integrao, nointegrao, desintegrao, personalizao e adaptao realidade, trazendo ainda um conceitointeiramente novo de dissociao em relao s noes de Klein. Mais ainda, neste trabalho, acompreenso dos impingments maternos, uma descrio que mais tarde o imortalizaria.

    Diga-se tambm, guisa da verdade, que Winnicott nunca caiu no gosto dos kleinianos. Segundo Kurt,Klein praticamente nunca o citou. Ele s foi citado em poucas expressivas e eventuais notas de p depgina por Segal, Rosenfeld, Joseph, Bion e Riviere, principais discpulos de Klein.

    Aguayo tambm d nfase publicao do trabalho de 1947 sobre dio na contratransferncia queconferiu a Winnicott o ttulo de um dos maiores trabalhos analticos de todos os tempos, conforme seleorealizada pela IPA, no qual, muito do contrrio da pretendida neutralidade kleiniana a todo custo, ele falado dio justificado do analista diante de um paciente psictico e escreve que uma anlise s pode se darpor completa quando o paciente puder ouvir e compreender algo sobre as qualidades negativas de seuanalista. neste trabalho que Winnicott diz, irreverentemente, que foi um dia maravilhoso quando elepode dizer a um paciente obsessivo que ele foi abominvel para ele e para seus amigos, durante um longotempo.

    Ao mesmo tempo, demonstrando que ele no idealizava simplesmente a figura da me, afirma nestetrabalho que esta odeia o filho antes mesmo desse nascer, acrescento, Winnicott foi deixando cada vezmais de lado a nfase na destrutividade infantil de Klein medida que elaborou sua prpria teoria sobre aagressividade que, nos seus primrdios, sinnimo de motilidade. Assim, ele tirou muito da nfase naagressividade como um fenmeno inato e deixou de se referir ao sadismo oral como est nos seusprimeiros trabalhos. Como consequncia de tudo isto, deu cada vez menos importncia anlise datransferncia negativa baseada na agressividade do paciente, ponto vital na teoria de Klein.

    Como afirma Aguayo, o relato da anlise com Little deve ter sido outro duro golpe desfechado por

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 7/11

    Winnicott no ideal de neutralidade dos kleinianos no qual ele tantas vezes se permitiu quebrar o settingpara atender as necessidades regressivas do paciente criando o conceito de regresso a dependncia,fundamental ao desenvolvimento posterior de suas idias. Neste trabalho, Aguayo tambm se refere aum tema que vem sendo muito debatido ultimamente nos crculos winnicottianos: a anlise de MasudKhan com Winnicott . Aqui, a meu ver, trata-se de uma situao muito diferente das anlises de Winnicott,com Little e com Guntrip, esta marcada pela beleza e pela sintonia. Winnicott se permitia dizer que lhe eramuito mais gratificante fazer anlise propriamente com ele do que com o paciente chato que oantecedia, ele tambm analista. Foram acima de tudo anlises bem sucedidas. As anlises de Khan, aocontrrio, terminaram com ele fazendo srios acting outs com membros da sociedade e com seus prpriospacientes. Parece bvio que Winnicott deixou-se enganar pelos altos dotes intelectuais de Khan e noanalisou adequadamente seu narcisismo, sua arrogncia e seus traos psicopticos. No foram assimapenas erros tcnicos que aconteceram ter permitido que Khan se tornasse seu editor, por exemplo foram erros da prpria pessoa de Winnicott, dos seus aspectos no suficientemente analisados nas duasexperincias de div que conheceu.

    Podemos tentar fazer um paralelo entre a experincia de Winnicott com o menino anti-social de 10 anosque ele adotou, relatado em dio na contratransferncia e as suas vivncias com Khan.

    Em ambas as situaes, de pessoas que poderamos chamar de casos difceis, havia o desejo de Winnicottde perfilh-los em situaes muito complicadas, cabendo a meu ver a Khan o ttulo de filho intelectual,brilhante e que zelava mesmo sobre as posses cientficas do pai. Em ambas as condies, intensas falhascontratransferenciais de Winnicott, na vigncia mesmo da feitura de um contrato impossvel de sercumprido.

    Escreve Forlenza Neto sobre as influncias de Winnicott no modo de analisar dos kleinianos:

    Embora alguns neguem, a influncia winnicottiana se faz sentir entre os kleinianos. Assim, Betty Josephem entrevista ao Id, reconhece que parecia dar interpretaes mais para si do que para os pacientes noseu trabalho. No seu trabalho A transferncia e a situao total, vemos como d mais importncia aoclima total da situao transferencial para, a partir da, dar suas interpretaes. A influncia fica mais claraem Rosenfeld em seu livro Impasse e Interpretao, onde fala de pacientes narcsicos de pele grossa epele fina, estes (ltimos) necessitando, por parte do analista, de maior cautela nas formulaesinterpretativas. Em alguns trechos do livro chega a preconizar que, embora possa compreender o materialdo paciente, principalmente quando este usa identificaes projetivas, o analista deve se abster deinterpretar por algum tempo para evitar dar a impresso de rejeitar as partes projetadas do paciente que,ao mesmo tempo, poderia sentir como rejeio a si prprio.

    E, continua Rosenfeed, citado por Forlenza: inevitvel que a inveja surja no desenvolvimento humano eque a criana ou o paciente em anlise, sinta-se algumas vezes pequeno ou inferior. Tenhoparticularmente em mente situaes em que a criana ou o paciente, sente-se rebaixado e pode, de fato,ter sido rebaixado pelos pais ou por outras crianas ou, na anlise, pelo analista. Em minha experincia, quando o paciente se sente ajudado na anlise e sente que tem algum espao para pensar e crescer que ainveja gradualmente diminui. Por estas razes, as interpretaes da inveja no devem ser repetidas comdemasiada freqncia... uma nfase excessiva sobre a interpretao da inveja ou a valorizao excessivadas contribuies do analista como que comparadas - so causas frequentes de impasse.

    Forlenza nos traz modificaes de tcnica introduzidas por certos analistas kleinianos como derivadas dascontribuies de Winnicott, mas no sabemos se assim o foi ou se isto decorreu de uma maiorconscientizao do movimento kleiniano como um todo, nas ltimas dcadas, tornando-se um grupo maishumanitrio e portanto menos dogmtico podemos dizer.

    Entre as vrias discordncias de Winnicott com Klein esto s razes da destrutividade humana. Ele nuncaaceitou o conceito de instinto de morte (de Freud que Klein perfilhou) e considerava tal conceito umaaplicao da teoria religiosa do pecado capital. Tambm no via a inveja como um instinto em si. Econsiderava a agressividade como um desenvolvimento damotilidade, ligado a sua conteno e asinevitveis frustraes.

    Em O Ser e o Viver, recordo que em Um enfoque pessoal da teoria kleiniana Winnicott escreveu:Trabalhando de acordo com as linhas de Klein, se chega a uma compreenso do complexo estgio dodesenvolvimento que Klein denominava posio depressiva. Acho este um nome pouco apropriado mas verdade que clinicamente, em tratamentos analticos, chegar a esta posio envolve ter o pacientedeprimido. Aqui estar deprimido uma conquista e implica alto grau de integrao pessoal e uma

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 8/11

    aceitao da responsabilidade por toda a destrutividade que est ligada a viver, a vida instintiva e a raiva, afrustrao. A chegada a este estgio est associada com idias de restituio e reparao, e na verdade oser humano no pode aceitar as idias destrutivas e agressivas em sua prpria natureza sem a experinciada reparao... Esta a contribuio mais importante de Klein, na minha opinio, e acho que se iguala aoconceito de Freud de Complexo de dipo... O principal ingrediente o grau de organizao e fora do egodo beb e da criana pequena e por este motivo difcil colocar a posio depressiva antes de 8-9 mesesou de um ano.

    Como eu tambm coloco em meu livro O Ser e o Viver: uma viso da obra de Winnicott, ele reveloudiscordncias e fez reparos e contribuies ao conceito de posio depressiva que so fundamentais: Porum lado, ele vinculou a posio depressiva mais ao que chamou de concern (considerao), do que a culpapropriamente dita, criando um termo e um conceito que foram, inclusive, depois adotados pelos prpriosseguidores de Klein.

    Por outro lado, como nos mostra Eigen, Winnicott, atravs dos conceitos de objetos transicionais e de usode um objeto, introduziu como Bion e Lacan, o conceito de f em psicanlise, dano um novo sentido forma como a criana atinge, em condies normais, a posio depressiva...

    Recordando a alegria com que a criana se lana descoberta dos fenmenos transicionais e o conceitode uso de um objeto, escreve Eigen: O afeto central desta ltima assertativa a alegria, no a culpa. Acriana sente-se gratificada porque ela pode amar e destruir o objeto e o objeto sobrevive. O sentido que a integridade realmente possvel sem comprometer o self e o outro. O sujeito aprecia o outro comoo outro, por razes intrnsecas, sem (auto)dissociao que a culpa pode ocasionar no tipo de unidade edestruio que Winnicott descreve em suas ltimas consideraes sobre o uso de um objeto. O amor vivo e suficientemente forte para usar a criatividade criativamente, tornando a culpa suprflua.

    E, continuo dizendo que Winnicott, na medida em que cresceu, pode fazer importantes adendos econtribuies Escola Kleiniana, sem que esta fizesse o mesmo com as suas idias, sequer o citando.Assim, Em 1935 ele j chamou a defesa manaca de agitao suspensa e mostrou que em certas crianasisto era o motor de todo um viver inquieto e agitado (e sem criatividade, ajunto agora), aparentementeansioso, porm sendo a ansiedade o resultado desta forma de viver que no entra em conflito, nem emdepresso. Quanto dissociao (ao invs de um mecanismo de defesa patolgico) ele enfocou esteaspecto como prprio da condio humana deste seus primrdios, representado pela oposio viglia xdormir. E igualmente estudou vrias formas de dissociao, presentes na sade mental e na doena,inclusive a dissociao entre verdade e falso self...

    E arremato dizendo que ele recebeu de Klein as idias mais valiosas em sua formao analtica masdivergiu dela em questes fundamentais ao considerar que: uma maternagemsuficientemente boaevitaria o uso de mecanismos dissociativos e de sentidos persecutrios por parte do beb; se nohouvessem estas (boas) condies instalar-se-iam as angstias primitivas e a sensao de caos, ao invs dosplitting do objeto em bom e mau; o uso deste mecanismo, dos processos de introjeo e projeo e oadvento da posio depressiva dar-se-iam bem alm do postulado por Klein por depender de umaintegrao do ego que s se faria bem depois.

    Aqui vemos uma divergncia bsica entre Winnicott e Klein. Enquanto ela postulou que a criana j nascecom um ego em formao, para Winnicott este s se formaria mais adiante, ao longo das pugnas eintegraes com o Id, pelas intervenes de uma me suficientemente boa, pela tolerncia crescente sexperincias de frustrao, pela interferncia positiva dos objetos e fenmenos transicionais, etc. Esteponto de vista, de um nascimento egico a posteriori, tambm o defendido pelos demais tericos dodesenvolvimento contemporneo de Winnicott: Spitz, Bowlby, Anna Freud e Margareth Mahler.

    Todavia, mais recentemente, diante das experincias pioneiras de Alessandra Piontelli, h que se pararpara pensar se Klein no tinha razo em suas postulaes a este respeito. Esta psicanalista italiana vem hcerca de 30 anos estudando fetos humanos em desenvolvimento atravs da ultrassonografia. Suasdescries parecem-nos assombrosas de fetos verdadeiramente vivos, mveis, determinados, coerentes,que nos faz de todo pensar numa instncia egica em desenvolvimento, isto , compatvel com as teoriasde Klein.

    Uma questo fundamental, pouco abordada, diz respeito a tcnica, basicamente a duas questes: o settinge a atividade interpretativa.

    Quanto ao setting, enquanto os kleinianos defendem a aplicao do mesmo setting, neutro, sem qualquer

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 9/11

    exposio emocional do terapeuta e, portanto, rgido - Winnicot postula um setting flexvel, malevel,adaptado s necessidades do paciente, principalmente diante de casos difceis, de pacientes borderlines,de pouca criatividade, com tendncias antissociais, esquizides, falso-selves ou mesmo psicticos. Talmanuseio do setting tambm se f az necessrio durante os episdios regressivos, como foi o caso de Little,comentado por Aguayo. Tudo isto funcionando com o analista como holding, sensvel, emptico, nointrusivo, como uma me suficientemente boa, aliando passado e presente, teoria e tcnica.

    No menos importante o problema da interpretao. Enquanto os kleinianos advogavam interpretaesprecoces e profundas, Winnicott propugnava por interpretaes graduais, sempre com a participao dopaciente, sendo para ele o cume do processo analtico que o paciente descobrisse suas prpriasinterpretaes. Assim, ele valorizava a todo o momento a aliana teraputica, embora no usasse estaexpresso. Deste modo, propugnava um trabalho da periferia para o centro, enquanto Klein propunha umenfoque diretamente ao centro dos conflitos, isto , ao mais profundo.

    Quanto aos contedos, tambm bastante divergentes. Para Klein, o mais profundo e o mais precoce, isto, os instintos, a inveja, a agressividade, as identificaes projetivas. J Winnicott, nos exemplos quedeixou este, dava interpretaes sobre a agressividade mas sobretudo privilegiava a dialtica verdade xfalsidade, os aspectos do desenvolvimento, as relaes objetais, a criatividade, a questo da autonomia,os potenciais regressivos, a capacidade de estar s, os paradoxos. No caso dos pacientes com grandescomponentes falso-selves, ele propugnava, porm interpretaes penetrantes e mobilizadoras semelhantes s dos kleinianos voc est vivo, mas voc ainda no viveu, voc um homem, mas nadasabe de masculinidade, etc...

    Penso mesmo que o uso da empatia por Winnincott, o seu cuidado em interpretar, em no cometeriatrogenias, foi uma reao forma kleiniana de interpretar, no seu afan de em pouco tempo atingir ascamadas mais profundas do paciente.

    Em O Brincar e a Realidade, sua obra pstuma mais revolucionria, ele chega mesmo a escrever:Tambm com freqncia alivio a mente, anotando interpretaes que, na realidade retenho para mim.Minha recompensa por essa reteno surge quando a prpria paciente faz a interpretao, uma hora ouduas depois, talvez...

    ... Minha descrio equivale a um pedido a todo terapeuta para que permita a manifestao da capacidadeque o paciente tem de brincar, isto , de ser criativo no trabalho analtico. A criatividade do paciente podeser facilmente frustrada por um terapeuta que saiba demais. Naturalmente, no importa, na realidade, oquanto o terapeuta saiba desde que ele possa ocultar este conhecimento ou abster-se de anunciar o quesabe.

    Este legado de Winnicott, a busca da espontaneidade, da criatividade e do verdadeiro self do paciente, nojogo interpretativo contrasta vivamente com a viso kleiniana do processo teraputico da argucia,inteligncia e penetrabilidade do analista produzindo interpretaes profundas e completas para tornar oinconsciente consciente realizando importantes insights teraputicos. Todavia, esta viso mais radical daforma kleiniana de trabalho est se modificando, conforme o depoimento de Rosenfeld acima citado.

    Obviamente, Winnicott e Klein utilizavam uma abordagem transferencial do paciente, porm enquantoKlein propunha interpretaes apenas transferenciais, Winnicott, como se despreende dos seus exemploscom adultos e crianas, dava tambm interpretaes para-transferenciais ou mesmo no-transferenciais.

    Assim foi o encontro de Klein e Winnicott. Como mentes criativas eles se aproximaram e por esta mesmarazo fizeram observaes diferentes e se afastaram. Todavia, o seu encontro e a sua cisma esto sempre anos ensinar e a nos fascinar. E, podemos mesmo indagar, o que seria da vida sem as discordncias?

    BIBLIOGRAFIA

    AGUAYO, J. Reassessing the clinical ativity between Melanie Klein and D. W. Winnicott (1935-1951).Kleins unpublished Notes on baby in historical context, Int. J. Psychoanalisis. 83:1133, 2002.

    BULACK, V. S. De Melanie Klein a Winnicott: reflexes sobre o conceito de Holding e suasconsequncias para o manejo de pacientes difceis. Biblioteca da Sociedade Brasileira de Psicanlise do RJ mimeografado.

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 10/11

    Carta de Winnicott a Melanie Klein. Revista Brasileira de Psicanlise, Vol 24, n 2.

    DE PAOLA, H. B Comentrios sobre o artigo De Melanie Klein a Winnicott, de autoria de Vera S. Bulack.Biblioteca da SBPRJ mimeografado.

    FORLENZA NETO, O.- Winnicott e Melanie Klein, em Winnicott: 24 anos depois, Mello Filho, J. Melgao,A. L., RJ, Revinter, 1975.

    GROSSKURT, P. Melanie Klein. RJ, Imago, 1992.

    KAHR, B. Donald W. Winnicott: retrato e biografia. Editorial Biblioteca Madri, Nueva, 1999.

    MELLO FILHO, J. Winnicott e Melanie Klein, em O Ser e o Viver: introduo obra de Winnicott. SP,Casa do Psiclogo, 2000.

    OGDEN, T. H. The dialectically constituted decentred subjet of psychoanalysis II. The contributions ofKlein and Winnicott, Int. J. Psychoanalysis, 73:613, 1992.

    PHILLIPS, A. Winnicott. Fontana Moderna Masters, 1988.

    RODMAN, R. The spontaneous gesture. London, Harvard Univ. Press, 1987.

    WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. RJ, Imago, 1975.

    WINNICOTT, D. W. Uma contribuio pessoal teoria kleiniana, em O ambiente e os processos dematurao. Porto Alegre, Artes Mdicas, 1982.

    [1] Registre-se a coincidncia de a me de Winnicott e Melanie Klein terem sido ambas pessoas com um forte componente depressivo.

    [2] Todavia a bigrafa de Klein, Gross Kurt, registra que ela tinha crticas quanto ao resultado da anlise de Eric com Winnicott.

    [3] Segundo Kahr, Winnicott pode ter recebido esta indicao como mero prmio de consolao.

    [4] Curioso este tipo de crtica. Inicialmente que Winnicott essencialmente objetivo sobre a relao me-beb e por isso s v o ambiente

    e no a subjetividade kleiniana sobre a relao. Depois, que ele essencialmente subjetivo e por isso no v a realidade da relao.

    [5] No somente a mente infantil, porm o soma, o todo da criana, como est bvio nos seus trabalhos sobre pediatria e nos seus

    escritos sobre psicossomtica.

    [6] Sobre isto comenta Gross Kurt: o problema de Klein com Winnicott era de que ele era independente demais e provavelmente no

    discutia os artigos com ela de antemo. Ao que tudo indica ela achava difcil tolerar uma situao em que ele se considerava em p de

    igualdade com ela.

    [7] Aqui mesmo no Rio eu tive vrias supervises com ela j tomada pelo enfisema que a levou, porm cheia de vida, de conhecimento e

    de amor para dar.

    [8] No teria este sido publicado para no expor questes familiares, conjectura Aguayo.

    [9] Vemos aqui Winnicott colocar a posio depressiva no final do primeiro ano de vida enquanto Klein a colocou muito precocemente,

    entre os 4 e 6 meses. Por outro lado, ele valorizou o conceito de reparao como o mais importante de Klein, se antecipando em muitas

    dcadas ao que a cultura atual coloca como fundamental o dar a volta por cima.

    [10] Traduzido entre ns por preocupao, o que no exatamente o mesmo.

    [11] Aqui vemos finalmente o exemplo de um conceito de Winnicott que foi aceito por kleinianos.

    [12] Este conceito vem sendo cada vez mais estudado e enfatizado pelos seguidores de Winnicott mostrando-se assim como um dos mais

    frteis e inovadores que ele deixou aps sua morte.

    [13] Vemos aqui que eu discordo de Aguayo e considero este primeiro trabalho de um Winnicott kleiniano j pleno de contribuies

    originais.

  • 17/2/2014 Psicloga Marina S. Rodrigues Almeida Consultrio de Psicologia: WINNICOTT E MELANIE KLEIN: ENCONTROS E DESENCONTROS, CON

    http://psicoterapiamarinaalmeida.blogspot.com.br/2010/07/winnicott-e-melanie-klein-encontros-e.html 11/11

    [14] Dissociao que faz p arte da prpria vida, presente nos pares antitticos de Freud e na oposio entre sol e lua, claro e escuro, fome e

    saciedade, dor e prazer, som e silncio, etc.

    [15] Diga-se, a bem da verdade, que h progressivamente um nmero maior de kleinianos trabalhando de um modo mais flexvel. Porm,

    esta era a tcnica na poca do confronto entre modos diferentes de se trabalhar.

    [16] Winnicott aqui se referia a uma paciente do sexo feminino, esquizide, que tinha uma sesso semanal de trs .horas de durao.

    [17] Acho muito importante e sempre possibilitar que o paciente venha a descobrir suas prprias int., porm mais ainda nos

    casos difceis para os quais Winnicott propugnava anlises especiais. Tambm uso esta tcnica no trabalho com grupos no

    qual cada paciente descobre uma int ou uma parte da int cabendo geralmente a mim enfeixar a gestalt grupal.