wilhelm von humboldt - · pdf filepara ele, a linguagem não é um produto, uma...
TRANSCRIPT
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.2, n.1, jan/2011. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>
1
WILHELM VON HUMBOLDT
ANA CLÁUDIA FERNANDES FERREIRA
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Eugênio Pacelli
Universidade do Vale do Sapucaí
Av. Pref. Tuany Toledo, 470- 37550-000-Pouso Alegre – MG - Brasil
As reflexões lingüísticas de Wilhelm von Humboldt (Potsdam, 1767-Tegel,
1835) – também conhecido como Guilherme de Humboldt – se inscrevem na
perspectiva dos estudos histórico-comparativos do século XIX, a partir de uma
concepção biológica da história. Sustentada pelo estatuto científico da biologia, sua
teoria não se construiu fora das conjunturas histórico-sociais daquele momento, que era
de emergência dos nacionalismos. No âmbito dessas condições de produção do
conhecimento sobre a linguagem, Humboldt desenvolve suas pesquisas a respeito da
linguagem e das diferenças nas estruturas das línguas.
A língua, para Humboldt, é o órgão formador do pensamento (das bildende
Organ des Gedanken1). E a linguagem, desta perspectiva, não é considerada como o
meio para falar da realidade, do mundo preexistente, mas é ela que constrói a realidade
do mundo.
Ao mesmo tempo, a linguagem é tomada como expressão do espírito coletivo e
este espírito coletivo é o espírito do povo (Volksgeist2). Sua concepção de linguagem
envolve a consideração de que a diferença entre as línguas não está propriamente nas
diferenças entre sons e palavras, mas nas diversas visões/representações de mundo dos
povos. Para Humboldt, tais diferenças estão relacionadas com o que ele define como
estágios de evolução do pensamento dos povos. Seu processo evolutivo das línguas é
dividido em quatro estágios: o primeiro seria o momento em que as coisas são
denotadas e os três seguintes são definidos a partir de uma classificação hierárquica das
línguas em isolantes, aglutinantes e flexionais.
Outro ponto bastante conhecido e importante das reflexões humbodtianas é a
distinção entre ergon e energeia3. Para ele, a linguagem não é um produto, uma obra
acabada (ergon), mas uma atividade, (energeia) („Sie ist kein Werk (Ergon), sondern
eine Tätigkeit (Energeia)‟).
As reflexões de Humboldt conferem à linguagem esse lugar de movimento,
como algo não estável, nem estanque, mas em processo de evolução. Isto, de uma
perspectiva biológica, tomada claramente pelo discurso nacionalista, no qual os sentidos
de linguagem, pensamento e mundo se constituem numa relação estreita com as noções
de cultura, povos e nação.
1 Humboldt, W. (1841-52) Gesammelte Schriften. Ed. Carl Brandes. 7 vols, Berlin: G. Reimer.
Reimpressão Berlin: De Gruyer, 1988. 2 Humboldt, W. (1883) Die Sprachphilosophischen Werke Wilhelm von Humboldt. Ed. Heymann
Steinthal. Berlin: F. Dümmler. Este conceito está presente em diversos autores alemães. 3 Humboldt, W. (1836) Über die Kawi–Sprache auf der Insel Java, nebst einer Einleitung über die
Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaues und ihren Einfluss auf die geistige Entwickelung des
Menschengeschlechts. Vol 1–3. Berlin: F. Dümmler.
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.2, n.1, jan/2011. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>
2
Ao lado de suas investigações lingüísticas, sua produção também entra em
domínios como os da antropologia, da história, da literatura, da estética, da teoria da
educação e da política. Humboldt exerceu diversas funções públicas, assumiu cargos
diplomáticos e contribuiu de maneira decisiva para a fundação da Universidade de
Berlin (que hoje tem o nome de Humboldt Universität), tomada como a primeira
referência de universidade no sentido moderno.
Interessante notar que sua idéia de movimento (como evolução), presente nas
reflexões que desenvolve sobre a linguagem, também pode ser notada na proposta que
apresenta para a organização dos estabelecimentos científicos superiores em Berlim.
Nessa proposta, a universidade é orientada para a pesquisa científica, é significada pela
pesquisa. A palavra ciência (Wissenschaft) é tomada em seu sentido amplo, que inclui
as artes. Ao mesmo tempo, a ciência não é tomada em termos de conhecimentos prontos
e concluídos (fertigen und abgemachten Kenntnissen), mas como uma atividade de
pesquisa, como um problema ainda não resolvido (als ein noch nicht ganz aufgelöstes
problem)4.
Dentre os estudiosos da linguagem que fazem referência aos trabalhos de
Humboldt, vale citar o nome de Noam Chomsky, que menciona, na obra Aspectos da
Teoria da Sintaxe (Coimbra: Armênio Editor, 1975), a consideração humboldtiana de
que a linguagem humana faz uso infinito de meios finitos (von endlichen Mitteln
unendlichen Gebrauch machen)5.
Essa questão também é lembrada por Sylvain Auroux em A Filosofia da
Linguagem (Campinas: Editora da Unicamp, 1988) e relacionada com o processo de
evolução das línguas através de um interessante comentário sobre a passagem de
“prendre” (tomar) à “comprendre” (compreender). Tal passagem mostraria, para
Humboldt, a origem da diversidade das formas simbólicas da expressão, da
representação e da significação (p. 255). Na mesma obra, também encontramos uma
reflexão importante de Auroux sobre a questão do racismo lingüístico na hierarquização
das línguas, presente na teoria de Humboldt e em outras teorias sobre a diversidade das
línguas.
É interessante mencionar ainda uma citação de Humboldt na discussão de M.
Pêcheux em Semântica e Discurso (Campinas: Editora da Unicamp, 1997) sobre a
subjetividade como fonte e princípio de unificação das representações.
Para citar um trabalho mais recente que se dedica a estudar a teoria de
Humboldt, lembramos o artigo de Hans Aarsleff, “The context and sense of humboldt‟s
statement that language „Ist Kein Werk (ergon), sondern eine tätigkeit
(energeia)”(History of Linguistics 2002 (GUIMARÃES, Eduardo e BARROS, Diana
Luz Pessoa de (eds.)), Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company,
2007). Neste texto, Aarsleff busca estudar o contexto e o sentido da formulação
humboldtiana da língua como uma atividade (energeia) e não como um produto
(ergon).
4 Humboldt, W. (1808-1809) Ueber die Innere und Äussere Organisation der Höheren Wissenshaflichen
Anstalten in Berlin. Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em
Berlim). Em: Castilho, Fausto; Tadeu, Alexandre Guimarães (org.) Campinas: Editora da Unicamp, 2008. 5 Humboldt, W. (1836-39) Über die Kawi–Sprache auf der Insel Java, nebst einer Einleitung über die
Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaues und ihren Einfluss auf die geistige Entwickelung des
Menschengeschlechts. Vol 1–3. Berlin: F. Dümmler.
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.2, n.1, jan/2011. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>
3
Em relação à questão da ciência como uma atividade de pesquisa, há a
publicação de Fausto Castilho, O Conceito de Universidade no Projeto da Unicamp
(CASTILHO, Fausto; SOARES, Alexandre Guimarães Tadeu (org.), Campinas: Editora
da Unicamp, 2008). No capítulo intitulado “O Memorando de Humboldt e a
universidade moderna”, o autor analisa o memorando de Humboldt para a organização
dos estabelecimentos científicos superiores enquanto texto inaugurador do sentido de
universidade moderna. Nesta obra também pode ser lido o documento de Humboldt em
alemão (Ueber die Innere und Äussere Organisation der Höheren Wissenshaflichen
Anstalten in Berlin6) com tradução para o português (Sobre a Organização Interna e
Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim).
Há, certamente, inúmeras outras referências à Humboldt além das acima
ilustradas. Uma relação bastante extensa, ao lado de uma listagem das produções de
Humboldt em diversas áreas do conhecimento, bem como correspondências trocadas
com outros pensadores, poetas, amigos e familiares, pode ser encontrada num artigo
bastante detalhado sobre Humboldt, publicado no site da Stanford Encyclopedia of
Philosophy7.
Grande parte da produção do autor está acessível para consulta e leitura no
Google books e no site da biblioteca da Universidade de Toronto8.
Apresentamos abaixo uma relação bibliográfica da produção lingüística do autor
Em alemão:
1836 Über die Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaues und ihren Einfluss
auf die geistige Entwickelung des Menshengeschlechts. Berlin: F. Dümmler.
1836-39 Über die Kawi–Sprache auf der Insel Java, nebst einer Einleitung über die
Verschiedenheit des menschlichen Sprachbaues und ihren Einfluss auf die
geistige Entwickelung des Menschengeschlechts. Vol 1–3. Berlin: F. Dümmler.
1841-52 Gesammelte Werke. Ed. Carl Brandes. 7 vols, Berlin: G. Reimer. Reimpressão
Berlin: De Gruyer, 1988.
1883 Die Sprachphilosophischen Werke Wilhelm von Humboldt. Ed. Heymann
Steinthal. Berlin: F. Dümmler.
1903-36 Gesammelte Schriften. Ed. Königlich Preussische. Akademie der Wissen-
schaften, 17 vols., Berlin: Behr. – Abteilung 1: Werke. Ed. Albert Leitzmann,
vols. 1–9 and 13. Abteilung 2: Politische Denkschriften. Ed. Bruno Gebhardt,
vols. 10–12. Abteilung 3: Tagebücher. Ed. Albert Leitzmann, vols. 14,15.
Abteilung 4: Politische Briefe, Ed. Wilhelm Richter,vols. 16,17.
6 Documento escrito em 1808-1809. Wilhelm Von Humboldt, Werke in Fünf Bänden. Herausgegeben
Von Andreas Flintner um Klaus Giel. Darmstadt; Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1960-1981, Vol IV
– “Schriften zur Politik um zum Bildungswesen”. PP.255-66. 7 Disponível em: http://plato.stanford.edu/entries/wilhelm-humboldt/
8 Disponível em: http://www.archive.org/details/robarts
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.2, n.1, jan/2011. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>
4
1960-81 Werke in Fünf Bänden. Ed. Andreas Flitner e Klaus Giel, Darmstadt:
Wissenschafliche Buchgesellschaft.
1970-71 Wilhelm von Humboldt Studienausgabe. Ed. Kurt Mueller-Vollmer, 2 vols.
Frankfurt: Fischer.
1994 Über die Sprache. Reden vor der Akademie. Hg., kommentiert, und mit einem
Nachwort versehen von Jürgen Trabant, Tübingen e Basel: A. Francke.
1994 Schriften zur Sprachwissenschaft (Writings on Linguistics), Ed., Kurt Mueller-
Vollmer em cooperação com in Tilman Borsche, Bernhard Hurch, Manfred
Ringmacher, Jürgen Trabant e Gordon Whittaker. Paderborn, München, Wien,
Zürich: F. Schöningh. 2 vols.
Algumas traduções para outras línguas:
De l’origine des formes grammaticales suivi de Lettre à M. De Rémusat (1827),
Paris, Ducros, 1969.
Sobre La diversidad de La estrutura Del lenguaje humano y su influencia sobre
el desarrollo espiritual de La humanidad. Traduzido por Ana Agud. Barcelona:
Anthropos, 1990.
Escritos sobre el lenguaje. Barcelona, Edição e Tradução de Andrés Sánchez
Pascual. Ediciones Península, 1991.
Essays on Language, Ed. T.Harden e D. Farrelly. Frankfurt, Berlin, Bern, New
York: P. Lang, 1997.
On Language. On the Diversity of Human Language Construction and its
Influence on the Mental Development of the Human Species. Ed. Michael
Losonsky, Tradução de Peter Heath, Cambridge Texts in the History of
Philosophy, Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
Sobre a origem das formas gramaticais e sobre sua influência no
desenvolvimento das idéias. Crônicas e Controvérsias. Línguas e Instrumentos
Linguísticos, n. 3. Campinas: Pontes, 1999.
Sobre a natureza da língua em geral (Trad. Paulo Oliveira). Em: Heidermann,
Werner e Weininger, Markus J. (orgs.), Wilhelm von Humboldt: Linguagem,
Literatura, Bildung. Edição bilíngue alemão-português. Florianópolis: Editora
da UFSC, 2006. p. 2-19.
Sobre o estudo comparado das línguas em relação com as diferentes épocas do
desenvolvimento das línguas (Trad. Luiz Montez). Em: Heidermann, Werner e
Weininger, Markus J. (orgs.), Wilhelm von Humboldt: Linguagem, Literatura,
Entremeios: revista de estudos do discurso. v.2, n.1, jan/2011. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>
5
Bildung. Edição bilíngue alemão-português. Florianópolis: Editora da UFSC,
2006. p. 20-93.
Forma das línguas (Trad. Karen Volobuef). Em: Heidermann, Werner e
Weininger, Markus J. (orgs.), Wilhelm von Humboldt: Linguagem, Literatura,
Bildung. Edição bilíngue alemão-português. Florianópolis: Editora da UFSC,
2006. p. 94-119.
Natureza e constituição da língua em geral (Trad. M. Weininger). Em:
Heidermann, Werner e Weininger, Markus J. (orgs.), Wilhelm von Humboldt:
Linguagem, Literatura, Bildung. Edição bilíngue alemão-português.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2006. p. 120-165.