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Welton Roberto
A PARIDADE DE ARMAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA CONCEPO DO JUSTO PROCESSO
TESE DE DOUTORADO
Recife
2011
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Welton Roberto
A PARIDADE DE ARMAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA CONCEPO DO JUSTO PROCESSO
TESE DE DOUTORADO
Recife
2011
1
WELTON ROBERTO
A PARIDADE DE ARMAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA CONCEPO DO JUSTO PROCESSO
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Cincias Jurdicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Direito.
rea de concentrao: Teoria E Dogmtica do Direito.
Linha de pesquisa: Teoria da Antijuridicidade e Retrica da Proteo Penal dos Bens Jurdicos.
Orientador: Professora Doutora Anamaria Campos Torres
Recife
2011
2
Catalogao na fonte Bibliotecria Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832
R639p Roberto, Welton
A paridade de armas no processo penal brasileiro: uma concepo do justo processo / Welton Roberto. Recife: O Autor, 2011.
331 folhas.
Orientador: Anamaria Campos Torres.
Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2013.
Inclui bibliografia.
1. Processo penal - Brasil. 2. Devido processo legal. 3. Direitos fundamentais - Brasil. 4. Brasil. [Constituio (1988) - Art. 5, inciso LIV]. 5. Igualdade perante a lei - Brasil. 6. Justa causa (Direito) - Brasil. 7. Garantia (Direito). 8. Contraditrio (Direito) - Brasil. 9. Deciso judicial. 10. Medida cautelar. 11. Presuno de inocncia. 12. Brasil. [Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996]. 13. Interceptao telefnica - Brasil. 14. Defesa (Direito) - Brasil. 15. Liberdade. 16. Pena (Direito) - Brasil. 17. Prova (Direito) - Brasil. 18. Dignidade (Direito) - Brasil. 19. Publicidade (Direito) - Brasil. I. Torres, Anamaria Campos (Orientador). II. Ttulo.
345.8105CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2013-023)
http://catalogos.bn.br/scripts/?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=processo|penalhttp://catalogos.bn.br/scripts/?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=devido|processo|legalhttp://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=justa|causa|(direito)http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=prova|(direito)
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Senhor, o sonho de que seu primeiro neto nascido em nosso pobre e humilde
mas sempre aconchegante casebre pudesse um dia ser doutor. Esse dia
parece que est mais prximo, valeu vozinha.
Aos meus irmos Welson e Wilma que mesmo distncia continuam
bem pertinho de mim.
Ao meu irmo de corao Bruno Barros que se desdobrou em muitos
para superar minhas faltas no escritrio, nas audincias, no nosso salutar
convvio do dia-a-dia. Irmo, voc de f, sempre. Obrigado.
minha orientadora Professora Doutora Anamaria Campos Torres pela
humildade, confiana, carinho e lies de humanidade. Minha eterna gratido
e amizade.
Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE), nas pessoas dos
Excelentssimos Professores Doutores Cludio Brando e Ricardo de Brito
Freitas, e dos meus amigos doutorandos ngela e Marco Bruno, sem vocs
tenho certeza que teria sido muito complicado continuar. Valeu o estmulo.
equipe de funcionrios do Programa de Ps-graduao em Direito,
nas pessoas de Josina (Josi) de S Leito, Maria do Carmo (Carminha) Aquino
e Gilka Santos, que com disciplina, beleza e carinho mantm a chama acesa
da educao pernambucana.
Aos amigos do escritrio Ricardo, Nila, Juniele, Manu, Maarthe, Thais,
Emdio, que souberam levar adiante os compromissos sem me estressar.
Vocs foram feras.
4
Aos doutorandos Marcos Ehrhardt e Beclaute de Oliveira (BEC), meus
amigos desde o Mestrado na FDA/UFAL, colegas professores na FDA/UFAL,
que me conduziram a esta etapa do conhecimento acadmico, sou
eternamente grato. Como digo sempre nunca estarei s enquanto vocs
existirem.
Ao pessoal da OAB/AL e do CFOAB que por vezes me tiraram da
concentrao dos estudos para trabalhar em prol da advocacia alagoana e
brasileira. Obrigado.
Aos amigos professores da FDA/UFAL, que aqui gostaria de agradecer
nas pessoas dos professores Andreas Krell e George Sarmento, obrigado pela
amizade e pelos ensinamentos.
Ao professor Marcos Bernardes de Mello pelo carinho e disposio de
nos mostrar que o caminho da educao sempre o mais benfico.
A Sidney Wanderley obrigado pela imensa e sempre pronta ajuda com
nosso vernculo.
Aos meus amigos doutorandos italianos Giulia Cometti, Carola Musio e
Luca Milani que emprestaram seu tempo para acolher um brasileiro em busca
de solues para suas inquietaes culturais na quase milenar Universit degli
Studi di Pavia. Pavia adesso la mia seconda casa, e la nostra amicizia sar
sempre nel mio cuore. Grazie. Ancora grazie.
A voc meu maestro Vittorio Grevi que o Senhor nos levou
repentinamente do convvio, obrigado muito pouco pelas valorosas aulas de
cultura jurdica, cidadania e amizade. Nossos cafs pontualmente s onze
5
faro parte da memria deste ser errante que procura abrigo em coraes
virtuosos como o seu. Senza parole.
6
Vittorio Grevi que nos deixou em 4 de dezembro de 2010.
minha flor de Liz (Catatau) que nasceu em 5 de dezembro de 2010.
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RESUMO
ROBERTO, Welton. A paridade de armas no processo penal brasileiro: uma concepo do justo processo. 2011. 331f. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Ps-Graduao em Direito, Centro de Cincias Jurdicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
A paridade de armas no processo penal (par condicio) tratada pela doutrina nacional como igualdade das partes na relao processual de um sistema publicstico, foi revisitada a fim de que pudesse ganhar autonomia conceitual e principiolgica na tese ora desenvolvida. Com o aprofundamento versado na doutrina italiana, pode-se perceber que a paridade de armas embora seja ideologicamente valorada dentro do fundamento da igualdade dela no seja seu dependente axiolgico. O contraditrio versado como princpio autnomo mecaniciza o devido processo legal, atualmente revestido de contedo de justo processo a fim de que a formao da prova seja a substncia crucial na tomada da deciso no processo crime. Esta formao no pode mais, sob os atuais cnones legais, ser formatada fora do campo de atuao das partes que precisam se encontrar em posies justapostas e equilibradas,entregando-lhes condies paritticas para a participao e formao da prova a fim de influenciar em um resultado decisional que esteja albergado pelo sistema acusatrio dentro do contedo de justo processo.A paridade de armas passa a ser elemento concretizador do processo penal de partes inserido no contexto do sistema acusatrio escolhido pelos valores constitucionais que atualmente esto albergados na Constituio Federal do Brasil.
Palavras-chave: par condicio, formao, prova, contraditrio, armas, valores, justo, processo, penal.
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ABSTRACT
ROBERTO, Welton. The parithetical weapons in Brazilian criminal process: a conception of fairness procedure. 2011. 331p. Doctoral Thesis (PhD of Law) - Programa de Ps-Graduao em Direito, Centro de Cincias Jurdicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.
The parithetical weapons in the penal process (par condicio) treated by the national doctrine as equal parts in the procedural report in a public system, was revisited in order to achieve autonomal and principiological concept in this developed tesis. On the basis of the Italian doctrine, may be noticed that the parithetical weapons, although has its value in equality proportions, do not depend on it. The contradictory as an independent principle makes the due process of law work by itself revested with substantial justice in order to form the proof. This formation cannot therefore, under the modern patterns, be formed outside the parts permission that need to be positioned in equilibrated terms where they have to assume parithetical conditions to participate and form the proof in order to influence the decision that has to be inside the adversarial system content of a equo and fair process.The parithetical weapons assume the position of a concrete element of the criminal process that will be served by parts in an accusatorial system chosen by the constitutional values that nowadays are interned by the Brazilian Federal Constitution.
Key words: par condicio, formation, proof, contradictory, weapons, values, justice, process, penal.
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SUMRIO
Por uma nota introdutria ................. 14
Captulo 1 O devido processo legal e o modelo de processo penal............................................................................................................... 27
Ementa: 1.1 A hoste embrionria do devido processo legal. 1.2 A evoluo conceitual e o
elemento de garantia ao processo. 1.3 Natureza jurdica e elementos componentes do devido
processo legal. 1.4 Consectrios principiolgicos decorrentes do devido processo legal 1.5 O
devido processo legal e o justo processo penal: uma imbricao propositiva.
Captulo 2 O contraditrio e seu alcance principiolgico..................................68
Ementa: 2.1 Os sistemas processuais de prova sobre o acertamento da verdade ftica penal.
Mtodo de falibilidade humana ou reconstruo perfeita da verdade histrica? 2.2 Natureza
conceitual do contraditrio. O contraditrio como fomento ao direito de defesa. 2.3 O
contraditrio como consectrio idealizador do processo: a regra de ouro. Os elementos
componentes do contraditrio. 2.4 Posio no sistema jurdico. Contraditrio argumentativo e
probatrio: a esgrima ideolgica. 2.5 A constitucionalizao do princpio do contraditrio:
aspectos dogmticos e seu alcance processual.
Captulo 3 A paridade de armas no processo penal.......................................122
Ementa: 3.1 A paridade como princpio inafastvel do devido e justo processo legal: uma viso
garantista 3.2 A decorrncia dogmtica e seu delineamento processual como condio de
validade processual 3.3 A necessidade da autonomia principiolgica 3.4 Paridade de armas e
os atores desiguais 3.5 Desnivelamento das armas em razo dos discursos punitivos 3.6 O
fantoche da proteo social na retrica utilitria do arbtrio judicial: a busca maquiavlica da
verdade verdadeira em detrimento da imparcialidade como mecanismo de garantia da paridade
de armas.
10
Captulo 4 . A paridade de armas sob o ngulo dogmtico............................164
Ementa: 4.1 As medidas cautelares de urgncia sob o signo da paridade: buscando o equilbrio
4.2 A ao penal sob o signo da paridade: seu enfoque constitucional de validez do processo
4.3 A produo probatria e o tratamento paritrio: o direito de se defender provando 4.4 A
sentena judicial em foco: o espelho da parcialidade humana 4.5 O tratamento recursal sob o
peso da autoridade discursiva 4.5.1. O duplo grau de jurisdio sob o signo da paridade de
armas.
Captulo 5. A paridade de armas e os sujeitos no processo penal: a defesa
investigativa................................................................................ ....................215
Ementa: 5.1 A paridade de armas como instrumento de equilbrio e equao no sistema de
formao das provas. 5.2 Um novo processo de partes contrapostas no processo penal. 5.3 A
investigao defensiva como meio de defesa e meio de prova.
Captulo 6. A paridade de armas e os sujeitos no processo penal: a acusao na relao processual penal de partes ...........................................................243
Ementa: 6.1 Os novos poderes do assistente de acusao ante o papel da vtima na contenda
penal. 6.2 A completude da integrao probatria e o papel do Ministrio Pblico na relao
processual sob o signo da paridade de armas. 6.3 O atuar e decidir do juiz imparcial como
garante da paridade de armas.
Concluses ....................................................................................................307
Referncias Bibliogrficas .............................................................................316
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LISTA DE ABREVIATURAS
CADH Conveno Americana sobre Direitos Humanos
CEDH Conveno Europeia para Proteo dos Direitos Humanos
CF Constituio Federal Brasileira
CFI Constituio Federal Italiana
CPB Cdigo Penal Brasileiro
CPi Cdigo Penal Italiano
CPP Cdigo de Processo Penal Brasileiro
CPPi Cdigo de Processo Penal Italiano
HC Habeas Corpus
MP Ministrio Pblico
STJ Superior Tribunal de Justia
STF Supremo Tribunal Federal
TJAL Tribunal de Justia de Alagoas
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A prova tem um objetivo, um fim. Quando se trata de humildes, sobretudo o interrogatrio invade todas as intimidades, e os agentes, em companhia da reportagem vida de ilustraes, escndalos, anomalias, violam o lar, inclusive da vtima, tudo trazendo para o gozo da platia sem autocrtica e sem sensibilidade moral.
Roberto Lyra
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Por uma nota introdutria
As obras jurdicas devem se espraiar para alm do texto frio da lei,
sendo cogente que contenham uma viso tambm dos problemas
extrajurdicos. Com tal assertiva Norberto Bobbio ensina que ao jurista deve ser
permitido desnudar todas as situaes que deformam o sistema normativo
gerando poderes selvagens oriundos de relaes de desigualdade que se
perpetuam enquanto o estado de direito no contorna seus comandos
axiolgicos mediante regras claras e precisas.1 Reside neste ponto uma das
explicaes para a cincia processual penal sofrer as constantes mutaes ao
longo da sua existncia conforme o sistema poltico de regras normativas que
buscam saciar a vontade do legislador em face da necessidade de se punir as
condutas humanas.
O panpenalismo, que consiste na proliferao desmesurada de leis
penais, tem se mostrado ineficaz e claudicante como nica resposta atual
escalada da criminalidade.
Como consequncia quase que lgica o processo penal vem sofrendo
presses para que medidas urgentes se apressem em instrumentalizar o
quanto antes as punies em seara criminal. Mas no somente punir a
funo do processo. Como primeira ordem e razo de ser, sua histria se
vincula ao reconhecimento do ius libertatis dos cidados. Frenticos desvios de
rumo, todavia, quase sempre em detrimento de direitos fundamentais 1 BOBBIO, Norberto. Prefazione. In Diritto e Ragione Teoria Del Garantismo penale de Luigi Ferrajoli.
Roma:Laterza. 8.ed. 2004, p. xiv.
14
desequilibram a relao processual penal conquistada ao longo de sculos de
lutas para garantias da cidadania.
A histria da cincia processual de fomento de balizas ao Estado e de
garantias aos cidados e desta forma aceita-se, sem profundas discusses,
que o devido processo legal repousa sua gnese na imposio feita pelos
bares ao Rei Joo Sem Terra, filho de Henrique II, irmo de Ricardo I, na
Carta Libertatum em 15 de junho de 1215, quando no artigo 39 havia a
prescrio de que nenhum homem livre poder ser preso, encarcerado,
desapossado, proscrito, banido, ou de qualquer modo subtrado, no podendo
o rei sentenci-lo, nem dar ordem de priso contra o mesmo a no ser no caso
de ter sido julgado por seus pares ou pela lei da terra. 2
Incursionando na histria da clusula que expressa de forma integral o
devido processo legal alguns autores relatam que ela teria nascido no reinado
de Edward III, perodo compreendido entre 25/01/1327 21/06/1377 quando
ento o parlamento ingls editou a Statute of Westminster of the Liberties of
London que prescrevia que nenhum homem de qualquer estado ou condio
ser expulso de suas terras ou propriedades, nem preso, deserdado ou
condenado morte sem haver respondido ao processo legal regular3
Todavia, o que nos interessa neste passo introdutrio, sem adiantar o
estudo realizado no captulo vestibular da presente tese, estabelecer que no
ordenamento ptrio tal clusula aportou ao sistema como garantia
2 COOLEY, Thomas. Princpios Gerais de Direito Constitucional dos Estados Unidos da Amrica do
Norte. 2.ed.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p.254. 3 FERREIRA, Marco Aurlio Gonalves. O devido processo legal: um estudo comparado. Rio de Janeiro:
Lmen Jris, 2004, p.15.
15
constitucional de todo e qualquer acusado conforme expressa determinao do
artigo 5, inciso LIV da Carta Magna vigente. No se descuida em realar,
contudo, da suma importncia como tal clusula se impe contra o Estado,
perfazendo assim um entendimento dicotmico em dois prismas, o substancial
e o formal.
Aclara-se, neste diapaso, que o processo, em sua gnese embrionria
nasce da necessidade pujante de frear as punies penais sem um devido e
constante controle, muito embora deve-se registrar que nem todo cidado
estaria albergado pela clusula protetiva inserida na Carta imposta ao rei Joo
Sem Terra, posto que tinha como destinatrios os prprios bares.Sobre a
evoluo e sua universalizao cuidaremos nos captulos iniciais da tese
apresentada.
Todvaia, no se pode deixar de enfatizar que a punio na verdade a
consequncia natural do controle prvio em razo da aplicao das normas
materialmente estabelecidas que visam tutelar bens jurdicos, mas no sem
antes de ter uma viso de proteo aos cidados.
Joaquim Canuto Mendes de Almeida lembrado por Marco Aurlio
Gonalves Ferreira quando relata de maneira linear que o Estado que se
submete ao devido processo legal, uma vez que h impedimento expresso de
se impor penas criminais sem o processo. 4 No obstante, a viso no se
encontra completa. Despiciendo explicar, pelo bvio da imposio legal, que
no h crime e no h pena sem processo, dentro das linhas axiomticas
4 FERREIRA, Marco Aurlio Gonalves. O devido processo legal: um estudo comparado. Rio de Janeiro:
Lmen Jris, 2004, p.61.
16
garantistas estabelecidas pela lio de Luigi Ferrajoli5. Todavia, necessrio
dimensionar atualmente que a clusula do devido processo legal tambm se
insere no contexto de garantia ao acusado.
O poder de punir jus puniendi que ora se bifurca no poder-dever, o
Estado detm sua exclusividade, e conforme a lio bem posta de Franco
Cordero, poder e dever so duas figuras independentes, o juiz deve condenar
somente os culpados, mas todos esto expostos ao poder de punir do Estado,
culpados ou no.6
Verifica-se, destarte, que o referido poder-dever encontra balizas
limitadoras, no sendo suficiente que seja qualquer processo, imperioso que
exista um elemento substancial na formao da acusao, sendo necessria a
existncia de um contedo mnimo (justa causa) que permita ao Estado
movimentar-se contra o cidado mediante uma ao que se revestir de bitolas
reguladoras na criao do instrumento ora vazado.
Destaque para os ensinamentos que nesta esteira do ministro Luiz Fux
contemplando que o princpio do devido processo legal
tem como um de seus principais fundamentos o processo justo, que aquele adequado s necessidades de
5 Ferrajoli estabelece os axiomas dentro de um princpio que chama de estrita legalidade, vazando assim
o entendimento de tal estudo ( nulla lex poenalis sine necessitate, sine injuria, sine actione, sine culpa, sine judicio, sine accusatione, sine probatione, sine defensione). In FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione Teoria Del Garantismo Penale. 8.ed.Roma: Laterza. p.89. 6 CORDERO, Franco. Procedura Penale.8.ed.Milano: Giuffr, 2006, p.14. Assim no texto original do
autor: Notiamo como potere e dovere siano figure indipendenti: il giudice deve condannare solo chi risulti colpevole, ma latto (non riformato o annullato) varrebe anche se esorbitasse dal limite; lnico rimedio sta nei mecanismi correttivi endoprocessuali.Siamo tutti esposti al potere di punire, colpevoli e no.
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definio e realizao dos direitos lesados. O senso de justia informa inclusive o due process of law na sua dupla conotao, a saber: a lei justa e processo judicial substantive due process of law e judicial process.7
Demonstrado, ao menos, ainda superficialmente que a clusula gravita
em sua natureza formal e substancial, dirigindo-se ao cidado e ao Estado,
resta, neste estreito espao introdutrio da tese que se desenvolver em seis
captulos, permear as partes de condies isonmicas a fim de permitir que
haja equilbrio na sustentao das demandas penais.
A tese ser construda no sentido de aprofundar minuciosamente o
estudo sobre as variantes compreendendidas dentre os
direitos/deveres/poderes/faculdades/garantias que possuem as partes para se
chegar resoluo dos conflitos. Para tanto, o foco do devido processo legal
ser interpretado e lido partindo de uma concepo do justo processo.
A criao normativa processual penal ser analisada desde a sua
concepo sentena que escolhe a tese vencedora entre os litigantes, bem
como da fase recursal,no se descuidando dos aspectos que envolvem a trama
processual, sejam no campo dogmtico, filosfico ou sociolgico. A base
axiolgica de todo o estudo ser desenvolvida nos fundamentos da teoria do
garantismo penal, assoreando as assertivas no estudo da obra de Luigi
Ferrajoli e trazendo como paradigma dogmtico o artigo 111 da CFI que
positivou em seu ordenamento o justo processo atravs do desenvolvimento do
7 BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados especiais cveis e criminais e suspenso condicional do
processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.99.
18
princpio do contraditrio mediante a paridade de armas dos atores
processuais.
Para a base doutrinria utilizar-se na concepo e aprofundamento do
estudo do justo processo as lies processualistas italianos Paolo Ferrua e
Vittorio Grevi que daro o esteio tese para se afirmar que um novo conceito
de contraditrio pode ser extrado da carta poltica constitucional brasileira.
Outros doutrinadores do campo processual, mormente os italianos, tambm
aportaro e contribuiro com o desenvolvimento da presente tese, servindo
como estudo comparativo e fundante do estudo que se apresenta.
Os sistemas inquisitrio e acusatrios e seus correspondentes
consectrios sero estudados no captulo vestibular, de onde se tratar da
evoluo do devido processo legal dentro de um contedo histrico e
conceitual demonstrando de que maneira tanto o common Law quanto os
cnones germano-romnicos acomodaram a clusula fundante do moderno
processo penal.
O professor Antnio Scarance Fernandes sacramenta que os postulados
do direito processual em razo da clusula do devido processo legal assentam
o equilbrio intrapartes contrapostas em que uma o Estado busca a eficcia
da aplicao de seu poder punitivo e a outra o acusado- precisa ter a garantia
de que seja defendido de forma tambm eficaz antes de seu julgamento. 8
Neste diapaso o processualista paulistano insere o tema do devido processo
justo com alguma profundidade, e aqui, parece, que assim deve ser encarada
8 FERNANDES, Antnio Scarance. A reao defensiva imputao. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p.21.
19
a clusula no sistema processual moderno, sem medo de uma incurso no
campo filosfico acerca deste contedo, em razo de se buscar o exato
equilbrio entre as partes que iro persuadir o Estado-juiz a aplicar a norma
penal.
O estudo do contraditrio se tornou necessrio no segundo captulo, pois
como se verificar seguramente o princpio fomentador do devido processo
legal, e foi ali desenvolvido e estudado seus elementos partindo de seu
contexto dogmtico e seu alcance principiolgico.
Independente, neste primeiro ponto de se classificar a relao
processual entre justaposta ou contraposta buscar-se- em Franco Cordero
que o ponto de encontro convergente do processo que este estar sempre
entre a escolha entre uma hiptese formulada, sendo esta em detrimento de
uma titularidade ou de outra. Assim a lio do professor Rogrio Lauria Tucci
que defende que a relao jurdica processual penal compreende duas
situaes jurdicas justapostas correspondendo uma titularidade do ius
puniendi e outra titularidade do ius libertatis , pois nem sempre as partes
estaro em contraposio na contenda processual penal no trar, ao menos
neste aspecto qualquer influncia na concluso acerca da aplicao do
princpio do contraditrio e sua relao no justo processo.9
No obstante, no se descuidar de uma anlise do processo penal
moderno em sua seara de efetividade. Notrios os desvios na conduo e
9 TUCCI, Rogrio Lauria. Direitos e Garantias Individuais no processo penal brasileiro.3.ed.So Paulo:
Editora Revista dos Tribunais.2009,p.128.
20
aplicao das normas processuais utilizando-se dos poderes selvagens de
que se falou na abertura da introduo quando Norberto Bobbio foi citado.
Os juzes ainda no af de controlar a escalada da criminalidade, atravs
do instrumento processual, cada vez mais se distanciam das garantias
individuais para chancelar a qualquer custo um estado que vivencia uma
histeria punitiva. Nesta esteira os estudos de Alexandre Morais da Rosa sero
utilizados para demonstrar de que forma a imparcialidade do julgador atua no
justo processo penal, em face de um contraditrio em paridade de armas.
O pragmatismo judicial tem cedido largo espao para o ativismo judicial
no campo da atuao dos poderes dos magistrados. Utilizando-se das lies
de Dalmo de Abreu Dallari, verifcar-se- que o tecnicismo formal agora tem seu
espectro assoreado pelos efeitos e composies poltico-sociais das decises,e
isto a tese no se descuidar de anlise.
A imprensa de certa forma vem balizando a liberdade e limitando-a de
sorte que esta s possa ser garantida para os homens de bem. A liberdade
com a utilizao das medidas cautelares em larga escala virou a exceo e o
acusado dever provar sua inocncia para se livrar das garras do estado
punitivo que se associa como instrumento de combate ao crime, ainda que em
detrimento da clusula constitucional da presuno da inocncia.
As medidas cautelares revestidas em privaes da liberdade atravs das
temporrias e preventivas, relativizao da privacidade e intimidade
representadas pelas buscas e apreenses sero estudadas sob o ponto de
vista da nova construo fundante do justo processo. Imperioso o relato inicial
21
que muitas destas esto assoreadas por decises retricas, sofismticas, para
atender ao fundamento de estarem motivadas e devidamente
fundamentadas.
O silogismo erstico, aquele que se utiliza como premissa o argumento
da autoridade, a tnica das hostes que apiam muitas das decises
cautelares. A ordem pblica acaba sendo o pano de fundo para todo tido de
arbtrio estatal.
A absurda discusso da admisso da prova ilcita pro societate (a
sociedade do bem) volta cena enquanto cotidianamente as escutas
telefnicas clandestinas, ilegais e imorais se alastram pelo pas no poupando
sequer o STF. Neste sentido e como demonstrao do que se asseverou vale
vale a transcrio na ntegra do minstro Celso de Melo refletindo exatamente
este estado: intolervel essa atmosfera que vivemos, com a conduta abusiva
de agentes ou rgos entranhados no aparelho de estado. A interceptao
telefnica generalizada indcio e ensaio de uma poltica autoritria.10. Ainda
que no comprovada a realizao das referidas escutas, preocupante j o
fato de ser provvel a sua existncia, o que mostra a falta de segurana dos
instrumentos garantidores das liberdades individuais dos cidados.
Crtica necessria feita s cortes superiores que ao longo destes
ltimos quinze anos de vigncia da lei acerca da autorizao da escuta
telefnica (lei n. 9296/96) foram flexibilizando sua aplicao, chegando a
chancelar escutas feitas por mais de dez meses, quando a prpria norma limita
10
MEDO NO SUPREMO. Revista Veja, 22 de agosto de 2007.
22
o tempo mximo da interferncia no campo da intimidade e da privacidade em
trinta dias.11
Neste estado de coisas, ser estudado tambm de que o forma o direito
de defesa, que passou a ser atacado como se fosse um mero empecilho
justia, orbitrar na concepo de justo processo dentro do signo paritria das
armas. Nicola Carulli, bem define que a histria do processo a histria da
prpria defesa. 12 Assim sendo no se pode admitir que o devido processo
legal se transforme em um smbolo que esconda ou macule a verdadeira
finalidade de sua criao.
Por trs de tudo isto se encontra um direito fundamental, a liberdade, que se
revela como um direito da prpria personalidade.13 O ius libertatis tambm
um dos valores a ser assegurado e garantido pelo processo. No se pode
como leciona Rogrio Lauria Tucci, enxergar o processo como instrumento de
mera chancela e/ou aplicao do direiuto material vigente.
No tocante ao papel finalstico do processo, inegvel a reflexo de que
h uma evidente crise ideolgica da cincia penal. O processo, por vezes,
transformou-se em mecanismo formal de um ritual de passagem do estado de
inocncia para o estado de condenado. Os constantes erros judicirios
demonstram s ensanchas que a lio de Franco Cordero aqui destacada, tem
11
Vide STJ HC 50193/ES, RHC 15121/GO e RHC 13274/RS. Vide STF RHC 88371/SP, RHC 85575/SP, HC 84301/SP e HC 83515/RS. 12
CARULLI, Nicola. Il diritto di difesa dell imputato. Napoli: Jovene, 1967, p.3. 13
ROBERTO, Welton. Os direitos de personalidade sob uma nova concepo fundamental de direitos humanos. Revista do mestrado em direito Universidade Federal de Alagoas Ano 2, n. 2 , p. 420. Como frisamos no texto: Referido direito se encontra sob os aspecto da liberdade em seu sentido de ser o homem livre desde o seu nsacimento at sua morte.
23
se tornado uma tnica, mas de forma inversa, como se houvesse sido
absorvido o contedo ensinado de maneira paradoxal. Esto sim todos
submetidos ao poder punitivo estatal, e para tanto, podem sofrer as imputaes
trasladadas em um processo, mas ao final, se inocentes, devem ser assim
declarados, pois como o professo italiano ensinou somente os culpados
merecem o peso da condenao.14
Reflexo interssante se destaca feita por Fernando Fernandes quando
aponta o processo penal na direo de servir como um instrumento de poltica
criminal.15 Poltica criminal mas sem vincul-lo aos anseios que se
desapeguem das garantias constitucionais de um justo processo. A referida
instrumentalizao precisa ser clara, pois no estado atual ante uma crise
ideolgica profunda sobre os rumos do processo, tal prtica poderia servir de
distanciamento maior entre a funcionalidade e sua base garantista.
Sob este pano de fundo os terceiro e quarto captulos da tese sero
analisados de que maneira o instrumento da paridade de armas na formao
da prova atua no processo penal que busca uma ideologia de matiz acusatria
com o culturalismo do sistema inquisitrio. Utilizarse- da moderna
processualstica italiana, como vazado em passagem anterior, justificando tal
aporte dogmtico comparativo em razo de os italianos terem conseguido
difundir dogmaticamente um processo penal efetivamente de partes justamente
14
CORDERO, Franco. Procedura Penale.8.ed.Milano: Giuffr, 2006, p.14. 15
FERNANDES, Fernando. O processo penal como instrumento de poltica criminal. Coimbra: Almedina, 2001, p.53. Como inserido pelo autor: Prope-se, pois, a insero do processo penal no mbito geral da poltica criminal, de modo que na sua estruturao se levem em conta tambm as intenes poltico-criminais que orientam um sistema jurdico-penal como um todo.
24
contrapostas com garantias reflexas de suas
prerrogativas/direitos/deveres/faculdades.
Nos dois ltimos captulos sero analisadas e estudadas de que forma
as partes se contrapem no processo titularizando seus interesses dentro do
ius libertatis e do ius puniendi, bem como abordar-se- a repercusso do novo
papel da vtima na relao processual penal de partes e seus legtimos
interesses no processo criminal. As fases recursais e o signo da paridade de
armas sero aprofundadas para demonstrar de que maneira os tribunais tratam
as partes sob o prisma do justo processo penal.
Para tal desiderato, sero utilizados ao longo da tese construes
cclicas dos valores demonstrando que uma nova revoluo, ainda que de
posicionamentos, de firmamentos, para impor a este estado que se assemelha
ao reinado do monarca Edward III, uma nova carta, a carta de um devido
processo, mas de um devido processo penal justo, que consagre a paridade de
armas no processo como sua substncia, requisito essencial para a aplicao
normativa penal.
Garantias reflexas no tratamento entre as partes mediante um estado
que se mostre terceiro e imparcial que ser demonstrado na anlise de um
novo desenho processual que se faz urgente e necessrio na moderna
sociedade democrtica de direito que plasmou constitucionalmente valores
estritamente garantistas sob o ngulo dos direitos fundamentais, como
corolrio da emnacipao da dignidade da pessoa humana.
25
Provar-se- que a paridade de armas necessita ser efetiva desde o
momento embrionrio da imposio da acusao estatal mediante o
indiciamento criminal para que o jogo processual, a verdadeira esgrima entre
acusao Estado e defesa acusado - se inicie justa e paritria.
26
CAPTULO I. O devido processo legal e o modelo de processo
penal
1. 1A hoste embrionria do devido processo legal. 1.2 A evoluo conceitual e o elemento de garantia ao processo. 1.3 Natureza jurdica e elementos componentes do devido processo legal. 1.4 Consectrios principiolgicos decorrentes do devido processo legal 1.5 O devido processo legal e o justo processo penal: uma imbricao propositiva.
1.1 A hoste embrionria do devido processo legal
Inicia-se o arcabouo da construo moderna da cincia processual
penal no sculo XIII. Mais precisamente em 1215 que marcaria a Europa com
transformaes substanciais, embora tenham muitos no se apercebido do
cenrio modificador deste momento, como bem relata Michele Taruffo16.
Destacam-se trs momentos no relevo a ser representado no palco
histrico que resultaria na formao e constituio do processo moderno, como
se explicar atravs de um breve relato histrico. O sculo XIII se afigura como
o marco temporal regulatrio em razo do suposto nascimento do festejado
devido processo legal embora a prpria a histria demonstre que no foi bem
assim. Pode ter se iniciado ali, mas no no formato como hoje repousa a
clusula na cincia processual.
16
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e la costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p. 3.
27
.
Merece destaque como primeiro feito desta poca a significativa
proibio feita pelo Cardeal Robert de Couron sobre os ensinamentos das
disciplinas de Fsica e da Metafsica aristotlica nos recnditos da Universidade
de Paris. Tal impedimento era uma ratificao j imposta pelo Conclio de
Sens, realizado em 1210, confinando, assim os ensinamentos de Aristteles, a
fim de que no gerasse qualquer repercusso e mitigando os possveis
estragos que sua obra traria sculos mais tarde para os poderes que a Igreja,
exercia no estado reinante. poca a igreja participava ativamente nas
ordlias, instrumento e/ou meio que os brbaros estabeleceram para a soluo
de conflitos das demandas judicirias. Foi o caminho encontrado para a
sacralizao dos julgamentos, que precisavam ser adornados como divinos
para legitimar as decises acerca da inocncia e da culpabilidade dos
cidados.
Imperioso destacar que ainda no sculo XII, quando se formava a cultura
renascentista, esta j se ocupava em discutir de forma ampla sobre a
hereditariedade dos ensinamentos de Aristteles e projetando a repercusso
das tradues de suas obras no sculo XIII, de sorte que em muitos momentos
a proibio soou pertinente para se frear a lgica que aquela imporia aos
ensinamentos da Igreja Catlica daquela poca e sua consequente perda de
poder17.
17
GARDINALI, Mariella. e SALERNO, Lydia. Le fonti del pensiero medievale. Milano: LED, 1993, p. 220.
28
Jacinto Coutinho assevera que o domnio da lgica dedutiva permitia
que somente a Igreja pudesse dominar plenamente as premissas, conduzindo
os julgamentos ao resultado desejado pelo inquisidor18.
Foi a lgica, poca, erigida condio de cincia das cincias porque
buscava a descoberta da verdade, desafiando a divindade e confrontando-a
entre a f a prpria verdade. Uma heresia to ousada que levou ao assassinato
no crcere de Pavia na Itlia de Severino Boezio, um dos percussores da
lgica no sculo XII, em face de sua obra A Consolao Filosfica19.
O segundo feito e aqui se reputa como essencial no desenvolvimento
do presente estudo, por representar o marco axiolgico para a construo da
tese que se inicia aconteceria em Londres, pouco depois de 15 de junho, no
momento que o ento rei Joo Sem Terra foi constrangido pelos seus bares a
proclamar a MAGNA CHARTA LIBERTATUM, que em seu artigo 39
proclamava solenemente: No freeman shall be taken or imprisoned, or
disseised of his free tenement, liberties or free customs, or outlawed or exiled or
in any wise destroyed, nor will we go upon him, unless by lawful judgement of
his peers, or by the Law of the land. To no one will we sell, deny or delay right
or justice.20
18
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. e CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Organizadores. O novo processo penal luz da Constituio: anlise crtica do projeto de Lei n. 156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4. 19
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e La costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p. 15. 20
PLUCKNETT, Theodore Frank Thomas. A concise history of common law. London: Butterworth e Co.Ed., 1956, 5.ed., p. 23.
29
Parte dos doutrinadores nacionais relata que o nascimento do moderno
processo penal teria se dado em face do diploma ingls estabelecer o poder
do julgamento aos pares daquele que deveria ser processado e constituir
regras em leis da terra predispostas . 21 Entretanto, no se pode estabelecer
uma relao direta de paridade estreita entre o devido processo legal e o
diploma ingls ora trazido colao, como se este fosse o correspondente
atual daquele, ou como se a sinonmia da atual referncia processual tivesse
como lugar de nascimento e desenvolvimento aquele texto jurdico
propriamente dito. No se olvide de sua importncia, todavia. De se notar que
tal diploma pode ser considerado como o embrio do referido fundamento que,
sculos mais tarde, seria a pedra de toque de toda a construo
processualstica moderna22.
Michele Taruffo tambm assim se posiciona explicando que a referida
Magna Charta Libertatum teria vigorado somente por nove semanas, porque o
rei Joo Sem Terra obteria do Papa Inocncio III a autorizao para anul-la.23
Desta forma, de se indagar como que um diploma legal de escarsa vigncia
possa ser o responsvel pela integralidade da construo axiolgica e a origem
de todo o fundamento do processo moderno, mais precisamente, do processo
penal?
21
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4. ed. So Paulo:Saraiva, 2009, p. 39. BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 7. SUANNES, Adauto. Os fundamentos ticos do devido processo penal. 2. ed. So Paulo:Editora Revista dos Tribunais, p. 93. 22
ROBERTO, Welton. Paridade de Armas no Processo Penal. Belo Horizonte: Forum, 2011.p.35. 23
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e La costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p. 4.
30
Theodore F. T. Plucknett assinala que o referido diploma ingls seria
muito mais importante como um smbolo do sistema fundado, quando anos
mais tarde, dar-se-ia sobre o jury trial . O autor conclui ainda que o mito
legislativo foi maior e mais importante do que a prpria realidade histrica que
ora se relata, com o intuito de inciar o importante delineamento acerca dos
estreitos limites necessrios para se compreender a estrutura do modelo
processual baseado na sistemtica valorativa do due process of law.24
verdade que a hoste embrionria do devido processo legal surge a
partir da Magna Charta Libertatum, mas a sua constituio tanto dogmtica
quanto axiolgica aconteceria sculos mais tarde, posto que as ordlias
voltariam a ser o meio e o instrumento de julgamento aceito e confivel,
contando com a aceitao cultural e social da poca porque resolviam as
contendas judicirias de forma rpida, simples e eficaz.25
Tambm verdade que a tensa relao entre o papa Inocncio III e o rei
ingls Joo Sem Terra abalaria o cenrio daquele ano no ms de novembro,
entre os dias 11 e 30, quando se deu o Conclio de Latro IV, de onde decorreu
a proibio imposta pelo papa quanto s ordlias como meio de se estabelecer
o vencedor e o perdedor de uma contenda judiciria. Mais precisamente, a
proibio era dirigida aos sacerdotes, que ficavam impedidos de consagrar os
smbolos das ordlias, impossibilitando assim que estas se realizassem.26 Com
24
PLUCKNETT, Theodore Frank Thomas. A concise history of common Law. London: Ed., 1956, 5. ed., p. 24/25. 25
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e La costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p. 7. 26
PATETTA, Federico. Le ordalie: Studio di storia del diritto e scienza del diritto comparato. Torino:Bocca, 1890, p. 312/341.
31
tal desiderato o papa Inocncio III objetivava afastar Deus das decises que ele
mesmo passou a classificar de mundanas ao determinar a vitria do inocente
ou a derrocada do culpado.
Tal ruptura afetaria a tradio de vrios sculos, com marco inicial nos
sculos IVV, ou seja, a soluo dos conflitos judicirios atravs das ordlias
ganhou corpo, forma e procedimento ao longo dos sculos vindouros, aps as
invases brbaras. A tradio germnica contribuiu de forma substancial com
as ordlias em face da sentena que colocaria fim ao conflito sem mais
delongas. Assim, a sentena a que se chamava de Beweisurteil, mesclando-se
com a ordlia a ser cumprida, dava o exato contorno da soluo ao problema
apresentado pelas partes, declarando-se resolvido em tempo exguo e clere o
respectivo conflito27.
Com isso o papa Inocncio III atravs do poder do Conclio de Latro IV
conseguiu retirar o carter de divindade das ordlias, rompendo um sistema
procedimental que era utilizado ao longo dos sculos.
No so pertinentes no desenvolvimento da presente tese detalhado
aprofundamento sobre as explicaes dos porqus do tal Conclio de Latro IV
haver abolido a sacralidade das ordlias, mas necessrio destacar que o
crescimento econmico e a procura pela certificao documental dos negcios
ao final do sculo XII e incio do sculo XIII deram origem importante funo
dos notrios na Europa Ocidental, fazendo-se crer que a procura pelas ordlias
para a soluo dos conflitos fosse pouco a pouco desaparecendo.
27
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e La costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p. 7.
32
O referido juzo divino nas disputas judiciais no contava com a
confiana da populao segundo asseverava o prprio So Toms de Aquino.
Uma explicao para a desconfiana estaria em razo da demonstrao de
poder poltico e econmico, uma vez que a estreita noo de rgo judicirio
ou jurisdicional independente ainda no havia se formado poca, muito
embora os juzes e advogados fossem considerados pessoas de notrio saber
e que poderiam dominar a suntuosa lgica, capacitando-os a documentar os
atos negociais e todos aqueles que compusessem os atos de vontade da vida
civil.
O cenrio para o surgimento embrionrio da instrumentalizao de um
contedo formal para se aplicar as penas estava pronto. O sculo XIII, mais
precisamente o ano de 1215, foi sim o importante propulsor da futura
revoluo que engendraria e criaria uma esfera onde todos os contornos do
devido processo legal pudessem ser compreendidos, garantindo-se os direitos
individuais, e a mecanicizao processual de aplicao do direito material.
Mais uma explicao importante: o fim definitivo das ordlias produziria
na Inglaterra o nascimento do jury trial, consolidando-o como mtodo de
soluo dos conflitos judicirios. No obstante, o banimento total daquelas por
toda a Europa s se daria, segundo Van Caenegem, no sculo XIV.28 No resto
da Europa que no seguiria a tendncia do Common Law, surge a fora do
direito romano-cannico, devolvendo, ou melhor, aumentando a fora da Igreja
Catlica no regramento normativo. Tal dicotomia, explica Van Caenegem, se
d em razo do contexto de busca da verdade, pelo que primavam os dois
28
CAENEGEM, R. C. Van. The birth of the English Common Law. Cambridge: Cambridge University Press., 1973, p. 70
33
novos sistemas que substituiriam as ordlias, um formado pelo common law,
em que a vox populi era o centro da racionalidade decisiva, outro pelo civil law,
em que se fazia necessria a formao de um expert em lgica e filosofia, alm
do conhecimento do direito, para que se pudesse reconstituir a verdade dos
fatos.Os mencionados sistemas procuravam, com isso, encontrar solues
para substituir a irracionalidade das decises at ento acatadas nas ordlias
legitimando-as perante a populao.
O devido processo legal voltaria ao cenrio jurdico em meados do
sculo XVII como forma de proporcionar a segurana de direitos que
envolvessem valores como a liberdade, a vida e a propriedade. A
responsabilidade de restaurar e alargar o campo da abrangncia da
revolucionria locuo law of the land fica sob a autoridade de Edward Coke
que a adorna com uma nova roupagem, pois, como ele mesmo revela em sua
histrica e clebre obra , a law of the land representava o common law e o
common law exigiria um due process of law.29 Assim, a expresso ganhou a
sinonmia da law of the land, e por comportar em seu mago um contedo
axiolgico mais amplo, acabou sendo utilizada nas Declaraes de Direitos
bem como em todas as Constituies democrticas da Europa e da Amrica.
John Nowak explica que o prprio contedo intrnseco do devido
processo legal, seria a garantia de um procedimento justo, cumprindo este a
razo de ser de tal clusula.30 Ressalta-se, portanto, que ao desenvolver o
embrio que daria origem ao common law, revelando-se no sculo XVII como
29
COKE, Edward. Institutes of the Laws of England. London: 1648, p. 50. 30
NOWAK, John E. ET al. Constitutional Law, 2ed. Saint Paul Minn.: West Publishing Company, 1983, p. 557.
34
garantidor de um procedimento justo, em razo dos valores ressalvados como
essenciais vida, liberdade e patrimnio, o devido processo legal passa a ser
reconhecido como a verdadeira clusula de garantia processual da
organizao juridicamente constitucionalizada nos pases europeus e na
Amrica do Norte.
1.2 A evoluo conceitual e o elemento de garantia ao processo
Luciano Violante assevera que esperienza comune che da ciascun
diritto fondamentale nascono, come per successive germinazioni, nuovi diritti.31
A afirmao do magistrado italiano no possui qualquer novidade sob o ponto
de vista jurdico ou nos recnditos da filosofia do Direito. No obstante, ponto
crucial que se faa a ponderada reflexo sobre as consequncias do
desenvolvimento da cincia processual sobre o valor do devido processo legal,
partindo de uma premissa suplantada no direito fundamental.
De se indagar se j teria nascido o sustentculo do moderno processo
penal como direito fundamental que, por automatismo conseqencial,
germinaria os demais direitos dele decorrentes, tais como contraditrio, ampla
defesa etc.? Outra pergunta a ser respondida seria se neste passo j houvesse
a afirmao com certeza cientfica que o devido processo legal nasceu com
essa categoria? J teria, por sua prpria natureza, qualidade de
inalienabilidade cincia processual penal? Aqui, variantes de todos os
31
VIOLANTE, Luciano. Magistrati. Giulio Enaudi editore: Torino, 2009, p. 35.
35
prismas poderiam desaguar em respostas de matizes distintos. Michele
Taruffo, a seu turno, assevera que o contraditrio j fazia parte do modelo
processual romano-cannico, afirmando categoricamente que o sistema
inquisitrio nunca encontrou espao no mbito da justia civil32.
A reflexo, contudo, permanece inslita sob o ponto de vista do modelo
processual romano-cannico desenvolvido ps-perodo ordlico, posto que no
se fazia, ainda, nenhuma distino clara sobre os mbitos civil e penal.
Tambm cedio que a inquisio cannica foi um modelo utilizado para
aplicao das penas, surgindo da a questo: a inquisitio tambm utilizou o
devido processo legal na concepo dada por Edward Coke? O conceito de
procedimento justo estaria aambarcado ainda pelas diretrizes morais e, a
partir da, tudo poderia ser includo dentro de seu sistema, ainda que com
matizes inquisitoriais cujas penas, e sua crueldade, se imbricavam com a
ausncia de defesa e contraditrio?33
Algumas indagaes apresentam-se interessantes sob o ponto de vista
normativo, por exemplo, baseando-se em clusula de devido processo legal,
poderia o Estado estabelecer critrios objetivos cujo contedo inquo afetasse o
resultado do seu prprio procedimento? Ou seja, poderia a lei estabelecer
atravs de um procedimento que um homem fosse juiz de sua prpria causa?34
Desta forma faz-se imperioso destacar a evoluo conceitual e os seus
32
TARUFFO, Michele. La semplice verit: Il giudice e La costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009, p.31. 33
A Bula de Inocncio VIII, datada de 9 de dezembro de 1484, determinava as mais terrveis penas, censuras e castigos, sem nenhum direito a apelao. KRAMER, Heinrich. SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. Traduo Paulo Fres. 19. ed. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 2007, p. 45/46. 34
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 9.
36
respectivos efeitos para a cincia processual, a fim de que se possa responder
questo acerca da decorrncia dos demais direitos, partindo do pressuposto
de ser ele, o devido processo legal, um direito fundamental quando de seu
desenvolvimento completo.
No sistema ingls, a evoluo do conceito tem ligao umbilical com o
critrio e evoluo dos casos precedentes, pois os paradigmas foram
construdos dentro do common law atravs do senso valorativo de contedos
axiolgicos aplicados. 35 A impreciso e/ou indeterminao conceitual tambm
foi de difcil alcance para os ingleses, como bem relatou John Orth: ...the
seemingly uncomplicated phrase due process of law came to have such
complicated (and contested) meanings.36
Em face da rdua tarefa em posicionar conceitualmente o que viria a ser
a clusula do devido processo legal dentro do sistema jurdico da cincia
processual, esta acabou assumindo carter polissmico, tornando-se um
caleidoscpio que acabou por compor um instrumento processual de graus
diversos de certa (ir)racionalidade ao longo dos sculos XIII a XX, cedendo
espao a discusses sobre o justo e o injusto, o certo e o errado, o moral e o
imoral, quando se asseverava em aplicar o direito material penal s condutas
humanas.
imprescindvel, pois que se construa, na presente tese, o caminho
percorrido na construo semntica e teleolgica da clusula do devido
processo legal a fim de que, identificando sua natureza, dela possa depender a
35
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. ix. 36
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. ix.
37
anlise de se imputar de (in)devido um processo que no resulte de um
desenvolvimento paritrio, condicionando a sua validade em face ao respeito e
garantia de que as partes possam assim atuar.
As decises, por certo, ao longo da histria precederam o sistema das
leis, guiando-se por questes culturais, sociais, religiosas, costumeiras, morais,
divinas, sentimentais, mximas proverbiais, pelo senso de autoridade etc. As
mximas, por exemplo, coletadas por Francis Bacon em sua clebre obra
jurdica The Elements of the Common Laws of England, por sculos
constituram precedentes para decises pelas cortes americanas, fazendo com
que o devido processo pudesse ser preenchido por critrios reguladores
destas.37 No incio do sculo XX, tais mximas foram atualizadas e
continuaram de certa forma influenciando o preenchimento do contedo do
devido processo, como nos faz ver William Holdsworth, ao demonstrar que o
conceito da locuo se protraa no tempo em razo de aspectos culturais.38
No obstante, tornaram-se obsoletas com a evoluo da nova processualstica
e, aos poucos, foram sendo abandonadas nos sistemas americano e ingls, em
razo do surgimento dos tratados e estudos doutrinrios desenvolvidos pelas
universidades atravs de respeitados professores e experientes advogados.
Consoante nos demonstram os ensinamentos de John V. Orth, as
mximas foram revestidas de novos posicionamentos nos tribunais
37
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 4. 38
HOLDSWORTH, William S. A History of English Law. London: Methuen, 1938, p. 12.
38
americanos, transformando-se em paradigmas para a revelao dos contedos
axiolgicos postos em regras e princpios de cunho abstrato.39
A indagao ainda persiste acerca do conceito, ainda que abstrato, do
devido processo legal. O que seria ele? Incursionando sobre os textos legais
verificamos que desde os primrdios, atravs da insero na Charta Magnum
Libertatum40 em 1215 da regra da law of the land, bem como depois, na
Constituio Americana, na Quinta Emenda das Declaraes dos Direitos, do
due process of law , na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, em
26 de agosto de 1789, na Frana (art. 7.), na Declarao Universal dos
Direitos do Homem, em 10 de maio de 1948 (ONU), na Conveno Europeia
para Proteo dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, em 4 de
novembro de 1950 (Roma), na Conveno Americana sobre Direitos Humanos,
em 22 de novembro de 1969 (Costa Rica), o comando teleolgico da norma
permite admitir caracteriz-la como uma regra condicionante privao de
direitos, tais como vida, liberdade e propriedade.
Premissa destacada, qual seja, de ser a clusula uma condicionante da
privao ou tolhimento de direitos elevados ao grau mximo de proteo, de se
concluir em primeira anlise ser uma garantia fundamental, porquanto protetora
de direitos fundamentais. Resta saber agora se tal garantia assume carter
objetivo ou carter subjetivo. No sistema da common law, pode-se afirmar que
o devido processo legal estabeleceu significantes limitaes constitucionais ao
39
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 5. 40
Magna Charta, : nullus lber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exulatur, aut aliquo modo destruatur, Nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terrae
39
poder do legislador, angariando assim um poder substantivo, de sorte a
delimitar o seu espectro de ao.
No final do sculo XIX, mais precisamente em 1878, atravs da deciso
do juiz Samuel Miller, no caso Davidson versus New Orleans, foi estabelecido
interessante confronto acerca da proteo objetiva de direitos, principalmente o
de cunho patrimonial, atravs do devido processo. Nesta deciso histrica e
que serviria de paradigma dali por diante, o magistrado delimitou que o
legislador, atravs de seu poder legiferante, no poderia simplesmente
expropriar o patrimnio de algum em benefcio de outrem, sem um devido
processo. Tal deciso implicaria em reconhecer que estaria impedido o
legislador de legislar, por simples e puro imprio da lei, em detrimento de
direitos subjetivos, mais precisamente, civis. Caso assim agisse, no estaria
respeitando o devido processo. Portanto, no bastava que existisse uma lei
disciplinando a matria sobre os direitos individuais; esta precisaria estar em
conformidade com o contedo correto para ser devidamente aplicada.
A prpria histria do constitucionalismo moderno estaria mesclada nesta
deciso que, anos mais tarde, se espraiaria para outros direitos como liberdade
e vida, consolidando-se como marco da cidadania e da dignidade da pessoa
humana o primado do devido processo legal sobre o imprio das decises que,
atravs de seus precedentes, foram criando um amlgama valorativo complexo
e slido cincia processual.
preciso enfatizar que Edward Coke foi alm da abrangncia valorativa
do devido processo e do sistema de common law. Asseverou enfaticamente
que o common law teria poderes de vetar e at invalidar atos do Parlamento
40
que dispusessem em leis normas com valores contrrios ao devido processo
legal.41 Tal assertiva ganhou espao no debate de historiadores e de
advogados ao longo dos estudos jurdicos ingleses e estadunidenses em
decorrncia de tal controle ser mais afeto ao sistema da civil law, dado o seu
regramento e ordenamento sistmico. Edward Coke conceituaria, ainda, ser o
devido processo uma lei das leis, tendo se dirigido ao rei James e dito que at
este estaria sujeito ao controle de Deus e da lei (sub Deo et lege).42
Para tanto Edward Coke utilizava na fundamentao de seus estudos
razes de leis naturais, direitos costumeiros, mas, antes de tudo, a prpria
razo artificial do postulado e o senso do que seria justo ou injusto, pois,
segundo ele, a lei, quando revestida do devido processo, imporia um limite ao
poder.
Dentro do mecanismo do civil law, o devido processo alou-se
importante por conta da sua positivao, impondo-se para garantir a todos os
cidados que o Estado no pudesse atacar, atravs de leis, direitos essenciais
ao desenvolvimento da sociedade.
Diferencia-se basicamente os sistemas elencados em razo da forma
objetiva que o civil Law sujeita os cidados ao poder da lei atravs do imprio
do Estado, no necessitando de casos precedentes ou paradigmticos para
que possa conceder-lhe contedo de validade. No h um ponto de
concretude ftica para a existncia da garantia, j que esta predisposta ante
factum.
41
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 23. 42
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 25.
41
Como bem j destacado em nossa obra essa construo objetiva da
clusula do devido processo legal, de sorte a impor um instrumento (processo)
que atua mediante um poder (jurisdio) vinculado a uma fonte segura (lei), foi
uma escolha para a aplicao da lei penal racionalmente, dotada de equilbrio e
bom senso, porquanto sustentada na confiana da razo artificial da lei e no
bom senso (justo) de seu aplicador, a impor uma garantia linear a todos os
cidados.43
Por outro lado, a Conveno Europeia dos Direitos do Homem
enquadrou o devido processo legal sob parmetros de equidade e de justia
(fairness), fazendo-o dentro de limites subjetivos, isto , impostos de maneira
individual. J os sistemas italiano e brasileiro permearam a garantia com
contedo normativo direto em face da aplicao da pena mediante a
regulamentao por lei de um processo, ou seja, optaram pela razo objetiva
de ser da referida clusula.
Sergio Batole atravs de seus ensinamentos sustenta o que foi
asseverado concluindo da mesma forma, seno vejamos: Il giusto processo,
pur messo esplicitamente in onore nel testo della Carta Fondamentale della
Repubblica, appare inquadrato nella prospettiva della tutela di um valore
oggetivo (La giurisdizione si atua mediante il giusto processo regolato dalla
legge) pi che in quella di un diritto soggettivo. 44
43
ROBERTO, Welton. Paridade de armas no processo penal. Belo Horizonte: Forum, 2011.p.42/43. 44
BARTOLE, Sergio; CONFORTI, Benedetto; RAIMONDI, Guido. Commentario alla convenzione europea per La tutela dei diritti delluomo e delle libert fondamentali. Padova:Cedam, 2001, p. 157.
42
Vittorio Grevi tambm apresenta lio no sentido de que a referida
garantia se d de forma objetiva, como ora vazado em seu texto: quale
garanzia oggettiva di regolarit e di correttezza in ordine alla formazione del
convincimento del giudice, ancor prima che quale garanzia soggettiva di tutela
dei diritti delle parti.45
A Constituio Federal Italiana, ora utilizada como paradigma normativo
para o desenvolvimento da tese, dispe em seu artigo 111 o devido processo
(giusto processo), dentro de um critrio objetivo.46
A Constituio Federal da Repblica do Brasil tambm assim assente,
embora diversamente da italiana, no exponha linearmente seus contedos
substanciais, obra deixada para doutrina nacional e pela jurisprudncia como
ser mais bem explicitado mais adiante no desenvolvimento da tese.
45
GREVI, Vittorio. Alla ricerca di um processo penale giusto. Milano: Giuffr Editore, 2000,p.156/157. 46
Art. 111. Constituio Italiana: La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parit, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata. Nel processo penale, la legge assicura che la persona accusata di un reato sia, nel pi breve tempo possibile, informata riservata,ente della natura e dei motici dell'accusa elevata a suo carico; disponga del tempo e delle condizioni necessari per preparare la sua difesa; abbia la facolt davanti al giudice di interrogare o di far interrogare le persone che rendono dichiarazioni a suo carico, di ottenere la convocazione e l'interrogatorio di persone a sua difesa nelle stesse condizioni dell'accusa e l'acquisizione di ogni altro mezzo di prova a suo favore; sia assistita da un interprete se non comprende o non parla la lingua impiegata nel processo. Il processo penale regolato dal principio del contraddittorio nella formazione della prova. La colpevolezza dell'imputato non pu essere provata sulla base di dichiarazioni rese da chi, per libera scelta, si sempre voontariamente sottratto all'interrogatorio da parte dell'imputato o del suo difensore. La legge regola i casi in cui la formazione dlla prova non ha luogo in contraddittorio per consenso dell'imputato o per accertata mpossibilit di natura oggettiva o per effetto di porvata condotta illecita. Tutti i provvedimenti giurisdizionali devono essere motivati. Contro le sentenze e contro i provvedimenti sulla libert personale, pronunciati dagli organi giurisdizionali ordinari o speciali, sempre ammesso ricorso in Cassazione per violazione di legge. Si pu derogare a tale norma soltanto per le sentenze dei tribunali militari in tempo di guerra. Contro le decisioni del Consiglio di Stato e della Corte dei conti il ricorso in Cassazione ammesso per i soli motivi inerenti alla giurisdizione.
43
Inegvel ento asseverar que o devido processo legal, positivado no
sistema jurdico nacional e aliengena, possua caracterstica dicotmica. Seu
valor objetivo imposto ao Estado a fim de delimitar as fronteiras de respeito
aos direitos que a garantia protege, impedindo-o de avanar sobre tais sem o
devido processo legal. Em outra vertente, o devido processo contornado por
caractersticas subjetivas, quando protege os direitos individuais em casos
concretos, podendo todo e qualquer cidado invocar sua proteo perante as
cortes judiciais em face do prprio Estado, buscando assim o abrigo necessrio
de seus direitos. Tanto sob o ponto de vista objetivo quanto sob o ponto de
vista subjetivo o devido processo legal se prope abrigar os valores finalsticos
desta proteo.
A simbiose de caractersticas objetiva e subjetiva dentro do civil law no
veda que o devido processo legal espalhe seus efeitos ao Estado e aos
cidados erga omnes, bem como aos imputados sob a gide de uma acusao
criminal, desde que a garantia esteja posta em um estatuto legal de positivao
vlida. A inverso desta garantia, ou seja, de um processo crime para um
estatuto normativo, todavia, em regra, no seria aceita dentro dos parmetros
de conformao do sistema de civil law, conforme si ocorrer com o sistema de
precedentes.
Paolo Ferrua leciona neste mesmo sentido, seno vejamos uma sntese
do seu pensamento: Naturalmente, la formulazione oggetiva non esclude, ma
assorbe e va oltre quella soggettiva, in quanto ci che oggettivamente
44
connotato del processo diventa di per s anche diritto dellimputato, mentre non
vale, almeno di regola, linverso.47
A dicotomia apresentada desnuda a real importncia da garantia do
devido processo legal dentro do plano constitucional para a sua concretizao
aos fatos concretos. Desta forma a sua normatizao gera efeitos mltiplos na
proteo dos direitos individuais e ao mesmo tempo impe ao Estado balizas
na aplicao das medidas em detrimento dos cidados.
Plasmada a respectiva evoluo conceitual do devido processo legal e
evidenciada sua diretriz dicotmica ao Estado e ao cidado, tanto nos sistemas
do common law quanto no do civil law, e aps posicionar a clusula detro do
desennho constitucional atual, resta mais adiante reconhecer quais so seus
elementos componentes, estratificando-os e vinculando-os sua natureza
jurdica, a fim do contnuo desenvolvimento da presente tese.
1.3 Natureza jurdica e elementos componentes do devido processo
legal
Inegvel a condio de clusula ptrea do devido processo legal. O
atuar em direo proteo de direitos fundamentais tais como vida, liberdade
e patrimnio permitiu ao legislador aloc-la sob o manto constitucional aps
todo o processo de lutas e conquistas que a clusula serviu. Assim se
47
FERRUA, Paolo. IL GIUSTO PROCESSO. 2.ed. Bologna:Zanichelli Editore. 2007, p. 25.
45
posiciona sua natureza jurdica. O seu carter objetivo e subjetivo j foi objeto
de anlise no item antecedente, de sorte que podemos conform-la como a
clusula constitucional de garantia que objetivamente alberga direitos
fundamentais, subjetivando-se quando os protege em casos concretos.
Quais seriam os componentes elementares do devido processo legal?
Como ele se constituiria a fim de lhe dar o status de garantia? Apesar de ter
sido embrionrio do sistema de common law, dele, segundo a posio
sistmica atual, no depende mais, embora seja decorrente. Necessrio, ento
que se estude seus elementos constitutivos ao longo de seu valioso
desenvolvimento.
Como j salientamos em obra de nossa autoria De se destacar que o
devido processo legal precisou, ao longo de sua histria, arrecadar contedo
intrnseco axiolgico, pois apenas a sua insero normativa, fosse de carter
estatutrio (civil law), fosse consuetudinrio (common law), como parmetro de
garantia, no nos permitiu, como no nos permite at hoje, por si s, proteger
os direitos inalienveis a ele vinculados. No se buscarmos um contedo de
racionalidade no preenchimento do critrio do que devido a um processo
criminal.48
Visto que o grau de abstrao da clusula no fora bem explicitado nos
ensinamentos de Edward Coke, a necessidade de se explicar a origem do
devido processo legal advindo do sistema de common law se fez presente. At
porque o sistema do common law e sua base substancial na referida clusula
sofreu ataques rduos por Jeremy Bentham no sculo XIX que vaticinou the
48
ROBERTO, Welton. Paridade de armas no processo penal. Belo Horizonte: Forum, 2011,p.45.
46
common law is made by the judges on the same principle as a man makes laws
for his dog he waits till his dog has done something he does not like and then
punishes him for it.49
Com acurada razo, Jeremy Bentham sustentava que o sistema do
common law, baseado exclusivamente na razo e no senso de justia dos
casos precedentes, to bem conformados em seus contornos semnticos por
Edward Coke, deixava a desejar em razo de punir os cidados por fatos que
passavam a ser aceitveis ou no dependendo de um bom senso ou de um
critrio de razoabilidade artificial instvel.
Desta forma os precedentes eram criados ps-fato, o que gerava
estranheza e insegurana sobre o que seria ou no correto fazer. Por isso os
pensadores do sculo XIX caracterizaram o common law como uma coleo de
leis post factum. A crtica sobre o controle desta razoabilidade nos juzes e os
critrios de legalidade post factum passaram a ser a forte marca de Jeremy
Bentham.50
Sob este aspecto Edward Coke sofreu duras crticas sobre seus critrios
de razo artificial e tais assacaes foram ganhando espao em face de as
decises ao final do sculo XVIII terem se transformado em verdadeiras
surpresas, muito mais do que certezas sobre o certo (justo) e o errado (injusto),
por conta da instabilidade daquela poca. Em razo disso, o surgimento de um
estatuto escrito que proibisse a retroatividade da lei post factum foi bem-aceito
49
BENTHAM, Jeremy. The truth versus ashhurst in Works of Jeremy Bentham. London: Ed.John Bowring, 1843, p. 235. 50
Coke, todavia, partia do pressuposto de que todo juiz seria senhor de razoabilidade e senso de justia, e que a ele estava reservada a guarda das leis naturais.
47
quando da promulgao da Constituio da Carolina do Norte em 1776, que
em seu pargrafo 24 assim disciplinava: that retrospective laws, punishing acts
committed before the existence of suc laws, and by them only delared criminal,
are oppressive, unjust, and incompatible with liberty; wherefore, no ex post
facto law ought to be made.51
Porm, o fato do deveido processo legal ter sido positivado nos
estatutos, passando a referida garantia no ser exclusiva do sistema de
precedentes, no resolveu, de per si, a problemtica de sua interpretao
axiolgica com o preenchimento de seus contedos elementares, embora a
sua normatizao j tenha sido considerada como grande avano aos freios e
limites do poder poca. Restava ainda dar-lhe colorao substantiva, pois o
preenchimento do que era devido (fairness) ainda se ressentia dos
ensinamentos de Edward Coke52.
Como tambm j havamos lanado em nossa obra acerca da tarefa de
complementao do que seria o devido processo legal esta coube aos
estudiosos do sculo XX. Assim textualmente afirmamos preencher de
contedo axiolgico o espao semntico da palavra original due acabou
sendo tarefa deixada ao sculo XX tanto pelo sistema da common law,
quanto pelo da civil law. No que tange ao primeiro, necessrio se faz uma
distino para a autonomia que a Amrica do Norte ganhou, quando da guerra
de sua independncia em face dos colonos ingleses. Enquanto os Estados 51
ORTH, John V. The North Carolina State Constitution: A reference guide. Westport Conn.: Greenwood Press, 1993, p. 52. 52
Importante registro sobre o poder das cortes na Amrica do Norte e na Inglaterra sobre o sistema de common law. Enquanto nos EUA as cortes angariaram o poder de declarar a validade ou invalidade de qualquer lei, fosse ela estatutria ou costumeira, na Inglaterra as cortes no conseguiram o poder de invalidar os atos normativos decretados pelo Parlamento.
48
Unidos da Amrica do Norte, aps a independncia, reforaram o poder da
Corte, atribuindo-lhe o papel de guardi dos valores constitucionais postos em
seu estatuto maior, depois denominada higher law, William Blackstone, na
Inglaterra, dedicou todo o seu labor professoral a dar nfase e fora ao
Parlamento, criando assim uma substancial diferena entre o sistema da
common law dos dois pases53.
Os americanos, portanto, incumbiram-se da tarefa em continuar o
trabalho de Edward Coke no tocante ao preenchimento do valor do devido
processo legal. Sem exageros, Edward Coke asseverou que os direitos
vinculados garantia do devido processo no poderiam ser protegidos seno
por uma clusula justa. Como bem salientou John Orth: due process still
forbids, and always will, unfair procedures54, expondo assim a barreira
imposta pelo devido processo legal. Mas ainda assim o contedo de fairness
se mostrava muito abstrato.
Em estudo substancial doutrinrio acerca das decises emanadas da
Suprema Corte Americana entre os idos de 1890 e 1930, Michael J. Philips
ressaltava algumas violaes que a Corte entendia como em desatendimento
clusula do devido processo legal. Dentre essas, as mais comuns: 1) ausncia
de contraditrio, 2) tempo insuficiente ou inadequado para a resposta
acusao e 3) proibio de representao legal por defensor tcnico.55
53
ROBERTO, Welton. Paridade de armas no processo penal. Belo Horizonte: Forum, 2011,p.47. 54
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 86. 55
PHILLIPS, Michael J. The Lochner Court. Myth and Reality: substantive due process from the 1890s to the 1930s. Westport, Conn.:Praeger, 2001, p. 35/65.
49
A partir da a clusula de garantia do devido processo legal comeava a
ganhar contornos axiolgicos em razo de um alcance substancial sobre os
procedimentos instaurados para a proteo dos direitos a ela vinculados.56 Mas
foi no final do sculo XX, mais precisamente em 1970, no caso Goldberg
versus Kelly, que a Suprema Corte norte-americana deu o grande passo no
preenchimento da lacuna axiolgica do devido processo legal vinculando a
clusula de garantia a dez requisitos, a saber: 1) notificao da parte; 2)
contraditrio; 3) direito da parte em se fazer representar na audincia; 4) direito
de confrontar testemunhas; 5) direito de se opor s testemunhas; 6)
publicidade de todas as provas trazidas ao processo pelas partes; 7) direito do
acusado a um defensor tcnico; 8) deciso somente sobre as provas
produzidas em audincia; 9) motivao e fundamentao das decises e 10)
juiz imparcial.57
Com referido julgado o trabalho de Edward Coke estava terminado e
tivera seu feito alacanado pelo sistema de common law americano, dando
clusula de garantia contedo axiolgico para que pudesse se espraiar sobre
os procedimentos, a fim de salvaguardar do poder e do imprio da lei e do
soberano os direitos a ela vinculados. Como ressaltou John Orth em seu livro:
procedural due process, far from being a mere requirement of technical
fastidiousness, retains the potential to unsettle the powerful.58
56
Paolo Tonini todavia nos mostra que o direito do acusado a se confrontar com seu acusador aparece pela primeira vez no ordenamento ingls em 1603, mas no faz referncia direta ao preenchimento deste direito como clusula decorrente ou contedo axiolgico do devido processo legal. In TONINI, Paolo. Giusto processo nuove norme sulla formazione e valutazione della prova. CEDAM: Padova, 2001, p. 5. 57
Dados capturados em www.supremecourt.gov em 9 de outubro de 2010. 58
ORTH, John V. Due Process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003, p. 88.
http://www.supremecourt.gov/
50
Para efeito de desenvolvimento da tese necessrio pontuar que no que
concerne aos estatutos normativos, o devido processo legal com o
preenchimento de seu contedo axiolgico comparado aos sistemas ingls e
mais precisamente ao americano pode ser encontrado na Conveno Europeia
dos Direitos do Homem (artigo 6) e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Polticos (artigo 14), visto que a referncia ao due process of law possui
correspondncia direta com o processo equo (fairness) ou com o processo
justo.
Paolo Ferruaassenta ensinamento na mesma direo: Giusto processo
formula di antica e ilustre ascendenza, alle cui origini si trovano i concetti di
fair trial e due process of law della tradizione angloamericana. Ma il riferimento
pi immediato senza dubbio la nozione di processo equo a cui sono informati
lart. 6 della Convenzione europea dei diritti delluomo e della libert
fondamentali (procs quitable e fair trial nelle lingue ufficiali) e lart. 14 del
Patto internazionale sui diritti civili e politici.59
Vazando os textos normativos ora mencionados, temos o que segue:
Art. 6 CEDH:
1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa
seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo
razovel por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido pela lei, o qual decidir, quer sobre a
determinao dos seus direitos e obrigaes de carcter
59
FERRUA, Paolo. IL GIUSTO PROCESSO. 2.ed. Zanichelli Editore: Bologna, 2007, p. 27.
51
civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusao em
matria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser
pblico, mas o acesso a sala de audincias pode ser
proibido imprensa ou ao pblico durante a totalidade ou
parte do processo. quando a bem da moralidade, da ordem
pblica ou da segurana nacional numa sociedade
democrtica, quando os interesses de menores ou a
proteo da vida privada das partes no processo o
exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessria
pelo tribunal, quando, em circunstancias especiais, a
publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da
justia.
2- Qualquer pessoa acusada de uma infrao
presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade no
tiver sido legalmente provada.
3- O acusado tem, como mnimo, os seguintes
direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em lngua que
entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da
acusao contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessrios para a
preparao da sua defesa;
52
c) Defender-se a si prprio ou ter a assistncia de
um defensor da sua escolha e, se no tiver meios para
remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente
por um defensor oficioso, quando os interesses da justia o
exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de
acusao e obter a convocao e o interrogatrio das
testemunhas de defesa nas mesmas condies que as
testemunhas de acusao;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intrprete, se
no compreender ou no falar a lngua usada no processo.
Art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos:
1. Todas as pessoas so iguais perante os tribunais de justia.
Todas as pessoas tm direito a que a sua causa seja ouvida
equitativa e publicamente por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidir
quer do bem fundado de qualquer acusao em matria penal
dirigida contra elas, quer das contestaes sobre os seus
direitos e obrigaes de carter civil. As audies porta
fechada podem ser determinadas durante a totalidade ou uma
parte do processo, seja no interesse dos bons costumes, da
ordem pblica ou da segurana nacional numa sociedade
53
democrtica, seja quando o interesse da vida privada das
partes em causa o exija, seja ainda na medida em que o
tribunal o considerar absolutamente necessrio, quando, por
motivo das circunstncias particulares do caso, a publicidade
prejudicasse os interesses da justia; todavia qualquer
sentena pronunciada em matria penal ou civil ser
publicada, salvo se o interesse de menores exigir que se
proceda de outra forma ou se o processo respeita a diferenas
matrimoniais ou tutela de crianas.
2. Qualquer pessoa acusada de infrao penal de direito
presumida inocente at que a sua culpabilidade tenha sido
legalmente estabelecida.
3. Qualquer pessoa acusada de uma infrao penal ter direito,
em plena igualdade, pelo menos s seguintes garantias:
a. A ser prontamente informada, numa lngua que ela
compreenda, de modo detalhado, acerca da natureza e
dos motivos da acusao apresentada contra ela;
b. A dispor do tempo e das facilidades necessrias para a
preparao da defesa e a comunicar com um advogado
da sua escolha;
c. A ser julgada sem demora excessiva;
54
d. A estar presente no processo e a defender-se a si
prpria ou a ter a assistncia de um defensor da sua
escolha; se no tiver defensor, a ser informada do seu
direito de ter um e, sempre que o interesse da justia o
exigir, a ser-lhe atribudo um defensor oficioso, a ttulo
gratuito no caso de no ter meios para remuner-lo;
e. A interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de
acusao e a obter a cooperao e o interrogatrio das
testemunhas de defesa nas mesmas condies das
testemunhas de acusao;
f. A fazer-se assistir gratuitamente de um intrprete, se
no compreender ou no falar a lngua utilizada no
tribunal;
g. A no ser forada a testemunhar contra si prpria ou a
confessar-se culpada.
4. No processo aplicvel s pessoas jovens a lei penal ter em
conta a sua idade e o interesse que apresenta a sua
reabilitao.
5. Qualquer pessoa declarada culpada de crime ter o direito de
fazer examinar por uma jurisdio superior a declarao de
culpabilidade e a sentena, em conformidade com a lei.
6. Quando uma condenao penal definitiva ulteriormente
anulada ou quando concedido o indulto, porque um fato novo
55
ou recentemente revelado prova concludentemente que se
produziu um erro judicirio, a pessoa que cumpriu uma pena
em virtude dessa condenao ser indenizada, em
conformidade com a lei, a menos que se prove que a no
revelao em tempo til do fato desconhecido lhe imputvel
no todo ou em parte.
7. Ningum pode ser julgado ou punido novamente por motivo de
uma infrao da qual j foi absolvido ou pela qual j foi
condenado por sentena definitiva, em conformidade com a lei
e o processo penal de cada pas.
O artigo 111 da Constituio Federal Italiana assim dispe:
La giurisdizione si attua mediante il giusto processo
regolato dalla legge.
Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le
parti, in condizioni di parit, davanti a giudice terzo e
imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata.
Nel processo penale, la legge assicura che la
persona accusata di un reato sia, nel pi breve te