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DIÁRIO O texto do diário está inscrito num espaço e num tempo que se relacionam com o momento da escrita. Por esta razão, os advérbios e outras expressões espaciais e temporais (“ hoje, este ano, aqui…”) têm de estar relacionados com a indicação da data que antecede cada um dos segmentos do diário. Depois, há que considerar os factos históricos ali relatados. O Diário é também testemunho de uma época, mostrando a visão particular de quem a vive na 1ª pessoa do singular. Uma característica de qualquer diário é a presença incontornável do “eu” discursivo, de quem lemos os desabafos, as emoções, as atitudes, as confissões, as opiniões. De entre as marcas de implicação do “eu” no discurso destacam-se: - Conjugação verbal na 1ª pessoa do singular, seja no presente, seja no pretérito perfeito. - Presença de verbos que expressam sentimentos, intenções, crenças… - Uso de deícticos. No registo diário constatamos a presença de segmentos discursivos diversos: relato factual, expressão de sentimentos, a reflexão, o testemunhos sobre factos históricos… Ciclo de Estudos 2008/2011

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Page 1: WordPress.com€¦ · Web viewSe eu não risse era um palerma. Se eu o mandasse para a rua (há quem faça isso, por causa disto, sim, senhor!) era uma dúzia de palermas. Sebastião

DIÁRIO

O texto do diário está inscrito num espaço e num tempo que se relacionam com o momento da escrita. Por esta

razão, os advérbios e outras expressões espaciais e temporais (“ hoje, este ano, aqui…”) têm de estar relacionados com a

indicação da data que antecede cada um dos segmentos do diário.

Depois, há que considerar os factos históricos ali relatados. O Diário é também testemunho de uma época,

mostrando a visão particular de quem a vive na 1ª pessoa do singular.

Uma característica de qualquer diário é a presença incontornável do “eu” discursivo, de quem lemos os desabafos,

as emoções, as atitudes, as confissões, as opiniões. De entre as marcas de implicação do “eu” no discurso destacam-se:

- Conjugação verbal na 1ª pessoa do singular, seja no presente, seja no pretérito perfeito.

- Presença de verbos que expressam sentimentos, intenções, crenças…

- Uso de deícticos.

No registo diário constatamos a presença de segmentos discursivos diversos: relato factual, expressão de

sentimentos, a reflexão, o testemunhos sobre factos históricos…

Ciclo de Estudos2008/2011

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Um poeta na turmaAinda não disse que tenho um Poeta na turma. É o Romão. Faz o possível por "parecer" Poeta, pela maneira

como se senta, pelo tom de voz, e até pelo reclamo falado que de si faz: assina "o Poeta"; acha naturalíssimo que eu lhe chame "ó Poeta" e diz aos outros que se não devem admirar de que haja Poetas que escrevem prosa: «Eu também sou Poeta e faço muitas redacções.» Tenho-lhe dito que é preciso ser Poeta principalmente por dentro; ele deve sabê-lo e é muito capaz de sê-lo: o que escreve traz o selo tão nítido, que o rapazinho talvez não se tenha enganado a seu respeito. Imaginação, boa escolha das palavras e uma gramática pavorosamente à Gomes Leal; pontuação não é com ele: a sua prosa (assinada assim: "o Poeta prosador") é parente do verso de Aragon.

Pois o Romão quis ler Uma Corrida em Salvaterra, e eu invejei a leitura de que foi capaz. Ouvi-o com gosto, se não com entusiasmo. E mais ainda quando, não aproveitando do trecho senão o facto de apresentar um português valente, dos que dantes havia, improvisa um discurso tão correctamente conduzido, tão bonito e tão rico de frases felizes, que parecia preparado. Mas não era: o Poeta estava a falar. E o Poeta tinha o coração nas mãos (já sei porque é que ele põe as mãos num gesto que eu a princípio não percebia).

Dizia ele que «a alma portuguesa foi sempre grande». Invencível sempre, foi antigamente, no entanto, «mais firme, mais impetuosa». Hoje deixaríamos morrer afogado, junto de nós, quem quer que não fosse da nossa família (pai, mãe, irmão…) porque a morte nos aterroriza; porque (como a ordem das palavras é já de Poeta nesta frase!) «hoje o medo de morrer é grande».

E etc. Neste etc. ia um apelo do Poeta — do mais fundo, dos mais humanamente bonitos do Poeta: «Devíamos ser todos irmãos.»

A lição de gramática fora pensada, pelo menos parte dela, em casa: Os espanholismos do vocabulário do toureio e a sua justificação; a partir daí falei-lhes de anglicismos e francesismos, de italianismos e respectivos, mais frequentes, domínios vocabulares.

Outra coisa em que toquei, a propósito das palavras, foi no eufemismo. Perceberam. O maroto do Artur, quando eu lembrei que a pessoa a quem morre um parente muito querido diz de preferência ele faleceu, descobriu logo: «Ah! Por isso é que no jornal nunca vem morrimentos; vem sempre falecimentos.»

Se eu não risse era um palerma. Se eu o mandasse para a rua (há quem faça isso, por causa disto, sim, senhor!) era uma dúzia de palermas. Sebastião da Gama

Questionário 1. Indica as atitudes e comportamentos adoptados pelo Romão como sendo os de um poeta.

2. O professor apresenta o modo como Romão é "poeta" com admiração e alguma ironia.

2.1.Regista, separadamente, as palavras e expressões reveladoras da admiração e as que sugerem alguma

ironia.

2.2.Neste contexto, qual te parece ser o valor da ironia?

3. Logo no início do excerto, Sebastião da Gama afirma ter dito ao seu poeta que "é preciso ser Poeta

principalmente por dentro" .

• Procura explicar o sentido destas palavras.

4. Explicita a atitude do professor perante este seu aluno, em particular, e os seus alunos, em geral.

5. Vamos aproveitar a lição sobre funcionamento da língua dada por Sebastião da Gama nesta sua aula.

5.1.Escreve duas frases em que uses anglicismos.

5.2. Constrói uma frase em que o eufemismo esteja presente.

Ciclo de Estudos2008/2011

In “Plural 10.º” , Lisboa Editores