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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ROBERTA MARIA COSTA SANTOS UMA ANÁLISE DA LEI Nº 11.794/08 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA ÉTICA ANIMAL.

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ROBERTA MARIA COSTA SANTOS

UMA ANÁLISE DA LEI Nº 11.794/08 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA ÉTICA ANIMAL.

RIO DE

JANEIRO 2016

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ROBERTA MARIA COSTA SANTOS

UMA ANÁLISE DA LEI Nº 11.794/08 À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA ÉTICA ANIMAL.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito- Stricto Sensu,

como requisito parcial para obtenção do grau

de Mestre em Direito, Universidade Estácio

de Sá. Orientador: Prof. Dr. Fábio Corrêa Souza

de Oliveira.

RIO DE

JANEIRO 2016

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Para o Deus (triuno), criador do céu e da terra, por me conceder sabedoria nas escolhas dos melhores caminhos, coragem para acreditar, força para não desistir e

proteção para me amparar.

Para meus filhos, Lucas André e Davi, amor incondicional.

Para Vinicius Chaves, meu amado marido, pela parceria no dia-a-dia e eternoincentivo à vida acadêmica.

Para minha mãe Geralda, pela eterna torcida.

Para meu pai Roberto e à querida Michelli, pelo incansável apoio e incentivo aoestudo.

Para meu querido irmão Guilherme, inspiração para horas dedicadas ao estudo.

Para todos os animais não humanos, seres únicos, que merecem, no mínimo,respeito.

Para Barrichello, meu eterno e fiel amigo de quatro patas, amor que jamaisconhecerá despedidas.

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AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que, a seu modo, contribuíram para realização deste trabalho.

Agradeço em primeiro lugar ao Deus criador do céu e da terra, pela vida e pelo dom de estudar e aprender a cada dia mais.

Ao meu Senhor e Salvador Jesus Cristo pelo amparo nos momentos difíceis e pelo carinho e amor no dia a dia.

Ao Professor Doutor Fábio Corrêa Souza de Oliveira, por ter aceitado ser meu orientador, por sua generosidade em compartilhar conhecimentos e pela educação com que sempre me recebeu.

À Professora Doutora Rita Leal Paixão, pela maneira gentil que me recebeu como aluna na disciplina Seminário de Ética Animal da Universidade Federal Fluminense e pela valiosa contribuição dada em sala de aula para esta dissertação.

À Fundação CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior), pela concessão da bolsa de mestrado.

Ao PPGD da Universidade Estácio de Sá, pela oportunidade de cursar o mestrado.

Agradeço, também, a todos os professores do PPGD/UNESA e em especial aos que tive a honra de ser aluna: Prof. Dr. Fábio de Oliveira, Prof. Dr. Marcello Ciotola, Prof. Dr. Rafael Iorio, Prof. Dr. Edna Raquel, Prof. Dr. Lenio Streck e Prof. Dr. Rogério Bento.

A todos, minha eterna gratidão.

.

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RESUMO: Parte-se das discussões sobre a ética animal, temática inserida no

campo da filosofia moral, para reflexões e questionamentos sobre a

constitucionalidade da lei nº 11.794/08 que regula prática conhecida como

experimentação animal. De início, foram apresentadas as premissas das teorias

morais e as bases filosóficas dos movimentos denominados libertação animal e

abolicionismo animal, propostos respectivamente por Peter Singer e Tom Regan,

que têm em comum o reconhecimento dos animais como seres sencientes, capazes

de experimentar sensações, apresentar grau de consciência e sentir prazer e dor.

Em seguida, identificou-se o conteúdo da experimentação animal, sua parte

histórica, como são realizados os experimentos e sua fiscalização no Brasil. Por fim

foi estudado, através da hermenêutica constitucional, o artigo 225 da constituição de

1988 e a lei Arouca, sem deixar de observar a legislação ambiental e os conceitos

de crueldade e maus tratos. Cotejando-se os procedimentos levados a efeito em

animais com a ótica filosófica dos movimentos contemporâneos, pautados na

capacidade de sentir e sofrer, respaldados pela Declaração de Cambridge sobre

Consciência de 2012, conclui-se que a lei que regula a experimentação animal no

Brasil é inconstitucional.

PALAVRA - CHAVE: ética animal, experimentação animal, inconstitucionalidade

ABSTRACT: Part is the discussion on animal ethics, theme inserted in the field of

moral philosophy, to reflections and questions about the constitutionality of Law No.

11,794 / 08 which regulates practice known as animal experimentation. Initially, the

assumptions of moral theories and the philosophical basis of movements called

liberation animal and animal abolitionism, proposed respectively by Peter Singer and

Tom Regan, who have in common the recognition of animals as sentient beings

capable of experiencing sensations were presented, present degree of

consciousness and experience pleasure and pain. Then identified the content of

animal experimentation, its historical part, as they conducted the experiments and

their inspection in Brazil. Finally it has been studied by constitutional hermeneutics,

Article 225 of the 1988 constitution and Arouca law, while observing environmental

laws and concepts of cruelty and maltreatment. Comparing the procedures carried

out on animals with the philosophical perspective of contemporary movements,

guided by the ability to feel and suffer, backed by Cambridge Declaration on 2012

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Consciousness, it is concluded that the law governing animal experiments in Brazil is

unconstitutional.

KEYWORDS: Animal ethics, animal experiment, unconstitutionality

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

CAPÍTULO 1

ÉTICA ANIMAL.........................................................................................................15

1.1 As premissas das teorias morais......................................................................16

1.1.1 Teoria das virtudes.....................................................................................21

1.1.2 Teoria kantiana..........................................................................................23

1.1.3 Teoria contratualista...................................................................................26

1.1.4 Teoria consequencialista............................................................................32

1.2 Peter Singer e Tom Regan: A inclusão dos animais não humanos na comunidade moral..................................................................................................34

1.2.1 Peter Singer e o princípio da igual consideração de interesses.................34

1.2.2 Tom Regan e o valor inerente....................................................................38

CAPÍTULO 2

EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA.............43

2.1 Experimentação animal: Um breve histórico...................................................44

2.2 Como são realizados os principais experimentos e para que servem.............51

2.2.1 Métodos alternativos ao uso de animais.....................................................60

2.3 O caso dos macacos de Silver Spring..............................................................63

2.4 Os 3 R's.............................................................................................................65

2.5 Entendendo a fiscalização da experimentação animal no Brasil......................66

2.5.1 CONCEA: Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal..68

2.5.2 CEUA's: Comissões de Ética no uso de animais.....................................71

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CAPÍTULO 3

UMA ANALISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.794/08 QUE ESTABELECE PROCEDIMENTOS PARA USO CIENTÍFICO DE ANIMAIS...........76

3.1 A lei nº 11.794/08.............................................................................................78

3.2 Hermenêutica constitucional.............................................................................82

3.2.1 O artigo 225 parágrafo 1º,VII da CRFB/88................................................84

3.2.2 O que é crueldade?..............,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,89

3.2.3 O que são maus tratos?............................................................................92

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................96

REFERÊNCIAS.......................................................................................................101

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INTRODUÇÃO

Desde a década de setenta, a ética em relação aos animais inaugurou nova

e instigante linha de pesquisa atrelada ao campo da filosofia moral. Esta linha de

estudos envolve o debate sobre a inclusão dos animais não humanos, seres

sencientes1, capazes de experimentar sensações, apresentar grau de consciência e

sentir prazer e dor, na comunidade moral.

No final do ano de 2013, o resgate de animais mantidos pelo Instituto Royal,

localizado em São Roque/ São Paulo, como cobaias, para fins de experimentação,

ganhou a opinião pública.2 O fato trouxe para o centro das discussões a

necessidade de reflexão sobre a experimentação animal, uma prática relacionada à

ideia de testagem, em animais não humanos, da segurança e eficácia de

medicamentos, vacinas, cosméticos, produtos de limpeza, bem como treinamento de

acadêmicos (aulas práticas), desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas ou

exames invasivos e experimentos no campo da psicologia e das forças armadas.

As diversas discussões no âmbito da ética animal e da experimentação

animal no Brasil esbarram numa questão primordial, aqui assumida como problema

de pesquisa: a análise da constitucionalidade da lei nº 11.794/08, que estabelece

procedimentos para o uso científico de animais. A construção de uma possível

resposta a esta inquietação demanda o exame das ligações entre o Direito e a

Filosofia e, mais especificamente, entre o Direito e a Ética, e impõe o estudo das

diversas técnicas utilizadas na experimentação animal, dos métodos alternativos ao

uso de animais e do papel desempenhado pelo CONSELHO NACIONAL DE

1 Entendida como condição sensível de animais dotados com consciência. Sobre o tema ver o capitulo 2 da dissertação.2 Sobre o assunto ver Oliveira (2014): A ação que libertou animais mantidos pelo Instituto Royal,como cobaias, para fins de experimentação ganhou avassaladoramente a opinião pública, possivelmente como nunca antes no país, inclusive com repercussões internacionais. Chamou de forma ampliada a atenção da sociedade para questão altamente sensível e de nuclear apelo ético já de muito discutida na academia: a utilização de animais para pesquisa e ensino. A percepção da redução dos animais a recursos ou objetos de estudos, denominados assim, pejorativamente, animais de laboratório, o que se dá seja por meio de imagens bizarras, já divulgadas há tempos e de fácil acesso, seja pela literatura ou regulações, causa choque e tensiona o senso comum, demonstrando que esta cultura se vê problematizada, confrontada, quando não com a legalidade, com a moralidade, gerando um sentimento crescente de indignação (...).

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CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL (CONCEA) e pelas COMISSÕES DE

ÉTICA NO USO DE ANIMAIS.

Tendo como ponto de partida esta inquietação, o presente estudo propõe a

investigação da lei nº 11.794/08 na perspectiva da Constituição de 1988 e à luz da

ética animal, adequada, portanto, à linha de pesquisa “direitos fundamentais e novos

direitos”, da área de concentração em Direito Público e Evolução Social. O objeto

delineado abrange campo temático de grande relevância e interesse para o país,

envolvendo questões como a intervenção do Estado na ciência da Biomedicina e a

disciplina jurídica dos direitos dos animais, todas conexas com a experimentação

animal e a legislação brasileira que disciplina o tema. Paradoxalmente, constituem

pontos pouco investigados no âmbito da Ciência Jurídica.

Em meio às diversas questões fundamentais possíveis, uma assume

especial relevância, porque esta vinculada à imprescindível dinamização da ciência

da Biomedicina e, consequentemente, da eficiência de novos medicamentos,

vacinas e desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas, portanto, constituem o

corte aplicado à pesquisa: A lei Arouca (regulamenta a experimentação animal) é

constitucional? Em busca de resposta a esta indagação, a dissertação foi concebida

da seguinte forma:

No capítulo I, são apresentadas as premissas das teorias morais, onde a

ética animal está inserida como um subcampo da bioética. Também são

apresentadas as teses dos filósofos Peter Singer e Tom Regan para incluir os

animais não humanos na comunidade moral. Para tanto, são investigadas as teorias:

das virtudes, kantiana, contratualista e consequencialista. Neste contexto também

são estudados o princípio da igual consideração de interesses e a tese do valor

inerente.

O capítulo II versa sobre a experimentação animal. É apresentado um breve

histórico, como são realizados os principais experimentos, para que servem e quais

são os métodos alternativos disponíveis. É estudado também o caso dos macacos

de Silver Spring, ocorrido em 1981 nos Estados Unidos, por sua relevância no

processo de incrementar a fiscalização da experimentação animal e os 3 R’s

(replacement, reduction e refinement) propostos por Russel e Burch em 1959. Por

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fim, realizou-se uma análise da fiscalização da experimentação animal no Brasil,

com a apresentação de seus segmentos.

O capítulo III aborda a hermenêutica constitucional, ou seja, a (in)

constitucionalidade da Lei nº 11.794/08 que estabelece procedimentos para o uso

científico de animais no Brasil, perpassando pela definição de crueldade e maus

tratos.

A argumentação desenvolvida na dissertação está pautada na tese do

sujeito de uma vida/ valor inerente, abordada no capítulo I, do filósofo do Direito Tom

Regan.

O presente estudo indica a necessidade de abolir a experimentação animal

no Brasil. Assim, sua metodologia foi embasada por esforço de pesquisa de caráter

interdisciplinar, com análises e reflexões concretas e específicas, assim como

discussões teórico-filosóficas, todas na busca da descrição do estado da arte na

matéria, ou seja, do limite do conhecimento relacionado aos temas e questões

abordadas ao longo do trabalho.

Foram perseguidas contribuições de diversos campos do conhecimento,

perpassando a Biomedicina, Biologia, Medicina Veterinária, Psicologia e a História,

mas com foco especial no Direito e na Filosofia. Desta forma, propôs-se a edificação

de um pensamento sistêmico voltado à identificação das interconexões necessárias

entre o objeto de estudo, de forma a possibilitar a compreensão integrada dos

principais conceitos e aspectos explorados.

Para instrumentalizar a dissertação foram desenvolvidas pesquisas

bibliográfica, tendo como fontes livros, artigos científicos, publicações periódicas,

impressos diversos, assinadas por autores contemporâneos, mas sem se esquivar

das lições dos clássicos, em âmbito nacional e internacional. Foi realizada também

pesquisa documental em sítios eletrônicos de organismos e instituições que exerçam

atividades relacionadas aos assuntos objeto de estudo.

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CAPÍTULO 1

ÉTICA ANIMAL

Todos argumentos para provar a superioridade humana não podem abalar este fato incontestável: no sofrimento, os animais são iguais a nós. (Peter Singer)

Não seria possível investigar a experimentação animal no Brasil sem uma

compreensão adequada dos principais termos que compõem o objeto do presente

estudo.

Para tornar esta dissertação o mais didática possível, pretende-se iniciá-la a

partir da análise do tema ética animal3, aqui considerado o “pano de fundo” do

estudo. Neste sentido, serão destacadas as premissas das teorias morais (teoria das

virtudes, teoria kantiana, teoria contratualista e teoria consequencialista). É

importante identificar em qual contexto estão inseridas as atuais concepções éticas

relacionadas aos animais não humanos para uma compreensão mais aprofundada

do tema.

Na sequência, passa-se à demonstração da concepção do filósofo

australiano, radicado nos Estados Unidos desde 1999, Peter Singer que, em uma

perspectiva utilitarista, defende a inclusão dos animais não humanos na comunidade

moral.

Posteriormente, será analisada a tese desenvolvida pelo filósofo norte-

americano Tom Regan, especializado na teoria dos direitos animais. O autor

defende o valor inerente para fundamentar o “status moral” dos animais não

humanos.

3 Trata-se de um ramo da ética aplicada. Sobre o assunto, ver também Naconecy (2006, p.18-19).

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1.1 As premissas das teorias morais

Desde os primórdios predomina a crença na superioridade da vida humana

perante as demais espécies vivas. Neste contexto, a moral tradicional defende esta

hierarquia chancelando a ideia de que todas as espécies vivas existem com o

propósito de servir aos seres humanos. Em tese é possível afirmar que, à luz da

filosofia moral tradicional, os animais não humanos estão excluídos da comunidade

moral. Sendo assim o tratamento dispensado a eles não levanta questões de ordem

moral. Felipe (2006) argumenta que a defesa dessa tese concorre para o fracasso

da filosofia moral tradicional, pelo fato de não existir restrição à forma de vida

humana em apropriar-se das demais espécies vivas. Segundo a autora esta falha da

filosofia moral tradicional ganhou destaque nas três décadas mais recentes da

história humana quando filósofos começaram a revindicar uma ética para os animais

não humanos. Portanto o tratamento dispensado aos animais não humanos começa

a ser passível de avaliação moral.

No contexto, conforme ensina Cortina (2005, p. 19-20), frequentemente

utiliza-se a palavra ética como sinônimo do que anteriormente chamamos de moral,

ou seja, esse conjunto de princípios, normas, preceitos e valores que regem a vida

dos povos e dos indivíduos. A palavra ética procede do grego ethos, que significava

originariamente morada, lugar em que vivemos, mas posteriormente passou a

significar o caráter, o modo de ser que uma pessoa ou um grupo vai adquirindo ao

longo da vida. Por sua vez, o termo moral procede do latim mos, moris, que

originariamente significa costume, mas em seguida passou a significar também

caráter ou modo de ser. Desse modo, ética e moral confluem etimologicamente em

um significado quase idêntico: tudo aquilo que se refere ao modo de ser ou caráter

adquirido como resultado de pôr em prática alguns costumes ou hábitos

considerados bons.

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Considerando que nenhuma teoria ética 4pode ignorar interesses, surge uma

inquietação: Os interesses dos animais têm importância por si próprios, ou somente

quando afetam sentimentos ou interesses dos humanos?

Diante deste questionamento caso os interesses dos animais não são em si

mesmo valiosos cabe indagar qual tratamento eles devem receber? Porém, se os

interesses dos animais contam por si mesmos, surge outro ponto a ser investigado:

Os interesses dos animais não humanos devem ter peso moral igual aos interesses

semelhantes dos humanos?

As inquietações acima são o ponto de partida das modernas teorias éticas que

buscam incluir os animais não humanos na comunidade moral e, na dissertação,

serão analisadas no tópico onde serão estudados os autores Peter Singer e Tom

Regan. Partindo do pressuposto que todo julgamento moral tem como foco o agente

da ação, a ação ou a consequência da ação é possível entender em qual concepção

tradicional ética estão inseridas as contemporâneas. Portanto, teorias éticas

apontam o locus primário do valor moral nas disposições de caráter do agente, das

quais surge a sua intenção, no tipo de ação que ela produz, ou na consequência

resultante da ação.

Para facilitar o entendimento é importante destacar que a ética pressupõe a

existência do outro. Mas, quem é esse outro? Quais características esse outro deve

possuir para pertencer à comunidade moral? Qual a classe de seres que merece

uma tutela moral? Qual o critério de inclusão na comunidade moral? Independente

do caminho traçado para responder essas inquietações, é possível concluir que ao

elencar um critério amparado, por exemplo, na linguagem, consciência plena, cor da

pele, sexo, inteligência ou espécie, para definir o caráter dos membros da

comunidade moral, é arbitrário e torna incoerente a interação dos seres humanos

uns com os outros e desses com os demais animais não humanos.

4 “A ética é um campo da filosofia e pode ser definida como uma filosofia crítica. Busca justificar a existência do moral e oferecer uma orientação para as decisões humanas em cada caso concreto. Adotar uma ética significa estar disposto a julgar certas ações como preferíveis a outras. Qualquer concepção moral ou teórica ética irá operar com princípios, valores, ideias, normas de conduta, preceitos, proibições e permissões, na forma de um sistema mais ou menos coerente. O objetivo é fundamentar, racionalmente, um conjunto de princípios morais básicos. De maneira ilustrativa, é possível dizer que a ética funciona como uma bússola moral” (NACONECY, 2006, p.15.)

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No contexto, seres humanos não são todos iguais.5 Existem diferenças,

como por exemplo, do grau de inteligência, cor da pele, estatura, consciência,

linguagem, profissão, opção sexual, religião, nacionalidade, cor e tipo de cabelo e

etc. Por esse motivo, essas características não podem ser critério moral distintivo,

isto é, indicador de quem é digno de consideração moral ou não. Logo, ao adotar

algum desses critérios como definidores das características dos membros que

pertencem à comunidade moral, automaticamente, serão excluídos do âmbito dessa

comunidade não apenas os animais não humanos, mas também muitos seres

humanos que não ostentam as habilidades típicas da espécie humana (que já

perderam por doença, idade ou acidente) ou que não possuem as características

definidas para possuir status moral.

Portanto, a ética e a justiça devem ser consideradas a expressão mais

relevante da razão humana, norteada pelo princípio da igualdade. A discriminação

moral de seres semelhantes, por parte dos humanos, deve ser questionada.

Humanos podem ter preferências, inclusive preferir os da sua espécie, mas suas

preferências não autorizam a desrespeitar e subjulgar outras espécies ou outros

humanos que não possuem determinadas características.

A ética animal 6consiste não apenas num ponto de referência imprescindível

aos seres humanos para que possam se situar em torno de determinados desígnios,

5“Sabe-se que entre as pessoas há diferenças óbvias, perceptíveis a olhos vistos, as quais, todavia, não poderiam ser, em quaisquer casos, erigidas, validamente, em critérios distintivos justificadores de tratamento jurídicos díspares. Assim, “exempli gratia”, são nitidamente diferenciáveis os homens altos dos homens de baixa estatura. Poderia a lei estabelecer – em função desta desigualdade evidente- que os indivíduos altos tem direito a realizar contratos de compra e venda, sendo defeso o uso deste instituto jurídico as pessoas de amesquinhado tamanho? Pois, sem dúvida, qualquer intérprete, fosse ele doutor da maior suposição ou leigo de escassas luzes, responderia pela negativa.Qual a razão empecedora do discrímen, no caso excogitado, se é certo que uns e outros diferem incontestavelmente? Seria, por ventura, a circunstância de que a estatura é fator em si mesmo inidôneo juridicamente para servir como critério de desequiparação?”( MELLO,1978, p.16-17).6 “Ao longo da História, um coro de vozes ergueu-se para reivindicar um respeito mais pleno e efetivo pelos animais. Não se trata de um punhado de sentimentalistas excêntricos, desligados da realidade humana. A lista de personalidades é longa e a sua influência provou-se determinante para a culturado seu e do nosso tempo. Eis alguns nomes. Isaías, o primeiro dos profetas maiores do Velho Testamento; Pitágoras, o matemático e filósofo da Grécia Antiga; Buda, o fundador de uma das grandes religiões do Oriente; da Pérsia, o pensador religioso Mani; da Roma Clássica, os filósofos Plotino, Porfírio e Plutarco, e o estadista Séneca; mais tarde, o profeta Maomé; depois, no mundo medieval cristão, o patriarca S. João Crisóstomo e S. Francisco de Assis; no período renascentista, o pintor e inventor Leonardo da Vinci, o Papa Pio V, o político S. Thomas More, o poeta e dramaturgo William Shakespeare, e o teólogo Michel de Montaigne; os filósofos do século XVII Henry More e John Locke, e o físico e matemático Isaac Newton; no Século das Luzes, os filósofos Jean-Jacques Rousseau e Jeremy Bentham, o poeta Alexander Pope e o filósofo escritor Voltaire; no século XIX, os filósofos Arthur Schopenhauer e John Stuart Mill, e o influente naturalista Charles Darwin; no século

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mas garante o respeito aos animais não humanos e exalta valores em torno dos

quais cada humano pode se reconhecer e se identificar como um ser capaz de

respeitar todos os seres humanos e seres de outras espécies que possuem a

capacidade de sofrer, desenvolver laços, demonstrar afeto, sentir dor, medo,

angústia, fome, frio, sono e solidão por exemplo. 7Aplicada esta lógica aos tempos

atuais, é possível perceber tais proposições conduzindo membros de diferentes

sociedades à unidade em torno da questão da necessidade de abolir as diversas

práticas de exploração animal 8 (a dissertação abordará somente a prática da

experimentação animal), acompanhada de uma preocupação com os meios para

divulgar tais práticas visando transformar em realidade a inclusão dos animais não

humanos na comunidade moral.

Apesar da percepção desde a década de 70 da necessidade da mudança do

status moral dos animais não humanos, são muitas e grandes as dificuldades em

torno de qualquer abordagem sobre o tema, o que torna a sua investigação

desafiadora pelo fato de envolver inúmeras formas de exploração animal e

questionamentos exigindo mudanças de hábitos e renúncia às tradições passadas

de gerações em gerações.

Neste cenário, quando a visão antropocêntrica passa a ser questionada

como único meio de pensar em uma ética, novas considerações surgem buscando

passado, o Nobel da ciência Albert Einstein, o Nobel da paz Albert Schweitzer e o ativista político Mahatma Gandhi. Estes e outros pensadores, líderes e figuras religiosas professaram a importância fundamental da bondade para com os animais. Mas a sistematização e o aprofundamento dos argumentos produzidos em torno do estatuto moral dos animais só ocorreu nas últimas décadas do século XX, altura em que se deu um crescimento sem precedentes do interesse filosófico pelo tema. Formou-se uma nova área da filosofia, a chamada Ética Animal, cuja literatura partilha uma ideia orientadora: a ideia de que determinadas capacidades psicofísicas conferem relevância moral a todos os indivíduos que as detêm – sejam humanos ou não – na medida em que essas capacidades contribuem para o modo como tais indivíduos podem ser afetados a nível sensorial e psicológico. Pugna-se, desse modo, pela implementação de um respeito igualitário dirigido a todos os animais que conosco partilham tais capacidades.” (SILVA, 2016, p.1-2).7 Sobre o assunto: “O corpo cinzento e volumoso, com suas orelhas enormes e sua trombabalançando, caminhavam num grande campo aberto ao lado de um corpo menor, branco e travesso. Tarra e Bella haviam saído para passear. Lado a lado, dia após dia, elas perambulavam pelos hectares abertos do Elephant Sanctuary, no Tennessee. Até nadavam juntas. A confiança que bella, a cadela, tinha em sua amiga ficava evidente ao permitir que Tarra acariciasse sua barriga com a pata enorme. Tarra criou um vínculo com a vira-lata Bella por iniciativa própria, sem qualquer incentivo dos humanos que cuidavam dela. As duas foram amigas próximas por oito anos. E graças à TV e a internet elas se tornaram uma sensação global em vídeo. O fato de duas criaturas de tamanhos tão díspares, e de natureza tão diferentes terem uma amizade duradoura foi uma notícia animadora para muita gente. Tarra e Bella nos lembram que, quando os indivíduos querem, os laços de amizade podem transcender inclusive diferenças extremas...” (KING, 2014, p. 134)8 Sobre as diversas formas de exploração anima ver Regan (2006, p.103-223).

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uma reorganização da comunidade moral (PAIXÃO; SCHRAMM 2008, p.79). A

ampliação da esfera moral tem seu marco no ressurgimento da ética aplicada. No

contexto, ética animal é a ética aplicada no tratamento oferecido aos animais não

humanos e uma compreensão filosófica que remonta à filosofia Grega. 9

Não se pode negar que a discussão sobre o status moral dos animais não

humanos está caminhando para o centro da visão do mundo que prevalece em

nossa época. Por outro lado, a promoção deles a membros da comunidade moral é

um compromisso que traz obstáculos de ordem econômica, política, jurídico e social.

As sociedades, em grande parte, são ainda incapazes de propiciar condições à

satisfação das necessidades humanas fundamentais, e a dificuldade na remoção

das barreiras que impedem a inclusão dos animais não humanos na comunidade

moral mantém inaceitável hiato entre o possível e o realizado em matéria de bem-

estar (respeito às características peculiares de cada espécie) e qualidade de vida

para todos os animais (humanos e não humanos). Portanto pode ser considerado

um dos maiores desafios do nosso país, onde sua realização, aliás, é determinação

constitucional, a partir do momento que consta na carta magna artigo vedando a

crueldade aos animais não humanos.

A compreensão das principais teses contemporâneas que defendem um

status moral para os animais não humanos é importante para analisar a

experimentação animal à luz da constituição brasileira de 1988. Antes de iniciar a

investigação sobre as duas principais concepções modernas relacionadas ao status

moral dos animais não humanos, ou seja, o princípio da igual consideração de

interesses do movimento da libertação animal e o valor inerente do movimento dos

direitos dos animais é oportuno frisar, de maneira sucinta, as premissas das teorias

morais e os conteúdos de suas primeiras formulações teórico-conceituais.

9 Os Sofistas se apresentam como mestres de virtude. Deslocam o interesse da filosofia da natureza para o homem e abrem o caminho para a filosofia moral (REALE; ANTISERI 2011, p. 73-104.)

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1.1.1 Teoria das virtudes

O conceito é Aristotélico. Por sua vez, os dois grandes questionamentos

são: O que é a felicidade? Como ser feliz?

Aristóteles (2004, p.32) na Ética a Nicómaco se pergunta. “Em que consiste

o bem para o homem? E responde: Uma atividade da alma em conformidade com a

virtude.” Diante da resposta é possível concluir que o autor entendia o bem próprio

do homem sendo a inteligência e como tal este deve viver em conformidade com a

razão, pois através dela chega-se às virtudes, sendo a sabedoria a mais importante.

A virtude, para o autor, é definida como um traço de caráter manifestado no agir

habitual, em oposição a manifestações ocasionais desta ou daquela virtude, é um

agir que é emanado de um caráter firme e inabalável. Sendo assim, a virtude moral

pode ser compreendida como uma característica do caráter.

Neste cenário, o importante não é a atitude do agente, mas as disposições

de caráter que lançam luzes para as intenções das quais nascem as ações que

permitem às pessoas viverem harmonicamente em uma sociedade. Essas

disposições são as virtudes. No contexto, podem ser morais e não-morais. Virtudes

morais são: a bondade, o senso de justiça, a sinceridade, a honestidade, a

fidelidade, a lealdade, por exemplo. E virtudes não-morais são: a coragem e a força

de vontade.

Reale e Antiseri (2011, p. 218) observam que a felicidade, para Aristóteles,

é o bem supremo realizável pelo homem e consiste em aperfeiçoar-se enquanto

homem na atividade (razão) que o distingue de todas as outras coisas. Logo, para

viver bem o homem deve viver sempre de acordo com a razão.

Aristóteles desenvolve sua teoria ética na Grécia antiga. É possível, de certo

modo, afirmar que busca responder a inquietação “socrática-platônica” de como o

homem deve viver sua vida. Neste cenário, concebe suas ideias em contraposição

crítica à filosofia pré-socrática e platônica, defendendo a tese da existência de uma

hierarquia natural entre o homem, os demais seres vivos e os objetos inanimados.

Porém, cabe destacar que existem pontos de contato entre as teorias de Platão e

Aristóteles (LOURENÇO, 2008, p.66-67).

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Na busca para responder como o homem deve viver sua vida, Aristóteles

(1994), como já exposto acima, traz a teoria das virtudes. No contexto, é possível

afirmar que as virtudes morais dependem das virtudes não-morais; Para

exemplificar, a coragem embora não seja em si mesma moral, ostenta-la é relevante

para a prática das virtudes morais pois, para lutar contra uma injustiça, a pessoa

precisará de coragem. Portanto, Aristóteles via a virtude como um justo meio entre

extremos. Logo, a coragem é um meio termo entre a covardia e a temeridade. Nesta

perspectiva, o equilíbrio da disposição de caráter à circunstância, para Aristóteles,

era resultado de hábito, podendo ser desenvolvida com a prática. Ele comparava a

virtude à habilidade de acertar flechas no alvo; não é algo que dependa de teoria,

mas de esforço.

A lógica da ética das virtudes é que todo ser humano nasceu para ser feliz.

Tem como fim último a felicidade. Para uma melhor compreensão do tema é

importante destacar que a teoria ética desenvolvida por Sócrates e Platão, anterior a

ética das virtudes, enfatiza o conhecimento como o fim último do homem. A vida

para ser ética tinha que ser guiada pelo conhecimento. Porém, é relevante observar

que a teoria aristotélica e a platônica compartilham a mesma ideia referente a

divindade do ser humano, relacionada à elaboração intelectual e a razão. No

contexto é interessante destacar:

(...) a vida parece ser comum até as próprias plantas, mas estamos agora buscando saber o que é peculiar ao homem. Excluamos, pois, as atividades de nutrição e crescimento. A seguir, há a atividade de percepção, mas dessa também parecem participar o cavalo, o boi e todos os animais. Resta, portanto, a atividade do elemento racional do homem (...) (ARISTÓTELES, 2004, p. 27).

Para facilitar o entendimento da teoria das virtudes, alguma das enumeradas

por Aristóteles são: a coragem, a temperança, a liberalidade, a magnificiência, o

justo orgulho, a calma, a veracidade, a espirituosidade, a amabilidade, a modéstia, a

disposição anônima, a justa indignação e a justiça. Portanto, as virtudes éticas

permitem a vitória da razão sobre os impulsos, buscam a justa medida entre dois

excessos, manifestam-se como hábitos e fixam o fim do ato moral.

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Dentro da concepção aristotélica 10o animal não humano possui um nível

não desprezível de racionalidade próprio da espécie não humana, mas, estão

excluídos da comunidade moral. Não possuem status moral. Nesta percepção vale

as palavras de Lourenço (2008 p.75-76) sobre Aristóteles:

Para o referido filósofo, os animais não humanos não tinham consciência daquilo que percebiam sensorialmente. Assim, enquanto humanos e não humanos poderiam perceber a lua como pequena, somente os primeiros poderiam perceber que ela é, em realidade, grande. Ao assim proceder, negava-se aos animais não humanos a capacidade de raciocinar, de possuir intelecto, pensamento e crença. Por não possuírem essas habilidades, não seriam capazes de desenvolver emoções, mesmo que eventualmente parecessem experimenta-las. Eram, pois, cegos à justiça e a injustiça, ao conceito de bem e mal, e até mesmo em relação ao seu próprio bem-estar. Segundo o filosofo, tanto os escravos como os animais não humanos poderiam ser caçados em uma “guerra justa”.

Com o advento do cristianismo, as ideias aristotélicas perderam força. Pois,

a razão deixou de ser o caminho para uma vida virtuosa, esta agora provinha do

cumprimento dos mandamentos divinos. Porém, mais tarde, a modernidade

começou a (re) apresentar uma “moral secularizada”, substituindo a lei divina pela

sua “versão secular”, a lei moral (RACHELS, 2004, p.246-247).

1.1.2 Teoria Kantiana

Nossas obrigações com os animais são apenas obrigações indiretas com a humanidade. A natureza animal possui analogias com a natureza humana, e ao cumprir com nossas obrigações para com os animais em relação às manifestações da natureza humana, nós indiretamente estamos cumprindo nossas obrigações com a humanidade (...). Podemos julgar o coração de um homem pelo seu tratamento com os animais. (Immanuel Kant)

10 Sobre o assunto, é relevante destacar as palavras de Dias (2015, p. 43): “Aristóteles vê no fato do homem ter o dom da palavra uma forma de elevação, ao ser comparado com os outros animais que só tem a voz para expressar o prazer e a dor. Ele vê como natural o domínio do homem sobre o animal da mesma forma que para ele é natural o domínio do homem que tem ideias sobre aquele que só tem a força. Aristóteles inclui o animal na sociedade como escravo”.

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A ética Kantiana tem como ponto central a noção de dever. Kant (1964), ao

contrário de Aristóteles, desenvolve sua teoria focado na ação. Neste cenário, a

razão fundamenta a ética Kantiana. O ponto marcante desta abordagem reside no

imperativo11 categórico, ou seja, “age de tal modo que a máxima da tua vontade

possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal” (KANT

2006, p. 47). No contexto, Kant apresenta o seu imperativo categórico em duas

versões básicas, a exposta acima, conhecida como princípio da universalização e o

princípio dos fins, formulado como: “uma ação é moralmente correta quando com ela

tratam as outras pessoas também como fins em si mesmos”. Esse segundo

princípio, além de independente, serve para prevenir o uso, a manipulação e a

exploração das pessoas. Portanto, Kant sintetiza o pensamento sobre as questões

da moralidade. Por sua pertinência, importante ressaltar algumas colocações do

autor:

A razão pura é por si mesma prática facultando e confere (ao homem) uma lei universal que denominamos lei moral. O fato que se acaba de evocar é inegável. Resta apenas por analisar o juízo que os homens emitem sobre a conformidade de suas ações com a lei: sempre se haverá de julgar então que, seja o que for o insinuado pela inclinação, a razão, contudo, incorruptível e por si mesma obrigada, compara sempre a máxima da vontade numa ação com vontade pura, isto é, consigo mesma, enquanto ela se considera como prática a priori. Ora,este principio da moralidade, precisamente em razão da universalidade da legislação, que torna o fundamento supremo formal da determinação da vontade, independentemente de todas as diferenças subjetivas que esta última pode apresentar, a razão o institui ao mesmo tempo como uma lei para todos os seres racionais, conquanto tenham efetivamente uma vontade, ou seja, uma faculdade capaz de determinar sua causalidade mediante a representação de regras e, consequentemente, enquanto capazes de produzir ações segundo proposições fundamentais e, portanto, também conformes com princípios práticos a priori ( dado que só estes apresentam aquela necessidade que a razão exige em toda proposição fundamental). Isso não se limita, portanto, apenas ao homem, mas diz respeito a todos os seres finitos dotados de razão e

11 Segundo alguns autores, o termo imperativo, pode ser entendido como uma analogia ao termo bíblico Mandamento. "a representação de um princípio objetivo enquanto constrange a vontade, denomina-se uma ordem da razão; e a fórmula do mando denomina-se Imperativo". Sobre o assunto ver Abbagnano (1970, p. 519).

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vontade, incluindo até mesmo o ser infinito, enquanto, inteligência suprema. No primeiro, caso, contudo, a lei tem a forma de um imperativo porque, na qualidade de ser racional, pode-se supor no homem uma vontade pura; mas, por outro lado, enquanto é um ser afetado por necessidades e por causas motoras sensíveis, não se pode supor nele uma vontade santa, isto é, uma vontade tal que não lhe fosse possível esboçar qualquer máxima em conflito com alei moral. A lei moral é, por esse motivo, um imperativo que manda categoricamente, porque a lei é incondicionada; a relação de tal vontade com essa lei é de dependência, designada de obrigação, que significa uma coação, imposta, no entanto somente pela razão e por sua lei objetiva para uma ação, por isso denominada dever, porque um arbítrio patologicamente afetado (ainda quando não determinado por isso e, por conseguinte, também sempre livre) traz consigo um desejo que tem sua origem em causas subjetivas, podendo por isso opor-se frequentemente ao fundamento objetivo da determinação e que tem, portanto, necessidade de uma resistência da razão prática como coação moral, resistência que pode ser denominada uma coação interior, mas intelectual. Na inteligência que se basta totalmente a si mesma, o arbítrio é com razão representado como incapaz de qualquer máxima que ao mesmo tempo não possa ser objetivamente uma lei e o conceito de santidade que, por causa disso, lhe corresponde acima de todas as leis práticas, embora não sobre todas as leis praticamente restritivas e, por conseguinte, da obrigação e do dever. (KANT 2006, p. 48-49)

É possível observar que este entendimento está ancorado na moralidade

racional. O Imperativo Categórico é um ponto central para a adequada compreensão

da ética kantiana. Através dele o autor fornece uma “formula” para o “agir ético”. A

ideia de uma lei moral é valorizada. O autor pressupõe um conceito de homem

racional que não pode ser instrumentalizado. Neste contexto, a consciência moral

para Kant é a própria Razão. Assim a regra da moralidade é estabelecida pela razão

(o princípio do dever é a pura Razão) logo, pode se concluir que a moral kantiana é

antropocêntrica, pois é voltada para o homem.

Kant, em sua teoria, foca o que não se deve fazer (deveres negativos).

Portanto no conjunto da obra kantiana, praticamente não há recomendação sobre a

prática de ações virtuosas (deveres positivos). Para o autor, o alvo esta em não

praticar ação contrária às proibições.

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Vale destacar que os animais não humanos, na percepção de Kant, não

possuem status moral, pois, a fundamentação do autor para inclusão de um ser na

comunidade moral é pautada na racionalidade. Logo, os animais não humanos,

sendo desprovidos de razão, são no contexto da teoria kantiana, meros meios para

o fim último que é o homem. Nesta linha:

(...) embora reconhecesse que os animais pudessem sentir e sofrer, Kant negava que teríamos quaisquer obrigações morais para com eles, pois não poderiam ser considerados racionais ou autoconscientes. Seriam meros “instrumentos” para os fins humanos, existindo tão somente para o nosso uso e bem-estar, não possuindo qualquer valoração intrínseca. O correto tratamento dos animais só possui relevância para o filosofo por suas consequências e impacto sobre o próprio homem (teoria dos deveres indiretos, tal qual exposta por Aristóteles). (...)

A revolução Kantiana, sob o prisma da razão pura, poderia ser enquadrada como uma colocação do sujeito-homem como senhor do universo; dominador de todas as coisas. O estabelecimento da inexistência de obrigações morais para com os animais foi refletido diretamente na mentalidade dos séculos XVIII e XIX e, em especial, na legislação que também não as reconhecia ou, quando o fazia, deixava de admitir qualquer interesse por parte do animal, vislumbrando tão somente os do próprio homem em não se tornar cruel para com seus semelhantes pela prática de atos cruéis (visão indireta). (LOURENÇO, 2008, p. 235)

1.1.3 Teoria contratualista

A concepção da teoria contratualista 12está ancorada na capacidade de

fazer acordos. Portanto, a organização social depende de um acordo que permita

estabelecer os princípios básicos da sociedade. Neste cenário, a ética contratualista

nega a existência de deveres diretos para com os seres que não possuem um

sentido de justiça. Incluindo, nesse grupo, as crianças e os humanos com retardo

mental, por exemplo. Logo, nesta perspectiva, a moralidade é convencionada e não

natural.

12 Alguns autores consideram que a teoria contratualista está inserida na teoria kantiana e outros consideram que é uma teoria autônoma.

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É oportuno destacar, inicialmente, que existem duas correntes no

contratualismo. Uma prega que os contratantes participam das decisões com

conhecimento exato sobre o que almejam e a outra determina que os contratantes

estejam em uma posição de ignorância ao apoiar o pacto (contrato). No contexto, de

maneira concisa, será exposta a tese dos quatro principais autores contratualistas.

Thomas Hobbes (DIAS, 2000), filósofo inglês, publicou obras que

contribuíram para o estudo das relações do individuo com o Estado. Pregava que a

natureza humana é agressiva e propensa às guerras. Portanto, a única forma de

constituir um poder comum é conferir poder, através de um “contrato social”, a um

soberano a que denomina Leviatã. Assim, as vontades dos indivíduos são reduzidas

a uma vontade. Neste cenário, a linguagem é essencial para formar o Estado e as

capacidades mentais dependem dela para separar os animais humanos dos não

humanos. Sobre o assunto vale destacar o ensinamento de Dias (2000 p.39-40):

(...) para a formação do Estado, é preciso um pacto, para cuja adesão é preciso a linguagem. Dessa forma, Hobbes exclui os animais do pacto social. Ele afirmava que era impossível fazer pactos com os animais, porque eles não compreendem a nossa linguagem e, portanto, não podem nem aceitar qualquer translação de direito, como não podem transferir qualquer direito a outrem. Sem mútua aceitação não há pacto social possível. Isso significa que o estado de natureza e de guerra permanece entre os homens e os animais após o contrato social. Assim, um animal irracional está no direito de atacar um ser humano, e vice-versa (...)

John Locke (DIAS, 2000), pensador inglês, tem no rol de suas obras

principais dois tratados sobre o governo. Acredita que o acordo entre os homens

decorre da racionalidade. O contrato social é a maneira de o governo assumir o

compromisso de resguardar direitos e bens. No contexto, Locke desenvolve uma

teoria da propriedade e traz uma noção de direito de propriedade que fundamenta a

teoria moderna da propriedade privada. 13O autor refuta as ideias de Hobbes e faz

13 Significava que antes do advento do Estado, tudo era comum a todos. Ver Dias (2000, p. 42).

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apologia a Revolução de 1688. Defende o estado de natureza14 como um estado de

perfeita liberdade.

Neste cenário, a teoria desenvolvida pelo referido autor, exclui os animais

não humanos da comunidade moral (não há qualquer obrigação moral para com

eles).15 O direito de propriedade é elaborado como direito natural e o direito sobre

os bens (coisas) e os animais não humanos são, para Locke, similar. Bens (coisas) e

animais não humanos ocupam a base da pirâmide que representa a criação. No

contexto, o autor não nega que os animais não humanos podem sentir dor e sofrer,

mas o tratamento dispensado a eles só deve ser gentil caso afete o homem. Sobre o

assunto vale destacar passagem reproduzida na obra de Lourenço (2008, p.225-

226):

(...) o costume de se atormentar e matar bestas conduz, progressivamente, à brutalização da mente humana, até mesmo com relação ao próprio homem. Aqueles que se deliciam com o sofrimento e a morte das criaturas inferiores tornar-se-ão incapazes de demonstrarem compaixão com o seu próximo.

Jean-Jacques Rousseau na obra “O Contrato Social” distende em bases

puramente teóricas, os princípios segundo os quais se poderiam organizar um

pequeno Estado poderoso e prospero na persuasão de que o homem só foi feliz na

época em que vivia sem problemas, em meio a pequenos grupos, com foco nos

negócios materiais de existência e com a harmonia da família. No contexto, ao iniciar

uma reflexão, o homem inventou: a propriedade, que originou a pobreza de uns e a

riqueza excessiva de outros, o luxo, que criou os vícios, a instrução, que criou a

ambição e as inquietações de espírito. Portanto, o Estado Convencional resulta da

vontade geral, que é uma soma da vontade manifestada pela maioria dos indivíduos.

14 Para Locke: "quando os homens vivem juntos e conforme a razão, sem ter sobre a terra superior comum que tenha autoridade para julgá-los, se acha propriamente em estado de natureza”(DIAS, 2000, p.46).15 Sobre o assunto trecho do artigo escrito por Dias (2015): Locke, precursor do liberalismo inglês, coloca o homem em sua origem como senhor de todas as criaturas “ inferiores” podendo fazer delas o que lhe aprouver. Pregava que, em princípio, tudo pertence a todos e a força do trabalho pertence a cada um individualmente, o que vem a constituir a primeira forma de propriedade privada. Segundoele o homem pode se apossar dos frutos e das criaturas da terra. Locke retirou o animal da natureza tornando-o propriedade privada. Dizia que a natureza extra humana não tem vontades e nem direitos, são recursos à disposição de toda humanidade.

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A nação, compreendida como povo organizado, é superior ao rei. Não há direito

divino da Coroa, mas, sim, direito legal decorrente da soberania popular. Logo, a

soberania popular é ilimitada e total. O Governo é instituído para promover o bem

comum e só é tolerável enquanto justo. Caso não corresponda aos desejos

populares que determinaram a sua organização, o povo tem o direito de substituí-lo,

refazendo o contrato. Portanto, Rousseau é favorável ao direito de revolução. Sobre

o autor vale destacar passagem da obra de Lourenço (2008, p.228):

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no Contrato Social, procurando legitimar a modernidade, parte do princípio de que o homem nasce bom, a sociedade o corrompe. Rousseau condena o aprisionamento do homem, demonstrando que uma sociedade livre é igualitária, é o ideal a ser perseguido por todos. Suas ideias servirão de inspiração para a vindoura Revolução francesa. O estado de natureza trazia a beleza para homens e animais porque viviam em plena liberdade, desfrutando de independência absoluta.

Apesar de entender que o homem se diferencia do animal por possuir o livre-arbítrio e de postular que a natureza ficaria efetivamente fora do contrato social, Rousseau, em uma de suas últimas obras, Devaneios de um caminhante solitário, reconhece que as experimentações em animais são repugnantes.

Os animais não humanos, para Rousseau, também estão excluídos da

comunidade moral, exatamente por não participarem do contrato social. Porém,

existem indícios de que Rousseau era contrário à crueldade e maus tratos como

retratam os seguintes trechos:

Os animais que você come não são aqueles que devoram outros, você não come as bestas carnívoras, você as torna como padrão. Você só sente fome pelas criaturas doces e gentis que não ferem ninguém, que o seguem, o servem, e que são devoradas por você como recompensa pelos seus serviços. (NACONECY, 2006, p.226)

Como observar, dissecar, estudar, conhecer os pássaros no ar, os peixes na água, os quadrúpedes mais leves do que o vento, mais fortes do que o homem e que não estão mais dispostos a se oferecer às minhas pesquisas do que eu a correr atrás deles para submete- los pela força?(...). Não possuo nem o gosto nem os meios de

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mantê-los cativos, nem a agilidade necessária para segui-los em seus andar , quanto em liberdade. Será, portanto, necessário estudá-los mortos, rasgá-los, desossá-los, escavar à vontade suas entranhas palpitantes! Que horrível conjunto é um anfiteatro de anatomia, cadáveres fétidos, pastosas e lívidas carnes, sangue, intestinos repugnantes, esqueletos medonhos, vapores pestilentos! Dou minha palavra de que não é de lá que J.J. irá procurar seus divertimentos.(...). Aliás, nunca julguei que tanta ciência contribuísse para a felicidade da vida. (DIAS,2000,p. 47)

No contexto, Rawls (2002) tem a variação mais refinada das teorias

contratualistas. O autor busca conciliar dois conceitos: liberdade individual e justiça

social. O desejo de liberdade e a vontade de justiça social são igualmente legítimos.

Portanto, para teoria contratualista desenvolvida por Rawls, é necessária a união da

liberdade e da justiça social, para formar uma sociedade justa.

O autor, em sua teoria da justiça como equidade, proposta na obra “Uma

teoria da justiça”, prega que os contratantes devem aderir ao pacto sob o “véu da

ignorância” (desconsiderar os traços que não tem valor moral como: cor da pele,

nacionalidade, sexo, por exemplo), ou seja, se coloquem em uma posição de

ignorância quanto ao conhecimento exato de quem são e quais seus interesses e

expectativas pessoais mais importantes. No contexto, a introdução do “instituto” do

véu da ignorância busca preservar a neutralidade na hora da posição original. Neste

sentido, a fundamentação moral esta na capacidade de contratar e os seres

humanos que não possuem tal capacidade, como as crianças, por exemplo,

ostentam um “status moral de cortesia”.16

Importante destacar que a racionalidade e o senso de justiça são requisitos

obrigatórios para um ser estar acolhido pela teoria desenvolvida pelo autor.

16 Os seres detentores do status moral de cortesia não podem ser afetados por ações “anti éticas”, pois toda a sociedade seria. Alguns autores buscam extrapolar esse status moral de cortesia para os animais não humanos. Mas, ao fazer esta extrapolação só os animais que possuem a “simpatia” da maioria seriam beneficiados. E as cobras, por exemplo? A maioria iria se preocupar com elas para “receberem” o status de cortesia? O problema de incluir os animais não humanos na esfera moral através do status de cortesia reside no fato da maioria decidir o valor moral das cobras, dos cães, das crianças, dos doentes mentais, por exemplo.

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Os animais não humanos não estão incluídos na teoria proposta por Rawls,

apesar do autor não aceitar a crueldade com os animais. Quanto ao tema, as

palavras do autor:

(...), eu gostaria de lembrar aqui os limites da teoria da justiça. Não só muitos aspectos da moralidade são deixados de lado, mas também não se oferece nenhuma consideração acerca da conduta correta em relação aos animais e ao restante da natureza. Uma concepção da justiça é apenas uma parte de uma visão moral. Embora eu não tenha afirmado que a capacidade para um senso de justiça é condição necessária para termos direito à justiça, realmente parece que não se exige que concedamos justiça estrita a criaturas que não têm essa capacidade. Mas disso não decorre que não haja exigência alguma relativa a elas, nem em nossas relações com a natureza. Certamente, é errado tratar os animais com crueldade, e a destruição de toda uma espécie pode ser um grande mal. A capacidade para sentimentos de prazer e dor e para as formas de vida das quais os animais são capazes impõe deveres de compaixão e humanidade no caso deles. Não tentarei explicar essas convicções ponderadas. Elas estão fora do escopo da teoria da justiça, e não parece possível estender a visão contratualista de modo a incluí-las de um modo natural. Uma concepção correta de nossas relações com os animais e com a natureza parece depender de uma teoria da ordem natural e de nosso lugar dentro dela. Uma das tarefas da metafísica é elaborar uma visão do mundo que seja adequada para esse propósito; ela identificaria e sistematizaria as verdades decisivas para essas questões. É impossível dizer em que medida a justiça como equidade terá de ser revisada de modo a enquadrar-se nessa teoria mais ampla. Mas parece razoável esperar que, se ela for uma análise fundamentada da justiça entre pessoas, essa teoria não pode estar muito equivocada quando se levam em consideração essas relações mais amplas. (RAWLS, 2002, p.568-569)

As teorias contratualistas analisadas acima, não incluem os animais não

humanos na comunidade moral e não reconhecem que eles sejam alvos de

interesses diretos.

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1.1.4 Teoria consequencialista.

O foco da tese esta pautado no fato de uma ação ser considerada

moralmente correta quando seus resultados forem mais “bons” do que “maus”. A

teoria consequencialista é dividida em três correntes: egoísmo ético, altruísmo ético

e utilitarismo.

Para uma melhor compreensão é importante destacar que a teoria busca

responder qual ação deve ser adotada em cada caso concreto. No contexto, as duas

correntes menos expressivas da teoria são: o egoísmo ético e o altruísmo ético.

No contexto, o princípio que rege o egoísmo ético é o fato de uma ação ser

moralmente correta quando somente ostentar consequências boas para o agente

que a realiza, independentemente do que a ação possa causar para os outros

envolvidos.

Como já mencionado, o oposto do egoísmo ético é o altruísmo ético17. Para

essa corrente, uma ação só é moralmente correta quando realiza um bem maior

para os outros, independentemente da consequência que ela possa trazer para o

agente da ação.

A terceira corrente da teoria consequencialista é o utilitarismo. Nesta

perspectiva, a pior coisa que existe é o sofrimento logo a ação deve sempre ter

como alvo o menor sofrimento possível. Portanto, uma ação é moralmente correta

quando produz um bem maior para a maioria dos envolvidos. Trata-se de uma teoria

somativa. Em sua forma tradicional, proposta por Jeremy Bentham e seguido por

John Stuart Mill, bem e mal são interpretados, respectivamente, como prazer e

sofrimento. O princípio geral do utilitarismo clássico é o principio da maior felicidade

possível. Para mensurar a diferença entre o prazer e o sofrimento (compreendido

como dor), Bentham (1996) propôs um cálculo utilitário, que consiste em fazer um

balanço do prazer e da dor, medidos em termos de intensidade, duração, certeza,

proximidade, fecundidade e pureza para cada pessoa envolvida, somando em

seguida os resultados de modo a obter um balanço final. No caso do balanço final

17 O cristianismo, com um dos dez mandamentos ordenando que se ofereça a outra face, possui características do altruísmo ético.

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privilegiar o prazer sobre a dor, a ação será moralmente correta, caso contrário ela

será uma má ação.

No contexto, o autor foi um dos poucos filósofos a compreender e

reconhecer que a capacidade de sofrer é a característica vital para um ser pertencer

à comunidade moral. Portanto, os animais não humanos estão incluídos na esfera

moral conforme passagem clássica escrita por Bentham18 (1996, p.17):

Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adulto são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim; que importância teria tal fato? A questão não é saber se são capazes de raciocinar ou se conseguem falar, mas, sim, se são passíveis de sofrimento.

Neste cenário, Singer (2013), propôs uma versão mais refinada do

utilitarismo, através do principio da igual consideração de interesses. Tal perspectiva

será abordada no tópico seguinte da dissertação.

18 O pensamento de Bentham confronta com a visão dos animais imposta pelo cartesianismo e pela visão tomista que até então, na época, eram predominantes. Embora Bentham sustentasse a ideia da racionalidade para o cão e o cavalo, sua principal abordagem é deslocar o foco da razão para a questão do sofrimento. Este, de fato, exercerá um papel relevante na sua visão utilitarista, segundo a qual a ação deve propiciar o máximo de felicidade para o maior número de seres. De acordo com Bentham, é possível saber se uma determinada conduta é certa ou errada, levando-se em conta a felicidade ou infelicidade de todos os que foram afetados pela ação, sendo que a felicidade esta relacionada ao prazer e a infelicidade a dor. Com isso, o fato de os animais também serem capazes de sentir dor e prazer torna-se relevante para a consideração moral. A visão de Bentham desafiou o antropocentrismo e permitiu que seus argumentos fossem retomados. (SINGER, 2013, p.11-15)

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1.2 Peter Singer e Tom Regan: A inclusão dos animais não humanos na comunidade moral

Os dois maiores movimentos contemporâneos que buscam a inclusão dos

animais não humanos na comunidade moral são denominados: libertação

animal e abolicionismo animal, propostos respectivamente por Peter Singer e Tom

Regan, que em comum têm o reconhecimento dos animais como seres sencientes,

capazes de experimentar sensações, apresentar grau de consciência e sentir prazer

e dor. Porém, os referidos autores buscam incluir os animais não humanos na esfera

moral por perspectivas diferentes e trazem argumentos distintos para os casos

marginais19.

1.2.1 Peter Singer e o principio da igual consideração de interesse

A tese de Singer (2013) está inserida na teoria consequencialista, da

corrente do utilitarismo. O autor sustenta sua teoria no principio da igualdade, na

consideração de interesses.20 Para ele, o que se deve mostrar, visando inserir a

ética prática em bases sólidas, é o fato de o raciocínio ético ser possível. No

contexto, não existe a soma das felicidades existente no utilitarismo clássico. Cada

ser senciente tem a sua felicidade com o mesmo valor, o mesmo peso que as

demais. Pois, o sofrimento desequilibra a “balança” que julga a moralidade de uma

ação.

19 Sobre o assunto: “Argumento dos casos marginais é a resposta dada à argumentação de que o status moral deriva da posse de uma determinada qualidade ou capacidade, por exemplo, a racionalidade. O argumento é o seguinte; já que na prática indivíduos que não possuem aquela determinada qualidade continuam possuindo status moral, então o determinante deste não pode ser de fato a simples posse de uma dada qualidade. Por exemplo, seres humanos com retardo mental têm status moral, embora sejam deficientes em racionalidade. No mesmo caso encontram-se crianças que ainda não desenvolveram plenamente sua autonomia, ou idosos. É interessante ressaltar que a utilização do termo “marginal” quer indicar, apenas, “não paradigmático”, no sentido de que é paradigmática no ser humano a posse de alguns atributos como, por exemplo, a racionalidade.” (PAIXÃO; SCHRAMM 2008, p.129).20 O principio da igual consideração de interesses é a manifestação da alteridade. Levinas, expoenteda Ética da Alteridade, não elaborou seu pensamento tendo em conta os animais, mas o que diz a Ética da Alteridade, o ser outramente, a melhor definição de compaixão, isto é, a disposição de se ver no outro, o dever de se colocar na posição do outro, pode valer, pela extensão dos seus próprios fundamentos, para a ética Animal. (OLIVEIRA, 2015, p. 168).

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Neste cenário, o respeito ao principio da igualdade deve nortear as ações de

todos os sujeitos morais, resguardando a todos os afetados por elas,

independentemente da espécie à qual a “pessoa” (Singer tem conceito diferente

para pessoa que será abordado mais adiante da dissertação) pertença, classificação

que é biológica ou genética e não moral, os mesmos benefícios que são

reconhecidos hoje apenas aos seres homo sapiens (FELIPE, 2003, p.80).

Portanto, por exemplo, não é aceitável realizar experimentação animal que

cause dor/sofrimento em um cão visando salvar vários outros cães. Pois, as

felicidades não se somam, ou seja, de um lado da balança esta o sofrimento de um

cão e do outro a felicidade de vários cães que serão salvos através da

experimentação animal realizada, mas, o peso da felicidade do cão que será

sacrificado na experimentação animal tem o mesmo peso que a soma da felicidade

dos cães que serão beneficiados com o resultado da pesquisa. Logo, pelo principio

da igual consideração de interesses tal procedimento não é aceitável. Porém,

importante destacar, para melhor compreensão da tese de Singer, que caso a

experimentação seja realizada com anestesia, sem o cão sentir nenhuma dor, nem

sofrimento e não existir nenhum outro meio de salvar várias vidas, tal procedimento

seria legitimo, pois foi retirado o fator sofrimento. Ainda assim, só seria aceitável o

experimento para pesquisa de novos medicamentos e vacinas e que não existisse

métodos alternativos, jamais para fabricar um novo cosmético ou produto de

limpeza, por exemplo. (SINGER, 2013, p.124-126).

Neste sentido, se ao invés do cão fosse utilizada uma “pessoa”, mesmo

retirando o sofrimento, e o experimento fosse para salvar milhares de outras

“pessoas”, ainda assim, o experimento não poderia ser realizado.

Através de sua teoria, Singer visa incluir todos os seres sencientes na esfera

moral por uma perspectiva utilitarista. A capacidade de sofrer é a característica vital

que confere a um ser o direito à igual consideração de interesses. Fato relevante é

sua argumentação a partir dos casos marginais (conceito já exposto acima), visando

comprovar que o principio da igual consideração de interesses é o único capaz de

abolir com as mais variadas formas de discriminação. Sua tese prega que ao

comparar um animal a um ser humano sem consciência plena (crianças menores de

3 anos, doentes mentais, por exemplo), este não deve ser tratado com menos

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consideração e sim o animal com mais consideração, pautado no principio da igual

consideração de interesses.

No contexto, para discutir o valor da vida, o autor defende um conceito de

“pessoa” diferente do utilizado pelo “senso comum”. Pessoa, dentro da tese de

Singer, são os seres detentores de consciência plena e autonomia (seja humano ou

não humano). Portanto, a categoria de “pessoa” incluiu, somente, os antropoides21

(Gorilas, Orangotangos, Chimpanzés e Bonobos) e os humanos com consciência

plena, ou seja, maiores de três anos e com capacidade plena. Quanto ao tema, as

palavras de Singer (2013 p. 32-34):

Concluo, então, que a rejeição do especismo não implica que todas as vidas tenham igual valor. Embora a autoconsciência, a capacidade de pensar o futuro e de ter esperanças e aspirações, bem como a de estabelecer relações significativas com os outros, e assim por diante, não sejam relevantes para a questão de infligir dor- uma vez que dor é dor, sejam quais forem as demais capacidades que o ser tenha, além daquela de sofrer-, essas capacidades são relevantes para a questão de tirar a vida. Não é uma arbitrariedade afirmar que a vida de um ser autoconsciente, capaz de pensamento abstrato, de planejar o futuro, de ações complexas de comunicação e assim por diante, é mais valiosa do que a vida de um ser que não possua essas capacidades. Para perceber a diferença entre infligir dor e tirar a vida, considere como escolheríamos dentro de nossa espécie. Se tivéssemos de optar entre salvar um ser humano normal e um deficiente mental, provavelmente preferiríamos manter vivo o ser humano normal; mas, se tivéssemos de escolher entre acabar com a dor de um ser humano normal e a de um deficiente mental- supondo que ambos tivessem ferimentos dolorosos, mas superficiais, e dispuséssemos de apenas uma dose de analgésico-, não é tão claro, quem deveríamos escolher. O mesmo acontece quando consideramos outras espécies. O mal da dor, em si, não é afetado pelas características do ser que sente; mas o valor da vida é afetado por essas características. Para dar apenas um motivo a essa diferença: tirar a vida de um ser com esperanças, planos e esforços para alcançar objetivos futuros é priva-lo de realizar todos esses esforços; tirar a vida de um ser com capacidade mental abaixo do nível necessário para se perceber como um ser com um futuro pela

21 Os macacos antropoides que não tem rabo são os animais mais semelhantes ao ser humano. Algumas classificações incluem o próprio homem no grupo dos antropoides. Homens e macacos antropoides pertencem ao grupo de animais que os cientistas chamam de primatas. As demais espécies de macacos também são primatas, mas os antropoides são diferentes deles em muitos pontos. Por exemplo, os antropoides têm um cérebro mais complexo. As outras espécies de macacos têm rabo; os antropoides, não. (ANTROPOIDE, 2015)

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frente- e menos ainda fazer planos para esse futuro – não pode envolver esse tipo específico de privação.

Isso significa que, se tivermos de optar entre a vida de um ser humano e a vida de outro animal, deveríamos escolher salvar a vida do ser humano; mas pode haver casos especiais em que o inverso seja verdadeiro, porque o ser humano em questão não possui as capacidades de um ser humano normal. Portanto, essa perspectiva não é especista, embora assim possa parecer à primeira vista. Em casos normais, a preferência por salvar uma vida humana em detrimento da vida de um animal, quando precisamos fazer escolha, é baseada nas características de seres humanos normais, e não no simples fato de serem eles membros da nossa espécie. É por isso que, quando consideramos pessoas que carecem das características de seres humanos normais, não podemos mais dizer que a vida delas deve sempre ser preferida à de outros animais (...). Contudo não necessitamos dar uma resposta precisa à questão de quando é errado matar (de maneira indolor) um animal. Desde que lembremos que devemos proporcionar, à vida dos animais, o mesmo respeito que conferimos à vida dos seres humanos com nível mental semelhante, não cometeremos erros graves.

Portanto, Singer22 defende que o tratamento dispensado aos animais não

humanos, deve ser igual ao dado aos indivíduos humanos que não possuem

consciência plena, ou seja, as “não pessoas”. Busca estender os benefícios que as

“não pessoas” humanas possuem aos animais. Pois, existe uma hierarquia entre

pessoas (antropoides e humanos com consciência plena) e não pessoas (os animais

e os humanos que não possuem consciência plena). Sendo assim, o valor da vida

da “pessoa” é maior que o da “não pessoa”, independente de pertencer à espécie

homo sapiens. Segundo Felipe (2003, p. 80) o autor propõem um conceito de ética

22 Sobre o assunto: “A proposta de Singer toca no tendão de Aquiles da cultura contemporânea: incluir no âmbito da consideração, pela dor e sofrimento, todos os seres capazes de tais experiências, não importando a espécie a qual pertençam. Se a ética é a busca do aprimoramento moral da espécie humana, tal aprimoramento do sujeito moral certamente não ocorrerá enquanto esse mesmo sujeito usar dois pesos e duas medidas para orientar-se nas decisões que toma; um, quando pesa os benefícios de sua ação voltada para dar maior conforto e bem-estar aos membros da própria espécie (especismo, egoísmo, racionalidade instrumental), outro, quando se trata de fazer uso de outros seres como se fossem meros objetos ou instrumentos colocados à sua disposição para que seus interesses e necessidades, ainda que mesquinhos, sejam satisfeitos. Não há moralidade alguma em tal incoerência, pois do mal causado a outrem não resulta o bem comum a ambos. A psicanálise, por sua vez, nos diz que o bem de um só, quando mais de um são afetados pela ação, não é bem de nenhum, é apenas gozo. A ética crítica coloca limites ao gozo humano, ao declarar que os demais seres vivos não estão no mundo para saciar nosso ego, do mesmo modo como nenhum de nós aceita ser objeto para saciedade de gozo alheio. Nossos interesses e preferências têm tanto valor para nós quanto o têm para si interesses e preferências de qualquer ser capaz de tê-los.” (FELIPE, 2003, p. 91-92)

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cujo núcleo central fundamenta-se na exigência de coerência no emprego de um

principio reiterado pela tradição liberal ocidental e na ênfase dada ao conceito de

ética como busca de um principio para regular as ações de decisões de seres que

detêm o poder de interferir no bem-estar de outros.

1.2.2 Tom Regan e o valor inerente

Regan (2006) defende o valor inerente e direitos. Utiliza o “argumento dos

casos marginais” (conceito já exposto em tópico anterior) para fundamentar a ideia

do valor inerente de determinados seres conjugando a direitos básicos23. O “ser” que

“ostenta” valor inerente automaticamente possui direitos. Mas, a pergunta que

inicialmente deve ser feita para uma melhor compreensão da teoria do autor é: O

que é valor inerente?

Valor inerente esta relacionado ao sujeito de uma vida. O que é sujeito de

uma vida? Conforme a tese desenvolvida por Regan (1989), sujeito de uma vida, em

um primeiro momento, pode ser definido como o ser que reconhece um “bem estar”.

Qualquer ação que afete o “bem estar” desse ser importa para ele ainda que não

tenha importância para mais ninguém. Acarreta na reunião das experiências

agradáveis ou desagradáveis que constituem a própria vida, refletindo diretamente

no “bem estar” do ser que sente as consequências da ação. O sujeito de uma vida é

capaz de avaliar, em menor ou maior grau, considerando suas características

peculiares, o impacto dos efeitos benéficos ou prejudiciais das ações que lhes

atingem no desenvolver das suas vidas. Por esse prisma é indiscutível a

participação dos seres humanos, ainda que alguns não possuam capacidade

racional plena como no caso das crianças, deficientes mentais e seres humanos

acometidos por enfermidades neurológicas graves, na comunidade moral e, por

questão de coerência, a tese desenvolvida por Regan (1989) inclui, também, os

23 De inicio, é necessário apontar que direitos o argumento dos casos marginais faz referência: direitos morais ou direitos legais? Regan refere-se a direitos morais e não a direitos legais. O autor define que um direito moral básico é o suporte da obrigação moral, não é consequência de se ter uma obrigação moral, e, nesse caso, as obrigações não podem ser estabelecidas de forma independente desses direitos (...). Defende que tratar um animal com respeito não é um ato de benevolência e sim um ato de justiça. O mesmo pensamento se aplica aos casos marginais. Agentes morais e pacientes morais têm o mesmo direito de serem tratados com respeito (PAIXÃO; SCHRAMM 2008, p.132-133)

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animais não humanos (uma vez que ostentam grau de consciência e são capazes

de sentir e sofrer, muitas vezes em nível mais avançado do que um ser humano em

estado comatoso, por exemplo) na comunidade moral, pois, o “bem estar” deles

importa para eles.

Neste cenário, qualquer ação que afete o “bem estar” desse ser importa para

ele. O autor defende em sua teoria que é necessário atribuir aos sujeitos de uma

vida (todo ser que se importa com o próprio “bem estar”, mesmo que ninguém mais

se importe) um valor ético que os tornem preciosos em si mesmos (valor intrínseco).

Valor esse que não se fundamenta em interesses instrumentais de terceiros, mas

um valor cujo reconhecimento garante que cada indivíduo valorizado possa conduzir

sua vida independente, segundo as suas próprias necessidades, orientações e

preferências. Regan (1989) nomeia esse valor de valor inerente. Neste sentido, vale

destacar que o autor, em um primeiro momento, inclui somente os mamíferos

(humanos e não humanos) na categoria de sujeito de uma vida. Posteriormente,

acrescenta as aves e na obra “Jaulas vazias - encarando o desafio dos direitos dos

animais” os peixes também são incluídos.

No contexto, Regan sustenta que o valor inerente é uma questão racional e

não tem relação com a crença de ter ou não alma imortal. Sua fundamentação não

envereda por esse caminho. A teoria que o autor usa para sustentar, racionalmente,

a tese dos direitos animais é a mesma que fundamenta a dos direitos humanos. O

valor inerente é uma atribuição do “ser” e não há variação/ escalonamento, todos

que são sujeitos de uma vida são detentores de valor inerente na mesma medida.

Sobre o tema, as palavras de Regan (2006, p. 61-62 ):

(...)Mas quando pensamos sobre o mundo em termos de igualdade moral fundamental, essas diferenças não são importantes. Moralmente, um gênio capaz de tocar os Estudos de Chopin com uma mão amarrada nas costas não tem um “status superior” ao de uma criança com grave deficiência mental que nunca venha a saber o que é um piano (...). Moralmente, não é assim que dividimos o mundo, colocando os Einsteins na categoria “superior”, acima dos “inferiores”(...). As pessoas menos capacitadas não existem para servir os interesses dos mais hábeis, nem são meras coisas para ser usadas como meios para os fins deles. Do ponto de vista moral, cada

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um de nós é igual porque cada um de nós é igualmente “um alguém”, não uma coisa; o sujeito de uma vida, não uma vida sem sujeito.

Então por que a ideia de ser o sujeito de uma vida é importante? Porque ela tem êxito- (...)- em explicar nossa semelhança moral, nossa igualdade moral.

Como sujeitos de uma vida, somos todos iguais porque estamos no mundo. Como sujeitos de uma vida, somos todos iguais porque somos conscientes do mundo. Como sujeitos de uma vida, somos todos iguais porque o que acontece conosco é importante para nós. Como sujeitos de uma vida, somos todos iguais porque o que acontece conosco (com nossos corpos, nossa liberdade ou nossas vidas) é importante para nós, quer os outros se preocupem com isso quer não. Como sujeitos de uma vida, não há superior nem inferior, não há melhores nem piores. Como sujeitos de uma vida, somos todos moralmente idênticos.

Diante da tese desenvolvida por Regan, o questionamento para saber se o

animal (não humano) pertence à comunidade moral é: Esse ser (seja: o cão, a vaca,

a baleia, a arara, a galinha, o porco, o ganso, o tubarão, o urso, o macaco, o peixe e

etc) é sujeito de uma vida? Se a resposta, após a análise do conceito de sujeito de

uma vida (já exposto acima), for afirmativa, o animal é detentor de valor inerente e

automaticamente possuidor de direitos. No contexto, o sujeito de uma vida não pode

ser instrumentalizado. Logo, assim como a criança, o portador de retardo mental, por

exemplo, possuem valor inerente, mesmo não ostentando autonomia plena, razão

ou intelecto desenvolvido, racionalmente não é aceitável sustentar que os animais

não humanos, estão fora da categoria dos seres que tem valor inerente e fazem

parte da comunidade moral. No cenário, todos os seres que tem valor inerente o têm

na mesma medida, do mesmo modo, sejam animais humanos ou não humanos.

Neste sentido, o valor inerente pertence, igualmente, a todos que são sujeitos de

uma vida.

No contexto, Regan defende que os seres humanos têm o dever de valorizar

e respeitar todos os seres com os quais se relacionam, na justa medida em que as

ações praticadas vão atingi-los positiva ou negativamente. Portanto, as implicações

morais resultantes do fato de uma criança, por exemplo, possuir a capacidade

psicofísica que a torna suscetível de ser prejudicada quando é privada da sua

liberdade, ferida, não recebe alimentos ou água de maneira adequada e etc.,

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independentemente de não possuir as capacidades da racionalidade plena ou da

reflexão moral, esta relacionada à constatação de que a criança irá sofrer as

consequências, positivas ou negativas, das ações praticadas por terceiros contra ela

e tais consequências importam, nem que seja somente para a criança alvo da ação.

Logo, o fato de um ser possuir as capacidades que os tornam sujeitos das suas

vidas obriga reconhecê-los como merecedores de consideração ética (SILVA, 2016,

p. 5).

Para o autor, vários animais revelam indícios (anatomico-fisiológicos e

comportamentais) que provam serem, também, sujeitos das suas vidas. Os animais

não humanos são afetados diretamente pelas ações das quais são alvo e as

consequências, dessas ações, são importantes, ainda que somente para o ser alvo

da ação. Assim, todos os seres sujeitos de uma vida, seja animal humano ou não

humano, devem ser respeitados e incluídos na comunidade moral, ainda que não

sejam detentores das capacidades da racionalidade plena ou da reflexão moral.

Portanto, a inclusão dos animais não humanos na esfera moral pela ótica da

perspectiva dos direitos, tem como fator importante a semelhança. Para tese de

Regan, todo animal (humano e não-humano) é sujeito de uma experiência, de uma

vida. São seres únicos, que desenvolvem laços24, possuem preferências, tem

sentimentos e buscam um bem estar.

24 Corroborando com o tema, é oportuno destacar a história de amizade entre um gato e um rato: “ ratos são pragas imundas, portadores de doenças que andam por ruelas cheias de lixo arrastando atrás de si aqueles horríveis rabos finos e sem pelo. Certo? Esqueça tudo isso.Os ratos são na realidade pequenos mamíferos inteligentes que tem a reputação injusta de não fazer nada além de se esgueirar furtivamente. É bem verdade que é difícil amar as ratazanas marrons que assomam dos esgotos da cidade. Mas considere-as apenas como sobreviventes. Quando limpos, os membros dessa espécie podem ser excelentes bichos de estimação. Eles também são , quem diria, já que estamos falando de ratos, sensíveis, e está comprovado que eles tem sonhos intricados a respeito de acontecimentos recentes, exatamente como os seres humanos. E, como no caso de Peanut (rato branco), cuja dona é Maggie Szpot, eles são capazes de se deixar cativar pelo seu mortal inimigo, o gato. Ranj, o gato, chegou até Maggie depois de ser um gato de rua, de modo que ela imaginava que os roedores da casa iriam aguçar o seu instinto de caçador. Não foi o que aconteceu! Ranj só demonstrou curiosidade para com os inúmeros ratos que Maggie resgatara. Peanut e Mocha, uma dupla que Maggie adotou ao tempo, não foram uma exceção. “Quando eu os trouxe para casa, coloquei os dentro de uma área cercada, mas Ranj pulou para dentro e começou a cheira-los. Ele estava muito calmo, sem revelar nenhum sinal de agressividade”, diz ela.Pouco depois de se conhecerem, comenta Maggie, Peanut estabeleceu uma ligação especial com Ranj e começou a segui-lo por toda parte. Ranj também gostava dela, mas as vezes tentava evitar a incomoda amiga saltando para alguma coisa fora do chão. Peanut simplesmente subia dele. Hoje em dia, Peanut gosta de se aconchegar em Ranj e rasteja até se colocar inteiramente debaixo do gato quando ele esta sentado. A rata parece sentir conforto com a presença do gato, e fecha os olhos enquanto se aninha no calor do pelo do felino. Ranj as vezes da um banho de língua em Peanut ou esfrega a

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Neste cenário, por uma questão de justiça igualitária, deve se atribuir os

mesmos direitos básicos dos seres humanos aos animais não humanos. A não

atribuição desses direitos, só pode se justificar ao argumento de que esses animais

não pertencem à “espécie certa” (homo sapiens), significa esbarrar no especismo.

Visando alertar sobre a ilegitimidade ética do especismo, a argumentação

“reganiana” pretende: “baixar a fasquia das capacidades psicofísicas que são tidas

como moralmente relevantes, e alertar para o conjunto real de indivíduos que

partilham efetivamente essas capacidades” (SILVA, 2016, p. 5).

cabeça nela quando ela se aproxima dele, diz Maggie. Embora Mocha seja menos amistoso com o gato, e costume persegui ló e morder o pé dele, ele se junta a Peanut e ranj na hora das refeições. É uma cena estranha: dois roedores mastigando pedaços da tigela de ranj enquanto o gato estica o pescoço entre eles para comer, “ todos em total descontração.”( HOLLAND,2011,p,169-170)

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CAPÍTULO 2

EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA

"Se fôssemos capazes de imaginar o que se passa, constantemente, nos laboratórios de vivissecção, não poderíamos dormir em paz; e em nenhum dia estaríamos felizes e tranquilos". (Dr. Ralph Bircher)

A experimentação animal pode ser compreendida através de duas

perspectivas opostas. De um lado estão às argumentações favoráveis, afirmando

que o uso de animais nas pesquisas é vital para o progresso da medicina e que não

existem maus tratos aos “animais de laboratório” e do outro lado estão às

argumentações contrárias25, defendendo o não uso de animais em pesquisas por se

tratar de método ultrapassado, desnecessário, pouco eficaz, causador de enorme

sofrimento para as “cobaias” e, ressaltam que as mais relevantes descobertas

cientificas para a espécie humana foram conhecidas através dos métodos

alternativos ao uso de animais.

Na sequencia, “animais de laboratório” ou “animais-cobaia”, são apenas

umas das formas como os animais não humanos, utilizados na experimentação

animal, são denominados pelos pesquisadores que os utilizam em suas pesquisas.

Como se tais nomenclaturas tivesse o poder de suprimir a capacidade de sofrer e

sentir desses animais, transformando os em máquinas. O uso de “animais de

laboratório” em experimentos representa um dos debates mais acirrados da bioética.

Por sua vez, o princípio dos “3 Rs” (será abordado em tópico especifico) propõe a

redução do número de animais utilizados em cada experimento, o refinamento das

25 “Tem sido demonstrado que os resultados da experimentação animal são inaplicáveis aos seres humanos. Existe uma lei natural relacionada ao metabolismo (a soma de todos os processos químicos e físicos encontrados nos organismos), de forma que uma reação que foi estabelecida para uma espécie é válida somente para aquela espécie em particular, e não para outra. As vezes 2 espécies bem próximas, como o rato e o camundongo, podem reagir de maneira totalmente diferente”– Dr. Gianni Tamino, pesquisador da Universidade de Pádua e membro do Parlamento Italiano . “A razão pelo qual sou contra a pesquisa em animais é devido ao fato de que ela não funciona. Não tem valor científico. Não se pode extrapolar resultados obtidos de pesquisas em animais nos humanos, e todo bom cientista sabe disso... Eu devo me opor à charlatanice; uma vez que os experimentos em animais não tem validade, e eles levam a medicina à charlatanice. Eu devo me opor à experimentos em animais enquanto cientista” – Dr. e Prof. Robert Mendelsohn, professor de medicina preventiva na Universidade de Illinois, presidente da Medical Licensing Board for the State of Illinois e então diretor nacional do Project Head Start's Medical Consultation Service (GREIF, 2000,p. 40)

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técnicas objetivando evitar a dor e o sofrimento “desnecessários”, e a substituição

por métodos alternativos. Porém, para os abolicionistas da experimentação animal,

tal princípio serve apenas para dar “suporte” as experiências e jamais abolir a

prática.

No contexto histórico, as experiências com animais são práticas muito

antigas, não se sabe ao certo quando foi o marco inicial dessa atividade. Mas, para

se ter ideia de tempo, pode ser definido como marco as práticas realizadas pelo

médico grego Galeno26 pois, antes disso, era o homem o animal utilizado em

pesquisas (SANTOS, 2011, p. 21).

Neste cenário, para uma melhor compreensão do tema abordado, torna-se

imprescindível a investigação das diferentes formas de experimentação animal, dos

métodos alternativos ao uso de animais e como é realizada a fiscalização da

experimentação animal no Brasil. Ressaltando que tais estruturas devem ser

compatíveis com as ideologias consagradas na Constituição de 1988, levando em

consideração as capacidades de sentir e sofrer desses “animais de laboratórios”.

Tais capacidades são primordiais e cruciais para a extinção da experimentação

animal, visto que a partir delas qualquer experimento que provoque dor e angustia,

que não seja de proveito direto e focado no ser que será submetido ao

procedimento, estão incompatíveis com a carta Magna de 1988.

2.1 Experimentação animal: Um breve histórico

A experimentação animal27 é uma prática muito antiga. Ao longo da

história das civilizações os animais eram utilizados pela medicina como único meio

26 Os primeiros estudos de Galeno consistiram em verificar os efeitos da destruição da medula espinhal, da perfuração do peito, da secção de nervos e das artérias dos animais que utilizava. Afirmava ser da essência do pesquisador sentir indiferença por qualquer sentimento que as cobaias manifestassem. Em 1825 transformou o porão de sua casa em um “laboratório privado” local onde praticava os mais diversos abusos com os animais. Após testemunhar alguns dos experimentos, sua esposa fundou a primeira sociedade de proteção dos animais na França, criada por uma mulher (LEVAI 2001, p. 79)27 Corroborando com o tema: “A utilização de cobaias em experimentos, além de ser uma prática cruel, põe em risco a saúde do ser humano. Você acolhe um bichinho de estimação; um cãozinho,gatinho, coelhinho e até um ratinho. Eles são criados com muito amor e carinho, tem todo o conforto do mundo. Você é louco por ele e não consegue nem pensar em ficar sem sua companhia. Agora, imagine seu animalzinho confinado, isolado, obrigado a ingerir produtos tóxicos até uma convulsão e

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capaz de conhecer o corpo humano e a profilaxia das doenças. Porém, mesmo com

todo desenvolvimento cientifico e tecnológico alcançado pela humanidade, os

animais não humanos continuam sendo explorados nos mais diversos experimentos

e denominados “animais de laboratório”, como se fossem uma “sub categoria” de

animais não humanos desprovidos de sentimentos. Importante ressaltar a

impossibilidade de afirmar, com exatidão, quem iniciou e quando foi realizada a

primeira experimentação animal. Por sua pertinência, importante ressaltar, nas

palavras de Greif (2000, p.2-3) a parte histórica da experimentação animal:

A prática da vivissecção é antiga e remonta aos tempos em que a religião e a ciência não eram claramente distintas: Hipócrates (aprox. 450 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental, já relacionava o aspecto de órgãos humanos doentes com o de animais. Os anatomistas Alcmaeon de Cróton (500 a.C.), Diocles de Caristo (séc. V a.C.), Herophilus da Calcedônia (330-250 a.C.) e Erasistratus de Quios (305-240 a.C.) realizavam dissecações em animais com o objetivo de observar estruturas e formular hipóteses sobre o funcionamento das mesmas. Cumpre destacar que Galeno (129-210 d.C), em Roma, pode ter sido o primeiro a realizar vivissecção com objetivos experimentais, ou seja, testar variáveis através de alterações provocadas nos animais. Acredita-se que a primeira proposta de observação sistemática de animais dissecados com propósitos científicos tenha sido realizada por William Harvey, em seu "Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus", publicado em 1638. O autor apresenta os resultados obtidos em estudos experimentais sobre a fisiologia da circulação, realizados em mais de 80 espécies de animais diferentes.

A crença de que a vivissecção teria iniciado devido à proibição por parte da Igreja Católica de dissecar corpos humanos não é verdadeira. A pratica já existia à 5 séculos antes do surgimento do cristianismo. Porém, estudos indicam que Aristóteles (384-322 a.C.), pai da anatomia comparada entre homens e animais, jamais teria dissecado um cadáver humano.

Herophilus e Erasistratus foram acusados por Celso (aprox. 30 a.C.), Tertuliano (aprox. 155-122 d.C.) e Santo Agostinho (354-430 d.C.) de vivissecção em seres humanos. Só Tertuliano acusou Herophilus de ter realizado vivissecção em 600 pessoas, além de incontáveis fetos. Vale ressaltar que no final do século I, a dissecção de cadáveres humanos era praticada em Alexandria, mas já no século II, parece ter sido abolida em todos os lugares, até mesmo na Roma Antiga, onde

morte. É isso – e muito, muito mais - que acontece com milhões de animais nos laboratórios do mundo inteiro. Tudo em nome da ciência.” (FILHO, 2016, p. 24)

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não se respeitava qualquer direito humano - vide o tratamento conferido aos gladiadores e mesmo aos soldados-.

Nesta seara, nos séculos XII e XIII a dissecção de cadáveres humanos foi introduzida nas universidades, vindo a se tornar prática comum em escolas de medicina. Em 1537, o Papa Clemente VII autorizou o ensino de anatomia através do uso de cadáveres humanos.

O aumento da demanda por cadáveres humanos, devido ao aumento do número de escolas de medicina, por volta do século XVIII e XIX, gerou problemas relacionados à aquisição destes cadáveres. Estudantes que roubavam tumbas, chamados de “ressurrecionistas”, e o caso de William Burke e William Hare, em Edimburgo, que em 1832 mataram pelo menos 16 pessoas para dissecção, fizeram com que se tornasse proibida a doação de cadáveres à escolas médicas. Após à Renascença, apesar de a Igreja haver afrouxado a perseguição aos dissecadores de cadáveres humanos, a vivissecção animal continuou a figurar, no entanto, como metodologia padrão de investigação científica e de ensino da medicina. A escolha por este modelo aconteceu devido ao costume dos animais já serem usados, a dificuldade de se conseguir cadáver humano e ao fato da vida animal não ter nenhum valor. Neste ambiente, vale destacar que a vida de alguns seres humanos, como por exemplo, o escravo, também não tinha valor. Devido à inércia, a vivissecção animal continuou até a atualidade, não tendo sido suficientemente contestada.

Portanto, a experimentação é um procedimento levado a efeito, visando a

descobrir principio ou efeito desconhecido, pesquisar uma hipótese ou ilustrar um

principio ou fato conhecido. No caso da experimentação animal, são procedimentos

realizados em animais. Embora as formas de utilização dos animais sejam bastante

variadas, o termo experimentação animal vem sendo utilizado genericamente. No

entanto, opositores à experimentação animal preferem utilizar o termo vivissecção

que tem sua origem no latim e foi cunhado por Claude Bernard, considerado o

fundador da fisiologia experimental e príncipe dos vivissectores. Sobre o tema vale

destacar as palavras de Greif (2000, p.2):

Vivissecção quer dizer cortar um corpo vivo e dissecção refere-se a cortar um corpo morto (...) A vivissecção encontra apoio na ciência vigente à medida que esta última se apoia em pressupostos equivocados: a intervenção é superior à observação; o paliativo é preferente à prevenção. Explicando: a ciência vigente só reconhece

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um fenômeno quando este pode ser repetido no caso, induzido em animais em laboratório e raramente uma observação de campo é considerada, principalmente na área da saúde; o atual sistema de saúde sustenta a produção e fornecimento de drogas para o povo, quando os mesmos fundos seriam melhor utilizados se dirigidos a evitar que o povo adoecesse. Um verdadeiro sistema de saúde, e não um sistema de doença; apesar de ratos e seres humanos serem ambos mamíferos, há que se considerar nossas diferenças, e não nossas semelhanças: ratos não são seres humanos em miniatura, como a ciência vigente quer fazer parecer, e a tentativa de extrapolação de informações de um organismo para outro geralmente é mal sucedida, já que raramente possuímos a mesma resposta fisiológica frente a um mesmo estímulo. Obviamente, esta é uma visão bastante simplista da coisa, já que a vivissecção não é apenas um mero erro metodológico da ciência vigente, mas sim envolve interesses políticos e acima de tudo financeiros. Não é exagero afirmar que a vivissecção é um dos negócios mais lucrativos do mundo: envolve fabricantes de aparelhos de contenção, de gaiolas e de rações, fornecedores de animais,fundações de pesquisa que angariam fundos, conselhos de pesquisa nacionais e, é claro, muitos cientistas. Apesar de serem proporcionalmente poucos os beneficiários da vivissecção, é nas grandes massas que ela encontra seu apoio.A meta principal da ciência vigente é fazer a população crer ser dependente de seus remédios, crer que sua vida depende da morte de animais. Mesmo sabendo evitar o câncer, o diabetes, e todas as doenças degenerativas, bem como as infecciosas, as pessoas tendem a preferir levar uma vida de risco, para depois se entregar nas mãos da medicina, em busca de curas milagrosas obtidas através de drogas que, quando muito, só funcionam em animais experimentais. Assim avança a ciência, diriam muitos, por que mudar justo agora? De fato, a vivissecção animal não é uma coisa recente (...).

No contexto, a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA

EDUCAÇÃO - UNESCO, proclamou, em assembleia ocorrida dia 27 de janeiro de

1978, em Bruxelas, a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS28(2015). No artigo 8ª da declaração universal a UNESCO determinou a vivissecção

28 Declaração universal dos direitos dos animais de 1978 (2015): 1 - Todos os animais tem o mesmo direito à vida. 2 - Todos os animais têm direito ao respeito e a proteção do homem. 3 - Nenhum animal deve ser maltrado. 4 - Todos os animais selvagens tem o direito de viver livres no seu habitat. 5 - O animal que o homem escolher para companheiro não deve ser nunca abandonado. 6 - Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor. 7 - Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida. 8 - A poluição e a destruição do meio ambiente são consideradas crimes contra os animais. 9 - Os direitos dos animais devem ser defendidos por lei. 10 - O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais.

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como contrária ao direito dos animais: “a) A experimentação animal, que implica em

sofrimento físico é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma

experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas

substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas”.

É importante destacar que os animais, inclusive os utilizados como meios

de estudo e pesquisa, são seres sencientes, ou seja, têm capacidade emocional

Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais. Proclama o seguinte: Artigo 1- Todos os animais nascem iguais perante a vida e tem os mesmos direitos a existência. Artigo 2- 1 Todo o animal tem o direito a ser respeitado- 2 O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. - 3 Todos os animais tem o direito a atenção, aos cuidados e a proteção do homem. Artigo 3- 1 Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. - 2 Se for necessário matar um animal, ele deve ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia. Artigo 4- 1 Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de ser reproduzir. - 2 Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.Artigo 5- 1 Todo os animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.- 2 Toda a modificação deste ritmo os destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.Artigo 6- 1 Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural- 2 O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.Artigo 7- Todo o animal de trabalho a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.Artigo 8- 1 A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.- 2 As técnicas de substituição devem ser utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9 - Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor. Artigo 10 - 1 Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. - 2 As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. Artigo 11 - Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida. Artigo 12 - 1 Todo o ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie. - 2 A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo 13 - 1 Um animal morto deve de ser tratado com respeito. - 2 As cenas de violência de que os animais são vitimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14 - 1 Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental. - 2 Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

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para sentir dor, medo, prazer, alegria, angustia e estresse, além de terem memória e

serem suscetíveis a sentir saudades, como constatou a Declaração de Cambridge

sobre Consciência de 2012 (2014):

Neste dia 7 de julho de 2012, um grupo de destaque internacional de neurocientistascognitivos,neuropharmacologists,neurofisiologistas,ne uroanatomistase neurocientistas computacionais reuniram-se na Universidade de Cambridge para reavaliar os substratos neurobiológicos da consciência experiência e comportamentos relacionados em animais humanos e não-humanos. Embora a pesquisa comparativa sobre este tópico é naturalmente dificultada pela incapacidade dos animais não- humanos , e frequentemente os seres humanos, de forma clara e prontamente comunicar sobre seus estados internos, as seguintes observações pode-se afirmar inequivocamente: O campo de pesquisa da consciência está evoluindo rapidamente. Novas técnicas e estratégias abundantes para a pesquisa em animais humanos e não- humanos têm sido desenvolvidos. Consequentemente, mais dados tornando-se este chama prontamente disponível, e uma reavaliação periódica da anteriormente realizada reconceitos neste domínio. Estudos de animais não humanos têm mostrado que o cérebro homólogo circuitos correlacionadas com a experiência consciente ea percepção pode ser seletivamente facilitado e interrompido para avaliar se eles são de fato necessários para essas experiências. Além disso, em seres humanos, novas técnicas não invasivas estão disponíveis para levantamento dos correlatos de consciência. Os substratos neurais das emoções não parecem limitar-se a estruturas corticais . Na verdade, redes neuronais subcorticais despertadas durante estados afetivos em humanos também são criticamente importante para a geração de comportamentos emocionais em animais. Estimulação artificial do mesmo cérebro regiões gera comportamento correspondente e estados de sentimento em ambos os seres humanos e não-humanos animais. Em qualquer parte do cérebro evoca comportamentos emocionais instintivas em não-humanos animais, muitos dos comportamentos subsequentes são consistentes com estados emocionais , incluindo experientes os estados internos que são recompensar e punir . A estimulação cerebral profunda desses sistemas em humanos também podem gerar estados afetivos semelhantes. Sistemas associados com o afeto são concentrada em regiões subcorticais onde homologias neurais abundam. Jovem humanos e não-humanos animais sem neocórtices manter estas funções cérebro-mente . Além disso , neurais circuitos de apoio estados comportamentais / eletrofisiológico de atenção , sono e decisão tornando parecem ter surgido na evolução tão cedo como a radiação de invertebrados ,

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sendo evidente em insetos e moluscos cefalópodes (por exemplo , polvo). Os pássaros parecem oferecer , em seu comportamento , neurofisiologia e da neuroanatomia um caso notável de evolução paralela da consciência. Evidência de perto os níveis de humanos como de consciência tem sido observado de forma mais dramática em papagaios cinzentos africanos. Mamíferos e aves emocional redes e microcircuitries cognitivas parecem ser muito mais do que anteriormente homólogo pensava. Além disso, certas espécies de aves foram encontrados para exibir os padrões de sono neurais semelhantes aos dos mamíferos, incluindo o sono REM e , conforme foi demonstrado no mandarins , padrões neurofisiológicos , que se pensava para exigir um neocórtex dos mamíferos. Magpies em particular, têm sido mostrado para exibir semelhanças com os seres humanos , grandes macacos , golfinhos e elefantes em estudos de espelho de autoreconhecimento.Nos seres humanos , o efeito de determinados alucinógenos parece estar associada com uma perturbação no cortical feedforward e processamento de feedback. Intervenções farmacológicas em não-humanos animais com compostos conhecidos por afetar o comportamento consciente em humanos pode levar a semelhante perturbações de comportamento em animais não- humanos. Nos seres humanos , há evidências que sugerem que consciência está correlacionada com a actividade cortical, o que não exclui possíveis contribuições processamento cortical ou subcortical cedo, como na consciência visual. Evidência de que humana e não humana sentimentos emocionais animais surgem de redes cerebrais subcorticais homólogo fornecem evidência convincente para qualia afetivo primal evolutivamente compartilhada.Nós declaramos o seguinte: "A ausência de um neocórtex não parece impedir um organismo de experimentando estados afetivos . Evidência convergente indica que os animais não- humanos têm a substratos neuroanatômicos , neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência , juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso da evidência indica que seres humanos não são os únicos que possuem os substratos neurológicas que geram consciência. No humano e nos animais, incluindo todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas , incluindo polvos, também possuem estes substratos neurológicos. "A Declaração de Cambridge sobre a Consciência foi escrito por Philip Low e editado por Jaak Panksepp , Diana Reiss, David Edelman , Bruno Van Swinderen , Philip Low e Christof Koch . A Declaração foi proclamada publicamente em Cambridge , Reino Unido, em 7 de julho de 2012 , no Francis Crick Conferência Memorial sobre a Consciência em animais humanos e não-humanos, no Churchill College, Universidade de Cambridge, por baixo , Edelman e Koch . A Declaração foi assinada pelos participantes da conferência, naquela mesma noite , na presença de Stephen Hawking , na Sala de Balfour em o Hotel du Vin , em Cambridge,

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Reino Unido. A cerimônia de assinatura foi imortalizado pela CBS 60 Minutes.

A Declaração transcrita acima é um divisor de águas que acaba com

qualquer discussão quanto a capacidade de sentir, sofrer e pensar dos animais não

humanos (respeitando as características peculiares de cada espécie). Se no

passado para os adeptos da experimentação animal era possível “justificar” o

método argumentando que as “cobaias” não possuíam a capacidade de sentir e

sofrer, hoje tal argumentação não é mais aceitável. O ponto central da discussão

passa a ser: os animais não humanos sofrem, sentem e desenvolvem laços, logo, é

ético utiliza-los como se fossem máquinas (DESCARTES, 2013, p. 83-88)? Como se

fossem desprovidos de sentimentos?

2.2 Como são realizados os principais experimentos e para que servem?

No campo da psicologia, das forças armadas, nas indústrias29 (armamento,

farmacêutica, de material de limpeza, higiene pessoal, cosméticos e de alimento) e

nas universidades (em “aula prática” ou pesquisa), são realizados anualmente

milhares de experimentos com animais não humanos. Porém, com a mobilização

dos abolicionistas da experimentação animal, após diversos vazamentos de imagens

e vídeos dos mais variados testes realizados com animais, o movimento contrário a

prática vem adquirindo cada vez mais força, inclusive com o advento de legislações

estatuais, em âmbito nacional, vedando os testes em animais de cosméticos e

produtos de limpeza. Ativistas, das mais diversas profissões e muitos acadêmicos

renomados, doutores e Pós-doutores de diversos países, inclusive professores

brasileiros das mais prestigiadas instituições nacionais, como a UFRJ, a UFRRJ, a

UFF, a UFBA, a PUC/PR, a UFSC, a PUC/RS e a USP estão pesquisando e

escrevendo sobre o tema (OLIVEIRA; LOURENÇO 2013, p. 182)

29 Exemplos de produtos testados: batom, esmalte, sombra, base, xampu, desodorante, hidratante, condicionador, alvejante, repelente de insetos, tinta e etc.

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No contexto, consagrados cientistas há muito tempo se manifestam contrário

ao uso de animais. Argumentam que a prática representa um risco 30para o próprio

ser humano, defendem os métodos alternativos ao uso de animais como mais

eficientes e ressaltam que todo experimento inflige dor31 e sofrimento32 físico e

psicológico para “as cobaias”.

No Brasil, um numero incalculável de animais vêm a óbito em decorrência

dos inúmeros testes a que são submetidos, como por exemplo: práticas cirúrgicas,

testes toxicológicos, comportamentais, neurológicos, oculares, cutâneos e etc. Após

leitura de artigos com os resultados das pesquisas feitas com animais, publicados

em revistas especializadas, é possível constatar a ausência de limites éticos na

prática da experimentação e na maioria dos procedimentos nenhuma relevância

cientifica. Importante destacar que através dos artigos publicados e das imagens

vazadas nos meios de comunicação das mais variadas experiências realizadas com

animais nas salas de aula, laboratórios, fazendas industriais ou na clandestinidade,

30 Desde 1984 os cientistas tentam infectar chimpanzés com o vírus HIV. Até hoje nenhum ficou clinicamente doente, mesmo com as tentativas de serem infectados com diferentes tipos de vírus, terem seus sistemas imunes alterados, etc. Porquê? Aparentemente isto está relacionado ao fato dos chimpanzés possuírem muito mais linfócitos T8, e com maior velocidade proliferativa de resposta, e menores taxas de linfócitos T4. Alguns chimpanzés demonstram uma queda na taxa de linfócitos T4 após a infecção pelo HIV, mas esta queda não se compara a quase eliminação das células T4 nos humanos. Esta redução drástica encontrada nos humanos parece ter uma relação com o sistema auto-imune, uma vez que uma cultura de sangue humano infectado com HIV encontram-se linfócitos T que eliminam linfócitos T4 não-infectados com o vírus. Estes linfócitos T não são encontrados nos chimpanzés infectados. A resposta dos anticorpos produzido pelos linfócitos B é muito mais poderosa do que nos humanos, destruindo células infectadas no começo da doença. Esta capacidade não é encontrada nos pacientes humanos em qualquer estágio da doença. Da mesma maneira, pacientes humanos apresentam uma queda de anticorpos logo no início do quadro clínico da doença – queda esta que não é observada nestes animais. Também nestes animais, o HIV é encontrado apenas em células sangüíneas (com algumas poucas exceções), enquanto que no humanos, é encontrado livre no plasma. As discrepâncias são ainda maiores devido ao estresse que estes animais sofrem em cativeiro, que tem uma influência direta no sistema imunológico. Um outro problema enfrentado pelos experimentadores são os animais infectados que não possuem mais interesse científico, e que não podem ser reintroduzidos. Grandes quantidades de dinheiro são destinadas ao restante da vida miserável destes animais. Ainda é comum que estes animais se encontrem em estados de inanição em laboratórios que, clandestinamente, desviam este dinheiro para outras finalidades. O custo de manutenção para cada chimpanzé durante toda sua vida gira e torno de U$ 250 mil. (GREIF, 2000, p.38)31 Como não existe um método para medir o sofrimento, só é possível inferir que os outros sentemdor através de sinais externos. Se é justificável inferir que seres humanos sentem dor, tal fato também seria justificável para os animais não humanos, principio da homologia ou da correspondência funcional ( Baseia-se no fato de haver similitude de organização morfofuncional entre seres humanos e animais e é adotado pela LASA – Laboratory Animal Science Association) já que praticamente todos os sinais externos, de manifestação da dor nos seres humanos, podem ser igualmente observados neles. Os animais não humanos possuem sistemas nervosos complexos- especialmente mamíferos e aves- bastante similares aos dos humanos, e respondem fisiologicamente iguais quando em situação que inflige dor.32 Para aprender mais sobre como os animais sofrem em laboratórios:<http://www.PETA.org/issues/animals-used-for-experimentation/default.aspx>.

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o sofrimento suportado pelas “cobaias” é enorme, aniquilando qualquer

argumentação favorável a experimentação animal fundada na ausência de

sofrimento (maus tratos) dos “animais de laboratório”.

Os animais utilizados em laboratórios para as mais variadas práticas são:

camundongos e ratos, coelhos, gatos, cães, rãs, macacos, porcos, cavalos, pombos,

peixes, cabras e vacas. Porém, a lista é exemplificativa. Muitas outras espécies

também servem como cobaia para as mais diversas experimentações realizadas

pelo homem (LEVAI 2011).

Na área educacional33, principalmente na educação superior34, a utilização

de animais ainda é constante, apesar dos inúmeros métodos alternativos (serão

abordados em tópico próprio) existentes para substituir a vivissecção. Entre as

finalidades para que os animais são utilizados nas faculdades 35de Medicina,

Veterinária, Odontologia, Psicologia, Educação Física, Biologia, Química,

Enfermagem, Farmácia e Bioquímica estão: a observação de fenômenos fisiológicos

e comportamento a partir da administração de drogas, estudos comportamentais de

33 O uso de animais em salas de aula sempre foi motivo de conflitos éticos. Hoje o aluno pode, através da objeção de consciência, conseguir não participar de tais aulas sem ter sua formação prejudica. Importante destacar que muitas universidades já aboliram o uso de animais. No contexto, vale destacar passagem do livro de Singer (2013, p.105) onde aborda o tema: “(...) essas afirmações são feitas para tranquilizar, em razão da crença amplamente difundida de que todos os veterinários são pessoas que cuidam de animais e jamais permitiriam que sofressem. Lamentavelmente, não é o que acontece. Sem dúvida, muitos veterinários escolheram essa área de atuação porque se preocupam com os não humanos, mas é difícil, para pessoas que de fato gostam dos animais, fazer um curso de medicina veterinária sem que sua sensibilidade em relação ao sofrimento deles não seja embotada. Os que se preocupam mais podem não conseguir concluir os estudos. Um ex-estudante de veterinária escreveu para uma organização de bem estar animal: “ o sonho e a ambição de toda a minha vida de me tornar veterinário dissiparam-se após experiências traumáticas que envolveram os procedimentos experimentais utilizados pelos instrutores insensíveis da faculdade Pre vet da universidade do meu estado. Eles achavam perfeitamente aceitável fazer experimentos e depois acabar com a vida de todos os animais que utilizavam o que considerei revoltante e inaceitável, segundo meu próprio código moral. “Após numerosos confrontos com esses vivisseccionistas insensíveis, decidi, com pesar, seguir uma carreira diferente”. (...).34 A falta de discussão sobre a ética do uso de animais e as alternativas existentes no ensino e transmissão do conhecimento científico gera, no final e paradoxalmente, uma lição ética: a de que apreocupação ética não importa. O currículo oculto ensina que a vida é barata e animais podem ser considerados como instrumentos descartáveis. E quando a ciência se vê inserida dentro de um vácuo moral e ético, ou permite a transmissão de mensagens como esta, as consequências para a ciência e para a sociedade em geral pode ser muito séria.35 Diversos estudos confirmam que estudantes tendem a se tornar insensíveis com as práticas onde animais são utilizados de forma negativa. Tais mudanças têm uma consequência considerável para estes estudantes enquanto indivíduos e para a sociedade como um todo. Em contrapartida, existemmais de 30 estudos acadêmicos publicados que demonstram que em termos de desempenho acadêmica, estudantes utilizando alternativas aprendem tão bem, ou em alguns casos melhor, que estudantes utilizando o tradicional experimento com animais.

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animais em cativeiro, conhecimento da anatomia36 interna37 e desenvolvimento de

habilidades e técnicas cirúrgicas38. Alguns dos experimentos mais constantes nas

universidades39 são (GREIF, 2000):

miografia: este experimento consiste na retirada de um músculo esquelético, geralmente o zigomático, presente na perna da rã, onde se estuda a resposta fisiológica muscular a estímulos elétricos. As respostas são registradas em gráficos. O músculo é retirado da rã ainda viva, eventualmente anestesiada com éter;

sistema nervoso: uma rã é decapitada, e um instrumento pontiagudo é introduzido repetidamente na espinha dorsal do animal, observando-se o movimento dos músculos esqueléticos do restante do corpo;

sistema cardiorespiratório: um cão é anestesiado, tem seu tórax aberto, e observam-se os movimentos pulmonares e cardíacos. Em seguida aplicam-se drogas, como adrenalina e acetilcolina, para análise da resposta dos movimentos cardíacos. Outras diversas intervenções ainda podem ser realizadas. O experimento termina

36 “A base da cirurgia é a anatomia. Isto explica o porque que a cirurgia deve ser aprendida primeiramente em tratados e atlas anatômicos, e depois pela dissecção de um grande número de cadáveres. Assim você não aprende apenas sobre anatomia humana, como também adquire a indispensável habilidade manual. Daí você parte para o aprendizado da prática de cirurgia. Esta pode ser aprendida apenas em hospitais, em contatos diários com os pacientes. Você precisa ser um assistente antes de ser um cirurgião... Finalmente, vamos examinar como alguém chega a operação cirúrgica. Primeiro você observa, depois você auxilia um cirurgião. Isso por várias vezes. Depois que tiver compreendido os vários estágios de uma operação, as dificuldades quepodem surgir, e a contornar estas dificuldades, somente então você pode começar a operar.Primeiro em casos simples, sob a supervisão de um cirurgião experiente, que pode avisá-lo de qualquer passo errôneo ou advertir se você tiver alguma dúvida de procedimento... Esta é a verdadeira escola da cirurgia, e eu afirmo que não existe outra. Depois de explicar sobre a verdadeira escola de cirurgia, é fácil de entender porque todos os cursos de cirurgia baseados em operações em cães tem levado a falhas miseráveis. O cirurgião que conhece sua arte não pode aprender nada destes cursos, e os iniciantes não aprendem deles a verdadeira técnica cirúrgica, e se tornam cirurgiões perigosos” - Dr. Abel Desjardins, em 1932. Na época, Presidente da Sociedade Francesa de Cirurgiões, Cirurgião Chefe do Colégio de Cirurgia da Faculdade de Paris, e professor de cirurgia da France's Ecole Normale Superieure . (GREIF, 2000,p. 21)37 “Tive que desaprender tudo que tinha ‘aprendido’ em cães, e começar novamente pela anatomia humana. Atrasei meu progresso em cerca de 12 anos” – Dr. Lawson Tait, considerado pai da cirurgia moderna, ao criticar suas aulas de cirurgia prática em cães – “O fato é que as doençasem animais são tão diferentes do homem, assim como ferimentos, que as conclusões obtidas pela vivissecção são absolutamente inúteis”. ( GREIF, 2000, p. 21)38 “O objetivo deve ser treinar o cirurgião em pacientes humanos, passando gradualmente de estágioà estágio em dificuldade, e rejeitar explicitamente a aquisição de habilidade pelo treino em animais... que é inútil e perigoso no treinamento de um cirurgião torácico” – Prof. Dr. R.J. Belcher, no Simpósio de Cirurgia Torácica, em Florença, Itália (1980), sobre o treinamento de cirurgiões. (GREIF, 2000, p. 21)39 Existe um crescente movimento que defende uma educação ética e de melhor qualidade nas áreas das ciências biológicas e da saúde. Nesta nova proposta, estudantes aprendem através de uma combinação de variados métodos e abordagens, que vão de um modelo à uma simulaçãocomputadorizada, ou auto-experimentação nos próprios estudantes ou em suas (seus) colegas. Para a experiência direta com animais, os estudantes observam os animais vivos, intervêm positivamente em animais doentes, e utilizam os corpos daqueles que morreram naturalmente. (FILHO, 2016, p.31)

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com a injeção de uma dose elevada de anestésico, ou de acetilcolina (o que causará parada cardíaca);

anatomia interna: diversos animais podem ser utilizados para tal finalidade. Geralmente os animais já estão mortos, ou são sacrificados como parte do exercício, com éter ou anestesia intravenosa;

estudos psicológicos: animais como ratos, porcos-da-índia, ou pequenos macacos podem ser utilizados como instrumentos de estudo. São vários os experimentos que podem ser realizados: privação de alimentos ou água, para estudos diversos (caixa de Skinner, por exemplo); experimentos com cuidado materno, onde a prole é separada dos genitores; indução de estresse, utilizando-se métodos como choques elétricos, por exemplo; comportamento social em indivíduos artificialmente debilitados ou caracterizados. Alguns animais são mantidos durante toda sua vida em condições de experimentos, outros são sacrificados devido à condições extremas de estresse ou quando não podem mais ser reutilizados;

habilidades cirúrgicas: muitos animais podem ser utilizados para estas práticas. Os animais geralmente estão vivos e nem sempre anestesiados, enquanto as práticas se procedem. Os exercícios de técnica operatória são comuns em faculdades de medicina veterinária e humana, e exigem uma grande quantidade de animais;

farmacologia: geralmente pequenos mamíferos, como ratos ou camundongos. Drogas são injetadas intravenosa, intramuscular ou diretamente no estômago (via trato digestivo por cateter, ou por meio de injeção). Os efeitos são visualizados e registrados. O “diabetes” também pode ser induzido em animais, de modo a verificar-se os efeitos de substâncias nos organismos destes animais, como a glicose, por exemplo.

No contexto, a utilização de animais em pesquisas ocorre em diversos

segmentos, como por exemplo: a indústria química, a cosmética e a armamentista.

Cada uma das áreas realiza diferentes testes em animais.

Na indústria química, a cada ano, diversos tipos de químicos são

manufaturados para uso comercial, industrial, agrícola, militar, doméstico e pessoal.

Estes químicos são testados em animais para serem declarados “seguros” e/ou

“aceitáveis” para o uso .

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No campo da indústria cosmética 40são realizados o teste de irritação

ocular – teste de Draize – e o teste de irritação dermal. O teste de irritação ocular,

também conhecido como teste de Draize surgiu em 1944, quando J. H. Draize,

trabalhando para a Food and Drug Administration, desenvolveu uma escala para

avaliar quão irritante era uma substancia quando colocada nos olhos de coelhos. 41Visa avaliar alterações oculares e perioculares provocadas por produtos químico

os mais diversos. Para execução do teste, são colocados 100mg de solução

concentrada da substância que se quer testar, nos olhos de um grupo -6 a 9- de

coelhos albinos conscientes, ou seja, que não receberam anestesia. O coelho albino

é o mais usado, pois é dócil, barato e tem olhos grandes, o que facilita a avaliação

das lesões. Os coelhos permanecem em caixas de contenção, imobilizados pelo

pescoço - muitos o quebram, tentando escapar-. Não se usam analgésicos, pois os

cientistas dizem que seu emprego altera os resultados do teste, e as pálpebras dos

animais frequentemente são presas com grampos que mantêm os olhos

40 É cada vez maior o número de empresas que colocam em seus rótulos as informações: não testado em animais e sem produtos de origem animal. Isso acontece em consequência das atitudes tomadas pelos consumidores. Eles começaram a exigir mudanças. Porém, é preciso ter cuidado, pois, muitas empresas afirmam não testar em animais, mas as companhias que fornecem substâncias para eles realizam os testes.41 Sobre o assusto, Henry Spira, ex ativista dos direitos civis que criou coalizões contra os testes de Draize e DL50. A Coalition Against The Draize Test (Coalizaão para Abolição do Teste Draize) iniciou seus trabalhos convidando a Revlon, a maior empresa de cosméticos dos Estados Unidos a destinarum décimo de 1 por cento de seus lucros para o desenvolvimento de uma alternativa ao teste de irritação ocular. Quando a revlon declinou do convite, anúncios de páginas inteira no The New York Times perguntaram: “ quantos coelhos a Revlon cega em nome da beleza?” Pessoas vestidas de coelho apareceram na assembleia geral da Revlon. A empresa entendeu a mensagem e alocou os fundos requisitados para pesquisas sobre alternativas aos experimentos com animais. Outras empresas, como Avon e a Bristol-Myers, seguiram o exemplo. Como resultado, o trabalho desenvolvido na Gra Bretanha nesse campo pelo fundo para a substituição de animais em experimentos médicos teve continuação, nos estados Unidos, numa escala mais ampla, sobretudo no johns Hopkins Center for alternatives to animal testing, em Baltimore. O aumento do interesse resultou no lançamento de várias novas revistas importantes, como In vitro Toxicology, Cell Biology and Toxicology e Toxicology in Vitro. Demorou algum tempo para que esse trabalho apresentasse resultados, mas, gradualmente, o interesse cresceu. Empresas como Avon Mundial, Bristol-Myers, Mobil e a Procter & Gamble começaram a utilizar alternativas nos laboratórios, reduzindo, assim, o número de experimentos em animais. No final de 1988, o ritmo da mudança acelerou-se. O movimento ganhou ímpeto. Em abril de 1989, a Avon Mundial anunciou ter validado testes que utilizavam um material sintético, desenvolvido especialmente para esse fim, chamado Eytex, em substituição aos testes de Draize (irritação ocular). Como resultado dessa descoberta, nove anos após Spira ter iniciado sua campanha, a Avon Mundial anuciou ter parado de utilizar o teste de Draize. Hoje em dia existem 60 métodos alternativos ao teste de irritação ocular (Teste de Draize).Mas, empresas, como Revlon, Avon Mundial dentre outras, por não abrirem mão de comercializarem seus produtos na china, local onde a legislação, na contra mão mundial, exige que o produto, para ser comercializado em território chinês, seja testado em animais, voltaram a figurar na lista das empresas que testam em animais, ou seja, comercializam produtos com crueldade animal. Todos os movimentos em prol dos animais, no mundo todo, pedem o boicote aos produtos que são testados em animais. O consumidor consciente exerce papel relevante na luta pelo fim mundial dos testes, desnecessários, em animais (SINGER, 2013, p. 85-88).

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constantemente abertos. Embora 72 horas geralmente são suficientes para

obtenção de resultado, a prova pode durar até 18 dias, quando então o olho do

animal se transforma em uma massa irritada e dolorida. Muitas vezes, usam-se os

dois olhos de um mesmo coelho, para não encarecer os custos. As reações

observadas incluem processos inflamatórios das pálpebras e íris, úlceras,

hemorragias ou mesmo cegueira.

O teste, do ponto de vista cientifico, é muito criticado, pois , os olhos do

coelho apresentam estrutura e fisiologia diferentes dos olhos humanos. Além de a

córnea do coelho ser mais delgada que a nossa - 0,35mm contra 0,51mm do olho

humano-, suas glândulas lacrimais não são tão eficientes quanto as nossas, e os

coelhos piscam menos que as pessoas. Além disso, os coelhos têm membrana

nictitante -3ª pálpebra-, que nós não temos, e seu humor aquoso é muito mais

alcalino -pH 8,2- que o do ser humano -pH7,1-7,3-, dificultando a dissolução das

substâncias testadas. Por conseguinte, a leitura dos resultados do teste é muito

subjetiva e de baixa confiabilidade, variando de laboratório para laboratório e

também de coelho para coelho não servindo para predizer o que ocorreria no olho

humano (GREIF, 2000 p.9).

O outro teste realizado pelas empresas da indústria de cosméticos é o de

irritação dermal. Para realizar o teste, depilam-se áreas no corpo do animal, os

preferidos são os cachorros da raça beagle e coelhos albinos, raspa-se a pele com

fitas adesivas ou gilette, muitas vezes até ficar em carne viva, e aplica-se a

substância a ser estudada. Observam-se sinais de enrijecimento cutâneo, úlceras,

edema e etc. O método também recebe criticas no meio cientifico, pois, além de ser

um teste extremamente doloroso, é incoerente achar que o protocolo desse

experimento sirva para predizer reações em humanos, haja vista as diferentes

constituições epidérmicas da pele humana e dos animais utilizados no teste. Além

disso, não se pode aceitar que resultados de valor científico real podem advir de

animais estressados, submetidos à dor e, portanto, em condições totalmente

alteradas. Por fim, ressalte-se que as reações imunológicas são características de

cada espécie, invalidando o uso de cães, coelhos ou ratos como modelos para o

homem (GREIF, 2000, p.10).

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Na indústria armamentista são realizados teste de irradiação, provas

químicas (gases letais), provas biológicas, testes balísticos, bem como provas de

explosões. E o pior é que a conclusão a que se chega, após avaliação minuciosa

dos experimentos militares e dos “benefícios” por eles trazidos, é que tais testes são

executados meramente para testar a eficiência de armas de guerra e não para

otimizar o tratamento de vítimas de guerra, como informam os responsáveis por tais

experimentos (GREIF, 2000 p.10-11).

No contexto, Singer (2004, p.45) retrata, detalhadamente, muitas das

experiências realizadas com animais pelo Instituto de Radiobiologia das Forças

Armadas dos EUA, em que macacos que eram forçados a correr dentro de uma

grande roda. Quando eles reduziam a velocidade a roda fazia o mesmo e os

macacos levavam choques elétricos. Quando os macacos já estavam treinados para

correr por longos períodos, recebiam doses letais de radiação, e então, sentindo-se

mal e vomitando, eram obrigados a continuar correndo até cair. A suposta finalidade

desta “experiência” era obter informações sobre a capacidade dos soldados de

continuar lutando depois de um ataque nuclear. O autor conclui que nestes e em

outros experimentos, os benefícios para os seres humanos são inexistentes ou

incertos e o sofrimento suportado pelas “cobaias” são reais e comprovados.

Importante destacar que para a fabricação de soros e vacinas cavalos são

submetidos a grande sofrimento. A produção do soro antiofídico, por exemplo,

cavalos ficam confinados em estábulos e a cada cinco dias recebem doses de

veneno de cobra. Após um mês são removidos de seis a oito litros de sangue em

intervalos de 48 horas. Pelo fato dos cavalos suportarem todas essas inoculações

de venenos e sangrias frequentes, é comum que tenham uma vida muito curta e de

sofrimento constante.

Ainda em relação as pesquisas realizadas para descobertas de vacinas, vale

destacar o relato do Dr. Albert Sabin (ANDA, 2013):

Pesquisas em animais prejudicaram o desenvolvimento da vacina contra a pólio. A primeira vacina contra a doença teve bons resultados em animais, mas acabou provocando a morte de pessoas que receberam a aplicação. Sabin reconheceu que o fato de haver

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realizado pesquisas em macacos Rhesus atrasou em mais de 10 anos a descoberta da vacina.

Nos laboratórios, também são realizados estudos42, com grande carga de

sofrimento para as “cobaias”, para avaliar a agressividade43, o aprendizado e

comportamento sexual dos animais utilizados nas pesquisas visando, em alguns

casos, extrapolar o resultado para a raça humana. Porém, estudos confirmam44 que

tais experimentos não possuem relevância cientifica. Animais em cativeiros, tendo

seus instintos manipulados e padecendo de grande sofrimento e angustia

demonstram comportamento diferente do observado na natureza. Um fator

importante é o grau de desenvolvimento neurológico que tem grande influência nos

processos psicológicos, assim como as diferentes formas de interação com o meio e

a percepção deste tornando impossível a extrapolação do resultado do experimento

para a raça humana e falho para atestar que determinada espécie, em seu habitat

natural ostentaria o comportamento constatado pelos testes (GREIF, 2000, p.11)

42“(...) animais são descerebrados e colocados em labirintos para que achem a saída; macacos esfomeados, com eletrodos implantados no cérebro, são ensinados a conseguir comida apertando um botão (caso apertem o botão errado, recebem um choque elétrico); gatos operados e reduzidos a um estado meramente vegetativo são deixados durante dias inteiros em equilíbrio, sobre plataformas cercadas de água, para evitar que durmam, com objetivo de registro de suas reações durante a vigília” (GREIF, 2000, p. 11)43 Para corroborar, ver matéria publicada na Monitor (publicação da American Psychological Association) na edição de março de 1978: O testemunho de Roger Ulrich, ex pesquisador que se livrou do condicionamento e reconheceu ter infligido “anos de tortura” a animais, de ratos a macacos, é particularmente revelador. Em 1977, a revista Monitor, publicada pela associação Norte americanade Psicologia, relatou que os experimentos sobre agressão realizados por Ulrich haviam sido selecionados por um subcomitê do congresso como exemplo de pesquisa desumana. Para surpresa dos antivivisseccionistas que o haviam criticado e, do editor da Monitor, Ulrich confessou estar sensibilizado com as críticas e acrescentou: “inicialmente, minhas pesquisas eram impulsionadas pelo desejo de compreender e ajudar a resolver o problema da agressão humana; mais tarde, porém, descobri que os resultados de meu trabalho não pareciam justificar sua continuidade. Comecei, então, a me perguntar se os fatores mantenedores não seriam, talvez, as recompensas financeiras, o prestígio profissional, a oportunidade de viajar etc., e se nós, da comunidade cientifica, apoiados por nosso sistema burocrático e legislativo, não éramos, de fato, parte do problema.”44 Sobre o assunto ver passagem do livro de Singer (2013 p.74-75).

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2.2.1 Métodos alternativos ao uso de animais

O uso de animais nas diversas áreas da experimentação animal pode ser

substituído, de maneira eficaz, por métodos alternativos45. Ademais, tais métodos

são reconhecidos (BRASIL, 2014, p.9) pelo CONSELHO NACIONAL DE

CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL–CONCEA (será abordado em tópico

próprio). Cientistas renomados, dos mais diversos países, defendem e aprovam as

pesquisas sem a utilização de animais, estruturando suas teses em três pilares: o

enorme sofrimento causado nas cobaias, o engano em usar animais não humanos

como modelo para os humanos e a eficácia dos métodos alternativos. Neste cenário,

vale destacar duas opiniões sobre o tema:

“a medicina é essencialmente ciência da observação, em que a experimentação ocupa somente uma parte menor da investigação médica. Mas aquela parte menor foi contaminada por um enorme erro grosseiro: aquele de haver adotado os animais como modelos experimentais do homem.” (Croce, 2007, p.6)

“tem sido demonstrado que os resultados da experimentação animal são inaplicáveis aos seres humanos. Existe uma lei natural relacionada ao metabolismo (a soma de todos os processos químicos e físicos encontrados nos organismos), de forma que uma reação que foi estabelecida para uma espécie é válida somente para aquela espécie em particular e não para outra.” (TOLEDO, 2007, p. 12)

São muitos os métodos alternativos 46disponíveis atualmente. O uso de

animais no ensino superior pode ser substituído por diversas alternativas

45 Corroborando com o tema: “Em favor da experimentação animal os viviseccionistas formulam,em regra, sempre o mesmo discurso indagativo: Se não testarmos remédios em animais, se não fizermos experiências com esses seres, como poderemos acabar com as doenças que assolam a humanidade? Respostas a essas objeções podem ser encontradas não apenas no campo filosófico, mas no próprio universo cientifico. Isso porque inúmeras experiências com animais são desnecessárias e repetidas, supérfluas e destituídas de sentido.” (LEVAI; DARÓ 2004,p. 138-150)46 Para estudantes que precisam de experiências práticas com animais, tais necessidades podem ser supridas de diversas maneiras humanitárias. Animais que morreram naturalmente, ou que sofreram eutanásia por motivos clínicos, ou que foram mortos em estradas, etc., são utilizados em algumasuniversidades para o estudo de anatomia e cirurgia. Para estudantes que precisam do uso de animais vivos, a prática clínica é o método mais aplicado e humanitário; em muitos cursos de veterinária, por exemplo, a habilidade cirúrgica é aprendida pelos estudantes através de operações supervisionadas

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tecnológicas (simulações em computadores, modelos anatômicos, vídeos interativos

e tecnologia in vitro) e em alguns casos pela autoexperimentação.47 Para estudantes

que precisam de animais vivos, a prática clínica48, é o melhor meio de aprendizado.

Estudantes de veterinária podem aprender a técnica cirúrgica através de operações

supervisionadas em “pacientes reais”, em clínicas veterinárias. O mesmo serve para

os estudantes de medicina, porém, com “pacientes humanos reais”

No contexto, para substituir os ratos, pode ser usado a cobaia de PVC (é

idêntica a um rato de verdade) que possibilita a prática de 25 técnicas

microcirúrgicas (realização de anastomoses de vasos, suturas de artérias,

transplantes e etc.). Também existe o “robô” DASIE 49(Dog Abdominal Surrogate

Instructional Exercise) possibilitando substituir os cães nas aulas de cirurgias

abdominais. Vale ressaltar que esses são apenas alguns dos métodos alternativos

disponíveis para substituir o uso de animais no ensino. (MAGALHÃES; ORTÊNCIO

FILHO 2006).

Para substituir os animais nas pesquisas (de novos medicamentos, vacinas

e etc.) cientistas argumentam não existir métodos alternativos, porém, como pano de

fundo dessa resistência esta o fator econômico relacionado ao comércio destes

animais e utensílios/materiais para realizar tais procedimentos (caixas de contenção,

ração etc.) Mas, os métodos alternativos existem e são:

em pacientes animais, em clínicas veterinárias. O mesmo acontece na medicina, com pacientes humanos. (FILHO, 2016,p.39)47 Na autoexperimentação, estudantes de biologia e medicina participam ativamente em práticascuidadosamente supervisionadas onde eles são os “animais experimentais” para o estudo de fisiologia, bioquímica e outras áreas. Ingestão de substâncias como café ou açúcar e uso de eletrodos externos para a mensuração de velocidade de sinais nervosos estão entre os muitos testes que podem ser aplicados em si mesmos ou nos colegas. Ressaltando que tais procedimentos não provocam dor nem sofrimento.48 Em diversas revistas cientificas podem ser encontrados vários artigos científicos atestando o beneficio do uso de tais métodos para os estudantes. Os estudos demonstram que estudantes ensinados através dos métodos alternativos ao uso de animais, aprendem igualmente, e em alguns casos melhor, do que estudantes que aprenderam através da vivissecção e adquirem respeito pelopróximo (seja humano ou não humano). Corroborando, médicos renomados afirmam ser desnecessário o uso de animais nas faculdades de medicina. Na prática cirúrgica, por exemplo, não se faz necessário o uso de animais (como os cães, muito utilizados nesta etapa), pois, poderiam ser substituídos pelo uso de cadáveres ou aulas práticas em “cirurgias reais”, supervisionadas por médicos experientes. Ressaltando a grande discrepância entre a anatomia humana e a anatomia canina, assim como a elasticidade da pele, o coeficiente de vazão sanguínea epidérmica e outras características que não se aplicam na cirurgia humana.49 Um estudo realizado com este manequim mostrou que o mesmo é uma alternativa eficiente para as práticas introdutórias de cirurgia.

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“sistemas biológicos in vitro: cultura de células, de tecidos e de órgãos passíveis de utilização em genética, microbiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação, toxicologia, produção de vacinas, pesquisas sobre vírus e sobre câncer;

cromatografia e espectrometria de massa: técnica que permite a identificação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não-invasivo;

farmacologia e química quânticas: avaliam o metabolismo das drogas no corpo;

estudos epidemiológicos: permitem desenvolver a medicina preventiva com base em dados comparativos e na própria observação do processo das doenças;

estudos clínicos: análise estatística da incidência de moléstias em populações diversas;

necrópsias e biópsias: métodos que permitem mostrar a ação das doenças no organismo humano;

simulações computadorizadas: sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal;

modelos matemáticos: traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos organismos vivos;

culturas de bactérias e protozoários: alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos;

uso da placenta e do cordão umbilical: para treinamento de técnica cirúrgica e testes toxicológicos;

membrana corialantóide: teste CAME, que utiliza a membrana dos ovos de galinha para avaliar a toxicidade de determinada substância.(LEVAI, 2001, p.34-35)

No caso das pesquisas (teste de Draize e de irritação dermal) para inserir

no mercado novo cosmético (base, batom, sombra, esmalte etc) e produtos de

higiene pessoal (shampoo, condicionador, hidrante, sabonete, perfume etc) e de

limpeza (água sanitária, desinfetante, detergente etc), também existem métodos

alternativos, É importante destacar que são mais de 60 métodos alternativos ao

teste Draize (irritação ocular), entre eles o Eytex e o Matrex, bem como córneas

(animais e humanas) de indivíduos mortos e células corneais mantidas in vitro. Para

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o teste de irritação dermal, como alternativa ao método, existe o in vitro, que

empregam culturas de células da pele humana.

No contexto, para substituir os experimentos realizados no campo da

psicologia50 (aprendizagem, diversos tipos de privações: materna, de água, comida

etc), ressaltando que se trata de experimentos com enorme carga de sofrimento e

resultados irrelevante para animais humanos e não humanos basta substituir tais

métodos pela pesquisa de campo, observando em ambientes e situações normais,

naturais.

2.3 A relevância do caso dos macacos de Silver Spring

Em 1981, a recém fundada PETA 51(People for the Ethical Treatment

of Animals – Pessoas pelo tratamento ético dos animais) divulgou imagens feitas

durante uma experiência financiada pelo poder publico, utilizando vários macacos,

onde os “animais cobaias” apareciam agonizando com membros deformados após

ter a perda da capacidade de sensibilidade propositalmente suprimida mediante

procedimentos cirúrgicos, sem anestesia, em nível medular. O objetivo do

experimento era evidenciar se poderia ocorrer uma regeneração dos nervos. O fato

lançou luzes para os abusos e enorme sofrimento suportado pelos “animais

cobaias”. A denúncia ganhou fama como “o caso dos macacos de Silver Spring” e

conseguiu grande repercussão dentro e fora dos EUA.

O experimento aconteceu no instituto de Investigação animal sob o

comando do pesquisador Edward Taub. Alex Pacheco, fundador da PETA junto com

Ingrid Newkirk, na época do episodio era estagiário do instituto. Após ter ciência dos

testes, fotografou o laboratório, os experimentos realizados nos macacos, conseguiu

o testemunho de cinco pessoas sobre como eram feitos os testes, entre as quais

dois médicos veterinários e denunciou o laboratório.

50 Para maior aprofundamento sobre os experimentos no campo da psicologia ver Singer (2013 p.62- 77).51É atualmente o maior e mais radical grupo ativista de proteção aos animais. Possui mais de doismilhões de afiliados, entres eles diversas celebridades de vários países. O objetivo é a liberdade total dos animais, ou seja, a organização é contra: o consumo de carne, animais de estimação, zoológicos, circos, vestes de origem animal (lã, couro) e experimentação animal. Possui como filosofia: “Animais não são nossos para comer, vestir, usar em experiências ou para entretenimento.” (PETA, 2015)

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No contexto, a divulgação das imagens trouxe para o centro do debate a

ausência de fiscalização dos experimentos, os abusos e o enorme sofrimento

suportado pelos “animais cobaias”. Para realizar experimentos com animais, o

pesquisador praticamente ostenta uma espécie de “passe livre” para conduzir os

testes. O que acontece dentro de um laboratório é restrito ao pesquisador, seus

auxiliares e as “cobaias”. Com o episodio de Silver Spring a pressão exercida por

grupos ativistas sobre a sociedade cientifica aumentou consideravelmente, porém,

não ocorreu um consenso entre os pesquisadores. Corroborando com o tema, vale

destacar passagem do artigo cientifico publicado por Paixão (2014, p. 2):

O caso dos macacos de Silver Spring foi um marco, pois, pela primeira vez na história da ciência, a força policial invadiu um laboratório de pesquisa científica (...). Em novembro de 1981, Edward Taub foi considerado culpado por não ter providenciado assistência médico-veterinária a seis animais, ao mesmo tempo em que foi inocentado das demais acusações, visto que a comunidade científica posicionou-se em defesa dos propósitos científicos do pesquisador. Após duas apelações, a sentença contra Taub foi retirada, em um processo ainda mais tumultuado, por envolver conflitos referentes à legitimidade processual. Porém, o caso Silver Spring deixou uma outra sentença: a de que não seria mais possível se admitir um “vale tudo em nome da ciência”, pois o “pano de fundo” das pesquisas que envolvem o uso de animais estava certamente em processo de modificação.

Neste cenário, o caso dos macacos de Silver Spring é considerado um

divisor de águas na refinação do processo de controle das pesquisas realizadas em

animais, pois possibilitou mudanças na legislação de diversos países e intensificou o

debate sobre o tema. No contexto, nos anos 70, nasce nos EUA e na Europa a

“ciência do bem-estar animal”, intensificando o debate moral sobre o tema. A

Bioética amparada por contribuição filosófica abriu caminho para que a prática

científica que utiliza animais fosse submetida a diferentes mecanismos de controle.

Após o episodio de Silver Spring de 1981, um processo de reformulação da lei

americana de bem-estar animal (Animal Welfare Act - 1966), aprovou a revisão

obrigatória dos protocolos de pesquisas em animais pelas comissões institucionais -

Institucional Animal Care and Use Committeee (PAIXÃO, 2014, p.2).

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2.4 Os 3 R’s

A tutela dos animais amparada na vedação a crueldade e maus tratos,

mas, com permissão para realizar experimentação animal ao argumento que são em

favor do próprio animal ou do homem é, além de incoerente (o assunto será

abordado em tópico próprio), o modelo chamado de 3 R’s (Reduction, Refinement e

Replacement).

Reduction (= redução) determina que os pesquisadores devem utilizar o

mínimo de animais em um experimento, apenas a quantidade necessária capaz de

fornecer resultados estatísticos significativos. Refinement (= Refinação) sugere o

emprego de métodos adequados de analgesia, sedação e eutanásia, com o

propósito de reduzir a dor e o desconforto, evitando ao máximo o estresse dos

“animais cobaias” animais. Replacement (= Substituição) orienta o uso de métodos

alternativos, sempre que possível.

O conceito dos 3R’s 52 foi divulgado por Russel e Burch, para comunidade

cientifica, em 1959 através do livro “The Principle of Humane Experimental53“. A

proposta visa orientar os experimentos realizados em animais. Porém, teve sua

origem em 1954 quando Charles Hume, fundador da Universities Federation for

Animal Welfare no Reino Unido, com o suposto objetivo de buscar técnicas “mais

52 “Não existem dados precisos que revelem a história anterior do conceito dos Três Rs, nem a data exata em que passou a ser difundido (Russel, 1995), mas foi algo entre 1955 e 1957. A UFAW realizou um simpósio em Técnicas “Humanas” no Laboratório, em 1957 (Anon, 1957), e foi então que o conceito dos Três Rs foi primeiramente discutido em público. Mais informações sobre a origem do conceito dos Três Rs pode ser encontrado em um trecho de fala de Charles Hume em Washington, em Outubro de 1959, onde ele diz que o The Principle of HumaneExperimental Technique “merece tornar-se um clássico para todos os tempos, e temos grandes esperanças que ele inaugure um novo campo de estudos sistemáticos. Esperamos que outros o sigam, e que um estudo generalizado em uma técnica humana, como um componente sistemático da metodologia de pesquisa, venha a se considerar essencial para a formação do biólogo.”A “vontade” em aplicar o “critério humano” em pesquisas vivisseccionistas está expresso no The Principle of Humane Experimental Technique na página 157, onde se lê: “Se tivermos de utilizar um critério para escolha de experimentos para conduzir, o critério de humanidade é o melhor que teríamos possibilidade de inventar... Os maiores experimentos científicos tiveram sempre sido o mais humano e o mais atrativos esteticamente, levando a um senso de beleza e elegância que são a essência da ciência melhor sucedida.” Desvinculando do contexto vivisseccionista em que esta frase foi dita, os autores tem toda a razão: a melhor pesquisa, a que produz melhores resultados, é aquela conduzida humanamente; isto é claro não se aplica ao contexto, uma vez que utilizar animais sensíveis saudáveis para intervenções fisiológicas não pode de forma alguma ser considerado “atrativos esteticamente”, nem se pode considerar que isto possua qualquer “senso de beleza e elegância”( GREIF,2000,p 67).53 O livro, desde sua publicação, é considerado um clássico para os adeptos da vivissecção.

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humanas” na experimentação animal, propôs um projeto gerenciado por um comitê.

A ideia teve repercussão internacional, pois recebeu apoio financeiro.

Em um primeiro momento as diretrizes gerais dos 3R’s sinalizam como

boas para conduzir a experimentação de modo ético, pois recomenda que todos os

testes sejam feitos de maneira “moderada. De fato, elas são quando observados

casos como de Silver Spring e tantos outros, porém, se analisadas com atenção, é

possível constatar que não visam abolir a experimentação animal e sim servir ao

propósito dos experimentadores. É a blindagem da vivissecção, pois a ratifica como

método padrão. Os princípios dos 3 R’s, de certa forma, determinam, conforme

interesse dos membros da comunidade cientifica adeptos da vivissecção e das

industrias que obtém altos lucros com a experimentação animal, quais métodos

alternativos podem ser validados.

No contexto, os 3 R’s alimentam um ciclo vicioso que requer mais testes

em animais e raramente expõe substitutivos a estes. Neste sentido, “qualificando a

vivissecção como “sofrimento necessário”, o movimento dos 3RS não a detém, ao

contrário a exalta e promove” (GREIF, 2000, p.125).

2.5 Entendendo a fiscalização da experimentação animal no Brasil

A Carta magna de 1988, no artigo 225 prevê: “(...) proteger a fauna e a

flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função

ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”,

esse deve ser, em âmbito brasileiro, o ponto de partida para qualquer discussão

relacionada às legislações infraconstitucionais que regulamentam práticas

envolvendo a exploração animal (a dissertação aborda, apenas, a experimentação

animal).

Neste cenário, no campo da experimentação animal, a vedação a

crueldade54·, previsto na lei maior, pode ser interpretada de maneira subjetiva. A Lei

Arouca (regula a experimentação animal no Brasil e revogou a Lei 6.638/79), não só

54 Existe discussão envolvendo o que é crueldade, mas, será abordada na dissertação em tópico próprio.

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autoriza práticas consideradas cruéis e muitas com métodos substitutivos ao uso de

cobaias disponíveis, como entra em conflito com a Lei de Crimes Ambientais (Lei

9.605 de 12 de fevereiro de 1998), que em seu artigo 32 55criminaliza maus tratos

aos animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Após inúmeras divulgações de imagens dos diversos experimentos sendo

realizados, do estado que fica o “animal cobaia” e das opiniões desfavoráveis a

experimentação animal de cientistas renomados de diversos países, a sociedade,

amparada pela bioética, em passos lentos, porém firmes, passou a questionar tais

práticas. Milhares de ONG’s protetoras dos animais espalhadas pelo mundo, a cada

dia ganham mais força na luta pela causa animal.

No contexto, os adeptos da experimentação animal56, amparados nos 3R’s,

após grande lobby no congresso nacional, conseguiram em 2008 a promulgação da

Lei 11.794 de 8 de outubro de 2008 (Lei Arouca), revogando a Lei 6.638/79 e

criando também, o que seria o “ponto alto” no âmbito da fiscalização da

experimentação animal e “efetiva proteção” aos “animais cobaias”: o CONSELHO

NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL (CONCEA) e as

COMISSÕES DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS (CEUAs).

O CONCEA e as CEUAs (serão abordados em tópico próprio) desde sua

criação são alvos de criticas. Sobre o assunto: “poderíamos acreditar em um Comitê

de Ética que fora criado, mantido e composto por soldados nazistas em um Campo

de Concentração?” (GREIF, 2008, p. 8)

55 Em 1998, após tentativas sem êxito, visando conseguir que os maus-tratos aos animais fossem criminalizados, a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal editou o livro Liberticídio dos Animais com inúmeras imagens e legendas dos maus-tratos e o entregou à Comissão de Juristas, aos Deputados e Senadores que votariam a inclusão da proteção animal na Lei de Crimes Ambientais. Desta vez, o resultado foi favorável, com a inclusão do artigo 32 na Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (DIAS, 2013).56 O universo da experimentação animal movimenta milhões e envolve muitos interesses quepassam a margem de qualquer beneficio efetivo para humanidade e/ou para os animais não humanos (nos experimentos que visam descobrir novos medicamentos, vacinas, cosméticos específicos para a espécie).

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2.5.1 CONCEA: CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DA EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

O CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO

ANIMAL (CONCEA) é órgão integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia e foi

criado em 2008 através da Lei Arouca (lei que regula a experimentação no Brasil). É

responsável, dentre outras coisas, pelo credenciamento das instituições que

desenvolvem atividades usando animais, além de administrar o cadastro de

protocolos experimentais ou pedagógicos aplicáveis aos procedimentos de ensino e

projetos de pesquisa científica realizada ou em andamento no País.

Trata se de instancia colegiada, multidisciplinar de caráter normativo,

consultivo, deliberativo e recursal. Dentre as suas competências destacam-se a

formulação, tendo por base os 3 R’s, de normas relativas à “utilização humanitária”

de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica, bem como estabelecer

procedimentos para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios57

e de laboratórios de experimentação animal. Pela relevância do assunto, visando

demonstrar que o CONCEA é órgão voltado a garantir a continuação da

experimentação animal, a transcrição das principais diretrizes do órgão é importante:

A finalidade desta Diretriz é apresentar princípios de condutas que permitam garantir o cuidado e o manejo éticos de animais utilizados para fins científicos ou didáticos. Os princípios estabelecidos nesta Diretriz são orientações para pesquisadores, professores, estudantes, técnicos, instituições, Comissões de Ética no Uso de Animais – CEUAs e todos os envolvidos no cuidado e manejo de animais para fins científicos ou didáticos. 1.2. Esta Diretriz ressalta as responsabilidades de todos que utilizam animais para: (a) garantir que a utilização de animais seja justificada, levando em consideração os benefícios científicos ou educacionais e os potenciais efeitos sobre o bem-estar dos animais; (b) garantir que o bem-estar dos animais seja sempre considerado; (c) promover o desenvolvimento e uso de técnicas que substituam o uso de animais em atividades científicas ou didáticas; (d) minimizar o número de animais utilizados em projetos ou protocolos; (e) refinar métodos e procedimentos a fim de evitar a dor ou a distresse de animais utilizados em atividades científicas ou didáticas. 1.3. Esta Diretriz, assim como a legislação

57 “local onde são criados ou mantidos animais para serem usados em ensino ou pesquisa científica, que possua controle das condições ambientais, nutricionais e sanitárias” (BRASIL, 2016,p. 4)

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brasileira, estabelece a responsabilidade primária das CEUAs em determinar se a utilização de animais é devidamente justificada e garante a adesão aos princípios de substituição (replacement), redução (reduction) e refinamento (refinement). 1.4. É dever do usuário cumprir os princípios estipulados nesta DBCA e nas Leis e normas que regem a conduta ética de indivíduos cujo trabalho envolve o uso de animais para fins científicos ou didáticos e é dever das CEUAs zelar por sua aplicação (BRASIL, 2016, p.3).

Portanto, neste cenário, o CONCEA determina as diretrizes que devem ser

seguidas em qualquer etapa da “cadeia da experimentação animal” (criação dos

animais, cuidados de higiene e etc) e delega para as COMISSÕES DE ÉTICA NO

USO DE ANIMAIS (será estudada em tópico próprio) a função de monitorar o uso de

animais em experimentos e analisar, aprovando ou não, as propostas feitas por

pesquisadores visando utilizar animais em suas pesquisas. A condução das ações

da CEUA’s tem por base o princípio dos 3 R’s (Substituição, Redução e

Refinamento).

No contexto, com o intuito de demonstrar que a criação do CONCEA, bem

como das CEUA’s, ambos instituídos pela lei Arouca de 2008 (regulamenta a

experimentação animal e será estudada em tópico próprio), visa garantir a

continuidade da experimentação animal e não tem a intenção de tratar os animais

utilizados nas pesquisas como seres sencientes que são, relevante é destacar a

opinião de Marcelo Marcos Morales58, coordenador do CONCEA, à época do

histórico episodio do Instituto Royal, ocorrido em 2012, quando cães da ração

Beagle, coelhos e camundongos, foram resgatados por ativistas, muito debilitados

em decorrência dos dolorosos experimentos a que eram submetidos diariamente,

das dependências do Instituto localizado em São Roque/SP. Marcelo Morales

defendeu os testes em animais e criticou a ação dos ativistas em entrevista à Folha

de SP, como é possível constatar em trechos da matéria publicada em 22 de

outubro de 2013 (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013):

“Este era o laboratório "top" para a comunidade científica nacional e para os laboratórios. Tudo foi destruído e isso coloca em risco o investimento feito em pesquisa de medicamentos para benefício de

58 Currículo disponível na plataforma Lattes: < http://lattes.cnpq.br/1350545892962962> Vale destacar, que o coordenador do CONCEA, à época do episódio do Instituto Royal, é adepto e defensor da experimentação animal.

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toda a população. Esses animais nasceram em biotério, sem possibilidade de contrair infecção. É como se tivessem vivido até agora dentro de uma bolha, em ambiente controlado"(...)

Doutor em biofísica, Morales afirma que os cientistas “também não querem trabalhar com animais”, mas que o método é ainda o mais eficaz para testes de tratamentos médicos e vacinas(...)

(...) “Seria possível não nos alimentarmos mais com carne? Com pesquisa é a mesma relação. Deixamos de usar os animais e vamos testar as vacinas em nossas crianças?”

Para Morales, as pessoas estão confundindo “animais domésticos” com cães que nasceram dentro de biotérios, sob condições controladas e rígidas para o uso cientifico(...).

A posição do então coordenador do CONCEA revela, em primeiro lugar, que o órgão não tem a intenção de abolir a experimentação animal, nem priorizar os métodos alternativos disponíveis e reconhecidos ao uso de cobaias, pois, considera a prática extremamente necessária assim como a alimentação a base de carne. Importante destacar que ao contrario da posição de Marcelo Morales, muitos pesquisadores renomados não utilizam animais em suas pesquisas, exatamente por significar risco para saúde humana, atraso para o progresso da ciência e enorme sofrimento para os animais (posições contrarias ao uso de animais, bem como o risco para o ser humano, foram retratadas na dissertação em tópicos anteriores).

No campo da alimentação, já que Morales faz uma analogia com a experimentação animal, o argumento de que o ser humano necessita ter uma alimentação a base de carne não é verdadeiro, pois, o número de vegetarianos no mundo cresce a passos largos não ocasionando risco para saúde dos que não consomem carne. Em segundo lugar, resta claro que, para os adeptos da experimentação animal, por mais que se esforcem em atestar que os “animais cobaias” não sofrem maus tratos e todo sofrimento a que são submetidos são necessários (necessário para quem?), não passam de máquinas e assim são tratados. Os experimentadores colocam os “animais cobaias” na categoria de animais desprovidos de sentimentos e sem capacidade de sofrer, ao argumento que nasceram em biotérios e vivem como se estivessem em uma “bolha”, mas, tais justificativas revelam, por si só, o enorme sofrimento suportado pelos “animais cobaias” desde o nascimento. São privados de suas necessidades básicas e peculiares da espécie como, no caso de cães, de se exercitar, brincar, pegar sol, viver em ambiente limpo, ter a saúde física e mental preservada, sem serem submetidos a procedimentos dolorosos, simplesmente para beneficiar outros. Tais procedimentos só se justificam se forem em prol do próprio ser que suportará o sofrimento (como no caso de um cão com câncer, necessitando ser submetido a

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cirurgia e procedimentos que podem ocasionar dor e sofrimento, mas tudo será feito, em prol dele. Visando o bem estar dele e não de outro (os).

No contexto, relevante destacar que não existem duas categorias de animais não humanos; cobaias e não cobaias, como pode se concluir ao analisar as argumentações dos adeptos da experimentação animal. Existem somente animais não humanos, seres sencientes que ostentam grau de consciência, conforme atestado pela Declaração de Cambridge sobre Consciência Animal de 2012. (já abordada na dissertação em tópico anterior).

Portanto, a criação do CONCEA, prevista na lei Arouca, não trouxe nenhum beneficio para os animais não humanos utilizados como cobaias em experimentos. Pois, a grande maioria de seus membros são adeptos da experimentação animal e consideram os “animais cobaias” como uma “sub categoria” de animais não humanos, ou seja, desprovidos de sentimentos e consciência, simples maquinas descartáveis. O efeito do CONCEA, como já retratado na dissertação, pode ser entendido através de uma analogia com o holocausto, ou seja, o mesmo efeito que teria um conselho formado por nazistas, criado para fiscalizar, de maneira ética, as cruéis experimentações realizadas em seres humanos no campo de concentração.

2.5.2 CEUA’s: COMISSÕES DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS

As denúncias de abusos sofridos por “animais cobaias”, em experimentos,

cresceram a partir dos anos 70. Neste período aumentou o debate, sustentado pela

bioética, acerca da moralidade do uso de animais não humanos em pesquisas. O

fato lançou luzes para a necessidade de uma abordagem ética da experimentação

animal pela sociedade.

No contexto, em um processo de revisão da lei americana de bem-estar

animal (Animal Welfare Act), após o emblemático caso dos macacos de Silver Spring

ocorrido em 1981, já estudado na dissertação, passou a ser obrigatória a revisão

dos protocolos de pesquisas em animais pelas comissões institucionais. O método

buscou inspiração no modelo das revisões éticas das pesquisas em seres humanos.

Sua função é exercer um sistema de controle ético das pesquisas envolvendo

animais não humanos.

Importante destacar que anterior a 1985, nos EUA, já existiam algumas

comissões institucionais que se ocupavam de aspectos relacionados a biotérios e

cuidados gerais referentes à criação dos animais de laboratório. Neste cenário,

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somente após 1985, as atuais comissões adquiram a função de analisar, tendo

poder de veto, os protocolos de pesquisas. Nesta visão, as palavras de Paixão

(2014, p.3):

De fato, a implantação de comissões de ética no uso de animais, embora com perfis diferenciados, foi verificada a partir da década de 70, ampliando-se a partir dos anos 80 no âmbito internacional. Um dos países pioneiros em apresentar tal tipo de comissão foi a Suécia, onde a obrigatoriedade da sua existência data de 1979, porém com a missão de avaliar apenas os experimentos que poderiam envolver dor e/ou sofrimento aos animais, o que era classificado previamente pelo próprio investigador. Em 1988, com a revisão da Lei de Proteção Animal daquele país (Animal Protection Act ), toda e qualquer experimentação animal passaram a ter que ser aprovada por uma comissão de ética, antes de ser iniciada.

No contexto, fato relevante e controvertido é quem deve compor as

comissões59. Porém, a noção da importância da multidisciplinaridade dos membros

das CEUA’s é um denominador comum. Portanto, três categorias, devem/deveriam

estar presente em todas as CEUA’s: representantes da ciência 60, médico veterinário61e representantes da sociedade 62. Neste cenário, a participação de médico

59Corroborando com o tema: “(...) observam-se diversos conflitos e desafios enfrentados por essas comissões. É fundamental buscar esclarecer a origem de alguns desses conflitos, o que se pretende fazer ao longo dessa apresentação. Um primeiro aspecto a ser destacado é que convivem hoje praticamente duas posições críticas acerca da experimentação animal: os abolicionistas (contrários ao uso de modelos animais em pesquisas) e os reformistas (para essas certas formas de experimentação são aceitáveis a partir de certas restrições). Com isso, a própria existência de uma comissão de ética composta em sua maioria por cientistas torna-se questionável e pode ser criticada por apoiar-se num consenso prévio a favor do uso de animais como modelos de pesquisa. Nesse sentido, um importante ponto crítico a ser debatido é a composição dessas comissões. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2002), o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é constituído e atua de acordo com quatro princípios para o processo de revisão: independência, competência, pluralismo e transparência. Destaca-se aqui que esses mesmos princípios devem ser observados nas Comissões de ética no Uso de Animais, contrariamente a ideia defendida por Silverman e colaboradores (2007) de que o mais importante nessas comissões é que seus membros sejam bem treinados e que garantam treinamento adequado aos pesquisadores sobre como utilizar os animais, isto é, reduzindo a missão central dos comitês ao treinamento. A missão central desses Comitês é uma avaliação ética, isto é, se é bom ou ruim que seja feito o que está sendo proposto e se deve ou não ser realizado daquela forma proposta. Para que isso efetivamente ocorra é fundamental uma composição pluralista dessas comissões, nas quais devem coexistir concepções legítimas do que é bom e do que é mal. Não somente os cientistas devem estar representados, mas também aqueles comprometidos com os interesses e o bem-estar dos animais e com os interesses de toda a sociedade(...)”. (PAIXÂO, 2016,p. 85-86)60 Integrantes comprometidos com a ciência em geral, podendo referir-se a professores, cientistas, representantes institucionais.61 Comprometidos com o “bem-estar animal”. Especialistas em “bem-estar animal”.62 Pessoas que representem a sociedade, comprometidos com a proteção animal, podendo ser de diversas profissões, como por exemplo: eticistas, juristas e outros.

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veterinário nas comissões é considerado relevante, pois, trata se do profissional

habilitado para identificar diversos fatores que interferem na qualidade de vida do

animal. Neste entendimento:

A tensão básica em relação à composição das CEUAs surge à medida que se confrontam diferentes perspectivas: para alguns, os cientistas devem exercer o papel principal dentro do comitê e, portanto, a responsabilidade deve ser da comunidade científica e, para outros, a sociedade deve ter uma influência cada vez maior nas atividades que envolvem experimentação animal, e os membros que representam essa sociedade é que devem exercer o papel principal nos comitês. Embora cada vez mais se garanta essa participação social nas comissões, os conflitos surgem no momento de equacionar essa participação, pois o que irá refletir na forma de atuação das comissões será a representatividade de cada um desses segmentos na sua composição. (PAIXÃO, 2014, p.5)

.Nesta visão, as CEUA’s não podem ser compostas por maioria dos

membros comprometidos com a ciência da biomedicina adepta do uso de animais,

ou seja, que defendem a experimentação animal como um “sofrimento necessário”.

Pois, neste caso, as comissões de ética perdem sua essência, sua razão de existir.63

63 Nesta visão: “(...) se em outros países onde as leis geralmente são seguidas, os comitês de ética são falhos e as próprias brechas da lei as anulam, o que dizer do Brasil, onde as leis além de possuírem as mesmas brechas, geralmente não são postas em prática nem são fiscalizadas? Em palestra proferida na UNICAMP em 13/11/98, o professor Dr. Roberto Sogayar, então presidente do Comitê de Ética da UNESP de Botucatu, expôs a situação da seguinte forma: os cientistas que se servem dos animais do biotério não precisam se preocupar, nenhuma pesquisa será recusada pelo comitê de ética; sua única intenção será fornecer o aval necessário para que os resultados de suas pesquisas sejam aprovados para a publicação em periódicos internacionais que exijam o aval de um comitê de ética. Ou seja, a intenção do comitê de ética é proteger o cientista contra a opinião pública, não importando a “ética” em si do mau uso de animais (e em verdade, todo uso o é) e nem a ciência própriamente dita. Outra evidência da displicência dada ao assunto por membros de comitês de ética no Brasil foi demonstrada pelo Prof. Dr. Armen Thomassian, durante o I Encontro sobre Normas e Alternativas ao Uso Didático de Animais nas Faculdades de Medicina Veterinária, em 11/12/99. Sendo presidente do comitê de ética da Faculdade de Medicina Veterinária da UNESP de Botucatu, e argumentando em defesa deste tipo de comitê, sequer havia ouvido falar do conceito dos Três Rs quando questionado. Desta forma o referido professor doutor evidenciava não compreender absolutamente nada sobre os comit6es que defendia, já que o conceito dos três Rs, a base destes comitês era sistematicamente ignorado pelo mesmo. A direção da Fundação Osvaldo Cruz - FIOCRUZ, sofrendo fiscalização de suas instalações no dia 06/06/99 , pelo Ministério Público e Polícia Federal, argumentou que todos os experimentos eram aprovados por um Conselho de Ética, composto por cientistas ligados à experimentação animal. Excetuando o fato de que para possuir alguma credibilidade, um comitê como tal deveria contar no mínimo com membros da sociedade civil que estivessem interessados no “bem-estar animal”, e que os próprios comitês de ética, conforme demonstra a experiência estrangeira, não podem funcionar de forma satisfatória de qualquer maneira, mais tarde ficou-se sabendo que este comitê não havia se reunido até aquela data sequer uma única vez.” (GREIF, 2000,p.78)

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As maiores discussões, na atualidade, envolvendo a experimentação animal

são: sua abolição, pautada na dor64 provocada e nos inimagináveis maus tratos

sofridos pelos “animais cobaias”, a impossibilidade de fazer extrapolações de

resultados confiáveis obtidos em uma espécie para outra espécie, tornando os

experimentos falhos 65e perigosos, a eficácia dos métodos alternativos ao uso de

animais e o papel exercido pelas CEUA’s que, em sua maioria, visa garantir a

realização de qualquer experimento com animais.

Neste cenário, visando demonstrar como atuam a grande maioria das

CEUA’s, merece destaque o caso ocorrido na Universidade Federal de Santa

Cantarina 66em meados de 2000, apesar de passados 16 anos, o episodio evidencia

o que ocorre na atualidade com muitas das comissões. Na oportunidade um comitê

de ética foi criado em caráter emergencial, graças às denúncias de abusos e maus

tratos suportados pelos “animais cobaias” em aulas práticas da disciplina de técnica

operatória e cirurgia experimental, do curso de medicina. A aula tem por objetivo

“ensinar” procedimentos cirúrgicos para serem aplicados em humanos, porém,

ironicamente, o ensinamento é feito em cães vivos da raça Beagle (a pratica é

denominada de vivissecção). Os animais recebem anestesia insuficiente, acordando

durante o procedimento com enorme dor e sofrimento, a mesma “cobaia”, quando

não vai a óbito antes, é utilizada varias vezes e, sempre, após sutura é colocada no

canil junto com os outros. Na época, vários acadêmicos da disciplina, sensibilizados

com o inimaginável sofrimento suportado pelos cães, fizeram diversos relatos do que

ocorria nas aulas. Importante destacar que além da prática violar a Constituição

64 A dor possui uma utilidade biológica evidente, na medida em que aumenta a chance de sobrevivência de uma espécie, pois faz com que sejam evitados danos físicos que, sem ela, poderiam passar desapercebidos. “Certamente não é razoável supor que sistemas nervosos virtualmente idênticos do ponto de vista fisiológico – tendo uma origem comum e funções evolucionárias comuns- que resultam em formas semelhantes de comportamentos em circunstancias análogas, devam, de fato, operar de uma maneira inteiramente diferente no nível das sensações subjetivas.”( SINGER, 2013,p. 10 - 20)65 “Os vivissectores argumentam que a vivissecção ajuda o iniciante a adquirir habilidade manual. Mas como alguém pode imaginar que esta habilidade venha da operação de gatos, cães ou ratos, cujos intestinos são muito menores, cujos vários órgãos tem uma relação anatômica totalmente diferente entre eles do que no homem, de forma alguma comparável ao do homem? O mesmo vale para consistência dos ‘innards’, sua coloração, resistência ao corte e tudo mais” Prof. Dr.Ferdinando de Leo, Professor de Cirurgia e Terapia Patológica Especial da Universidade de Nápoles, Itália. Cirurgião Chefe no Hospital Pelligrini. ( GREIF, 2000, p. 20)66 Para mais detalhes sobre o assunto, ver a ação civil pública ambiental com requerimento demedida liminar proposta em 2013, logo, 13 anos após as denuncias iniciais e formação da CEUA, com base nos maus tratos impostos as “cobaias” e da inércia da universidade em não providenciar os métodos substitutivos ao uso de animais. (INSTITUTO ABOLICIONISMO ANIMAL, 2016).

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Brasileira de 1988, viola a própria lei arouca (regula a experimentação animal no

Brasil), pois, prevê que quando existirem métodos substitutivos esses devem ser

utilizados e, como já abordado na dissertação, para a utilização de animais no

ensino existem diversos métodos alternativos disponíveis. No contexto, para formar

a comissão de ética, o professor Armando d’Acâmpora, responsável pela disciplina,

foi incluindo como membro deste comitê, assim como outros adeptos da vivissecção.

O episodio retrata um comitê de ética que nasce inoperante e parcial, pois, não tem

por escopo zelar pelos interesses dos animais nem da sociedade, apenas visa

resguardar os propósitos dos experimentadores, pois, um comitê de ética formado

por adeptos da experimentação animal não impõem barreiras para pesquisas em

animais, nem transmite a credibilidade que pretende o legislador ao prever sua

criação na Lei Arouca de 2008. (GREIF, 2000,p.79)

Portanto, a criação das comissões de ética no uso de animais tem o

propósito de validar a experimentação animal, sustentando para sociedade que os

“animais cobaias” não sofrem, em hipótese alguma, maus tratos e que os

experimentos são extremamente “necessários” para humanidade ou para os

próprios animais não humanos. Assim, as CEUA’s, garantem a continuação da

prática e resguardam os interesses dos experimentadores.

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CAPÍTULO 3

UMA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.794/08 QUE ESTABELECE PROCEDIMENTOS PARA O USO CIENTÍFICO DE ANIMAIS

Pergunte aos cientistas porque experimentação com animais, e a resposta será: ´'Porque os animais são como nós' Pergunte a eles porque é moralmente certo a experiência em animais, e a resposta será: 'Porque os animais não são como nós.' A experimentação animal repousa sobre uma contradição lógica. (Charles R. Magel)

Até aqui foram examinadas a ética animal e a prática da experimentação

animal, incluindo sua fiscalização no Brasil. Foram apresentadas questões

estruturais acerca das atuais correntes filosóficas em prol dos animais não humanos

e abordado, também, a ciência da biomedicina através dos diversos métodos

utilizados para realizar experimentação animal e dos meios alternativos disponíveis.

Chega-se, então, às inevitáveis indagações: Por que e em que medida a ciência da

biomedicina (em especial a experimentação animal) precisa ser objeto de regulação

efetiva e compatível com a Constituição Federal de 1988? A prática da

experimentação animal representa maus-tratos/crueldade para os animais não

humanos? A lei nº. 11.794/08 (regula a experimentação animal no Brasil) é

inconstitucional?

Neste cenário, a Lei Arouca (Lei nº 11.794/08) desde sua criação foi alvo de

criticas pelos defensores da abolição da experimentação animal, muitas pautadas no

argumento que a lei representa um retrocesso à medida que vai contra a

Constituição Federal. Os animais não humanos estão amparados no inciso VII, § 1º

do artigo 225 da CFRB/98, porém por se tratar de norma de eficácia limitada se faz

necessário que leis infraconstitucionais regulamentem o dispositivo. Nesta esteira, a

Carta Magna ao vedar a crueldade reconhece que os animais não humanos são

sencientes, ou seja, não são objetos/coisas como preceitua o Código Civil de 2002,

pois, objetos/coisas não sofrem e não são vitimas do crime de maus-tratos previsto

na lei Ambiental que regulamenta o dispositivo constitucional em comento (será

estudada mais adiante na dissertação), por outro lado, a lei Arouca, ao regulamentar

o uso de animais nas pesquisas científicas e no ensino, cria uma justificativa legal

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para a exploração animal, através de práticas extremamente dolorosas e cruéis

(como já estudado em tópico anterior da dissertação), ao argumento de que trata se

de um “sofrimento necessário”. Mas, necessário para quem? Para o ser que suporta

o sofrimento?

Ora, foi visto que a experimentação animal, regulamentada pela lei Arouca,

objeto deste estudo, congrega práticas extremamente dolorosas, sempre

acarretando enorme sofrimento físico e psicológico para os “animais cobaias” e que

para a grande maioria dos experimentos realizados existem métodos alternativos

disponíveis e eficazes. Também foi estudado o perigo que representa a extrapolação

do resultado obtido em uma espécie para outra espécie, transformando assim, o ser

humano, na cobaia final67, pois, somente após testar em ser humano (fase clínica

dos testes) poderá ser obtido um resultado mais confiável, pois, até entre humanos

existem diferenças peculiares do organismo tornando, por exemplo, o efeito de um

determinado remédio ótimo para uma pessoa e péssimo ou ineficaz para outra.

Por outro lado, o estudo da experimentação pautado na ética animal é

relevante e necessário para que exista um adequado processo de regulação da

pesquisa visando novos medicamentos, vacinas, cosméticos, produtos de limpeza e

higiene pessoal, aulas práticas nas universidades, estudos comportamentais e etc.

Em outras palavras, o êxito do Estado na intervenção com vistas à regular a ciência

da Biomedicina, organizando um ambiente seguro e pautado na Constituição

Federal de 1988, impactará no oferecimento, aos animais humanos e não humanos,

de condições básicas e seguras para abolir a experimentação animal no Brasil.

67 A chamada fase clinica do teste é quando já foram exauridos todos os testes em animais com resultados positivos, passando a testar o produto ou método descoberto nos seres humanos, ou seja, a experimentação animal coloca sempre o ser humano na posição de cobaia final, acarretando riscos incalculáveis, pois, a extrapolação de um resultado obtido em uma espécie não é, em hipótese alguma, confiável para outra espécie.

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3.1 A lei nº 11.794/08

A lei Arouca, 68proposta inicialmente pelo deputado e sanitarista Sérgio

Arouca em 1995, foi aprovada no Senado, sancionada pelo presidente Lula e

publicada no Diário Oficial da União no dia 8 de outubro de 2008. Trata de lei

infraconstitucional que regulamenta a experimentação animal no Brasil,

estabelecendo procedimentos para o uso científico dos “animais cobaias”. Prevê que

o uso de “cobaias” esta restrito “apenas” para pesquisas cujo a finalidade seja

melhorar e prolongar a vida do ser humano. Também é permitido o uso de animais

em experimentos que testem a segurança e eficácia de fármacos desenvolvidos

para o tratamento de doenças. Após a vigência da lei todas as pesquisas devem

resguardar o “bem estar” do “animal cobaia” utilizado, seguindo os princípios

internacionais dos 3 R’s .

Nesta esteira, o CONCEA (CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE

EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL), órgão governamental e as CEUA’s (COMISSÕES

DE ÉTICA DO USO DE ANIMAIS), foram as grandes novidades instituídas pela Lei

Arouca 69visando garantir a aplicação dos 3 R’s (assunto já abordado na

dissertação).

68 Corroborando com o estudo da experimentação animal, regulada pela lei arouca é oportuno destacar: “Todo e qualquer experimento com animais cuja finalidade é a obtenção de um resultado seja de comportamento, medicamento, cosmético ou ação de substâncias químicas em geral, geralmente são realizados sem anestésicos, podendo ou não envolver o ato da vivissecção. Não é possível aceitarmos um comitê de ética para experimentação animal, pois consideramos que não existe ética nesse tipo de experimentação. Quando nos referimos aos animais, independentemente da espécie, raça, cor ou sexo, partimos do pressuposto que são vidas, sentem dor, medo e tudo mais que podemos sentir. Diferentemente do que muitos pensam, os animais não estão aqui para nos servir. É nosso dever respeitá-los e protegê-los como seres vivos. Nem mesmo a utilização de animais na área médico-científica é justificável, uma vez que já se sabe que a utilização de animais em pesquisas é um retrocesso, um atraso na evolução científica, além de ser um grande desperdício de dinheiro público. De acordo com o Dr. Albert Sabin, pesquisas em animais prejudicaram o desenvolvimento da vacina contra o pólio. A primeira vacina contra pólio e contra raiva funcionou bem em animais, mas matou as pessoas que receberam a aplicação. Albert Sabin reconhece que o fato de haver realizado pesquisas em macacos Rhesus atrasou em mais de 10 anos a descoberta da vacina para a pólio. As perigosas drogas Talidomida e DES foram lançadas no mercado depois de serem testadas em animais. Dezenas de milhares de pessoas sofreram com o resultado.” (FILHO, 2016, p, 5)69 Os adeptos da experimentação animal ficaram, em sua maioria, satisfeitos com a nova lei. Por outro lado, os contrários à prática entenderam a lei como uma maneira de enganar a população, justificando a extrema necessidade do método e ausência de maus tratos e sofrimento para osanimais cobaias. Corroborando com o assunto: “o presidente da Comissão de Ética de Uso de Animais em Pesquisa (CEUA) do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ, Marcelo Morales, a lei vai ajudar a educar as pessoas quanto à necessidade da ética no uso de animais em pesquisas, mas vai

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A partir da Lei Arouca todo laboratório deve possuir um biotério70 adequado

para o “animal cobaia”, que não lhe cause estresse. Portanto, teoricamente, os

depósitos de animais, utilizado anterior à lei, estão proibidos. No contexto, os

“animais cobaias” devem ser anestesiados antes dos procedimentos e medicados

com analgésicos após. Assim, a lei visa garantir uma experimentação animal

pautada nos princípios dos 3 R’s. Porém, a questão crucial é: Como é feita a

fiscalização dos procedimentos e, ainda que tudo seja respeitado, a referida lei esta

compatível com a Constituição Federal de 1988 , ou seja, garante a vedação a

crueldade/maus-tratos? O fato das “cobaias” serem anestesiadas (o que na prática,

como já retratado em diversos trabalhos científicos e em imagens/filmagens

divulgadas nas redes sociais e na mídia, não ocorre na grande maioria das vezes ou

quando ocorre são insuficientes, acordando o animal no meio do procedimento com

dor extrema), ficarem presas, confinadas em biotérios e passarem por

procedimentos extremamente dolorosos (ainda que recebam anestesia), em

hipótese alguma, as deixa livres de estresse e enorme sofrimento. Neste sentido,

oportuno destacar as conclusões de Bonella (2009):

(...) No texto não se reconhece quase nada das diretrizes internacionais que geralmente afirmam os famosos "três erres (3R)": replacement(substituição), reducement (redução)e refinement ( refinamento), sugeridos ainda em 1959 por Russel e Burch e, desde então, um marco na reflexão ética sobre o tema. Mesmo as orientações do Cobea (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) explicitam tais requerimentos, como nos artigos 6º e 7º. No artigo 6º, está dito que devemos considerar a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos "in vitro", utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível. No artigo 7º, afirma-se que devemos utilizar animais através de métodos que previnam desconforto, angústia e dor, considerando que determinariam os mesmos quadros em seres humanos, salvo se demonstrados, cientificamente, resultados contrários. (...)

também chamar atenção do Estado para investir nos laboratórios, melhorando a qualidade de vida dos animais e, consequentemente, a qualidade da própria pesquisa. Muitas vezes são usados animais em más condições e isso pode prejudicar a pesquisa”. (INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMEDICAS, 2016)70 Local onde os “animais-cobaias” são mantidos. Apesar da lei, aparentemente, estar zelando pelo bem estar das cobaias, ainda que tal fato fosse verdade, não existe biotério que não provoquesofrimento para os animais. Os locais são frios, muitos sem higiene adequada, os animais estão confinados, privados das suas necessidades básicas e são tratados como máquinas e não como seres que sofrem.

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Mas voltemos ao texto da lei brasileira de 2008. A estrutura do texto é a mesma do projeto original, do falecido deputado Arouca (de onde o nome da lei), estabelecendo: no Capítulo I - Disposições Preliminares; no Capítulo II - Do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea); no Capítulo III - Das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUA); no Capítulo IV - Das Condições de Criação e Uso de Animais para Ensino e Pesquisa Científica; no Capítulo V - Das penalidades; e no Capítulo VI - Das Disposições Gerais e Transitórias. A parte específica e diretamente voltada para a proteção dos animais está no Capítulo IV (das condições de criação e uso de animais em ensino e pesquisa) e, em especial, no artigo 14, com seu caput e os dezesseis parágrafos que o compõem. Diz-se sempre "uso" de animais, algo já bem constrangedor para qualquer pesquisador, pois os animais não são exatamente coisas ou material para uso. Não se encontra a expressão "respeito ao animal" nem o equivalente explícito e sistemático aos "3Rs" citados acima, ainda que encontremos, no §4º do artigo 14, a orientação para que o número de animais "utilizados" seja o mínimo para a produção do resultado da pesquisa.

Mas onde está no texto qualquer orientação mais clara e incisiva sobre substituição e refinamento? No artigo 4º, inciso III, estabelece- se que o Concea - Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal - monitorará e avaliará "a introdução de técnicas alternativas". Mas por que só o Concea? Os Ministérios de Ciência e Tecnologia (MCT), o de Saúde (MS), o Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - e, em especial, o Conselho de Medicina e de Medicina Veterinária, além dos próprios CEUAs, também deveriam ter essa incumbência. E por que exatamente se fala em "monitorar" e "avaliar", ao invés de estimular, induzir ou mesmo programar (através de projetos nacionais e regionais de pesquisa voltados sistematicamente para a produção de alternativas), até como compensação ou reparação moral? Na verdade, o texto parece revelar que se vê com ressalvas não o uso danoso de animais como meras cobaias, mas sim o uso de alternativas(...)

(...) Um retrocesso grave é a ambiguidade do projeto aprovado no que diz respeito ao envolvimento de animais em demonstrações ou atividades de ensino. No artigo 14 encontramos que, caso um animal seja utilizado em pesquisa ou ensino, receberá cuidados especiais e, no §3º, pede-se para que, sempre que possível (mas quando não seria possível?), se fotografe, filme ou se grave as práticas didáticas, para evitar a repetição desnecessária. Até aqui temos oferecimento de certa proteção aos animais. Mas o texto atual estipula sem mais o uso de eutanásia quando isso for tecnicamente recomendado ou ocorrer sofrimento intenso, no §1º do artigo 14. Mas o artigo 14 trata também do ensino. Ou seja, aceita-se na lei que pode haver prática de ensino (demonstração?) causando intencionalmente sofrimento intenso, ou que um comitê de ética possa aceitar e recomendar a morte de um animal apenas para demonstração didática(...)

(...) Agora, minha opinião baseada em minha experiência e também na pesquisa sobre ética que empreendi por causa disso. Como já disse, sou membro de uma CEUA, como prevê agora a lei Arouca.

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Mas a comissão de nossa universidade veio antes da lei, e eu ajudei, com vários outros professores de várias áreas, a criá-la. Ajudei tanto que hoje sou, infelizmente, seu coordenador. Deixe-me explicar o porquê do "infelizmente", se é que a análise da lei, feita acima, já não explicou. Ocorre que, entre o início dos trabalhos da comissão e a fase atual, eu mudei de ideia sobre o que é a coisa certa a fazer em relação aos animais em laboratórios. Sempre fiquei muito atento a detalhes do que ocorre de fato na comissão e na universidade, aos protocolos de pesquisa mais variados, às práticas comuns dos cientistas e de seus alunos, ao modo como são avaliados os projetos e resolvidas as pendências. E comecei a estudar o assunto com o referencial de minha especialidade profissional, a disciplina da ética. Juntando tudo, como já disse, mudei de ideia. Não penso mais que as comissões sejam uma coisa tão boa quanto imaginava antes e, menos ainda, a lei Arouca(...)

(...) eu também acreditava em proteger o bem-estar dos animais com regras éticas e comissões de ética que, como se diz na imprensa, regulassem e fiscalizassem o uso das cobaias. Tudo estaria certo depois disso. Os cientistas continuariam fazendo o que geralmente fazem, o governo ficaria satisfeito e a sociedade dormiria tranquila. Só faltou combinar com os fatos, e também com o melhor pensamento crítico sobre o assunto. E foi por isso que mudei de ideia: a melhor maneira de protegermos o bem-estar dos animais é a mesma que funciona no caso dos seres humanos mais vulneráveis. Um dos problemas é que, além da dor, a perda da liberdade e da integridade física, e a morte prematura, claro, também são malefícios, e graves. Quase nenhum cientista vê a morte prematura e intencional de suas "cobaias" como um problema sério. Os animais vertebrados usados pela ciência podem sentir dor, estresse e medo. Eles também podem ter consciência do mundo ao seu redor e interessar-se pela sua própria vida. Isso é o que a própria ciência nos ensina, mas não precisamos de muita informação sofisticada para saber disso (ao menos no caso dos mamíferos nascidos). E seres que podem sofrer frustrações e experimentar o mundo do seu ponto de vista subjetivo têm interesses como nós, humanos; merecem o respeito devido a qualquer paciente, que também pode sofrer e ter uma vida pessoal (...)

Portanto, ao Estado cabe intervir na ciência da biomedicina para otimizar as

suas vantagens, em busca da harmonização dos interesses envolvidos, animais

humanos e não humanos, pautados na Constituição Federal de 1988 e na Ética

Animal, evitando o sacrifício de um ou de outro. Nessa busca, poderá fazer uso de

mecanismos de intervenção indireta, na condição de agente normativo e regulador

da ciência da biomedicina. Importante ressaltar, nesta seara, que a Lei Arouca é de

2008, posterior a Constituição Federal de 1988 (veda a crueldade no artigo 225

parágrafo 1º, inciso VII) e a Lei Ambiental de 1998 (regulamenta o artigo 225 da

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Carta Magna tipificando no artigo 32 maus-tratos aos animais não humanos como

crime).

3.2 Hermenêutica constitucional

A Hermenêutica "tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos

aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito"

(MAXIMILIANO, 1979, p. 1). Assim, a Hermenêutica Constitucional é o estudo e a

sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das

normas constitucionais. Nesta esteira, hermenêutica, interpretação e aplicação são

coisas distintas, pois, a primeira é a ciência que fornece a técnica para a

interpretação, a segunda é o ato de interpretar, enquanto a terceira exerce o papel

de fazer a norma incidir no caso concreto.

Para o direito a interpretação relevante esta direcionada para reconhecer o

significado de atribuir, no campo de uma ordem jurídica, à forma representativa que

seja fonte de valoração jurídica, ou que constitua objeto desta valoração. Assim, o

direito está muito além da lei, pois, esta é o conjunto dos dispositivos atribuídos nos

comandos legislativos. Neste sentido, é impossível ao legislador regular os inúmeros

conflitos que possam ser gerados na vida moderna, gerando demandas judiciais.

Sendo assim, a interpretação transforma textos normativos em normas jurídicas,

viabilizando sua aplicação para as situações que se apresentarem em concreto.

Neste sentindo, relevante destacar a posição de Mendes (2010, p.155)

Interpretação constitucional é a atividade que consiste em fixar o sentido das normas da lei fundamental – sejam essas normas regras ou princípios -, tendo em vista resolver problemas práticos, se e quando a simples leitura dos textos não permitir, de plano, a compreensão do seu significado e alcance.

No contexto, a constituição é a lei maior e nenhuma norma infraconstitucional

tem o poder de contraria-la. Logo, a inconstitucionalidade é a espécie mais grave de

invalidade de uma norma. Como nulidade, a inconstitucionalidade é a

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incompatibilidade do ato com a carta magna. O intérprete deve buscar atingir o fim

desejado pelo legislador constituinte. Sendo assim, a norma superior é a

Constituição, cuja natureza jurídica pode ser definida como a decisão política

suprema, pois, a estrutura estatal e a ordem jurídica decorrem da Constituição. O

intérprete deve atender a norma do direito constitucional e, depois, a lei

infraconstitucional. Portanto, a norma constitucional deve ser interpretada atendendo

aos fins e aos interesses que a Constituição colocou como objetivos. Oportuno

destacar que a interpretação da norma ocorre nas decisões judiciais e nas decisões

administrativas, sendo certo que estas podem ser objeto de questionamento em

sede judicial, ocorrendo uma nova interpretação da norma jurídica. Sobre o assunto,

é relevante destacar a posição de Streck (2014 p.32-33):

(...) É possível afirmar que, sendo uma norma jurídica válida tão somente se estiver em conformidade com a constituição, a aferição dessa conformidade exige uma pré compreensão acerca do sentido de (e da) constituição. Não se interpreta, assim, um texto jurídico ( um dispositivo, uma lei etc) desvinculado da antecipação de sentido representado pelo sentido que o interprete tem da constituição. Ou seja, o interprete não interpreta por partes, como que a repetir as fases da hermenêutica clássica: primeiro conhecendo, depois interpretando,para finalmente aplicar...claro que não! No plano da hermenêutica (ontologia da compreensão), esses três momentos ocorrem em um só: a applicatio. Logo, quando o interprete interpreta um texto, estará no entremeio do círculo hermenêutico. Há um movimento antecipatório da compreensão, cuja condição ontológica é o circulo hermenêutico. É impossível ao interprete despreender-se da circularidade da compreensão. Ou seja, como assinala Stein, nós, que dizemos o ser, devemos primeiro escutar o que diz a linguagem, A compreensão e explicitação do ser já exigem uma compreensão anterior.

(...) o caráter produtivo da hermenêutica não permite que o interprete se assenhore do texto. Ou seja, a hermenêutica de cariz filosófico jamais permitiu arbitrariedades interpretativas ou decisionismos por partes dos juízes (...). Pelo contrário, a partir da hermenêutica é que se dirá que “não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Mais do que isso, é possível afrmar que o cidadão tem o direito de obter sempre uma resposta adequada à constituição (aqui entendida como a resposta hermenêutica correta).

Nesta seara, o sistema positivista atua com a ideia da subsunção do caso à

regra, ou seja, ocorrendo o fato aplica se a regra (são os denominados easy case /

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casos fáceis). Neste pensamento, Dworkin71 (2002, p.39) conclui: "dado os fatos que

uma regra estipula, então ou a regra é valida, e neste caso a resposta que ela

fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a

decisão".

Assim, o método da subsunção é simplório e termina não alcançando toda

a problemática dos fenômenos da realidade fática, pois não ocorrendo a hipótese de

incidência, não há como se fazer a subsunção, então, para responder o caso,

ocorre a discricionariedade interpretativa, conferida aos juízes nos chamados hard

cases (casos difíceis). Ao judiciário é dado o poder, isto é, a subjetividade

assujeitadora do juiz decidir o caso, uma vez que não é possível aplicar a

subsunção. Esse ponto concentra boa parte da discussão que envolve a jurisdição

constitucional, entendida como condição de possibilidade do Estado Democrático de

Direito (STRECK, 2014,p.37). Pois, a discricionariedade acaba proporcionando

arbitrariedade e decisões controvertidas. Para solucionar o problema dos hard cases72Dworkin (2002, p.127) conclui: “o juiz continua a ter, mesmo nos casos difíceis, de

descobrir quais são os direitos das partes, e não inventar novo direito

retroativamente".

3.2.1 O artigo 225 parágrafo 1º VII da CRFB/88

“Chegará o dia em que todo homem conhecerá o íntimo de um animal. E neste dia, todo o crime contra o animal será um crime contra a humanidade.” (Leonardo da Vinci )

71 Dworkin diz que o Direito pode ser pensado como um romance em cadeia, O direito é como um romance, escrito em capítulos que devem guardar coerência entre si- esta coerência dá um sentindo de integridade ao romance, um sentido de unidade, embora a história permita correções de rumo, modificações. (OLIVEIRA, 2015,p.168)72 A discricionariedade permitida ao juiz, exatamente por não ser possível aplicar a subsunção noshard case, é refutado por Dworkin . No modelo dworkiano Há uma valorização do papel dos princípios jurídicos, diferentemente do modelo positivista, demonstrando que quando um caso concreto não puder ser solucionado pelas regras, ou seja, quando não for um caso fácil, os julgadores devem sopesar os princípios que competem e deliberar a favor da parte a qual certo princípio pesa mais no caso concreto. (DWORKIN, 2002)

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A Carta Magna de 1988 dispensou um Capítulo inteiro à proteção do meio

ambiente (capítulo VI do Título VIII, com o artigo 225, seus parágrafos e incisos),

estabelecendo o papel que a sociedade, Estado e os instrumentos jurídicos devem

exercer quando o conflito envolve um bem jurídico ambiental. A preocupação dos

constituintes fica evidente, pois, partiram da seguinte premissa, “proteger o meio

ambiente, em ultima análise, significa proteger a própria preservação da espécie

humana”. (FIORILLO, p.73, 1999). A atenção em relação ao meio ambiente veio a

partir de 1960. Em 1972 foi realizado em Estocolmo73 na Suécia, uma conferencia

que dentre seus princípios, pregava que o ser humano tinha direito fundamental à

liberdade, à igualdade e a uma vida com condições adequadas de sobrevivência,

num meio ambiente que permitisse uma vida digna, ou seja, preservada a qualidade

de vida, com a finalidade também de resguardar e melhorar o meio ambiente para

as gerações atuais e futuras. Porém, o Brasil somente a partir da década de 80 74começou a se preocupar com o meio ambiente de uma forma global e integrada.

Assim, neste período iniciou a busca da racionalização do uso do meio ambiente. As

pressões econômicas acarretaram no art. 225 da Constituição Federal de 1988.

Nesta esteira, após a Carta Magna de 1988, a tutela ambiental não pode ser

concebida como um bem único, pois, o bem jurídico meio ambiente é complexo.

Partindo para a analise do parágrafo 1º, inciso VII do artigo 225 onde prevê: “§ 1º

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…)VII –

proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em

risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os

73 Em junho de 1972 a Organização das Nações Unidas organizou em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, aprovando ao final a Declaração Universal do Meio Ambiente que os recursos naturais (água, o ar, o solo, a flora e a fauna) devem ser conservados em benefício das gerações futuras, devendo cada país regulamentar esse princípio em sua legislação garantindo uma efetiva proteção para esses bens. A declaração foi o pontapé inicial para legislação brasileira, e as demais legislações do mundo, viessem a reconhecer a doutrina protetiva promulgando normas ambientais mais amplas e efetivas.74A Lei nº 6.938/81 (dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente) é considerada o primeiromarco de norma de proteção ambiental no Brasil. Definiu de forma inovadora para a época os conceitos, princípios, objetivos e instrumentos para a defesa do meio ambiente, reconhecendo a relevância deste para a qualidade de vida no mundo. O segundo marco é a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) disciplinando a ação civil pública como instrumento de defesa do meio ambiente e dos demais direitos difusos e coletivos propiciando que os danos ao meio ambiente chegassem ao Poder Judiciário. A Constituição Federal de 1988 é o terceiro grande marco da legislação ambiental, transformando o meio ambiente em bem protegido constitucionalmente. O quarto marco é a edição da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98).

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animais a crueldade.”, o espaço garante a tutela dos animais 75não humanos e,

considerando, como já estudado na dissertação, que eles sentem dor, possuem

sentimentos, se comunicam e possuem certa consciência (conforme Declaração de

Cambridge sobre Consciência de 2012) de sua existência, respeitando, sempre, as

características peculiares de cada espécie, seria necessário que a dignidade deles

estivesse resguardada explicitamente pela Carta Magna. Porém, ainda que não

ocorra expressa previsão da dignidade animal, a Constituição Federal de 1988 os

protege, de maneira clara, ao vedar a crueldade. Fato que torna a classificação dos

animais não humanos como coisa/objeto, previsto no Código Civil de 2002 (posterior

a Carta Magna de 1988), no mínimo, incoerente e da mesma maneira traz a baila os

dispositivos constitucionais que prevê a pecuária e a pesca. Tais incoerências

colocam, em um primeiro momento, os animais não humanos em um “limbo jurídico”,

ou seja, não são coisas, mas também não são sujeitos de direito. Corroborando com

esse pensamento, vale destacar o pensamento de Oliveira (2015, p, 169-170):

(...) animais não são coisas como as outras coisas são. Induvidosamente, o direito reconhece tal fato. O proprietário de um relógio pode jogá-lo no chão, parti-lo em pedaços, queima-lo. Todavia, o proprietário de um cão não pode fazer o mesmo. A conduta é ilegal, configura crime. O proprietário de uma joia não é criminalizado por deixa-la propositadamente sobre um banco de uma praça. Porém, o proprietário de um gato não pode deixa-lo no mesmo banco e ir embora. É crime. Não é crime abandonar uma caneta na carteira da escola, mas é crime abandonar um cavalo na rua.

Não é por outra razão que a constituição, no seu art. 225, parágrafo 1º, VII, proíbe que os animais sejam submetidos à crueldade. Esta norma constitucional está reconhecendo implicitamente que animais são sencientes, isto é, são dotados de subjetividade, capazes de ter compreensão do mundo e de si (seres autobiográficos), de manifestar interesses, de buscar o seu bem-estar, a sua felicidade, são seres que se comunicam (linguagem), que têm sentimentos, afeto, que sofrem física e psicologicamente, que têm memória, que

75 Um exemplo da posição sobre a proteção aos animais adotada pelo STF em relação à “farra do boi” (no Estado de Santa Catarina) foi a decisão que entendeu ser a prática cruel com os animais e proibiu a festa. Mesmo sendo alegada que a “farra do boi” era uma manifestação cultural resguardada pela Constituição Federal em seu art. 215, os ministros do STF decidiram que a prática violava o art. 225,parágrafo 1º, inc. VII. No mesmo sentido, o supremo já declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que regulamentavam a prática denominada de “briga de galo”, entendendo que essa prática também ofende o dever estatal prescrito no artigo 225, inciso VII

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não são irracionais. São sujeitos da sua própria vida, que importa para eles ainda que não importe para ninguém mais.

Partindo desta premissa, ocorre a discussão envolvendo os direitos dos

animais e todas as formas de exploração animal (a dissertação aborda somente a

experimentação animal).

No contexto, considerando a norma infraconstitucional como a materialização

dos dispositivos constitucionais e o “tema” animais não humanos um “sub tema” do

meio ambiente, faz-se necessário abordar, de maneira sucinta, para uma melhor

compreensão do assunto objeto da dissertação, a conduta tipificada como crime de

maus-tratos na legislação ambiental em seu artigo 32, que revogou o artigo 64 76da

lei de contravenções penais que definia maus tratos aos animais como “tratar animal

com crueldade ou submete- lo a trabalho excessivo” prescreve:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Assim, a lei nº 9605/98 77(lei ambiental) dispõe sobre as sanções penais e

administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente

instituindo mecanismos para proteção ambiental. No contexto, ao tipificar como

crime atos que provoquem maus-tratos em animais não humanos, o legislador visa

76 O tipo penal previsto no artigo 64 da Lei de contravenções penais não caracterizava como maus tratos o ato de abuso, ferimento ou mutilação em animais não humanos.77 Importante destacar que apesar do artigo 32 da lei ambiental tipificar como crime maus tratos ecrueldade com os animais não humanos, a mesma lei em seu artigo 37 autoriza a eliminação de animais quando eles forem nocivos, como se vê: “não é crime o abate de animal, quando realizado: II- para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente”.

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regulamentar dispositivo constitucional que veda a crueldade. Neste cenário, o

animal não humano pode ser alçado à sujeito de Direito, uma vez que a vitima do

crime de maus tratos é o próprio animal, pois, é evidente que quem suporta o

sofrimento é o ser que sofre. No mesmo raciocínio, é relevante destacar passagem

do artigo jurídico escrito por Oliveira (2015, p, 178-179):

É crescente o número de juristas que vêm entendendo que a vítima desse crime é o próprio animal. (...) Ora, o animal é agredido, é ele quem sofre, ele tem a pata cortada, ele é chicoteado, ele fica com fome e sede, ele passa a ter uma lesão permanente, mas ele não é a vítima? É preciso realmente um contorcionismo ético e jurídico para chegar a tal conclusão.

De acordo com a visão tradicional, o bem tutelado seria o meio ambiente. Não o animal, nenhum direito animal. Afinal, animal seria coisa. Mas qual o prejuízo ao meio ambiente se alguém espanca seu cachorro ou deixa seu gato sem água e comida em um apartamento a cidade de São Paulo? Nenhum, obviamente. Então, quem seria a vítima? O proprietário do animal (do objeto)? Ele pode requerer indenização porque seu vizinho cortou a língua de seu cachorro e, assim, o cão não pode mais latir e proteger sua casa? Essa é alógica? E se o animal não tiver proprietário? E se for um animal de rua? Quem seria a vítima? A sociedade como um todo?

No contexto argentino, Zaffaroni, professor da Universidade de Buenos Aires, juiz da Corte Suprema, sustentou recentemente que, no concernente ao crime de maus-tratos, o bem que o direito Penal tutela é o direto do próprio animal, caracterizado, então, como sujeito de direitos. No Brasil, Lenio Streck, entre outros, escreveu no mesmo sentido. Outros, em muitos países, defendem o mesmo. É uma tendência de compreensão.

Sem sombra de dúvida, o art.32 da Lei 9.605/98, no mesmo passo da Constituição, reconheceu que animais são sencientes. Exatamente por isso é que podem sofrer maus-tratos. Animais sofrem. Cadeiras e computadores não: por isso não são passíveis de maus-tratos. A tese de que o crime de maus-tratos protege o próprio animal é plenamente procedente e evita malabarismos tendentes a inviabilizar precisamente aquele que sofreu a dor, que ficou com sequela permanente, que foi abandonado à própria sorte, que sentiu frio, fome e sede, que adoeceu, isto é, o animal.

Nesta seara, a proteção constitucional dos animais não humanos tem por

escopo o que a lei denomina de fauna, pois, tudo que afeta a fauna atinge, direta ou

indiretamente, o ser humano (como exemplo os animais explorados/utilizados para

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alimentação). Logo, em um primeiro momento, a visão constitucional pode ser

considerada antropocêntrica (voltada para o homem). Mas, como existe a vedação à

crueldade, qualquer ato praticado contra um integrante da fauna, por se tratar de ser

que sofre, sente e é detentor de consciência, deve ser repreendido e práticas cruéis,

causadoras de maus-tratos devem ser abolidas, respeitando, assim, a vontade do

legislador constituinte ao vedar a crueldade e por consequência a lei nº 9605/98 que

regulamenta o artigo 225 parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal de 1988 ao

tipificar maus-tratos aos animais não humanos como crime, reconhecendo, assim,

um direito animal, ou seja, direito do animal não humano de não ser maltratado.

3.2.2 O que é crueldade?

“A compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.” (Arthur Schopenhauer)

“Muito pouco da grande crueldade mostrada pelos homens pode ser atribuída realmente a um instinto cruel, A maior parte dela é resultado da falta de reflexão ou de hábitos herdados.” (Albert Schweitzer)

É no latim que a palavra crueldade78 tem sua gênesis (crudelitate). Porém,

pode ser interpretada de diversas maneiras mas todas estão relacionadas a uma

78 A partir de 2016 o FBI (Federal Bureau of Investigation) investigará casos de crueldade contra os animais de maneira mais eficiente. Até agora, os crimes relacionados a animais têm sido relatados em uma categoria genérica no Sistema Nacional de Comunicação de Ocorrências (National Incident Based Reporting System) do FBI, um banco de dados que coleta os relatórios de crimes dos departamentos de polícia em todo os Estados Unidos. Com essa mudança, os ativistas esperam que os crimes contra animais passem a ter mais atenção e a ligação entre o abuso de animais e outros crimes violentos seja ressaltada.“Não havia nenhuma maneira de descobrir quantas vezes isso ocorre, onde ocorre e se havia aumento”, explica Mary Lou Randour, conselheira sênior para programas e educação sobre crueldade contra os animais no instituto sem fins lucrativos Animal Welfare Institute. “Os dados empíricos são importantes. Eles vão nos dar informações sobre os crimes de crueldade contra animais para que possamos planejar melhor sobre intervenções e prevenção.” Para Randour e outros ativistas, rastrear casos de crueldade contra animais é importante porque pesquisas mostram que a violência contra animais pode ser um indicador precoce de que uma pessoa vai ser violento também com seres humanos, além disso o abuso de animais ocorre frequentemente ao lado de outros crimes, como a violência doméstica. “Na abuso animal, você tem poder total sobre o animal”, explicou o promotor Adam Lippe, que lida com casos de crueldade, ao Baltimore Sun. “Se você está disposto a exercer esse poder de uma forma cruel, maliciosa e maldosa, então é provável que você faça isso com as pessoas, também, que não têm poder, como crianças e adultos vulneráveis. É uma questão de falta de empatia. ” Segundo a National Link

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resposta emocional de indiferença ao sofrimento e dor do outro. O dicionário Aulete

(2008, p. 286) define como uma qualidade de ser cruel, esta conceituada como um

ser malvado, que maltrata, que causa sofrimento, uma vida cruel, com destino cruel

e doloroso (AULETE, 2008,p.286).

Neste seara, qualquer ato que provoque dor e sofrimento, que não seja para

beneficiar diretamente o ser que suportará a dor e o sofrimento, pode ser

considerado cruel. Partindo dessa premissa, quando uma criança, por exemplo,

humilha com frases degradantes um colega por ele ser acima do peso, um adulto

deixa seu filho de castigo sem comer por determinado período por faltar a escola,

um marido espanca sua esposa, uma mãe aplica uma surra no seu filho, um bandido

estupra uma mulher, um pedofilo abusa de uma criança, um terrorista explode uma

bomba em um shopping, todas essas atitudes são cruéis, pois causam sofrimento

que não beneficia o ser alvo do sofrimento. Do mesmo modo, privar um elefante de

sua liberdade para ficar atuando como “artista circense”, deixar baleias orcas

confinadas em aquários para satisfazer a curiosidade humana, manter animais

presos em zoológicos para servirem de espetáculo para seres humanos, obrigar

uma mula a carregar muito peso, por veneno na rua para matar animais

abandonados, deixar um cão acorrentado diariamente, criar animais em ambientes

insalubres, abandonar animais nas estradas, criar animais confinados para

consumo, a prática da tourada, vaquejada, rodeio, rinha de galo, rinha de cães e a

experimentação animal são, da mesma forma, exemplos de crueldade/maus-tratos,

pois, todas as práticas provocam dor e sofrimento que não visam beneficiar,

diretamente, o ser vitima do ato. (uma dor e sofrimento que não caracteriza

crueldade/maus-tratos, é, por exemplo, quando um gato tem pedras nos rins e será

submetido a tratamento que pode causar dor/sofrimento, principalmente no pós

Coalition, que promove a compreensão da conexão entre o abuso de animais e outros crimes, testemunhar a negligência e o abuso contra animais pode dessensibilizar uma criança à violência e impedir o desenvolvimento de empatia. De acordo com Randour, um cônjuge pode usar a violência e as ameaças contra animais domésticos como parte de um padrão de abuso. “É uma forma de violência interpessoal”, explicou. “É uma outra maneira de tentar ganhar controle e poder ou exercer intimidação.” Casos mostram que alguns serial killers maltratam animais quando são jovens.Segundo o FBI, a partir de janeiro, os departamentos de polícia estadunidenses serão obrigados a denunciar crimes relacionados a animais à base de dados. O FBI vai classificá-los como um “crime contra a sociedade.”Ocorrências serão divididas em quatro categorias: negligência; maus-tratos e tortura intencionais; exploração organizada, como lutas de cão e de galos; e abuso sexual. (ANDA, 2016)

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operatório mas, tal procedimento é necessário para restabelecer o bem estar do

gato, ou seja, do próprio ser que sofre com a enfermidade).

No campo da experimentação animal, como já estudado na dissertação, não

existe prática livre de crueldade79 e maus-tratos, pois, só o ato de manter um animal

confinado, privado de suas características e necessidades básicas (se exercitar,

pegar sol, brincar, viver em ambiente apropriado para um desenvolvimento saudável

e etc), já provoca sofrimento físico e psicológico. Corroborando, além da pratica

implicar no confinamento, os “animais cobaias” são cortados e suturados, muitas

vezes sem anestesia, após serem usados por diversos estudantes nas aulas

práticas de técnica cirúrgicas, por exemplo, têm substancias, que causam extrema

dor e leva a cegueira, pingadas em seus olhos enquanto estão presos em caixa de

contenção ou a substancia é colocada em sua pele praticamente em carne viva,

causando igualmente muita dor, são obrigados a ingerir substancias visando a

descobrir o tempo de envenenamento da mesma, sofrem mutilações em membros,

são privados de água e comida para analisar a reação do organismo ou um bebê

macaco é separado de sua mãe e sofre vários tipos de estímulos dolorosos para

averiguar o efeito da privação materna, um cavalo fica confinado recebendo veneno

de cobra, com cateter preso a ele para que seu organismo produza um “anti

veneno”, o rol listado é exemplificativo, pois são inúmeros procedimentos realizados

na prática da experimentação animal, mas todos tem em comum a configuração da

crueldade/maus-tratos, pois provocam grande sofrimento e dor, sem que esses

sejam para beneficiar, diretamente, o ser que suportará o procedimento.

Importante destacar que a configuração da crueldade80 não esta relacionada a

intenção do agente, como defende alguns estudiosos. As definições de crueldade

79 Já no seu grau mais exigente, os objetivos práticos da Ética Animal não se limitam ao problema da crueldade enquanto intenção maldosa de causar sofrimento desnecessário, mas instigam antes à completa abolição de todas as formas de abuso (SILVA, 2016).80 Na exposição de motivos n. 38 do Código penal brasileiro a crueldade somente configura umaqualificadora de homicídio quando o crime é perpetrado de forma brutal, é o meio bárbaro, martirizante, que revela ausência de piedade (como exemplo; pisoteamento da vítima, dilaceração do seu corpo a facadas etc.). O que causa na vitima sofrimento desnecessário. Pelo meio cruel o agente objetiva o padecimento de sua vítima; revela sadismo. É o que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. A partir dessa definição, alguns sustentam que na experimentação animal não existe crueldade, pois o experimentador não deseja, na maioria das vezes, ser cruel e sim descobrir algo, porém é importante destacar que nesse mesmo conceito também estão embutidos os maus tratos, a falta de piedade e compaixão, pois, ainda que o agente não queira ser cruel ele esta causando e

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nos dicionários brasileiros, ainda que alguns mencionem a intenção do agente ser

cruel como um ato que caracteriza a crueldade, conceitua também, a prática como

causar sofrimento no outro, maltratando. E não poderia ser diferente, pois,

independente da intenção do agente ou do propósito por trás do ato que provoca

crueldade, o sofrimento físico estará configurado. O ser vitima do ato sofrerá do

mesmo jeito, na mesma medida caso o agente não tenha a intenção de ser cruel.

Logo, caracterizar um ato como cruel não depende da intenção do agente em agir

de determinado modo. A título reflexivo, uma mãe que abandona seu filho de um

ano na rua, ao argumento que não tem condições de cria-lo, o ato praticado não

deixa de ser cruel só pelo fato da genitora não ter a intenção de ser cruel e sim de

não ter condições para cria-lo. No caso hipotético, independente da intenção do

agente a criança irá sofrer do mesmo jeito. Do mesmo modo acontece na

experimentação animal, pois, ainda que a intenção do pesquisador seja “somente”

realizar uma descoberta “revolucionária” através dos experimentos, as “cobaias”

não estarão livres da dor e do sofrimento. Portanto, crueldade pode ser entendida

como todo ato que inflige sofrimento, através de maus tratos, em outro ser, pois,

todo ato considerado cruel, será perpetrado através de maus-tratos.

3.2.3 O que são maus tratos?

“A um indivíduo animal não importa se sua espécie está enfrentando a extinção ou não, só lhe interessa se está sentido dor.” (Ronnie Lee)

A Lei Ambiental tipifica o crime de maus tratos81, mas não é clara sobre

quais atos configuram o crime, pois, traz de maneira genérica: “art. 32- Praticar ato

de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

presenciando o sofrimento da vitima, sem o mínimo de compaixão (ato de se colocar no lugar do outro) e piedade, pois, caso ostentasse esses sentimentos não suportaria continuar a praticar o ato.81 Exemplos de maus-tratos: - Abandonar, espancar, golpear, mutilar e envenenar; - Manter preso permanentemente em correntes; - Manter em locais pequenos e anti-higiênicos; - Não abrigar do sol, da chuva e do frio; - Deixar sem ventilação ou luz solar; - Não dar água e comida diariamente; - Negar assistência veterinária ao animal doente ou ferido; - Obrigar a trabalho excessivo ou superior a suaforça; - Capturar animais silvestres;- Utilizar animal em shows que possam lhe causar pânico ou estresse; - Promover violência como rinhas de galo, farra do boi etc.

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domesticados, nativos ou exóticos (...)”. O Código Penal,82 criminalizando os maus

tratos a animais de companhia também não soluciona a questão de maneira precisa,

porém, o Decreto Federal n° 24.645, de 14 de julho de 1934 83de Getúlio Vargas que

estabelece medidas de proteção aos animais determina no artigo 3ª:

Art. 3. – Consideram-se maus tratos:

I – Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;

II – Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;

V – Abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária;

Nesta definição, a crueldade está inserida dentro dos maus tratos, ou seja,

é uma das atitudes que o configura. No dicionário Aulete (2008, p.660), mau é

conceituado como: “1. Que causa ou faz mal (...) 3. Que traz desventura, tristeza

(...)”. Logo, quando o animal não humano é privado das suas necessidades básicas

(alimentação, água, sono, higiene, banho de sol, exercício, cuidados médicos

82 O código penal foi alterado em 2014, sendo inserido o título VI, designado: Dos crimes contra animais de companhia e é composto pelos artigos 387.º a 389.º, com a seguinte redação: Dos crimes contra animaisdecompanhia: Artigo 387.º- Maus tratos a animais de companhia 1 - Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se dos fatos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. Artigo388.º :Abandono de animais de companhia. Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias. Artigo389.º Conceito de animal de companhia 1 - Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia. 2 - O disposto no número anterior não se aplica a fatos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a fato relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos. É importante destacar que essa mudança só foi relevante para os animais ditos de companhia , pois, para os demais, a proteção continua na lei ambiental.83 O Decreto- Lei nª24.645/34 não foi revogado pelo artigo 54 da Lei de Contravenções Penais.Ambos contemplam preceitos que visam à proteção dos animais contra atos de abusos ou crueldade. As normas jurídicas preconizadas no decreto coexistem harmoniosamente com a posterior legislação. Conforme anotou Paulo Lúcio Nogueira: As disposições do decreto-lei devem ser entendidas com os preceitos protetores das leis posteriores, que visam justamente tutelar todos os animais. Se não houve revogação expressa e muitos de seus artigos foram complementados, é de se admitir a sua vigência.

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quando necessitar, conviver com outros da mesma espécie, sempre respeitando as

particularidades de cada espécie), e submetido a procedimentos que causem dor e

sofrimento visando testar algo novo, produzir uma vacina ou simplesmente para

treinamento de novas técnicas cirúrgicas e de acadêmicos em aula pratica (caso da

experimentação animal) ou é vitima de atitudes degradantes e dolorosas para

satisfazer um instinto sádico ele esta sendo alvo de maus-tratos, configurando assim

o crime tipificado no artigo 32 da lei ambiental e violando dispositivo constitucional.

Neste cenário, maus-tratos e crueldade devem ser entendidos como

sinônimos, pois, não existe prática cruel que não seja perpetrada com maus-tratos.

Todo sofrimento/dor provocado, visando o “bem estar” direto do ser que suportará a

dor não terá maus-tratos, logo não será cruel. Sendo assim, quando um cão

acometido de um tumor maligno no intestino é submetido a cirurgia e tratamentos

que possam causar dor e sofrimento, principalmente no pós operatório, não estará

sendo vitima de crueldade e maus-tratos, pois, estará recebendo todo assistência e

cuidados necessários, incluindo medicamentos analgésicos para aliviar a dor e ,

principalmente, todos os procedimentos realizados no cão, visam, diretamente, o

bem estar dele.

No mesmo raciocino, quando um cão saudável é infligido,

intencionalmente, pelo mesmo tumor maligno, ou seja, esse foi provocado no cão

em laboratório visando testar medicamentos ou tratamentos para a enfermidade,

ainda que durante todo o procedimento o cão receba assistência e cuidados (o que

como já demonstrado na dissertação não ocorre na grande maioria dos

experimentos, pois, os “animais cobaias” são tratados como máquinas/ coisas

descartáveis, uma “sub espécie” de animais não humanos) , ainda assim, nesta

hipótese o cão estará sendo vitima de crueldade e maus-tratos, já que este ser em

nada será beneficiado com tal procedimento e suportará enorme sofrimento (a

experimentação animal é composta por práticas extremamente dolorosas e cruéis,

como já estudado na dissertação) durante toda sua breve vida, como, por exemplo,

viver trancafiado, sem se exercitar, brincar , pegar sol e etc. No contexto, vale

destacar que, na maioria da vezes, ao final o cão utilizado no experimento será

sacrificado, ou seja, tratado como coisa. Porém, como também já estudado na

dissertação, os animais podem, ainda, não serem reconhecidos, explicitamente,

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como sujeitos de Direito, mas, também não são objetos como preceitua o Código

Civil de 2002, uma vez que, a Constituição Federal de 1988 veda a crueldade e não

existe nenhuma possibilidade de uma cadeira ou uma mesa, por exemplo, ser vitima

de crueldade. Portanto, os animais não humanos estão em um “limo jurídico”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A verdadeira bondade humana, em toda sua pureza e liberdade, só pode se manifestar em relação àqueles que não têm nenhum poder. O verdadeiro teste moral da humanidade, seu teste fundamental, consiste em sua atitude em relação àqueles que estão à sua mercê: os animais. E a esse respeito, a humanidade tem sofrido um fracasso fundamental, um fracasso tão fundamental que todos os demais resultam desse.” (Milan Kundera)

O objeto desta dissertação foi o exame da Lei Arouca (regulamenta a

experimentação animal no Brasil) na perspectiva da Constituição Brasileira de 1988

e da ética animal. Buscava-se arcabouço teórico para a resolução do problema de

pesquisa, relacionado à abolição da pratica da experimentação animal. Dentro deste

contexto, pretendia-se destacar a importância da ética animal como pano de fundo

da discussão. O trabalho procurava responder uma perguntas-chave: A lei Arouca é

constitucional?

Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que a criação de condições

estruturais para o desenvolvimento da ciência da Biomedicina, sem a utilização de

“animais cobaias”, é tarefa que demanda grande dificuldade. Pressupõe a realização

de uma série de ajustes e arranjos institucionais, o que requer atenção a uma

variedade de questões setoriais e a uma combinação de processos sociais e

econômicos. Portanto, a abolição da experimentação animal não depende apenas

de aspectos jurídicos, mas também econômicos, financeiros, sociais e culturais.

Somente a soma de todos estes fatores será capaz de romper as amarras que

impedem a evolução da ciência da biomedicina, sem utilização de animais não

humanos, ou seja, uma ciência livre de sofrimento, dor, angustia, medo e crueldade/

maus-tratos, compatível, assim, com a Carta Magna de 1988.

A Constituição Federal de 1988 veda a crueldade com os animais não

humanos e a Lei Ambiental de 1998 (regulamenta o artigo 225 da carta magna de

1988) tipifica a conduta de abuso, maus-tratos e ferir ou mutilar animais como crime.

Porém, a Lei Arouca de 2008, lei infraconstitucional que regulamenta a

experimentação animal no Brasil, estabelece procedimentos para o uso científico

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dos “animais cobaias”, pautado nos princípios dos 3R’s, autorizando práticas que

comprovadamente causam dor, sofrimento, angustia e medo nos animais não

humanos desde que a finalidade seja pesquisas para melhorar e prolongar a vida do

ser humano. Também permite o uso de animais em experimentos que testem a

segurança e eficácia de fármacos desenvolvidos para o tratamento de doenças.

Neste raciocínio, a experimentação animal é “justificada” como um “sofrimento

necessário”. Porém, é inevitável dois questionamentos: i) Sofrimento necessário

para quem?, ii) Porque ainda é considerada constitucional norma que permite a

imobilização física, o confinamento, a privação alimentar, hídrica e materna

propositadamente causada em certos experimentos e práticas que queima,

envenena, corta, costura, mutila (na grande maioria das vezes sem anestesia ou

insuficientes) os animais em nome da ciência?

Outro ponto relevante na discussão da constitucionalidade da lei Arouca são

os princípios dos 3 R’s e os Comitês de Ética, ambos considerados uma inovação

proposta pela lei Arouca, a medida que visa o “bem estar” dos “animais cobaias”.

Porém, não conseguem transmitir a credibilidade que pretendem, pois, o objetivo é

atestar a experimentação animal como uma prática livre de crueldade e maus-tratos

ou na pior das hipóteses, “um sofrimento necessário” (necessário para quem?).

Garantindo, assim, a continuação do método e consequentemente a violação de

dispositivo constitucional.

Portanto, após analisar o conteúdo da lei Arouca e sua eficácia na prática,

considerando como são realizados os diversos experimentos com os animais não

humanos, é possível identificar falhas graves na aplicação da norma,

comprometendo a eficácia do texto constitucional, pois, a Carta Magna de 1988

garante direitos fundamentais aos seres humanos e ao vedar a crueldade aos

animais não humanos, reconhece que esses seres são sencientes, dotados de grau

de consciência (conforme atesta Declaração de Cambridge sobre Consciência de

2012), uma vez que, coisa/objeto não pode ser alvo de crueldade. Somente seres

que sofrem podem.

No contexto, a Constituição ao consagrar a tutela ambiental baseado na

preservação da fauna e da flora para as presentes e futuras gerações instituiu uma

ideologia que conduz ao reconhecimento, ainda que implicitamente, dos animais não

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humanos como seres que sofrem e sentem e não como coisas/objetos previsto no

Código Civil de 2002. Foram reservadas ao Estado relevantes funções, no sentido

de promover a organização e a eficiência da preservação ambiental, voltada à

efetivação dos objetivos pretendidos pela Constituição e, mais especificamente, pela

vedação a crueldade aos animas não humanos. Portanto, a sociedade, amparada

pela ética animal, (fiscalizando, denunciando e questionando condutas que violem

dispositivos constitucionais) e o Estado (regulamentando e fiscalizando) têm papéis

imprescindíveis, que não se anulam. Ao contrário, complementam-se na

concretização dos objetivos da República.

Portanto, a dinamização da ciência da biomedicina está intimamente ligada à

necessidade de se propiciar, cada vez mais, qualidade de vida para o ser humano e

também para os animais não humanos através da descoberta de novos remédios,

vacinas, produtos de higiene pessoal e limpeza, novas técnicas cirúrgicas e

descobertas comportamentais, porém, quando essa busca utiliza animais, seres

sencientes (que sentem e sofrem) como cobaias em experimentos que

comprovadamente provocam sofrimento e dor, a prática fere a Constituição Federal

de 1988. Neste cenário, a experimentação animal deve ser entendida como uma

violação a lei maior, pois configura ato cruel/maus-tratos.

Existem diferentes opções institucionais para organizar a ciência da

biomedicina sem o uso de animais, como por exemplo, a total adoção dos métodos

alternativos já disponíveis e a busca por outros suprindo, assim, os diversos campos

de pesquisa realmente necessária, estruturando arranjos compatíveis com as

ideologias consagradas na Constituição, ou seja, garantindo a tutela animal ao vedar

qualquer pratica cruel. Nesta esteira, a discussão envolvendo a intenção do agente

em ser cruel, como definidora de ato cruel, não pode ser considerada como

verdadeira, pois, crueldade, dentre outras coisas, é provocar dor, através de maus

tratos, em outro ser. O ato não deixará de ser cruel caso a intenção do agente seja,

por exemplo, descobrir uma nova vacina. O “animal cobaia” não deixa de sofrer e

sentir dor só porque a intenção do experimentador era pesquisar.

No campo dos maus-tratos, tipificado como crime pela lei que visa

regulamentar a tutela ambiental instituída pela Constituição Federal de 1988, muitas

são as condutas que configuram o crime, mas, qualquer ato que provoque

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dor/sofrimento ao animal, não almejando o beneficio, direto, do próprio animal alvo

da ação (exemplo: o cão será operado para retirada de um tumor. Logo,

provavelmente, suportara a dor/ incomodo do pós cirúrgico, mas será em prol de seu

próprio bem estar e não de outro(os) cão(es) ou outras espécies.), configura

crueldade/maus-tratos. Importante ressaltar que a configuração de crueldade e

maus-tratos estão, no caso da experimentação animal, interligados pelo “sofrimento

desnecessário”, ou seja, o sofrimento que não é em beneficio direto do ser que

suporta a dor (como no exemplo do cão que será operado para retirada de um tumor

que não foi provocado em seu organismo, intencionalmente, em um laboratório,

visando testar novos medicamentos e sim, surgiu de forma espontânea no corpo do

animal, necessitando, assim, de tratamento).

Nesta seara, crueldade e maus-tratos não dependem da intenção do agente

para configurar e devem ser entendidos como sinônimos, pois, não existe ato cruel

sem ser perpetrado através de maus-tratos. Portanto, crueldade é causar sofrimento

no outro maltratando. Não importa a intenção do agente. O simples fato de um

animal não humano ser privado (visando o bem estar de outro ser, seja humano ou

não, e não o seu próprio bem estar) de viver de acordo com as características

naturais de sua espécie, ou seja, um cavalo ficar confinado toda sua vida, impedido

de correr, pegar sol, interagir com os outros cavalos, com um cateter em seu corpo,

recebendo altas doses de veneno de cobra e litros de sangue retirados

constantemente de seu organismo, visando a fabricação de “antídoto” para o veneno

(em prol do ser humano) para, quando seu organismo não responder mais a

finalidade buscada, esse mesmo animal ser sacrificado, como se fosse mero objeto

descartável, uma máquina desprovida de sentimentos, configura crueldade/maus-

tratos.

No contexto, para além da regulação, a ética animal deve servir como

referencial para a ciência da Biomedicina e para qualquer forma de exploração

animal em geral. Não se pode aceitar conduta cruel contra os animais não humanos,

uma vez que a Constituição Federal de 1988 veda a crueldade. É necessário que a

Lei Arouca seja declarada, em sua íntegra, inconstitucional, pois, qualquer método

utilizado na experimentação animal (como já analisado na dissertação) provoca

intenso sofrimento, dor, angustia e medo, configurando a pratica como cruel e

portadora de maus-tratos, uma vez que, crueldade é causar sofrimento no outro

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maltratando. Somente assim será possível ter a ciência da Biomedicina compatível

com a Carta Magna de 1988, no que tange a experimentação animal.

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REFERÊNCIAS

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