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A Dama de Vermelho (My Favorite Flavor) Déborah Shelley Perfeitos para o amor. Tess não imaginava os constrangimentos que passaria quando a empresa convocou os funcionários para um check-up de rotina. A primeira experiência desagradável foi ser informada que estava além do limite de peso; a segunda foi lhe espetarem o braço para colher sangue; e a pior de todas foi descobrir que desmaiara nos braços do homem alto e bonito que coordenava a avaliação clínica dos funcionários! Aliviado ao ver Tess voltar a si, Zack foi buscar um copo de suco. Quando voltou, ela havia desaparecido da lanchonete... mas não de seu pensamento! Zack precisava encontrar um meio de convencer sua dama de vermelho a mudar os hábitos alimentares... e a lhe dar uma chance de provar que sua especialidade em temperos e delícias estendia-se além das iguarias que ele preparava... Digitalização: Nina Revisão: Raquel Sobre a autora: Deborah Shelley é um pseudônimo conjunto das escritoras Deborah Mazoyer e Shelley Mosley. Elas são grandes amigas e co-autoras de romances há anos. Ambas adoram livros, gatos, comédias românticas, tudo que se refere a Disney e, claro, chocolates. E também gostam de escrever histórias com muito romantismo e uma pitada de humor!

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A Dama de Vermelho (My Favorite Flavor) Déborah Shelley

Perfeitos para o amor.

Tess não imaginava os constrangimentos que passaria quando a empresa convocou os funcionários para um check-up de rotina. A primeira experiência desagradável foi ser informada que estava além do limite de peso; a segunda foi lhe espetarem o braço para colher sangue; e a pior de todas foi descobrir que desmaiara nos braços do homem alto e bonito que coordenava a avaliação clínica dos funcionários!

Aliviado ao ver Tess voltar a si, Zack foi buscar um copo de suco. Quando voltou, ela havia desaparecido da lanchonete... mas não de seu pensamento! Zack precisava encontrar um meio de convencer sua dama de vermelho a mudar os hábitos alimentares... e a lhe dar uma chance de provar que sua especialidade em temperos e delícias estendia-se além das iguarias que ele preparava...

Digitalização: Nina Revisão: Raquel

Sobre a autora: Deborah Shelley é um pseudônimo conjunto das escritoras Deborah Mazoyer e Shelley Mosley. Elas são grandes amigas e co-autoras de romances há anos. Ambas adoram livros, gatos, comédias românticas, tudo que se refere a Disney e, claro, chocolates. E também gostam de escrever histórias com muito romantismo e uma pitada de humor!

Querida leitora,

Para Zach, o charmoso e galante herói deste livro, Tess é a sua "dama de vermelho", pois é esta a imagem que ele tem gravada na lembrança e no coração. Você certamente conhece a linda melodia intitulada Lady in Red, que ano após ano se mantém nas paradas musicais e já foi tema de personagens românticas. Numa das estrofes da música, o cantor diz assim: Só nós dois, esta noite / Te sinto tão perto de mim / Teu lindo sorriso me encanta / Que amor imenso é esse que sinto / Dama de vermelho... / Minha dama de vermelho Eu te amo...

Este é o amor com o qual toda mulher sonha, e o amor que toda mulher merece vivenciar, você não acha? Por isso, vire a página agora mesmo e prepare-se para o momento em que a paixão virá ao seu encontro!

Leonice Pomponio Editora

TRADUÇÃO Maria Albertina Jeronymo Copyright (c) 2000 by Deborah Mazoyer and Shelley Mosley Originalmente publicado em 2000 pela Kensington Publishing Corp. PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP NY, NY - USA Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. TÍTULO ORIGINAL: My Favorite Flavor EDITORA Leonice Pomponio ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves Tradução: Maria Albertina Jeronymo Revisão: Giacomo Leone Neto ARTE Mônica Maldonado ILUSTRAÇÃO AGE PhotoStock/KeyStock MARKETING/COMERCIAL Vera Cutolo PRODUÇÃO GRÁFICA: Sônia Sassi PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda. (c) 2006 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 - IO8 andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP www.novacultural.com.br Impressão e acabamento: RR Donnelley Moore Tel.: (55 11)2148-3500

Capítulo I

Tess Samuels tinha certeza de que havia coisas piores do que ter sua gordura corporal medida em público, mas, no momento, não conseguia pensar em nenhuma. Entretanto, enquanto a técnica da equipe médica berrava o peso dela ao longo da mesa para a pessoa incumbida de anotar cada detalhe embaraçoso, com o que parecia ter grande satisfação, Tess deu-se conta de que nada poderia ser tão ruim.

Idéias de esganar a bela e esbelta técnica e sua entusiasmada assistente ali mesmo, no refeitório da empresa, passaram por sua mente. Jamais perdoaria a nova diretoria de Recursos Humanos da Sorvetes Amanda Rae por obrigar a todos ali, na matriz da empresa em Washington, no Distrito de Colúmbia, a se submeterem àquela despótica avaliação médica. E em pleno mês de janeiro, logo depois das festas de Natal e ano-novo, não menos.

- Terminamos aqui. - A técnica pegou a folha de papel de sua assistente. Olhando para Tess, sacudiu a cabeça e soltou um suspiro. - Você pesa mais do que eu pensei.

Tess sentiu o rubor espalhando-se por suas faces. Como poderia deixar aquele comentário ofensivo passar sem uma resposta à altura? Vasculhou o cérebro em busca do revide exato.

- Oh, é mesmo? - Não chegou nem perto de ser ferino, mas quem conseguia pensar com clareza quando todos no salão inteiro a observavam, horrorizados?

- Sim, é mesmo - respondeu a técnica num tom imperturbável, obviamente não tendo notado a tentativa dela de ser ríspida. - Você precisa levar este formulário até a próxima

mesa. Eles farão todos os seus exames de sangue necessários, incluindo o da taxa de colesterol. - apontou para a mesa indicada.

Com o formulário na mão, Tess seguiu os odores do álcool da assepsia ao longo do refeitório da empresa, desviando os olhos quando passou por outros colegas de trabalho de seu departamento na fila, aguardando sua vez de passar por pura humilhação pública.

A melhor amiga de Tess, Lorraine Johnson, uma mulher alta e elegante, com impecável pele negra, acabava de deixar o estande de retirada de amostras de sangue. Colocou a mão no ombro dela, encorajadora.

- Não é assim tão ruim, garota. Se você sobreviver, eu a aguardo lá em cima no meu escritório para um chocolate quente.

Como se Lorraine, com seu corpo esguio, tivesse algo com que se preocupar. Ela podia comer qualquer coisa... duas vezes... e não engordar um grama.

Tess meneou-lhe a cabeça enquanto se afastava e entregou o papel que segurava a um homem de aparente ar inofensivo e óculos de lentes grossas. Ocorreu-lhe que ele não parecia ser capaz nem de encontrar seu braço quanto mais sua veia. Retirou o blazer do terninho vermelho.

- Sente-se e dobre a manga da blusa - instruiu-a o enfermeiro, apertando os olhos como se estivesse tendo dificuldade em enxergá-la.

Com um suspiro, Tess sentou-se e dobrou a manga da blusa branca de seda até acima do cotovelo. Fechando os olhos com força, virou a cabeça para o lado e prendeu a respiração.

O homem colocou uma tira elástica no antebraço dela e começou a pressionar a área em torno de sua veia com o dedo indicador.

- Sabe de uma coisa? Se ficar de olhos fechados, não precisa manter o rosto virado também - sussurrou-lhe alguém por perto num tom rouco.

Sem se deixar convencer, Tess manteve os olhos fechados e o rosto virado. Engoliu em seco quando a tira elástica foi ainda mais apertada.

- Ele nem sequer espetou a agulha ainda - comentou o observador com um riso manso.

Ótimo. O enfermeiro, que não lhe parecera capaz de enxergar um palmo diante do nariz, não estava conseguindo encontrar a veia dela, e a agulha, sem dúvida, devia ser quase do tamanho do monumento de Washington. Como se aquilo não bastasse, um observador com uma voz rouca feito a de um cantor de rock em fim de espetáculo, parecia não ter mais o que fazer e resolvera ficar por perto oferecendo-lhe comentários espirituosos.

- Está quase terminando? - perguntou ela, hesitante.

- Suas veias são finas demais. - O enfermeiro beliscou e pressionou o braço dela em vários pontos. - E difíceis de encontrar.

- Você não tem uma agulha menor? - perguntou o observador misterioso num sussurro. - Não há necessidade de você machucar o braço dela desse jeito.

- Machucar? - repetiu Tess num fio de voz, os olhos ainda fechados, suor frio começando a brotar nas palmas da mãos.

- Você certamente ficará com um hematoma - declarou o enfermeiro num tom contrariado, como se a culpa fosse dela. - Você tem veias difíceis de achar e não pára quieta. Faço isto há doze anos e, portanto, sei do que estou falando. Tive de espetar a última pessoa com veias como as suas umas seis ou sete vezes antes de conseguirmos alguma coisa. Na verdade, tivemos finalmente de usar o lóbulo da orelha dela.

O contato do álcool frio sendo espalhado em seu braço e o odor inconfundível, fez com que Tess ficasse um tanto zonza. Simplesmente soube que podia ouvir o sangue correndo de sua cabeça até o cotovelo e, com aquele pensamento, começou a mergulhar numa reconfortante escuridão. Seu torpor cessou de repente, bruscamente interrompido pelo ardor de amônia percorrendo suas narinas.

Enquanto despertava com um sobressalto, sentiu que a tira elástica era removida de seu braço. Sua visão desanuviando, descobriu-se olhando para um par de magníficos olhos cinzentos.

- Você está bem?

Tess reconheceu a voz rouca. Então, aquele era o homem que tentara salvá-la das garras malignas do vampiro licenciado.

- Você desmaiou. Eu a segurei antes que caísse no chão.

O que explicava o braço quente e musculoso em torno dos ombros dela e a mão sob seus joelhos. Ela lutou contra uma vontade premente de se aninhar mais naqueles braços protetores. Notou, então, um pequeno grupo de pessoas reunido em torno de ambos. Ali estava, com o homem de seus sonhos... e uma platéia.

Tentou se soltar dos braços do desconhecido.

- Eu estou bem agora. Obrigada.

- Vou lhe buscar algo para beber. - O homem de olhos cinzentos sentou-a com gentileza de volta na cadeira e se afastou, enquanto as pessoas se dispersavam, deixando-a sozinha com o enfermeiro.

Ele prendeu uma bola de algodão com um pedaço de esparadrapo no braço dela e ergueu-lhe o cotovelo.

- Mantenha seu braço esticado por alguns minutos para parar o sangramento - avisou-a. - E coloque a cabeça entre os joelhos se começar a passar mal. Não vamos querer que desmaie outra vez, não é mesmo?

- Não, é claro. - Trêmula, Tess esticou o braço, ajeitou a manga da blusa e, vestindo o blazer de volta, caminhou devagar até o corredor. Ainda se sentia fraca, mas não conseguiu suportar que todos a ficassem olhando daquele jeito.

Aguardando o elevador, olhou para seu reflexo nas portas de latão polido. Já estava se recobrando da palidez e não parecia alguém que acabara de enfrentar momentos de horror presididos por um enfermeiro sádico.

Virou-se de um lado a outro, alisando o terninho vermelho. De modo algum pesava tanto quanto aquela balança defeituosa indicara. Tinha apenas algumas... curvas. Tornando a olhar para o rosto, colocou uma mecha de cabelo loiro de volta no coque.

Quando ouviu alguém limpando a garganta, virou-se rapidamente. Seu salvador alto, de ombros largos e porte atlético parecia ter testemunhado cada momento da auto-avaliação dela. Não, suplicou Tess numa prece silenciosa... talvez ele não tivesse visto nada. Talvez tivesse acabado de chegar ali.

Ele arqueou uma sobrancelha com o que pareceu um ar de apreciação.

- Você esqueceu seu suco. - Estendeu-lhe um copo descartável.

Tess sentiu as faces afogueadas e soube que suas preces tinham sido em vão. Virou-se rapidamente de volta para as portas do elevador, esperando que ele desaparecesse.

- Ainda parece um tanto trêmula. Por que não vai se sentar um pouco comigo no refeitório até que se sinta melhor?

- Não, obrigada. Estou bem. Só preciso ir para o meu escritório e...

Ela saltou literalmente para dentro do elevador quando as portas se abriram. Horrorizada, percebeu que o homem a seguiu. Oh, ótimo. Confinada num espaço reduzido com um bonito desconhecido. Um que não apenas a vira se examinando diante da porta espelhada, algo que nunca fizera em público, mas que também a segurara nos braços quando desmaiara. Devia achá-la maluca.

- Pegue. Vai se sentir melhor bebendo isto. - tornou a lhe estender o copo e, daquela vez, ela o pegou.

Tess pôde sentir que o homem a estudava atentamente e sentiu a pele se arrepiando. Lançando-lhe um olhar por cima do copo de suco, notou-lhe os magníficos e brilhantes cabelos dourados. Parecia alguém que devia estar na capa de uma revista em vez de parado a seu lado no elevador do prédio do complexo de uma indústria de sorvetes.

Quando chegaram ao décimo andar, o elevador parou. Ele desceu e, em seguida, virou-se na direção das portas ainda abertas.

- Vermelho sempre foi minha cor favorita. - Abriu um largo sorriso, evidenciando dentes alvos e perfeitos, e arqueou a sobrancelha com ar malicioso outra vez.

Qual vermelho?, perguntou Tess quando as portas tornaram a se fechar. O de seu terninho... ou o de suas faces? Oh, bem, obviamente ainda não se parecia com o hipopótamo que a esbelta técnica a levara a acreditar. A balança estava mesmo defeituosa. Aquilo era tudo.

Pela maneira como a observara, o príncipe encantado que surgira em seu socorro parecera achá-la atraente o bastante. Bem, ela certamente o achara. Com seus traços másculos e harmoniosos, impactantes olhos cinzentos, cabelos dourados de um deus nórdico e um corpo de tirar o fôlego, o homem era a própria tentação.

Descendo do elevador, Tess se abanou e rumou diretamente para o escritório de Lorraine. Apanhou um punhado de confeitos recheados de chocolate de uma vasilha de cristal na credencia.

Lorraine não estava ali. Devia ter sido convocada para alguma reunião de último minuto. Tess deixou um bilhete para a amiga em sua caligrafia perfeita:

"Eu sobrevivi. Por pouco. Ligue-me quando voltar".

Pegando outro punhado de confeitos, empenhou-se para tentar esquecer a onda de sensações pouco familiares que o desconhecido lhe despertara. Não deu certo. Com um suspiro, se encaminhou até seu próprio escritório e afundou na poltrona de couro atrás da mesa. Folheando o relatório mensal de estatísticas que fora entregue enquanto ela fora submetida a torturas no refeitório da empresa, abriu-o na parte de vendas. Perguntou-se o que o público estaria achando do novo sorvete deles, o Bombom Demais.

Ao que se evidenciava, as vendas estavam em alta. Tess abriu um sorriso. Quando provara sua mais recente criação na cozinha experimental, soubera que seria um sucesso. Dez anos no ramo e continuava afiada. Nada mau para uma garota que se formara em literatura renascentista.

Puxa, quando Lorraine visse aqueles números! Esqueça os números, disse a si mesma. Perguntou-se se sua amiga vira o estonteante homem de olhos cinzentos.

Como se a tivesse evocado com seus pensamentos, Lorraine surgiu à porta do escritório e se aproximou.

- Vejo que ainda está inteira.

- Eu me sinto como se tivesse sido atropelada, ou algo assim - exagerou Tess com uma careta. - Aquele sujeito que estava recolhendo as amostras de sangue era um sádico.

- Sim. Segundo os rumores, você teve uma "queda" por ele. Ou em cima dele. - Lorraine piscou-lhe um olho. - Tem algum chocolate aí?

- Vivo desmaiando quando tiram sangue das minhas veias. Sou engraçada a esse ponto. E você sabe que sempre tenho chocolate aqui na gaveta.

Lorraine inclinou-se e começou a vasculhar a última gaveta da mesa.

- Seu estoque está quase no fim. Só lhe restam duas barras de chocolate.

- E o dia mal começou. Mas sirva-se.

Pegando apenas uma das barras de chocolate, Lorraine dividiu-a ao meio e deu metade a Tess.

- Parece que você terá de ir fazer uma visita às máquinas de doces.

- Sim. - Tess saboreou um pedaço do chocolate. - Você viu o homem no estande próximo à mesa do vampiro?

- Não.

- Como pôde deixar de notá-lo, Rainey? Você costuma ser a primeira a avistar um bonitão, e esse homem era certamente incrível.

- Eu deixei de ver um bonitão? Mas você nunca nota ninguém. Como foi que esse homem chamou sua atenção?

- Foi difícil não notá-lo. Eu estava nos braços dele.

- Não perderam tempo, hein? - Lorraine meneou a cabeça, aprovadora. - Ao menos, deram-se ao trabalho de se apresentarem um ao outro primeiro?

- Bem, acho que ele estava com laringite, ou algo assim. Não falou muito. - Tess deu de ombros, terminando seu chocolate.

- Mais atitudes do que palavras. Melhor ainda. E, então, o que aconteceu? Ficou tão louca de desejo que se atirou nos braços dele?

- Não. Enlouqueci de pavor e desmaiei nos braços dele. - Lorraine terminou sua metade de chocolate e jogou a embalagem no cesto de lixo.

- E eu aqui achando que você era quieta e tímida. Esse é um lado seu que conseguiu manter bem escondido ao longo dos últimos dez anos.

- Não planejei nada. Apenas aconteceu. - Tess abriu a gaveta da mesa e pegou a última barra de chocolate, dividindo-a com a amiga. - Mas sabe de uma coisa, Rainey?

- O quê?

- Eu gostaria de ter perguntado o nome dele e seu número de telefone.

- Não sabe o nome dele? - exclamou a amiga, incrédula. - Oh, falhei no seu treinamento.

- Mas ele sabe onde eu trabalho. Se estiver interessado.

- Sabe que você trabalha com mais mil e cem pessoas aqui na Sorvetes Amanda Rae e nada mais. Como tornará a encontrá-la? Você deveria ter-lhe dado um cartão comercial, ou algo assim.

- Não pensei nisso. Não é mesmo típico? Meu príncipe encantado finalmente aparece, e eu nem sequer tenho um sapatinho de cristal.

Não era todo dia que uma linda mulher caía diretamente nos braços de um homem. Zach Ferrara ainda não se conformava por não ter perguntado o nome dela. E tivera chances de sobra para fazê-lo. Estava perdendo a prática. Só podia ser.

Tão logo ele acabara de preencher uma reclamação contra o enfermeiro sem o menor profissionalismo que a fizera desmaiar, voltou ao refeitório dos funcionários para entregá-la à enfermeira da empresa. Passou alguns minutos recolhendo o que restara dos folhetos que levara para a feira de saúde, promovida ali por sua própria empresa, a Coração Puro.

Zach olhou em torno do amplo refeitório, esperando ver a dama de vermelho novamente. Perguntou-se como ela estaria passando. Ainda se lembrava de sua fragrância. Chocolate e cereja. Uau! Quem diria, uma mulher com o aroma do doce favorito dele. O perfume dela só podia ser descrito como delicioso.

Fora tão bom segurá-la em seus braços. Teria sido bem melhor, claro, se ela tivesse estado consciente.

Zach podia imaginar-lhe os cabelos loiros soltos e cascateando-lhe pelos ombros e costas, não presos naquele coque severo. Perguntou-se de que comprimento exato seriam.

E pudera lhe notar as curvas naquele terninho e blusa de seda, especialmente quando a segurara. A lembrança do calor daquele corpo sensacional junto ao seu o fazia querer percorrer de alto a baixo cada andar daquele edifício até encontrá-la.

Sem mencionar a cor do terninho. Vermelho provocante. Passional. Perigoso. Zach perguntou-se se a cor servia de alguma indicação da personalidade dela. Ardente e sensual.

Era engraçado como as prioridades podiam mudar, ponderou ele. Quando levantara naquela manhã, seu maior problema fora o fato de não poder apresentar sua empresa de fornecimento de refeições saudáveis pessoalmente, porque não pudera falar muito, e ter de delegar a tarefa. Mas ter perdido sua dama de vermelho tornara o fato de estar afônico insignificante em comparação.

Ele terminou de arrumar suas coisas e deixou o prédio, encaminhando-se até seu furgão.

Chocolate, avelãs e caramelo. Tess coçou a cabeça com a ponta do lápis e, em seguida, riscou os nomes de outras possíveis criações de sorvetes da lista. Espreguiçando-se, levantou-se devagar da poltrona atrás de sua mesa de trabalho. Correu, então, o dedo pelos livros na estante embutida e adiantou-se distraidamente até uma janela. Começava a nevar e, através do crepúsculo, mal conseguia distinguir o monumento de Washington.

O inverno costumava ser rigoroso na capital do país, e algo como a criação de um sorvete encorpado e irresistível interessaria o público-alvo. Festa do Chocolate. Teria de ser crocante, doce e cremoso. Sim, algo como aquilo tinha possibilidades. Provavelmente venderia bem ali e tentaria também o paladar do restante do país. Bastaria elaborá-lo melhor...

Tess respirou perto da vidraça e observou-a ficando embaçada. Desenhou a figura de um punhado de avelãs no alto de uma casquinha de sorvete. Se ao menos conseguisse superar aquele atípico bloqueio criativo que estava tendo no momento, talvez pudesse ir à esquina em busca de ingredientes antes que a loja especial de produtos importados fechasse. Soltou um suspiro. Não estava adiantando. Seu normalmente interminável suprimento de idéias para sabores de sorvete se esgotara. Havia um súbito vazio em sua mente. E tudo por causa dele.

Jamais se deixara distrair tanto por homem algum. E certamente nunca permitira que nenhum interferisse em seu trabalho. Nem mesmo o único rapaz com quem namorara por um breve período na época da faculdade conseguira afetá-la daquela maneira, e tinham se visto diariamente. Agora, ali estava ela, deixando um homem que vira apenas uma vez, mais de uma semana antes, sabotar sua criatividade.

Ela virou-se da janela. Maldito homem, quem quer que fosse. Não podia deixar que um estranho a afetasse daquele jeito. Apanhando o casaco, rumou para a loja de produtos importados. Talvez o aroma de guloseimas lhe desanuviasse a mente.

Zach sabia que tinha de sair daquela... daquela... o que quer que fosse. Nem mesmo seus filões de pão estavam crescendo tanto quanto deveriam. Queimara cada fornada de biscoitos ao longo das duas semanas anteriores e sua assistente, Nan, passara a chamá-lo de um desastre culinário só a espera de acontecer. Na verdade, até os chefs que integravam sua eficiente equipe de profissionais impediam-lhe o acesso aos fornos industriais da empresa.

E, agora, de acordo com Nan, havia outra funcionária da Amanda Rae na sala de espera. Talvez a mulher fosse aquela que desmaiara tão graciosamente em seus braços, pensou ele a princípio. Zach estava cansado de se sentir desapontado. A dra. Andrews, a médica da empresa Amanda Rae, enviara-lhe uma dúzia diferente de mulheres em decorrência da avaliação detalhada de saúde, e nenhuma delas fora a sua dama de vermelho.

- Por favor, faça a srta. Logan entrar.

Contudo, como sua bem-humorada assistente fizera questão de preveni-lo, aquela não era, de fato, sua mulher misteriosa. Os cabelos da recém-chegada, tingidos de loiro, em nada lembravam o tom natural e vibrante dos dela.

Não, por certo a srta. Logan não era sua dama de vermelho. Nem tampouco o eram Jane McCutcheon, Doree Taylor, Rachel Edelstein e, pelo menos, uma meia dúzia de outras mulheres. Desconsolado, Zach perguntou-se se algum dia a veria novamente.

Duas semanas após o check-up obrigatório na Amanda Rae, Tess desabou no confortável sofá da médica da empresa, lendo mais uma vez os resultados de sua avaliação. De acordo com aqueles dados, sua gordura corporal estava mais elevada do que a do sorvete da empresa.

- Tess?

Ela ergueu os olhos. Estivera tão inconformada com o que lera que não ouvira a médica entrando em seu consultório.

A dra. Andrews, mulher alta, de ossatura larga e voz gentil, sentou-se numa poltrona ao lado.

- Já terminou de ler isso? - perguntou-lhe. - Precisamos conversar.

- Isto não parece muito bom, não é mesmo? - Tess mordeu o lábio inferior.

A dra. Andrews deu de ombros.

- Eu diria que sua taxa de colesterol está com um pé na zona de perigo e com o outro numa casca de banana. E sua pressão sangüínea está alta.

- Então, quer dizer que eu vou morrer? - Tess arriscou um olhar para a médica antes de engolir em seco.

- Todos vamos morrer algum dia. Você precisa apenas retardar o processo. - A dra. Andrews abriu a pasta de arquivo de Tess e estudou a cópia do relatório de avaliação médica.

- Vamos ver o que diz aqui. Você não passa nenhuma hora por semana se dedicando a uma atividade física? - indagou, incrédula.

Tess baixou o olhar para as mãos, sacudindo a cabeça com ar embaraçado.

- Você não se exercita nem um pouco?

Tess deu de ombros e sacudiu a cabeça outra vez.

- Não limpa a casa?

Levantando os olhos, ela respondeu com uma careta.

- Eu contrato um serviço de limpeza para fazer isso uma vez por semana.

A dra. Andrews fechou a pasta e pousou-a na mesa de centro.

- Você faz jardinagem?

- Moro num apartamento. Só tenho algumas plantas ornamentais.

- Leva seu cachorro para dar caminhadas?

Tess podia ver que a médica estava se agarrando a qualquer fio de esperança.

- Não tenho cachorro, mas vou para o trabalho a pé. Meu prédio fica quase a um quilômetro da empresa.

- Bem, ao menos isso já é um começo. Você poderia caminhar mais. Por exemplo, você tenta estacionar o mais longe possível quando vai ao mercado?

- Não tenho carro. Uso serviços de entrega quando necessário.

- Diga-me, o que costuma preparar para as refeições?

- Eu como fora.

- O tempo todo?

- Praticamente, sim. Oh, exceto durante os lanches, quando como um chocolate ou salgadinho dos que mantenho em casa. E quando levo as sobras do restaurante para casa.

- Você poderia caminhar até um parque e comer lá. Washington tem uma porção de parques. Pensar em outros lugares para caminhar. Até poderia ir a algum lugar como a Smithsonian Institution, que abrange vários museus e coleções, para andar quando o tempo está ruim.

- Não tenho tempo para ir a museus. Eu trabalho.

- O tempo todo?

- A maior parte.

- Você precisa ter vida própria.

- Eu tenho. Eu tenho vida própria. - Tess limpou a garganta. - Eu crio sabores de sorvete para a Amanda Rae.

- Oh, foi você que inventou aquele sorvete chamado Bombom Demais?

- Sim. - Tess ficou contente em pisar em terreno mais seguro. Produzido na forma de pote de dois litros, era um sorvete cremoso de chocolate com pedaços de bombons e calda espessa de chocolate. Um de seus maiores orgulhos.

- É um sabor incrível - elogiou a médica. - Todos na minha família o adoram.

- Obrigada. Mas eu não apenas invento os sabores. Além de diretora do departamento, também sou a principal degustadora, o que é ótimo, porque posso me certificar de que não arruinarão minhas criações durante a produção.

Radiante, Tess abriu um sorriso. Ao menos, algo bom acontecera durante aquela visita. Conhecera mais uma apreciadora dos sorvetes Amanda Rae. Apostava que ela também adoraria o lançamento da sua mais nova criação, Festa do Chocolate. Felizmente, acabara tendo a inspiração necessária, apesar da atípica falta de concentração recente. Seria um sorvete de casquinha de baunilha, todo entremeado por calda cremosa de chocolate e coberto por avelãs crocantes e caramelo. Um novo êxito, sem dúvida...

- Mal posso acreditar que alguém é pago para provar sorvetes - disse a dra. Andrews, interrompendo-lhe os pensamentos. - Parece o emprego dos sonhos.

- Você ficaria surpresa em saber a quantidade de gente que me diz isso.

Pegando a pasta de Tess, a dra. Andrews levantou-se da área de estar, adiantou-se até sua mesa de trabalho e sentou-se na cadeira logo atrás.

- Na verdade, você poderia estar em muito pior forma trabalhando o dia todo diretamente com sorvete, como faz. Se eu tivesse seu emprego, estaria tão imensa que nem sequer passaria pela porta.

Então, a médica obviamente não achava que ela estava tão pouco saudável. Tess soltou um suspiro de alívio. A dra. Andrews tornou a abrir a pasta.

- Não pense que escapou desta, porém. Você precisa se concentrar em baixar estes números. Não se preocupe muito com o seu peso. Não tem tantos quilos assim a perder. Além do mais, seu peso baixará naturalmente se você começar a caminhar mais e diminuir bastante sua ingestão de gordura e açúcar. Vamos tentar um regime por algum tempo.

- Não consigo fazer regime. Já tentei várias vezes.

- Você apenas precisa começar a comer o tipo certo de comida. Talvez se começasse a cozinhar em casa...

- Oh, eu não cozinho.

- Deve saber cozinhar alguma coisa.

- Não. Nada. Minha amiga, Lorraine, até me provoca o tempo todo por causa da minha falta de dotes culinários. Diz que sou tão péssima na cozinha que preciso até encomendar água fervente.

- E, ainda assim, você cria sorvetes extraordinários.

- Mas eu não os preparo. O pessoal da cozinha experimental faz isso para mim enquanto supervisiono. Além do mais, estou contente em viver de fast-food. Os nachos do Taco Saboroso são minha idéia de paraíso gastronômico.

- Não quero assustá-la, mas você tem de fazer mudanças imediatas na sua dieta e em seu estilo de vida, ou acabará enfrentando algumas conseqüências graves. Obstrução das artérias. Aumento de risco de um derrame. Diabetes. Sem mencionar um ataque cardíaco. Você terá de eliminar de uma vez por todas o excesso de gordura e carboidratos de sua dieta, fazer uma reeducação alimentar. Na verdade, se não conseguir resistir àquele sorvete com que lida todos os dias, talvez até tenha de arranjar outro tipo de trabalho.

Tess engoliu em seco. Morreria se tivesse de deixar seu emprego. Adorava seu trabalho. Não queria fazer outra coisa. Era a melhor em seu ramo. Afinal, a Sorvetes Amanda Rae não fizera um seguro de um milhão de dólares de seu paladar?

- Mas se não sei cozinhar, como conseguirei...

A dra. Andrews tirou um cartão comercial de sua gaveta.

- Tome. Esta é uma empresa local, especializada em preparar comida saudável para executivos atarefados. Meus outros pacientes têm tido muita sorte com eles e vivem me dizendo como a comida de lá é maravilhosa.

Tess pegou o cartão.

- Coração Puro? Está certo. Farei uma tentativa. O que tenho a perder?

Tess permitiu-se mergulhar em autocomiseração durante vários dias antes de, finalmente, concluir que era tempo de telefonar para a empresa Coração Puro. Ela e Lorraine haviam passado os poucos e derradeiros dias de liberdade gastronômica comendo tudo que era proibido... e mais um pouco. Tess saboreou a última colherada de mais uma de suas criações, Delícia de Frutas Vermelhas. Agora, estava, enfim, pronta para iniciar sua nova vida num limbo de comida neutra. Ou algo parecido. Soltando um gemido de resignação, pegou o telefone e discou o número no cartão da empresa.

- Alô, Coração Puro. Aqui é Zach Ferrara.

Ótimo. Zach soava como alguém que devia ter um metro e oitenta e cinco de sólida massa muscular. Provavelmente se exercitava várias horas por dia. Devia até quebrar o gelo no rio Potomac para nadar. E, na certa, ele... Oh, só em pensar nas atividades físicas do homem, ela já ficava cansada.

- Alô. Há alguém na linha? - Ele era dono de uma voz forte, possante e bastante agradável.

- Alô, meu nome é Tess Samuels. Minha médica... quero dizer, a médica da empresa onde trabalho... recomendou que eu telefonasse para sua empresa.

- Presumo que se refira à dra. Andrews.

Zach realmente soava como alguém alto. E musculoso. Era provável que soubesse quanto ela pesava apenas ouvindo-lhe a voz ao telefone. Por outro lado, porém, talvez fosse apenas um tipo atlético e egocêntrico, mais interessado nos próprios bíceps do que em saber quanto ela pesava.

- Alô? Eu perguntei se lhe fomos indicados pela dra. Andrews...

- Oh, sim. Ela falou muito bem de sua empresa.

- De fato, temos o maior índice de sucesso em nosso ramo. - O orgulho na voz dele era inconfundível. - Noventa e cinco por cento de nossos clientes se dizem mais do que satisfeitos com nossos serviços.

Tess não pôde se conter.

- Noventa e cinco por cento? E quanto aos demais cinco por cento? Morreram?

Tess ouviu uma tosse discreta do outro lado da linha.

- Eles certamente não morreram. Os demais cinco por cento tomaram a decisão consciente de não obter êxito; não se esforçaram para isso. A vida é cheia de escolhas, como sabe.

Ignorando-lhe o ar filosófico não solicitado, Tess prosseguiu:

- A dra. Andrews disse que vocês preparariam todas as minhas refeições se eu quisesse.

- Podemos fazer isso. Nossa empresa conta com uma equipe de nutricionistas, chefs e demais funcionários altamente qualificados.

- E as refeições sempre estarão a minha espera quando eu chegar em casa? Fico faminta ao final do dia.

- Suas refeições estarão prontas quando chegar em casa - assegurou-lhe Zach.

Aquilo parecia ótimo.

- Está certo. Decidi fazer uma tentativa. Posso contratar seus serviços por uns dois ou três dias inicialmente para saber se gostarei ou não de sua comida?

- É claro que gostará de nossa comida. Posso fornecer referências...

- Não me importa se as outras pessoas gostam ou não do que vocês cozinham. Sou eu que tenho de gostar de sua comida se a fará para mim. - Tess sabia que começava a soar hostil, mas não pôde evitar. Em especial com aquele sujeito parecendo tão seguro de si.

- Nós agradamos a todos os paladares, não importando o quanto sejam diferentes.

- Essa é uma maneira gentil de dizer que sou seletiva, exigente, não é?

- Ouça, srta. Samuels, talvez deva pensar melhor no assunto. Talvez nosso serviço não seja o certo para você.

Tess não esperara por aquela resposta. Precisava da Coração Puro. Sua saúde dependia daquilo. Seu emprego. Talvez tenha sido um tanto... brusca.

- Desculpe-me. Não quis ofendê-lo. Apenas estou passando por um momento difícil e...

- Vamos combinar uma coisa - interrompeu-a Zach. - Eu lhe enviarei nosso questionário de preferências e hábitos alimentares para começar. Apenas o preencha e o envie de volta por fax com seu histórico médico. Tão logo estivermos com o formulário completo, resolveremos os detalhes.

- Antes de desligar preciso lhe dizer uma coisa.

- Sim?

- Não possuo uma única panela. Nem uma sequer.

Sorrindo, Tess aguardou a resposta chocada dele.

Nenhuma surgiu.

- Não se preocupe com isso. Sempre levamos nossos próprios utensílios. Agora, se me der o número de seu fax, começaremos a nos empenhar para tornar você parte daqueles noventa e cinco por cento de clientela satisfeita.

Zach não permitiria que suas esperanças se elevassem outra vez. A probabilidade era bastante grande de que Tess Samuels não fosse sua dama de vermelho, disse a si mesmo em seu escritório na Coração Puro, enquanto aguardava que a última página do fax dela chegasse. Olhando de relance para a primeira página, sacudiu a cabeça, incrédulo. Desde que ingressara em sua segunda faculdade e se formara como nutricionista, jamais vira respostas indicando hábitos tão pouco saudáveis juntos num questionário de preferências alimentares. Sua dama de vermelho jamais comeria daquele jeito.

Ao menos, Tess Samuels era sincera. Geralmente, as pessoas mentiam naquele questionário, alegando uma preferência de longa data por peixe grelhado, arroz integral e salada de espinafre sem molho algum. As preferências daquela mulher eram como um menu de comida proibida: sorvete, pizza, nachos, chocolate, hambúrgueres, fritas...

Ele sentou-se na beirada da mesa e estudou a avaliação médica dela. Colesterol e triglicérides bastante elevados. Pressão sangüínea alta. Glicose beirando o limite. O peso dela fora apagado, evidentemente. Mas ele podia adivinhar.

De acordo com as próprias respostas, Tess Samuels comia mais e se movimentava menos do que qualquer outra pessoa no Distrito de Colúmbia. Normalmente, os executivos com que a empresa lidava não estavam mais do que quinze a vinte quilos acima do peso. Exceto pelo embaixador da África do Sul. O homem pesara quase duzentos quilos, mas a Coração Puro colocara inclusive ele em forma.

Zach reconhecia um desafio quando via um. Naquele momento, decidiu assumir o caso pessoalmente em vez de designar Tess a algum outro profissional de sua equipe. A lista de preferências dela, o estilo de vida sedentário e o excesso de trabalho lembravam-no de seus próprios hábitos de antes. Afinal, havia apenas cinco anos que ele quase pagara o preço mais alto de todos por suas sessenta horas de trabalho semanais e dieta de máquinas de doces e refrigerantes.

Adiantando-se até seu computador enquanto lia, sentou-se e começou a verificar seus arquivos de receitas. Tinha a sensação de que agradar àquela cliente não seria nada fácil, mas sabia que conseguiria fazê-lo. De algum jeito.

O apartamento de Tess Samuels não era em nada como Zach o imaginara. Exceto pelo endereço caro, exclusivo, naturalmente. Não ficou surpreso em não ver fotos dela em porta-retratos. A maioria das pessoas bem acima do peso, descobrira ele ao longo dos anos, ficava tímida diante de máquinas fotográficas.

O apartamento era decorado com cores intensas, vibrantes. Texturizada, a principal parede da ampla sala de estar era laranja, contrastando com as demais, em tom creme. Almofadas vermelhas, amarelas e laranja enfeitavam os confortáveis sofás de couro caramelo. Não havia nada de tímido, de contido naquela decoração. O gosto dela por mobília e objetos de arte podia ser quase chamado de exótico... e certamente sensual. Tapetes indianos em tons vívidos cobriam o assoalho escuro de tábuas corridas, vasos com belas plantas ornamentais e mesinhas de canto ocupando pontos estratégicos.

Zach notou que muitos dos livros na estante embutida eram em vários idiomas. Francês. Latim. Italiano. Alemão.

Uma prateleira em especial atraiu seu olhar. Não estava repleta de livros, mas de pedras, cada uma apoiada num pequeno pedestal e destacada por sua respectiva luminária embutida. Não eram simples pedras!, corrigiu-se ele, mas minerais e pedras semipreciosas, suas cores tão vibrantes quanto as da sala em volta.

O lugar não agradava apenas aos olhos, mas também ao olfato. Pot-pourris de plantas aromáticas em recipientes de cerâmica exalavam um aroma suave, sedutor.

A cozinha era o completo oposto do restante do apartamento. Branca. Estéril. Sem uso. Esquecida. Apesar de impecavelmente limpa, não tinha cor, aconchego, o menor sinal de vida. Bem, ele daria um jeito naquilo.

Menos de meia hora depois, encontrava-se junto à pia, preparando uma salada especial para Tess Samuels. Apesar de ter levado tudo que precisaria, abrira os armários dela, curioso para ver se a mulher não tinha realmente nenhuma panela, como alegara. Não, apenas não encontrara panela alguma, como deparara com um armário repleto de doces.

Caixas, pacotes e barras de guloseimas variadas. Duas prateleiras abarrotadas, na verdade. Na de baixo, uma fileira de salgadinhos... dos mais diversos, desde os de batata até os de milho, passando por amendoins e castanhas. Ele abrira os demais armários. Não havia muito. Apenas alguns pratos e copos, além de talheres numa gaveta. Aquela altura, Zach estivera realmente intrigado. Verificando a geladeira, achara umas duas dúzias de garrafas de água mineral e o dobro em latas de soda. Como alguém que criara uma sala de estar tão magnífica e vibrante podia ter uma cozinha tão deplorável?

Bem, Tess Samuels o estava pagando para ajudá-la a ficar saudável e era exatamente o que ele pretendia fazer. Depois que terminou o preparo da salada, tirou um grande saco de lixo de sua caixa de suprimentos e livrou a geladeira das latas de soda e esvaziou o armário das guloseimas. Determinado, fechou o saco de lixo com um nó e adiantou-se até a porta da frente. Quando ia abri-la, parou e virou-se. O freezer. Não verificara o freezer. Deixando o saco no chão, girou nos calcanhares e, marchando de volta até a cozinha, abriu a porta do freezer.

Ali, em todo seu esplendor altamente calórico, estavam praticamente todos os sabores e tipos de sorvetes da Amanda Rae. Ele sempre achara que aquela marca em especial de decadência congelada, deveria ser registrada como uma substância que viciava. Já vira mais potes da Amanda Rae nos freezers de novos clientes do que os de qualquer outra marca. E, quando seus clientes sucumbiam à tentação, era com produtos da Amanda Rae que quase sempre saíam da linha.

Com firme resolução, Zach meteu o conteúdo do freezer em outro grande saco e o levou junto com o primeiro na direção do duto de lixo daquele andar.

Quando Tess chegou em casa, foi saudada por uma mescla de aromas convidativos. O chef da Coração Puro devia ter estado ali antes de sua chegada. O que haveria para o jantar? Era impossível adivinhar, mas o aroma, com certeza, era bom.

- Há alguém aqui? - perguntou.

O ruído de panelas foi sua única resposta, indicando que o chef ainda continuava no apartamento.

Equilibrando o mais recente lançamento de sorvete do maior concorrente da Amanda Rae entre uma mão e outra, ela deixou a bolsa de lado e retirou o casaco de inverno. Pendurou-o no armário embutido perto da porta e, então, seguiu o tentador aroma até a cozinha.

A primeira coisa que notou foi um homem de costas. Era alto, com cerca de um metro e oitenta e cinco; seu porte, atlético. A calça e o leve suéter pretos que usava estavam protegidos por um avental verde-escuro. Os cabelos eram brilhantes e bem cuidados. Era curioso. Ela não vira muitos homens daquele porte em um longo tempo. E, agora, vira dois... primeiro, o bonitão misterioso no elevador da empresa e, naquele momento, o homem em sua cozinha.

Ainda de costas, ele se inclinou para retirar algo do forno.

- Bem-vinda a seu lar, srta. Samuels. - Ali estava aquela voz possante novamente. Aquele devia ser o mesmo homem que a atendera ao telefone. Como era mesmo que se chamava? Tinha um nome que começava com Z. Zane? Zeus? Zorro? Todo de preto, ele certamente parecia um Zorro de costas. Não. Não era Zorro. Zach. Aquele era o nome dele. Zach.

Observou-o enquanto ele salpicava algo no que quer que tivesse no forno. Estivera certa. O homem obviamente não era um fisiculturista, mas tinha belos músculos, bem proporcionais e definidos.

Ficou surpresa com sua reação ao estranho. Não costumava ficar avaliando um homem de alto a baixo demoradamente. Céus, estava quase babando!

Aquele sujeito a distraía demais. Tess desviou o olhar para o chão e continuou saboreando o sorvete de copinho, concentrando-se na mescla de sabores. Os técnicos do laboratório da Amanda Rae podiam obter a composição química dos produtos do concorrente, mas ela era capaz de apontar até a menor variação de sabor.

Absorta em sua análise, só ergueu os olhos quando o chef tornou a lhe falar.

- Sou Zach Ferrara - virou-se e estendeu-lhe a mão.

Bastou um olhar para aqueles penetrantes olhos cinzentos e o copinho com o restante do sorvete escorregou da mão de Tess. Era ele. O homem que a fitara daquela maneira tão intensa no elevador. O homem que a segurara nos braços. O homem que...

Zach observou-a com incredulidade. A dama de vermelho. Tess Samuels era a dama de vermelho. A sorte estava do seu lado. Ela era sua nova cliente. Mas aquele sorvete não era bom para ela.

Num gesto ágil como o de um profissional de basquete, ele apanhou o resto de sorvete e atirou-o no cesto de lixo próximo. Esperou impressioná-la com seu pronto resgate.

Tess não estava impressionada. O homem de seus sonhos estava em sua cozinha e acabara de jogar fora uma importante amostra de sorvete. Ela estivera a um passo de descobrir o ingrediente secreto. Não teve como conter seu protesto:

- Por que fez isso? - Adiantando-se até o cesto de lixo, apanhou o copinho virado para cima, ao menos, com o restante do sorvete. - Eu precisava analisar o sabor disto aqui.

- Não vai comer isso, vai? - Zach parecia disposto a se livrar do copinho pela segunda vez.

Segurando-o longe do alcance dele, Tess examinou o restante do sorvete e admitiu a si mesma que teria de esperar até arranjar uma segunda amostra.

-É claro que não posso comê-lo mais. Não depois de ter estado no cesto de lixo. - Com visível pesar, tornou a jogar o copinho fora. - Mas é uma pena. Nunca desperdiçamos sorvete nesta casa. Nem mesmo o do nosso concorrente.

Zach estava bem próximo, e ela pôde sentir o calor se irradiando de seu corpo, uma seqüência de deliciosos arrepios subindo-lhe pela espinha. Respirou fundo e notou que ele usava uma sofisticada e discreta colônia amadeirada, a mesma de que se lembrava. Ele fitou-a com seus olhos penetrantes.

- Pois eu diria que você marcou um ponto a favor de sua saúde livrando-se desse veneno altamente calórico.

Tess franziu o cenho. Então, aquele homem simplesmente lindo e sexy como poucos era tão propenso a dar sermões pessoalmente quanto se mostrara por telefone. Bem, ela não precisava daquele tipo de aborrecimento, arrepios pela espinha, ou não.

Sorvete. Era o que a ajudaria a acalmar-se. Adiantou-se até o freezer... e seu estoque especial de sorvetes Amanda Rae. Para seu horror, ele desaparecera. Não havia mais um único sorvete de pote, casquinha, copinho... Nem mesmo um simples picolé.

Como aquele estranho ousava invadir o santuário de seu freezer feito um... um viking saqueador dos tempos modernos?

- O que está acontecendo? Você jogou todo o meu sorvete fora? O que lhe dá o direito de jogar qualquer comida minha fora? Isso não estava no contrato!

Exasperada, notou que Zach manteve-se calmo, imperturbável.

- Evidentemente, você não leu as letras pequenas. Devemos eliminar toda a espécie de comida não saudável de sua residência e substituí-la por coisas que sejam boas para você.

- Li atentamente cada palavra daquele contrato e isso não estava escrito lá.

- Bem, deveria.

- Está óbvio para mim que você é a pessoa errada para esse emprego. Vou ligar para seu chefe agora mesmo e lhe pedir que envie outra pessoa. - Ela se aproximou do telefone de parede. - Qual é o número da Coração Puro?

Então, a dama de vermelho dele queria despedi-lo.

- Deixe-me esclarecer isto. Você quer que eu lhe dê o número de telefone de lá, sendo que está pretendendo usá-lo para que eu seja despedido? Oh, claro. - Zach começou a rir.

Tess pousou as mãos nos quadris, atraindo a atenção dele para suas curvas bem-feitas num tailleur azul.

- Não vejo o que é tão engraçado. Você está prestes a se juntar ao rol dos desempregados.

Zach observou-lhe os olhos castanho-claros faiscando e também o quanto ficava bonita quando estava zangada. Ela tinha pele alva e impecável, realçada por aqueles vibrantes cabelos, novamente presos. Os traços eram clássicos e harmoniosos, o nariz pequeno e perfeito, o queixo delicado em seu rosto oval. Mas também tinham algo de marcante, sensual, algo que se evidenciava nas maçãs do rosto salientes; nos lábios cheios e provocantes; nos olhos grandes, expressivos, de cor tão especial, realçados por cílios espessos e sobrancelhas levemente arqueadas. Era certamente um daqueles rostos belos e inesquecíveis. Impactantes.

E o corpo não deixava por menos. Ao contrário da mulher com excesso de peso que esperara encontrar ali, ela não parecia precisar perder um quilo sequer. Com cerca de um metro e setenta, tinha curvas femininas, com seios grandes e bem-feitos, cintura fina e quadris arredondados. Sem mencionar as pernas... Pareciam sensacionais naquela saia de comprimento um pouco acima dos joelhos. Longas, bem torneadas, acetinadas em meias de seda e realçadas por sapatos de salto alto. Aquela mulher era a imagem da executiva elegante, moderna, independente. E era tão sexy que Zach se deu conta de que começava a suar frio.

Não podia se esquecer da razão para estar ali. Apesar de toda aquela perfeição física, a moça precisava urgentemente de ajuda, ou acabaria destruindo a si mesma.

Recobrando-se, ele recostou-se na bancada, cruzou os braços sobre o peito e declarou calmamente:

- De maneira alguma serei despedido da Coração Puro.

Tess concentrou-se em sua raiva para tentar não notar como aqueles olhos cinzentos a desconcertavam, enquanto a percorriam de alto a baixo, e retrucou com firmeza:

- Pois veremos agora mesmo quanto a isso. Qual é o número dela?

Zach estava tão contente por ter encontrado sua dama de vermelho que não se importou em vê-la tão contrariada. Além do mais, o fogo naqueles olhos castanho-claros tornava-a, sem dúvida, mais desejável. Dizendo-lhe o número da empresa, acrescentou:

- Não se dê ao trabalho de telefonar. O patrão não está lá.

- Oh, o patrão não está? - Tess pegou o telefone. - E como sabe disso?

- Porque o patrão está exatamente aqui.

- Onde? - Tess olhou ao redor.

- Na sua cozinha. Preparando um jantar saudável e delicioso para você. - Com um riso, ele indicou o forno de onde se desprendia um aroma tentador.

Se a idéia de reclamar com o supervisor dele era impraticável, ela teria de despedi-lo diretamente.

- Bem, junte suas coisas e retire-se. Agora.

Ela observou Zach começando a grelhar tiras de salmão, parecendo não estar prestando a menor atenção às suas palavras. Deu-lhe um tapinha no ombro.

- Ei, estou falando com você.

Tocá-lo foi um erro. No instante em que o fez, o corpo traiçoeiro a fez lembrar de como fora bom quando ele a segurara nos braços.

Zach estudou-a por um longo momento.

Aqueles sedutores olhos cinzentos... Céus, fitavam-na como se fosse a mulher mais desejável do mundo. Ou, ao menos, davam-lhe aquela impressão. O fato foi que Tess sentiu uma perturbadora onda de calor percorrendo-a.

- O que estava dizendo?

E aquela voz... Não mais afônico, revelara uma voz máscula, agradável. Parecia reverberar por todo o íntimo dela.

- Onde eu estava mesmo? Oh, sim. Você tem de ir embora.

- Mas você não jantou ainda. Não quer ao menos provar o que cozinhei para você antes de me deixar ir?

- Está certo. Mas eu... eu decidi tentar os serviços de outra empresa como a sua.

- Oh? Qual?

Ele abriu um sorriso triunfante, fazendo-a perceber que perdera a batalha.

- Deixe para lá.

- É muito elegante de sua parte. - O sorriso dele alargou-se, fazendo-o parecer ainda mais bonito. Se possível.

- Talvez eu dê a você uma nova chance. Afinal, foi altamente recomendado pela dra. Andrews e isso vale de algo, é claro.

- É claro. - Zach retomou suas tarefas.

Sem dizer mais uma palavra, adicionou as tiras de salmão grelhado à salada que preparara e desligou o forno. Lavou, então, as mãos e retirou o avental verde. Desapareceu por alguns instantes para levar a salada e a travessa que tirara do forno até a sala de jantar e voltou em seguida.

Tess tentou não prestar atenção ao peito musculoso e aos ombros largos dele enquanto guardava seus ingredientes e todos os utensílios que usara numa grande caixa plástica. Não adiantou.

- Eu arrumei a mesa da sala de jantar para você. Seu desjejum e um saco de papel pardo com o almoço de amanhã estão na geladeira. Espero que goste de tudo.

Tess observou-lhe os contornos dos bíceps enquanto ele erguia a caixa.

Quando chegou à porta, Zach mudou a caixa para um braço e girou a maçaneta.

- Boa noite, srta. Samuels - disse com um meneio de cabeça formal. - Coma bem.

Que desperdício de um corpo e um rosto tão perfeitos num homem tão presunçoso.

- Assassino de sorvete - resmungou Tess, fechando todas as trancas da porta tão logo ele saiu.

Capítulo II

Zach sorriu quando ouviu a porta batendo rapidamente atrás dele e sendo trancada logo em seguida. Tess Samuels estava se certificando de que ele não mudasse de idéia e voltasse a seu apartamento outra vez naquela noite. Zach não teria se importado em passar um pouco mais de tempo com sua cliente, mas, obviamente, não era o que ela desejava.

Tess Samuels não era em absoluto como a imaginara. Depois de ter lido seu dossiê e visto a montanha de guloseimas em sua cozinha, acreditara que a cliente estaria excessivamente acima do peso. Ela devia possuir um metabolismo bastante acelerado porque tudo o que tinha, era o que podia se chamar de belas... belas curvas.

Agora que saciara sua curiosidade, deveria passar o preparo das refeições dela para outra pessoa de sua equipe, alguém que estivesse realmente incumbido da tarefa. Mas não ainda, disse a si mesmo.

Assobiando, apertou o botão do elevador. Mal continuava acreditando que Tess Samuels e a dama de vermelho eram a mesma mulher. Era evidentemente um sinal. Pretendia conhecê-la melhor... com ou sem a cooperação dela. Seria interessante de qualquer uma das maneiras.

Tess soltou um suspiro de alívio depois que trancou a porta do apartamento. Tirando os sapatos de salto alto, rumou para a sala de jantar e a refeição que Zach lhe preparara. Esperava que estivesse tão deliciosa quanto seu aroma indicava. Sem dúvida, ao menos parecia divina.

Pegou um pedaço de salmão da salada e provou-o. Magnífico. Não fizera idéia de que peixe podia ser tão saboroso. Com um suspiro de contentamento, sentou-se à mesa e desenrolou seu guardanapo. Um pedaço de papel caiu em seu colo. Quando o pegou, notou a mensagem que continha escrita. A caligrafia, se podia denominá-la como tal, era a pior que já vira. Olhou fixamente para o papel, tentando decifrar os garranchos. Parecia impossível. Céus, ela sabia ler italiano, latim, francês, inclusive os arcaicos, mas aquilo era...

Sânscrito? Árabe? Chinês?

Pareciam mais hieróglifos, sem dúvida. Tentando decifrar o enigma, ela sentiu-se uma verdadeira arqueóloga de repente diante de escritos antigos. Bem, não era de fugir de um desafio. Foi necessário usar alguma técnica ali, como a comparação de letras, muita adivinhação e contar com a sorte.

Depois de muito esforço, enfim, conseguiu decifrar a mensagem:

"Srta. Samuels, por favor conte-me se gostou da refeição. Os primeiros dias são sempre os mais difíceis. Aqui está o número do meu telefone".

No meio de todos os rabiscos de jardim-de-infância estavam números escritos com toda a clareza. O contraste a fez soltar um riso.

"Ligue-me a qualquer hora se tiver algum problema com..."

Ilegíveis, as quatro palavras seguintes foram impossíveis de desvendar. Não deviam ser importantes, de qualquer modo. Ela prosseguiu.

"Nesse meio tempo, há uma bandeira para você na geladeira."

Uma bandeira na geladeira? Agora, Tess estava realmente curiosa. Afastando a cadeira para trás, pegou outro pedaço de salmão da salada e adiantou-se até a cozinha. Na porta da geladeira, encontrou um ímã no formato de um coração com os dizeres:

Coração Puro. Nos importamos com o que você come.

Depois de dar ao ímã o mesmo destino que tivera o seu copinho de sorvete, Tess abriu a geladeira. Zach lhe deixara não uma bandeira, mas uma bandeja. Uma bandeja repleta de flores... rosas de rabanete e tulipas de nabo com caules de salsão entre outras criações, além de um grande girassol feito com gomos de tangerina e passas. Todas as latas de soda haviam desaparecido, uma caixa de água mineral cara substituindo-as. Ela queria seus refrigerantes com açúcar e calorias vazias de volta, não flores comestíveis de aspecto nada apetitoso. Fechando a geladeira com ar desgostoso, voltou para seu jantar... apenas para descobrir que a salada murchara e o que parecia ser um suflê vegetariano qualquer na travessa refratária esfriara.

Foi resgatando o restante do salmão da salada com um garfo e, então, tentou provar uma fatia do que descobriu ser um suflê de espinafre. Bastou uns dois ou três pedacinhos e deixou-o de lado, ponderando que talvez uma boa dose de ketchup talvez tivesse ajudado a fazê-lo descer. Mas evidentemente o seu paladino da saúde não deixara nada daquilo ali.

Nem mesmo um molho de salada para acompanhar sua bandeja artística, constatou ela, minutos depois já na cozinha, quando tentava comer as flores feitas de vegetais. Não demorou a comprovar que tinham aparência muito melhor do que o sabor. Por aquela razão, nem sequer quis olhar dentro dos sacos de papel onde adesivos com uma carinha feliz indicavam "desjejum" e "almoço".

Depois que comeu os gomos de tangerina e as passas, tentou se decidir entre uma pequena "árvore" feita com brócolis e uma "abóbora" criada com cenoura ralada quando uma terceira opção lhe ocorreu. Sem hesitar, abriu as portas do armário. Custou a recobrar-se do choque.

Zach se livrara de cada salgadinho, doce e barra de chocolate que ali houvera. Lamentando que a cabeça dele não estivesse entre as portas do armário, fechou-as com força.

Esperava que o abelhudo não tivesse vasculhado o apartamento inteiro. Ainda restava aquela caixa de trufas na gaveta da mesinha-de-cabeceira que ela ainda não abrira. Aquilo, sim, seria uma refeição substancial. Alegremente, atirou a salada, o suflê e o bonito conteúdo da bandeja na lixeira e rumou para seu quarto.

Acomodado na poltrona favorita da sala de estar de sua casa com o laptop no colo, Zach ainda mal podia acreditar que encontrara sua dama de vermelho. Ela estivera linda naquela noite... e parecera igualmente zangada com sua intromissão. Enquanto começava a planejar cardápios para seus clientes para a semana seguinte, Zach fez uma pausa no arquivo de Tess. Deveria ter o trabalho de planejar as refeições dela com tanta antecedência? Ela teria força de vontade o bastante para completar sequer uma semana de alimentação saudável?

Abrindo o arquivo, Zach começou a digitar. Elaboraria o cardápio de Tess para a semana seguinte. Ora, ele os elaboraria para um mês inteiro. Agora que Tess era oficialmente uma cliente, não haveria meio de deixá-la arruinar seu histórico de êxito.

Tess acordou com o som nada familiar de seu estômago roncando. Esfregando os olhos, verificou a hora no relógio digital na mesinha-de-cabeceira. Duas da madrugada. Sem parar para calçar os chinelos, andou até a cozinha e abriu a porta da geladeira.

Com um profundo suspiro, examinou-lhe o conteúdo desolador. Era evidente que estava morrendo de fome, ponderou. As trufas que devorara para o jantar não a haviam saciado e, agora, só tinha aqueles dois tolos sacos de papel como opção. E era tudo culpa dele. Zach Ferrara destruíra o estoque de comida dela e provavelmente lhe deixara dois sacos com talos de aipo e um copo de leite de cabra. Tess torceu o nariz diante da idéia.

Seu estômago continuava roncando. Concluindo que qualquer coisa, não importando o quanto fosse insuportavelmente saudável e sem gosto, teria que ser melhor do que nada, apanhou o saco de papel onde se lia "desjejum". Com um suspiro de profunda resignação, partiu a etiqueta com a carinha feliz e despejou o conteúdo do saco na bancada da cozinha. Uma pequena maçã, uma fatia de torta de bom tamanho e uma caixinha de leite desnatado caíram junto com um cartão vermelho em formato de coração.

Com olhos sonolentos, leu a mensagem. Felizmente, estava datilografada.

"Parabéns! Você deu o primeiro passo nessa importante jornada para uma vida saudável."

Com um grunhido exasperado, Tess amassou o cartão e atirou-o na direção do cesto de lixo.

A torta não parecia tão má. Era uma fatia grande e, mais importante, parecia tão escura e crocante que só podia ser de... chocolate! Entusiasmada, ela rasgou o papel celofane, deu uma generosa mordida na torta e quase se engasgou.

Era a coisa mais horrível que já comera. Encaroçada, áspera e até amarga!

Pegando a pequena embalagem de leite, apertou-a, enquanto se esforçava para abri-la o mais depressa possível. Precisava tirar aquele gosto repulsivo da boca. Mais um puxão e o lacre na embalagem acartonada abriu-se abruptamente, o leite espirrando no rosto dela e na blusa do pijama de seda lilás. Ignorando o caos ao redor, bebeu depressa o pouco líquido restante.

Enfim, afastou o cabelo ensopado do rosto com irritação. Ainda estava com fome e, como se não bastasse, teria de limpar o leite da bancada e do chão e, depois, ir tomar um banho e se trocar. Cuidando do desastre na cozinha, Tess apanhou a maçã e deu-lhe uma mordida furiosamente enquanto rumava para o banheiro.

Após o banho, sentou-se na beirada da cama, enxugando os cabelos com uma toalha felpuda. No dia seguinte, diria umas boas verdades a Zach Ferrara. Céus, com o que fizera aquela torta? Ração para cães? Alfafa? Oh, ele que se preparasse para um bom sermão.

Mas por que esperar até o dia seguinte? Afinal, eram quase três da madrugada e, tecnicamente, já era o dia seguinte. Sorrindo, ela pegou o telefone.

Zach soltou um gemido enquanto tateava a mesinha-de-cabeceira em busca do telefone. O dia ainda não podia ter amanhecido.

Obrigando-se a abrir um olho, espiou os números no rádio-relógio.

Duas e cinqüenta da manhã. Quem, afinal, estaria lhe telefonando naquele horário? Só podia ser engano.

- Alô?

- Bom dia, Zach! - exclamou uma voz alegre, animada. - Espero não tê-lo acordado.

- Quem está falando?

- Você não sabe quem é? Como pode dirigir um negócio bem-sucedido se não reconhece seus próprios clientes?

Zach acendeu o abajur na mesinha-de-cabeceira, derrubando acidentalmente o telefone. Inclinou-se na beirada da cama, puxando o telefone pelo fio em sua direção. Estava ofegante quando rolou de volta no colchão e voltou a falar:

- É Tess Samuels? Faz alguma idéia de que horas são?

- Duas e cinqüenta e cinco, se meu relógio estiver correto. Por que está sussurrando?

- Não estou sussurrando - esbravejou ele. - O que você quer?

- Eu só queria lhe dizer o quanto apreciei aquele desjejum que você me deixou.

Zach conteve um bocejo.

- Não pode me ligar depois para conversarmos melhor?

- Você me deixou um bilhete dizendo que eu poderia ligar a qualquer hora.

- Não quis dizer isso literalmente.

- Então, sua empresa tem o hábito de mentir para os clientes?

- Não... está certo, acho que eu disse isso mesmo. Mas eu me referi a você ligar em horários em que estamos acordados.

- Eu estou acordada.

- Horários normais em que estamos acordados - disse ele, tentando manter a paciência.

- Bem, se tivesse comido uma de suas tortas, você também estaria acordado antes de eu ter ligado. Ou mais provavelmente tendo pesadelos. Aquela fatia de torta estava horrível!

Zach estava prestes a protestar quando ela desligou abruptamente do outro lado. Ficou olhando fixamente para o fone. Ligou, então, para o número no seu identificador de chamadas.

Tess atendeu no segundo toque.

- Quem é? Você não sabe que horas são?

- Minha torta não é horrível. - Satisfeito por ter deixado claro o seu ponto de vista, Zach desligou o telefone e tornou a deitar-se.

Tess atribuiu totalmente a Zach a culpa por não conseguir dormir durante o restante da noite. Se ele não tivesse lhe telefonado de volta apenas para ter a última palavra, ela poderia ter adormecido serenamente. Em vez daquilo, ficou se revirando na cama, tentando pensar em outra "última palavra" para dar a ele. Nada lhe ocorreu.

Tinha acabado de cochilar quando o despertador tocou. Sobressaltada, desligou-o com um grunhido e cobriu a cabeça com o grosso edredom, permanecendo um pouco mais na cama. Oh, aquele seria um dia longo e cansativo...

Antes que acabasse pegando realmente no sono, achou mais, prudente levantar-se, ou acabaria perdendo o horário do trabalho.

Tomando seu banho matinal, pegou um vestido de veludo turquesa do armário. Meteu-se, então, em sua meia-calça modeladora, daquelas que garantiam reduzir as medidas de uma mulher. A meio caminho das pernas, achou que perderia a circulação na área das coxas. Respirando fundo, foi puxando devagar o restante do tecido colante para cima. A impressão foi a de que estava usando um elástico gigante em torno da cintura.

Em seguida, vestiu o sutiã modelador, que era mais um corpete, cuja barra encontrava-se com a cintura da meia-calça. Grunhindo com o esforço, sentiu-se como se estivesse na época dos espartilhos. Céus, não sabia como as mulheres haviam suportado o que devia ter sido um verdadeiro instrumento de tortura.

Apesar do frio da manhã de inverno, ela começara a transpirar. Passou alguns lenços umedecidos pelo rosto e, enfim, colocou o vestido de corte reto e mangas compridas. Observando sua imagem no espelho, abriu um sorriso. Quem precisava de um regime quando dispunha de meia-calça e sutiã modeladores milagrosos? Agora, se conseguisse se mover...

Sua equipe inteira de pesquisa e desenvolvimento apinhava a área em torno da mesa da recepcionista quando Tess chegou à empresa alguns minutos atrasada.

- Alguém trouxe guloseimas? - perguntou a Lorraine, enquanto se juntava ao grupo.

- Oh, você tem que experimentar uma destas! - A amiga pegou uma fatia de torta envolta em celofane de uma grande cesta, curvando a mão em torno dela delicadamente, sempre cuidadosa com as unhas impecavelmente longas e pintadas, e entregou-a a Tess. - São fantásticas. E o melhor, não engordam!

Tess olhou, horrorizada, para a fatia de torta marrom e bastante familiar em sua mão. Não podia ser...

Correu os olhos em torno da recepção. Como não foi de admirar, ali estava Zach, parado a um canto, observando o frenesi alimentício. Tinha os braços cruzados sobre o peito e uma exasperante expressão de plena satisfação no rosto.

- Diga-me o que está acontecendo aqui - exigiu, marchando na direção dele, segurando a fatia de torta como se fosse uma granada de mão.

- Só estou fazendo alguns testes de degustação sem compromisso - explicou Zach, acenando em resposta ao gesto de agradecimento de Lorraine antes de ela retornar ao próprio escritório. Ele adiantou-se até a mesa e recolheu a cesta agora vazia. - Evidentemente, você estava errada. - Mostrou-lhe a cesta para enfatizar as palavras. - Minhas tortas não são horríveis.

Tess jogou o pequeno volume indesejável que ainda segurava de volta na cesta.

- Belo teste de degustação - declarou, desdenhosa. - O pessoal de pesquisa e desenvolvimento come absolutamente qualquer coisa, desde que seja de graça. O que você fez? Passou a noite inteira assando essas coisas?

Zach limpou a garganta.

- Bem, uma vez que eu estava mesmo acordado...

Lucas, do escritório do final do corredor, aproximou-se, interrompendo a conversa:

- Aquela foi a torta light mais deliciosa que já provei. Qual é o seu segredo?

- É uma receita própria. Torta de farelo de cereais e melaço.

Tess não podia crer que Zach realmente se orgulhava de algo que parecia mais adequado a uma prateleira de produtos para cães, mas ali estava o homem, radiante e cheio de confiança, como se tivesse um pingo de bom senso.

- Todos os meus clientes a adoram.

- Torta de farelo de cereais e melaço? Seus clientes devem passar por alguma espécie de lavagem cerebral - resmungou Tess, enquanto Lucas se afastava com um aceno jovial. - Na verdade, quando a provei, achei que sua torta fosse feita de alfafa.

- Alfafa? - A expressão no rosto dele era impagável. - Não é um jeito um tanto radical de expressar seu desagrado?

- Desagrado? - Ela não pôde conter um riso. - Desagrado é pouco!

- Bem, se odiou tanto a minha torta, por que está se arriscando em trazer esse almoço que eu lhe preparei?

Tess tentou esconder o saco de papel pardo atrás de si. Zach sorriu diante da tentativa inútil de ocultar a prova incriminadora.

- E então?

- Estou faminta e isto é tudo o que eu tinha no apartamento para comer. - estreitou os olhos castanho-claros. - Graças a você.

- Eu lhe deixei uma grande bandeja de vegetais frescos, e a salada de salmão e o suflê de espinafre deveriam ter sido mais do que o bastante para alimentá-la no jantar.

Como aquele homem podia saber o que realmente saciava o apetite dela?

- Não tenho de me justificar a ninguém, especialmente a você, sobre o que comi ou deixei de comer. - Aquela voz esganiçada era realmente sua?

Para irritá-la ainda mais, Zach permaneceu calmo, imperturbável.

- Ouça, preciso saber do que você gosta e do que não gosta, para que eu não fique desperdiçando o seu dinheiro em comida que acabará jogando fora, ou algo assim.

- Eu lhe enviei por fax aquela lista do que gosto de comer. Por que não a está usando?

- Nós dois sabemos que aquelas coisas não são saudáveis. Devo curar você, não matá-la. Mas só poderei ajudá-la se souber o que está disposta a comer.

Se Zach insistia no assunto, ela teria de ser completamente sincera.

- Está certo. O salmão grelhado da salada estava... ótimo, mas... demorei para comer e o restante do que havia dentro da saladeira acabou murchando, perdendo aquele "aspecto apetitoso" inicial. O suflê estava com um aroma tentador, mas também esfriou e, ainda por cima, era de espinafre. - Ela fez uma careta. - Os vegetais da bandeja, além de esteticamente primorosos, não estavam tão ruins. Mas precisavam de algo... como um molho de salada. E quanto a essa sua "torta de farelo de cereais e melaço", é melhor que nunca mais passe pela porta do meu apartamento.

- Entendi. Você gosta de salmão. Quer molho nos vegetais. E não quer ver essa minha torta nem pintada. Se bem que você deveria realmente lhe dar uma outra chance...

- Não enquanto eu for viva. Quer que eu seja mesmo franca? Essa sua torta tem gosto de bolo de lama. Dê um sumiço nela.

- Está certo. Você não a verá mais. Procurarei fazer com que as coisas resultem melhor hoje à noite.

Ele girou nos calcanhares.

- Espere!

- Sim?

- Não há nenhuma fatia de sua infame torta aqui dentro, há? - Tess ergueu o saco de papel pardo com ar desconfiado.

- Não. Você está a salvo. Mas ainda precisará de um almoço se for comer isso como café da manhã. Eu lhe enviarei algo por volta do meio-dia.

Se não fosse um fanático por comida saudável, Zach Ferrara até que seria bastante charmoso.

- Obrigada.

- Não me agradeça. Ainda.

- Estou lhe dizendo, Tess, você está fora de circulação há tanto tempo que não reconhece um homem sensacional quando vê um.

Tess levantou os olhos do relatório que acabava de ler e, com um profundo suspiro, encontrou os de Lorraine, sentada na beirada de sua mesa.

- Durante anos, você vem tentando me arranjar encontros com cada Tom, Dick e Harry que tem passado por um raio de cinqüenta metros deste escritório. Tenho me esforçado para ignorar quando você os arrasta até aqui e diz: "Já conhece minha amiga, Tess? Ela é solteira". Bastante sutil, Rainey. Mas eu não vou deixar que você invente um romance entre mim e o sr. Granola.

- O que há de errado com ele? É bonito. Sexy. Cozinha. Limpa. Quer cuidar de você. Está empregado. O que mais você quer? Se já não tivesse o meu próprio pãozinho de mel, eu mesma iria atrás desse homem. É bom demais para se desperdiçar.

- Não me importo com nada disso. Você sabe que o meu tipo de homem ideal é...

- Entediante.

- Eu nunca disse uma coisa dessas.

- Mas eu, sim.

- Eu quero um homem... - A amiga interrompeu-a:

- Eu sei, eu sei. Você quer um homem com o QI de Einstein. Um erudito que possa estimular você intelectualmente. Alguém capaz de entender o que você está lendo quando recita um daqueles velhos e maçantes poemas em latim.

Lorraine revirou os olhos como se a simples idéia de um homem daqueles a desagradasse.

- Garota, eu lhe digo que, se seu homem não demonstra um pouco de inteligência e imaginação na cama, ele não é de grande valia. Não importa se fala ou não latim, ou se entende qualquer uma daquelas outras velharias que você tanto adora citar. Apenas importa que seja fluente na linguagem do amor.

- Meu primeiro namorado tentou me ensinar a linguagem do amor, e eu lhe asseguro, não vale a pena de ser falada.

- Bem, você teve uma primeira experiência ruim.

- "Ruim" nem chega perto de descrevê-la. Tudo o que sei é que, no que me diz respeito, uma vez é mais do que o bastante. O sexo está descartado hoje em dia.

- Frank e eu achamos que você só precisa conhecer o homem certo - respondeu a amiga com um sorriso encorajador.

- Por favor, Rainey. Você tem que falar sobre a minha vida sexual... ou, melhor, a falta dela... com Frank?

- Você deve estar brincando. Quando se trata de sexo, a última coisa que quero fazer com meu pãozinho de mel é falar sobre você. Ou sobre qualquer outra pessoa, na verdade.

O aroma de pão recém-assado pairou na cozinha de Zach, espalhando-se até a sala de estar. Ele respirou fundo com ar satisfeito e foi verificar o conteúdo do forno. Bem, parecia que sua sorte finalmente mudara. Encontrara sua dama de vermelho e... pronto, seu pão estava mais uma vez no ponto certo. Crescera o bastante, estava leve, macio e crocante. Ah, e sua saudável torta de farelo de cereais e melaço era um sucesso. Com todos, exceto ela, lembrou a si mesmo.

De qualquer modo, já estivera cansado de seus desastres e podia se dar por contente por estar voltando à velha forma. Se ao menos Tess não fosse tão difícil de agradar...

Tão logo entrou em seu apartamento, Tess foi atraída pelo delicioso aroma de pão fresco. Foi direto até o filão caseiro que estava numa bandeja na bancada, inclinou-se e respirou fundo. Quem diria que pão podia ter um aroma tão bom e ainda não ser proibido? Zach lhe assegurara que seu pão de centeio estava incluso no plano de dieta dela. Desde que abolisse a manteiga.

Era difícil de acreditar que o mesmo homem que criara aquela torta intragável podia surgir com algo tão divino.

Zach deu-lhe um tapinha no ombro.

- Quer prová-lo?

- Oh, sim.

Ele cortou um pedacinho do pão ainda morno.

- Tome - disse-lhe com gentileza.

Automaticamente, Tess abriu a boca. Inclinando-se para a frente, seus olhos encontraram os dele. Fascinada, observou enquanto Zach corria o olhar pelo espaço entre o pão e seus lábios à espera. Num gesto terno, deu-lhe o pedacinho do pão, afastando-lhe uma migalha do lábio inferior.

As atenções daquele homem eram tentadoras, sedutoras. Faziam com que ela se sentisse sexy como nunca, despertando-lhe subitamente a sensualidade adormecida. Um surpreendente tremor de desejo percorreu-a. Ele tocou-lhe o maxilar, contornando-o com o polegar gentilmente.

Um som incômodo quebrou o encanto do momento. O ruído prosseguiu, incessante.

- O que é isso? - Tess sacudiu a cabeça, irritada.

Zach não podia acreditar na sua má sorte. Que momento mais inoportuno para o alarme do forno disparar.

- É o timer. Significa que tenho que tirar o frango do forno. Com um suspiro frustrado, ele afastou-se. Retirando a bandeja com o frango assado do forno, pousou-a sobre o fogão.

Notou Tess fechando os olhos enquanto respirava fundo, inalando o aroma que se desprendia da bandeja e inundava a cozinha.

- Hum, isso cheira quase tão bem quanto a comida do Taco Saboroso, mas não tanto quanto o seu pão.

- Taco Saboroso? - Ele soltou um gemido. - Vou ignorar esse comentário e me certificar de que você se alimente, de qualquer modo. Afinal, nós temos um contrato. E eu jamais quebro um contrato.

- Oh, sim. Aquele fundamental índice de noventa e cinco por cento de clientela satisfeita.

Zach meneou a cabeça. Antes de ter conhecido Tess, sua empresa de refeições saudáveis fora-lhe a coisa mais importante do mundo, mas, a cada vez que a fitava, a Coração Puro começava a ficar mais e mais num distante segundo plano.

- Diga-me... o que fará neste final de semana para não poder preparar as minhas refeições? Eu já estava me acostumando com você. Um pouquinho.

- Sim, eu sei. - Zach começou a fatiar habilmente o frango assado. - Já fui um viciado em trabalho, o que acabou me acarretando sérios problemas - explicou, sucinto. - Apesar de trabalhar também em casa, sempre que isso me é conveniente, faço questão de descansar nos fins de semana, ou os troco por outros dias de folga, quando há algum evento importante num sábado, ou num domingo. Precisei de uma sacudidela da vida para descobrir o que todos já sabem, mas poucos levam em consideração. Além de uma alimentação saudável e atividade física, uma pessoa precisa dedicar o devido tempo ao descanso e ao lazer, para ter uma boa qualidade de vida. Se conseguir trabalhar no que gosta, então, como eu, estará feliz.

Tess observou-o enquanto ele falava, compenetrado, e quis lhe perguntar a respeito da tal "sacudidela", mas achou melhor esperar para saber. Zach era um homem espontâneo e lhe contaria quando tivesse vontade.

- Bem, ao menos eu trabalho no que gosto - comentou Tess quase na defensiva. Ele fitou-a.

- E, pelo que percebi, você vive para o seu trabalho, não é mesmo? - O ar sério desaparecendo dos olhos cinzentos de repente, abriu um largo sorriso. - Bem, mas não estou aqui para lhe passar sermões quanto ao seu estilo de vida. Apenas quanto aos hábitos alimentares - acrescentou com ar maroto.

- Oh, que alívio - disse ela, irônica, e ambos riram juntos. Olhando para o rosto adorável de Tess, seus olhos brilhantes, o riso cativante, cristalino, Zach soube que não queria passar o dia seguinte sozinho.

- Ei, tive uma idéia. Eu estava planejando passear um pouco pelo parque neste sábado de manhã. Por que não vai comigo? Seria uma boa maneira de você espairecer e ainda dispor da minha comida. Prometo levar um delicioso café da manhã para nós.

- Isso era o que eu temia - resmungou ela, porém acrescentou depressa: - Sim, é uma boa idéia. Mas, de certa forma, não seria como se você estivesse levando "trabalho" para o parque?

- Tolice. - Zach abriu-lhe outro de seus sorrisos cativantes. - Digamos que a convidei porque é uma mulher fascinante e eu adoraria passar mais tempo a seu lado.

- Bem, já que coloca as coisas de modo tão galante... - Tess esticou o braço para pegar um pedaço do frango fumegante e esbarrou a mão na beirada da assadeira quente.

- Ai! - Ela segurou a mão com a outra, soprando a pequena queimadura na pele.

Zach guiou-a até a pia e colocou-lhe a mão sob a água fria e corrente da torneira. Manteve-se atrás dela, seu corpo bem próximo e, por um momento, esqueceu-se por completo da queimadura. Era tão bom tê-la perto de si daquela maneira, mesmo que fosse apenas para socorrê-la... outra vez.

Enquanto se mantinha atrás dela, deixando a água correr longamente pela pequena queimadura, como era adequado, não pôde resistir à tentação de se aproximar um pouco mais. Os cabelos dela tinham o aroma de cerejas cobertas com chocolate. Agora, sabia. Não havia imaginado aquilo naquele primeiro dia no elevador.

A queimadura esquecida, Tess sentiu uma corrente eletrizante percorrendo-a, o calor do corpo de Zach irradiando-se até o seu. Era delicioso e desconcertante tê-lo tão próximo. Observou-lhe a mão que lhe segurava o pulso com gentileza para manter a sua sob a água. Notou como os dedos eram longos. Ele possuía as mãos de um artista. Mãos feitas para criar. Mãos perfeitas para fazer amor. Quando virou o rosto para fitá-lo, viu uma infinidade de perguntas naqueles intensos olhos cinzentos.

Afastou-se um pouco e fechou a torneira. Era melhor que algumas perguntas fossem deixadas sem resposta.

- Eu... hã... Minha mão já está bem. Obrigada.

Zach meneou a cabeça, parecendo se recobrar depressa do que fora certamente um momento carregado de tensão.

- Deixe-me terminar de preparar seu jantar antes que tudo esfrie.

Em silêncio, Tess observou Zach terminando de fatiar o frango dourado e sem pele. Ele retirou um belo prato de porcelana de sua caixa. Em tons vibrantes de laranja, vermelho e amarelo lembrava a decoração de sua sala de estar. Devia tê-lo escolhido especialmente para ela.

Zach colocou o prato no balcão e acomodou uma tortilha de trigo no centro.

- Tem certeza de que isso é comida mexicana? O Taco Saboroso não tem tortilhas de cor marrom.

- Espere um minuto. - Ele dispôs camadas de frango fatiado sobre a tortilha, acrescentando tomates cortados, alface picada e rodelas de cebolas.

- Não há queijo, nem molho picante.

- Com meu molho caseiro, você nem sequer notará a falta deles.

- Oh, claro. Como se pedaços de tomate pudessem substituir queijo...

Zach sorriu e cobriu sua criação com um pouco de molho de iogurte e salpicou-a com ervas.

- Se tiver a bondade de ir se sentar à mesa, eu lhe servirei o jantar.

Ele chegou à mesa com a comida mexicana e uma grande taça de bolinhas de melão no momento em que Tess desenrolava o guardanapo e o abria sobre o colo.

- Vá em frente - encorajou-a com um sorriso. - Experimente.

Tess perguntou-se se importaria a Zach, mais do que apenas no aspecto profissional, que ela gostasse de sua comida.

Hesitante, espetou um pedacinho de frango do recheio com o garfo e levou-o aos lábios. Fechando os olhos, saboreou a combinação de temperos que não lhe era familiar.

- Hum... Divino. - Serviu-se de um pedaço maior, mastigando devagar. - Quase tão bom quanto o que há no Taco Saboroso.

Ele estreitou os olhos enquanto a fitava.

- Quanto àquele passeio ao parque amanhã.

- Bem, talvez eu possa esperar até amanhã à noite para terminar aquele relatório que estou fazendo...

- Perfeito. Já é um começo. Vejo você amanhã bem cedo, então.

Depois que Zach deixou o apartamento, Tess percebeu que se esquecera de perguntar exatamente que horário ele considerava "bem cedo".

A comida mexicana estivera ótima. Melhor do que achara que seria, Tess teve de admitir, ainda que apenas para si mesma. E que lindo prato. Ela comera tudo, até o último pedacinho de alface. Enquanto saboreava as bolinhas de melão da taça de sobremesa, lembrou-se de como Zach parecera orgulhoso e satisfeito quando lhe preparara o jantar. Seria mais do que amor à profissão? Perguntou-se, então, por que a convidara para ir ao parque no dia seguinte. Na certa, achava que ela precisava mesmo espairecer e de um pouco de exercício. E também porque fizera questão de sua companhia?

Oh, ela precisava parar de tirar conclusões precipitadas ali. Além do mais, sabia que estava atraída por Zach, mas um rosto bonito, um corpo atlético e excelentes aptidões culinárias não eram nada para se iniciar um relacionamento. Bem, talvez as aptidões culinárias fossem... De qualquer modo, ela e Zach pareciam ter bem pouco em comum.

Comendo a última bolinha de melão, pegou o prato de porcelana cuidadosamente. Mais uma vez, um bilhete caiu da parte de baixo dele. Aquele estava escrito em letras de fôrma razoavelmente legíveis. "Nada mais daquela minha torta. Eu prometo. Mas não farei concessão alguma quanto aos vegetais..."

Ela sorriu enquanto levava o prato para a cozinha. Normalmente, apenas enxaguava a louça e deixava a limpeza de verdade para Zach, como estipulado pelo contrato dele. Mas aquele prato era especial. Era tão bonito. Era quase como comer num prato incrustado de jóias. Depois de lavá-lo e enxugá-lo como se fosse uma frágil pedra preciosa, guardou-o no armário. Virando-se, olhou em torno da cozinha. Que lugar pouco atraente e acolhedor. Por que não notara antes o quanto parecia frio, sem vida?

Decididamente, precisava colocar um pouco de cor ali. Não que fosse usá-los mas potes decorados para alimentos deixariam a cozinha mais bonita, sem dúvida. E novos panos de prato, toalhas e jogos americanos deixariam a cozinha mais agradável também. Era o que

faria depois do passeio matinal no parque no dia seguinte. Compraria objetos decorativos e novas roupas de mesa de cores alegres e convidativas para a cozinha. Antes, passara horas escolhendo exatamente as cores certas para as roupas de cama e banho. Talvez devesse investir um pouco de tempo em sua cozinha.

Enquanto apagava a luz e saía, perguntou-se quais seriam as cores favoritas de Zach.

Capítulo III

Na manhã seguinte, Tess acordou exausta. Passara metade da noite lendo um livro de poemas de amor renascentistas do original em italiano. Quando finalmente adormecera, sonhara com Zach. Curvou os lábios num doce sorriso, recordando-se do sonho... de como ele lhe levara bandejas repletas de chocolates e doces cobertos com glacê, enquanto ela estivera à cabeceira de uma mesa de mármore em sua vila italiana. Talvez o caminho até o coração de uma mulher fosse através do estômago. Fechou os olhos, outras imagens mais sensuais percorrendo sua mente.

Espreguiçando-se languidamente, olhou para o relógio. Seis da manhã. Era melhor se levantar. Era bem possível que Zach aparecesse às sete, e não queria fazê-lo esperar. Quando Tess descia da cama, a campainha tocou.

Então, aquela era a idéia dele de "bem cedo". Céus, ainda estava escuro lá fora! Vestiu o robe, apanhou uma escova e passou-a pelos cabelos. Após uma rápida olhada no espelho, adiantou-se até a porta e espiou pelo olho mágico. Sem dúvida, ali estava Zach, sorrindo-lhe de volta. Ela abriu a porta.

- O que está fazendo aqui tão cedo?

Zach observou-a longamente, notando que Tess estava com os cabelos soltos. Loiros e sedosos, eram a moldura perfeita para seu rosto adorável. Grandes e emoldurados por cílios espessos, os olhos castanho-claros estavam sonolentos, sensuais como nunca. O robe de veludo vinho não estava bem atado à cintura, revelando parcialmente uma camisola de cetim vermelho e deixando muito por conta da imaginação... Era uma mulher absolutamente linda e sedutora. E parecia nem se dar conta daquilo.

- Eu avisei que viria bem cedo - respondeu ele, imperturbável, apesar da onda de desejo que o percorria.

- E disse isso literalmente, é claro. - Tess revirou os olhos e indicou-lhe que entrasse. Foi inevitável notar o quanto Zach estava descontraído e sexy num agasalho azul-marinho com uma jaqueta cinza-clara aberta por cima. - Sente-se. Vou me arrumar.

Percebeu que ele ainda a estudava e perguntou-se o que estaria pensando no momento. A intensidade daqueles olhos cinzentos fez com que uma onda de calor a percorresse. Ele era, de fato, atraente, e possuía um ar enigmático e sedutor.

No momento, olhava para os lábios dela, como se desejasse beijá-la, e Tess deu-se conta de que adoraria aquilo. Céus, que tipo de pensamentos eram aqueles? Não devia ter despertado por completo.

- V-Vou me arrumar - repetiu.

- Pessoalmente, acho que você está ótima assim. Mas poderia ficar com frio lá fora. - O sorriso dele tinha um nítido ar malicioso.

Tess baixou o olhar para ver o que Zach observava tão atentamente. Oh, não. Em toda a sua pressa para ir atender a porta, não fechara o robe direito. O cinto se afrouxara, abrindo-o na frente, expondo sua camisola de cetim vermelha e a maneira como lhe emoldurava os seios. Rapidamente, fechou o robe na frente e amarrou o cinto com um nó apertado. Endireitou os ombros com o máximo de compostura que conseguiu reunir.

- Bem, acho mesmo que preciso ir vestir algo mais quente e adequado - anunciou desnecessariamente.

- Já que precisa - disse ele quase em tom de pesar.

- É claro que preciso. A propósito, aonde iremos? - perguntou Tess por sobre o ombro, a caminho de seu quarto.

- Que tal até o canal C&O?

- Parece ótimo. Fique à vontade. Estarei pronta em dez ou quinze minutos.

- Não se apresse. - Zach adiantou-se até a estante embutida para observar melhor as várias coleções de livros. - Acho que acabei vindo um pouco cedo demais, não?

- Oh, imagine. É impressão sua - respondeu Tess, irônica, mas abriu-lhe seu costumeiro sorriso contagiante antes de desaparecer no interior do quarto.

Apesar da leve camada de neve no chão, a área em torno do canal C&O estava repleta de ciclistas, corredores e donos de cães levando seus bichos de estimação para uma caminhada matinal. Tess e Zach optaram por um caminho mais tranqüilo e de menor movimento, mais próximo ao canal.

Obviamente acostumado a se exercitar, ele só se deu conta de que seu passo estava rápido demais para Tess cerca de dez minutos depois, quando a viu ofegando e retirando a jaqueta que colocara sobre um grosso agasalho vermelho.

- Podemos ir... mais devagar? - perguntou Tess ao mesmo tempo. Embora a brisa fria da água fosse refrescante, precisava descansar.

- Eu já estava mesmo prestes a fazer isso. Desculpe-me. Nem percebi que estava indo rápido demais. Afinal, estamos passeando.

- Admita - riu ela. - Você sabe o quanto estou fora de forma e está fazendo com que eu me exercite, de um jeito, ou de outro. - Estreitou os olhos. - Na verdade, isto está me

parecendo um grande complô seu para me trazer até aqui e me colocar em movimento. Nem acredito que estou aqui, numa manhã de inverno, antes das sete da manhã.

Zach ergueu uma das mãos com ar de inocência.

-- Como lhe disse, eu só queria fazê-la espairecer um pouco. E ter a companhia de uma mulher encantadora, é claro.

Tess sentiu o coração disparando... mais... porém achou melhor continuar mantendo a conversa em tom de brincadeira.

- Não vai me dobrar com galanteios.

- E que tal com o que eu trouxe? - perguntou ele, caminhando mais devagar. - Você não vai acreditar no que eu trouxe no meu furgão para agradá-la.

- Bolinhos de carne de soja? Cereal matinal dietético? - Ela revirou os olhos. - Mal posso esperar. Já estou com água na boca.

- Eu só posso dizer que você vai se surpreender - adiantou Zach, enigmático, um brilho maroto nos olhos cinzentos.

- Se for aquela sua torta de melaço, eu posso começar a correr agora mesmo. - Tess soltou um riso, divertido. - Na direção oposta.

- Talvez um dia eu consiga fazer você gostar da minha torta.

- Não se iluda - riu ela, ainda um tanto ofegante.

- Ao menos, você é sincera. Mesmo tendo de pisar nos sentimentos dos outros - acrescentou ele, melodramático.

- Ora, vamos, é uma simples torta - Tess abriu um largo sorriso. - Você ainda poderia comercializá-la no meio rural como...

- Já sei. Alfafa.

Tess o estudou por um momento, a expressão séria de repente.

- Sei o quanto você leva seu trabalho a sério. Eu não o ofendi realmente com essa história da torta, não é?

Zach sorriu amplamente.

- Não. Fique tranqüila. Bem poucas coisas conseguiriam me ofender hoje em dia. - Arqueou uma sobrancelha ao acrescentar: - Além do mais, é preciso ter um gosto refinado para se apreciar uma iguaria como aquela torta. Seria esperar muito de alguém que venera o Taco Saboroso.

- Agora, você me insultou. Profundamente. - Tess tentou adquirir um tom ofendido, mas acabou explodindo em risos.

- Tratarei de remediar isso - prometeu ele com um sorriso sugestivo.

- Um simples bombom faria com que eu perdoasse você num segundo - respondeu Tess no mesmo tom de brincadeira, apesar da onda de calor que a percorreu.

- Puxa, você é boa nisso, hein? Aposto que conseguiria tirar facilmente um doce de uma criança. Apenas com persuasão.

- Do jeito que estou louca por um doce, eu tiraria um à força de uma criança e sairia correndo.

Zach soltou um riso.

- Sei o quanto esta fase de transição deve estar sendo difícil para você. Mas vai superá-la, acredite. É apenas uma questão de tempo.

Tess fitou-o por um longo momento.

- Eu não estaria conseguindo sem sua ajuda. Obrigada. Admiro sua dedicação.

- E eu admiro sua força de vontade. - Ele afastou-lhe da fronte uma pequena mecha de cabelo que se desprendera do jovial rabo-de-cavalo. - Quer descansar por um minuto?

- Não, estou bem. - Zach pegou-lhe a mão.

- Viu o que eu disse? Essa é a minha garota.

A garota dele. Tess gostou do som daquilo. E do contato da mão forte e quente envolvendo a sua, dos dedos de ambos entrelaçados. Era um gesto que a fazia sentir-se à vontade, segura, contente.

Os dois prosseguiram em silêncio até que chegaram ao final do caminho.

- Você ficou quieta demais de repente - observou Zach. - No que está pensando?

- Você vai rir se eu lhe contar.

- Não, não vou. Eu prometo.

- Agora mesmo eu estava pensando que é uma pena eu não poder capturar a atmosfera desta manhã toda e transformá-la num sabor de sorvete. Dessa maneira, todas as pessoas poderiam desfrutá-la.

- Fico contente que todas as pessoas não estejam aqui para desfrutá-la. Não quero dividir esta manhã com ninguém além de você.

Ele abriu a porta de seu furgão e colocou-se de lado para Tess entrar.

- Você foi muito bem. Eu sabia que conseguiria caminhar de volta até aqui. Afinal, tem um belo par de...

- Pode parar aí mesmo.

- Pulmões. Você tem um belo par de pulmões. Fortes, resistentes. - Zach soltou um ligeiro riso. - Do que achou que eu estava falando?

- Pulmões. Foi a isso mesmo que achei que estava se referindo.

- Não se preocupe. Não vou atacar você... Ainda. Apenas descanse por um minuto. Vou servir nosso café da manhã e lhe dar a surpresa que prometi.

Inclinando-se até detrás do assento, Zach pegou uma pequena caixa térmica, de onde tirou dois sacos de papel pardo idênticos. Em cada um, havia um sanduíche de atum com pão preto e cenoura ralada, uma pêra e um pequeno pote de iogurte desnatado caseiro.

- Bem, até que está melhor do que eu pensava - comentou Tess, começando a comer, embora sem conseguir esconder o desapontamento.

- Mas essa ainda não é a surpresa - sorriu Zach.

- Não? - indagou Tess, expectante.

- Já lhe disse que preparei algo especial para você. Mas vamos deixar o melhor para o final.

- Oh, mal posso esperar.

Os dois comeram em silêncio e Tess admitiu... apenas a si mesma... que estava encontrando um certo prazer em refeições daquele tipo. Não havia dúvida de que era um café da manhã mais saudável e substancial do que o que costumara tomar antes. E com bem menos calorias. Era difícil de acreditar.

O sanduíche de atum estava delicioso, a cenoura deixando-o crocante na medida certa. O iogurte de produção da própria Coração Puro era excelente. E até a pêra, embora ela nunca tivesse dado atenção a frutas antes, estava doce e suculenta.

Zach observou-a comer com ar satisfeito, percebendo que ela apreciara o desjejum. Normalmente, já estaria completo, mas quisera presenteá-la por seus esforços até então e, enfim, tirou da caixa térmica o que prometera. Em embalagens individuais apropriadas, pegou duas fatias de torta e entregou uma a Tess.

- Aqui está a sua surpresa. - Ela olhou com súbita desconfiança para a fatia de torta branca.

- Oh, não, outra bomba, mas agora em versão clara, não é? O que é? Algo feito com tofu, certo? Acho que seria esperar demais que fosse um irresistível e cremoso bolo de queijo.

- Oh, sim, seria. Mas experimente. Verá que é algo tão delicioso quanto bolo de queijo. Na verdade, essa é a minha versão de um.

Com um suspiro resignado, Tess muniu-se de um garfo descartável e abriu a embalagem transparente. Ao menos, a torta tinha a apresentação digna da de uma confeitaria. Quando ia dar a primeira garfada, porém, lembrou-se da torta de farelo de cereais e melaço e foi tomada por uma onda de apreensão. Engoliu em seco.

Notando-lhe a hesitação, Zach encorajou-a.

- Vamos, experimente. Garanto-lhe que vai gostar.

Tess tornou a engolir em seco e levou um pedacinho de torta aos lábios, provando devagar. Depois outro e mais outro... Quando se deu conta, já comera metade. A torta era doce, cremosa e, incrivelmente, lembrava bolo de queijo.

- Hum... está deliciosa. O que é? Tem certeza de que não é calórica? Não que eu me importe e... - Ela notou-lhe o ar severo. - Eu sei, eu sei. Tenho de me importar, pelo bem da minha saúde.

- Exato. Mas, não, é uma torta de ricota, quase sem calorias.

- Ricota? - repetiu Tess, incrédula. - Como conseguiu deixá-la tão deliciosa?

- Digamos que é o segredo do chef- sorriu Zach, começando a comer a sua torta. - Mas fico contente que você tenha gostado.

- Eu a adorei! Pode incluí-la no meu cardápio? - Àquela altura, Tess já devorara a sua.

- Claro, na proporção certa.

- Obrigada pela surpresa.

- Acho que você já está descobrindo que a comida saudável também pode ser saborosa.

- Sim, mas o problema é que há tentações demais no mundo das guloseimas.

- É tudo uma questão de reeducação alimentar - assegurou Zach, enquanto recolhia os descartáveis usados aos sacos de papel pardo. - E, futuramente, depois que você tiver encontrado seu perfeito equilíbrio, não significa que estará terminantemente proibida de comer algo de que goste muito uma vez ou outra, com moderação. Mas você já saberá fazer suas escolhas com sensatez e sabedoria, optando pelo que é mais saudável por livre escolha, com prazer e naturalidade. Como eu mesmo aprendi a fazer.

- Mas no momento, estou proibida de comer o que gosto - protestou ela, ainda se lembrando do conteúdo perdido de seu armário de cozinha e freezer.

- Sim, é necessário, pelo bem de sua saúde, até que...

- Até que eu aprenda o que é melhor para mim. Eu sei. Eu sei. - Tess soltou um profundo suspiro, lembrando-se também dos péssimos resultados de sua avaliação médica. Não era criança. Ao menos, já tinha a conscientização sobre o caminho melhor a seguir. Bastava a força de vontade necessária. Felizmente, podia contar com a ajuda de Zach. Do contrário, estaria perdida. - Vou me esforçar - acrescentou, séria -, apesar das tentações diárias que me cercam até no meu trabalho.

- O que você faz na Sorvetes Amanda Rae, afinal? - perguntou Zach, ocorrendo-lhe que ainda não haviam falado sobre o assunto. - Apenas sei que é uma alta executiva. Trabalha na área administrativa? Financeira?

- Não. Além de diretora da área de Pesquisa e Desenvolvimento, eu sou a degustadora oficial de sorvetes da Amanda Rae.

- Deve estar brincando. Você é realmente paga para fazer isso?

- Sou muito bem paga para fazer isso. Mas não fico apenas sentada experimentando sorvete o dia todo. Embora eu passe bastante tempo fazendo isso, também crio sabores.

- Então, você de fato, vive cercada de tentações. Deve estar tendo de redobrar seus esforços. Ah, e quanto ao que você disse, durante nossa caminhada, quanto a poder criar um sabor de sorvete que transmitisse a atmosfera desta manhã, faz sentido agora. - Zach conseguia pensar em todos os tipos de sabores só em olhar para ela, desde a pele de pêssego, até os olhos de mel e os lábios de cereja.

- Talvez você tenha visto o comercial do Bombom Demais. Esse é um dos meus. Já é o nosso campeão de vendas.

- Está querendo dizer que ele superou o Supremo de Farelo de Cereais e Melaço?

- Credo! Teríamos de pagar às pessoas para comer esse.

Tess riu, e ocorreu a Zach que poderia ouvir aquele som puro e cristalino para sempre e jamais se cansar.

- Está bem. Que tipo de sabores você criou que não tem de pagar às pessoas para comer?

Uma covinha sexy apareceu no rosto dela enquanto começou a enumerar orgulhosamente suas criações do ano anterior. Mas Zach acabou perdendo o fio da meada... estava ocupado demais perguntando-se se os lábios dela eram tão doces quanto pareciam.

Fechando os olhos em expectativa, inclinou-se na direção dela. Gentilmente, roçou-lhe os lábios com os seus, testando, provando.

Encontrou calor, receptividade, ardor.

Pousando a mão na nuca dela, puxou-a mais para si com vagar, intensificando o beijo. Ouviu-a soltando o que pareceu um suspiro de contentamento. Traçou-lhe o contorno suave dos lábios com a ponta da língua, em busca de permissão para entrar. Tess entreabriu os lábios. O convite foi demais para alguém que passara semanas sonhando com sua dama de vermelho quando dormira e pensando nela o restante do tempo.

Estreitou-a mais junto de si no interior íntimo do furgão, beijando-a com volúpia, enquanto Tess retribuía com paixão e sussurrava seu nome sem parar. E era tão bom sentir aquelas mãos macias tocando seu peito, apesar da barreira das roupas.

Em vez da receptividade anterior, porém, ela apertou os lábios de repente, o corpo enrijecendo, e se afastou dele.

- Zach, pare!

Bem, aquilo não pareceu mais um convite. Ofegante, ele ajeitou-se de volta no assento. Não deveria se sentir tão desapontado, disse a si mesmo. Ainda era cedo. Haveria tempo depois. Afinal, era o primeiro beijo deles.

- Acho que é hora de eu levá-la de volta para casa.

O trajeto em absoluto silêncio de volta até o edifício de Tess pareceu interminável, e ela queria estar em qualquer outro lugar exceto ao lado de Zach Ferrara. Mas era inevitável, com ambos no banco da frente do furgão.

Quando o silêncio se prolongou demais, ele ligou o rádio.

- Está tudo bem com você? - perguntou, enfim.

Grudada na porta do veículo, Tess confirmou com um gesto de cabeça. Qualquer coisa era melhor do que aquela quietude opressiva. Talvez conseguisse esquecer a tola culpa que a dominava por ter afastado Zach de si.

Arriscou-se a lançar-lhe um olhar. A expressão no rosto dele era indecifrável, mas, por certo, não parecia culpada. Não fizera nada para indicar que se sentia atraída por ele. Ou fizera? Bem, costumava despi-lo com os olhos às vezes, mas quando ele não estava olhando e, portanto, não havia meio de tê-lo deixado perceber.

Talvez, quando lhe telefonara no meio da noite, dera-lhe a impressão de que estava disponível, ou algo assim. Talvez Zach achasse que ela não tinha nada melhor para fazer.

O fato era que não gostava daquela atração. Tinha coisas melhores a fazer. Tinha amigos. Um trabalho interessante. Viajava. Tinha encontros, embora o mais recente tivesse sido numa festa na casa de Lorraine mais de um ano antes.

Mas, afinal, por que deveria se sentir culpada? Fora Zach quem fizera a investida indesejada, não ela.

Bem, admitia. Não fora assim tão indesejada. Aquele era o problema. Talvez não devesse ter...

Zach começou a assobiar ao ritmo alegre da música do rádio.

Evidentemente, não estava sentindo nada. Nem culpa. Nem remorso. Nem mesmo um mínimo de constrangimento. Bem, ela podia se mostrar igualmente indiferente.

Apoiou a cabeça na janela. O vidro frio não contribuiu em nada para refrescar seu rosto afogueado.

- Não é que eu nunca tenha sido beijada, sabe? Não foi por isso que parei você...

- É mesmo?

Tess não gostou do tom de voz dele. Zach achava que era o único homem do mundo que já tentara beijá-la? Ela colocaria as coisas em pratos limpos, por assim dizer.

- Para seu governo, os homens estão sempre me paquerando quando viajo a negócios.

Zach lançou-lhe um olhar.

- O quê?

- Homens. Homens que me acham atraente e querem me beijar. - O furgão oscilou. - Pare de olhar para mim. Preste atenção à rua.

Zach segurou o volante com ambas as mãos e olhou diretamente para a frente.

- Assim é melhor. Como eu estava dizendo, muitos homens me acham atraente. Muitos. Já fui beijada várias vezes. E gostei. E retribuí os beijos. - Pronto. Aquilo devia mostrar a ele!

Zach começou a rir baixinho, tentando se conter.

- Você está rindo de mim?

Ele sacudiu a cabeça, continuando a se esforçar para segurar o riso.

- Então, os homens não deixam você em paz. Acho que isso explica.

- Explica o quê? - Agora, ele a deixara com raiva e confusa.

- Por que você tem de ser tão cautelosa perto de mim. - Zach estacionou diante do prédio. - Chegamos. - Sorrindo amplamente, abriu-lhe a porta para deixá-la sair. - Quer que a acompanhe até sua porta?

- Não, obrigada. Na próxima vez em que subir até meu apartamento é melhor que esteja com os braços cheios de comida.

Zach observou-lhe os quadris ondulando graciosamente enquanto ela se adiantava até a entrada do edifício. Não havia dúvida de que ficava linda quando estava zangada. Mas daria qualquer coisa para saber do que Tess estivera falando. E quem a andara beijando.

- Ele beijou você? Parabéns! Aquele homem é bonito, cozinha divinamente e, aposto, beija muito bem também. - Lorraine jogou a cabeça para trás e vibrou.

Tess colocou um jogo americano estampado que estivera observando de volta na prateleira e fuzilou a amiga com o olhar.

- Fale baixo, Rainey - sussurrou por entre os dentes. - Todos estão ouvindo você.

- Isto é uma loja de departamentos, não uma biblioteca. Desde que compremos alguma coisa, ninguém se importará com o meu tom alto de voz. - Lorraine atirou um pano de prato verde-limão no carrinho de compras. - Além do mais, se um homem como o seu Zach me beijasse, eu estaria gritando isso aos quatro ventos. Eu publicaria um anúncio de página inteira no jornal. Eu divulgaria o fato na Internet. Eu faria uma tatuagem dizendo "Mulher de Zach" na minha...

- Na sua o quê? Concentre-se, Rainey. Você não pode se desviar da nossa missão.

Tão logo o pano de prato pousou no carrinho, Tess tirou-o de volta.

- Deixe-me esclarecer duas coisas. Em primeiro lugar, estamos procurando artigos de mesa e decoração em tons pastéis, não fosforescentes. - Sacudiu o pano de prato para ilustrar o que dizia. - E em segundo lugar... e o mais importante, devo acrescentar... ele não é meu Zach. Não tenho sentimento especial algum por aquele homem. Exceto pelo modo como cozinha, quero dizer.

Lorraine apanhou o pano de prato em questão, colocando-o de volta no carrinho.

- Esse é para mim. Deixe-o aqui. Mas preciso lhe perguntar uma coisa. Por que estamos desperdiçando uma perfeita tarde de sábado fazendo compras de artigos de mesa apenas para que Zach possa usá-los enquanto estiver trabalhando na sua cozinha?

- Não são para ele. Eu preciso de coisas novas para minha cozinha. - Tess examinou uma toalha de linho bege com discretos bordados em branco.

Lorraine fez uma careta e sacudiu a cabeça.

- Garota, conheço você há dez anos e, durante todo esse tempo, fora da cozinha experimental da empresa, você nunca sequer preparou algo simples como um sanduíche de pasta de amendoim.

Dando de ombros, Tess tornou a dobrar a toalha e recolocou-a sobre a pilha de onde a pegara.

- Estou virando uma nova página.

- Sei, sei.

- É sério. - Tess sacudiu a cabeça diante de uma luva térmica de cores vibrantes que a amiga lhe mostrou.

- Esta é para mim. - Lorraine atirou a luva no carrinho. - Se aquele homem estivesse na minha cozinha, eu começaria a passar o tempo lá também. Eu aprenderia a cozinhar. Zach poderia fazer minha chaleira ferver a qualquer momento.

- Bem, ele não me afeta dessa maneira em absoluto. E não tenho a menor vontade de aprender a cozinhar. Nem por causa dele, nem por ninguém.

- Claro. - Lorraine cruzou os braços sobre o peito e arqueou uma sobrancelha delicada.

- Não estou gostando de nenhuma destas cores. Vamos ver o que há no corredor ao lado. - Sem esperar por uma resposta, Tess virou o carrinho para a esquerda.

- Você certamente está tendo um bocado de trabalho por alguém em quem não está interessada.

- Agora, você entendeu.

- Oh, sim.

- Você parece distraída - comentou Lorraine com Tess, enquanto revisavam alguns relatórios juntas. - Não me diga que ainda está confusa por causa daquela história do beijo.

Tess recostou-se por um momento em sua poltrona de couro e desviou o olhar para a vidraça de seu escritório. Não estava com a menor disposição para falar sobre beijos.

- Está nevando bastante hoje, não? - A amiga acompanhou-lhe o olhar.

- Ei, não tente mudar de assunto. Sim, está nevando bastante. Agora que já constatamos isso, conte-me o que anda incomodando tanto você.

Tess deu de ombros.

- Eu não sei ao certo. Talvez seja esse o meu problema.

- Talvez o que precisa é apenas de uma boa... você sabe.

- Não. De maneira alguma. Estou ocupada demais para me envolver com alguém. Não tenho tempo para um relacionamento. E eu me recuso a... você sabe... enquanto não estiver em algum tipo de relação duradoura. Se eu tiver de depender de uma... você sabe... para ficar de bom humor, prefiro ficar de mau humor. Já disse isso e vou repetir: sexo está descartado. Não é realmente grande coisa.

- Não é grande coisa? Querida, não estou falando de uma aventura de uma noite. Estou falando em se fazer amor com um deus do sexo.

- Um deus do sexo? Você acha que Zach Ferrara é um deus do sexo?

- Garota, eu reconheço um homem bom de cama a quilômetros quando vejo um.

- Bem, vou deixar esse campo de experiência para você, porque, sinceramente, não estou interessada.

Tess hesitou antes de abrir a porta de seu apartamento no início da noite de segunda-feira. O que diria a Zach? Depois de ter sido provocada por Lorraine o dia todo no trabalho, acabara percebendo que reagira de maneira exagerada ao beijo dele na manhã de sábado. Respirando fundo, enfim, destrancou a porta.

Entrando no apartamento, pendurou o casaco longo no armário embutido e adiantou-se com ar decidido até a cozinha. Usando um avental sobre calça marrom e uma camisa verde e bege, ele enxaguava alguns pratos junto à pia.

- Olá, Zach.

Ele virou-se com seu costumeiro sorriso caloroso.

- Olá. - Enxugou as mãos num pano de prato e retirou o avental.

- Hum, não sei o que está preparando, mas o aroma é delicioso - comentou Tess com um sorriso forçado, quando o silêncio se prolongou.

- Sabe, antes de preparar seu jantar de hoje, fiquei pensando por um bom tempo no que seria o ideal para eu cair de novo nas suas boas graças - disse ele num tom significativo.

- Bem, seja lá o que for que você tenha cozinhado, já parece um bom começo.

- Então, deixe-me servi-la o mais depressa possível. Você me espera na sala de jantar?

- Está bem. Tess só tivera tempo de lavar as mãos no lavabo e sentar-se à mesa já posta quando Zach apareceu.

- Chili vegetariano - anunciou, observando-lhe a reação enquanto depositava uma tigela de cerâmica fumegante diante dela.

Ele, então, girou nos calcanhares para voltar à cozinha. Ocorreu a Tess que não queria ficar sozinha.

- Espere. Por que você não se senta e me faz companhia?

Zach puxou uma cadeira e sentou-se ao contrário nela, apoiando os braços cruzados sobre o encosto.

- Só posso ficar mais alguns minutos. Tenho um importante planejamento de cardápios a fazer em casa.

- Ora, e quem, há poucos dias, estava empenhado em todo aquele discurso sobre o erro em se viver apenas em função do trabalho, em levá-lo para casa, em fazê-lo em demasia? - Tess soltou um pequeno riso antes de levar o chá gelado de ervas aos lábios. - No fundo, acho que somos bastante parecidos nisso. Mas eu entendo. Você adora seu trabalho. Como eu.

- Sim, isso temos em comum, mas eu não deixo que o trabalho tome todo o meu tempo. Não mais - acrescentou ele com um olhar distante. - Hoje em dia, eu mesmo faço meus horários. E há momentos em que prefiro trabalhar em casa do que no escritório, ou na cozinha

industrial da empresa. Mas nunca me excedo. Além do mais, tenho a sorte de poder contar com uma equipe totalmente confiável e eficiente.

- Parece que você encontrou o equilíbrio profissional perfeito.

- Não antes de muito empenho.

- Entendo. - Tess estudou-o por um longo momento. - Estou curiosa quanto a uma coisa. Você flerta com todas as suas clientes?

Zach começou a rir.

Tess não compreendia o que havia de tão hilário em sua pergunta.

- Não vejo o que é tão engraçado. Estou lhe perguntando algo sério. E, então, você faz isso?

Zach aproximou mais a cadeira e apoiou o queixo nos braços.

- Geralmente, eu nem sequer vejo mais nossos clientes após a entrevista inicial, quanto mais cozinhar para eles. Meus assistentes cuidam disso. Como já lhe disse, tenho sorte em poder delegar a maior parte das tarefas.

Zach estava extremamente próximo. Apesar do calor emanando do chili, Tess jurou que ainda podia sentir o calor que se irradiava do corpo dele. E aqueles penetrantes olhos cinzentos deixaram-na nervosa. Ela limpou a garganta, obrigando-se a sustentar-lhe o olhar intenso.

- E por que está fazendo isso para mim?

- Porque você é um caso especial.

- E exatamente o que me torna tão especial?

- Os seus hábitos alimentares. Suas preferências de comida. Seus hábitos no trabalho. Suas tendências para se tornar viciada em trabalho. Sua incapacidade de cozinhar o que quer que seja.

- Está dizendo que sou estranha?

- Não, você não é nem um pouco estranha. O que estou dizendo é que é familiar demais.

- Familiar demais?

- Você é exatamente como alguém que conheço muito bem. Alguém que comia como você. Que não sabia cozinhar. Trabalhava como você. A diferença é que essa pessoa não prestou atenção aos sinais de alerta. Até que foi tarde demais.

- Esse seu amigo morreu? Lamento.

- Não, ele não morreu. Teve um ataque cardíaco cinco anos atrás, logo depois de ter feito trinta e três anos. Seu emprego era altamente estressante e, portanto, teve de se aposentar como presidente de uma grande empresa. Viu-se obrigado a começar sua vida outra vez. Mas sentiu-se imensamente grato por ter uma vida para recomeçar, por sua segunda chance.

Tess estremeceu, pensando na própria avaliação médica.

- Esse homem ainda está vivo? Está bem?

- Está ótimo. Na verdade, está mais vivo agora do que estava antes do ataque cardíaco.

- Você cozinha para ele?

- Todos os dias.

- Mas pensei que tinha dito que não cozinhava para mais ninguém além de mim.

- Isso mesmo.

- Espere um minuto. É... não, não pode ser. - Tess lembrou-se, então, do comentário que ele já fizera sobre a vida ter-lhe dado uma lição. - Essa pessoa é você?

- Sim.

- Puxa... Você era exatamente como eu?

- Não, não exatamente. Temos algumas diferenças bastante significativas.

Ela corou.

- Mas você disse que não sabia cozinhar.

- Não mesmo. Eu vivia de sanduíches e coisas assim na época em que fiz a faculdade de Administração de Empresas. Eu tinha tino para os negócios e, só pensando em trabalho, não demorou para que me tornasse o presidente da empresa. Nessa época, eu vivia à base de fast-food, o que somado a outros fatores, fez com que eu pagasse meu preço. Depois que me recuperei por completo, decidi mudar radicalmente de vida. Comecei a fazer outra faculdade, a de Nutricionismo e abri a Coração Puro, porém mantendo um ritmo totalmente diferente do que eu levava antes. Como ainda era um desastre na cozinha, fiz também vários cursos de chef e acabei pegando o jeito. - Zach abriu um de seus sorrisos marotos. - Bem, mas, antes de tudo isso, eu ao menos sabia acender uma churrasqueira.

- Jamais conheci um homem que não soubesse.

- Homens gostam de brincar com fogo. - E as mulheres também, pensou Tess.

- É mais fácil uma pessoa se queimar se não tomar o devido cuidado - sussurrou ela, o coração disparando.

Zach também baixou a voz.

- Eu sei.

Daquela vez, quando ele se inclinou, Tess descobriu-se com a esperança de que a beijasse.

Zach não a desapontou. Aquele foi um beijo de almas gêmeas. Os lábios dele, firmes, quentes e cheios de promessas, apossaram-se dos dela com volúpia. Quando o beijo, enfim, terminou, Tess soltou um suspiro.

- Acho que chegou o momento de eu ir agora.

Ela permaneceu imóvel à mesa depois que Zach saiu, o chili foi momentaneamente esquecido. Quando começou a comer, todos os seus pensamentos estavam concentrados nele e mal tocou no delicioso cozido. Finalmente, desistiu de tentar comer e recolheu a tigela de cerâmica. Um bilhete caiu da parte de baixo dela. Mais uma vez, Tess teve de se esforçar para decifrar a letra... gostava mais quando ele datilografava suas mensagens. Cinco minutos depois, Tess, enfim, conseguiu lê-la.

"Você me enlouquece. Não consigo pensar direito quando estou perto de você."

Ela conhecia a sensação.

Enquanto Zach dirigia do apartamento de Tess rumo a sua confortável casa numa área tranqüila do Distrito de Colúmbia, ainda não fazia idéia da razão para ter contado sua história pessoal de vida a uma mulher que conhecia havia tão pouco tempo. Evidentemente, não se sentia tão atraído por alguém havia anos. Tivera vários relacionamentos, tórridos, mas passageiros, nos tempos da primeira faculdade. Mas, uma vez que iniciara sua rápida ascensão nos negócios e se tornara um alto executivo, todo o seu tempo e energia haviam sido dedicados à carreira. Raramente namorara e não tivera nenhum compromisso duradouro. Nenhuma das mulheres que conhecera quisera competir com sua verdadeira paixão, seu trabalho. E, depois que se recuperara e mudara de profissão e estilo de vida, ainda não havia encontrado uma mulher que lhe despertasse o interesse em caráter permanente. Até que conhecera uma certa dama de vermelho.

Tess desviou-se para o lado enquanto duas adolescentes surgiram driblando uma bola de basquete na sua direção. Aquela coisa toda de uma imensa e concorrida loja de esportes a estava deixando nervosa. Crianças de todas as idades tomavam cada corredor, cada uma experimentando novos bastões, bolas e patins, e nenhuma prestando atenção para onde ia. Era um dos lugares mais barulhentos em que já estivera. A loja inteira cheirava como um pneu novo em folha.

Zach não parecia nem um pouco afetado pelo barulho, o cheiro, ou o perigo. Na verdade, ele mesmo acabara de pegar um bastão e estava parado no meio do corredor, fazendo de conta que era um astro do beisebol. Parecia tão bonito e determinado com os olhos fixos em algum arremessador imaginário e o boné de beisebol colocado com a aba para trás na cabeça.

Tess aproximou-se devagar, as mãos erguidas para se proteger do bastão.

- Pensei que estivéssemos aqui para comprar minha esteira ergométrica.

Colocando o bastão de volta na prateleira, ele abriu-lhe um sorriso maroto e abraçou-a pela cintura, puxando-a para si.

- E estamos. Mas o que há de errado em nos divertirmos um pouco primeiro.

- Se chama isso de diversão...

- Não, eu chamo isto de diversão. - Zach beijou-a em cheio nos lábios, um beijo delicioso que a surpreendeu e a deixou com a mente rodopiando.

Abriu um largo sorriso quando a soltou. Oh, Zach e aquele sorriso confiante. Faziam com que ela quisesse se despir. E ela mal se despia diante do espelho.

- É melhor irmos ver aquelas esteiras. - Ainda aturdida, Tess afastou-se da seção de equipamentos de beisebol, embora não fizesse a menor idéia de onde estava indo. Sentia-se bastante daquele jeito nos últimos tempos.

Zach parou para testar alguns pesos. Pegou o maior que havia em exposição e ergueu-o algumas vezes, os músculos do braço em evidência.

- Já decidiu que tipo de esteira ergométrica vai comprar? - Tess ignorou-lhe a demonstração de força e vigor.

- Uma que funcione.

- Além disso.

- Eu examinei três folhetos de diferentes fabricantes, se é o que quer dizer.

- Oh. Está certo.

- E então? Está quase terminando de brincar de Hércules? Vamos. A loja fecha às nove.

Zach colocou o peso de volta de onde o pegara e seguiu-a.

- E que funções está querendo? Que tipo?

- Eu quero uma que seja elétrica, é claro, mas o mais simples possível. Algumas delas davam a impressão de que uma pessoa precisaria de um brevê para operá-las.

Zach parou na seção que procuravam.

- Aqui estamos. Qual é o nome do modelo que você gostou mais?

Abrindo a bolsa, Tess apanhou um pedaço de papel. Correu o dedo pela lista de esteiras.

- A Mercury 457. - Olhou em torno do mar de esteiras ergométricas. - É esta aqui mesmo.

Zach subiu na esteira indicada e olhou a etiqueta de preço.

- Você tem condições de comprar uma melhor do que esta, não tem?

Deixando aquela, foi subir numa esteira maior e mais equipada.

- Algo como esta aqui, por exemplo. O modelo 657. É a que usam em todas as academias de ginástica.

- Dinheiro não é o problema aqui. Não me importo realmente com que há em academias de ginástica, que são lugares sádicos, de qualquer modo. E não preciso de toda essa parafernália. Apenas quero uma esteira básica. - Tess subiu no modelo 457. Parecia dispor de todos os recursos que uma pessoa normal precisaria. - Esta é ótima.

Ainda no modelo 657, Zach pegou um cartão plastificado que pendia da esteira com todas as especificações do fabricante. Ergueu-o enquanto o lia para que Tess pudesse ver as maravilhas daquele sofisticado aparelho por si mesma.

- Veja só isto. O modelo 657 monitora também a sua pulsação, sua respiração e sua temperatura.

- Nada como você se conectar a uma máquina - respondeu Tess, irônica. - Prefiro caminhar livre.

Uma outra esteira chamou a atenção de Zach. Deixando o modelo 657, foi até outro na fileira seguinte.

- Oh, uau! Olhe só para isto. A loja tem o novo modelo 757. Eu só o havia visto em revistas. A esteira possui um sistema virtual com um simulador, de modo que você poderia estar caminhando ao longo da Champs-Elysées, em Paris, ou do rio Nilo, no Egito...

- Ou na lua, eu suponho.

- Sim. - Zach soltou um suspiro. - Você já a viu também, então? Isto é tão incrível. - Passou a ela a lista de especificações.

- Vem com controle-remoto - leu Tess. - Para que é preciso um controle-remoto? Não é só ligá-la quando se está nela?

- Tudo fica melhor com um controle-remoto.

- Tudo?

- Tudo.

- E você usaria o controle-remoto para...

- Ligar estas luzes na base, ou aquecê-la, ou desligá-la, caso tenha esquecido.

- Ou mudar a velocidade quando alguém está se exercitando nela? Não, obrigada.

- Cedo ou tarde, você terá de atirar a cautela ao vento. - Zach, abriu-lhe um sorriso malicioso.

No fundo de seu coração, Tess sabia que já o fizera.

Capítulo IV

- Deveríamos estar fazendo isto como um exercício hoje. Poderemos voltar depois e você terá a chance de parar e olhar tudo o que quiser. Mas, no momento, temos de continuar em movimento. A sua esteira ergométrica ainda não foi entregue e, portanto...

- Não é culpa minha se aquela que gostei não havia em estoque e tinha de ser encomendada da fábrica.

Da próxima vez, ela não levaria o sr. Movimento Constante ao Museu Aeroespacial, pensou Tess, estendendo a mão para tocar uma pedra lunar.

- Só um minuto. Nunca tive a oportunidade de tocar um pedaço da lua.

- Pois me parece uma simples pedra como outra qualquer. - Zach olhou para o relógio de pulso. - Como sabe que é realmente da lua?

Mantendo a mão na pedra, ela usou a outra para pegar a de Zach e a pousou no pedaço da lua.

- Existem coisas em que se deve acreditar apenas com base em pura fé.

Zach moveu a mão sobre a dela.

- Eu deveria saber que você ficaria encantada com esta pedra. Afinal, você tem uma coleção e tanto delas na sua sala de estar. Pedras terrestres, de qualquer modo.

A súbita excitação provocada pelo toque de Zach, enquanto suas mãos se uniam, sobrepujou o entusiasmo em tocar um pedaço de história. Tess teve vontade de beijá-lo, ali mesmo no vasto museu, não importando quantos garotos de dez anos estivessem observando. Teve de se esforçar para conter o impulso.

- A propósito, onde você arranjou todas aquelas pedras?

Obviamente, Zach não estava tão afetado por aquele toque quanto ela. Não pareciam ter entrado ainda em perfeita sintonia. Bem, bem se ele queria apenas conversar, era o que fariam.

- Não são meras pedras. São pedras semipreciosas e minerais. Minha tia, Teddy, com certeza se reviraria no túmulo se ouvisse alguém as chamando simplesmente de reles "pedras".

- Tia Teddy? - Zach meteu as mãos nos bolsos. Tess bateu na pedra lunar com a ponta da unha.

- A irmã mais velha da minha mãe. Tia Theodora ajudou a me criar. Ela me deixou parte de sua coleção quando morreu, há uns dois anos. O restante da coleção está na Smithsonian Institution.

- Tess, você ainda está com a mão na pedra.

- Ainda não terminei de tocá-la.

- Bem, a fila de crianças atrás de nós gostaria que você tivesse terminado.

- É a minha vez, é a minha vez - disse o garotinho logo atrás dela.

Lançando-lhe um sorriso embaraçado, Tess deixou com relutância seu lugar junto à pedra lunar.

- Sabe de uma coisa, Zach? Toda esta coisa sobre a lua me deu uma idéia.

- Talvez um passeio romântico comigo ao luar?

- Não, algo melhor do que isso. - Ele arqueou uma sobrancelha.

- Acho que acabo de ter a inspiração para um novo sabor. Segurando-o pelo braço, Tess seguiu rapidamente pelo corredor do museu rumo à saída.

- Temos de pegar o próximo metrô. Tenho de chegar a um lugar bem depressa.

- Espere um pouco. Os trens passam com intervalo de cinco minutos

- Aonde estamos indo? O que estamos fazendo? E quanto à essa caminhada?

- Luar sobre Maui é mais importante do que uma caminhada.

- Luar sobre Maui?

- Esse é o nome do novo sabor. Acabei de pensar nele. Soa bastante bem, você não acha?

- Isso ainda não responde à minha pergunta. Aonde vamos e o que estamos fazendo?

- Vamos até a mercearia para comprar os ingredientes a fim de inventar um novo sabor. - Tess virou-se para lhe lançar um olhar enquanto seguiam depressa pela calçada. - Estou tão empolgada! Esse vai ser realmente bom. Será melhor do que bom. Será um sabor incrível.

Zach acompanhou-lhe o passo rápido. Então, era daquela maneira que Tess ficava quando estava entusiasmada, eufórica. O rosto corado. Os olhos brilhando feito âmbar reluzente. Aquela era uma mulher determinada. Uau, era sempre assim tão sexy quando tinha uma idéia? E se tivesse sabido que ela era capaz de se mover tão depressa, estariam caminhando em torno de museus em vez de passar por dentro deles.

- Estamos indo devagar demais - queixou-se Tess, descendo velozmente a escada rolante. - Tenho de ir até uma loja.

- Estamos na metade do dia. Qual é a pressa?

- Eu costumo ir até uma loja de produtos importados e iguarias finas para comprar meus ingredientes. Fica no final da rua onde eu trabalho e só abre algumas horas por dia.

Tess saltou para o interior do vagão do metrô um segundo depois que as portas se abriram, Zach tratando de embarcar logo em seguida.

- Mal posso esperar! Bem, vejamos do que precisarei... Ajude-me a lembrar se eu esquecer de algo quando chegarmos, sim? - pediu ela a Zach, já no assento a seu lado. - Hum, em primeiro lugar, vou precisar de abacaxi. Mas de que tipo? - murmurou quase para si mesma. - Fresco? Em calda? Seco? Verei depois. Também vou precisar de coco. Em pedaços? Ralado? Leite de coco?

- O que está fazendo, afinal?

- Não me interrompa. Estou criando. Onde eu estava? Oh, sim, amêndoas. Não, não, castanhas de caju. Inteiras? Em lascas? - Tess sabia que estava esquecendo algo. - Do que mais eu preciso, Zach? Este sorvete será uma fantasia tropical.

- Acho que você precisa de menos açúcar, nada de castanhas de caju e nem de coco. Especialmente leite de coco. Tem teor de gordura mais elevado do que...

Tess arqueou uma sobrancelha delicada.

- Lembre-me de nunca mais lhe pedir uma opinião sobre sorvete.

- Está tentando matar a população inteira de Washington, DC, ou algo assim? Uma explosão nuclear não seria mais rápida e humana?

Ignorando os exageros do saudável Zach, ela repassou os ingredientes na mente outra vez e, então, ocorreu-lhe:

- Caramelo. É o que está faltando. Um grande e espesso fio de caramelo entremeando-se ao cremoso sorvete de coco, acariciando as castanhas de caju em sua jornada até o suculento abacaxi.

- Isso soa mais como sexo do que sobremesa. Está começando a me deixar todo excitado.

Tess ergueu a mão.

- Esqueça essa idéia. Estou no meio de uma criação aqui. Preciso decidir o exato teor de cremosidade do caramelo.

- Ninguém conseguirá notar a diferença. As pessoas estarão ocupadas demais pressionando as mãos sobre o coração e caindo duras.

- Eu saberei a diferença. E se eu souber, a empresa também saberá. Eles contam comigo lá. Não fizeram um seguro de um milhão de dólares do meu paladar à toa.

- Um milhão de dólares? Está falando sério? - A maioria das pessoas do vagão deixou o que estava fazendo para olhar diretamente para Zach.

- Desculpem. - Ele lançou um sorriso de desculpas na direção de todos. - Um milhão de dólares? - repetiu numa voz mais baixa. - Alguém com um paladar de um milhão de dólares vem provando minha comida? Como me saí?

- Bem...

- Espere um minuto. Eu havia esquecido que você é a mesma mulher que prefere o Taco Saboroso a um requintado restaurante francês.

- Eu sou como um degustador de vinhos. A diferença é que meu paladar é específico para sorvete.

- Está me dizendo que só consegue distinguir bons sabores de sorvete, mas de nada mais.

- Exatamente. Poderia se dizer que deixo meu paladar no trabalho.

- Então, como você faz? Apenas fica à sua mesa e espera que a inspiração apareça?

- Não, eu tenho cotas a cumprir. Eu tenho de criar pelo menos dois sabores novos por mês. Geralmente, eu crio mais do que isso. Veja, é aqui que temos de descer.

Adiantando-se até as portas do vagão, Tess saltou para fora quando mal abriram e deixou a estação do metrô rumo à loja de importados, seguida de um aturdido Zach.

Tess conduziu Zach até a área restrita da Amanda Rae.

- Normalmente, não permitimos o acesso do público aqui a esta cozinha experimental, mas, uma vez que é final de semana e que você foi tão amável carregando todas essas compras... Apenas não toque em nada.

A única coisa que Zach queria tocar era ela. Tess quase o enlouquecera com suas descrições sensuais de ingredientes de sorvete e, agora, estava fazendo o mesmo com seu corpo. Com a maneira como se movia. Na certa, nem sequer se dava conta de que seus quadris, moldados por jeans justo, ondulavam num ritmo que só ela conseguia ouvir enquanto misturava e media os ingredientes de sua criação. Observou-a, então, picar as fatias de abacaxi em calda com a precisão de um cirurgião, a língua aparecendo no canto da boca.

- Se alguém lhe perguntar o que estou fazendo, você não consegue se lembrar de nada. Entendido?

Céus, naquele momento, ele mal conseguia se lembrar do próprio nome. A única coisa que sabia era que precisava tocar Tess.

Agora.

Aproximando-se por detrás dela, abraçou-a pela cintura. Tess não lhe golpeou a mão com a faca. Foi um bom sinal.

Começou a roçar-lhe o pescoço levemente com os lábios. Ela deixou a cabeça pender para trás, como se quisesse lhe dar melhor acesso. Um ótimo sinal.

Quando a estreitou no calor de seu corpo, notou que Tess estremeceu, o que só confirmou que estavam no caminho certo.

Mas ela não parou de cortar o abacaxi. O que não era bom. De alguma maneira, ele precisava cativar-lhe totalmente a atenção. Mordiscou-lhe o lóbulo da orelha, o que a fez estremecer outra vez.

Tess recolheu os pedacinhos de abacaxi com mãos trêmulas e colocou-os na vasilha medidora. Sensações maravilhosas percorriam-na e apenas uma pequena parte devia-se ao entusiasmo por sua nova criação. Lentamente, virou-se para fitar Zach, mantendo as mãos de lado para não lhe respingar a calda do abacaxi.

- Minhas mãos estão meladas.

- Esqueça. - Zach tomou-lhe os lábios com um beijo longo e delicioso. Intensificou-o cada vez mais, começando a lhe explorar a maciez da boca com a língua.

Tess sentiu suas defesas ruindo, o corpo tomado por uma corrente de excitação e, ao mesmo tempo, um bem-vindo torpor. Enquanto retribuía ao beijo com ardor, ficou surpresa com o fato de suas pernas ainda a estarem sustentando.

Esquecendo a calda em suas mãos, segurou o rosto dele com carinho e continuou beijando-o com uma paixão até então desconhecida em seu íntimo. Com seu paladar de um milhão de dólares, soube que os lábios de Zach Ferrara tinham um gosto muito melhor do que o mais delicioso sorvete da Amanda Rae. Aquilo, sim, era que se podia chamar de tórrida fantasia tropical.

Começou a cobrir-lhe o rosto de beijos, Zach e a calda de abacaxi formando uma combinação inebriante.

Uma brisa fria arrepiou-lhe a pele. Quando os botões de sua blusa de flanela tinham sido abertos? Antes de poder responder à própria pergunta, todo o pensamento coerente dissipou-se, enquanto Zach começava a afagar-lhe o corpo. Com a ponta dos dedos, ia deixando um rastro de fogo onde ia tocando, desde seu pescoço até seus seios. Os lábios começaram a seguir a trilha ardente deixada pelos dedos.

Tess soltou um suspiro trêmulo quando ele começou a despir-lhe a blusa pelos ombros, os lábios deslizando por seu colo até a curva dos seios.

- Vocês dois estão derretendo todo o sorvete do freezer. - De repente, não estavam mais sozinhos.

- Lorraine! - Tess puxou a blusa de volta ao lugar e tentou fechar os botões com dedos desajeitados. Zach terminou de apertá-los para ela e colocou-se de lado.

- Garota, você tem tanta sorte por ter sido eu! Luke Reynolds estaria morto no chão a esta altura se tivesse apanhado você - acrescentou, referindo-se ao presidente da empresa.

- Eu...

- Não precisa explicar nada. Eu vigiarei a porta enquanto vocês dois se recompõem.

Zach e Tess trocaram um olhar embaraçado.

- Desculpe - disse ele num tom manso. - Eu deveria ter-me lembrado de que você trabalha aqui. Nunca fiz nada assim antes. Acontece apenas que, sempre que estamos juntos, tudo em que posso pensar é... você sabe.

- Eu também - sussurrou Tess. A expressão constrangida dele deu lugar a um sorriso amplo.

- Isso é bom. E o que é que vamos fazer a respeito?

- Bem, o que quer que façamos, é melhor escolhermos um lugar com mais privacidade.

- Por que você não continua com sua criação? Preciso assar algumas coisas. Vejo você amanhã.

- Combinado.

Zach deu-lhe um beijo breve, mas terno, apanhou a jaqueta de couro do encosto de uma cadeira e adiantou-se até a porta.

- Está seguro - disse a Lorraine enquanto saía. - Pode entrar agora.

Tess estava novamente ocupada com sua mais recente criação quando a amiga entrou na cozinha experimental, fechando a porta atrás de si.

- Então, está descartado, hein? - Lorraine sorria de orelha a orelha.

- O quê? - Tess virou-se de costas para examinar a quantidade de pedacinhos de abacaxi no medidor.

- Sexo.

- Ora, Rainey, não estávamos fazendo sexo. Nós apenas...

- Eu pude ver o que estavam fazendo, cara amiga.

- Não. Não foi o que você pensou que era. É verdade.

- Sei, sei. - Lorraine apanhou um pedacinho de abacaxi da bancada e levou-o aos lábios.

- Eu tive uma idéia para um novo sabor.

- Qual? "Deleite de Zacolate"?

- Não. Estou falando sério. Eu tive uma idéia incrível...

- Ouça, não quero saber exatamente o que aconteceu aqui, embora eu faça uma boa idéia. Você apenas teve sorte por não terem sido flagrados por outra pessoa.

- Não sei o que deu em mim. Nunca fiz nada assim antes. Nem mesmo nos tempos da faculdade.

Lorraine tocou-lhe o braço, apertando-o com gentileza.

- Fico contente em ver que você finalmente encontrou alguém. Você merece um bom homem. Apenas precisa reconsiderar sua escolha de lugares para diversão.

- Isto não era diversão, Rainey. Você sabe como acabo tendo idéias para novos sabores de repente. Pensei num ótimo. Luar Sobre Maui. Então, entram em cena a calda de abacaxi... e Zach...

- Meu pãozinho de mel e eu ainda não tentamos usar calda de abacaxi. É ótimo?

- Sim. É sensacional.

A segunda consulta com a dra. Andrews deixou Tess com os nervos mais à flor da pele do que a primeira. Estava deitada numa maca, usando apenas uma frágil bata de papel-arroz, enquanto a médica terminava de fazer um eletrocardiograma depois de tê-la examinado.

- Tenho sido uma santa desde minha consulta, seis semanas atrás - declarou com um sorriso forçado. Lembrou-se, então, que demorara uma daquelas semanas para entrar em contato com Zach e que haviam sido sete dias regados a sorvete, chocolate e demais guloseimas. - Cinco semanas - corrigiu-se. - Cinco semanas sem açúcar, sem chocolate... exceto quando provo sorvete no trabalho. Não houve mais nada de frituras, nem de comida gordurosa...

- Fico contente por você e admiro sua força de vontade. Continue mantendo o bom trabalho.

- Sabe, doutora, há uma coisa que morro de vontade de comer a cada dia, mas da qual abri mão.

- E o que é?

- Sorvete.

- Mas você acaba de dizer que o prova no trabalho.

- Depois que eu o provo, eu enxáguo minha boca com água e cuspo. Não é a mesma coisa.

- Pronto. Seu eletrocardiograma está normal. Fique à vontade e vista-se e, depois, daremos uma olhada nos seus exames de sangue da semana passada para vermos como está se saindo. Volto dentro de alguns minutos.

Tão logo a porta se fechou, Tess saltou da mesa de exames e vestiu-se o mais depressa que pôde. Sentiu o estômago roncando. Não fizera o desjejum porque soubera que seria pesada naquela manhã. Enquanto acabava de fechar a frente do vestido de lã e se perguntava o que Zach lhe preparara para o almoço, a dra. Andrews bateu à porta e entrou.

- Você emagreceu dois quilos - anunciou, verificando a ficha dela. - Isso é ótimo.

Dois quilos? Tess calçou os sapatos. Dois quilos? Algo devia estar errado. Estivera quase se matando de fome durante cinco semanas... exceto por um ou dois momentos de fraqueza... e apenas perdera dois míseros quilos?

- Eu estava achando que havia perdido uns vinte.

- Você não tem tanto peso assim a perder. Lembre-se, seu peso não era a nossa maior preocupação.

- Talvez não, mas eu deveria ao menos obter algum benefício por estar torturando a mim mesma.

- E obteve. Veja isto. Sua pressão arterial baixou para o normal. E sem medicação. Isso é excelente. - A médica correu o dedo pelos resultados dos exames em sua prancheta. - Vamos ver como está o seu colesterol. Hum...

- Esse é um "hum" é bom ou ruim? - A dra. Andrews sorriu.

- Nenhum dos dois.

- Mas deveria ser um "hum" bom. Estive me empenhando em elevar o meu colesterol bom e baixar o ruim, como me instruiu. Vou a todos os lugares caminhando. Nós fomos até o monumento de Jefferson caminhando, passeamos pelo shopping. Fomos ao Capitólio, andamos ao longo do canal... e tenho visto mais coisas esquisitas na Smithsonian do que faria questão de ver novamente.

- Nós? Bem, srta. Samuels, está parecendo que finalmente arranjou vida própria. Continue se exercitando. A propósito, tem o costume de subir escadas?

Tess sacudiu a cabeça.

- Bem, em que andar você mora?

Por alguns momentos, Tess só pôde encarar a dra. Andrews, horrorizada.

Tess não podia crer que a dra. Andrews lhe recomendara que se exercitasse mais, que fizesse algo além das caminhadas. Daquele modo, ali estava ela, ofegando escada acima pelos doze andares de seu edifício, dispensando o elevador... o que provavelmente ainda não seria bom o bastante para a exigente doutora. As pernas já ameaçavam dobrar sozinhas pelo esforço, as solas dos pés protestando de dor, a ameaça de cãibras começando a contrair-lhe as panturrilhas.

Cansada demais para procurar as chaves na bolsa, Tess recostou-se na porta de seu apartamento e pressionou o botão da campainha com o ombro, esperando que Zach ainda estivesse ali. Enquanto lhe ocorria mais uma vez que ginástica era uma completa tortura e que, se sobrevivesse a todo aquele exercício, seria um milagre, Zach abriu a porta e ela deixou-se cair, extenuada, em seus braços fortes.

- O que houve? - A preocupação evidenciou-se logo na voz dele. - Você está bem?

- Escadas - explicou Tess, ofegante. - Subi... pelas... escadas.

Zach carregou-a até o sofá. Tess agradeceu com um gesto de cabeça.

- Vou lhe buscar um copo de água. Volto num instante.

Enquanto ele desaparecia no interior da cozinha, Tess afundou na maciez e conforto de seu sofá de couro com um profundo suspiro. Ainda tentava abrir o primeiro botão do casaco preto de lã quando Zach retornou, trazendo-lhe a água.

- Deixe-me tirar o casaco primeiro, sim?

- Precisa de ajuda?

Confirmando com um gesto de cabeça, Tess recostou-se no estofado e deixou os braços caírem para o lado. Ele pousou o copo de água mineral numa mesinha de canto e removeu-lhe o casaco com gentileza.

- Não beba depressa demais - avisou depois que tornou a lhe estender a água, mas ela já esvaziava o copo de um só gole.

- Oh, estou com dor.

- Não deveria ter bebido a água tão rápido.

- Não é isso. Estou com cãibra na perna.

- Em que parte? Talvez eu possa ajudar.

- Na barriga da perna.

- De qual?

O rosto contraído pela dor, Tess apontou para a perna direita.

Puxando uma cadeira estofada para perto, Zach sentou-se diante dela e colocou-lhe a perna em seu colo. Retirando-lhe o sapato, apoiou as mãos em torno da barriga da perna e começou a massagear os músculos contraídos. Era uma pena que Tess estivesse usando aquele tipo de meia-calça modeladora que achava que precisava usar. Apesar de transparente, o tecido parecia grosso feito lona e impedia o contato da pele. Como seria bom se estivesse com as pernas despidas. Se estivesse completamente despida...

Suspirando, Zach prosseguiu com sua massagem.

- Já está melhor?

- Ainda não. Continue, por favor. - Ela fechou os olhos.

Zach afundou os polegares no músculo, descrevendo círculos e abrindo um sorriso satisfeito quando percebeu que a cãibra passara.

- Obrigada.

Observou o rosto dela, ainda afogueado pelo esforço. Os cabelos haviam se soltado. Não entendia por que Tess não os deixava soltos o tempo todo, por que tinha de mantê-los presos naquele coque sisudo.

Estudou-lhe, então, os cílios longos e espessos, a maneira como lhe tocavam a pele alva num agradável contraste. Tess era tão incrivelmente bonita, com seus traços clássicos, as maçãs do rosto salientes, o nariz delicado. De longe, poderia até passar por um tipo comum, mas era fitando-a assim de perto que se via logo a perfeição de seu rosto. Viu-a umedecendo os lábios rubros com a ponta da língua, tentando não deixar que o gesto involuntário o afetasse tanto. Mas era impossível.

- Está certo, pode tirar as mãos da minha perna agora.

Aquele certamente não soou como o convite para o arroubo de paixão que ele estivera esperando.

- Há alguma coisa queimando?

Sim. Ele. Estava em brasa. Em chamas... Abrindo os olhos, Tess afastou-se do encosto do sofá e sentiu o cheiro no ar.

- Zach, há alguma coisa queimando?

Afastando com relutância as mãos do mais belo par de pernas que já vira, ele foi tomado por uma estranha sensação de perda.

- Há alguma coisa queimando? - repetiu ela, endireitando as pernas e a barra do vestido.

Zach respirou fundo, dando-se conta imediatamente do que estava causando as espirais de fumaça que começavam a surgir da cozinha.

- Espero que você goste de abobrinha recheada bem passada...

O Pérola de Calcutá possuía uma decoração tão interessante e convidativa quanto seus aromas. Tess olhou ao redor, admirando as várias texturas e cores exóticas cercando-os no restaurante indiano que Zach escolhera. Velas em castiçais ornamentados de latão reluziam em cada mesa. Grandes vasos adornando cada canto ostentavam buquês de penas de pavão multicoloridas. Estátuas de elefantes guardavam a grande porta dupla entalhada. Fios dourados entremeavam o linho da toalha de mesa, brilhando quando capturavam a luz oscilante das velas.

- Foi muita gentileza sua ter me trazido para jantar deste jeito. - Tess abriu um sorriso radiante para Zach por sobre seu menu.

- Acho que era o mínimo que eu podia fazer depois de ter deixado queimar seu jantar e impregnado seu apartamento com aquele cheiro de fumaça. Talvez esteja mais arejado quando tivermos voltado.

- Oh, não se preocupe com isso. Estou tendo uma noite ótima. Nunca fui a um restaurante indiano antes. Não sei absolutamente nada sobre este tipo de comida. Por que você não faz o pedido para nós dois?

Zach meneou a cabeça e virou-se para o garçom que se aproximava.

- Céus, o que vamos comer? - perguntou Tess depois que o homem anotou o pedido e se afastou. - Não reconheci uma palavra do que você disse.

- Não se preocupe. Tudo que eu pedi é delicioso e, ao mesmo tempo, saudável para você - assegurou-lhe um sorridente Zach, explicando-lhe sobre cada item.

- E eu aqui achando que escaparia do meu regime ao menos esta noite. - Tess retribuiu o sorriso, admirando-o. Ele ficava bastante sedutor com a luz das velas refletidas em seus cabelos, deixando-os com reflexos dourados. Parecia um daqueles homens que vira nas pinturas italianas renascentistas na Galeria Nacional. Podia quase ouvi-lo tocando uma balada romântica num alaúde para sua dama. A qual, evidentemente, seria ela.

- Nem pense em escapar de seu regime - respondeu Zach num tom sério. - Ah, e esqueci de lhe dizer. Sua esteira ergométrica foi entregue hoje. Vai poder começar a se exercitar mais.

Que lamentável desperdício de uma fantasia. Amante renascentista algum sequer cogitaria a hipótese de conversar com sua dama sobre regime e exercícios físicos num encontro romântico.

Já que era assim...

Ela sorveu um gole do chá que o garçom voltara para servir a ambos.

- Para sua informação, estive numa consulta hoje com a dra. Andrews e já perdi dois quilos - anunciou com orgulho. - Pareço melhor?

Zach pegou-lhe a mão por sobre a mesa e beijou-a com ternura.

O calor daqueles lábios percorreu-a por inteiro. Seu amante renascentista estava de volta.

Fitou-a demoradamente, e ela sentiu-se quase hipnotizada pela intensidade daqueles olhos cinzentos. Foi tomada por uma vontade incrível de tocá-lo, de acariciar-lhe o rosto com carinho, de beijá-lo, mas fez um esforço para conter-se.

- Acho que você parece perfeita, Tess Samuels. Sempre achei. - Ela fechou os olhos, gravando o momento na memória. - O que a dra. Andrews disse sobre as coisas importantes... sua pressão arterial e seu colesterol?

No momento, o romantismo estava mesmo passando a quilômetros dali. Tess libertou a mão. Talvez fosse melhor daquele jeito. Estivera quase prestes a puxá-lo para si pelo colarinho e, beijá-lo ali mesmo em pleno restaurante. Primeiro, a cozinha experimental no trabalho e, agora, um local público. Céus, nem queria pensar no que aconteceria se partilhassem daqueles momentos íntimos e desconcertantes quando estivessem perto de seu quarto.

Limpando a garganta, respondeu, enfim:

- Minha pressão arterial voltou ao normal.

- Excelente!

- E quanto ao colesterol... bem, a dra. Andrews disse que tenho de me exercitar mais.

- E, então, sem nenhum aquecimento ou alongamento, você decidiu escalar o monte Everest.

- Eu não chamaria doze andares de escadas de monte Everest. Mas foi o que pareceu, sem dúvida. Acontece que a dra. Andrews disse que eu tinha de começar a subir escadas e fazer exercícios aeróbicos.

- É como qualquer outra coisa. - Zach a estava olhando daquele jeito sensual novamente. - Você precisa começar devagar e ir aumentando a intensidade.

Tess sentiu arrepios subindo-lhe pela espinha. Ambos sabiam que agora ele estava falando sobre o tipo de atividade física feita para dois.

- Pensei que as caminhadas que temos feito eram para isso. Começar devagar. - Ocorreu-lhe que as caminhadas estavam servindo para "começar devagar" em mais de um aspecto.

- Temos feito caminhadas apenas uma ou duas vezes por semana. - Zach inclinou-se para a frente. - Não é o bastante.

Ela se perguntou se aquele "não é o bastante" incluía o tempo de ambos juntos também. Uma onda de incerteza dominou-a, pois não sabia exatamente como Zach se sentia a seu respeito.

- É óbvio que não é o bastante - concordou. - Meus músculos não estão prontos para fazer nada ainda. Nada. - Esperou que ele lesse as entrelinhas de sua mensagem.

Foi evidente que não. Zach continuava inclinado para a frente com aquele olhar penetrante, capaz de arrepiá-la por inteiro.

- Você viu como fiquei com cãibra na perna depois que subi as escadas.

- Talvez você devesse fazer algo para alongar os músculos. Alguma vez já pensou em tentar praticar ioga?

- Não é aquela prática em que as pessoas ficam sentadas e retorcem o corpo em todas aquelas posições esquisitas? - Pelos céus. Zach perdera o juízo?

- Ioga não se baseia em contorções. Ioga envolve respiração, alongamento, relaxamento e meditação. Suas técnicas e filosofia são perfeitas para o corpo, a mente e o espírito. Se bem que eu tenha de admitir que algumas das posições de fato parecem um tanto estranhas. Mas eu sei que foi o que realmente me ajudou a reencontrar meu equilíbrio e continua me ajudando. É como uma terapia.

- Você pratica ioga? É mesmo? Eu não sabia.

- Sim, pratico ioga duas vezes por dia. De manhã para aumentar a disposição e à noite para relaxar. É uma prática altamente benéfica em vários aspectos.

- Acha que eu conseguiria praticar ioga?

- Qualquer pessoa é capaz disso.

- Você tem uma fita de vídeo, ou algo assim?

- Não, eu tive aulas na Academia Y.

- Academia Y? Talvez eu vá até lá e faça uma tentativa. Afinal, não pode ser assim tão difícil, não é?

O garçom retornou com uma grande bandeja repleta de pratos fumegantes, e Tess fez os pensamentos rumarem de volta para a comida, onde deveriam permanecer.

- Não posso acreditar que você me convenceu a fazer isto. Nada de creme, nem de açúcar. Nada do que é bom. - Ali estava, a primeira vez de Tess na casa de Zach, e parecia que ambos iriam passar a noite inteira na cozinha. Ela teria preferido estar aninhada nos braços dele diante de um fogo crepitante e romântico na grande lareira de tijolos da sala de estar.

- Acredite. Há um grande mercado lá fora de consumidores ávidos por sobremesas que sejam saborosas e saudáveis ao mesmo tempo - assegurou-lhe Zach.

- Claro. Tenho certeza que sim, mas todas as coisas com baixo teor de gordura que já comi tinham um gosto simplesmente horrível.

- Obrigado.

- A não ser por aquela sua torta de ricota - apressou-se ela a acrescentar. - Estava ótima.

- Viu? Esse é um bom exemplo do que acabei de dizer.

- Ou uma exceção?

- Você é mesmo dura na queda, não? - Zach abriu seu freezer industrial sem esperar por uma resposta. - Está pronta para começar a cozinhar?

Céus, algum dia ela já estivera?

Vinte minutos depois, parada junto à pia da cozinha moderna e acolhedora, Tess ainda não tivera inspiração alguma. Aquilo nunca lhe acontecera antes de ter conhecido Zach. Normalmente, sabores de sorvete pipocavam em sua mente noite e dia. Mas quem seria capaz de criar uma obra-prima olhando para uma vasilha de iogurte congelado e desnatado, aromatizado com baunilha, e outra de granola caseira? E quem conseguia raciocinar com Zach recostado na bancada, sexy como nunca num jeans e camiseta preta?

- Sabe, existem outros ingredientes saudáveis que pode usar. Outro dia, você comentou que gostava da minha granola.

- E gosto. É excelente.

- Está certo. O que vai bem com granola?

- Frutas.

- De que tipo?

- Bem, eu estava pensando que morangos iriam bem, mas estão fora de época, e não consegui pensar em mais nada que ficaria tão bom com granola quanto eles.

- Tenho alguns morangos no meu freezer. - Zach esbarrou de leve nela a caminho de pegar as frutas.

Tess não entendia por que o calor do corpo dele a fazia vibrar com todo aquele... o quê? Anseio? Desejo? Não sabia definir exatamente o que era, mas as sensações eram certamente boas.

Numa taça de vidro, ela colocou uma pequena camada de iogurte congelado, um pouco de granola e lascas de morango.

- Pronto, prove isto. - Pegando uma colherada da mistura passou-a a ele.

- Está ótimo.

Tess também provou um pouco.

- Está monótono. Eu sei o que está faltando, mas você não iria ter isso aqui.

- E o que é? Talvez você se surpreenda.

- Isto aqui precisa de iogurte de chocolate como base. - Zach adiantou-se até a geladeira.

- Não tenho iogurte de chocolate, mas tenho isto. - Estendeu-lhe uma bisnaga de calda de chocolate.

- Calda de chocolate? Você?

- É um dos meus sabores favoritos. E apenas provo chocolate ocasionalmente.

- Ocasionalmente? Pensei que você tivesse banido de uma vez por todas os malefícios do chocolate de sua vida.

- Posso controlar a quantidade de chocolate que como.

- Oh? - Pegando um morango, Tess cobriu-o com um pouco da calda espessa de chocolate. - Aposto que não consegue comer apenas um destes. - Colocou o morango na boca dele. Uma gota de calda de chocolate permaneceu em seu dedo.

Os dois se entreolharam. Como se lesse os pensamentos dela, Zach lambeu-lhe o dedo sedutora e lentamente.

Tess conteve a respiração enquanto uma onda de calor a percorria com súbito impacto e, num inebriante contraste, a pele se arrepiava por inteiro. Era um delicioso misto de sensações.

Colocou mais um pouco de calda de chocolate na ponta do dedo e passou-o pelo lábio inferior de Zach.

- Faz tanto tempo que não provo nada disso. - Ela cobriu-lhe a boca com um beijo faminto, sentindo o sabor do chocolate, o sabor único dos lábios dele, o sabor da paixão.

- Minha vez - sussurrou Zach, rouco. Pegou a bisnaga e apertou-a, deixando que a calda de chocolate escorresse pelo pescoço dela. Seguiu a trilha doce com a ponta da língua, com os lábios cálidos.

A mente rodopiando, Tess estremeceu e soltou um gemido abafado quando ele pegou a barra de sua blusa de cashmere laranja e ergueu-a, tirando-a por sobre a cabeça depressa e largando-a no chão. Com lábios ávidos, cobriu-lhe o pescoço, os ombros, o colo acetinado.

- Adoro o seu gosto. Adoro seu cheiro. É como o de chocolate e cerejas.

Encontrando-lhe o fecho do sutiã vermelho nas costas, abriu-o e removeu-o, deixando que caísse sobre a blusa.

- Você é tão linda - sussurrou, afagando-lhe os seios com todo o vagar, estimulando os mamilos rosados, notando como se enrijeciam junto às palmas de suas mãos.

- Oh, Zach. - Tomada por prazer e expectativa, Tess mal reconhecia a própria voz. Soara sensual, ansiosa. Sem hesitar, ajudou-o a livrar-se depressa da camiseta e puxou-o de volta para si. Começou a mordiscar-lhe o pescoço, adorando o contato do peito musculoso de encontro a seus seios sensíveis.

Zach estreitou-a mais junto a seu corpo, o abraço ardente permitindo que Tess lhe sentisse a intimidade rija junto a si, apesar da barreira das calças de ambos. Ouviu-o soltando um gemido quando lhe alcançou o zíper.

- Você está me deixando louco.

Tess sorriu, surpresa em perceber que a intensa paixão que nunca soubera que possuía explodira numa combustão instantânea.

- Eu nem sequer comecei.

Abrindo-lhe o zíper do jeans, baixou o brim desbotado até os tornozelos dele.

- Espere só um minuto. Meus sapatos.

Enquanto ele se livrava dos sapatos e, enfim, da cueca boxer, Tess despiu sua calça de lã preta. Zach puxou-a para si, afagando-lhe os quadris, moldando-a no calor incandescente de seu corpo. Ansiando por aquela proximidade, ela o abraçou pelo pescoço e ambos trocaram um beijo sôfrego, faminto.

Zach ergueu-a nos braços, levando-a da cozinha e subindo pela escadaria rumo a seu quarto, e Tess sentiu-se pronta para entregar-se com todo o abandono.

Quando afundou na grande e macia cama de casal, Tess puxou-o para perto de seu corpo, desejando ser amada.

- Beije-me outra vez - sussurrou.

- Com prazer.

Soltando os grampos dos próprios cabelos dela, Zach deixou que cascateassem sobre o travesseiro como pura seda. Soltou um suspiro, tocando as mechas lustrosas como se tivesse ansiado muito por fazê-lo.

Cobriu-a carinhosamente de beijos, então, desde a fronte, as pálpebras até as faces e a ponta do nariz.

- Você é tão linda - disse mais uma vez e com tanta convicção que Tess não teve escolha senão acreditar. Tornou a beijá-la nos lábios com todo o ardor.

Ela retribuiu com a mesma paixão, afagando-lhe os ombros largos, o peito de músculos bem definidos. As carícias e beijos ternos de Zach foram se tornando cada vez mais intensos e urgentes. Tocou-lhe os seios com quase reverência em princípio, admirando sua perfeição e, enfim, capturou um mamilo túmido, sugando-o avidamente. Quando passou a dedicar a mesma atenção ao outro seio, escorregou a mão pelo corpo dela até a última barreira a calcinha de renda vermelha. Retirando-a com facilidade, começou a explorar o centro da feminilidade de Tess com tanta intimidade e ousadia que ela logo estava se contorcendo de prazer e sussurrando o nome dele sem parar.

Não podendo mais esperar, cingiu-o pela cintura com as pernas, recebendo-o de bom grado quando ele a penetrou. Seus corpos tremeram, tomados pela emoção que sobrepujou a tudo o mais. Ondularam em perfeita sincronia, cada vez mais depressa, numa prazerosa cadência que os levou a um êxtase fabuloso e tão almejado, arrebatando a um e simultaneamente outro. Naquele instante, Tess soube com toda a certeza que fazer amor com Zach Ferrara fora a melhor coisa que já lhe acontecera.

Tess perdeu a noção de quanto tempo dormiu, mas, quando acordou, percebeu que seus braços estavam vazios e que se achava sozinha na cama. Sonolenta, perguntou-se como Zach conseguira fazer amor com ela três vezes ao longo da noite, de três maneiras totalmente diferentes, e ainda ter energia para deixar a cama.

Naquele momento, Zach despiu o roupão e se meteu de volta entre os lençóis de flanela e puxou o edredom por cima de ambos.

- Onde você estava?

- Na cozinha.

- Oh, onde mais? - sorriu ela.

- Fui adiantar o nosso café da manhã. Para quando você acordasse. Mas já que despertou... Está com fome?

- Você não existe, sabia? - Tess aninhou-se nos braços dele. - Mas agora não. A comida pode esperar.

Ele arqueou uma sobrancelha para fitá-la sob a claridade da manhã que se filtrava pela vidraça do quarto.

- Nunca imaginei que a ouviria dizendo isso.

- Ora, vamos. Não sou tão esfomeada assim. - Tess estreitou seu corpo nu junto ao dele de maneira sedutora, lembranças da noite tórrida de ambos ainda nítidas. - Mas vou lhe contar um segredo. Você consegue me fazer esquecer de absolutamente tudo.

- Você também. - Zach tomou-lhe os lábios com um beijo longo e doce.

Ela soltou um suspiro de contentamento e deitou a cabeça no peito dele.

- Esta cicatriz dói? - perguntou, tocando com gentileza a pálida evidência da cirurgia de coração dele.

- Só quando dou risada.

- Ei, estou falando sério. Como foi que teve um ataque cardíaco tão jovem? Já tinha algum problema no coração?

- Não. Meu coração simplesmente não agüentou meu estilo de vida. O qual, como deve se lembrar, era bem parecido com o seu de agora. Eu não suportaria se você tivesse de passar pela mesma coisa que eu. Ou pior.

- Posso beijar seu peito e fazê-lo sentir-se melhor?

- Sim.

Tess olhou para o homem magnífico a seu lado, grata pela segunda chance que a vida lhe dera e mais uma vez admirada com a total recuperação dele. Certamente, precisara de muita força de vontade para se recobrar e se tornar um novo homem. Traçou o contorno da cicatriz em seu peito novamente, daquela vez com os lábios.

Zach afundou o rosto nos cabelos dela.

- Você sempre cheira a cerejas com cobertura de chocolate, meu sabor favorito.

- É o meu também. Há uma pequena loja na cidade vizinha de Alexandria que faz o perfume especialmente para mim.

- Espero que nunca feche.

Tess concluiu o beijo terno e ergueu a cabeça, sorrindo maliciosamente.

- Sente... desconforto em mais algum lugar?

Zach arqueou uma sobrancelha. Teve de admitir que a idéia de fazer amor com ela mais uma vez era tentadora, mas ambos tinham de ir trabalhar. Não que estivesse com a menor disposição para ir para o seu escritório, embora uma reunião semanal com sua equipe o aguardasse. Perguntou-se se a noite de paixão deixara sua dama de vermelho exausta também.

Sua dama de vermelho... Uau! Tess era mais incrível do que pudera imaginar até em suas mais ardentes fantasias.

- A que horas tem que estar no trabalho hoje? - Ela torceu o nariz delicado.

- Na mesma de sempre. Oito da manhã.

Zach olhou para o relógio digital na mesinha-de-cabeceira.

- Já são sete horas. Seu café da manhã e o almoço que vai levar já estão prontos. Mas você não terá tempo para ir até em casa trocar de roupa.

- Eu ficarei com o avental que uso na cozinha experimental e no laboratório. Ninguém vai notar o que estou vestindo. - Com um sorriso enternecido, ela lançou um olhar para suas roupas, que Zach já recolhera e colocara cuidadosamente dobradas numa cadeira. - Vamos correndo para o seu chuveiro, então?

- Essas não são as mesmas roupas que você estava usando ontem à noite quando saiu do trabalho para a casa de Zach? - Lorraine recuou do balcão de produção, inclinou a cabeça para o lado e inspecionou Tess com ar crítico.

- Não. - Amaldiçoando seu gosto por cores fortes e alegres, Tess concentrou toda a atenção num dos potes de sorvete que haviam sido levados anteriormente por um dos funcionários até a área de Controle de Qualidade.

- Não? Tem certeza? Se não me falha a memória, você estava usando essa calça preta e essa blusa laranja ontem.

- Tenho uma porção de calças pretas e blusas laranja.

- Oh, claro. Idênticas a essas. E, como estava sem imaginação esta manhã, decidiu se vestir exatamente como ontem. - Lorraine soltou um riso divertido. - Ora, a quem está tentando enganar? Bem, não importa. Então, você, enfim, passou a noite na casa de Zach. Conte-me como foi tudo!

- Fale baixo, Rainey. Alguém vai acabar ouvindo você. - Tess abriu o pote de sorvete seguinte a ser verificado. Não pôde evitar um sorriso sonhador quando acrescentou quase num sussurro para uma expectante Lorraine: - Só posso lhe adiantar que foi a noite mais maravilhosa da minha vida.

Capítulo V

Oh, as coisas que ela fazia por amor..., ponderou Tess, sentada num banco do vestiário da Academia Y. Ainda custava a acreditar que realmente aceitara a sugestão de Zach para ir até ali e se exercitar. A última vez em que estivera num vestiário fora nas aulas de educação física nos tempos de escola e, certamente, contra sua vontade. Era espantoso o que uma pessoa prometia fazer quando estava apaixonada. E ela estava apaixonada. Não havia a menor dúvida a respeito.

Para Tess, exercícios físicos, malhação, ginástica, sempre tinham sido sinônimos de uma única palavra: tortura. Mas ioga não soava tão mal, especialmente da maneira como Zach lhe falara mais a respeito na cama. Era evidente que não podia esquecer o detalhe de que tudo sobre o que ele já lhe falara na cama parecera realmente bom.

Daquele modo, ela se dispusera a enfrentar o novo desafio com uma atitude positiva. A menos que a fizessem torcer as pernas em torno do pescoço feito um pretzel humano. Sabia que não gostaria daquilo.

Fora preciso uma semana inteira de súplicas constantes e variados tipos de suborno para convencer Lorraine a tomar parte naquele curso de ioga com ela. Até agora, devia a Rainey um jantar no River Gauche, um espetáculo no Kennedy Center e um dia de beleza no novo salão que abrira no Hotel Watergate. Aquelas aulas de ioga iriam certamente lhe sair caras...

Felizmente, a instrutora não esperara que aparecessem usando roupas sumárias de lycra, como as mulheres ao redor. Dissera para usarem roupas confortáveis, como a camiseta folgada que Tess usava agora com uma bermuda justa de malha. Quando Lorraine chegou, um tanto atrasada, usando uma grande camiseta verde e short de ciclista, Tess não se sentiu tão deslocada.

- Vamos lá, amiga! - Lorraine despiu a camiseta, exibindo um top verde e branco exatamente igual ao short de lycra.

- Eu poderia esganar Zach Ferrara agora mesmo. Essa é a idéia dele de exercícios simples? - disse Tess por entre dentes depois do término da aula, quando ela e Lorraine já deixavam a academia.

- Ora, você não se saiu assim tão mal - disse a amiga, encorajadora, fechando melhor a frente de seu casaco esportivo. - E Becky é uma instrutora bastante atenciosa.

- É fácil para você falar. Pensei que você fosse uma iniciante, como eu, mas, pelo que vi, já tinha praticado ioga o bastante antes.

- Eu apenas assisto à tevê a cabo. - Tess soltou um profundo suspiro.

- Eu pensei que nunca mais iria conseguir sair daquela posição de lótus. Estou com os músculos doloridos até agora. E não preciso mencionar que foi embaraçoso ter precisado de ajuda para desenroscar as pernas e me levantar.

- Céus, você nunca fez nenhum exercício na sua vida?

- Não.

- Então, eu a aconselho a ao menos tirar aquela sua esteira ergométrica da caixa. Já é um começo.

- Zach tem me dito a mesma coisa desde que a esteira foi entregue. Mas, como disse a ele, tenho andado ocupada.

- Sei. - Lorraine lançou-lhe um olhar cético enquanto caminhavam na direção do edifício de Tess.

- Ora, ao menos eu fui até a tal aula de ioga, não fui? Só não sei se conseguirei voltar lá outra vez.

- Ora, anime-se. Lembre-se do que Becky disse. As posturas de ioga são fáceis de aprender, mas vá no seu próprio ritmo, sem ficar achando que tem que fazer tudo logo de início. Leia todo o material com informações sobre ioga que ela nos deu. Vai ser bastante útil e você se sentirá mais confiante.

- No momento, não tenho forças nem sequer para ler. - Tão logo entraram em seu apartamento, Tess desabou no sofá.

- Bem, admito que também estou cansada. E sabe do que estou precisando agora? Sorvete. Urgentemente.

- Oh, lamento, mas não tenho nada a lhe oferecer. - Tess ergueu a cabeça o mínimo possível da almofada do sofá. - O sr. Exterminador de Calorias e Diversão jogou todo o meu estoque de sorvete fora.

- Está brincando. Zach esvaziou seu freezer?!

- E meu armário de guloseimas também. Não tenho nem sequer um mísero confeito de chocolate em casa.

- Vamos dar um jeito nisso agora mesmo. - Lorraine sentou-se ao lado de uma mesinha de canto e pegou o telefone. - Vou ligar para Frank e, num instante, meu pãozinho de mel virá nos salvar.

Enquanto a amiga encomendava ao namorado um pote de Bom-bom Demais da Amanda Rae, Tess notou, enfim, a grande cesta que havia na mesa de centro e não estivera ali quando saíra para sua aula de ioga. Só podia ser o jantar que Zach lhe deixara, o desjejum e o almoço do dia seguinte já se encontrando certamente nos sacos de papel na geladeira, como de costume.

- Frank prometeu estar aqui, dentro de quinze minutos - anunciou uma sorridente Lorraine depois que desligou. - Uau, quem lhe deu essa cesta?

- Deve ser o jantar que Zach deixou aqui quando eu estava na aula de ioga.

- Hum, não está parecendo. Seu jantar deve estar na cozinha. Isto aqui parece um belo presente. Amanhã é o Dia dos Namorados, lembra? E a cesta está embrulhada em papel celofane vermelho. Vamos abri-la. Há um cartão?

Tendo se sentado rapidamente no sofá, Tess olhou debaixo da cesta.

- Não vejo cartão algum. Mas só pode ser de Zach. - Cuidadosamente, Tess desatou o laço de cetim vermelho da cesta. Um presente de Zach? Ela ainda não lhe comprara um presente de Dia dos Namorados, apenas um cartão.

- Uau! - exclamaram as duas amigas em uníssono quando o celofane deslizou da cesta.

Tess apanhou primeiro um frasco vermelho em forma de coração.

- Hum. Tem o aroma de cerejas com cobertura de chocolate. É o meu perfume! Aposto que Zach foi até aquela loja em Alexandria. - Depois de passar o sofisticado frasco a Lorraine para que o examinasse, ela tirou um vidro de óleo de banho da cesta e colocou-a na mesa perto da amiga. - Ei, veja! Aqui também há um CD de música renascentista de alaúde! Como ele sabia?

- Bem, eu atiraria um desses pela janela, sem dúvida. Mas ficaria bastante contente com um de Barry White.

Ignorando a amiga, Tess colocou o CD na mesa de centro e tirou um livro da cesta. Tão logo viu o que era, segurou-o junto ao coração.

- Deve ser um livro e tanto.

- Poemas e canções de amor medievais. É maravilhoso, perfeito. O melhor presente que já recebi.

- Uau, parece que ele está mesmo caído por você.

- Acha mesmo? - Tess sentiu as faces afogueadas, o coração disparando. Será que Zach estava se apaixonando? Ela já o amava, embora tivesse demorado a admitir a si mesma.

- Claro que sim, tolinha. Mas vamos ao que interessa. Há algum chocolate aí dentro?

- Não, mas há outras coisas por entre os papéis de seda. Hum, são velas aromáticas e sabonetes em formato de coração. - Tess foi lhes sentindo o delicioso perfume e colocando-os na mesa de centro.

- E o que é isso bem no fundo?

- Parece uma camiseta vermelha. - Desdobrando a peça de malha, Tess sacudiu-a e segurou-a na frente de ambas. Ton amour estplus desirable que chocolat, leu em voz alta.

- O que quer dizer? Parece sexy.

- Francês sempre soa sexy, Rainey. Mas isto é sexy em nosso idioma também. Basicamente significa: "seu amor é melhor do que chocolate".

- Ele acertou em cheio.

Com um suspiro de contentamento, Tess adiantou-se até o aparelho de som e colocou para tocar o CD que Zach lhe dera. voltando ao sofá, deitou-se, esticando os músculos doloridos.

- É uma música tão agradável, não, Rainey?

- Sim, é bem... relaxante.

- Se fechar os olhos, você até pode se imaginar numa vila na Itália, num outro tempo.

Tess fechou os olhos e, na poltrona ao lado, Lorraine fez o mesmo. Numa questão de segundos, ambas adormeceram.

Acordaram com a chegada de Frank Davis, um negro alto e de físico avantajado feito o de um jogador de futebol americano. Notando o quanto estavam exaustas, ele prontificou-se a servir o sorvete para todos.

- Esse é o meu Frank - sorriu Lorraine, enquanto seu "pãozinho de mel" desaparecia na cozinha. - Grande feito um urso, mas gentil como um gatinho.

- Vou fechar os olhos e apenas descansar por um minuto enquanto ele prepara as taças de sorvete. Todos aqueles exercícios respiratórios da aula de ioga me deixaram tão sonolenta...

Tess acordou e deu-se conta de que uma manta de lã a cobria e de que Lorraine e Frank já tinham ido embora. Esticando os músculos doloridos, deu um grande bocejo e

adiantou-se até a cozinha. Lá, na bancada principal, deparou com um enorme buquê de rosas vermelhas num vaso. Uau, ninguém nunca lhe enviara flores antes. Ela respirou fundo, inalando a deliciosa fragrância.

Aproximando-se, notou que eram duas dúzias de rosas exuberantes. Foi algo que a fez sentir-se especial. Amada.

Primeiro, a linda cesta e, agora, o maravilhoso buquê. Sentiu os olhos marejados, mas eram lágrimas de pura felicidade. Fechando os olhos, quase pôde sentir os lábios de Zach nos seus, ouvir-lhe as palavras carinhosas, ver o desejo em seu rosto bonito.

Precisava ligar para ele!

Quando estendeu o braço até o telefone de parede, notou que um cartão estava apoiado junto ao vaso de cristal. Com mãos trêmulas, abriu-o. Em letras de fôrma grandes e cuidadosamente escritas, Zach deixara a seguinte mensagem:

"Seu amor é melhor do que chocolate. Eu te amo. Zach."

E, àquela altura, Tess soube que seu coração transbordava de amor.

Sorrindo, tirou o fone do gancho e discou o número da casa de Zach.

- Alô?

Céus, ela também estava apaixonada como nunca. O simples som da voz dele a fazia vibrar por inteiro.

- Olá. Achei que você gostaria de saber que sobrevivi à aula de ioga.

- Eu sabia que sim. Não achou a aula relaxante?

- Não, eu me senti como se tivesse saído de um triturador.

- Você acabará adorando com o tempo. É só pegar o jeito.

- Não sei... Para ser franca, tudo o que sei é que não entendo por que você se submete a tudo aquilo só para relaxar. Conheço uma maneira melhor.

- Aposto que sim.

- Não, é sério. Se você mergulhar numa banheira com um delicioso óleo essencial, acender velas aromáticas em volta, colocar uma suave música de alaúde e pedir a alguém especial que leia poemas de amor para você, relaxará muito mais.

- Não, ao contrário. Esse alguém especial estaria junto comigo na banheira. E não estaríamos relaxando.

- Na banheira? - Tess não pensara naquilo.

- Sem dúvida. - Ele certamente pensara.

- O que você faria com as rosas?

- Ouvi dizer que as pétalas formam uma ótima cama. Macia. Aveludada. Fragrante.

Ela sabia que teria de ir tomar um banho frio tão logo desligasse.

- Você virá até aqui amanhã à noite, não é mesmo?

- É claro que sim.

- E tenho tudo o que precisaremos para relaxar... Ou não... - Tess perguntou-se se ele notara do outro lado da linha o quanto sua respiração estava acelerada. - Vejo você na hora do jantar, então?

- Sim, e tenho uma ótima surpresa planejada para você, Tess.

- Mal posso esperar.

Remexer o lixo dos outros no Dia dos Namorados não era exatamente a idéia de Zach de um modo agradável de se passar o romântico feriado. Tinha, porém, de encontrar a colher que jogara acidentalmente no lixo junto com os restos de vegetais da salada que fizera para completar o jantar especial que preparara para aquela noite. Se não tivesse estado com a mente tão concentrada em Tess, em seus atributos ainda bem mais torneados e em como demonstraria sua apreciação por eles, um a um, quando ela chegasse em casa, não teria jogado tudo fora.

Zach afastou para o lado um exemplar do jornal matinal, agora todo sujo e manchado. Torceu o nariz. Quem poderia saber o que mais haveria no fundo obscuro de um cesto de lixo?

Dobrando a manga da camisa, Zach inclinou um pouco a lixeira e começou a vasculhar os detritos. Fez uma careta quando tocou algo molhado e pegajoso. Tirando a mão do cesto de lixo, viu a calda de chocolate que agora escorria de seus dedos em direção ao pulso.

Tess estivera trapaceando.

Confiara nela, e Tess o estivera enganando. Ali estava a irrefutável prova, clara como o dia, escondida no meio do restante do lixo. Zach pegou a embalagem de papelão molhada e vazia de sorvete. Tess estivera sabotando a si mesma... e os esforços dele para ajudá-la. E ele ali pensando que estavam fazendo um progresso tão grande.

Era mais do que apenas trapacear... do que sabotagem. Tess estivera mentindo para ele, traindo sua confiança. Zach sentiu a apunhalada nas costas e não foi nada agradável. Enquanto colocava a embalagem acartonada de sorvete na pia, notando que era um pote de Bombom Demais, perguntou-se se ela estivera trapaceando o tempo todo. Outros clientes haviam trapaceado. Muitos deles. Mas aquele caso em específico era doloroso. Era uma situação que Zach não tinha como não levar para o lado pessoal.

Ele desligava o forno quando ouviu a porta da frente sendo destrancada, o som característico seguido de um alegre:

- Olá! Cheguei!

Com um amplo sorriso, Tess entrou na cozinha e se aproximou sem notar a tensão no ar.

- Hum, sinto um aroma delicioso vindo do forno, mas, antes que me diga o que é, quero um cumprimento apropriado! - Fechando os olhos, Tess ergueu o queixo e posicionou os lábios para receber um beijo.

Droga. Ela segurava um presente embrulhado em papel dourado e estampado com pequenos corações vermelhos. O nome dele destacava-se em grandes letras no cartão que encimava o pacote. Ela usava aquele terninho vermelho que o deixava ainda mais louco de paixão. E estava só à espera de um beijo seu. Aquilo seria ainda mais difícil do que Zach pensara.

- Olá. - Soube que seu tom frio, cortante, soou tão contrariado quanto se sentia, mas não pôde evitar.

Tess abriu os olhos e deixou os lábios voltarem ao normal, uma expressão confusa surgindo em seu rosto. Zach virou-se para a pia e ergueu no ar o pote acartonado de sorvete que ainda respingava.

- Reconhece isto?

Tess ficou tão vermelha quanto sua roupa. Ele teve de ignorar o fato de que ela estava sexy como nunca e, uma vez que se recobrasse o bastante, poderia confrontá-la melhor. Bem, admitia, não conseguia se recobrar do efeito que Tess lhe exercia. Teria de confrontá-la de qualquer modo.

- Você reconhece isto? - repetiu.

Aproximando-se um pouco mais, Tess fitou-o diretamente nos olhos.

- Acredito que o que você está segurando é uma embalagem vazia de sorvete Amanda Rae.

Não pareceu contrita. Na verdade, pareceu até... desafiadora, notou Zach. Soube que teria de continuar lhe fazendo perguntas até que ela confessasse que estivera trapaceando, mentindo.

- E você sabe onde a encontrei?

Tess começou a tamborilar com as unhas na bancada.

- Tenho certeza de que você vai me dizer, não é mesmo?

Ele não hesitou por um instante sequer.

- Pode apostar que sim. Eu a encontrei aqui mesmo. Na sua lixeira.

Nada ainda de confissão. De ar embaraçado. De um pedido de desculpas. Tess o encarava, os olhos castanho-claros faiscando.

- E exatamente por que razão você estava remexendo o meu lixo?

- Não tente desviar o assunto. Não fui eu que fiz algo errado. Apenas joguei acidentalmente no lixo uma de suas colheres junto com sobras do que usei para fazer a salada.

Tess depositou o presente com força sobre a bancada e virou-se para encará-lo, as mãos nos quadris como se estivesse se preparando para a batalha.

- Tem certeza de que não estava me vigiando? Como vou saber que você não fica revirando meu lixo todos os dias quando não estou aqui?

- Você tem minha palavra. - Zach esforçou-se para controlar o tom de voz. - Assim como eu pensei que tinha a sua.

Tess não respondeu de imediato. Ele quase pôde ver as barreiras dela se desmanchando enquanto olhava para o teto. Mas, quando tornou a fitá-lo, deixou-o surpreso. Ele esperara constrangimento, consternação, arrependimento. O que recebeu foi mais desafio. E uma inconfundível hostilidade.

Tess estreitou os olhos, o que não diminuiu a intensidade de seu olhar fulminante.

- Eu não tomei o sorvete - declarou, furiosa.

- Não? E quem foi? O gato da vizinha? Está querendo torná-lo um degustador de sorvete também? Acho que não seria nada bom para o bichano.

- Pode parar com o sarcasmo. Recebi visitas. Elas tomaram o sorvete.

- Visitas? E quantas foram? Você acabou com um pote inteiro de dois litros de Bombom Demais.

- Não tenho de responder a isso. - Pegando a embalagem de sorvete abruptamente da mão dele, Tess jogou-a na lixeira.

- Mas foi você que trouxe as visitas até aqui para início de conversa.

- Não importa. O assunto continua não sendo da sua conta. - Pegando o presente da bancada, Tess atirou-o na lixeira também. - Uma vez que você gosta tanto de revirar lixo, acho que é o lugar mais indicado para eu deixar seu presente.

Girando nos calcanhares, Tess retirou-se da cozinha e afastou-se pelo corredor. Tirando os brincos, largou-os bruscamente no aparador.

Determinado a não deixá-la escapulir no meio de uma discussão, Zach seguiu-a até o quarto, depois de ter tirado seu presente da lixeira.

- O assunto não é da minha conta? Você me contratou para tornar isto da minha conta.

Furiosamente, ela descalçou os sapatos, chutando-os de encontro à parede e virou-se para fitá-lo, os olhos glaciais.

- Você está apenas com medo que eu arruíne a sua taxa de noventa e cinco por cento de êxito. Uma cliente insatisfeita será ruim para os negócios.

Ele recolheu os sapatos e colocou-os perto da cama, ao lado de seu presente. Tornou a fitá-la, seu tom razoável, paciente.

- Você não é apenas uma cliente para mim. Eu não cozinho para qualquer pessoa - declarou ele sem arrogância.

- Você já me disse - retrucou Tess num tom seco. Arrancando sua echarpe, atirou-a longe e notou que ela foi parar na esteira ergométrica, que agora estava montada a um canto do quarto. - Como essa coisa veio parar aqui?

- Uma vez que você ficou adiando isso, eu mesmo montei a esteira - explicou ele, recolhendo a echarpe e pousando-a numa cadeira.

- Sem dúvida, mais uma das minhas falhas - concordou ela, sarcástica.

- Sabe que não foi o que eu quis dar a entender. Vamos voltar ao assunto em questão. Você não podia tomar todo aquele sorvete. Não sabe que não deve sucumbir à tentação?

Pelo semblante furioso dela, Zach soube que estava ficando cada vez mais encrencado, mas não conseguia se conter.

- Doçura, não sabe que estou aqui para ajudá-la? Que pode me ligar sempre que tiver uma vontade incontrolável de algo que não pode ingerir? Ou para qualquer coisa, aliás.

- Sempre? - Tess arqueou uma sobrancelha.

- Claro.

- Qualquer coisa?

Era um bom sinal. Ao menos, ela o estava ouvindo. Zach meneou a cabeça, confirmando.

- Então, você se incomodaria em me trazer meus brincos?

Enquanto Zach seguia pelo corredor, viu seu presente voando acima de sua cabeça. No instante seguinte, ouviu Tess fechando a porta do quarto com força e trancando-a ruidosamente.

Embora Zach tivesse lhe preparado mais uma refeição deliciosa, Tess mal conseguiu prová-la. Colocou as sobras, que eram praticamente o jantar todo, na geladeira e foi para a sala de estar para assistir a uma maratona de filmes de Cary Grant no canal de clássicos. Agora, ali, sim, estava um cavalheiro. Um que jamais revirara o lixo particular de uma mulher, que jamais lhe passara um sermão até deixá-la com as orelhas queimando.

Ao menos, porém, Zach sabia como entender uma indireta. Embora a sua não tivesse sido nada sutil... Ela o ouvira deixando o apartamento logo depois de ter sido praticamente expulso de seu quarto. Como ele podia desconfiar dela depois do que haviam vivenciado juntos? Como era capaz de achar que o enganara, que lhe mentira?

Quando se deu conta de que mal estava prestando atenção ao filme, ou sequer sorrindo numa cena cômica, soube que ainda estava remoendo o incidente com Zach.

Pegando o telefone, discou o número de Lorraine. Depois de vários toques, a amiga finalmente atendeu, ofegante.

- Por que está sem fôlego, Rainey? Não estou interrompendo nada, estou?

- Quem me dera! Querida, se eu estivesse... ocupada com algo desse tipo, com certeza não estaria atendendo o telefone. Não, eu estava acabando de entrar em casa depois de um encontro com Frank quando ouvi o telefone tocando. Corri para não perder a ligação. O que me conta?

Tess soltou um profundo suspiro e começou o seu relato doloroso.

- Zach revirou o meu lixo e encontrou aquele pote de sorvete que você e Frank tomaram ontem à noite.

- O quê? Por que ele estava revirando seu lixo? - Lorraine soou tão incrédula quanto a própria Tess ficara horas antes.

- Ele alegou ter encontrado a embalagem de sorvete vazia por acaso quando estava vasculhando a lixeira à procura de uma colher.

- Eu não sabia que você guardava as colheres na lixeira.

- É exatamente essa a questão.

- Bem, o que ele disse?

- Que eu estava trapaceando.

- Ele disse que você o quê? - perguntou Lorraine, perplexa. - O homem é maluco? Por que diria uma coisa dessas?

- Bem, Zach acha que eu comi todo aquele sorvete sozinha.

- Você não lhe falou que eu e Frank ficamos devorando o pote inteiro enquanto você cochilava no sofá? Você nem sequer provou uma colherada do melhor sorvete da Amanda Rae.

- Não, eu não lhe contei isso. Ele não me deu chance.

- Você quer que eu peça a Frank que vá falar com Zack? Ele o endireitaria bem depressa.

Tess riu.

- Não, obrigada, Rainey. Agradeço a oferta. Seu Frank parece grande e mau o bastante, mas bastam uns cinco segundos para se descobrir que ele não passa de um urso de pelúcia gigante. Além do mais, já resolvi a situação.

- O corpo do nosso amigo está agora na lixeira junto com a colher e a embalagem vazia de sorvete?

- Quase. Pode-se dizer que eu o expulsei do meu quarto.

- Céus, o que aquele homem estava fazendo no seu quarto?

- Recolhendo minhas roupas enquanto eu me despia.

- Posso ver que vingança e tanto isso deve ter sido para ele...

- Bem, o fato é que eu lhe mostrei.

- Mostrou-lhe o quê?

- O caminho da rua. E, no que me diz respeito, ele pode continuar longe daqui.

- Sei, sei - murmurou Lorraine do outro lado, mal conseguindo ocultar o ceticismo.

- Você não acredita que estou falando sério?

- Ora, é claro que sim. Afinal, conheço você melhor do que ninguém, querida.

Tess endireitou os ombros, o queixo erguido, enquanto segurava o fone com mais firmeza.

- Quer saber de uma coisa? Não posso deixar isto ficar assim.

- Eu já imaginava. Mas concordo plenamente - acrescentou a amiga depressa, sua voz soando sorridente.

- O sr. Zach Ferrara precisa aprender uma lição.

- De que modo?

- De que modo? Bem, eu ainda não sei. Terei de pensar em algo realmente eficaz.

Tess quase pôde ver o sorriso de Lorraine se alargando do outro lado da linha.

Capítulo VI

Tess não deixaria que Zach saísse impune de sua invasão de privacidade, especialmente em se tratando da dela. Com idéias de vingança em mente, deixou a sala, desligando a tevê, à qual não prestara a menor atenção, e adentrou em seu quarto. Determinada, começou a planejar como daria o troco a Zach por sua insensibilidade e falta de consideração. Por sua desconfiança. Não precisava espioná-la. Céus, não precisava ficar revirando seu lixo!

Aquele comportamento controlador dele não fazia parte da prazerosa jornada rumo à felicidade a dois que ela imaginara, e aquilo tudo estava prestes a terminar, quer ele se desse conta, ou não.

Despindo as roupas bruscamente, meteu-se no pijama de seda e deitou-se na cama. Abraçando o velho e gasto urso de pelúcia da infância, finalmente pensou na vingança perfeita.

Zach lhe dissera para lhe telefonar a qualquer momento que sentisse vontades incontroláveis. Certo. Ela sentia uma se aproximando naquele instante. Era uma espécie de vontade em pleno meio da noite. Esperava acordá-lo, como já fizera antes, e de um sono profundo e repousante.

Zach atendeu o telefone ao primeiro toque. Droga, lá se ia por água abaixo aquela parte do plano...

- Tess?

- Como soube que era eu?

- Bem, algo estava me dizendo que você telefonaria esta noite. E eu tenho um identificador de chamadas.

- Acordei você?

- Não.

Desapontada por não ter interrompido o sono revigorante dele como planejara, Tess seguiu direto para a segunda etapa do plano:

- Sabe, fui até a padaria que fica aberta vinte e quatro horas e comprei uma dúzia de bombas de chocolate. Estou lambendo creme de chocolate dos meus dedos neste exato momento.

- Você deveria ter me ligado antes.

- Sim, acho que eu deveria ter ligado para você tão logo tive essa vontade. Mas você me conhece. Não tenho o menor autocontrole. Nenhum, em absoluto.

- Eu jamais disse isso. Você apenas cometeu um deslize. Teve uma recaída.

- Hum... Estou dando uma mordida nesta deliciosa e irresistível bomba de chocolate. - Tess produziu sons exagerados de mastigação ao telefone e suspirou em puro deleite. - Sabe, é curioso. Esta terceira está sendo tão apetitosa quanto as duas primeiras que já comi. E nem sequer estou perto de me sentir satisfeita ainda.

- Tess, por favor...

- Eu sei, eu sei. É para eu ligar para você caso sinta uma vontade incontrolável de comer algo... digamos... proibido, outra vez.

Com um sorriso no rosto, ela desligou o telefone, programou o despertador e, abraçando seu velho urso de pelúcia... o único representante do sexo masculino em quem podia confiar... aninhou-se sob as cobertas de sua cama.

Três horas depois, tornou a ligar para Zach.

- Tess?

Você nunca dorme?, ela quis perguntar.

- Olá. Você sabia que a Pizzaria Felice tem um serviço de entrega vinte e quatro horas todos os dias? Esta pizza especial de cinco queijos com bacon está simplesmente divina! Eu deveria me sentir culpada em comer uma pizza extragrande inteira sozinha, mas, ora, se eu sou capaz de devorar um pote inteiro de sorvete Amanda Rae...

- Ouça, aquilo foi apenas uma vez, uma mera recaída. Acontece. Mas, agora, não faça isso consigo mesma. Por favor. Quer que eu vá até aí?

- Não se dê ao trabalho. Não pretendo dividir esta obra-prima de molho, manjericão e... hum... queijos e mais deliciosos queijos... com ninguém. Boa noite, Zach.

Tess ficou exasperada ao extremo com o fato de ele ainda não ter perdido a paciência. Na verdade, soara realmente preocupado ao telefone, mas ela ignoraria aquele detalhe.

Zach permaneceu sentado na beirada de sua cama, olhando longamente para o fone ainda em sua mão. Soltou um profundo suspiro e, enfim, recolocou o fone no gancho.

Aquilo era tudo culpa de Tess. Ela não deveria estar arruinando a própria saúde e perturbando o sono e a paz de espírito dele, pensou, furioso. Como ainda conseguia manter as células do cérebro intactas depois de intoxicar o corpo com toda aquela porcaria gordurosa e altamente calórica? E ainda ficar ligando para ele à meia-noite e, depois, de madrugada. A mulher nunca dormia? Como conseguira se tornar uma importante executiva com tão pouco autocontrole?

Cansado, Zach apagou o abajur e tornou a meter-se debaixo das cobertas, mas algo lhe disse que demoraria muito a conseguir adormecer novamente.

Tess chegou ao trabalho exausta na manhã seguinte, mas com uma íntima sensação de triunfo por sua sessão noturna de tortura a Zach.

- Você parece péssima.

- Bom dia para você também, Rainey. Eu quase não dormi nada esta noite.

- Oh? Fez as pazes com Zach?

- Fiz algo muito melhor.

- Ora, e o que pode ser melhor do que isso?

- A vingança. Comecei minha retaliação pela falta de confiança dele em mim.

Depois que Tess explicou como passara a noite, Rainey sacudiu a cabeça.

- A morte teria sido mais rápida. E menos dolorosa. Vamos, o setor de Produção acaba de ligar. Estão a nossa espera.

Enquanto Tess iniciava sua primeira sessão de degustação e testes do dia, uma onda de inspiração dominou-a. Tirando o celular do bolso de seu avental de laboratório, discou o número de Zach.

A chamada foi atendida pela secretária eletrônica. Desapontada, ela decidiu deixar um recado assim mesmo:

- Bom dia, Zach. Aqui é Tess Samuels. Espero que tenha dormido bem. Sabe, comecei agora mesmo a minha sessão de degustação e, de repente, eu me dei conta do quanto tenho sentido falta de manter este delicioso sorvete em casa. Estou com uma vontade imensa de provar muito mais do que apenas esta colherada. Na verdade, estou pensando seriamente em comer todo o restante deste pote de sorvete Deleite com Gotas de Chocolate. É mais um sabor que criei. Tenha um bom dia!

- Garota, você sabe ser cruel quando quer - comentou Lorraine tão logo Tess desligou o celular. - Mal posso crer em como você está brincando com a mente daquele homem. Sabe, seria muito mais divertido se você brincasse com...

- Oh, não. A esta altura, brincar com a mente dele está sendo infinitamente mais prazeroso.

Duas horas depois, Tess encaminhou-se à área de descanso dos funcionários para comprar uma garrafa de água mineral. Passando pela fileira reluzente das máquinas de vender, com seu estoque de doces, salgadinhos e latas de refrigerantes, uma idéia lhe ocorreu. Tornou a discar o número de Zach e, daquela vez, ele atendeu.

- Olá, Zach. Eu estou passando por esta máquina de doces, cheia de guloseimas maravilhosas e, de repente, sinto-me tão tentada. Você me disse para lhe telefonar sempre que me sentir tentada por algo.

- Fez a coisa certa me telefonando, doçura. Apenas continue caminhando e ignore a máquina. É bem simples. Basta continuar caminhando.

- Não consigo. É como se meus sapatos estivessem colocados no chão diante da máquina, ou algo assim.

- Então, descalce os sapatos e continue caminhando.

Sorrindo amplamente, Tess colocou uma nota de cinco dólares na máquina de troco e recolheu a pilha de moedas. Aproximando-se da máquina de doces mais próxima, inseriu uma moeda de cada vez na fenda. Manteve o aparelho de celular bem perto da máquina para que Zach ouvisse cada som característico do outro lado da linha. Apanhou, então, no bocal de saída os dez doces em suas embalagens, segurando-os ruidosamente para acentuar o efeito. Pôs, então, o celular de volta junto ao ouvido.

- Vejamos. Onde eu estava? Oh, sim, Zach, acho que estou com um sério problema aqui.

- Você certamente está. Poderei chegar aí dentro de quinze minutos e conversaremos a respeito.

- Oh, não é esse tipo de problema. Não consigo decidir o que comer primeiro. Hum, o que será? Um doce de leite? Uma barra de chocolate crocante? Ou talvez um...

- Espere. Estarei aí logo.

- Tarde demais - respondeu ela quase cantando. Sorrindo, encerrou a ligação e colocou os doces por abrir numa bancada próxima para que outros funcionários os desfrutassem.

Exatamente quinze minutos depois, a secretária se comunicava com ela no escritório pelo interfone.

- Zach Ferrara está aqui para vê-la. Disse que é algo urgente.

- Mande-o entrar, Sandy. Disponho de alguns minutos antes da minha próxima reunião.

Tess cruzou os braços e aguardou seu visitante sentada em sua poltrona de couro detrás da mesa de trabalho. Zach adentrou no escritório.

- Não cheguei tarde demais, não é?

- Tarde demais para quê?

- Tarde demais para impedir você de sabotar sua dieta outra vez.

- Não sabotei minha dieta. Eu a suplementei.

- Suplementou-a? Com o quê? Que eu saiba, vitaminas não se compram em máquinas de doces.

- Bem, eu não peguei muitos...

- Muitos? Eu contei vinte e duas moedas entrando na máquina.

- Vinte. Mas, afinal, que diferença um doce a mais ou a menos faz, não é mesmo?

- Ora, seja razoável. Você está se prejudicando demais. Como posso ajudá-la a melhorar se você está atacando açúcar feito uma formiga voraz?

Zach mostrou-se tão sincero, tão preocupado que Tess decidiu pôr um fim à brincadeira ali mesmo.

Levantando-se da poltrona giratória, adiantou-se até ele.

- Pode sossegar agora, Zach. Pare de ser um maníaco controlador. Eu estava apenas dando o troco a você por não ter confiado em mim. Não saí do meu regime. É verdade.

- Mas e quanto aos telefonemas durante a noite inteira?

- Encenações.

- E quanto ao seu... ataque de consumismo na máquina de doces?

- Depois que comprei os doces, eu os deixei à disposição de outras pessoas.

- Então, tudo isso não passou de uma "terrível vingança contra Zach"?

- Exato.

- Bem, terá de arranjar um novo chef para atormentar, senhorita.

- Um novo chef para atormentar? Quer dizer, um que seja capaz de lidar com as conseqüências de seus atos?

Zach respirou fundo, inalando o aroma de chocolate e cerejas dela. Saboreando-o.

- Oh, não é apenas a sua infantil tentativa de vingança que está me atormentando. É você.

Antes que Tess pudesse retrucar, ele tomou-lhe os lábios com os seus num beijo impetuoso. Ela tinha razão. Ele não pôde sentir gosto algum de chocolate ou açúcar nos lábios dela enquanto desfrutou de seu calor, estimulando-os com os seus. Quando os entreabriu com impaciência e lhe explorou a maciez da boca sensualmente. Mas aquele aroma de chocolate e cerejas o estava enlouquecendo. Intensificou o beijo e percebeu que ela cambaleou de leve.

De repente, Tess o afastou de si, empurrando-o pelo peito.

- É um jeito bem esperto de obter seu índice de noventa e cinco por cento de êxito, não?

- Não, você é um caso sem solução, garota. Eu me demito.

Zach deixou o escritório, o som familiar de um objeto arremessado por Tess e atingindo a parede acima da cabeça dele acompanhando sua saída.

Tess deixou a cama praticamente se arrastando após uma longa noite de insônia. O tiro saíra pela culatra. Sua vingança improvisada contra Zach tivera o efeito contrário. Sua intenção não fora a de que ele se "demitisse". Ele deveria ter enxergado o erro de seu comportamento. As conseqüências de sua desconfiança. Deveria ter ficado de joelhos, implorando que ela o perdoasse.

Em vez daquilo, abandonara-a. E ali estava ela, de volta à estaca zero. E não apenas sem um chef de cozinha. Mas sem um namorado.

Funcionando no piloto automático, ela se adiantou até a geladeira. O último dos sacos de papel de Zach encimava desoladamente a primeira prateleira, que, se não fosse por aquilo, estaria tão vazia quanto as demais. Tirando o adesivo amarelo da carinha feliz da frente do pacote, espiou para dentro.

Como tornaria a comer direito agora que Zach fora embora? Tess despejou o conteúdo do saco na bancada. Uma caixinha de leite desnatado, uma pêra, um ovo cozido, dos que comia duas vezes por semana, e um pequeno pacote da granola caseira dele.

Pegando o bloco de anotações perto do telefone, ela anotou os itens que Zach selecionara para o seu desjejum daquela manhã. Olhou para a lista. Leite desnatado. Tinha certeza de que conseguiria comprar aquilo. Podia comprar pêras também. O ovo estava cozido... talvez Lorraine pudesse lhe ensinar como cozinhar um. E a granola... qualquer uma que comprasse não seria tão boa quanto a de Zach, mas arranjaria uma substituição adequada.

Tess sentiu um raio de esperança. Podia fazer aquilo. Provavelmente. Entretanto, teria de fazer o mesmo desjejum a cada manhã... apenas por precaução. Afinal, antes de Zach, ela costumara comer a mesma coisa todas as manhãs: dois bolinhos de chocolate recheados com creme e um refrigerante. Não precisava de variedade para ficar satisfeita.

Ela quebrou o ovo na pia e começou a remover-lhe a casca. Não precisava de Zach Ferrara. Podia se arranjar sem ele. Afinal, não conseguira viver durante os trinta anos anteriores sem a sábia orientação de Zach? Ela vira o anúncio de um personal trainer na Academia Y. Poderia contratar os serviços dele.

E quanto à parte da nutrição, havia inúmeros livros a respeito. Ela podia até aprender a cozinhar. Observara Zach fazendo aquilo. Se ele fora capaz de dominar a arte culinária, bem, então, ela também poderia. Não havia nada que o homem fizesse de que ela também não fosse capaz. Afinal, não era a dona do paladar de um milhão de dólares?

Tess terminou o ovo e pegou a caixinha de leite. Havia um pedaço de papel afixado ao fundo. Seu coração disparou. O bilhete de Zach. Como podia ter-se esquecido do bilhete? Deveria lê-lo? Começou a abri-lo e, então, deteve-se.

Seria o último bilhete que já tornaria a receber de Zach e guardara todos. Com um suspiro, desdobrou o pedaço de papel.

"Penso em você o tempo todo. Nem sequer consigo me lembrar de como é a vida sem você. Com amor, Zach."

Droga, que momento para ele ter ficado todo sentimental em relação a ela. Recostando a cabeça no azulejo da cozinha, Tess Samuels fez algo que não fazia desde a adolescência. Desmanchou-se em lágrimas.

Zach sentia-se péssimo. Jamais perdia a paciência e se deixava dominar pela raiva como acontecera no escritório de Tess. Jamais. O que dera errado?

Ela o acusara de ser um maníaco controlador. Bem, ele não era. Era um homem equilibrado, tranqüilo, sereno. Livrara-se do excesso de preocupações, da ansiedade e da vontade de estar sempre no controle de tudo anos atrás, depois de seu ataque cardíaco.

Uma das muitas e mais importantes lições de vida que aprendera era que o controle não passava de um mito. Todos os seus funcionários tinham autonomia para estabelecer seus próprios cronogramas, desde que fossem capazes de lidar com seus clientes e o preparo das refeições deles naquele período de tempo. Um maníaco controlador não permitiria aquilo.

E como Tess podia achar que a considerava apenas uma cliente? Se ao menos fosse capaz daquilo. A vida teria sido muito mais fácil. Como poderia fazê-la enxergar que ela lhe significava mais? Muito mais...

Tess tivera seu plano de vingança. Bem, Zach elaboraria seu plano também. Ela podia ser capaz de viver sem ele. Mas, embora Tess tivesse uma língua afiada feito uma lâmina e um temperamento explosivo, ele a amava.

Como conseguiria convencê-la de que acreditava nela? De que a queria de volta? De que estivera tão errado quanto ela?

Não tinha a menor dúvida quanto a seus próprios sentimentos, apenas de como convencê-la de que eram verdadeiros. Mas, até mesmo se precisasse recorrer a alguns subterfúgios, tinha toda a intenção de conquistar de volta o coração de sua dama de vermelho.

Se Tess nunca mais tivesse de olhar para um ovo outra vez se daria por feliz. O atual estado deplorável de sua cozinha tornava quase impossível cozinhar um ovo, de qualquer modo. E era mais complicado do que pensara. Talvez devesse ter pedido ajuda a Rainey. Mas não, tivera de tentar fazer tudo sozinha e, agora, havia uma trilha de gema seca começando na panela reluzente que comprara na noite anterior e descendo pela frente do fogão. Uma massa pegajosa amarela e branca estava grudada por dentro de seu microondas, e um caminho de pedacinhos de casca de ovo pavimentava o espaço entre a bancada e a lixeira.

Tess pegou a décima caixa de ovos da geladeira. Pegando um, ergueu-o, estudando-o longamente. De maneira alguma deixaria uma coisinha daquelas levar a melhor sobre ela. Era maior. Mais inteligente. E sua casca era mais resistente.

Talvez não tivesse simplesmente o equipamento certo para cozinhar um ovo. Talvez precisasse de outra panela... algum tipo especial para cozimento de ovos, ou algo do gênero. Outra ida à loja de utensílios e eletrodomésticos era evidentemente necessária. Alguém da eficiente equipe de vendedores poderia lhe dizer o que comprar. Apenas não fora específica o bastante em sua visita anterior à loja. Recolocando o ovo na caixa, guardou-a de volta na geladeira e adiantou-se até o quarto para trocar a roupa manchada de gemas e claras.

Depois de ter passado trinta minutos no setor de panelas e frigideiras da grande loja de eletrodomésticos, tentando resolver qual tipo comprar, Tess concluiu que precisava realmente consultar um especialista. A ajuda surgiu na forma de uma funcionária de ar

maternal que, certamente, seria capaz de preparar um jantar para quarenta sem pestanejar. Não demorou, então, para que Tess deixasse a loja munida de quatro utensílios indispensáveis no seu caso, segundo a vendedora: uma omeleteira, uma panela grande e funda, uma um pouco menor e uma frigideira antiaderente. Um daqueles teria de resolver seu problema com ovos.

De volta ao apartamento, Tess tirou a panela maior da caixa. Não cometeria os mesmos erros de antes, como deixar a água ferver tanto até evaporar na panela. Arruinara vários ovos daquela maneira.

Aquela panela era grande e funda o bastante. A água ali não evaporaria nem em uma semana. Confiante, ela encheu-a até a metade com água e colocou um ovo ali dentro para ferver. Deixando o queimador do fogão no máximo, marcou trinta minutos em seu relógio e foi para o quarto para se exercitar na esteira ergométrica.

Não precisava de Zach. Agora que tinha panelas e frigideiras, poderia cozinhar qualquer coisa. E, a partir daquele momento, exercícios na esteira substituiriam suas caminhadas com Zach.

Se ela conseguisse encontrá-la.

O temido aparelho de exercícios desaparecera sob pilhas de roupas removidas, exercendo mais a função de cabide agora. A esteira rolante propriamente dita, onde ela nunca pousara os pés, acabara se tornando útil para apoiar todos os tipos de coisas, desde relatórios a espera de serem lidos a CDs e livros.

Tirando as roupas de cima da esteira e atirando-as sobre a cama, Tess conseguiu ver o que as peças tinham estado escondendo. Ali mesmo, bem em cima da pilha caótica de coisas, estava o livro de poemas e canções de amor medievais que Zach lhe dera no Dia dos Namorados. Parecia que anos haviam passado em vez de uma mera semana desde o rompimento de ambos. Apanhando o livro, ela sentou-se no tapete do chão e começou a ler.

A dedicatória de Zach estava escrita em meticulosas letras de fôrma, em vez dos costumeiros garranchos dele. O detalhe a fez sorrir. Leu, então, as palavras:

"Querida Tess, se eu fosse um poeta, eu lhe diria o que está no meu coração. Mas eu não sou. Então, leia isto e conheça uma pequena parte do que sinto por você.

Eu te amo, Zach"

O sorriso de Tess deu lugar às lágrimas mais depressa do que pôde virar a página e começar a ler. Quando terminou de ler a letra da primeira canção, soluçava, as lágrimas quentes e abundantes. No meio da terceira canção, seu pranto já se tornara convulsivo, as palavras embaralhando-se diante de seus olhos anuviados.

Oh, puxa, o que fora fazer?

Respirando fundo, ela recolocou o livro no alto da pilha de objetos sobre a esteira e foi lavar o rosto com água fria. Enquanto se enxugava e examinava os olhos vermelhos no espelho, lembrou-se de repente da panela que deixara no fogo. Olhou para o relógio de pulso. Quase meia hora passara. O ovo estaria pronto em poucos minutos.

Quando voltou à cozinha, bastou um olhar ao fogão e Tess, já emocionalmente abalada, estava aos prantos outra vez. A água na panela funda evaporara do mesmo modo,

deixando o ovo seco. O ovo explodira, esparramando um gosmento conteúdo amarelo-esbranquiçado pela panela e em volta do fogão. Desligando o queimador, ela pegou um pano de prato e usou-o para segurar o cabo da panela e levá-la até a pia. O pano era fino demais, e acabou queimando a mão.

Colocando, então, a mão sob água corrente, ela chorou como nunca havia chorado em sua vida. Nada estava dando certo. Seu relacionamento com Zach terminara. Sua cozinha estava um desastre e, ainda por cima, queimara a mão.

Em meio aos soluços convulsivos, lembrou-se de outro pequeno acidente de cozinha e de como Zach lhe administrara gentilmente o socorro. Sabia que deveria tirá-lo de seus pensamentos. Deveria pensar em outras coisas, como, por exemplo... como se cozinhava, afinal, um bendito ovo?

Ela precisava de ajuda. Com um suspiro de derrota, foi sentar-se junto à bancada e tomou uma soda dietética enquanto se recompunha. Lorraine e Frank ainda estavam viajando e, portanto, só pôde pensar numa outra pessoa para telefonar. Respirando fundo, discou o número.

Zach leu a mesma linha de uma avaliação que a dra. Andrews lhe enviara por fax repetidamente. Não conseguia se concentrar nas palavras por tempo o bastante para assimilar o que estava lendo. Só conseguia pensar em Tess... em seu riso contagiante, nos expressivos olhos castanho-claros, na maneira como o fuzilara com o olhar na primeira vez em que lhe jogara fora o sorvete.

Sim, fora mais exigente com ela do que com a maioria de seus outros clientes, porém tinha um interesse pessoal em deixá-la saudável. E, ao contrário do que ela pensara, aquilo nada tivera a ver com a manutenção de sua taxa de noventa e cinco por cento de êxito.

Bem, talvez tivera no início. A princípio, era provável que a tivesse tratado mais como cliente do que mulher. Talvez tivesse ficado originariamente fascinado com o caso de Tess, mas agora seu fascínio era apenas por ela.

Queria que ambos ficassem juntos pelo resto da vida, que vissem, orgulhosos, os filhos e, depois, os netos crescerem. Zach sacudiu a cabeça. No que estava pensando, afinal? Ali estava, planejando acompanhar o crescimento dos netos quando nem sequer nunca pensara em ser pai. Céus, estava mesmo apaixonado. E a culpa era toda dela.

Atirando a avaliação de lado em sua frustração, ele levantou-se, meteu as mãos nos bolsos e começou a andar de um lado a outro do escritório.

- Pare de andar para lá e para cá. Está me deixando nervosa. - Nan lançou-lhe um olhar através da porta aberta do escritório. - Está parecendo um tigre enjaulado, querendo pegar algo que está fora de seu alcance.

- Não pareço nada disso - resmungou ele.

- Vê o que estou dizendo?

Zach continuou andando de um lado a outro.

- Diga-me, quer conversar a respeito? Sei ouvir como ninguém. - Nan deu um tapinha na cadeira ao lado de sua mesa na ante-sala. - Por que não tira um peso dos ombros e me conta o que há de errado?

Ele sentia-se desencorajado demais, até para receber os costumeiros conselhos maternais de Nan.

- Não adiantará. Nada pode me ajudar. Eu arruinei tudo. Definitivamente.

- Fez seu computador pifar outra vez? Nosso técnico de informática está ameaçando triplicar o preço de seus serviços se você não começar a tratar melhor o seu micro. - A assistente tinha a mão acima do telefone quando ele tocou.

Atendeu de imediato.

- Alô. Coração Puro, Nan falando. Em que posso ajudar?

Zach adiantou-se até o aparelho de fac-símile para retirar outro documento.

- É claro que não direi a ele que é você.

Curioso, ele voltou até a mesa de Nan. É Tess, escreveu a assistente no verso de um memorando enquanto Zach observava. Fique calado, acrescentou ela abaixo.

- Quer dizer que você precisa que um de nossos chefs vá até aí para ajudá-la? - disse Nan ao telefone, o tempo todo piscando para Zach. - E não quer que Zach saiba? Não há problema. Sei guardar um segredo. Deixe-me apenas ver quem está disponível.

Sorrindo de orelha a orelha, a assistente deixou a chamada de Tess em espera.

- Acho que sei como resolver esse seu problema sem solução, o qual você não quis me contar minutos atrás - declarou Nan num tom triunfante. - Está ocupado agora? Quer um trabalho temporário com excelentes benefícios?

- Não posso ir até o apartamento de Tess. Ela não me deixará entrar.

- Ainda tenho aquela chave que você devolveu. - A assistente sacudiu-a no ar.

- Eu não sei...

- Ela parecia desesperada. Disse algo sobre ter arruinado a cozinha.

- Tess dispõe de um serviço de limpeza. O pessoal de lá dará um jeito.

Nan deu de ombros.

- Tive a impressão de que ela esteve chorando.

- Dê-me a bendita chave.

Com um largo sorriso, Nan entregou a chave a Zach e voltou a colocar Tess na linha.

- Poderemos enviar alguém até aí dentro de uma hora. - Erguendo os dois polegares na direção de Zach e meneando a cabeça em despedida, Nan acrescentou ao telefone: - Não há de que, Tess. Estamos ao seu inteiro dispor para ajudar.

Zach entrou silenciosamente no apartamento. Olhou em torno da sala de estar e da área de jantar. Não havia o menor sinal de Tess. Era um tanto estranho para aquele horário.

O cheiro de queimado e de ovos cozidos muito além do necessário era quase opressivo. Ele se adiantou logo até a cozinha, deparando com um verdadeiro caos.

Havia ovos por toda a parte... no microondas, no fogão, esparramados pelo chão. Embalagens e cascas de ovos estavam espalhadas por todos os cantos. Parecia que o apartamento sofrera um ataque inimigo, e a arma escolhida fora ovo. Aquela era a maior confusão que ele já pudera testemunhar numa cozinha... e tinha vasta experiência.

Tess estava sentada numa banqueta com a cabeça apoiada na bancada, cercada de embalagens vazias de ovos e panelas sujas. Ao que tudo indicava, havia adormecido ali mesmo depois do telefonema. Ao menos, aquilo deu a ele a chance de observá-la.

Com o rosto apoiado de lado, sua bela e sedosa cabeleira loira, espalhada na bancada, continha pedacinhos de ovos. Uma das mãos estava envolta em gaze, o que o preocupou. Parecia exausta. Derrotada. Zach conhecia bem a sensação.

Fazendo o mínimo de barulho possível, retirou o blazer, enrolou as mangas da camisa e deu início à tarefa hercúlea de raspar ovos secos de cada superfície na cozinha, exceto o teto. Não tinha dúvida de que, se ela tivesse tido tempo o bastante, poderia ter coberto o teto com ovos também.

Uma hora depois, Tess acordou. Massageando o pescoço rígido, deu-se conta de que a mão ainda doía, embora a queimadura tivesse sido leve. Soltou um longo bocejo e foi quando o viu. Zach Ferrara estava em sua cozinha, dominando-a com sua presença marcante e com água ensaboada até os cotovelos.

- O que está fazendo aqui?

- Nan disse que você precisava de ajuda.

- Eu falei a Nan que precisava de ajuda para aprender como se cozinha um ovo.

- Você lhe disse isso?

- Com toda a certeza. - E, ao que parecia, Nan dissera alguma outra coisa a ele. A traidora.

Apesar das palavras pouco amistosas, que destoavam da maneira como ela se sentia, era maravilhoso ter Zach ao seu lado novamente. Jamais soubera que um homem poderia parecer tão sexy limpando uma cozinha.

- Você realmente solicitou alguém que lhe ensinasse como cozinhar um ovo?

- Obviamente, é algo que não consegui aprender sozinha. Mais uma hora de tentativas, e teriam de evacuar o prédio.

Os dois riram juntos pela primeira vez no que pareceu uma eternidade.

- É bom vê-la. Senti tanto a sua falta.

- Também senti sua falta. -, Tess imaginou que ele a ridicularizaria pelo estado em que deixara a cozinha tentando cozinhar um simples ovo. Em vez daquilo, porém, as palavras de Zach foram gentis e apaziguadoras.

- Lamento ter criticado você tanto por causa daquele pote de sorvete. Eu deveria ter-lhe perguntado o que realmente aconteceu. - Zach enxugou as mãos numa pequena toalha.

- Sim, deveria. Eu nem sequer provei aquele sorvete. Mas eu também não deveria ter ficado ligando para você a noite inteira feito uma criança.

- Não, não deveria.

Zach tocou-lhe com gentileza a mão enfaixada.

- O que aconteceu?

- Oh, queimei a mão na minha panela nova. Isto só prova o que venho dizendo o tempo todo... cozinhar é perigoso para minha saúde.

- Ainda quer uma aula sobre o preparo de ovos?

- Sim.

- Vamos começar pelo princípio. - Ele afagou-lhe a pele macia dos braços. - Primeiro, você precisa de um tipo especial de ovo. Liso. Perfeito.

Arrepios subiram pela espinha de Tess.

- Ovos são coisas frágeis, delicadas, sabe? Tem que se lidar com eles com todo o cuidado, ou quebram.

Zach envolveu-a com seus braços como se ela própria fosse feita delicadamente de cascas de ovos.

- Está tentando dizer que lamenta o que fez?

- Lamento mais do que você pode imaginar. Muito mais. - Ele afastou-lhe os cabelos sedosos e beijou-lhe a nuca.

Tess apoiou-se melhor no balcão. Era tão bom sentir o corpo quente de Zach junto ao seu, ouvir-lhe a voz sedutora. Não teve dúvida do quanto estava apaixonada por aquele homem e não quis lutar contra o sentimento.

- Cheguei até este ponto, Zach...

E ele gostaria que ela fosse até mais longe. Por que estava recuando?

- Mas há uma coisa que realmente preciso saber.

- E o que é?

- Como se cozinha um ovo.

Ele sorriu de leve e retomou sua aula:

- Pegue um ovo que não esteja rachado e coloque-o numa panela pequena. Esta aqui é perfeita - acrescentou, indicando-lhe uma que pegou do armário.

- Quebrarei o ovo se não colocar a água primeiro - protestou Tess.

- Na verdade, não faz diferença o que se coloca primeiro. Mas, neste caso, basta colocar o ovo gentilmente no fundo da panela. - sorriu-lhe, encorajando-a. - Isso mesmo. Agora, preencha a panela até que a água cubra o ovo em uns poucos centímetros.

- Tem certeza de que dará certo nesta panela tão pequena?

- Absoluta. Agora, basta ligar o fogo e colocar a água para ferver.

- É nesse ponto que o ovo acaba cozinhando demais.

- Não se você marcar o tempo. Esse é o segredo.

- Mas eu fiz isso várias vezes e eles cozinharam demais, ou estouraram, ou a água secou até que ficaram esturricados no fundo da panela. Sem mencionar os que explodiram no microondas.

- É porque você não sabia qual era o tempo certo.

- Não, eu não sabia... Oh, puxa...

- Bem, não é um bicho-de-sete-cabeças. Como eu dizia, basta colocar a panela no fogo e ficar atenta. Quando a água começar a ferver, é só marcar dez minutos no fogo alto e, voilá, seu ovo estará cozido.

- Só isso? - Tess estava incrédula.

- Exceto por colocá-lo debaixo da água da torneira para esfriá-lo e poder descascá-lo... sim, só isso.

- Quer dizer que eu não precisava de panelas especiais, nem de nada dessa parafernália?

- Não. Para cozinhar um, dois ou três ovos, você poderia usar qualquer vasilha pequena, até uma leiteira serviria. Em qualquer panela grande, pode-se cozinhar uma quantidade bem maior. - Ele deu de ombros. - Mas, veja o lado bom. Em suas tentativas, você acabou adquirindo um excelente jogo de panelas.

Puxando-a de volta para seus braços, Zach afundou o rosto nos cabelos macios dela.

- Mesmo com este odor na cozinha, quando estou perto de você, ainda sinto o aroma de cerejas com cobertura de chocolate.

- É o seu sabor favorito, não é?

- Pode apostar que sim.

- Então, tenho algo de que vai realmente gostar. Eu o fiz especialmente para você.

Tess soltou-se do abraço e adiantou-se até o freezer. Abrindo a porta, tirou do interior praticamente vazio um pequeno pote de amostra de sorvete Amanda Rae.

- Oh, não. Não outra vez... - gemeu ele.

- Este não vai para o lixo. É especial.

- De que maneira? - Ela abriu o pote.

- Feche os olhos e descubra.

- Combinado.

Depois que ele obedeceu, Tess pegou uma colher e tirou um pouco do sorvete do pote.

- Abra bem a boca.

Ela observou a expressão deliciada dele quando sentiu o gosto de sua surpresa.

- Uau, nunca provei nada tão bom. Parece sorvete de...

- Cerejas com cobertura de chocolate - completou Tess. - Agora, abra os olhos e veja o pote.

- "Meu Sabor Favorito" - leu Zach na embalagem. - Você criou isto especialmente para mim?

- Sim.

Ele pegou-lhe as mãos na sua.

- Mas nós não estávamos nem nos falando.

- Isso não pareceu fazer diferença para o meu cérebro. Eu só conseguia pensar em você.

- E eu só conseguia pensar em você, minha dama de vermelho.

- Dama de vermelho? - Ela pousou as mãos na cintura. Zach puxou-a de volta para si e mordiscou-lhe o lóbulo da orelha como se tivesse um sabor tão bom quanto o do sorvete.

- Na primeira vez em que a vi, você estava usando aquele seu terninho sexy vermelho. E parece que você sempre está usando algo vermelho. Até as suas sedutoras peças rendadas de baixo... - Ele observou-lhe a blusa e soltou um suspiro de contentamento. - Eu sabia.

- Eu também tenho peças de outras cores.

- E eu estou ansioso para ver todas.

- Você é tão maroto. - Ele abriu um largo sorriso.

- O que você notou em mim primeiro?

- Bem... - Lentamente, Tess correu as mãos pelas costas dele, descendo cada vez mais. - A primeira coisa que notei foi sua voz.

- Não estava lá grande coisa naquele dia.

- Ao contrário. - Ela soltou um risinho. - Achei-a interessante. Misteriosa. Como a de um pirata.

- Um pirata, hein?

- Sim, imediato. - Tess pegou-o pela mão. - Agora, se lhe interessar, posso levá-lo para visitar a cabine do capitão. Sabia que o capitão colocou lençóis de cetim vermelhos na cama hoje?

Zach seguiu-a prontamente pelo corredor até o quarto.

Meia hora depois, na cozinha de Tess Samuels, outra panela ferveu até a água evaporar. Mais um ovo explodiu. E ninguém nem sequer notou.

Fim.

Sabrina 1439 A Dama de Vermelho Deborah Shelley

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