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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE _____ Pacientes: Impetrante: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos Defensores Públicos signatários, todos com domicílio para intimação na [endereço], vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, e nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, impetrar o presente pedido de ordem de HABEAS CORPUS PREVENTIVO com pedido de ordem liminar ENDEREÇO UNIDADE 1

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Page 1:  · Web viewacerca da liberação da importação de medicamentos à base da Cannabis sativa com fins terapêuticos. O recurso especial nº 1.658.928 - SP (2017/0052464-2) trata do

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE

DIREITO DA VARA CRIMINAL DE _____

Pacientes:

Impetrante: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos

Defensores Públicos signatários, todos com domicílio para intimação na [endereço],

vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência com fundamento no art. 5º,

inciso LXVIII da Constituição Federal, e nos artigos 647 a 667 do Código de Processo

Penal, impetrar o presente pedido de ordem de

HABEAS CORPUS PREVENTIVO com pedido de ordem liminar

em favor de [dados do paciente] pelos argumentos de fato e de direito a seguir

apresentados, em face das autoridades policiais da Comarca de [nome da

Comarca], que devem ser intimadas na pessoa dos [Comandantes dos

Batalhões; Delegados dos Distritos Policiais], [endereço].

ENDEREÇO UNIDADE1

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1 – PRELIMINARMENTE:

1.1- DA COMPETÊNCIA DAS VARAS CRIMINAIS DE [COMARCA] PARA O

PRESENTE SALVO CONDUTO:

O cultivo de cannabis para uso próprio está, em tese, tipificado como

crime de menor potencial ofensivo do art. 28, §1º da lei 11.343/2006 c/c a Lei

9.099/1995, e como crime comum do art. 33, §1º, da lei 11.343/2006, razão pela qual

a jurisdição apropriada, independentemente da autoridade coatora, é o do local do

cultivo, domicílio da paciente.

Vale dizer que se trata de crime comum, sem transnacionalidade.

Demonstrando desta forma a distribuição ordinária [a uma das Varas

criminais desta Comarca] [à Vara Criminal desta Comarca] [à Vara Judicial desta

Comarca].

2 – DOS FATOS

A [primeira] paciente [nome da genitora/genitor ou representante] é

genitora do [segundo paciente] [nome do assistido que faz uso], que [descrição da

doença que motiva o uso de Cannabis].

[Descrição do histórico da doença antes do uso de Cannabis,

relatando as dificuldades de seu tratamento]

Em [data do início do uso do óleo/medicamento], em razão das

grandes preocupações da [genitora] com o tratamento de [pessoa tratada], a ora

Paciente passou a utilizar o [Medicamento/Óleo de Extrato da Cannabis Sativa], em

seu tratamento.

[Descrição das formas de uso e meio de obtenção, prescrições e/ou

produção caseira]

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A partir do uso da substância, foi

possível observar uma melhora em seu quadro médico. [Relatar de modo geral os

efeitos positivos sentidos a partir do uso]

[Apresentar relatório médico que descreva a mudança no

quadro clínico da paciente]

[apresentar relatório elaborado pelo psicólogo/terapeuta, se

houver, indicando as melhoras comportamentais]

[apresentar relatório escolar, se houver, descrevendo a

transformação da interação social e outros aspectos a partir da introdução do

medicamento/óleo no tratamento]

[apresentar eventuais outros relatórios, se houver, descrevendo

a transformação da interação social e outros aspectos a partir da introdução do

medicamento/óleo no tratamento]

Desde então, a melhora do (a) paciente tem sido percebida pelos

profissionais que trabalham em seu tratamento, conforme relatórios apresentados.

[A genitora], assim, não vislumbra outra saída senão o cultivo da

planta em sua casa e o preparo do óleo de maneira artesanal para buscar a melhoria

da saúde do(a) paciente.

Importante ressaltar que o óleo utilizado pelo(a) Paciente

corresponde aos mesmos componentes utilizados nos extratos de Cannabis

importados autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e

utilizados atualmente por milhares de pacientes no Brasil.

O cultivo da flor da Cannabis diluída em solução oleosa fornece os

mesmos componentes utilizados nos extratos de Cannabis industrializada, ou seja, o

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extrato utilizado pelo(a) filho(a) da paciente é

equivalente aos extratos importados, apenas com maior teor de outros canabinoides

presentes na Cannabis, e com a devida proporção, conforme orientação médica.

Outro fato importante é que, com o deferimento do pedido do cultivo

caseiro pela genitora, por este Juízo, será possível realizar os testes laboratoriais para

verificação da quantidade de canabinoides, pois, devido à origem caseira, não é

possível fazer análises laboratoriais no produto atualmente.

A contrario sensu, caso seja indeferido o presente salvo conduto, o

que se admite apenas para fins argumentativos, a mãe será impedida de continuar a

preparar o extrato artesanal de Cannabis e, consequentemente, o desenvolvimento e a

melhora observada no tratamento de [nome do paciente] restará prejudicado, dada

sua condição médica debilitante, tratando-se da única forma de tratamento

medicamentosa disponível.

3 – DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS PREVENTIVO

Dispõe o artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal que

“conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de

sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso

de poder” (g.n.).

A própria redação do dispositivo deixa clara a ampla abrangência do

remédio constitucional, passível de ajuizamento sempre que houver qualquer ameaça

ao direito fundamental e imanente a todo ser humano de ir, vir e ficar.

No presente caso o/a paciente se vê na iminência de sofrer uma

coação, vez que o plantio e uso de Cannabis não está de todo modo regulamentado,

conforme prevê a legislação pátria. Apesar de, como se demonstrará a seguir, o

cultivo e produção caseira de canabinoides configurar medida essencial para a

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garantia dos direitos fundamentais da(o) filha(o) da

paciente, e que, além disso, a correta interpretação constitucional abre possibilidade

para o regular exercício deste direito, a União ainda não cumpriu seu dever legal de

regulamentação deste tipo de prática.

Sendo assim, o(a) autor(a) corre justo receio de sofrer uma coação

pelas autoridades estatais policiais com o impedimento da continuidade no

provimento do tratamento deste tipo, que possa restringir sua liberdade de

locomoção, bem como da apreensão de quantidades expressivas da substância e

possível enquadramento em delitos mais gravosos.

Os efeitos danosos de uma ação deste tipo são diversos, destacando,

para este caso, a dependência que seu(sua) filho(a), [inserir o nome de

doença/transtorno], possui de seu papel materno, bem como da necessidade de

manutenção do tratamento que tem central importância para o desenvolvimento

neurológico e bem-estar da criança/jovem/paciente.

4 – DO MÉRITO

4.1 – Do tratamento legal do cultivo de Cannabis medicinal

A proibição do cultivo de plantas que podem ser usadas na

fabricação de drogas está determinada pela Lei n. 11.343/2006, bem como a

possibilidade de autorização, pela União, nos casos de uso medicinal e científico nos

casos determinados. Observe:

Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as

drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração

de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou

produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal

ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de

Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de

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1971, a respeito de plantas de

uso estritamente ritualístico-religioso.

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a

colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo,

exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e

prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as

ressalvas supramencionadas.

O Decreto n. 5.912, de 2006, que regulamenta a Lei n. 11.343/2006,

prevê que em seu artigo 14, inciso I, alínea c, que é competência do Ministério da

Saúde autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser

extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos,

em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, ressalvadas as hipóteses de

autorização legal ou regulamentar.

De tal sorte que, apesar de existir previsão na Lei e no Decreto, a

União, ao elaborar a Portaria n. 344/1998, deixou de fora a possibilidade de

autorização do cultivo pessoal de Cannabis para fins medicinais. O THC

(TETRAIDROCANABINOL) é incluído na lista de substâncias proscritas no Brasil,

sendo identificada inclusive como substância psicotrópica, conforme disposto pelo

artigo 61 desta Portaria.

Posteriormente, a Resolução RDC n° 17/2015 da Anvisa tratou das

possibilidades de importação de produtos à base de canabinoides, em caráter de

excepcionalidade, conforme prescrição médica. É a letra da resolução:

Art. 2º Esta Resolução estabelece os critérios e os

procedimentos para a importação, em caráter de

excepcionalidade, de produtos à base de Canabidiol em

associação com outros canabinóides, dentre eles o THC,

constantes do Anexo I desta Resolução, por pessoa física, para

uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente

habilitado para tratamento de saúde.

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§1º A importação de que trata o

caput também pode ser realizada pelo responsável legal pelo

paciente.

Em 2016, é editada pela Anvisa nova resolução RDC n° 66/2016 que

altera dispositivos da Portaria do Ministério da Saúde a respeito da prescrição de

canabinóides. A Portaria do Ministério da Saúde passa a valer com a seguinte redação:

Art. 61 (...)

§ 1º Excetuam-se do disposto no caput:

I - a prescrição de medicamentos registrados na Anvisa que

contenham em sua composição a planta Cannabis sp., suas

partes ou substâncias obtidas a partir dela, incluindo o

tetrahidrocannabinol (THC).

II - a prescrição de produtos que possuam as substâncias

canabidiol e/ou tetrahidrocannabinol (THC), a serem

importados em caráter de excepcionalidade por pessoa física,

para uso próprio, para tratamento de saúde, mediante

prescrição médica.

§ 2º Para a importação prevista no inciso II do parágrafo

anterior se aplicam os mesmos requisitos estabelecidos pela

Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 17, de 6 de maio de

2015."

Posteriormente, em dezembro de 2016, por meio do RDC n°

128/2016 foram incluídos novos produtos à base de canabidiol dentre a lista de

autorizados para a importação, dentre eles aqueles produzidos pela empresa [inserir

o nome da empresa produtora do óleo que foi importado, se for o caso], prescrito

para [nome da paciente].

A partir desta regulamentação, os medicamentos que possuem

substâncias como canabidiol e o THC podem ser prescritos, importados e

utilizados no país.

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Desde a regulamentação foram

registradas 4.617 autorizações concedidas pela Anvisa para a importação do

medicamento, que acarretou, até o momento, a entrada de 78 mil produtos no país.

Tal número não para de crescer. Tais dados foram obtidos em consulta à Anvisa via

Lei de Acesso à Informação por meio do Núcleo de Cannabis da Plataforma Brasileira

de Política de Drogas (doc. 8), em que também foi informado que mais de 800

médicos prescreveram remédios a base de CBD.

4.2– Da desnecessidade de autorização da Anvisa

Como ficou demonstrado pela exposição acima, a legislação pátria

reconhece a necessidade de um tratamento diferenciado quanto ao uso medicinal das

substâncias que ainda são consideradas ilícitas. No entanto, não há atualmente uma

regulamentação precisa da Anvisa que viabilize a plantação e extração do óleo de

Cannabis no país, a despeito da sua previsão. De tal forma que é inviável a obtenção

de uma autorização diretamente com a agência reguladora, conforme indica a decisão

em primeiro grau.

O salvo conduto, portanto, é justamente necessário porque não

há regulamentação da Anvisa. Se houvesse, contemplando a paciente, este writ

seria desnecessário.

De fato, o cultivo da planta e a extração do óleo medicinal no Brasil

fica inviabilizado sem a devida regulamentação administrativa. No entanto, em razão

da previsão expressa deste direito, fundamentação constitucionais e razões de fato,

que serão melhor tratadas adiante, a inércia administrativa não poderá servir de

óbice à fruição do direito individual e fundamental do(a) paciente e seu(sua) filho(a).

Sendo assim, a única maneira de obter a autorização legal, na atual

situação de urgência e perigo eminente, tomando por base o arcabouço normativo

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dado, é justamente o pleito judicial a fim de obter o

salvo conduto para o cultivo e extração caseiros do óleo medicinal.

Além disso, é preciso considerar a inafastabilidade da jurisdição, a

fim de eventual alegação de que a autorização do plantio deveria ser demandada da

agência reguladora. O princípio se encontra previsto no art. 5º, inciso XXXV da

Constituição Federal, que estabelece que não se pode impedir que o poder judiciário

aprecie ameaça de lesão a direito. Pela via indireta, o dispositivo determina a

constitucionalidade do acesso à justiça, garantindo a proteção aos direitos individuais

e transindividuais.

No caso em tela, trata-se da proteção ao direito fundamental da

paciente à saúde. Sendo o habeas corpus a medida judicial cabível e necessária à

garantia do direito subjetivo da parte, bem como à proteção de lesão ou ameaça a este

direito por meio das autoridades públicas.

O(a) paciente pode demandar por meio da via judiciária a

autorização necessária, ainda que não tenha recorrido inicialmente à autorização da

Anvisa. A um porque não há jurisdição administrativa obrigatória; a dois porque se

trata de procedimento proibitivo, conforme se demonstrará adiante. No presente

caso, a situação é ainda mais latente, tendo em vista a inexistência de regulamentação

administrativa que possibilite a interposição de requerimentos. A esse respeito, a

doutrina de Pedro Lenza, em Direito Constitucional Esquematizado, afirma:

“Em decorrência do princípio [da inafastabilidade da

jurisdição] em análise, não mais se admite no sistema

constitucional pátrio a chamada jurisdição condicionada ou

instância administrativa de curso forçado, tal como se

verificava no art. 153, § 4.º, da EC n. 1/69, na redação dada pela

EC n. 7, de 13.04.1977. 87 Para ingressar (“bater às portas”) no

poder judiciário não é necessário, portanto, o prévio

esgotamento das vias administrativas”.

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O(A) paciente tem seus direitos

ameaçados e se vê impossibilitada de garantir a devida assistência médica para

seu(sua) filho(a) em virtude de inércia de regulamentação do poder executivo. Nesse

sentido, faz-se necessário recorrer ao Poder Judiciário, a fim de viabilizar a fruição do

seu direito, não havendo outras formas de concretização disponíveis tanto por

questões legais quanto materiais.

Por fim, cumpre ressaltar que a Anvisa, enquanto agência reguladora,

criada por lei, possui funções técnicas e está de todo modo submetida à legislação.

Sendo assim, a falta de regulamentação e consequentemente de autorização não deve

ser impeditivo ao exercício do direito, visto que a agência está igualmente submetida

aos princípios constitucionais. É dizer, a própria agência reguladora está a descumprir

normas constitucionais e legais ao deixar de regulamentar. De maneira semelhante, a

jurisprudência tem fixado entendimento nos casos de ação de medicamentos que,

ainda que não registrados pela Anvisa, não acarretam a proibição da importação do

mesmo, tendo em vista que o direito à saúde, enquanto direito fundamental, possui

eficácia imediata (TJSP; Apelação 1007563-69.2015.8.26.0562; Relator (a): Heloísa

Martins Mimessi; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Santos - 3ª

Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/07/2018; Data de Registro:

30/07/2018. Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.

APELAÇÃO. REEXAMENECESSÁRIO. DIREITO À SAÚDE. PRELIMINAR. Via processual

inadequada. Inocorrência. Direito líquido e certo. FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. Necessidade manifesta. Procedência do

pedido. Direito fundamental e de eficácia imediata. Dever comum dos entes

federados. Tratamentos convencionais fornecidos pelo SUS ineficazes para a autora.

Ausência de registro do medicamento na ANVISA não acarreta a proibição de seu uso.

Suficiência do diagnóstico decorrente da avaliação de profissional

habilitado.Inexistência de infração às normas e princípios que informam a

Administração e, em especial, o SUS. Restrições orçamentária se demais argumentos

técnicos e administrativos inoponíveis, à vista da magnitude do direito protegido.

Assistência integral e individualizada.Segurança concedida. Recurso voluntário e

reexame necessário não providos. Trata-se de reexame necessário, considerado

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interposto, e recurso de apelação em face da r. sentença de

fls. 331/332, que, em mandado de segurança com pedido de fornecimento de

medicamento impetrado por Valter Gonçalves em face do Diretor Técnico do

Departamento de Saúde DRS IV, concedeu a segurança, confirmando a tutela liminar

concedida, para condenar o impetrado a fornecer gratuitamente ao impetrante, ora

apelado, portador de hepatite crônica do tipo C, com infecção viral pelo genótipo 1,

com evolução para cirrose hepática e varizes no esôfago, o medicamento).

4.2.1 – Da impossibilidade de realização de testes laboratoriais

Diante da falta de regulamentação necessária para a utilização

legal da planta no território nacional, fica estabelecida a primeira grande

dificuldade de serem realizadas pesquisas laboratoriais a respeito do tema no país,

visto que nenhum laboratório de pesquisas científicas não se prontificará à

realização de exames e testes no óleo caseiro produzido pela paciente, pelo

exato motivo deste produto não estar, prima facie, legalizado. Daí a necessidade

do salvo-conduto, justamente para permitir que o laboratório possa realizar os

testes sem entraves legais.

Apesar desta impossibilidade expressa de comprovação laboratorial

da eficiência do óleo produzido pela genitora/paciente na forma caseira, seguem

anexos estudos nacionais e internacionais a respeito da importância e eficiência do

tratamento com Cannabis medicinal, bem como estudos internacionais a respeito da

plantação e produção caseira do óleo.

De modo bastante simplificado, a produção caseira do óleo

possibilita a manipulação mais precisa dos níveis de substâncias químicas diversas

que são encontradas na planta como um todo. Essa combinação que é responsável

pela ativação do efeito entourage, forma de interação sinérgica das substâncias que

potencializa seus benefícios para o organismo. Essa propriedade encontrada na

Cannabis tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores do tema. Destaca-se o

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estudo feito por um grupo de pesquisadores

juntamente com o Dr. Ben-Shabat1 que revelou como ocorre a interação positiva entre

moléculas canabinoides endógenas. O neurocientista brasileiro Fabrício Pamplona,

que se dedica ao estudo da Cannabis medicinal, descreveu como esta associação pode

ser benéfica e minimizar muito os efeitos colaterais de algumas substâncias2.

Sendo assim, fica evidente que, para um melhor aproveitamento das

propriedades do óleo medicinal e minimização de qualquer efeito colateral, é mais

benéfico para o usuário que seja manipulada uma quantidade específica e

personalizada das substâncias extraídas. Isto foi conseguido através da produção

caseira, conforme se demonstrou com o relatório médico acostado nos autos e o

salvo-conduto permitirá os testes laboratoriais para que haja segurança nas

dosagens futuras.

4.3 – Da impossibilidade de opção pela importação do óleo através de autorização da Anvisa

Além disso, a utilização do óleo de Cannabis importado é totalmente

descabido, em razão da sua alta inacessibilidade. Conforme dados levantados pela

Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis (Apepi), os gastos com a

importação podem superar dois mil reais, além do longo processo para obtenção. O

preço mínimo dos produtos gira em torno de US$ 70. Além disso, há uma série de

dificuldades para a obtenção da autorização, em razão da burocracia desenvolvida

pela Anvisa.

Segundo informações obtidas do site da Anvisa3, o procedimento

para a importação de canabidiol envolve seis etapas, cada uma com seu prazo e

tempo de espera. São as etapas: (i) consulta médica e prescrição, (ii) cadastramento

do paciente na Anvisa, (iii) análise do pedido por parte da Anvisa, (iv) autorização

1 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9721036 2 https://medium.com/@fabriciopamplona/o-efeito-entourage-e8396a2cc9a7 3 http://portal.anvisa.gov.br/importacao-de-canabidiol

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para importação por parte da Anvisa, (v) aquisição e

importação do produto e (vi) fiscalização e liberação na importação pela Anvisa.

A associação Indeov, que promove facilitações interdisciplinares

para o tratamento terapêutico humanitário, desenvolveu um passo a passo,

descrevendo, na prática, as diversas providências que as famílias devem ter para a

obtenção da autorização excepcional da Anvisa (doc. X). Além disso, em outra cartilha

são descritos os procedimentos necessários para a posterior compra e importação

dos produtos à base de canabidiol, tendo por base a empresa Elixinol, que produz o

óleo de cânhamo com concentração de CBD nos Estados Unidos.

A Associação Brasileira de Cannabis Medicinal (AMA+ME) fez

levantamento (doc. X), atualizado até o dia 06/03/2017, encontrando um custo

mensal de R$[inserir valor do caso] para pacientes que utilizam 600mg/dia, do óleo

em questão. Tomando por base a receita fornecida pelo médico, [descrever cálculos

da quantidade do óleo prescrito, bem como o nome do produto e da marca, conforme

dados da tabela], o gasto mensal com o tratamento acarretaria para a(o)

paciente seria superior a R $[inserir valores], estando aí desconsiderados o

custo do frete e a atualização monetária. Para a paciente, assim como para a

maioria da população brasileira, os gastos são exorbitantes e impossíveis de

serem arcados, sem comprometer a subsistência da família.

A alternativa muitas vezes é requerer o fornecimento pelo Estado,

através do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram 46 casos registrados em 2016 pelo

Ministério da Saúde de pedidos desse tipo, ressaltando-se que os dados se referem ao

mesmo ano em que a importação foi legalizada4. De modo que o aumento exponencial

dos pedidos e gastos é realidade certa e, nesse sentido, acarreta em grande impacto

no orçamento público da saúde.

Além disso, dado o alto custo do medicamento e os rigorosos

trâmites para sua importação, ao depender exclusivamente da entrega da substância

4 Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44283537

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pelo SUS a paciente estaria sujeita à descontinuidade do

tratamento, haja vista inclusive a pública e notória falta de medicamentos de alto

custo nas farmácias do SUS de tempos em tempos, o que geraria danos inestimáveis à

saúde do(a) paciente pela descontinuidade do tratamento.

Sendo assim, ficam evidentes as dificuldades de acesso aos

produtos importados para o tratamento à base de Cannabis, tanto em razão dos

gastos exorbitantes para o paciente e a burocracia necessária, quanto em

relação aos encargos suportados pelo Estado com a obrigação de fornecimento

gratuito pelo Sistema Único de Saúde, além do risco da descontinuidade do

tratamento, em razão da ausência do medicamento no SUS por problemas na

importação, falta de verba para a compra e burocracias várias. A única saída

encontrada, que é capaz de suprir as necessidades do(a) paciente , é,

justamente, a produção caseira artesanal dos óleos.

A autorização judicial por esta via tem se difundido. Segundo a

Plataforma Brasileira de Política de Drogas, já houve 17 salvo-condutos concedidos

no Brasil para o cultivo e a extração dos óleos medicinais de maneira caseira5.

Identificando a necessidade de prover uma política mais eficaz para a

utilização dos canabinóides de maneira terapêutica no país e, além disso,

fundamentar o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre o tema, a Anvisa tem

sinalizado, por meio de declarações de seu presidente6, que está trabalhando em uma

regulamentação para o cultivo e a produção dos medicamentos no Brasil.

Isto é, valendo-se da previsão legal acima destacada, quanto a

possibilidade de autorização, pela União, da produção de medicamentos à base de

Cannabis para fins terapêuticos integralmente no território nacional.

5 Disponível em: http://pbpd.org.br/78-mil-produtos-a-base-de-maconha-entraram-no-brasil-apos-autorizacao-da-anvisa/ 6 Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,anvisa-inicia-em-junho-discussao-de-plantio-de-maconha-no-pais-para-uso-terapeutico-e-de-pesquisa,70002318211 e https://super.abril.com.br/blog/psicoativo/anvisa-pretende-regulamentar-plantio-da-cannabis-para-pesquisa/

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Em reportagem publicada pelo jornal

Folha de São Paulo, em julho de 20177, havia informação de que a regulamentação do

plantio de Cannabis no Brasil seria iniciada em agosto do mesmo ano. Passado um

ano, o veículo jornalístico publicou nova matéria8 destacando o atraso na

regulamentação, ao que o presidente da Anvisa respondeu afirmando que já estaria

encaminhando uma proposta de iniciativa.

Tal previsão de regulamentação também objetiva a fiscalização

destes produtos, vez que por serem importados não passam pela avaliação da Anvisa

quanto a sua eficácia e segurança. Há uma advertência nesse sentido prevista no

corpo do RDC 128/2016, que prevê a autorização de importação de produtos desse

tipo.

Sendo assim, é fato que deve ser implementada e regulamentada a

produção nacional dos medicamentos.

Além disso, outro ponto adverso da importação do medicamento

concerne justamente à inflexibilidade que ele traz ao tratamento. Tendo em vista as

necessidades específicas de cada indivíduo, a proporção de cada substância

encontrada na planta Cannabis sativa é individualmente determinada. Sendo assim,

a manipulação de medicamentos industrializados não permite o controle total sobre

as quantidades de cada substância, tampouco sobre a escolha da espécie da planta a

ser cultivada e extraída.

Essas razões motivaram a Paciente a procurar meios do cultivo e

extração do óleo em sua própria residência. Com o apoio de outros grupos de mães

que desenvolveram métodos de extração de óleos da medicina tradicional e do

acompanhamento médico que procurou [incluir se for o caso], a genitora/paciente

teve sucesso com o cultivo, observando melhoras progressivas da criança com a

utilização do medicamento. Mas que, em razão da falta de regulamentação da União,

7 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/07/1903558-anvisa-vai-criar-regras-para-cultivo-de-maconha-medicinal.shtml8 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/07/atraso-da-anvisa-em-regular-maconha-frustra-farmaceuticas.shtml

ENDEREÇO UNIDADE15

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pode sofrer alguma coação em virtude de proibição

legal indevida, como se desenvolverá a seguir.

4.4 – Da desnecessidade de dilação probatória

Ainda, cumpre reforçar o cabimento do presente habeas corpus,

diante da desnecessidade de dilação probatória, como eventualmente poderia se

afirmar.

Em primeiro lugar, o(a) filho(a) da paciente conta com

acompanhamento médico ao longo de todo o seu tratamento, destacando as

prescrições médicas, anexas aos autos. E, do mesmo modo, continuará sendo

orientada quanto às exatas proporções e quantidades de óleo necessárias e benéficas

ao tratamento da criança/jovem/usuário.

Além de ter o apoio de acompanhamento médico constante, deve-se

ponderar a respeito do escopo do salvo conduto. O pedido aqui formulado se refere

especificamente ao cultivo e extração do óleo da planta da Cannabis para o uso

médico do(a) filho(a) da paciente. De forma que, na hipótese deste ser utilizado para a

venda ou até mesmo consumo próprio, tal situação poderá ser enquadrada

normalmente pelos agentes de segurança competentes, com as devidas

consequências, visto que se trata de situação que ultrapassa o pleito formulado. O

salvo-conduto aqui pleiteado não é, de forma alguma, uma “carta branca” para o(a)

paciente cultivar o quanto quiser, com a finalidade que bem entender.

A possibilidade descrita na decisão quanto à produção do óleo

possível de ser enquadrada na conduta do art. 33 da Lei de Drogas, não constitui óbice

à concessão do salvo conduto em relação à necessidade específica da criança de

utilização do óleo medicinal de Cannabis. O pedido formulado é delimitado como a

expedição do salvo conduto a fim de garantir que “as autoridades encarregadas sejam

impedidas de proceder à prisão e persecução penal da paciente pela produção artesanal

ENDEREÇO UNIDADE16

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e uso conforme prescrição médica de Cannabis sativa,

vedando-se, ainda, a apreensão ou destruição das plantas em questão, cultivadas para

fins de tratamento do(a) paciente”.

Observe-se que, uma vez concedido o remédio constitucional, fica

protegida uma única forma de cultivo e extração do óleo da planta: aquele que se

refere somente ao tratamento médico essencial para a(o) criança/jovem/usuário. O

contínuo acompanhamento médico servirá de base para garantir a utilização correta

da substância pela genitora/paciente, e da continuidade dos benefícios à saúde de

seu(sua) filho(a). Ao passo que o cultivo está restrito única e exclusivamente a esta

utilização.

Em acréscimo, a dilação probatória sobre quantidade de plantas

também é desnecessária por um simples motivo: a lei brasileira de drogas Lei n.

(11.343/2006) fez a opção de não estabelecer uma quantidade como marco divisor

entre usuários e traficantes, como o fizeram alguns países9, preferindo estipular

critérios outros para a distinção. Assim sendo, se a quantidade não é marco que

distingue a licitude da ilicitude da conduta, estipular uma quantia de plantas que a

paciente poderia cultivar está em descompasso com a legislação brasileira, e garantia

nenhuma traria sobre a destinação a ser dada à droga, cabendo à autoridade policial a

análise a esse respeito.

4.5 – Da interpretação conforme a Constituição dos artigos 28 e 33 da Lei n. 11.343/2006 – atipicidade da conduta da paciente

Apesar disso, a utilização medicinal do óleo da planta não configura

transgressão da legalidade, se observarmos a interpretação correta dos dispositivos.

É a letra dos artigos 28 e 33 da Lei n. 11.343/2006:

9 Na Espanha, por exemplo, até 100 gramas de maconha é considerado posse para uso. Veja em: https://viagem.uol.com.br/noticias/2018/05/01/conheca-paises-onde-e-toleravel-e-ate-legal-usar-drogas-em-pequenas-doses.htm

ENDEREÇO UNIDADE17

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Art. 28. Quem adquirir,

guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,

para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em

desacordo com determinação legal ou regulamentar será

submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso

educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo

pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à

preparação de pequena quantidade de substância ou produto

capaz de causar dependência física ou psíquica.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir,

fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em

depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,

ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que

gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com

determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de

500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende,

expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta,

traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem

autorização ou em desacordo com determinação legal ou

regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico

destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em

desacordo com determinação legal ou regulamentar, de

ENDEREÇO UNIDADE18

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plantas que se constituam

em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a

propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou

consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente,

sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou

regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

Com isso, o legislador pretende tipificar a conduta daquele que fizer

uso de substâncias consideradas ilícitas pelo ordenamento jurídico. No entanto, a

norma não enxerga, prima facie, a possibilidade terapêutica de plantas que podem,

indevidamente, ser consideradas como drogas ilícitas, como é o caso da Cannabis

sativa. A proibição absoluta se choca, ademais, com o direito à saúde, além,

evidentemente, de ofender a dignidade humana.

O(A) Paciente, que não tem acesso aos métodos atualmente

excludentes de importação dos óleos essenciais, é obrigada a recorrer aos métodos

caseiros, correndo sério risco de ser criminalizado(a). De modo que o acesso ao

devido tratamento de saúde fica restrito em razão de uma possível incidência

equivocada do aparato penal estatal.

A afronta aos direitos fundamentais é clara, tendo em vista que a

própria estrutura do ordenamento jurídico impossibilita a realização plena do direito

à saúde (art. 6° da CF), do direito à vida (art. 5°, caput, da CF) e, por conseguinte, da

dignidade da pessoa humana (art. 1° da CF). É imperativa, nesses termos, a

necessidade de empregar uma interpretação conforme a Constituição dos arts. 28

e 33 da Lei de Drogas tendo em vista, principalmente, estes dispositivos

constitucionais destacados.

De fato, as condutas tipificadas nos arts. 28, §1º e 33, §1º da Lei de

Drogas, não correspondem ao fato da vida consistente no plantio para uso

medicinal. Muito menos as condutas dos arts. 28, caput e 33, caput, da Lei de

ENDEREÇO UNIDADE19

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Drogas, mantêm correspondência com condutas

praticadas pela ora paciente.

Com tal interpretação, mantém-se íntegro direito fundamental à

saúde, reconhecido pelo poder público, conforme receita médica e as atuais

normativas da ANVISA.

Ainda, é de se ressaltar que o dispositivo legal aqui questionado é

contrário ao que diz a própria Lei de Drogas no parágrafo único do art. 2°, de

que “pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais

referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou

científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas

as ressalvas supramencionadas”.

Isto é, apesar do próprio diploma normativo reconhecer que o uso

para fins medicinais é justificado, acaba por inviabilizar a real efetivação dessa

utilização, quando, mais adiante, proíbe o plantio e cultivo para uso próprio.

Reitera-se que, apesar de aberta a possibilidade, ainda não houve a

devida regulamentação pela União para a produção nacional da substância, de

modo a configurar óbice não somente em relação a este dispositivo, mas também da

garantia constitucional dos direitos à vida e à saúde.

Tal contradição expressa deve, portanto, ser superada com a

interpretação correta dos arts. 28 e 33 da referida lei, tanto em relação à

racionalidade legal, quanto constitucional.

A autorização do plantio por vias judiciais se torna medida necessária

à realização das necessidades mínimas de subsistência em tantos casos, como o da

paciente que tem o óleo essencial da planta como única forma de tratamento em

razão da inexistência de outras vias medicamentosas eficazes para o Transtorno do

Espectro Autista na condição em que o mesmo se apresenta nesse caso.

ENDEREÇO UNIDADE20

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Sem a autorização do plantio, e uma vez que a Lei de Drogas não

traz a quantidade de plantas cultivadas que levam ao enquadramento da

conduta no artigo 28 ou no seu artigo 33, ficando a tipificação ao alvedrio da

autoridade policial, o(a) paciente está sujeita a sofrer persecução penal que

pode culminar em pena corporal de prisão por anos, imposta pelo artigo 33 da

Lei de Drogas, além de correr o risco de ser preso(a) em flagrante delito, o que

seria uma enorme tragédia para si e principalmente para seu(sua) filho(a) , que

dela depende para todos os cuidados de que necessita.

Por esta razão, forçoso convir que a paciente age de acordo com o

exercício regular de direito, tendo em vista a devida adequação da utilização

terapêutica da Cannabis a fim da garantia de vida e saúde da criança. Nesse sentido se

formula aqui o pedido de deferimento ao(à) paciente da possibilidade de

continuar realizando o cultivo da planta a fim de produzir o medicamento para

seu(sua) filho(a), sem oposição das autoridades coatoras.

Por tudo isso, é de rigor reconhecer que não há conduta típica

praticada pelo(a) paciente ao plantar, extrair e ministrar óleo para tratamento de

saúde de seu(sua) filho(a).

É imperioso, para o exercício dos direitos fundamentais da paciente e

de sua filha, o deferimento da tutela ora invocada. Trata-se de exercitar seu direito

subjetivo de continuar a produzir seu medicamento de forma natural artesanal, uma

faculdade prevista em nossa Magna Carta.

4.6 – Da ausência de ilicitude da conduta da paciente

Não é de se admitir, no entanto, que as autoridades estatais impeçam a

realização do seu direito à saúde. Primeiramente porque o cultivo da planta não

configura hipótese de criminalização, conforme descrito pela legislação específica, no

ENDEREÇO UNIDADE21

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caso em tela. Mas porque, ainda que V. Exa. não

vislumbre tal afirmativa, é de se considerar que a paciente age movida por estado

de necessidade de prover a única forma de tratamento medicamentosa que tem

tido efeitos em sua filha.

Conforme o Código Penal:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica

o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por

sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito

próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não

era razoável exigir-se.

A doutrina de Guilherme Nucci conceitua afirmando que o estado de

necessidade

É o sacrifício de um interesse juridicamente protegido, para

salvar de perigo atual e inevitável o direito do próprio agente ou

de terceiro, desde que outra conduta, nas circunstâncias

concretas, não fosse razoavelmente exigível.10

Este é precisamente o caso vivido pela paciente, quando para proteger

o direito à saúde de sua filha, inevitavelmente descumpre o mandamento legal quanto

à produção para consumo substância ilícita sem (devida) regulamentação. Conforme

preceitua a doutrina11 são requisitos do estado de necessidade: (i) perigo atual, (ii)

que a situação de perigo não tenha sido causada voluntariamente pelo agente, (iii)

salvar direito próprio ou alheio, (iv) inexistência de dever legal de enfrentar o perigo,

(v) inevitabilidade do comportamento lesivo, (vi) inexigibilidade de sacrifício do

interesse ameaçado e (vii) conhecimento da situação de fato justificante.

10 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 204.11 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. Salvador; JusPodivm, 3ª ed., p. 253-256.

ENDEREÇO UNIDADE22

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O perigo atual está no iminente

comprometimento ao desenvolvimento neurológico de sua filha, que poderia ser

irreversível se não houvesse um tratamento adequado, o que, evidentemente, não foi

causado pela própria paciente, tendo em vista os esforços empregados por anos nas

mais diversas formas de tratamento e terapia. A paciente agiu, portanto, para salvar

direito alheio, de sua filha, e não havia formas de resistir a esta lesão.

A inevitabilidade do comportamento já ficou comprovada, vez que a

impossibilidade financeira de importação do óleo, nos moldes em que a Agência

Regulatória prevê, impõe a produção caseira como única medida possível de ser

tomada, diante da necessidade de prover alguma oportunidade de desenvolvimento

para a criança, entre outros argumentos acima já expendidos.

Ainda, cumpre destacar que não é razoável exigir de uma mãe que se

abstenha de fornecer o melhor tratamento médico para sua filha, vez que receitado

por especialistas e seguindo um procedimento de extração já amplamente utilizado

por diversas famílias do Brasil e de outros países. Por fim, a paciente possuí

consciência e a vontade de salvar direito alheio.

Considerando que se trata de direito fundamental e ligado à vida da

criança protegido em detrimento da tutela da saúde pública, bem jurídico que seria

tutelado pela Lei de Drogas, o caso se enquadra não apenas como excludente de

tipicidade, mas também de ilicitude, na conduta da paciente, justificando a proibição

de qualquer forma de coação a ser sofrida por ato das autoridades policiais.

Igualmente, ainda que considerada hipótese de estado de necessidade

exculpante, quando o bem jurídico protegido seria de menor valor que o bem violado,

configura-se a inexigibilidade de conduta diversa da genitora/paciente diante da

doença de seu(sua) filho(a). Não há que se falar, portanto, em culpabilidade da

paciente nesse caso.

ENDEREÇO UNIDADE23

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Por qualquer ângulo, portanto, está a

paciente respaldada pelo ordenamento jurídico para o plantio, extração e uso

medicinal da planta em questão.

4.7 – Da efetividade do tratamento com Cannabis medicinal

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas,

atrelado a Universidade Federal de São Paulo, publica periodicamente o Boletim

Maconhabrás, que traz artigos reunindo, entre outros, estudos recentes a respeito do

uso medicinal da Cannabis. Em sua segunda edição, publicada em março do 201412, a

pesquisadora Graziella Molska escreveu sobre os efeitos do uso do spray de derivados

da planta para tratamento de dor crônica em casos de câncer. O estudo feito revelou

que os efeitos da substância se mantiveram a longo prazo e garantiram com que os

usuários não aumentassem a taxa de ingestão de medicamentos analgésicos.

Em sua terceira edição13, o Boletim tratou do uso de Cannabis no

tratamento de epilepsia – esta doença, conforme diversos estudos, tem a mesma

etiologia do autismo14. Os estudos a respeito, no Brasil, datam da década de 70 e já

vinham registrando efeitos benéficos na redução das convulsões. Nos EUA,

recentemente, realizou-se um estudo em cima de uma variação da planta rica em

Canabidiol. Segundo Lucas Maia, redator do artigo, “dos 19 pais que responderam à

pesquisa, 53% relataram uma redução maior que 80% na frequência das convulsões; e

11% das crianças não apresentaram crises convulsivas durante os três meses de

acompanhamento. Os pais reportaram ainda uma melhora no estado de alerta das

crianças”. Ressalta também que apesar das dificuldades para a pesquisa imposta pela

12 http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Boletim-Maconhabr%C3%A1s-No.-02.pdf 13 http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Boletim-Maconhabr%C3%A1s-No.-03.pdf 14 Vide https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1528-1167.2007.01399.x, em que se aponta que uma das explicações para as comorbidades entre autismo e epilepsia sugere que “The epilepsy and ASD are both different clinical manifestations of the same brain pathology”; e http://www.ib.usp.br/revista/node/186, estudo em que se aponta que “Os resultados corroboram evidências científicas que indicam a existência de processos etiológicos comuns entre o autismo e a epilepsia. Estudos em modelos animais confirmam envolvimento do sistema endocanabinoide. Esses avanços apontam o início de uma revolução no entendimento e tratamento desses transtornos”.

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proibição, os estudos apontam de maneira benéfica

para a utilização da substância.

Nesta mesma edição, os pesquisadores tratam de um estudo

veiculado no periódico European Neurology acerca do uso do spray de Cannabis sativa

L. para o tratamento de esclerose múltipla. Os resultados revelam que o efeito da

substância reduziu consideravelmente o nível de gravidade dos espasmos musculares

característicos da doença, além de efeitos diversos que melhoraram a qualidade de

vida dos pacientes e seu sono.

Especificamente sobre o uso da Cannabis para tratamento de

Transtornos de Espectro Autista, cabe indicar o estudo publicado por Renato

Malcher-Lopes na Revista de Biologia da Universidade de São Paulo em 2014,

intitulado “Canabinoides ajudam a desvendar aspectos etiológicos em comum e

trazem esperança para o tratamento de autismo e epilepsia”.

O autor indica que resultados de estudos científicos evidenciam a

existência de processos etiológicos comuns entre o autismo e a epilepsia, ou seja,

ambas as doenças apresentam causas neurológicas e genéticas comuns, motivo pelo

qual o uso de Cannabis no tratamento de doenças de Espectro Autista tem mostrado

resultados científicos positivos, assim como os resultados dos estudos relacionados

ao uso da mesma substância para tratamento de epilepsia15.

Em 2012 foi publicado um livro relatando o impressionante

caso de uma autista não-verbal que passou a se comunicar

utilizando um computador (Fleischmann, 2012).

Diagnosticada com autismo aos três, Carly Fleischmann

era extremamente hiperativa, exibia frequentes ataques de

autoagressividade e comportamento explosivo. Jamais

pronunciou uma palavra e por vezes parecia perdida no

mundo, à deriva dentro de si. Aos onze anos, entretanto,

15 http://www.ib.usp.br/revista/node/186.

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após anos de terapias,

treinos, frustrações, lentos e minúsculos progressos, Carly

comunicou-se com o mundo pela primeira vez. Em um dia

especialmente marcado por grande inquietação, ela foi a

um computador e digitou: “socorro dente dói”. Os pais de

Carly ficaram estarrecidos com este primeiro contato e

com os muitos que passaram a se suceder: “Percebemos

que dentro de Carly havia uma pessoa articulada,

inteligente e emotiva que nós jamais havíamos conhecido!”.

Mais do que uma estória dramática de superação, Carly

trouxe ao mundo preciosas informações sobre o que pode

acontecer na mente de certos casos de autismo. Ela

revelou, por exemplo, que seus ataques de agitação

com comportamentos atípicos e de autoagressividade

eram, na verdade, reações a surtos de parestesia:

“Vocês nunca saberão como é quando eu não consigo parar

de me mexer porque minhas pernas ardem como se

estivessem em chamas, ou quando eu sinto como se

centenas de formigas subissem pelo meu corpo.”

Ambientes muito estimulantes também

desencadeavam ruídos mentais insuportáveis,

levando-a a violentos ataques, comuns entre os

autistas, mas que — agora ela revelava — serviam

para tentar dissipar essas terríveis sensações,

supostamente causadas por ativação anormal de

circuitos cerebrais associados ao córtex somato-

sensorial. Tais situações são reminiscentes da

parestesia observada em epilepsia e outras condições

neuro / encefalopáticas (Beauvais et al., 2005; Chu et al.,

1997; Erickson et al., 2006; Hess, 1989; Namazi et al., 2011;

Rossi et al., 1980; Telegina, 1981)), e das que causam

alucinações de outras modalidades, sinestesia e ruídos

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mentais, quando os demais

circuitos sensoriais estão envolvidos. De um modo geral,

essas observações estão em concordância com a Teoria

do Mundo Intenso de Markram – que postula que o

excesso de ativação neuronal na mente de autistas

gera um ganho extremo de intensidade na percepção

dos estímulos sensoriais (Markram et al., 2007). Em

palestras recentes (https://www.youtube.com/ watch?

v=abWeS8iiN5Y), a pesquisadora Adit Shankardass,

coautora de alguns artigos citados aqui (Duffy et al.,

2013a; Duffy et al., 2013b; Duffy et al., 2014), revelou que

resultados preliminares de seu grupo indicam que cerca

de 50% das crianças diagnosticadas como autistas

exibem focos cerebrais de atividade epileptiforme, que

ela chamou de “hidden seizures”, as quais,

supostamente, tornam essas crianças incapazes de

conexão com o mundo exterior (mesmo quando na

ausência de ataques ou convulsões), corroborando a

noção extraída desta revisão de que atividades

epileptiformes, ou semelhantes a tais, estão

relacionadas a diversos sintomas do autismo. [G.n.]

A Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal –

AMA+ME desenvolve “Estudo Observacional” que pretende verificar os efeitos da

utilização do óleo de Canabidiol para o tratamento dos Distúrbios do Espectro do

Autismo16. O estudo, coordenado pelo Dr. Paulo Fleury, médico epidemiologista,

pesquisador e colaborador da associação, acompanha o desenvolvimento clínico de

um grupo de crianças que faz uso do óleo de Cannabis rico em CBD importado da

empresa norte americana CBDRx (a importação foi individualmente autorizada pela

ANVISA).

16 https://jornalistaslivres.org/2016/12/autistas-apresentam-melhoras-com-o-uso-do-canabidiol/ e http://amame.org.br/2016/12/18/autistas-apresentam-melhorias-consideraveis-com-o-uso-do-oleo-de-cannabis-rico-em-cbd/

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A pesquisa ainda está em andamento, mas já foi possível constatar,

preliminarmente, que em 80% dos casos o uso da substância ocasionou em melhorias

na redução da hiperatividade e dificuldade de concentração. Mais da metade dos

pacientes apresentou melhorias quanto à redução e maior controle das estereotipias,

agressividade e auto agressividade. Além de verificar também melhorais nos

distúrbios do sono, performance cognitiva e até na autonomia da vida diária, bem

como redução de crises convulsivas.

A pesquisadora Graziella Molska, na edição de maio de 201517, fez

um apanhado dos medicamentos preparados a base de Cannabis e comercializado ao

redor do mundo, revelando suas propriedades e usos autorizados. O primeiro diz

respeito a versões do THC (tetrahidrocanabinol) utilizado para aliviar náusea e

aumento do apetite em pacientes com câncer e anorexia, respectivamente, cuja

comercialização é regulamentada nos Estados Unidos. Ainda, há o Bedrocan®,

vendido na Holanda que, além dos efeitos anteriores, tem resultados contra

glaucoma, dor crônica e esclerose múltipla. O Sativex® mencionado acima como

spray a base de Cannabis contém altas concentrações também de CBD que reduz as

convulsões, utilizado também em crianças.

O pesquisador Renato Filev escreve contribuição18 reunindo estudos

norte americanos sobre o tema. Destaca-se, para o caso, o trabalho publicado no

JAMA que revela que o uso da maconha para fins medicinais tem diminuído a taxa de

mortes por overdose, isso porque reduz a ingestão de opioides prescritos por

médicos. Além de outro estudo publicado no mesmo veículo que destaca a melhora

geral da dor, reportando redução no uso de outros medicamentos analgésicos. Nesta

mesma edição é apontado relatório oficial do Instituto de Medicina, Marijuana and

Medicine, que resume os benefícios potenciais da maconha como sendo o estímulo do

apetite, o combate a náusea e vômitos e o tratamento de dor aguda e formas de

espasticidade.

17 http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Boletim-Maconhabr%C3%A1s-No.-04.pdf 18 http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Boletim-Maconhabr%C3%A1s-No.-05.pdf

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Ainda, a última edição publicada pelo

Centro de Estudos19 relata as conclusões tiradas por um comitê criado pela Academia

Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos que revisou os

estudos disponíveis a respeito do tema. São reforçados os efeitos listados acima e

destacam-se também as evidências moderadas de melhora dos parâmetros do sono

e evidências limitadas para melhora de sintomas de ansiedade e melhora dos

sintomas associados à demência.

Por fim, os professores José A. S. Crippa, Ana C. S. Crippa, Jaime E. C.

Hallak, Rocio Martín-Santos e Antonio W. Zuardi publicaram estudo20 que

demonstram a melhora, decorrente do tratamento com CBS, de crianças com

epilepsia e com comportamentos autistas. O estudo alerta também para a importância

da correta dosagem de THC nos extratos, o que demanda cuidado com o uso da planta

e a importância da correta prescrição médica para a adequada proporção dos

diferentes canabinóides.

O tratamento com cannabis para pessoas com autismo [trecho com

estudos específicos de pacientes com autismo] tem se apresentado ainda como única

alternativa medicamentosa segura utilizada pelos médicos. Isso porque, sem nenhum

tratamento específico, seus sintomas têm sido combatidos com remédios que podem

trazer riscos ao paciente e que não estão totalmente assegurados pelos médicos. A

associação MAMMA – realizou um levantamento de diversos estudos científicos que

tem progredido nesse sentido, e se encontram disponibilizados em seu site21. Os

organizadores da associação afirmam que

19 http://www.cebrid.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Boletim-Maconhabr%C3%A1s-No.-06.pdf 20 Disponível em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fphar.2016.00359/full. Os autores são pesquisadores do Departamento de Neurociência e Comportamento da USP Ribeirão Preto, do Departamento de Clínica Médica da UFPR e do Departamento de Medicina da Universidade de Barcelona, Espanha.Department of Neuroscience and Behavior, University of São Paulo, Ribeirão Preto, Brazil2Department of Clinical Medicine, Federal University of Paraná, Curitiba, Brazil3Institute of Neuroscience, Hospital Clinic, August Pi i Sunyer Biomedical Research Institute – Center for Biomedical Research in Mental Health Network and Department of Medicine – University of Barcelona, Barcelona, Spain21 https://www.mammausa.org/how-does-cannabis-help-autism.html

ENDEREÇO UNIDADE29

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“Os Transtornos do Espectro do

Autismo (TEAs) são um conjunto de transtornos

neurodesenvolvimentais complexos, definidos

comportamentalmente por interações sociais prejudicadas,

linguagem retardada e desordenada, comportamento repetitivo

ou estereotipado e uma gama restrita de interesses. Muitos

indivíduos com TEAs apresentam sintomas de condições médicas

associadas, incluindo convulsões, problemas de sono, condições

metabólicas e distúrbios gastrointestinais (GI), que têm impactos

significativos na saúde, no desenvolvimento, sociais e

educacionais. Como a cannabis medicinal pode ajudar um

problema complexo como o autismo? A chave parece ser o nosso

Sistema Endocanabinoide - o principal sistema regulador do

nosso corpo.”

4.8 – Jurisprudência

Em primeiro lugar, destaca-se a decisão preliminar em sede de do

Processo n. 0090670-16.2014.4.01.3400 que trata de ação movida pelo Ministério

Público Federal de Brasília que corre na 16ª vara do Tribunal Regional Federal da

Primeira Região contra a ANVISA e União. Por meio desta, ficou determinada a

permissão provisória de:

importação, exclusivamente para fins medicinais, de

medicamentos e produtos que possuam como princípios

ativos os componentes THC (TETRAHIDROCANNABINOL) e

CDB (CANNABIDIOL), mediante apresentação de

prescrição médica e assinatura de termo de esclarecimento

e responsabilidade pelo paciente ou seu representante

legal.

ENDEREÇO UNIDADE30

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Tal decisão levou a Anvisa, por meio da

Resolução RDC N° 17, de 06 de maio de 2015, a autorizar a importação de produtos à

base de Canabidiol em associação com outros canabinóides, dentre eles o THC.

O caso paradigmático de Anny Fischer deu início aos precedentes de

liberação do consumo do Canabidiol para fins medicinais, por meio da sentença

proferida no processo n. 24632-22.2014.4.01.3400 que tramita perante a 3° Vara

Federal de Brasília.

Do mesmo modo, no processo n. 0065693-21.2014.4.01.3800, que

tramita perante a 13ª Vara Federal de Belo Horizonte, foi deferida a antecipação de

tutela determinando que a ANVISA autorizasse a importação do medicamento a base

de Canabidiol necessário ao tratamento médico da parte autora.

Na 41° Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro,

tramita o Processo n. 0430619-78.2016.8.19.0001 em que foi concedido o primeiro

habeas corpus para impedir que a Polícia Federal pratique qualquer ato atentatório a

sua liberdade em razão do cultivo de uma variação da planta em domicílio. O casal

Margarete Santos de Brito e de Marcos Lins Langenbach são os autores e tinham

como objetivo extrair óleo necessário ao tratamento de sua filha que é portadora da

Síndrome de Rett.

No seguinte trecho da reportagem do jornal Estadão22 sobre o caso

foi relatado que a iniciativa do uso da Cannabis como forma de tratamento da criança

foi dos próprios pais, recorrendo posteriormente à ajuda médica. Observe:

Em 2013, descobrimos uma menina americana que se

tratava com extrato de maconha’, lembra Margarete.

‘Decidimos tentar esse tratamento e, em outubro daquele

ano, importamos o produto. Era uma importação ilegal,

claro, mas decidimos correr o risco, porque precisávamos

22 http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,casal-obtem-na-justica-direito-de-cultivo-de-maconha-em-casa-para-fins-medicinais,10000090369

ENDEREÇO UNIDADE31

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testar’. (...) A família

informou ao neurologista que acompanhava Sofia sobre o

novo tratamento dela. O médico também constatou a

melhora da qualidade de vida da paciente, além de não

identificar efeitos colaterais negativos.

Ainda, na sentença o juiz do caso reconheceu a supervisão do

médico, isto é, posterior ao início do tratamento, leia:

Conforme demonstrado nos autos, a menor Sofia

Langenbach teve a redução de 60% de suas crises

convulsivas após a utilização, sob a supervisão médica de

extrato artesanal oriundo da Cannabis Sativa, cultivado em

sua residência por seus genitores.

Também no Estado do Rio de Janeiro há o precedente do processo n.

0393224-52.2016.8.19.0001, que concedeu o habeas corpus a família que, por conta

própria, passou a cultivar e utilizar o óleo de Cannabis no tratamento de seu filho com

epilepsia. A decisão que concede a tutela antecipada deixa claro esse histórico:

Trata-se de pedido de HABEAS CORPUS PREVENTIVO

impetrado por Ricardo Nemer Silva e outros, em favor de

Gabriel Meirelles de Araújo, tendo como objeto a prolação

de decisão concessiva de salvo-conduto, no sentido de que

as autoridades policiais sejam impedidas de proceder à

detenção dos ora pacientes ou apreender as plantas de

Cannabis Sativa por eles cultivadas para fins estritamente

medicinais. Argumentam os impetrantes que os ora

pacientes, por estrita necessidade de tratamento do

adolescente Gabriel Meirelles de Araújo, que sofre de

epilepsia refratária bitemporal, começaram, por conta

própria, a produzir e fazer o uso de óleo artesanal de

ENDEREÇO UNIDADE32

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cannabis, em razão do

Estado não fornecer o óleo de cannabis medicinal,

descumprindo, assim, desde a data de 14/08/2015, decisão

proferida nos autos do Processo

0342050.38.2015.8.19.0001. Ressalte-se que este Juízo não

acolhe qualquer alegação de inconstitucionalidade da do

tipo penal do art. 28 da Lei 11343/2006, mas sim analisa a

questão sob a ótica da atipicidade da conduta dos ora

pacientes, uma vez que a conduta de plantar para fins

estritamente medicinais não encontra-se abrangida no

tipo penal em questão. Isto Posto, considerando-se a farta

documentação instruindo o pedido, que comprova a

veracidade das alegações dos impetrantes e, ainda,

acolhendo , in totum, a fundamentação do Ministério

Público, concedo o SALVO-CONDUTO em favor dos

pacientes, a fim de que as autoridades encarregadas,

Polícia Civil e/ou Polícia Militar, sejam impedidas de

proceder à detenção dos pacientes pela produção artesanal

de Cannabis Sativa para fins medicinais, vedando-se, ainda,

a apreensão das plantas em questão, cultivadas para fins

de tratamento do paciente Gabriel Meirelles de Araújo.”

(g.n.)

Outro habeas corpus preventivo foi concedido para o cultivo,

extração e utilização das substâncias CBD e THC no tratamento da menor Julia Sá. O

caso correu perante a 1ª Turma Criminal do TJDFT e teve como principal argumento a

inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista que a utilização do óleo de

Cannabis se colocava como última saída ao tratamento da adolescente, segundo

informações prestadas pela advogada do caso à imprensa23.

23 https://www.growroom.net/2017/11/14/familia-recebe-habeas-corpus-para-cultivo-de-cannabis-medicinal/ e https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2017/outubro/tjdft-autoriza-familia-a-cultivar-cannabis-sativa-e-indica-para-fins-terapeuticos

ENDEREÇO UNIDADE33

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Na Justiça Federal da Paraíba, a

Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE) obteve decisão liminar

favorável em processo que tramita perante a 2° Vara, possibilitando o cultivo e a

manipulação da planta para usos medicinais. Por meio da decisão, a magistrada

identificou que, a despeito dos casos anteriormente relatados, em que se autoriza a

importação da substância, seu alto custo restringe o acesso pelas famílias de baixa

renda. Sendo assim, considerando a necessidade médica urgente, concedeu a liminar

para a imediata liberação do plantio e extração do óleo, fundando-se nas garantias

constitucionais de direito à saúde e proteção da dignidade da pessoa humana. O caso

foi veiculado pela imprensa24.

Em São Paulo, foi concedido salvo conduto pela Justiça Estadual por

meio do Processo n. 1016794-02.2016.8.26.0008, proposto por Maria Aparecida

Felício de Carvalho, mãe de Clárian, portadora da síndrome de Dravet. Relata, em

palestra organizada pela DPESP na Câmara Municipal de Campinas25, que em 2013

entrou em contato com a história de Anne Fischer e com o auxílio da neurologista de

sua filha passou a utilizar a Cannabis como forma de tratamento, que só se mostrou

possível através do cultivo em razão dos altos custos da importação.

Com apoio da Associação Cultive, presidida por Maria Aparecida,

mãe de Clárian, surgiram outros precedentes positivos como o de Andressa, de Minas

Gerais, pelo habeas corpus concedido no processo n. 018317013868-3 da 2° Vara

Criminal e de Execuções Penais da Comarca da Conselheiro Lafaiete.

Ademais, cumpre ressaltar o entendimento proferido pelo Superior

Tribunal de Justiça acerca da liberação da importação de medicamentos à base da

Cannabis sativa com fins terapêuticos. O recurso especial nº 1.658.928 - SP

(2017/0052464-2) trata do caso de importação de sementes da planta que indicavam

se tratar de uso próprio. Como ferramenta argumentativa, a relatora Ministra Maria

Thereza de Assis Moura retoma a interpretação da Lei de Drogas afirmando:

24 https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/juiza-autoriza-cultivo-da-maconha-para-tratamento-medicinal-na-paraiba.ghtml 25 https://youtu.be/n0vTkZw1hsA

ENDEREÇO UNIDADE34

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No caso em tela, em que o recorrido importou somente 10

frutos aquênios da planta Cannabis sativa Linneu, tal

situação indica que a eventual produção de drogas se

possível seria destinada ao consumo próprio.

Vale lembrar, em remate, que a par das discussões acerca

da descriminalização das drogas, notadamente a maconha,

estando a matéria pendente de exame pelo Supremo

Tribunal Federal no julgamento do RE nº 635.659/SP, e da

recente publicação da Portaria RDC/ANVISA nº 66/2016,

que permite a importação de produtos que contenham

Canabidiol e Tetrahidrocannabinol (THC) para tratamento

de saúde, é de se ver que, especificamente acerca do tema

posto em deslinde, em decisão proferida em 19 de outubro

de 2016, o próprio Conselho Institucional do Ministério

Público Federal fixou entendimento no sentido de que a

importação de pequenas quantidades de sementes de

maconha não é considerado crime, orientando seus

membros, no exercício da atribuição de coordenação,

quanto ao oferecimento de denúncia nesses casos.

E, na hipótese em exame, verifica-se que o recorrente

importou 14 frutos aquênios da planta Cannabis sativa

Linneu, quantidade que evidencia que a futura produção de

drogas, caso conseguisse fazer germinar alguma das

sementes, seria destinada ao consumo próprio, sendo

atípica a conduta imputada por falta de expressa

previsão legal.

Do exposto resulta que o recurso interposto está em sentido

contrário à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça

acerca do tema, cabendo a esta relatora negar provimento

ao recurso nos termos do enunciado nº 568 da Súmula

desta Corte, verbis: O relator, monocraticamente e no

ENDEREÇO UNIDADE35

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Superior Tribunal de Justiça,

poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver

entendimento dominante acerca do tema.

Ante o exposto, com base no artigo 932, inciso IV, alínea 'a'

do novo Código de Processo Civil, nego provimento ao

recurso especial. Em tempo, defiro o pedido de fls. 284/285,

determinando que o nome da advogada seja retirado dos

autos Egle Massae Sassaki Santos.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 25 de maio de 2017.

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela

permissão de importação direta de canabidiol, confirmando decisão da Justiça

Federal em sede do Recurso Especial 1.657.075/PE. O processo tratava do caso de um

casal de pais que passou a importar a planta para utilizar de forma terapêutica no

tratamento de sua filha com paralisia cerebral. Segue o acórdão publicado:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 1.022 DO

CPC/2015.

SÚMULA N. 284/STF. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER.

MENOR PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL GRAVE. USO DO

CANABIDIOL (CBD).

INDISPONIBILIDADE NA REDE PÚBLICA. IMPORTAÇÃO

REALIZADA PELOS PAIS.

OBSTÁCULO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. REGISTRO

ANVISA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N.

282/STF. INAPLICABILIDADE NO CASO.

I - A recorrente afirma, em linhas gerais, que o acórdão

recorrido incorreu em omissão ao deixar de se pronunciar sobre

questões invocadas nos declaratórios, sem desenvolver

argumentos para demonstrar a suposta mácula. Incidência da

ENDEREÇO UNIDADE36

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Súmula n. 284/STF no tocante à

apontada violação do art. 1.022 do CPC/2015.

II - Na origem, trata-se de ação ajuizada pelos pais de menor que

sofre de paralisia cerebral com quadro grave, que após vários

tratamentos infrutíferos, tiveram notícias sobre a utilização do

canabidiol, associado ao tratamento para epilepsia, com

melhora eficaz nos sintomas da doença.

III - Diante da indisponibilidade de tal medicamento na rede

pública, os próprios pais providenciaram a importação,

pugnando para que a União e Anvisa se abstivessem de "destruir,

devolver ou de alguma outra forma fazer com que o canabidiol"

não chegasse ao destino.

IV - Legitimidade passiva da União, diante do pedido específico

relacionado à importação, e também em decorrência do

entendimento jurisprudencial firmado no sentido da

responsabilidade solidária relativa às demandas que envolvam

tratamento médico.

V - Ausência de prequestionamento quanto ao art. 19-T da Lei n.

8.080/90, sobre eventual necessidade de registro do

medicamento na Anvisa.

VI - Apenas para argumentar, quanto à necessidade de registro

na Anvisa, por não se tratar de fornecimento de medicamento,

mas apenas de autorização para a importação, não se aplica o

entendimento firmado no tema 106 deste Superior Tribunal de

Justiça, decorrente do REsps. 1657156 e 1102457, julgados sob a

sistemática de recursos repetitivos.

VI - Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

(REsp 1657075/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA

TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 20/08/2018)

A respeito do tema, corre no Supremo Tribunal Federal o Recurso

Extraordinário 635.659. O Recurso Extraordinário visa declarar a

inconstitucionalidade do art. 28 da lei 11.343/2006, em sentido amplo, sendo, até o

presente momento, unânime para reconhecer a inconstitucionalidade de proibição

ENDEREÇO UNIDADE37

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da Cannabis, contando com votos favoráveis dos

Ministros Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Edson Fachin. Mantida a tendência deste

julgamento, que segue a mudança mundial de paradigma relativo à da garantia dos

Direitos Humanos, qualquer usuário que desejar cultivar para uso próprio Cannabis

não cometerá crime.

Ainda, destaca-se que a questão tem sido objeto de projetos de lei em

tramitação no Congresso Nacional. A sugestão n. 25 de 2017, em trâmite na Comissão

de Direitos Humanos do Senado, foi aprovada para se tornar Projeto de Lei do Senado

n. 514, de 2017. Esta iniciativa legislativa surgiu do Portal e-Cidadania e propõe a

alteração do artigo 28 da Lei de Drogas para a seguinte redação:

Art. 28 §1° Às mesmas medidas submete-se quem, para seu

consumo pessoal, semeia, cultiva ou colha plantas

destinadas à preparação de pequena quantidade de

substância ou produto capaz de causar dependência física

ou psíquica, ressalvado o semeio, cultivo e colheita de

cannabis sativa para uso pessoal terapêutico, em

quantidade não mais do que suficiente ao tratamento, de

acordo com a indispensável prescrição médica”.

Igualmente, há Projeto de Lei26 na Câmara dos Deputados regulando

o uso social, terapêutico e também industrial da maconha e de seus derivados

(10.549/2018). Foi apensado a outros projetos de lei que se encontram

encaminhados para apreciação do plenário.

Desse modo, no presente caso concreto, requer-se seguir a tendência

jurisprudencial e mesmo executiva e legislativa de regulamentar e legalizar o cultivo e

a manipulação da planta individualmente, comprovada a necessidade médica.

26 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2181385

ENDEREÇO UNIDADE38

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4.9 – Do precedente do processo n. 2211066-32.2018.8.26.0000

O processo n° 2211066-32.2018.8.26.0000, inicialmente da

Comarca de Campinas e julgado em segunda instância no Tribunal de Justiça,

trata de um Habeas Corpus preventivo que por suas grandes similaridades com o

caso em questão, merece ser retomado neste pedido.

À semelhança do caso narrado, a paciente do feito ora destacado

ministrou por anos óleo extraído da planta da Cannabis para sua filha portadora

de síndrome do espectro autista, resultando em uma melhora significativa em

seu comportamento, felizmente no período de maior desenvolvimento cerebral

da criança.

A genitora/paciente que cuidava sozinha da criança e não tinha

condições financeiras de arcar com a importação do óleo não viu outra solução

senão iniciar a produção caseira deste. De modo que o uso da substância se

tornou essencial no tratamento da criança, sendo urgente a legalização de sua

situação.

Concedida a medida liminar em segunda instância, o julgamento

foi revertido frente a posição da relatora, sendo, ao final, provido o recurso

determinando que:

“Nessas condições, decide esta Câmara Criminal, por maioria

devotos, pela concessão da ordem de habeas corpus, ratificada a

liminar, expedindo-se novo salvo-conduto, com o prazo de 1 ano,

a partir de 1º de fevereiro de 2.019, a fim de que as autoridades

encarregadas, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal e/ou

Guarda Municipal, sejam impedidas de proceder à prisão ou

detenção da paciente pela produção ou plantação de cannabis

sativa (maconha), em sua residência e que é exclusivamente

destinada ao tratamento da filha [nome ocultado], ficando ainda

ENDEREÇO UNIDADE39

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vedada a apreensão de tais

plantas”

A decisão sustentou, em síntese, que a constitucionalização dos

direitos fundamentais significa a positivação destes direitos a fim de sua eficácia

seja respeitada, em especial, nesses casos, com relação ao direito à vida e saúde.

O desembargador autor do acórdão se utiliza da vasta jurisprudência em casos

semelhantes para apoiar sua decisão e ainda considera que a autorização da

ANVISA para a importação do óleo de Cannabis indica o entendimento de que,

igualmente a planta em natura, não tem razões para ser criminalizada, tendo em

vista que comprova os benefícios terapêuticos dela.

5 – DA LIMINAR

É imprescindível a concessão liminar da ordem, com a imediata

expedição de salvo-conduto ao(à) paciente, garantindo que as autoridades

encarregadas, sejam impedidas de proceder à prisão em flagrante, detenção ou à

persecução penal do(a) paciente pela produção artesanal de Cannabis Sativa para fins

medicinais, vedando-se, ainda, a apreensão ou destruição das plantas em questão,

cultivadas para fins de tratamento do(a) paciente.

No caso em tela, está presente o fumus boni iuris, diante de todo o

relatado nesta inicial, bem como nos documentos anexos. Note-se que a

verossimilhança entre as alegações do(a) impetrante e as provas carreadas a esta

inicial comprova a fumaça do bom direito.

Por outro lado, o periculum in mora é ainda mais indiscutível.

A ação do(a) paciente, em razão de não estar previamente

regulamentada, como devido, pode gerar a equivocada interpretação das autoridades

coatoras e acarretar em uma restrição de direitos.

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Sendo assim, para que não ocorram violações a direitos

constitucionais da parte impetrante, não há outra solução que não a concessão da

ordem liminarmente, sob pena de completa ineficácia da medida jurisdicional.

Repise-se que sem a autorização para o plantio, e uma vez que a

Lei de Drogas não traz a quantidade de plantas cultivadas que levam ao

enquadramento da conduta no artigo 28 ou no seu artigo 33, ficando a

tipificação ao alvedrio da autoridade policial, o(a) paciente está sujeita a sofrer

persecução penal que pode culminar em pena corporal de prisão por anos,

imposta pelo artigo 33 da Lei de Drogas, além de correr o risco de ser presa em

flagrante delito, o que seria uma enorme tragédia para si e principalmente para

seu(sua) filho(a), que del a depende para todos os cuidados de que necessita.

Assim, não sendo concedida a liminar, os direitos fundamentais

do(a) paciente podem restar restritos indevidamente mesmo antes de ser apreciada

no mérito. A continuidade no tratamento de saúde da criança não pode ser suspensa,

razão pela qual se faz necessária a garantia de proteção desde já.

Presentes seus dois pressupostos, impõe-se a concessão da liminar.

6 – DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer a parte impetrante a concessão da ordem

de habeas corpus liminarmente, eis que presentes seus pressupostos, expedindo-se

salvo conduto para que as autoridades encarregadas sejam impedidas de proceder à

prisão e persecução penal do(a) paciente pela produção artesanal e uso conforme

prescrição médica de Cannabis Sativa, vedando-se, ainda, a apreensão ou destruição

das plantas em questão, cultivadas para fins de seu próprio tratamento.

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No mérito, requerem a confirmação da liminar, a fim que seja

expedido salvo-conduto ao(à) paciente, garantindo-se que as autoridades

encarregadas sejam impedidas de proceder à prisão e persecução penal da paciente

pela produção artesanal e uso conforme prescrição médica de Cannabis Sativa,

vedando-se, ainda, a apreensão ou destruição das plantas em questão, cultivadas para

fins de tratamento do(a) paciente.

Termos em que pede deferimento,

São Paulo, XX de xxxxxxxx de 2019.

ENDEREÇO UNIDADE42