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JUÍZO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PRAIA GRANDE
URGENTE – SAÚDE PÚBLICA
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelo
Defensor Público que esta subscreve, vem a presença de Vossa Excelência, com
fundamento nos arts. 6º, 134 e 196 da CF, nas Leis nº 7.347/85 (LACP), 8.078/90
(CDC), 8.080/90 (SUS) e 13.105/15 (CPC), propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
com pedido de antecipação de tutela
contra o MUNICÍPIO DE PRAIA GRANDE, pessoa jurídica de direito público
interno, localizada na Avenida Presidente Kennedy, 9000, Vila Mirim, CPNJ
46.177.531/0001-55 representado pelo Prefeito Municipal Alberto Mourão, pelas
razões de fato e de direito adiante articulados.
DOS FATOS
A humanidade passa por um de seus maiores desafios: o
enfrentamento do “novo coronavírus”, mais especificamente o vírus denominado
SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, desde o final do ano passado, quando
houve as primeiras contaminações na China.
Sem demora, com uma dinâmica jamais vista em um vírus, a
contaminação espalhou-se pelo mundo. No último dia 11 de março, a Organização
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Mundial de Saúde (OMS) classificou como pandemia a disseminação da
contaminação.
No Brasil, foi declarada Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN), materializada na Portaria nº 188/2020 do Ministro
de Estado da Saúde.
Os Decretos Estaduais paulistas nº 64.862, 64.881 e 64.946,
este último de 17 de abril de 2020, do Governador João Doria, reconheceram tal
situação e adotaram medidas temporárias e emergenciais de prevenção de
contágio, dentre elas suspensão de aulas e eventos, bem como quarentena em
todos os municípios, evitando-se a aglomeração de pessoas, definindo as
atividades consideradas essenciais, no âmbito Estadual.
A preocupação mundial decorre do potencial de
contaminação e dos complexos tratamentos que a doença exige em casos mais
graves. De fato, em algumas pessoas, esse novo vírus ataca os sistemas respiratório
e cardíaco do paciente com Covid-19.
Não por outro motivo, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) publicou o documento “Tratamento clínico da infecção respiratória aguda
grave (SARI) quando houver suspeita de doença de COVID-19”1. A Observação 1 do
referido documento salienta que:
Embora a maioria das pessoas com COVID-19 tenha doença leve ou sem complicações (81%), algumas desenvolverão doenças graves que requerem oxigenoterapia (14%) e aproximadamente 5% exigirão tratamento em unidade de terapia intensiva (UTI). Daqueles em estado crítico, a maioria exigirá ventilação mecânica (2, 10). O diagnóstico
1 Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/clinical-management-of-severe-acute-respiratory-infection-when-novel-coronavirus-(ncov)-infection-is-suspected. Acesso em: 02. Abr. 2020. Tradução livre. Original em inglês: “Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease is suspected”.
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mais comum em pacientes graves com COVID-19 é pneumonia grave.2”
Ademais, no mesmo documento, a OMS, na Observação 2,
assevera a importância do diagnóstico precoce e do início das medidas
apropriadas:
O reconhecimento precoce de pacientes suspeitos permite o início oportuno das medidas apropriadas do IPC (consulte a Tabela 3). A identificação precoce de pessoas com doenças graves, como pneumonia grave (consulte a Tabela 2), permite suporte otimizado tratamentos e encaminhamento seguro e rápido e admissão na enfermaria do hospital ou unidade de terapia intensiva de acordo com protocolos institucionais ou nacionais.3
Assim, no mesmo documento, a OMS destaca que um
número considerável de pessoas com COVID-19 necessitará de tratamento em UTI
e de ventilação mecânica, bem como a necessidade de protocolos pré-estabelecidos
para admissão em enfermaria ou em UTI.
Ocorre que, no mundo todo, há limitações estruturais,
materiais e pessoais nos sistemas de saúde pública e privada para enfrentar
um eventual contexto de contaminação em massa.
Nenhum sistema de saúde está preparado para enfrentar o
vírus tão agressivo e que gera graves complicações nos pacientes, sendo as
internações de médio prazo (14 a 25 dias).
Sabe-se ainda que a pandemia ainda está em estágio de
evolução no Brasil, no Estado de São Paulo e nas cidades do Interior Paulista,
2 Tradução livre. Original em inglês: “Remark 1: While the majority of people with COVID-19 have uncomplicated or mild illness (81%), some will develop severe illness requiring oxygen therapy (14%) and approximately 5% will require intensive care unit treatment. Of those critically ill, most will require mechanical ventilation (2, 10). The most common diagnosis in severe COVID-19 patients is severe pneumonia”. 3 Tradução livre. Original em inglês: “Remark 2: Early recognition of suspected patients allows for timely initiation of appropriate IPC measures (see Table 3). Early identification of those with severe illness, such as severe pneumonia (see Table 2), allows for optimized supportive care treatments and safe, rapid referral and admission to designated hospital ward or intensive care unit according to institutional or national protocols”.
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sendo crescente os dados de contaminações e de óbitos por conta do novo
coronavírus.
Pelas notícias de hoje, o país tem 127.655 infecções
confirmadas, segundo dados do Ministério da Saúde desta quinta-feira, dia 07.05. Em
uma semana, houve um aumento de 30 mil casos (em 30 de abril de o número de
infectados era de 85.000, aproximadamente)4. A disparada no número de infectados
tem relação com uma maior testagem da população, que em uma semana saltou de
250 a cada um milhão de habitantes para 1,3 mil por milhão, bem como por conta do
avanço na velocidade de contaminação. As novas mortes confirmadas pela covid-19
subiram em mais de 600 por dia. Agora o país tem 8536 óbitos. A taxa de
letalidade está em 6,9%. São Paulo, o epicentro da pandemia, superou os 30 mil
casos confirmados, o que representa 30% do total de pessoas infectadas pela doença
no país. O número de mortes no estado chega a 3.0455.
Aliás, a imprensa oficial do Estado de São Paulo divulgou, na
data de 23/04/2020, que o número de contaminados e mortos tem crescido no
Interior e no Litoral de São Paulo:
Mortes por coronavírus crescem 21 vezes no interior, litoral e
Grande SP em abril. O Estado de São Paulo registra, nesta
quinta-feira (23), 1.345 mortes por coronavírus. Desse total,
433 mortes ocorreram nessas regiões. No dia 1º de abril, eram
apenas 20 mortes fora da cidade de São Paulo. Embora esta
ainda concentre a maior parte dos óbitos, esse percentual caiu
de 87% para 67% neste mês. Depois da Grande São Paulo, a
região com maior mortalidade é a do Departamento Regional
de Saúde (DRS) de Campinas, com 45 óbitos. Na sequência, a
Baixada Santista, com 31. Em Bauru, são 18. Ribeirão Preto e
Sorocaba têm 16 óbitos cada. No Vale do Paraíba, são 13. Em
4 https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/covid-19-brasil-bate-recorde-de-mortes-e-casos-confirmados-notificados5 https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/05/07/casos-de-coronavirus-e-numero-de-mortes-no-brasil-em-7-de-maio.ghtml.
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São José do Rio Preto, 11. Há dez ou menos mortes em
Presidente Prudente (10); Piracicaba (9); Araraquara (6);
Registro (5); São João da Boa Vista (5); Marília (4); Barretos
(2) e Araçatuba (1). Apenas a região de Franca segue sem
mortes pela doença. Em todo o Estado, houve aumento de
211 óbitos nas últimas 24h. Esse é o maior número já
confirmado nesse intervalo de tempo, sendo mais de oito
vítimas da doença por hora, desde ontem. Hoje, são 114
cidades com pelo menos uma vítima fatal da COVID-19. SP
tem ainda 16.740 casos confirmados da doença, distribuídos
em 256 municípios.
Ademais, especialistas em infectologia têm indicado um
contexto oficial de subnotificação, especialmente por conta dos baixos índices de
testagem, o que agrava a situação já que as pessoas assintomáticas são
responsáveis por dois terços da transmissão do vírus (estudo da Universidade
Columbia).
Enfim, as autoridades médicas e sanitárias indicam, a partir
de estudos técnicos e científicos, que um número elevado de pessoas com
complicações causados pela doença pode levar o sistema de saúde ao colapso.
Diante disso, também com base em estudos científicos e em
experiências anteriores de pandemias pelo mundo, conclui-se de forma
incontestável que somente o isolamento social horizontal é, hoje, o
mecanismo mais eficiente de combate à contaminação em massa da
população, especialmente aquela mais vulnerável.
Sobre a questão econômica, que não ignoramos, vale
lembrar que um cenário crítico de extensa contaminação populacional, além das
milhares de mortes e da degradação da saúde pública e privada, terá impacto
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muito mais grave sobre a economia que as medidas de isolamento e
distanciamento sociais.
Contudo, mesmo diante desse quadro, o Município de Praia
Grande publicou o Decreto nº 6955/2020, de 29 de abril de 2020, no qual
está prevista a flexibilização das regras de isolamento social para prática de
esportes no mar e frequência a templos religiosos. Nesse sentido, destacam-
se os dispositivos:
Art. 3º Enquanto perdurar a situação de emergência e o
estado de calamidade pública reconhecidos pelo Decretos nº
6.922 de 16 de março de 2020 e nº 6.928 de 20 de março de
2020, os templos de qualquer culto deverão observar as
seguintes instruções e procedimentos para realização de
qualquer ato religioso em seus espaços:
I – reuniões com duração máxima de 1:30h, às terças-feiras e
aos domingos;
II – lotação limitada 30% da capacidade do espaço;
III – não poderão frequentar as reuniões pessoas consideradas
do grupo de risco pelo Ministério da Saúde, especialmente:
a) idosos com 60 anos de idade ou mais;
b) pessoas de qualquer idade que tenham comobirdades, como
cardiopatia, diabetes, pneumopatia, doença neurológica ou
renal, imunodepressão, obesidade, asma e puérperas, entre
outras;
c) gestantes;
d) pessoas que a apresentem qualquer dos sintomas: febre,
tosse, dificuldade para respirar e produção de escarro.
IV – o ingresso em espaços com tamanho igual ou superior a
100m2 dependerá da medição da temperatura corporal,
ficando impedidas de frequentar o local pessoas com
temperatura acima de 37ºC;
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V- os frequentadores deverão ficar sentados durante a
reunião, guardando a distância de dois assentos vazios para
um ocupado;
VI - as fileiras de assentos dos frequentadores devem ser
intercaladas entre vazias e ocupadas, na frente e atrás,
consideradas horizontalmente, observado o inciso V deste
artigo;
VII – é obrigatório o uso de máscara por todos, inclusive
funcionários e líderes e nas eventuais filas externas para
aferição de temperatura corporal;
VIII - deverão ser disponibilizados meios adequados para
higienização das mãos com álcool em gel ou água e sabão na
entrada e saída do espaço, bem como no interior do espaço
para uso dos frequentadores;
IX – zelar pela rigorosa higienização do espaço, cadeiras,
mesas, bancos, microfones, púlpitos e qualquer outro móvel,
antes e depois do uso.
Art. 4º Enquanto perdurar a situação de emergência e o
estado de calamidade pública reconhecidos pelo Decretos nº
6.922 de 16 de março de 2020 e nº 6.928 de 20 de março de
2020, a prática de esportes individuais no mar será permitida
entre às 5 às 8h, vedado uso da faixa de areia para qualquer
atividade que não seja a de simples passagem no início e no
fim da atividade.
Sobre os dados locais, a Prefeitura de Praia Grande tem
elaborado diariamente Boletim da situação dos casos de coronavírus, sendo que,
até a presente data há 558 confirmados, 33 óbitos e 37 pacientes internados, sendo
05 (cinco) em UTI.
Vale ressaltar que, diante dessa situação, a Defensoria
Pública oficiou a Prefeitura de Praia Grande, a fim de obter informações sobre a
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existência de leitos na cidade, inclusive, de Unidades de Terapia Intensiva, assim
como a quantidade de casos.
A Prefeitura de Praia Grande informou que há apenas 30
(trinta) leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) disponíveis, além de
leitos somente para atendimento clínico (sem suporte, portanto, para casos
graves), tanto no Hospital Irmã Dulce quanto em Hospitais de Campanha,
sendo que apenas um já está em funcionamento (anexo).
Segundo a última estimativa populacional do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), referente ao ano de 2019, Praia Grande tem
população estimada de 325.073 pessoas6.
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB),
considerando os dados dos locais que foram epicentros da pandemia de
coronavírus antes do Brasil, indicou que a demanda por leitos de UTI chegou a 2,4
para cada 10 mil habitantes. Fora do pico pandêmico, a necessidade seria de 2 UTIs
para cada 10 mil habitantes7.
Considerando os dados do IBGE e da AMIB, tem-se, portanto,
que Praia Grande deve ter, ao menos, 78,01 leitos de UTI para o pico
pandêmico e 65,01 UTIs para o restante da pandemia.
Pesquisados os dados de disponibilidade de UTIs no
Município no Data SUS8, assim como os dados enviados pela Prefeitura em resposta
a ofício da Defensoria Pública, Praia Grande conta com 40 leitos complementares
do SUS, e nenhum leito complementar não-SUS. Estratificados os dados, temos:
• 20 UTIs adulto II;6 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?edicao=25272&t=resultados. 7 http://www.somiti.org.br/arquivos/site/comunicacao/noticias/2020/covid-19/comunicado-da-amib-sobre-o-avanco-do-covid-19-e-a-necessidade-de-leitos-em-utis-no-futuro.pdf. 8 http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0204&id=1479586&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/leiuti.
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• 10 UTIs pediátricas II;
• 10 UTIs neonatais II.
Note-se que, dos 40 leitos de UTI, 10 são neonatais e 10
são pediátricas. Ainda que as UTIs pediátricas possam ser adaptadas para o uso
adulto em meio à pandemia, o mesmo não acontece com UTIs neonatais
(incubadoras). Estatisticamente, a maioria absoluta das pessoas que necessita de
UTIs na pandemia é de adultos.
Segundo noticiado na imprensa local, Praia Grande
providenciou a instalação de dois hospitais de campanha9, assim como de uma
“unidade anexa ao pronto-socorro Quietude, que contaria uma estrutura
diferenciada para o tratamento de doenças respiratórias”10. Tais locais, todavia,
oferecem somente leitos clínicos, informação que se confirma na resposta enviada
pela Prefeitura ao ofício da Defensoria Pública:
• 95 leitos clínicos no Ginásio Falcão;
• 88 leitos clínicos no Ginásio Rodrigão;
• 7 leitos clínicos no anexo ao pronto-socorro Quietude.
Diante disso, é fato notório que o afrouxamento é precoce e
pode gerar efeitos sem precedentes na saúde pública e privada do Município e da
Região, uma vez que NÃO há leitos suficientes sequer para enfrentamento do
quadro pandêmico. A flexibilização do isolamento social horizontal, que
notoriamente aumenta o número de casos de infecção, tem forte tendência de
indução de pico pandêmico no Município, sem suporte hospitalar para tanto.
No mais, a frequência a cultos religiosos e a prática esportiva
no mar não configuram atividades essenciais, uma vez que não se referem a
atividades e serviços essenciais relacionadas à manutenção do mínimo existencial.
9 https://www.atribuna.com.br/cidades/praiagrande/praia-grande-finaliza-os-hospitais-de-campanha-nos-gin%C3%A1sios-falc%C3%A3o-e-rodrig%C3%A3o-1.97651.10 https://d.costanorte.com.br/saude/47346/praia-grande-entrega-hospital-de-campanha-com-188-leitos.
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Apesar da prática esportiva ser altamente recomendada
para a saúde, e a liberdade religiosa ser direito que se deve zelar, a atual situação
pandêmica exige a ponderação entre os valores constitucionais que se mostram em
jogo.
De início, cabe destacar que ambos os direitos não se
encontram cerceados totalmente, uma vez que se pode acessar cultos pelos
diversos meios de comunicação (TV, rádio, transmissões online), assim como é
possível a prática esportiva em casa. Em segundo lugar, como ocorrer com outros
direitos constitucionais que se travestem de princípios, nesse momento os direitos
à vida e à saúde de toda a coletividade evidentemente preponderam.
Por fim, e não menos importante, o Decreto Municipal ora
impugnado carece de fundamentação técnica adequada, que indique claramente a
essencialidade dos serviços e atividades que se pretende liberar, a estimativa do
aumento de casos em razão da flexibilização e, por consequência, a capacidade da
rede de saúde de absorção desses novos casos.
DA LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA
PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem
legitimidade ativa para propor a presente ação, eis que, como instituição essencial
à função jurisdicional, à qual incumbe a defesa dos necessitados (art. 134 da CF/88
e art. 103 da CESP/89) é órgão da administração pública, pelo qual se concretizam
objetivos fundamentais da república, como o de construir uma sociedade livre,
justa e solidária, e mais especialmente o de erradicar a pobreza e a marginalidade,
reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incs. I e III da CF/88 c/c art.
3º da Lei Complementar Estadual 988/06).
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Com efeito, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo é
órgão estatal, que representa adequadamente, haja vista suas próprias funções
institucionais, os interesses dos necessitados no âmbito do processo coletivo.
É que constitui atribuição institucional da Defensoria Pública
promover ação civil pública para a tutela de qualquer interesse difuso, coletivo e
individual (art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar Estadual 988/06), sendo
que a qualquer Defensor Público cumpre executar as atribuições institucionais da
Defensoria Pública, na defesa judicial, no âmbito coletivo, dos necessitados (Lei
Complementar Estadual 988/06).
Assim, a Defensoria Pública se afirma como instituição
dotada de legitimidade autônoma, para a condução do processo, no que disser
respeito ao interesse coletivo dos necessitados.
Decerto, no presente caso, há pertinência temática entre a
defesa da saúde pública já que sua degradação atingirá de forma mais grave e
intensa a população mais carente.
Aliás, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -
IPEA 11 divulgou estudo recente que indica que a população mais pobre e
marginalizada tem muito mais dificuldade de acesso aos leitos que integrantes de
outras classes. De fato, no estudo, o IPEA indica as dificuldades de acesso ao SUS
por grupos mais vulneráveis, o que legitima ainda mais a atuação da Defensoria
Pública na contenção da pandemia.
Enfim, trata-se de interesse difuso, de interesse de toda a
sociedade, das camadas mais carentes inclusive.
11 https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35446https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/22/16-milhao-de-pessoas-vulneraveis-ao-novo-coronavirus-vivem-longe-de-hospitais-com-uti-segundo-estudo-do-ipea.ghtml
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E tanto é assim que, finalmente, após longo processo
político, foi conferida, finalmente, legitimidade à Defensoria Pública para a
propositura da ação civil pública, nos termos da Lei 11.448/07, que acrescentou a
Lei 7.347/85, renumerando os demais, o inciso II.
Após, foi editada a Emenda Constitucional nº 80/2014, que
alterou o art. 134 da CF. É que ela positivou, em nível constitucional, a função
institucional da Defensoria Pública de “promover direitos humanos”, que assume
inegavelmente o caráter difuso.
Assim, restou pacificado, seja a partir da interpretação de
dispositivos legais e constitucionais, seja diante de variados julgados
jurisprudenciais, que a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ações
coletivas também contempla a tutela de direitos difusos, de interesses
indeterminados e indivisíveis.
DO DIREITO
Para a Constituição Federal, a saúde é um direito
fundamental de natureza social, é direito de todos (universal) e de natureza
pública (que obriga especialmente o Poder Público), sendo absolutamente
destacadas as medidas e políticas de prevenção (arts. 6º, 196 e 198, CF).
Segundo a Lei nº 8.080/90 (SUS):
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais que
visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
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estabelecimento de condições que assegurem acesso universal
e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família,
das empresas e da sociedade.
(...)
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços
privados contratados ou conveniados que integram o Sistema
Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as
diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os
níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema;
Assim, para evitar o maior número de infecção pelo vírus e o
colapso do sistema de saúde no Brasil, foi editada pelo Governo Federal a Lei nº
13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus,
permitindo o isolamento e a quarentena a serem decretados pelas autoridades
administrativas competentes.
A Portaria do Ministério da Saúde nº 356 de 11.03.2020,
estabelece que cabe ao Secretário de Estado e ao Município, por meio de ato
formal, dispor a respeito da quarentena.
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Pois bem. Baseado em normativa Federal, o Governador do
Estado de São Paulo editou o Decreto nº 64.881 de 22.03.2020, com as seguintes
disposições:
"Considerando a Portaria MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020,
por meio da qual o Ministro de Estado da Saúde declarou
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
(ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo Novo
Coronavírus;
Considerando que a Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de
2020, ao dispor sobre medidas para o enfrentamento da citada
emergência, incluiu a quarentena (art. 2º, II), a qual abrange a
“restrição de atividades [...] de maneira a evitar possível
contaminação ou propagação do coronavírus”;
Considerando que, nos termos do artigo 3º, § 7º, inciso II, da
aludida lei federal, o gestor local de saúde, autorizado pelo
Ministério da Saúde, pode adotar a medida da quarentena;
Considerando que nos termos do artigo 4º, §§ 1º e 2º, da
Portaria MS nº 356, de 11 de março de 2020, o Secretário de
Saúde do Estado ou seu superior está autorizado a determinar
a medida de quarentena, pelo prazo de 40 (quarenta) dias;
Considerando o disposto no Decreto Federal nº 10.282, de 20 de
março de 2020, em especial o rol de serviços públicos e
atividades essenciais de saúde, alimentação, abastecimento e
segurança;
Considerando a recomendação do Centro de Contingência do
Coronavírus, instituído pela Resolução nº 27, de 13 de março de
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2020, do Secretário de Estado da Saúde, que aponta a
crescente propagação do coronavírus no Estado de São Paulo,
bem assim a necessidade de promover e preservar a saúde
pública;
Considerando a conveniência de conferir tratamento uniforme
às medidas restritivas que vêm sendo adotadas por diferentes
Municípios,
Decreta:
Artigo 1º - Fica decretada medida de quarentena no Estado de
São Paulo, consistente em restrição de atividades de maneira a
evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus,
nos termos deste decreto.
Parágrafo único – A medida a que alude o “caput” deste artigo
vigorará de 24 de março a 7 de abril de 2020.
Artigo 2º - Para o fim de que cuida o artigo 1º deste decreto,
fica suspenso:
I - o atendimento presencial ao público em estabelecimentos
comerciais e prestadores de serviços, especialmente em casas
noturnas, “shopping centers”, galerias e estabelecimentos
congêneres, academias e centros de ginástica, ressalvadas as
atividades internas;
II – o consumo local em bares, restaurantes, padarias e
supermercados, sem prejuízo dos serviços de entrega
(“delivery”) e “drive thru”.
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§ 1º - O disposto no “caput” deste artigo não se aplica a
estabelecimentos que tenham por objeto atividades
essenciais, na seguinte conformidade:
1. saúde: hospitais, clínicas, farmácias, lavanderias e serviços
de limpeza e hotéis;
2. alimentação: supermercados e congêneres, bem como os
serviços de entrega (“delivery”) e “drive thru” de bares,
restaurantes e padarias;
3. abastecimento: transportadoras, postos de combustíveis e
derivados, armazéns, oficinas de veículos automotores e bancas
de jornal;
4. segurança: serviços de segurança privada;
5. demais atividades relacionadas no § 1º do artigo 3º do
Decreto federal nº 10.282, de 20 de março de 2020.
§ 2º - O Comitê Administrativo Extraordinário COVID-19,
instituído pelo Decreto nº 64.864, de 16 de março de 2020,
deliberará sobre casos adicionais abrangidos pela medida de
quarentena de que trata este decreto.
Artigo 3º - A Secretaria da Segurança Pública atentará, em
caso de descumprimento deste decreto, ao disposto nos artigos
268 e 330 do Código Penal, se a infração não constituir crime
mais grave.
Artigo 4º - Fica recomendado que a circulação de pessoas no
âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades
imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercícios de
atividades essenciais.
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Artigo 5º - Este decreto entra em vigor em 24 de março de
2020, ficando revogadas as disposições em contrário, em
especial:
I – o inciso II do artigo 4º do Decreto nº 64.862, de 13 de março
de 2020;
II – o artigo 6º do Decreto nº 64.864, de 16 de março de 2020,
salvo na parte em que dá nova redação ao inciso II do artigo 1º
do Decreto nº 64.862, de 13 de março de 2020;
III – o Decreto nº 64.865, de 18 de março de 2020.
No dia 6 de abril, o Governo Estadual editou o Decreto nº
64.920, estendendo até 22 de abril de 2020 o período de quarentena de que trata
o parágrafo único do artigo 1º Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020, como
medida necessária ao enfrentamento da pandemia da COVID-19 (Novo
Coronavírus), no Estado de São Paulo.
Mais uma vez, o Decreto nº 64.946, de 17 de abril,
prorrogou as medidas de isolamento até 10 de maio. O Governo do Estado de São
Paulo já anunciou que editará nova extensão do decreto que determina o
isolamento social em 8 de maio de 2020.
Ocorre que, conforme acima citado, o Município de Praia
Grande, ora Requerido, editou o Decreto nº 6955/2020, de 29 de abril de 2020,
com a flexibilização das regras de isolamento social para autorizar a prática
de esportes no mar, assim como a abertura de templos religiosos em
horários pré-determinados.
Ora, não se desconhece que a população está cansada de
permanecer em casa e, certamente, revela-se válida a busca por atividades
esportivas e conforto espiritual. Entretanto, estas medidas não podem ser
adotadas em detrimento dos demais Munícipes que cumprem rigorosamente
a quarentena e permanecem em suas casas, sem poder ir até a Praia ou, até
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mesmo, buscando apoio espiritual por outros mecanismos, que não seja ir no
templo religioso, mantendo a sanidade física do corpo.
É preciso deixar claro que, quanto antes adotarmos
medidas mais efetivas de isolamento social – que infelizmente vêm sendo
cada vez menores, inclusive, na Baixada Santista – maiores as possibilidades
da população manter-se sã e sem a necessidade de ocupar leitos
hospitalares, que, como visto, são extremamente insuficientes nesta cidade.
Contudo, é ilegal o Decreto municipal, pois contraria o
Decreto estadual, mais restritivo e rigoroso.
É que o sistema federativo exige a harmonização dos atos e
das normas.
Ora, como pode uma norma local contrariar uma norma
estadual, se o Município está inserido no Estado, ainda mais sem que adequada e
tecnicamente a decisão e demonstre que a sua situação fática não se enquadra com
os dados científicos que embasaram a decisão do Estado?
Não faz nenhum sentido. Poderia o Município complementar
a norma estadual, sendo mais restritivo e rigoroso, não o inverso, ainda mais
considerando que não demonstrou cientificamente que a situação da Praia Grande
difere da observada no restante do Estado.
É o que estabelecem as regras da competência concorrente:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(...)
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
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§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Aliás, esse modelo de complementação normativa também
se aplica entre as regras estaduais e municipais.
A esse propósito, ensina HELY LOPES MEIRELLES que: “Ao
Município sobram poderes para editar normas de preservação da saúde pública nos
limites de seu território, uma vez que, como entidade estatal que é, está investido de
suficiente poder de polícia inerente a toda a Administração Pública pra a defesa da
saúde e do bem-estar dos munícipes. Claro é que o Município não pode legislar e agir
contra normas gerais estabelecidas pela União e pelo Estado-membro ou além delas,
mas pode supri-las na ausência, ou complementá-las em sua lacunas, em tudo o que
disser respeito a saúde pública local (CF, arts. 24, XII, e 30, I, II e VII). Aliás, já
dissemos – e convém seja repetido -, EM MATÉRIA DE SAÚDE PÚBLICA PREDOMINA
O INTERESSE NACIONAL, porque em nossos dias não há doença ou moléstia que se
circunscreva unicamente a determinado município ou região, em face dos rápidos
meios de transporte, que se condizem com presteza os homens, agem também como
fator contaminante de todo o País” Direito Municipal Brasileiro, 17ª ed., 2013,
Malheiros Editores, p. 478 – grifos nossos).
Ademais, como gestor e maior autoridade no âmbito do
município na área do comando do SUS, não podia o Prefeito dispor de forma
contrária, ou seja, não podia comandar, explicitar, informar e deliberar pelo
retorno de atividades suspensas por ato do Governador do Estado, por uma
simples questão de hierarquização existente na legitimação concorrente das
unidades Federativas.
Assim, dentro da unidade federativa do Estado de São Paulo
caberá ao gestor municipal (art. 3º, § 7º da Lei 13.979/20), na vigência do Decreto
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do Governador cumprir as suas disposições, sob pena de responsabilidade, por
violação às regras de enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus, como as medidas de
quarentena.
De outro lado, como bem anotou o Ministro Alexandre de
Moraes, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 672: “A
gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige
das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta
da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e
tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema
Único de Saúde”.
Ora, se nem mesmo a União, pode revogar atos do Governo
Estadual em defesa da saúde pública, conforme recentemente decidiu o eminente
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, o que dizer do
Município que somente possui competência legislativa residual e, ainda assim, para
agir de forma mais rigorosa e não de forma mais liberal como ocorreu no presente
caso ao afrouxar as regras da quarentena. A respeito, confira-se o seguinte trecho
da r. decisão proferida como medida cautelar, no âmbito da ADPF 672:
“Em relação à saúde e assistência pública, inclusive no tocante
à organização do abastecimento alimentar, a Constituição
Federal consagra, nos termos dos incisos II e IX, do artigo 23,
a existência de competência administrativa comum entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Igualmente, nos
termos do artigo 24, XII, O texto constitucional prevê
competência concorrente entre União e Estados/Distrito
Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde;
permitindo, ainda, aos Municípios, nos termos do artigo 30,
inciso II, a possibilidade de suplementar a legislação federal e
a estadual no que couber, desde que haja interesse local;
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devendo, ainda, ser considerada a descentralização político-
administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 79 da
Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da
execução de serviços e distribuição dos encargos financeiros
entre os entes federativos, inclusive no que diz respeito às
atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 69, I,
da Lei 8.080/1990)...
Dessa maneira, não compete ao Poder Executivo federal
afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais,
distrital e municipais que, no exercício de suas competências
constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de
seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas
como a imposição de distanciamento/isolamento social,
quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de
comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre
outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a
redução do número de infectados e de óbitos, COMO
DEMONSTRAM A RECOMENDAÇÃO DA OMS (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DE SAÚDE) E VÁRIOS ESTUDOS TÉCNICOS
CIENTÍFICOS, como por exemplo, os estudos realizados pelo
Imperial College of London, a partir de modelos matemáticos
(The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation
and Suppression, vários autores; Impact of non-
pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID- 19
mortality and healthcare demand, vários autores).”
É bem verdade que o artigo 30 da Constituição permite que
os Municípios legislem sobre assuntos de interesse local e suplementem a
legislação estadual. Ocorre que, em uma leitura sistemática do texto constitucional,
vê-se que ao Município não é franqueado legislar sem dados e sem fundamentação
quanto a suas decisões, ainda mais considerando questões que extrapolam o mero
interesse local – como é o caso de uma pandemia.
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Na situação em tela, conforme se demonstrou com DADOS
CIENTÍFICOS na presente ação, Praia Grande NÃO tem capacidade instalada para
aumentar os casos de pessoas contaminadas com COVID-19.
Além disso, o Município não fundamentou a sua decisão, ao
editar o Decreto em questão, demonstrando tecnicamente como a situação da
Praia Grande difere da situação dos demais Municípios do Estado e dos dados
científicos que fundamentaram o Decreto Estadual.
Conforme leciona HELY LOPES MEIRELLES, “denomina-se
motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos
jurídicos do ato”.
O dever de motivação dos atos administrativos decorre dos
princípios administrativos previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Na
legislação infraconstitucional, a Lei 9.784/1999, em seu artigo 50, explicita o dever
de motivação dos atos administrativos:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
(...)
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a
questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e
relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou
convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente,
podendo consistir em declaração de concordância com
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fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões
ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
No que tange especificamente aos templos religiosos, é
preciso ressaltar que no âmbito da cidade de São Paulo, em caso similar, o
Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública,
1015344-44.2020.8.26.0053, em que foi concedida liminar, justamente, para
impedir, cuja cópia ora anexa, no seguinte teor:
(iv) determinar que se adotem medidas em âmbitos
administrativo e sanitário destinadas à suspensão e
proibição de realização de missas, cultos ou quaisquer
atos religiosos, em âmbito estadual e, por corolário, no
âmbito de cada município integrante do Estado de São
Paulo, que impliquem reunião de fiéis e seguidores em
qualquer número em igrejas, templos e casas religiosas
de qualquer credo, adotando, ainda, providências
cabíveis nos âmbitos administrativo, sanitário e penal
quanto a quaisquer líderes e/ou responsáveis por igrejas,
templos e casas religiosas de qualquer credo que façam
convocações para realização dos atos religiosos ora
proibidos e, portanto, contrárias a esta liminar, pena de
multa diária no valor de R$ 10.000,00 para cada réu;”
A realização de cultos, ainda que observadas as regras
conditas no decreto municipal de Praia Grande, irá gerar desnecessária
quebra de isolamento social, sem falar que não há qualquer possibilidade de,
neste momento, a Prefeitura fiscalizar todos os templos religiosos existentes
na Comarca, a fim de verificar se as regras estabelecidas no Decreto
Municipal estão sendo efetivamente cumpridas.
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Ora, basta que um templo religioso não cumpra as
regras para que o vírus dissemine por toda uma comunidade. Não bastasse
isso, são justamente em templos religiosos que frequentam pessoas de idade
mais avançada, contribuindo, deste modo, para que haja um crescimento
ainda maior dos infectados e, por consequência, a ocupação de leitos.
Enfim, pelo afrontamento público da autoridade municipal
ao cumprimento da ordem do governo estadual, busca-se a tutela jurisdicional
de obrigação de fazer, consistente em prevenir e determinar que o Município
de Praia Grande cumpra as exigências sanitárias e de quarentena contida em
todos os dispositivos do Decreto Estadual nº 64.881, de 22.03.2020, e
seguintes que o prorrogaram, sob pena de reponsabilidade, enquanto durar
os seus efeitos, quer seja nesse ordenamento jurídico, quer seja em eventual
ato a ser editado pelas autoridades estaduais competentes.
DA TUTELA ANTECIPADA EM CARÁTER LIMINAR
Conforme já foi dito acima, a OMS destacou que um número
considerável de pessoas com COVID-19 necessitará de tratamento em UTI e de
ventilação mecânica, bem como a necessidade de protocolos pré-estabelecidos
para admissão em enfermaria ou em UTI.
Ocorre que, no mundo todo, há limitações estruturais,
materiais e pessoais nos sistemas de saúde pública e privada para enfrentar um
eventual contexto de contaminação em massa.
Nenhum sistema de saúde está preparado para enfrentar o
vírus tão agressivo e que gera graves complicações nos pacientes, sendo as
internações de médio e longo prazo (14 a 25 dias).
Sabe-se ainda que a pandemia ainda está em estágio de
evolução no Brasil, no Estado de São Paulo e nas cidades do Interior Paulista,
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sendo crescente os dados de contaminações e de óbitos por conta do novo
coronavírus.
Aliás, é diário o crescimento de casos no Estado de São
Paulo, em especial na região da Baixada Santista, uma das mais atingidas, em razão
do grande fluxo de pessoas existentes.
Evidente o risco de forma difusa para toda a coletividade no
enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (COVID 19), na medida que a
autoridade municipal descumpre as regras gerais ditadas pelo Governo do Estado,
por meio de Decreto que está em plena vigência, decorrendo a presunção de que os
atos ali elencados são os que protegem a população em geral.
Assim, na forma do art. 300, § 2º do CPC, estando presentes
os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, REQUER-SE A
TUTELA DE URGÊNCIA, sem audiência da parte contrária, pois está evidente a
probabilidade do direito e o perigo de dano, concedendo a LIMINAR para
DETERMINAR A OBRIGAÇÃO DE FAZER AO REQUERIDO CONSISTENTE EM
ATENDER A TODAS AS NORMAS DO DECRETO ESTADUAL Nº 64.881, DE
22/3/2020, E DO DECRETO Nº 64.946, que prorroga a medida até 10 de maio, e
de demais Decretos Estaduais que venham a prorrogar o Decreto Estadual Nº
64.881, DE 22/3/2020, para os efeitos de suspender o Decreto nº 6955/2020, de
29 de abril de 2020 do Município de Praia Grande, nos pontos que relaxa ou
flexibiliza as regras de isolamento social (art. 3º e 4º ), ou, em outros termos,
de suspender o Decreto nº 6955/2020, de 29 de abril de 2020, em todos os
pontos que contrariar os Decretos Estaduais vigentes (DECRETO Nº 64.881,
DE 22/3/2020, c.c. DECRETO Nº 64.946, de 17 de abril, prorroga a medida até
10 de maio), bem como determinando que proceda a orientação à população,
fiscalização, execução e cumprimento das determinações legais vigentes no
tocante à vigilância epidemiológica, na forma do art. 18, IV “a” da Lei 8.080/90,
sob pena de multa diária de R$ 100.000,00, a ser destinada ao Fundo Estadual de
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Reparação de Interesses Difusos Lesados - de que tratam a Lei Federal nº
7.347/85.
DO PEDIDO
Diante de tudo o que foi exposto, requer-se a esse Egrégio
Juízo:
a) que determine a citação do requerido, para que,
querendo, responda à presente ação, sob pena de revelia;
b) a intimação do I. Representante do Ministério Público,
nos termos do art. 5º, § 1º, da Lei 7.347/85;
c) a concessão da tutela de urgência antecipada e em
caráter liminar, DA OBRIGAÇÃO DE FAZER DO REQUERIDO CONSISTENTE EM
ATENDER A TODAS AS NORMAS DO DECRETO ESTADUAL Nº 64.881, DE
22/3/2020, E DO DECRETO Nº 64.946, que prorroga a medida até 10 de maio, e
de demais Decretos Estaduais que venham a prorrogar o Decreto Estadual Nº
64.881, DE 22/3/2020, para os efeitos de suspender o Decreto nº 6955/2020, de
29 de abril de 2020 do Município de Praia Grande, nos pontos que relaxa ou
flexibiliza as regras de isolamento social (art. 3º e 4º ), ou, em outros termos,
de suspender o Decreto nº 6955/2020, de 29 de abril de 2020, em todos os
pontos que contrariar os Decretos Estaduais vigentes (DECRETO Nº 64.881,
DE 22/3/2020, c.c. DECRETO Nº 64.946, de 17 de abril, prorroga a medida até
10 de maio e demais Decretos Estaduais que venham a prorrogar o Decreto
Estadual Nº 64.881, DE 22/3/2020), bem como determinando que proceda a
orientação à população, fiscalização, execução e cumprimento das
determinações legais vigentes no tocante à vigilância epidemiológica , na
forma do art. 18, IV “a” da Lei 8.080/90, sob pena de multa diária de R$
100.000,00, a ser destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos
Lesados - de que tratam a Lei Federal nº 7.347/85;
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d) que, ao final, JULGUE PROCEDENTE A AÇÃO,
condenando a parte requerida na OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE EM
ATENDER A TODAS AS NORMAS DO DECRETO ESTADUAL Nº 64.881, DE
22/3/2020, E DO DECRETO Nº 64.946, que prorroga a medida até 10 de maio, e
de demais Decretos Estaduais que venham a prorrogar o Decreto Estadual Nº
64.881, DE 22/3/2020, para os efeitos de suspender o Decreto nº 6955/2020, de
29 de abril de 2020 do Município de Praia Grande, nos pontos que relaxa ou
flexibiliza as regras de isolamento social (art. 3º e 4º ), ou, em outros termos,
de suspender o Decreto nº 6955/2020, de 29 de abril de 2020, em todos os
pontos que contrariar os Decretos Estaduais vigentes (DECRETO Nº 64.881,
DE 22/3/2020, c.c. DECRETO Nº 64.946, de 17 de abril, prorroga a medida até
10 de maio e demais Decretos Estaduais que venham a prorrogar o Decreto
Estadual Nº 64.881, DE 22/3/2020), bem como determinando que proceda a
orientação à população, fiscalização, execução e cumprimento das
determinações legais vigentes no tocante à vigilância epidemiológica.
Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em
direito admitidos.
Por oportuno, salientam-se as prerrogativas dos membros da
Defensoria Pública do Estado de contagem em dobro de todos os prazos
processuais, bem como de intimação pessoal de todos os atos e termos do
processo, nos termos do no artigo 128, inciso I, da Lei Complementar nº 80/94.
Embora de valor inestimável, para fins do disposto no art. 292 do
CPC/15, dá-se à causa o valor de R$100.000,000 (cem mil reais).
Por fim, em cumprimento ao previsto no inciso VII, do art. 319 do
CPC vigente, informa-se que a natureza do direito discutido nesta ação não
comporta audiência de conciliação.
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Praia Grande, 07 de maio de 2020.
Rafael Lessa Vieira de Sá MenezesDefensor Público Coordenador
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos
Davi Quintanilha Failde de AzevedoDefensor Público Coordenador Auxiliar
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos
Daniela Batalha TrettelDefensora Pública Coordenadora AuxiliarNúcleo de Cidadania e Direitos Humanos
Gustavo GoldzveigDefensor Público
Coordenador-auxiliar de Praia Grande
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