warat, luis alberto. a pureza do poder

133
7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 1/133

Upload: gabriela-fauth

Post on 04-Feb-2018

245 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 1/133

Page 2: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 2/133

Este  é u m  livro  q u e pretende discutir  o

princípio  d a  pureza metódica, como  cr i -

tério epistemológico vertebral  d a  Teoria

Pura  d o  Direito. Através deste critério

s ã o

  estabelecidos

  o s

  fundamentos cate-

goriais  d e u m a ciência normativa d o direi-

t o b e m como enunciada u m a condição d e

sentido para

  a s

  normas

  e

  proposições

jurídicas.

Trata-se  de um  trabalho inserido  n o

universo  d e  questões levantadas pela

epistemolog ia crítica d a s ciências sociais,

preocupada  e m  explicitar  a s  dimensões

Ideológicas

  d o

  conhecimento numa dada

sociedade. Esta teoria crítica analisa  a

dimensão simbólica  d a  política, visando

mostrar  o poder  que o discurso  d a ciência

atinge invocando critérios epistemológi-

c o s  puros. Neste sentido  é que a domina-

ç ã o  adquire pela ciência  u m reforço para

o seu  exercício. Assim, este livro fala  d a

pureza

  d o

  poder

  e m u m

  sentido ambiva-

lente:  o  poder  d o  discurso  e o  poder  d o

Estado.

O  fascínio  q u e  este livro desperta está

n a

  medida

  em que o

  autor concilia,

  em

u m a

  perspectiva inovadora

  o

  engendra-

mento  d a  teoria pura  d o  direito  c o m a s

modernas contribuições  d a  semiologia,

ciência política  e a  sociologia. Paralela-

mente

  a

  estas abordagens,

  o

  livro revela-

se  extremadamente didático, podendo  o

leitor adquirir  u m  conhecimento  d a  obra

d e  Kelsen  q u e o  faça refletir  em  torno  à

s u a

  importância

  e

  seus limites.

A s  idéias  s ã o  apresentadas dentro  d o

espírito  d e u m a  obra aberta,  q u e provoc a

naqueles

  q u e a

  lêem vontade

  de

  reescre-

vê-la. Como diria Barthes,  u m  texto  que

você terá prazer  e m  t raba lhar .

Page 3: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 3/133

 

PUREZ

DO

 PODER

Page 4: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 4/133

J L

UNIVERSIDADE FEDERAL  D E  SANTA CATARINA

Ernâni Bayer  —   Reitor

Nilson Paulo —   Vice-Reitor

Conselho Editorial

Silvio Coelho

  d o s

  Santos

  —

  Presidente

Alcides Abreu

Carlos Humberto

  P .

  Corrêa

José

  E d ú

  Rosa

Rosa Weingold Konder

Walter Celso

  d e

  Lima

Salim Miguel  —   Diretor Executivo

d a

  Editora

  d a

  UFSC

Page 5: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 5/133

LUIS ALBERTO WARAT

U N I V E R S I D D E E S T D U L

  E

  L O N D R I N

4.  ,/fti.i.  4

r

u

t

Ç-Dipeuir  «  m̂r<i Am

*

  d

* íSjeia

Hío OÍ

r;c«»

PUREZ

DO

 PODER

U m a  anál ise cr í t ica  d a  teoria jur ídica

FLORIANÓPOLIS

EDITORA  DA   UFSC

1 9 8 ?

Page 6: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 6/133

  C )  Luis Albert o Warat .  1983

Editora  d a  UFSC,

Campus Universitário  — C.P . 476

Trindade

88.000 —  Florianópolis  — S . C .

Revisão: João Francisco Sepetiba

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação

  na

 fonte pelo Depar tamen to

  d e

 Biblioteconorrlia

 e

 Documentação

  d a

  UFSC)

W253 Warat, Luis Albe rto

A  pureza  d o  poder:  u m a  análise crítica  d a  teoria

jurídica/Luis Alberto Warat.  —  Florianópolis:

Ed . da  UFSC.  1983.

1 3 4 P -

1.  Teoria  d o  Direito.  1. Título.

C D U  340.11

CDD 340 .1

índice para

  o

  catálogo sistemático

  C D U )

1 —

  Teoria

  d o

  Direito

  —

  340.11

Reservados todos  os  direitos  d e  publicação total  ou  parcial, pela Editora  d a  UFSC.

Impresso  no  Brasil/Printed  in  Brazil

Page 7: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 7/133

Page 8: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 8/133

Page 9: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 9/133

Dedico este trabalho  meus

companheiros  do  Mestrado  em

Direito  d Universidade

Federa de   Santa

  Catarina

professores  e  alunos.

Page 10: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 10/133

Page 11: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 11/133

Sumário

APRESENTAÇÃO  13 

OBSERVAÇÕES

  D O

  AUTOR

  17

INTRODUÇÃO  19 

CAPÍTULO  I

A  PUREZA: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES  27

CAPÍTULO

  II

A PURIFICAÇÃO POLÍTICA  E  IDEOLÓGICA  41 

CAPÍTULO

  III

A  PURIFICAÇÃO ANTI JUSNATURALISTA  57 

CAPÍTULO  IV

A  PURIFICAÇÃO ANTI NATURALISTA  O U

ANTI C A U S ALISTA  67

CAPÍTULO  V

A

  PURIFICAÇÃO INTRA NORM

 ATI VA 81 

CAPÍTULO  V I

A PURIFICAÇÃO MONISTA  O U  ANTI DUALISTA  99

CAPÍTULO  VII

CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE  O PRINCÍPIO  D A

PUREZA METODOLÓGICA  117

CONCLUSÕES  123 

BIBLIOGRAFIA

  127

Page 12: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 12/133

Page 13: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 13/133

Apresentação

O

  pensamento filosófico-jurídico

  de

  Hans Kelsen, apesar

  da

oposição

  qu e

  jamais deixou

  de

  suscitar,

  é o

  mais importante marco

  de

referência  do  dogmatismo positivista  e  logicista  do  saber jurídico

contemporâneo.

Curiosamente,

  é

 também

  a

 tentativa mais interessante

 e

 expressiva

d e  superação  da  velha dogmática jurídica, construída  a  partir  da re-

cepção  do direito romano e consubstanciada  nos paradigmas d a ciência

jurídica européia, cujas manifestações mais importantes foram

 a

 escola

da exegese,  na França,  a jurisprudência analítica no mundo d a  common

l a w e a

 jurisprudência conceituai

  no

  mundo germânico.

Herdeiro  do  cientificismo logicista característico  da tradição filo-

sófica alemã, procurou  o grande mestre da escola de Viena superar todo

ceticismo epistemológico,

 o

 qual.defluía daquela maneira

 de

 conceber

 o

direito como o sistema de normas positivas, e sua ciência, como a teoria

d a

  interpretação

  do

 direito positivo mediante

  os

  instrumentos

  da

 lógica

formal;

 e o

 caminho Kelseniano, coerentemente

 com o

 contexto teórico

onde abebera  sua  formação filosófico-jurídica, foi o dos  neokantianos

d e

  Marburgo, procurando

  a

 categoria gnósica fundamental

 do

 direito.

Essa categoria vislumbrou-a

 no

 soll n

  — a

 imputação

 — que não é

a

 concreta obrigação jurídica,

 m as o

 nexo lógico entre

 o

 antecedente

 e o

conseqüente, ao ocorrerem num contexto d e liberdade, nexo imputativo

que é  apreendido pelo trabalho intelectual  do  jurista; essa apreensão

todavia começa

  por um

  trabalho

  de

  depuração

  do

  direito,

  de

  seus

  con-

teúdos éticos, políticos  e  ideológicos.

Eis o princípio da pureza metódica erigido em postulado científico,

ou  seja,  em condição primeira  do direito como ciência normativa.

Neste estudo  da  teoria pura  do  direito,  o  qual tenho  a  honra  de

apresentar,  o  jovem professor  da  Universidade Federal  de  Santa

Catarina, Luis Alberto Warat, toma  o  princípio  da  pureza metódica

como  o núcleo do pensamento kelseniano absorvido pelo senso comum

teórico

  dos

  juristas,

  e

  trata

  de

  considerar

  as

  respectivas implicações

epistemológicas, segundo

  a

  perspectiva crítica

  do

  instrumental teórico

da

  moderna filosofia

 d a

 linguagem

  e da

 argumentação.

1 3

Page 14: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 14/133

Segando esse enfoque Luis Alberto Warat  põe a  descoberto  a

falácia  em que o  princípio  se  constitui quando pretende fundar  uma

teoria jurídica apolítica

  e

  descompromissada especialmente levando

em

  conta

  os

  seus propósitos

 de

  rigor científico

e

 também

  a

 contradição

implicada pela

  sua

  irresistível transformação

 em

  tópico

  de

  legitimação

da  ordem jurídica.

Mas não se

 trata

no

 estudo

 a

 seguir

de uma

 refutação

 do

 postulado

kelseniano

nem

  mesmo

  de uma

  teorização analítica

  dos

  pressupostos

ideológicos da  teoria pura;  o objeto das  reflexões de Warat  não é a obra

de Kelsen mas a interpretação que dela f az o saber jurídico acumulado

cujos resultados operacionais  não são a  neutralidade almejada pelo

mestre

mas a

  legitimação ideológica

  da

 ordem social pela legitimação

da

  exigência

  de

  neutralidade como condição

  do

 saber jurídico.

U m a  releitura  da  concepção kelseniana  do  direito  ta como  é re-

cuperada pela ciência jurídica eis portanto  o que nos oferece o profes-

sor de

  Florianópolis.

  S ua

 proposta epistêmica

  não

 fica adstrita

 à

 leitura

crítica

  dos

  silêncios

das

  entrelinhas

  da

  exigência

  de

  pureza metodoló-

gica;  a  teoria pura  é  somente  o  ponto  de  partida para  a  articulação  de

novas idéias  que vêm  enriquecer sobremaneira  a filosofia do direito  no

Brasil; nesse trabalho pioneiro Warat adentra novos caminhos suge-

rindo  as  alternativas  de  superação  das  insuficiências  do  postulado  da

pureza metódica pela assunção consciente

 de seu

 alcance ideológico

a

partir  de sua  internalização pelo pensamento dogmálico-jurídico.

Warat revela como ocorre a recuperação d os postulados kelsenianos

pelo senso comum teórico

  dos

 juristas mediante

  um

  processo

  de dog-

matização

  que

  insere

  a

  teoria pura

  nos

  parâmetros

  da

  ciência jurídica

tradicional.  E o resultado dessa recuperação é justamente o efeito ideo-

lógico

  de

  legitimação

o

 qual demonstra Warat

é

 algo inerente

  à

 expe-

riência jurídica

  e não

  pode

  ser

 elidido pelo saber jurídico.

Da í a proposta de um a  superação do postulado d a pureza metódica

segundo  um  realismo crítico  que o  leva  a  buscar  as  determinantes  da

significação jurídica

 nos

 marcos teóricos

 d a

 filosofia

 da

 linguagem

e que

Warat expressa pelo princípio  da  heterogenia significativa.  Por ele,

f  assevera o autor que as expressões normativas do direito não são porta-

doras  de  significação autônoma m as  receptáculo  das  significações ela-

,  boradas pelas diversas instâncias  do  poder social;  e  entre estas privi-

;  legia  a  doutrina jurídica ou  seja as  criações teoréticas  da  ciência  do

direito.

1 4

Page 15: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 15/133

Warat  é expressivo exemplo de como  é possível o trabalho intelec-

tual sério  e de  conteúdo crítico sem o tom   enfadonho  e a  absoluta

carência

  de

  originalidade

  de

  tantas exposições destinadas

  ao

  ensino

jurídico  e ao  consumo profissional  dos  bacharéis  em  direito com as

quais

  o

 país

  tem

  sido inundado; criar sobre

 o

 estabelecido questionar

  o

intocável problematizar  o  institucionalizado e com   isso inovar des-

bravar  os  novos campos  de  pesquisa  no  contexto  de um  saber  que

nunca como

  no

  atual momento histórico esteve

  tão

  necessitado

  de

renovação eis o alcance  da obra  que me  cabe apresentar e cuja impor-

tância  é  evidente.

Tal  como  em  seus trabalhos anteriores voltados para  a  renovação

d a  epistemologia educacional  do  direito Warat destrói  os  mitos  que o

ensino jurídico construiu para acostumar

 o

 estudante

 de

 direito

 a

 apren-

der sem   perguntar e por  isso j á o  chamaram iconoclasta.  M as  Warat  é

antes

  de

  tudo

  um

  pioneiro

um

  professor cuja presença

  no

  Brasil

  o

transformou  em  núcleo  de  irradiação  de um  pensamento sempre reno-

vado  e  compromissado  com a  realidade  do  direito  e da  sociedade.  Eis

um   autor  que  consegue  a  proeza bachelardiana  de  criar  seu  próprio

objeto num   campo teórico  em que a  repetição  e a  inautenticidade

constituem lugar comum.

Luiz Fernando Coelho

1 5

Page 16: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 16/133

Page 17: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 17/133

OBSERVAÇÕES  D O  AUTOR

Este trabalho, originalmente intitulado Considerações Epistemo-

lógicas sobre

  o

 Princípio

  d a

  Pureza Metodológica ,

  foi

 elaborado para

cumprir

 u m d o s

 requisitos necessários

 ao

 Concurso

 de

 Professor Titular

d e introdução ao Direito e Filosofiado Direito, da Universidade Federal

de

  Santa Catarina.

  Fo i

  submetido

  à

 banca examinadora integrada pelos

professores Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Tarcísio

 d e

 Miranda Burity

 e

Luiz Fernando Coelho.

O s debates  com os examinadores permitiram-me perceber aspectos

n ão

  explorados, silêncios

  a

  serem preenchidos, idéias

  a

  serem aclara-

d a s

como também a)guns fragmentos

  que

  exigiam alteração

  e

supressão.

Destarte, deve levar-se

  em

 consideração

  a

 natural inconformidade

q ue

  todo autor sente

  ao

  reler

  seu

  próprio texto.

  N o

  entanto, muitas

vezes

  n ão

  existe

  a

  material possibilidade

  de

  reescrevê-lo. Neste caso,

aliou-se

 à

 carência

 d o

 tempo,

  a

 sensação

 de que

 poderia

  ser

 interessante

manter

  a

 redação

  ta l

 como

  foi

 apresentada, pois todo tribunal examina-

d o r  assume  um  certo compromisso intelectual  com o que  aprova.

Posteriormente  ao  Concurso prestado,  o  texto  foi  discutido  em

vários seminários, principalmente

  em

  minha cadeira

  de

 Epistemologia

Jurídica

 d o

 Mestrado

 d a

 UFSC. Estes debates produziram algumas idéias

que me

 pareceram úteis incorporar

  à

 presente edição, através

  de

 notas

complementares (indicadas

  em

  letras minúsculas)

  ao

  final

  de

  cada

capítulo.

Quero expressar , po r outro lado, os meus sinceros agradecimentos,

em

  primeiro lugar,

  aos

  professores examinadores,

  que

  emprestaram,

com seu

  saber,

  u m a

 dimensão incomum

  a

 esse

  ato.

Tenho, também,

  um a

 dívida profunda

 de

 gratidão para

 com o

 Prof.

Paulo Henrique Blasi

  e

  demais colegas

  do

  Mestrado, pelo constante

apoio  e estímulo  ao meu  trabalho.

Agradeço profundamente

  a

 Gisele Cittadino pelo monumental

  es-

forço

  em

  traduzir-me.

  A ela

como

  a

  Leonel Severo Rocha

  e

  Elza

1 7

Page 18: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 18/133

Pereira Cunha,  o meu  profundo reconhecimento pela ajuda teórica  e

afetiva

  a o

  longo

  do ano da

  pesquisa; gratidão extensiva

  a

  Iara Silva,

Dirce Bravo  e Afonso Nascimento.

M eu

  reconhecimento intelectual

 aos

 professores José Maria Gómez

e Júlio Raffo, cujas observações  e  críticas  me  foram extremadamente

úteis para

  a

 redação final

 d o

  texto.

Finalmente, mais qu e um agradecimento, a dedicatória deste livro a

meu pai , com

 quem discuti toda

  a

 vida

 os

 temas deste trabalho,

 a

 ponto

de não

 mais poder distinguir

  as

 suas opiniões

  d as

 minhas.

Ilha

  de

 Santa Catarina, outubro

  de 1981.

1 8

Page 19: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 19/133

Introdução

1.

  Este

  é um

 livro sobre

 o

 método

 da

 Ciência Jurídica. Neste sentido,

propõe  um  reencontro metodológico  com a Teoria Pura  d o  Direito.  E ,

po r qu e um reencontro  com Kelsen?  D e início, a pergunta sugere várias

respostas: preencher  u m  certo silêncio acadêmico sobre  os  textos

kelsenianos; realizar

  um

 estudo sobre alguns problemas colocados pela

Teoria Pura

  a

  partir

  de

  novas posições teóricas; explorar

  os

  limites

  e

possibilidades

  da

  Dogmática Jurídica, apelando

  a um

  marco teórico

considerado, reiteradamente, como  seu melhor espelho. Desta forma, a

proposta  de um  reencontro  com a  Teoria Pura  do  Direito poderia  ser

entendida como  u m a  metáfora  que  indica  a  necessidade  de uma  dupla

atualização:  d a Dogmática Jurídica  e d a própria Teoria Kelseniana.  N o

entanto,  o  alcance  de  minha proposta  é  mais abrangente  do que  essa

visão.

O

  trabalho

  q u e

  agora apresento, deve

  ser

  considerado como

  um

segmento  de um  projeto mais amplo  que , no  plano  da  epistemologia

jurídica, procura esclarecer  a função que o saber jurídico cumpre como

fator co-determinante d a organização da sociedade.  O tipo d e indagação

\ qu e

 desejo fazer

 a

 respeito

  da

 epistemologia jurídica, trata

  de

 mostrar

 os

i

 efeitos sociais

  de um

  sistema

  de

 conhecimento visto, realmente, como

u m a  técnica eficiente para  o  controle  d o  comportamento humano.  E ,

i  nesta perspectiva,  as  inquietações epistemológicas  que  constituem  o

traço característico

  de

 minhas últimas reflexões podem

  se r

 inscritas

  no

marco geral d e u m a Sociologia do Poder do Conhecimento  1), com toda

a

 ambigüidade

  q u e ,

 hoje, caracteriza

  a

 delimitação

  de um

 espaço disci-

plinar

  n as

 Ciências Sociais.

A o

  interrogar-me sobre

  o

  poder

  dos

  discursos jurídicos, devo

começar

  p o r

 reconhecer

  que o

 objeto temático resultante dessa investi-

gação  é  bastante distinto daquele  q u e ,  seguindo  o  modelo positivista,

apresenta-se como  um  discurso superador objetivo, logicamente  con-

sistente  e desideologizado)  das  articulações conotativas evocadas pelo

sistema  d e noções  d a Dogmática Jurídica. Assim, poder-se-ia presumir

q u e ,

  para tentar explicar

  os

  efeitos

  que o

  saber jurídico cumpre

  na

1 9

Page 20: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 20/133

sociedade, ver-me-ia obrigado  a u m  duplo movimento  de  ruptura:  em

relação

  a o s

  costumes

  e

  hábitos

  do

  pensamento jurídico-clássico

  e em

relação

  à

 crença kelseniana

  de que se

 possa reconstruir

  um sistem de

conceitos (logicamente controlados), liberados

 das

 enganadoras articu-

lações ideológicas.  N o entanto, mais do que uma dupla ruptura, prefiro

falar de um deslocamento,  de uma  troca  de lugares.  Com efeito, se não

pretendo valer-me

  d as

  velhas noções conotadas pelo pensamento

dogmático  d o  Direito, tampouco tentarei expurgá-las, recorrendo,  ilu-

soriamente,

 à s

 fantasias purificadoras daqueles

 q u e

 acreditam

 no s

 mila-

gres

 d o

 pensamento axiomatizado.

  E m

 princípio, tentarei organizar

 um

esquema  d a s  razões  qu e  permitem explicar  os  efeitos específicos  dos

diferentes planos

  do

  conhecimento jurídico

  na

  sociedade. Nesta

  con-

cepção, tomando como ponto  de  referência a descrição  das  condições

sociais

  de

  existência

  do

  conhecimento jurídico, deve-se tentar teorizar

sobre

 o

 papei material

 que o

 saber jurídico cumpre

 no

 modo

 de

 organiza-

* çã o de um a sociedade. Aceitaüdo a idéia de que o saber jurídico sofre, no

processo  d e  construção  d e  suas categorias  e significações, influências

d o

 con texto social,

 é

 preciso superar

 a

 discussão

 d e

 tais condicionantes,

para tematizar

 o s

 efeitos

 d o

 saber jurídico

 na

 sociedade. Esta

 é a

 função

social  q u e  cumpre  um  discurso  que, por sua vez,  encontra-se social-

mente condicionado. Indubitavelmente  a tarefa que me proponho,  vin-

cula-se

  à

  recente problemática construída pelas reflexões epistemoló-

gicas dirigidas  à  construção  d e u m a  teoria crítica  d a s ciências sociais.

T a l

 teoria orienta-se

  em

 duas direções convergentes.

  A

 primeira esfor-

ça-se  p o r  mostrar  as insuficiências epistemológicas surgidas pela acei-

tação indiscriminada

  d o

  paradigma cartesiano-positivista.

  A

  segunda

trata  d a  inserção  do  saber científico  na  prática social. Tais caminhos

convergentes permitiram  à  teoria crítica apresentar  a  Ciência Jurídica

nã o

  como

  um

  ciência

  dos

  fatos,

  m as

  como

  um a

  técnica

  de

  efeitos.(2)

P o r  tudo isto,  é necessário, estabelecer, agora, algumas demarca-

ções provisórias

  d o

 campo específico desta pesquisa,

  ao

 mesmo tempo

q u e efetuar várias reflexões paralelas n a mesma linha da s anteriormente

elaboradas.  N ã o  pretendo,  e m  absoluto,  com  este trabalho, esgotar  as

questões precedentemente colocadas. Elas constituem

  as

  idéias meto-

dológicas

  de

  base,

  a

  partir

  das

  quais tentarei problematizar várias

  das

crenças  q ue  governam  a produção  das significações jurídicas; crenças

que, por sua vez ,  servem  de  fundamento  às  funções míticas  que  tais

significações desempenham. Deste modo, discutirei, especialmente,

2 0

Page 21: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 21/133

nesta pesquisa, os princípios d e egocentrismo textual qu e oferecem aos

juristas

 o

 critério central

 d a

 condição

 de

 significação normativa

 po r

 eles

adotado.  A partir desta perspectiva, procuro analisar o papel desempe-

nhado pelo teoria kelseniana  na  consolidação  e reprodução  de tal con-

dição d e sentido, b e m como n a manutenção d a Dogmática Jurídica como

um a

  técnica

  de

  efeitos. Assim, pretendo apoiar-me

  na

 Teoria Pura

  do

Direito para identificar pontos  de partida teóricos aptos  a  integrar,  em

um

 segundo momento

 de

 maior profundidade,

 a

 problemática

 do

 jurídico

n o  quadro  de uma  teoria crítica  das  ciências sociais. Para tanto,  exa-

minarei  a complexa articulação interna  da Teoria Pura, realizando uma

leitura ideológica (crítica)

  que

  rejeitará certos chavões interpretativos,

colocando-nos diante

  de

 seus próprios silêncios, ambigüidades, fraque-

zas e efeitos ideológicos. Esta leitura deve abrir caminho à explicitação

da

 função

 d e

  controle social

  e

 legitimação

 que

 desempenham

  os

 discur-

sos

  coerentes

  e

  sistemáticos, mostrando

  o

  caráter político

  da

  função

explicativa  d a ciência.

2.  Para questionar  o  princípio  de  imanência  da  análise jurídica,

tentarei efetuar  um a  leitura ideológica  d a teoria onde  ta l princípio  apa-

rece, mais conscientemente, explicitado. Es ta leitura ideológica  crí-

tica), tendo

 e m

 vista

 a

 problemática apresentada, refere-se

 ao

 princípio

 de

imanência significativa,

  não só

  para discutir

  as

  condições internas

produção  do saber jurídico,  m as para mostrar  as conseqüências ideoló-

gicas

 e

 políticas

 de um

 princípio epistemológico

 q ue

 considera externo

 a

seu  campo problemático  os  fatores extranormativos.  A leitura ideoló-

gica sobre

  a

  teoria kelseniana necessitará, também, explicitar suas

relações latentes

  com o

  jusnaturalismo. externando

  a

  reintrodução

  de

um  sutil sincretismo entre  as duas perspectivas.  C om efeito, ambas  as

tendências, aparentemente antagônicas,

  nos

  propõem

  a

  idealização

 de

u m a categoria que , estabelecendo certas condições para a determinação

d a

 verdade, cumpre claras funções mitificadoras. Assim,

  o

 Jusnatura-

lismo, mediante  a  categoria na tu reza , produz  a  mitificação do con-

teúdo

  d o

  Direito,

  e o

 positivismo, através

  da

  categoria

  da

  imputação,

realiza

  a

 mitificação

 da

  forma

 d o

 Direito.

  3)

N a

 verdade,

 a

 Teoria Pura

 d o

 Direito representa, também,

 um

 lugar

ideológico importante,

  na

  medida

  em que,

  deslocando problemáticas,

encontrando  um  fundamento epistemológico para  o  princípio  de

fmanência significativa, criando  a  ilusão  da  posse  de um  discurso

2 1

Page 22: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 22/133

objetivo, conforma

  um a

  cadeia

  d e

  conotações específicas, claramente

articuláveis  com o  sistema  d e   conotações  da Dogmática Jurídica  e das

doutrinas  d o  Direito Natural.

E  necessário acrescentar  que um   discurso crítico sobre  a  teoria

kelseniana deve  se r capaz, antes  de  tudo,  de mostrar como um  discurso

logicamente consistente estabelece, também,  um a   proposta  de  racio-

nalidade ideológica. Como assinala Marilena Chauí,  a racionalidade

ideológica  não é apenas aquela  do  discurso tradicionalmente reco-

nhecido como ideológico

mas é

sobretudo

a

  racionalidade

  que

sustenta logicamente  o q u e   entendemos  por  saber científico  e por

objetividade

  nas

  ciências  sociais.(4)

A meu

 juízo,

  o

 discurso crítico

  que

 estou propondo

 n ão é um

 outro

discurso alternativo, oposto

  ao

  discurso kelseniano,

  mas um

  contra-

discurso,  um   texto negativo construído dentro  do   próprio discurso  de

Kelsen.

  Em

  princípio, trata-se

  de um

  processo pelo qual

  se

  torna

manifesto

  um

  sistema

  de

  sentidos latentes.

  N a

  leitura ideológica,

  no

discurso crítico, há , por assim dizer, um a  permanente busca d e  elemen-

to s  indicativos  de um   sistema  d e   silêncios significativos.  E m   outras

palavras, estou falando  de um   sistema  de   sentidos conotados  que,

apesar

  de

  serem captados (nebulosamente) pelos receptores

  das men-

sagens,

  não

  podem

  ser

  lidos

  na

  superfície textual

  dos

  discursos.

  E m

virtude disto,  é  impossível externar  os  sentidos ideológicos fora  do

próprio discurso

  que os

  transmite

  (5). O ra , é a

  explicitação desses

sentidos silenciados  que   permitirá indicar  sua   função na  sociedade.  É

este

  o

 sentido

  de meu

  retorno

  a

 Kelsen.

3 .

  Antes

 d e

 prosseguir nestas considerações introdutórias, desejaria

aprofundar,  um   pouco mais,  as  pretensões kelsenianas  em   torno  à

produção

  de um

  discurso logicamente consistente para

  a

  Ciência

  do

Direito.

A  Teoria Pura coloca-nos diante  de um   controle lógico  e  intra-

sistemático

 d a

 Dogmática Jurídica. Assim,

 a

 crítica

 que o

 método kelse-

niano n o s propõe limita-se a uma  ruptura c om  aqueles conceitos dogmá-

ticos  q u e apenas constituem resíduos d a s opiniões,  do s costumes  e dos

apelos metafísicos

  (e que

  parecem articulados

  sob a

  forma

  de uma

necessidade essencial).

A

 crítica kelseniana resulta, pois,

  no

 aperfeiçoamento lógico-racio-

nal da

  metodologia jurídica existente, propondo

  a

  transformação

  da

doxa jurídica,  d a s falsas transparências conceituais  e  prenoções  so-

bre o Direito,  em   epist eme .

2 2

Page 23: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 23/133

Kelsen,  c o m a  Teoria Pura, procura romper  a unidade ilusória  d a

doxa jurídica (ideologia), através

  de um

 processo crítico

 q ue

 conduz

à purificação lógico-racional  d o  conceito. Acredita  na  possibilidade  d e

descobrir relações paradigmáticas essenciais  q u e   permitem constituir

racionalmente

  a s

  verdadeiras articulações

  d o

  real. Deste modo, para

Kelsen,  o s   conceitos definem  as   condições abstratas  d e   toda ordem

jurídica possível.

Entretanto,  o  divórcio progressivo entre  os conceitos racionais e o

campo ideológico  d o   discurso  (o   qual  a té  então estava articulado),

conduziram

  a uma

  ilusão oposta:

  a

 suposição

  de que ,

 além

  d o

 discurso

d a  doxa ,  o s  conceitos isolados  de qualquer articulação ideológica ou

metafísica podem, através

 de um

 simples desdobramento

 d e

 suas virtua-

lidades lógicas, reconstruir

  o

 conjunto

 d a

 realidade.

  U m a

  reconstrução

que , por sua vez ,  pressupõe  a   neutralidade  no   plano político  e   moral.

Se, ao  nível  d a   doxa ,  o s   conceitos aparecem articulados  por

princípios ideológicos externos

  à sua

  natureza lógica,

  a

 filosofia racio-

nalista transformou

  a s

  propriedades lógicas

  n o s

  únicos princípios

  vin-

culantes

  d o s

 conceitos. Além disso,

  ta l

 filosofia postula

 o

 caráter siste-

mático destas, relações

  e a

  possibilidade

  de

  reconstruir, através

  das

mesmas,

  um

  sistema

  tão

 amplo como

  o que

  caracterizou

  o

  discurso

  d a

doxa :

  o que é

  epistemologicamente impossível

  e

  ideologicamente

suspeito.

  Mas , em que

  radica esta impossibilidade epistemológica?

  A

meu ver e la se  refere  à   noção  d e  objetividade adotada  p o r  Kelsen;  ou

seja,

  a

  noção

  d e

  objetividade aceita

  p o r

  Kelsen promove

  u m a

  idéia

  de

racionalidade inscrita  no  próprio real  e , desta forma, qualquer trabalho

teórico filiado

  a

 esta perspectiva, fica reduzido

 a uma

 tarefa

 d e

 redesco-

brimento  d a s  verdadeiras articulações  d o   real.  P o r  isto mesmo,  o

discurso crítico adquire su a consciência, realizando u m  questionamento

d a própria noção de  objetividade, o que equivale a dizer que ele  necessi-

ta  forçosamente estar ligado  a uma   teoria crítica  d as  ciências  so-

ciais.  (6)

4.  Discutir  a s  concepções kelsenianas implica aceitar  um   certo

desafio e engajar-se  em um   espaço teórico amplamente controvertido.

Evidentemente, existem inúmeras interpretações sobre

  o

  conteúdo,

significado

  e

  alcance

  d a

  Teoria Pura

  d o

 Direito. Algumas claramente

formuladas contra

 o

 pensamento kelseniano

 e ,

 portanto, reducionistas

 e

simplificadoras. Outras,  s em se  oporem  a Kelsen, relacionadas  com as

2 3

Page 24: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 24/133

mais variadas

  e

 divergentes fontes inspiradoras: Kant,

  o

 positivismo,

  o

neopositivismo lógico, Husserl, Weber,

  e tc . N a

 verdade, estas diver-

gências podem,

  em

  parte,

  ser

  atribuídas

  ao

  fato

  de que nas

  várias

versões  da  Teoria Pura  que  Kelsen apresentou-, raramente  são explici-

tados  em forma plena  os fundamentos metodológicos  em que o autor  se

apoia. Isto provoca sérios problemas interpretativos. Naturalmente,  a

explicitação

  do s

  supostos metodológicos implícitos, provoca

  um a

  série

d e

 leituras alternativas

 d o

  discurso kelseniano, conforme

 o

 lugar

 em que

tais supostos são inseridos como complemento d a argumentação.  E este

problema também  m e coloca frente  a um a das principais opções meto-

dológicas deste trabalho.

Optei pela vertente positivista.

  N o

 entanto, isto

 n ão

 quer dizer

 que

esquecerei certas influências kantianas  ou  neo-kantianas) vinculadas

principalmente  à s origens  da Teoria Pura, mas que perduram, de algum

modo, reformuladas pelas bases positivistas,  as  quais foram paulati-

namente assumidas  p o r  Kelsen.

U m a v e z solucionado este impasse epistemológico, preciso realizar

a  escolha  d o s  autores  q u e  tomarei como marco  de  referência para  a

elaboração  do  contra-discurso  d a  teoria kelseniana.  P o r  certo, como

n ã o  poderia deixar  de ser ,  apelei para  o s  trabalhos  da  Escola Analítica

d e

  Buenos Aires,

  e ,

  também,

  às

  idéias

  de

  teóricos brasileiros, preocu-

pados  com a  obra kelseniana, como Tércío Sampaio Ferraz  Jr . ,

Lourival Vilanova, Machado Neto, Luiz Fernando Coelho, entre

outros, além  d e  trabalhos relacionados  com as  novas tendências  da

epistemologia crítica.

Devo ressaltar, ainda,

  q u e

  trabalhando

  e

  discutindo Kelsen

  há

quinze anos, incorporei análise  d e outros autores,  q u e redefinidos por

m eu pensamento, subjazem e m minha crítica d a obra kelseniana.  Con-

tudo,  não creio haver interesse  em discriminá-los aqui.

Importa afinal indicar nestas considerações introdutórias,

  a

 opção

feita

  co m

  relação

  à

  Semiologia, onde

  as

  propostas categoriais

  de

Saussure,

  as

  recomendações desmitiflcadoras

  de

 Roland Barthes

  e as

idéias  de  Viehweg sobre  o  caráter tópico-retórico  dos  raciocínios jurí-

dicos, servem

  d e

  marco teórico

  de

 referência para

  meu

  trabalho.

Considerando  o  marco teórico descrito, deveria  eu  escolher  um

campo temático  d a  Teoria Pura  d o  Direito  que  servisse  de  elemento

gerador

  a

  toda

  a

 problemática

  a ser

 desenvolvida.

  O

 princípio

 âa

 pureza

metodológica pareceu-me

  um

  tema

  que

  satisfaz tais exigências

  e e a

partir dele  q u e  busco fazer  a  desconstrução metodológica proposta.

4

Page 25: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 25/133

N o  decorrer  d o  trabalho, este princípio  é  visto como  um a  ampla

formulação

  d a s

  condições

  de

  significação normativa

  na

  perspectiva

d o positivismo lógico). Sobre  as conseqüências ideológicas desta  pro-

posta centrarei  m eu  discurso crítico.

Creio, ainda,

  na

  necessidade

  de uma

  última advertência: tentei,

tanto quanto possível,  n ão recorrer  a conceitos externos  à Teoria Pura

d o  Direito;  n o  entanto,  o  leitor encontrará,  em  várias passagens  do

trabalho,  os  argumentos kelseníanos, apresentados através  de  catego-

rias derivadas d o s  rumos atuais d a Epistemologia e d a  Semiologia. Isto

se

 deve

  a

 dois motivos: primeiro,

 à

 necessidade

 de

 explicar

 e, às

 vezes,

aclarar

  a

  teoria kelseniana

  a

 partir

  d o s

  recursos teóricos

  de que

  atual-

mente dispomos;  à  necessidade  d e  estruturar  um a  linha  d e  raciocínio

q u e

 permita tornar manifesto

 o

 sistema

 d e

 conotações latentes

 na

 Teoria

Pura d o  Direito. Creio q u e apenas desta forma é viável a construção do

obje to temático sobre o qual possa intervir um a teoria crítica d o Direito.

Certamente,  h á  formas mais extensas  e  exaustivas  de  apresentar

u m

  trabalho. Contudo, prefiro admitir

  com

  Donzelot

  que  uma

  intro-

dução  não  pode  se r  mais  do que a  amostra  de um  conjunto  de

impressões  de  base.

NOTAS

1)  Paralelamente  à  realização deste trabalho, encontro-me orientando,  n o  mestrado  em

Direito  d a Universidade Federal  d e Santa Catarina,  u m a pesquisa sobre  a Semiologia

d o

  Poder,

  que me t em

  fornecido importantes subsídios para

  a

  elaboração deste

  tra-

balho.

  O

  termo sociologia

  d o

  poder

  d o

  conhecimento pode

  se r

  interpretado como

express ão sinônima  da  semiologia  d o  poder.

2)  Estas duas direções foram apontadas  p o r  Michel  van de  Kerchove  em seu  trabalho

*'Possibilite

  e t

  Limites d'une scier.ce

  d u

  droit .

  in :

  Revue Interdisciplinaire

d etudes juridiqves, 1978/1.

  Neste mesmo texto  o  autor, citando Bachelard,  faz

referência  ã oposição ciência  de  fatos/técnica  de  efeitos,  p. 5.

3) Ver a  respeito  o  trabalho  de  Michel Vanderjor, anteriormente citado,  p. 16.

4)  Marilena Chauí. Crítica  e Ideologia.  Cadernos SEAF,

  I, 1):

  17, A go , 1978.

5)  Sobre  a s possibilidades  e limites  de um  contra-discurso  é importante assinalar  que ele

Será eficiente  que nã o  reproduz, mediante  u m  simples deslocamento  à cadeia cono-

tativa),  na medida  em que é construído atendendo  às exigências  de uma problemática

diferente.

6 ) Na  verdade,  a  teoria crítica  d a s  ciências sociais deve  te r  como  um de seus principais

objetivos  a ampla discussão  d a noção  de objetividade. Esta análise indubitavelmente

redefine

 as

  relações entre ciência

  e

  ideologia, mostrando

  que , em

 muitos aspectos,

  os

discur sos tradi cionalmen te identificados como ideológicos  ou científicos apelam para

u m a

  mesma noção

  d e

 objetividade.

2 5

Page 26: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 26/133

NOTA COMPLEMENTAR  À  INTRODUÇÃO

(a )

  Interessa-me discutir

  a s

  interpretações institucionais

  d o s

  textos kelsenianos. princi-

palmente

  a s

  leituras realizadas

  n a s

  Universidades Latino-Americanas.

Vamos admitir  q u e  toda leitura institucional  de um  texto recria  e se  apropria  d o

pensamento

  q u e

  supõe in terpret ar fielmente.

  A

  apropriação institucional

  d o s

  signi-

ficados

  de um

  texto produz

  um a

  série

  d e

 discursos ajustados

  à

 ordem,

  às

  relações

  de

poder

  e aos

  interesses políticos

  e

  burocráticos

  da

  instituição. Enfim, trata-se

  de uma

atividade

  d e

  intermediação discursiva,

  q u e

  recupera ideologicamente

  o s

  textos inter-

pretados, enquadrando-os

  a

  crenças teóricas

  e à s

  práticas políticas legitimadas pela

instituição.  A instituição  é ,  assim,  um  interlocutor repressivo  c o m  relação  a o s  textos

nela analisados.

AS leituras institucionais redefinem sempre  a s  significações textuais, pro vocando

diversos efeitos

  d e

  sentido,

  a

  partir

  de um

  jogo argumentativo

  q u e

  provoca

  a

  expro-

priação significativa.

N a s

  Universidades,

  o s

  argumentos expropriadopes apóiam-se

  n o

 saber academi-

camente legitimado e nas leis epistemológicas que o  governam. Assim, a Universida de

desempenha  seu  papel  de  marco institucional  de  apropriação  de  pensamentos  e

saberes,

  a

 partir

  de

  certas crenças epistemológicas,

  q u e .

  como lugares comuns geral-

mente aceitos, operam como  a lei de  produção  e  expropriação  d o s  saberes  que a

instituição

  nos

  apresenta.

Desta forma,

  o s

  testos expropriados pela instituição universitária roubam âmbi-

tos de

  significações

 e

 reconduzem direção

 de

 sentido,

 a

 partir

 d e u m a

 invocação episte-

mológica,

  q u e .

  cancelando

  os

 efeitos

 d e

  poder

  d o s

  discursos acadêmicos, obtém

  um a

aparência  d e  substancialidade insuspeita para  o s  diversos  e  sucessivos fragmentos

significativos

  q u e

  constitui

  e

  legitima.

N o

 caso

 d a

 expropriação universitária

 d o s

 tex tos kelsenianos, surgem nitidamen-

te

  como pano

  de

  fundo expropriado ',

  o s

  pressupostos epistemológicos

  d o

  Neopo-

sitivismo Lógico.

Neste trabalho,  a  crítica  a o  pensamento kelseniano encontra-se exclusivamente

dirigida

  a o

  discurso universitário sobre Kelsen.

  N ã o m e

  interessou, nesta pesquisa,

 o

confronto  d o  kelseníanismo academicista  com as  interpretações  d e  raízes kantianas,

supostamente mais fiéis.

  O s

  juristas sofrem

  a s

  influências

  de um

  clima universitário:

n ã o

  estudam

  c o m

  Kelsen,

  nem com

  Kant.

Sobre

  os

  conceitos

  d e

  argumentos expropriadores,

  ve r

  Rosa Maria Cardoso

  da

Cunha:

  A

  Apropriação Institucional

  d o

  Pensamento Político-Clássico". IUPERJ,

mimeografado.

Recomenda-se. também,

  a

  leitura

  d a

  nota

  b e h

deste trabalho.

2 6

Page 27: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 27/133

CAPÍTULO  I

A

 PUREZA: CONSIDERAÇÕES

PRELIMINARES

1.

  Eis-nosdiantedaTeoriaPuradoDireito(l).

  O

 primeiro problema

co m o

  qual

  n o s

  defrontamos

  é o da

 determinação

  dos

 princípios meto-

dológicos

 q u e

 permitem

  a

 construção

  de um

 objeto teórico, autônomo

 e

sistemático, para

  a

  Ciência Jurídica.

  E ,

  neste sentido, como instância

epistemológica,

  a

 Teoria Pura pretende conhecer

  os

 horizontes proble-

máticos

  e as

  condições

  de

  possibilidade

  d o

  objeto

  do

  conhecimento

jurídico. Fornece-nos, também,

  a

  concepção

  de

 ciência

  a que se

 deve

recorrer para salvaguardar

 a

 produção

 de um

 saber científico dirigido

 a o

Direito. Procura caracterizar

  o

 objeto particular

  da

 Ciência Jurídica

 ou

o

 Direito como objeto

 de um

 saber autônomo, regido

 p o r

 leis

 que lhe são

próprias.

Para Kelsen,  a autonomia  da Ciência Jurídica requer  a sua  liberta-

ção de  todos  os  elementos  que lhe são  estranhos;  a Ciência  do  Direito

deve apenas pretender construir um conhecimento q u e  tente responder

às questões d o q u e é e "como é o Direito, sem procurar explicitá-lo,

transformá-lo, justificá-lo,  nem o  desqualificar  a  partir  de  pontos  d e

vista  que lhe são  alheios. Esta  é a exigência metodológica fundamental

que nos

  define

  o

  sentido

  d a

  idéia

  de

  pureza.

  (2)

Textualmente, Kelsen afirma:

  Quando

  si

  própria

  se

  designa

como  pura

  a

  Teoria

  do

  Direito isto significa

  que el se

  propõe

garantir

  um

  conhecimento apenas dirigido

  o

 Direito

  e

 excluir deste

conhecimento  tudo  quanto  não  pertença  o seu  objeto tudo quanto

se  n ã o

  possa rigorosamente determinar como Direito.

  (3)

Neste contexto

  de

  purificação,

  não

  pertenceriam

  ao

  campo temá-

tico, precisamente determinado como jurídico,

  as

 questões vinculadas

 à

produção  ou  ajuizamento d as  normas jurídicas. Estas constituem  pro-

blemas

 q u e

 devem situar-se

  no

 âmbito

 d a

 Política Jurídica

 (4).

  Porque

 o

tratamento

  d e

  tais questões,

  n o

  interior

  d e u ma

  Ciência objetiva

  d o

2 7

Page 28: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 28/133

Direito,  a qual  se limita a descrever seu objeto, menosprezaria as neces-

sárias frontei ras entre

 a

 ciência

 e a

 política, entre

 a

 ideologia

 e a

 verdade.

Seria incorreto

 n ão

 perceber

 que ,

 quando

 a

 Ciência

 do

 Direito pretende

oferecer

 —

 apelando

 p o r

 exemplo,

 a um

 Direito justo

 —

 elementos para

a  determinação  d o  conteúdo  das normas jurídicas, encontra-se, indire-

tamente, produzindo Direito, indicando como este deve

  ser

  feito.

  Tal

processo

  é

 particularmente visível

  nas

 análises respaldadas

 po r

 doutri-

n as

  metafísicas

  d o

  Direito Natural,

  uma vez que, em

  nome

  de uma

ciência imbricada  com a problemática da justiça,  o Jusnaturalismo  pre-

tende legitimar

  os

  conteúdos

  das

 normas jurídicas.

  A s

 crenças sobre

  a

possibilidade

 d e

 definir

 e

 estabelecer

 um

 Direito justo,

  se bem que

 deci-

sivas para

  a

 Política Jurídica, nada acrescentam

  ao

 ponto

 d e

 vista estri-

tamente científico

  d o

  Direito. Constata-se

  que o

  estabelecimento

  de

padrões

  d e

 valor para

  o

 Direito positivo constitui

 a

 dimensão axiológica

d a

  Política Jurídica.

  5)

Assim, tanto

 o

 problema

 d a

 justiça, enquanto problema valorativo,

como

  a

 questão

  da

 prescrição indireta

 dos

 conteúdos normativos, esca-

p a m a u m a  teoria jurídica exclusivamente preocupada  com a análise do

Direito positivo como

  u m a

  realidade normativa

  6). D aí,

  resulta

  que a

Teoria Pura, despreocupada

  em

  tornar

  a

 Ciência

  do

  Direito

  um a

 arma

poderosa

  a

  serviço

  de

  qualquer interesse político, enfrenta, decidida-

mente,

  o

 Direito Natural, negando-lhe qualquer valor teórico

 na

 produ-

ção do

 campo temático

 d o

 saber jurídico.

 O

 Jusnaturalismo teria, neces-

sariamente,

  um

 papel destacado quando

 nos

 perguntamos como

 o

 Direi-

to

  deve

  ser , ou

  quais

  são os

 conteúdos justos

  q ue

  devemos adjudicar-

lhe. O

  Jusnaturalismo constitui, frente

  a u m a

  ciência normativa

  d o

Direito,

  um a

  doutrina sobre

  a

 ação política

  d o s

 juristas.

E  certo  que a  Ciência Jurídica produz  o seu  objeto.  M a s ,  esta

produção, para

  o

 positivismo jurídico,

  não

 pode ultrapassar

 o

 território

gnoseológico. misturar-se

  com as

  formas

  de

  produção

  e

  aplicação

  do

Direito, realizadas pelos diversos órgãos  co m  autoridade jurídica  7).

T a l

  visão sobre

  a

  produção

  d o

  conhecimento jurídico deriva

  d e

  Kant;

para

  e le ,

  toda ciência constitui

  seu

  objeto,

  ou o

 produz,

  ao

 percebê-lo

como

  u m a

  totalidade significativa.

  N a

  teoria kantiana,

  os

 dados

  a que

um a

  teoria científica

 se

 refere carecem,

  em seu

 momento pré-científico,

d e

  significação.

 É

  mediante

  o

 trabalho

 de

  sistematização

 da

 ciência

 que

eles adquirem sentido; fala-se assim,

 de um a

 significação construída,

 de

u m

 objeto científico produzido.

  8)

2 8

Page 29: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 29/133

N o

  caso

  d a

  Ciência

  do

  Direito,

  as

  normas positivas

  de um

 grupo

apresentam-se

  ao

  olhar

  do

  cientista, como

  um

  conjunto caótico

  que

configura

  o

  Direito pré-científico

  9). Por

  isso,

  a

  Ciência

  do

  Direito

constitui

  seu

 objeto, dotando

 a

 pluralidade caótica

 d e

 normas positivas,

no

  processu

  de sua

  sistematização,

  de uma

  totalidade

  de

  sentido.

  N a

produção

  |de uma

  teoria científica

  do

  Direito, apreendem-se

  os

  dados

jurídicos como

 um

 objeto unitário;

 e

 esta unidade

 de

 sentido transforma

as

  normas jurídicas positivas

  em uma

  ordem jurídica. Neste ponto

convém indicar

 que uma

 Ciência

 do

 Direito,

 em

 sentido estrito, constitui

seu

  objeto externando

  as

  possíveis significações,

  o

 complexo

  de con-

teúdos alternativos

  que

  possa

  ser

  logicamente derivado

  das

  normas

positivas.

  É

  evidente

  que ,

  dentro

  da

  ordem

  de

  idéias

  do

  normativismo

kelseniano.

  a

  Ciência

  d o

  Direito apenas pode levantar

  as

  questões

lógicas

  e

 epistemológicas

  que

  permitam transformar

 o

 Direito Positivo

de um

 grupo

 em um

 sistema unitário,

 um a

 ordern

 sem

 contradições. Esta

tese pareceria indicar

 que ,

 mediante

 a

 interpretação teórica,

 não se

 pode

tomar decisões sobre

  as

 possíveis significações desvendadas; estas

  são

de

  competência

  d o s

  órgãos encarregados

  de

  aplicar

  o

  Direito. Decidir

sobre  os  sentidos  que  devem  ser adjudicados  a uma  norma  é  tarefa da

Política Jurídica. Neste caso, estaríamos frente

  a uma

 atividade simul-

taneamente operativa

  e

  retórica. Tratar-se-ia

  de uma

  interpretação

 que

gira  em  tomo  d o  exercício  e  racionalização  de um  poder autocrático.

Pode-se dizer, pois,

  que. nos

  situamos frente

 a

 discursos legitimadores

de uma

  modalidade

  de

  poder.

  N o

  âmbito desta perspectiva, importa

reiterar

  que as

  interpretações axiológicas,

  as que

  buscam

  a

  determi-

nação

  d o

  Direito justo,

  a

  partir

  das

  doutrinas

  do

  Direito Natural,

  por

apoiarem  as escolhas  de significação para  as normas jurídicas  ou  indu-

zirem

 os

 atos

 de

 legislação , respondem

 às

 intenções legitimadoras

 a que

temos aludido, erigem-se

 em um

 universo tópico-retórico

 que

 justifica

 o

exercício  d a  autoridade jurídica.  A suspeita  que aqui  se pode levantar,

relativamente

 à

 concepção kelseniana, refere-se

 às

 possíveis utilizações

d o

  conhecimento produzido pela Ciência

  do

  Direito, como tópicos

legitimadores

  do

  poder

  dos

  órgãos.

  Ora ,

  apesar

  da

 objeção colocada,

 é

necessário

  te r

  presente

  que a

  tese

  de que o

  saber científico

 não

 condi-

ciona

  a

 escolha

  d a s

 significações produzidas pelos órgãos

 do

 sistema

 de

Direito Positivo, está

  na

 base

  do

 pensamento kelseniano;

  é uma

 condi-

ção do

 sentido

 d o

 próprio princípio

 de

 pureza metodológica.

  A

 especifi-

cidade

 d o

 objeto

 d a

 Ciência

 d o

 Direito exige distanciar

 o s

 enunciados

 d e

Page 30: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 30/133

seu

  discurso, tanto

  d a

 política

  de

 produção

  das

 normas gerais, como

  da

escolha

  das

 significações feitas pelos orgãos judiciais

  e da

 administração

estatal. Assim,

  o

  projeto

  de uma

  Teoria Pura

  dü

  Direito descansa

  em

um a

  distinção maniqueísta entre

  as

 normas jurídicas —gerais

  e

  indivi-

duais

 — que

  prescrevem certas condutas,

  e os

  juízos construídos pela

Ciência

  do

  Direito para descrevê-las.

C o m o

  enfoque purificador, pretende-se

  não

  confundir

  as

  normas

jurídicas,

  com os

  enunciados

  da

  Ciência

  do

  Direito, cujo objeto

  é o

Direito Positivo.

  E ,

  segundo esta idéia, nunca

  se

  poderia atribuir

  à

Ciência

 do

 Direito

 um a

 atividade criadora

 de

 normas.

  As

 proposições

 da

Ciência Jurídica

  não são ,

 para Kelsen, juridicamente obrigatórias. Esta

é uma

  tese correta,

  na

  medida

  em que não

  orientemos

  a

  investigação

para

  a

 busca

  d os

 determinantes sociais

  e

 institucienais

  da

 produção

 dos

conteúdos

  d a s

 normas jurídicas. Certamente este tipo

  de

 análise ficaria

reservado, segundo kelsen,

  a uma

 Sociologia

 do

 Conhecimento Jurídico

e não a uma

  Ciência

  do

  Direito

  em

 sentido estrito. Outra característica

d o

 processo

  de

 purificação

 é que

  este exige

  a

 superação

  de

 todo tipo

  de

;

  sincret ismo metodológico

 (10).

 Assim,

  a

 produção

 de um

 objeto teórico,

apenas orientado

  em

  direção

  ao

 Direito, necessita estritamente distan-

ciar-se

  das

  outras disciplinas

  que

  podem também produzir objetos

  de

conhecimento sobre

  os

  fenômeno? jurídicos como,

  po r

  exemplo,

  da

Sociologia,

  da

  Psicologia,

  da

  Ética

  ou da

  Teoria Política. Contudo,

\

  Kelsen

  não

 pretende negara legitimidade

 de

 todos estes tipos

 d e

 análise,

antes

  se

  propõe

  a

  manter

  a

 Teoria

  do

 Direito dentro

  dos

  limites

  de um

método próprio.

De

  outra parte, quando Kelsen reivindica

  o

  expurgo

  de

  todos

  os

elementos estranhos

  à

  produção

  de um

  objeto teórico exclusivamente

orientado para

  o

  Direito, pensa também

  em

  certas interferências

  sur-

gidas

  no

 interior

  do

 modelo

 de

 Ciência Jurídica, aceito pelo pensamento

jurídico clássico.

  E ,

  neste sentido, indica

  a

  presença

  de

  obstáculos

epistemológicos

  que

  precisam

  ser

  afastados

  no

  processo

  de

  depuração

d o

 campo temático

  da

 Ciência

  do

 Direito. Kelsen percebe

 que o

 modelo

normal parcial, adotado pelas chamadas teorias dogmáticas

  do

 Direito

constrói suas categorias

  e

  exemplos paradigmáticos

  de

  aplicação, utili-

zando

  o

  mesmo núcleo teórico

  que

  regula

  a

 produção

  das

 doutrinas

  do

Direito Natural. Afirma, assim,

  a

 necessidade

 de

 deslocardo paradigma

aceito como normal pelas ciências jurídicas

  —

  principalmente

  do

modelo parcial formado pelas teorias dogmáticas

  do

 Direito

 — as

 cate-

3 0

Page 31: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 31/133

gorias metafísicas,

  os

  conceitos

  que nos

  mostram falsas evocações

referenciais,

 o s

  topoi revestidos

 de

 categorias explicativas,

  as

 classi-

ficações organizadas, retoricameníe, mediante critérios dicotômicos,

  as

noções idealistas

  que nos

 proporcionam

  um a

 visão a-histórica

 dos

 fenô-

menos jurídicos

  e as

  pseudo-explicações

  que

  escondem critérios

  de

justiça. Estaria, pois, Kelsen discutindo, especificamente,

 o

 lugar ideo-

lógico

  e

 político

  da

 própria produção

  do

 conhecimento. Verifica-se facil-

mente

  q u e

 para

  o

 autor,

  o

 modelo

  de

 ciência normal

  que

 descobre como

dominante, encontra-se fundamentado

  em um

  complexo repertório

  de

noções predominantemente retóricas,

  as

  quais

  não

  respondem

  às exi-

gências

  d e

  sistematização,

  e

 condicionam

  os

  raciocínios

  do s

 juristas

  à

aceitação

  de uma

  ideologia funcional ,

  que

  serve como fator

  de nor-

malização

 de

 suas práticas decisórias

  e

 organiza

 o

 consenso

  em

 torno

 de

critérios éticos,

  o s

  quais legitimam

  o

 monopólio

  da

 força outorgada

  ao

Estado.

O

 princípio

  d a

 pureza metódica proporá, portanto,

  o

 deslocamento

d as

 categorias

  e

 exemplos paradigmáticos

 que

 impedem

  a

 concretização

de um

  paradigma

  de

  ciência

  não

 contaminado

  por

  todos

  os

 obstáculos

aludidos. Logo

  nos

  conduz

  a

  outro modelo parcial

  que

  tende

  a

  asse-

melhar-se

  ao das

  ciências empírico-racionais, pelo menos

  no que diz

respeito

  a

  suas pretensões

  de

  rigor lógico

  e

 sistematicidade.

  E

 preciso,

também, esclarecer

  que o

 termo deslocar, geralmente

  é

 empregado

  com

o

 sentido

 de

 transportar-se para onde

 n ão se é

 esperado

 ou ,

 mais radical-

mente, abjurar

 d o

 lugar onde

  se

 estava. Quando usamos este termo

  com

relação

  à

 Teoria Pura, estamos,

  no

 entanto, querendo dizer algo menos

forte, porque,

  no

 pensamento kelseniano,

  o

 deslocamento

  dos

  modelos

parciais (Dogmática Jurídica

 e

 Jusnaturalismo)

 não

 implica

 em

 mudança

d e

  problemática;

  ali, ele não é

 utilizado

  com a

 intenção

  de

 refletir sobre

as

  questões

  que o

 pensamento

  do

  Direito, deliberada

  ou

  inconsciente-

mente, cala.

  (11)

Penso

  p o r

  isso

  que a

 elaboração

  de um

  esquema empírico racional

não nos

  deve iludir sobre

  as

  funções políticas

  e

  ideológicas

  que

  este

modelo desempenha. Parece-me

  que a

  proposta

  d a

  Teoria Pura

  do

Direito, partindo

 do s

 critérios epistemológicos

 do

 positivismo científico

(e, por que não,

  dada

  a

 atmosfera

 da

 época,

  de

 neopositivismo lógico?),

acredita exageradamente

  que o

  ideal

  d as

  ciências sociais

  se

  cumpre

enquanto elas aproximam tanto quanto possível,

  os

 seus resultados

 do

ideal

  d e

  toda ciência: objetividade

  e

 exatidão

(12).

  Esta

  não

 deixa

  de

3 1

Page 32: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 32/133

se r uma

  ilusão perigosa, ilusão

  que

  desloca efetivamente,

  ao

  nível

  de

repulsa total,

  as

  funções sociais

  que

  toda ciência cumpre.

  E ,

  nesta

perspectiva,  as pretensões de purificação ficam bastante enfraquecidas.

N ã o basta deslocar  a questão  d a função social d a ciência para o terreno

d a  Sociologia  d o  Conhecimento Jurídico.  O s  discursos  das  ciências

constituem

  seu

  sentido

  a

 partir

  de um

  campo

  de

  evocações

  —

  surgido

d as

 práticas institucionais

 — q u e ,

 mesmo sendo teoricamente esquecido,

n ã o  deixa  d e funcionar como gramática evocativa. Ignorá-lo  é ter uma

visão extremamente opaca

  d o s

  processos

  de

  significação jurídica.

  Mas

também implica  na  consagração  de um  novo lugar retórico  a  serviço

daquelas funções que  ilusoriamente  se  queria afastar da  construção  do

objeto  d e  conhecimento.

2.

  Temos, pois,

  na

 teoria kelseniana,

 um

 postulado

 de

 pureza meto-

dológica  q u e  constitui,  p o r  definição,  o  ponto  de  partida  e o  princípio

metodológico vertebral d a teoria. Para kelsen, o postulado d e pureza é o

q u e

 fundamenta

  as

 condições

 de

 positividade

 de uma

 Ciência

 d o

 Direito

em

  sentido estrito.

  A

  Teoria Pura

  se nos

  apresenta, assim, como

  u m

programa para

  a

  elaboração

  de um

  saber jurídico autônomo

  e

  auto-

suficiente,  um  conhecimento baseado  em uma  análise metodologica-

mente imanente,

  q u e

  exclui

  a

  referência

  de

  fatores

  e

  saberes extra-

jurídicos.

O  princípio  d a  imanência metodológica,  que a Teoria Pura adota,

conduz

  a uma

  auto-limitação

  d a

  Ciência

  do

  Direito

  que não

  aceitaria

construir  o objeto jurídico fora  de um  sistema  de  relações normativas.

Tal limitação obriga-nos a pensar também — como já foi dito — que um a

Ciência  d o Direito  n ão poderia definir-se como  tal ,  apreender juridica-

mente  seu  objeto, tendo-o como norma jurídica  ou  aonteúdo  de uma

norma jurídica.

E m  resumo,  a estratégia científica a té  aqui delineada, exige  que o

objeto

  d e u m a

  teoria jurídica pura refira-se exclusivamente

  ao

  Direito

positivo  co m  base  em  categorias próprias normativas)  que não  sejam

derivadas

  d e

  outras disciplinas,

  nem se

 encontrem envoltas

  p o r

 juízos

políticos, pretensões ideológicas, obscuridades metafísicas ou pseudo-

categorias descritivas.

Para estabelecer

  um

  conhecimento dirigido

  às

  normas jurídicas,

u m a  teoria jurídica específica e  auto-consciente  de sua especificidade,

Kelsen  n o s  propõe,  a meu ver ,  cinco níveis  de  purificação. Mediante

3 2

Page 33: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 33/133

estes cinco processos

  de

 purificação, obteremos

 um

 conhecimento

 nor-

mativo  d o  Direito,  qu e  exclui  de seu  objeto toda ideologia  e  prática

política, qualquer contribuição proveniente  da  filosofia d a  justiça,  da

moral,  da  religião e , ainda, crenças, princípios e categorias q ue regulam

a constituição  das ciências causais, como também as pseudo-categorias

d o pensamento jurídico-clássico.

A s  razões  q u e  fundamentam esta purificação em cinco níveis  res-

pondem

  a

  diversos critérios metodológicos

  que, por sua vez,

  devem

estar,  a té certo ponto, interrelacionadas. Com a finalidade de apresentar

o fundamento dos níveis d e purificação, d o modo mais simples possível,

ocupar-me-ei  de cada  um deles  nos capítulos seguintes.  N o  restante  do

capítulo, farei algumas considerações sobre a relação da Teoria Pura do

Direito  com a Dogmática Jurídica.

3.  Desde  que a  Teoria Pura  do  Direito limita-se  ao  conhecimento

normativo

  do

 Direito,

  e

 exclui deste conhecimento qualquer contribui-

ção proveniente da filosofia da justiça e das ciências causais  da natureza

e da

 sociedade),

  sua

 orientação

  é

 bastante semelhante

  à

 chamada Ciên-

cia

  Dogmática

  d o

  Direito. Ambas procuram alcançar

  seu

  resultado

exclusivamente através  da análise  das normas jurídico-positivas.

A  Dogmática Jurídica, desde  sua  origem,  fo i  sempre orientada,

ainda  que de  forma obscura, pelo ideal  de  separar  o  trabalho estrita-

mente científico

 d o s

 apelos metafísicos

 e

 axiológicos

 que

 impediam

  sua

plena realização.

Pode-se dizer

  que a

  Teoria Pura

  do

  Direito

  tem

  desenvolvido

  e

aperfeiçoado

  o

  método

  da

  Dogmática Jurídica

  até

  suas últimas conse-

qüências, visando o estabelecimento das categorias e bases metodológi-

cas que

  permitam

  a

  compreensão sistemática

  de

  toda norma jurídica

pré-científica, independentemente das categorias ético-transcendentes,

de  qualquer recurso  a  intuições valorativas  ou  políticas  e a  noções

emprestadas  p o r  outras disciplinas.

A finalidade primordial perseguida po r Kelsen,  nas várias formula-

ções  de sua  teoria,  foi  precisamente  a  elucidação metodológica  do

pensamento dogmático

  d o

  Direito. Trata-se

  de uma

  investigação reali-

zada dentro  d o  campo  da  ciência dogmática, conforme  o  proceder

kantiano,

  de

 tomar

  a

 ciência positiva como ponto inicial

 de

 todo empre-

endimento epistemológico.

O

 interesse cognocitivo

 da

 Teoria Pura

 é ,

 portanto, conduzido pela

idéia  de  evidenciar  as  condições  de  positividade  da  ciência jurídico-

positiva.

3 3

Page 34: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 34/133

Em

  conseqüência

  da

 atitude metodológica

 que

  Kelsen

  nos

 propõe,

o objeto d e conhecimento da Teoria Pura é a própria Dogmática Jurídica.

A epistemologia kelseniana n ão indica a solução de problemas concretos

d o saber jurídico positivo,  mas , apesar disto,  não deixa de ocupar-se da

caótica significação

  de uma

  série

  de

  conceitos usados pelas teorias

dogmáticas, como,  por exemplo,  os conceitos  de pessoa, direito subje-

tivo, sanção, sujeito

  de

  direito. Estes conceitos interessam

  na

  medida

em que ,

  elucidando

  sua

  significação, explicitam teoricamente

  as

 condi-

ções de possibilidade do conhecimento dogmático: trata-se d e conceitos

q u e

  indicam

  os

  elementos constitutivos

  do

 objeto dogmático.

A

  expressa referência

  aos

  conceitos

  da

  teoria jurídica tradicional

aponta

  ao

 desentranhamento

  e

 análise

 do que

 constitui

  a

 forma

 d e

 todo

conhecimento normativo.  E um estudo  que  permite revelar  o esquema

constituinte  do objeto temático  da Dogmática Jurídica.  Se, alguma vez,

a Teoria Pura  d o Direito ocupou-se  das  instituições  do Direito positivo

fo i para considerá-las como possíveis exemplos de estruturas universais,

isto é , apontando diretamente os nexos de sentido e não tendo a intenção

de  trabalhar dogmaticamente sobre  as  mesmas.

Desta forma, segundo a explicação anterior, pode-se situar a Teoria

Pura,  com  algumas reservas, como realizadora  de uma  dupla tarefa:

como dogmática geral  e  como discurso epistemológico constituinte

dessa instância geral  13).  Assim situada,  a  teoria kelseniana  não  pode

ser  confundida  com a Dogmática Jurídica.  M as  esta pretensa distinção

necessita,

  por sua vez, de

  alguns esclarecimentos.

N a  condição  de  epistemologia  do  conhecimento normativo  ou

como dogmática geral,  a  Teoria Pura constitui  um a  proposta reflexiva

q u e  representa  a  culminação  do  pensamento dogmático.  E a  melhor

radiografia interna de seus fantasmas, inconsistências e funções latentes.

Diante disso, constata-se  que só é possível elaborar  um discurso crítico

d a

  Dogmática Jurídica,

  a

  partir

  de uma

  clara compreensão

  d o s

 pressu-

postos metodológicos

  e das

  categorias constituintes

  da

  Teoria Pura

  do

Direito.  Por quê?

A obra de Kelsen veio possibilitar  a compreensão de certos pontos

críticos  no  interior  do paradigma  de  Ciência Jurídica dominante, assim

como

  o

  surgimento

  de uma

  ampla discussão sobre

  as

 funções

 de

  legiti-

mação  do  modelo normal  de Ciência  do  Direito. Certamente  as  signifi-

cações específicas  e  funções sociais  do  conhecimento  da  Dogmática

Jurídica, assim como  sua  própria transformação social  e  prática,

somente serão

  bem

  entendidas

  e

 processadas

  a

 partir

  de

  Kelsen.

3 4

Page 35: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 35/133

4.

  Para conhecer

  e

  explicar

  a

  Dogmática Jurídica, como vimos,

  é

necessário recorrer  a um  estudo crítico  da  Teoria Pura  d o  Direito.  A

conexão  da Dogmática Jurídica  e da  teoria kelseniana  não  resulta sufi-

cientemente clara,

  se não se

 compreende

 o

 lugar

 que uma

 teoria geral

 de

corte formalista ocupa, hoje,  na  produção  do  saber jurídico.  O que

equivale  a  dizer  que, na  atualidade, parece impossível separar  a

Dogmática Jurídica  d as  críticas  e  sistematizações feitas pela teoria

normativista  de  Kelsen.

Contudo,

  a

 gênese

  de um

 saber encontra-se submetida

  a uma lei de

transformação q u e passa  por uma forçosa recuperação  de sua  instância

crítica.  O saber dominante sobrevive, como  tal, na medida  em que pode

recuperar todo

  e

  qualquer discurso crítico elaborado

  a seu

  respeito,

  na

medida em que pode redefini-lo no interior de sua própria problemática.

Desta forma, evita-se  que o  pensamento crítico possa determinar  a

produção  de  outro campo temático, inaugurar  um  espaço teórico  que

fale

 d a s

 funções sociais

 do

 saber dominante

 e

 explicite

  as

 razões

  de seu

silêncio  e de  seus ocultamentos.  O  saber dominante consegue reprodu-

zir-se, como

  tal, se

 consegue recuperar,

  em seu

  interior,

  os

 argumentos

críticos, articulando-os  com  suas propostas metodológicas básicas,  de

forma a poder redefini-lo conforme suas próprias finalidades sociais.  O

saber dominante perdura,  se  consegue ocultar  os  pressupostos  e as

razões epistemológicas do pensamento crítico, substituindo-os por seus

próprios pressupostos

 e

 razões. Chamarei

  a

 esta tarefa

 de

  sobrevivência

d o

  Processo

  de

  Recuperação ideológica,

  b)

Desde logo,  ta l  proposta terminológica  não é  gratuita.  Com ela ,

pretendo indicar,  por um  lado,  que se  trata  de um  processo  de  recupe-

ração realizado a partir da necessidade de atualização de um saber e, por

outro lado, busco assinalar  a função ideológica d as  redefinições episte-

mologicamente processadas. Este último aspecto resulta muito impor-

tante para entender

 q u e

 existem razões extra-lógicas políticas

 e

 ideoló-

gicas) a s quais governam o processo d e reorganização d o conhecimento.

Desta forma, relacionar a epistemologia  com a ideologia e a política é já

u m a

 forma

 de

 argumentar contra

 as

 pretensões

  de

 pureza metodológica

que nao percebem como as tarefas do conhecimento constituem espaços

pol íticos postos a serviço d as necessidades de acomodar as significações

ideológicas  às  transformações  das  condições materiais  da  vida social.

Portanto, convenhamos

  que as

  transformações

  do

  saber dominante

respondem,  em última instância,  à satisfação de certas exigências ideo-

lógicas, sendo  a tarefa epistemológica  o seu  instrumento.

3 5

Page 36: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 36/133

Evidentemente,  a  Dogmática Jurídica  tem  conseguido cumprir  a

tarefa de recuperação ideológica d a teoria kelseniana.  A Teoria Pura  do

Direito deixa assim,  de ser uma  instância crítica  da Dogmática Jurídica

para apresentar-se como  u m a  teoria dogmática atualizada  do  Direito.

Como atualização d a Dogmática Jurídica, a teoria kelseniana passa a ser

0 objeto d e intervenção de uma teoria crítica do Direiro. (c) Diante disto,

convém esclarecer  os  motivos  q ue  levam  a propor  um  reencontro  com

Kelsen.  E  preciso reler Kelsen.  não só  realizando  um  esforço para

atualizar  a Dogmática Jurídica,  m as também buscando  os iimites claros

d o

  objeto

  d e u ma

  teoria crítica

  d o

  Direito. Infere-se

  dai. que

  para

  o

processo  de  constituição deste novo objeto teórico precisa-se  de um

estudo d a teoria kelseniana que a supere  em seu apelo ao empirismo,  em

suas conotações idealistas

  e em

  suas pretensões

  de

  egocentrismo

teórico.

NOTAS

(II A teor ia jurídi ca  d e Kelsen começa  a ser por e le desenvolvida,  em 1911, com o trabalho

conhecido  c o m o  nome  d e  Hauptprobleme .  A obra central  q u e  domina todo  o seu

pensamento  é a Teoria Pura  d o  Direito, cuja  1" edição data  de 1934 e que  contou  c o m

u m a 2 ?

 edição, ampliada

  e

 reformada,

  em 1960. É

  preciso destacar

  q u e

  diversas gera-

ções contribuíram para  a  reelaboração  e  divulgação  d a  teoria. Entre  o s  nomes mais

des tacados  q u e  vincularam  s u a produção teórica  a o s  postulados  d a  teoria kelseniana,

menc iona rei: Fra nz Weyr, Leoni das Pitamac. Felix Kau fma nn, Josef  L .  Kunz, Josef

Dobrestesberger, Ambrosio  L .  Gioja, Roberto  J .  Vernengo.  S ã o nomes pelos quais  se

admite falar e m u m a  verdadeira escola  d o pensamento.  A  teoria kelseniana  te m  rece-

bido,  a o  longo  d o  tempo, diversas denominações: Teoria Pura  d o  Direito, Escola

Vienense  d a Teoria  d o Direito. Positivismo Jurídico, Escola Forma lista, Nomativismo

Jurídico.

  N o

  decorrer deste trabalho, empregaremos indistintamente todas estas

  d e -

nominações.

(2) A  idéia  d e  pureza está filiada  a  Kant .  m a s é  reformulada  p o r  Kelsen  a  partir  d o

positivismo científico. Este princípio  d a  pureza  é o que vai  proporcionar,  na  teoria

kelseniana.  a s  condições  d e u m a  ciência jurídica  em  sentido estrito. Tais iniciativas

trazem consigo  a necessidade  d e fo rmular princípios metodológicos  q u e fundame ntem

a  dogmática jurídica.  É  neste sentido  q u e  Kelsen considera  que o  método deve  ser

previamente estabelecido,  c o m u m a  perspectiva crítica anterior  à dogmática jurídica,

o q u e  conduzirá  à elaboração  de um  conhecimento científico purificado. O  propósito

d o  método purificador  é o de  examinar  a s  possibilidades  e  limites  d o  conhecimento

jurídico

  e d e

 estabelecer

  a s

 condições pelas quais

  é

 possível formular proposições

  que

possuam caráter cognoscitivo para  u m a  ciência  d o  Direito  em  sentido estrito.

(? )  Teoria Pura  d o  Direito.  2?  edição,  p. 17.  Adiante  n o s  referiremos  a ela  como  T P D .

2' ed.

3 6

Page 37: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 37/133

(4) A política jurídica,  n o s  textos kelsenianos,  n ã o deve  se r confundida com a teoria políti-

ca . A política jurídica  f a z referência, principalmente,  à s estratégias empregadas pelos

órgãos  c o m  autoridade jurídica, para  a  produção  d o  conteúdo  d o  Direito positivo,

assim como

  a o s

  padrões axiológicos, mediante

  os

  quais

  se

  legitimam

  o s

  conteúdos

adjudicados. Esta  é u m a  proposta  d e  definição qu e  construí  com a leitura implícita  dos

textos kelsenianos, pois trata-se  de um  conceito empregado  p o r  Kelsen  sem definição

expressa.

(5 )  Segundo  m e u  ponto  d e  vista, pode. também,  se r  vista como instância ideológica  d a

estrutura  d e  poder.

(6 )  Efetivamente, como conseqüência  d o  princípio  d a  pureza metodológica,  o  objeto  d a

Dogmática Jurídica fica circunscrito  a u m a  análise  d o  Direito positivo  em  termos

estritamente normativos.  E a  Teoria Pura  d o  Direito constitui  u m a  teoria geral  d a

dogmática jurídica  q u e  propõe descrever  a s  categorias  e  condições  q u e  permitam  a

produção  de um  conhecimento dogmático  d o  Direito  em  sentido estrito.

(7 )  Para Kelsen,  u m  órgão  t e m  autoridade jurídica, quando  u m a  norma superior  d o

sistema  d e  Direito positivo  lhe  delega competência para  a  produção  d e  normas infe-

riores.

(8) O  método transcendental  é ,  para Kant, (reformado pelo neokantismo)  u m a  atividade

criadora  q u e  constitui  o objeto, porquanto  s u a  unidade (determinada pelas categorias

d o  pensamento) funda  o  conhecimento  e ,  portanto,  o  objeto. Assim,  n ã o  existiria

objeto  d e  conhecimento  q u e n ã o  fosse objeto construído conceitualmente pelo enten-

dimento.  A  metodologia adquire  u m a  importância definitiva,  já que o  método cria  e

determina  o objeto . Estas reflexões s ã o muito importantes para compr eende r a funçã o

d a

  norma fundamental gnoseológica, proposta

  p o r

  Kelsen.

  V e r

  capítulos

  II e IV.

(9 )  Con form e Ambrosio  L .  Giojas, Idéias para  u m a  Filosofia  d o  Direito,  p. 112.

(10) Ver a  respeito  o  capítulo  I I ,  deste trabalho.

(11) Na  introdução  à 1? edição  d a  Teoria Pura, Kelsen afirma  que sua doutrina po de  ser

entendida como

  u m

  desenvolvimento

  ou

  desimplicação

  d e

  pontos

  d e

  vista

  que já se

anunciavam  n a  ciência jurídica  d o  século  X I X " .

(12)  Prefácio  à 1? edição  d a  Teoria Pura  d o  Direito,  p. 7.  Adiante  T P , 1? ed .

(13) Por  certo, esta dupla funcionalidade  q u e  estou atribuindo  à  Teoria Pura  d o  Direito

pretende refletir sobre alguns pontos  d e  vista  e  caminhos metodológicos desenvol-

vidos

  p o r

  Kelsen

  n o s

  trabalhos posteriores

  a 1941.

  Anteriormente

  a

  esta data,

  ba -

seando-se  em  Kant,  a teoria kelseniana preocu pava-se, antes de rhais nada,  em formu-

l a r " o s  resultados particularmente característicos  d e u m a  teoria pura  d o  direito ,

enq uant o investigação transcendental d o jurídico , isto é , a preocupação d e Kelsen  era

refletir sobre  a  metodologia constitutiva  d o  objeto  d o  conhecimento jurídico. Assim

como Kant, procurou investigar  as condições  d e possibilidades formais , categorias d o

conhecimento (aquelas condições mediante  a s  quais  se  constitui  o objeto  d a  ciência

prestando-lhe  su a  unidade).

O

  estudo particular

  d o s

  ordenamentos jurídicos concretos ficou reservado,

  no pen-

samento kelseniano,

  à

  Dogmática Jurídica. Nesta fase

  d o

  pensamento kelseniano.

nota-se  u m a  preocupação  e m  indicar  o  aspecto  " a  priori e  formal, como possibi-

lidade  e  pressuposto  d o  conhecimento jurídico.

O

  caminho aberto pelos trabalhos posteriores

  a 1941

  tentam integrar

  os

  termos

3 7

Page 38: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 38/133

  gera l e  p u r o ,  já não  visando  o estabelecimento  d e  critérios  d e  validade univer-

sa l , mas

  procurando resolver

  o s

  problemas essenciais

  de

  urna teoria geral

  d o

  direi-

t o ,

  segundo

  o s

  princípios

  d a

  pureza metodológica. Isto

  o

  leva

  a

  propor

  um

  estudo

comparativo  d o s  diversos ordenamentos jurídicos,  n a  busca  d e u m a  estrutura  de

categorias básicas

  d o

  esquema organizador daqueles conceitos

  q u e

  servirão como

condicionantes  d o s  diversos discursos  d a dogmática jurídica.

Como

  se

  sabe,

  as

  diferentes especialidades

  d a

  dogmática jurídica empregam

  u m a

série  d e  conceitos  q u e  constituem  a base teórica para  a construção  d e suas diferentes

linhas

  d e

  raciocínio. Noções como sanção, direito subjetivo, órgão, pessoa, respon-

sabilidade

  sã o

  necessariamente empregadas

  n a s

  explicações desenvolvidas pelas

diferentes disciplinas dogmáticas.

  O

  caráter básico destes conceitos funda-se. para

Kelsen,

  no

  fato

  d e q u e

  eles constituem rasgos

  ou

  elementos presentes

  em

  todas

  as

variadas formas

  d e

  aparecimento histórico

  d as

  ordens jurídicas.

  A

  análise

  d o

  signi-

ficado normativo destes conceitos constituem,

  na

  última versão

  da

  Teoria Pura

  d o

Direito,  a  função  d e u m a  teoria geral  do  direito.

Evidentemente, para

  a

 construção

  d o

  esquema

  de

  conceitos básicos, necessita-se

  de

u m a

  discussão metodológica prévia

  q u e

  permita determinar

  o

  método

  de sua

  cons-

tituição

  e a

  forma como devem

  se r

  posteriormente utilizadas pela dogmática.

Como inventário  d a s  categorias normativas gerais,  a  Teoria Pura erige-se  em uma

dogmática geral.

  N a

  medida

  que nos

  propõe

  u m a

  discussão sobre

  os

  métodos

  de

produção destas categorias gerais,  a  Teoria Pura deve  se r  vista como  u m a  instância

epistemológica

  d o

  Direito.

NOTAS COMPLEMENTARES

  AO

  CAPÍTULO

  I

(b )  Entendo  p o r  recuperação ideológica,  em  sentido lato,  o s  mecanismos  d e  argumenta-

ç ã o p o r

  meio

  d o s

 quais

  s ã o

  redefinidos

 p s

 sentidos críticos, para readaptá-los

  à

 funçã o

d e

  representação ideológica

  d o s

  discursos tradicionais.

D e  certa fornia, podemos dizer  que o  processo institucional  de  recuperação

ideológica

  d o s

  discursos críticos (realizado principalmente

  n as

  escolas

  de

  direito)

pode  se r  determinado  p o r  várias causas, entre  as  quais:

1) as

  atividades pseudo-críticas.

  q u e

 utilizam

  a

 expressão crít ica

em

 certos desen-

volvimentos teóricos, apoiados

  n a s

  regras

  d a

  racionalidade positivista. Como

resultado desta positivação,

  o

  discurso crítico torna-se

  um

  discurso

  tão

  incon-

sistente.

  q u e

  termina

  p o r

  consolidar todos

  o s

  efeitos ideológicos

  e

  políticos

  d o

saber jurídico dominante.

3 8

Page 39: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 39/133

2) O

  temor

  a o

  censor, derivado

  d a

  própria estratégia

  d e

  inserção

  d o s

  discursos

críticos  n a s  Universidades,  q u e  para  n ã o  correr  o  risco  de ser  marginalizado,

necessita fragmentar-se, encobrir-se, auto-desarticular-se, explicar-se através  d e

indícios evocativos. Esta tendência gera  a  auto-recuperação ideológica.

3) Os

  controles burocráticos,

  q u e

  impõem como

  u m a d a s

  regras

  d e

  legitimação

  ins-

titucional, critérios hierárquicos

  q u e

  condicionam

  e

  limitam

  n ã o

  apenas

  o

  saber

domináhte,

  m a s

  também

  o

  modo

  d e

  realização

  d a

  crítica institucional, impondo,

assim, restrições burocráticas  à  coerência conceituai  d o s  discursos críticos.

V e r

  ainda

  a

  este respeito

  a

  nota

  h ,

  deste trabalho.

(c )  Falar  d e u m a  teoria crítica  d o  direito  é  tentar abranger,  sob um  mesmo rótulo,  um

espaço teórico bastante fragmentado, produzido  a  partir  d e  diferentes perspectivas

metodológicas  e  norteado  p o r  objetivos relativamente compatíveis.

U m

  mínimo denominador comum

  d a s

  diferentes abordagens criticas sobre

  o

direito pode  s e r  apresentado  n o s  seguintes itens:

1)  Diagnosticar  o s  efeitos sociais  d e u m a  concepção nofmativista  e egocêntrica  d o

direito, mostrando  o  poder  d o s  discursos organizados  a  partir  d e  condições  i m a -

nentes

  d e

  significação. Assim, tentar-se-ia indicar como, através

  d a s

  doutrinas

jurídicas egocêntricas,  se  encobrem  e reasseguram  as  funçõe s sociais  d o direito  e

d o

  Estado.

2)  Mostrar  o s  mecanismos discursivos  a  partir  d o s  quais  a cultura jurídica con verte-

se em um

  conjunto fetichizado

  d e

  discursos.

3)

  Denunciar como

  as

  funções políticas

  e

  ideológicas

  d a s

  concepções normativistas

d o  direito  e d o  Estado encontram-se apoiadas  na  falaciosa separação  d o  direito  e

d a política  e n a  tópica idéia  d a  primazia  da lei como garantia  d o s  indivíduos. Desta

forma, a  teoria crítica  d o direito proporia  u m a  inversão d a  razão jurídica dominan-

te (que

  postula

  u m a

  análise juridicista

  d a

  política

  e d o

  Estado), para situar-nos

substitutivamente  : diante  d e u m a análise  q u e  pretende refletir sobre  as  dimensões

políticas  d o direito. Trata-se, assim,  d e u m a  reflexão q u e tenta  n ã o esquecer  que o

jurídico é político e qu e a política contém  um viés jurídico. Ignorá-lo é . sem  dúvida,

u m  recurso ideológico para separar  o  Estado político  d a  sociedade civil.

4)

  Rever

  a s

  bases epistemológicas

  q u e

  comandam

  a

 produção tradicional

  d a

  ciência

d o

 direito, demonstr ando como

 a s

 crenças teóricas

 d o s

 juristas

  em

 torno

 d a

 proble-

mática  d a  verdade  e d a  objetividade, cumprem  u m a  função d e  legitimação epistê-

mica, através  d a  qual pretende-se desvirtuar  os conflitos sociais, apresen tando -os

como relações individuais harmonizáveis pelo direito.

5)

  Superar

  o s

  bizantinos debates

  que nos

  mostram

  o

  direito

  a

  partir

  d e u m a

  pers-

pectiva abstrata, farçando-nos

  a

  vê-lo como

  um

  saber eminentemente técnico,

destinado  à conciliação  d e  interesses individuais,  à preservação  e à administração

d e  interesses

 v

gerais  e à  aplicação  d e  sanções inspiradas  e  indiretamente tuteladas

pela moral. Desta forma,

  a

  teoria crítica tenta recolocar

  o

  direito

  n o

  conjunto

  das

práticas sociais  que o determinam  e , assim, designá-lo como  um lugar particular d o

Estado  n a  sociedade; como  u m a d a s  formas pelas quais  o  Estado realiza  o seu

projeto político.

  O u

  seja,

  o

  discurso critico sobre

  o

  direito, cent ran do principal-

3 9

Page 40: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 40/133

mente  s u a  análise  n a  instância cognitiva tenta mostrar n ^  totalidade  d a s  condi-

ções sociais a  incidência d a form a jurídica n a produção  de um afo rma ção social.  O

saber critico sobre

  o

  direito implica

  n a

  tentativa

  d e

  construção

  d e u m a

  teoria

  das

relações

  e d a s

  formas jurídicas. Enfim tenta refletir sobre

  a s

  condições para

  u m a

nova articulação entre

  a

  técnica jurídica

  e a

  prática política.

4 0

Page 41: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 41/133

CAPÍTULO 

A

 Purificação Política

  e

 Ideológica

1. A

  partir

  d o s

  textos kelsenianos podemos enunciar para

  o pro-

cesso

  de

  purificação política

  e

  ideológica

o

 seguinte critério

  de

  signifi-

cação:  É  necessário distanciar  os  saberes específicos  do  Direito  das

concepções jurídicas tradicionais preocupadas  em  sustentar alguma

ideologia social

em

  implementar certos interesses

e

  ainda envolta

  em

raciocínios  de política jurídica  ou especulações endereçadas  à formula-

ção do  Direito.  1)

Kelsen considera conveniente para  a  reformulação do paradigma

d e  Ciência Jurídica —  apontando  em  especial  o  modelo  da  Dogmática

Jurídica

  —

  estabelecer

  u m a

  severa distinção entre

  o

  conhecimento

jurídico

  e a

  política.

  N o

  normativismo

a

  separação

  d o

  conhecimento

jurídico  d a  política  é o que  permitirá excluir  do  objeto teórico tudo

aquilo  que se  refere  às  valorações construídas ideologicamente.  É

necessário evitar também

a

 presença

 de

 fatores

 q ue

 coloquem

  a

 Ciên-

cia do

  Direito

  a

  serviço

  de

  interesses políticos econômicos

  ou

  sociais.

Assim esta ciência  não  deve tentar substituir  os  órgãos investidos  de

autoridade jurídica sugerindo caminhos prescritivos ou valorando os já

percorridos; tampouco deve aspirar

  a

 discutir

 os

 problemas próprios

 de

u m a

 teoria política

  ou da

  ética. Seria pois errôneo supor

 que a

 Ciência

do Direito poderia n o s ensinar a resolver os conflitos sociais ou a instru-

mentalizar certos interesses porque  um  saber estrito sobre  o  Direito

não é

  teoria política

nem

  política

  do

  Direito. Antes

ele

  seria

  uma

doutrina dirigida

  à

  análise estrutural

  d o

  Direito positivo

e não uma

explicação política  ou  econômica  de suas determinações.

O   objeto específico  da  Ciência Jurídica de que  fala Kelsen é o

Direito real

 ou

 positivo

em

 oposição

 a um

 Direito ideal meta

 d a

 política.

A

 Teoria Pura

  do

 Direito

  não

 considera

  seu

 objeto como

 um a

 cópia fiel

de alguma idéia de justiça. N ã o pretende tampouco manifestar-se contra

ou a favor dos qu e detém  o poder; nasceu de uma  intolerância presente

na epistemologia positivista frente a esse misto de má-fé metodológica e

4 1

Page 42: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 42/133

b o a

  consciência,

  que

  caracteriza

  o

  pensamento científico médio

  dos

juristas, pensamento

  que

 parafraseando Barthes, pode

  ser

 chamado

 de

um a

  linguagem técnica trabalhada pelo poder.

  E m

  resumo,

  a

  Ciência

Jurídica, conforme

  os

  textos kelsenianos, quer conhecer

  o seu

  objeto,

descobri-lo

  tal

  como

  é, sem

  tentar responder

  às

  interrogações sobre

como deve

  ser o

  Direito

  ou a

  questões sobre

  sua

  formação. Precisa-

mente,

  a

 Teoria Pura

 d o

 Direito pretende

  nos

 revelar

  os

 caminhos para

u m a

 autêntica Ciência

  d o

 Direito,

  em

  virtude

  de seu

  caráter anti-ideo-

lógico. Desta forma,

 a

 doutrina

 do

 positivismo jurídico procura

 a

 elimi-

nação

  d os

 componentes ideológicos

  do

 conhecimento jurídico.

  A

 ciên-

cia

 como conhecimento,

  diz

 Kelsen,fem sempre

  a

 tendência imanente

de pôr seu  objeto  a descoberto.  Mas a ideologia veda  a realidade,  ora

transfigurando-a,  a fim de conservá-la  ou defendê-la,  ora desfiguran-

do-a a fim d e

 atacá-la, destruí-la

  ou

 substituí-la

  por

  outra realidade.

Toda ideologia política  tem  suas raízes  na  vontade,  não no  conheci-

mento;  no  elemçnto emocional  de  nossa consciência,  não no ele-

mento racional. Surge  de  certos interesses,  ou melhor,  de interesses

distintos  do  interesse pela verdade. Naturalmente  que  esta obser-

vação  não  implica  em um  juízo  de  valor sobre  os  interesses.  Não

existe  a  possibilidade  de  adotar  uma  decisão racional relativa  a

valores opostos. Êprecisamente desta situação  que  surge  um  confli-

to

  realmente trágico:

  o

  conflito entre

  a

  verdade, como princípio

fundamental

  da

 ciência,

  e a

 justiça, como supremo desideratum

da

política.

  2)

N ã o

 realizarei, neste parágrafo, maiores comentários sobre

 o

 texto

transcrito. Antes, tentarei fazer

 um

 enquadramento geral

 e

 esquemático

d as

  grandes idéias

  que

  fundamentam

  a

  proposta kelseniana relativa-

mente

 à

 depuração política

 e

 ideológica

 d o

 objeto temático

 d a

 Ciência

 do

Direito.

  E ,

 para isso, precisa-se

 te r

 presente três tipos

 de

 considerações:

1?) que a

 depuração política proposta

  por

 Kelsen

  se

 desenvolve

 a

 partir

de um

 conceito impreciso

 e

 ambíguo

 d a

 política,

 d e

 modo

 que em

 algumas

passagens  de sua obra parece falar-nos de uma prática política específica

que tem

 como objeto

 o

 poder

 d o

  Estado;

  em

 outros momentos, Kelsen

parece desviar

 o

 sentido

 d o

 termo, mencionando

 o

 poder institucionali-

zado

  d o

  Estado

 > —

 referindo-se, especificamente,

 à

 autoridade jurídica;

às

  vezes, também, utiliza

  um uso

  próximo

  ao

  pensamento político-

clássico, onde o poder é apresentado molecularmente, fragmentado nos

mais finos mecanismos

  do

 espaço social

  e

 definido como

  a

 capacidade

4 2

Page 43: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 43/133

d e

 impor interesses.

 P or

 outro lado,

  são

 problemáticas

 as

 fronteiras

 que

se abrem entre  a prática política,  em sentido geral,  e a Política Jurídica

vista como u m a atividade produtora d e normas gerais e individuais  3).

Frente

  a

 este panorama ambíguo

 de

 sentidos, penso

 que

  Kelsen,

  com a

su a

  divisão,

  n ão

  pretende mais

  que

  distinguir

  a

  atividade criadora

  de

normas

  e as

  próprias normas)

  dos

  desejos

  e

  interesses

  d os

 indivíduos

relativamente

  à

 formação

 do

 Direito. Expressa

  ele,

 assim,

  u m a

 idéia

 da

Política vinculada

 às

 fontes produtoras

 de

 normas. Desta forma silencia

quanto

 a

 aspectos importantes

 d o

 dualismo Política-Direito

  c) e

 sobre

 o

papel

  q u e

 ambos

  os

 domínios cumprem como fatores co-determinantes

d a

 organização

 d a

 sociedade.

 O que

 procuro observar

 é que

 Kelsen nada

explica

  com

  referência

  ao

  papel político

  que o

 Direito desempenha

  na

sociedade. Certamente  se  pode contra-argumentar  q u e ,  segundo  os

objetivos

  d a

  pureza metodológica estes temas devem

  ser

  necessaria-

mente suprimidos

  da

  Ciência Jurídica

  e

  estudados

  em

  outros lugares

disciplinares. Embora

  a

  réplica seja correta, coloca-nos

  d e

  qualquer

modo diante

  d e u ma

 definição insuficiente

 d a

 Política

  que, por sua vez,

não

 poderia deixar

 de

 considerar

 os

 órgãos jurídicos como parte

  de uma

estrutura política,

  com

 funções muito mais extensas

  que as de

  legislar.

2?)

 Verificamos,

 em

 Kelsen,

  u m a

 visão idealista

  a

  arte

  d e

  governar ,

para

  e le , é uma

  atividade dirigida

  a

  valores.

  O

  autor insiste também,

como vimos,

  n a

  idéia

  de que a

 finalidade última

  da

  política

  é a

 justiça,

supremo desideratum

  d a

  política

4). É

  precisamente esta vocação

idealista

 q u e

 permite compreender melhor

  as

 lacunas

  de sua

 concepção

d e

 política. Naturalmente

  se a

 política

 é a

 realização

 da

 justiça,

  não tem

nenhum sentido discutir

  as

  funções

  de

  dominação

  que as

  estruturas

políticas desempenham. Esse constrangimento sobre  u m a  ampla  pro-

blemática  d o poder, leva Kelsen  a falar da política como  u m a  atividade

valorativa permeada

 p o r

 fins transcendentes

 e que

 aspira,

 sem

 malícia,

 à

construção

  de um

  Direito ideal.

  5)

39)

 Kelsen apóia-se

  em u ma

 determinada concepção

 de

 ideologia,

 qu e a

  como teoria

  d o

  erro, ligada

  aos

  elementos emocionais

  de

  nossa

consciência

  e que

  expressa,

  p o r

  outro lado,

  u m a

  idéia

  d e

  vontade

bastante difusa.

 ,A

 noção

 de

  ideologia, utilizada

 p o r

 Kelsen,

  tem o

 vício

d e

  esquecer

  su a

  inscrição material

  nas

  relações sociais.

  D e

  qualquer

modo,

 é

 importante advertir

 que o

 lugar

 d a

 Política

 na

 ciência,

 não

 deixa

de ser ,

 principalmente,

  um

 lugar ideológico.

  O

 poder

  na

 ciência revela-

se

  sempre como

  u m a

  luta ideológica pelas significações.

 E a

 epistemo-

4 3

Page 44: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 44/133

logia pode falar apropriadamente

  do

 poder, apresentando-o como

  um a

condição  de  sentido  das  proposições científicas  (6). Por  isso,  a Teoria

Pura, como

  u m a

 epistemologia

 da

 Ciência Jurídica, legitimamente,

 pre-

tende falar  do poder como ideologia; inadequadamente, contudo,  por-

que ao

  invés

  de

 analisar

 os

 efeitos significativos

 d o

 poder

  nos

 discursos

d a

  Ciência Jurídica, pretende suprimi-los como

  u m a

  condição

  de sua

significação. Apresso-me

  e m

 determinar

 q ue

 todas estas considerações

devem  ser  entendidas como conjecturas, dado  o  caráter incidental,

genérico  e  pouco rigoroso  com que é trabalhada  a noção  de política  na

Teoria Pura  d o  Direito.  D e  fato, fugindo  à sua  própria sistemática,

Kelsen espera que de nossa doxa jurídica possamos extrair a s evoca-

ções necessárias para intuir  o que se  deve excluir, como obstáculo

político,  no sentido de que o objeto d e conhecimento do Direito alcance

o  limiar  de sua  cientificidade.  (e)

A

 tentativa

  de

 expurgar

  d o

 saber jurídico qualquer forma

 d e

 mani-

festação

  da

 política parece-me

  que

 fica reduzida,

  em

 última instância,

  a

u m a

  questão muito simples;

  a de não

  confundir

  os

  atos

  de

  produção

normativa  e  seus efeitos — as normas jurídicas  — com os  enunciados

que as  descrevem. Produzida esta desordem,  a  linguagem  da  ciência

seria  u m a  legislação, falaria mais  do que o  Direito deve  ser, do que o

Direito realmente

  é .

  Conseqüentemente,

  os

 enunciados

 d a

 Ciência Jurí-

dica perderiam  su a  objetividade e sua  neutralidade e o cientista, indire-

tamente, estaria produzindo normas  de justiça, convertendo-se  em um

representante laico

  d o

  Jusnaturalismo, fazendo

  d a

  neutralidade

  e da

objetividade d a ciência dois estereótipos.  A existência d e valores como

a  objetividade  e a  neutralidade  são fundamentais para  a epistemologia

kelseniana,  que se  recusa  a encará-los apenas como fórmulas de,mitifi-

cação  d o  saber.  M as , a partir desta negativa, Kelsen pretende situar  a

ciência como  um  conjunto  de  enunciados  sem  enunciadores,  em uma

relação fatal

  de

  alienação.

Como  o próprio Kelsen assinala, apresenta-se duvidosa a possibili-

dade

  de se

  precisar

  o

  grau

  em que ,

  efetivamente, ocorre

  a

  separação

entre  o Direito  e a Política.  O autor supõe, ainda,  que o

 ideal

  de um

ciência objetiva  do  Direito  e do  Estado, livre  de  todas  s  ideologias

politicas  tem  maiores probabilidades  de ser aceita  em um  período  de

equilíbrio social ... onde

  a s

  idéias gozam

  de um

estima maior

  que

o  poder (7) . Não  percebo, entretanto,  as  razões  que  sustentam  tal

afirmação,  nem sua  força explicativa  que  levasse Kelsen  a  incluí-la

4 4

Page 45: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 45/133

como argumento d e respaldo à tese do positivismo jurídico. N o entanto,

o

 certo

 é que no

 plano

 d o s e r d a

 Ciência Jurídica

 não

 ocorre

 a

 divisão

idealizada

  por

 Kelsen. Neste ponto,

  a

 teoria kelseniana revela-se como

um

 programa metafísico sobre

  o que a

 Ciência Jurídica deveria

  ser, —

apropriando-nos  da  própria terminologia kelseniana  — u m a  instância

política

  de

 epistemologia jurídica.

Contrariamente  ao que se  poderia depreender  do  discurso episte-

mológico (manifesto) da  Teoria Pura,  ela cumpre  a função d e legitima-

ção do  próprio exercício  do  poder  do  Estado; este seria apresentado

como intrinsecamente  b o m ,  graças  à sua  vinculação  com a  justiça.

Indiretamente, o Direito ficaria, d e igual forma, ideologicamente justifi-

cado, podendo  se r  apresentado como veículo para  o  exercício desse

poder justo.

O

 Direito positivo cumpre funções

 d e

 legitimação,

  não

 como indu-

tor de

 certos efeitos éticos

 —

 característica

  que o

 postulado

  da

 pureza

descarta

  —, mas

  através

  de sua

  sistemática racional,

  que

  serve para

organizar o consenso em torno do monopólio d a força, emprestando-lhe

um  caráter racional.  O  monopólio  da coerção, legitimado pela  lei, sus-

tenta, permanentemente, as técnicas do poder.  Por outro lado, o Direito

positivo, racionalmente concebido,

  é

  condição

  da

  existência

  de um

determinado tipo

  de

  organização

  da

  sociedade.

  O r a ,

  estes dois efeitos

são

 obtidos,

  por sua vez ,

 mediante

  o

 efeito

 de

  racionalidade

  que o

 saber

d a s

 normas lhes empresta.

  O

 saber jurídico deve, assim,

  ser

 visto como

um

  fator co-constituinte

  da

 instância jurídica

  da

  sociedade. Negar-lhe

este papel

  é

  contribuir, precisamente, para

  a

  reprodução deste fator

constituinte.  (8)

O  Direito positivo cumpre  um a  função mítica  em (f)  relação  ao

exercício

 d a

 coação

  por

 parte

 dos

 órgãos

 do

 Estado, pois apresentando-

a

 como resposta ética frente

 a

 comportamentos indesejáveis

 dos

 indiví-

duos, nega aquela coação como componente

  da

  organização

  da

 socie-

dade. Esta função mítica sustenta-se,  de outra parte,  na suposta vincu-

lação d a política com a justiça. C om efeito, mediante ta l aliança retórica,

consegue-se deslocar para  o  próprio exercício  do  poder  os  sentidos

ideológicos  do  Jusnaturalismo. Graças  a  este deslocamento consegue-

se , também, ocultar o papel ideológico que a razão cumpre no interior da

Ciência  d o  Direito.  A  razão axiomática desloca-se  e se  articula  ao

Jusnaturalismo como dimensão ideológica do saber jurídico. U m deslo-

camento necessário para  um a  ciência  que  necessita cumprir  um  papel

4 5

Page 46: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 46/133

político, onde  o  importante  é a  organização desta materialidade insti-

tucional  do  Estado.

2.  Aprofundemos agora a problemática da ideologia, em Kelsen  9).

U m d o s

 legados

 d o

 positivismo,

 ou do

 neopositivismo, aceito

 por

 Kelsen,

corresponde

  à

  profunda repulsa

  a

  todas

  as

  formas

  de

  manifestação

 da

ideologia. Assim, nosso autor  via o  fator ideológico como  um  tipo  de

obstáculo para  a objetividade  do  conhecimento científico.

Kelsen, como vimos, identificava a  ideologia  com a noção  de erro

ou  mentira  ou, de  outro modo, como assinala Carcova  como

  um

desígnio consciente

  do

  indivíduo

  por

  falseara verdade objetiva

com

o

 propósito

  de

  preservar

  um

  certo estado

  de

  coisas

  ou

  substituí-lo

por

  outro;  literalmente Kelsen afirmava: o conhecimento deve tendera

desgarrar

  os

  véus

  com que

vontade envolve

  s

  coisas.

  Ou

  seja,

  ele

acreditava poder, mediante  um  processo racional, garantir  a  objetivi-

dade  e neutralidade  do  conhecimento científico, pensando  que a razão

pode discriminar, eficientemente, d as descrições intencionalmente fala-

ciosas  d o  senso comum, aquelas outras puras, objetivas,  não  compro-

metidas  com a ciência.  10)

Contudo, Kelsen  não  admite  a  idéia  do  neopositivismo  de que

apenas

  têm

  sentido aqueles enunciados

  que

  correspondem

  aos

  fatos,

isto  é ,  quaisquer outros tipos  de  enunciados seriam entendidos como

expressões  sem  sentido, meras especulações metafísicas ou ideológicas.

Kelsen, expressamente, nega  tal  tese,  que  obrigaria  a assumir  o dever

ser ,  cuja expressão  são as  normas, como  um a  categoria ideológica

construtura  de um  objeto metafísico. Contrapõe, assim,  à  condição

semântica  de  sentido  um a  condição deõntica  —  cuja fundamentação

teórica  é estabelecida pela norma fundamental gnoseológica.

Para Kelsen, aceitar

  o

 caráter ideológico

  e

 metafísico

 do

 objeto

 do

Direito, construído a partir  do dever  ser ,  implicaria em  reduzir  o conhe-

cimento científico  d o  Direito  a  mera Sociologia Jurídica.  É  claro  que

sustentando esta tese, Kelsen  nos  obriga  a  efetuar  um  forte reducio-

nismo epistemológico, admitindo o positivismo como a única forma— o

único modelo epistemológico — de  realização da Sociologia.  E m  suma,

Kelsen  não  admite  o  sentido amplo  da  ideologia  do  neopositivismo

lógico,

  ou

  seja,

  o

  sentido dado

  à

  ideologia

  po r

  aquela escola,

  o

  qual

situaria  sua  teoria como ideologia  11).  Quando  se  entende ideologia

como oposição à realidade d os fatos d a ordem do ser,  isto é , quando por

4 6

Page 47: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 47/133

ideologia entende-se tudo  o que não  seja realidade determinada  por lei

causal,  ou que não  seja u m a descrição desta realidade, eis que o Direito

como norma

  —

  como sentido

  de ato da

  ordem

  do ser

  causalmente

determinado»  m as  diferente deste  ato —  constitui  um a  ideologia.  A

Ciência  d o  Direito descreve  as normas  que  constituem  o  sentido  nor-

mativo) destes atos,

  mas o faz

 através

  de

 proposições jurídicas

  as

 quais

são leis que não afirmam u m a conexão causal, mas uma conexão de impu-

tação. Para Kelsen, a conexão da imputação constitui um complexo siste-

mático diferente da natureza,  m as que ,  apenas po r esta qualificação, não

pode

  ser

 vista como ideologia.

Feita  a  redução  d a  concepção neopositivista sobre  a  ideologia,

subsiste, contudo,  na  teoria kelseniana aquele mesmo sentido:  a condi-

ç ã o  deõntica  de significado gera  um a  ordem objetiva  de  conhecimento

d e u m a

 realidade

  n ão

 sensível, cultural:

  a

 realidade normativa.

  Po r

 esta

razão, Kelsen postula  a  existência  de uma  realidade jurídica oposta  a

u m a realidade natural,  mas que enquanto realidade, deve  se r cientifica-

mente descrita, mediante representações sobre o Direito Positivo isento

de ideologia  12), istoé, isento de representações  não objetivas, influen-

ciadas  p o r juízos  de  valor subjetivos,  que provocam  o obscurecimento

d o  objeto  de conhecimento.

Assumindo este segundo sentido

  de

  ideologia, podem

  ser

  vistos

como conhecimento ideológico sobre  o Direito obstáculos para a Ciên-

c ia Jurídica) todas  a s especulações  que  tentem vincular  o Direito a uma

ordem superior,  a uma ordem  com  pretensões  de constituir  um  Direito

ideal, o Direito justo. Assim, a s teorias jurídicas que têm a pretensão e a

exigência  de que o  Direito lhes corresponda, como condição  de sua

validade, devem  ser  vistas como ideológicas.  A s  concepções sobre  o

Direito Natural

  ou as

  diversas teorias sobre

  a

  justiça representam

  for-

m a s

  ideológicas

  d o

  conhecimento jurídico

  e ,

  como

  tal ,

  impedem

  a

produção de um objeto científico sobre o Direito e devem  ser rejeitadas

como ideologia no  segundo sentido  da palavra.  13)

Nesta perspectiva,  a  teoria Kelseniana nega-se  a  fornecer,  a qual-

quer interesse político, as ideologias

 por

  intermédio

  d s

  quais

 

ordem

vigente

  é

  legitimada

  ou

  desqualificada  14). O  caráter científico  do

Direito  se  constitui  a partir  de seu  caráter anti-ideológico, como única

salvaguarda

 d a

 objet ividade outra idéia

 do

  neopositivismo).

  A

 tendên-

ci

anti-ideológica diz

  Kelsen,

  coloca

 

Teoria Pura como  a  verda-

deira Ciência

  do

  Direito.

4 7

Page 48: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 48/133

O modelo parcial d e Ciência Jurídica, representado pelas chamadas

teorias dogmáticas  do  Direito,  t e m , para Kelsen,  um  forte caráter ideo-

lógico—  no  segundo sentido exposto porque, consciente o u  inconscien-

temente,

  a s

 referidas teorias partem

  d a

 falsa pressuposição (ideológica)

de que

  poderiam

  no s

  ensinar

  a

  resolver

  os

 conflitos sociais, adequar

  o

Direito  a o s  ideais  d e   moral  e  justiça  d a comunidade, determinando  os

conteúdos

  d a s

  normas

  de

  acordo

  com

  este ideal.

  O s

 juristas clássicos

acreditam poder produzir, ao  nível d o  pensamento,  um  raciocínio deter-

minante do que  possa  s e r visto como Direito justo e , conseqüentemente,

um  critério  d e  valor para  o  Direito positivo  e para  os conflitos sociais.

E ,  desta forma, transformam essas teorias  em   ideologias,  u m   conhe-

cimento

  n ão

  objetivo.

  A

  objetividade, como vimos,

  é

  alcançada,

  no

pensamento kelseniano, desvinculando-se

 o

 saber jurídico

 d a

 ideologia.

D a í

 porque Kelsen nega

 a

 possibilidade

 de

 assumir, como científico,

 um

conhecimento derivado d e qualquer teoria sobre a justiça, pois o  conhe-

cimento

  que a

 envolve

  é

  sempre ideológico.

O  tema  d a  ideologia  é  parte integrante  d o   discurso teórico  de

Kelsen, aparecendo no  curso de toda a sua  obra.  Ali se vê a preocupação

pela depuração ideológica

 n o

  tratamento

  d o s

 dualismos classificatórios

d a Dogmática Jurídica,  o s  quais,  em   geral,  são  concebidos como  cum-

pridores  d e   funções nitidamente ideológicas  (15).  Questionamentos

desse tipo  são   efetuados, também, dentro  d a   problemática  d a  inter-

pretação  da lei ; sustenta Kelsen  qu e a teoria sobre a s lacunas d o  Direito

não é

 mais

  do que uma

 ficção

 (um

'topos diria

 eu)

 destinado

 a

 limitar

 a

autoridade  d o s  órgãos judiciais, criando  um   efeito  d e   autonomia  con-

trolada.

E m geral, pode-se dizer q u e  Kelsen,  em  decorrência d a  concepção

de  ciência  d o   positivismo, utiliza  um   sentido  de  ideologia  que  rejeita,

como dado subjetivo  e   obstáculo  do   conhecimento, toda  e  qualquer

doutrina axiológica. Opõe, assim,  os  enunciados científicos  aos  enun-

ciados morais, recusando

 a

  possibilidade

 d e

 entender, como racional,

  o

conhecimento metafísico.

A idéia  d e  Kelsen, exposta n o  parágrafo anterior, encontra-se bas -

tante contestada, pois, negando-se

 a

 tematizar

 a

 significação ideológica,

Kelsen favorece

  o

  papel ideológico

  d o

  conhecimento jurídico.

  U m

conhecimento  é  científico (crítico) quando consegue explicar  a s signi-

ficações ideológicas.

4 8

Page 49: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 49/133

Assim,

  a

  significação ideológica

  há de ser

  vista

  em

  suas simul-

tâneas funções

 d e

  socialização

  e

 organização estruturante

 d a

 realidade.

Toda mensagem ideológica socializa  o  homem  e  estrutura  as condições

materiais  de sua   vida.  A  ideologia  é  algo muito mais complexo  do que

poderiam sugerir  os  esquemas elementares  que  tentam identificá-la

com um  processo  de   alienação  da   consciência.  O   sistema  de  normas

axiomatizadas, mediante

  o

  conhecimento,

  é um

  elemento ideológico

que, em sua materialidade, serve  de  suporte  às atuais formas d e organi-

zação  d a   vida social.  O   marco  d a   coesão  que  permite  a   existência  d e

relações sociais entre indivíduos autônomos,  que  sustenta  a  separação

d o

 espaço social

 em

 público

 e

 privado, supõe como condição necessária,

para

  sua

  constituição,

  a

  existência

  de um

  sistema

  de

  normas formais

abstratas  e  sistematizadas. Apresenta-se  aí em um dos   grandes  pro-

blemas

  que a

  Teoria Pura pretende calar. Para

  a

  existência

  de um

sistema

  d e

 Direito formal abstrato

  e

  axiomatizado, necessita-se

  de um

saber  que o  constitua,  que empreste  ao  Direito pré-científíco (pleno de

conteúdos amorfos)  o   efeito  de  sistematicidade desejado,  a   partir  de

então,  não é   difícil descobrir  o   caráter ideológico  d a   Teoria Pura  do

Direito.

  E la ,

  como instância epistemológica

  — que

  propõe apenas

  um

controle sistemático

  no

  interior

  do

 modelo

  de

 ciência predominante

  —

funciona como  um  mito metodológico que , negando a  função ideológica

d o  processo  de  axiomatização, garante  o  funcionamento real  do   saber

como ideologia.

3.  Aceitando  a idéia  de que o  princípio  da  pureza metódica pode  ser

visto como

  um a

 extensa formulação

 de uma

 condição

 de

 sentido norma-

tiva, baseada

  em um

 critério

 de

 imanência significativa, proponho-me

  a

discutir, esquematicamente, algumas das insuficiências semiológicas de

u m a

  proposta deste tipo

  (16).

 Inicialmente, preciso dizer

  que o

 sentido

normativo

  é ,

  forçosamente,

  o

  resultado

  de um

  complexo processo

  de

constituição significativa, onde  os  textos legais  (em sua   forma  e con-

teúdo) devem

  ser

  considerados como

  o

  plano significante

  de um

 jogo

sutil  de solidariedades, mediante  as quais  se obtém  o  sentido normativo.

A s  evocações formadoras  do   sentido jurídico  não   surgem apenas  dos

textos legais.  O  saber acumulado  — que por sua vez   pode  ser evocado

pela categoria d o  senso comum teórico  (g) — , juntamente  com as práti-

c as

 institucionais

  dos

  órgãos dotados

  de

  autoridade, constitui

  o

 código

determinante dessas solidariedades significativas.

4 9

Page 50: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 50/133

O  princípio  d a  pureza metodológica como condição  de  sentido,

não  admite  que os  fatores extra-normativos possam funcionar como

condição  de  significação.  A noção  de  pureza,  em  termos semiológicos

descansa  no mito da  conceituação pura, extraído de associações textu-

ais( in presencia e in  ausência ,  no caso das normas pensadas como

campo denotativo

  da

 meta-linguagem

  da

 Ciência Jurídica).

  A

 tendência

manifestada pelo princípio da pureza importa em negar valor ao trabalho

de significação politicamente determinado. Assim,  a ciência trabalharia

com  sentidos construídos  em um lugar fora do poder.  N o  pensamento

de  Barthes, contudo, isto  é uma  ilusão, pois  a  linguagem humana

  é

semexterior;

  é um

  lugar fechado ...

  e,

 portanto,

  não

 podemos ouvir

a

  língua fora

  do

 poder

{

17). Dita de outra forma, a significação jurídica

é

  sempre resultado

 de um ato

 político;

 os

 discursos jurídicos fazem ouvir

sempre a o s sujeitos do poder. Correlativamente, o s discursos jurídicos,

dependentes de um a emissão complexa e institucionalizada, conferem a

esses sujeitos o poder  do  discurso.  (18)

4.

  Delineadas algumas considerações críticas

  que de uma

  perspec-

tiva semiológica, poderiam afetar  a  depuração política  e  ideológica

sustentada

  po r

 Kelsen, tentarei concluir este capítulo, levantando

  uma

segunda linha

  de

  argumentação contra esse tipo

  de

  depuração. Procu-

rarei efetuar minhas reflexões a partir  de uma Epistemologia Crítica da

Ciência. Esta particular forma  de  Epistemologia parte  da  premissa  de

que a  ciência deve  ser  analisada  no  contexto social, vista como  um

subsistema  d o sistema social global.

A principal tarefa proposta por um a Epistemologia Critica d a Ciên-

cia é a elucidação d a s dimensões d o compromisso social da ciência, isto'

é , a

 ciência enquanto sistema institucional

 de

 produção, consumo,

  dis-

tribuição  e  censura  d o  saber científico, que  apresenta relações  com a

sociedade global,

  as

 quais necessitam

  ser

  teorizadas.

E, no caso  do  Direito, a  elaboração institucional  do saber jurídico

erige-se em um fator d e produção, circulação e censura de uma informa-

ção que ,  forçosamente, determina grande parte  da  significação  das

normas: provê os  topoi materiais e os estereótipos necessários para a

produção  dos  discursos  de  sustentação  das  decisões  e  incide  na  socie-

dade como

  um

  saber dotado

  de

  poder. Partindo destas idéias, deve-se

observar  que a Epistemologia da Ciência,  ao contrário de uma Sociolo-

gia do  Conhecimento,  não está  tão  preocupada  com a explicitação  dos

5 0

Page 51: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 51/133

condicionantes sociais

 d o

 conhecimento,

  m as com a

 sistematização

 dos

efeitos sociais

 d a

 produção

 de um

 conhecimento legitimado como cientí-

fico, quer dizer,

  com a

  forçosa dimensão política

  da

  ciência. Ocorre,

assim,  um deslocamento metodológico,  por via do qual o objeto teórico

fica localizado

 n as

 relações entre

 o

 saber produzido

 e a

 sociedade.

  Com

efeito, desse deslocamento temático surge

  a

 necessidade

  de um

  amplo

reexame

  d o s

  valores epistemológicos

  que

  presidiam,

  sob uma

  ótica

positivista,  a  produção  d as  atividades consideradas científicas:  a exal-

tação

  d a

  autonomia

 d a

 ciência,

  de sua

  neutralidade ideológica,

  da

 obje-

tividade

  de seu

  método.

  O r a ,

  aquelas idéias, dominantes

  no

  positi-

vismo,

  s ão

 agora postas

  em

  xeque pela Epistemologia Crítica

  da

 Ciên-

cia . E,

 assim, passa-se

  a

 questionar

  a

 idéia

  de que a

 ciência

  se

 explica

 e

se

 auto-controla,

 a

 partir

 de sua

 lógica interna.

  Ao

 contrário,

 a

 avaliação

d o  significado  de uma  teoria científica encontra-se necessariamente

determinada pela  su a funcionalidade social, assim como pela análise do

caráter mítico

  que o

 discurso científico adquire,

  a

 partir

 d a

  negação

 d o

valor

  d o

 contexto social

  e da

 exaltação

 d o

 controle lógico, como condi-

ções

  d a

  produção

  de um

  discurso científico. Exatamente este ponto

parecer-me-á

  de

  importância crucial para

  se

  compreender

  q ue

  atrás

  de

toda teoria científica

  se

  esconde

  um a

  teoria social

  e

  política

  que é

irremediavelmente transportada

 aos

 domínios

 d a

 ciência predominante,

quando

  se

  nega

  a

  vinculação

  d a

 ciência

  com a

  política, quando

  não se

tematizam  o s  efeitos  d o  poder  da ciência dentro  e fora da  comunidade

científica.

Resumindo:

  a

  Epistemologia Crítica

  da

  Ciência

  nos

  ensina

  que a

reivindicação

  de

 neutralidade ideológica

  e

 objetividade científica, utili-

zando

  um

 método

 q u e

 rejeita

 a

 infiltração

 da

 ideologia,

  não se

 apóia

 em

sólidos argumentos epistemológicos,

  mas em

  justificações valorativas

que ao se

  apresentarem

  de

  forma encoberta, tornam-se plenamente

eficazes. Assim, optar

  por uma

 ciência liberada

 d a

 ideologia

 é

 optar

  por

certa relação entre aquela

  e o

 mundo social. Trata-se

  de uma

  opção

 de

valor,

 n ão

 pela ciência enquanto

 ta l , mas

 pela função

 que a

 ciência possa

cumprir

  co m

  respeito

  à s

  práticas sociais.

  É ,

  portanto,

  u m a

  opção

ideológica feita

 n o

 interior

 d a

 epistemologia.

 N o

 caso

  da

 Teoria Pura

 do

Direito,

  a

  tentativa

  de

  escudar

  a

  Ciência Jurídica

  com uma

  suposta

neutralidade ideológica

  e

  política encobre

  o

  empenho, talvez incons-

ciente,

  de

  ideologizar esse saber, preservando, assim,

  seu

  poder.

5 1

Page 52: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 52/133

NOTAS

(1) O princípio d a pureza metodológica  é visto, neste trabalho, como a enuncia ção ampla

d e u m a

  condição

  d e

  sentido normativo.

  O s

  cinco níveis

  d e

  purificação

  q u e

  analisa-

remos

  no

 decorrer

  da

  obra, podem

  s e r

  vistos como

  o s

  critério»

  d e

  realização dessa

condição  d e  significação. Cada  um  deles constitui, assim,  u m a  fórmula parcial  de

sentido.

(2 )

  Kelsen, TGD E,

  p. 9

(3 )

  Poder-se-ia pensar

  q u e

  Kelsen utilizaria para fundamentar suas idéias sobre

  a s

relações entre  o  Direito  e a  Política,  um  ponto  d e  vista metodológico próximo  ao de

Jellinek,

  q u e

  sustenta

  a

 necessidade

  d e u m a

  rigorosa separação entre

  a

  teoria social

d o

  Esta do como Ciência

  do ser) , e a

  teoria jurídica

  d o

  Est ado como Ciência

  das

normas). Veria esta última, como

  u m a

  ciência

  q u e

  deve

  s e r

  constituinte

  de um a

relação

  d e

  sentido específica.

  A

  teoria social

  d o

  Estado, expõe Jellinek,

  t em po r

objeto

  o se r

  histórico, objetivo,

  d o

  Estado;

  é u m a

 ciência prática,

  u m a

  teoria

  d a

 arte

d o  Estado.  A teoriajurídica d o  Estado,  po r sua vez , anaiisaria o que naquele  s e r  real,

s e f a z

  expressivo

  p o r

  normas

  d e

  direito

  q u e

  devam

  s e r .

  Assim,

  c o m

  alguma

semelhança, Kelsen olharia

  a

  Ciência Política como

  u m a

  disciplina empírica, regida

pelo princípio

 d a

 causalidade;

  u m a

  Sociologia especial, cujo objeto central

  é a

 análise

d o

 jogo

  de

 fo rças existentes

  n a

 sociedade.

  Po r sua vez , a

 Ciência Jurídica,

  em

 sentido

estrito, somente recuperaria como parte

  de sua

 problemática,

  u m a

 preocupação pelo

Estado,  m a s  vendo-o como  u m a  questão  a se r  trabalhada  p o r u m a  teoria puramente

jurídica

  d o

  Estado, vale dizer, aceitando-a como

  u m a

  teoria exclusivamente enten-

dida

  a

  partir

  d e u m a

  perspectiva

  d o

  Direito, fora

  d e

  toda consideração histórica,

social, econômica,  e t c .  Assim,  u m a  Ciência Jurídica  e m  sentido estrito,  sai ao

encontro

  d o

  Estado para considerá-lo somente como sistema

  d e

  normas, identi-

ficando

 o

 Estado como

  um

 orde name nto jurídico positivo. Sobre

 a s

 idéias

 d e

 Jellinek,

v e r

  Kurt Sontheimer,  Ciência Política  e  Teoria Jurídica  ei  Estado Buenos Aires.

Eudeba.  1971, p. 23 e  Kelsen,  Teoria general

  ei

  Estado, prólogo  e Cap . I .

(4 )

  Kelsen. TG DE ,

  op. ci t . , p . 9

I? )

  Kelsen. idem,

  p. 7.

(6 )

  Evidentemente,

  u m a

  epistemologia crítica

  n ã o s ó

  limitar-se-ia

  a

 discutir

 o s

  efeitos

 do

poder emergente

  d a s

  formas sociais)

  n o s

  discursos

  d a

  ciência

  (que se

  manifestam

como

  u m a

  instância ideológica

  de

  significação),

  m a s

  procuraria, também, tematizar

o s

 efeitos

 d e

  retorno

  de um

 discurso científico ideologizado

 na

 es tru tur a social global.

Estas observações bastam para  que se dê  conta  de que não  basta elucidar  o s efeitos

d a s

  práticas políticas

 e das

  representações ideológicas delas emergentes

  n a

 produç ão

d o dis curs o científico, senão  q u e preci sa, também , teorizar sobre o poder  d o discurso

na

  organização

  d a s

  relações sociais. Voltarei

  a

  ocupar-me destas questões especial-

mente  n a s  duas próximas seções deste capítulo  e n o  capítulo  VI I .

(7 )  Kelsen, TG DE ,  op. ci t . , p . 10.

(8 )  Sobre  o s  efeitos ideológicos  d a  racionalidade axiomática  ver cap . IV.

(9)  Sobre  o  papel  d o  saber jurídico  n a  constituição  d o s  efeitos  d o  Direito positivo  n a

sociedade,

  v e r c a p . V I I .

(10 ) Ver

  Kelsen,

  T.P. la . e 2? ed . ,

  prólogos.

5 2

Page 53: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 53/133

(11)

  Teoria Pura,

  1?. e d ., p . 155 e

  seguintes.

(12)

  Conforme Teoria Pura, 2?ed.,p.

  151.

(13 ) Ver ,  idem,  p. 160.

(14)  Idem,  p. 160 in fine.

(15)

  Idem,

  p. 161.

(16) A

  respeito,

  v e r

  capítulo

  II I e VI .

(17) O

  tema

  d a

 Teoria Pura como condição

  d e

  significação será aprofundado

 n o

  capítulo

VII .

(18)

  Roland Barthes,  Aula Cultrix,

  S ã o

 Paulo,

  1978, p. 16.

(19) O

  tema

  d o

 poder

 d o

 discurso suscita hipóteses

 d e

 trabalho frutíferas . Atualmente,

 m e

encontro orientando,

  n o

  Mestrado

  d e

  Direito

  d a

  Universidade Federal

  d e

  Santa

Catarina,

  u m a

  pesquisa sobre Semiologia

  d o

 Poder, destinada precisamente

  à

 elabo-

ração  d e u m a  teoria sobre  o  poder  d o  discurso.  De um  modo pouco rigoroso,  m a s

sucinto, pode-se dizer

  q u e

  nela

  se

  procura discutir

  a s

  relações entre

  o

  discurso

jurídico  e o poder. Trata-se  de um novo lugar disciplinar, cujo objeto temático visa  a

problematização mais

  d o s

  efeitos

  d o s

 discursos

  n a

  sociedade

  q u e o s

  efeitos sociais

n o s  discursos.  N o  caso específico d o s discursos teóricos  d o Direito,  é o ocultamente

d a

  dimensão política desse tipo

  d e

  linguagem

  q ue

  constitui

  seu

  poder.

  A

  apresenta-

ç ã o d a ciência, enquanto discurso puramente descritivo, preocupada unicamente  com

a

  adequação

  d e

  seus enunciados,

  c o m a s

  normas jurídicas permite efetivar

 o

  poder

dess es discursos. Dito  d e  outra forma,  é a  linguagem unívoca,  sem  ambigüidades,

instalando

  a

 dúvida

  ou um

  segundo sentido,

  q u e

  oferece

  a s

 melhores possibilidades

para

  o

  exercício

  d o

  poder

  d o

  discurso, como também,

  a

  produção

  de um

  conheci-

mento institucionalizado sobre

  o

  Direito, feito

  por up i

  grupo profissionalizado

  de

sujeitos

  q u e

  monopolizam

  e

  guardam

  o

  segredo

  d o

  saber

  q u e

  confere poder

  a

  seus

discursos.

NOTAS COMPLEMENTARES

  A O

 CAPÍTULO

  II

(d) .

  Como assinalamos

  n a

  nota

  c , o

  pensamento jurídico clássico fornece

  u m a

  visão

juridicista

 d a

 sociedade,

  d o

 direito,

  d a

 política

 e d o

 Estado.

  D e

 acordo

  c o m

 este ponto

d e

  vista, consegue-se separar

  o

  Estado político,

  da

  sociedade civil,

  e o

  direito,

  d a

realidade econômica, apresentando-se

  as

  relações

  d e

  classe como relações contra-

tuais,  o s  sujeitos sociais como sujeitos d e direito,  e ,  assim, nega-se também  o caráter

jurídico

  d o

  político

  e a

  dimensão política

  d o

  direito. Enfim,

  com a

 concepção juri-

dicista, obtém-se  u m a  representação distorcida  d a s  relações entre direito  e  Estado,

ocultando-se, desta forma,

 o

 fato

 de que o

 direito

 te m

 como função social

 a

 realização

d o

 projeto político ideológico

 d o

  Estado.

  A s

 concepções juridicistas entram

  em

 crise

quando pretendem legitimar

 a

  transformação

 d o

 Es tad o liberal

  em

 autoritário, quan-

d o  procuram justificar  um  projeto  d e  Estado  q u e  necessita violentar  a lei,  como

condição

  d e s u a

  sobrevivência.

5 3

Page 54: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 54/133

Kelsen, claramente, adere  e  reforça  o  pensamento juridicista, propondo  u m a

leitura normativista

  d o

  direito,

  d o

  Estado

  e d a

  sociedade. Conforme este tipo

  d e

abordagem,

  o

 direito,

  o

 Estado

  e a

 sociedade

  sã o

 vistos como

 u m

 conjunto

 d e

 norma s

compreendidas mediante

  o

  emprego

  d e

  conceitos normativos,

  sem o

  auxílio

  da

Ciência Política. Desta forma,

  a s

  questões vinculadas

  a o

  poder (rejeitadas pela

Ciência Jurídica) seriam objeto específico  d a  Ciência Política.  N o  entanto,  a  teoria

política, controlada durante muito tempo pelos juristas

  e ,

  posteriormente,

  por uma

sociologia

  d e

  matriz positivista,

  n ão

  deixa

  d e se r .

  também,

  um

  possível lugar

  de

mistificação.

 P o r

 vezes,

  e m s e u

  interior,

  o

 pensament o juridicista

 f o i

 criticado

  e , com

isto, banida

  a

  possibilidade

  d e

  análise

  d a

  realidade jurídica.

Verificamos, então,

  q u e a

  partir

  d e

  outros jogos

  d e

  crenças teóricas podem

também

  s e r

  falsificadas

 a s

 análises

 d a s

 relações entre

  o

 direito

 e a

 politica.

  A

 questão

exige  a  inserção desta problemática  n o  interior  d e u m a  teoria crítica  d a  sociedade,

onde sejam assumidas, simultaneamente,

  a

 dimensão política

 d o

 direito

 e a

  instância

jurídica

  d a

  política.

e),

  Renunciando,

  d e

  acordo

  c o m

  Foucault,

  a u m a

  longa tradição científica, aferrada

  à

idéia

  d e q u e

  apenas pode haver saber onde

  as

  relações

  d e

  dominação encontram-se

racionalmente banidas,

  a s

 leituras críticas sobre

  o

 direito necessitam,

  a

 partir

  de uma

constituição correlata

  d o

  saber

  e d as

  condições

  d e

  dominação, demonstrar

  a s

  impli-

cações fundamentais

 d o s

  campos

  d e

  sign ificação jurídica sobre.as relações sociais,

  a

le i que as

  organiza

  e

  reproduz

  e o s

  sujeitos

  q u e as

  manipulam. Existe,

  p o r

  trás

  dos

efeitos

  d e

  dominação,

  um

  elemento articulador referente

  a u m

  conjunto mais

  ou

menos sistematizado

  d e

  significações,

  q u e

  reconduz

  e

  reforça

  as

  conseqüências

sociais

  d a

  dominação

  e

  transforma

  o s

  indivíduos, fazendo-os objetos

  d o

  saber

  e do

poder.

E

  precisamente

  a

  partir

  d e u m a

  clara separação entre

  a lei

  jurídica (cumpridora

d a s

  funções

  d e

  organização moral

  d a

  coerção)

  e o

  saber sobre

  a

  mesma,

  que se

constituem

  o s

  princípios

  d o

  normativismo jurídico. Mediante tais princípios, asse-

gura-se

  o

 isolamento

 d o s

 indivíduos frente

 à

 sociedade

 e a o

 Est ado (dono absoluto

 dos

processos decisórios).

  D e

  fato,insistindo

  na

  idéia,

  o

 normativismo jurídico,

  co m su a

ilusória sistematizaç ão, abstração  e generalizaç ão, situa ale i como expre ssão política

q u e  garante  e organiza  u m jog o igualitário entre  o s homens, isolando-os d o sistema d e

decisões

  e

 interesses.

  E m

  suma,

  a

 intermediação

  n ã o

 participativa

 e

 apenas individual,

expressa mediante  o  direito,  n ã o  seria eficaz  sem a  produção  de um  saber notada-

mente elaborado para servi-la. para organizar  u m a  eficiente separação entre  a  vida

privada  e a vida política. Assim,  p o r exemplo,  c o m a produção de noções como sujeito

d e  direito, cidadania, soberania  e  contrato,  o s  juristas conseguem organizar  u m

discurso  d e  ocultamento  d a s  funções  e d o  funcionamento  d o  direito  n a  sociedade.

Desta maneira, divorciando  o direito d a coerção estatal, isto é ,  apresentando-o como

u m a  organização independente  d a  coerção (legislativa  e judicialmente controlada  d e

q u e  sociedade part ici pa através  d e  mecanismos  d e  representação), silencia-se  o

fato

  d e q u e as

  relações sociais

  n ã o s ã o

  pessoais,

  que a lei e o

  Estado

  sã o

  expressões

destas relações  e n ão d e u ma  vontade individual delegada.

Nesta perspectiva, cremos

  q u e

  ainda

  q u e se

  aceite

  a

  tese

  d a

  irrelevância

  d a

crítica a o s conteúdos  da lei , elaborada  p o r algumas correntes  d o marxismo  a lei como

forma jurídica

  d a

  sociedade burguesa), parece-nos importante

  n ão

  confundir

  o co n -

5 4

Page 55: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 55/133

teúdo conceituai  d o s  textos legais  c o m a significação d o conhecimento jurídico,  q u e

opera como  u m a d a s  expressões ideológicas  e  políticas  d a s  relações sociais.

O  conhecimento jurídico, simulando propor artifícios metodológicos  q u e  permi-

t em o  controle mais racionai  d o s  conteúdos  da lei .  erige-se como  sua  expressão

ideológica. Neste ponto, inicia-se a discussão sobre o po der do conhec imento jurídico

na  sociedade.  O  discurso crítico sobre  o  direito pretende falar sobre  o poder ideoló-

gico  d o  saber jurídico, tentando tomá-lo como  u m d o s  fios condutores  d a  tarefa

crítica.

Deste modo, fazendo explícitas

  as

  evocações implícitas

  d o

  conhecimento jurí-

dico tradicional, procura-se elaborar

  u m a

  outra cadeia

  d e

  sentidos,

  c o m a

  qual

  se

possa desenvolver  e  introduzir novos elementos conceituais, aptos para revelar  as

funções sociais  d o  Estado,  d a s  normas  q u e  instrumentalizam  su a  dominação, assim

como reconhecer

  e

  explicar

  o

  poder simbólico induzido pela cultura jurídica

  em

diversas instituições  d e  nossa sociedade.

f .)

  Mito. fetiche

 e

 ideologia, como expressões relativamente sinônimas, remetem-nos

  a um

corpo racional  d e  mecanismos significativos,  que se dirigem  à legitimação e organiza-

ç ã o d e  certas relações sociais, silenciadas  n o discurso.  A construção  de um  fetiche

implica

  n a

 cristalização

  d e

 certos fenômenos

 o u

 processos

  sob a

 forma

 d e u m

 disc urso

posto

  a

  parte, abstraído

  d a s

  condições

  q u e

  presidiram

  s u a

  produção. Mediante

  a

produção

  d e

  conceitos, fetiches

  ou

  mitos, obtém-se

  u m

  efeito

 d e

  racionalidade subs-

tancial para  a s  descrições  d a s relações econômicas, políticas e jurídicas. Desta forma,

como conseqüência  d o emprego  d e conceitos fetichizados, consegue-se apresentar  o s

elementos, fatores

  o u

  funções

 d a s

  relações sociais como objetos

  q u e

  possuem

  u m a

existência autônoma  e  superior  à d o  sujeito social. Nesta perspectiva,  a  cultura

jurídica pode  s e r  vista como  u m  discurso fetichizado.

g ) . Em  trabalhos anteriores, elaborei  a categoria  d e  se nso comum teórico  d o  direito .

caracterizado como

  o

  conjunto

  d e

  representações, imagens, preconceitos valorati-

v o s ,  crenças teóricas, metáforas, metonírnias,  q u e  fu ncion ando co mo normas epis-

têmicas, governam  a produção  de um  saber institucional legitimado como Ciência  d o

Direito,  O  senso comum teórico  d o s  juristas disciplina ideologicamente  as  tarefas

profissionais, operando como

  u

código latente

  q u e

  influi

  n ã o

  somente

  n o

  pensa-

mento  d o s  juristas  d e  ofício,  m a s  também  em seu  pensar  e agir.

Desta forma, pode mos afirmar  q u e a  partir  d o  senso comum teórico  d o s jurista s

consolidam-se  as fu nçõ es sociais da lei , as dime nsões políticas d o direito e o seu papel

determinante  n o  projeto  d o  Estado.  O u  seja,  a partir  de um  conglomerado  d e  noções

costumeiras, produzidas  n a  prática teórica  d o  direito, surgem  o s  padrões gerais  d a

racionalidade jurídica. Taís padrões

  sã o

  determinantes

  de um

  sistema

  d e

  efeitos

  de

significação

 q u e

  influi

 n a

 visão idealizada

 d o s

 sujeitos jurídi cos

 e

 sociais sobre

  o

 papel

d o  direito.  E m  vários seminários  e  palestras, denominei  ta l  visão  d e  ideologia

funcional  d o s  juris tas . Devo acrescentar  q u e  esta ideologia funcional encontra-se

funda menta da, principalmente,  n o  senso comum teórico  d o  direito.

Como subsídio para  u m a  reflexão sobre  o  senso comum teórico, posso indicar

alguns lugares discursivos

  q u e

  gravitam

  n a

  produção

  e

  funcionamento

  d o s

  seus

diferentes fragmentos significativos.  A s  diferentes formas  d e  manifestação d o  senso

comum encontram-se crivadas  p o r  idéias estruturantes provenientes:  19) d a s  repre-

5 5

Page 56: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 56/133

sentações costumeiras adquiridas pelos sujeitos sociais

  em

  suas práticas cotidianas;

2?) da

  ideologia funcional nterna lizada pelos sujeit os jurídicos

  em

  suas práticas

profissionais;

 3?)

 pelos critérios epistemológicos institucionalmente legitimados para

a s  ciências sociais.

P o r  outro lado,   o  senso comum teórico  d o  direito, assim determinado, possui

ações

  d e

  retorno sobre

  o s

  lugares discursivos

  que o

  condicionam.

Posso ainda afirmar, aprofundando  um  pouco mais  a s  influências  d o s  critérios

epistemológicos,  q u e n o  senso comum teórico  d o s juristas (visto como   um comple xo

processo discursivo) detecta-se

  a

  vigência

  d a

  tradicional crença

  na

  forçosa neutra-

lidade

  d o

  conhecimento científico: Desta forma,

  se

  reproduz

  a

 antiga oposição ent re

ciência  e  ideologia,  q u e  indubitavelmente reforça  o s  sonhos  d o s juristas  em  torno  d e

u m a

  ciência pura.

N a

  perspectiva

  d e u m a

  teoria crítica, parece mais sensato pensar

  que o

 controle

teórico sobre

  a s

  determinações

  e

  efeitos

  d o s

  sentidos ideológicos

  d o s

  discursos

  da

ciência

  n a o

  deve seduzir

  o s

 juristas

  na

  busca

  de um

  discurso onde tais componentes

sejam eliminados. Eles devem apenas tentar diagnosticar

  a s

  funções sociais

  das

significações ideológicas.

  A

  intervenção polemica sobre

  os

  discursos

  d o

  senso

comum teórico  n ã o  deve  t e r  como meta  a  purificação ideológica.  A  crítica deve

encaminhar-se

  à

  exteriorização

  d a s

  funções sociais

  d o

  senso comum teórico.

5 6

Page 57: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 57/133

Capítulo  III

A  PURIFICAÇÃO

ANTI-JU SN ATUR ALIST A

1. O   segundo critério parcial  de  significação que se pode derivar  do

princípio

  da

  pureza metodológica será enunciado

  da

  seguinte forma:

 é

falso supor  que o s  juristas possam produzir   ao  nível  do  pensamento

científico,  um  raciocínio determinante  do que  deva  ser  visto como

Direito jus to e , conseqüentemente, postular um critério de validade para

o   Direito Positivo  1)

Liberar a Ciência do Direito d a idéia de justiça representa, também,

o

 esforço

 de

 afastá-la

 das

  tendências ideológicas

  que

 tentam apresentar

o

  Direito Positivo como justo

  e ,

  portanto, situar

  o

  saber teórico

  do

Direito dentro

  da

  corrente epistemológica

  que

 pretende

  a

  neutralidade

ideológica do s paradigmas científicos. Para Kelsen,   a tentativa de  iden-

tificar Direito  e justiça  é a  tentativa  de  justificar, política  e  ideologica-

mente,  um a  ordem social dada. Coloca-se, pois,  a  teoria kelseniana

contra

  as

  concepções

  dos

  juristas sobre

  as

  funções

  de

  validade

  das

normas

  de

  justiça

  2),

  desqualificando, também,

  o

  jusnaturalismo

  a

doutrina

  do

 Direito Natural),

  3)

 mediante

  a

 qual

  se

  substancializam

  os

juízos

  d e

  valor, apresentando-os como critério

  de

 validade

  das

  normas

jurídicas.

2.

  Para Kelsen,

  um a

  análise detalhada

  da

  temática

  da

 justiça

  e do

Direito Natural, na perspectiva científica positivista, deve revelar, antes

de  tudo,  seu  caráter político e ideológico. Assim,  um a Ciência  do Direi-

to, em   sentido estrito, declarar-se-á incompetente  no sentido d e afirmar

se um   determinado Direito Positivo  é, ou não, justo.  ma  Teoria Pura

do  Direito

  insiste Kelsen,

 enquanto ciência não  pode responder essa

pergunta em   virtude  de que é  impossível respondê-la cientifica-

mente.  4)

5 7

Page 58: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 58/133

A questão nodal  que nos deve colocar  um a Ciência  do  Direito,  em

sentido estrito,  é a das  condições objetivas  de  validade  do  Direito

Positivo.  A avaliação  da  produção  das  condições  de validade objetivas

das  normas positivas  é o que  leva  a  Escola Vienense  a  realizar  uma

leitura crítica  das  doutrinas  do  Direito Natural, vistas como  uma pro-

posta ideológica  que pretende  um a fundamentação metafísica e política

do  critério  de  validade.  C om  efeito, através  da  doutrina  do  Direito

Natural,

  e da

 problemática

  da

 justiça

 a ela

 incorporada, consegue-se.

  no

pensamento jurídico clássico, estabelecer  a  crença  de que o  Direito

Positivo deve encontrar  seu  fundamento d e  validade  com  referência  a

um  sistema superior  de  normas. Isso conduz, imediatamente,  à questão

da validade — como condição política. Dito de outro modo, o jusnatura-

lismo  vê a  justiça como elemento  a partir  do  qual  se  pode decidir  se o

Direito Positivo deve  ser  desta  ou  daquela maneira. Desta forma,  a

problemática  da  validade adquire, naquele pensamento,  um  caráter

cientifico travestido, pois evita-se diferenciar o plano das explicações e

o das  justificações, fortalecendo-se. retoricamente, estas últimas.

Segue-se. então,  que o caráter político do paradigma de ciência jusnatu-

ralista.  o faz  mais preocupado  em  constituir-se como fundamentação

ideológica  de  certos conteúdos para  o  Direito Positivo,  do que em

oferecer  um a  proposta  de  resolução para  os  problemas fundamentais

que  possam surgir  na construção  de um  objeto científico do  Direito.

O  desafio de  Kelsen  ao jusnaturalismo reside, principalmente,  em

su a

  negativa

  de

  aceitar

  as

  normas

  de

  justiça como fundamento

  do

Direito, como critério

 de

 validade

  das

 normas jurídicas, como condição

de

  derivação

  da

 ordem jurídico-positiva

  e

 como fórmula para

  a

 demar-

cação

 do

 campo temático

 d a

 Ciência

 do

  Direito. Kelsen desfere

 um

 rude

golpe  n os  postulados  de  fundamentação jusnaturalista, fornecendo

argumentos  que  mostram  as  dificuldades de fundamentar o  Direito  em

um  princípio como  a justiça,  que é  admitido  em  razão  de seu  próprio

conteúdo, como auto-fundado, evidente  e necessário.

Certamente,

  a

 Teoria Pura

  do

 Direito, assumindo

  os

 fundamentos

epistemológicos

  d o

  positivismo científico, reivindica

  a

 necessidade

  de

distinguir

  o

  problema

  do

  valor

  do

 direito,

  das

 questões vinculadas

  à sua

validade. Isto quer dizer

  que

  nega

  a

  possibilidade

  de

  .subordinar

  a

validade  do Direito  a seu  valor. Evidentemente,  a afirmação kelseniana

de que o

  problema

  da

 justiça

  é

  diverso

  da

  questão

  da

  determinação

  da

existência (validade)

  das

  normas positivas,

  não

  elimina

  o

 problema

  da

5 8

Page 59: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 59/133

justificação

 d a

 ordem jurídica, antes

 o

 transfere para outro campo disci-

plinar

  — o da

  Ética

  ou da

  Filosofia.

  O que a

  Teoria Pura

  do

  Direito

elimina, afirma Bobbio,  não é um ou outro problema, senão  a confusão

de  ambos. Precisamente  é  desta confusão  que  nasce  a  idéia  de que as

normas  são válidas unicamente  se são justas. Perde-se, assim,  de vista,

que a

  validade

  é um

  conceito técnico-jurídico, cujo fundamento deve

responder também  a esta característica. Parece claro que Kelsen procu-

ra um  fundamento objetivo  da  validade  e, por  certo, dado  o  caráter

relativo e subjetivo q ue atribui às normas de justiça, estas, em sua teoria,

não

  podem servir para tais fins.

  N a

  verdade,

  a

  busca

  de um

  critério

objetivo (anti-metafísico)  de  validade  é o que  constitui  a  diferença

essencial entre  a  teoria  do  Direito Natural  e o  positivismo jurídico.  O

rompimento  com tal concepção metafísica de ciência permitirá a Kelsen

construir

  um

  critério epistemológico,

  a seu

  juízo, único, claro, inequí-

voco

  e, ao

 mesmo tempo, necessário tanto para

  a

 demarcação

 do

 campo

temático  da  Ciência  do  Direito, como para  a formulação de  seus enun-

ciados.

  Por sua vez,

  este critério permitir-nos-ia

  o

  reconhecimento

teórico

 do

 fundamento

 de

 validade

 das

 normas jurídico-positivas.

  Daí, a

necessidade  de estabelecer  um  postulado  de  positividade  que  sirva  de

critério de validade.  Tal postulado é enunciado,  na Teoria Pura, através

da norma fundamental gnoseológica. Esta norma fundante, suporte  do

pensamento, estabelece, exclusivamente,  as condições jurídicas para  a

validade objetiva

  das

  normas

  de

  Direito

  e

  para

  o

  reconhecimento

  das

proposições

  da

 Ciência Jurídica.

  5)

U m a  teoria jurídica positiva, deste modo,  não  reconhece  o  funda-

mento

 de

 validade objetiva

 de uma

 ordem jurídica,

 em

 qualquer umadas

muitas normas  de justiça.  A validade objetiva  não surge  da correspon-

dência  à norma  de justiça,  mas da conformidade, em última instância,  à

norma hipotética  e  fundamental  da  ordem jurídica.  A  inadequação  a

um a

  norma

  de

 justiça indica apenas

  um a

 diferença

 no

 sentido subjetivo

de um ato

  axiológico

  de

  vontade. Destes sentidos axiológicos subjeti-

vos, que se  manifestam contraditoriamente, apenas adquirirá signifi-

cação objetiva aquele

 que for

 conteúdo

 de uma

 norma

  que, por sua vez,

adquire  o seu fundamento d e  validade  em outras normas superiores,  do

próprio sistema d e normas positivas. Deste modo, o positivismo afirma-

se

  como

  um a

  teoria

  do

 conhecimento jurídico,

  que

  nada

  tem a ver com

u m a apreciação  ou  valoração desse objeto.  É um saber  que não reflete

sobre  o conteúdo justo de seu objeto, isto é , sobre  um a problemática

5 9

Page 60: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 60/133

alheia

  à

  Ciência

  d o

  Direito,

  que

  mais teria

  a ver com ^

 Ética

  e com a

Política Jurídica. Resumindo, Kelsen pretende, seguindo a epistemolo-

gia  positivista, conquistar  um a  leitura objetiva  è  desideologizada  dos

discursos

  d o

 saber jurídico tradicional, visando

 a

 constituição

 dos

 pres-

supostos

  de uma

  Ciência Jurídica positivada. Para situar

  os

  contornos

des te novo espaço teórico (neutralizado ideologicamente), Kelsen esta-

belece

  su a

  luta metodológica contra

  as

  doutrinas

  do

  Direito Natural,

questionando, essencialmente,  a  forma  de  verificação de  suas últimas

bases  6).  Como  se  percebe,  o  fundamento final  de  toda norma  de

justiça  não é  outro senão  a  intuição  de um  valor intrínseco  que não só

atua como pano d e fundo d o s  raciocínios jusnaturalistas,  m as serve,  em

grande número de casos, para fundamentar, diretamente, normas gerais

d o  Direito Positivo.

A

 Teoria Pura

 d o

 Direito exclui,

 de sua

 proposta

 de

 verificação

 das

normas jurídicas positivas, todo recurso  a  intuições valorativas  as

normas

  d e

 justiça), vistas como meros enunciados subjetivos, enuncia-

dos que , por sua

  natureza,

  não

  podem

  ser

  traduzidos

  em

  expressões

objetivas  7) . Em  substituição  ao s apelos intuitivos, Kelsen propõe um

artifício metodológico: inclina-se  por um  procedimento idealista,  m e-

diante

  o

  qual

  se

  pressupõe como de ve r

  toda conduta coercitiva

que se  tenha estabelecido significativamente  em uma  norma jurídica.

Essa pressuposição pode  se r  enunciada, mediante  um  critério  de sig-

nificação, denominado como já vimos por Kelsen,  de norma fundamen-

ta l gnoseológica  ou norma básica. Esta norma pressuposta pelo conhe-

cimento, como regra deformação d os enunciados da Ciência do Direito,

menciona condutas como devidas, sem que este dever tenha um a íntima

relação co m algum valor ou com intuições transcendentes. E la constitui

simplesmente

  a

  exteriorização

  de uma

 conexão lógica,

  a

 partir

 da

  qual

se

  formam

  os

  enunciados

  da

  Ciência Jurídica. Deste modo,

  o

  dever

externado pela norma básica não necessita apelar para qualquer intuição

sobre valores intrínsecos para expressar  as  condições  de  significação

d as  normas jurídicas positivas.  A norma fundamental gnoseológica é a

q u e  estabelece  as  condições  de  produção  de  expressões  com  significa-

ç ã o jurídica. Assim, a Ciência d o Direito necessita começar seu trabalho

d e

  sistematização,

  com a

  elaboração prévia

  de uma

 norma básica,

  que

será o fundamento último de validade de toda proposição elaborada pela

Ciência  d o  Direito.  A  norma básica  nos diz  qual situação fática  o

teórico aceita,  em sua  pesquisa, como produtora originária  de  valores

6 0

Page 61: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 61/133

delegados. Trata-se, pois,  de um ato teorético, fruto do próprio pensa-

mento científico. Mediante  a  utilização  da  norma básica,  a expressão

dever deixa  de ser um conceito referido a valores, para tornar-se um

conceito

  q u e

  expressa

  u m a

  idéia lógica. Pode-se, então, dizer

  que é a

partir  d a  postulação  d a  norma básica  que  Kelsen pretende encontrar

diferenças substanciais entre

  sua

 teoria

  e as

 doutrinas

  do

 Direito Natu-

ral . Por  certo  que o  dever , como idéia lógica, exige  o apelo  à outra

categoria reguladora  d o  pensamento:  a imputação.

O r a ,  mediante  a  categoria  de  imputação,  o  cientista  do  Direito

consegue estabelecer  um a  relação normativa entre  um a  conduta  e um

ato de coerção.  N o  entanto,  ta l  relação  de imputação  não se baseia  em

qualquer observação efetiva  da  conduta humana,  m as  sobre  o conhe-

cimento  de uma  norma jurídica,  que  estabelece  ta l  relação, enquanto

conteúdo

  da

 mesma.

  A o

 descrever

  tal

  relação, mediante

  o

 princípio

 de

imputação,

  o

 cientista

  do

 Direito enuncia

  um a

 proposição jurídica

  que

não se refere à efetiva conduta humana, m as à conduta humana, enquan-

to  determinada pela norma,  a  qual  é o  objetivo  da  Ciência  do Direito.

Trata-se, assim,  d e estabelecer  a validez do Direito  em um sentido

hipotético  e não,  como pretende  o Direito Natural, segundo  a intenção

de uma

 doutrina teológica

 ou

 metafísica. Vê-se, pois,

 qu e

 para Kelsen,

o

  carater ideológico

  da

 doutrina

  do

  Direito Natural representa, basica-

mente,

  um

  obstáculo

  à

 objetividade

 da

 ciência,

  um a

  doxa produtora

de um conjunto de raciocínios que resultam logicamente incontroláveis.

Certamente,  a Ciência do Direito estará apenas buscando o s senti-

d o s  objetivos  das  normas jurídicas positivas.  E a  pergunta sobre  o

significado objetivo de uma norma positiva  não pode,  do ponto de vista

d o  positivismo jurídico,  se r  respondida mediante  o apelo  a uma  ordem

jurídica superior. Esta questão

  se

 responde

  a

 partir

 d a

 explicitação

 das

condições pelas quais

 é

 possível interpretar

 o

 sentido subjetivo

 dos

 atos

de

  vontade, como

  seu

  significado objetivo.

  Tal

  resposta

  é

 encontrada

quando  se pressupõe  a norma básica.

3.  Considerada  a  mesma questão  d o  ponto  de  vista  de uma  teoria

crítica  d o  Direito, apenas existe interesse  em  observar  as  funções

sociais derivadas  d as  idéias jusnaturalistas sobre  a dupla existência das

normas

  de

 justiça

  e das

  normas jurídico-positivas. Este ponto

  se me

afigura d e importância crucial e não surge satisfatoriamente esclarecido

nas  relevantes discussões contidas na obra de Kelsen. Quero, portanto,

6 1

Page 62: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 62/133

apresentar  as doutrinas do Direito Natural como o fundamento das fun-

ções sociais cumpridas pelo pensamento jurídico tradicional. Nesta

perspectiva, a doutrina d o Direito Natural pode se r apresentada como a

ideologia de base,  a partir da qual  se constituem  os  topoi materiais e

formais

  d o

  Direito, realizadores

  de sua

  função social. Todo topo i

produz seus efeitos

  de

  verdade,

  a

  partir

  de

  certas crenças, opiniões

  e

representações legitimadas pelo senso comum.  N o  caso  dos  topoi

jurídicos, estas crenças

  e

  opiniões geraram-se

  a

  partir

  dos

  princípios,

argumentos e representações  que as doutrinas do Direito Natural forne-

ceram  aos juristas.

O

 Direito Natural pode, assim,

  ser

 visto ccmo

 o

 lugar ideológico

 d a

metodologia jurídica tradicional.  P or isto, a doutrina d o Direito Natural,

apelando para certos pressupostos implícitos sobre a justiça, fornece, ao

pensamento jurídico clássico, toda um a série de falsos conceitos descri-

tivos,  com um referente fetichizado q ue  permite, precisamente,  a cons-

trução d os discursos retóricos do Direito. N ão resta dúvida que segundo

Kelsen,

  — que

  expressa

  ta l

  questão

  com

  outra terminologia

 — a

 partir

d a

  doutrina

  do

 Direito Natural, constitui-se

  um

 conjunto

 de

  classifica-

ções, fórmulas tópicas

  e

  conceitos

  com

  sentido anêmico,

  que

  servem

rnais como argumentos justificadores

 do que

  como descrições

  dos sen-

tidos jurídicos.  8)

Uma das características evidentes  das doutrinas do Direito Natural

é o fato de que, em princípio e de forma geral, elas atribuem validade às

normas

 de

 justiça

 que, por sua vez, são

 apresentadas como derivadas

 da

natureza (coisas  e  homens),  de  Deus  e da  razão. Estes três modos  de

fundamentação são expostos retoricamente pelo jusnaturalismo d e forma

solidária, para sustentar

  a

 crença

  de que os

 direitos

  e

 deveres estabele-

cidos pelas leis naturais (normas

 de

 justiça)

 são

 inatos

 aos

 homens, pois

encontram-se  na  natureza, como manifestação  de uma  vontade divina

ou racional  9). A idéia de uma natureza legisladora traduz somente uma

forma mítica

  de

  representação

  da

 problemática

  dos

 valores. Estes

  apa-

recem através dessa argumentação como coisificados e personalizados

simultaneamente.  Mas tal  fetichização  do  valor esconde  um a  clara  in-

tenção ideológica,

 que é

 preciso revelar. Mostrar como,

 sob o

 manto

 d a

naturalidade,

  a

 ideologia

  é

 veiculada para

  que os

  homens vivam, como

naturais,

  o s

  valores

  que se

  lhes quer impor.

  A

  análise

  ,da

  ideologia

latente

  nas

  doutrinas

  do

  Direito Natural

  é,

  pois,

  um a

  tarefa essencial

para mostrar suas funções específicas, como fator co-determinante  das

condições materiais  da vida social.

6 2

Page 63: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 63/133

A s

 funções ideológicas

 que as

 doutrinas

 do

 Direito Natural desem-

penham

  não são , a meu ver ,

 satisfatoriamente desmascaradas pela

  crí-

tica kelseniana, porque o autor apela para u m a série de reflexões apoia-

das em uma

  metodologia positivista pretensamente avaliada

  por seu

caráte r científico, mas que , no fundo, deixa d e abordar aspectos nuclea-

res da

  questão.

  10)

A Teoria Pura do Direito cria um universo de silêncio sobre o poder

social

 que os

 discursos jusnaturalistas exercem,

 o que

 equivale

 a

 deixar

em

  aberto, como diria Tércio Sampaio Ferraz

  Jr. , o

  problema

  de se

saber quais  são as  condições particulares  que  fazem  com que as dou-

trinas

  d o

 Direito Natural

  se

  perpetuem. Porque

  é

  necessário perguntar

pelas razões sociais

  que

  determinam

  a

  interpretação

  das

  normas jurí-

dicas, baseadas

  na

  revelação

  d o

  mistério divino

  do

 Direito.

  O

 êxito

  do

Direito, como elemento unificador

 d as

  relações sociais, depende

  de um

duplo apelo:  à razão  e à justiça indubitável.

A s

  decisões

  se

  legitin

  am por

  serem,

  ao

  mesmo tempo, lógicas

  e

equitativas. Para  que  esta tarefa seja cumprida, explica Tércio  a

  Dog-

mática Jurídica  não  pode  ser  desenvolvida como  uma  ciência pois

isto

  só

  aumentaria

  as

  angústias sociais.

  Por

 isso

ela

  revela-se como

uma  tecnologia  que tem para aqueles  que não a conhecem aspectos

de um   rito cerimonial os  quais respeita como  uma  constante  dos

princípios  de  coerência jurídica

  11).

  Princípios estes

  que se

  encon-

tram topicamente fundamentados

  a

  partir

  de

  crenças geradas pelas

doutrinas

  do

  Direito Natural

  e

  pelos to po i constituídos

  a

  partir

  das

próprias propostas  d o posit ivismo jurídico.  Um  sincretismo cientifica-

mente irritante,

  m as

  retoricamente eficiente. Trata-se

  de um

  discurso

tã o  normativo quanto  o das  normas jurídicas. Ainda nesta direção,

externo minhas dúvidas sobre

 a

 utilidade

 de um

 estudo como

 o d a

 Teoria

Pura

  d o

  Direito, enquanto pretende mostrar

  um a

  função ideal para

  a

Ciência Jurídica, definindo

  a

  Dogmática Jurídica pelo

  que ela não é,

insistindo

  em que se

  deve preocupar pela verdade  d e  suas afirmações

quando,  na realidade, deveria discutir as razões pelas quais a procurada

verdade  é só um  dado retórico  em seu discurso.

Parece-me, portanto, necessária

  u m a

  re-leitura

  d a

 função ideoló-

gica  d as  doutrinas  d o  Direito Natural. Neste sentido, seguindo Tércio

Ferraz , creio importante deixar claro que a doutrina do Direito Natural,

como valoração ideológica, deve

 se r

 vista como

 um a

 meta-comunicação

q u e

  estima

  as

  estimativas

  e

  valora

  as

  valorações, para garantir

  o con-

6 3

Page 64: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 64/133

senso daqueles  que  precisam manifestar seus valores  12).  Também,

como observa Ferraz, o papel ideológico de uma linguagem é produzido

a partir de uma neutralização ou encobrimento de sua função. Isto pode

se r realizado de duas maneiras:  1?) escondendo a presença inevitável do

emissor  de uma  valoração  e dando  a impressão  de que se trata  de uma

proposição

 sem

 sujeito

 —

 caso

 do

 Jusnaturalismo

 q ue

 propõe

 um

 sujeito

transcendente  ou uma  referência direta  à  natureza;  2?)  substituindo

fórmulas valorativas por fórmulas neutras—caso da norma fundamental

em

  Kelsen.

  13)

Concluindo,  a  Dogmática Jurídica cumpre, como indica Tércio

Ferraz,

  um

  papel calibrador

  do

  próprio Direito

  14),

  necessitando,

porém, tanto  d as  doutrinas  d o  Direito Natural, como  do  positivismo,

ambos formando

 um

  duplo plano,

  que, a

 partir

 de sua

 forçosa ambigüi-

dade,  lhe permite realizar as funções míticas, através das quais encontra

a própria razão de sua existência. P o r isso, a neutralização ideológica d a

Dogmática Jurídica, mediante

  a

 pretensa superação

 de

 seus fundamen-

to s jusnaturalistas,  n ão deixa  de ser um  deslocamento complementar.

NOTAS

1) As  criticas  à s concepções tradicionais sobre  a justiça e a s doutrinas d o Direito natural

aparecem como

  u m a

  constante

  n o

  pensamento kelseniano. Para

  a

  redação deste

capítulo utilizei

  a s

  seguintes obras

  d e

  Kelsen:

  a s

  duas versões

  d a

  Teoria Pura

  d o

Direito. Teoria General  d e i  Derecho  y e l  Estado  e  Justiça  e  Direito Natural.

Certamente,  a  proposta  d e u m a  purificação jusnaturalista encontra-se estrei tamente

vinculada

  c o m o

  nível

  d e

  purificação político-ideológico analisado

  n o

  capítulo

  an-

terior.

  e ,

 neste sentido

  e ia

  pode, também,

  s e r

 i nterpretada como

 u m a

 derivação deste

nível  d e  purific ação político-ideológica.  E m  certo sentido,  a purifi cação anti-jusnatu-

ralista guarda , ainda,

  u m a

  estreita relação

  c o m

 juízos

  d e

  índole moral,

  na

 medida

  em

q u e

  eles

  s ã o

  apresentados como critérios

  d e

  legitimação

  d e u m

 dever

  d e

  obediência

  à

ordem jurídica,

  q u e s e

 encontra,

  p o r s u a v e z ,

  fundamentada

  em u m a

  supos ta identifi-

cação entre  a moral  e a justiça. Contudo ,  a distinção entre  a moral  e o Direito  não se

refere somente  a o  caráter ideológico  d a s  suas diversas pretensões  d e  moralização,

m a s .

  também, pode constituir

  um

  problema metodológico derivado

  da

  necessidade

d e encontrar  a s  características específicas d e duas ordens normativas diversas.  Ver

c a p . V )

  Finalmente,

  n o

  extenso tratamento

  d o

  tema

  d a

 justiça

  e d o

  Direito natural,

Kelsen desenvolve

  u m

  amplo leque

  d e

  questões,

  d a s

  quais

  s ã o

  escolhidas, para

  a

análise neste capítulo, aquelas

  q u e se

  encontram mais estreitamente ligadas

  ao pro-

blema  d o  método. Nesta ordem  d e  idéias, intentarei mostrar,  c o m  certa nitidez,  a s

relações entre  a  justiça  e a s doutrinas  d o  Direito natural  c o m a  problemática  dos

fundamentos  d a  validez.

6 4

Page 65: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 65/133

  2)  Expr ess ão utilizada  em  Justiça  e  Direito Natural , para referir-se ás  normas ideais

q u e

  determinam

  a

  justiça como condição

  d e

  validade

  d a s

 normas jurídicas.

3)

  Kelsen utiliza

  a

 expressão jusnaturalismo

  em um

  sentido lato, para fazer referência,

tanto

  às

  concepções tradicionais

  d o

  Direito natural

  de

  fundamentação teológica

  ou

racional), como

  a

 qualqu er doutrina axiológica

 ou

 crenç a sobre

 u m a

 justiça absoluta

 e

incondicional.  A  expressão, também, compreende todo juízo, mediante  o qual  p re -

tende-se expressar

  u m a

  valoração jurídica.

O s  interesses políticos  e d e  classe  —  conforme Ricardo Azpurua Ayala  — são

considerados, pela Teoria Pura

  d o

  Direito, como fundamentos

 d o

 jusnaturalismo.

  A

m e u v e r . d e u m a perspectiva semiológica,  a s  doutrinas  d o  Direito natural podem  ser

definidas como

  u m

 complexo

 d e

 saberes .crenças, mitificações

 e

 metá foras tendent es

a

 afirmação ontológica

  de um

 direito supra-legal, apresentado como formando parte

d o  sistema  d a  natureza, para condicionar, topicamente,  a validade  d o  Direito posi-

tivo, isto  é ,  para legitimar, retoricamente,  o s  fundamentos  de  validade  d o  Direito

positivo.

4)  KE LS EN . Hans: Teoria General  dei Derecho  e dei  Estado ,  p. 6. Adiante, TGDE .

5)

  Kelsen aderiu

  a

  muitas

  d a s

  idéias

  e

  princípios metodológicos

  d o

  positivismo cientí-

fico,

  q u e t em

  como

  u m a d e

  suas características fundamentais

  a

 negação absoluta

  da

metafísica.  A  conseqüência desta repulsa  é que  fica excluída qualquer instância

transcendente como critério objetivo d e  validade.  P o r isso, Kelsen. inevitavelmente,

circunscreve-se

  a u m

 relativismo ideológico,

  a o

 conside rar, como irracionais

 e

 subje-

tivos,

  o s

  motivos

  q u e

  determinam

  a

  idéia

  d e

  justiça, obrigando-o

  a

  procurar

  a

fundamentação d a  validade d o Direito na pressuposição — n o pensament o jurídico —

d e u m a

  norma bá sica, pela qual toda cons tru ção deri vada

 de tal

 norma deve possuir

 o

caráter hipotético

  d a

  mesma.

Í6)  Conf orm e Ambrosio Luca s Gioja: Id eas para  u na  Filosofia  dei  Derecho ,  p. 133.

7)  Kelsen acredita  q u e o s  juízos  d e  valor, externados pelas normas  d e  justiça,  n ão

podem incidir, teoricamente, como fundamento  d a  validade  d a s  normas jurídicas,

n e m

  podem

  s e r

  afirmados,

  n o

  interior

  d a

  Ciência Jurídica, como qualidade

  d as

mesmas. Isto pressupõe

  q u e a s

  normas

  d o

  Direito positivo possam

  se r

  avaliadas

  e

fundamentadas  p o r  normas  d e  justiça,  q u e  seriam, assim, consideradas,  n o  pensa-

ment o jurídico, como simultaneame nte válidas.  Ora , se  pressupusermos  um tal

sistema

  d e

 justiça válido, então,

  u m a

 norma

 d e

 Direito positivo,

 que a

 contradiga,

  não

pode

  s e r

  considerada como válida. Apenas podem

  te r

  validade

  as

  norma s jurídicas

q u e  tenham conformidade  c o m u m  sistema  d e  normas  d e  justiça. Isto posto,  n a

verdade, apenas  o  sistema  d e  normas  d e  justiça pode  s e r considerado válido  e não o

sistema

  d e

  Direito positivo como

  ta l .

  Este, então,

  n ão

 teria validade própria, além

  de

apresentar  u m a  duplicação desnecessária  d o  sistema normativo.

A s  normas  d e  justiça podem  se r  vistas como fundamento d o  ordenamento legal

se  pressupusermos  a  existência  d e  valores absolutos  —  baseados  e m u m a  ordem

transcendente ideal.

  U m a

  norma

  d e

 justiça, constitutiva

  de um

 valor absoluto, surge

c o m a

 pretensão

  de ser a

  única válida, isto

  é ,

  exclui

  a

 possibilidade

  d e

  tomar como

válida qualquer outra norma

  que a

  contrarie.

  O r a ,

  quando

  se

  admite, como

  o faz

Kelsen,

  a

  possibilidade

  de um

  relativismo axiológico, postulante

  d e

  normas

  de

justiça, também possivelmente, contraditórias, tidas,  a o  mesmo tempo, como váli-

6 5

Page 66: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 66/133

d a s ,  toda  a  ordem jurídica positiva tende  a entrar  em  contradição  co m  qualquer  uma

dessas normas  d e  justiça. Conseqüentemente,  n ã o  poderá haver qualquer ordem

jurídica positiva q u e deva  s e r considerada como  n ão  válida,  po r estar  em  contradição

c o m  qualquer  u m a  dessas normas  de  justiça. Neste caso,  a  contradição  é  forçosa  e

sempre haverá

  u m a

  norma

  d e

 justiça

  q u e

  possa fundamentar

 a

  validade

  d o

 conteúdo

d e u m a  norma jurídica. Assim. Kelsen acrescenta, como argumento contrário  á

consideração

  d a s

  normas

  d e

  justiça, como critério

  d e

  validade

  d o

  Direito positivo,

  o

fato

  d e q u e

  elas, pelo

  seu

  caráter relativo,

  n ão

  podem sustentar

  um

  critério unívoco

d e

  validade,

  q u e

  passará

  a

  depender

  de um

  pressuposto

  d o

  pensamento.

(8) A

  respeito,

  v e r

  capítulo

  VI.

(9 )

  Sobre

  o

  caráter retórico

  e

  ideológico

  d a

 argumentação jusnaturalista

  é

  interessante

v e r

 TGDE,

  p. 9, ond

  Kelsen analisa

 a s

 conc epções teológicas dojusnaturalis mo.

 qu e ,

a o

  identificar

 a s

  normas

  d e

 justiça

  com a

  vontade

  d e

  Deus, confere-lhes

  um

  caráter

sagrado.

  E, é a

 partir desta dimensão

 d e

 sacralidade,

  q u e

 elas

  n os

 apa recem, também,

como necessárias  e  auto-evidentes. Assim,  o Direito natural postula, retoricamente.

que o

 fundamento

 d e

  validade

  d a s

  normas

  de

 justiça, devg

  se r

 deduzido

  d a

  natureza

(constitui

  u m a

 ordem imanente

  à

 natureza)

 e que , por não

 serem aquela s normas obra

humana,

  m a s

 fruto

 d a

  vontade divina,

  s ã o

  imutáveis, válidas

  em

  todo tempo

  e

 lugar.

D e  acordo  c o m  esta argumentação,  a s  normas  d e justiça podem  se r  descobertas pela

razão, mediante

  u m a

  cuidadosa análise

  da

  natureza. Desta forma,

  a s

  normas

  de

justiça representam  a b o a  consciência,  u m a  consciência natural, espelho  d a vontade

divina. Assim,

  as

  normas

  de

  justiça, como expressão

  d a

 vontade divina, constituem

mandatos  de um  legislador (Deus) dirigidos  à natureza, o que  implica  na afirmação d e

u m a

  natureza legisladora.

  P o r

  certo,

  a

  doutrina

  d o

  Direito natural,

  q u e

  pretende

encontrar normas  d e justiça  n a  natureza, apóia-se  no seu  caráter sócio-normativo  e

religioso. Natureza

  e

  sociedade

  s ã o ,

  pois, identificadas

  na

  doutrina

  d o

  Direito

natural enquanto  n ã o  distinguem, afirma Kelsen,  o q u e " é " d o q u e  deve  s e r " . A

positividade

  d o

  Direito, preocupação

  d e u m a

  Ciência Jurídica

  e m

  sentido estrito,

necessita fundamentar seus estudos

  em

  normas criadas

  p o r

  atos humanos

  c não

divinos. Assim,

  um

  conhecimento científico

  d o

  Direito

  n ã o

  pode negar

  a

  validade

  a

u m a

  ordem estabelecida

  p o r

  atos humanos

  e não

  efetivos, pela razão

  de que

  esta

ordem coercitiva  n ã o corresponde  a u m a  ordem imaginária  de  justiça, estabelecida

p o r u m a

  autoridade transcendente. Para Kelsen, esta procura

  n ã o

  deixa

  de ser

subjetiva.

(10)

  Kelsen,

  e m

  TGDE,

  p. 14,

 converte,

  d e

  repente,

  a s

  doutrinas

  d o

  Direito natural

  nas

aspirações

  d o s

  homens

  n o

  sentido

  d e

  serem felizes, bons

  e

 justos.

  A

  justiça fica.

assim reduzida  a u m a aspiração  ou a um  idèal  n ão controlável pela razão. Entretanto,

a

 justiça

  e a

  doutrina

  d o

  Direito natural

  que a

  organizam ideologicamente, cumprem

funç ões específicas  na organização  d o s  discursos jurídicos (teóricos  ou  operativos),

na

  determinação

  d o

  saber como poder,

  de um

  saber

  q u e

  regula

  as

  evocações consti-

tutivas

  d o s

  sentidos

  d o s

  textos legais

  e ,

  desta forma, co-particípa, também,

  nas

funções sociais

  d o

  Direito. Esta

  é u m a

  idéia

  q u e

  deve

  s e r

 explicitada para

  a

 compre-

ensão  d a  função social dojusnaturalismo.

(1 I)

  FERRAZ

  J R . .

  Tércio Sampaio:

  " A

  Função Social

  da

  Dogmática Jurídica ,

  p

181.

(12)

  Idem,

  p. 188.

(13)

  Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior, idem,

  p. 190.

(14)  Idem.  p. 189.

6 6

Page 67: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 67/133

Capítulo  IV

A

 PURIFICAÇÃO

ANTI-NATURALISTA  O U

ANTI-CAUSALISTA

.  Enunciaremos, agora,  um a fórmula parcial de significação para o

terceiro nível  de purificação proposto  por  Kelsen:  é preciso evitar  um

sincretismo metodológico

  que

  obscureça

  a

  construção

  de um

  campo

temático específico da Ciência do Direito e dilua os  limites qu e lhe são

impostos pela própria natureza  do  objeto.

Neste nível, Kelsen propõe-se  a superar  o que ele considera como

insuficiência  do  pensamento jurídico deste século  e do  anterior.  Tal

pensamento  é visto pela Escola Vienense como  um saber acrítico, onde

se misturam categorias  e princípios provenientes de diversas disciplinas.

Desta forma,  os discursos  da Ciência  do  Direito'tradicional ocupam-se

de questões que têm mais a ver com a Sociologia, a Psicologia, a Ética o u

a  Teoria Política  do que com a  Ciência  do  Direito propriamente dita.

Para  a Teoria Pura  do Direito  o  sincretismo metodológico, presente  no

conhecimento jurídico dominante, pode  se r atribuído à estreita conexão

que o  direito  tem com o  resto  dos  saberes constituintes  das  chamadas

Ciências Sociais.  O  Kelsenianismo considera, pois,  que  estabelecer  a

posição  do Direito  no quadro geral das ciências constitui  um a condição

necessária para

  a

 determinação

 d a

 especificidade

 do

 conhecimento jurí-

dico.

Segundo Kelsen, pode-se distinguir dois tipos

  de

  ciência:

  a da

natureza e a da  sociedade. Evidentemente,  os objetos de conhecimento

que elas constituem  são distintos, mas a diferença entre ambas não surge

p o r nenhuma qualidade q ue possa  se r atribuída a seu campo temático,  à

realidade referida  por seu  discurso.  A diferença surge,  no  entender  de

Kelsen,  no plano dos princípios constituintes, organizadores  de discur-

sos ou

  saberes diferenciáveis. Assim,

  as

  ciências

  da

  natureza estariam

reguladas pelo princípio  da  causalidade e as  ciências  da  sociedade

6 7

Page 68: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 68/133

pelo princípio

  da

  imputação .

  É

  necessário, aqui, perceber

  que a

natureza

  e a

 sociedade

  são

 duas categorias

  do

 pensamento, através

 das

quais  se  externam  o objeto  de dois tipos  de ciências diversas.

O

 objeto

 d as

 ciências naturais

 — a

 natureza— constitui

 um

 sistema

de  elementos ligados  na forma de  causa  e efeito, segundo  um princípio

específico: o princípio da causalidade.  E m grandes traços, quando fala-

mos que um

 saber encontra-se orientado pelo princípio

 da

 causalidade,

estamos afirmando

 que a

 conexão entre dois elementos

 do

 real deve

  ser

interpretada  de  modo  que o  primeiro seja pensado como causa  e o

segundo, como efeito. Quando  se afirma, pois, que a relação condicional

de  certos enunciados deve  ser  pensada como  um a  conexão  de  causa  e

efeito, estamos diante  de uma ciência  da natureza.

O  objeto  d a s  ciências sociais  — a  sociedade  — é  para Kelsen,  um

sistema de elementos ligados segundo um princípio diferente daquele da

causalidade:  o da  imputação. Este princípio, também,  une dois elemen-

to s  externados mediante  um  enunciado condicionai,  mas sem  lhes atri-

buir  u m a relação de causa e efeito, senão interpretando-os conforme um

critério  de  retribuição  —  castigo  ou  recompensa  — de  forma  que o

primeiro elemento  do  enunciado condicional, seja visto como  uma

transgressão

  ou

  adequação.

Assim,  em  analogia  ao princípio  de  causalidade, quando  se afirma

q ue

 dois elementos devem

  ser

 interpretados como

  um a

  relação

 de

  retri-

buição (transgressão-adequação), estamos diante

  de uma

  ciência

  da

sociedade.

Chegamos, desta forma,

  a um

  ponto importante:

  a

 sociedade,

como objeto

  das

  ciências sociais,

  é

  regida, para Kelsen, pelo princípio

da

  imputação

  e , por

  isto,

  é

  sempre

  um

  conjunto

 de

  enunciados norma-

tivos.  Ou , de  outra forma,  as  ciências sociais  são  sempre ciências

normativas,  no  sentido  de que  estão constituídas  por um  conjunto  de

proposições condicionais que nos dão uma explicação imputativa de um

sistema  de normas,  por  meio do s quais  se estabelecem sentidos norma-

tivos para

  a

 conduta

  d o s

  indivíduos.

O r a , evidentemente, existem vários sistemas normativos  aos quais

pode

  ser

 vinculada

 a

 conduta

 dos

 indivíduos. Estes sistemas normativos

podem

  se r

  distinguidos, conforme

  o

  tipo

  de

  conseqüência imputada:

moral, religiosa  ou jurídica. Temos, então, postulados pela Teoria Pura

do

 Direito, três tipos possíveis

 de

 ciências sociais normativas:

 a

 Ética,

 a

Teologia

  e a

 Ciência Jurídica.

  São

 saberes

  que se

 ocupam

 da

 sociedade.

6 8

Page 69: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 69/133

enquanto ordem normativa. Isto posto, ficam esquematicamente expli-

cadas  a s  razões  q u e  levam Kelsen  a  postular  a  necessidade  de uma

purificação anti-naturalista. isto  é . u m a  purificação  q u e n o s  indique  u m

critério

  d e

  determinação

  d e u m a

  diferença genérica

  e m

  relação

  à s

  ciên-

cias

  d a

  natureza.

O

 princípio

 de.

 purificação anti-naturalista

 não

 aceita, como critério

definidor, do campo temático das ciências sociais, o pressuposto de que

o s

  seus saberes ocupam-se

  da

  conduta

  dos

  homens,

  uns em

  face

  dos

outros. Para Kelsen.  a  real  e  efetiva convivência entre  os  homens

necessita  ser pensada como parte do sistema da natureza, compreendida

através  da  categoria  da  causalidade.  As  ciências sociais como ciências

normativas ocupam-se unicamente da conduta humana, enquanto deter-

minada  po r  normas,  ou  seja,  que tem por  objeto  as  normas  que  deter-

minam essa conduta. Assim,  a  Psicologia,  a  História,  a  Sociologia,

enquanto reguladas pelo princípio  da  causalidade,  não se  distinguem,

metodologicamente  da  Física  ou da  Biologia. Elas  são ciências causais

que nos

  falam

  d a

  conduta humana. Surge aqui

  um

  problema termino-

lógico importante,

  já que a

  Psicologia,

  a

  História

  e a

  Sociologia

  são

costumeiramente chamadas Ciências Sociais. Kelsen aceitaria

 ta l

 deno-

minação, embora  com a  ressalva  de que  deveríamos distingui-las  em

dois tipos

  de

  Ciências Sociais:

  as

  causais

  e as

  imputativas. Apenas

  as

últimas, contudo, seriam Ciências Sociais

  em

  sentido estrito.

  1)

A s

  chamadas Ciências Sociais causais

  que

  tentam explicar

  a con-

duta recíproca entre

  os

  homens, conforme

  o

 princípio

  da

  causalidade,

apresentam  só uma distinção  de grau,  e não de princípio, relativamente

às  ciências  d a  natureza. Apenas pensando  a  sociedade como ordem

normativa  d a  conduta humana, interpretada  a  partir  do  princípio  da

imputação, teríamos  a  possibilidade  de  considerar  a  sociedade como

ordem

  ou

  sistema diferente

  do

  sistema

  da

  natureza.

N o

 quadro geral

 das

 ciências,

 d a

 natureza

 e da

 sociedade, (causais

 e

normativas),  a Teoria Pura do Direito situa a Ciência Jurídica como uma

Ciência Social normativa. Isto

  é, um

  saber

  que se

  ocupa

  da

  conduta

humana,

  não tal

 qual

  e la

  efetivamente

  se

 realiza (como causa

  e

 efeito),

senão como deve realizar-se,

  de

  acordo

  a uma

  ordem normativa.

  A

Ciência Jurídica  é um  saber  que nos  fala  de uma parcela  da  sociedade,

vista como

 um

 complexo

 de

 sistemas normativos referentes

 às

 condutas

humanas.

6 9

Page 70: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 70/133

Em   síntese, para Kelsen,  a  Ciência Jurídica como Ciência Social

normativa, teria  a  função  de  produzir  um  conjunto  de  proposições

explicativas  do significado jurídico atribuído à  conduta humana  por um

sistema

  de

  normas,

  as

 jurídicas.

N ão

 interessa

 à

 Teoria Pura

 do

 Direito explicar

 o s

 motivos,

 os

 fatos

que

 determinam

  a

 produção

  de uma lei, nem o

 grau

  de

 eficácia

 q ue

 esta

possa chegar

  a

 adquirir. Tudo isto resvala para

  o

 plano causal

  e

  deve

ser

  explicado

  por

  disciplinas como

  a

 Teoria Política

  ou a

  Sociologia.

A  teoria kelseniana, como instância epistemológica da Ciência Jurí-

dica, estaria somente preocupada  em  estabelecer as  condições metodo-

lógicas,  as  regras  de  significação  a  partir  das  quais  a Ciência Jurídica,

mediante suas proposições, pode explicar  o  sentido jurídico  que as

normas

  do

 Direito positivo outorgam

  à

  conduta

  dos

  homens.

A   purificação anti-naturalista indica, como função central   de uma

ciência jurídica,

  a

 explicação

  d o

  processo

  de

  produção

  do

  sentido

  nor-

mativo objetivo atribuído pelas normas jurídicas  à  conduta  dos  indiví-

duos,  e das  regras  de  formação das  proposições pelas quais estes  sen-

tidos  são  verificados.

Retenhamos,  por um  momento,  a  idéia  de que a  Teoria Pura  do

Direito seria um a teoria dirigida a explicar as condições de produção das

significações normativas  seu  objetivo central).

2. A

 partir

  d os

  textos kelsenianos, quando

  se

  fala

 de

  condições

  de

significação deôntica  2), em sentido estrito, pensa-se  na norma funda-

mental gnoseológica  ou norma básica). A norma básica é uma categoria

epistemológica

 a que

 Kelsen atribui várias funções, todas elas ligadas

 à s

condições

 de

 verificação

 das

 proposições

 d a

 Ciência Jurídica: postulado

de

  verificação

  das

  últimas bases

  do

  sistema

  de

  normas positivas

  e

fundamento último

  da

  unidade

  de tal

  sistema; regra

  de

  formação gené-

rica da  linguagem normativa; critério  de  reconhecimento  do sistema  de

normas positivas,  no  plano  do  conhecimento jurídico; categoria  fun-

dante  do  processo  de  constituição  do  objeto  da  Ciência  do  Direito e

também  do  sentido  das  proposições  qu e  descrevem  o  referido campo

temático  3). Daí, a  norma básica deve  se r  vista,  por  Kelsen,  como  o

fundamento gnoseológico, tanto do  sistema de normas positivas, como

d as

  proposições

  que as

  descrevem. Assim, para

  a

  Teoria Pura

  do

Direito, só seriam teoricamente admissíveis como normas e proposições

jurídicas,  as  expressões  que  satisfizessem  as  condições impostas pela

7 0

Page 71: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 71/133

norma básica. Desta forma, a norma fundamental gnoseológica serviria

como critério  de  reconhecimento, como esquema  de  significação  das

normas

 e

 proposições normativas

 e ,

 também, como propostadefmitória

do   campo temático  da  Ciência  do  Direito,  na  medida  em que  impõe

como condição para  o  reconhecimento destes elementos:

1 — que as

  normas

  em

  questão funcionem,

  por sua vez,

  como

  os

sentidos objetivos  dos  atos humanos  por ela  mencionados  em seu

conteúdo);

2 — que a   existência  da  norma seja reconhecida  por uma  norma

superior fundante  de sua  validade;

3 — que o   sistema  de  Direito Positivo,  ao  qual  a  norma pertence,

seja.  em sua  totalidade, eficaz;  4)

4 — que a

 norma tenha sido criada

 por

 órgão competente, mediante

procedimento adequado;  ou bem, se  estes requisitos  não se dão, que a

norma seja aceita pelos órgãos de aplicação como formando parte de um

sistema (norma  de  habilitação);

5 — q ue o  enunciado, mediante o qual  se expressa a norma, externe

um   juízo imputativo;

6 — que   indique expressamente como devido,  um ato de  coerção

(sanção);

7 — que a

  comunidade

  de

  cientistas poSsa reconhecer

  a

  unidade

sistemática  d o  conjunto  de  normas (representadas como formalmente

consistentes)  a  partir, precisamente,  da  norma básica, cujas caracterís-

ticas  terminamos

  e

  expor

A  enunciação  da  norma fundamental gnoselógica, obsessivamente

reiterada  ao  longo  da  obra  de  Kelsen, deixa, contudo, para  os juristas

práticos,

  um

 amplo leque

 d e

 interrogações.

 É

 preciso dizer

 que a

 norma

básica surge carregada

  de

  mistérios.

  O ra ,

  muitas

  das

  perguntas formu-

ladas pelo jurista  de ofício sobre  os  mistérios  da  norma básica,  não têm

sido, suficientemente esclarecidas pela epistemologia jurídica.

Penso  q u e ,  para  a  formulação  d a  norma básica, como conceito

teórico preciso,  é  imprescindível  u m a  análise prévia  do  problema

semântico

  das

  linguagens

  do

  Direito (normas

  e

  proposições jurídicas),

assim como  um  amplo estudo sobre suas regras  de  formação.

Eis-nos então, diante

  de um

  sério problema:

  da

  resolução destas

questões, depende toda

 a

 concepção

 das

 normas, como sentido objetivo

d as  condutas sociais,  e da  imputação, como categoria delimitadora  d o

domínio jurídico, frente ao domínio natural  e como gênero constitutivo

7 1

Page 72: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 72/133

d o  objeto  da  Ciência  do Direito  5). Em  outras palavras, como fórmula

metodológica  que pretende falar das estruturas  que condicionam  a pos-

sibilidade  de um  conhecimento normativo  do  Direito,  a  norma básica

necessita d a r  respostas,  ao problema da forma lógica e referencial com a

qual

  se

 pretende estabelecer

  um a

 ordem sistemática

  no

 material norma-

tivo,  de  sorte  que , a  partir  da  mesma,  as  normas jurídicas possam  ser

suscetíveis  de  algum tipo  de verificação.

3 . Mas para indicar o lugar epistemológico que deve  ser reservado à

norma básica  e m u m a  teoria  das  significações jurídicas,  é  necessário

efetuar  um  breve parênteses para discutir  as  questões levantadas pela

teoria analítica  com  relação  às  condições  de  verdade  das  normas  e

proposições jurídicas dada  a  ausência  de um  campo referencial).  É a

partir  d as dúvidas externadas peio pensamento neopositivista,  que ten-

tarei situar  a proposta  de Kelsen.  N a epistemologia positivista,  a enun-

ciação  d as  condições  de  verificação das  proposições  é  feita  a  partir  do

princípio  de que uma  expressão  tem  sentido  na  medida  em que  possa

transmitir  um  valor informativo. Assim, o discurso fático fixa os limites

do que pode  se r dito com sentido. Para o neopositivismo o significado de

u m a

 proposição depende

 da

 possibilidade

 de

 prova,

 da

 correspondência

d o enunciado  com os fatos. Se tal correspondência  é possível, podemos

determinar seus valores  de  verdade, tornar  o  enunciado verificável  e ,

portanto,  com  sentido. Para  os  cultores  d os  lineamentos formulados

pelo Círculo  de  Viena,  se as  palavras  se  aplicam para referir-se a situa-

ções  que não têm  correspondência  com os  fatos,  se carecem  de  refe-

rente, elas  não têm  sentido.  A regra  de  significação proposta baseia-se

em um critério semântico que considera sem sentido todo enunciado que

por não te r referente, encontra-se impossibilitado de ser submetido a um

teste sobre suas condições de verdade  6). O ra, esta regra de significação

tenta responder à seguinte pergunta: quando um a expressão tem sentido

para  a ciência? E m outras palavras, quando u m a expressão pode formar

parte  de um discurso científico? Vê-se, então,  que esta regra de signifi-

cação nada  nos diz  relativamente  ao  sentido  das  linguagens naturais:

trata-se de um a condição de sentido inaplicável a este tipo d e linguagem.

Projetando estas idéias

  ao

  domínio

  das

  linguagens jurídicas, nota-

mos que  tanto  o s  discursos  da s  normas jurídicas como  os das  teorias

dogmáticas, encontram-se formados  po r  expressões  que  foram cons-

truídas valendo-se  do s  recursos expressivos  das  linguagens naturais.

7 2

Page 73: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 73/133

Daí se  deduz, obviamente,  a  inexistência  de  critérios firmes para  a

determinação  do sentido destes enunciados. Descarta-se, pois, e m prin-

cípio,  a  possibilidade  de  construir seus âmbitos referenciais, assim

como  de um  pronunciamento sobre suas condições  de  verdade.

Como podemos, então, estabeleceras condições de verificação das

normas

  e

  proposições jurídicas?

  Em que

  podemos basear-nos para

estabelecer  u m a  teoria sobre  a  significação normativa?  A  partir  de

critérios, pode-se estabelecer  os  limites  de uma  ciência normativa  do

Direito?

U m a  primeira resposta  às  questões levantadas poderia  ser  enun-

ciada  a partir  das  idéias  de  Frege. Este autor, tomando, precisamente,

como exemplo,  as normas, distingue, claramente,  os problemas deriva-

dos da

  determinação

  do

 sentido

 de uma

 expressão,

  da

  determinação

 de

suas referências. Assim, distinguindo sentido,  de  referência, levanta  a

tese de que os termos de urna linguagem, quando carecem de correspon-

dência fálica, podem possuir,  do mesmo modo,  um sentido designativo.

T al  significação designativa depende  das  propriedades determinadas

peio u so habitual  do termo.  E este sentido habitual, como termo de uma

linguagem confere-lhe,  n o  juízo  de  Frege,  um a  referência indireta.

Deste modo,  a s normas jurídicas, carecendo de referente, não poderiam

se r

  submetidas

  a um

  processo

  de

  verificação

  que as

  vincularia

  ao

sistema  da  natureza).  N o caso, alcançaríamos  sua significação de forma

indireta. Elas  nos  dariam  o  sentido normativo  de uma  conduta  na

medida  em que  fosse possível estabelecer  sua existência dentro  de um

certo direito positivo.  A  norma funciona, assim, como  um  esquema

referencial indireto; como esquema  de  significação  das  condutas

sociais.  7)

Numa segunda resposta, poderíamos, também, apelar para Hume,

q ue  adverte sobre  a  impossibilidade  de  tentar derivar sentidos norma-

tivos,  a  partir  de  elementos fáticos  ou  juízos  de  verdade,  a  partir  de

sentidos deônticos.  E m  outras palavras,  o chamado princípio de Hume

estabelece  a recíproca impenetrabilidade  do mundo  do ser e do mundo

do dever.  O s sentidos normativos não poderiam ser atribuídos a partir de

nenhum tipo  de  observação fática,  m as  pela correspondência entre  o

sistema  da  natureza  e o  sistema  das  normas.  Por sua vez, o  sentido

normativo estabelecido

 a

 partir desse processo

 de

 correspondência,

 não

n os  habilita  a  efetuar nenhum pronunciamento sobre  as  efetivas  con-

dutas d o s homens, ou seja, não podemos tirar nenhuma conclusão sobre

7 3

Page 74: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 74/133

se os

 homens acomodam, realmente, seus atos

 aos

 sentidos normativos

propostos. Assim,

  por

  exemplo, frente

  à

  morte

  de um

  indivíduo,

  que

sentido

  lhe

  devemos atribuir?

  O

  sentido

  de .um

  homicídio

  ou de um

desejo natural? Para determinar

  a

  significação normativa deste fato

somos obrigados

  a

  apelar para

  um

  sistema

  de

  normas positivas.

  Mas.

estabelecido

 o

 sentido deôntico

 que um

 sistema

 de

 normas atribui

 a

 essa

classe  de  fatos, nada sabemos sobre  a efetiva adequação  das condutas

dos homens  a  estes sentidos normativos objetivados pelas normas.  Em

outros termos,

  o

  postulado

  de

  Hume impede

  o

  estabelecimento

  de

critérios  de  significação coincidentes para  o  mundo  do ser e do dever,

isto  é , a  verificação da eficácia de um a  norma  não pode  ser confundida

com a  verificação  do  sentido objetivo  que ela  estabelece. Trata-se  de

um a

  ambigüidade significativa determinada

  a

  partir

  da

  idéia

  de que o

sentido jurídico não tem faticidade e que , portanto, nunca se nos oferece

como dado sensível.

  É por

  isso

  que se

  afirma

  que da

  observação

  dos

dados sensíveis

  não

  podemos determinar nenhum tipo

  de

 sentido jurí-

dico.

  Por

  todas estas razões

  é que as

 normas jurídicas

  não

  podem

  ser

vistas,  em  nenhum sentido, como proposições.

Analisadas estas questões sobre

  o

 plano referencial

  e

 designativo,

vejamos,

  um

  pouco mais

  de

  perto,

  o

  pensamento

  de

  Kelsen sobre

  o

sentido

  das

  normas

  e

 proposições jurídicas.

Para Kelsen,

  o

  conhecimento

  de um

 fenômeno como jurídico

  é o

resultado

  de um

  processo

  de

  interpretação específica

  a

  partir

  de um

sentido atribuído

  sem

 nenhum apelo

 a o

 plano referencial.

 A

 significação

que um ato tem, do

  ponto

  de

  vista

  do

  direito, surge

  de uma

  operação

mental pela qual

  se

  atribui (imputa-se)

  a uma

  conduta, inserida

  no

sistema

 da

 natureza,

 um a

 qualificação jurídica objetiva. Partindo

 de uma

argumentação análoga

 à de

 Frege,

 a s

 normas jurídicas vincular-se-iam

 aos

fatos

  da

  natureza através

  de seu

  conteúdo.

  A

  referência indireta

  das

mesmas surgiria pela menção

  de uma

 conduta como âmbito material

  de

validade  de uma  norma.

Certamente,

  a

 problemática

  do

 sentido

 das

 normas jurídicas exige,

para

  su a

  resolução, certas regras

  de

  formação

  dos

  enunciados. Estas

regras seriam providas, implicitamente, pela teoria

  dos

  âmbitos

  de

validade. Segundo Kelsen,

  a

  solução

  do

  problema

  da

 significação

 das

normas passa pela suposição

  de que .

  para

  a

 construção

  de seu

  sentido

objetivo, além

 da

 modalidade deôntica, necessita-se explicitar

 um a

 ação

(âmbito material), atribuível

  a

 certos sujeitos (âmbito pessoal),

  em um

7 4

Page 75: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 75/133

espaço  e  tempo localizáveis (âmbito temporal-espacial).  U m a  norma

não  teria  um  sentido teoricamente determinável,  se não  tivesse condi-

ções de explicitar seus âmbitos de validade  8). Da í decorre, com clareza,

que . na

 caracterização

  do

 sentido

 d as

 normas,

  as

 condições

  de

 verdade

são  substituídas pelas condições  de  validade,  que  funcionam como

regras de formação das expressões integrantes dos discursos do Direito.

Referidas regras  de  formação  não se  encontram formuladas,  ex-

pressamente,  nem pelo pensamento jurídico clássico,  nem pela Teoria

Pura  do  Direito. Contudo, concordando  com  Vernengo, entendo  que a

carência explícita  de uma  teoria  das  regras  de  formação genérica  das

linguagens jurídicas pode

  ser

 suprida, considerando

 a

 teoria kelseniana,

sobre  os âmbitos de validade das normas, como um a teoria implícita das

regras

  de

  formação

  dos

  enunciados normativos.

  9)

P o r outro lado, a Teoria Pura do Direito afirma, em sua versão final,

a  necessidade  de  distinguir  a s  normas jurídicas  d as  proposições  d a

Ciência d o Direito  10). A partir desta divisão, sustenta-se que apenas as

proposições encontram-se sujeitas a uma lógica, onde os valores semân-

ticos  têm um papel determinante. Assim, para Kelsen, os enunciados da

ciência  d o  Direito  têm um  sentido descritivo (sujeito  às  condições  de

verdade),

  na

 medida

  em que

  afirmam

  a

 validade

  de uma

 norma

  11). O s

âmbitos  de  validade  das  normas serão, deste modo,  o  referente  das

proposições jurídicas. Sabe-se  que  para  a Teoria Pura,  o  referente  das

proposições jurídicas surge pela existência  de uma norma dentro  de um

certo Direito Positivo, reconhecido como  tal, a partir da pressuposição

d a norma básica. Assim, talvez houvesse um sentido para os enunciados

d a

  ciência

  do

  Direito,

  na

  medida

  em que

  eles pudessem externar

  uma

correspondência  com o  conteúdo  das  normas jurídicas.

Pode-se afirmar

 que a

 verdade

 das

 proposições jurídicas,

 em

 função

da  correspondência  de  dois sentidos,  é uma  tese semiologicamente

problemática, pois carrega

  a

  ilusão

  de que o

  sentido

  das

  normas

  é

unívoco. Além disso, estar-se-ia esquecendo  que os  efeitos  d o  reco-

nhecimento  d o  sentido  de uma  norma depende  de  representações  cos-

tumeiras.  da  ideologia  12) e de um  complexo jogo  de  correlações  de

força  n o  seio  d as  instituições,  que  devem  ser  vistas conio emissores

institucionais

1

'  dos sentidos jurídicos.  13)

4.

  Evidentemente,

  com

  esta exposição esquemática sobre

  as con-

dições d e  significação d as linguagens normativas na teoria kelseniana, a

qual parte  da pressuposição de uma norma básica e da imputação, como

7 5

Page 76: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 76/133

categoria constituinte  d o domínio, jurídico  em  sentido estrito, estamos

deixando

  d e

  considerar

  u m a

  série

  de

  importantes problemas. Desde

logo, deveríamos tentar formular  um a ampla discussão sobre  o tipo  de

analogia  q u e  Kelsen estabelece entre imputação  e  causalidade. Seria,

também, importante discutir

  as

  idéias

  de Von

  Wright sobre

  a

  possi-

bilidade  d e  atribuir modalidades deônticas  às  normas jurídicas.  N o

entanto, tais questões extrapolam  os  limites deste trabalho.

Neste capítulo, contento-me  em  indicar, tomando  um a  idéia  de

Cossio,  que os cinco níveis  d e purificação considerados  ao  longo deste

trabalho, devem  ser  entendidos como condições definitórias d a  impu-

tação,  e esta, vista como noção fundante e constituinte do campo temá-

tico  da ciência  d o  Direito. Assim, mediante  os princípios  e argumentos

com os

  quais Kelsen caracteriza

  os

 níveis

  em que se

 pode manifestar

 a

pureza metodológica

  e

 está, também, indiretamente, atribuindo

 o sen-

tido  d e  imputação,  q u e ,  como termo primitivo  de seu pensamento,  não

precisaria  de uma definição mais rigorosa.  A imputação necessita, para

Kelsen,  de uma definição argumentativa  que ajude a captar  a significa-

ção  deste  a  priori de pensamento.  Em outras palavras,  os cinco níveis

d e

  purificação seriam demonstrativos

  de

  razões pelas quais Kelsen

precisa fundamentar

  su a

  teoria sobre

  o

 conhecimento jurídico

  na

 cate-

goria d a imputação, oposta  (e complementar, de certo modo) à categoria

d a  causalidade. Neste ponto, convém observar  que os  níveis  de purifi-

cação resultem indicativos  d o s  critérios  que a  condição  de  sentido

normativo

  n ão

  pode conter. Enfim,

  a

  imputação deve

  ser

  vista como

u m a

  categoria

  q u e

  externa

  a

 operação mental

  a que é

 preciso submeter

o s  atos inseridos  no  sistema  da  natureza, para  se  lhes atribuir  uma

significação normativa, expressa mediante um juízo condicional, onde o

verbo dever funciona como conectiva lógica

  que

  permite mostrar

  a

relação  de  imputação,  o  sentido normativo  dos  enunciados causais.

A s Ciências Sociais, enquanto ciências normativas, utilizam, como

esquema interpretativo (determinante  de sua  estruturação lógica),  o

princípio  d a  imputação,  que  estabelece  um a relação específica entre  o

antecedente

  e o

  conseqüente

  d os

  enunciados condicionais integrantes

d o s  discursos  d as  Ciências Sociais. Esta relação efetua-se mediante  o

verbo copulativo de ver ,

  q u e

  expressa

  o

 sentido objetivo específico

com que se vinculam,  em uma  norma  (ou proposição jurídica), os fatos

mencionados  no s antecedentes  e conseqüentes  d as  mesmas.  O sentido

normativo objetivo

 que

 estas expressões constituem, mediante

  o

 verbo

7 6

Page 77: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 77/133

  dever , expressam  a específica relação estabelecida entre um a condu-

ta ,  vista como ilícita,  e seu  conseqüente.  Por  esta razão,  o  verbo

dever desempenha  um a  função metodológica  e não  moral, pois  só

expressa

  um a

  relação deõntica funcional,

  sem

  referência

  a

  valorações

rnetajurídicas.

Para compreender

  a

  função metodológica

  do

  verbo dever ,

  (e,

portanto,  da  imputação),  é  necessário vinculá-lo  à  norma básica,  na

medida

  em que a

 Ciência

 do

 Direito precisa mostrar

  a

 multiplicidade

  de

sentidos normativos  no  interior  de uma ordem  (uma unidade  de  pensa-

mento).

  Por

 outro lado,

  a

 fundamentação unitária

 do

 sistema

 de

 normas

é o que permite a interpretação normativa d e certos fatos como criação e

aplicação  de  normas válidas.  P or  isso,  sem o  apelo  à  norma básica,

resulta impossível conceber

  a

  Teoria Pura como

  um a

  teoria

  da

  inter-

pretação jurídica, entendendo, aqui,

  por

  interpretação,

  a

 atividade

  do

espírito

  que

  permite organizar sistematicamente

  a

 significação norma-

tiva. Kelsen, afirma, desta forma,

  a

 necessidade

  de um

 esquema inter-

pretativo para articular  os  atos  dos  hofnens  em  moldes normativos.

Assim, um mero a to humano valorativo, intencional e subjetivo adquire,

a  partir  de um  marco teórico interpretante,  sua objetividade.  Ao sub-

sumir  u m a conduta  em uma norma, esta  se objetiva em dita norma,  e, a

partir desta atividade interpretativa

 não há

 mais conduta humana, existe

somente a norma jurídica, desaparece o ato em sentido subjetivo, torna-

se a norma objetiva. Evidentemente, a questão d e fundo da passagem do

mundo

  do ser ao

  sentido normativo objetivo, está dada pela pressu-

posição  de uma norma gnoseológica que facilita a estruturação sistemá-

tica  d as  normas  e  opera como condição necessária  da  adjudicação do

sistema objetivo.  Ora, se a norma  não pertence  a um sistema,  não pode

conferir  o  sentido normativo  de uma  ação (carece  de  condições para

fundamentar

  sua

  validade).

  É

  bastante claro

  que ,

  mediante

  a

  norma

básica, Kelsen enuncia  as  razões  da validade  de uma ordem jurídica,  e,

co m  isto, também,  as condições, mediante  as quais  se pode compreen-

de r a significação de um ato como norma jurídica. Claro que, para que este

critério de significação funcione, precisa-se seguiras restrições metodo-

lógicas indicadas pelos cinco níveis de purificação. Mediante o princípio

da  pureza metodológica. Kelsen pretende fixar um a  fórmula de  signi-

ficação

  sem

  interferências extranormativas, isto

  é ,

  todo

  e

  qualquer

critério que não possa ser enunciado a partir de uma análise centrada nas

próprias normas jurídicas. Assim, mediante  o princípio  da  pureza  de

7 7

Page 78: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 78/133

método, Kelsen determina

  as

 condições metodológicas,

  sob as

 quais

 e

possível constituir  um conhecimento  do Direito, fundamentado em um

pressuposto

  do

  pensamento.

NOTAS

(1 )

  Esta mos diante

  de um

  ponto importante dentro

  d o

  pensamento kelseniano. Este

distingue, através

  d o

 princípio

 da

 causalidade

 e d a

 i mputação, dois tipos diferentes

 d e

ciência:  d a  natureza  e d a  sociedade.  N a  verdade, também através desta distinção,  a

sociedade, como objeto temático

  d a s

 ciências sociais, fica caracterizada,

  em

  termos

exclusivamente normativos, como

  um

  complexo

  de

  ordens normativas. Esta idéia

está claramente expressa  na T P 2'.

1

 e d. p. 117 e seguintes.

(2) E  evidente  q u e n o s limites deste trabalho  n ã o  possoesgotar toda  a complexidade  que

envolve

  o

 estudo teórico

  d a

  norma básica. Proponho-me,

  em um

  segundo momento

desta pesquisa, efetuar

  u m

  desenvolvimento mais aprofundado

 d e

  todas estas ques-

tões. Para

  u m a

  análise mais detalhada,

  v e r  Tem  a s

  para

  um a

  Filosofia

  do

  Direito,

Martino. Russo, Warat,

  pg. 57 e

  seguintes.

(3) Ver

  Kelsen,

  T P

  l?ed.

  p .  139.

4)

  Sobre

  o

  tema

  d a

 efetividade

  na

  teoria kelseniana,

  o

 profess orTarci sio Burity

  faz u ma

distinção fundamental entre  a  noção  d e  conduta efetiva  e a da  efetividade  d a  norma

jurídica.

  Ele diz: a

  primeira

  é

  bastante vaga, exprimindo

  a

 idéia geral

  de

  conduta

q u e

  exis te

  d e

  fato, realmente,

  e  que se

  opõe,

  em

  razão disto,

  à

 idéia

  ds

  conduta

fictícia, imaginári a.  Ao  contrário,  a noção  de  efetividade  d a  norma  significa algo

de bem

  determinado, alguma coisa

  já de

  categorizado ,

  de

  qualificado juri-

dicamente ;

  nà o

  exprime apenas

  a

  idéia

  de uma

  conduta efetiva,

  mas

  algo

  que

va i

  além disso:

  o

 conceito

 d e

 norma efetiva traduz,

  n a

 verdade,

  u m a

  conduta real

que já é

  imantada

  p o r u m

  valor,

  por uma

  significação bastante precisa

  — a

 signi-

f icação especif icamente jur íd ica .  Não  constitui, assim,  um  puro Sollen de

caráter abstrato,

  se m

  relação

  co m  o  inundo

  objetivo,

  nem um

  puro Sein , exis-

tindo

  na

  esfera

  do s

  fatos.

O

 conceito

  de

  norma jurídica efetiva significa  um-fato-no-sentido-da-norma,

vale dizer,  um  Sosein .  A  efetividade  é  assim, noção eminentemente  jurídica.

não se

  confundindo

  com a

  força bruta,  porquanto exprime algo

  que já

  reflete,

  de

certa maneira,

  as

  tradições

  e a

  ética

  n o

  meio  social onde

  se

  produziu.

Na  l inha  d o  formalismo kelseniano,  a  efetividade  è um  mero  fato,  situado

inteiramente

  no

  mundo

  de

  Sein .

  Daí,

  segundo

  ele,  a

  impossibilidade

  de fun-

damentar nela

  a

  validade

  d a

  norma jurídica, pois esta participa

  da

  natureza

  de

um

  dever-ser .

  In :

  Considerações sobre Validade

  e

 Efetividade,

  p. 9.

(5 )

  Talvez seja útil recordar

  q u e , c o m o s

  avanços produzidos

  e m

  disciplinas como

  a

Lógica,  a Lingüística  e a Epistemologia d a s  Ciências Sociais,  n ã o mais é necessário o

apelo

  a

  categorias

  t ã o

  indefinidas carregad as

  de

  evocações metafísicas) como

  a

norma básica  e a  imputação, para estabelecer  a s  condições  d e  significação  das

linguagens normativas

  e o s

  critérios

  de

  constituição

  d o

  objeto

  da

  ciência

  d o

  direito.

M a s ,  para Kelsen,  apenas  as  hipóteses  de uma  norma fundamental permitem

conferir  um  sentido jurídico  ao s  materiais empíricos  que se apresentam  a o exam e

7 8

Page 79: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 79/133

 3. *> '

d o s

  juristas

  e

 considerá-los como formad ores

  d e u m

  s is tema

  d e

 normas.

 P o r

 vsso,

julgo convenien te

  u m a

  análise crítica

  d e

 norma básica

  n a

 procura

  d e u m a

 reinterpre-

tação  q u e a  atualize  d o  ponto  d e vista lógico, lingüístico  e epistemológico.  A tare fa

n ão é simples,  m a s , s e n ã o f o r realizada, ficar ão, difusa mente, expostos  o s elementos

metodológicos,  a partir  d o s  quais  se  definem,  na  teoria kelseniana,  a s fronteiras que

a  separam  d e u m a  interpretação causalista  d a  sociedade, assim também,  a  partir  d a

referida análise crítica, poderemos perceber

  a s

  razõe s pelas quais Kelsen pret ente

u m a

  explicação imputativa

  d o

  social.

(6 )

  Sobre

  a

  condição semântica

  d e

  sentido

  é

  importante consultar Ayer,  Lenguaje,

Verdad

  e

  Lógica,  Eudeba,

  1965.

(7) Ver a

  respeito Roberto Vernengo, Curso

  d e

  Teoria Geral

  do

  Direito,

  p. 439 e

seguintes.

(8 )  Como complementação  d a  argumentação proposta convém consultar  o  trabalho  de

Vernengo indicado

  na

  nota anterior.

(9 )

  Conforme Vernengo, obra citada.

(10)

  Sobre

  o

  tema.

  o

  professor Tarcísio Burity afirma

  q u e

  para delimitar

  c o m

  exatidão

absoluta,

  a

  especificidade

  d o

  direito enquanto  ciência, vale dizer, enquanto

conhecimento... Kelsen começa

  po r

  fazer

  um u

  distinção fundamental entre norma

jurídica Rechts-Norm)

  e

  proposição

  d e

  direito Rechts-Sat z)

  in

  Considerações

sobre Validade

  e

  Efetividade,

  p. 4.

(11) E  acrescenta  o  professor Burity:  As  proposições  cle  direito constituem  um

Sollen porque

  sã o  a

  descrição

  de

  outro Sollen :

  as

  normas jurídicas .

  Mas

enquanto Sollen d a s  normas jurídicas,  a s  quais  s ã o  criadas  e aplicadas  peios

órgãos jurídicos,

  tem

  sentido prescritivo, caráter imperativo,

  o

  Sollen

da s

  propo-

sições

  de

  direito, cuja finalidade consiste

  em

  descrever

  as

  normas jurídicas,

possui apenas

  a

  significação

  de um

  juízo hipotético. Isto

  qu e

  dizer

  qu e

  elas

enunciam simplesmente  qu e  conseqüências determinadas poderão surgir,  se

certas condições definidas pela ordem jurídica  se  realizam;  e  isto  nã o  implica

nenhum imperativo  de  ordem moral, nenhum comando, nenhum juizo  de  valor.

Portanto, duas funções primordiais existem  no que se refere  ao fenômeno jurídico,  a

saber:

  a  da

  autoridade jurídica, cujo objetivo

  é

 criar

  o

 direito

  e a do

 jurista (aquele

que faz

  ciência

  do

  direito), cuja, finalidede

  é

 conhecer

  o

 direito, vale dizer, descrevê-

lo ,

  analisá-lo.

(12) De

  acordo

  c o m a s

  idéias

  d e

  Wittgenstein, poder-se-ia dizer

  q u e a

  linguagem, como

sistema

  d e

  comunicações,

  n ã o

  pode

  s e r

  linguisticamente interpretada, atendendo

apenas

  a seu

  sentido.

  A

  linguagem cumpre várias funções

  q u e são

  co-determinantes

d e su a

  significação.

  P o r

  isso, Wittgenstein destaca

  que o

  significado

 d e u m a

  expres-

s ã o  encontra-se determinado  p o r su a  modalidade  d e u so .  Estas modalidades  de uso ,

n o

  caso

  d o s

  enunciados

  d a

  Ciência Jurídica, externam intenções prescritivas

  e

ideológicas, estando

  a

 função descritiva

  d o s

  conteúdos

  d a s

  normas jurídicas, exclu-

sivamente.

  a seu

  serviç o seria

  o

 mero significante

  d e u m a

 função mítica

  d e

  significa-

ção ) .

(13) A

  idéia

  de um

  emissor institucional como

  u m a

  categoria

  q u e

  mostra

  o

  caráter

complexo

  e

  institucional

  d a s

  mensagens jurídicas

  foi

 formulado

  p o r mim, a

 partir

  das

questões levantadas  n o  decorrer  d a  pesquisa  q u e  venho desenvolvendo sobre  a

semiologia

  d o

  poder.

7 9

Page 80: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 80/133

NOTA COMPLEMENTAR  A O CAPÍTULO  IV

h). A  categoria  d e  emissores institucionais, contraposta  à  tradiçãò lingüística  d e  emis-

sores individuais,  é  proposta, principalmente, para diagnosticar  a s  possibilidades  de

inserção  d e u m a  teoria crítica  no  interior  d o s  diferentes marcos institucionais  do

direito.

Parece-

 m e q u e n ã o

  podemos pensar

  na

  produção

  de um

  saber crítico elaborado

externamente  a uma  história institucional. Esta forma  d e  produção  n c s  coloca

sempre frente  a  dois pólos  de  comunicação:  o d o  emissor crítico  e o do  interlocutor

repressivo,  q u e  filtram, redefinem, expropriam  e  recuperam  o discurso, utilizando-o

conforme  o s  interesses  d a  instituição.

Estamos, pois, frente

  a u m a

  comunicação polêmica, onde

  se

  procura impor

  o

peso  de um  discurso.  A  condição mínima para esta imposição retórica  e  política  d o

discurso crítico  é a de  falar  a partir  d a  linguagem  d o  interlocutor repressivo, rouban-

do-lhe

  o s

  sentidos

  e

  estabelecendo

  u m a

  espécie

  d e

  vacina contra

  a

  recuperação

ideológica, através

  de seu

  próprio veneno.

Desta forma, todo discurso crítico inicia-se  c o m u m a fala roubada.  N o  entanto,

se não  percebemos  o s  pressupostos  q u e  redefinem esta fala, ela r ecupera-se automa-

ticamente. Torna-se então importante,  a o le r um  discurso crítico, fazer referência ao

se u  interlocutor repres.-.ivo. para perceber  o  limite  da  crítica,  sob o risco  d e  margina-

lizar

 o u

  recuperar

  ta l

 discurso.

  P o r

 outro lado. para

  a

 compreensão

 d o

  funcionamento

d o s

  interlocutores repressivos

  é

  importante levar

  em

  consideração

  a

  relação

burocracia/verdade.

O  êxito  d a  cientificídade contemporânea, como elemento  d e  intermediação,

legitimador

  d a s

  relações

  d e

  dominação, fundamenta-se, entre outros fatores,

  n o

 fato

d e t e r u m a

  instituição como lugar

  de sua

  enunciação.

  A

  cientificídade moderna

apresenta como

  u m a d e

  suas principais características

  a

  auto-regulação

  d a s

  condi-

ções

  d e

  produção

  de

  suas verdades. Desta maneira,

  é a

 própria comunidade científica

q u e  produz  a s  normas prescritivas  d a constituição  de seu  saber; normas  q u e excluem

como  n ã o  verdades,  o s  enunciados inadaptáveis  a o s  critérios epistemológicos  que a

própria ciência estabelece.  A  ciência,  à  imagem  e semelhança  d o judiciário , erige-se

e m

  instância auto-controladora

  d e

  suas decisões.

  A

  burocracia

  d a

  instituição opera

como tribunal silencioso

  d a

  verdade científica. Depreende-se

  da í que a

 negatividade

de um

  saber depende

  de um

  carinho epistemológico. Assim,

  a o

  tentar estabelecer

  a s

condições institucionais  d e produção  d o s  sentidos,  não s e deve esquecer  que a marca

d a  negatividade  de um saber depende  de sua inadequação  a o s  princípios  d a  socializa-

ç ã o  burocrática:  a  condição institucional  d e  sentido depende  d e u m a  condição buro-

crática  d e  significação.

A o

  diagramar

  a

  referida condição institucional

  d e

  sentido, devemos levar

  em

conta

  que a s

  normas

  d e

  verdade

  s ã o

  utilizadas topicamente

  nas

  instituições,

  que

impõem âmbitos

  d e

  significação, legitimando certos usos

  e

  rejeitando outros. Esta-

belece. neste sentido,

  u m a

  interpretação controlada, disciplinando

  as

  condições

  d e

produção

  d a

  fala institucional.

  T a l

  controle institucional

  d o s

  discursos realiza-se

simultaneamente,  a  partir  d e  argumentos expropriadores  e d e  mecanismos buro-

cráticos.

E m  suma,  o censor burocrático, e m  nome  d a ciência e m  nome  d o saber racional,

contribui para

  a

  organização, legitimação

  e

  reprodução

  d a s

  relações sociais

  de

g q

  dominação.

Page 81: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 81/133

Capítulo

  V

A

 PURIFICAÇÃO

ÍNTRA-NORMATIVA

1. O quarto nível  de purificação que proponho chamar purificação

intra-normativa , pode

  ser

 enunciado

 da

 seguinte forma: para

  que

 haja

u m a ciência jurídica,  em sentido estrito,  é preciso que se proponham  as

noções

  de

  sanção

  e

  órgão como princípios categoriais aptos para deter-

minar,  em  relação  às  outras ciências sociais normativas,  as diferenças

específicas  d o objeto temático  da Ciência  do  Direito.

Já  explicitei, mediante  a depuração anti-causalista,  a maneira pela

qual surge

  um

  novo lugar para

  o

  conhecimento jurídico como ciência

social normativa. Utilizar-se-á, portanto,  um  princípio categorial  — a

imputação

 —

 hábil

 a

 situar

 a

 posição

 da

 Ciência Jurídica

 no

 quadro geral

d a s

 ciências. Assim, opondo

 a

 imputação

 à

 causalidade, Kelsen admite,

para o universo d as ciências, um a divisão  de natureza polar:  as ciências

d a  sociedade  e as da  natureza. Quanto  a estas últimas,  o objeto visado

pela Teoria Pura  é  construído tomando como ponto  de  referência  a

interação humana determinada pelas normas. Isto significa

 que , no

 caso

desta proposta classificatória das ciências,  a  sociedade deve  ser enten-

dida como  u m a  ordem normativa  e, as  ciências sociais serão vistas

como ciências normativas.

  A

  partir deste ponto

  de

  vista, elege-se

  a

Ciência Jurídica como

  o

  saber social

  por

  excelência.

Relativamente  às categorias polares — causalidade  e imputação —

sabe-se  q u e ,  enquanto  o  princípio  d a  causalidade  nos  situa diante  de

categoria  d a  natureza— expressão  d o  pensamento  que  permite trans-

formar

  em

  ordem

  o

  caos

  das

  sensações

  — , o

  princípio

  da

  imputação

organiza, sistematicamente,  os  dados normativos, estabelecendo  a

noção  de  sociedade.  O que  imediatamente resulta dessa oposição entre

natureza

  e

  sociedade

  é a

  possibilidade

  de

  distinguir

  o

  domínio

  das

ciências  da  natureza  do  domínio  d as  ciências normativas,e  não a dife-

rença específica do objeto d a Ciência Jurídica,  no  interior do horizonte

8 1

Page 82: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 82/133

temático delineado para

 o

 conhecimento normativo.

 O s

 sistemas morais

e

  religiosos

  são,

  como

  o

  Direito, ordens normativas,

  e as

  proposições,

mediante

  as

  quais

  se

  tenta descrevê-los

  têm a

  mesma forma lógica,

respondem identicamente

  à

  categoria

  de

  imputação.

  Em

  outras pala-

vras,

  o

 conhecimento

 do

  Direito,

  da

 Moral

  e da

  Religião, dispõe, efeti-

vamente,

  de uma

  categoria organizadora comum, cujo objetivo

  é pro-

porcionar apenas

  o

  conceito genérico

  e a

  técnica

  de

  estruturação

  que

permite distinguir

 o

 saber sobre

  a

 sociedade,

 do

 saber sobre

 a

 natureza.

Eis

 porque

  no

 âmbito específico

 das

 Ciências Sociais normativas,

  é

preciso contar também

  com um

  princípio

  de

  depuração metodológica

que dê

  autonomia

  à

  Ciência Jurídica

  e

  permite diferenciar

  o

  saber

jurídico,

 dos

 conhecimentos produzidos pela Ética

 ou

 pela Teologia.

 Tal

princípio purificador baseia-se

 em

 duas noções: sanção

 e

 órgão. Pode-se

dizer, contudo,

  que a

  noção

  de

  órgão encontra-se metodologicamente

subordinada

  à de

  sanção. Quando

  se

 examinam

  os

  textos kelsenianos,

encontra-se proposta

  a

 noção

  de

  sanção como único critério pelo qual

podemos distinguir claramente

  o

 Direito

 dos

 outros fenômenos sociais,

como

 a

 Moral

 e a

 Religião

  1).

 Entretanto, acredito

 que, de

 acordo

 com a

torma pela qual Kelsen desenvolve esta proposta demarcatória. fica

implícito

  na

  argumentação,

  o

  papel reservado

  à

  noção

  de

  órgão como

critério definitório. Tentarei demonstrá-lo

  no

  decorrer deste capítulo.

Antes

  de

  estudar

  o

  sentido

  da

  purificação proposta, importa

  tam-

bém

  lembrar

  que os

  sistemas

  de

  normas morais

  e

 religiosas

  são, por

vezes, passíveis

  de um

  tratamento jusnaturalista, enquanto aparecem

identificados

  com as

  normas

  de

  justiça

  e

  apresentados como parte

integrante

  d o

  Direito Natural. Neste caso, trata-se

  de

  sistemas

  de

significação construídos

  com a

 intenção

 d e

 converter tais ordens norma-

tivas

 em

 estratégias

 de

  legitimação

 do

 Direito Positivo. Certamente, esta

situação deve

  ser

  analisada atendendo

  aos

 critérios fixados mediante

  a

proposta

  de

  purificação anti-jusnaturalista.

  N o

  entanto,

  não é

  esta

  a

questão discutida neste ponto. Aqui, tento traduzir

  um

 problema

 que se

torna transparente unicamente

  no

 momento

  em que se

 tomam

  em

 conta

as

  diversas técnicas

  de

  motivação, empregadas

  na

  sociedade vista

como

  um

  complexo

  de

  ordens sociais), para induzir

  os

  indivíduos

  a se

comportarem

  na

  forma desejada.

Pretendo indicar

  o

 critério

  de

  demarcação

  que

  permite distinguir,

com

 precisão,

 a

 ordem

 d as

 normas jurídicas,

 dos

 outros sistemas norma-

tivos

  de

  motivação.

  P or

  esta razão,

  o

 componente ideológico, presente

8 2

Page 83: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 83/133

n os  conteúdos  da s  normas morais  e  religiosas, será analisado neste

capítulo, unicamente

  na

 medida

 em que

 funciona como indicador

 de um

valor  de  motivação  e não em sua  função  de  legitimação.  D o  ponto  de

vista  d a  depuração intra-sistemática,  é  importante verificar  que ela

introduz  um  critério  de  reconhecimento,  d e  distinção  das  diferentes

técnicas  de motivação,  sem  referir-se à s funções de justificação, deriva-

d a s d a

  conexão entre

  a

 ordem moral

  ou

  religiosa

  e uma

  idéia

 de

 justiça

dotada  de uma  validez absoluta;  a  depuração intra-sistemática visa  o

objeto preciso

  da

  ordem jurídica

  e da

  Ciência

  do

  Direito, fornecendo,

para tanto, critérios  que  permitem localizar todas  a s  expressões  que

pertencem

  a

  estes conjuntos.

  E

  importante destacar,

  por

  outro lado,

que a  restrição metodológica  que  acabo  de  impor  não me  impedirá  de

estabelecer,

  na

  oportunidade, algumas considerações sobre

  as

 funções

de  legitimação  do conceito jusnaturalista  de justiça.  De fato,  não posso

falar  da  sanção, como diferença específica  do  Direito Positivo,  sem

mostrar

  a

 depuração ynti-jusnaturalista

 que o

 referido conceito sofre

 n a

Teoria Pura

  do

  Direito.

Retomemos, agora,

  o

 tema

  de

 distinção

 do

 Direito frente

 à s

 demais

ordens sociais. Nesta perspectiva, Kelsen propõe considerar  as ordens

sociais como técnicas  de  motivação  da  conduta. Sugere dividir tais

técnicas de motivação em diretas — caso d a Moral, — e indiretas — caso

d o  Direito  e da  Religião  — 2).  Estabelecida  a  classificação, Kelsen

empreende

  um

  estudo comparativo

  dos

  elementos

  que

  caracterizam

cada

  u m a

  destas técnicas,

  com o

  objetivo

  de

  separar rigorosamente

  o

Direito

 —

 como objeto

 do

 conhecimento científico

 — d a s

 outras ordens

de  motivação  d a  conduta social.

Sabe-se

  que, no

  processo

  de

  aculturamento,

  as

  técnicas

  de

  moti-

vação apresentam-se

  de

 forma combinada.

  À

 Ciência Jurídica compete,

pois,  a  produção  de fórmulas de  reconhecimento, mediante  as quais  se

possa constatar

  um a

  significação jurídica específica

  e

  idealmente

  tor-

nada autônoma. Para isto,  é necessário explicitar os critérios, mediante

os

 quais torna-se possível estabelecer, frente

 a um a

 ordem social dada,

se a mesma  é uma ordem jurídica, moral  ou  religiosa. Poder-se-ia dizer

que o

  Direito, como técnica

  de

  motivação social específica, induz

  os

indivíduos

  a

  certas condutas,

  por

  meio

  da

  vinculação entre

  um

  dano

privação cotativa  de  certos bens)  e as  condutas consideradas indese-

jáveis.

  E m

  outras palavras,

  o

  Direito, como técnica

  de

  motivação,

pretende provocar certas condutas, vinculando

  a um

 juízo imputativo

  a

8 3

Page 84: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 84/133

conduta contrária a que se pretende motivar, com a ameaça de um a to de

coerção aplicável através

 de um

 órgão dotado

 d e

 autoridade,

 por

 alguma

norma  d o  próprio sistema d e Direito Positivo.  O ato de  coerção, deter-

minado como devido, mediante

  um

  enunciado imputativo

  d a

  ordem

jurídica,

  é a

  sanção.

Antes  de  analisar mais detalhadamente  a definição de  sanção  pro-

posta

  p o r

  Kelsen, farei

  u m a

  descrição

  d os

  elementos estipulados

  na

Teoria Pura como critérios diferenciadores  das  três ordens sociais  de

motivação.

2.  Inicialmente, compararemos   o Direito  com a Moral.  D e maneira

geral, podemos afirmar que as normas de uma ordem moral, ao contrário

d a s jurídicas,  n ã o prescrevem  nem  autorizam sanções  com  respeito às

condutas sociais

  q ue

  desejam impedir.

Para Kelsen,

  a

 diferença entre

  as

 normas

 de uma

 ordem moral

 e as

d e u m a

  ordem jurídica

  n ã o

  está dada pela forma lógica

  de

  seus enun-

ciados

  3), m as se

 encontra

 a o

 nível

 do seu

 conteúdo.

  As

 normas

 de uma

ordem moral

  n ão

  apresentam, como parte

  de seu

  conteúdo,

  um ato de

coerção socialmente organizado. Assim, devem

  ser

  vistas como

  uma

técnica  d e  motivação direta.  A  ordem moral  é  vista, pela Escola

Vienense, como u m a técnica de motivação direta, n a medida em que tais

normas  n ã o estabelecem sanções definidas, expressamente assinaladas

pela ordem  e m  questão.  D e  fato,  não se  pode falar   da  inexistência  de

sanções  n o  sistema  d a moral. Trata-se, entretanto,  de  reações coativas

automáticas, espontâneas,  d a  comunidade.  Daí que a  sanção moral,

além  d e  impredizível (enquanto natureza  do ato de coerção que a comu-

nidade exerce),  — sem  apelo  a u ma  reflexão sociológica, — carece  de

órgãos expressamente autorizados para  sua execução.  A ordem moral,

como técnica  d e motivação, apresenta, como traço sensível,   a designa-

ç ã o d e u ma  conduta exigível pela representação direta,  nos indivíduos,

d a s vantagens deste comportamento.   A conduta é regulada de forma tal

que a

 representação

 da

 norma moral torna-se suficiente como motivação

para

 o

 comportamento reclamado.

 A

 representação

 d a

 norma basta para

determinar

  a

  conduta. Sabemos

  que a

  representação

  de uma

  norma

moral encontra-se sempre acompanhada  por um  juízo  de  valor.  Daí

porque

  a

 conformidade

 à

 ordem moral aparece sempre vinculada

 à

 idéia

tópica

  de que a

  concordância

  d a

  conduta

  com a

 ordem moral

  é boa, e,

portanto, necessita

  ser

 praticada.

8 4

Page 85: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 85/133

Enfim, Keisen parece indicar

  que as

  sanções espontaneamente

produzidas  na sociedade como resposta   a um comportamento contrário

a o

  previsto

  p o r u ma

  norma moral,

  por não se

  encontrarem, digamos,

programadas  no  enunciado desta norma,   não  podem  ser  consideradas

relevantes paia

 um

 discurso teórico sobre

  a

 moral,

 ao

 contrário

 dos

 atos

d e  coerção imputados como devidos pelas normas jurídicas,   os  quais

pelo fato de se encontrarem mencionados em seus conteúdos, permitem

a   formulação d e proposições normativas a seu respeito. Deste modo,  as

explicações sobre  os atos de coerção surgidas como respostas intuitivas

de

 certos indivíduos

 à

 transgressão

 d a s

 normas morais, pertencem

 a um

conhecimento orientado pelo princípio

  da

  causalidade

  e

  alheio,

  por-

tanto,

  à

  temática

  de uma

  ciência social normativa.

Observando  o  rigor metodológico proposto   por  Kelsen, parece

necessário opor algumas restrições

  à

  tese

  de que as

  normas morais

provocam

  u m a

  sanção consistente

  em uma

  reação automática

  da

sociedade.

  Tal

  afirmação apresenta sérios inconvenientes metodológi-

cos e é

 contraditória

 em

  relação

  à

 lógica

 do

  discurso kelseniano. Neste

particular, Kelsen esqueceu  que ele próprio  nos propõe distinguir coer-

ção de  sanção, reservando o último termo apenas para aquelas condutas

previstas  nas normas jurídicas como devidas. Isto significa q ue  sanção

não é um   conceito  que  exista independentemente  de uma  norma jurí-

dica. Assim, resulta totalmente inadequado falar de algum tipo  de san-

ç ã o   vinculada  às  normas morais.  O  aspecto coercitivo,  que  aparece

como reação espontânea da comunidade frente à ordem moral, não pode

se r  pensado como sanção.   O u  seja, apenas  se  pode caracterizar   uma

técnica de motivação, tomando e m conta o elemento sanção, quando  um

juízo imputativo outorga  o  sentido devido  a um ato de coerção.  E claro

que a objeção proposta, reforça afinal a idéia kelseniana de que a sanção

é o  elemento distintivo  d o Direito frente  à  ordem moral. Estamos,  na

verdade, corrigindo  o  erro  de  chamar  de  sanção  à  resposta coativa   da

comunidade frente a u ma  transgressão  da ordem moral. Estamos,   tam-

b é m ,

  reforçando

  a

  explicação sobre

  o

  caráter programado

  e não pro-

gramado

  d o s

  atos

  de

  coerção, vinculados

  à

 ordem jurídica

  e à

  ordem

moral. Desta forma, ficam também esclarecidos

  os

 motivos pelos quais

as  respostas coativas provocadas pela ordem moral devem  ser  estuda-

d as

 casualmente.

8 5

Page 86: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 86/133

3.

  Analisarei, neste ponto,

  as

 distinções entre

  a

 ordem jurídica

  e a

ordem religiosa. Aqui

  a

 teoria kelseniana entende

  que

 ambas

 as

 ordens

sociais encontram-se formadas

  p or

  enunciados

  que

  enlaçam imputati-

vamente  um ato de  coerção  a uma  conduta indesejável. Para Kelsen,

não há  inconveniente  em  chamar, também,  de  sanção,  ao  elemento

coativo

 d a

 ordem religiosa.

  N ã o

 discutirei

 a

 pertinência dessa proposta

terminológica.  C om  certa complacência metodológica  —  sobretudo

atendendo

  a uma

  diferenciação global

  d a

  ordem jurídica

  e

  religiosa

frente

 às

  normas morais

  —

  pode-se sustentar

  q u e

 existe coerência

  em

propor

 u m a

 mesma denominação para atos

 d e

 coerção devidos

 da

 ordem

jurídica  e d a  ordem religiosa. Esta presença fatal  de um ato coativo,

como fator de  motivação, permite caracterizar  a ambos  os  sistemas  de

ordenação

  d e

 conduta como técnicas indiretas

  de

 motivação.

  (4)

M a s ,

  quais seriam

  as

  diferenças entre

  a

 ordem jurídica

  e a

 ordem

instaurada pelo apelo teológico?

 A

 noção

 d e

 órgão aparece, então, como

elemento chave, para mostrar,

  por sua vez, a

 diferença específica entre

essas duas técnicas indiretas

 de

 motivação.

  A

 natureza

 do

 órgão encar-

regado

  d e

  aplicar

  a

  sanção

  a

 cada

  um dos

  dois sistemas

  de

  ordenação

será

  o

  elemento

  a

  partir

  d o

  qual

  se

  pode definir dois tipos

  de

  sanções

diversas:

  as

 sanções transcendentes

  e as

 sanções socialmente organiza-

das .

  Vejamos isto

  com

  maior detalhe.

A s

 sanções estipuladas pela ordem social podem

  te r ,

 para Kelsen,

um

 caráter transcendente, isto

 é ,

 religioso,

 ou um

 caráter social imanen-

te ,

  isto

  é ,

 jurídico.

  N o

 primeiro caso,

  as

 sanções indicadas pela ordem

consistem

  em

  vantagens

  ou

 desvantagens

  que

  devem

  ser

 aplicadas

  aos

indivíduos

  p o r u m a

 autoridade sobre-humana,

  por um ser

  caracteriza-

do, de

 certo modo, como divino

  (5). No

 segundo caso,

 as

 sanções pelas

transgressões

  à

  ordem social encontram-se socialmente organizadas.

sanção socialmente organizada,

  diz

  Kelsen,

  é um ato

  coercitivo

que um

  indivíduo determinado pela ordem social dirige,

  na

  forma

estabelecida pela própria ordem, contra

  o

 responsável pela conduta

contrária

  à

  mesma ordem.

  O

  indivíduo

  que

  aplica

  a

  sanção atua

como órgão

  da

  comunidade constituída

  por

  essa ordem. 6)

E

 preciso, então,

  em

 face desta distinção, interpretar

 a

 sanção jurí-

dica como

  um a to da

  comunidade jurídica; entretanto,

  a

 sanção trans-

cendente deve

  ser

  vista,

  não

  como reação

  de um

  grupo,

  m as

  sempre

como

 a to de um a

 autoridade sobre-humana

 (7).

  Sendo assim, apenas

 as

sanções socialmente organizadas podem  ser vistas como  um  elemento

8 6

Page 87: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 87/133

constituinte  da  organização social  (8).  Isto porque  sua eficácia pres-

supõe  a crença n a existência e n o poder de um a autoridade humana (9).

Desta forma, resulta impossível conferir às  normas religiosas  o caráter

d e u m a significação objetiva d a conduta social. A s normas religiosas vão

imputar,  a u m a conduta humana,  um a sanção transcendente, conferin-

do-lhe

 u m a

 significação trans-histórica

 que

 pode

 ser

 reconhecida unica-

mente a partir d e u m a intuição transcendente sobre os valores.  A norma

fundante  d o  discurso teológico encontra-se, assim, respaldada pela

intuição de um valor absoluto.  Por esta razão, será sempre  um discurso

ideológico. Sabe-se q u e , para Kelsen, aCiência do Direito satisfaz seus

objetivos

 n a

 medida

 em que

 consegue

 um

 grau aceitável

 d e

 neutralidade

ideológica.  É a  neutralidade discursiva  um elemento característico  d a

Ciência Jurídica, porque viabiliza descrever  a  significação normativa

objetiva  d a  conduta  d o s  indivíduos.  A  Teologia,  por sua vez ,  nunca

atingirá  o  limiar  d a  neutralidade,  da  objetividade, pelo caráter trans-

cendente  d o  órgão encarregado  de  aplicar  a  sanção.  A  natureza  dos

órgãos dotados  d e  autoridade, pelo Direito  e  pela Religião, constitui,

desta forma,

 um

 dado necessário

 d o

 critério

 de

 demarcação

 d o

  objeto

da  Ciência Jurídica.  É a diferença específica  que  deve  ser explicitada

entre  o  Direito  e a  Religião, como condição para  a  compreensão  do

limite

  do

  objeto

  da

  Ciência Jurídica. Apenas esta pode descrever

  com

objetividade

  a s

  expressões

  q ue

  imputam como devendo

  s e r

(como

dever)  as sanções socialmente organizadas.

4 , A partir destes breves comentários sobre os critérios, a partir dos

quais  se determina  a diferença específica entre  a  Ciência Jurídica  e as

outras Ciências Sociais normativas, passo  a  refletir sobre algumas

questões  que me parecem fundamentais para caracterizar  o sentido e a

função

 d o

 conceito

  d e

  sanção

  na

 Teoria Pura

  d o

 Direito.

Inicialmente convém insistir  na  idéia  de  coerção  que  Kelsen  pro-

põe . Em  termos gerais, fazendo u m a composição  dos  textos kelsenia-

n o s ,

  veremos

  que a

 coerção

  é a

 privação

 de

 certos bens, como

 a

 vida,

  a

saúde,  a  liberdade,  a honra,  a propriedade  ou  qualquer outro valor  —

inclusive direitos  em expectativa — q u e  tenham  ou não valor econômi-

co ,  realizada  com  prescindência  da  vontade  do  titular destes bens.

Quando  a  coerção  é  devida, isto  é ,  quando  se  encontra prevista  e

determinada  e m u m a  norma como conseqüência  da  realização  de uma

conduta descrita nesta mesma norma, como  sua  condição,  tal ato de

coerção deve

  ser

 considerado como sanção.

8 7

Page 88: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 88/133

Isto posto,

  é

  importante assinalar

  que a

  sanção, como

  um ato de

coerção devido, como ponto final  de  imputação, adquire  seu  estatuto

normativo  n a  medida  em que ,  depurado  de  todo componente ético  e

mecanicista, pode  se r  visto como  um  conceito teórico primitivo  uma

categoria normativa primitiva), mediante

 a

 qual

 se

 atribui

 a

 significação

jurídica a certas condutas  as que aparecem descritas n as normas como

su a condição necessária e suficiente) e possibilita à Ciência do Direito o

elemento chave,

  a

  partir

  d o

  qual

  se

  podem definir

 os

  conceitos

  que a

Teoria Pura propõe utilizar para analisar  os  sistemas  de  normas jurí-

dicas.  P o r  certo,  o  rigor  d o  método purificador exige  a redefinição, em

termos estritamente normativos, d e todos os conceitos básicos (elemen-

t o s

  gerais

  com que se

  estruturam

  os

  diferentes discursos teóricos

  do

Direito)

  c o m q u e

  operam

  os

 juristas, partindo

  de uma

 noção primária,

q u e Kelsen considera conditio sine  q u a n o n  para a produção d o s dife-

rentes processos

  d e

  significação jurídica. Essa condição primária

  de

significação é a  sanção.  S em  estender-me  p o r  demais  no  tema, desejo

indicar aqui  que o conceito  de  sanção  e sua caracterização permitem  a

Kelsen propor:

  l)a

  separação

  do

  Direito (como realidade normativa

transformada  em  linguagem  d a Ciência Jurídica)  d as  demais ordens  da

conduta social;

  2) a

  produção

  d o

  significado objetivo

  das

  condutas

referidas

 n as

 normas , como

 a

 condição necessária

 e

 suficiente

 da

 sanção

o das  condutas logicamente derivadas dessa condição, como seria  o

caso d as condutas reputadas obrigatórias; 3) a obtenção d e u m a  estru-

tura teórica ,  q u e ,  como  u m a  entidade autônoma  de  dependências

internas  no  sentido  q u e  Hjelmslev  dá ao  termo estrutura), permite

reproduzir analiticamente tanto  a  ordem jurídica real como  o  saber

tecnológico (Dogmática Jurídica Clássica) com que , habitualmente, ten-

ta-se

  su a

  interpretação

  10).

  Assim,

  a

  partir

  d o

  conceito

  de

  sanção,

ficam definidos, normativamente, entre outros, os seguintes termos: ato

antijurídico, obrigação, direito subjetivo, responsabilidade, sujeito  de

direito, pessoa jurídica, Estado, órgão, et c. 11). É claro que este mode-

lo  estrutural  d e  conceitos necessita, além  de sua  vinculação  à  noção

normativa d e  sanção, de um trabalho d e purificação de cada um dos seus

elementos, para evitar  que se  caia  na armadilha jusnaturalista  de uma

caracterização dualista

  de

  todos eles.

  12)

O  mesmo afã na busca  de conceitos ideologicamente neutralizados

(desvinculados  d o  modelo parcial jusnaturalista) encontramos,  tam-

b é m , n a proposta defmitória, qu e Kelsen formula relativamente à noção

8 8

Page 89: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 89/133

d e  sanção.  U m  estudo  da  concepção jusnaturalista sobre  a  sanção

mostraria

 que , na s

 doutrinas

 d o

 Direito Natural,

  se

 atribui

 à

 mesma,

 um

caráter mecanicamente necessário.

  Com

  efeito,

  ela

  seria

  um a

  reação

negativa  da  sociedade  em  conseqüência  de uma  ilicitude essencial,

inerente  à  própria ordem  da  natureza. Quer isto dizer  que ,  entre  os

jusnaturalistas, domina

  a

  crença

  de que

  existe

  um a

  relação

  de

  soli-

dariedade axiológica entre  a transgressão e a sanção. Poder-se-ia, desta

forma, pensar  a  sanção como  um a  resposta eticamente justa, frente  a

u m a

 conduta intrinsecamente desvaliosa.

 É

 óbvio

 q ue

 estamos diante

 de

u m a  tese ideológica.  Mas , por quê?

Há, de  fato,  na concepção  de  sanção como  um a  resposta ética  da

sociedade,

  um

 forte sentido ideológico latente. Trata-se

  de uma

 cadeia

de

  conotações

  que

  cumpre,

  por

  assim dizer, várias funções retóricas.

E m  outras palavras, afirmando-se que a sanção é uma resposta ética da

sociedade, inaugura-se  um  lugar tópico artículante  de  vários discursos

legitimadores.  Em tal  processo  de  legitimação, interessa destacar  o

papel tópico que o conceito jusnaturalista de sanção cumpre em relação

ao uso da  força (poder  do s  órgãos)  do  Estado.  O exercício retórico  é

muito simples. Para obter  o  efeito persuasivo buscado, basta poder

vincular topicamente os atos de força d o Estado (apresentando-os como

a

  aplicação

  de uma

  sanção)

  a uma

  ordem moral absoluta, para

  que os

mesmos sejam legitimados como intrinsecamente justos.  É  preciso

advertir  que a significação ideológica transmitida remete-se  a um plano

de  conotação, onde nebulosamente  se  está fazendo  a  apologia indis-

criminada

  do

  monopólio

  da

  força pelo Estado; fatalmente

  se

 está

  imo-

bilizando  a  significação, condicionando  a  interpretação,  de  modo  a

inculcar  a  idéia (geral  e  difusa)  de que os  atos  de  coerção produzidos

pelos órgãos

  d o

  Estado nunca poderiam

  ser

  intrinsecamente injustos.

Como conceito tópico,  a noção de  sanção jusnaturalista  tem uma carga

d e  estereotipação  13) de  ausência  de um  sentido  de  base manifesto),

q u e  torna  a  mensagem ideológica eficaz, independentemente  de sua

conformidade à realidade. Isto se verifica, com total clareza,  na retórica

empregada para justificar os  regimes  de exceção.

E  importante, contudo, notar  que, em  Kelsen,  a tentativa  de desi-

deologização

  do

  conceito

  de

  sanção

  não

  deixa

  de ser, de

  certo modo

frustrada. Certamente recoberta pelo verniz de uma construção teórica

logicamente consistente, nota-se,  na  teoria kelseniana,  um a  transfor-

8 9

Page 90: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 90/133

mação

  e não a

 supressão

 do

 universo

 de

 significações ideológicas asso-

ciadas  ao  conceito  de  sanção.  D o  discurso jusnaturalista  ao  discurso

normativista sobre

  a

  sanção, verifica-se

  um

  deslocamento tópico

  que,

independentemente

  de

  seus caracteres originais,

  da

  inauguração

  de

searas retóricas,

  da

  supressão

  de

  alguns

  dos

  velhos caminhos ideoló-

gicos,

  nos

  força

  a

  consumir,

  a

  receber signos onde,

  a

  despeito

  das

cadeias conotativas diferenciadas, pode-se reconhecer

  um a

  razoável

semelhança  nos  efeitos legitimadores.  O  paradoxismo purificador  en-

contra, assim,  um  limite  que nos obriga  a retornar  ao ponto  de  partida.

Dir-se-á  que , por  trás  da  máscara purificadora, existe  um a  mensagem

que

  confia

  na

  neutralidade

  do

  exercício

  da

  força

  do

  Estado. Assim,

frente

 às

  relações

  de

 força conflitivas

 da

  sociedade,

  o

  Estado surge

  na

Teoria Pura como o vigia imparcial  que  salvaguarda a paz  social. A paz

do  Direito diz Kelsen,  não é uma  condição  de  absoluta ausência  de

força

um

  estado

  de

  anarquia

mas uma

  condição

  de

  monopólio

  da

torça

um

  monopólio desta

  em

  favor

  da

 comunidade

  14).

 Segundo

 tal

concepção,

  um a

 comunidade

  só é

 possível,

  se os

 homens

  se

 abstêm

  de

interferir, mediante

 o uso da

 força,

 n a

 esfera

 dos

 interesses

 d os

 outros

 ; a

execução

  dos

  atos

  de

  coerção deve

  ser

  reservada

  a

  alguns indivíduos

específicos, que podem  ser vistos como órgãos da comunidade, pois os

atos

  de

  força

  que

  realizam

  são

  atribuídos

  à

  sociedade. Para Kelsen,

quando  a ordem jurídica institui  um  monopólio coercitivo  da comu-

nidade a ordem jurídica estabelece  a paz  nesta comunidade  por ela

mesma constituída

  15). O

  Direito aparece, assim,

  na

  Teoria Pura,

como

  um a

 organização monopolizadora

 da

 força, como garantia

 da paz

social.

  A

  tendência

  à paz

  social seria preservada pelo Direito,

  no

momento

 em que

 garante

 aos

 indivíduos

 que lhe

 estão submetidos contra

o

 emprego

 de

 força

 po r

 parte

 d e

 outros indivíduos. Quando essa proteção

alcança  um mínimo determinado, fala-se de  segurança coletiva  16). N a

versão final  da  Teoria Pura  do  Direito, aparece definida  a paz  social

em  termos  de  segurança coletiva. Assim,  a  tendência  à paz  social  do

que

 Kelsen

  nos

 fala

  na 1?

 edição

 de sua

 Teoria)

 é

 vista como

 um

 mínimo

de

  segurança coletiva, colocada, como

  o

  valor realizativo

  do

  Direito,

pois  as  situações  de  Direito  são  essencialmente situações  de paz.

17).

O r a , quem possui familiaridade com a obra de Kelsen conhece  sua

repulsa

  ao

  menos manifesta) pelas caracterizações finalistas

 ou

  pelos

apelos

 a

 elementos valorativos para

 a

 definição

 d os

 conceitos básicos

 d a

9 0

Page 91: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 91/133

teoria

  d o

  Direito. Sabe, também,

  da

 denúncia metodológica, feita pela

Escola

  de

 Viena,

  no

 sentido

 de que a

 busca

 do fim do

 Direito

 é a

 lacuna

pela qual penetram  as  ideologias  na Ciência  do Direito  18). Verificou-

se, no

 decorrer deste trabalho,

  que a

 depuração metodológica implica,

minimamente,

  e m um a

  tentativa

  de

  entendimento

  da

  ordem jurídica,

pela análise exclusiva  de sua estrutura. Esta análise estrutural não está

divorciada  d a crítica  aos componentes ideológicos  do pensamento jurí-

dico clássico, para

  que

 afinal,

  se

 possam desmascarar

  as

 atitudes polí-

ticas ocultas atrás  dos conceitos tradicionais.  19)

P o r  certo,  o que  agora fica claro,  se consideramos  a  análise feita

sobre

  a

  sanção

  e a pa z a

  segurança coletiva),

  é que no

 conceito kelse-

niano

  de

  sanção,

  há

  considerações

  de

  tipo político, encontra-se

  ele

contaminado  p o r  tendências finalistas  e  conotações ideológicas.  N o

momento

  em que se

  afirma

  que o

  estado

  de

  direito salvaguarda, pelo

menos,  a  segurança coletiva, tendendo assim,  à paz, um objetivo  apa-

rece, camufladamente, como elemento  da  definição  do  Direito.  Com

isto, a problemática d a legitimidade negada e transformada em legalidade

pela norma fundamental gnoseológica) continua nebulosamente latente

na  teoria kelseniana.  E m  outras palavras,  a  legalidade apesar  das  afir-

mações kelsenianas, cumpre  a mesma função tópica  da noção  de legiti-

midade, expurgada

  da

 Teoria Pura

  do

 Direito.

  N a

  verdade,

  o

 conceito

kelseniano  de  legalidade impõe,  à  teoria jurídica,  um  sistema  de  legiti-

midade aparentemente neutro

 e

 utilitário

 que, em

 realidade, fundamenta

a obrigação de obediência à ordem jurídica  e política). Estamos diante

d a mesma noção rousseauniana do contrato social, de uma delegação de

força

 ao

 Estado

 que ,

 unicamente,

 a

 aplicaria, como

 um a

 garantia para

 o s

homens  não  viverem  em um  estado  de  violência permanente  e  mútua

repressão.  N ã o é  muito difícil descobrir  as  razões ideológicas desta

análise  qu e  coloca  o Estado acima  d as  tensões sociais;  que, ao  identi-

ficar

 o

 Estado

 com o

 direito, elimina,

 no

 plano

 d o

 saber,

 a

 oposição entre

a  vontade  do  príncipe  e o  império  das  normas, como negação  de um

estado permanente

  de

  violência. Neste ponto, como

  bem

  observa

Bobbio, aflora o pensamento liberal clássico  que ,  através  de uma  idéia

limitada

  d o

  Estado como aparato coercitivo, funda

  a

  ideologia

  do

Estado  de Direito  o Es tado limitado pelo Direito e limitado ao Direito)

20).  Esta ideologia  do  Estado  de  Direito  é  redefinida  po r  Kelsen,  na

medida

  em que

  toda ordem coativa

  é um

 Estado

  de

 Direito.

  Com

  isto,

nada mais

 faz que

  reforçar

 a

 ideologia

 do

 consenso

 em

 relação

 à

 sanção.

9 1

Page 92: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 92/133

Percebe-se, facilmente, u m a  subjetivaçãò do exercício do poder,  sob a

busca  de  razões para obedecer; razões  que são, pseudo-objetivadas,

mediante o apelo à legalidade feito pela norma básica; assim se aceitaria

como ordem jurídica válida-legal, logo legítima, aquele monopólio  de

coerção

  qu e

  fosse consentido

  21).

  Entretanto,

  não

  restam dúvidas

  de

q u e  esta subjetividade pseudo-objetivada  do  consenso desempenha  a

mesma função ideológica atribuída, po r Kelsen, ao pensamento jurídico

clássico,  n a  medida  em que  permite  u m a  representação-internalização

n o s  indivíduos ética  d a coerção), assim como,  na medida  que é  subes-

timado,  e m  todo momento,  o  tratamento  da  coerção  em  termos  de

fundamento  d o  poder.  A s  questões centrais sobre  o  poder  são  silen-

ciadas, para falar-se d as  razões do consentimento. Estamos frente a um

raciocínio tipicamente mítico, onde  se  mencionam alguns temas  ou

elementos para  não se estar obrigado a falar em outros e , desta maneira,

conseguir  que os receptores da mensagem recebam, precisamente,  sem

ler na  textualidade  d o  discurso,  o que se  queria dizer,  ao  silenciar.  1)

Vejo-me, pois, obrigado  a  falar sobre aquilo  que  Kelsen calou.  O

primeiro ponto inquietante  é sua visão simplista d o  consentimento,  que

n ã o  pensa  a s  razões  d o consenso como questões problemáticas. Teori-

camente,

  não se

  pode presumir,

  nem

  aceitar,

  um a

 concepção ética

  do

consenso. Existem fatores materiais  que o  determinam.  A  adesão  ao

poder  n ão  surge, como ingenuamente  ou  ideologicamente) afirma

Kelsen,  de um  interesse pela supressão  de um  estado permanente  de

beligerância. Tampouco, pode-se presumir

 que é

 conseqüência exclusi-

va da  ameaça  d e u m a  sanção negativa  22).  Como assinala Bobbio,

existe, também,  u m a  função promotora  do  Estado, baseada  na conces-

são de

 privilégios

  que não são

 apenas títulos

 ou

 medalhas)

 ou

 vantagens

de  ordem econômica  23), qu e  desempenham  um papel decisivo para  a

obtenção  d o  consenso.  Ele se  encontra, ainda, submetido  a um  duplo

controle: inicialmente,  um  controle derivado  d a própria coerção insti-

tucionalizada  que , em  seus efeitos de  retorno  à comunidade, desempe-

n h a u m papel decisivo na reprodução d o consentimento; a seguir, a ação

d a  ideologia  que , por sua vez ,  intervém, também,  na  organização  do

consenso.

Estas colocações foram analisadas para

  que se

  possam levantar

algumas suspeitas sobre  o  fundamento kelseniano  da  sanção  e do seu

tratamento ideológico camuflado, como diferença específica para  a

definição teórica  da  ordem jurídica. Quero deixar  bem  claro  que não

9 2

Page 93: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 93/133

estou questionando  o  valor  da  sanção como nota defínitória da  ordem

jurídica; dirijo minhas críticas  aos  argumentos  em que  Kelsen apóia  a

escolha d a nota designativa d o Direito. Essas razões, além de ideológi-

cas , são teoricamente infecundas. Nesta perspectiva, exporei esquema-

ticamente alguns argumentos  que sustentam esta última afirmação:

1?) É  falso supor  que o  Estado constitui-se  por uma  delegação

d e  coerção.  N a  verdade,  ele se constitui  por um conflito que  expressa

u m a  relação de força. Foucault, retomando Nietzsche, coloca a questão

d a  organização  d a  ordem jurídica  e  política  em  termos  de  conflito.

Assim,  é  possível derivar deste autor,  um a  subestimação  do  papel

excludente  do Direito,  no exercício do poder no interior das  sociedades

modernas; este poder  se  exerce mediante formas  e em  lugares  que

ultrapassam  o Estado  e  seus órgãos dotados  de  autoridade.  24)

2?)

 Deve-se pensar

 que a

 legitimidade

 do

 Estado moderno, longe

 de

provir  d o consenso  dos homens, encontra  o fundamento d o monopólio

da

  coerção

  no

  efeito

  de

  racionalidade

  e

  legalidade

  que lhe

  empresta

  o

próprio Direito, criando  a  ilusão  de que o  Estado necessita  de uma

utilização mínima d a força para ter seu monopólio válido. Outra veza

legalidade opera como legitimidade.

3?)  Concordando com Bobbio, parece-me importante afirmar que a

força

  não é o

  único meio para

  o

  exercício

  do

  poder.

  O s

  outros dois

principais meios, para toda sociedade,  são: 1) a posse dos instrumentos

dè  produção  que dá  origem  ao  poder econômico);  2) a posse  dos ins-

trumentos  de  formação  de  idéias  que  origina  o  poder ideológico).  O

Estado moderno participa c om suas ações nestas três esferas  25). Ele se

apóia  no  trinômio coerção/produção/ideologia.  A  partir  daí,  creio  na

necessidade  de  repensar  as  notas  com as  quais  se  tenta construir  as

diferenças específicas  d a  ordem jurídica.  H á,  pelo menos,  a necessi-

dade

  d e u m a

  reflexão teórica

 que

  indique

  as

 diferenças

 e

 relações entre

estas três dimensões  e revele,  ao mesmo tempo, em que medida o poder

ideológico  e econômico precisa estar monopolizado. Isto permitirá

desenvolver  um a concepção funcionalista manifesta do  Direito,  e não

encoberta, como  fa z Kelsen.

4?)  Creio, também,  q u e ,  apesar  das  afirmações  em  contrário,  a

estrutura normativa organizada

  p o r

  Kelsen,

  a

  partir

  do

  conceito

  de

sanção,

  nã o

 formula nenhuma consideração

 que

 transcenda

 a

 formação

d o  Estado moderno, assim como  um a  teoria  de  legitimação  de uma

ordem jurídica estatal.  É  importante verificar  que  toda  a  estrutura

9 3

Page 94: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 94/133

reflexiva

  de

  Kelsen perderia grande parte

  de sua

  censistência,

  se não

adotasse como pano  de  fundo a  referência  ao  Estado moderno. Neste

sentido,  o  apelo  aos  traços  de  invariabilidade presentes  nos  diversos

ordenamentos jurídicos  é um  recurso retórico para apresentar,  de uma

forma trans-histórica,  os  elementos  qu e  compõem  a ordem jurídica  a

qu e

  estamos submetidos.

  U ma d a s

  críticas

  que

  pode

  ser

  formulada

  a

Kelsen baseia-se nesta quarta objeção, já qu e é apenas pela compreen-

são da  teoria kelseniana, como  um a explicação sobre  a organização  da

estrutura jurídica

  d o

  Estado moderno,

  qu e

  podemos responder

  à per-

gunta sobre  a função social desta forma particular  de Direito.

É

 claro

 q ue

 tais questões exigem

 a

 negação

 da

 vigência

 do

 princípio

da  pureza metodológica. Elas rompem  com a visão imanente  da  teoria

jurídica. Bobbio acrescenta,

  a

  respeito,

  que a

 consideração

  da

  função

promotora  d o Direito deve  ser entendida dentro

  do

  âmbito mais vasto

de uma  ciência  da  direção social  e que  esta consideração  do Direito

como instrumento  de  direção social seja acompanhada  por uma

crítica  ou,  pelo menos por uma  valoração negativa  da  função

coativa.  26)

5.  Finalmente, quero tecer  u m a  crítica  ao  conceito kelseniano  de

sanção, segundo  a proposta  da Teoria Pura  do Direito. Neste sentido,

pergunto-me:

  é a

 sanção,

  nos

 termos definidos

 p or

 Kelsen,

  um

 conceito

normativo, isto  é ,  satisfaz  a  coerência intrínseca  d a Teoria Pura?  Res-

ponde

  ao

  princípio

  da

  purificação metodológica? Tentarei demonstrar

que a noção de sanção  não cumpre  a s condições propostas pelo próprio

método kelseniano.

Inicialmente, indicarei a inconsistência d a sustentação conjunta de

que o Direito  é uma  técnica  de motivação  e que a coerção jurídica  não

pode

  se r

  confundida

  com a

  coerção psíquica.

  N a

  teoria kelseniana,

  o

elemento coerção  é uma condição  de significação jurídica. Quando  um

ato de

  coerção figura

  no

 conseqüente

  de uma

 norma,

  ele

  indica simul-

taneamente  que, se é executado pelo órgão da comunidade, nunca pode

ter o sentido jurídico de uma conduta proibida; além disto, a conduta que

figura  n o  antecedente  d a norma adquire,  por  essa relação  de  significa-

çã o , o sentido jurídico de um a conduta proibida. Desta forma, obtém-se,

também,

  a

  purificação

  da

  idéia

  de

  coerção. Contudo,, isto apenas

  é

possível

  se

 tornamos absolutamente irrelevante

  a

 idéia

 de que o

 Direito

é um a técnica d e motivação d a conduta; o que não acarreta, po r sua vez,

nenhuma conseqüência negativa para  o  desenvolvimento  da  teoria

9 4

Page 95: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 95/133

kelseniana, manifestamente despreocupada

 com os

 aspectos funcionais

d o  Direito.  D e  outra parte, aceitando-se  a  concepção funcionalista  e

duvidosa  de que o  direito realiza-se funcionalmente, através  de um

papel  de  persuasão,  as  funções  do  direito extrapolam  as  motivações

individuais, para refletir, condensar e materializar u m a relação de forças

sociais.

A admissão d o caráter extra-normativo d a idéia d e motivação é um

b o m  indicador  d os recursos ideológicos  e  sociológicos  de que se utiliza

Kelsen, para fundamentar  um  princípio metodológico  que os  repele.

Vejamos , então, o que ocorre  com a definição de sanção que ele propõe.

Verificou-se  que o  normativismo kelseniano caracteriza  a  sanção

como a privação devida d e certos bens: vida, saúde, liberdade, e tc . , feita

por um

  órgão

  d a

  comunidade; assim,

  a

  sanção

  é

 vista como

  um ato de

coerção devido. M as , a definição de coerção q ue Kelsen oferece é extra-

normativa.  E fruto de um estudo comparativo d e todos os ordenamentos

jurídicos existentes

  ou que

  tenham existido

  27).

  Assim,

  o

  conceito

  de

coerção devida surge  de um  estudo empírico  e não  estrutural; surge  a

partir  d e u ma  análise  p or  meio  d a qual  se define  a estrutura lógica  das

normas  e proposições jurídicas  e se  indica  um dos  elementos materiais

d a s  ordens jurídicas. Como  se  pode, portanto, construir  u m a  teoria

pretensamente rigorosa

  a

 partir

  de um

  elemento

  tão

 pouco delimitado?

P o r certo,  a definição d e  sanção,  em  Kelsen,  é circular.

Desta forma, o leitor fica peiplexo ao observar que os  bens enume-

rados  p o r  Kelsen  os  quais podem  s e r  triados mediante  a  sanção),

apenas podem  ter um  sentido normativo  ao  saber  o que  significam,  a

partir  d a s  próprias normas instituintes  d o s  sentidos normativos  e a

partir  d a  sanção). Assim, para manter  a  coerência interna  da  teoria,

necessita-se propor outro conceito

 d e

  sanção

  ou de

 coerção devida

 que

não se  baseie  em  nenhum tipo  de referência empírica.  É  isto possível?

Certamente,  em  benefício  d a  própria coerência  d a  Teoria Pura,

devemos recorrer  a u ma  definição q ue  prescinda  de  qualquer determi-

nação d e conteúdos e acentue o fato de q ue a sanção é um a conseqüência

devida,  q u e pode  te r qualquer conteúdo  de conduta. Assim,  se em uma

ordem jurídica enlaça-se  um a  conduta  a uma  conseqüência, esta deve

ser

  vista independentemente

  de seu

  conteúdo como sanção inclusive

d a s  sanções positivas  de que nos fala Bobbio).

Deriva-se  daí , que  para  a  noção  de  sanção,  não  podemos estabe-

lecer  se u  sentido  c o m  independência  d as  próprias normas.  Sem o re-

9 5

Page 96: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 96/133

curso

  às

 normas,

  as

 privações

  de

 certos bens apenas podem

  ser

 qualifi-

cadas

  com

  referência

 a

 sistema

  de

 valores (subjetivos para Kelsen).

  O

sentido objetivo

 que me

 permite caracterizar

 um a

 conduta como sanção

depende  das normas, d o lugar da conduta no-enunciado condicional que

expressa  a norma.  M a s ,  para  não  cair  no vício  da  circularidade, deve-

m o s  prescindir da referência a qualquer conteúdo de conduta e definir a

sanção como

  a

 conduta prevista

 n o

 conseqüente

  d a

 norma.

Creio

 q u e

 esta

 é a

 única maneira

 de

 oferecer

 um

 conceito

 de

 sanção

igualmente purificado,  sem  ecos ideológicos  ou psicológicos,  que evo-

quem,

  em

 torno

 da

 sanção,

 a

 idéia

 de um

 desvalor,

 de um

 prejuízo.

 Com

esta colocação,

 não se

 encerram, certamente,

 as

 críticas possíveis sobre

o  conceito  de  sanção,  nem se  invalidam  as  objeções apresentadas  em

ponto anterior neste capítulo. Trata-se, simplesmente,

  de um

 exercício

analítico sobre  u m a purificação  que não é tão pura.

NOTAS

(1 ) Ver

  Kelsen, TGDE,

  p. 17.

( 2 ) U m a  técnica d e motivação é direta, quan do a simples represent ação d a s normas pelos  |

indivíduos é suficient e como motivo para o comportamento reclamado. Po r sua vez, a

técnica  é  indireta,  se o  comportamento reclamado precisa, para  se r  motivado,  c o n -

verter  o desejo d e certas vantagens, ou  temor d o s prejuízos imputados,  em um motivo

determinante  d o  comportamento.

(3 ) Ver

  Kelsen,

  T. P . , l a . ed . , p . 70 .

(4 )  Conforme  a  caracterização dada  na  nota  2  deste capítulo.

(5 )

  Kelsen. idem. Para Kelsen,

  o

  lugar

  d e

  aplicação

  d a

  sanção

  é

  irrelevante.

  O

  caráter

transcendente  o u imanente d a san ção provém d o órgão encarregado de sua  aplicação.'

S e o

 órgão

  é

 divino,

  a

  sanção

  é

 transcenden te, ainda

 q u e

  aplicada neste mundo.

  Se a

autoridade encarregada  d a  aplicação  d a  sanção  t em u m  poder derivado  d a  própria*

organização comunitária,  a  sanção deve  s e r  vista como socialmente imanente.  Tal

seria,

  p o r

  exemplo,

  o

  caso

  d a s

  sanções aplicadas pelos órgãos autorizados

  nas

normas canónicas.

(7)

  Conforme Kelsen, TGDE.

  p. 24.

(8 )  Conforme  T.P . , Ia . ed . . p . 71 .

(9 )

  Kelsen, TGDE,

  p. 23.

(10) O

  discurso teórico purificado normativamente,

  a

  partir

  d o

  conceito

  d e

  sanção,

funcionaria, segundo Kelsen, como  u m  modelo analítico importante  na  medida  que

sendo constituído

  e m

 vista

 d e u m a

 significação,

 n ão t em

 nenhu ma fun ção tecnológica

n e m  política  o u  ideológica.  É u m  discurso cujo único papel  é o de  ti^nsmitir  u m a

informação, cujo conteúdo surge  a  partir  d e u m  objeto genérico chamado,  por

comod idade , Direito.

9 6

Page 97: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 97/133

(11)  Sobre  as maneiras como  se relacionam alguns d o s conceitos jurídicos básicos como o

conceito  d e  sanção,  v er meu  trabalho  Os

  conceitos normativos

  em

  Kelsen

  e da

desmitificação

  do

  modelo napoleónico

in :

  Temas para

  um a

  Filosofia Jurídica

Martíno-Russo- Warat.

(12)  Estou falando d a necessidade d e submete r todos os conceitos básicos à regra metodo-

lógica externada pelo  q u e  chamo  o  princípio  d a purificação antí-dualista . Dele  m e

ocupgrei  n o  próximo capítulo.

(13)

  Veja

  O

 tratamento

  q u e

  dispenso

  a o

  conceito

  de

  estereótipo

  e m m e u

  trabalho

  EI

Derecho  y su  lenguage.

(14)  Kelsen, TGDE,  p. 25.

(15) T .P . , 2? ed . , p . 67 .

(16)  Idem,  p. 67.

(1 7) N a 2 ed . d a T .P . ,  Kelsen adverte  e m  nota  d e  rodapé,  q u e t em modificado su a  idéia

e m

  torno

  d a s

 relações entre

  o

 Direito

  e a p az ,

  propondo, assim, substituir

 a

 noção

 d e

p a z  pela  d e

  segurança coletiva.

  U m  Estado  q u e  garante  a  segurança coletiva  é um

Estado  q u e  aspira  a p az , q u e  tende  a ela.

(18)  Conforme Kelsen  —  Cossio,  in :  Problemas escogidos  de Ia  Teoria Pura  dei

Derecho.

(19)  Sobre  a  oposição estruturalismo

1

funcionalismo  ver o  trabalho  d e  Norberto Bobbio

Hacia  un a  teoria funcional  de i  Derecho

in :

  Derecho Filosofia  y  lenguaje

Homenaje

  a

  Ambrosio

  L .

  Gioja.

(20)  Bobbio, idem,  p. 11.

(21)

  Idem,

  p. 18.

(22)  Idem,  p. 19.

(23)  Bobbio,  n o  texto  q u e  estamos citando  a o  longo deste capítulo, fala  d e  sanções

negativas  (o s atos  d e  coerções devidos q u e priv am bens)  e sanções positivas  (as que

concede m benefícios, sobretudo  d e índole económica).  Se Kelsen aceita  um conceito

amplo

  d e

  sanção, abrangente

  d o s

  dois tipos

  de que nos

  fala Bobbio.

  a

  diferença

  do

autor italiano é q u e consi dera como característica q u e permite estabelecer a diferença

específica entre

  o

  Direito

  e a s

  outras ordens sociais,

  a

 sanção negativa.

(24)  Sobre  a  função promotora  d o  Direito,  ver o  trabalho citado  d e  Bobbio,  p. 16 e

seguintes.

(25) Ver  Foucault, principalmente,  A  verdade  e as  formas jurídicas  e  Vigiar  e punir.

26 )  Bobbio op. cit., p. 27.

27 )  Bobbio op. cit., p. 30.

28 )

  Kelsen

T.P., 1 ed., p. 71.

NOTA COMPLEMENTAR  A O  CAPÍTULO  V

(i). A

  experiência reflexiva

 d e

  Kelsen sobre

 a

 noção

  d e

 sanção silencia algumas questões

importantes  e m  torno  d a s complexas funções sociais  da  coerção jurídica.

D o ponto d e vista  d e u m a t eoria crítica  d o direito, a sanção apres enta dimensões

político-ideológicas,  q u e se  encont ram obscurecidas  na  análise normativista.

Page 98: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 98/133

Assim,  po r  intermédio  d e u m a  política  d e  coerção, assegura-sè  o programa jurídico

ideológico  d o  Estado  e  determina-se  u m a  tática política, mediante  a  qual  a  coerção

aparece como  u m d o s  instrumentos tecnológicos  d o poder.

O

  tratamento kelseniano sobre

  a

  sanção desloca,

  m a s nã o

  desmistifica

  o

  trata-

mento tradicional  que os  juristas imprimem  a o  tema.  A justi ficação política d a  sanção

encontra-se teoricamente reforçada  n as  propriedades defínítórias estipuladas pelos

juristas para  a sua  noção. Geralmente, pretende-se definir  o  castigo como  a  conse-

qüência  d a  violação  d e u m a  norma, imposta  e  executada  por um  órgão normativo,

como resposta social  a um a  transgressão,  q u e  exige algum tipo  de  conseqüência

desagradável.  O  castigo, assim,  é a  expressão social  d e um a  desaprovação moral  a o

seu  transgressor.

Esta definição encontra-se respaldada  em um  jogo discursivo, apoiado  na  oposi-

ç ã o

  entre

  o

  interesse geral

  e a

  transgressão individual,

  e

  entre

  as

  justificações retri-

butivas  e preve ntivas. Este duplo jogo  d e  oposições permite articular retoricamente  as

finalidades legalistas  e  morais. Todos estes argumentos  s ã o  apresentados dentro  de

u m a  história linear  que va i da  vingança  d e  sangue  à  readaptação psicológica  d o

transgressor. Nesta história, misturam-se pontos  d e  vista mágicos, religiosos, éticos

e  racionais. Esta narrativa sobre  a  evolução  d a  sanção leva  o s juristas  a  apresen-

tarem,  d e  forma confusa,  a s  finalidades sociais  d o  castigo  e as  questões vinculadas  à

justificação moral

  d a

 coerção.

O s  atos  d e  coerção apresentam-se,  n a  literatura jurídica, vinculados  à  idéia  do

castigo; esta relação permite iniciar  u m a  interminável discussão sobre  a s  finalidades

d o  castigo.  E m  geral,  o s  juristas optam  p o r  dois tipos  d e  finalidades: preventivas  ou

retributivas.  E m um ou no utr o caso ficam latente s certas razões éticas  q u e justificarã o

a

  prevenção

  o u a

 repressão.

  O

 resultad o desta disputa estereotipada

  é que os

 jurista s

vinculam  o  castigo  a um  processo  d e  legitimação  d o s  valores morais dominantes,

quando,  na  verdade,  o que  legitima  o  castigo  é o  poder  d o  Estado.

U m a análise crítica desta história levar-nos-á  a demonstrar como  a  imputação  d e

um  castigo responde principalmente  à  necessidade  de  gerar estruturas  d e  poder,

resultando irrelevantes  a s  condutas  que se  reprimem.  O  dever moral  d o  castigo,

fundamentado

  n a

 aprese ntação retórica

  d a

  racionalidade

  da lei .

 está sempre

  a

 serviço

d o  processo  d e  acumulação social  d o  poder  d ó  Estado, produzindo efeitos multipli-

cadores  d o  poder,  a o justificar,  s em  limites,  o s  atos  d e  administração  d a  coerção.

Nesta perspectiva, importa ainda assinalar

  o

  papel

  d a

  sanção

  n o

  processo

  d e

  inter-

venção  d o poder  no corpo  d o sujeito social. Através  d a política de coerç ão obtém-se  a

conversão  d o  sujeito  e m  objeto social, submisso  e produtivo, segundo  a expressão  de

Foucault.

Verifica-se, então, como  a  política  d a  coerção contribui para  a constituição  d o

conceito social  d e  normalidade,  p o r  meio  d o  qual surge toda  u m a  ideologia  d a  margi-

nalidade, claramente utilizada

  e m

  função

  d o s

  objetivos

  d o

  poder

  e da

  produção:

  a

marginalidade como estratégia  de  submissão.

O s  mecanismos  d a  sanção,  a despeito  do que os juristas teor izam, deixam ma rcas

n o s

  indivíduos

  que vã o

  além

  d a

  punição

  de um a to

  isolado, gerando

  um

  espaço

  d e

controle burocrático preventivo;  ou  seja,  um programa  d e  intervenção e  normalização

realizado pelo Estado.

Page 99: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 99/133

Capítulo

  V I

A

 PURIFICAÇÃO MONISTA

O U

 ANTI-DUALISTA

1.  Tratarei, neste capítulo,  d o  último nível  de  purificação proposto

pela Teoria Pura  d o Direito. Este pode  se r enunciado da seguinte forma:

É

  preciso tornar independente

  o

 conhecimento

  do

  Direito

  em

  relação

ao s

  pressupostos metodológicos dualistas, mediante

  o s

  quais

  se

  cons-

titui  o  sistema classificatório e os exemplos paradigmáticos  do  modelo

de

  Ciência Jurídica aceito como normal

em

  nossos dias.

Estamos,

  de

  início, diante

  da

  fórmula metodológica

  de

  base,

  em -

pregada  p o r Kelsen, para  a formação d o sistema  de conceitos objetivos

d a Ciência Jurídica.  O u  seja,  uma vez  estabelecidas  as condições gené-

ricas  e a s diferenças específicas que  estabelecem  o lugar teórico exclu-

sivo e excludente d a Ciência Jurídica, como Ciência Social normativa,  é

necessário, também, estabelecer  um  critério  que  organize  o  regime  de

produção daqueles discursos

  que têm a

  pretensão

  de

  falar objetiva-

mente,  em  termos exclusivamente normativos,  do s ordenamentos jurí-

dicos válidos.  T a l  critério metodológico, proposto pela Teoria Pura,  é

designado como monismo jurídico. Este deve  ser  visto como  uma das

caracter ísticas mais destacadas, isto é um critério definitório do pensa-

mento Kelseniano.

A

 proposta

  do

 monismo jurídico

 é

geralmente, explicada naTeoria

Pura, através de um jogo de contrastes, de denúncias, de leituras críticas

realizadas contra

 as

 concepções teóricas comumente denominadas

 dua-

lismos jurídicos. O sentido do termo monismo surge, então, precisa-

mente, deste contraste crítico.  O r a estudar  os dualismos jurídicos, a

partir

  d e u m a

  postura monista, implica, antes

  de

  tudo,

  em

  assinalar

  o

significado político  e  ideológico,  que  está  po r  trás  do s  tradicionais

conceitos, teorias

  e

 classificações

 d a

 ciência jurídica.

  A

 Teoria Pura

 do

Direito considera  o s dualismos jurídicos como  um sistema de conceitos

contrapostos, para desdobrar  ou  duplicar ideologicamente  a  proble-

9 9

Page 100: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 100/133

mática jurídica.  Em  outras palavras, trata-se  de uma  técnica jurídica

completamente particular  e  historicamente condicionada, através  da

qual

  se usa com

  objetivos predominantemente políticos,

  o

  conheci-

mento jurídico tradicional.

Dir-se-ia

  que a

 recusa

  de uma

  teorização bipolar (dualista) circuns-

creve-se,

  na

  Teoria Pura,

  a uma

  tentativa

  de

  denúncia

  dos

  vínculos

metafísicos  e  políticos  que o  pensamento clássico  do  direito propõe,

visando, sobretudo, demonstraras insuficiências lógicas

 e

 explicativas,

a

  ausência

  de

  rigor analítico desse tipo

 de

  teorização.

  Não se faz

 neces-

sário grande esforço de  interpretação para concluir  que  Kelsen  vê, nos

dualismos, construções estereotipadas, onde

  não é

 possível obter qual-

quer orientação válida para

 a

 elaboração

 de um

 pensamento sistemático.

Compreende-se,

  de

 forma mais clara,

  a

 crítica kelseniana, encarando

 os

dualismos jurídicos como  um  conglomerado  de  tipos ideais dispostos

retoricamente  em  pares dicotômicos,  com o f im de  propor  um a  distri-

buição rígida

  e

  maniqueísta

  d o s

  dados jurídicos. Assim, revela-se,

  na

organização de tais dicotomias,  um a metodologia estática, onde não é possí-

vel

  descobrir nenhuma relação lógica

 ou de

 graduação entre

 os

 opostos.

E

  como

  u m a

  porta epistemológica falsa, aberta pelo senso comum

teórico

  d o s

  juristas,

  que nos

  impõe, mediante

  a

  formação vulgar

  dos

conceitos,

  a

  idéia

  de que as

  classificações jurídicas

  são

  necessárias,

naturais, lógicas

  e que não

 necessitam

  de

 grandes demonstrações, pois

emanam, como

  d iz

  Mialle,   de uma  r zão  sã

N o

  entanto,

  ao

 contrário

d o q u e  pensam  o s  juristas, revelam-se,  n a  organização destas catego-

rias, claras intenções tópicas

  de

  legitimação), encobertas

  por um

 apelo

a um   tipo  de  racionalidade ideal  que , no fundo, pressupondo  a necessi-

dade

  de

  estabelecer

  um

  princípio

  de

  ordenação sistemática para

  o con-

junto

  d e

  dados jurídicos, serve como suporte discursivo para

  a

  imple-

mentação

  de

  concepções ideológicas

  e

 aspirações políticas.

2. A   partir  d as  colocações anteriores, acrescentarei,  à  tentativa

kelseniana de romper com a concepção dualista do saber jurídico, alguns

argumentos semiológicos  de  reforço. Desta forma,  se  poderá compre-

ender

  o

  sistema

  de

  sentido

  dos

  discursos trabalhados pelo poder

  1), e,

também, perceber

  a

  dependência

  da

  própria crítica kelseniana

  de um

universo

  de

  significações,

  que não

  deixa

  de

  estar politicamente

  con-

taminado.

  j) A

  semiologia

  qu e

  proponho

  não

  pretende denunciar

  o

carater mítico  ou o  valor  d a  estereotipação  de um  conceito  ou  termo

1 0 0

Page 101: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 101/133

isolado,

  m as

 captar todo

 um

 sistema retórico

 de

 significações:

 o

 sistema

retórico produzido

  a

 partir

  dos

  dualismos jurídicos.

Tratemos, pois. semiologicamente.

  os

 discursos formados

  a

 partir

d o s

  dualismos; jurídicos

  e .

  assim podemos promover

  um a

  descoberta

sobre

  o

 poder

  da

  conotação.

Passemos, agora,

  a

  descrever

  o

  domínio conotativo

  do

  discurso

clássico

  d o s

 juristas, apoiados

  em

 categorias tópicas polares. Poder-se-

ia .  nestes discursos, distinguir dois planos   de  significação:  um   mani-

festo. construído

a

  partir

  do

  efeito

  de

  sistematicidade

  das

  categorias

dualistas,  e  destinado  a  satisfazer  um a  aparente função  do  conheci-

mento; outro, latente, situado  no  termo  de um  processo  de  conotação

que o

  discurso manifesto praticamente força. Neste caso. estamos

  fa-

lando

 de um

 discurso retórico onde

 os

 dois planos

 do

 sentido,

 que

 temos

analiticamente apresentado, relacionam-se para produzir

  as

  significa-

ções conotadas,

  que são as

 dominantes neste tipo

 de

 discurso.

  A

 cono-

tação. como  nos  fala Barthes. consiste,  de  fato.  na  camuflação  das

significações,

  sob uma

  aparência natural:

  ela

  nào  ocorre nunc sob a

espécie

  de um

  sistem fr nco

  de

  signific ções  2). As  classificações

dualistas

 dos

 juristas

  são as que

 permitem, precisamente, encobrir,

 com

o

  manto

  da

  neutralidade,

  a

  cadeia

  de

  evocações conotadas. Pode-se

dizer

 que o

 significado

 de

 conotação

 dos

 discursos jurídicos

 é

 construído

a  partir  de uma  visão sincrética  do  fenômeno jurídico,  que  remete  a um

pequeno conjunto  de  idéias muito gerais sobre  a natureza,  a justiça,  a

obrigação

 de

 obedecer,

  a

 neutralidade

  do

 Direito

 e do

 Estado. Compre-

ende-se. então.  que . por  trás  de um  conjunto multiforme  de  sentidos

conotados, existe

  um a

  mensagem ideológica nebulosamente configu-

rada. qu e é , de certo modo, transmitida uniformemente junto a cada uma

d as

  mensagens

  de

  conotação.

  Em

  outras palavras,

  as

 diferentes oposi-

ções (classificações dualistas)  com as  quais  os  juristas estruturam seus

raciocínios, escondem

  sua

  visão ideológica

  em

  relação

  ao

  poder,

  aos

órgãos

  d o

  Estado

  e à

  própria função

 do

  direito. Neste sentido,

  por

  trás

de  qualquer destas classificações, parece respirar, entre outras repre-

sentações,

  o

  sonho

  da

  filosofia

  das

  luzes,

  que

  aspira

  a

  criar

  uma lin-

guagem jurídica matematizada. unívoca, fiel espelho

  de uma

  ordem

natural, sonho

  que, no

  fundo, como todo sonho, serve para alimentar

fantasias,

  no

  caso.

  a da

  racionalidade

  do

  Direito

  e do

 poder.

Retomando Kelsen, observa-se,

  na

 Teoria Pura,

 a

 tentativa

 de

 reso-

lução

 de

  todos

  os

 dualismos jurídicos,

  a

 partir

  de um

 princípio monista.

1 0 1

Page 102: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 102/133

mediante

  o

 qual

  se

  pretende liberar

  o

 conhecimento jurídico

  de

 noções

ou  derivações  que  falem  da  existência  de uma  normatividade meta-

jurídica inscrita

  no

  sistema

  da

  natureza

  e a

  qual

  o

  Direito

  e o

  Estado

devem submeter-se. como  sua  condição de  legitimação ética. Desta

forma,

  o

  Direito, desde

  a

  perspectiva monista. fica reduzido

  a uma

simples estrutura normativa, onde todos

  os

 problemas devem

  sei'

 colo-

cados e resolvidos como questões normativas. Assim, a ordem jurídica,

como instância única

 de

 compreensão

 e

 referência, deve resolvei', diluir

e .  portanto, superar todo.s  os  dualismos  e falsas oposições.

De um

  modo esquemático, tentei esboçar

  o

  sentido

  que

  Kelsen

impõe

 à

 noção

 de

 dualismo jurídico. Trata-se

 de um

 conceito

 que.

 como

a noção de dogmática jurídica,  não encontra uma definição explícita nos

textos kelsenianos.

A

  conceituação teoricamente adequada

  à

  noção

  de

 dualismo jurí-

dico  se não  encontra, aqui. formulada. Tentarei,  nos  próximos itens

deste capítulo, tornar mais evidente

  o

  sentido

  da

  noção

  de

  dualismo

jurídico,  o u . pelo menos, explicitá-la para o  nível de minha análise.

3. A  teoria jurídica mantém  há .  pelos menos, dois séculos,  um

paradigma

  de

  ciência, cujos modelos normais-parciais mostram

  um

mesmo núcleo teórico, construído  a  partir  das  chamadas doutrinas

jusnaturalistas. Doutrinas

 que, por sua vez, se

 encontram determinadas

por um princípio de fundamentação categorial dualista. Deste modo,  se

faz

 possível entender como certos posicionamentos teóricos, aparente-

mente antagónicos  às propostas jusnaturalistas, como as da Dogmática

Jurídica, respondem,

  em

 última instância, aeste mesmo núcleo teórico,

terminando  por  esvaziar suas propostas sistematizadoras  (a  lógica  de

seu

  discurso)

  e

  reescrever

  a

 Dogmática Jurídica

  na

 corrente metafísica

das doutrinas  do Direito Natural.  Tal  ocorre, principalmente, porque  a

estrutura

  que o

  conhecimento dogmático

  do

  direito exibe está ligada,

também,

  às

  condições

  de

  mitificação determinadas pelo princípio

  da

dicotomia

  (as

 concepções dualistas

 do

 direito).

  Por

 certo,

 os

  dualismos

jurídicos cumprem  um a  função epistemológica nuclear  na  determina-

ção dos

  princípios teóricos

  e

  conceitos básicos

  em que se

  fundam

  o

modelo

  de

 ciência jurídica unanimemente aceito

  até

 Kelsen.íA idéia

 da

organização dualista

  do

  saber jurídico estabelece simultaneamente

  o

sentido  d o  limite  e o  limite  d o  sentido  da  problemática  que o conhe-

cimento jurídico possa exibir  ou  formular  em um  certo momento.  O

1 0 2

Page 103: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 103/133

dualismo

  é uma

  condição metodológica

  que

  preside, tanto

  a

  definiç.

 o

d o s  problemas  e a  organização  das  estratégicas  de  resolução, como  a

concepção  de  ciência  que  está  na  base  da  produção  do  paradigma

vigente. Deste modo.

  o

  princípio dualista

  que o

  jurista incorporou,

durante  sua  formação profissional, serve para determinar  o  universo

problemático

  da

  ciência

  do

 direito, fornecer-lhe

  as

  regras

  de

  funciona-

mento  do s esquemas conceituais  e metodológicos  e  indicar-lhe  a natu-

reza

  e

  extensão

  do

  resultado

  a

  atingir. Assim,

  a

  Dogmática Jurídica

desempenha  um a  função ideológico-política  ou de  legitimação, muito

próxima  das  teorias jusnaturalistas  que  aparenta rejeitar.  O  princípio

dualista, como critério regulador

  do

  conhecimento jurídico,

  não

  apre-

senta suas categorias fundamentalmente separadas de uma dimensão d e

significação ideológica

  e

  política.

Vimos, também, como

  o

  ideal

  dos

  modelos

  da

  Ciência Jurídica,

desenvolvidos  a  partir  do  século  XIX,  encontra-se baseado  em um

conjunto  de  topoi ,  que  opera, aparentemente, como princípio  de

avaliação  do real.  mas que, no fundo, serve  de forma de  legitimação de

todas

  as

 ações

  dos

 órgãos estatais,

  de

  justificação

 do

 poder

  do

 Estado.

Para exercer  ta l função a Ciência do Direito recobre  o conjunto de seus

topoi , apresentando-os como se fossem categorias pertencentes a um

modelo teórico respaldado pelos mesmos padrões

  das

  ciências empíri-

co-experimentais. Isto

  é uma

  condição básica para

  a

  produção

  dos

efeitos

  de

  legitimação perseguidos.

  Em

  outras palavras, mediante

  a

manipulação  de um  esquema categorial dualista (topicamente susten-

tado) constrói-se um jogo de conotações, em que os elementos cognosci-

tivos

 d o

 discurso científico servem, apenas, para ocultar

 um

 conjunto

 de

enunciados ideológicos

 e

 políticos

 com os

 quais

 se

 legitimam

 os

 atos

 dos

órgãos dotados

  de

  autoridade,

  o que por

 outro lado. constitui

  a

 função

primordial  d o  tipo  de  discurso teórico  que nos  ocupa.

Certamente,  o paradigma  de Ciência Jurídica predominante encon-

tra-se fundamentado  em  mecanismos conceituais  que  apresentam  um

âmbito

 de

 significação tópico-retórico,

  ou

 seja,

  que não têm, por

 função

primordial,

 a

 organização sistemática

 de um

 discurso

 de

 conhecimento,

m as  antes pretendem condicionar  as  formas  de  raciocínio  dos juristas

de

  ofício

  e

  órgãos jurídicos, assim como estabelecer

  o

  consenso

  em

torno de alguns princípios éticos e do monopólio da força assumida pelo

Estado.

-

  Noções

  e

  fórmulas tópicas como

  b e m

  comum , vontade

  con-

1 0 3

Page 104: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 104/133

tratual , soberania nacional , eqüidade , estado

  de

  necessidade ,

representação popular, igualdade do s homens perante o Estado, identi-

dade teleológica  da  nação  e  Estado, legitimidade racional  do poder  do

Estado, inexistência  de  sanção  sem  culpa, enlaçadas  no processo argu-

mentativo

  a

  hipóstases, personificações

  e

  solidariedades metafísicas

detectáveis em noções como direito subjetivo, sujeito do direito, pessoa

jurídica, povo, território, Estado, ilicitude, relação jurídica, permitem a

sustentação retórica, tanto para  as  propostas decisórias, como para  a

legitimação  d o s  atos  do s  órgãos  do  Estado (fornecendo argumentos

favoráveis

  à

  presunção

  de sua

  juridicidade

  a

  priori

e

  autônoma).

N o

 Direito,

  as

 noções

  e

 fórmulas tópicas

 são

 produzidas utilizando

aquilo  q u e  poderíamos chamar  d e  topoi epistemológico constituinte.

Examinando  o  paradigma  da  atual ciência jurídica no rmal , verifi-

camos

 que o

 princípio

 d e

 produção dualista

 d as

 categorias cognoscitivas

pode

  se r

 visto como

  o

 aludido topoi epistemológico.

É  preciso reconhecer  que os  raciocínios organizados a partir deste

'topoi epistemológico  se  vêem envolvidos  p or  contradições lógicas  e

incongruências diluídas, apenas, pelo jogo mítico surgido  das  solidarie-

dades retóricas, produzidas entre  as  noções  e  fórmulas tópicas  e os

argumentos decisórios

  ou de

  legitimação.

Kelsen verif ica isto quando, analisando a dicotomia direito público

e

  privado, considera: para

  dividir  o  direito  em  público  e  privado

diversos tratadistas recorrem

  aos

  critérios mais diversos

  e

 opostos

e

não  sendo raro encontrarem  um  mesmo escritor esta diversidade  ou

oposição

  de

  critérios;  (3) e  logo agrega:  s e n o s  interrogamos pelos

fundamentos desta divisão entramos  em  u m  caos  d e opiniões  con

traditórias

  (4).

  Esta estruturação contraditória

  d os

 diversos discursos

da  Ciência  d o  Direito  é o que  permite estabelecer  o complexo  d e rela-

ções ideológicas  d e significação,' processadas  no interior de tais discur-

sos. O  jogo  de  ambigüidades, formado  a  partir  das  noções, fórmulas

tópicas  e  argumentos pseudo-explicativos determina  a  construção  do

âmbito ideológico

 (de

 conotação)

 das

 significações jurídicas. Este âmbi-

to de  sentido permanece latente  em  conseqüência  das funções d e  miti-

ficação, estabelecidas a partir d a fundamentação dualista que comanda a

produção

 d o s

 raciocínios jurídicos. Assim,

 no

 raciocínio argumentativo

do  direito, encontramos  u m a  regra metodológica  que  legitima episte-

mologicamente espaços  d e  sentido antagônicos, isto  é ,  determinados

pelas antíteses categoriais

  que

  operam como condição

  de sua

  signifi-

cação.

1 0 4

Page 105: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 105/133

U m a estrutura discursiva satisfaz um a função mítica, quando retira

o referente  sua  dimensão real  e  social, provocando  um efeito d e trans-

  e  a-historicidade  É u m a  prestidigitação semiológica  que

 a

 significação

 da

 História

 e a

 preenche

 de

 natureza. Passando

 d a

 à

 natureza,

 o

 mito dissolve

 a

 complexidade

 das

 relações sociais;

 a

 simplicidade

  das

  essências.

N o  plano  d as  significações  com  funções míticas encontra-se  uma

  de  explicação  do  mundo,  sem  contradições, aparen-

  u m a  clareza explicativa  que oculta  as reais intenções,  ou  seja, as

e

  produzir

  um

  efeito

 de

 clareza cognitiva para legitimar

 u m a

 determi-

  ou um certo universo  de  valores.

O s  processos  de  mitificação discursiva podem  ser  caracterizados

  um

  discurso

  de

  neutralização, onde

  se

 politiza, precisamente,

  no

  em que se

  rouba

  o

  caráter político

  de

  todas

  as

  falas sobre

  o

  o discurso qu e cumpre funções míticas simplifica as

  o  contingente, neutraliza  as  valorações,

  a

 história, insere

  na

 ordem

 da

 natureza

  a

 ação política

 e

 produz

m  tipo  de  clareza próprio  às  constatações feitas sobre  a  realidade.

E

  como

  se

  pode apresentar esta organização

  não

  contraditória

  do

  é

  possível

  na

  medida

  em que os

  receptores

  da

  mensagem

  as  proposições ideológicas  em um  universo  de  crenças já

  O s

  topoi

  são os que

  permitem

  o

  reconhecimento retórico

  das

  o raciocínio retórico dos juristas, valendo-se

o

 repertório

 d o s

 topoi, refere-se

 a o

 real

  de uma

 forma

 que o

 elude

 por

  de seu  determinante.

Tércio Sampaio Ferraz, lucidamente, indica que as funções de mi-

 d o s discursos jurídicos  são produzidas, não porque  se ocultam

s

  conflitos,

  m as

  porque

  se os

  disfarça, trazendo-os para

  o

  plano

  das

  (5).  Isto  se explica na medida em que o mito não tem

o r função semiológica a deformação d o real,  mas sim prover os recep-

  de uma  amostra  das  relações sociais  em um plano  de abstração

  sob pretexto  da produção  de uma

  do  fenômeno jurídico, legitimam-se  as  práticas políticas,

-se decisões e procura-se um consenso em torno a valores. Os

  d o

  discurso devem

  se r

  julgados como álibis

  u m  segundo nível  d o  sentido, ausente  do  discurso  e, no entanto,

 d a

 dimensão ideológica

 d e

 sentido.

 A

 significação

as teorias jurídicas é o resultado desta ambigüidade constitutiva. Enfim,

1 0 5

Page 106: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 106/133

mediante o raciocínio tópico-retórico, lança-se m ão de um jogo de simul-

taneidades pouco perceptíveis entre elementos cognoscitivos  e  certas

crenças geralmente aceitas, crenças estas .provenientes  das  opiniões

comunitárias e do senso comum teórico d os juristas  6).  Assegurar-se-á,

assim,  um a função de harmonização das  relações sociais projetadas nos

esquemas ideais, conceitos fetichizados, estruturas simplistas

  e

 mani-

queístas.  E , este complexo de elementos retóricos põe entre parênteses

os  sentidos cognitivos, tornando-os disponíveis para receber  a  signifi-

cação ideológica  o sentido conotado); um a  significação q ue recoloca  o

discurso teórico  do  Direito  em  função da questão  do  poder.  É  precisa-

mente nesta perspectiva político-retórica  que é  preciso situar  o  para-

digma de ciência, cujos modelos normais-parciais os juristas pretendem

conservar, inculcar

  e

  transmitir. Trata-se

  de um

 modelo

  de

 ciência

  que

remonta  aos  exemplos escolásticos, onde  se  formulam problemas,

externam-se seus prós  e  contras  com  valor  de  autoridade  e discute-se

para formular  a  conclusão, recorrendo  a  noções metafísicas  e  idéias

provenientes  do pensamento mágico dos  romanos.  7)

Por  certo, este modelo normal-parcial, desde  a  aparição  dos Es-

tados modernos, aparece articulado com outro modelo parcial que tende

a  assemelhar-se  ao das  ciências empíricas racionais. Aparece vigo-

rando, assim,

  a

  idéia

  do

  Direito racional, onde

  a

  dedução

  a

  partir

  de

princípios  e a  construção  de um  conjunto  de  categorias relativamente

sistematizadas e logicamente controladas, converte-se  no princípio pro-

dutor  d as  demonstrações científicas. Contudo, esta última proposta

também funciona como mecanismo  de  legitimação  do direito positivo,

de suas práticas decisórias  e do poder do Estado.  D aí porque a estrutura

teórica  da  Dogmática Jurídica  do  século  XIX, a  elaboração  de um

esquema hipotético-dedutivo

  não nos

 deve fazer subestimar

  as

 funções

políticas  e  ideológicas  que  este modelo desempenha.  Tal  esquema  de

legitimação apropria-se,  com uma  clara intenção mitificadora, do enor-

m e prestígio e eficiência d as ciências empíricas, ainda que apenas nomi-

nalmente.  E  utiliza este recurso como  um  plano  de  significantes para

revestir

  a

 dimensão política

  e

  ideológica

  de seu

 discurso.

4.  Torna-se necessário agora, diante d a problemática^que acabamos

de

  expor, considerar

  de uma

  forma mais profunda

 a

  concepção kelse-

niana.  Sem  muito esforço, poderá concordar-se  que este autor pretende

questionar  os  modelos normais-parciais  que  configuram  a  estrutura

1 0 6

Page 107: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 107/133

paradigmática

  d a

  Ciência Jurídica,

  ta l

  como

  a

 descrevemos.

  A

 Teoria

Pura opõe-se, principalmente,

  ao

  núcleo teórico comum constituído

pelas doutrinas  d o Direito Natural, aspirando  a converter  a Dogmática

Jurídica

  e m u m a

  autêntica Ciência

  do

  Direito. Para tanto, propõe

  uma

série d e conceitos, obtidos a partir d e u m a análise exclusiva d as normas

jurídicas positivas

  e de uma

  abordagem desarticuladora

  do

  dualismo,

mediante

  a s

  quais procura construir

  o

  sistema

  de

  saber

  d a

  Dogmática

Jurídica. Logo notamos

  que a

 ambição

  de

 Kelsen

  não

 passa pela busca

de um

 novo paradigma

 d e

 Ciência Jurídica;

 e m

 realidade,

 ele

 procura

 u m

deslocamento

  d o

  núcleo teórico comum apoiado,

  por sua vez ,

  indevi-

damente

  n as

  doutrinas

  d o

 Direito Natural.

Kelsen propõe

 um

 critério monista como condição

 d e

 produção

 das

noções

  e

 classificações teóricas,

  com o afã de

  substituir, como núcleo

teórico comum,  a  concepção idealista e humanista de Ciência Jurídica,

colocando,

  em seu

  lugar,

  um

 modelo teórico

 de

 inspiração estritamente

cartesiana. Para Kelsen,

  a

 partir

  d o

 momento

  em que o

 núcleo teórico

comum

  d as

  Ciências Jurídicas está constituído

  por um

  conjunto

  de

regras

  q u e

  sujeitam

  os

  discursos teóricos

  a

  cânones lógicos

  e

  bases

categoriais relativamente sistemáticas,

  os

  conceitos jurídicos funda-

mentais deixam

  de ser

  categorias universais, reificadas

 e

 metafísicas

 e

passam

  a ser

  noções concretas

  e

  empiricamente controláveis. Assim,

todo material

  q u e

  seja suscetível

  de um

  conhecimento científico

  no

Direito ficará livre

 de

 concepções metafísicas,

 d e

  imagens antropomór-

ficas,

  de

  intenções legitimadoras, para ficar exclusivamente sujeito

  à

gramática

  d o

  pensamento hipotético-dedutivo.

  P o r

  isso mesmo,

  as

questões suscitadas pelo princípio

  da

  pureza metodológica encami-

nham-se todas nesta direção.

  O s

 cinco níveis

  de

 purificação revelam

  a

intenção

  d e

  alterar

  o

  núcleo teórico comum

  da

  Ciência Jurídica, indi-

cando-nos

  as

  bases para

  sua

  alteração. Recordemos:

  o

  núcleo teórico

comum alternativo não pode responder  a propósitos políticos primeiro

nível

  de

  purificação);

  não

  pode erigir-se

  em

  parâmetro axiológico

  do

Direito Positivo,  nem  apoiar-se  n as  doutrinas  d o  Direito Natural  2?

nível

  d e

 purificação); deve evitar reproduzir

  o

 paradigma

 da

  ciência

  da

natureza, buscando

 u m a

 categoria fundante alternativa para seus racio-

cínios hipotético-dedutivos;

  a

  imputação:

  de

  igual modo rejeita

  a

  idéia

d e

  aceitar, como parte integrante

  de seu

  paradigma, modelos empres-

tados

  d e

 outras disciplinas

  3?

 nível

 de

 purificação); reivindica critérios

de

  demarcação

  q u e

  tornem autônomo

  o

 paradigma

  da

 Ciência Jurídica

1 0 7

Page 108: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 108/133

em  relação  aos  modelos  d as  Ciências Sociais normativas  4? nível  de

purificação ; desqualifica princípios  d e  classificação  e  organização  do

saber dualistas,  que  utilizam  os  elementos teóricos como álibis legiti-

madores  no discurso  da Ciência Jurídica  5? nível  de  purificação .

Vemos, então, como

  o

 nível

 de

 purificação

 que nos

 ocupa somente

adquire sentido pleno  na  medida  em que se  procure interpretá-lo  no

contexto maior  dos  outros níveis  de  purificação.  E  tendo precisado  o

que se deve entender p o r purificação monista, posso, agora, acrescentar

algumas observações sobre  as concepções dualistas da Dogmática Jurí-

dica. anteriores  a  Kelsen.

5. É

  possível retomar

  a

  formulação destas questões, analisando

como

  o

  pensamento dogmático

  do

  Direito

  não

  renunciou

  à

  idéia

  de

poder relacionar  e  fundamentar, com  suas explicações,  o Direito Posi-

tivo  e a  natureza.  A  partir  do  momento  em que se  relaciona  o Direito

com a  natureza, pressupõe-se  a existência  de algum suporte metodoló-

gico para o Direito neste sistema, e com isso, fundamentam-se genetica-

mente  as  normas jurídicas, proporcionando,  ao  mesmo tempo,  uma

visão ideológica para

  a

 atividade

 dos

 juristas,

 os

 atos

 dos

 órgãos estatais

e a

  reprodução

  de

  certas condições materiais

  da

 vida social.

 D e

 fato,

 o

grande trabalho de legitimação d a Dogmática Jurídica, efetuado median-

te os

  critérios dualistas

  de

  organização

  do

  conhecimento jurídico,

  es-

taria sustentando miticamente, entre outras crenças,  que o  homem

individualizado é o destinatário final d o Direito; que o Direito tem o seu

domínio

 de

 ação imune

 à

 atividade

 dos

 órgãos

 do

 Estado;

 que as

 normas

jurídicas estão destinadas  a  regular relações individuais  e não  relações

sociais;

  a

  Dogmática veria, também,

  o

  Estado como

  um a

  entidade

natural, executora  d e ações intrinsecamente justas, fruto de um acordo

geral  de  vontades  e  onde  os  homens  — a  partir desta delegação  —

transformam-se  em  sujeitos  de  Direito, formal  e  juridicamente iguais

frente  à  força delegada  ao  Estado.  P o r  certo,  a  Dogmática Jurídica

também cumpre funções  de  legitimação, quando propõe separar  as

pessoas  d a s  coisas, mostrando estas últimas mediante elementos  in -

trínsecos que nos impedem de vê-las ligadas a razões sociais específicas.

Claro

  que a

 imbricação

 d o

 Direito

  com a

 natureza acarreta sérios obstá-

culos epistemológicos,  já que  serve para sustentar  o  caráter natural  e

necessário  das  categorias técnicas  e das  propostas classificatórias  que

d a s  mesmas  se  derivam. Transformadas  em  critério teórico,  as  classi-

1 0 8

Page 109: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 109/133

ficações jurídicas passam  a  cumprir funções políticas claras. Sendo

classificações  que  pertencem  ao domínio  da necessidade natural, justi-

ficam, emprestando-lhes  um  caráter necessário,  as  formas de governo

d o s

  homens. Constituem classificações

  que

  pretendem traduzir

  uma

evidência;  e ,  neste sentido, apelam para  a  natureza  e para  a  racionali-

dade, como meio

  de

  tornar

  as

  categorias integrantes

  de seu

  paradigma

normal

  de

  ciência, parte

  do

  senso comum

  e das

  opiniões geralmente

aceitas. Este apelo ao inconsciente  dos juristas indubitavelmente trans-

forma  as  categorias  e  classificações  da  Ciência Jurídica  em  lugares

retóricos.

Agora  se vê  claramente  que. com a purificação monista,  a Teoria

Pura  do  Direito pretende romper  com as funções ideológicas  das  tradi-

cionais classificações

 da

 Dogmática Jurídica. Assim,

 a

 Teoria Pura nega

a divisão entre Direito Público e Direito Privado; propõe a identificação

entre  o  Direito  e o  Estado; apresenta  os  direitos subjetivos como  uma

categoria construída  a  partir  de uma  análise estrutural  das  normas

positivas;  vê as pessoas físicas como sistemas parciais d e normas, cujos

âmbitos pessoais  de  validade apenas podem  ser  preenchidos  por um

mesmo indivíduo, negando  o  dualismo entre  o  Sujeito  e o  Direito,

identifica  o  Direito  com a  sociedade; suprime  a  antítese entre  um sis-

tema

 de

 normas naturais

 e

 outro positivo; propõe-nos

 um a

 visão unitária

entre o Direito nacional e o Direito internacional, com o que desmistifica

a

 categoria

 da

 soberania

 e

 rechaça

 a

 visão dicotômica entre

 o

 indivíduo

 e

a  sociedade.

Resta  ver se a purificação monista  que Kelsen propõe  é suficiente,

não só

  como explicação desmistificadora

  dos

  efeitos ideológicos

  da

dogmática jurídica, senão como proposta  de fundamentação de um tipo

de

  conhecimento científico

  não

 preocupado

  com a

 constituição

  de um

âmbito ideológico  de  significação.  E m outras palavras, convém exami-

na r se a estrutura hipotético-dedutiva não oculta outra função ideológica

e de  legitimação.

6.  Para evidenciar  de maneira mais consistente  os limites da leitura

crítica, proposta pela Escola Kelseniana, parece-me conveniente

  ten-

ta r ,  agora, elaborar algumas reflexões sobre  as  funções políticas  e

ideológicas

  nas

  duas classificações geralmente aceitas como básicas

pelo paradigma jurídico dominante:

 a que

 distingue

 o

 Direito Público

 e o

Privado;  a que  separa  o  Direito  do  Estado. Como  as  duas antíteses

1 0 9

Page 110: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 110/133

encontram-se fortemente imbricadas,  e  consideradas  as  evocações

significativas

 de

 caráter ideológico

 q ue

 ambos

 os

 pares categoriais suge-

r e m,  estes podem  ser  considerados altamente semelhantes, tornando

útil efetuar  um estudo conjunto destes dualismos.

A

 posição

  de

  Kelsen,

  a

  respeito destes dois clássicos dualismos

  é

coincidente,  uma vez mais  com o princípio metodológico  de que  parte.

P o r  isso, apoiando-me  nas  análises anteriores,  não  será difícil recons-

truir  seu  pensamento.

Por certo,  as distinções feitas, pela Dogmática Jurídica tradicional,

entre Direito Público

 e

 Privado

 e

 entre Direito

 e

 Estado constituem

 uma

clara irrupção

 d a

 política

 na

 ciência

 do

 direito.

  Com

 efeito, para Kelsen,

estas classificações foram elaboradas,  e  permanecem aceitas,  não em

virtude  de  atenderem  a um fim  teórico,  mas ,  porque, como pseudo-

categorias, serve para fornecer argumentos

  a

 favor

 de um a

 ideologia

 de

legitimidade. Deste modo, mediante

 os

 dualismos analisados, pretende-

se

  justificar

  os

  atos

  do

  Estado

  — o

  poder

  do

  Estado

  — ,

  afirmando

  a

presunção  de  legitimidade autônoma  do  Estado  em  relação  ao Direito.

H á,  portanto,  por  trás destas propostas classificatórias,  um a  tese ideo-

lógica  q u e  serve  de  sustentação  à  crença  de uma juridicidade natural  e

transcendente  dos  atos  de autoridade  dos  órgãos  do  Estado.

Explicitando semiologicamente  a  crítica kelseniana, teríamos  um

conjunto

  de

  discursos retóricos construídos

  a

  partir

  de uma

  série

  de

pontos  de  vista tópicos,  com os  quais  a  doutrina tradicional consegue

identificar  o  Direito Público  com o  Estado  e  ambos  com  certos fins

transcendentes atribuídos  ao conjunto d a sociedade. Estes fins empres-

tam à noção de Estado u m a imagem antropomórfica c om nuances etica-

mente apriorísticas, imunes

  à

  produção

  de

  atos ilícitos. Pretende-se,

porém, circunscrever

 a

 ilicitude

 ao

 domínio

 d o

 Direito

 que, po r sua vez,

é

  apresentado como

  um a

  esfera

  de

  ação reservada

  aos

  particulares

Direito Privado).  O  poder  do  Estado  é  visto como intrinsecamente

b o m ,  graças  a  esta forma  de  argumentação metafísico-racional. Desta

maneira, também

  se

  pode sustentar

  que

  apenas

  a

  esfera

  do

  Direito

Público  é o setor d a dominação política, estando esta excluída do domí-

nio do Direito Privado  8).  Portanto, identificando-se o Direito Público

com a política, e o Direito Privado com o domínio a-político estritamente

jurídico, pretende-se evitar,  a juízo  de  Kelsen,  o reconhecimento  de

que o

  direito privado criado pela

  via

 jurídica negocial

  do

  contrato

não é

 menos palco

  de

 atuação

  da

  dominação política

  do que o

 direito

1 10

Page 111: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 111/133

público criado pela legislação  e pela administração  9). Certamente,

a

 partir desta crença, criar-se-ia

 um

 duplo efeito

 de

 liberdade:

 do

 Estado

co m  relação  ao  Direito,  e dos  indivíduos  com  relação  ao  poder  dos

órgãos  do  Estado.  Em  síntese,  os  indivíduos estariam, apenas subme-

tidos  ao  Direito  e o Estado seria  um guardião autônomo desta submis-

são, um gerdame ético que usaria a força, velando pelo cumprimento do

Direito.  E ,  para tanto, ter-se-ia, também,  a  impossibilidade  de um

exercício ilícito deste dever. Teríamos, desta maneira,

  um a

  delegação

d o  poder, baseada  na  suposição apriorística  de que  este poder jamais

seria exercido ilicitamente.

  Ora ,

  esta argumentação, para Kelsen,

  é

claramente política  e ,  neste sentido, afirma: quando  a  teoria jurídica

levanta  a presunção  de legitimidade autônoma  do Estado  em  relação

ao

  Direito falam

  por ela os

  interesses

  dos

  grupos dominantes

dos

grupos  em que  nesse momento afirmam  seu  poder  10). Deste modo,

Kelsen pensa

  q u e ,

  quando tradicionalmente

  se

  distingue

  o

  Direito

  do

Estado prévia identificação do  Estado  com o Direito Público),  se  está

tentando legitimar

  os

  atos

  dos

  órgãos

  do

  Estado,

  se

  está procurando

fortalecer ideologicamente

  a

 autoridade.

  D aí que ,

 para Kelsen,

  a

 supe-

ração metodológica crítica  do  dualismo Estado/Direito  é, ao mesmo

tempo

a

 anulação impiedosa

  de uma das

  mais eficientes ideologias

de  legitimidade  11).

Certamente,

  um a

  perspectiva monista, fundamentada exclusiva-

mente  no  Direito Positivo,  os  argumentos  até  aqui apresentados resul-

tam  inadmissíveis. Assim, partindo  da classificação teórica entre formas

de produção normativas autônomas e heterônomas, Kelsen reexplicaas

distinções correntes,

  na

  linguagem jurídica, entre Direito Público

  e

Privado. Descarta, Kelsen,

  o

 caráter absoluto

 e

 extra-sistemático desse

dualismo e reivindica seu caráter relativo e intra-sistemático.  12) Neste

sentido, define, relativamente, como

 de

 Direito Público aquelas normas

cuja produção  e  aplicação  são  predominantemente heterônomas  e,

como  de  Direito Privado, aquelas  de  produção  e  aplicação autônoma

13).

 Claro

  que

 estas distinções

  têm um

 caráter relativo, pois

 as

 normas

criadas autonomamente dependem,  de alguma forma, d as normas hete-

rônomas

  as qu e

 determinam,

  por

 exemplo,

  a

 capacidade contratual)

  e

as

  normas criadas autonomamente

  o

  caso daqueles atos realizados

pelas autoridades administrativas,  que  nascem  em virtude do consenti-

mento

 do

 obrigado; nestes casos,

  a

 condição

 d a

 conseqüência jurídica

 é a

coincidência  da vontade  da  autoridade  e do súdito).

1 1 1

Page 112: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 112/133

O  caráter autônomo  ou  heterônomo  da  produção  de  normas,  por

sua vez ,

  permite

  a

 Kelsen falar

 de uma

 produção democrática

 e de uma

produção autocrática  do Direito. Neste ponto, pode-se notar um a certa

debilidade

  na

  proposta Kelseniana, pois, como assinala Vernengo,

  um

sistema político configura  uma  estrutura excessivamente complexa

em   suas articulações para  que se possa defini-la como democrática

ou

  autocrática

a

 partir

  de uma só

  característica.

  14)

Assim,  o  dualismo Direito  e  Estado  não  teria bases teóricas  de

sustentação,

  a

 partir

 de um a

 perspectiva monista

 d o

 Direito.

 Com

 efeito,

sustenta Kelsen,  na  medida  em que se  define  o  Estado como  uma

comunidade

  de

  homens, deve-se admitir

  — q u e

  esta comunidade

apenas pode  ser  unitariamente concebida pelo pensamento cientí-

fico como  uma  ordem normativa  que  regula  a  conduta mútua  dos

homens

  que

  pertencem

  a

  esta comunidade.

  m

  conhecimento

  do

Estado isento  de  ingredientes metafísicos  ou  ideológicos não  pode

apreender  a significação desta figura social senão como  uma  ordem

da conduta humana. Falar  de uma  comunidade constituída  por uma

ordem normativa significa falar

  de uma

  ordem coercitiva:

  o

 Direito

15). Pode-se, então, verificar q u e , para  um a teoria monista do Direito,

somente

  se

  alcança

  um

  conceito jurídico

  do

  Estado, mediante

  uma

abstração

  qu e

  restringe

 —

 como objeto teórico

 — a sua

 ordem jurídica.

Assim,  a atividade  dos órgãos do Estado é vista como atos de produção

d e  normas  e o  Estado atua produzindo  seu  Direito.  P or  outro lado,  é

desnecessário apelar para teses, como,

  por

  exemplo,

  a

  vontade

  do

Estado, porque esta vontade  se confunde com a ordem jurídico-posítiva.

P o r  certo,  a  partir desta idéia,  a  tese  d a  vontade  do  Estado  é uma

concepção jusnaturalista, teoricamente supérflua. Além

 do que ,

 apenas

podemos descrever

 a

 vontade

 do

 Estado, enumerando suas decisões

  as

normas jurídicas produzidas pelos órgãos).

Desta forma, a tese monista  que identifica o Estado  com o Direito,

rejeita  a  concepção dualista,  que o vê como  um a  entidade metafísica e

necessária.

  O

  monismo, opondo-se

  à

 concepção dualista,

  vê o

  Estado

como  u m a  abstração teórica  qu e  reflete  um a  forma contingente  da

organização

 d a s

 sociedades.

  E ,

 conforme Vernengo, descarta

 a

 possibi-

lidade

  de que a

  teoria jurídica deve procurar descrever

  o estado feno-

mênico  em que se  manifesta aquela pretendida entidade metafísica.

16)

1 1 2

Page 113: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 113/133

U m a v e z  delineados  os  argumentos kelsenianos sobre  as relações

Estado/Direito,  é  preciso reconhecer, agora, certas limitações desta

proposta. Neste momento, cabe considerar  que a  teoria monista mini-

miza completamente  a  materialidade  o  conteúdo) institucional  do

Estado. Vê-se  que a  proposta  de  identificar  o  Estado  com a  ordem

jurídica

  nos põe

 diante

 de uma

 concepção formal

 do

 Estado,

 um

 estudo,

p o r  assim dizer, reduzido  ao  plano  dos  significantes.  Mas, não  será  a

este nível

 que

  entenderemos

  a

 função original

 do

 objeto Estado, visado

pela significação. É , pois, unicamente através de uma união de um jogo

de

  solidariedades

  das

  formas normas)

  e a

  materialidade institucional

conteúdo) q ue podemos perceber  a significação teórica do conceito de

Estado.  A s normas jurídicas,  do ponto  de  vista  do processo produtivo

das

  significações jurídicas,

  são um

 elemento anêmico, inerte,

  que con-

tém um  sentido  que não  constitui  um  elemento  de  condutibilidade  de

u m a  significação extra-normativa produzida.  Sem  dúvida,  são as prá-

ticas constituintes

 da

 materialidade institucional

 do

 Estado

 que

 empres-

tam parte d o conteúdo significativo d as normas. Poder-se-ia dizer que se

não se  examina  a  materialidade institucional, pouco  se  sabe sobre  o

sentido

  d as

  normas. Para atualizar

  o

  sentido

  das

  normas,

  os

  juristas

intuitivamente tomam

  em

 conta

 o

 complexo

 de

 instituições estatais

 que

funcionam como

  um a

 espécie

  de

  emissor institucional

  17).

 Esta noção

abstrata pretende indicar

 que a

 produção

 d os

 sentidos normativos

 não se

realiza  de um  único lugar  a  partir  de um só  emissor)  e que  nenhum

destes lugares  de  emissão detém,  por si só, o sentido,  uma vez que há

u m a  relação de solidariedade entre eles.  São relações  que, por sua vez,

encontram-se condicionadas pelos sentidos acrescentados

  à

  norma

  no

ato de sua

  produção

  ou em

  sucessivas interpretações). Assim, repro-

duzindo

  a

 fala

 d o s

  lingüistas, existiria

 u m a

 dupla implicação

  dos

 textos

legais e das  práticas institucionais) na produção do sentido das normas.

A

 partir

  de

  tais colocações, inclino-me pela manutenção teórica

 de

um a

  concepção dualista

  do

  Direito

  e do

  Estado,

  m as

  aceito

  as

  críticas

kelsenianas  no ponto  em que objetam os componentes jusnaturalistas e

metafísicos desta anti-tese. Certamente, creio  que se  pode manter  o

dualismo

  a

 partir

  de

 outra concepção teórica, como

  a

 semiológica.

E m  essência,  é possível dizer-se  que os argumentos jurídicos clás-

sicos procuram estabelecer

  o

  lugar

  do

  Estado

  em

  relação

  ao

 Direito.

Explicam, desta forma,

 o

 funcionamento

 do

 Estado dentro

 dos

 marcos

d o Direito, atribuindo a ambos um a identidade de caracteres, como, por

1 1 3

Page 114: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 114/133

exemplo: exprimem  o bem  comum, representam  o interesse geral,  dis-

põem

  d o

  monopólio

 da

 força,

 os

 indivíduos mantêm frente

 a

 estas duas

figuras sociais relações gerais

  e

  igualitárias, ambos possuem órgãos

neutros,  e tc .  Vê-se aqui como,  no  fundo,  o  dualismo Direito/Estado

apresenta um a concepção ideológica respaldada em um monismo tópico

implícito. Deste modo,  os juristas  nos  proporcionam  um a  proposta  de

classificação dualista amparada  em um  complexo unitário  de topoi.

A

 análise

  que

  proponho deve tentar

  um a

  inversão

  da

  questão

  des-

crita

  na

  qual

  o

  Direito

  não

  deve

  ser

  pensado senão dentro

  das

  institui-

ções  d o  Estado. Assim, abrir-se-ia  o  espaço para problemáticas arti-

culações entre o Direito e o Estado. O interrogante central a desvendar é

o da

  determinação

  do

  estatuto (lugar)

  do

  direito

  nas

  práticas institu-

cionais  d os  órgãos  do  Estado. Nada mais posso fazer, senão levantar

aqui este problema.

Finalmente,

  é

  importante notar

  que

  Kelsen conduz

  sua

  postura

monista  ao extremo  de  propor  a  ruptura  do dualismo norma/sociedade

(18).

 Este tipo

 de

 identificação somada

  à do

 Direito/Estado, leva

 à

 falaz

igualdade entre Estado/Sociedade. Assim, regressamos

  ao

  ponto

  de

partida:

  um a

  ideologia

  de

  legitimidade.

Afinal, devo reafirmar o fato de que atese monista, em sua tentativa

de

 superação

 d o

 dualismo Estado/Sociedade, deixa

 de

 contemplar

 o

 fato

de que o

  Estado

  (e o

  Direito) devam

  ser

 vistos como fatores co-deter-

minantes de um tipo específico de organização das condições de realiza-

ção da vida social.  A possibilidade de uma análise deste tipo perde-se na

identificação aludida.

  Por

 outro lado,

  o

 conceito

  de

  Estado depende

  da

concepção

  de

  sociedade

  que se

  adote. Assim,

  por

  exemplo, teríamos

diferentes conceitos

  de

  sociedade

  que a

  conceberiam

  em

  termos

  de

relações sociais  ou  individuais. Estas diversas concepções  de  socie-

dade,  por sua vez,  determinam níveis  de  abstração diferentes para  o

conceito

  de

  Estado;

  e

  este seria

  um

  conceito

  que

  expressaria distintos

estatutos teóricos.

1 14

Page 115: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 115/133

NOTAS

(1) Ver  prólogo  d e  Roland Barthes,  in :

  Sistema

  da

  Moda.

(2)

  Roland Barthes, idem.

  p. 218.

(3 )

  Kelsen,

  TGE, p . 128.

(4)

  Kelsen, idem.

(5 )  Tércio Sampaio Ferraz,  in :

  Função social

  da

  Dogmática Jurídica.

(6 )  Sobre  o  conceito  d e  senso comum teórico  d o jurista,  ver o  prólogo  d e m e u  trabalho

Mitos  e  teorias  na  interpretação  da lei

(7)  Conforme, Roberto Jose Vernengo,

  Paradigma

  de

  ciência

  y

  caso paradigmático

in :  Revista Latinoamericana  de  Metodologia  do  Ensino  do   Direito p. 3.

(8 )

  Conforme Teoria Pura,

  p. 382.

(9 )

  Idem,

  p. 382.

(10)

  Kelsen TGD E,

  p. 105.

(11)

  Kelsen,

  T.P. , 2? ed . , p . 425.

(12)

  Conforme

  T . P . ,

  l ? e d . , p .

  182.

(13) Ve r

  Kelsen,

  T. P . , 2? ed . . p . 380.

(14)

  Vernengo,  Teoria general

  dei

  Derecho

p. 370.

(15) ü

  argumento exposto

  fo i

 formulado

  p o r

  Kelsen

  n o

  texto  Introdução

  à

  Teoria Pura

do

  Direito.  México, UNA M,

  p. 54 a 56.

(16)

  Vernengo,  Teoria general

  dei

  Derecho

p. 285.

(17)

  Sobre

  a

  noção

  d e

  emissor institucional,

  v e r

  Elza Antónia Pereira Cunha

  e

  Dirce

Dione Bravo

  —

  Idéias para

  um a

  semiologia

  do

  poder Comunicação ap resentada

a o I

  Encontro Brasileiro

  d e

  Filosofia

  d o

  Direito.

(18)

  Como

  j á

  vimos,

  a

  noção

  d e

  sociedade

  é

 identificada

  p o r

  Kelsen

  c o m o

 complexo

  d e

sistemas normativos.

NOTA COMPLEMENTAR

  A O

 CAPÍTULO

  VI

(j) É  importante assinalar  q u e a distinção entre  s e r e  dever  s e r proposta  p o r  Kelsen,

n o s

  coloca diante

  d a

  problemática, geralmente atribuída

  a

 Hobbes,

  d a

  necessidade

  d e

centralização e burocrat ização d o poder, e d o estabelecimento d e u m a comunidade  que

assegure

  o s

  direitos individuais, através

  d o

  monopólio

  d a

  coerção. Desta maneira,

constltni-se  o  corpo político,  a partir  de sua  separação  d o corpo social.  T al  separação  é

realizada pela mediação

  de um

  conceito

  d e

  soberania vinculada

  a u m

  poder absoluto.

Assim, provoca-se

  a

  despolitização

  d o

  indivíduo, cujos afazeres

  n ã o

  estão compro-

metidos

  c o m a

  coerção política,

  mas com a paz que o

  Estado lhes garante..

Hobbes fundamenta

 a

 legitimidade

  d o

 poder soberano

  e da lei em si

  mesmos. Para

e l e , u m a

 ação justa

 é a qu e nã o é

 praticada contra

 a lei

 (independentemente

 do seu

 valor

racional

  o u

  transcendente);

  a

  legitimidade

  da lei

  deriva

  d o

  fato

  de que e la

  emana

  de

quem

  t e m

  poder soberano,

  o u

  seja. Hobbes estabelece

  a

  legalidade como fundamento

d a

  legitimidade.

Esta

  é a

  mesma idéia

  q u e

  Kelsen pretende externar, através

  d a

  norma fundamen-

ta l : a divisão entre  o mundo  d o s e r (o mundo  d o s  indivíduos  ou universo social)  e o

mundo  d o  dever  s e r ( no qual  se  processa  a  auto-legitimação  d o direito e d o  Estado.

1 1 5

Page 116: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 116/133

independentemente

  d a

  sociedade).

  P o r

  isto, Kelsen. apesar

  d e

 prescindir

  d o

 dualismo

tradicional entre direito público

  e

  direito privado,

  não o

  supera,

  uma vez que o

reassegura mediante

  u m

  dualismo epistemológico fundante.

  T a l

  como Hobbes,

  Ke l -

s e n , a o  distinguir  o s e r e o  "dever  s e r ,  destrói  a  idéia  d a  hierarquia natura dos

valores, fornecendo-nos u m a  representação  d o social, basea da  em  indivíduos isolados

q u e

  encontram

  n o

  Estado

  a

  segurança para conservar suas vidas

  e

  seus patrimônios.

Desta forma,  o  Estado, monopolizando  a  coerção, administra  o  " me d o  d a  morte",

como garantia

  e

  certeza

  da paz .

Deve-se ressaltar,  u m a v e z  mais,  q u e n a  base  d e t oda fund amen taçã o racional  d o

direito  e d o  Estado, aparece sempre  a  força como elemento intermediador  de uma

situação antagônica natural.

E m  suma, verificamos  q u e ,  para Kelsen,  a  legitimidade  de um  poder soberano

fundamenta-se e m u m a legalidade reconhecida teoricament e pela "no rm a fundamental

gnoseológica" ,

  q u e . p o r s u a v e z ,

  traduz,

  em

  termos epistêmicos.

 a

 necessidade

 d e f u n -

d a r a

 legalidade

  em um

  expresso reconhecimento

 d a

 ef etiva realização

 d o

 pa cto social.

Isto  é o que nos  sugere  a  norma fundamental, quando formulada d a  seguinte maneira:

s e A

manda

  e é

 geralmente obedecido, deve

  s e r q u e A

mande

  e

 sej a geralmente

obedec ido" .  Eis a  versão kelseniana  d o  pacto social.

1 1 6

Page 117: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 117/133

CAPÍTULO  VII

CONSIDER ÇÕES CRÍTIC S

  SO

BRE O PRINCÍPIO DA PUREZ

METODOLÓGIC

I.  Verificamos que ,  mediante  o Princípio  da Pureza Metodológica,

Kelsen recusa  um a  possível articulação  da  Ciência Jurídica  com os

outros saberes

  que , sob uma

  ótica

  não

  normativa, foram construídos

sobre o Direito. Sustenta o autor que os elementos extra-normativos não

representam  um momento constitutivo  do jurídico como  tal, e que por

isso devem ser excluídos de uma investigação jurídica pura ou essencial.

Ora , com a  afirmação  de que a  Ciência  do  Direito deve preocupar-se

exclusivamente com a explicação d o domínio normativo, não se recusa a

idéia  de que o Direito possa  ser analisado  a partir  de diferentes lugares

teóricos. Kelsen considera váiida

 a

 multipiicidade

 de

 abordagens sobre

o fenômeno jurídico, exigindo apenas um a complementariedade externa

que não  comprometa  a  formulação  de um  critério deliberativo para  as

proposições

  da

  Ciência Jurídica. Este critério deve basear-se necessa-

riamente  em  elementos normativos. Assim,  o princípio  da  pureza  fun-

cionando como fórmula de  demarcação  do campo temático  da Ciência

do Direito estabelece, como  sua regra metodológica básica,  um critério

d e  egocentrismo significativo. Mediante  ta l  regra metodológica fica

excluído  do âmbito de  significação d os discursos científicos do Direito,

qualquer dado que não possa  ser diretamente derivado das normas posi-

tivas válidas.

  E

  claro

  que o

  princípio

  da

  pureza metodológica incide,

também,  na determinação das condições de sentido d as próprias normas

jurídicas, proibindo referências extra-normativas para adjudicação  de

seu

  conteúdo.

Aceitemos  po r  enquanto  que ,  através  da  noção  de  pureza, cons-

titui-se

  a

  validade como critério decisório

  das

 normas jurídicas. Desta

forma, consideram-se como irrelevantes ou sem sentido os processos d e

significação  que os  intérpretes possam efetuar, atendendo  as  relações

1 1 7

Page 118: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 118/133

provenientes

  d e

  suas representações ideológicas,

  de

  suas práticas polí-

ticas,  de s ua  concepção sobre  a justiça  e a doutrina  d o Direito Natural ,

d a s

 crenças teóricas

 q u e

 governam

 as

 práticas institucionais

 d as

 diferen-

te s ciências, d a s normas morais o u religiosas, d o s discursos jurispruden-

ciais

  e d a

  circulação institucional

  d a

  informação jurídica.

A

  Ciência

  d o

  Direito,

  por sua vez , de

  acordo

  com o

  princípio

  da

pureza metodológica teria p o r função a produção d e discursos tendentes

à

  reprodução

 d o s

 conteúdos

 d as

 normas intrasístematicamente determi-

nadas,

  a

 partir

 d o

 critério

 d a

 validade.

  A s

 proposições

 d a

 Ciência Jurídi-

c a seriam verdadeiras, (significativas) caso  seu conteúdo reproduzisse,

n o

  plano

  d o

  conhecimento,

  o s

 âmbitos

  d e

  validade

  d a s

  normas.

Constata-se, então,

  que o

  princípio

  d a

  pureza metodológica

  —

como fórmula d e  significação — cumpre u m papel dual: indica as condi-

ções

  d e

  sentido, tanto

  d a s

  normas jurídicas como

  d o s

  enunciados

  da

Ciência

  d o

  Direito.

  D e u m a

  perspectiva ampla, diremos

  que as

  condi-

ções  d e  significação propostas  p o r  Kelsen apontam  a  produção  de um

conhecimento sobre  o jurídico,  q u e  deve  se r  regulado  p o r  leis estrutu-

rais imanentes. Dito

  em

 outras palavras,

  o

 princípio

 d a

 pureza metodo-

lógica indica como  u m a problemática carente  d e sèntido para  a Ciência

d o

 Direito, toda

 e

 qualquer questão

 q u e n ã o

 possa

 se r

 situada

 a

 partir

 das

normas jurídicas válidas. Isto posto, procurarei argüiras insuficiências

 e

dificuldades  de um  conhecimento  d o Direito regulado  por um princípio

d e

  pureza

  ou

  imanência significativa.

A

 refutação conseqüente

  d o

 princípio

 d a

 pureza metodológica deve

demonstrar  que a  significação  d o s  enunciados  d a  Ciência  d o  Direito

encontram-se constitutivamente determinados

  p o r

  alguns

  d o s

  fatores

excluídos pela aplicação  d o  princípio  d a  imanência significativa.  T e n -

tarei, assim, formular

  u m a

  regra

  de

  sentido oposta

  à

  kelseniana. Esta

condição

  d e

  significação alternativa necessita

  s e r

  regida

  por um

  prin-

cípio diferente  q u e  proponho chamar princípio  da  heteronímia signi-

ficativa .  1)

C o m

  esta fórmula

  d e

  significação, procuro evitar

  o

  reducionismo

semiológico presente  n a  proposta kelseniana. Refiro-me  a uma  idéia

implícita

  n o s

  textos

  d e

  Kelsen, mediante

  a

 qual

  se

 pretende sugerir

 que

através  de um  sistema  d e  normas jurídicas válidas completa-se plena-

mente  o processo de sua significação. O s enunciados d a Ciência Jurídica

teriam,  n a significação emergente d e tais sistemas normativos, o s limites

de seu

 sentido. Parafraseando Saussure,

  o

 princípio

  d a

 pureza metodo-

1 1 8

Page 119: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 119/133

lógica sustenta-se

  a

 partir

  d a

 crença

  de que as

 associações significativas

d o

 Direito

  se

 desenvolvem através

 de um

 jogo

 d e

 oposições estruturais.

S ã o ,

  portanto,

  as

 diferenças

 o u

 oposições

  em

 relação

 ao s

 outros termos

d.o  sistema  d e  normas  q u e  especificam  o  significado  de um signo jurí-

dico.

Para Saussure,

  a s

  relações estruturais

  são de

 dois tipos.

  E le

 fala

 d e

relações sintagmáticas

  e

  associativas.

  A s

 primeiras fazem referência

 à

solidariedade

  que se

  pode estabelecer entre vários termos,  n  presen-

c ia . Ou

  seja,

  as

 combinações

  d e

 sentido surgidas

  n a

 extensão

 d a

 lingua-

g e m ,

  como,

  p o r

  exemplo,

  o

  sintagma ma ta r alguém , onde

  o

  sentido

d a

  expres são encontra-se co-determinado pelos termos

  que a

  consti-

tuem. Também poder-se-ia considerar como outro tipo

  de

  relação

  sin-

tagmática

 a s

 unidades significativas, surgidas

 d a

 relação

 de

 vários enun-

ciados entre

  si no

  caso,

  a

  relação

  de

  várias normas). Haveria desta

forma, relações sintagmáticas de primeiro e segundo graus. U m a segunda

ordem

  d e

 relações estaria formada pelos campos significativos determi-

nados mediante afinidades

  d o s

  mais diversos tipos.

  S ão

  relações

  que

reúnem termos  n  ausentia

n ão

  apoiados

  n a

  extensão

  d a

  língua.

  A s

relações associativas, para Saussure,

  n o s

  remetem

  a

  sistemas lingüís-

ticos

  e

  extra-lingüísticos. Exemplo

  d o

 primeiro tipo destas relações

  em

ausência seriam

  as

 séries associativas inspiradas

  em

  evocações

  de pro-

priedades designativas, como seria

  a

 seqüência:  ensino

 —

 educação

  —

aprendizagem.  Esta forma

  d e

  associação

  se

  estabelece apenas recor-

rendo  a  evocações internas  de um  sistema lingüístico.  U m  exemplo  d o

segundo tipo estaria dado pelas evocações surgidas  de  dados valorati-

v o s ,

  ideológicos

  ou

  políticos.

  2)

Entendo  q u e poder-se-ia argumentar q u e Kelsen admitiria a produ-

ç ã o d a s

  significações

  d a s

  normas jurídicas

  a

  partir

  de

  relações sintag-

máticas

 e d e

 relações associativas provenientes

 de um

 tipo específico

 de

sistema lingüístico:

  a s

  linguagens

  d a s

  normas jurídicas válidas

  3).

Quero ressaltar,

  a

  partir

  d o

  exposto,

  q u e

  Kelsen

  n ão

  leva

  em

  conside-

ração

  o

 papel

  d a

 própria Ciência Jurídica como instância

 d e

 significação

d a s

  normas jurídicas.

  O

  sentido

  d o s

  termos contidos

  n as

 normas jurí-

dicas  n ã o  surgiria  p o r  nenhum jogo  d e  associações provenientes  do

saber jurídico.

Contrariamente,

  o

 princípio

  d a

 heteronímia significativa reivindica

a

 incorporação

 d o s

 fatores excluídos pelo princípio

 d a

 pureza metodoló-

gica (saber jurídico, contextos lingüísticos alheios  ao Direito Positivo  e

1 19

Page 120: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 120/133

contexto extra-lingüístico) como condições necessariamente presentes

na

  fórmula

  de

  significação para

  as

  normas jurídicas.

  E

  evidencia,

  ao

mesmo tempo,

  o

  caráter institucional, social, político

  e

  ideológico

  da

produção  dos  sentidos jurídicos. Contraposto  ao que se  depreende  do

princípio  da  pureza metodológica visto como condição  de  sentido),  o

princípio  da  heteronímia significativa afirma  a  existência  de uma plu-

ralidade d e centros produtores de sentido. O sentido d as normas legais e

d o s discursos d a Ciência Jurídica delas dependentes encontra-se lingüís-

tica  e socialmente determinado.  A s  palavras d a lei não são como poder-

se-ia inferir d o princípio da pureza metodológica, constituintes exclusi-

vos dos

  sentidos

  d as

  normas positivas,

  nem as

  noções teóricas

  do

Direito podem

  ser

  unicamente determinadas

  a

  partir

  de seu

  valor,

  na

estrutura textual  das normas positivas. Desde já , é possível perceber  o

papel q u e Kelsen reserva à Ciência d o Direito como reprodutora de uma

significação processada  a partir  de uma estrutura lingüística  os  textos

legais)

  que não a

 determina

  nem a

 condiciona como código

 de

  associa-

ções significativas.

  A

  Ciência

  do

  Direito forneceria, segundo Kelsen,

elementos

  de

  reconhecimento

  e não de

 produção significativa.

 A

 partir

d o

  dito:

  a

  Teoria Geral

  do

  Direito proporcionaria, para Kelsen,

  as

noções gerais

 q u e

 permitiriam

  a

 produção lógica

 e

 racional

 do

 processo

de

  reconhecimento significativo

  que a

  Ciência

  do

  Direito postula.

  4)

Certamente, através  do  princípio d a pureza metodológica tenta-se

excluir do âmbito d as significações normativas e dos termos técnicos, os

fatores necessariamente co-determinantes  na  produção deste tipo  de

sentido. Vê-se, então,  qu e  conforme o princípio  da heteronímia signifi-

cativa,  os  enunciados  da  Ciência Jurídica  são  elementos necessários

para

  a

  formação

  d a

  unidade significativa. Isto porque

  não se

  trata

  de

discurso  q u e  tenta reproduzir mecanicamente  o  conteúdo  das  normas

jurídicas.  O saber jurídico dominante contém toda  um a  série  de  repre-

sentações

  e

  sistemas

  de

  sentidos próprios

  que

  condicionam

  o

  tipo

  de

evocações significativas a qu e os juristas  se remetem  no ato de determi-

nação  do  sentido  d a s palavras  da lei.

P o r  esta razão, segundo princípio  da  heteronímia significativa,

tenta-se evidenciar

 que o

 processo

 d e

 produção

 dos

 sentidos

 das

 normas

jurídicas envolve formas

 d e

 conexões

 que não se

 apoiam exclusivamen-

te em  caracteres lógicos  ou  valores estruturais,  mas que se baseiam  no

senso comum teórico  d o s  juristas  e nas  condições materiais  da  vida

social. Desta forma,

  o

 princípio

  da

 heteronímia significativa levanta-se

1 2 0

Page 121: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 121/133

contra

  o

 critério simplista

  e

 linear

  da

  fórmula

 de

 significação

 q ue

 pode

ser extraída da Teoria Pura d o Direito; fórmula que reduz a problemática

d o  sentido d as  normas jurídicas  a uma  simples articulação lógico-estru-

tural. Assim,

 o

 princípio

 d a

 heteronímia significativa recusa

 as

 reduções

emergentes  dos  cinco níveis  de  purificação analisados neste trabalho,

p o r entender  que são precisamente  os fatores que se pretende depurar,

os que operam como códigos das significações jurídicas. D e acordo com

este princípio  não se  pretende criar condições ideais para  um processo

d e  significação neutralizado,  se não  indicar  as efetivas funções cumpri-

d as  pelos fatores eliminados  no processo  de purificação.

Sem  dúvida,  os  ingredientes  de  significação  que o  princípio  de

pureza pretende eliminar cumprem funções míticas,

 que não

 deixam

  de

ser

 operantes

 se as

 suprimirmos

 no

 plano

 do

 pensamento.

 Sua

 supressão

no

  conhecimento gera

  um a

  ação

  de

  retorno sobre

  as

  práticas signifi-

cativas  que a  reportam, precisamente,  às  funções míticas indicadas.

Quando  se  acredita  na  existência  de um  conhecimento neutro,  se está

tacitamente afirmando

 a

 impossibilidade

 de seu

 questionamento

 e

 cons-

truindo

  um

  lugar retórico importante: o*topofda neutralidade.

  O

 resto

parece simples. Basta poder vincular qualquer interesse político,

  eco-

nômico

 ou

  ideológico

 a

 este topoi, basta travestir

 c om

 este lugar retórico

ditos interesses para  que eles sejam legitimados como a única forma de

opção racional.

Gostaria, ainda, de indicar outra função importante para o princípio

d a heteronímia significativa, q ue serve para explicar, em parte, a função

social quê o princípio da pureza metódica cumpre. N ão se trata, simples-

mente,  de procurar um a  substituição de princípio. O s procedimentos d e

depurações propostos pelo princípio

  da

 pureza metódica

  não

  represen-

tam  incorretas concepções sobre  o trabalho  da  significação normativa;

na  verdade, elas  são  teses complementares  aos elementos  que depura.

Vejamos então:  as  significações normativas  se  estabelecem  a partir  de

um processo ambíguo, q ue expressa um feixe de reações contraditórias.

Através deste jogo  de  posições contraditórias vai-se configurando um

sistema  de  significações tópicas veiculantes  de  funções míticas. Tais

funções míticas

  da

  linguagem tornam-se eficazes

  ma

  medida

  que con-

seguem tornar compatíveis,  nos  discursos, unidades  de  significações

muitas vezes contraditórias. P o r  isto, o princípio de heteronímia signifi-

cativa deve procurar indicar a s razões pelas quais, na prática, o trabalho

de  determinação  d as  significações jurídicas necessita compatibilizar

1 2 1

Page 122: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 122/133

sentidos antagônicos. Aprofundando a  linha  de  argumentação,  as nor-

m as  jurídicas devem  ser  vistas como elementos co-determinantes  da

materialidade  d as  relações sociais.  O r a ,  esta função constituinte  não

surge como efeito exclusivo  das  palavras  da lei,  senão como  um efeito

das significações jurídicas.  P or  isso, creio  que  para  um estudo consis-

tente

  d as

  funções políticas

  e

  sociais

  d o

  Direito Positivo

  é

  necessário

estender o centro de atenção ao processo de significação jurídica, onde o

saber jurídico  é o  fator dominante. Deve-se, assim,  pôr em  xeque  o

princípio d a pureza metódica, segundo o qual somos levados a separar o

conhecimento  do  Direito  da sua  função na  sociedade. Somos levados  a

negar

  o

  poder

  d o

  conhecimento jurídico. Resgatando unicamente

  o

poder  do conhecimento jurídico, poderíamos perceber  os modos como

as  significações jurídicas ficam imbricadas  na própria materialidade  so-

cial, co-determinando-a

  e

  sendo,

  por sua vez,

 determinadas

  por ela. O

fetichismo  d as  formas jurídicas,  das palavras  da lei,  adquire  seu  valor

simbólico  n a medida  em que pode erigir-se  em  lugar de objetivação (de

inscrição material)  d as  significações sociais  e  jurídicas, processadas

mediante o sentido comum teórico do jurista.  É isto o que o princípio d a

pureza metódica fundamentalmente cala quando,  em seu afã de obter

um  conhecimento neutralizado,  o encobre  de suas funções na socieda-

d e ,

  reassegurando

  o seu

  exercício.

NOTAS

(1) A  lespeito,  v er minha comunicação

  o

 postulado

  da

  pureza metódica

  ao

 principio

  da

heteronímia significativa apresentada

  a o I

  Encontro Brasileiro

  d e

  Filosofia

  do Di-

reito  e m  João Pessoa, outubro  de 1980.

Vários

  d o s

  argumentos apresentados neste capítulo apóiam-se

  n as

  idéias contidas

  na

referida comunicação.

(2) Ver  Rosa Maria Cardoso  d a  Cunha.

  O

  caráter retórico

  do

  princípio

  da

  legalidade

cap . IV, e  Saussure,  Curso

  de

  Lingüística Geral p. 207 a 211.

(3 )  Como assinala Rosa Maria Cardoso  d a  Cunha,  a s  evocações provenientes  d e  outros

sistemas  d e  normas morais  ou  religiosas)  têm  valor  d e  sentido apenas  se  podem  ser

apresentadas como internas

  a o

  sistema

  d e

  normas positivas, como

  p o r

  exemplo,

  da

regra

  d e

  legalidade.

  Op. c i t . , p . 202.

(4 )

  Estas categorias gerais

  s ã o

  provenientes

  d e u m a

  observação comparativa

  d o s

  dife-

rentes ordenamentos positivos.

1 2 2

Page 123: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 123/133

  ON LUSÕES

Concluindo,  o que é preciso acrescentar?  Um  resumo do qu e já foi

dito? Algumas declarações pomposas  e categóricas sobre  as teses  cen-

trais  d o  livro?  U m  inventário  das  novas questões propostas pelo  tra-

balho?  Ou uma  crítica geral sobre  a  obra  de  Kelsen?  N a  verdade  não

tenho  a intenção  de fazer estritamente nada disto.  Em outras palavras,

optarei  por um caminho relativamente distànciado de todos estes mode-

los  clássicos  de  conclusão. Enunciarei, então, como propostas conclu-

sivas, seis teses indicativas

  das

  questões

  que

  suponho interessantes

para eventuais discussões posteriores.  U m a d a s  razões  de tal  escolha

deve-se  a o  fato  de ser  este livro  um  documento  de  trabalho,  um seg-

mento  de uma  investigação mais ampla  a ser  desenvolvida,  a  qual,

evidentemente, implicará  em um  reencontro crítico  com o que até o

momento  fo i  produzido. Algumas  d a s  teses  q u e  formularei revelarão

argumentos implícitos d o trabalho. P or outro lado, é importante precisar

que as

  teses

  q u e

  serão enunciadas antes revelam meus pontos

  de

 vista

sobre  a Teoria Pura  do  Direito  e a Ciência Jurídica  do que as  idéias  de

Kelsen.

Primeira Tese

  —

  Sobre

  as

  condições

  e

  funções

  da

  Ciência

Jurídica.

O  saber jurídico, enquanto ciência social, deve  ser visto como  um

sistema

  de

  articulações tópicas, construídas

  a

  partir

  de

  problemas

  e

endereçados  à produção  de argumentos para  a paralisação de  conflitos

sociais. Assim,  os discursos  d a Dogmática Jurídica encontram-se  com-

prometidos  co m  certos efeitos  de verossimilhança  e não com  questões

vinculadas  à problemática da verdade.  U m a  teoria que tenha por objeto

temático  as  relações entre  as  normas jurídicas  e os  enunciados  da

Dogmática Jurídica  não  deve, portanto, preocupar-se  com o  estabe-

lecimento  d a s  condições  de  verdade  (nem das  proposições jurídicas,

n e m d a s

  normas),

  mas s im com as

 funções sociais

  que

  surgem

  a

 partir

deste tipo  de  relações.  O  conhecimento jurídico deve  ser  visto mais

como

  uma

  técnica

  de

  efeitos

  do que

  como

  uma

  ciência

  de

  fatos.

1 2 3

Page 124: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 124/133

Segunda Tese

  — as

  relações

  da

  Teoria Pura

  do

  Direito

com a

 Dogmática Jurídica.

A teoria kelseniana cumpre várias funções em relação à Dogmática

Jurídica. Contudo, todas estas devem

  ser

 discriminadas atendendo

  o

fato  de que a Teoria Pura  d o Direito encontra-se,  na  atualidade, ideo-

logicamente recuperada e inscrita na cultura jurídica dominante. Assim,

a Teor ia Pura pode ser vista como u m a dogmática geral q ue racionaliza o

saber dogmático, revelando as crenças e pressuposições metodológicas

q u e  estão  n a base deste pensamento,  os  procedimentos  e condições  de

seu método, assim como o limite das questões que podem  ser colocadas

e  resolvidas  na Dogmática Jurídica. Trata-se  de uma  proposta  de axio-

matização realizada

  a

 partir

  do s

 pressupostos epistemológicos

  do

 posi-

tivismo.

Terceira Tese  — as  funções ideológicas,  dos  objetivos

positivistas  da  Teoria Pura  do  Direito  e do  difuso apelo  a um

a priori

do

  pensamento.

A s

  condições

  de

  possibilidade

  da

  ciência jurídica encontram-se

fundamentadas, principalmente,

  nos

  critérios

  de

 cientifícidade

 do

 posi-

tivismo, cujas idéias mais significativas

 são:

1) um   descrédito absoluto  da  metafísica;

2) a  reivindicação  de uma  correspondência fática  na base  de  toda

elaboração  d o  conhecimento científico;

3) uma  profunda rejeição a  todas  as  formas de manifestação ideo-

lógica;

4) uma

  recusa obstinada

  em

  aceitar enunciados

  que ,

  externando

opiniões

  ou

  juízos subjetivos, impeçam

  o

  acesso

  a um

  conhecimento

objetivo;

5) uma  crença cega  na  razão como  a única  via para  a obtenção  de

um

  sistema

  de

  conceitos libertos

  d as

  articulações enganosas

  da

  doxa

(um   saber ideológico, metafísico, sem respaldo objetivo) porém revela-

dor das

  verdadeiras articulações.

Certamente, todos estes critérios encontram-se vinculados

  a uma

exigência  d e  inteligibilidade herdada  de  Kant)  que se  baseia numa

categoria fundante vista como um a priori d o pensamento. Tais critérios

d e

  cientifícidade,

  sem

  dúvida, levam

  a uma

  crescente purificação

  de

1 2 4

Page 125: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 125/133

conceitos  que no  fundo representam  um  deslocamento ideológico.  D e

fato  os  efeitos  d e  supressão  de um  sistema  de  sentidos conotativos

geram, por sua vez , efeitos ideológicos específicos. N o caso, a apresen-

tação d o saber científico como u m a ordem necessária externada através

d e

  vínculos racionais, silencia

  o

  poder social deste tipo

  de

  discurso.

Quarta Tese  — o  poder  do  discurso jurídico  e de sua

preservação pela proposta

  de

  purificação conceituai.

É  falso supor  que o  conhecimento científico  do  Direito pode

desenvolver-se mediante um processo purificador que silencie o fato de

que as  significações jurídicas  são  institucionalmente produzidas, exis-

tindo, assim, centros

  de

 decisão significativa

 que

 legitimam como cien-

tíficos) certos sentidos. Tais sentidos,  ao  serem empregados  nos  dife-

rentes discursos

  d o

  Direito, geram claros efeitos sociais

  de

  poder.

Certamente,  o  saber jurídico confere  aos  sujeitos do  poder  o poder  do

discurso.  E se  torna evidente  que a  teoria kelseniana  na sua pretensão

purificadora contribui  em  grande medida para  a preservação  do  poder

d o s

 discursos jurídicos.

Quinta Tese  —  Sobre  as  funções  de  significação  do  prin-

cípio

  da

  pureza metódica.

O

  princípio

  d a

  pureza metódica, funcionando como critério

  de

sentido

  da

  linguagem jurídica, estabelece

  um

  critério

  de

  imanência

significativa  que  enclausura  os  sistemas  de  sentido destas linguagens,

excluindo principalmente  as  cadeias  de  significação evocadas  a  partir

d as

 práticas políticas

  e

  ideológicas.

  E m

  outras palavras,

  o

 princípio

 de

pureza considera como expressões

  sem

 sentido para

 a

 Ciência

 do

 Direi-

to  toda afirmação  que não  possa  ser  derivada  de  normas jurídicas  vá-

lidas. Assim,  a  Teoria Pura  d o  Direito recupera  a  fetichização  dos

conteúdos normativos, produzidos pelas doutrinas  do Direito Natural,

acrescentando-lhe um efeito de mitificação das formas do Direito. Neste

sentido,

  as

 condições

 de

 significação formuladas através

 d o

 princípio

 da

pureza metodológica produzem

  a

 fetichização

 d os

 signos jurídicos.

  Fe-

tiches estes  q u e  desempenham importantes funções sociais.

1 2 5

Page 126: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 126/133

Sexta Tese  —   Sobre  o princípio  da  heteronímia significa

tiva.

Mediante

 ta l

 postulado deve-se colocar

 e m

 cheque

 a

 aparente trans-

parência

  e

  absoluta univocidade significativa atribuída

  aos

  conteúdos

d a s normas jurídicas pelo princípio d a pureza metodológica  com o  qual

se

  pretende dissimular

  e

portanto construir

  os

  âmbitos ideológicos

  e

políticos

  da s

  significações jurídicas.

  O

 princípio

  da

  heteronímia signi-

ficativa estabelece

  que o

  processo

  de

  produção

  das

  significações jurí-

dicas envolve formas

 de

  conexão

  qu e não se

  apoiam unicamente

  nos

caracteres lógico-estruturais

  do

 direito positivo senão

  que se

 baseiam

também

em

  associações

  de

  sentido determinadas pelo saber acumu-

lado  e pelas condições materiais  da vida social. Resumindo o princípio

de heteronímia significativa opõe-se  às  reduções emergentes  do princí-

pio da pureza metodológica porquanto o s fatores por este excluídos  são

precisamente  os que  operam como códigos  das  significações jurídicas.

Esperamos que a partir d a s teses apresentadas s e inicie um  discurso

crítico sobre nosso texto. Está aberto  o debate.

1 2 6

Page 127: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 127/133

Bibliografia Consultada

OBRAS

  D E

  HANS KELSEN

1.

  KELS EN Hans.  Teoria Pura

  dei

  Derecho.  Buenos Aires

EUDEBA 1980.

2. 2. ed .

  México Universidad Nacional Autónoma

de

  México

1979.

3. . — . 2. ed .

  Coimbra Armênio Amado

1976.

4. .  Teoria General  dei  Derecho  y dei  Estado.  México

Universidad Autónoma

  d e

 México

1958.

5. .  La

  Teoria Pura

  dei

  Derecho

  y la

  Jurisprudência

Analítica.  Buenos Aires Revista  L a Le y n? 24 1946.

6. . A

 Justiça

  e o

 Direito Natural.  Coimbra Armênio Amado

Editor

1963.

7. .  Derecho  y Paz en las  Relaciones Internacionales.

México Fondo

  de

 Cultura Economico

1943.

8. .  Sociedad  y  Naturaleza.  Buenos Aires Depalma 1945.

9 . .  La  idea  dei  Derecho Natural  y  otros ensaycs.  Buenos

Aires Losada 1946.

10. .  El  Derecho como objeto  de la  Ciência  dei  Derecho.

Buenos Aires Revista  de la Facultad  de Derecho  y Ciências

Sociales  de la Universidad  de  Buenos Aires 1950.

11 Problemas Escogidos  de la  Teoria Pura  dei  Derecho.

Kelsen Cossio.  Buenos Aires Kraft

1952.

12. . Contribuciones  a la  Teoria Pura  dei  Derecho.  Buenos

Aires Centro Editor  de America Latina 1969.

13. .  El

  fundamento

  de la

  validez

  dei

  Derecho.

  In:

Estudos

  y

  Ensayos

  en

  homenage

  a

  Hans Kelsen.  Buenos

Aires Depalma 1974.

14. . L a autodeterminacion  dei  Derecho.  Caracas Revista de

la   Facultad  de  Derecho  de la  Universidad Central  de

Venezuela

  n<? 27 1964.

1 2 7

Page 128: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 128/133

15. .  Introduccion  a la  Teoria Pura  dei  Derecho.  México

Editora Nacional

1974.

Textos relativos  à questão  do  conhecimento científico da  Teoria

Jurídica

da

  Semiologia

  e d a

 Teoria Política.

16.  ARISTÓTELES.  Tópicos.  In: . Os Pensadores.  São Paulo

Abril Cultural

1978.

17. . Dos

  argumentos sofísticos.

  In: . O s

  Pensadores.

São  Paulo Abril Cultural 1978.

18.

  ARNAUD André Jean.

  La

  transmisión

  dei

  saber jurídico

  y sus

efectos políticos  y sociales.

  México Comunicação apresen-

tada  à s V   Jornadas Latinoamericanas  de  Metodologia  do

Ensino  do Direito 1979.

19. .  Ser  jurista  e  contestador? Revista Crítica  do  Direito

São  Paulo 1980. 1)

20.

  AYER Alfred Julen.  Lenguaje Verdad

  y

 Lógica.  Buenos Aires

EUDEBA 1965.

21.  BACHELARD Gaston.  Epistemologia.  Rio de  Janeiro Zahar

1977.

22. .  O racionalismo aplicado.  Rio de  Janeiro Zahar 1977.

23. . La

  formación

  dei

  espiritu cientifico.  Buenos Aires Siglo

XXI 1972.

24. . A  atualidade  da  História  das  Ciências. Revista Tempo

Brasileiro 28).

25.  BARTHES Roland.  Sistema  da  Moda.  São  Paulo Editora  da

Universidade

  de São

 Paulo

1979.

26. . Aula.  São

  Paulo Cultrix

1978.

27.  BARTHES Roland. Mitologias.  São  Paulo Difel 1978.

28. . A  retórica antiga.  In: . Pesquisas  de  retórica.  Rio

de  Janeiro Vozes 1975.

29. . Elementos  de  semiologia.  São  Paulo Cultrix 1973.

30.  BOBBIO Norberto.  El  problema  dei  positivismo jurídico.

Buenos Aires EUDEBA 1965.

31.  .  Hacia  una  teoria funcional  dei  Derecho.  In : .

Derecho Filosofia  y  Lenguage; Homenage  a Ambrosio  L.

Gioja.  Buenos Aires Astrea 1976.

1 2 8

Page 129: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 129/133

32.  BOURDIEU Pierre  e  outros.  El  oficio  dei  sociologo.  México

Siglo

  X X I

  Editores

1979.

33.

  BUNGE Mario.  Tratado

  de

  Filosofia Básica Semântica

  1 e II.

S ão

 Paulo

E P U e

 EDUSP

1974.

34.

  BURITY Tarcísio

  d e

  Miranda.  Considerações sobre validade

  e

efetividade  da  norma jurídica internacional: anotações  à

margem

  da

  teoria kelseniana.  João Pessoa Comunicação

apresentada  ao í  Encontro Brasileiro de  Filosofia do Direito

1980.

35. . Kelsen  e o  Direito Internacional Consuetudinário.  In:

Anuário

  do

  Curso

  de

 Mestrado

  em

  Direito

  da

  Universidade

Federal

  de

  Pernambuco

  n°. 1.

 Recife

1977.

36.  CAPELLA J . R .E l  Derecho como lenguaje.  Barcelona Colección

Zetein Ediciones Ariel

1968.

37.  CARCOVA Carlos.  La  idea  de  ideologia  en la  Teoria Pura  dei

Derecho.  Buenos Aires Cooperadora  de Derecho y Ciências

Sociales

1973.

38.  CARNAP Rudolf.  Significado  y  sinonímia  en los  lenguajes

naturales.  In :  Antologia Semantica.  Buenos Aires Nueva

Vision 1960.

39.  CARRIO Genaro  R .  Notas sobre Derecho  y  lenguaje.  Buenos

Aires Abeledo Perrot 1972.

40. .

  Princípios jurídicos

  v

  positivismo jurídico. Buenos

Aires Astrea 1973.

41.  CERRONI Umberto. Metodologia  y Ciência Social.  Barcelona

Ediciones Martinez Roca

1971.

42.  COEL HO Luiz Fernando.  Lógica Jurídica  e interpretação  das

leis.  Rio de  Janeiro Forense 1979.

43. .  Estado Direito  e  Poder.

  João Pessoa Comunicação

apresentada  ao I  Encontro Brasileiro de Filosofia d o Direito

1980.

44.  CHAUÍ Marilena.

 Crítica

  e

 Ideologia. Cuadernos SEAF

Rio de

Janeiro  1978, 1).

45.  CUNHA Rosa Maria Cardoso. O  caráter retórico  do princípio  da

legalidade.  Porto Alegre Síntese

1979.

46.

  DONZELOT Jacques.

  La

  policia

  de las

  famílias.  Valencia.

Artes Graficas Soler

1979.

1 2 9

Page 130: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 130/133

47. DOS   SANTOS, Wanderley Guilherme.  Em  defesa  do  laissez

faire .

  São

  Paulo, CEDEC,

  1979.

  (mimeog.)

48.

  ENG1SH,

  K .

  Introdução

  ao

  pensamento jurídico.  Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian,

  1968.

49.

  FARIA, José Eduardo.  Poder

  e

  legitimidade.

  São

  Paulo,

Perspectiva,

  1978.

50. .  A

  dimensão política

  da

  experiência jurídica.  João

Pessoa, Comunicação apresentada  ao I  Encontro Brasileiro

de   Filosofia  d o  Direito,   1980.

51.

  FALCÃO, Joaquim Arruda.  Cultura jurídica liberal

  e

  ordem

política autoritária.  Olinda, Pimes,

  1979.

  (Mestrado

  em

Sociologia UFPE).

52.

  FOUCAULT, Michel.

  A

  verdade

  e as

  formas jurídicas.

  Rio de

Janeiro, Cadernos

  da

 Pontifícia Universidade Católica

  do Rio

d e   Janeiro,   1974.

53. . Microfísica  do  Poder.  Rio de   Janeiro, Graal,   1979.

54. . Vigiar  e punir.  Petrópolis, Vozes,   1977.

55. .

 L'ordre

  du

  discurs.  Paris, Gallimard,

  1977.

56.

  GE1GER, Theodor.  Ideologia

  y

  Verdad.  Buenos Aires,

Amorrortu,  1972.

57.

  GIOJA, Ambrosio Lucas.

  Ideas para

  una

  Filosofia

  dei

 Derecho.

Buenos Aires, Sucesion  L .  Gioja,   1963.

58.

  HART,

  H. L . A.  Una

  visita

  a

  Kelsen.  México, Instituto

  de

Investigaciones Filosoficas  da   Universidad Nacional

Autonoma

  de

  México,

  1977.

59.

  HART,

  H. L. A. El

  concepto

 d e

 Derecho. Buenos Aires, Abeledo

Perrot,

  1968.

60 KERCHOVE Michel vande. Possibilite e t limites d'une science

du

  droit.

  Bruxelles, Revue Interdisciplinaire d Etudes

Juridiques, 1978/1.

61.

  KUHN, Thomas.

  A

  estrutura

  das

  revoluções científicas.

  São

Paulo, Perspectiva,

  1975.

62.

  LACLAU,

  E .

  Ideologia

  e

 política

  na

  teoria marxista.

  Rio Pa z e

Terra,  1978.

63.

  LAFER, Celso. Direito

  e

 Poder: Apontamentos sobre

  o

 tema

  n a

reflexão

  de

 Miguel Reale.

  João Pessoa, Comunicação apresentada

ao I

 Encontro Brasileiro

 de

  Filosofia

 do

 Direito,

  1980.

1 30

Page 131: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 131/133

64.  LENK, Kurt.  El  concepto  de  ideologia.  Buenos Aires, Amor-

rortu,

  1974.

65.  LIMOEIRO, Miriam Cardoso.   O mito  do  método. Cuadernos  da

PU C, Rio, 1971, 27).

66. . La

  ideologia dominante.  México,

  E d .

  Siglo

  X X I 1975.

67.

  LOPEZ CALERA, Nicolas Maria.

 Derecho  y Democracia, rela-

ciones

  y

  exigencias

  en la

  crisis  acfuaJ.João Pessoa,

Comunicação apresentada

  ao I

  Encontro Brasileiro

  de

Filosofia

 do

 Direito,

  1980.

68. .  La  legitimacion democratica  dei  Derecho.  Granada,

Anales  de la   Catedra Francisco Suarez   n? 16 1976.

69.

  MARTINO, Antonio Anselmo.

  L a

  Scuola Analítica

  di

  Buenos

Aires.  In :  TARELLO, Giovanni (org.).  Materiali  per una

Storia delia Cultura Giuridica  VII.

 Génova, Instituto

 di

 Filosofia

dei  Diritto delia Università   di Génova,   1977.

70.  LYRA FILHO. Roberto.  Para  um  Direito  sem  dogmas.  Porto

Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor,  1980.

71.  MIA

t

ILLE, Michel.  Une  introduction critique  du  Droit.  Paris,

François Maspero,  1977.

72. .

 L'Etat

  du

  Droit.  Paris, Maspero,

  1978.

73.

  POPPER, Karl.

  El  desarrollo  dei  conocimiento cientifico:

conjeturas  y refutaciones.  Buenos Aires, Paidos,   1977.

74.

  POULANTZAS, Nicos. L'Etat,

  le

  Pouvoir,

  le

  Socialisme.  Paris,

Presses Universitaires

  de

  France,

  1978.

75.  REALE, Miguel.   O Direito como experiência.  São  Paulo, Saraiva,

1968.

76 .  ROSS,  Alf. Sobre  el Derechoyla Justicia.  Buenos Aires, Eudeba,

1963.

77.

  RUSSEL, Bertrand. Vaguedad.

  In :

  BUNGE, Mario, (org.)

 Anto-

logia Semantica.  Buenos Aires, Nueva Vision,  1960.

78.

  RUSSO, Eduardo Angel

  e

 LE RNER, Carlos Oscar. Lógica

  de la

Persuasion.  Buenos Aires, Cooperadora   de   Derecho   y

Ciências Sociales,  1975.

79 .  SAMPAIO FERRAZ  J R . Tércio.  Teoria  da Norma. Jurídica.  Rio

de

  Janeiro, Forense,

  1978.

80.

  :

— . Função social  da Dogmática Jurídica.  São  Paulo, Edição

privada,  1978.

81. . A

  ciência

  do

  Direito.

  São

  Paulo, Atlas,

  1977.

131

Page 132: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 132/133

82. .  Direito, Retórica  e  Comunicação.  São   Paulo Saraiva

1973.

83.

  SANCHEZ VÁZQUEZ Adolfo.

 La

  ideologia

  de la

 neutralidad

ideologica

  en las

  Ciências Sociales.  Comunicação apre-

sentada

  a o I

  Colóquio Nacional

  d e

  Filosofia Morelia Mich

1975.

84.

  SAUSSURE Ferdinand

  d e .

 Curso

  de

 Linguistica General.

  Bue-

n o s  Aires Losada 1969.

85. .  Fuentes manuscritas  y  estúdios críticos.  México

Siglo X X I, 1977.

86.  SCARPELLI Umberto.  Cos é el positivismo giurídico.  Milano

Edizioni

  d i

  Comunita

1965.

87.

  SOLER Sebastian.

  Las

  palabras

  de la ley.

  México Fondo

  de

Cultura Economica

1969.

88 .  SOUSA SANTOS Boaventura.  O discurso  e   o  poder.  Coimbra

Faculdade

  d e

  Direito

  de

 Coimbra

1979.

89. .  Da  Sociologia  da  Ciência  à  Politica Cientifica.  In:

Revista Critica

  de

  Ciências Sociais,

  n°. 1.

  Coimbra

1978.

90.  TREVES Renato.  El  fundamento filosofico  de la  Teoria Pura

dei

  Derecho

  de

  Flans Kelsen.

  Caracas Universidad Central

d e  Venezuela Facultad  de   Derecho 1968.

91.  VAZQUEZ Eduardo.  Positivismo  y  Ciência  dei  Derecho.

Caracas Universidad Central

  de

  Venezuela Facultad

  de

Derecho

1968.

98.

  VERNE NGO Roberto Jose.

 La

 interpretacion jurídica.  México

Universidad Nacional Autonoma

  de

  México

1977.

93. .

  Curso

  de

  Teoria General

  dei

  Derecho.

  Buenos Aires

Cooperadora

  d e

 Derecho

  y

 Ciências Sociales

1977.

94. .

  Norma Jurídica

  y

  Esquema Referencial.

  In :

  Derecho,

Filosofia  y Lenguaje.  Buenos Aires Astrea.  1976.

95.

  VIEHWEG Theodor.  Tópica yJurisprudência.  Madrid Taurus

1964.

96. .

  Sobre

  el

  futuro

  de la

  Filosofia

  dei

  Derecho como

investigacion fundamental.  Caracas Universidad Central

d e  Venezuela Facultad  d e  Derecho 1969.

97. .

  Ideologia

  y

  Dogmatica Jurídica.

  In: .

 Notas

  de

Filosofia  dei  Derecho  n°. V.  Buenos Aires 1969.

1 3 2

Page 133: WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

7/21/2019 WARAT, Luis Alberto. a Pureza Do Poder

http://slidepdf.com/reader/full/warat-luis-alberto-a-pureza-do-poder 133/133

98.

  VILANOVA Lourival.

  O

 problema

  do

  objeto

  da

  Teoria Geral

do

  Estado.  Recife Imprensa Oficial

1953.

99. .

  Norma Jurídica/Proposição Jurídica.  João Pessoa

Comunicação apresentada  ao I   Encontro Brasileiro  de

Filosofia

  d o

 Direito

1980.

100. . As

  estruturas lógicas

  e o

  sistema

  do

  Direito Positivo.

S ão

  Paulo Revista

  dos

 Tribunais

1977.

101. . Teoria  da Norma Fundamental: Comentários  à margem

de Kelsen.  In :  Anuário  do Mestrado  em Direito,  n°. 7. Recife

1976.

102.  VINVENT Jean Marie.  Fetichismo  y  sociedad. México,  Edi-

ciones

  Era 1977.

103.

  WARAT Luis Alberto.

  El

 concepto

  dei

  abuso

  dei

  Derecho

  y la

Teoria kelseniana. Revista Jurídica

  de

 Buenos Aires,

  n°. 1-3.

Buenos Aires 1967.

104. . El

 Derecho

  y su

  lenguaje.  Buenos Aires Cooperadora

 d e

Derecho  y  Ciências Sociales 1977.

105. .

 Semiótica

  y

 Derecho.  Buenos Aires

E d .

  Eikon

1972.

106.  WARAT Luis Alberto. Mitos  e  teorias  na  interpretação  da lei.

Porto Alegre Síntese

1979.

107. .

 Cuestiones dogmaticas

  y

  ceteticas

  mas

  alia

  de

  Tércio

Sampaio. Revista Seqüência,  Florianópolis

(1), 1980.

108.

  WITTGENSTEIN Ludwig. Investigações filosóficas,

  in:

Os  Pensadores XLVI).  São  Paulo Abril Cultural 1975.