walmir barbosa - história e política - elementos introdutórios

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HISTÓRIA E POLÍTICA: ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS Walmir Barbosa O estudo da Política é uma necessidade que se impõe de forma intensa na nossa contemporaneidade. Estudo que deve buscar combinar abordagens macro e micro estruturais. Em termos macro estruturais porque, em face da globalização e do neoliberalismo, convivemos com contradições e conflitos que se expressam de múltiplas formas. Vivenciamos o aprofundamento da distância entre ricos e pobres (Norte versus Sul; e entre dominantes versus dominados), o agigantamento da destruição ambiental, a multiplicação das guerras regionais, a exacerbação da violência, a instrumentalização da ciência pelo capital. Em termos micro-estruturais porque, em face da afirmação cultural dos grupos étnicos oprimidos, da revolução feminina, da afirmação social da criança e do adolescente, entre outros processos, convivemos com contradições e conflitos de cunho privado e cotidiano que também se expressam de múltiplas formas. Vivenciamos a crise da relação de gênero, o ressurgimento do xenofobismo, o conflito de gerações. A nossa contemporaneidade expressa, também, a viabilidade de construção de um novo processo civilizatório erigido sobre as macro estruturas da lógica do capital, da razão crítica instrumental e do burocratismo estatal. São evidencias dessa realidade a insurgência representado pelo movimento contra a globalização, a multiplicação de novos movimentos sociais, o constrangimento frente a desigualdade, pobreza e violência no mundo. A viabilidade de construção de um novo processo civilizatório demanda, também, a superação das micro estruturas do machismo, da discriminação racial, da discriminação de jovens e velhos. São evidencias dessa realidade o surgimento de novas experiências de relacionamento de gênero, de encontro de diversidades religiosas e étnicas. É Mestre em História das Sociedades Agrárias e professor de Ciência Política pela UCG.

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  • HISTRIA E POLTICA:

    ELEMENTOS INTRODUTRIOS

    Walmir Barbosa

    O estudo da Poltica uma necessidade que se impe de forma intensa na nossa contemporaneidade. Estudo que deve buscar combinar abordagens macro e micro

    estruturais.

    Em termos macro estruturais porque, em face da globalizao e do neoliberalismo,

    convivemos com contradies e conflitos que se expressam de mltiplas formas.

    Vivenciamos o aprofundamento da distncia entre ricos e pobres (Norte versus Sul; e entre

    dominantes versus dominados), o agigantamento da destruio ambiental, a multiplicao

    das guerras regionais, a exacerbao da violncia, a instrumentalizao da cincia pelo

    capital.

    Em termos micro-estruturais porque, em face da afirmao cultural dos grupos

    tnicos oprimidos, da revoluo feminina, da afirmao social da criana e do adolescente,

    entre outros processos, convivemos com contradies e conflitos de cunho privado e

    cotidiano que tambm se expressam de mltiplas formas. Vivenciamos a crise da relao de

    gnero, o ressurgimento do xenofobismo, o conflito de geraes.

    A nossa contemporaneidade expressa, tambm, a viabilidade de construo de um

    novo processo civilizatrio erigido sobre as macro estruturas da lgica do capital, da razo

    crtica instrumental e do burocratismo estatal. So evidencias dessa realidade a insurgncia

    representado pelo movimento contra a globalizao, a multiplicao de novos movimentos

    sociais, o constrangimento frente a desigualdade, pobreza e violncia no mundo.

    A viabilidade de construo de um novo processo civilizatrio demanda, tambm, a

    superao das micro estruturas do machismo, da discriminao racial, da discriminao de

    jovens e velhos. So evidencias dessa realidade o surgimento de novas experincias de

    relacionamento de gnero, de encontro de diversidades religiosas e tnicas.

    Mestre em Histria das Sociedades Agrrias e professor de Cincia Poltica pela UCG.

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    A tomada de uma conscincia dos problemas mundiais em termos macro e micro

    estruturais uma necessidade e amplia a importncia da Poltica. Ela pode atuar no sentido

    de compreende-los, bem como contribuir para a construo de respostas coletivas para os

    mesmos.

    A compreenso da Poltica pode ser respaldada pela disciplina Cincia Poltica. Da a

    importncia de abordarmos o conceito de poltica, os problemas advindos do seu mtodo e

    do seu objeto, os seus limites. Pode, tambm, ser respaldada pelas possibilidades abertas por

    meio do dilogo que a disciplina Cincia Poltica pode estabelecer com outras disciplinas

    das cincias humanas, bem como com outras esferas de manifestao da nossa

    subjetividade. Da a necessidade da questo poltica ser abordada em uma perspectiva de

    totalidade e interdisciplinar.

    O presente texto tem como propsito conduzir uma reflexo acerca da Poltica a

    partir da histria do mundo ocidental. Ele se constitui em uma reflexo introdutria, para

    fins acadmicos, sobre o desenvolvimento da poltica como prxis e como disciplina

    construda no processo histrico, tendo em vista uma reflexo futura mais consistente.

    Todavia, necessrio registrar que, mesmo com todos os limites, as contribuies de Camila

    Dalul Mendona e os dilogos crticos com Paulo Faria e Sebastio Cludio Barbosa tem

    sido de grande valia.

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    3

    SUMRIO

    APRESENTAO 1 A UTILIDADE DA POLTICA

    1.1 A Constituio de uma Sociedade Rica Politicamente

    2 CONCEITUANDO POLTICA

    2.1 Poltica e Poder

    2.2 A Finalidade da Poltica

    2.3 Poltica e Conflito

    2.4 A Delimitao da Poltica

    2.5 Poltica e Moral

    3 CONCEITUANDO CINCIA POLTICA

    3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica

    3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica

    3.3 Papel da Cincia Poltica

    3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade

    3.5 Mtodos e Tcnicas

    3.6 - O Procedimento da Comparao

    3.7 O Problema da Avaliao

    4 A GRCIA E A INVENO DA POLTICA

    4.1 A Vida Poltica de Esparta

    4.2 A Vida Poltica de Atenas

    4.3 A Criao da Poltica

    4.4 A Finalidade da Poltica Para os Gregos

    4.5 Os Regimes Polticos

    5 ROMA: O DOMNIO DO PRAGMATISMO ARISTOCRTICO

    5.1 A Repblica Romana

    5.2 O Movimento Reformista dos Irmos Traco

    5.3 O Imprio Romano

    5.4 A Virtude Personificada

    6 IDADE MDIA E O PODER TEOLGICOPOLTICO

    6.1 Sociedade e Economia Medieval

    6.2 A Expanso Feudal

    6.3 A Crise Feudal

    6.4 As Bases das Teorias Polticas Crists Medievais

    6.5 As Teorias Teolgico-Polticas Medievais

    6.6 Auctoritas e Potestas

    6.7 O Poder Dual

    6.8 O Pensamento Poltico da Cristandade Tardia

  • 4

    4

    7 MAQUIAVEL E O NOVO PRNCIPE

    7.1 A Itlia de Maquiavel

    7.2 Maquiavel e a Criao do Pensamento Poltico Moderno

    7.3 Principados e Repblicas

    7.4 A Revoluo na Poltica

    7.5 Os Limites de Maquiavel

    8 O CONTEXTO HISTRICO DAS TEORIAS MODERNAS

    8.1 O Renascimento

    8.2 A Reforma Protestante

    8.3 Os Estados Nacionais Aristocrticos

    8.4 Estado Nacional e Mercantilismo

    8.5 O Iluminismo e a Razo

    9 REVOLUO ARISTOCRTICO-BURGUESA NA INGLATERRA

    9.1 Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra

    9.2 Tericos da Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra

    9.2.1 Hobbes e o Contrato Social

    9.2.2 O Estado de Natureza

    9.2.3 O Contrato Social em Hobbes

    9.2.4 Locke e a Teoria Liberal

    9.3 Estado e Propriedade

    9.4 Locke e o Pensamento Liberal

    10 REVOLUO BURGUESA NA FRANA

    10.1 Rousseau e a Vontade Geral

    10.2 A soberania

    10.3 As Leis e o Legislador

    10.4 O Governo

    10.5 A Religio Civil

    10.6 A Propriedade Privada e a Desigualdade Social

    10.7 Crticas ao Pensamento de Rousseau

    10.8 - Montesquieu e os Trs Poderes

    10.9 Os Trs Poderes

    10.10 A Teoria dos Trs Poderes

    11 A CONTEMPORANEIDADE

    11.1 Liberalismo, Cidadania e Estado

    11.2 Capitalismo e Contestao do Mundo do Trabalho

    11.3 Crise do Capital e Welfare State

    11.4 A Grande Crise do Capitalismo e os Novos Regimes

    12 A FRANA PERMANECE REVOLUCIONRIA

    12.1 A Comuna de Paris de 1871

    13 A REVOLUO DE OUTUBRO DE 1917

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    5

    14 TEORIAS E PENSAMENTOS POLTICOS CONTEMPORNEOS

    14.1 O Pensamento Positivista

    14.2 Estado e Poltica Cientfica

    14.3 Sociedade e Vontade Poltica

    14.4 Concepo Anarquista

    14.5 Autoridade, Estado e Lei

    14.6 A Revoluo Social Anarquista

    14.7 - Sociedade, Estado e Poltica no Marxismo

    14.8 Sociedade e Totalidade em Marx

    14.9 A Concepo Materialista da Histria

    14.10 A concepo Marxista do Estado

    14.11 A Construo da Concepo de Estado de Marx

    14.12 A influncia de Hegel

    14.13 O Estado no Jovem Marx

    14.14 A concepo de Estado de Marx de 1848 1852

    14.15 As Contribuies de Gramsci

    14.16 - O Pensamento Liberal de Marx Weber

    14.17 As Razes do Mtodo de Weber

    14.18 Capitalismo e tica Protestante]

    14.19 Ao Social e Racionalidade

    14.20 Classe Social e Estamento

    14.21 Poltica e Poder

    14.22 A burocracia

    14.23 Liberalismo e Vontade Poltica

    15 IMPRIO E DESTRUIO

    15.1 Capital Globalizado e Destruio

    15.2 O Que Fazer?

    16 ATUAIS DESAFIOS PARA A POLTICA E A TICA

    16.1 A Dimenso da Poltica

    16.2 Poltica tica

    16.3 Elementos de Orientao Para Uma Poltica tica

    16.3.1 O Homem como Ser e como Fim

    16.3.2 Equivalncia entre Igualdade e Diferena

    16.3.3 Pauta, Processo e Luta pelos Direitos Humanos

    16.3.4 Radicalizar a Prtica Poltica Democrtica

    16.4 Liberdade, Igualdade e Justia Como Realizao tica

    ANEXO 1

    BIBLIOGRAFIA

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    7

    1) A UTILIDADE DA POLTICA

    Qual a utilidade da Poltica? Certamente a sua utilidade varia segundo as nossas

    opes e escolhas sociais, ou seja, a forma de leitura construda, os interesses sociais com os

    quais nos comprometemos, e assim por diante.

    Na perspectiva liberal conservadora a Poltica poderia ser til para a tomada de

    medidas que assegurassem a ordem, a coeso e a paz social. Destas medidas dependeria a

    viabilidade do progresso econmico e social da sociedade.

    A Poltica seria o campo da prtica social dos operadores polticos (governos,

    partidos, polticos, burocratas, etc), tendo em vista a conduo de reordenamentos

    institucionais que poderiam readequar o Estado, o governo e as instituies s necessidades

    de uma sociedade em constante evoluo. O campo privilegiado da poltica seria o Estado,

    ordenado por meio dos seus trs poderes. No seu mbito e de forma vertical seriam definidas

    as polticas de reforma, de regulao e de controle da sociedade.

    Na perspectiva liberal progressista a Poltica poderia ser til para a conquista da

    justia social, da cidadania para todos. Conquista esta que passaria, entre outras iniciativas,

    pela reverso do fenmeno da pobreza. Da pobreza scio-econmica, isto , da carncia

    material fruto da reproduo do fenmeno da concentrao de renda, do mercado informal

    de trabalho, do desemprego e subemprego. E da pobreza poltica, isto , da carncia poltica

    fruto da tragdia histrica de um povo impedido de gerir seu prprio destino, de se organizar

    para a defesa dos seus direitos, de se libertar da manipulao poltica, de institucionalizar a

    democracia.

    Na perspectiva liberal progressista, na qual a pobreza poderia, enfim, manifestar-se

    em uma dimenso scio-econmica e em uma dimenso poltica, elas estariam mutuamente

    condicionadas. Por exemplo, ganhos de renda da sociedade poderia ser acompanhado por

    sua distribuio regressiva, o que demonstra que no seria possvel resolver o problema da

    pobreza scio-econmica sem a participao poltica das camadas populares. Em outro

    exemplo, uma poltica assistencialista poderia at distribuir benefcios e minorar

    conjunturalmente a fome, mas poderia, todavia, terminar por agravar a pobreza poltica,

    desmobilizando, assim, a Poltica das massas e dos movimentos sociais. Poderia, ainda, a

    longo prazo, agravar a prpria pobreza scio-econmica na medida em que exerceria uma

    ao destrutiva sobre a capacidade de presso poltica das camadas populares.

  • 8

    8

    Na perspectiva igualitria e libertria a Poltica poderia ser til para a

    construo/organizao do mundo do trabalho em uma perspectiva de transformao da

    sociedade capitalista e burguesa. O horizonte utpico seria a construo de uma nova ordem

    social na qual o homem esteja no centro da sociedade, no o capital.

    Na perspectiva igualitria e libertria esta transformao teria que se dar a partir do

    mundo do trabalho e de forma radical, isto , de baixo para cima e revolucionariamente. Isto

    porque a profundidade das transformaes haveria de colocar um fim na propriedade

    privada, nas classes sociais, na desigualdade social e no Estado (tal como o conhecemos).

    Qualquer que seja a perspectiva que se tenha da Poltica ela deve ser pensada em

    uma dimenso tica, isto , deve se pautar pela busca permanente da liberdade, da igualdade

    e da justia entre os homens. Nesta direo, a Poltica se constitui em um campo de prxis e

    em uma disciplina por meio da qual uma sociedade, diferenciada por classes e grupos

    sociais, formula suas reivindicaes e projetos sociais e os coloca claramente no debate e na

    disputa poltica e social.

    Identificar as bases sobre as quais se reproduz a sociedade, revelar as relaes que

    estas bases estabelecem com as formas de poder e resgatar/indicar formas de organizao e

    experincia poltica historicamente construdas se constitui, seguramente, em um passo

    necessrio nesta direo.

    1.1 A Construo de uma Sociedade Rica Politicamente

    necessria a construo de uma conscientizao poltica a respeito da injustia

    social. A construo desta conscincia por parte de amplos setores sociais pode

    circunscrever-se nos limites da sociedade capitalista e burguesa. Expressar-se enquanto

    conscincia de direitos sociais dos quais uma parcela da sociedade encontra-se impedida,

    isto , reconhecer a pobreza scio-econmica como injustia e a pobreza poltica como

    represso.

    A construo da conscincia poltica da injustia social pode, ainda, ultrapassar os

    limites da sociedade capitalista e burguesa. Amplos setores sociais podem compreender a

    pobreza scio-econmica e a pobreza poltica como decorrncia dos fundamentos de um

    modo de produo que gera, de um lado, o desperdcio, a sub-utilizao das foras

    produtivas, a distribuio regressiva da riqueza e propriedade, a exausto dos recursos

    naturais, e de outro, o domnio poltico, a opresso ideolgica, a pasteurizao das

    identidades culturais. Uma conscincia que se faz libertria e igualitria.

    Emerson PedrosoHighlight

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    A perspectiva de conscientizao poltica da injustia social pode ser diversificada.

    Todavia, necessrio o desenvolvimento de trs grandes processos sociais, sem os quais no

    ser possvel a formao de atores polticos crticos, motivados por projetos polticos

    prprios e fortemente organizados para viabiliz-los.

    Efetivar a universalizao da educao pblica, gratuita e de qualidade e conquistar

    os espaos de educao (escola, universidades, etc) do Estado e do capital so passos

    necessrios para a construo da conscientizao poltica contra a injustia social. De um

    lado, porque a educao permite a aquisio, desde instrumentaes primeiras para a

    conscientizao poltica como ler, escrever, informar, interpretar, analisar, at o acesso ao

    conhecimento cientfico e tecnolgico desenvolvido pela humanidade. De outro, porque a

    conquista dos espaos da educao e sua transformao em sociedade civil organizada

    permite que sejam orientados para formar o mundo do trabalho para a liberdade, no para o

    capital, na medida em que podero ser criados projetos de educao alternativa e

    impulsionar projetos sociais alternativos tendo a educao e o espao em que ela ocorre

    como ferramentas.

    necessrio preservar ou mesmo reconstruir as identidades culturais comunitrias. A

    condio de classes e grupos sociais atuando como sujeitos sociais e polticos possui como

    fundamento a cultura de cada povo. Esta necessidade torna-se urgente quando os centros de

    poder do capital aciona poderosas foras pasteurizadoras e homogeneizadoras da cultura, a

    exemplo das novas mdias, dos oligoplios de informao, dos novos kits culturais.

    Por fim, as classes, grupos e indivduos sociais necessitam se organizar e se

    defender. Operar redefinies no Estado e limites na economia de mercado, ou mesmo

    colocar em questo as bases sobre as quais a sociedade atual se articula, no atual perodo de

    luta de classes, somente ser possvel por meio da construo de uma vasta organizao da

    sociedade civil do mundo do trabalho. necessrio libertar organizaes tradicionais da

    sociedade civil do mundo do trabalho, a exemplo dos sindicatos e dos partidos polticos, do

    imobilismo burocrtico, do favorecimento material de grupos polticos encastelados na sua

    estrutura e da tradio vertical e autoritria de relao com a base, bem como impulsionar a

    criao de organizaes novas da sociedade civil do mundo do trabalho, como ONGs,

    movimentos de ambientalistas, de sem-teto, de minoria.

    A Poltica pode ser til na construo destes trs grandes processos sociais, tendo em

    vista a conquista da conscientizao poltica acerca da injustia social. Eles podem ser

    insuficientes para a conquista da justia social, mas pouco poder ser efetivamente realizado

    nessa direo sem os mesmos.

    Emerson PedrosoHighlight

    Emerson PedrosoHighlight

    Emerson PedrosoHighlight

    Emerson PedrosoHighlight

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    2) CONCEITUANDO POLTICA

    O termo Poltica deriva do adjetivo grego Plis (politiks), que significa tudo o que

    se refere cidade e, consequentemente, o que urbano, civil e pblico. Na sua origem o

    termo Poltica assume uma significao mais comum de arte ou cincia do governo, com

    intenes descritivas e/ou normativas.

    No mbito deste significado, o termo Poltica , tambm, utilizado para designar

    obras dedicadas ao estudo da esfera de atividade humana que se refere s coisas do Estado.

    Em certa medida uma influncia da obra Poltica de Aristteles, o primeiro grande marco

    na abordagem da natureza, funes e diviso do Estado.

    Com Marx o termo Poltica incorpora o sentido de conflito ou luta de classes. Com

    isto ocorre um deslocamento ontolgico da abordagem da Poltica da esfera pblica para a

    sociedade diferenciada socialmente. A esfera pblica passa a ser concebida como realidade

    determinada pelo conflito ou luta de classes.

    Com Michel Foucault o termo Poltica ultrapassa o que se refere ao Estado e as

    classes sociais. Incorpora poltica as relaes sociais no plano das micro estruturas sociais,

    reproduzidas no cotidiano e que se materializam em uma rede infinita de poder. Estas

    relaes perpassariam as relaes de gnero, de grupo etrio, etc, e se expressariam na rede

    de poder.

    2.1 Poltica e Poder

    Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto de meios que

    permite aos homens alcanarem os objetivos desejados. Para alcanar estes objetivos a

    Poltica lana mo do poder, isto , de uma relao entre sujeitos, dos quais um (ou alguns)

    impe ao outro (ou outros) a prpria vontade e determina o seu comportamento.

    Forma-se o poder poltico, ou seja, uma forma especfica de poder, que se distingue

    do poder que o homem exerce sobre a natureza e de outras formas de poder que o homem

    exerce sobre outros homens (poder paterno, poder desptico, etc). O poder poltico na

    tradio clssica ocorre apenas nas formas corretas de Governo. Nas formas viciadas o

    poder poltico exercido em benefcio dos governantes, o que significa um poder no

    poltico.

    Emerson PedrosoHighlight

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    Podemos distinguir trs grandes classes de poder. O poder econmico, que se baseia

    na posse de certos bens para induzir aqueles que no os possuem a manter um certo

    comportamento, sobretudo na realizao de um certo tipo de trabalho. De tal forma que

    aqueles que possuem abundncia de bens so capazes de determinar o comportamento de

    quem se encontra em condies de penria, por meio de promessa, concesso de vantagens,

    e assim por diante. O poder ideolgico, que se baseia na influncia que as idias formuladas

    de um certo modo, por um grupo investido de certa autoridade, expressas em certas

    circunstncias e difundidas mediante certos processos, exercem sobre as condutas da

    sociedade. Este poder pode assumir uma forma laica ou religiosa. O poder poltico, que se

    baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a fora fsica. o poder coator

    no sentido mais estrito da palavra.

    Essas trs formas de poder fundamentam e mantm uma sociedade de desiguais, isto

    , dividida em ricos e pobres com base na primeira classe de poder; em sbios e ignorantes

    com base na segunda classe de poder; e em fortes e fracos com base na terceira classe de

    poder. As trs grandes classes de poder esto profundamente condicionados pelas relaes

    de produo dominantes em cada sociedade, isto , pela forma como os homens, distribudos

    por meio de classes sociais e em conflito, organizados a partir de um tipo especifico de

    propriedade e de trabalho, produzem e distribuem os excedentes. Portanto, o conflito, no

    mbito das relaes de produo, percorre as trs grandes classes de poder e vice-versa. Da

    a necessidade de apreendermos as trs grandes classes de poder em perspectiva ampla, isto

    , de maneira a incorporar as formas de contra-poder.

    O poder poltico, como possui como meio especfico de exerccio a fora, o poder

    supremo ao qual todos os demais esto de algum modo subordinados. Exatamente por isso

    o poder a que recorrem todos os grupos sociais dominantes (a classe dominante), em ltima

    instncia, para manter o domnio interno, para se defender dos ataques externos e para

    impedir a desagregao do seu prprio grupo e sua eliminao. Por conseguinte, a

    construo do contra-poder a que recorrem todos os grupos sociais dominados (classe social,

    grupo tico, etc) consciente da sua condio, tendo em vista resistir ou construir uma nova

    ordem social e, por conseqncia, um novo poder.

    A possibilidade do uso da fora o que distingue o poder poltico das outras formas

    de poder, mas isso no significa que ele se resolva no seu uso. Mesmo quando poder poltico

    e Estado se identificam plenamente, como na perspectiva liberal, a possibilidade do uso da

    fora no suficiente para a preservao do poder poltico dos grupos dominantes. Por isso

    a necessidade da legalidade e da legitimidade para o seu uso, sem o que os grupos

    Emerson PedrosoHighlight

    Emerson PedrosoHighlight

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    dominantes no poderiam construir a idia do uso da fora como um imperativo da

    manuteno da ordem e da coeso social. Segundo Bobbio,

    (...) o que caracteriza o poder poltico a exclusividade do uso da fora

    em relao totalidade dos grupos que atuam num determinado

    contexto social. Exclusividade esta que o resultado de um processo de

    monopolizao da posse e uso dos meios com que se pode exercer a

    coao fsica. Este processo de monopolizao acompanha o processo

    de incriminao e punio de todos os atos de violncia que no sejam

    executados por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficirios de

    tal monoplio (Bobbio, 1992, p. 956).

    O Estado, na perspectiva liberal, concebido como uma empresa institucional de

    carter poltico. Um aparelho poltico-administrativo que leva avante, em certa medida e

    com xito, a pretenso do monoplio da coero fsica como ato legtimo, com vistas ao

    cumprimento das leis em um determinado territrio.

    Enquanto a perspectiva liberal oculta o fato de que o monoplio da coero fsica

    relativa a um determinado grupo social, o marxismo parte justamente deste ponto no tocante

    a sua concepo de Estado. O Estado, na perspectiva marxista, concebido como um

    instrumento da classe poderosa economicamente para que a mesma possa tornar-se a classe

    dominante politicamente, de forma a adquirir os meios fundamentais para dominar e

    explorar a classe oprimida.

    O poder poltico sob uma hegemonia social busca alcanar a exclusividade, isto ,

    no permitir, no mbito de seu domnio, a formao de grupos armados independentes ou de

    infiltraes ou agresses oriundas do exterior, bem como de debelar ou dispersar os que

    porventura vierem a se formar; a universalidade, isto , a capacidade que tm os detentores

    do poder poltico de tomar decises legtimas e eficazes para toda a coletividade, no que diz

    respeito distribuio e destinao dos recursos materiais e culturais; a inclusividade, isto

    , a possibilidade de intervir, de modo imperativo, em todas as esferas possveis da atividade

    dos membros do grupo e de encaminhar tal atividade ao fim desejado ou de desvi-la de um

    fim no desejado, por meio de instrumentos de ordenamento jurdico (Bobbio, 1992, p. 957).

    O poder poltico possui possibilidades e limites. As possibilidades e limites podem

    decorrer da prpria formao poltica. Um Estado teocrtico, por exemplo, estende o seu

    poder sobre a esfera religiosa, enquanto que o Estado laico declina diante dela. As

    Emerson PedrosoHighlight

    Emerson PedrosoHighlight

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    possibilidades e limites podem ser definidos institucionalmente no mbito do prprio poder

    poltico. A instituio da ditadura na Repblica Romana, por exemplo, encontra-se prevista

    na lei sob determinada circunstncia, forma de exerccio e tempo de durao.

    2.2 A Finalidade da Poltica

    Ao se identificar o elemento especfico da Poltica pelos meios de que ela se serve,

    caem as definies teleolgicas da Poltica, ou seja, definies que se apoiam numa

    articulao necessria entre o fato e sua causa final, ou, ainda, pelo fim ou fins que ela

    persegue.

    Os fins que se pretende alcanar pela ao dos agentes polticos so aqueles que, em

    cada situao, so considerados primordiais para uma determinada classe ou grupo social,

    ou para amplos setores sociais: em pocas de lutas sociais e civis, por exemplo, o fim poder

    ser a unidade do Estado, a concrdia, a paz, a ordem pblica, etc; em tempos de paz interna

    e externa, o fim poder ser o bem-estar; em tempos de opresso por parte de um Governo

    desptico, o fim poder ser a conquista dos direitos civis e polticos. A Poltica no tem fins

    perpetuamente estabelecidos e, muito menos, um fim que os englobe a todos e que possa ser

    considerado como o seu nico fim. Os fins da Poltica variam de acordo com os interesses

    de classes, o tempo e as circunstncias.

    Esta rejeio do critrio teleolgico no significa que no se possa falar de um fim

    mnimo na Poltica. A prpria leitura de Maquiavel nos indica como fim bsico da poltica a

    ordem pblica nas relaes internas, a defesa da integridade nacional de um Estado em

    relao a outros Estados e a proteo do povo em face dos poderosos. Este fim o fim

    mnimo porque condio necessria para a consecuo de todos os demais fins,

    concilivel, portanto, com eles. Mesmo um estado de desordem social desencadeado por

    um partido ou movimento revolucionrio no o seu objetivo final, mas um objetivo

    conjuntural necessrio para a mudana da ordem social e poltica vigente e criao de uma

    nova ordem.

    A superao das concepes teleolgicas de Poltica, acarreta, ainda, a superao de

    recomendaes polticas prescritivas, isto , que no definem o que concreta e

    normalmente a Poltica, mas indicam como que ela deveria ser para ser uma boa Poltica.

    Obviamente, tal superao tende a valorizar a ao concreta conduzida pelos atores polticos

    em aliana e/ou conflito, no cotidiano, onde a prxis se realiza.

    Emerson PedrosoHighlight

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    Finalmente necessrio superar as definies de Poltica que a concebem como uma

    forma de prtica de poder que no tem outro fim seno o prprio poder, isto , onde o poder

    um fim em si mesmo. A concepo de Poltica que concebe o exerccio do poder pelo

    poder decorre, por um lado, do fato de que no h um objetivo especfico da poltica que se

    convertesse em um guia da ao poltica, do outro, da prpria construo de uma

    representao subjetiva de quem ocupa o poder e de quem teoriza esta ocupao,

    relativizando/banalizando a importncia do poder de forma a sacrificar o seu sentido pblico

    e instrumentaliza-lo por meio de uma ao voltada para os seus prprios interesses pessoais

    ou corporativos.

    Caso o fim da Poltica fosse realmente o poder pelo poder, de nada serviria a Poltica.

    Esta concepo de poltica, que se materializa na prtica do homem poltico maquiavlico,

    busca respaldo por meio de uma leitura parcial e deturpada de Maquiavel.

    2.3 Poltica e Conflito

    O conflito acompanha a histria do homem. Nos primrdios o homem conflitua

    consigo mesmo por meio de comunidades. Ordenadas a partir do sexo e da idade e

    praticando economias destruidoras dos recursos naturais, as comunidades disputam as

    regies de caa e as florestas. A liberdade e o igualitarismo da comunidade contrasta com a

    constante conduo de guerras s outras comunidades. No h lugar para a Poltica porque

    no h conflito de interesses sociais distintos e uma estrutura de pensamento racional na

    comunidade.

    O surgimento da propriedade privada, usufruda pela aristocracia agrria, a exemplo

    da Antiga Grcia, ou da propriedade pblica, usufruda pela burocracia de Estado, a

    exemplo do Antigo Egito, inaugura o conflito de interesse social distinto. A comunidade d

    lugar sociedade, isto , uma organizao social fundada na diferenciao social.

    A Poltica, tal como a conhecemos hoje, inventada em uma sociedade na qual a

    propriedade privada, a desigualdade social e os novos conflitos so acompanhados por uma

    forma racional de conceber o mundo. A Poltica consiste em uma forma racional de

    administrar e/ou superar os conflitos a partir da construo de uma esfera pblica por meio

    de leis, de instituies e da prtica do debate pblico.

    A Poltica no assegura objetivos comuns. A Poltica se constitui inicialmente em um

    campo de prtica tendo em vista legalizar, justificar e legitimar a propriedade privada e a

    opresso sobre o mundo do trabalho. Nesta direo, a classe proprietria e dominante lana

    Emerson PedrosoHighlight

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    mo dos filsofos (intelectuais) que, liberalizados da produo, produz idias e concepes

    de mundo do interesse desta classe.

    A Poltica se constitui, tambm, em um campo de prtica tendo em vista resistir e, no

    limite, romper com a propriedade privada e a opresso do mundo do trabalho.

    Diferentemente da classe proprietria e dominante, as classes do mundo do trabalho no

    pde dispor, por um longo perodo histrico, de filsofos (intelectuais) que, liberalizados da

    produo, produzissem idias e concepes de mundo do seu interesse.

    A Poltica possui como funo associar e defender os amigos em face dos inimigos.

    Estes podem se servir de leis, instituies, instrumentos polticos, isto , de diversos meios

    legais, fsicos e culturais para atingir os prprios fins. Isto transforma o poder poltico em

    um poder superior a todas as outras formas de poder e ao qual todos recorrem para resolver

    os conflitos. A no soluo dos conflitos no contexto de uma ordem social e/ou internacional

    pode acarretar a decomposio do Estado e/ou da ordem internacional, de forma a dar lugar

    a anarquia destrutiva do Estado e/ou da ordem internacional e das prprias relaes de

    produo, a reformulao do Estado e/ou da ordem internacional nos limites das relaes de

    produo vigentes ou a construo do novo Estado e/ou nova ordem internacional a partir de

    novas relaes de produo.

    2.4 A Delimitao da Poltica

    Na tradio clssica a Poltica compreende toda a vida da Plis. Abrange toda sorte

    de relaes sociais, de tal forma que o poltico coincide com o social.

    A delimitao da Poltica no mundo ocidental tem incio com o cristianismo. Ele

    efetua a separao entre o poder espiritual e o poder temporal com a prpria idia de

    ressurreio de Cristo, isto , Cristo morre em matria e renasce em esprito, o que ter que

    ser vivenciado por todos que queiram alcanar a salvao. Os homens podem escolher entre

    agir segundo o poder espiritual ou o poder temporal, sendo que o primeiro possui primazia

    em relao ao segundo perante Deus.

    O cristianismo, nascido na teocracia judaica, subtrai a esfera Poltica do domnio da

    vida religiosa e inaugura o conflito entre poder espiritual e poder temporal. Conflito que

    pode configurar, no mbito da separao, o domnio do poder espiritual sobre o poder

    temporal (Alta Idade Mdia Ocidental), o domnio do poder espiritual por parte do poder

    temporal (Idade Moderna Ocidental) ou a separao sem interdependncia direta entre o

    poder espiritual e o poder temporal (Idade Contempornea Ocidental).

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    O surgimento da economia mercantil burguesa no perodo moderno um outro

    momento desta delimitao. A liberdade de ao econmica da burguesia em um mercado

    sob controle relativo por parte do Estado (mercantilismo) expressa um momento inicial da

    subtrao das relaes econmicas da esfera da poltica. Tem origem, a partir de ento, a

    contraposio da sociedade civil - enquanto o domnio da vida material privada, isto , a

    esfera privada - em relao sociedade Poltica - enquanto o domnio da esfera pblica, isto

    , o Estado.

    O tema fundamental da Filosofia Poltica moderna o tema dos limites do Estado

    (sociedade poltica), principal organizao da esfera pblica, em relao aos indivduos

    (sociedade civil), esfera da vida privada, seja em relao a vida religiosa, seja em relao

    vida poltica, seja em relao a vida econmica. Desse modo, surgem na Filosofia Poltica

    moderna dois tipos ideais de Estado: o Estado absolutista, hobesiano, anti-liberal, com

    tendncia a estender sua influncia sobre amplos nveis da vida social, em uma clara reao

    ao sacrifcio da esfera pblica esfera privada em curso com a acumulao primitiva de

    capital e a progressiva afirmao da economia de mercado; e o Estado liberal, lockeano,

    anti-absolutista, com tendncia a declinar em intervir nas esferas privadas religiosas,

    polticas e econmicas, em uma clara expresso do projeto de classe burgus, cuja afirmao

    depende da total liberdade econmica, da afirmao de uma ordem social baseada na

    propriedade e riqueza e do fim do monoplio aristocrtico sobre o Estado.

    A delimitao da poltica em face do social, do religioso e do econmico; a crescente

    capacidade de organizao, conscientizao e interveno poltica de amplos setores sociais

    do mundo do trabalho; e a crtica do Estado como aparato poltico-administrativo-militar

    separado da sociedade e instrumentalizado pela classe dominante, d lugar no sculo XIX

    hiptese de desapario do Estado. Esta desapario ocorreria num futuro mais ou menos

    remoto, com a conseqente absoro do poltico pelo social. O fim (supresso) da Poltica

    enquanto prtica realizada de forma privilegiada pela burocracia estatal e partidos polticos e

    favorvel aos detentores da propriedade, daria lugar a uma liberdade e igualdade social

    usufruda por todos os homens.

    O fim da Poltica, nesta perspectiva, no significa o fim de toda forma de

    organizao, de instituies e de poder. Significa o fim de uma determinada forma de

    organizao, de instituies e de poder fundada na propriedade privada e na desigualdade

    social e regida pelo uso exclusivo da coero e do domnio.

    Emerson PedrosoHighlight

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    2.5 Poltica e Moral

    A reflexo acerca das relaes estabelecidas entre Poltica e Moral deve ter como

    referncia primeira a tica. tica pode ser definida como pensamento e como ao que

    concorra para a construo da liberdade, da igualdade e da justia. Uma esttica de

    pensamento e de ao do indivduo, do grupo social e da sociedade, presente no cotidiano e

    nos diversos processos sociais, voltada para a prpria humanizao do homem e a conquista

    da felicidade. Humanizao e felicidade somente alcanvel na medida em que se alcana a

    liberdade, igualdade e justia.

    Moral pode ser definida como o conjunto de regras consideradas vlidas

    independente do tempo, do lugar e do indivduo ou grupo social. A moral tende a ser mais

    fechada, a-crtica e a-histrica quanto mais condicionada estiver das concepes religiosas e

    menos condicionada estiver da tica, e tende a ser menos fechada, a-crtica e a-histrica,

    quanto menos condicionada estiver das concepes religiosas e mais condicionada estiver da

    tica. O critrio de julgamento de uma ao moralmente boa ou m a do respeito a uma

    norma cuja preceituao tida por categrica, independentemente do resultado da ao.

    Todavia, poder no ser dogmtica quando referenciada pela tica.

    A Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto de meios que

    permite aos homens alcanarem os seus objetivos. A poltica tende a ser mais autoritria,

    corrupta e excludente quanto mais desmobilizado for o mundo do trabalho e menos relaes

    estabelecer com a tica, e tende a ser mais democrtica, proba e inclusiva quanto mais

    mobilizado for o mundo do trabalho e mais relaes estabelecer com a tica. O critrio de

    julgamento de uma ao politicamente boa ou m, por sua vez, pura e simplesmente o do

    resultado da ao. Isto porque, como vimos, a poltica no possui fins perpetuamente

    estabelecidos. Os fins da Poltica variam de acordo com os interesses de classes, do tempo e

    das circunstncias. Todavia, poder no ser instrumental quando referenciada na tica.

    Pode haver aes morais que so imPolticas (ou aPolticas) e aes Polticas que so

    imorais (ou amorais). preciso ressaltar que, embora uma ao Poltica boa ou m

    diferente de uma ao Moral boa ou m, elas possuem uma profunda relao.

    Do ponto de vista da poltica, quando Poltica e Moral no podem se harmonizar na

    prxis humana, a responsabilidade poltica para com um resultado almejado pode impor o

    sacrifcio da Moral. Neste caso emerge a instrumentalizao da poltica e a licena para uma

    prtica autoritria. Maquiavel exemplifica isto quando afirma que nas aes de todos os

    homens, sobretudo dos prncipes, quando no h tribunal qual recorrer, deve-se considerar

    Emerson PedrosoHighlight

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    o resultado. Assim, um prncipe deve conquistar e manter um Estado. Os meios sero

    sempre considerados honrados e por todos louvados (Maquiavel, 1999, p. 108). Do ponto

    de vista da Moral a recomendao de Maquiavel no vale, j que uma ao, para ser julgada

    moralmente boa, pode ser praticada com o nico fim de cumprir o prprio dever.

    Para o universo da Moral o que pode contar a pureza de intenes e a coerncia da

    ao com a inteno. O critrio do seu julgamento, neste caso, seria o da tica da convico,

    geralmente usado para julgar as aes individuais. Para o universo da Poltica o que pode

    contar a certeza e fecundidade dos resultados. O critrio do seu julgamento, neste caso,

    seria o da tica da responsabilidade que se usa ordinariamente para julgar aes de grupo, ou

    praticadas por um indivduo, mas em nome e por conta do prprio grupo, seja ele a classe, o

    povo, a nao, a Igreja, o partido.

    A Moral e a Poltica movem-se de fato no mbito de dois sistemas ticos diferentes.

    Para alguns pensadores seriam mesmo contrapostos. Todavia, mais do que imoralidade da

    Poltica e de impoliticidade da Moral se deveria falar corretamente de dois universos ticos

    que se movem segundo princpios diversos, de acordo com situaes singulares em que os

    homens se encontram e agem. Mas se interagem profundamente.

    O contraste entre Moral e Poltica entendido por alguns pensadores como contraste

    entre tica individual e tica de grupo, tambm utilizado para demonstrar e explicar a

    secular disputa existente em torno da razo de Estado, isto , dos princpios e mximas

    segundo os quais aes no justificadas moralmente quando praticadas por um indivduo,

    so justificadas e por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas por quem quer que exera

    o poder em nome do Estado. A razo de Estado representa uma clara licena para o

    detentor do poder desenvolver aes moralmente injustas e que, no raramente, trazem de

    contrabando um contedo anti-tico. Neste caso, a contraposio entre Poltica e Moral

    assume a condio de teorizao instrumental para justificar o sacrifcio da construo da

    igualdade, da liberdade e da justia em favor de interesses materiais e espirituais privados e

    mesquinhos de determinados indivduo, grupo ou classe social.

    A alegao de que a Poltica a razo do Estado, isto , da esfera pblica, tem

    repleta correspondncia na afirmao de que a Moral a razo do indivduo, isto , da esfera

    privada. Assim, formariam-se duas razes que quase nunca se encontrariam. necessrio

    ressaltar que, para esta concepo, a razo do Estado traduziria a tica de grupo em seu

    mais alto grau de expresso e de potncia, isto , a coletividade, de forma a ocultar o

    movimento social de totalidade que integra o local, o nacional e o internacional e que revela

    contradies e conflitos de interesses sob a manta da coletividade.

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    3) CONCEITUANDO CINCIA POLTICA

    A Cincia Poltica no se encontra perfeitamente conceituada. Primeiramente,

    porque se trata de uma cincia muito recente, de forma que o seu objeto no se encontra bem

    definido e nem o seu domnio inteiramente explorado. Em segundo lugar, no h um

    consenso quanto a existncia da Cincia Poltica, de forma que para muitos trata-se apenas

    de um ramo da Sociologia a Sociologia Poltica (Pedroso, 1968, p. 9).

    Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do Estado, reconhecido

    como instituio superior a todas as demais. Esta concepo subdivide-se em duas outras

    concepes: em cincia do Estado-governo e em cincia do Estado-nao.

    A concepo da Cincia Poltica como cincia do Estado-governo compreende que o

    seu mbito de atuao se restringe ao Estado em sentido estrito, isto , os governantes, os

    poderes do Estado, o sistema de governo etc. A concepo da Cincia Poltica como cincia

    do Estado-nao compreende que o seu mbito de atuao se dirige ao Estado em sentido

    lato, isto , a ao e reao dos indivduos e grupos sociais sobre o Estado-governo, alm

    claro dos temas concernentes ao prprio Estado-governo.

    A concepo da Cincia Poltica como a cincia do Estado, ainda que alguns

    ampliem esta concepo de forma a incluir a ao e reao dos indivduos e grupos sociais

    s polticas do Estado-governo, restringe a viso da Cincia Poltica. Ela tende, como vimos,

    a dar nfase s estruturas polticas institucionais e orientar-se na direo destas estruturas

    polticas formais e institucionais.

    Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do poder, podendo este

    assumir diversas formas. O fenmeno da autoridade e do poder de Estado seria apenas uma

    das manifestaes do poder. O poder estaria presente, ainda, na empresa, na universidade,

    nas ONGs, na famlia etc.

    A concepo da Cincia Poltica como sendo a cincia do poder, ainda que alguns

    atribuam um papel privilegiado ao Estado, amplia a viso da Cincia Poltica. Assim,

    querendo ou no, consciente ou inconscientemente, todos fazem poltica por que todos esto

    integrados em uma infinidade de estruturas de poder (famlia, igreja, empresa, classe social

    etc). A poltica seria, portanto, um fato da condio social do homem.

    Arriscando uma definio do que venha a ser Poltica e reconhecemos de incio que

    toda definio sempre problemtica - podemos afirmar que a ela um campo, um processo

    e um sistema de relaes polticas pelo qual as pessoas com determinadas metas e

    valores polticos se agrupam com o objetivo de formular e aplicar polticas pblicas e

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    privadas. Estas polticas so conduzidas por atores polticos como o eleitor, o cliente, o

    partido poltico, as personalidades, as classes sociais, o departamento de governo, os grupos

    tnicos, as organizaes da sociedade civil, o pai etc. Pode assumir a forma da greve, do

    lobby, da guerra, das presses sub-liminares etc.

    A Cincia Poltica, por sua vez, estuda este campo, processo e sistema de relaes

    polticas. Ocupa-se das instituies do governo e do Estado, das organizaes da sociedade

    civil, dos interesses dos diversos grupos sociais, da conscincia poltica dos indivduos em

    face da poltica, das idias e doutrinas polticas, da interdependncia entre a poltica local,

    regional, nacional e internacional. Ocupa-se, enfim, da macro e da micro-poltica.

    A Cincia Poltica deve, portanto, possuir uma viso e um poder de abordagem

    micro-poltica (anlise do comportamento poltico individual e de pequenos grupos, das suas

    expectativas e objetivos polticos, e dos seus desdobramentos na poltica como um todo) e

    uma viso e um poder de abordagem macro-poltica (anlise da totalidade da poltica, de

    forma a enfocar as relaes inter-institucionais a nvel local, regional, nacional e

    internacional, as relaes extra-institucionais etc.) (Sorauf apud Pedroso, 1968, p. 13).

    3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica

    A Poltica, enquanto um campo de prtica social em que os indivduos se colocam e

    so reconhecidos como capazes de transformar a realidade, portanto, livre de concepes

    teocrticas e teo-deterministas, surge na Grcia Antiga. Neste momento, surge tambm a

    Poltica enquanto disciplina que investiga a Poltica como campo de prtica social.

    A poltica apoiava-se mais no raciocnio dedutivo, e no tanto na observao dos

    fatos. Por outro lado, caracterizava-se fundamentalmente por um contedo filosfico e

    orientada por uma perspectiva normativo-descritiva. Ela normalmente declinava em face da

    interpretao da poltica como ela realmente era, mas se concentrava em definir como

    deveria ser o poder e como os indivduos deveriam agir para alcan-lo.

    Aristteles (384 322 a.C.) representou um marco tendo em vista a futura formao

    da Cincia Poltica. Isso porque, mesmo no mbito da filosofia e orientado pela Poltica

    ideal, adotou o mtodo indutivo, realando a observao das diversas formas de poder (e no

    poder) poltico, conforme atesta a sua anlise das constituies e dos regimes polticos

    gregos e das constituies e dos regimes impolticos ou no-polticos.

    Maquiavel representou um outro marco no processo de formao da Cincia Poltica.

    A obra O Prncipe dessacraliza a poltica e a coloca como um terreno puramente humano,

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    cuja dinmica determina o curso da sociedade como um todo, isto , no h mais Deus e no

    h mais destino, apenas os homens com as suas escolhas, opes, interesses e lutas. O

    objetivo da poltica a conquista e manuteno do poder para assegurar a ordem, preservar

    as instituies e ampliar o poder do Estado-governo; e o alcance dos objetivos e das metas

    depende de uma tcnica poltica, sem a qual o governante (prncipe, doge, rei etc) no possui

    eficcia poltica, isto , virt. A poltica afastada da filosofia e da deduo ao valorizar o

    mtodo da observao direta e objetiva do fenmeno poltico, livre de pr-conceitos e

    elementos morais cristos, e ao valorizar a tcnica da comparao entre as diversas

    experincias de poder na Pennsula Itlica. H, ainda, uma busca pela apreenso das leis,

    isto , das tendncias e dinmicas que regem os fatos sociais e polticos.

    Montesquieu, por meio da sua obra O Esprito das Leis, tambm contribui com a

    formao da Cincia Poltica. Isto na medida em que, lanando mo do mtodo da

    observao e do raciocnio indutivo e orientado por uma objetividade cientfica, busca

    identificar as leis, os sistemas jurdicos e os sistemas polticos de diversos pases, bem como

    correlacion-los com as condies sociais, culturais, polticas e naturais de cada pas. O

    objetivo era apreender as caractersticas das diversas leis, sistemas jurdicos e sistemas

    polticos e em quais ambientes histricos-scios-naturais as diversas leis e sistemas se

    adequariam. Montesquieu evidenciou uma concepo de Estado como uma totalidade real,

    de forma que as leis, instituies e costumes expressariam uma unidade concreta e

    necessria, na qual se intercomunica territorialidade, cultura, experincia poltica, religio, e

    assim por diante.

    Marx, que reconhecia a realidade como em contnuo movimento e permeada de

    contradies e conflitos e que props uma abordagem de totalidade da mesma, lana as

    bases definitivas para a formao da Cincia Poltica. No todo, expresso pelo modo de

    produo, haveria uma articulao necessria entre a base - estrutura scio-econmica e a

    superestrutura estrutura formada pelas estruturas jurdicas, polticas e ideolgicas. De tal

    forma, que no seria possvel compreender o fenmeno poltico unicamente pelo universo

    poltico, mas necessariamente tendo que integrar na investigao os demais nveis da vida

    social, isto , na perspectiva da interpretao de totalidade.

    O Estado nesta abordagem, por exemplo, no mais se apresentaria como uma

    estrutura a-histrica e supra-classes sociais. Nem tampouco as tcnicas polticas usuais se

    apresentaria como a forma da poltica. O Estado definiria-se, respectivamente, por meio

    de um direito e de um burocratismo determinado pelas relaes de produo isto , a

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    forma como a propriedade, o trabalho e a apropriao do excedente encontra-se estruturado

    na sociedade e nele expressaria uma hegemonia de uma classe social.

    Michel Foucault contribuiu com a criao da Cincia Poltica na medida em que

    ultrapassou o que se refere macro-estrutura e s classes sociais na abordagem da Poltica.

    Incorpora anlise poltica as relaes sociais em nvel das micro estruturas sociais, porque

    nelas tambm encontram-se estruturas de poder e porque h interdependncia e

    intercomunicao entre as macro e as micro-estruturas de poder.

    A Cincia Poltica foi profundamente influenciada, a partir do final do sculo XIX,

    pela busca por parte das cincias sociais em geral de um conhecimento cientfico com a

    mesma veracidade e exatido das cincias naturais. Agregou-se a esta perspectiva o

    sentido instrumental do estudo e da pesquisa, isto , almejava-se respostas s necessidades

    concretas colocadas na esfera do poder (no sentido Estado-governo e Estado-nao).

    Esta concepo de Cincia Poltica desenvolveu-se como sendo a Cincia Poltica.

    Dos Estados Unidos estendeu-se pelo mundo, apoiada no desenvolvimento e aprimoramento

    dos mtodos de pesquisa das cincias sociais, com grande nfase na quantificao e na

    criao de instrumentos de medio de opinies, tendo em vista identificar comportamentos

    e expectativas polticas dos eleitores. Nos Estados Unidos esta concepo de Cincia

    Poltica materializou-se nas vertentes de anlises: a) Legalista, preocupada em ocupar-se

    das estruturas legais e constitucionais, das instituies e dos direitos e deveres dos cidados;

    b) Reformadora, preocupada em ocupar-se dos problemas governamentais e legislativos e

    de influenciar os governos e legislativos para a criao de institutos de pesquisa institucional

    (institutos de pesquisa governamental e legislativos) dirigidos por estes poderes; c)

    Filosfica, preocupada em ocupar-se dos estudos de Teoria Poltica (idias, valores e

    doutrinas polticas); d) Cientfica, preocupada em ocupar-se da pesquisa por meio da

    observao emprica sistemtica (Sorauf apud Pedroso, 1968, p. 22).

    Esta concepo de Cincia Poltica reproduziu caractersticas como a fragmentao

    do objeto (hiperfactualismo), a instrumentalizao da pesquisa, o vnculo direto com o poder

    e a limitao dos estudos e pesquisas aos Estados Unidos. A crtica s caractersticas desta

    concepo de Cincia Poltica ocorreu entre 1950 e 1965, no justo momento em que a

    Cincia Poltica deixou de ser basicamente norte americana.

    Atualmente, encontra-se ainda muito presente a concepo de Cincia Poltica que

    fragmenta o objeto, de forma a restringir-se observao emprica e a recusar-se teorias

    explicativas gerais. Encontra-se tambm ainda presente a preocupao em explicar como as

    coisas so, de forma a valorizar a estabilidade e coeso social e a subestimar as tenses,

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    contradies e conflitos inerentes vida social, em especial quando envolve o mundo do

    trabalho.

    Todavia, encontra-se tambm muito presente a concepo de Cincia Poltica crtica

    da quantificao excessiva, da obsesso pela medio do comportamento poltico dos grupos

    sociais e da pretensa neutralidade cientfica. Concepo que valorizadora da abordagem

    interdisciplinar no mbito das cincias sociais, tendo em vista a busca da apreenso de

    totalidade do fenmeno poltico; e que busca o necessrio equilbrio na apreenso do como e

    do por que tenso e estabilidade, mudana e conservao, dissenso e consenso,

    materializam-se no processo poltico.

    3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica

    Atualmente h pelo menos duas grandes concepes acerca da Cincia Poltica. A

    concepo dialtica da Cincia Poltica, que reconhece a transitoriedade de todas as formas

    polticas e que busca compreender a poltica como parte da compreenso do todo social, e a

    concepo emprica da Cincia Poltica, que reconhece a existncia de uma mecnica do

    comportamento poltico do homem e que esta pode ser apreendida.

    A concepo dialtica da Cincia Poltica a concebe como uma disciplina que se

    ocupa dos estudos dos clssicos da poltica, bem como dos fenmenos e das estruturas

    polticas, investigados de forma sistemtica e rigorosa, apoiada em um amplo e cuidadoso

    exame das obras polticas, dos fatos e da documentao de pesquisa. Apia-se nas tcnicas

    de pesquisa que se utiliza da coleta de dados de documentao histrica. Tcnicas das quais

    se valem estudiosos polticos do passado, como Aristteles, Maquiavel, entre outros.

    Para a concepo dialtica de Cincia Poltica ela se constitui em uma disciplina

    histrica, ou seja, uma forma de saber cujo objeto de investigao parte da inconstante

    ao humana e se desenvolve no tempo, sofrendo contnua transformao. Isto faz do objeto

    concreto investigado pela Cincia Poltica um objeto singular, que no se repete. Do que se

    conclui ser impossvel, de fato, um dos procedimentos fundamentais que permitem aos

    fsicos e aos bilogos a confirmao ou a refutao das prprias hipteses formuladas, isto ,

    a experimentao e/ou demonstrao do objeto do mundo natural, determinado em uma

    relao de causalidade necessria e cuja mutabilidade somente se verifica em milhes de

    anos.

    A concepo emprica da Cincia Poltica a concebe como uma cincia organizada

    por meio das metodologias das cincias empricas mais desenvolvidas, a exemplo da fsica e

    Emerson PedrosoHighlight

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    da biologia. O que deve orientar o estudo do fenmeno poltico segundo esta concepo o

    comportamento que indivduos e que grupos sociais expressam na ao Poltica. So

    exemplos do comportamento poltico de indivduos e grupos sociais o exerccio do voto, a

    participao dos filiados na vida de um partido, a prtica parlamentar, a participao

    eleitoral das mulheres das camadas populares.

    O estudo do fenmeno poltico na concepo emprica da Cincia Poltica deve

    apoiar-se tanto na investigao com base na anlise de dados quanto no emprego da

    observao direta ou da pesquisa de campo por meio de tcnicas tiradas da Sociologia

    Durkeiminiana (ela mesma inspirada nas metodologias das cincias empricas), como a

    aplicao de questionrios, de entrevistas, etc. Assim, o estudioso do fenmeno da poltica

    na concepo emprica da Cincia Poltica, cujo objeto o comportamento dos indivduos e

    grupos sociais, deve recolher dados e submete-los a tcnicas de investigao de forma a

    captar as leis que comandam o movimento da Poltica. Estas tcnicas exigem, para a sua

    padronizao, o uso sempre crescente de mtodos quantitativos.

    O rigor na conduo dos estudos na concepo da Cincia Poltica emprica, de

    forma a recolher dados e obter resultados seguros passa pela classificao, formulao de

    generalizaes e conseqente formao de conceitos gerais, determinao de leis (pelo

    menos de leis estatsticas e provveis, de leis de tendncia, de regularidade ou

    uniformidade), e elaborao de teorias. A concepo da Cincia Poltica emprica ambiciona

    o status de cincia na perspectiva de explicar fenmenos e no apenas limitar-se sua

    descrio.

    A concepo da Cincia Poltica emprica busca, tambm, a previso, o seu grande

    objetivo e finalidade prtica. A pretendida previso da cincia emprica, adequada para as

    cincias naturais, so impossveis, a nosso ver, quando se trata de cincias humanas. Isto

    porque o comportamento do homem deriva de algumas caractersticas da maneira de agir do

    homem. O homem um animal teleolgico, isto , suas aes se servem de elementos teis

    para obter seus objetivos, conscientes ou no; um animal simblico, isto , se comunica

    com seus semelhantes por diversos meios; um animal ideolgico, isto , se utiliza de

    valores vigentes no sistema cultural no qual est inserido a fim de racionalizar seu

    comportamento; um animal social, isto , a sua ao construda coletiva e

    conflituosamente e se expressa em todos os nveis da vida social; um animal constitudo de

    manifestaes subjetivas imprevistas e de escolhas imponderveis, isto , foge de um padro

    de comportamento que configurasse uma mecnica social.

    Emerson PedrosoHighlight

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    A Cincia Poltica, segundo a concepo dialtica, no pode formular previses

    cientficas. Pode e deve oferecer, com base em estudos de totalidade e interdisciplinar,

    cenrios possveis para os fenmenos polticos em curso estudados. A pretenso dos

    estudiosos da concepo da Cincia Poltica emprica de formular previses pode levar, na

    melhor das hipteses, a conjecturas e, na pior, a profecias.

    3.3 Papel da Cincia Poltica

    A Cincia Poltica, assim como as demais cincias, possui a vocao de proporcionar

    conhecimentos e informaes e de socializ-los na comunidade poltica. O seu uso por parte

    das classes e grupos sociais e dos diversos atores polticos certamente variar mediante a

    forma de incerso de cada classe e grupo social no processo de produo e distribuio dos

    bens materiais e culturais. Conforme Marx, a forma da referida incerso determinar a

    natureza e a qualidade da conscincia de cada classe e grupo social (Marx e Engels, Volume

    1, p. 3001).

    Duverger, partindo desta descoberta de Marx, demonstrou como o papel da poltica

    reflete esta realidade que contraditria. Conforme Duverger,

    (...) desde que os homens refletem sobre a poltica, tem eles oscilado

    entre duas interpretaes diametralmente opostas. Para uns, a poltica

    essencialmente uma luta, um combate: o poder permite aos indivduos e

    grupos que o detm assegurar sua dominao sobre a sociedade e dela

    tirar proveito; os outros grupos e outros indivduos se erguem contra

    esta dominao e esta explorao, esforando-se por resistir-lhe e

    destru-los. Para outros, a poltica um esforo no sentido de reinar a

    ordem e a justia: o poder assegura o interesse geral e o bem comum

    contra a presso das reivindicaes particulares. Para os primeiros, a

    poltica serve para manter os privilgios de uma minoria sobre a

    maioria. Para os segundos, ela um meio de realizar a integrao de

    todos os indivduos na comunidade e de criar assim a sociedade justa de

    que falava Aristteles.

    (...) os indivduos e as classes oprimidas, insatisfeitas, pobres, infelizes,

    no podem julgar que o poder assegure uma ordem real, mas somente

    uma caricatura da ordem, sob a qual se mascara a dominao dos

    Emerson PedrosoHighlight

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    privilegiados: para eles a poltica luta. Os indivduos e as classes

    abastadas, ricas, satisfeitas, crem que a sociedade harmoniosa e que

    o poder mantm uma ordem e

    autntica: para eles a poltica integrao (Duverger apud Pedroso,

    1968, p. 24).

    Todavia, Duverger chamou a ateno para o fato de que esta realidade, de

    fundamentao slida, no esgota a problemtica e a ambivalncia da Poltica. Isto porque,

    mesmo os mais conservadores, atarracados defesa da ordem social, tem que reconhecer

    que a poltica no d conta de assegurar de maneira plena a referida ordem, o que lhes

    obriga admitir a continuidade do conflito e a necessidade de concesses; e mesmo os mais

    crticos, atarracados defesa da transformao social, tem que reconhecer que a Poltica no

    se restringe ao domnio, o que lhes obriga admitir que a poltica e a esfera pblica

    institucional em particular realize algumas funes do interesse de todos. Esta problemtica

    e ambiguidade reflete no prprio carter e papel do Estado. Conforme Duverger,

    O Estado e, de um modo geral, o poder institudo em uma sociedade

    sempre e em todo lugar, ao mesmo tempo, instrumento de dominao

    de certas classes sobre outras... e um meio de assegurar uma certa

    ordem social, uma certa integrao de todos na coletividade para o bem

    comum. A proporo de um e outro elemento muito varivel, segundo

    as pocas, as circunstncias e os pases; mas os dois coexistem sempre

    (Duverger apud Pedroso, 1968, p. 25).

    3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade

    Para muito, a Cincia Poltica, por ser uma cincia jovem, no possui um mtodo e

    um objeto consolidado e definido. O que aparentemente poderia ser uma fragilidade em face

    das demais cincias sociais, pode representar uma flexibilidade e uma vantagem. Isto porque

    ela pode compor mais facilmente com as demais cincias na busca de uma abordagem de

    totalidade do fenmeno poltico, que tambm objeto das demais cincias sociais. Portanto,

    a interdisciplinaridade, que uma necessidade na perspectiva da abordagem de totalidade do

    objeto, na Cincia Poltica um imperativo quando se quer evitar as simplificaes

    positivistas ou as interpretaes superficiais.

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    Com a Sociologia a Cincia Poltica compartilha estudos como o desenvolvimento e

    dinmica do Estado, a crise dos regimes polticos e luta das classes e demais grupos sociais;

    com a Histria a Cincia Poltica compartilha estudos como a formao do Estado, o

    desenvolvimento do pensamento poltico e o processo das revolues e contra-revolues

    sociais; com a Economia a Cincia Poltica compartilha estudos como a correlao entre a

    forma de insero dos grupos e classes sociais nas estruturas de produo e distribuio dos

    bens materiais e culturais e a conscincia social que estes mesmos grupos e classes sociais

    reproduzem, a correlao entre interesses econmicos e grupos de presso e a correlao

    entre teorias econmicas e teorias polticas; com a Psicologia a Cincia Poltica compartilha

    estudos como a dinmica e forma dos fundamentos do poder e da obedincia so absorvidos

    pelos indivduos, a sugesto subliminar de objetivos pelo marketing poltico e a

    transformao e/ou instrumentalizao de mitos e arqutipos em fora poltica; com a

    Geografia a Cincia Poltica compartilha estudos como a construo e/ou prolongamento das

    relaes de poder das classes e grupos sociais dominantes no espao urbano, os fundamentos

    e estratgias geopolticas e os interesses polticos que permeiam as polticas pblicas para o

    meio ambiente; com a Antropologia a Cincia Poltica compartilha estudos como a

    construo da identidade e seus desdobramentos polticos, as conseqncias do

    rebaixamento tico e esttico da indstria cultural e a reposio dos padres de domnio

    ideolgico-cultural e as relaes de poder e de domnio presente nas relaes de gnero,

    etnias e etrias. Com a Filosofia a Cincia Poltica compartilha estudos como as obras de

    filosofia poltica, o pensamento e teoria poltica e a relao do filsofo (e pensador em geral)

    com o poder.

    Com as reas de formao, estudo e investigao, como a Pedagogia, a Cincia

    Poltica compartilha estudos como a relao entre a Pedagogia e os compromissos polticos,

    o teor poltico subjacente s polticas educacionais e o papel scio-poltico do educador em

    sentido lato; com o Direito Constitucional a Cincia Poltica compartilha estudos como o

    processo de formulao e reformulao das leis, a hegemonia de classe expresso na

    arquitetura constitucional e a ao e reao dos grupos, classes e segmentos sociais por

    meio das suas organizaes scio-polticas (ONGs, partido poltico etc) sobre a constituio.

    Para muitos cientistas polticos a especificidade da investigao da Cincia Poltica

    seria o resduo abandonado pelas demais cincias sociais, pela filosofia e pelos demais

    campos disciplinares, como o partido poltico, os polticos, o governante etc (Pedroso,

    1968, 16 e 17). Todavia, este resduo tambm pode ser estudado pelas demais cincias e

    disciplinas. O que no raramente ocorre o estudo do dito resduo de forma fragmentada e

    Emerson PedrosoHighlight

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    instrumental, isto , fora das mltiplas determinantes em que o mesmo se encontra inserido e

    na perspectiva de formular proposies a seu aperfeioamento.

    A Cincia Poltica pode e deve, portanto, buscar a interdisciplinaridade. Nesta

    perspectiva poder almejar a sntese de totalidade na abordagem do seu objeto.

    3.5 Mtodos e Tcnicas

    A Cincia Poltica lana mo dos mtodos e tcnicas adotados pelas cincias sociais.

    Frequentemente adota como procedimento: 1) O estudo exploratrio preliminar do objeto; 2)

    A delimitao (cronolgica, espacial e temtica) do objeto; 3) A formulao de hipteses

    explicativas; 4) O desenvolvimento da pesquisa por meio da observao direta, da conduo

    de entrevista, da aplicao de questionrios, da anlise documental (cartas, notcias,

    memrias, papis oficiais, relatrios oficiais, dados censitrios etc), da quantificao de

    dados e resultados etc; 5) A elaborao de interpretaes acerca do objeto, bem como a

    formulao de teorias sobre o mesmo.

    3.6 O Procedimento da Comparao

    A disponibilidade de dados gerais e amplos, como aqueles de carter econmico,

    histrico, social, e de dados especficos e delimitados, como de opinio, elite, proporciona

    novas fontes para o estudo da Cincia Poltica. A tendncia o enriquecimento dos estudos

    da Cincia Poltica voltados para identificar o comportamento de indivduos e grupos sociais

    em uma dada conjuntura, bem como estudos de estrutura, a exemplo das relaes polticas

    entre e inter classes sociais.

    As possibilidades de estudos comparados so ampliados a exemplo dos estudos de

    regimes polticos, dos sistemas partidrios, da relao entre os poderes, da relao

    Estado/sociedade civil, entre os diversos pases. Os estudos de Poltica comparada chega a

    ponto de induzir alguns estudiosos a identificar a Cincia Poltica contempornea com esta

    abordagem especifica, ou seja, distinguir os estudos polticos do passado com a abordagem

    cientfica comparada dos estudos polticos contemporneos.

    A comparao, que para muitos constitui-se em um mtodo, no propriamente um

    mtodo, nem tampouco um monoplio da Cincia Poltica. A comparao um dos

    procedimentos mais elementares e necessrios para toda pesquisa que tem por objetivo

    tornar-se cientfica.

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    O estudioso de Poltica comparada no deve se limitar somente a utilizar o processo

    de comparao com o fim de identificar realidades polticas (regimes, partidos, etc) dos

    diferentes pases, mas pode tambm fazer largo uso dos mtodos histrico e estatstico. Em

    suma, a Poltica comparada no deve ter apenas a exclusividade da comparao (Bobbio,

    1992, p. 165 e 166).

    A tcnica da comparao ocupa, enfim, uma grande importncia na conduo da

    pesquisa. De um lado, porque permite a comparao entre dois ou mais objetos (processos

    ou fatos scio-polticos) investigados, de forma a possibilitar a identificao das

    continuidades e descontinuidades entre os mesmos. De outro, a comparao pode se

    constituir em um recurso tendo em vista convalidar pesquisa e resultados obtidos, na medida

    em que permite averiguar limites e erros na conduo da pesquisa e na avaliao dos

    resultados obtidos.

    3.7 O Problema da Avaliao

    A Cincia Poltica uma cincia em que a objetividade cientfica mais dificilmente

    alcanvel. Todavia, mesmo sem pretender a ilusria neutralidade cientfica necessrio

    buscar o quanto possvel suspender os juzos de valor durante a pesquisa, de forma a obter o

    mais possvel de objetividade cientfica.

    O desenvolvimento da Cincia Poltica no deve ser direcionado pelo ideal emprico

    e positivista de uma Poltica cientfica, isto , de uma ao Poltica baseada no

    conhecimento e domnio das dinmicas objetivas do desenvolvimento da sociedade e do

    comportamento poltico dos indivduos e cujos resultados poderiam ser previstos. Mas deve

    proporcionar referncias aos atores polticos para que no fiquem abandonados sua prpria

    intuio.

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    4) A GRCIA E A INVENO DA POLTICA

    A histria da humanidade encontra-se marcada por um desenvolvimento

    caracterizado por crises expansivas e regressivas. A histria grega uma evidncia desse

    desenvolvimento.

    O perodo Micnico (1950 a 1100 a. C.) da histria grega sucumbe diante das

    invases dricas. A Grcia passa a conviver com um modo de vida agrrio, articulado a

    partir das comunidades familiares que possuem e trabalham coletivamente a terra.

    O perodo Homrico (1100 a 800 a. C.) marca a rearticulao da Plis por meio da

    redistribuio da terra entre as aldeias e da unificao das mesmas em cada regio. Ao final

    do perodo Homrico j possvel identificar alguns aspectos que so de extrema

    importncia para a compreenso do desenvolvimento histrico posterior da Plis.

    Primeiramente a formao de pequenos Estados constitudos por meio de uma

    cidade principal. Tal processo decorre em grande medida da prpria conformao orogrfica

    da Grcia, regio bastante montanhosa e irregular. O segundo refere-se a relaes entre a

    Plis e os organismos polticos menores (ghenos, fratria e tribo). A Plis assume a

    condio de um centro poltico superior dos organismos polticos menores e voltados para

    os interesses pblicos gerais. O terceiro se refere qualidade e quantidade das funes

    assumidas pela Plis. Funes que emergem da prpria sobreposio da Plis aos

    organismos menores sem, contudo, se amesquinhar mediante os interesses particularistas.

    Por fim, cada Plis preserva a sua identidade em face das demais. As ligaes sagradas,

    materializadas em torno de clebres santurios, por exemplo, no conseguem exercer uma

    ao eficaz a favor da unificao poltica da Grcia.

    Desse modo, formam-se unidades cantonais ligadas por vnculos federativos, mas

    que no renunciam s prerrogativas de soberania. O temor da hegemonia de uma cidade

    sobre as outras acompanha a identidade dos cidados. Nesse perodo a Plis governada por

    reis, embora no fossem sagrados.

    O perodo Arcaico (800 a 500 a. C.) convive com o surgimento da propriedade

    privada da terra e com a dinmica da sua concentrao. Em consequncia, ocorre a

    separao da sociedade entre proprietrios (pequenos, mdios e grandes) e no-proprietrios.

    O grupo de poderosas famlias guerreiras concentra as terras, adquire escravos, constitui-se

    na aristocracia tradicional e limita os poderes dos reis. Pequenos proprietrios empobrecidos

    e endividados so reduzidos condio de escravos ou perdem a propriedade da terra e so

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    assentados em suas antigas propriedades como hectmoros ou sexteiros, isto , trabalhadores

    agregados que retm um sexto dos excedentes por eles produzidos.

    O final do perodo Arcaico tm incio um movimento colonizador, responsvel por

    proporcionar uma vlvula de escape para os conflitos sociais, por desencadear uma

    recomposio social e por desencadear uma intensa expanso mercantil da Plis grega. Tal

    processo determina o fortalecimento do carter urbano da Polis, que inaugura uma

    experincia social de intensa sociabilidade e uma abordagem no mitolgica da realidade; a

    converso da tradicional agricultura de cereais (trigo e cevada) para a agricultura

    especializada de oliveiras e vinhas, que redunda na concentrao das terras e escravos nas

    mos da aristocracia tradicional; o surgimento de uma nova aristocracia vinculada a

    construo de navios e ao comrcio, que ameaa por meio da riqueza monetria a

    hegemonia aristocrtica; e o empobrecimento do campesinato vinculado a pequena

    propriedade, que desencadeia um ambiente favorvel para a formao de rebelies

    populares.

    O perodo Clssico (500 a 338 a. C.) tm incio com a nova realidade social e

    econmica, bem como com o esgotamento do movimento colonizador, at ento fator de

    moderao dos conflitos sociais. Este contexto histrico concorre para uma crise do regime

    aristocrtico.

    Tem incio a presso da nova aristocracia e das camadas populares para a abertura

    do regime e para as reformas sociais. Uma aliana poltica entre a nova aristocracia e as

    camadas populares determina a converso das leis interpretadas segundo a tradio em leis

    escritas; a passagem da justia privada para a justia pblica; a interrupo da tendncia de

    concentrao de terras e de reduo da populao grega pobre condio de escravos ou de

    trabalhadores sexteiros; e a consolidao da pequena propriedade.

    O regime aristocrtico sucumbe definitivamente em algumas Plis por meio da

    tirania, uma forma de governo ilegtimo, fruto da presso sobre as instituies e conduzido

    por meios coercitivos. A base social e poltica destes regimes a aliana entre a nova

    aristocracia e as camadas populares, com o objetivo de dar fim ao monoplio poltico da

    aristocracia, de impulsionar das atividades comerciais, de consolidar a pequena e mdia

    propriedade e de impedir a transformao de gregos em escravos.

    A necessidade de escravos passa a ser preenchida basicamente pela pirataria e pelas

    guerras. De tal forma que a construo da democracia em diversas cidades, com o cultivo do

    cio para as artes, os esportes e a poltica, se mantm por meio da expanso do escravismo,

    isto , o processo de maior elevao da humanizao do homem se apoia no processo de

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    maior brutalizao do homem. Uma ideologia escravista sustenta esta sociedade. Segundo

    Aristteles,

    H na espcie humana indivduos to inferiores a outros como o corpo

    o em relao alma, ou a fera ao homem; so os homens nos quais o

    emprego da fora fsica o melhor que se obtm. Partindo dos nossos

    princpios, tais indivduos so destinados, por natureza, escravido;

    porque, para eles, nada mais fcil que obedecer. Tal o escravo por

    instinto: pode pertencer a outrem (...) e no possui razo alm do

    necessrio para dela experimentar um sentimento vago; no possui a

    plenitude da razo (Aristteles, A Poltica, cap. II, p. 7 e 13).

    A no constituio de um Estado de vastas dimenses no permite a formao de

    uma sociedade de massa, isto , de relaes sociais e polticas impessoais em face do poder

    e da poltica. O carter comunitrio da Plis, em que pese a diviso social de classes que a

    propriedade privada e o escravismo provoca, no completamente perdida. A prpria

    relao cotidiana e direta dos indivduos em torno da Polis repe este carter comunitrio,

    apenas que mais conflitivo em decorrncia da desigualdade.

    Esta realidade expe os interesses dominantes (propriedade, poder, etc) a

    permanente questionamento. Agrega-se a esta realidade o fato de que os mitos rememoram a

    vida na Hlade homrica, precedente propriedade privada da terra. Se, por um lado, tal

    rememorao no alimenta no homem livre, pobre e cidado a perspectiva de retorno a um

    paraso perdido pr-propriedade privada e escravismo, devido a prpria condio de homem

    privilegiado em face do escravo, por outro, o coloca em conflito com o aristocrata que

    concentra a maior parte da propriedade da terra e dos escravos e com o poder que exerce em

    prol da defesa dos seus interesses.

    A democracia grega do perodo Clssico reflete, portanto, a contradio de uma

    democracia direta e restrita em uma sociedade de maioria escrava; a contradio de uma

    camada social de homens livres, pobres e cidados que alimentam sonhos que o presente

    circunscreve como sombras do passado, mas que no podem assumir transparncia e lucidez

    devido a legitimidade do escravismo, fruto do amesquinhamento ideolgico-poltico cujas

    bases materiais so as vantagens sociais em relao aos escravos; a contradio da camada

    social aristocrtica, que mediante as lutas polticas levada a admitir a participao poltica

    dos homens livres e pobres, mas que sempre age no sentido de remover e/ou restringir esta

    Emerson PedrosoHighlight

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    participao poltica, quando na verdade esta democracia escravista e esta participao

    asseguram uma singular cumpricidade dos homens livres, pobres e cidados com a defesa da

    propriedade privada, o escravismo e da Polis.

    O perodo Helenstico (338 a 275 a. C.), sob domnio macednico, marca a perda

    da liberdade e autonomia poltica da Grcia antiga. Marca, ainda, a expanso da cultura

    grega em direo ao oriente.

    4.1 A Vida Poltica de Esparta

    A expanso de Esparta ocorre entre 730 e 720 a. C. com a conquista das regies da

    Lacnia e Messnia e a reduo dos seus habitantes condio de escravos. Forma-se uma

    sociedade composta por cidados (espartanos), camada superior com privilgios; periecos,

    camada intermediria, livre e sem direitos polticos que dedicam-se ao comrcio, artesanato

    e agricultura; e hilotas, camada inferior de escravos pblicos.

    Esparta, por meio do legislador Licurgo, estabelece uma organizao social e

    poltica apoiada na igualdade e solidariedade dos cidados (espartanos), sem o que no seria

    possvel preservar uma sociedade na qual para cada cidado h 10 escravos, expropriados e

    escravizados em sua prpria terra natal. A militarizao , portanto, uma manifestao de

    um estado de guerra latente.

    Os cidados recebem, em regime de usufruto, lotes (kleroi) e escravos de

    propriedade pblica; tm inibido o esprito de concorrncia, individualismo e vaidade;

    levam uma vida simples e despojada, mas totalmente devotada cidade; submetem-se a uma

    educao pblica bsica; e dedicam-se a serem bons soldados.

    H uma discreta desigualdade econmica e social, visto que permitido acumular

    lotes por meio do casamento, bem como comercializar as terras no enquadradas no sistema

    de loteamento estatal. Contudo, as prprias exigncias de envolvimento e de participao

    dos cidados (espartanos) menos favorecidos economicamente na guerra contra a rebelio

    que os hilotas messnios realizam entre 650 e 620 a. C., determina a reformulao da

    estrutura poltica. Ocorre a reduo dos poderes do Conselho de Ancios (Gersia), a

    ampliao do poder da Assemblia dos Cidados (pela), a ampliao da participao

    poltica dos cidados (espartanos) e a conteno de processos de aprofundamento da

    desigualdade econmica e social entre os cidados (espartanos).

    Esparta passa a possuir um sistema poltico peculiar. Possui uma diarquia (dois

    reis), apoiada em duas famlias dinsticas (gidos e Euripntides) que no podem casar

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    entre si. As funes dos reis so basicamente militares e religiosas. Possui a Gersia, um

    conselho de 28 ancios agregada pelos dois reis, qual os prprios reis esto submetidos.

    Possui a Assemblia dos Cidados (pela) que elege os membros da Gersia e discute e

    aprova propostas de governo encaminhadas pela Gersia. Finalmente, possui o Eforato,

    organismo composto por cinco foros tambm eleitos pela Assemblia dos Cidados

    (pela), de autoridade executiva e cujo mandato se estende por um ano.

    4.2A Vida Poltica de Atenas

    Atenas, fundada pelos Jnios, inicia a unificao da tica por volta do sculo XIII

    a. C.. Organizada inicialmente sob o governo da monarquia, rapidamente cede lugar para a

    aristocracia.

    O governos aristocrtico de Atenas apoia-se nos euptridas (bem-nascidos) ou

    como eles se chamam, os aristoi (os melhores). Compe-se de trs magistrados eleitos por

    um ano para o Arcontado: o arconte basileu (rei), o arconte polemarco (chefe militar) e o

    arconte epnimo (aquele que empresta o nome ao Arcontado). O ncleo real de poder

    encontra-se no Conselho dos Ancios (Arepago). Finalmente, existe a Assemblia do

    Povo (Eclsia), com poderes bastante reduzidos.

    A ascenso de uma nova aristocracia enriquecida com o comrcio, com a

    construo naval e com o artesanato mercantil, excluda do governo aristocrtico, e a revolta

    dos camponeses com a perda das suas terras e a sua reduo condio de escravos ou de

    homens livres forados a trabalhar como hectmoros ou sexteiros, isto , trabalhador que

    retm um sexto do produzido, igualmente excludos, converte-se em movimentos de presso

    por reforma no regime aristocrtico.

    Drcon, um arconte de origem euptrida, d incio s primeiras reformas, de

    maneira a buscar atender algumas das reivindicaes das camadas populares. Drcon atende

    a reivindicao do estabelecimento de leis escritas, mas as concebe dentro de um esprito de

    extrema rigidez.

    Slon, que tambm euptrida, nomeado arconte em 594 a. C.. Probe a

    escravido por dvida, fortalece as pequenas e mdias propriedades e rompe formalmente

    com o monoplio poltico dos euptridas. Cria um regime poltico censitrio com base em

    valor referenciado no rendimento da terra, de forma abertamente favorvel aos euptridas,

    a classe que detm a propriedade sobre a maior parte das terras. Os cidados so divididos

    pelo regime poltico censitrio em quatro classes polticas: os pentacosiomedimnas,

    Emerson PedrosoHighlight

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    basicamente euptridas, que colhem 500 medidas ou mais, que podem usufruir das altas

    magistraturas; os cavaleiros, basicamente ricos comerciantes e armadores (nova

    aristocracia), que colhem entre 300 e 500 medidas, que podem usufruir das altas

    magistraturas; os zeugitas, basicamente camponeses mdios, que colhem entre 200 e 300

    medidas, que podem usufruir dos cargos da baixa administrao; e os thetas, basicamente

    camponeses pobres (pequenos proprietrios ou sexteiros), artesos, marinheiros, que colhem

    menos de 200 medidas, que podem apenas usufruir do direito de voto na Assemblia do

    Povo (Eclsia), mas sem uso da palavra. Cria o Conselho dos Quatrocentos (Bul) com

    atribuio de preparar as sesses da Assemblia do Povo (Eclsia), o que efetivamente

    reduz o poder do Conselho de Ancios (Arepago), de forma a restringi-lo aos assuntos

    religiosos. E, finalmente, cria o Tribunal Popular (Helieu ou Helia) no qual todas as

    classes tem acento.

    Slon, sob um esprito reformista moderado, recusa autorizar a distribuio de

    terras e edifica uma estrutura de poder de participao popular restrita. Suas reformas, se por

    um lado, esto aqum do que as camadas populares almejam, por outro, vo alm do que os

    euptridas estavam dispostos a ceder. Como conseqncia, se segue trinta anos de anarquia

    poltica. Mesmo a subsequente substituio da renda da terra para a renda em dinheiro como

    a referncia de valor para identificar as classes no regime poltico censitrio, o que

    efetivamente d incio a quebra o monoplio poltico dos euptridas e permite o real acesso

    da nova aristocracia mercantil sobre as altas magistraturas, no suficiente para deter os

    conflitos, em especial o descontentamento das camada populares.

    Conforma-se uma crise de hegemonia aristocrtica. A aristocracia no consegue

    dominar como no passado e resiste em conduzir de maneira inequvoca a reformulao do

    regime poltico e das bases sobre as quais a sociedade se apoia. A nova aristocracia e,

    principalmente, as camadas populares, no se deixam dominar como no passado e exigem as

    reformulaes polticas e sociais.

    Os interesses e conflitos em curso cristalizam trs partidos polticos bem

    identificados do ponto de vista social, econmico e geogrfico: os pedienses, grandes

    proprietrios da plancie, a aristocracia tradicional; os paralianos, moradores da costa, a

    nova aristocracia mercantil vinculada ao desenvolvimento do comrcio; e os diacrenses,

    pequenos proprietrios das montanhas, vinculados principalmente propriedade da terra.

    Este contexto poltico proporciona um ambiente favorvel para o aparecimento de

    uma liderana poltica forte, na medida em que pode se apoiar na insatisfao dos

    paralianos e diacrenses. o que faz Pisstrato, possuidor de grande fortuna e de

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    notoriedade por, respectivamente, ser aristocrata e ter ocupado o cargo de arconte

    polemarco (chefe militar).

    Aps simular a condio de vtima de uma tentativa de assassinato e manobrar para

    usufruir de uma guarda pessoal, toma o poder apoiado nos paralianos e diacrenses e na sua

    prpria guarda. Aps uma alternncia de deposio e reconduo ao poder, Pisstrato o

    assegura definitivamente em 540 a. C., o que o torna o primeiro tirano de Atenas. O seu

    governo notabiliza-se por ter derrotado a aristocracia tradicional, de forma a reduzir

    significativamente o poder dessa classe, e por ter conduzido grandes realizaes sociais e

    econmicas: independncia dos pequenos e mdios proprietrios em relao aos grandes

    proprietrios, estmulo ao comrcio e artesanato, criao de empregos para os pobres,

    realizao de emprstimos pblicos para os camponeses; realizao de obras pblicas de

    interesse popular, remodelao da arquitetura de Atenas; criao de uma justia intinerante;

    apoio a grandes festas populares religiosas, estmulo a concursos teatrais, etc.

    Hiparco e Hpias, filhos e sucessores de Pisstrato, fracassam na manuteno da

    tirania. Intensifica a oposio dos euptridas, que buscam o apoio de Esparta, e a violncia

    converte-se em mtodo bsico da tirnia, inclusive com a encomenda de assassinatos. Aps

    o assassinato de Hiparco, Hpias deposto em 510 a. C. pelos euptridas com o apoio de

    Esparta.

    A queda da tirania, em que pese o papel desempenhado pelos euptridas e por

    Esparta, no reconduz Atenas para o regime aristocrtico. A luta poltica que se segue se

    revolve favorvel aos novos aristocratas e as camadas populares, de forma a levar Clstenes

    ao poder.

    A superao definiti