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Waldomiro Santos O jornalista, o poeta e o homem

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Waldomiro Santos, O jornalista, o poeta e o homem.

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Page 1: WALDOMIRO SANTOS

Waldomiro Santos

O jornalista, o poetae o homem

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2010

aldomiro Santos é um homem a quem aprendi a amar, respeitar e admirar. E assim o é pela leitura das

suas palavras, dos seus sentimentos, da sua realidade e do seu incomensurável amor. Pode-se definir resumidamente o amor de Waldomiro nas seguintes palavras de Goethe: se te amo, que te importas? Seus versos, escritos com a mão no coração e os dedos na consciência, nos fazem perceber que “Miro” - como carinhosamente o chamavam seus amigos íntimos - é namorado de Goiás, essa terra maravilhosa ou, no dizer do poeta Aidenor Aires, essa “amaragrei”.

Filho da cultura, da inteligência e da simplicidade e dono de uma sensibilidade incomum e obsequioso por natureza, Waldomiro nunca desejou retribuição nem agradecimentos. No dizer de Jávier Godinho, “ele foi feito com outro barro”. Nas palavras de Batista Custódio, “ele chega num momento em que muitos se retiram”.

Waldomiro respirou a seriedade como profissão, além de sempre ensinar de boca fechada. A sua poesia traz o ideal, o inconsciente e o intangível.

Pessoas acorriam a ele para lhe arrancar uma poesia e sempre conseguiam, pois havia nele muita bondade e nobreza. À medida que as palavras vinham à mente, Waldomiro as escrevia em pedaços de papel, nas margens de jornais impressos, anversos de envelopes, folhas de caderno, em qualquer

papel que tivesse à mão. Guardava o que era possível.

Os textos de Waldomiro, aqui reunidos, mostram uma poesia entremeada de simplicidade e ternura. Revelam um homem corajosamente engajado nas lutas do seu tempo e indignado com as injustiças sociais. Um homem que sofreu na prisão por se opor às arbitrariedades da ditadura militar e que sempre lutou por tolerância e justiça. Um homem que esteve à frente do seu tempo e cuja ideologia transcendeu os interesses pessoais.

A performance de Waldomiro foi além de sua poesia. Dotado de incansável curiosidade, autêntico, despido de dogmas e limitações, alinhavava questões metafísicas, políticas e sociais. Seu jornalismo coloriu de movimento o Estado de Goiás em um período marcado por equívocos políticos e desigualdades sociais.

Ao iniciar os trabalhos para a editora-ção desta obra, tornou-se cada vez mais veemente a minha vontade de perscrutar o mundo pacífico e fecundo de Waldomiro, trazendo ao leitor um pouco do seu legado transpessoal, a fim de mostrar a grandiosidade desse espírito humano que teve Leopoldo de Bulhões como terra natal.

Assim, comecei, pela primeira vez, a ter noção desse gigante chamado Waldomiro Santos, imbatível e incansável jornalista, poeta, homem e pai! Um exemplo de perseverança, destemor e talento; homem de magnífico caráter e estimado por todos que o conheceram.

Waldomiro assim foi e assim sempre o será!

Este livro é incompleto e nem pode ser diferente! É apenas uma pequena parte e ligeira demonstração da capacidade intelectual e espiritual de Waldomiro, que nos chega por intermédio de sua esposa, Maria Divina, do seu filho, Marcus, e de parentes.

E asseguro-lhe, caro leitor, as palavras aqui contidas estão vivas e palpitantes!

Kléber Oliveira Veloso

Diretor Editorial.

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Waldomiro Santos

O jornalista, o poeta e o homem

20 anos

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Santos, Waldomiro. 1933-1990.O jornalista, o poeta e o homem.00 -p; 16 cm x 23 cm.Texto em portuguêsISBN: 978-85-63370-00-6Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura Goiana. Título I. Poemas.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A MARIA DIVINA DIAS DOS SANTOS E A MARCUS DIAS DOS SANTOS. Proibida a reprodução, total ou parcial, por quais-quer meios ou processos, especialmente por sistemas gráficos, micro-fílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos ou videográficos. A violação dos direitos autorais é crime previsto no art. 185 do Código Penal, punido com a censura de prisão, sujeitando o seu autor, ainda, à multa, apreensão e indenização, nos termos do art. 101 a 110 da lei dos Direitos Autorais, de nº. 9.610, de 19 de fe-vereiro de 1998.

Impresso no Brasil/Printed in Brazil2010

O JORNALISTA, O POETA E O HOMEMWALDOMIRO SANTOS

*Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

PUBLISHER Kléber Oliveira Veloso

DIRETORA EDITORIALSueli Raul

REVISÃONatércia Maria Martins da Fonseca

DIAGRAMAÇÃOGabriela Bento Coelho

FOTOGRAFIA DA CAPAMarcus Dias dos Santos

MANUSCRITOS E SELEÇÃO DE TEXTOSMaria Divina Dias dos SantosMarcus Dias dos Santos

INDEXAÇÃOMaria Divina Dias dos Santos

DIGITAÇÃOSuelene Maria da Silva

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOSMaria Divina Dias dos SantosMarcus Dias dos SantosMaria Benedita dos Santos PôrtoTerezinha dos Santos FróesValdivino dos Santos

EDIÇÃO DE ARTE, FINALIZAÇÃO, PROJETO GRÁFICO E PUBLICAÇÃOAgência Odisseia Comunicação

CATALOGAÇÃO NO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVROFUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL

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PRELÚDIO

I. Apresentação....................................................08

II. Prefácio...........................................................13

III. Homenagens..................................................16

POESIA EM EXERCÍCIO

I.1 Poemas para Marcus.......................................28

I.2 Poemas no Tempo...........................................34

I.3 Poemas Esparsos............................................80

PROSA

II.1 Textos Avulsos..............................................126

II.2 Artigos..........................................................134

II.3 Memórias.....................................................162

POSLÚDIO

I. Manuscritos....................................................174

II. Fotografias.....................................................184

III. Outras Homenagens......................................209

SUMÁRIO

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Prelúdio

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Apresentação

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Valeu a pena conhecê-lo. Não é porque ele terminou sua missão e foi embora deste

mundo, em junho de 1990, que interrompemos nossa amizade. So-mos amigos leais desde a segunda metade da década de 50, quando trabalhávamos juntos na imprensa da oposição.

Waldomiro Santos foi um romântico, definitivamente compro-metido com os fracos, por isso esteve sempre por baixo na política. Amava as coisas simples e desprezadas, o que fez com que a fortuna, a vida inteira, em represália, lhe virasse as costas. Andou por todos os retos e tortuosos caminhos da imprensa goiana durante mais de três décadas, legando aos pósteros muitas lições de trabalho, talento, coragem e, sobretudo, de amor aos fracos injustiçados e à liberdade.

Boêmio livre das noites, apaixonado pelo céu estrelado e a esperança que renascia em cada alvorada, compunha poemas reveis e morreu do coração, aliás, a única maneira como poderia ter mor-rido. Seu coração era muito maior do que o próprio peito, batendo pelos espoliados e aflitos, numa sensibilidade refletida em tudo que escrevia.

Espírita e maçom, realizava-se servindo, como o fez na funda-ção e no funcionamento dos sanatórios espíritas Eurípedes Barsanu-lfo e Batuíra, de Goiânia.

Nunca teve um automóvel e só é lembrado a pé, de bicicleta e de guarda-chuva.

De líder estudantil no Ateneu Dom Bosco e na Escola Técnica Federal a militante do Partido Comunista, dirigiu o DC Brasília (a edição candanga do Diário Carioca) e mantinha bom relacionamento com o presidente Juscelino Kubitschek. Magro, moreno, estatura mediana e honestidade descomunal, desfilou seu gênio pelas reda-ções do Jornal do Povo, Jornal de Notícias, Diário do Oeste, Jornal da Tarde, Top-News e Diário da Manhã.

No Cinco de Março, o semanário que virou lenda, ele era homem dos sete instrumentos e merecia do diretor Batista Custódio, tão raro nesse aspecto, a classificação de maior repórter de Goiás.

Em março de 1968, Waldomiro Santos balançou o coreto do noticiário esportivo mundial. A edição do dia 25 trouxe como maté-ria principal sua entrevista de página inteira com Pelé, que estivera com o Santos em Goiânia. “O meu pensamento é não ir à Copa do Mundo de 1970. Não pretendo ir” – declarou-lhe o Rei do futebol, em entrevista gravada. A fita foi copiada e apresentada pelas emisso-ras de rádio do País e do exterior, deflagrando pressões de todos os lados, principalmente do governo militar implantado em 1964, que obrigaram o jogador a mudar de opinião.

Eram os árduos tempos da ditadura, de asas negras abertas sobre o jornalista, na caça às bruxas que lhe tomou o emprego na Universidade Federal de Goiás, onde dirigira o jornal Quarto Poder, só recuperado com a Constituição de 1988.

A história real daquele regime de exceção, Waldomiro Santos contou com a experiência própria, em vibrantes versos sem rima:

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“Idos de 64.Eles vieram pela noite, sem aviso prévio,na noite súbita que aconteceu de repentecomo uma martelada.

Era uma noite de março, quente e abafada.Eles me prenderam e me algemarame guardaram cuidadosamente,dentro de suas asas côncavas,E eu fiquei como um defunto,estendido e quieto no vácuo,esperando que o sol e o passado viesseme me libertassem.Multidão de mulheres e crianças sem origemcarregaram para longe o meu féretro,o meu féretro sem nome.

Ah, se eu hoje tivesse o sol!Renasceria como uma criança,dentro da manhã clara e muito pura,com um buquê de rosas na mão.Poderia colher mil flores alvorescentes,beijar muitos beijos na boca de Maria, cantar um salmo de Davi.

Mas eles vieram sugar a minha alma,queriam sepultá-la no bojo das asas côncavas,como a múmia de Ramsés II,no fundo escuro da pirâmide,e hoje, definitivamente, eu não quero,eu não posso, eu não devo morrer.”.

Nos primeiros dias do Ato Institucional nº 5, que acabou com a liberdade de imprensa e as garantias individuais no Brasil, Wal-domiro Santos foi também cantado, em prosa e verso, nas conversas escondidas, porque, na redação do Cinco de Março, saíra com esta, quando o censor, burro e chato, mutilava e proibia matérias, arro-gante nas imposições:

- Obedeça. Sou a polícia!E Waldomiro Santos, entortando os lábios finos no sorriso

irônico, como se não entendesse direito:- Bem feito! Não adianta se queixar. Quem mandou você não

estudar?!...Valeu a pena conhecê-lo. Era feito de outro barro.

Jávier Godinho,Jornalista.

Janeiro de 2010.

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Prefácio

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Waldomiro Santos

Que bom ver disponibilizado ao público um livro sobre a vida e a obra de Waldomiro Santos. Uma obra entremeada das poesias de sua lavra, do seu canto rebelde e cheio de talento.

Minha convivência com Waldomiro deu-se durante um curto período. Por isso, para atender criteriosamente ao pedido do editor Kléber Oliveira Veloso para que escrevesse o prefácio deste livro, recorri a pessoas do meu relacionamento e que conviveram mais intensamente com Waldomiro. Batista Custódio, a quem fui encontrar em sua casa, às voltas com um trabalho sobre mais de meio século da História de Goiás, resumiu: “O Waldomiro foi um dos melhores repórteres que conheci”. Depoimento semelhante ouvi do jornalista Eliezer Penna, Mestre de várias gerações de repórteres. Paulo da Silva Ramos, fundador e editor do Top News, o considera simplesmente “o maior de todos os repórteres”.

Antes de ouvir estes depoimentos, com base na fugaz convivência que mantive com Waldomiro Santos, nos anos 1970, na redação do extinto semanário “Cinco de Março”, sabia-o talentoso. Convivemos em um período difícil da vida democrática do Brasil, no auge da ditadura (1964/85). Sua presença naquele semanário não se dava por acaso. Antes, estivera no “4º Poder”, um diário da Universidade Federal de Goiás, que acabara de instalar o 1º Curso de Jornalismo no Estado.

O novo regime, ensaiando o poder absoluto, de imediato liquidou o “4º Poder” e até hoje a UFG, que tanto foi ampliada, não conta com um veículo semelhante no entrelaçamento da Universidade com o público. O “Cinco de Março”, a exemplo do que fez com outros perseguidos, acolheu Waldomiro dos Santos. Foi ali, na esquina da av. Goiás com a rua 61, centro de Goiânia, que o conheci de perto: circunspeto, compenetrado, duro com os poderosos e afável com os humildes. Não era homem de jogar conversa fora.

Sensível como todo poeta, mostrava-se triste, situação certamente agravada pelo período vivido, quando as liberdades estavam suprimidas. Isto, sem dúvidas, encurtou os seus dias de vida, diminuindo assim a extensão da sua obra, cuja grandeza, este Livro, tão oportuno, permite chegar a todos nós. Isto é ótimo.

Valterli Guedes,Presidente da Associação Goiana de Imprensa.

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Homenagens

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ROSAS PARA WALDOMIRO

Estou tentando colocar no papel um pouco de quem foi Waldomiro Santos. Confesso que não é fácil, existe uma infinidade de sentimentos envolvidos, e isto tem me tirado do foco principal. Waldomiro era um homem apaixonante. Sensível, inteligente, dono de uma nobreza e de um coração enormes. Tímido e introspectivo, estava sempre em um mundo particular, apenas seu; de onde só era percebido e reconhecido pelo que escrevia em seus artigos nos jornais e através das suas poesias. Era uma pessoa de alma pura, sem vaidade e ambição. Um idealista e sonhador que almejava um mundo melhor para todos e indignava-se com a desigualdade. Deixou escrito em algum lugar: “Minha casa é velha, porém rodeada de flores, borboletas e pássaros”. Nossas vidas poderiam ter sido uma linda história, mas foram esmagadas por uma engrenagem gigantesca. Calaram a voz de Waldomiro nos melhores anos de sua vida, tirando dele as possibilidades de realizações nos campos profissional e familiar. Ofuscaram a beleza da rosa vermelha, a leveza da borboleta e a poesia do canto dos pássaros. Suas angústias, aflições, inseguranças e medos, adicionados às adversidades de sua vida, foram tantas que tornaram impossível que ele fosse o esposo e o pai para Marcus, que desejaria ter sido. Posso dizer que eu conheço e entendo o Waldomiro apenas superficialmente. Mesmo porque o que foi criado por Deus, o grande arquiteto do universo, não é mesmo possível ser compreendido por nós, seres mortais. Waldomiro era, na verdade, um Homem diferenciado da maioria. São muitas as saudades do pouco que tivemos e de uma infinidade de outros tantos belos momentos que poderíamos ter vivido.

Maria Divina Dias dos Santos (esposa). Goiânia, fevereiro de 2010.

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WALDOMIRO, MEU PAI Falar sobre o meu pai, Waldomiro Santos, é reunir várias qualidades, como: retidão de caráter, verdade, inteligência, sensi-bilidade, capacidade no que gostava de fazer, pois estava entre os melhores do jornalismo na sua época. Tenho saudades da pouca convivência que tivemos, embora tenha sido pouca, mas com qualidade suficiente para que eu me sinta estruturado e abastecido por toda a minha vida. Orgulho, não só pelo profissional que foi, destemido, res-peitado pelas classes que defendia, pois era a sua consciência de como deveria ser um cidadão compromissado com o lugar em que se é inserido na sociedade. Ser reconhecido e se destacar no meio social, para ele, não tinha nenhuma importância; como ter um carro, se vestir na moda, isso era ter status, e para ele eram coisas menores, que não fazem a dignidade de um homem. O meu pai me deixou um legado inestimável, valoroso, su-perior a qualquer coisa que perdeu a sua importância no mercado comercial, como apreciar uma boa música e uma literatura de quali-dade, ser honesto e correto no dia-a-dia sem titubear nas decisões que exijam o caráter e a honra de um homem. Cultivar boas am-izades e fazer jus a essa troca de confiança e carinho compartilhado. Eu sou feliz assim e sou bem parecido com o meu pai. A minha mãe, às vezes, me chama de Waldomiro. Acho que ele também foi feliz do jeito e da maneira dele. Afinal, felicidade é algo tão subje-tivo! Quando meu pai se foi, eu estava vivendo os meus vinte e um anos, idade em que queremos viver e conhecer tudo muito rapi-damente, por isso deixamos de perceber que à nossa frente, coisas importantes, essenciais em nossas vidas, se evaporam levadas pela brisa, como a oportunidade de ter uma boa conversa ou mesmo si-lenciosos momentos, porém com o coração cheio de paz e amor. Por isso, tudo que foi escapado de minhas mãos, me sinto culpado. Ah! Se eu pudesse voltar no tempo, eu poderia estar mais ao lado do meu pai, poderíamos sorrir mais, poderíamos até mesmo brigar mais, mas pelo menos hoje eu diria que fomos próximos, e somos, pois afinal é o meu pai.

Marcus (seu filho), Goiânia, janeiro de 2010.

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O POETA AOS OLHOS DOS IRMÃOS

Waldomiro nasceu no dia 19 de outubro de 1933, em Leopoldo de Bulhões. Filho de João Benedito dos Santos e Iracema Maria de Jesus. Aos cinco anos, sua família mudou-se para a grande Goiânia, que acabava de nascer. Seus pais foram pioneiros na construção da capital.

Seu pai, que fora amigo pessoal de Pedro Ludovico, participava da vida da cidade e acabou tornando-se grande amigo dos que aqui chegavam. Logo depois, a família se muda para Campinas, já com a companhia das irmãs Maria e Terezinha, participando ativamente da vida de Campinas, de suas festas religiosas, onde declamava poesias. Aos cinco anos, já era experimentado nas palavras.

Morando em Goiânia, a família com quatro irmãos, o caçula, Valdivino Santos, sua avó paterna, Clemência Batista dos Santos, ele continuou morando na Campininha, com participação constante e marcante na Igreja Matriz.

Os familiares maternos viveram em Trindade, Urutaí, Pires do Rio e fazendas próximas. Estudava no Colégio Ateneu Dom Bosco. Viveu a infância e adolescência correndo e brincando pelas avenidas de Goiânia. O final de seus estudos foi na Escola Técnica Federal, época de grandes movimentos estudantis. Nessa época, destacava-se na imprensa local. Atuou em todos os jornais da capital e trabalhou com grandes amigos, como Batista Custódio, Lizandro Vieira da Paixão, José Balduíno de Souza, Manuel dos Reis e Consuelo Nasser, que se destacava por ser uma amiga dos dias de luta no Jornal Cinco de Março.

Nessa época, “Miro” era um pouco poeta e também boêmio. Mas marca como registro de sua vida sua dedicação à imprensa. Na construção de Brasília, ocupou a diretoria dos principais jornais, como “Quarto Poder”, trabalhou no primeiro diário de Brasília, “Diário Carioca de Brasília”. Trabalhou, também, na “Imprensa Universitária”, além dos vários jornais da capital que registraram a sua participação sempre tão ativa. Foi o responsável pela fundação da Imprensa Universitária da Universidade Federal de Goiás.

A ditadura militar o afastou de quase tudo. Sua saúde debilitava-se e várias internações se sucediam por um bom período de sua vida. Com a morte do pai, seguida de sua mãe, Waldomiro tornou-se bastante deprimido.

Ele casou-se com Maria Divina que enriqueceu aquele lar, do qual cuidava com carinho e tal carinho foi aumentado com o nascimento do querido Marcus. Filho que hoje orgulha sua mãe e todos nós e também a Waldomiro, que lá do alto deixou plantada nele toda a sua filosofia de vida e o muito amor que lhe dedicou. Aposentado pela Universidade Federal de Goiás, onde consolidou carreira, Waldomiro veio a falecer aos 14 de junho de 1990.

Maria, Terezinha e Valdivino.

Goiânia, dezembro de 2009.

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WALDOMIRO SANTOS – O POETA E SEU CANTO

Sempre ouvi de Carmo Bernardes que poeta bom era o Waldomiro. Falava o grande prosador do cerrado do jornalista Waldomiro Santos. Sempre esperávamos que a qualquer momento saísse um livro reunindo os versos do combativo homem de letras que transitou e foi deixando suas pegadas de talento na maioria dos órgãos de imprensa de Goiás. Em Waldomiro encontraram-se as vertentes do tempo. Refletiu como político e intelectual as esperanças e as angústias de sua geração. Vários depoimentos de contemporâneos dão notícia e os arquivos dos jornais por onde passou murmuram ainda as palavras de sua lucidez. O tempo esvaiu-se. Vieram os dias de chumbo, de rosas de sangue, torpeza e censura. Sobre o moreno corpo do poeta caiu a injúria dos algozes das ideias. As noites e a boemia diluíram entre copos e revoluções etílicas sua mente iridescente. Os corredores dos manicômios ensinaram a ouvir as vozes dos destinos mudos, a epifania dos espíritos que desconhecem territórios, muros e paredes. Entre açoites foi tecendo seu discurso. Toda palavra nos chega agora, vinte anos após sua morte, nesta obra com timbre da Odisseia Comunicação. Trabalho carinhoso que procura reunir a maioria de sua produção poética e parte dos trabalhos em prosa. Os textos poéticos aqui reunidos fazem justiça ao poeta respeitado pela inspiração e pelo manejo experiente da palavra. Waldomiro Santos não se apegou a uma corrente literária ou um modismo de escola, dos muitos que proliferaram em seu tempo. Seu canto tem a força espontânea e natural do suceder existencial. “Em versos não me formei nas academias, pois desde o berço nasci fazendo poesias / na mesa honesta e suja do botequim.”. É no encontro de sua sensibilidade, de sua consciência com as pessoas e os fatos, que vai construindo o poema, quase sempre como resposta digna ao repto das coisas passageiras. Tem a atividade poética como um “exercício”. Talvez, como deixou em um manuscrito datado de 1989, pouco antes de morrer, o possível título de seu livro seria “Poesia em Exercício”. Escrever era uma tarefa de aprendizagem, um articular palavras, signos, em busca de sentidos, como é o ofício mesmo de viver. Assim, deve ser a vida feita de palavras. Silêncios, gritos, sorrisos que se vingam em verbo para sobreviver ao momento e se inscrever em alguma permanência e movimento. Nesta coletânea é possível ouvir a voz lírica do poeta, quando se dirige ao filho “Lar de estrelas dos meus sonhos”, para onde endereça os anseios místicos do poema “Súplica” e a pedagogia sábia de um Kipling em “Conselhos a Marcus”. A mesma avena lírica soa os poemas dedicados à mulher amada, ao brilhante amigo poeta: “Otoniel caiu do céu e morreu, / como uma abelha sonora num vaso de mel”. Da mesma maneira a evocação telúrica de “O Menino de Cafelândia”. Quando a sombra do golpe militar de 64 caiu sobre a nação, sua mão dura não poupou o poeta. Suas ideias e sua pena foram as máculas

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Waldomiro Santos21

encontradas para impingirem-lhe o cárcere nos porões do 10º BC, como prisioneiro político. Essa experiência desatou a poesia combativa e mostra as marcas que a violência foi deixando no vate amargurado, sobretudo por conhecer, entre todos os horrores, a face da delação. Nos momentos em que se refugia no poema, como dicção de sua revolta, não se deixa afogar na mera mágoa. Reúne os gravetos da dor e acende fagulhas de esperança, algumas vezes afiadas na ironia, como no último terceto do poema “No Xilindró de Pé Quebrado”. E mais adiante: “O que importa é que / haverá sempre um pássaro cantando / além do deserto / e a rubra rosa do nosso antigo sonho / permaneça intocável e onipresente.”. Além dos poemas de inspiração política em que canta a liberdade e exorciza os opressores, o poeta mergulha em brumas de angústia, de sonho e encantamento, tantas vezes simbolizado na mulher amada ou no nome emblemático de Maria. A infância, as figuras do pai e da mãe marcam a residência terrena do menino que vai habitando a fala do poeta. Sonha renascer ou retornar ao tempo edênico onde encontrará o amor, a alegria, ou quem sabe, o ideal de felicidade. Reencontrar Waldomiro Santos na malha de seu discurso é contemplar o testemunho de sua vida de homem e criador. É saber que nem a opressão, o cárcere, nem os sofrimentos da alma e da carne aniquilaram seu canto. Sua voz segue ecoando nos ouvidos de sua geração e, certamente, encontrará ouvidos futuros onde seja necessário reafirmar a dignidade do ser humano, a prevalência da vida e do sonho sobre as pregarias da morte. Waldomiro esteve presente no mundo, comungou com os companheiros, falou por muitos, cantou e cantou ardorosamente. Não importa que não tenha tido a calma de burilar seus versos, de organizar compêndios sistematizados. Florescem aqui suas palavras, racimos de esperança, como cantos de alvorada, como trombetas que ainda teimam em tentar despertar os homens. Seus poemas nos chegam com o frescor da manhã. Ajudam-nos a cruzar os dias sombrios. Este seu maior legado. Sua promessa, onde a mulher amada e a liberdade se conjugam numa oferenda votiva: “Hoje trago uma rosa rubra / como o riso-sonho da tua boca / mordendo minhas mãos dilaceradas / por tantos gestos escondidos / e por esta revoltada elegia rouca. / Trago-te hoje a minha memória / e trago-te meus versos, Maria, / estes versos que exsudo dolorosamente, / quando venho por entre brumas e / silêncios, como antes, / naquela grande e escura noite de nossa pátria.”. Merece louvores a Odisseia Comunicação pela publicação deste trabalho e a família do poeta que preservou seus originais e permite que o tempo não apague sua voz, que ainda pode iluminar caminhos para o homem com os luzeiros de seu canto.

Aidenor Aires, Poeta.

Ocupante da cadeira nº 2 da Academia Goiana de Letras.

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O JORNALISTA SOB O OLHAR DE UM AMIGO

Eu o conheci na década de 60. Éramos dois garotos que buscáva-mos a realização dos sonhos. Waldomiro já militava na imprensa. Em 1963, Waldomiro trabalhava com Batista Custódio, Geraldo Vale e outros ícones da imprensa goiana no jornal Cinco de Março, maior escola de jornalismo de todos os tempos em Goiás. Creio que neste mesmo ano fui com Waldomiro a Congonhas do Campo fazer uma matéria sobre o famoso médium José Arigó. Chegamos àquela histórica cidade à tarde e procuramos um pequeno hotel, à altura das nossas posses. De imediato buscamos nos informar sobre o médium. Não foi possível falar com ele assim que chegamos, pois trabalhava no período vespertino, numa repartição pública. Porém, um dos seus aux-iliares nos informou que, a partir das 06 h da manhã do dia seguinte, ele estaria atendendo. Procuramos dormir cedo e às 05 h já tomávamos o nosso café da manhã. Às 06 h estávamos no local de atendimento do médium. Ele foi atencioso conosco e nos deu a liberdade para acompanhar os atendimen-tos. Vimos extraordinárias e custosas intervenções cirúrgicas com apenas um canivete e uma tesoura pelas mãos daquele homem simples, da roça. No momento em que José Arigó “operava” os olhos de um cidadão cego, eu preparei a máquina fotográfica para registrar o evento, mas fui advertido por ele para que não o fizesse, no que obedeci. Terminado o atendimento, por volta do meio-dia, fomos almoçar e José Arigó se dirigiu ao trabalho, prometendo a Waldomiro um encontro às 17 h 30 min, quando daria uma entrevista. Fomos almoçar e descansamos por algum tempo no hotel. Por volta de 15 h 30 min resolvemos visitar a igreja onde se encontra grande acervo artístico de “Aleijadinho”. Quase no fim da visita à igreja, encontra-mos o homem que havia sido operado dos olhos pelo médium. Tinha ido até lá para agradecer a Deus por sua cura. Waldomiro pegou-lhe as im-pressões e eu o fotografei. Às 17 h 30 min esperávamos José Arigó no local marcado para a entrevista. Mas ele chegou nervoso e reclamando, dizendo que eu tinha sido alertado para não fotografar aquele homem e, mesmo assim, eu o fizera. Então eu lhe expliquei que, no meu entender, não deveria ter foto-grafado o ato cirúrgico. Disse-lhe, porém, que iria a um fotógrafo da cidade para revelar o filme e entregá-lo-ia. “Não é necessário”, alertou ele, “sei que vocês não vão utilizar tais fotos”. Fiquei feliz com a demonstração de confi-ança. Para nossa surpresa, quando chegamos a Goiânia, os quatro quadros do negativo do filme estavam velados. Estes negativos ficaram no arquivo fotográfico do Cinco de Março. No dia 31 de março de 1964, Waldomiro e eu estávamos no Di-retório Central dos Estudantes, onde funcionava a boite Lizita, fazendo um curso de marxismo com o filósofo Jacob Gorender, quando foi deflagrado o golpe militar que infelicitou os brasileiros por longos 20 anos. E Wal-domiro Santos, intelectual, poeta e destacado jornalista, foi perseguido pe-los poderosos de plantão, mas nunca se rendeu.

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Waldomiro Santos23

Sua esposa, Maria Divina, o seu filho, Marcus, as suas irmãs, Maria Benedita e Terezinha, o seu irmão, Valdivino, e demais parentes, podem se orgulhar desse ícone chamado Waldomiro Santos. Ele não tinha ódio ou mágoa de ninguém, além de ser incapaz de ofender a quem fosse! Gostaria de falar sobre esta figura histórica do jornalismo goiano, mas somente se escrever um livro e isso eu não consigo fazer!

Línio de Paiva,Goiânia, fevereiro de 2010.

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O jornalista, o Poeta e o Homem 24

Jornal OpçãoESPECIAL

WALDOMIRO SANTOS

Nascido em Leopoldo de Bulhões em 1933 e vivendo em Goiânia desde 1934, Waldomiro Santos é um jornalista que já passou por todos os cargos e funções dentro de quase todos os órgãos de comunicação de Goiás. A convite do professor Cole-mar Natal e Silva, então reitor da Universidade Federal de Goiás no início dos anos 60, ajudou a organizar a Imprensa Universi-tária e foi diretor do semanário – hoje histórico – Quarto Poder, que circulou, sintomaticamente, até o dia 5 de abril de 1964. Experimentou várias prisões, teve ativa militância política e, nos últimos quinze anos, tem trabalhado apenas no semanário Cin-co de Março como simples e modesto repórter. Nunca teve sua obra reunida em livro, privilégio a que renunciou basicamente porque jamais se dispôs ao banquete das verbas governamentais copiosamente gastas na edição de tantos poetas municipais, es-taduais e federais. Toda a sua produção, felizmente, encontra-se guardada em arquivo, esperando a oportunidade de aflorar ao conhecimento público. Nesta página, trazemos parte desse ar-quivo, deixando ao leitor a oportunidade e excelência da poesia de Waldomiro Santos.

Goiânia, 28 de outubro de 1979.

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Poesiaem

Exercício

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Poemaspara

Marcus

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Meu filhinho, enquanto espero O albor da alegria imensaDe sua doce presença, Minha luz de amor sem fimTodo o meu hausto é carícia,Canção, beleza e vitória!Mas sei que toda essa glóriaSerá você viver para mim.

Meu filho, no anseio enorme De dar-lhe a minha ternuraQuero expressar-lhe à alma puraA minha infinita emoção.E só sei dizer baixinho:Quando virá este meu filhinho Para sossegar-me o coração?

***Pressinto que muito em breveVocê viva, meu anjinho,E prevejo tanto carinhoQue a palavra não traduz.A sua alma na minha alma Reaquece-me a lembrança E encontra nova esperançaBanhada de excelsa luz.

Filho amado, o meu destino Agora só para você se resumeO anelo, a graça, o perfume, Sob a alegria sem véu....Lar de estrelas dos meus sonhos,Resguarde-me no seu caminho,Sua doçura é o meu ninhoO seu calor é o meu céu.

Goiânia–GO, 08/10/1968.

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SÚPLICA

Senhor de bondade infinitaacolhe a minha alma aflitaque vaga a sós na escuridão.Oh!, Senhor, que no céu habita,redime a minha alma aflitae enche de fé meu coração.

Pés feridos na dura estradados pecados e da desilusão,ajuda-me, Senhor, nesta jornada,e dá-me Paz para o coração.

Envolto nas brumas do desencanto,sou nau sem rumo nem direção.Perdoa-me, Senhor, enxuga meu prantoe de lá do teu céu estenda-me a mão...

Para o Marcus e sua patota, as homenagens de um humilde gentio.

Goiânia, 02 de abril de 1986.

A gente, Marcus,

Não pode viver numa casa imensa.É aqui nesta coisa tão pequena,mas onde a gente pensa evive uma vida pobre, mas serena,aquela vida que nós todos devemos viver aquela do todos são, do SOU e do SER.

Vida que alcançamos não na saudadeMas num grande sonho de liberdade ou que nós fiquemos na pobre humildade desermos pobres, sem os cobres, mas com a Honestidade.

Waldomiro,Goiânia, 11 de novembro de 1988.

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CONSELHOS A MARCUS

Marcus, meu filho. No decorrer de tua vida, lembra-te sempre de mim e segue, sempre, estes conselhos:1. Domina a tua língua. Diz sempre a verdade, mas sempre menos do que pensas. Cultiva uma voz baixa e suave. O modo de falar im-pressiona mais do que aquilo que se fala.2. Pensa antes de fazer uma promessa e depois não quebres essa promessa, nem dês importância ao quanto te custa cumpri-la.3. Nunca deixes passar uma oportunidade para dizer uma coisa agradável e animadora a uma pessoa, qualquer que seja ela, ou aos outros a respeito dela.4. Tem interesse nos outros, em suas ocupações, em seu bem-estar, seus lares e famílias, sê sempre alegre com os que riem e consola os que choram. Procede de tal forma que as pessoas com quem te encontrares sintam que és sincero com elas.5. Sê alegre, CONSERVE SEMPRE PARA CIMA OS CANTOS DA BOCA. Aprende a esconder as tuas dores, desapontamentos e inqui-etações sempre com um sorriso. Ri com sinceridade das histórias boas e aprende também a contá-las. 6. Conserva a mente aberta para todas as questões e todas as dis-cussões. Investiga, argumenta com lógica, mas nunca uses os argu-mentos das brigas e das violências. É próprio das grandes mentali-dades discordar, argumentar e discutir, mas sempre conservando a amizade dos teus adversários. Nunca faças um inimigo.7. Deixa as tuas virtudes, se as tiveres, falarem por si mesmas e re-cusa comentar as faltas e as fraquezas dos outros. Não dês ouvido e condena os boatos, os murmúrios e a maledicência. Estabelece uma regra de só falar coisas boas dos outros. Despreza o orgulho, pois a morte a todos nivela. Cultiva a humildade que é grata aos filhos de Deus.8. Tem cuidado com os sentimentos dos outros. Gracejos e críticas não valem a pena e frequentemente magoam quando menos a gente espera. 9. Não faças questão nem te irrites com as observações más ou maledicentes a teu respeito. Vive de modo a que ninguém acredite nelas. Por sua vez, nunca injuries ninguém, nunca atraiçôes, nunca sejas um delator, alcagoete ou dedo-duro.10. Não sejas excessivamente zeloso dos teus direitos.Trabalha, tem paciência, conserva-te sempre em calma e em paz, esquece-te de ti mesmo e ama sempre, com todo o coração, o próxi-mo. Procede sempre da forma como esses conselhos te indicam que, mais cedo ou mais tarde, a recompensa de DEUS virá.É isto aí, meu filho! OK?

Waldomiro,Goiânia, 28 de outubro de 1984.

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Poemasno

Tempo

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Noite alta. Medito rosas e mais rosase me consumo todo em feridas dolorosas,no incêndio policrômico de um vermelho roseiral.

E neste profundo, terno e divinal abismo sintonizo-me, recolhendo multidão de vermelhas rosas.E és como flor-perfume, gorjeias e cicias E tua fala, Lourezi, é uma fala tão docecomo se tua fala fosseo ritmo ameno das minhas poesias:um grande e imenso turbilhão de rosase de pétalas vermelhas, macias e sedosas.

Cada gesto teu transborda mil rosas perfumadas e silêncios de por de sóis e madrugadas.

Tuas mãos são compridos galhos de algas finas e vaporosassão uma dança de rosas a cirandare eu olho e ainda vejo rosas e mais rosasem rodopios doidos de gestos e rosas ao luar.

Perto de ti sucumbo: reside em tuas mãos mimosasum acalanto doce de rosas, uma canção de ninar.

Goiânia, 1958.

(Feito no aniversário de Lourezi)

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POEMA XII

Meus olhos infinitamente lúcidosperscrutam distâncias incomensuráveisno teu corpo de alva solidão.

Debalde essa viagem sem termoe esse desejo oculto e sempre presente de fugas e horizontes.

Contudo eu sei de um país longínquo,onde eu te amaria como os pássaros amamna calma dos campos virgens e silenciosos.É a terra dos homens claros e sucessivamente límpidos como as es-trelas.

No silêncio azul das alfombras das beiras dos regatoseu renasceria em teu corpo musicalcomo um som de harpa soprado pelo vento,divinamente puro e lavado de culpas.Hoje, nesta noite de tristeza infinita,debruço-me à margem das recordações inadiáveise materializo a tua presença repousantenesta noite minha, de amargura extremae do tempo perdido das minhas noites à procura do sonho...

Goiânia, julho de 1958.

Na calma da tardeO sol desperdiça luz.

Crianças brincandona calma da tardeem desperdício de luzcintilando flores no jardim.

Nos olhos líquidos da Amadabrincava a luzno seu entardecente olhar:ondas de mel cantandouma suave canção de ninar.

Goiânia, 1958.

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OLHAR DE LOUREZI

Sinos em revoada, todos em serenata, uma invenção que inventei para Lourezi. Música de sonhos nos sinos de prata, lembranças de minhas longas saudades de outros tempos, de outras idades, presente sonoro que inventei para Lourezi.

O tempo passou rápido e eu não vi que morria de tédio na solidão, com a alegria encarcerada no coração.

Sinos, sonhos lindos de que eu andava à cata. Olhar de Lourezi, profundo olhar de gata, Outro olhar igual eu ainda não vi, como esse felino olhar de Lourezi. Par de olhos de mel de cor indefinida, um encantamento doce em minha vida, esse líquido e profundo olhar de Lourezi.

Hoje sou apenas um navio velho morrendo no cais, lembrando aquele olhar que eu não verei jamais...Ouçam! São os sinos do mundo em serenata, cantando o meu amor/sofrer por Lourezi, à luz dos nossos cabelos já da cor de prata...

Goiânia, 1958.

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Meu irmão Otonielera um anjo-diamantee muito fulgurantepreso no anel.

Mas um certo dia,com todo seu amor e poesiacaiu do céuo meu pobre irmão Otonielpara morrer.

E dentro do seu caixãoera um defunto sem graça e sem conforto,rebrilhando brilhos rebrilhantes,ouropéis e falsos diamantes.

Mas o fatal, é certo, aconteceuOtoniel caiu do céu e morreu,como abelha sonora num vaso de mel.Perdidas foram mais de mil poesiasdaquelas incríveis noites de boemiasdo meu pobre irmão Otoniel.

Goiânia, 1960.

EXERCÍCIO XV

Para que a noite se aquietenos meus longos e tristes braçoseu terei que aconchegar estrelase mover os astros um pouco para a esquerda.Não há pedaço de chão que eu não pise, nem céu azul que eu não admire, nem nuvem, nem gota de orvalhotremeluzindo em saliências luminosas.Cantei o canto em santo acalanto e me espanto com o maior agapantoque no jardim possa encontrar.

Busco que rebusco no brusco bruxulearde amor que vem de longeonde eu possa escutarcantilenas de estrelas,berçando nuvens azuis no céu a cirandar.

Goiânia, 1963.

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O MENINO DE CAFELÂNDIA

O olhar parecia o olhar de um cachorrinhoespantado e o seu corpo tremia ante o olho negro do fuzil do soldado.Lembro-me perfeitamente do menino que vagava, sozinho, nas matas de Cafelândia, com sua enferrujada cartucheira.

Era no cair da noite,noite que despencava em névoas nas matas cinzentas e frias de Cafelândia.

Eu já ouvia o ruído dos animais noturnos.Era o final do entardecer,e as jaós piavam lânguidamente,como todas as jaós piam lânguidamente,no começo da noitenaquelas matas de Cafelândia.Me lembro daquele menino e o seu vulto franzino se associa sempre que, num misto de tristeza, nele penso, ao vulto imenso de um guerrilheiro,o enorme vulto pequeninoo vulto daquele menino naquele diaenquanto no poente o sol morriana mata nevoenta e fria de Cafelândia.

Goiás, fazenda S. Carlos, fevereiro de 1964.

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Eles se escondem atrás das grades e são como homens feras e têm um grande medo da noite quando os cães uivam dolorosos sonetos. Eu sei quem são eles. São os que se amedrontam ao som das estrelas e se perdem de medo na sinfonia da lua cheia.

Carregam nos bolsos os trinta dinheiros para comprar com eles a fuga do próprio medo são eles que arquitetam a morte dos sonhos e fabricam os pobres e os famintos. São eles. Eu os conheço muito bem. Foram eles que construíram esta minha tristeza e fizeram perder-me na revolta do mundo, sem norte, sem sul e sem bússola, mas carregando poemas e um extremo ódio contra todos os delatores da terra.

Goiânia, 1964. (Ao saber, de fonte fidedigna,

que um certo e muito profícuo poetinha era um grande

dedo-duro)

Nós somos uns seres confinados, algemados, em celas octogonais. Aqui estão reunidos os sem-memória.Somos hoje e sempre uns seres sem história.Entre estas paredes quietas, corações acorrentados de poetas...

Goiânia, 1964, no 10º BC.

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IDOS DE 64/CÁRCERE

Eles vieram pela noite,sem aviso prévio,na noite súbitaque aconteceu de repente como uma martelada.

Era uma noite de março, quente e abafada.Eles me prenderam e me algemaram e guardaram, cuidadosamente,dentro de suas asas côncavas.E eu fiquei como um defunto, estendido e quieto no vácuo,esperando que o sol e o pássaro viessem e me libertassem.Multidão de mulheres e crianças sem origemcarregaram para longe o meu féretro,o meu féretro sem nome.

Ah! Se eu hoje tivesse o sol!Renasceria como uma criança,dentro da manhã clara e muito pura,com um buquê de rosas nas mãos.Poderia colher mil flores alvorescentes,beijar mil beijos na boca de Maria,cantar um salmo de Davi.

Mas eles vieram sugar a minha alma,querem sepultá-la no bojo das asas côncavas,como a múmia de Ramsés II, no fundo escuro da pirâmide,e hoje, definitivamente, eu não quero, eu não posso, eu não devo morrer.

Goiânia, 1964.

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NECRÓPSIA

Vazaram os meus olhoscom longas agulhas.Com rubras torquesesarrancaram-me a língua E cortaram meus pulsos, limparam-me o cérebro, abriram-me o ventre com finas adagas.Só meu coraçãoem morte morrendo,pulsava baixinhoa canção da esperança. No chão, meus dedos inertes, crispados de frio, úmidos de sangue, da rosa vermelha jorravam mil sóis. Ao longe, me lembro, um pássaro cantava.

Goiânia, 1964.

(Pouco tempo depois da minha

temporada compulsória no 10º BC de Goiânia)

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O tombarmos na luta não importa, queremos somente limpar de nossa portaO feudalismo e a escravidão. O povo, muito próximo, lado a lado,Já está com o fuzil engatilhado na proletária revolução.No campo há um só remédio, o impulso final que mate o tédio, elimi-nando a meia e o cambão.Mas os latifundiários e burgueses ainda acham escravos campone-ses.E não creem na revolução.Ignoram que em cada rancho guardado existe um mosquetão lubrifi-cado, esperando apenas a ocasião, e que nas fábricas cada operário já elaborou o itinerário da inevitável revolução.É só um alerta aos duros burgueses nesta fraternal e última res-olução dos operários,Estudantes e camponeses que não desejam a violência não.É um grito da massa espoliada nesta derradeira arrancada da nossa proletária revolução.

Fevereiro de 1964.

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NO XILINDRÓ DE PÉ QUEBRADO

Eu que vivo da doença à beira da morte,só tremendo, não de medo, mas de sezão,perdi o rumo e o prumo, todo o meu porte,a braços com três tenentes e um capitão.

Acaba-se, dia-a-dia, meu ânimo forte e de agente tenho a pecha de subversão.Trinta dias penei na negra e vil prisão, com um coronel pousado em minha sorte.

Que triste vida aquela de sentenciado, vendo todo o dia o sol nascer quadrado,aguentando tudo no peito e na raça.

Sei que se continuasse aquela agonia era bem capaz de ter acabado um diaem nosso Exército virando praça...

21.9.64

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POLÍTICA

No norte sou o sul.No meio me desnorteio.Assim é que sou aqui como acolá.E lá eu sou aqui.

Canto a noite,mas por ondeum pernoite?

Sei lá!Ali onde o sol se escondeNo meu APrefiro ficar por aquino meu Hjunto com as feras e leões.

Não há rimas.Fico aqui, nos desvãos dos céus e das estrelas.

Aqui é o meu distante,seja logo ou neste instante...

Goiânia, 1965.

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Na névoa do jardimuma rosa vermelha cintila.Homem faminto passa,Mulher sem destino passa.Criança sem futuro não passará.Felizmente, muito felizmente,A história anda para a frente.

Não importa que se desgarremdilacerados pedaços de nós mesmos,nem que nossa própria almase decomponha prematuramente.Estaremos atentos.Um dia, Maria,nós teremos uma história para contar.Pássaro sonoro além do desertoe esta rosa vermelha,intocável e onipresente,como um beijo de amorem nossas mãos ensanguentadas,mas muito puras, Maria.

Goiânia, 1965.

Às vezes é um monstro que em mim habitae a minha alma toda dilacerae a minha alma em desespero gritacomo um animal que se desespera.

E assim vai a minha alma aflita,sempre de alguma coisa à espera,aos rugidos roucos como uma fera,talvez com saudades da palafita.

É um amor que eu trago escondidono mais fundo do fundo de minha almae que me faz sempre o coração ferido.

É por isso que ele nunca se acalma.Nos desvãos do tempo vive perdidonas grutas escuras da minha alma.

Goiânia, 1965.

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CANTO CONSOLAÇÃO (*)

Os cavalos azuis estão galopando o tédio desesperado.No vácuo sem fim o espírito translúcido de Deus,sobre colunas,com seu imenso olho,espia as feridas sem cura.

Hoje não importaque se desgarrem meteoros dilacerandopedaços cintilantes de nós mesmose que a ossatura,músculos,sangue,corpo e almase despenhem em vertical.

O que importa é quehaverá sempre um pássaro cantandoalém do desertoe a rubra rosa do nosso antigo sonhopermaneça intocável e onipresente.

E quando vier o Juízo Finale se ouvir o tropel das bestas do Apocalípse,nós estaremos livres e puros como os animais,sorvendo o ar inocente da madrugada,ressurectos,na luz macia da aurora,cantando salmos de Davide gritando: Aleluia! Aleluia!

* Poema extraído do Suplemento Literário n. 14, do jornal O Popular, ed. de 31 de janeiro de 1965, da Hemeroteca de Ático Villas Boas da Mota.

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POEMA AMANHECER (*)

Eles sabem que nós somos puros, Maria.Sabem que nós nascemos um século adiantados,isentos de ódios e de culpas.

As nossas brancas almas se liquefazemna luz de estrelas e diamantes.

Viemos de um país muito longe,para encher o mundocom o nosso amor e o sonho.

Eles sabem que estes gestos imaculadospovoarão a terracom parábolas e versos,semeando crianças, pássaros,nuvem, regato, flor e paz,ao longo do caminho.

Vê como a aurora agonizaresplandecente de orvalho.

Como é bela esta manhã.O teu riso é um raiozinho de sol, Maria!...

* Poema extraído do Suplemento Literário n. 26, do jornal O Popular, ed. de 2 de maio de 1965, da Hemeroteca de Ático Villas Boas da Mota.

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Nesta noite, o som da tua vozesvoaçou dentro da madrugada,à semelhança de um pássaro perdido.

Um silêncio de angústia pairava sobre o mundo,Enquanto eu escutava, desperto, o ruído surdo das coisas.

Permanecia comigo a lembrança dos teus olhos e dos teus gestoscomo um ópio misterioso na mudez do meu quarto,descrevendo círculos azuis de encantamento.

Eu sinto que vens de longe...

Ontem era o meu sonho que te transformava num grande anjo de asas irizadas como um sol na noite intransformávele má.

Hoje debalde busco o Norte de tua presença!Hoje é esta amargura que parece gritar mil apelosno vácuo e no silêncio.

Meu nome é solidão.

Lá fora o vento reza em surdinauma barcarola de mar aberto.

Há um desencanto de tristeza insuportávelrondando na noitee a lua melancólica e muito vermelhabalbuciava preces de desamor no céude bruma e cinza opacas.

Goiânia, 13 de setembro de 1965.

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EXERCÍCIO 12

Tua mão frágil, sonora e pequenina,tece meus sonhos na tessitura mais finade brisas e de gestos claros e suaves.Teus dedos ruflam voos longos como aves,arribando em céu azul de manhã cristalina.

Goiânia, 19 de setembro de 1965.

SAPO SOU

É do sapo que não escapoQuero sol e não solidão

Neste canto me agachoe aqui fico e coacho

É do sapo que não me escapo

Que podridão aqui embaixoenquanto eu coachocom o coração.

Goiânia, 24 de outubro de 1965.

GETÚLIO VAZ

A chuva que cai é água da terra Lavando o céu para a festa da natureza.É a esperança de quem planta e a saudade de uns pés descalçosBrincando na rua da inocência, de mãos sem maldades, fazendo na areia represas de ilusão.E a maré do tempo levou o barco de meus sonhos a um porto a que eu nunca cheguei.

Goiânia, 08 de dezembro de 1965.

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TRÊS INSTANTES EM TEMPO DE POESIA (*)

IDEOLOGIA

Minha mãe é muito pequena,mas extremamente real.Suas mãos magras têm a noçãopura dos horizontes rígidos.Ela não difere de meu paiquando mede a extensãode um gesto exato.

Suas palavras são geométricas,o verbo é simples, mas perfeitoe quando profere as sentenças traça no ar um ângulo retode onde não se pode escapar.

A minha vida é uma vida muito andeja,mas não é torta.No essencial, senhores, se vós procurardes,encontrareis a base da minha ideologia:gestos de minha mãe,sentenças de meu pai, repetidos,herança muito válidae pela qual iremos ao diabo se preciso for.

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A ROSA VERMELHA

O olho de Maria fita-me daquela esquina,pedindo conta do que eu deixei de fazer,cobrando o sonho de liberdade que sonhamose que foi triturado pelas engrenagens.

Hoje mil crianças povoam o meu sono.E a noite é uma irmã de caridade.

Nesta hora é que os gestos escondidosensanguentam nossas mãos.

No entanto, em toda face do mundo e na névoa do jardimuma rosa vermelha cintila...na palma das nossas mãos

OLHAR DE MARIA

Teu olhar é uma noite engalanadade brilhos e crispações sonorasdas claras vias lácteas estelares,condensando o som de todos os luares,no compasso azul de todas as auroras.

Lembra os jardins de rendas matizadas e odores de rosas e confusos escuros de ciprestes e folhagens perfumadas.

Teu olhar rogava preces sobre os murosde um mosteiro de freiras compassivas,cantando salmos de amor pelas ogivas.

* Poemas extraídos do Suplemento n. 60, do jornal O Popular, ed. de 25 de dezembro de 1965.

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Eu sou aquele que te contemplacom as mãos repletas de rosas,conduzindo diamantes e lodo tambéme sonhos e poesia.

Eu sou aquele que chega em silêncio,com os olhos abertos,depois de viajar indescritíveis paisagens.

Eu sou um eterno pastor de estrelase recolho das nuvens uma cançãoque canta cintilantes sóis, nas estradas roceiras, pelos capinzais.na manhã de lágrimas cristalinas,depois do batismo das chuvas claras.

Hoje eu trago uma rosa rubracomo o riso-sonho da tua bocamordendo minhas mãos dilaceradaspor tantos gestos escondidose por esta revoltada elegia rouca.Trago-te hoje a minha memóriae trago-te os meus versos, Maria,estes versos que exsudo dolorosamente,quando venho por entre brumas esilêncios, como antes,naquela grande e escura noite de nossa pátria.

Goiás, 1966.

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Mil crianças povoam nosso sono.A noite é uma irmã de caridade.Nesta hora, os gestos escondidos ensanguentam minhas mãos. Nossos rostos de desespero devemos transformá-los em esperanças castas, porque, depois de tudo, haverá o sol e permaneceremos intactos e limpos,na tarde azul de cintilações como aquelas apressadas e esquivas nuvens claras dos nossos tempos de meninice: mar de luz no mês de maio.Seremos um dia, hoje ou amanhã, muito limpos e muito puros.Não importa que se desgarrem dilacerados pedaços de nós mesmos, nem que a própria estrutura da nossa alma se decomponha prematuramente.Teremos sempre uma história para contar:um pássaro cantando além do deserto e a rosa vermelha, intocável e onipresente como um beijo de amor em nossas mãos, dilaceradas, ensanguentadas, mas muito puras, Amiga minha.

Goiânia, 1975. (Estávamos na ditadura)

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Eles se esquecem de que existem criançaspara aprender, e velhos para ensinar.Sofrimentos sofridos,lágrimas choradase punhos erguidos para o ar,em silêncio, e sonhos para sonhar.

Esquecem-se de que ainda existem caminhos de sol e um claro pedaço de céubrilhando para os nossos olhos repletos de esperanças.

Eles se esquecem, esquecem-se de que nós somos puros, Maria,isentos de ódios e de culpas.As nossas brancas almas se liquefazem, quotidianamente,na luz de estrelas e diamantes.

Viemos de um país muito longe,para encher o mundo com o nosso amor e o sonho.

Eles se esquecem, Maria.Esquecem-se de que nós povoaremos a Terracom parábolas e versos,semeando crianças e pássaros, nuvens, regatos, flor e paz.

Vê como a aurora agonizaresplandecente de orvalho.Como é bela esta manhã!O teu rosto é um raiozinho de sol, Maria...

Goiânia, 1975.

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Sigo calmoCarregando, passo a passo,na lenta procissão,uma rosa vermelhano bojo da minha mão.Querem matar meu sonho, assassinar minha Ilusão. Mas eu sigo. Vou indo, passo a passo, com uma rosa vermelha, um vermelho sol na minha mão.A praça é do povo, ó pátria minha, e não digam que não! Vou indo com a rosa vermelha, esta rubra rosa vermelha, mancha de sangue na minha mão!

Goiânia, 1975.

MOMENTO

Então, achegou-se a mim uma grande necessidade de falar com alguémEu estava ali, parado, embaixo da árvore há dois séculos, e nem sei quantos anos havia morrido. Estava com as mãos ensanguentadas pelos gestos escondidose o sol rebentava o céu em fagulhas, enquanto o vento estraçalhava folhas. A noite achegou-se a mim e me engoliu ao som dos cavalos que pastavam calmamente...

Goiânia, 1975.

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Este sonho eu o conduzo como uma flor,espargindo perfume e doçura da palma da minha mão.Ele é como se fosse uma estrela que eu carregassecom infinitos cuidados, mais suave do que um rosto de rosa e pêssego de mulher amada, ou claro gesto de minha mãe, ou sorriso de criança adormecendo suave.

Às vezes não compreendes,quando eu te digo que ele é teu também,de todos nós este sonho, e que para possuí-lo basta recolhê-lo como eu recolho a chuva, astros na distância, ventos, canção,ou um poema de amor. É assim.Ah, se os homens compreendessem como é fácil...Bastaria regular o coração, ajustar a alma no limite certo, na região exata.Tão simples este sonho imenso que cabe na palma de minha mão, no indescritível momento em que por algum motivomeus olhos se umedecem,mas não é choro...

Goiânia, 1975.

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Que Deus é este que dá fome aos pobres e opulência degenerada aos ricos? Tu, Lúcifer, é que talvez sejas o senhor do Bem, já que implantas a justa revolta aos que nada têm e o ódio no coração dos homens e punes os que pecam contra os sem-terra e sem-pão pelos pecados cometidos. Percorre a terra um clamor de Justiça, ou estará a Justiça só nos domínios dos bem-aventurados, ou nos sofrimentos das cavernas tenebrosas de Lúcifer? De ti, Lúcifer, que reinas punindo os que criaram as dores e as revoltas dos que vivem em pecado? Eu sei, meu Deus. Sei, meu irmão Lúcifer, que nestes Universos imensos, por essas galáxias que povoam os domínios desconhecidos do tempo e do espaço, homens e bondades, amores, maldades e pecados não têm sentido.Por isso é que muito além do mais além do luminoso esplendor de Andrômeda, noutros Universos, reina o Bem. Para além do tempo e, quem sabe, para além desse próprio Deus, tão bondoso, e desse Lúcifer tão mau,senhor desses Universos em turbilhão, onde nunca existiram nem o Bem nem o Mal, onde nunca houve este nefando pecado original, pelo qual nem eu, nem esta Humanidade inteira nunca tivemos culpa, ou será um Poder Cósmico, o Grande Relojoeiro, que faz girar os cronômetros azuis dos espaços e dos tempos, fazendo-nos imortais como os deuses, nossos ancestrais?...

Goiânia, 1976.

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MEU PAI

Rumina sonhos em silêncio,calmo como um boi,escutando os ruídose a essência da noiteque escorre macia como seda.

Os braços estão corroídosem cicatrizes ásperas. Parece um tronco este homemque é meu pai.

As rugas assemelham-se a riosna face curtida.A idade não o consome.Ele é o próprio temporesumido em sofrimentos.

Vem de um longe muito antes de mim.Há séculos, nas correntezas da vida.Ele já foi rio caudaloso em sonhos.

Hoje é assim: troncoque às vezes, muito raramente,calmo, desponta numa tristeou numa dolorosa flor.

Goiânia,1976.

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Minhas mãos estão magras, trêmulas e rudemente ensanguentadaspor todos os gestos escondidos,por esta vida e esta morte que não vême por estas crianças gritando sem resposta.

E por você.E por meu pai e por minha mãe e por meu irmãoe minha irmã adolescente.

Tuas mãos, Amiga, tremeluzem estrelase lindos gestos e acenos de carícias.Mãos musicais, uma vermelha sonatade dores coloridas ao luar.

Mas e as minhas?Mãos proletárias, buscando amplidão,sufocadas, decepadas, inúteis, ensanguentadas, paradas em prece,de asas quebradas, querendo voar?

Meu sonho inútil galopa na amplidão.Este pássaro voando, que não para de voar.E onde o nosso sonho azul um dia no céu azul que sorriae aquela luz de paina dourada na curva do horizonte?

E você, Amiga, você tão branca, tão pura, tão sonho doce, fruto maduro, tão meu querubim, você tão minha mulher, tão longe, tão intocável inconsútil,tão Nossa Senhora,me consola, que meu coração está sofrendo,meu coração que está chorando,me consola,com seus dedos de pluma,com seus dedos de nuvem de neve,com seus dedos de leve.

Me consola muito de mansinho,me faz uma doce carícia, Amiga.

Lava este sangue de minhas mãos?Estanca este sangue, sara esta ferida, dolorida, Amiga.Me ajuda neste poema por todas as crianças.

Não ouves milhões de apelos? Escuta!Conserta, hoje, as minhas mãos, doce Amiga.

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E apara esta bala no meu coração,que ela está me matando, me matando, e se morro eu não poderei nunca mais voar...

Goiânia, 1976.

No silêncio da noite mais escurahá sempre uma baioneta caladae um fuzil cavando a sepulturade minha pobre pátria idolatrada.

É o tacão brutal da Ditadura,dileta obra de uma grei bastarda,filha cruel, maldosa e obscurada elite nova dos que vestem farda.

Na pátria inteira ecoa um só gemidodo povo amordaçado e oprimido, neste regime de feroz perícia.

Mas no coração leal de cada presohá sempre um luminoso facho aceso,sol de luz nas masmorras da polícia.

Goiânia, 1977.

Deixa-me um resto de sonho.Tem piedade. O mundo tristonhojá me maltratou tão bastante.Esquece-me. Eu já não sou nada.Atrás, uma vida toda destroçada que passou num átimo, um instante.

Hoje eu quero paz de mendigos dormindocom sorrisos de anjos sorrindo,ou simplesmente deixar de existir.Já nem sei quem eu sou. Minha vidafoi fútil e inútil e tão mal vivida.

Deixa-me um resto de sonho, tem piedade,sonhar apenas é o que peço por caridade!...

Goiânia, 1978.

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O voo agudo da ave feriu o ar da tarde suave.

Ninguém viu o encantamento daquele momento, o voo agudo daquela ave que pousou com tal suavidade.

Era um fim suave de tarde, quando o coração da gente arde com juvenil emoção. E naquela tarde ninguém viu ou ficou a par de que existia uma ave, que houve um agudo voo suave de um mete-oro branco de arminho aquela ave em voo suave no fim da tarde, quando o coração da gente arde, ninguém viu a ave suave de arminho buscando o aconchego do ninho.

Goiânia, 1978.

Eu sou, às vezes, quase menino,mas, diuturnamente, carrego anos milenaressobre os meus ombros cansados,buscando um sonho que não chega nuncae que foge, como pássaro, sempre na frente...

Hoje, Amiga, és como um sol parado no firmamento, muito vermelho,como um grande olho de Deus,sangue no céu luminoso, esperandoeste nosso tão incomparável amor...

Goiânia, 1978.

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JOSÉ

José olhando a vaca.A vaca olhando José.Úbere estourando leitee o cupim,alcatra e lombos,fígado e rim e leite com café.A vaca olhou JoséJosé olhando a vaca, carne gorda.Não há poesia, nem olhar manso,nem a ruminante bocamastigando capim:proteína para o filé,desde que em temperodescendo pela goelado fundo da panela.

Os mugidos ao pôr do sol. E, de manhãzinha, o capim gordura rebrilhando diamante e pérolas, ou quando houver água limpa do céu e a vaca ficar assim, trêmula, embaixo da árvore:árvore e vaca que não são de José.

Goiânia, 28 de setembro de 1979.

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De repente, nosso rosto já não é o mesmo.O deslumbramento diante da vida já não aflora em brilhos do nosso olhar. Parece que refluírampara dentro de nós todas as tristezas do mundo,acumuladas por desencontros e desencantos.A flor, a rosa vermelha e gotejante, já não sorri mais no nosso jardim, nem o trinado álacre do riso do menino tem a semelhança de um raiozinho de sol, iluminando cintilantes esperanças.De repente, de abrupto, imediato, assim de súbito, a verdade da vida é uma negra muralha, soterrando a bondade e a ternura dos homens.Nestes instantes, é que acordo as fibras dolorosas do coração e parto sozinho para viagens indescritíveis, matando os monstros que me dilaceram a alma. É então que percorro, por imagináveis jornadas, os difíceis e ínvios descaminhos em busca de outros bares, outros lares, outros ninhos, que já não estão mais aqui, mas além, na frente, como se fossem um toque de mágica, e somente um monge, muito leve e muito brando, companheiro de silêncios pelo mundo pervagando, atrás de mim, nem muito perto nem muito longe...

Goiânia (Durante uma ressaca, mais ou menos na década de 80).

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FOME

Uma noite dessaseu devorarei teu corpoazul de gelatina:nádegas e ventre e seiose aquela flor vermelha que trazescomo um archoteplantada no umbigo.

És povoada de saltitantes gnomose anõezinhos, cogumelos,que tangem cítaras, címbalos, banjos e bandolins.

Comer-te-ei paulatinamente:o joelho, o pé, o pescoço sutil e branco,o nariz, os cabelos, olhos, boca e a curva macia das axilas,onde nascem as asas,quando te convertes em anjo.

Diariamente te reparto em pãoe vinho consagrados,conduzindo as feridas do mundo.Devorando teu corpo e coraçãoé que prevalecerei até o último momento,quando os pássaros finalmente voltarem cantando nas asas o prólogo de uma nova história de amor.

Goiânia, 28 de outubro de 1980.

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Nascemos os dois, inconstantes, entre algas marinhas e gaivotas.Dorme em meu poema, descansa. Repousa em sonho leve, Amiga,pois minhas mãos possuem carícias indescritíveis.

Eu quero despertar no teu corpo de sol e seda o pesadelo do meu contato.

Ressona, Amiga, mulher-anjo,enquanto meu sonho penetra em tuas carnes,como o trajeto suave de um voo leve de ave.

É alta a noite. Disfarço-me em peregrinas estrelas:amanhã serei mel e flor, perfume e calma.

Mas, hoje, o sonho,o poema e o meu amorserão inteiramente teus, Amiga.

Goiânia, agosto de 1983.

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Pela vida somos errantes astros Percorrendo nossos próprios rastros, à procura de voos inimagináveis.Sempre o sol por meta. Então é que nós criamos asas e nos transformamos em poeta nesse afã de ultrapassar as brasas em que nos consumimos, orgulhosos, sem notar que nada possuímos.

Belezas quantas então deixamos para trás, enlevados pelo eterno ideal fugaz,nascendo e renascendo em mil avatares e azares, morrendo nas mesas dos bares.

E vamos indo pelos caminhos afora iludidos pela mentirosa aurora,menestréis das mentirosas ilusões, enquanto se desfazem sonhos e corações.

E, ao final de tudo, é morrermos em bruxoleios, sem voz, cinzentos como pássaros mudos agonizando os versos surdosnos derradeiros gorgeios.

Goiânia, 15 de junho de 1984.

Sons e luzes. É a terra acordando A natureza que nasce para o diaLuminoso. No ar da manhã cantandoO espírito da vida é a própria poesia.Mais parece a mão de DEUS abençoando A natureza e a terra. No céu cantando O sol afinal explode em um novo dia.

Goiânia, 28 de abril de 1985.

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Ela alcançou-me com suas mãos de névoas e sorriu-me um gesto de ternura.Não sei se o sol feriu a terra,ou se foram os flamboyants explodindo em sangueque povoaram aquele momentocom incríveis descobertas.

Depois, muito depois,havia um céu de estrelas e perfumesno jardim e música, carrosséis,tardes de crianças, sol no poente, e risos e parques ecrianças e a misericórdia dos seus olhos de ternura.

Foi naquele momento que dois anjosdebruçaram-se no firmamento, cantando um salmo de amor.

E depois a noite era de um luar muito brandoe, depois, a sós, só nós dois,nos amando, enlevados, nos amandoaté muito no infinito do depois.

Goiânia, 1986.

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MORTE EM TOM MENOR: REFORMA AGRÁRIA

(Dedicado aos lavradores do novo município de Esperantina, Tocantins) Na mata virgem, como um lobo cansado, José exausto parou:-Meu Deus, disse para si mesmo,será meu destino andar assim a esmosó abrindo a mata?Qual o meu pecado? exclamou ajoelhado.E garantiu:-“Este chão agora é meu!Daqui só sai o meu cadáver” – prometeu.E não mentiu.E ao sol inclemente,como um demente,construiu o seu ranchinho.E depois fez a derrubada,roçou, capinou, plantou,e quando ficou a roça formadae brotou do chão a primeira floradae o rancho já era um lar, uma morada, um sonho, pouso, e lar, a família já assentada,foi que o jagunço apareceu...

Goiânia, 1987.

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Mas como burilar estas mãos burguesas?Elas cresceram como raízes do meu corpo e nunca floresceram.Quem sabe o sol fará brotar de mim a flor. Como adquirir a suavidade dos contornos, se a terra má negou-me o dom da ressurreição?Nem sombra é oferenda na vastidão do meu vazio ermo. Apenas o sol aquecesuave, às vezes brutal, na arrogância da luz.

Queria apenas a dádiva de um fruto, a carícia de um pássaro, e as minhas mãos burguesas,ásperas como raízes, alcançariam a salvação.

Goiânia, 1987. (Num certo dia, não sei por que, cansado da vida)

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Eu era uma pedra cheia de arestas e pontas agudas, que feriam os que me tocavam. Eu era uma pedra cheia de arestas, de espinhos agudos, que feriam os que me tocavam. Mas as lágrimas e pés que, depois, me desbastaram saliências, abateram todas as quinas, arestas e agulhas.

Hoje, quando apalpo o meu ser com as minhas mãos de paciência, não me reconheço no passado. Como sou agora diferente...

Sou um seixo rudemente rolado, esfacelado em lágrimas e dor. Obrigado, Senhor.

Goiânia, 1987.

O meu caminho é juncado de profundas e aduncas raízes. Eu nasci plebeu e magro. Hoje carrego uma rosa vermelha plantada na palma da minha mão e sou muito paradoxal.

Bem no fundo de mim mesmo cultivo gestos imprevisíveis, um amor líquido e noturno e a rosa vermelha plantada na palma da minha mão.

Devem ser hereditárias estas minhas raízes tão imemoriais elas são.Às vezes adoro bodum,cachaceiros e a ponta da rua. De outras, é a rosa vermelha, quando cavalgo sem rédeas o mundo, achando extremamente bons a vida e os homens e o mundo.

Goiânia, 1987.

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Passei pela vida e sonhei, sonhei, quantos lindos sonhos. A grande praga ao fim de tudo foi colher a sagados sonhos todos que não realizei.

Amei pela vida, oh, como ameilindos sonhos de amores e encantamentos.E, depois, com o que é que fiquei?Com as roxas saudades e o sofrimento.

E assim vou indo vida afora,de algo sempre à procurapara achá-lo quem sabe agora,ou nos sete palmos de sepultura.

Goiânia, 7 de agosto de 1987.

Nos dias negros da ditadura no horror da noite duramente escurados que lutavam fui o mais insignificante.Mas digo hoje com o coração, neste instante,com os meus poemas de pés quebrados,com o maior orgulho e satisfação:-Fui apenas um daqueles que disseram NÃO!aos acenos, aos apelos e aos chamadosdesses capachos que vivem encapuzadoscomo arautos desta “nova revolução”...

Goiânia, 17 de agosto de 1987.

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Estas arestas rasgandosão os restos de navalhas.É o teu gesto mais brando,cruel, com que me retalhas.

É sangue morno brotandodestas chagas escondidas- sonhos fugindo em bando -de minhas mãos malferidas.

Dura sina da escalada,com a alma esfarrapada,dia-a-dia galgo escarpas.Amor faz doces as penas, sofrer de mãos tão pequenaso aço frio destas farpas.

Goiânia,1988.

O luar uma bruma azulada entrelaçando flores no jardim.E ela era linda.Vinha desde 20 mil anos para meus braços, muito branca e muito pura.

Nossos beijos, uma estrada longa que eu tinha de percorrer buscando sonhos,como quem garimpa estrelas no céu.

Hoje ela voltou, sempre puríssima e branca,um diamante em minhas mãos sofridas. Quando eu morri por tantos anos eu não sei, e ressuscitei, à procura de minha própria redenção.

Voltou linda, como da primeira vez, noiva do meu coração, trazendo flores e esperança, mãos delicadas assim, como um rócio, no fim das madrugadas de serestas puras e músicas aladas.Esta minha bela e doce amiga, por 20 mil anos minha Amada.

Goiânia, 1988.

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MINHA DOCE E BELA NAMORADA NO CREPÚSCULO ENTARDECENTE

Toda vez, ao cair da tarde, em que o horizonte todo ardeem tons róseos no céu poente,é que ela passa com sua graça,enchendo de luz toda a praçae de amor o meu coração.E ele, descompassado de emoção,segue-a fiel como um cão.É ela a minha namorada de olhar cristalino e tão taful,carregando, sem saber de nada,minha louca paixão pelo seu olhar azul.

Goiânia, 1988.

Anda, tempo, transporta-me ao ente amado!... Retrocede-me àquele doce passadofeito de tanto amor, de tanta ilusão.Foi lá que eu perdi a minha querida,foi lá que deixei a minha vida,foi lá que ficou meu coração.Anda, tempo, me conduzà velocidade da luza bordo desta minha astronave.Quero transpor-me ao tempo passadopara encontrar, de novo, meu ente amadoseja em forma de flor ou de aveou nas dobras do tempo em anjo transformado.

Goiânia, 1988.

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DE UMA FRASE DE EMILIA,JÁ DE FOGO, MULHER DO PAULINHO

“Não, doutor, meu vício não é a bebida, Na verdade, nem vício é o amor à própria vida”,É tão intenso e é de tal jeitoque me perco de respeito. É uma saudadeda própria saudade. Meu vício, doutor, é a vida,meu problema mesmo não é a bebida...Eu bebo, é certo, mas sem qualquer veleidade.É um hábito, assim, que tenho, sentir saudade da saudadede um outro tempo, de uma outra vida.Saudade de uma coisa que já foi bela, colorida.Saudade de uma coisa que já foi vivida,de um grande amor, de uma grande, imensa paixãoque sempre chega de repente e quase me rebenta o coração.É o sonho de um sonho que já passou.É quando ficamos assim como um palhaço,perdido no tempo, perdidamente no espaço,no mergulho azul do copo de bebidaà procura de alguma coisa que já passou,à procura do que já fui e mais não sou.

“Meu vício, doutor, é o vício da própria vida.não tem nada a ver com este copo de bebida!...”

Goiânia.

[(Para um mote de Emília), em 26 de abril de 1988, V. União]

Mil sonoridades, serestas de cristal Alvuras, nuvens multicores, estrelas se entrelaçandorumor de asas, sol, raios de luz em festival.Mil sonoridades de claridadesde astros vagando pelo céu em desperdício.Relâmpagos azuis, cintilas quando me fitascom tuas duas claras pupilas infinitas:olhar de nuvem de sonho, minha amada,tão longe no tempo e tão minha namorada...

Goiânia 10 de outubro de 1988.

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Canção do pão nosso de cada dia. Seria a canção do silêncio,se não fora o trigo germinandono calor da vida do seio da terra.O pão nosso de cada dia dai-nos hoje, Senhore dai-nos também aquela certezade que os nossos filhos nunca passarão fome.

Esta é a oração do meu silêncio.Eu sei que o trigo canta uma canção,quando brota, buscando a luz do sol,alegre, ao sabor da brisa coloridanum hino de amor, rezando para a própria vida.

Goiânia, 1989.

POESIA EM EXERCÍCIO

(Iniciadas as compilações de velhos rascunhos, durante um período de desintoxicação alcoólica na Clínica Isabela, de propriedade do também poeta e médico Walter Massi, em 19 de abril de 1989).

Vivo entre as ruínas de um amor que, em outros tempos,foi o meu castelo medieval.Dura séculos esta atração sem igual, esta paixão que me alucina, resumo do meu bem e do meu mal. Ali tive uma paixão assassina, e lá morreu minha poesia, meu ideal, morreu tudo que havia em mim de belo,e ruíram as torres de marfim do meu castelo.

Então, não havia esta saudade dolorosaimensa, estrela na noite trevosa,e a aridez e esta tristeza sem fim.Só a saudade existe daquele casteloluminoso, azul e tão belo.e que eu, depois de tantos séculos, a vida amo ainda.Mater dolorosa,esta minha paixão tão linda,por este meu incrível amor medieval.

Goiânia, 27 de abril de 1989.

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Duro, amiga, não é o sofrimento, mas aquela dor aguda que não dói: aquela “dor – angústia”. O tormentoda solidão que corrói as entranhas do coração.Doloroso é manter a inspiração para recomeçar novas caminhadas em busca de outras amadas pelas estradas de uma outra paixão. E, depois, ao término, notarmosque estamos sós e restaram só escombros para nós.

Sei que é doloroso, Amiga, mas é assim: esta cruel certezade que o TUDO é o NADA. Veja o nosso frágil sonho que sossobrou,no vendaval de mil paixões fanadas.E agora, o que temos? Do que finalmente ficou, resta somenteesta inútil saudade do que, tão inutilmente, a gente um dia sonhou.

Goiânia, 28 de abril de 1989.Nasci antes do sol.Sou aurora e penumbra,a vida um mar aberto e eu um barco à deriva,não sei por onde, quando, nem por quanto. Este é o meu destino incerto e o espanto.Minha casa é silêncio e transborda de mim.Eu sou assim.Meu desejo é voltar aos campos de onde vime só. Mas, agora, no fim, este não é mais o meu destino,ele ontem passou, sem que eu visse: erammeus tempos de menino, pobre do meu destino. Eu tenho dó.O tempo, noutro tempo, percorri em desatino.Fui homem. Hoje sou homem-menino.O capim gordura, e o gado, trêmulo, pastando,e o meu gesto sem termo.No passado, fui um monge, mal-amado e brando,nem sei onde nem quando.Por hoje é só. Destino, menino.Eis ali, minha alma de saudades soluçando...

Goiânia, 28/4/89.

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Insistente obsessão, por que ainda persiste, envolvendo meu coração na doce lembrança dela?Não sabes ainda que hoje somente existeum laivo de saudades daquilo que foi aquela

força de amor imenso que tanto já visteem galope, corpo a corpo, a galopar o corpo dela?Hoje o que tenho? Nada mais que preste,pelo mundo gastei tudo numa vida que foi belado fragor do tempo pouco me ficou que reste.

Apenas lembranças de uma paixão que foi bela.Agora estamos velhos. A vida, a alma já se cansa.Nós carregamos nos corpos gastos, eu e ela,uma coisa engraçada: dois corações de criança.

Goiânia, 5 de junho de 1990.

Que me importa a alma estranguladae este tempo interminável e sem sonho,no escuro desta interminável madrugada,se hoje tudo acabou e não tenho mais nada?...

E que me importa o sonho e o mais nadadaquilo que fui, eterna alma tristonhae a ilusão sem fim, toda destroçadasem ao menos um lugar onde eu a ponha.

E assim, de mil vôos em revoada,vôo sem destino, em direção ao NADA,sonhando um tempo que acabou.

E fico aqui na terra, um velho palhaço,procurando o que fazer. E é isto que faço,buscando aquele que fui e já não sou...

Goiânia, 6 de junho de 1990.

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PoemasEsparsos

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POEMA II (*)

Intacta a lembrança permaneceagarrada ao meu espírito inquieto e andarilho

Teus olhos de cristaltremeluzem na distância

O pensamento esguio como uma algano fundo do marumedece amargura e desencantona memória errante e vagabunda.

* (Inédito)

*** POEMAS DO PÁTIO – VII/NASCIMENTO DA FLOR (*)

Para Otoniel da Cunha

Ásperas falésiasdistorcidas gradese o pássaro cativo a debater-se.A árvore buscava o sol sem noiteA pedra era pedraA areia desconhecia o mare o segredo dos ventos morria nos copais.De repente o silêncio gritou.E os nervos retesados cantaram aleluia.Mas os anjos não compreenderam a transformaçãoa pedra do sepulcro era apenasareia que pulsava no peito opressoe as árvores do sonho viram a noite clarae as falésias tornaram-se suavese o campo buscou no lombo da gramíneao sentimento festivo de uma flor brotando.

*(Inédito)

***

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A MURALHA DA CHINA

Infelizmente, não existem atalhos.O difícil, agora, é descobrir o que iremos fazer, pois a Muralha da China surgiu de repente, no caminho, com o tempo passava, o jeito agora é saltar por cima, fazer de conta que não vê, e continuar a caminhada, recitando versos, trabalhando e fingindo que não aconteceu nada.Um dia a gente estava escrevendo, lendo, amando, estudando, fazendo literatura, bebendo, noivando liricamente com você, Maria, trabalhando, e, de repente, aconteceu, ontem, a tragédia tão de inopino, a Muralha.A esta altura dos acontecimentos só nos resta parodiar, repetindo a pro-fecia do Moura.“Tocar o bonde para a frente, porque este negócio de entrar para a história não é mole não.”.

*** ACEITA

Aceita a própria vida buscando melhorá-la.Abre os braços aos que te cercamDando-lhes auxílioNada exijas, trabalha, não condenes, constrói.Se a provação chegou,acata-lhe os ensinos.Sê fiel a ti mesmo, serve, segue e não temasSe te aceitas como és Deus te fará feliz.

***

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ACRÓSTICO

És hoje da nossa casa a alma doce e perfeitaDo nosso lar. Tu és o amor de todos nós, a eleitaMãe e esposa. Nunca haveriaA pureza da nossa casa, nem a poesiaRaiando do sol, anunciando um novo dia.Do poema todos querem nesta dataElevar a rainha num verso que arrebata.Faça-se a luz, a intensa luz do mundoA gerar novas vidas no milagre mais profundoTer o estranho poder, esse dom divinoImenso de criar um novo menino.Mãe! que nome breve, pequeno, suaveAve mater parecendo o cair da neveRoçagando rochas num voo breveO dia de hoje, mãezinha, é um diaDe poesia, todo de sonho e alegriaRecorro ao poema, Edmar querida,Imensamente amada na minha vidaGuardei no coração as mais doces lembranças Uns sonhos de amor e estas criançasE o amor, Edmar, que glória este amor, Edmar,Sonho imenso que é o nosso mais caro tesouroDe sentimentos apenas, a navegarO nosso amor no grande oceano que não é de ouroSó de beijos e amor e beijos e beijos de amor.Só de saber desse amor que um do outro nós somosA poesia chega ao fim, já terminaNas últimas letras do teu nome queridoTeu nome, este teu nome nunca esquecidoO amor é teu, como este constante lidar Só teu também é o acróstico, o poema, Edmar.

***

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ACRÓSTICO

Mas que tola infantilidadeAs nossas brigas sem razãoRegular assim a felicidadeImpedir aquilo que o coraçãoAlmeja com tanta ansiedade.

*** APOLÍTICO

Melhor seriamos se fossemos vegetais e frutificássemos para a vida ilusões de clorofila ou contornos e belezas de flor, ou se fôssemos simplesmente animais amando violentamente, mas puríssimos e castos.Ah! Vidinha boa que seria!

*** EXERCÍCIOS

Talvez sejam estas lembranças, outras recordações que guardas escondidas, ou, quem sabe, até recentes feridas de outros amores que ainda queres, que fabricam estes silênciosestas brigascom que me castigascom que me feres.

***

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O SOL

Nossos rostos de desespero deverão transformá-los em esperanças castas,Porque depois de tudo haverá o sol, e permaneceremos intactos e limpos,Tarde azul de cintilações e aquelas apressadas e esquivas nuvens claras dos nossos tempos de meninice, mar de luz no mês de maio.Seremos hoje ou amanhã muito limpos e puros, assim como Gon-zaga, Tiradentes, por exemplo, Maria.

*** PÉ QUEBRADO

No turbilhão da vida cotidiana,Há sempre um rosto oculto de mulher.Há no tumulto da existência humanaAlguém que a gente quis e ainda quer.

E numa sede de paixão insana, cego e humilhado, aceita outra qualquer.Mas, no seu íntimo ardor de alma profana o que a alma nem recordará siquer.

E vão assim passando, uma por uma, mulheres e mulheres e que vieram sem deixar para sempre saudade alguma.

Triste daquele que, como eu, infeliz, teve todas aquelas que o quiseram mas nunca teve aquela que ele quis.

***

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POEMAS DO PÁTIO (À margem da luz)

De repente minha alma se transfiguranum grande anjo de asas quebradasprisioneiro do páteopáteo das estrelastão longe e desse desespero tão perto.

Os dias do hospital são longosComo as horas longas de longa agonia.

Lá fora, pelas frestas, o mundo vive.Na minha cela existe a calma e o silêncioque às vezes se tornam quase audíveiscomo o sussurro de moribundosque perambulo.

Ontem foi o dia de visitas, nos corredores do hospitalos internos uniformizados estavam todos nas roupas de mescladescobriam incrédulos o mundo no rosto das visitas.

Foram chegando desde as nove da manhãtrazendo embrulhos de doces e revistas atrasadas.No pátio dos furiososJosé Catalãonu como nasceudançava um tango argentino.

Os loucos não compreendem mais a vidaabsorveram a miséria das celas mal cheirosase agora estão perdidos dentro do mundo.

Num certo dia de visitasno burburinho piedoso das visitasninguém reparou numa grande tristezanos claros olhos dos loucos.

Até as dez da noite de domingoJosé Catalãonu como nasceudançou sem parar um tango argentino.O pátio fedia a suor restos de comidae fétidos excrementos.

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Imídio, o plantador de rosas,3conduzia poemas nas mãos.

À noite gritavam horríveis,os loucos no pátiotodos de cabeças peladas.

Jerônimo, o das mãos inchadasolhos de criançacontava as estrelas do céuconversando com Nossa Senhorae o menino Jesuse conversava comigo.E era uma conversa séria.Eu era uma criança também.

***QUARESMA

Sexta-feira santa,Lúcifer pensa no futuro e chora lágrima de desamado, recordando detalhes da queda altíssima, tão ontem mesmo.A prece dos condenados ecoa como uma ladainha nos ouvidos.Lúcifer desafia um rosário de recordação meditativa como uma imagemDe São Francisco de Assis.

***

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RECADO DA VIDA

Se o presente é rude e amargo,Com nublados horizontes, Coração, não te amedrontes, mas lembra-te de algum lugar.Sigamos buscando à frenteNa direção do porvir, a paz reclama servir, progresso pede marchar.Olha o quadro que te cerca, do átomo aos oceanos, do verme aos seres humanosA confiança é valor, o sol se apóia no espaço, criando jardins fecun-dos que o tempoTransforma em mundos de evolução e de amor.A semente entregue ao solo germina e cresce sem medo, faz-se de-pois arvoredo.Depois, é verde mansão, suporta vento e aguaceiroCada flor que desabrocha, confia-se o vale à rocha, o rio tem fé no chão.Assim, também, os espinhos da proteção que te alcança, são faixas de segurança De invisíveis cirineus; tens a fé por luz e guia, cumpre o dever que te cabe,Trabalha, serve e porfia.

*** SOLUÇÃO

Rosas, ouço dizer e não compreendo.Depois de cada viagem, a mesma angústia,o mesmo destino e desesperono limite do céu.

Liberdade, onde andarás?perguntasE eu me persigo indefinidamente à procura do sonho.

Neste momentoSeria impossível perscrutar o gesto dêsse desamor, Amiga.

Solução seria destruir nas bases todos os fantasmas, completamente.

***

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Agora é madrugada de sons e luzes. Entrei desesperado e mesmo assim conservo o germe do sonho.Viverei até ao brusco retorno, às antigas e misteriosas origens, até lá serei puro e intocado como um gesto de criança ou calma e sentida prece de mãe.

O ideal seria fugir como um carneiro ou um canárioSer criança de novo, voltar às primícias e às origens, apagar o bor-rão da vidaE começar tudo novamente renascendo flor de vida frágil, mas bela.Mas pagará a pena?

***Ainda existem caminhos de solNão paisagens, sempre pressentidas galáxias em vibração num colorido arrebolExplodindo luz para as nossas vidas Lê meu poema e pensa sempre em mim A lembrar do quanto tão de longe eu vim.

***Ande sempre como um forte. Cabeça erguida Nos embates duros desta nossa dura vida.

Tenha sempre em mente que viver é lutar.O homem nasceu para vencer, não para tombar Nas enganosas brenhas dos derrotados.

Ir em frente. A vitória é dos arrojados E dos que enfrentam combates de olhos.

***

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Ando atrás da sorte ou às vezes da morte sou um sujeito muito duro que ando no escuro, procuro estrelas e procuro o sol, Minha música é em si bemol.Tudo que eu conto parece irreal.

Talvez sejam outras lembranças outros amores que ainda queresQue fabricam estes silêncios estas brigas com que me castigo com que tu me feres.Outras recordações que guardas escondidas ou quem sabe, recentes feridas de outro amor sempre lembrando que te fogem assim tão ausente.

***Artes dos anjos? Nós dois pela vida aforaLutaremos por uma nova aurora.A vida nos sorri, Jesus é nosso pastor.Invisível mão que nos uniu neste amor.Dá-me um ósculo, amado. Iremos pela vidaEntre júbilos até a arrebatada subidaSomos dois em um, na mão de Deus com fervor.

Cantam luzes, são miríades de sonoridadesLampejos e esbanjamento de luz e de sol.Ao longe um arrebol, tantas as cintilações.Um desperdício de luz e de mil constelações.Deus nos guia neste terno e doce amarEntre milhões de sóis no céu a turbilhonar.Mil sonoridades hoje são serestas de cristalInfinito é teu olhar de SONHO, noiva adoradaRezando salmos, prece, hoje, tão minha amada.

***

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Canto, e por enquantonem sei mais o que é santo,nem o que é velho e nem novo.Só sei que o que vale é aquiloque vem do povo.

E dos meus irmãos oprimidos.Do meu antigo irmão operário,Aquele que sofre por um prato de comida.

E que vive sofrendo nesta vidaA ação nefasta do silêncio.Aquele que tem uma criança em casa.E não sabe se fica ou se terá arroz no fogão, se amanhã come carne ou feijão.

Ou se, como tudo isto arrebenta até onde seus nervos são submetidos,oprimidos, ainda aguenta.

***Chegou o Rei Waldomiro vestido de túnica dourada com suas odaliscas envolventes, vaporosas, em cortejo, com cítaras quadradas e gestos lânguidos, paradisíacos, promocionais, enlanguescidos e olhares pidões.

Era noite. Iluminada de raios dos diamantes incrustados nas casas, nas ruas, no chão de Pompadal. Descemos com as odaliscas as encostas da cidade para assistirmos ao espetáculo da passagem, na plataforma espacial dos seres peregrinos, andarilhos do Infinito,espíritos, demônios, pássaros fluídicos, palhaços de Júpiter todos saudando Pompadal e indo para longe, entre estrelas...

(poema incompleto no original)

***

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Coitado diz sempre que vivo sóe que a minha vida já está no fimverdade é solidão, é mesmo, eu vivo sómas a história não é bem assim.Ainda existem as crianças seres pequeninoso que nos faz lembrar de quando somos meninosquando não fiz as coisas que sempre quis.Por isto amigo é que triste é o que souPerdi o tempo de quem nunca amoue acabou por ser apenas um infeliz.

***Do passado eu morro de saudadesdaquele mundo de outras idades,quando então eu era feliz.Agora, o que resta? A lembrançade um tempo ameno de bonançaem que ela me amava e não a quis.Retorna-me, tempo, ao começo, para que eu evite um novo tropeço.Agora que eu sou um grande infeliz:procurei-a ontem e ela não me quis...

***Ó trevas desgraçadas que me envolvem, muitas vezes embaladas em sonhos coloridos.Que às vezes me fazem dos homens o portador da dor e das chagas mais doloridas. Mas o poema não termina nem o sonho se acaba neste momento em que minha poesia se desaba.

***

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E tu, Lúcifer, vieste de onde?Será que foi de lá onde toda luz se escoou na mais atroz e dolorosa solidão? Lá onde foi o começo do meu tropeço e desta minha atroz escuridão?

***E eu fiquei sem o sonhoÚnica coisa de que disponhoNeste Goiás imenso não há cotasApenas as poesias quando eu penso.

***Ela era minha santa bonitinhaque eu guardava escondidinhanum terço dentro do peito.

Ela era uma passarinha de penugem brilhanteeu acho que devem ser assim as cotoviasou uma passarinha, pobre mas faz fita de ser muito bonitaque nem cotovia mas rima com minhas rimas mais nobreseste poema, amigo, não tem metrificação porque ele é feito com o coraçãomas não existe amor que o cobrepois ele na pobreza também é nobree sobretudo foi feito para Mariaa inspiradora desta poesia.

***

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Em luta, não. Permanecendono status de nada fazendo.Cavalgo a lua em noite branca,um satélite por alavanca.Sou, às vezes, altissonante,comendo estrelas na rua tombado bêbadoesganiçando arestas como um quadrado.

***Em mim habitaum homem da palafitaeternamente descontente.

Este homem que em mim habitavem de longe,lá de onde eu trago escritaa chama ardentedeste meu impudor fremente.

Às vezes ele estrugee ruge e dilacera,sem de si dar conta, ameaçador,ataca e estraçalha, com furorsanguinolento de uma feraque vive em mimsempre de algo à espera.

***

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Entardece O sol desce. Minha vida amolece.E a noite chegaOh! Minha querida, veja.Quanta coisa acontece quando entardecee o sol desce.Minha vida amolece e a noite chegaOh! Minha Amiga, veja.

***Esta viola é que me consola nas noites de lua cheia.É ela que conta a saudade de um alguém lá na cidadeque só trouxe infelicidadee me faz chorar de volta e meia.

Morena que meu coração adorae por quem minha alma choraum choro triste ao cair do dia.Viola, no seu formato de coraçãovocê é má, só me faz viver de recordação.

E quando o luar bate em cheio, azulando a custo, bem no meio,o céu é um fogaréu de constelação linda.Morena. Você foi prá cidade.

***

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Estes ficam. Outros, se vão,levados todos pela fatalidade.Aqueles, hesitantes na prisão,estes, na imortalidade.

***Este meu amor tanto me dói e dói tanto, numa dor tão dolorida que, cada vez que te vejo, minha vida se esvazia numa áspera descida, mas tão terna e murmurante como se fosse o último instantede uma colorida e indefinida extravagante peça de seda.E a minha doce irmãzinha de verso na decantada e sofrida ladeira ou quem sabe rósea subida de nós, poetas, que não temos nada.

***Eu canto o homem de mãos calejadasque no duro labor consome a vida,o corpo e alma, nivelando a subidade vorazes elites debochadas.

Eu canto ainda a Pátria estremecidae todas as multidões encurraladaspela selvagem belezados fuzis e baionetas caladas.

É, pois, com fúria imensa, que me engajona briga da miséria e do andrajocontra este brutal governo absoluto.

***

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Eu ontem matei as 74 virgens que povoavam os meus sonhos e enterrei os seus corpos nas areias brancas do mar.O pássaro azul da fantasia consumiu-se como bola de fogo ou meteoro.74 virgens enterrei nas areias brancas do mar.Andar na distância andei, matei sonhos para não sonhar.

***Eu sei que vim de longe. Vim dos princípios, dos começosquando eu caminhava aos tropeços pela eternidade.

Eu vim das galáxias mais distantesde onde nasceu o meu tormentoe de onde nem o seu pensamentoneste momento

nem sequer pensa um instante.

***

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Eu sempre tive um palpitante coração capaz de amar a cada instantecom emoção. Faltou-me apenas a amada,uma companheira que me fosse de poesia e camarada de caminhada a cada dia.

É isto, companheiro, eu sempre fui assim,incapaz de encontrar quem gostasse de mim...

É por isso que ando pela vida aforasem ser noite e sem ser aurora,sem nunca encontrar o meu norte,amante de muitos amores, mas sem amada e sem sorte.

***Eu sou um sábio errante,à procura de uma sabedoriaeu sou um badalo erranteà procura de um sino. Sozinho eu sou badalo.Mas se o sino badalaeu sou como um badaloarrebanho as balas que estraçalhame que traçamcom essa balaque arrebenta o coração.

***Pela vida muitas vidas fui eu mesmo que esqueci.

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Ah se eu tivesse agora de escoteirocomo companheiroum amigo antigo que eu tive outrora.

***6 horas é o horário dos boêmios.Horário em que eles chegam em casa.

***Eu teria que buscar uma frase límpida nas arcas do meu tesouro para falar deste amor.Ele é puro e claro como a água que desce da colina, resplandecente como um espelho.As tuas mãos cintilam e tremeluzem, e uma grande ternura nos abraça quando sorris, Amiga.Embora esta noite triste devore o futuro e os nossos sonhos de liberdade, ainda tilintam sonoros cristais quando sorris, mulher – criança. Então, fica parecendo que chegou o Natal.

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Foi assim: depois de uma brigatão antiga,terminamos por acabar em Nada.E foi assim. Nossas duas vidas perdidas,vidas mal vividas,que eram ao fim uma paixão destroçada.E depois da paixão terminada,ver desfeito um sonho,uma paixão mal-sonhada.Foi assim.Terminamos toda aquela paixão buscada ao chegarmos à dolorosa conclusãode que tudo o que o nosso coração queria não era paixão, não era poesia,somente uma coisa desvairadaque ao fim terminou assim neste decepcionante Nada.

***Gosto de ouvir e ver essas mocinhas tagarelasque povoam manhãs de alegria as lanchonetes.São todas todas todas tão belasNa rósea cor de sua adolescênciaQue bela, como é para esta inocêncianos gestos suaves nas luzes do olharna alvura das peles, olhos cor de mar.Ser jovem, que belo, tão grande a sortede ainda estar tão longe da morte.

Daria tudo, de tudo, para voltar atrásno tempo, de tudo seria eu capaz.Mas minha vez passou, meu tempo passou.Agora só me resta o hipocondríaco prazerde olhar, de ouvir, admirar e veressas mocinhas em bando tagarelastão limpas, tão inocentes e tão belasenchendo de sons, de cores e alegriaesta ampla calçada cheia de sombras e poesia.Mas ninguém viu ou sentiu isto.

***

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Gosto tanto de ti, morena amiga,Incendeias-me como se fosses um solRefulgindo. Hoje tu és o arrebol levantando o sol da paixão recolhidaE é assim que nos poemas eu te digo Não és esposa nem sequer amanteÉs apenas o meu último abrigo.

***Há uma procissão de sonhos em revoadaComo se fossem selvagens cavalos em trovoadaE muitas estrelas no céu, figura de minha amada.

***Mas que coisa! Aqui nas alterosasAchei um coração repleto de rosasRosas de sonhos, a Ângela, adoradaIrmãzinha na palavra mais amadaA rosa de Hermanm já consagrada.

Nunca me esqueças. Não te esquecerei.Um dia, quem sabe, na obra de DeusNasceremos em frutos. E até já sei, Escrevemos uma bela história de amorSalmo de sonhos, com as bênçãos do Senhor.

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Hoje eu quero a mulher indescritível Quero os seus verdoengos olhos e sua boca, os cabelos, as orelhas e as narinas inflamantes.Quero tua face para os meus beijose tudo que existe além e aquém do teu pescoço.Depois quero os teus ombros e as perfumadas axilas. E os seios estas coisas palpitantes que se agitam ao som dasminhas carícias.Depois eu quero mais. Não senão teu corpo inteiromas que eu pudesse botar um beijo noutra carícia boca do teu umbigoE além eu vou descendoaté ao ventrefonte de todo amor, e tuas pernas, duas colunas ecléticas, além das pernas os teus pés.Assim te ganharei toda inteira a mulher senão queridamas muito amada.

***Mas o poema não termina aquiNem o meu sonho se acaba É apenas a minha alma que desaba no precipício do início enfim do fim.

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Hoje eu quero me identificarcom as coisas mais simples da vida.Hoje, precisamente neste momento, eu sou aquele que busca desesperadouma canção e uma rosa.Queria ser flor e abelha,ou apenas um fruto da terra,ou o som da garganta de um pássaro.É assim que eu quero ser.Eu nasci da terra e das águas.O compasso das idades, porém,identificou-me com a terra.Sou a planta das lavouras,desde os meus primórdioseu sou sempre apenas isto:mel e flor, fruto, água e terra,carregando todo o amor do mundo, Amiga.E, agora, quero apenas cantarpela garganta sonora de um pássaro.

(A data não sei. A garrafa de cachaça saberia.)

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Jesus é meu amigo,nada me faltará.Ele sempre está comigosempre ao meu lado estará.Jesus é meu amigoe nunca me faltará.

O Senhor é o meu Pastor,estende sempre a sua mão,me oferece o seu amorme traz consolação.Sempre foi o meu nortenos vales da escuridão.Com Jesus eu não temo a morte,pois Jesus é salvação.

Jesus é meu amigo, nada me faltará.Ele sempre está comigo, ao meu lado sempre estará...

Por apoio o seu cajado é que enfrento o inimigo; o demônio e o pecado,pois Jesus é meu amigo.

Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirãonas veredas da Eternidade, só Jesus é a salvação.Pois o Senhor é meu Pastor e me estende sua mão.

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Mãos contraídas recordam gestos esquecidoso corpo não obedece enquanto as cobras deslizam sob o olhar estupidificado das grades da cela.

Lá fora quantas crianças, multidão de luzesmas o olhar mudo não suplicapastoreia apenas pesadelos remotose velozes como cabritos monteses.

***Mas que é isto, irmão! Nós não vemos. O tempo passa.A vida é curta. Um tênue fio de fumaça,Restos de sonhos que nós, sôfregos, vamos vivendoIludidos. Achando que a vida é sempre assimA sonhar e que a vida na Terra nunca terá fim.Bela ilusão esta de acharmos que a EternidadeÉ apenas este lapso, esta centelha de outro ano de idadeNa Terra. Ilusão. O tempo é uma imensidadeEm que percorremos, Encarnação por encarnaçãoDoloridas vidas em que se processa a depuraçãoIncessante de nossos espíritos, desde a sua criação.Todos, não há exceções, sejam ricos ou pobresAcabamos naquele lugar que a terra nos cobre.Do pó viemos, diz-nos o Cristo, não deixou por menos.O pó, dele não fugiremos. É o nosso destinoSomos filhos dele e a ele todos um dia voltaremos.Somos todos filhos diletos de Deus uns Eternos peregrinosAlmas viajantes à procura de novos destinosNo Universo. De jornadas em jornadasTemos pela frente sempre novas caminhadasO evoluir é um caminho de dores sem fimSabes, irmão, somos diamantes em lapidaçãoPelas mãos do Divino Joalheiro da CriaçãoO nosso destino é certo tenhamos sempre em menteResta-nos um Universo inteiro pela frenteTremeluzindo sóis, estrelas, galáxias familiaresO turbilhão incessante, de universos milenares.

***

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Mas vou tocando a vida para a frente.O resto é barulho.

***Merece a nossa maior compaixãoos que nos ferem com um punhal.Merece mais aquele que pratica o malignóbil e vil da ingratidão.

***Meu amor numeroso despetalou-se em rosas.A noite é pássaro e criança, sonho precoce para a vida.Meu sonho puro há de vir como a madrugada cheirando a relva.Sonho claro de meninice, e liberdade, até lá seremos nômades como o ventoE livres como os pássaros, mas duros extremamente duros como uma rocha!

***Meu coração de pai entre os filhos se reparte Assim é que uso do engenho e arteRepartindo amor aos que são vida de minha vidaImensa pois é a minha afeição para ser tão divididaAos que são o próprio sangue do meu sangue.

Lubelia nome de planta, ou nome de florUm beijo querida do seu pai com amorBelezas tantas quantas poderiam ser oferecidasEntre vocês quatro doces frutos da minha vidaLindo porém é ter estes amores de filhos. E quando morrerInda sei que nunca irão esquecerA memória deste velho ao longo de suas vidas.

***

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Meu destino é olhar esta lua de agosto vermelha, como se fosse um lacrimejante olho no céu,espiando com curiosidade meus pequenos pecados.

Eu tenho uma casa, mas não tenho um lar.Aqui, Amiga, é onde encontro o meu refúgioeu, este Grande Pecador,que carrego nas costas um milhão de anos.E esta lua de sangueque parece um vermelho olho de Deus,chamando por mim e os cães do alto dos céus.

***Meu Deus, que deslumbramento!Que esbanjamento de luz e de sol!Em cada flor e pelo céu inteiro, um arrebole pairam pelo ar miríades de constelações...E em tudo a luz é tantae são tantas as cintilaçõesde pequenos sóis como sistemas planetários,mergulhando tudo num mundo de sonhos imaginários...São milhões de pequenas galáxias a girarem rodopios doidos de luz a turbilhonar.

Mil sonoridades cantam serestas de cristal,alvuras de nuvens multicores, estrelas turbilhonando...Em tudo há um rumor de asas, de sóis,de raios de luz num colorido festivalde mil sonoridades de astros vagando em desperdício.

Relâmpagos azuis, e teu olhar cintila quando me fitascom as tuas duas pupilas infinitas:olhar de nuvens de sonho da minha amada,tão longe no tempo e tão minha amada...

***

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Meu irmãoSou da vida.Mas sou duro.Que dura é a vida meu irmão Ela é um tropeço nas coisas que a genteFaz.

Mas que eu sou duroEu sou duro, meu irmão.Há alguém que fale Você é mole.

Mas mole o que eu tenho é o arroz e o feijão.

***Minha casa é uma coisa velha mas cercada de flores e frutos.Há um sonho lá em casa.Minha pena é fina e nada.

***Morena formosa, tu és uma rosa és a forma primorosae a alma da minha viola.E você surge em imagem sempre no meu pensamento.Morena que és minha vida e meu alentoe o som da modinha que me consola.

E quando na porta de meu ranchinhoa noite desce devagarinho eu garro a viola com a mãoparecendo que garro meu próprio coração. É pra arrancá do meu peito já cansado tudo que já foi passado, e de ti, morena, este amor desesperado, e acabá de vez com esta ilusão.

***

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Morreu, ontem morreu o resto que ainda havia em mim.

***A embriaguez do vício da cachaçaTem estragado minha vida ultimamenteCom minhas mãos nervosas, magras, já trementesEu aperto a mão da morte em cada taça.Embriago-me para viver contenteE andar mais longe da desgraçaMorrer como palhaço, imbecilmente,Mas morrer, ao menos fazendo graça.Enquanto muitos ficam aqui, a rir de mim somente,Eu tão sozinho, a rir de tanta gente.

*** Na tristeza da minha pobre pobreza é onde carrego a beleza desta riqueza e este sofrer é meu grande amigo.É ele que entende esta ferida, que faz a minha vida medonha, dolorida.E você, amiga, produz farpas no coração e faz aquela rosa rubra que trago no coraçãoParecer uma mancha de sangue na minha mão e a rosa ferida que prometi oh! pobre querida rosa, oh! é uma ferida que trago, dolorosa, uma rubra rosa de sangue no coração.

***No canto roceiro das estradas sertanejasNas frondes dos buritis só tu, Goiânia,assististe ao acordar da madrugadaao som da música suave da passarada.

***

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No entanto, Amiga,apesar do nosso sonho,o mundo é tristonho.

No decorrer desta vida,que para nós é tão deserta,uma única coisa é certa.Termos nós, como todos,sempre a mesma sorte:um dia virá a morte.

Depois da vida sofrida,da nossa vida estraçalhada,ao final de tudo,só a calma do sepulcro mudo,só nos restará o Nada.

É preciso, pois, nos transformarmos em estrelas,e habitarmos, na distância infinita,uma longínqua e bonitagaláxia azul constelada...

***O homem e sua terraCom os seus sonhos. E a terraCom tuas crianças e os teus velhosE a terra.E o homem com tuas pobrezas e tuas riquezas.Além o salário nenhum. Ele é o Joãoque vive como esta vida sem fimcom o qual os pobres vivem sem.E a terraÉ a nova independênciaQue ameaça raiar de um novo BrasilÉ o canto que vem das praças, dos bairros da favelasdos caros ricos e dos caros pobres.Vem do sonho e vem da terrado asfalto e dos roceiros que vivem as longas jornadas.

***

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O meu amor parece um rio manso, correndo lento por entre barrancose matas verdes, onde eu descansoda vida triste, dos rudes arrancos.

Muitas vezes no passado os olhos lançobem no fundo com o meu olhar franco:largos rebojos e amplos remansosdiviso, enquanto lágrimas estanco.

E o meu barco vai: ele é um navio que desce pela planície do rio.E vou assim, por esta vida afora,

entre amores, sonhos e minha poesia, lembrando velhos tempos de outrora, quando a mocidade me sorria...

(Goiânia, num dia de tristeza, lembrando o rio de nossa fazenda,

numa tarde brumosa de chuva fina...). (E eu bêbado. No original).

***O relógio marca os minutos,enquanto os espíritos estão rezando.Marca o minuto da prisão.Marca o instante do sonho,marca um momento de ilusão.

Na matriz bate o sinoo seu brônzeo e sonoro não.Relógio que marca os minutos,minutos que marcam a redenção!Estão todos marcando as horasas horas sagradas da subversão,hora sagrada da precea prece da rebeliãodeste sonoro e perverso carrilhão.

***

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O sol é estampa pregada no firmamentocom luz, cor e cimento.

***Pedi força ao Deus Desconhecido orei uma prece confusa, solitudinal, como um petitório patético às forças invisíveis.Chegaram então os três arcanjos brancos, transparentes, de túnicas diáfanas de plástico celestial e me apresentaram uma taça quadrada de claríssimo ouro.

-Beba, diziam os arcanjos-Não, balbuciei. Afastai de mim esse cálice!-Beba!Acabei de beber o néctar tonifical:em refrigério do corpo e da alma, respirei a profundos pulmões.

Estava escrito na taça:“Vinho generoso de Nosso Senhor Jesus Cristo,sangue, sangue, maná,vanádio-férrico-estricno-glico-fosforado vitaminal”.

Foram–se os arcanjos deixando em volta de mim o perfume, suavíssimo perfume, aromal, longínquo em mistura misteriosa de sândalo e violetas.

***

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Pelos gestos escondidosTrago as mãos ensanguentadasAçoitaram-me as entranhasPerfuraram-me com adagasMil adagas estão suspensas sobre as nossas cabeças e nossos corpos repousam sobre cristais

e cubose arestose punhais

Açoitaram-me as entranhasAs crianças esquartejadasainda choram em cada esquinaassistindo marchas triunfaisparanóicas e sinfoniasesquizofrênicasde címbalos, pratos, cornetas e ábacos.

***

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Penetras fundo em mime inundas o infinito dos meus olhosdescrevendo círculos azuis de encantamento.Às vezes teu vulto se transforma em libélula, extremamente sensual,quando sinto o cheiro do teu corpo e dos teus cabelose sempre é o mesmo alumbramentode nervos e desejose vontade de estratificar-me em luz e ir dormir tranquilo em tuas pupilas.

Sinto que vens de longe.Hoje é o meu sonho que te transformanum grande anjo de asas irisadas como um sol.Desperto em meus poemas falando de amor,pois vives eterna nos versos que componho. Às vezes é a lembrança que materializa os gestos alvos de tuas mãos sublimes, ou o som da tua vozque esvoaça dentro da madrugada, à semelhança de um pássaro desperto.Debalde procuro o norte da tua presença.Meu nome é solidão.Sobraram-me uns restos de poesia doloroso ressaibo desta vida amargaque eu não procuro esconder.

***

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Perdoa, nestes versos, minha alma bêbada e trajeto róseo do sonho em que se queda quando me mergulho em álcool e sonho no profundo e doce olhar de Lêda.O seu olhar se espanta ao encontrar no meu olhar tanta ternura que em mim é concebida, é que sempre fui um mendigo da lua, um filho da noite que, durante dias e noites, sofro sem termo os mais rudes açoitesdessas malvadas poesias.Mas eu sei que tu não sabias que antes dos meus versosque antes conheceste tão modernos eu já havia sofrido mil infernose purgatórios que não tinham fim.Em versos não me formei nas academias, pois desde o berço nasci fa-zendo poesiasna mesa honesta e suja de botequim.

***Perguntam-me como vou me consolar neste último reduto. Tudo o que sei é que não posso lhe dizer.

***Por isto é que descreio desse vosso mundo que me alcançou apenas por obra e acaso da fatalidade e simples questões de geografia.Deveis ficar sabendo que a minha raça é imemorial e o meu mundo, o que reside em mim, é incalculável e os vossos braços, as vossas pernas, as vossas mãos e os vossos dedos deverão crescer mil vezes para destruir seu sonho.

***

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Queria que renascessemos na terraem clorofila e matizes nunca previstos,frágeis e belos.Tuas mãos transformadasem pétalas e néctar.Os cabelos explodindo misteriosas colorações,e o contorno amável do caulee as flores se abraçando,no pólen consagrador de outros renascimentos.

E virão primaveras e brisas de muito longe,mensageiras de sonhos e perfumes.E virão, também, pássaros e crianças.

A cada madrugada de inevitáveis silêncioso sol banhará nossos corpos vegetais.E ao redor será a frágil brandura de um beija-flor à procura de alimento,ou, quem sabe, abelhas buscando o mele o zumbido de insetos por entre as folhagens.

E nós, vegetalmente puros, Amiga,nos amaremos, puríssimos e castoscomo a água cristalina dos montes,ou essas esquivas, alvas e imaculadasnuvens do mês de maio,num doce e vegetal abraço.

***Sejamos puros esta noite.O teu sorriso ilumina o quartocom dez mil estrelas.

Depois, então, poderemos nós dois mandar crucificara legião de operáriosque gritam nas praças como bichos:abaixo a fome, queremos pão.

***

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Sempre e sempre é o mesmo velho tema,martelando o mesmo cruel dilemade amor, este amor sem nunca ter sido amado.

E eu que achava tanto ter tidoeste amor, tenho apenas um coração feridoe vivi de sonhos, pensando a cada diaque ela era o meu sonho e a minha poesia.

E é assim que levo a minha vidadesfeita, sem cor, só de dor, vida mal sofrida,buscando o amor, sem nunca tê-lo achado.

Pelos bares, amigo, sou apenas um peregrino,um eterno cachaceiro sem destino,buscando amor e pensando um dia ter sido amado.

***Sempre fui só, sozinho no mundoaqui no meu canto.Não sei se sou diaboou se sou um santo

Sei apenas que sou eterno,e no fim, ao final,irei direto para o céu,ou pros quintos do inferno!...

***

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Sim, amigo, a felicidade existe, pois não és feliz e não a conseguiste?Os que a conseguem são aqueles puros de coração,os que são sinceros, e a carregam na palma da mão como uma bela jóia, de inigualável encanto. Não é o vil metal, mas algo que é santoe espiritual. Felicidade é como amizade e amor. E nos fazem sempre o coração tranquilo, sem soberba, contentando-se com aquilo que o Senhor nos dá. A riqueza material, a ferrugem a destrói e os ladrões do mal vêm e a carregam, o Evangelho já dizia. Felicidade pura a gente só consegue levando pela vida um coração alegre, o espírito em paz, amor no coração como pregou Jesus naquele célebre sermão.

***Sobre o meu ombro cansado carrego o peso de um passado,de uma lenta-lenta agonia:o de amar sem ser amadoe de viver de sonho e poesia.

E vim assim pela vida afora,carregando, como carrego agora,o coração sempre machucado,por não ter vivido pela estradaaquela ilusão entressonhadade amar e ter sido amado.

***

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Tenho um sonho na alma, que calma Eu tenho em mim. Eu que vivo sozinho assim,Recordando um tempo que já passou.E perto de Tereza, minha vida, em tom de tristeza,Soluça um sonho que às vezes é uma belezaImensa cantando em cada verso que eu componho.No acróstico nada exponho. Outro amor é o delaHermosa e bela. E ela fica assim A me olhar com olhar de tristeza, os belos olhos de Tereza.

***Todas as noites é sempre o velho tema,martelando o mesmo cruel dilemade achar um amor e nunca ter sido amado.E eu que pensava tanto achar ter tido um amor tive apenas um pobre coração ferido....

***Tua mão frágil, sonora e pequenina, tece meus sonhos na tessitura mais finaDe brisas e de gestos claros e suaves.Teus dedos ruflam voos longos como aves, arribando em céu azul de manhã cristalina.

***

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Um hiato no tempo, enquanto a vida ronda o sol,apesar do que estruturo à noite,pesquisando novas estrelase outros rebanhos de nuvens que me acompanhamem jornada tão ingrata.

Sei que, além da derradeira galáxiaos anjos passeiam.Plenamente só, eis-me além dos séculos.Resta-me somente a luz ou a noite,incomensurável, para além do além,onde parece que a mão de Deusproduz um encantamento qualquer.

***Você é assim como uma flor azul pequeninaCom o teu olhar taful de menina E me deslumbra este teu amor amanhecerÉs sol brilhante nascendo no cimo de um monte.

És a lua em noites claras muito além do horizonte, mas tão distante amor o meu bem-querer.

Sou o sol, é por isto que sou benquisto de tua luze do nascer do sol, do teu nascente, do teu arrebolque se arrematame me arrebatamminha alma com o teu profundo olhar azul.Pupilas cor de mar a faiscar lampejos sonorosde menina.Meu amormeu fervor.Tão pequenina.

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Prosa

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TextosAvulsos

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ELEGIA ECOLATÔMICA (Aos donos da morte)

Foi depois da meia – noite. O sino gemeu, serenamente liquefeita, uma última nota de agonia. Dos destroços da igreja criancinhas Albinas, atravessaram a praça vitrificada. E um velho de metálicas barbas calcinadas fitava no horizonte o fogaréu ensanguentando o céu.E o horizonte era a fímbria de um monte de madrepérolas vermelhas, derretidas em lágrimas.Um véu de noiva da cor da morte despejava punhais ultravioletas, vestidos de azul e vermelho, mulheres de olhos relampejantes car-regavam sinistros carvões encravados nos rostos.Buracos negros cintilando malvadezas. Mãos em garras, elas agar-ravam os próprios ventres para arrancar sonhos abortados: bonecas cinzentas, de matéria plástica, gelatinosas frutas da fedorenta gesta-ção. O velho agachado ao centro da praça cofiava as barbas avermelhadas. Fitava, filosófico, o poço de cinzas e matérias fumegantes, de onde brotavam os mutantes.Ao redor, esqueletos de ferros retorcidos completavam o quadro vio-láceo pintado pela mão do homem.Do céu, o sol, imenso olho vermelho de Deus, espiava o mundo no espantoso final.E as crianças?As crianças eram pequeninos cogumelos fulvos, filhos das filhas dos filhos grandes, devastação.Elas estouravam de dentro do solo sem rosas, povoado de árvores petrificadas.Eram os descendentes da morte.O dia e a noite confundiam-se no caos dos infernos.Os campos, um chão de brasas. Os regatos e os rios de cristais amargos fumegavam.Redemoinhos endoidecidos, de quando em quando, requeimavam as rochas semiderretidas, pústulas no seio do cosmos: era a terra in-teira...E do resto?No fim, do que sobrou, eram velhas e velhos precoces, desfiando rosários de rezas murmurantes contra os demônios que transitavam pelo céu escuro, imensos morcegos de asas côncavas, dentes agudos e focinhos aduncos, ratazanas voadoras no ar denso e pegajoso.Foi o segundo dia da criação.As crianças, fantasmas pequeninos. O velho eterno, de barbas brôn-zeas e calcinadas permanecia fitando a praça meditativamente, re-cordando-se de um tempo florido de sol, de praias e mar, de flores e verde, de céu azul e de nuvens, de regatas e de pássaros, de animais e de peixes, enquanto o imenso olho vermelho de Deus assistia ao-

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processo do duro renascimento.E foi assim tudo isto!Só depois de milhões de anos brotam as primeiras flores de ferro, ao sabor de uma negra chuva de muriáticos e um batráquio de bronze emergiu das águas plúmbeas do mar do grande apocalipse. Mas eis que 100 mil anos depois o milagre daquele ramo de jasmim, mila-groso, nasceu de um começo de chão semitransmudado. Do alto e da imensa escuridão do céu, timidamente, brilha uma estrela distante, ponto de partida de outra enorme e irremediavelmente aventura ga-láctica.E não havia mais nem crianças nem velhos!Foi do mar, então liquefeito em ardentes águas, que a vida insistente das verdes algas brotou de novo para novo ciclo de renascimentos.E um homem e uma mulher calvos, translúcidos como diamantes, purificados nas dolorosas radiações, recém-formados, começaram tudo outra vez...

Goiânia, 01 de agosto de 1987.

PLANO DE UM BAR

De início, o que é ótimo para nós, poetas e boêmios, não será preciso dinheiro e, em contrapartida, nos dará a chance de beber-mos e conversarmos à vontade, sem obrigação de poupar nada. Basta haver haurido um elemento com prática, honesto, com pouquíssimo dinheiro, disciplinador e com imensa vontade de ficar ricos. Nós poetas temos tudo para dar isto a eles. Sem sabermos, foi num sonho que descobre isto, somos donos de um capital imenso feito de sonhos, mas com o Elemento Disciplinador poderá transformar-se, em pouco tempo, em dinheiro sonante para ele e para nós, embora possamos beber e comer de graça. Vejam, item por item, o plano: 1.º - Em primeiro lugar, é preciso um “ponto” para instalação do bar. Eu tenho este ponto e a porta da residência, não irei reclamar contra sua existência. 2.º - O capital será formado pela pequena parcela do “Elemen-to Disciplinador” e pelo capital nosso, de agora em diante chamados aí “Proprietários do Sonho”.

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Eu te conheço, Goiânia, e te amo. Para falar de ti, Goiânia, seria preciso falar de sonho, um son-ho que nasceu nos descampados dessas campinas, onde, muito anos antes, só se ouvia o canto das seriemas e na solidão da planície nós escutávamos o tinir ferreiro das arapongas. Para falar de Goiânia é preciso ter nascido aqui e sofrido aqui. Neste chão vermelho de onde Eli Brasiliense, filho dileto de Porto Nacional, contou a saga das gentes que aqui sofreram no nascer da cidade e sentiram pela força e do vermelho que nasce de sua poesia e das epopéias que aqui se iniciava. E sou Goiânia, cidade, poesia revo-lucionária de José Godoi, de Gilberto Mendonça Teles, Guilhermina, Siron, Cora Coralina, cidade poesia que flui do ribombar da voz do povo, ó minha cidade vibrátil, jovem cidade-vida que eu aprendi a amar desde a minha infância. Cidade dos amantes e dos amados e principalmente desonhos, pois que o sonho foi a matriz destas ruas, dos flamboyants e desta juventude que amará no outro século. Pois aqui ainda é o sonho. Eu não posso falar de ti sem falar em sonho, em amor. Foste o meu seio materno desde que meu pai te criou até que agora te espraias por estas campinas afora, filha dileta juvenil, vibrátil, amiga, mãe e irmã querida. Foi meu pai que te construiu, Goiânia. E Goiânia, quando eu falo, não é a grande Goiânia de Otoniel da Cunha, feita de pedra e cal, de eterno amante da cidade e meu companheiro de eternidade. Hoje é o sonho.

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Os internos, que enfermeiros, vigilantes e médicos cuidavam sempre de chamar de pacientes, palavra com que os médicos de-nominavam os bobos, brincavam uns com os outros. A maioria era alcoólatras, o restante de oligofrênicos, e al-guns, em minoria, de débeis mentais ou loucos mesmos. Puseram-lhe o epíteto de Carvalho. O Miro, pinguço antigo, deu-lhe logo a patente de sargento. Era um enfermeiro corpulento, braços rijos, olhar duro e extremamente cruel já de extremo a extre-mo. Machuca a olhos vistos, tinha gestos maternais se lhe agradasse uma interna que colocava logo como companheira de cama na ala feminina. Com os pacientes do sexo masculino não tinha complacên-cia. Não perdoava a menor falta. Era o sargento Carvalho. Para todos os efeitos, comandava a Ala 2 como um general. Claro que, entre o contingente de homens, havia os puxa-sacos: que por sua vez tinha o seu comandante, o An-frísio. Era ele que repassava os trabalhos que o Carvalho lhe dava encargos como: levar água e bandejão de comida para o pavilhão dos desenganados, dar-lhes banho, serviços de limpeza de uma das privadas etc. Era a palavra de ordem.

***“Vinde a Goiânia em outubro, pois Goiânia é flor – cidade.”

Por aqui um dia andaram bandeirantes despertando a terra indevas-sada, nos ínvios caminhões nunca dantes transpostos.

Vinde em outubro, que é quando os flamboyants esperdiçam cores nas ruas, nas praças e nas arcadas dos edifícios que se prolon-gam pelo céu afora.

Vinde em outubro ver estas avenidas fervilhantes, este povo inquieto e laborioso, este céu-anil, sempre anil, e o sol mais bri-lhante e tardes fosforescentes que são como poemas se derramando nos poentes em fogo.

E lá longe, no planalto que se alonga até onde a vista não alcança, as planuras sem fim com suas riquezas incomensuráveis, a terra mais pródiga e bendita que Deus colocou neste Brasil tão amado e tão grande.

Venha conhecer a morada do futuro, onde a posteridade tem um encontro urgente com as gerações que virão. Foi aqui que tam-bém nos assentamos com o nosso grande querer e nosso grande amor.

Neste rincão de tantas riquezas e prosperidade, onde, se tra-balharmos, a abastança nos chega pelas mãos de Deus, aqui estamos, como sempre estivemos, ajudando este Estado a crescer, fabricando o alimento nosso de cada dia, parcela imprescindível no processo de industrialização...

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Escureceu há pouco na rua 9. O mendigo cochila sob a mar-quise. Beirais escorrem. Fica olhando as gotas riscarem o círculo amarelo do clarão das lâmpadas. A sombra do grande fícus na esqui-na parece fosforescente, luzindo, enquanto uma rajada de vento frio enregela as folhas. A casa é a mesma, quadrada, o grande alpendre, muro gradeado de ferro, a entrada ao lado.

A janela parece um olho. O automóvel dobra à direita pela rua 5, pneus chiando no chão molhado.

Fica ali de pé, olhando, vulto encurvado, olhos abertos.Houve um dia assim, começo de noite assim, há muito tempo,

escurecer gotejante e frio, as mesmas lâmpadas, o mesmo descorado muro, o pé de fícus fosforescente, vulto de fantasma postado na es-quina e a mesma casa, a janela feito olho amarelo de luz espiando seu medo e seu temor.

O céu leitoso prenuncia chuva demorada e fina.O riso de Lou, cascata de cristais se espatifando, a dentadura

muito branca, sinos bimbalhando.Houve um dia assim, um começo de noite assim, há muito

tempo. Tempo de Lou. O rosto moreno. Os cabelos escuros. A boca larga e sensual. Os dedos de Lou agarrando-o, mãos contra mãos, hálito calmo, muito juntos, dedos contra dedos, em silêncio, olhos dentro dos olhos, e aquela ternura, anjos entrelaçados, minutos es-correndo, balbucios e sussurros.

***Quando nasceu, a mãe pôs-lhe o nome de Odete. Ficou com o

apelido de Dezinha. Ela nem se recorda mais. Há uns tons cinzentos esvoaçando no cérebro. Estranhos ruídos que cuida ser uma inter-minável dor de cabeça que ela em vão tenta curar com chás e mez-inhas. A vida dura teve inúmeros caminhos e três maridos. Todos ficaram ao longo do tempo e da pobreza, visto que seu viver foi sem-pre (quantos anos não sabe) uma corrida doida atrás apenas de uma coisa, comida. Nos intermináveis anos aprendeu a respeitar o solo. O chão é Deus. Dá o de comer e depois nos come sem dó.

Hoje é D. Dezinha. Nas rugas da cara o próprio tempo apagou a idade. A roupa de algodão é limpa de uma brancura azulada de anil que ela mesma planta no fundo do grande quintal.

O chão é bruto, dá a vida e mata, morte do eito, cabo de gua-tambu, enxada duas caras, coivara, cascavel terra vermelha ou uma jararaca de terra roxa, massapé.

O chão é uma cascavel e D. Dezinha sabe disso. Três maridos e filhos sem conta que o chão levou.

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Artigos

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Meu pobre Jânio.Vem, leitor,Toma a minha mão e caminha comigo nos carreiros miseráveis

deste meu Brasil desesperado. Segue comigo que irei mostrar aos teus olhos o que o David Nasser ainda não mostrou: uma legião de larápios invadiu a nossa terra.

Segue comigo, leitor. Começaremos do Nordeste onde o sol impiedoso, inclemente, estorrica o solo. As plantas, os rios e os ho-mens. Vem, enquanto somente este ar de ameaça invade o ar e um povo em expectativa espera o milagre que há de vir inapelavelmente, sangue e suor, lágrima e esperança, redimindo os pecados do mun-do.

Começaremos do Nordeste. Pelo Nordeste onde existe o De-partamento Nacional de Obras Contra as Secas e onde o nosso “ami-go” Kennedy vai despejar, agora, não água, mas os infames dólares da “Aliança para o Progresso”, pelo Nordeste onde nossos irmãos morrem de fome, história que o David Nasser não contou (nem lhe interessa contar. O Brasil é um mar de rosas para a família de Cha-teubriand, inclusive para os filhos bastardos, como o David).

Ah! Meu pobre Jânio, quanto trabalho ainda irás ter! No Nordeste é a indústria da seca. É a fome. A miséria. Crianças mor-rendo e, sobretudo, o sol que, se traz a vida, também traz a morte. Nordeste dos engenhos e dos meus irmãos nordestinos. Mas anda comigo, leitor. Ali nas beiras das praias de Iracema, onde sopram os ventos nas frondes das carnaúbas, ali um povo sucumbe. Ali, Julião fala para o povo e dali Jânio começará a incrível peregrinação... Não fixarei detalhes. Na Galiléia, sertão de Pernambuco, existe uma Liga Camponesa e o Manezinho da Galiléia. Lá, eles sabem manejar um fuzil e todos os tipos de metralhadoras, basta dizer que já ganharam a terra de onde extraem o pão de cada dia.

Waldomiro Santos.

Goiânia, Cinco de Março, segunda-feira, 26 de março de 1962.

DE COMO O FALECIDO OTONIEL DA CUNHA, DEPOIS DE IR À CONVENÇÃO DA UDN, ENTREGOU-ME O MANUSCRITO.

CAPITULO I

De súbito, à minha frente, na sombra do flamboyant, o luar adensou-se em névoa branca e foi, a pouco e pouco, formando con-tornos de uma figura alvacenta, adquirindo formas nítidas até que se desenhou, ante meus olhos estupefatos, a figura indescritível de Otoniel da Cunha. Vestia uma longa túnica cintilante e conduzia, na mão, um instrumento que identifiquei de imediato: uma lira. A cabeça estava coroada por brilhante auréola.

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Não consegui disfarçar o medo e a surpresa:-Santo Otoniel!-Salve, irmão Waldomiro – exclamou, dirigindo-se a mim, com aquele inconfundível manquejar da perna direita. Que profundas elucubrações assoberbam-lhe o cérebro talentoso nessa noite de luar alvinitente, tão propícia aos poemas, serestas e libações? – disse a aparição num gesto de beatitude que eliminou o meu desejo de dar a volta por outro lugar afora. Reuni a coragem disponível, quando o Otoniel, de corpo presente, ajeitando a túnica alva como uma nuvem, sentou-se ao meu lado, dizendo:- Quem diria que, cinco anos após o meu desastroso vôo, eu aqui voltaria, a estas mesmas plagas. Lá do meu reduto celeste tenho acompanhado, diariamente, pela Rádio Brasil Central, os aconte-cimentos por aqui, mas, anteontem, não resisti ao desejo de rever os velhos amigos e assistir à sessão de encerramento da Convenção da UDN, afirmou com um sorriso gélido. O termo sessão é impróprio – ajuntou. Não foi bem sessão de encerramento, eu classificaria aq-uilo de round de encerramento. Que comédia, irmão Waldomiro, que comédia! Era noite. E noite de luar. As fontes luminosas da Praça Cívica estavam mudas de cores, mas, em compensação, a água dos peque-nos lagos regurgitava de cintilações sob o luar azul, enquanto o bus-to de Pedro Ludovico olhava com o duro olhar de bronze, o relógio da Praça soando 11 badaladas. Num desvão qualquer do Palácio das Esmeraldas, o velho Marechal ressonava, sonhando com Ipanema, praia de Copacabana, Leblon, Posto 6 e o Coronel Epitácio, vestido de fauno, jogando pe-teca com uma maestria singular. Meu fúnebre bate-papo com o falecido Otoniel foi longo, mas não entrarei em detalhes. Ao despedir-se, entregou-me um manu-scrito de letras fosforescentes, recomendando que o publicasse no CINCO DE MARÇO. Depois de enviar lembranças para o Geraldo Vale, dizendo que o esperava brevemente, indicou o manuscrito já nas minhas mãos:- Não traz nada de novo. É a edição atualizada do “AS CINZAS FRIAS DE UM CHARUTO HAVANA”, aquele livrinho que publiquei em 59. Modifiquei quase que somente os nomes dos personagens. Ajeitou a túnica e partiu como um raio, no rumo da Via Lác-tea, ou mais precisamente em direção da 5ª estrela da Constelação da Ursa Maior.

CAPITULO II

Era noite. Necessariamente tinha que ser noite, pois a sombra acum-pliciadora da noite é o reduto amável dos que traem. No regaço das trevas é que os ingratos espreitam e procuram esconder as próprias consciências. Na sombra da noite eles também conspiram. Foi numa

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noite assim que Judas, numa viela erma de Jerusalém, parou para contar os 30 dinheiros. Também foi numa noite assim que o discí-pulo traidor, nos subúrbios da cidade santa, sentiu o aguilhão da consciência, quando, urrando como uma fera, procurou a Oliveira. Dois homens conversam alhures em Goiânia. Um usa óculos e bigodes, o outro fuma um cigarro nervosamente. Conspiram.- Bem, Gerson, diz o de bigodes, a primeira etapa está vencida: esta-mos integrados no governo e você, atualmente, é a menina dos olhos do Marechal de Brasília. E agora? O outro sorri.- No momento é fazer funcionar a segunda etapa. Iremos trabalhar com os peões, os cavalos e os bispos. O Fleury, no encerramento da Convenção, ajudou bastante. Também aquele menino, o Bosco, ofereceu uma ajuda apreciável. Basta, agora, jogar alguns gravetos na fogueira e o filho do Jalles será um ex-candidato. O Zé Fleury já ouviu o zumbido da mosca azul. Bastarão algumas semanas, um ligeiro empurrãozinho, e o Otávio Siqueira irá para o beleléu. Abre os dentes num sorriso sádico.- Mas e o Marechal de Ipanema?- perguntou o Benedito Vaz – O homem é uma rocha. É mais duro do que o dedo do Zé Martins!!!- O Marechal, na última hora, fica mesmo é com a revolução. Você não leu a Nota Oficial da Secretaria de Interior e Justiça? E o outro, medroso:- Mas e o velho Pedro? O cacique somente ameaçou reagir...- Ameaçou?! – interrompe o do cigarro. Chamou-me de subserviente e você diz que ele só ameaçou? Segundo você, então, quando ele re-agir mesmo, eu irei direto para o olho da rua a toque de caixa!... Olhe aqui, velhinho, o segredo é ficar no PSD. Nada de dissidência. Viu o que aconteceu com o Galeno, com o Juca? O negócio é fazer como o Feliciano e ir trançando os pauzinhos, mas no PSD...- Não quis ofendê-lo, Gerson... Mas o diabo é que com a baderna que houve na Convenção da UDN, qualquer um que o velho Pedro indicar vai eleito... Até o Benedito Boa Sorte. Com uma agilidade mental admirável, Gerson, após breve momento de reflexão, explica:- Mas tem uma coisa, Benedito.- ?!- A lei das incompatibilidades. Eu estou por dentro do assunto, meu chapa. Com ela nosso joguinho de xadrez renderá. Nós vamos comer a rainha do glorioso PSD. Com a Lei, Benedito, nem o D. Antônio Ribeiro, se ingressar no PSD, poderá ser candidato.

CAPITULO III

Ser careca é um problema. O suor na calva faz cócega. Se faz calor, esquenta, queima. Se faz frio, é horrível, a calva gela e é um suplício. Estamos quase em junho, mês do frio. Mês do inferno para os

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carecas. Passa a mão alisando o alto da cabeça, com deleite:- Como fica sensível a pele... – pensa. Acaricia o crânio liso, vagarosamente, e vai pensando en-simesmado:- Antes havia uma penugenzinha. Agora está caindo tudo. Dentro em breve não haverá nem mais um fio. Se pudesse usar uma peruca... Dizem que há perucas incrivelmente perfeitas...Abandona a ideia, consolando-se – num suspiro – ao lembrar-se de Yull Brynner. A campanhia do telefone soa estridente, na sala silenciosa:- Alô! Sim, é ele. Retira os óculos escuros. Os olhos estão vermelhos e cansados.- Ora, Elieser, estou a par de tudo. Nossa tática tem que ser a do silêncio. Usaremos a estratégia da ação oculta por enquanto. Não é à toa que aprendi o Machiavel de cor e salteado. Em Machiavel ganho até do Ary e do Camargo.- Mas, Senador, está na hora de entrar em ação! A Convenção vem por aí. Já estou até rascunhando um manifesto sob o título “AOS MEUS AMIGOS E AO POVO GOIANO”...- Mas o que é isto, Elieser! – retruca, interrompendo. Este título foi usado daquela vez pelo Juca! Dá azar!- Mas Senador...- Que Senador, que nada! O que você tem a fazer é o seguinte: use sua amizade aí com o Jaime Câmara e continue a fortalecer o boato de que eu vou apoiar o Gerson ou vice–versa. Mas coloca o Benedito de fora, ele também dá azar... Não se esqueça de colocar o coquezinho característico de Machiavel, entendido?- Mas, Senador, e depois?- Depois deixe o resto comigo, o meu golpe vai deixar... o golpe que o Zé Fleury deu no Emival. Vai vir cacos de Gerson por todos...- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! – ri o Elieser, puxando o saco. Esta é boa, Mestre, esta é boa!- E outra coisa – diz o Feliciano – reúne o Chico Garcia, o Newton Lobo, o Aroisio Neves e a meninada de Jataí e mande soltar boatos na rua. Minha vitória na Convenção é caso liquidado. E desta vez não vai ser mandato tampão, não! - Mas mestre, insiste o Elieser, pessimista, o senhor deve pensar na Lei das Incompatibilidades. Essa turma do SNI é fogo, está em todas. Tem aquele casozinho do pichamento do padre em Uberlân-dia... tem também o problema do Tarzam de Castro que aquela vez depôs o Zé Martins da presidência da UGES com sua ajuda.... E olhe que o Zé Martins está dando cartas agora... É considerado o dedo duro de maior prestigio de Goiás.- Ora, Elieser, deixa de ser pé frio! O caso do padre já foi desmen-tido pelo Lisboa Machado... Ora, ora, se explorarem este assunto vai ser até bom. Dará cor esquerdista à minha campanha. Poderei capi-talizar o votinho de algum subversivo desavisado. Por falar nisto, prepara, para depois de amanhã, um discurso de 3 laudas contra a

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invasão da Amazônia pelos americanos e um outro de 5 laudas elogi-ando a ação do D. Fernando em Goiás, para eu fazer lá no Senado. E agora, se me dá licença, é tarde e eu estou morto de sono...Coloca o fone no gancho com um suspiro. Vai pensando, enquanto se dirige para o quarto:- Quase junho, mês desgraçado de frio! Que suplício! Já começou a esfriar o tempo – diz alto, suspirando de novo enquanto alisa a careca arrepiada. Depois será agosto, mês de calor de fritar ovos no asfalto. Ajeita-se resmungado sob as cobertas:- Acabo comprando uma peruca... Mas o que irão dizer os meus eleitores? Afinal de contas uma careca bem feita como a minha é até propaganda política – pensa em tom de consolo...

CAPITULO IV

Neste exato instante outro careca pensa na vida. Não é pro-priamente um careca político. Aliás, está exatamente amaldiçoando todos os políticos do mundo e seus respectivos partidos. Chama–se Jamil Antônio e é o Diretor da Agência de Notícias do CERNE.- Otávio Lage de Siqueira! Três dias de Convenção, quatro toneladas de discursos, uma baderna, 120 pescoções e outro tanto de pala-vrões e amabilidades para, no fim de tudo, virem-me com o Otávio Lages de Siqueira! Que saudades de Anápolis – diz, parodiando o deputado Carrapixo. Fazer propaganda para convencer o Coronel Danilo a votar no Érides Guimarães é mais fácil do que explicar ao povo quem é mesmo o Sr. Otávio Lage Siqueira, o ilustre desconhecido, recém-escolhido e suspeitamente bem-amado candidato da UDN. Se pelo menos fosse o Emival... Mais míope do que um cego, retira os óculos para pensar mel-hor...- Nem uma dúzia de CERNES, nem 300 Rádios Brasil Central ir-radiando, de cinco em cinco minutos, a biografia do homem. Eu mesmo só ouvi falar no seu Otávio anteontem! Essa não! E ainda por cima esse nome! Não cai no gosto do povo nem com reza brava! Essa turma da UDN me arranja cada uma! De repente surgiu a ideia brilhante, ofuscante, coruscante, lu-minosa como um sol a olho nu:- Raios me partam se não der certo! Tem que dar certo! É a única solução e vai ser o fino! Amanhã mesmo telefono para o Costinha e vou contratar o técnico de propaganda da Coca-Cola para a cam-panha da UDN e dou minha alma ao diabo se não der certo! Seu Otávio poderá não ser eleito, mas vai ficar mais conhecido do que a Crusch e a Coca-Cola que é americana, fica tudo em casa mesmo... E aqui termina a primeira parte do manuscrito do falecido Otoniel. Os outros são dedicados ao Emival, Nasser, Juca, Ribas e

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Hélio com o General da SMVOP.

Goiânia, Cinco de Março, segunda-feira, 31 de maio de 1965.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES DO PMDBPOVO GOIANO

Há vinte anos o povo brasileiro foi despojado do seu direito de eleger o Presidente da República. Agora, em plena luta pela re-democratização do país, as forças mais reacionárias e corruptas de nossa terra tentam novamente impor um “Presidente” que lhes per-mita continuar seus negócios escusos que os enriquecem a cada dia, enquanto o trabalhador se empobrece cada vez mais. Mas o povo brasileiro não tolera mais isto. É necessário que nos organizemos e manifestemos a nossa inabalável decisão de eleger o nosso Presidente pelo voto direto. Estamos enviando ao Gal. Figueiredo aerograma que custa apenas Cr$ 38,00, com os seguintes dizeres: “Quero eleger meu Pres-idente já e agora”. Remeta o seu aerograma ao Gal. João Figueiredo, Palácio do Planalto – Brasília – DF – CEP: 70.150. Participe efetivamente nesta campanha.TRABALHADOR, venha filiar-se ao PMDB e ao seu Movimento dos Trabalhadores.Procure informações em nossa sede e também no gabinete do Depu-tado Línio de Paiva, na Assembléia Legislativa.

***À ATENÇÃO DO PREFEITO: A DURA VIDA DOS BANCÁRIOS

Está voltando à tona o problema do funcionamento dos ban-cos, para atendimento ao público, durante o período vespertino, e agora fala-se, pelos jornais, até noturno. Esse assunto foi ampla-mente badalado quando o horário de expediente externo era fixado para o período das 12 às 17 horas. Como a lei municipal não era absolutamente respeitada, o Prefeito Manoel dos Reis acabou por editar outra lei, o Decreto n.º 435, de 7.8.72, que veio estabelecer o horário corrido de 9 às 16 horas satisfazendo, assim, segundo S. Exa., o interesse público.

Posteriormente, o Sindicato dos Bancários procedeu a uma pesquisa entre os seus associados desta Capital e constatou que a maioria dos bancários optou pela volta do horário antigo, con-tundo, percebeu-se, claramente, mediante as justificativas apresen-tadas, que a grande maioria optante pelo horário anterior assim manifestava tendo em vista que o horário atual não vinha permitin-

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do condições de frequência às aulas. Isso levou à fácil conclusão de que as promessas feitas pelos representantes dos Bancos, em sua grande maioria, no sentido de que seria admitido número de fun-cionários suficiente ao funcionamento do expediente integral, não foram cumpridas. Houve casos de agências bancárias que até di-minuiram o seu quadro funcional. Com isso, o pessoal que trabalha de manhã é o mesmo que atende à tarde, salvo pouquíssimas ex-ceções. Em consequência, quem estudava de manhã ou à tarde, não pode mais continuar suas atividades escolares e, com isso, a jorna-da de trabalho do bancário – que é de 6 horas, segundo o disposto no Art. 224 da CLT – vem sendo ignorada por muitos bancos.

1 – Afinal, o que será o melhor?O que o comerciante ou os grandes depositantes querem não

é propriamente o funcionamento do expediente externo durante todo o dia e a noite. O que desejam, pelo menos é o que se tem visto (ilegível na reprografia). E para isto não há necessidade de os Bancos permanecerem abertos dia e noite. Basta uma reivindicação junto aos estabelecimentos no sentido de adotarem o sistema recep-tor automático de depósitos noturnos, em que os clientes recebem sacolas numeradas com um bloco de fichas de depósito e chaves, além da firmatura de um contrato próprio.

O dinheiro é colocado pelo cliente nessas sacolas que, após fechadas à chave, são colocadas no receptor a qualquer hora do dia ou da noite. Através de um método especial, elas caem, com segu-rança, diretamente no interior da Tesouraria ou cofre, hermetica-mente trancado. No dia seguinte o cliente comparece ao Banco, no horário normal de expediente e, ele próprio se preferir, destranca a fechadura da sacola e a Tesouraria, após conferir seu conteúdo, ou depósito, lhe fornece o competente recibo.

Isto já existe em Goiânia em algumas agências de banco.

2 – Será mesmo para logo?Informa o Sindicato dos Bancários que se aguarda, para os

próximos 30 dias, a adoção do sistema de máquinas pagadoras au-tomáticas. Destinam-se ao atendimento de saques a qualquer hora do dia ou da noite, mediante o seguinte sistema: ao inserir o cartão codificado na máquina, reproduzindo o seu número por meio de teclado, liberará o aparelho um envelope contendo determinada quantia fixa. Liberado também o cartão (que retornará ao cliente), far-se-á o débito daquela importância ao cliente. Trata-se de me-canismo importado da Inglaterra e que será adotado por inúmeras agências e empresas de crédito nesta Capital.

Assim, depósitos e saques poderão ser feitos sem descumprir normas do Banco Central, sem inflacionar os custos, e o que é mais importante: sem exaurir os funcionários.

Portanto, para que abrir bancos dia e noite? Achamos que já é chegado o momento de por um ponto final ao assunto e não causar mais problemas à classe bancária, aos bancos e ao próprio Prefeito

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Municipal, que já disciplinou a questão por intermédio de um de-creto específico.

E mais: basta consultar as clínicas especializadas em nervo-sos, os hospitais psiquiátricos, o Adauto Botelho. Uma porcenta-gem enorme de internados é composta de bancários, pois a vida de bancários não é mole, não!

Waldomiro Santos, 21 de julho de 1974.

QUESTÃO ABERTAHERÓI ESQUECIDO

Anésio Rocha Brito, moço pobre, começou sua vida pública como escrivão da Secretaria da Segurança, mas sempre estudando. Conseguiu formar-se em Direito e fez concurso para delegado: pas-sou. Quis ir mais além. Fez concurso para procurador do Estado e passou. Foi quando começaram a surgir as notícias de grilagens e avanço de norte-americanos nas terras do Norte.

Anésio da Rocha Brito era um dos elementos mais jovens da Procuradoria Geral do Estado, e talvez por isso mesmo é que foi designado para deslocar-se até o Norte, para levantar o problema.

Procuradorzinho novato – acreditaram – que não iria resolver nada.

E Anésio foi. Foi e resolveu. Descobriu verdadeiras mons-truosidades que estavam ocorrendo com nossas terras. Extrema-mente cônscio de seus deveres, não perdoou ninguém. Tão minu-cioso foi o seu relatório, que o documento acabou indo dormir numa das gavetas da Procuradoria. Mas Anésio guardou uma cópia consigo e foi com essa cópia que ele me procurou um dia em minha residên-cia, indignado, pedindo pelo amor de Deus que a publicasse, pois um documento daqueles, contendo denúncias de ocorrências tão escabrosas e impunes, não poderia ficar engavetado. Obrigou-me a ouvir o relatório inteiro. Goiás estava sendo esbulhado no varejo e no atacado, nas mãos de maus brasileiros e péssimos estrangeiros.

Fiquei com a cópia do relatório e, depois de consultar o Dire-tor do jornal, Batista Custódio, ficou decidido que, mesmo ante a gravidade das denúncias e os perigos da matéria, ela seria publicada.

A reportagem saiu assinada por mim. Um Deus nos acuda. O relatório de Anésio da Rocha Brito foi desengavetado aqui em Goiás. Quase todo o Norte do Estado estava sendo grilado. A figura de João Inácio, o rei do grilo, passou a ocupar as colunas dos jornais dos grandes centros. Os gringos já haviam se apropriado de terras em tal quantidade, que daria para cercar a Amazônia com um anel de propriedades norte-americanas.

Stanley Amos Sellig e Henry Fuller, os dois pontas-de-lança da penetração estrangeira, se tornaram personagens de proa nos jornais. O município de Ponte Alta, por exemplo, estava com suas

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terras integralmente em mãos de americanos.A esse tempo, a Comissão Especial de Terras, do Ministério

da Justiça, começou a agir duramente. Stanley Amos Sellig fugiu para os Estados Unidos. João Inácio foi preso, Henry Fuller também, para depois ser solto quase que graciosamente e fugir do Brasil, inclusive sem pas-saporte, por vias duvidosas que muitos conhecem.

A luta continuou até que um providencial decreto do Presiden-te Costa e Silva regulamentou a aquisição de terras por estrangeiros.

A partir da publicação do relatório, Anésio não teve mais am-biente em Goiás. Fez concurso para magistratura, passou, foi ser Juiz em Vianópolis e, pouco depois, ganhou como prêmio a perseguição de um deputado da ARENA. Acabou indo parar em Dianópolis, aliás com grande risco de vida, em virtude da proximidade dos lugares violentos onde ele derrubara figurões, desmanchara negociatas e ajudara a devolver uma parte do Brasil aos brasileiros.

Só agora registro essas passagens antigas, os resultados do relatório daquele Procurador por quem ninguém dava nada, mas que era também um maçom de fibra, de honestidade incomensu-rável e um grande coração de patriota.

Faço estas confidências porque, há pouco tempo, li em “O Popular” a notícia de que não sei quantos mil alqueires de terra rea-vidas pela Procuradoria Geral do Estado iam ser repartidas em títu-los definitivos a lavradores do Norte de Goiás.

O nome de um figurão, hoje na berlinda dos acontecimentos, aparecia com destaque na matéria. Ninguém se lembrou de Anésio, que morreu precocemente de um derrame cerebral há alguns meses, meu irmão Anésio que tanto lutou, quando em vida, para que as ter-ras dos goianos ficassem em poder dos goianos.

Waldomiro Santos, 28 de fevereiro de 1974.

MAIS PREFEITOS PARA DEGOLAR? Quase 20 prefeitos da região norte do Estado estão em pâni-co. É que, entre eles, depois das ocorrências de Porto Nacional e Araguaína, a notícia é de que vai haver uma degola geral. Causas: manipulação incorreta de dinheiros públicos e procedimentos pes-soais incompatíveis com os cargos que ocupam. A última parte des-sas causas refere-se a que está havendo muito consumo de cerveja, farras um tanto exageradas, mulheres, gastos avultados de gasolina e viagens para assuntos menos ortodoxos que os administrativos. O certo é que durante o “I Seminário Regional de Prefeitos do Extremo Norte”, realizado recentemente, depois de muitos re-gabofes, jantares e almoços de confraternização, os prefeitos pre-sentes ,submeteram o Governador Leonino, no derradeiro dia do conclave, quando ele estava ali presente, a verdadeira maratona de

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consultas sobre o assunto. Afirma-se que Leonino foi obrigado a diplomar mais que Kissinger, para esclarecer as perguntas dos nu-merosos alcaides ansiosos e aflitos. E perigo à vista: muitos Vice-Prefeitos e Presidentes de Câma-ra já estão de olhos compridos na degola, e os Juízes e Promotores, bastante apreensivos com os respectivos abacaxis que terão de des-cascar, caso a propagada degola se concretize.

***ASSUNTOS DO PADRE LUIZ DA DIFUSORA

Sou espírita, mas não perco por nada o programa do Padre Luiz na Rádio Difusora. Palestra do Padre Luiz é igual conversa de meu pai, quando me chama num particular para dar conselhos e quase sempre me arranca de cada esparrela que vou te contar. Domingo atrasado o Telmo Faria me disse que ia telefonar (e parece que telefonou mesmo) para a Rádio Difusora, ou melhor, para o Padre Luiz, a fim de lhe pedir que quando começasse um assunto o terminasse. Não ficasse divagando. Acha o Telmo que o Padre Luiz começa sua palestra quase sempre falando em vida conjugal e ter-mina discorrendo sobre crise no Atlético ou preço de carne... Estava indignado. De certo queria que o bom Padre Luiz se transformasse naquele professorzinho pernóstico que eu tenho na Faculdade de Direito (por sinal Católica), que não despreza as anágo-ras, as enálages, as paranomásias e as simplesces. Esse professor, Padre Luiz, vou te contar, é a única pessoa que já conheci na vida que usa “entretanto” em conversação. O Telmo não compreende que o Padre Luiz fala com o cora-ção... E o diabo (perdão!) é que o Telmo Faria talvez seja o ouvinte mais assíduo dos programas do Padre Luiz, entre todos os mora-dores do perímetro urbano de Goiânia.

***Nossos Problemas“Que a salvação do povo seja a lei suprema”

POLÍTICA ECONÔMICA

No decorrer do mês do julho realizou-se, em São Paulo, o VIII Congresso Nacional dos Círculos Operários. À ocasião, foi aprovado um programa reivindicatório, que oferece uma visão serena da situa-ção nacional que nos angustia neste fim de ano de nuvens escuras

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toldando o horizonte da Pátria.Para conhecimento dos nossos leitores, vale transcrever, na

íntegra, as resoluções ali aprovadas para a correção da inflação e do alto custo de vida:

POLITICA ECONÔMICA

“INFLAÇÃO: 1) – Aumento da produção; 2) – Parcimônia nos gastos dos dinheiros públicos; 3) – Gastos governamentais sejam emprega-dos, não em despesas suntuárias e imobiliárias, mas em bens de produção de caráter pioneiro e em vias de transportes; 4) – Contrato coletivo de trabalho, salário móvel e profissional; 5) – Cooperativis-mo;6) – Reforma Tributária e Reforma Agrária; 7 – Preços mínimos para o pequeno produtor, com instalação de armazéns e silos.”.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

1) – Reforma administrativa, para planejamento e ação, isenta de emperramentos burocráticos; 2) – Impostos diretos; 3) – Reforma bancária por meio de um Banco Central emissor e regulador de crédito; 4) – Reforma Cambial; 6) – Regulamentação da remessa de lucros para o estrangeiro e guardiã aos capitais estrangeiros de qualquer origem, desde que produtivos; 7) – Disciplinação e conten-ção dos lucros extraordinários; 8) – Legislação antitruste.

A PROPRIEDADE DA TERRA NO MUNDO RURAL

1) – Tributação pesada e progressiva sobre o latifúndio, obrigando os proprietários a cultivar as terras ou transferi-las a quem seja capaz de cultivá-las; 2) – Desapropriação, mediante indenização, das ter-ras cujos proprietários teimam em conservar improdutivas a fim de serem vendidas, sob financiamento, aos lavradores em condições de aproveitá-las; 3) - Distribuição, mediante venda a longo prazo, das terras devolutas, depois de divididas em pequenas propriedades; 4) – Favorecer e proteger com isenção de impostos, financiamentos a longo prazo e créditos fáceis, o patrimônio familiar; 5) – Empenhar-se na difusão de cooperativas bem aparelhadas no meio rural, a fim de que os lavradores sintam os benefícios da união de todos, na superação de problemas comuns e possam vender os seus produtos a preços razoáveis, sem a intromissão de intermediários e atraves-sadores que os exploram.

ÍNTEGRA DA LEI QUE INSTITUIU O 13.º SALÁRIO

“Art. 1.º - No mês de dezembro de cada ano, a todos os empregados será paga uma gratificação salarial, pelo empregador, independente-mente da remuneração a que fizer jus.§ 1.º - A gratificação corresponderá a um doze avos (1/12) da remu-

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neração devida em dezembro, por mês de salário.§ 2.º - A fração igual ou superior a 15 dias de trabalho será havida como integral, para efeito do parágrafo anterior.Art. 2.º - As faltas legais e justificadas ao serviço não serão deduzidas para os fins previstos nos parágrafos 1.º e 2.º do Art. 1.º desta Lei.Art. 3.º - Ocorrendo rescisão de contrato de trabalho, o empregado receberá gratificações devidas nos termos dos parágrafos 1.º e 2.º, do Art. 1.º desta lei, calculada sobre a remuneração do mês da res-cisão.Art. 4.º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revoga-das as disposições em contrário.”.

Waldomiro Santos.

OS OVNIS RONDANDO A TERRA

O caminho dos discos voadores corta em linha reta todo o Estado de Goiás, e os cientistas já aceitaram a ideia de uma base de desconhecidos seres supostamente extraterrestres orbitando o pla-neta.

WALDOMIRO SANTOSDa Editoria Especial

Tentar apresentar um retrato de corpo inteiro dos discos voa-dores é, certamente, rematada tolice – posto que eles foram, com justeza, denominados “O Enigma do Século”. São tantos os aspectos envolvidos que muito dificilmente alguém, sozinho, teria condições de realizar um trabalho tão abrangente que pudesse trazer luz sobre os tópicos da problemática.

As perguntas básicas, no entanto, não são muito numerosas a) – Quem são eles? b) – O que são aquelas estranhas e fantásticas naves? c) – De onde vêm? d) Por que estão aqui? e) – Qual sua real constituição física?

Muitos místicos ou cientificistas estão tentando responder a alguns quesitos. Por nossa parte, vamos apresentar um esboço de ideia tendente a estabelecer padrões de comportamento para a veri-ficação sobre a procedência dos OVNIS, “discos voadores”.

Um jornalista aficionado do assunto, Adilson Machado, for-mulou instigante hipótese a respeito: as naves viriam de uma estação permanente em órbita da Terra, a cerca de 600 quilômetros de al-tura. O trabalho de Adilson conquistou o 2º lugar no III Encontro Na-cional de Teses Ufológicas, e esta reportagem é calcada em formula-ções e hipóteses (muito comprováveis) suas. A atenção dos ufólogos foi despertada pelo trabalho The Old Straight, de Alfred Watkins, J. Foster e Maltwood – todos os membros do Straight Track Club, uma entidade inglesa de buscadores que procurava correlações en-

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tre os alinhamentos das localidades de Stonehenge e Avebury e an-tigas sobre os denominados “caminhos retos”, que teriam cortado a Grã-Bretanha desde tempos pré-históricos. John Michell se valeu daqueles estudos para elaborar o seu livro "Em Busca da Atlântida".

Ambos os trabalhos aguçaram a curiosidade do pesquisador francês A IME Michel, que os correlacionou com pontos de aterra-gem ou frequentes avistamentos de discos voadores em solo gaulês. Surgiu disso a sua mundialmente conhecida e aceita teoria das or-totenias (linhas preferenciais de trânsitos de OVNIS sobre a Terra) – pedra angular das modernas pesquisas ufológicas, denominadas de “corredores Bavic”.

Ambos os trabalhos também aguçaram a curiosidade do pes-quisador francês, Jacques Vallée, matemático, astrônomo, astro-físico, PhD em computação científica pela Northwestern University (USA), consultor da NASA para o projeto de elaboração dos mapas de Marte, que se serviu dessas pesquisas e, estendendo a linha tron-co do corredor Bavic para cima e para baixo, traçou um círculo ao redor do mundo: o Bavic mundial, ao longo do qual se desenrolaria afinal, qual seria a relação de “caminhos” ufológicos com o sistema de propulsão dos OVNIS, ou qual a relação causal desses acidentes com a ortotenia?

***OS SEGREDOS DO CAMINHO DO DRAGÃO

Desde o final da década de 50 que a contatada Alex Madru-ga vinha dizendo a quem quisesse ouvir que os discos voadores se movem sobre “campos magnéticos”. Seria então o corredor Bavic o traçado de tais campos? Não. O perfil geomagnético não indica uma tal direção nordeste sudoeste para o campo terrestre. Seria então uma das famosas “anomalias geomagnéticas”, das quais se conhece cerca de 5?

Quando foi analisada a questão do “Velho caminho reto”, “es-tendeu-se comparação até a China e verificou-se que por lá também se poderia encontrar referências a um tal Lung Mei (Caminho do Dragão), que tanto trabalho deu aos engenheiros ingleses encarrega-dos de construir a estrada de ferro Pequim-Ulan Bator. Verificando o traçado da ferrovia, as autoridades chinesas recusaram-se a au-torizar o seu prosseguimento, porque ela corria sobre o caminho do dragão”, e isso era proibido. Apesar dos esforços e arrazoados dos técnicos, tudo foi em vão: não podiam passar por ali.

Mas parte do trabalho já estava concluída – desde a capital até às proximidades de Changkiakow, na fronteira com a Mongólia Inte-rior. Não houve mais jeito: tiveram que mudar o traçado da ferrovia e descer no rumo sudoeste, acompanhando a fronteira até Tantung e dali retomar o caminho para o norte, rumo a Pankang, e seguir o

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antigo traçado – ainda sobre o “Caminho do Dragão”, mas agora já sobre o território da Mongólia Interior, cruzado o deserto de Gobi até a capital da Mongólia Exterior.

Seguindo no mapa o Bavic mundial de Vallée, verifica-se que a linha passa exatamente ali. O corredor é uma linha inclinada em relação ao eixo polar, muito mais aproximada com a perpendicu-lar da eclíptica. Seus pontos extremos São Perm e Nizhni Tagil, na Sibéria (58.º de latitude norte), e as cabeceiras do Dorsal Pacífico (58º de latitude sul). Para a direita o Chile e, para a esquerda, Nova Zelândia, no hemisfério sul.

Procurou-se, ao longo dessa linha, durante anos, uma relação de causa e efeito, sem nada encontrar de especial: nem falhas ge-ológicas, nem segmentos de cadeias de montanhas, regime de ventos ou correntes marítimas nem sequer rotas migratórias de aves, cobe-rtura vegetal ou jazidas minerais de qualquer espécie. Simplesmente nada!

***UMA RESPOSTA ESTÁ NO CÉU

As coisas estavam nesse pé quando uma comunicação do pes-quisador Realino Elias Ferreira, de Penápolis (SP), agrimensor acos-tumado a lidar com mapas e com a topografia in loco, elaborou um mapa de Goiás, assinalando o traçado do “Caminho do Dragão", pen-etrando por Fortaleza (CE), e saindo por Ponta–Porã (vide mapa).

Realino apontava o fato de Goiás constituir-se num verdadeiro divisor de águas no coração do Brasil. Mas isso não é verdade para as demais regiões do globo. E voltou-se à estaca zero. O que haveria de especial no corredor? Bem, se não está aqui no solo, então por que não procurar lá em cima, no céu? Não se discute aqui a questão semântica do nome de Deus – mas, seja em que latitude for, Deus, ou os deuses, sempre são indicados como procedendo lá de cima. Se identificarmos os tripulantes dos discos voadores com os antigos deuses da mitologia (céltica, romana, grega ou ibérica), como que-rem alguns ufólogos, então não temos outro sítio para os localizar. “Não há aqui outra coisa senão a CASA de Deus e a porta do Céu (Gênese, 28-17)”, “Portanto, a Casa de Deus é lá em cima: e Elias subiu ao céu no meio de um remoinho” (Reis IV, 2-11).

Na mitologia nórdica encontramos uma personagem bastante atraente, do ponto de vista ufológico: Odin, o deus supremo dos es-candinavos, habita um palácio resplandecente, Valhala, situado num lugar chamado Asgard. Ora, Asgard é no céu. Outro detalhe muito interessante relacionado com Odin é que ele, perenemente, se faz acompanhar de dois corvos e um lobo. Aos corvos está entregue a missão de sobrevoar a Terra duas vezes por dia, anotando tudo o que veem para comunicar ao deus. O lobo Fenris já foi exaustiva-mente analisado pelo cientista americano Immanuel Velikovsky, no

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seu livro "Mundos em Colisão". O mesmo animal que acompanha Odin está, ao que pensam os ufólogos, incumbido de uma missão muito específica: examinar periodicamente a estrutura do planeta Terra, percorrendo–o incessantemente na expectativa de detectar fal-has geológicas e seus perigos potenciais.

Sempre que a Bíblia e/ou os papiros egípcios se referem a ani-mais executando qualquer trabalho, isso indica que se trata de uma pessoa, cujos atributos são relacionados a peculiaridades específicas daqueles bichos associados, como Anúbis, Cérbero, Hator e tantos outros.

***OS PERIGOS DAS EXPLOSÕES NUCLEARES

Os que estudam os fenômenos ufológicos se preocupam com os perigos representados pelas detonações de artefatos nucleares e os problemas resultantes de tais explosões, que abalam os subs-tratos geológicos provocando desequilíbrios no balanço das placas tectônicas. Isso traz como consequência erupções vulcânicas (ter-restres ou submarinas), tornados, terremotos e outros acidentes me-teorológicos. Citam-se as mais recentes detonações, que estariam provocando o aumento da temperatura em estratos mais próximos da superfície, levando esse calor pelas fendas geológicas até espes-suras tão finas que provocariam o derretimento anormal da calota polar sul. Resultado: maior volume no degelo, mais condensação de vapor de água na atmosfera, maiores índices pluviométricos, maior evaporação.

Tudo isso associado ao moderno e preocupante “efeito estufa” teria ensejado manifestações de cuidados com respeito ao nosso meio ambiente em todo o mundo que, em final de análise, seria também o seu, posto que uma grande parcela dos ufólogos daqui e de fora está convencida de que os discos voadores têm bases subterrâneas em enormes cavernas, capazes de comportar grandes instalações.

***UM ESPAÇO PORTO PRÓXIMO À TERRA

Então vamos procurar a base dos OVNIS lá no céu. Mas onde? De várias informações deduz-se que existem dois tipos de OVNIS: os destinados a longas distâncias, no espaço interestelar, e os próprios para voos atmosféricos. Um não pode navegar nas “águas” dos ou-tros. Então, eles vêm (os segundos) daqui mesmo, da Terra. Mas se são feitos para voos atmosféricos, então não poderiam voar entre os planetas.

Jacques Vallée tem sugerido que os discos voadores podem

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ser construídos na Terra, por uma sociedade secreta que visa domi-nar o mundo “são terrestres”, avisa ele. Não podemos concordar com uma coisa que nos parece absurda, embora reconheça-se em Vallé altíssimos méritos como pesquisador. Na verdade, análise de pedaços de um OVNI recolhidos em Ubatuba revelou a presença de um mineral terrestre (magnésio), embora se dissesse que a pureza de 98% era incompatível com a nossa capacidade metalúrgica. Isso tudo se encaixa com a possibilidade de tais bases subterrâneas. O comandante Auriphebo Berance, no seu trabalho "Os Discos Voa-dores", aborda minuciosamente a questão do objeto classificado como a “Plataforma Orion”. A Ciência também vem se ocupando dessa base ufológica em órbita, embora sob outro enfoque: o Depar-tamento da Defesa dos Estados Unidos divulgou comunicado infor-mando sobre a descoberta de um objeto não identificado orbitando a terra em órbita quase polar. Note-se que o Bavic mundial chega a 58º de latitude – quase polar – portanto, tinha aproximadamente toneladas de peso. Aqui podemos lembrar a “ilha no espaço”, tão ao gosto de escritores de ficção cientifica e de Jonathan Swift no seu livro " Viagens de Gulliver", descreve até o sistema energético da sua ilha. Também confere com Asgard (Valhala), o Olimpo (não o mon-te homônimo da Grécia, mas o ponto de observação total, da raiz grega Olós = todo, inteiro) e com a residência de Deus “E eis que vi um trono que estava colocando céu e sobre o trono estava alguém sentado” (Apocalipse, 4-2). Os cientistas americanos pensaram que tal artefato poderia ser de “origem soviética”, mas a professora e astrônoma Alla Masevich (chefe de 70 estações rastreadoras de sa-télites) replicou que duvidava muito, uma vez que todos os artefatos russos orbitavam a 65º do Equador. “Se se tratasse de uma coisa tão útil como um satélite, eu teria esperado saber algo a seu res-peito, mas essa é a primeira vez que ouço falar nele”, diz Masevich.

Um comunicado do Daily Telegraph, de Londres, a 3 de setembro, informava, ao mesmo tempo, que um misterioso objeto fora fotografado nos céus de Nova Iorque, tinha 3 vezes o tamanho do Echo-I e caminhava em direção oposta à dos satélites terrestres (ia de leste para oeste). Também se disse que o professor e astrôno-mo Clyde (descobridor de Plutão) fora incumbido de pesquisar a presença de satélites estranhos na mesma época. O Pentágono deter-minou a criação do “Projeto Santo”, destinado a lançar equipamen-tos para vigiar, perseguir e identificar qualquer objeto desconhecido locomovendo-se no espaço. E o projeto localizou não um, mas três satélites intrusos. Logo após, a estação rastreadora da Grumman Aircraft Corporation localizou dois enormes objetos seguindo uma rota polar, também com cerca de 15 toneladas cada. O pesquisador Duncan Lunan, citado por Maurice Chatelain, em "Os Mensageiros do Cosmo", acredita na existência de uma civilização extraterrestre estabelecida há muito tempo numa estação permanente em órbita em torno da Terra.

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Chatelain, francês de nascimento e radicado nos Estados Uni-dos, é cientista como Jacques Vallée e esteve a serviço da NASA du-rante quase duas décadas. Na obra citada, à pag. 108, ele diz acredi-tar que os alienígenas vêm “de uma enorme nave espacial instalada numa órbita permanentemente à volta da Terra”, o que faz com que “um certo número de investigadores independentes admita a hipó-tese de os discos voadores serem de origem terrestre, mas com bases subterrâneas ou submarinas”. O período mais fértil em avistamentos na região central do Brasil situa-se ao redor do mês de março, desta-cando-se Goiás e Mato Grosso do Sul, coincidindo, portanto, mais uma vez, com o traçado do corredor Bavic, que, cruzando Goiás, pas-sa sobre a região e penetra no Paraguai. Das pesquisas efetuadas por Chatelain ressalta a confirmação da teoria Michel Vallée. Para aquele, “numerosos pontos de aterragem se encontravam frequentemente ao longo de uma mesma linha reta..., as datas de aterragem desses pon-tos avançam no espaço, segundo círculo no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio”.

Finalmente, os ufólogos sustentam: 1) – Há uma estação per-manente em órbita terrestre, a 600 km de altitude, 2) – Essa estação recebe nomes diversos ao longo do tempo e do espaço, mas conser-vando os mesmos traços indicados; 3) – De lá partem os discos voad-ores, que são construídos na Terra e com materiais terrestres (embo-ra com diferente composição química em sua fórmula); 4) – Os seres desta estação, na opinião emitida por Albert Einstein, seriam gente da Terra, obrigada a emigrar em consequência de um cataclismo (que se identifica com o dilúvio de Noé). Não encontrando, ao retornar, as mesmas condições ambientais, isso obrigou-os a improvisar o seu meio ambiente (no espaço ou subterrâneo); e 5) – Anjos e entidades mitológicas podem ser enquadrados sob o mesmo aspecto, indicando as atividades desses seres voadores, e tão arraigado está no espírito dos povos esse conceito de algo ou alguém vindo de cima, que C.G. Jung colocou-os na categoria de arquétipos. Mas as conclusões não são definitivas, servindo antes como uma espécie de ponta de lança na direção do futuro. Sempre que algum fato novo puder apresentar novos conceitos aos estudos da temática, uma legião de ufólogos, em todo o planeta, está atenta e aberta a novas considerações.

* Jacques Vallée, matemático, astrônomo, astrofísico, PhD em com-putação científica pela Northwestern University, consultor da NASA para o projeto de elaboração dos mapas de Marte, estabeleceu o Cor-redor Bavic mundial: a rota dos “discos voadores”, ao redor do pla-neta.

* O pesquisador Realino Elias Ferreira, agrimensor, acostumado a lidar com mapas in loco, elaborou o mapa de Goiás, assinalando o “Caminho do Dragão” (Corredor Bavic) em solo brasileiro. O Bavic atravessa todo o Brasil, penetrando por Fortaleza e saindo por Ponta-Porã, passando exatamente sobre Brasília.

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* O escritor Jonathan Swift, no seu livro “Viagens de Gulliver”, des-creve até o sistema de propulsão de sua “ilha no céu”. O mesmo escritor - não há explicação até hoje – sem qualquer instrumento astronômico, em 1.700, descreve os dois satélites de Marte, girando em órbitas opostas, o que só séculos depois foi constatado.

* Os ingleses do Straight Track Club apontam os alinhamentos das localidades de Stonehenge e Avebury, e antigas lendas sobre os de-nominados “caminhos retos” que teriam cortado a Grã-Bretanha desde os tempos pré-históricos.

Goiânia, 16 de outubro de 1988.

UMA REVOLUÇÃO ESTÁ VINDO

Cada nação da América Latina tem suas próprias instituições, sua própria história, seus próprios sonhos para o futuro. Níveis de renda, de educação, de composição de populações, níveis de vida e maneiras de viver – tudo isso varia intensamente de uma nação para outra - e dentro dos próprios países. Apesar disso, existem entre elas muitas características comuns. E, acima de tudo, o sentimento de admiração, de respeito que seus povos despertam nos visitan-tes. Nas palavras do economista mexicano Victor Urquidi: “Esses povos sofreram três séculos de domínio colonial, 100 anos de guerra civil, de invasões e de diferentes formas de ensanguentamento orga-nizado, exploração por proprietários nacionais e por investidores internacionais, os efeitos da depressão econômica da década de 30 e, mais recentemente, as guerras frias e quentes das grandes potên-cias – no meio disso tudo uma dose quase intolerável de corrupção e de repressão.”.

Ainda hoje, esses povos se apegam à vida por laços precários; é como se não fossem da terra, mas estivessem apenas sobre ela. A vida é curta e a obra do homem parece não ser permanente. Para al-guns, é como se Pizarro tivesse chegado apenas há poucos instantes. Os governos, algumas vezes, parecem ir e vir ao acaso, e a dinâmica das transformações pode parecer inteiramente arbitrária: um go-verno civil pode prejudicar privilégios do Exército; a Marinha pode entrar em conflito com o Exército ou os dois ramos do Exército, um contra o outro; um presidente eleito pelo povo pode tornar-se louco, ou o Exército poderá remover outro por nepotismo e corrupção.

Rótulos políticos são confusos para os norte-americanos, que vêm de outras raízes e acatam falsos julgamentos. Os próprios latino-americanos ficam atormentados com as redundâncias ou as contradições entre partidos ou facções. Há uma direita do passado, da velha oligarquia estabelecida, e uma direita do presidente, do co-mércio e dos negócios. Há forças populares reacionárias como as do Brasil e há forças populares de progresso democrático; e há forças

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populares comunistas ou socialistas marxistas, como em Cuba, Ni-carágua e Suriname.

As divisões e o antagonismo entre duas forças de direita po-dem ser tão grandes quanto as que existem entre a direita e a es-querda. Há antagonismos semelhantes entre as forças populares. Os antigos ditadores, e os atuais também, obtem votos dos moradores das favelas, por meio de programas demagógicos em seu benefício, embora nenhum seja democrático ou progressista e reprimam os movimentos de esquerda, mesmo levemente socialistas. E muitos agrupamentos políticos, nesta política de muitas facetas, tem como seus próprios aliados militares frequentemente dispostos a procu-rar obter pela força o predomínio que não lhes foi concedido pelos eleitores.

A inflação – o mais cruel dos impostos sobre o trabalho não organizado – é, em alguns países, endêmica, e economias consi-deráveis podem ser quase varridas em um ano. No entanto, mesmo essa incerteza dilacerante não atinge milhões de latino-americanos que vivem completamente afastados da economia monetária. Esta-mos num Estado em que não pode haver empregos estáveis, nem habitação, nem segurança econômica: não pode haver escolas para todas as crianças e, em consequência, não pode haver democracia justa, justiça ou dignidade pessoal, sem reformas revolucionárias verdadeiras nos sistemas econômico, social e político. Os sonhos de liberdade e de justiça, de independência e de democracia receberam uma nova forma e uma nova vida, mas o pauperismo continua. Os povos da América Latina estão decididos a ter essas reformas: os mineiros de carvão em Concepción, as mães nos vilarejos dos Andes, ou os cortadores de cana e “boias-frias” do Brasil, que vêem morrer de fome seus próprios filhos. Os padres que vêem os ensinamentos da Igreja violados pelos senhores da terra: esses e o proletariado é que são os propulsores das reformas na América Latina. As popula-ções não aceitarão essa espécie de vida por mais uma geração. Nós não aceitaríamos; elas não aceitarão. Haverá reformas radicais e, inevitavelmente, mudanças de regimes. É a História andando para a frente. Assim, uma revolução, é certeza, está vindo: uma revolução que poderá ser pacífica, se formos sábios; clemente, se formos cui-dadosos; bem sucedida, se formos felizes.

Mas uma revolução virá, queiramos ou não. Podemos influ-ir no seu caráter, mas não poderemos impedir sua inevitabilidade. É a História. E no seu cerne, na base de todas as esperanças por progresso econômico e por justiça social, estão dois grandes e re-sistentes problemas: a educação e a reforma agrária, dois polos in-dispensáveis para o crescimento econômico. A história anda. Uma revolução, uma autêntica revolução popular, está célere a caminho.

Pode crer, amigo.

Waldomiro Santos.Goiânia, 21 de outubro de 1988.

DIÁRIO DA MANHÃ

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Reportagem Especial Mistérios no Cosmos

EM BUSCA DOS COMPANHEIROS DO ESPAÇO

Embora não confirme a existência de OVNIS, o governo dos Esta-dos Unidos investiu dois milhões de dólares na pesquisa de outras formas inteligentes no cosmos: trata–se do projeto Seti, que vem obtendo boa aceitação.

WALDOMIRO SANTOSDa Editoria Especial

Desde os começos dos tempos, nada foi capaz de atiçar tanto a curiosidade dos homens como os enigmas do espaço sideral e sua relação com esta nossa Terra. Por milhares de anos, o estudo do fir-mamento manteve-se entrelaçado a tradições religiosas. Só a partir do século XVI os aspectos puramente científicos da Astronomia pas-saram a distinguir-se das variadas formas de misticismo.

Com o desenvolvimento dos meios de observação do espa-ço, foram se estabelecendo os conhecimentos básicos a respeito do sistema solar e da galáxia de que faz parte. A era das viagens espaci-ais, enfim, começa a revelar a imensa diversidade do nosso sistema planetário. E dá vida a uma velha pergunta:- Ele é o único? Um quarto de século atrás, quando estudava na Uni-versidade de Harvard, o astrônomo norte–americano Frank Drake mantinha, numa pequena cabana no fundo da casa de seus pais, um radiotelescópio capaz de captar ondas vindas do espaço sideral. O aparelho de metal tinha a forma de um guarda-chuva e era mantido em estado de alerta, sempre apontado para a constelação de Touro. Muitos anos se passaram sem que o aparelho de Drake registrasse nada de especial. O estudante de Astronomia já se estava aborrecen-do com a investigação quando, um dia, surgiu o primeiro alarme.

Rapidamente, Drake sintonizou o rádio e conseguiu captar, através de um canal de baixa frequência, um sinal longo e perfeita-mente audível. Mais do que isso: era um sinal inteligente. Um sinal inteligente, segundo a Astronomia, é marcado por pulsações que se repetem em intervalos constantes. Eram assim os sinais observados por Drake: “Tchau, tchau, tchau”, lembra ele, tentando imitar os es-tranhos sons ouvidos há 25 anos.

Por um momento, Frank Drake achou que estava enlouque-cendo. Com 27 anos na época, ele foi tomado de pânico, ao imaginar as implicações de sua constatação. O mito de que a espécie humana era a soberana do universo caía por terra diante dos seus olhos, e não havia ninguém por perto para repartir com ele aquela euforia carregada de medo. “A espécie humana não está sozinha no espaço,” pensava ele, debruçado sobre seu radiotelescópio. Até hoje, Drake tem dificuldade em expressar o que sentiu: “Não era uma emoção comum. O que senti é o que qualquer pessoa sentiria ao presenciar

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um milagre. Daquele momento em diante, a minha concepção do mundo e da vida transformou-se totalmente e, por instantes, eu era a única pessoa que sabia.”.

De lá para cá, Frank Drake, hoje professor de Astronomia na Universidade de Cornell, em Nova York, vem tentando recapturar novos sinais do espaço. Nos anos 60, convencido de que ondas de rádio vindas de civilizações extraterrenas chegavam constantemente à Terra, ele organizou o “Projeto Ozma”, a primeira iniciativa cientí-fica na área. Mas foi apenas em 1974 que Drake deu o passo mais ousado de sua busca, enviando ao cosmo uma mensagem em nome dos terráqueos. A mensagem foi mandada em forma de uma equação matemática, hoje comum em astrofísica.

***UMA PERGUNTA ANTIGA COMO A VIDA

Segundo o astrônomo Carl Sagan, a mensagem de Drake recebeu inúmeras respostas vindas do espaço nos últimos 10 anos. Mas sua aparelhagem amadora não estava em condições de registrá-las. Equipada com sofisticada tecnologia capaz de estabelecer con-tato com constelações localizadas a milhares de anos luz da Terra, a NASA encarregou-se de captar os sinais enviados ao nosso planeta, em reposta às indagações de Frank Drake. As mensagens, porém, foram mantidas em segredo por muitos anos pela NASA.

“A razão desse mistério é simples”, segundo Carl Sagan: “às vésperas do ano 2.000, ainda existe grande resistência, mesmo entre cientistas, à noção de que não estamos sozinhos no cosmos”.

Obstinado, Drake prosseguiu seu trabalho e acaba de criar o projeto SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence – Busca de Inteligência Extraterrena), uma iniciativa que, segundo ele, demons-trará que a galáxia, à qual a Terra pertence, é um conglomerado de 100 bilhões de estrelas que abriga muitas civilizações inteligentes.

Durante o recente lançamento do projeto, Frank Drake di-vulgou uma petição internacional advertindo governos e cientistas de todo o mundo para a importância de tal investigação. A petição, re-digida por Carl Sagan, foi assinada por cientistas de 14 países, entre eles quatro laureados com o prêmio Nobel: Linus Pauling, Stephen Hawking, Lewis Thomas e Francis Crick. Confiante, Drake anunciou, durante o lançamento de projeto SETI: “Até o final do século, a espé-cie humana estabelecerá seu primeiro contato com uma civilização extraterrena”.

Animada com o apoio de tantas cabeças ilustres da ciência contemporânea, a NASA também se aliou ao projeto SETI e anuncia que, nos próximos meses, estará pronto o protótipo de um aparelho

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capaz de rastrear, pela primeira vez, os céus em busca de civilizações extraterrestres.

O equipamento da NASA está sendo instalado no deserto de Mojave, no sul da Califórnia, e focalizará cerca de 800 estrelas que contam com sistemas planetários, onde as condições ambientais poderiam ter permitido o surgimento de vida inteligente. Estas es-trelas estão situadas na cerca de 1.000 anos-luz da Terra.

Acoplado a um computador, o aparelho da NASA é capaz de analisar 74 mil sinais diversos simultaneamente, diferenciando-os dos simples “ruídos cósmicos”. O aparelho está em condições de captar também quaisquer mensagens que tenham sido enviadas ao nosso planeta por uma civilização mais adiantada, desde os tempos em que a Terra vivia na Idade Média. O programa conta ainda com a participação de um corpo de 20 especialistas em cibernética, chefia-dos pelo astrofísico John Billinghan, da Universidade de Stanford. Para Billinghan, “este pode ser tanto o começo da maior aventura da raça humana como pode resultar numa investigação infrutífera”. Com um radar de 64 metros de diâmetro, o aparelho usado pela NASA é o mesmo que acompanhou a trajetória das naves Voyager e Viking. O equipamento completo entrará em funcionamento ao mes-mo tempo em que a Universidade de Harvard instala em Massachu-setts, com a mesma finalidade, um radiotelescópio com 25 metros de diâmetro.

“Depois de muitas décadas de debate, especulação e esforços esporádicos de uma minoria obstinada, diz Billinghan, o homem dá o primeiro passo para responder a uma pergunta tão antiga quanto a própria vida: estamos sozinhos no universo?”.

***A VIDA IMITA A ARTE

A noção ingênua de uma terra navegando com exclusividade pelo universo, segundo Billinghan, “vem do hábito aristocrático de pensar que ainda prevalece entre as sociedades humanas”. Esta noção, segundo os cientistas, impera também entre as classes domi-nantes que, por um acidente do acaso, subjugam o universo social. Embora idêntica aos demais seres humanos, esta pequena minoria de privilegiados considera o poder tão natural quanto a respiração e, muitas vezes, se recusa a admitir que tal privilégio escape de suas mãos.

“Esse tipo de arrogância, segundo Billinghan, se esconde atrás do sexismo, do racismo, do nacionalismo e de outros chauvinismos destrutivos que sempre caracterizaram a espécie humana.”.

Até o século XVI, os cientistas aceitaram como verdadeira a premissa de que a Terra era o centro do universo e as estrelas gira-vam ao nosso redor. Reforçada por dogmas religiosos e ensinada até

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nas escolas, essa hipótese geocêntrica desfrutou de popularidade em todo o mundo durante muitos séculos. Até que Copérnico nos revelou a desconfortável ideia de que é a terra que gira ao redor do Sol e não o contrário.

Mais: hoje em dia, um vasto segmento da comunidade cientí-fica mundial acredita que as estrelas sejam sóis de outros planetas e a Terra seja muito mais antiga do que a espécie humana e que o sol esteja localizado numa espiral obscura e exterior à Via Láctea. “Estas hipóteses, embora já verificadas cientificamente, ainda en-frentam o preconceito de muitos, às vezes até de maneira violenta”, diz Billinghan.

Um século atrás, prossegue o cientista, “não faria sentido pen-sar em busca de inteligência extraterrena, pois o homem não dis-punha sequer da tecnologia necessária para este fim”. Hoje, porém, a realidade é bem outra: “Temos à nossa disposição a mais sofisticada tecnologia, capaz de estabelecer contato com as mais recônditas es-quinas do universo”, explica Billinghan.

Essa tecnologia, conhecida como radiocomunicação, tem um custo baixíssimo. Todo o projeto SETI, por exemplo, consumirá, em 20 anos, menos dinheiro do que um bombardeiro B-52 produzido pela força Aérea dos Estados Unidos.

O primeiro passo do projeto SETI, segundo Billinghan, é decidir a área do cosmos onde a busca será iniciada. Em seguida, o corpo de técnicos em cibernética da NASA tentará estabelecer a frequência e os canais de rádio que tornarão possível a comunicação com outras civilizações.

Embora relutante, John Billinghan concorda que a presente investigação científica é um exemplo nítido de que muitas vezes é a vida que imita a arte, e não o contrário. O projeto SETI, de alguma maneira, segue os rastros do cineasta Steven Spielberg, ao realizar o “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”.

Segundo Billinghan, não existe nenhuma maneira de antecipar se a atual pesquisa terá sucesso ou não. “Se fracassarmos, haverá pelo menos o benefício científico de ampliar o campo de ação da radioastronomia, uma ciência da qual dependemos cada vez mais.”.

Neste caso, estaria comprovada a raridade preciosa da raça humana. Mas se, por outro lado, o projeto SETI captar sinais vindos de civilizações extraterrenas, estará deflagrada a maior revolução da história humana.

“Positivo ou negativo, o resultado terá implicações profundas na nossa visão do universo e de nós mesmos”, assegura Billinghan.

Desde os seus primórdios, o homem pesquisa o céu, como que à procura de algo que lá existe e que desvendará sua própria origem, nas galáxias distantes.

Sagan: “Muitos cientistas ainda resistem à noção de vida ex-traterrena”.

O Sol, um astro insignificante de quinta grandeza, com seu minúsculo planeta Terra, num conjunto inimaginável de 4 bilhões de

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estrelas da nossa galáxia, carregando suas famílias de planetas.Crick: apoiando a investigação.O moderno telescópio em órbita na Terra devassa os mistérios

dos quasers, a bilhões de anos-luz, residência talvez de outros uni-versos.

***UM ESFORÇO MUNDIAL

Em recente depoimento à revista norte americana OMNI, Frank Drake analisou o que já se obteve e o que será possível conseguir com o projeto SETI. A seguir, um resumo das declarações de Drake.

“SETI, um grupo formado por idealistas que procuram vida inteligente no espaço, acaba de tornar-se membro oficial da comu-nidade científica. Isso ocorreu porque a Academia Nacional de Ciên-cias, finalmente, compreendeu a importância de descobrir e localizar vida inteligente no espaço, e a União Astronômica Internacional criou uma comissão para a localização de sinais de vida extraterrestre. O Grupo SETI associou-se a essa comissão e, em meados de 1984, seus membros começaram a instalar grupos individuais de pesquisas em diversas partes do mundo.

Esses estudos estão sendo incentivados pelo governo dos Es-tados Unidos, que designou US$ 2 milhões para a pesquisa. O con-gresso aprovou a medida sem discussão. A NASA, por sua vez, está aperfeiçoando um aparelho para a captação e análise simultânea de mais ou menos 8 milhões de canais. Esse aparelho será usado com alguns telescópios de especial importância, como o de Arecibo (Porto Rico), que mede cerca de 300 metros. A Universidade de Harvard, com um telescópio de rádio, também procura sinais no céu.

Pergunta-se agora: por que não construir aparelhos que rece-bam 100 milhões de canais simultaneamente? Precisaremos de apa-relhos sofisticados para detectar transmissões em ondas curtíssimas de poucos milímetros de comprimento – as únicas que conseguiram atravessar a barreira de som de nossa galáxia.

O que não podemos fazer é parar, e um dos mais nobres atos do homem poderia ser o da construção de um gigantesco radiote-lescópio no espaço – mesmo que fosse preciso usar um exército de trabalhadores na Terra e no espaço – e que essa obra necessitasse da cooperação de todos os países do mundo.

Goiânia, 13 de novembro de 1988.

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Memórias

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WALDOMIRO SANTOS, MEU HERÓI ESQUECIDO.

Pai, já está na hora de arregaçar as mangas, por todos os seus conhecimentos para os leitores inteligentes. Pois tens o dom de transmitir a tristeza e a alegria em cada poesia. Pai, Goiás precisa de você e eu também, mas vivo! Pai, não se esconda em seu orgulho, mostre tudo o que você tem em mente sem receio. De seu filho que tanto o ama. Salve o dia 19 de outubro. Marcus Dias dos Santos.

UM PUNHADO DE SOZINHOS

Batista,

Tenho vários artigos versando quase todos sobre o tema “Via-gem ao redor de minhas lembranças”. Será que você os publicaria? Afinal, tenho que seguir o exemplo do Carmo Bernardes e esta seria a maneira mais indicada de recomeçar. Se tiver acesso ao jornal e não haja inconveniência nos textos, eu sentir-me-ia grandemente hon-rado de publicá-los neste simpático Edição Extra e colaborar nesta hora e neste momento com um amigo que sempre me dignificou. Seria como se eu estivesse recomeçando no velho Cinco de Março.

Por favor, avise-me através do Marcus.

Waldomiro Santos,12 de outubro de 1984.

Resposta de Batista Custódio:

Waldomiro, meu irmão de sonhos.

Você chega num momento em que muitos se retiram. Foi Deus que o trouxe o mesmo de antes, cheio de humanidade nessa sua figura sofrida e sobrevivente de decepções. Estou como você: juntando os pedaços, reconstruindo-me sobre as feridas, olhando apenas para a frente de medo de olhar para trás e não suportar ver o que fizeram de meus sonhos. Venha, amigo, como o azul da manhã que chega sobre o cinza das ruínas sendo reerguidas. Ponha sua força nessa luta nova, venha, jamais convivi com repórter de valor superior ao seu talento e, sobretudo, com o seu caráter de santo. Somos poucos no Edição Extra, um punhado de sozinhos, mas com aquela fé e convicção de David enfrentando Golias.

Batista Custódio.

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Waldomiro:

Aqui vão as dicas do concurso de literatura (escritores) pro-movido pelo vereador Etvaldo Alves.

O tema é: Brasil: Escravo ou Independente? Máximo de 50 linhas (cinquenta), entrega até o dia 20/09/84

(dia 20 deste mês, na Câmara Municipal, no gabinete de vereador Etvaldo Alves).

Há prêmios para os níveis: universitário e colegial.Um abraço do amigo e aluno,

Maurício Baptista.

UM APELO

Isto é um artigo de menina para gente grande.Ao ler o artigo do ilustre jornalista Waldomiro Santos no Jor-

nal 5 de Março, de 31/05/65, não pude resistir ao desejo de escrever algumas palavras sobre o que todos direitos me dão, de defender meu pai, uma pessoa honrada que merece o seu devido descanso eterno. Encarecidamente, peço ao autor do artigo, o qual admiro muito, que não continue explorando a memória de meu pai, e do que ele, com sua grande inteligência e intelectualidade que Deus lhe conferiu, escreveu.

Para mim, ele era um santo, porque era meu pai, mas o pú-blico talvez não o veria como tal. Sei que ainda sou criança, mas a criança é a verdade. A maioria das pessoas não dará ouvidos as minhas palavras, em todo caso repito:

- Não abusem da memória de um morto.Sr. Waldomiro, não o conheço, mas não deixo de acreditar que

é uma pessoa honesta e de sentimentos humanos. Certamente não está com remorsos, pois não fez “nada de mais”, mas... antes de co-ordenar as ideias para escrever tal artigo sobre tão delicado assunto, deveria pensar em que estado de alma se encontrariam depois, os familiares de “tão grande pessoa”, como disse o senhor. Também não duvido de que És tão inteligente, pois explorar um morto e as coisas que ele faz, para ajudar em seus assuntos políticos, não posso e nem devo duvidar de que és inteligente e habilidoso. Mas, apesar disso, peço-lhe agora em nome de uma filha que tem grandes saudades, do pai, que partiu para o além deixando um vácuo impreenchível. Certamente se estivesse em seu poder comunicar-se com alguém, haveria de se comunicar com seus entes queridos, como a que era a menina dos seus olhos.

Mas creio que os mortos carecem de orações e sossego. Sem mais, para o momento, despeço-me cordialmente.

De sua admiradora,

Liana Massi da Cunha.Goiânia, 31 de maio de 1965.

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Prezado confrade Waldomiro.

Inicialmente, devo confessar-lhe que não encontro vocábulos com os quais eu possa exprimir a enorme alegria de rever você, por ocasião da minha recente mostra de arte, aí em Goiânia. Pretendo continuar mere-cendo o apreço e a generosidade, tanto da sua parte, quanto do Batista Custódio, do Jávier Godinho, do Geraldo Vale, do Carmo Bernardes e ou-tros bravos companheiros de ideal dessa redação, que forjam, nessa brilhante oficina do verdadeiro jornalismo, o nosso já brasileiramente famoso “Cinco de Março”. Aqui estou, novamente, nesta nossa adorável Vila Boa. Cheguei são e salvo, graças a Deus, e também em perfeita ordem física e espiritual. Poderia, até, igualar-me a Júlio César, quando da céle-bre passagem do Rubicare: “Fui, vi e venci”.

Volto dentro da minha incompreendida figura humana, para a minha humilde tenda de trabalho, que é justamente esta cidade onde nasci e curto as desilusões da vida. Logo mais, darei início à feitura de um novo mostruário dos meus modestos borrões, com os quais deverei comparecer em Brasília, no ano vindouro, numa exposição de pintura promovida pela Casa do Candango. Só peço que, os doutores Divino José de Oliveira e Donizete Martins de Araújo, não desistam, nunca de orar por mim, rogando ao Cristo que me livre da estrada larga do mundo. Foram, eles, dois anjos que o magnífico Reitor Dr. Jerônimo Geraldo de Queiroz levou à minha exposição na Galeria Azul, no dia 11 do corrente, seguidos de algumas centenas de bons samaritanos como você, o Desembargador Maximiano da Mata, a minha querida madrinha Amália, o Cid Morais, o Domiciano Faria, o Ursulino Leão, a Goiandira do Couto, o prefeito Dr. Jerônimo de Carvalho Bueno, a Maria Guilhermina e seu dedicado es-poso.

Sem mais pretender atrapalhar o seu precioso tempo, abraço-o e despede-se o amigo de sempre,

Octo Marques.Cidade de Goiás, 18 de novembro de 1968.

Waldomiro Santos:

Hoje eu comecei a pensar um pouco na vida. Tentei rever as pes-soas que significam algo para mim, pessoas com as quais eu aprendi boas coisas. Revi meus pais, minha esposa, minhas filhas, uns pouquíssimos amigos. Revi também professores de minha infância.

Entre os pouquíssimos amigos e professores eu revi você.Revi você porque minhas primeiras lições de jornalismo foi você

que as transmitiu a mim. As primeiras em 1975, ainda na avenida Goiás. Depois, já na 24 de Outubro. E agora? As lições ainda não se acabaram, tenho certeza, mas onde está o mestre?

Você sabe que nos une um problema comum: a bebida ou não ingerir bebida. Sozinhos, não conseguimos superar tal problema, mas

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confiantes num Ser Supremo e nos esforçando mutuamente, podemos caminhar sóbrios.

Existe uma grande corrente para isso, onde está faltando um elo da mesma, e este elo é você.

Você pode fugir e se isolar do mundo, porém nunca conseguirá fu-gir de você mesmo. E você faz falta no mundo, no jornalismo, em Goiânia, em Goiás, na sua casa e faz falta também no convívio dos amigos que lhe querem ver bem e sóbrio. E eu sou um desses amigos, sabe?

Lembre-se, você não está só. Seu filho o aguarda ansioso, pois sen-te necessidade do afeto e da mão amiga do pai. E você é bom demais para negar a ele o acompanhamento em uma existência na qual você é respon-sável e sabe disso.

Sua esposa aguarda você: a casa está sem o líder e o chefe. E mui-tos outros precisam de você.

Medite um pouco nessas palavras que saem do fundo de um cora-ção amigo: nós precisamos de você, de sua capacidade, de seu convívio entre nós, mas... sóbrio. E você pode nos oferecer isso, se você quiser! Se não quiser... paciência.

Medite, Waldomiro, e tome a decisão, talvez a mais sábia de sua vida. Eu vou lhe aguardar, pois sei que ainda temos muitas coisas a es-crever em prol de muitas pessoas.

Deus vai iluminá-lo!Seu amigo jornalista,

José Maurício Baptista.02h 30 min, de 01 de setembro de 1984.

Waldomiro:

Ontem, ou melhor, no último sábado, falamos sobre você em minha casa. Falamos, minha esposa e eu, porque, em primeiro lugar, eu havia estado na Clínica Santa Mônica para visitá-lo e, alegre, soubera que você havia recebido alta médica. Em segundo lugar, porque sabia que você es-tava se recuperando e não mais pensava em beber.

Lembrei-me da nossa última conversa, aí em sua casa, quando você me disse que precisava tomar uma atitude, mais precisamente, não pensava mais em beber. E agora eu pergunto a você: “o que o faz mudar de ideia?".

Sei que esta pergunta ficará sem resposta, pois você mesmo não saberá respondê-la... Sei como você deve estar se sentindo, após perma-necer durante meses sem a bebida e, sem mais nem menos, voltar a in-geri-la, em prejuízo seu e dos que o cercam...

Nós, por mais que tentemos, nunca conseguiremos controlar nossa maneira de beber. É bobagem você continuar insistindo com essa ideia... Lembre-se dos casos que lhe contei a meu respeito. Não foi de outros que ouvi dizer, foi comigo que aconteceu... Fui até o fundo do poço: moral,

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profissional e espiritualmente...Por que você insiste em continuar nadando contra uma onda

que é mais forte que você?Hoje eu vi seu filho aqui no jornal. Apesar de tudo, ele estava

feliz porque você estava de volta para o lar, apesar de ainda estar bebendo, novamente! Será que ele também será sempre o “FILHO DO BÊBADO?" Será que ele deverá se envergonhar de você? Ou será que você está disposto a tomar uma atitude que requer apenas a aceitação de uma doença INCURÁVEL, PROGRESSIVA E DE TER-MINAÇÃO FATAL? Vou ser realista com você, pois somos amigos e eu penso que o verdadeiro amigo é aquele que muitas vezes nos diz a verdade por mais que ela fira, tal qual o cirurgião que cura com o ferro que fere: SE VOCÊ CONTINUAR ASSIM, ESTARÁ SOMENTE REDUZINDO SEU TEMPO DE VIDA, E VOCE JÁ ESTÁ PERTO DO FIM COM ESSA BEBEDEIRA. PENSE UM POUCO, WALDOMIRO! EU ESTIVE PIOR QUE VOCE ESTÁ, POIS NÃO TINHA MAIS NIN-GUÉM POR MIM, ALÉM DE MINHA ESPOSA E DE UMA FILHA, NA ÉPOCA AINDA CRIANÇA DE 1 ANO. MAS... HAVIA AINDA UM SER SUPREMO QUE ESPERAVA SOMENTE QUE EU ACEITASSE MINHA DERROTA FRENTE AO ÁLCOOL E O PROCURASSE PARA CRIAR FORÇAS. E JÁ ESTOU CAMINHANDO PARA (5) CINCO ANOS SEM INGERIR BEBIDA. O QUE NOS EMBRIAGA NÃO SÃO OS DEZ OU VINTE GOLES DE BEBIDA, É O PRIMEIRO QUE INGERIMOS QUE NOS DESPERTA A COMPULSÃO!

ALCOÓLICOS ANÔNIMOS O ESTÁ ESPERANDO DE BRAÇOS ABERTOS, DESDE QUE VOCÊ QUEIRA ABANDONAR A BEBIDA. SUA CADEIRA ESTÁ VAGA EM UMA SALA NOSSA, AGUARDANDO APENAS QUE VOCÊ SE DECIDA A ESTAR LÁ, COMPARTILHANDO SUAS EXPERIÊNCIAS CONOSCO, AS QUAIS ENTENDEREMOS, POIS TODOS PASSAMOS OS DRAMAS, REMORSOS, MEDOS E FRUSTRAÇÕES PELOS QUAIS VOCÊ ESTÁ PASSANDO. LEMBRE-SE: O SEU PRÓXIMO PRIMEIRO GOLE, ÀS VEZ-ES PODERÁ SE TORNAR O SEU ÚLTIMO PRIMEIRO GOLE.

E DEPOIS... COMO SERÁ NOSSO ACERTO DE CONTAS REFERENTE A NOSSA MISSÃO NESTE PLANO TERRESTRE? SERÁ QUE NÃO VALE A PENA TENTARMOS, JUNTOS, ABAN-DONAR A BEBIDA?

PENSE COM CALMA E RESOLVA POR VOCÊ MESMO, OK?LEMBRE-SE: VOCÊ ME DISSE UM DIA QUE UMA DAS

QUALIDADES DE UM BOM JORNALISTA É SER PERSEVERANTE. EU TENHO PROCURADO HONRAR O MESTRE (VOCÊ), MAS ESTÁ ME FALTANDO O BOM EXEMPLO AGORA!

Maurício Baptista,08 de setembro de 1984.

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Waldomiro:

Vou lhe contar um fato de minha vida, que talvez possa levá-lo a raciocinar melhor, quando digo que entendo o que está acontecendo com você. Eu tentei o suicídio, ou melhor, quase cheguei a perpetrá-lo!

Incrível, não acha? Principalmente você me vendo hoje, tra-balhando novamente no jornal, tendo os meus contatos com as pes-soas e, enfim, parecendo, ou seja, levando uma vida normal como tantas outras pessoas.

Acontece que, em fins de 1979 as coisas não eram assim! Naquela época eu contava somente com duas pessoas em minha vida, abaixo de Deus: MINHA ESPOSA E MINHA FILHA DE POUCO MAIS DE UM ANO. Nada mais me restava a não ser as lembran-ças dos tempos em que eu podia me considerar GENTE! Meu peso naquela época era somente 46 quilos e assim mesmo vestido! O pou-co de pele que eu tinha sobre os ossos estava inchada pela bebida. Foi nessa ocasião que fui avaliar minha vida e pensei em me suicidar.

Afinal, eu pensava, se eu acabar com a minha vida, darei lugar a que outra pessoa amanhã ou depois simpatizasse com minha espo-sa e resolvesse adotar minha filha e tudo estaria melhor comigo. Pen-sei em me atirar debaixo de um coletivo para abreviar tudo... Porém, uma força maior me evitou (pois não fui eu, conscientemente) chegar a tal extremo. Cheguei a suar frio quando via os ônibus passarem e imaginar que debaixo deles poderia estar algum resto do que eu fora... Graças a Deus não o fiz.

A vontade de tomar uma “para rebater” a ressaca da véspera, para dar coragem de novo dia, para parar de tremer e poder respi-rar continuava, porém, resolvi comigo mesmo e com Deus que eu QUERIA PARAR DE BEBER, mas não conseguia sozinho! E Ele me ajudou, conforme tem me ajudado até o dia de hoje.

Tente não se assustar com os dias que virão, pense somente no dia que você está vivendo e evite o 1º GOLE. A cada vez que você sentir que vai tomar SÓ UM, adie este SÓ UM, que é o primeiro, para depois do almoço, depois adie para depois da janta, adie para duas horas depois, ocupe a sua mente com leituras, datilografando uma poesia ou um poema, arrumando antigos guardados, pondo em or-dem uma gaveta, e tantas outras coisas, que as horas irão passando.

Pense em DEUS, na forma como você O conceber e peça a sua ajuda somente para aquela hora que der a vontade.

Lembre-se sempre que naquele momento que lhe der a von-tade, existirão milhões de pessoas, membros do A.A. e não mem-bros, que estão torcendo para que você não beba. A corrente positiva que torce para você ficar sóbrio é muito mais forte e poderosa que a força negativa que o chama a tomar a primeira bebida! Acredite nisso, Waldomiro, e saiba que estamos aguardando sua recuperação, pois sua família, a sociedade, seus amigos verdadeiros e principal-mente ALGUÉM QUE É TODA A BONDADE E FORÇA só está aguar-

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dando a sua boa vontade para lhe estender a mão...Todos nós precisamos de você sóbrio!Tente decorar essa evocação filosófica em forma de uma prece:“CONCEDEI-ME, SENHOR, A SERENIDADE NECESSÁRIA

PARA ACEITAR AS COISAS QUE NÃO POSSO MODIFICAR, CO-RAGEM PARA MODIFICAR AQUELAS QUE POSSO E SABEDORIA PARA DISTINGUIR UMAS DAS OUTRAS!".

Você vai conseguir!

Maurício Baptista, 10 de setembro de 1984.

Waldomiro:

Hoje recebi uma das grandes notícias de minha vida, pode acreditar! O Marcos esteve comigo na redação e ventilou que você está querendo se unir a nós na estrada da sobriedade!

Você pode acreditar que, talvez nem o prêmio da Loto poderia me deixar mais feliz, pois quando nossa amizade é sincera, o que nos interessa mais são: felicidade espiritual e bem-estar das pessoas que nos são caras.

E felizmente, ou infelizmente não sei, eu (e os milhares de A.As. do mundo inteiro) pensamos dessa forma.

Agora estamos esperando somente que você diga o dia que você quiser ir para irmos buscá-lo de carro em sua casa e levá-lo a dar o primeiro e mais acertado passo de sua vida.

Pode acreditar, hoje foi a minha grande notícia. Estamos aguardando-o de braços abertos para que você nos de a sua ajuda. Precisamos de você para permaneceremos sóbrios. Você, talvez, não precise de nós, porém, NÓS PRECISAMOS DE VOCÊ! Seu amigo e aluno: Maurício Baptista.

12 de setembro de 1984.

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Poslúdio

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Manuscritos

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Fotografias

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>> Waldomiro aos 5 anos de idade

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>> Waldomiro, Maria, Terezinha e Valdivino.

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>> Waldomiro - 1952 >> Waldomiro - 1961

>> Waldomiro - 1964

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Dona Iracema e Waldomiro.

>> Fotografia registrando descontração após casamento de Waldomiro e Maria Divina.>> Em pé: Fróes e Teresinha, Waldomiro e Maria Divina, Célia e Valdivino, Maria e Wilson.>> Sentados: Júnior e Paulo.

>> Dona Iracema e o seu filho Waldomiro

>> João Benedito dos Santos e o seu filho Waldomiro.

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>> Valdivino e o seu irmão Waldomiro.

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>> No dia 15 de setembro de 1972 Waldomiro comemora com os colegas a aprovação no concurso vestibular para o curso de direito na UCGO. Wal-domiro logrou a segunda colocação nesse concurso.

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>> Waldomiro entrevista Sebastião Arantes, Secretário de Estado da Fazenda de Goiás na gestão do Governador Mauro Borges.

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>> Waldomiro entrevista o Padre François Jacques Jentel. Após, Jentel foi absolvido de um rumoroso processo penal instaurado na ditadura militar. Posteriormente foi expulso do Brasil, no dia 15 de dezembro de 1975, por um decreto expedido pelo Presidente Ernesto Geisel.

>> Waldomiro e os seus colegas do Jornal Cinco de Março.

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>> Waldomiro na cidade satélite do Núcleo Bandeirante, em Brasília - 1960.

>> Waldomiro em Brasília/DF - 1960.

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>> Mauro Borges, então governador de Goiás, Waldomiro e Otoniel da Cunha, no Palácio das Esmeraldas, em 1963.

>> Manoel dos Reis e Silva, prefeito de Goiânia (gestão 02/07/1970 a 04/04/1974) e Waldomiro.

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>> Waldomiro entrevista Pedro Ludovico Teixeira, fundador de Goiânia.

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>> D.Lourdes, Mauro Borges e Waldomiro.

>> Waldomiro, Dona Lourdes e Mauro Borges.

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>> Waldomiro registra evento com João de Paula Teixeira Filho (Parateca), Iris Rezende Machado, Perseu Matias e outras autori-dades políticas.

>> Waldomiro e Mauro Borges

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>> Waldomiro e Peixoto de Silveira, no Jornal Cinco de Março, em 1963.

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>> Waldomiro na UFGO, em 1962.

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>> Waldomiro entrevistando Edson Arantes do Nascimento (Pelé).

>> Waldomiro cobrindo evento em Goiânia com autoridades políticas, dentre elas: Henrique Antônio Santillo, Paulo Brossard, Nelito Brandão, Línio de Paiva, Assis Brandão e Marconi Ferreira Perillo Júnior.

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>> Waldomiro, José Godoi Garcia, Batista Custódio e Bernardo Élis, na redação do Jornal Cinco de Março, em 18 de junho de 1967.

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>> Waldomiro no dia-a-dia do seu jornalismo.

>> Waldomiro e Joaquim Custódio, irmão de Batista Custódio.

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>> Waldomiro ponderando questões sociais.

>> Waldomiro entrevista Sinval Boaventura.

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>> Waldomiro entrevista o médium José Arigó, em Congonhas do Campo-MG, em 1963.

>> Waldomiro no seu jornalismo diário

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>> Waldomiro redigindo expediente no Jornal Cinco de Março.

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>> A máquina de escrever utilizada por Waldomiro e os seus óculos.

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>> A família: Waldomiro, Maria Divina e Marcus.

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OutrasHomenagens

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O MUNDO EM SUA CASA – COMENTÁRIO

Morreu Waldomiro Santos, uma luz que se apaga

É uma pena que poucos de vocês tenham conhecido Wal-domiro Santos. Ele foi o maior repórter de Goiás na década de 60 e um dos espíritos mais livres e solidários que nosso Estado já co- nheceu. Waldomiro Santos morreu no final da semana passada, da única maneira como poderia ter morrido: do coração. Sempre foi muito franzino e seu coração era incomparavelmente maior do que o peito, constantemente batendo pelos humildes, pelos pobres, pelos sofredores, pelos injustiçados, pela gama imensa dos pequeninos deste mundo.

Waldomiro Santos esbanjava talento e era de briga. Sempre foi oposição. Brigava com os ricos, em favor dos pobres. No Jornal de Notícias, no Jornal do Povo, no Diário do Oeste, no Jornal da Tarde, no Top-News, no Quarto Poder e, especialmente, no Cinco de Março. Era um criador de casos incurável, mas sempre ao lado dos mais fracos, daqueles que a vida situou nos ínfimos degraus sociais, daqueles que a sociedade colocou lá em baixo, onde o direito é dos fortes. Foi herói e romântico, afrontando os tiranos, os déspotas e os ditadores. Atirava com a pena, sua arma predileta, e acertava na mosca. Por isso foi sempre perseguido, sobretudo pelo autorita-rismo implantado em 1964, indiciado em IPMs, com pesadas botas militares pisadas na sua sorte.

Era boêmio e poeta. Amava as madrugadas de lua e estre-las, delirava ao surpreender os dias na alvorada, apaixonado pelas noites de sereno e fascinado pela luz feérica de cada novo dia.

Os novos do jornalismo goiano não conheceram Waldomiro Santos e perderam muito. Como prejuízo tiveram, não conhecendo, na ação e na luta, um Otoniel da Cunha e um Geraldo Vale.

Um dia alguém escreverá a história de mártires e heróis da imprensa goiana. Lá estará, como um sol e um marco, como um po-ema épico e uma canção de amor aos gloriosos destinos da humani-dade, o nome de Waldomiro Santos, que morreu quase esquecido, uma luz que se apaga.

Jávier Godinho.Goiânia, 18 de junho de 1990.

O POPULAR

Corpo de Waldomiro foi velado no Jardim das Palmeiras.Jornalista morre de enfisema pulmonar.

Waldomiro Santos, 56 anos. Foi enterrado ontem no Cemitério Sant’Ana o corpo do jorna-

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lista Waldomiro dos Santos, que faleceu na última quinta-feira, com 56 anos, vítima de parada cardíaca decorrente de um enfisema pul-monar. Ele foi velado durante toda a noite no cemitério Jardim das Palmeiras. Waldomiro Santos atuou ativamente na imprensa goiana, principalmente na década de 60, participando da fundação de vários jornais combativos como Diário do Oeste, Diário da Tarde, Cinco de Março, Top News e O Quarto Poder, órgão da Universidade Federal de Goiás. Além disso, foi poeta, autor de discursos para políticos eleitos, correspondente de O Estado de São Paulo, professor da UFG e um dos fundadores da imprensa universitária. Na opinião do cartunista Francisco Fróes, Waldomiro Santos era “o último dos moicanos, representante de um jornalismo autên-tico, feito com dignidade e idealismo”. Justamente por seus escritos picantes, em O Quarto Poder, foi cassado pela Revolução de 64. A partir de então, praticamente abandonou o jornalismo, passando a exercer atividades menos chamativas como revisão de livros e elabo-rações espaçadas de artigos não assinados. Ironicamente, a anistia política para Waldomiro Santos veio há menos de um mês. Contudo, já bastante debilitado fisicamente, o jornalista não teve condição se-quer de efetivá-la legalmente.

Goiânia, 16 de junho de 1990.

DM REVISTA - DIÁRIO DA MANHÃ

D. QUIXOTE ARMADO DE PENA

Os jovens jornalistas de hoje não sabem o que perderam, não conhecendo Waldomiro Santos, o jornalista integral.

Era um romântico, definitivamente comprometido com os fracos, por isso esteve sempre por baixo na política. Amava as coisas simples e desprezadas, o que fez com que a fortuna, a vida inteira, em represália, lhe virasse as costas.

Somente a uma semana de sua partida, seus direitos foram afinal reconhecidos, obrigando a Universidade Federal de Goiás a pagar a merecida pensão a sua viúva.

Waldomiro Santos andou por todos os íngremes caminhos da imprensa goiana durante mais de três décadas e legou aos pósteros uma lição de trabalho, eficiência, desprendimento e amor à liber-dade.

Os jovens jornalistas de hoje não sabem o que perderam quan-do, em 14 de junho de 1990, ele se foi deste planeta inóspito, mas incrivelmente adorável, logo ele que tanto amava a vida, o silêncio das noites estreladas e as doces promessas de um novo dia em cada alvorada. E, sobretudo, o jornalismo legítimo, sério e apaixonado.

Waldomiro Santos chegou a ser o maior repórter de Goiás e o homem dos sete instrumentos de um jornal, sem jamais perder o en-

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canto do poeta e de obstinada vocação de servir. Waldomiro morreu da única maneira como poderia ter morrido: do coração. Franzino, o coração era maior do que o próprio peito, batendo sempre pelos oprimidos, sofredores, injustiçados e aflitos, pela gama enorme dos pequeninos deste mundo.

Já imaginaram um fiapo de gente, boêmio e doente, esban-jando talento e bom de briga? Um eterno oposicionista, disposto aos mais desproporcionais confrontos, ao lado do trabalhador sem terra e sem emprego, do funcionário público deprimido pelo salário de fome, do estudante de mãos vazias que apanhava da polícia, dos tristes de todos os botecos e dos amargurados de todas as desi-lusões?

Sua pena era a espada e a lança de Dom Quixote, cavaleiro andante incompreendido das tortuosas veredas de um mundo in-justo e anticristão, ansiosa por estraçalhar os moinhos de vento do absurdo.

Waldomiro Santos teve como inimigos implacáveis os tiranos, os déspotas e os ditadores de todas as atividades humanas. Atirava com a pena e acertava na mosca. A perseguição que sofreu foi o troco. Ele, que era incapaz de ofender alguém, incomo-dava todo opressor. Era diferente, feito de outro barro.

Na árdua noite da ditadura militar, coronéis pousaram na sua sorte, sem jamais impedir que ele continuasse sem vacilo na crença dos grandiosos destinos da humanidade. Um dia a Terra será ha-bitada por seres que se amarão e respeitarão, encerrando todas as formas de exploração do homem pelo homem. Para que essa trans-formação ocorra mais depressa, é preciso lutar. Mesmo sendo már-tir e não sendo herói.

Waldomiro Santos teve o privilégio de aprender a profissão num tempo em que os confrades eram um Alfredo Nasser, um Oto-niel da Cunha, um Geraldo Vale, um Eliezer Penna e outros jor-nalistas que, antes e primeiro de tudo, amavam e dignificavam a profissão. Chegavam primeiro e saíam por último em cada jornada.

Autodidata catedrático em jornalismo, na redação Waldomiro Santos podia desempenhar a função de revisor e copidesque, de repórter e redator, de colunista e articulista, de editor policial, social, esportivo, local, nacional e internacional. Muitas vezes o vimos até elaborando o horóscopo do Cinco de Março, onde Batista Custódio e Consuelo Nasser faziam vista grossa a seus porres memoráveis, porque ele era humilde e competente. À paciência dos donos, re-tribuía com o talento, o sangue e a raça.

Tudo o que se faz com amor, se faz muito melhor.Nas oficinas, se precisasse, Waldomiro Santos só não que-

brava o galho, ao lado de Manoel Pescador e de Paulo Gonçalves, na composição ao teclado da linotipo. Mas ajudava na paginação, na impressão e na distribuição do semanário que chegava às bancas de madrugada e exalava no começo da manhã.

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Faltando gente, ele dobrava um a um centenas de exemplares com cheiro de tinta fresca, porque a Marinoni do Cinco de Março era velha e obsoleta, pobre máquina plana amarrada com cordão, que fazia apenas duas páginas de cada vez e tinha que imprimir o jornal de maior tiragem em Goiás.

Para Waldomiro Santos era natural e fácil ser jornalista com-pleto, polivalente, idealista, integral...

O jornalista, poeta e rebelde, mais tarde contaria em versos as violências sofridas da ditadura.

Jávier Godinho.+Goiânia, segunda-feira, 29 de março de 1993.

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1ª Edição OUTUBRO 2010Corpo 16 cm x 23 cmImpressão GEOGRÁFICAPapel miolo OFF WHITE CHAMOIS FINE DUNA 80 g/m²Papel capa SUPREMO DUO DESIGN 250 g/m²Tipografia BOOKMAN

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Waldomiro Santos

O jornalista, o poetae o homem

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aldomiro Santos é um homem a quem aprendi a amar, respeitar e admirar. E assim o é pela leitura das

suas palavras, dos seus sentimentos, da sua realidade e do seu incomensurável amor. Pode-se definir resumidamente o amor de Waldomiro nas seguintes palavras de Goethe: se te amo, que te importas? Seus versos, escritos com a mão no coração e os dedos na consciência, nos fazem perceber que “Miro” - como carinhosamente o chamavam seus amigos íntimos - é namorado de Goiás, essa terra maravilhosa ou, no dizer do poeta Aidenor Aires, essa “amaragrei”.

Filho da cultura, da inteligência e da simplicidade e dono de uma sensibilidade incomum e obsequioso por natureza, Waldomiro nunca desejou retribuição nem agradecimentos. No dizer de Jávier Godinho, “ele foi feito com outro barro”. Nas palavras de Batista Custódio, “ele chega num momento em que muitos se retiram”.

Waldomiro respirou a seriedade como profissão, além de sempre ensinar de boca fechada. A sua poesia traz o ideal, o inconsciente e o intangível.

Pessoas acorriam a ele para lhe arrancar uma poesia e sempre conseguiam, pois havia nele muita bondade e nobreza. À medida que as palavras vinham à mente, Waldomiro as escrevia em pedaços de papel, nas margens de jornais impressos, anversos de envelopes, folhas de caderno, em qualquer

papel que tivesse à mão. Guardava o que era possível.

Os textos de Waldomiro, aqui reunidos, mostram uma poesia entremeada de simplicidade e ternura. Revelam um homem corajosamente engajado nas lutas do seu tempo e indignado com as injustiças sociais. Um homem que sofreu na prisão por se opor às arbitrariedades da ditadura militar e que sempre lutou por tolerância e justiça. Um homem que esteve à frente do seu tempo e cuja ideologia transcendeu os interesses pessoais.

A performance de Waldomiro foi além de sua poesia. Dotado de incansável curiosidade, autêntico, despido de dogmas e limitações, alinhavava questões metafísicas, políticas e sociais. Seu jornalismo coloriu de movimento o Estado de Goiás em um período marcado por equívocos políticos e desigualdades sociais.

Ao iniciar os trabalhos para a editora-ção desta obra, tornou-se cada vez mais veemente a minha vontade de perscrutar o mundo pacífico e fecundo de Waldomiro, trazendo ao leitor um pouco do seu legado transpessoal, a fim de mostrar a grandiosidade desse espírito humano que teve Leopoldo de Bulhões como terra natal.

Assim, comecei, pela primeira vez, a ter noção desse gigante chamado Waldomiro Santos, imbatível e incansável jornalista, poeta, homem e pai! Um exemplo de perseverança, destemor e talento; homem de magnífico caráter e estimado por todos que o conheceram.

Waldomiro assim foi e assim sempre o será!

Este livro é incompleto e nem pode ser diferente! É apenas uma pequena parte e ligeira demonstração da capacidade intelectual e espiritual de Waldomiro, que nos chega por intermédio de sua esposa, Maria Divina, do seu filho, Marcus, e de parentes.

E asseguro-lhe, caro leitor, as palavras aqui contidas estão vivas e palpitantes!

Kléber Oliveira Veloso

Diretor Editorial.

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