w. w. jacobs - freebookseditora.weebly.com filea mÃo do macaco lá fora, a noite estava fria e...

18

Upload: hoangthuan

Post on 10-Feb-2019

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo
Page 2: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

W.W.JACOBS

AMÃODOMACACO

TRADUÇÃO:PAULOSORIANO

FREEBOOKSEDITORAVIRTUAL–CLÁSSICOSESTRANGEIROS

TERROR-HORROR-FANTASIA

Page 3: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

Título:AMÃODOMACACO

Autor:W.W.Jacobs(1863–1943)

Tradutor:PauloSoriano

Imagemdacapa:autordesconhecidodoséculoXIX

Leiautedacapa:Canva

Série:ClássicosEstrangeiros–vol.9

Editor:FreeBooksEditoraVirtual

Site:www.freebookseditora.com

Direitosdatradução:©PauloSoriano.Proibidaareproduçãosemautorizaçãopréviaeexpressadoeditor

Ano:2017

Sitesrecomendados:

www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br

Page 4: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

SumárioAMÃODOMACACO

SOBREOAUTOR

Page 5: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

AMÃODOMACACO

Láfora,anoiteestavafriaeúmida,mas,napequenasaladeLaburnamVilla, os postigos estavamcerrados e o fogo ardia intensamente. Pai e filhojogavamxadrez.Oprimeirotinhaideiasprópriassobreojogoqueenvolviammudanças radicais, colocando o rei em tão graves e desnecessários perigosque provocava comentários até mesmo da grisalha senhora que tricotavaplacidamentejuntoàlareira.

–Escuteovento–disseoSr.Whiteque,percebendo tardedemaisquecometera um erro fatal, cuidava benevolamente para que o filho não opercebesse.

—Estou ouvindo — disse o último, examinado impiedosamente otabuleiro,aoestenderamão.

—Xeque.

—Não creio que ele venha esta noite — disse o pai, com a mão apousadasobreotabuleiro.

—Mate!—replicouofilho.

—Este é o lado ruim de viver em um lugar tão remoto—oSr.Whitevociferou, com uma súbita e inesperada violência. — De todos os lugaresterríveis,distanteselamacentosparasemorar,esteéopior.Ocaminhoéumlamaçal e a estrada é uma torrente.Não sei o que essa gente está pensando.Somenteporqueháapenasduascasasnaestrada,elesnãoencontrammotivoporqueseimportar.

—Não se preocupe, querido — disse, conciliatória, a mulher. — Dapróximavez,talvezvocêvençaapartida.

O Sr.White ergueu os olhos bruscamente, a tempo de interceptar umolhardecumplicidadeentremãeefilho.Aspalavrasmorreramemseuslábioseeleescondeuumsorrisodeculpasobabarbafinaegrisalha.

—Aí vem ele — disse Herbert White, quando o portão bateubarulhentamenteepassospesadosseaproximaramdaporta.

O velho levantou-se com uma pressa hospitaleira. Ouviram-no

Page 6: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

cumprimentar o visitante, que retribuiu o cumprimento. A senhora Whitetossiudelicadamentequandoomaridoentrounasala,seguidoporumhomemaltoecorpulento,deolhospequenosefaceavermelhada.

—MajorMorris—disseele,apresentando-o.

O major apertou as mãos e, sentando-se no lugar oferecido, junto àlareira, observou satisfeito o anfitrião trazer uísque e copos, e pôr umapequenachaleiradecobrenofogo.

Ao terceiro copo, os seus olhos tornaram-se mais brilhantes e elecomeçou a falar. O pequeno círculo familiar contemplava com vívidointeresseestevisitantedelugaresdistantes,enquantoeleempertigavaoslargosombros na cadeira e falava de paisagens excêntricas e feitos audazes, deguerras,epidemiasepovosestranhos.

—Vinteeumanosnisto—disseoSr.White,voltando-separaamulhere o filho.—Quando ele partiu, era um simplesmoço de armazém.Agora,olhemsóparaele.

—Elenãopareceter-sesaídomal—disseaSra.White,educadamente.

—Eu gostaria de visitar a Índia —disse o velho. — Somente paraconhecerumpouco,vocêsabe.

—Aqui, você estará melhor — disse o Major, sacudindo a cabeça.Deixouocopovaziosobreamesae,suspirandobaixinho,sacudiudenovoacabeça.

—Eu gostaria de ver esses templos antigos. Faquires, malabaristas—disseovelho.–Oquefoimesmoquevocêcomeçouamecontar,certodia,acercadamãodeummacaco,oucoisasemelhante,Morris?

—Nada—disseabruptamenteomilitar.—Aomenosnadadequevalhaapenaserouvido.

—Mãodemacaco?—indagouaSra.White,curiosa.

—Bem,éapenasumpoucodoquesepodechamardemagia—disseomajor,bruscamente.

Ostrêsouvintesinclinaram-separafrente,interessados.Distraidamente,ovisitantelevouaoslábiosocopovazio,e,emseguida,baixou-onovamente.Oanfitriãotornouaenchê-lo.

Page 7: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

—Vejam—disseomajor,mexendonobolso.—Éapenasumapequenamão,comum,mumificada.

Eletiroualgodobolsoeexibiuaospresentes.ASra.Whiterecuoucomumesgar.Seufilho,porém,examinouamãomumificadacomcuriosidade.

—Masoqueéquehádeespecialnela?—perguntouoSr.White,queatomoudamãodofilhoe,depoisdeexaminá-la,deitou-asobreamesa.

—Sobre ela, um velho faquir lançou um encanto—disse omajor.—Umhomemmuitosanto.Queriaeledemonstrarqueodestinodeterminaavidadaspessoaseaquelesqueneleinterferemofazemparaasuaruína.Elelançousobreessamãoumfeitiçoparaquetrêsdiferentespessoaspudessemformulartrêsdistintospedidos.

Omajorfaloudeumamaneiratãoimpressionantequeosseusouvintessentiramsuasrisadassoaremumtantoabaladas.

—Bem,entãoporqueosenhornãofazosseustrêspedidos?—indagou,astuciosamente,HerbertWhite.

Omilitarolhouparaelecomoaspessoasmadurascostumamolharparaajuventudepresunçosa.

—Eu já os fiz— disse calmamente o major, e o seu rosto maculadoempalideceu.

—E os três pedidos formulados foram realmente atendidos? —perguntouaSra.White.

—Foram—respondeu omajor, e o copo chocou-se contra seus fortesdentes.

—Eninguémmaisrenovouospedidos?—perguntouavelhasenhora.

—Aprimeirapessoa teve, sim,osseusdesejossatisfeitos—respondeu.—Eunãoseiquaisforamosdoisprimeirospedidos.Masoterceirodesejofoiamorte.Foidessamaneiraqueeuobtiveamãodomacaco.

Suaentonaçãoeratãosolenequeosilênciocaiusobreogrupo.

—Sevocêconseguiurealizar todosos trêspedidos,Morris,amãonãolheservemaisparanada—disse,porfim,velhohomem.—Porque,então,aconserva?

Page 8: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

Omilitarabanouacabeça.

—Porsimplescapricho,creioeu—disseele,lentamente.

—Se pudesse fazer mais outros três pedidos — indagou o velho,olhando-ofixamente–,vocêosfaria?

—Eunãosei—disseooutro.—Eunãosei.

Omajortomouamãodomacaco,balançou-aentreosdedospolegareindicador e, subitamente, lançou-a ao fogo. White, com um ligeiro grito,abaixou-seearrancou-adelá.

—Melhorseriaqueadeixassequeimar—disseomilitar,solenemente.

—Sevocênãomaisaquer—disseovelho—,dê-aparamim.

—Não—disseobstinadamenteoamigo.—Euajogueinofogo.Sevocêquiser ficar com ela, não me culpe pelo que vier a acontecer. Lance-anovamentenofogo,comoumhomemsensato.

Ooutrosacudiuacabeçaeexaminoudepertoasuanovapertença.

—Comoéquesefazopedido?

—Segure-aemsuamãodireitaeformuleopedidoemvozalta—disseoMajor.—Maseuoadvirtoquantoàsconsequências.

—Parece asMil e uma Noites —disse a Sra. White, levantando-se ecomeçandoapôramesa.—Vocênãoachaquepoderiapedirquatroparesdemãosparamim?

Omarido tirouo talismãdobolsoe,emseguida, todos trêscaíramnagargalhadaquandoomajor,comumolharassustadonorosto,segurou-opelobraço.

—Sequermesmofazerumpedido—disseelerispidamente—,desejealgosensato.

—OSr.Whiteguardounovamenteoamuletonobolsoe,arrumandoascadeiras,chamouoamigoàmesacomumaceno.Duranteojantar,otalismãfoi, de certo modo, esquecido, e depois os três escutaram, encantados, osegundocapítulodasaventurasdomilitarnaÍndia.

—Seahistóriasobreamãodomacaconãoformaisverdadeiradoque

Page 9: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

as que ele nos contou— disse Herbert, quando a porta se fechou atrás doconvidado,a tempodeeleapanharoúltimotrem—,entãonãodevemosdarmuitocréditoaela.

—Vocêdeualgumacoisapelamão?—perguntouaSra.White,olhandoatentamenteparaomarido.

—Uma bagatela —disse ele, corando levemente. —Ele não queriareceber,maseuo fiz aceitar.Eele insistiunovamenteparaqueeua jogassefora.

—Sem dúvida—disse Herbert, com um horror fingido— vamos serricos,famososefelizes.Pai,somentedeinício,peçaparaserumimperador,eosenhornãomaisserádominadopormamãe.

Elecorreuemvoltadamesa,perseguidoporumainjuriadaSra.White,armadacomumacapadepoltronas.

OSr.Whitesacouamãodomacacodobolsoeolhouparaelacomumardedúvida.

—Eu não sei o que pedir. Isto é um fato — disse ele lentamente. —Parece-mequetenhotudooquantoquero.

—Se o senhor liquidasse o débito da casa, ficaria muito feliz, não émesmo?—disseHerbertcomamãopousadanoombrodopai.—Bem,peçaentãoduzentaslibras.Éjustamenteoquelhefalta.

Opai,comumsorrisoenvergonhadodaprópriacredulidade,ergueuotalismã,enquantoofilho,comumaexpressãosolene,umtantocomprometidapela piscadela dirigida à mãe, sentou-se ao piano e extraiu alguns acordesgrandiloquentes.

—Eudesejoduzentaslibras—disseopaiemclaravoz.

Um belo acode de piano felicitou as palavras, mas essas foraminterrompidas por um grito estridente do velho homem.Amulher e o filhocorreramatéele.

—Elasemexeu—disseele,comumolhardenojoparaoobjeto,quecaíra ao chão.— Quando eu formulei o meu pedido, ela se contorceu emminhasmãoscomoumacobra.

—Bem, eu não estou vendo o dinheiro —disse o filho, enquanto a

Page 10: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

apanhavaeapunhasobreamesa.—Eapostoquenuncaoverei.

—Deve ter sido imaginação sua, pai — disse a mulher, olhando-oansiosamente.

—Nãofazmal.Nãohouvenada.Mas,aindaassim,acoisameabalou.

Sentaram-se perto da lareira novamente, enquanto os homensterminavamdefumarosseuscachimbos.Láfora,oventosopravaaindamaisvigorosamente.Ovelhosobressaltou-seaoouvirosomdeumaportabatendonoandarsuperior.Umsilêncioestranhoedeprimenteabateu-sesobretodosostrês,eosenvolveuatéqueovelhocasalselevantouparadormir.

—Espero que o Senhor encontre o dinheiro enrolado em um grandesaco,bemnomeiodacama—disseHerbert,aodar-lheboanoite—,ealgodeterrível,agachadoemcimadoguarda-roupas,oespreite,enquantoosenhorembolsaoseuganhofácil.

Ele permaneceu sentado, sozinho, na escuridão. Observava o fogofenecereviarostosformando-senaschamas.Aúltimacaraera tãohorrível,tão simiesca, que ele a contemplou com assombro. A imagem era de umavivacidade tal queHerbert, com um sorriso inquieto, procurou namesa umcopo d’água para jogar sobre ela. Agarrou amão domacaco, sentindo umbreve calafrio. Então, limpou a própria mão no casaco e retirou-se para acama.

II

Namanhãseguinte,enquanto tomavaocafédamanhãsoba luzdosolinvernal,quepairavasobamesa,Herbert riudeseus temores.Havianasalaumardeprosaicahigidezque faltarananoiteanterior.Eamãodomacaco,enrugada e suja, atirada negligentemente sobre o aparador, não inspiravanenhumagrandecrençaemsuasvirtudes.

—Eu creio que todos os velhos militares são iguais — disse a Sra.White.—Que ideia a nossa, de dar ouvidos a estas tolices! Como se podeacreditar, nos dias de hoje, em talismãs que nos concedem desejos?E se asduzentaslhelibrasforemconcedidas,oquedemaupoderálheacontecer,pai?

—Serámau se as libras caíremdo céu, bemencimada cabeçadele—

Page 11: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

disseHerbert,frivolamente.

—SegundoMorris,ascoisasaconteciamcomtantanaturalidade—disseopai—quevocê,seoquisesse,poderiaconsiderarumasimplescoincidência.

—Bem,nãolancemãododinheiroantesqueeuvolte—disseHerbert,aose levantardamesa.—Temoqueosenhorse transformeemumhomemmaueavarento,enóstenhamosquerepudiá-lo.

Amãesorriu,acompanhou-oatéaportaeoviuafastar-sepelaestrada.Devoltaàmesa,elapareciadivertir-secomacredulidadedomarido.Masistonão a impediu de correr à porta quando o carteiro bateu, nem de fazerreferênciaamajores reformadosbeberrões,quandodescobriuqueocorreiotrouxeraapenasacontadoalfaiate.

—Comcerteza,Herbertfaráoutraobservaçãoirônicaquandovoltar—disseela,quandosesentaramparajantar.

—Semdúvida—disseoSr.White,servindo-sedeumpoucodecerveja.—Mas,sejacomofor,acoisasecontorceunaminhamão.Juroquesim.

—Vocêimaginouqueelasemexeu—disseaSra.White,suavemente.

—Eu estou dizendoque ela semexeu—ooutro replicou.—Quanto aisto,nãotenhodúvidas.Eutinhaacabado...Oquehouve?

A mulher não respondeu. Ela estava observando os movimentosmisteriososdeumhomemdoladodeforaque,olhandoindecisoparaacasa,parecia tentar decidir-se a entrar. Numa conexão mental com as duzentaslibras, ela percebeuqueo estranho estavabemvestido e usavaum reluzentechapéudesedanovo.Portrêsvezes,eleparounoportãoedepoisretrocedeu.Na quarta tentativa, pôs a mão sobre ele e, em seguida, com uma súbitaresolução, abriu-o e avançou.Nomesmomomento, a Sra.White colocou amãoatrásdesi,desatouapressadamenteoaventalecolocouestaútilpeçadovestuáriosobaalmofadadesuacadeira.

Elaconduziuoestranho—quepareciapoucoàvontade—àsala.Eleacontemplou furtivamente, e ouviu, com ar preocupado, a velha senhoradesculpar-sepelaaparênciadasalaepelocasacodomarido,umavestimentaqueelegeralmentereservavaaojardim.Ela,então,esperou,tãopacientementequanto o seu sexo permitia, que ele abordasse o motivo da visita, mas elepermaneceu,aprincípio,enigmaticamentecalado.

Page 12: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

—Eu... Pediram-me que viesse — disse ele finalmente. Abaixou-se eextraiu um pedaço de algodão da calça. —Eu venho da parte de Maw &Meggins.

Avelhasenhorateveumsobressalto.

—Aconteceu alguma coisa?— ela perguntou, ofegante.— AconteceualgumacoisaaHerbert?Oquefoi?Oquefoi?

Omaridoseinterpôs:

—Espere, espere,mãe—disse ele rapidamente.—Sente-se e não tireconclusões precipitadas. Certamente, o senhor não nos trouxe más notícias,nãoémesmo?—disseovelho,olhandoooutro,ansiosamente.

—Eusintomuito...—começouovisitante.

—Eleestáferido?—interpelouamãe.

Ovisitanteinclinou-se,assentindo.

—Gravementeferido—eledisseemvozbaixa.—Masjánãomaissentedor.

—Oh,graçasaDeus!—disseasenhora,apertandoasmãos.—GraçasaDeus!Graças...

Mas estacou subitamente, quando o terrível significado daquelaafirmativadesmoronousobreela.Elaviuaconfirmaçãodeseus temoresnorosto esquivo do outro. Então prendeu a respiração e, voltando-se para opoucoargutomarido,pôsamãotrêmulasobreele.Houveumlongosilêncio.

—Elefoiapanhadopelamáquina—dissefinalmenteovisitante,emvozbaixa.

—Apanhadopelamáquina—repetiu,aturdido,oSr.White.

Elesesentou,olhandofixamentepelajanelae,tomandoamãodamulherentreassuas,apertou-a,comocostumavafazernostemposdenamorados,hácercadequarentaanos.

—Eleeraoúltimofilhoquenosrestava—disseele,voltando-separaovisitante.—Édifícil.

Ooutrotossiue,levantando-se,caminhoulentamenteatéajanela.

Page 13: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

—A empresame pediu que lhes transmitisse os sinceros pêsames pelagrande perda — disse ele, sem olhar em volta. —Eu imploro quecompreendamquesouapenasumempregadoeapenascumproordens.

Nãohouveresposta.Orostodasenhoraestavalívido,osolhosfixos,arespiração inaudível. No rosto domarido havia um olhar que o seu amigomajorpoderiaterostentadoemseuprimeiroconflitoarmado.

—Quero dizer que a Maw & Meggins se exime de qualquerresponsabilidade — prosseguiu o outro. — Eles não admitem qualquerresponsabilidadenoevento,mas,emconsideraçãoaosserviçosprestadosporseufilho,pretendemofertar-lhesumacertaquantia,atítulodecompensação.

O Sr. White largou a mão da mulher e, pondo-se de pé, dirigiu aovisitanteumolhardehorror.Seuslábiossecosarticularamaspalavras:

—Quanto?

—Duzentaslibras—foiaresposta.

Sematinarparaogritodaesposa,ovelhosorriudebilmente,estendeuamãocomoumhomemcegoecaiudesfalecido,comoumfardo,nochão.

III

No imensocemitérionovo,aumasduasmilhasdedistância,osvelhossepultaramo seumortoevoltaramparaacasa,mergulhadana sombraenosilêncio. Tudo acabara tão rapidamente que, a princípio, elesmal se davamcontadoqueocorrera.Permaneceramemumestadodeexpectativa,comosealgo mais estivesse por acontecer — algoquelhesaliviasseaquelefardo,pesadodemaisparaosseusvelhoscorações.

Mas os dias se passaram e a expectativa deu lugar à resignação— àresignação sem esperança dos velhos, às vezes tomada erroneamente porapatia. Algumas vezes eles sequer trocavam uma palavra, pois agora nãotinhammaissobreoqueconversar,eosdiaseramlongosetediosos.

Foicercadeumasemanadepoisqueovelho,acordandosubitamentedenoite,estendeuamãoeviuqueestavasozinho.Oquartoestavaescuroeosomdeumchorolastimosovinhadajanela.Elesentou-senacamaeficouaescutar.

Page 14: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

—Volte—disseele,ternamente.—Vocêvaisentirfrio.

—Está mais frio para o meu filho — disse a senhora, que chorounovamente.

Os sons de seus soluços desvaneceram no ouvido domarido. A camaestavaquenteeosseusolhospesadosdesono.Eledormitouintermitentementee depois caiu no sono, até ser acordado, com um sobressalto, pelo gritoselvagemdamulher.

—Amão!—elachoravadescontroladamente.—Amãodomacaco!

Eleselevantou,alarmado.

—Onde?Ondeestá?Oqueaconteceu?

Elatranspôs,cambaleante,oquarto,achegando-seaele.

—Eu quero a mão do macaco— ela disse em voz baixa. — Você adestruiu?

—Ela está na sala de estar, na prateleira—ele respondeu, surpreso.—Porquê?

Elachoroueriuaomesmotempoe,inclinando-se,beijou-lheorosto.

—Somente agora pensei nisto— disse ela histericamente.— Porquenãopenseinistoantes?Porquevocênãopensounistoantes?

—Pensaremquê?—eleinquiriu.

—Nos dois outros desejos — ela respondeu rapidamente. — Nós sófizemosumpedido.

—Nãoachaquejáfoiosuficiente?—elereplicou,enraivecido.

—Não!—elagritou, triunfante.—Faremosmaisum.Desçaeapeguelogo.Desejequeonossogarotovivanovamente.

O homem sentou-se na cama e afastou os lençóis de seus membrostrêmulos.

—MeuDeus,vocêestálouca!—elegritou,horrorizado.

—Pegue-a—disseela,ofegante.Pegue-adepressaefaçaopedido...Oh,meufilho,meufilho!

Page 15: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

Omaridoriscouumfósforoeacendeuumavela.

—Volteparaacama—disseele,hesitante.—Vocênãosabeoqueestádizendo.

—Nós tivemos o primeiro desejo satisfeito — disse a senhora,febrilmente.—Porquenãoosegundo?

—Foisóumacoincidência—gaguejouovelho.

—Vábuscá-laefaçaopedido—gritouamulher,tremendodeexcitação.

Ovelhovirou-se,olhou-separaelaesuavoztremeu:

—Ele está morto há dez dias e, além disso... eu não queria que vocêsoubesse,maseusóconseguireconhecê-lopelasroupas.Seeleestavaterríveldemaisparaquevocêovisse,imaginecomonãoestaráagora.

—Traga-odevolta!—gritouavelhasenhora,eoarrastouatéaporta.—Vocêachaquetenhomedodofilhoquecriei?

Eledesceunaescuridãoetateouatéasaladeestare,depois,atéalareira.Otalismãestavaemseulugareummedohorríveldequeodesejoaindanãoformuladopudessetrazerdevolta,emsuapresença,ofilhomutilado,antesquepudesseevadir-sedasala,apoderou-sedele.Prendeuarespiraçãoaoperceberquehaviaperdidoadireçãodaportae,comatestaumedecidaporumsuorfrio,deuavoltaaoredordamesa,encontrouaparedeetateouaolongodela.Entãoseviunocorredorestreitocomaquelacoisahediondanamão.

Mesmo o rosto de sua mulher parecia mudado quando ele entrou noquarto. Estava pálido e ansioso e, para o seu temor, tinha uma aparênciaanômala.Sentiumedodela.

—Façaopedido!—elagritou,imperiosamente.

—Istoéumatolice.Umaperversidade—eledisse,hesitante.

—Peça!—repetiuamulher.

Eleergueuamão.

—Desejoqueomeufilhovivanovamente!

Otalismãcaiunochãoeeleoolhouamedrontado.Entãoafundounumacadeira,trêmulo,enquantoavelha,comosolhosabrasados,foiatéajanelae

Page 16: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

levantou a persiana. Ele permaneceu sentado até enregelar-se, olhandoocasionalmente para a figura damulher, que espiava pela janela.O resto devela, que ardera até a borda do castiçal de porcelana, lançava sombraspulsantessobreotetoeasparedesatéque,comumlampejomaisintenso,seapagou. O velho homem, com uma indescritível sensação de alívio pelofracassodotalismã,rastejoudevoltaàcamae,umoudoisminutosdepois,avelhasenhora,silenciosaeapaticamente,deitou-seaolado.

Nenhum dos dois falou. Permaneceram em silêncio, ouvindo o tique-taque do relógio. Um degrau rangeu, um rato correu, ruidosamente, aguinchar,pelaparede.Aescuridãoeraopressivae,depoisdecontinuardeitadoporalgumtempo,tomandocoragem,omaridotomouumacaixadefósforose,acendendoum,desceuasescadasembuscadeoutravela.

Aopé da escada o fósforo acabou e ele parou para acender outro.Nomesmoinstante,umabatida,tãosilenciosaefurtivaquemalseouvia,soounaportadafrente.

Os fósforos caíram-lhe da mão. Ele ficou imóvel, com a respiraçãosuspensa,atéqueabatidaserepetiu.Entãoelevirouefugiurapidamenteparaoquanto,fechandoaportaatrásdesi.Umaterceirabatidaressooupelacasa.

—Oquefoiisso?—gritouasenhora,levantando-se.

—Umrato—disseovelho,comavoztrêmula.—Umrato.Elepassoupormimnaescada.

Amulhersentou-senacamaeficouescutando.Outrabatida—forte—voltouaressoar.

—ÉHerbert!—elagritou.—ÉHerbert!

Ela correu para a porta, mas o marido se antepôs, e, tomando-a pelobraço,segurou-afirmemente.

—Oquevocêvaifazer?—sussurrouele,comvozrouca.

—Émeufilho!ÉHerbert!—elagritou,lutandomaquinalmente.Eumeesquecidequeeleestavaaduasmilhasdedistância.Porquevocêestámesegurando?Solte-me.Precisoabriraporta.

—PeloamordeDeus,nãoodeixeentrar—gritouovelho,tremendo.

—Vocêestácommedodeseuprópriofilho!—elagritou,debatendo-se.

Page 17: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

—Largue-me!Estouindo,Herbert!Estouindo!

Houvemaisumabatidaemaisoutra.Avelha,comumsúbitoempurrão,soltou-se e saiu correndo do quarto. O marido seguiu-a até o patamar e,suplicante,chamouporela,enquantoamulher,voando,desciaasescadas.Eleouviu a corrente chacoalhar e a tranca de baixo ser deslocada lenta erigidamentedoencaixe.Entãoavozdavelhamulhersoou,tensaeofegante:

—Atranca—gritoualto.—Desça.Eunãoconsigopuxá-la!

Mas o marido estava com as mãos e os joelhos no chão, tateando,procurando desesperadamente a mão do macaco. Se pelo menos eleconseguisse encontrá-la antes que aquela coisa lá fora entrasse! Batidassucessivas reverberaram pela casa e ele ouviu o arrastar de uma cadeiraquando a mulher a colocou no corredor, de encontro à porta. Ele ouviu orangerdatrancaaoserdeslocadalentamenteenomesmoinstanteencontrouamãodomacaco.Desesperadamente,formulouoseuterceiroeúltimopedido.

Asbatidascessaramsubitamente,emboraosseusecosaindaressoassempela casa. Ele ouviu a cadeira ser arrastada para trás e a porta se abrir.Umventofriosubiuatéaescadaeolongoealtogemidodedecepçãoetristezadamulher lhe deu coragem para correr até ela e, em seguida, até o portão. Ocintilardolampiãodooutroladodaruaalumiavaumaestradacalmaedeserta.

Page 18: W. W. JACOBS - freebookseditora.weebly.com fileA MÃO DO MACACO Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas, na pequena sala de Laburnam Villa, os postigos estavam cerrados e o fogo

SOBREOAUTOR

Emboraessencialmentehumorista,o escritor inglêsW.W.Jacobs (1863—1943)ganhounotoriedadecomocontoAMãodoMacaco,umadasmaisbem-sucedidashistóriadehorrordaliteraturauniversal.