volume 3 - número 1 jan./jun. 2009 - curso de geografia · cartografia, geografia cultural e...
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© 2007 Curso de Geografia do Campus Experimental de Ourinhos
CAPA
Márcio Rogério Silveira
DIAGRAMAÇÃO e EDITORAÇÃO
IMPRESSÃO
TIRAGEM
300
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Revista Geografia e Pesquisa / Universidade Estadual Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso
de Geografia.-- Ourinhos: Curso de Geografia,
2008.
Semestral
v.3, n.1, jan./jun.
ISSN 1982-9760
1. Geografia. 2. História. I. Universidade Estadual
Paulista. Campus Experimental de Ourinhos. Curso de
Geografia. II. Título.
CDD: 910.05
R4546
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SUMÁRIO
CARTOGRAFIA APLICADA À ANÁLISE GEOAMBIENTAL: UM ESTUDO
DE CASO COM FOTOGRAFIAS AÉREAS DE PEQUENO FORMATO NO
LAGAMAR DO RIO COCÓ – FORTALEZA – CEARÁ. Renato Caetano de Souza,
Adryane Gorayeb, Ronaldo Caetano de Souza e Edson Vicente da Silva
A ESPACIALIDADE DIOCESANA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ana
Carolina Lobo Terra
ASSOCIATIVISMO E PRODUÇÃO ESPACIAL EM SALVADOR-BA: uma
discussão sobre solidariedade, justiça social e democracia no Brasil contemporâneo
a partir da produção espacial por novos personagens urbanos. Margarete Rodrigues
Neves Oliveira
FUSÕES, AQUISIÇÕES E PRIVATIZAÇÕES NA DÉCADA DE 1990: O CASO
BRASILEIRO. Domingos Sávio Corrêa
O SAMBA NA CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E
CONFORMAÇÃO DE TERRITORIALIDADES NA CIDADE DE SÃO PAULO. Alessandro Dozena
DOS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO AOS PROJETOS
PONTUAIS NO BRASIL E A INFLUENCIA DO MODAL RODOVIÁRIO. Vitor
Hélio Pereira de Souza e Prof. Dr. Márcio Rogério Silveira
Editorial
A revista Geografia & Pesquisa é uma publicação periódica de cunho científico voltada
para pesquisadores da ciência geográfica e áreas afins, que se tornou realidade em 2007.
Neste terceiro volume, número um, o leitor vai dialogar com diversas temáticas, como
cartografia, geografia cultural e planejamento, com artigos oriundos de várias
universidades brasileiras, como a UFC – Universidade federal do Ceará, da UERJ –
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ/NEPEC – Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Espaço e Cultura, da UFBA – Universidade Federal da Bahia, da USP –
Universidade de São Paulo e da UNESP – Universidade Estadual Paulista, campus de
Rio Claro e Ourinhos.
Esperamos que estas comunicações sejam úteis e reiteramos o convite à comunidade na
divulgação da pesquisa e consolidação do periódico.
Luciene Cristina Risso
Editora Chefe
CARTOGRAFIA APLICADA À ANÁLISE GEOAMBIENTAL: UM
ESTUDO DE CASO COM FOTOGRAFIAS AÉREAS DE PEQUENO
FORMATO NO LAGAMAR DO RIO COCÓ – FORTALEZA –
CEARÁ
Renato Caetano de Souza 1
Adryane Gorayeb2
Ronaldo Caetano de Souza3
Edson Vicente da Silva4
RESUMO
Atualmente, o mapeamento continua sendo um produto que despende
tempo e requer considerável desembolso financeiro, mesmo considerando-se o
avanço e a disseminação das técnicas cartográficas. Assim, a fotografia aérea
de pequeno formato se apresenta como solução para a obtenção de um
produto cartográfico de boa qualidade e se enquadra em orçamentos mais
modestos, inclusive de pessoas físicas, empresas particulares e gestores de
pequenos municípios. A técnica apresentada pode ser utilizada como suporte
para o planejamento urbano e no auxílio para a análise de impactos
ambientais, uma vez que levanta dados atualizados das áreas de interesse. O
presente trabalho tem como principal finalidade a demonstração do uso de
fotografias aéreas de pequeno formato para a atualização de plantas cadastrais
em áreas de até 4.000ha, com relevo predominantemente plano. Foi definido
como área de estudo o ambiente de lagamar do rio Cocó (baixo curso),
localizado na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. A qualidade do produto foi
verificada utilizando o software ERDAS Imagine, de modo a identificar a
acurácia dos pontos e a grandeza dos erros mensuráveis. Finalmente, vale
ressaltar que a presente técnica tem suas limitações e não deve ser confundida
com aerofotogrametria.
1 Bacharel em Geografia, Universidade Federal do Ceará (UFC).
2 Doutora em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Rio Claro.
3 Engenheiro Cartógrafo, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
4 Doutor em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Rio Claro.
Palavras-chave: Sensoriamento Remoto, fotografia aérea de pequeno formato,
análise geoambiental, rio Cocó.
ABSTRACT
Currently, the mapping is a product that spends time and requires
considerable financial disbursement, even considering the advancement and
dissemination of cartographic techniques. Thus, the small format aerial
photography is presented as a solution to obtain a cartographic product of good
quality and comes in more modest budgets, including individuals, private
companies and managers of small municipalities. The technique presented can
be used as support for urban planning and the aid for the analysis of
environmental impacts. This work has as main purpose to demonstrate the use
of aerial photographs in small format for updating records of plants in areas of
up to 4.000ha with predominantly relief plan. Was defined as the study area of
the environment of the river Cocó (lower part of the river), located in the city of
Fortaleza, capital of Ceará. The quality of the product was verified using the
software Erdas Imagine, in order to identify the accuracy of the points and the
magnitude of errors measurable. Finally, it emphasized that this technique has
its limitations and should not be confused with Aerial Photography.
Key-words: Remote Sensing, small format aerial photography, analysis
environmental, Cocó river.
1. Introdução
A confecção de produtos cartográficos pelo método aerofotogramétrico fornece
produtos de reconhecida qualidade geométrica. As fotografias aéreas podem ser obtidas
em diversas escalas, de acordo com a finalidade de seu provável uso. Para a elaboração
de um mapeamento mais preciso, como cadastros de áreas urbanas, são utilizados vôos
em altitudes relativamente mais baixas para que as fotos sejam obtidas em escalas
maiores, no intervalo de 1: 4.000 a 1: 10.000. Por outra parte, em áreas rurais os vôos
são normalmente efetuados em altitudes mais elevadas com vista à obtenção de
produtos nas escalas de 1: 15.000 a 1: 40.000 (AMORIM, 1993).
Em contrapartida, os modernos sensores de alta resolução, como Ikonos,
Quickbird, Eros, CBERS-2 e SPOT 5 fornecem produtos com excelentes resoluções e
em um curto espaço de tempo, permitindo uma periodicidade razoável na obtenção das
informações. As escalas de mapeamento variam em função de cada satélite. O Ikonos,
por exemplo, pode chegar até a 1: 2.500, enquanto o Landsat 7 ETM+ mapeia feições
terrestres em escalas menores de 1: 50.000 (ROSA, 1995).
Porém, mesmo com o avanço e a disseminação das técnicas cartográficas, o
mapeamento continua sendo um produto que despende tempo e requer considerável
desembolso financeiro.
Neste contexto, a fotografia aérea de pequeno formato se apresenta como uma
possível solução para a obtenção de um produto cartográfico de boa qualidade e que se
enquadra em orçamentos mais modestos, inclusive de pessoas físicas e empresas
particulares.
Assim, o recobrimento aéreo com fotografias de pequeno formato pode ser
utilizado para atualizar a base cartográfica de uma determinada área e elaborar mapas
temáticos. Deste modo, o método de obtenção de produto cartográfico a partir de
fotografias aéreas não-métricas dá suporte ao planejamento urbano e auxilia as análises
ambientais, tendo como principal vantagem o curto período de tempo para obtenção e o
baixo custo de execução do projeto.
O presente trabalho tem como principal finalidade a demonstração do uso de
fotografias aéreas de pequeno formato para a atualização de plantas cadastrais e o
estudo ambiental de áreas com até 4.000ha, com relevo predominantemente plano. Para
tanto, definiu-se como área de estudo o ambiente de lagamar do rio Cocó (baixo curso
da bacia), localizado na cidade de Fortaleza, entre os bairros Aerolândia e Jardim das
Oliveiras. A área selecionada reuni vantagens como proximidade e disposição de
materiais para realização da pesquisa. Ademais, atualmente, os aspectos ambientais e
sociais do rio Cocó estão sendo discutidos por diferentes segmentos da sociedade
fortalezense, em especial os órgãos de pesquisa e as instituições ambientais
(governamentais e não-governamentais). Deste modo, a presente pesquisa pretende dar
uma pequena contribuição aos debates técnicos, inserindo novos dados cartográficos ao
conhecimento científico.
2. Localização da Área de Estudo
A área de estudo possui 446 hectares e abrange o Lagamar do rio Cocó, na
cidade de Fortaleza, situado entre os bairros Jardim das Oliveiras e Aerolândia, nas
seguintes coordenadas UTM (zona 24): NW – 554414.30E, 9584338.67N; NE -
555107.29E; 9584338.67N; SW – 554414.30E; 9583666.23N e SE - 555107.41E;
9583666.23N (Figuras 1 e 2). O lagamar situa-se na planície flúvio-marinha do rio
Cocó, que possui uma largura média local de 300m durante o período seco e dista cerca
de 12,5km da foz, entre as praias Caça e Pesca e Sabiaguaba (litoral leste da cidade de
Fortaleza).
Os ambientes naturais do Cocó estão sujeitos de forma intensa à atividade
humana, que intervém significativamente por meio de construções de domicílios, vias
urbanas, equipamentos públicos e empreendimentos comerciais. Estes equipamentos
urbanos interferem diretamente nos processos sedimentares, morfológicos, ecológicos e
oceanográficos da região.
Historicamente, desde 1933 o Lagamar do rio Cocó concentra moradias de baixa
renda e, atualmente, possui uma série de problemas ambientais e sociais decorrentes da
falta de planejamento urbano, devido, principalmente, ao crescimento demográfico e à
execução inadequada de projetos estruturais, como saneamento básico, drenagem de
obras fluviais, construção de moradias populares e outras formas de ocupação.
3. Metodologia
3.1. Análise Geossistêmica e Definição das Unidades Geoambientais do Lagamar
do Rio Cocó
Como embasamento teórico-metodológico para a definição das unidades
geoambientais do Lagamar utilizou-se a análise dos geossistemas, desenvolvida a partir
da Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1977), que relaciona as diversas
combinações entre os fatores biológicos e o potencial ecológico, bem como as relações
destas variáveis com as ações e resultantes sociais. Para tanto, tomou-se como base as
obras de Bertrand (1969), Sotchava (1977), Christofolletti (1979) e Silva (1993), com
destaque para este último autor.
Algumas das ações que devem ser efetivadas para concretizar uma análise
integrada do ambiente são:
1) avaliar os aspectos geoambientais (geologia, geomorfologia, clima,
hidrografia, solos, vegetação e fauna),
2) analisar os fatores socioeconômicos da área estudada,
3) identificar as condições de uso e ocupação do solo e
4) verificar implicações derivadas da ocupação, promovendo um esboço de
zoneamento.
3.2 Obtenção de Informações Cartográficas por meio de Fotografias Aéreas Não-
Métricas de Pequeno Formato
A obtenção das informações cartográficas por meio de fotografias aéreas não-
métricas de pequeno formato foi possível a partir do planejamento e da execução do
vôo, do apoio terrestre e dos trabalhos de gabinete: i) montagem do mosaico
fotográfico, ii) vetorização das feições e iii) formatação e avaliação da qualidade
cartográfica.
Como embasamento metodológico foram utilizados os seguintes trabalhos:
Disperati (1991), Lima; Loch (1998) e Disperati;Amaral; Schuler (2007).
3.3 Planejamento e Execução do Vôo
O processo de obtenção das imagens inicia-se com o planejamento do vôo. Para
efetuar esta etapa foi necessária a utilização de um mapa georreferenciado da área
objeto de analise para a determinação das faixas de vôo e do número de fotografias a
serem obtidas.
Em relação ao horário do sobrevôo, priorizaram-se períodos do dia que a
incidência de sombras fosse menor, em geral, horários próximos ao meio-dia. As
imagens fotográficas deviam estar livres de nuvens, efeito de arrasto e halos.
3.3.1 Especificações da Aeronave
Para o recobrimento aéreo, foi utilizada para a pesquisa uma aeronave com asa
alta, de maneira que esta não interfira na tomada das fotografias (Figura 3). Em áreas
pequenas (≤ 2km2) pode-se utilizar como opção de plataforma um helicóptero que,
sobrevoando a área, detalha as feições terrestres com maior precisão.
3.3.2 Recobrimento Aéreo
As fotografias foram obtidas através de uma câmera digital profissional não-
métrica (Figura 4). A tomada das fotos, orientada por um cronômetro, foi feita com a
câmera fotográfica acoplada a um suporte solidário à aeronave. Para obter a
verticalidade do eixo ótico da câmera no instante em que o obturador é aberto, adapta-se
um nível de bolha na sua parte superior.
As experiências práticas comprovam que a lente usada na máquina fotográfica
deve ter a distância focal de 50mm, por obter melhores resultados na relação distorção x
ampliação das fotos.
O plano de vôo incluiu as coordenadas de entrada e saída das faixas que
contemplaram a área de trabalho. Estas coordenadas foram transcritas para o GPS
navegador fixado ao avião e tiveram por finalidade orientar o piloto e o fotógrafo
durante a entrada e a saída de cada faixa de vôo. Para a determinação das direções das
linhas de vôo foram extraídas coordenadas UTM (E, N) relativas ao início e fim de cada
faixa (Figura 5).
No plano de vôo determinou-se o valor da eqüidistância lateral entre as linhas de
vôo (30% de superposição transversal e 70% de superposição longitudinal), o número
de faixas, a quantidade das fotos por cada faixa, o número aproximado de horas de vôo
e a altura do vôo.
A execução do vôo foi uma das etapas mais dispendiosas do trabalho e, portanto,
foi imprescindível evitar erros.
Os erros mais freqüentes causados durante a tomada das fotos estão relacionados
à ausência de recobrimentos laterais e longitudinais, provocados pelo desvio da rota do
avião. Neste caso, são necessários novos recobrimentos para as faixas que apresentarem
problemas.
A Figura 6 ilustra o sobrevôo de uma aeronave no momento da tomada das
fotos.
3.4 Apoio Terrestre
Durante o apoio terrestre foram utilizados receptores GPS de precisão (≤ 10cm)
para a obtenção de pontos de controle (Figura 7). Utilizou-se como pontos de controle
para o levantamento planimétrico os cruzamentos das vias, as pontes, as construções e a
hidrografia (Figura 8).
3.5 Montagem do Mosaico Fotográfico
3.5.1 Obtenção do Fotoíndice
A montagem do fotoíndice foi realizada a partir da superposição das fotografias
digitais identificadas numericamente. Para a análise da qualidade, observaram-se a
presença de nuvens, sombras, buracos causados por derivas, arrastos e halos.
3.5.2 Obtenção do Mosaico
As fotografias foram superpostas no editor de imagens respeitando-se a
seqüência da faixa e a sobreposição lateral e longitudinal. Após a montagem da área
objeto, a base cartográfica foi inserida no editor de imagens para verificar as distorções
e realizar algum ajuste, caso fosse necessário.
3.6 Vetorização Manual das Feições Terrestres
Após a correção do mosaico utilizando-se a base cartográfica, o mosaico foi
transferido para o software CAD, onde foram vetorizadas as feições de interesse
(arruamento, edificações, lotes, vegetação, hidrografia e etc.).
É importante lembrar que quando se faz um mapeamento temático, devem-se
estabelecer elementos gráficos específicos para cada elemento espacial: linhas para ruas
e cursos d‘água, pontos para toponímias, polígonos para quadras ou residências e etc.
Finalmente, após a etapa de vetorização, foram inseridos os seguintes itens:
toponímias, identificação do mapa, data de elaboração, escala, legenda, mapa de
situação e malha de coordenadas UTM.
A Figura 9 demonstra a sobreposição entre a imagem fotográfica e a base
cartográfica. A Figura 10 mostra a atualização da base cartográfica a partir da
vetorização das casas e a Figura 11 ilustra o produto final, ou seja, a planta atualizada a
partir da sobreposição entre o mosaico e a base cartográfica.
3.7 Formatação do Produto Final e Avaliação da Qualidade
A avaliação da qualidade do produto final foi feita durante as etapas de
recobrimento aéreo, elaboração do mosaico fotográfico e reambulação. Esta avaliação
processual permite detectar a ocorrência de erros grosseiros, ou seja, erros de
fotointerpretação.
Conforme Loch (1994), reambulação é a comprovação de dados e informações
relativas aos acidentes naturais e artificiais. Nesta etapa, são coletados os nomes dos
logradouros, prédios oficiais (escolas, prefeitura e etc.), praças, cursos d‘água e outras
informações que se façam necessárias.
A grandeza dos erros mensuráveis (erros de medidas métricas) depende da
relação entre o número de pontos de apoio no terreno que possam ser identificáveis na
foto. Nesse sentido, quanto maior a escala da foto (melhor visualização das feições
terrestres), maior é a necessidade de se ter pontos identificáveis. Desse modo, o êxito do
trabalho é alcançado quando se utiliza materiais complementares durante a
fotointerpretação e a vetorização das informações, como mapas e registros de campo.
Nesta etapa, foi utilizado o software ERDAS Imagine (software de geocorreção
de imagens) para determinar a grandeza do erro e a acurácia de cada ponto,
comparando-se a precisão dos eixos das ruas na fotografia aérea com os eixos da base
cartográfica. Vale ressaltar, que a finalidade principal da fotografia aérea de pequeno
formato é a visualização das feições terrestres e que a precisão cartográfica está
diretamente relacionada com a base cartográfica utilizada.
A Tabela 01 sintetiza os procedimentos metodológicos necessários para obter
plantas cartográficas a partir de fotografias aéreas de pequeno formato.
Tabela 1 – Síntese dos procedimentos metodológicos necessários para obter plantas
cartográficas a partir de fotografias aéreas de pequeno formato.
Procedimentos
Metodológicos
Finalidades Ações Materiais e Informações
1. Elaboração do
plano de vôo
Planejar a rota do avião
para o recobrimento
aéreo da área.
- Determinar altura do vôo, observando-se
a altitude média do lugar.
- Determinar a direção, o número e a
distância entre as faixas, permitindo uma
sobreposição transversal (30%) e
longitudinal (70%).
- Base cartográfica
georreferenciada
(sistema de projeção
UTM, datum SAD69).
- Implantar no menu do GPS navegador as
coordenadas UTM (E, N) de entrada e
saída das faixas.
- Determinar a velocidade da aeronave.
- GPS navegador.
- Altitude média da
área.
2. Execução do
vôo
Sobrevoar a área de
trabalho para obter
imagens fotográficas
aéreas.
- Realizar cobertura fotográfica.
- Utilizar avião de asa alta e seguir linhas
de vôo segundo orientação do GPS
navegador.
- Observar os horários adequados para
efetuar sobrevôo, minimizando-se a
incidência de sombras.
- Obter fotografias livres de nuvens,
sombras, efeito de arrasto e halos.
- Manter dentro das tolerâncias a
verticalidade do eixo ótico.
- Aeronave monomotor
modelo Skylane.
- Máquina fotográfica
digital profissional não-
métrica.
- Lentes de 50mm.
- Cronômetro.
- Nível de bolha.
- GPS navegador.
- Base cartográfica
georreferenciada
(sistema de projeção
UTM, datum SAD69).
3. Montagem do
mosaico
fotográfico
Montar o mosaico de
imagens para fornecer
apoio visual durante a
etapa de atualização da
base cartográfica.
- Montar fotoíndice no editor de imagens,
utilizando-o como referência durante a
montagem do mosaico.
- Montar mosaico no editor de imagens,
evitando-se ampliações (para diminuir as
distorções) e obedecendo-se a
sobreposição.
- Utilizar a base cartográfica como
referência no ajustamento planimétrico das
fotos.
- Software CAD.
- Editor de imagens.
4. Atualização da
base cartográfica
(apoio terrestre)
Atualizar a base
cartográfica a partir da
vetorização das feições
terrestres.
- Inserir o mosaico em ambiente CAD para
georreferenciar, ajustar planimetricamente,
vetorizar as feições e lançar as toponímias.
- Coletar pontos em campo (cruzamento de
vias, pontes, trilhos, cursos d‘água, etc.)
para atualizar a base cartográfica.
- Privilegiar pontos facilmente
identificáveis na foto e no terreno.
- GPS de precisão (≤
10cm).
- Software CAD.
5. Formatação do
produto final
Realizar a formatação
final da planta e avaliar
a qualidade do
produto.
- Realizar reambulação.
- Inserir malha de coordenadas UTM e
dados de identificação da planta.
- Imprimir o produto final.
- Software CAD.
- Plotter colorido.
Fonte: Souza (2007)
3.8 Elaboração do Mapeamento Temático
Para desenvolver a pesquisa foram utilizados os seguinte materiais para
identificar os aspectos ambientais e orientar os trabalhos gerais:
Folhas de levantamentos aerofotogramétricos da AUMEF (Associação dos
Servidores da SEINFRA- Secretaria de Infraestrutura do Ceará e SEMACE –
Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará) e PMF (Prefeitura municipal
de Fortaleza), escala de 1: 10.000, décadas de 1970 e 1980;
Folhas de levantamentos aerofotogramétricos da PROSPEC (Prospecções e
Aerolevantamentos S/A), escala de 1: 2.000, data: 1998;
Microcomputador (Pentium 4, 2 MHz, Memória RAM 256MB, HD 40GB);
Plotter jato de tinta;
Programa CAD;
Scanner e
Máquina fotográfica digital.
4. Atualização da Planta Cadastral da Área-Piloto
4.1 Execução do sobrevôo no Lagamar do Rio Cocó
A escala do trabalho foi definida em 1: 2.000. Deste modo, o vôo foi realizado a
4.000 pés (aproximadamente 1.333m) em relação ao nível médio da área (nível do mar),
em uma aeronave monomotor do tipo Skylane. A velocidade média da aeronave foi de
150km/h, recobrindo 7 faixas no sentido L-O, que distanciaram entre si lateralmente
400m, mantendo-se as superposições de 30% e 70%. A distância lateral eliminou a
possibilidade de buracos, excluindo a necessidade de retornar ao local.
Durante o vôo, realizado às 14h, foram obtidas 32 fotografias para cobrir uma
área de 446 hectares, utilizando-se uma máquina fotográfica profissional Canon EOS
400d, com lente de 50mm e foco infinito. Durante a tomada das fotos não foi observada
presença significativa de nuvens. As imagens fotográficas foram retocadas no editor de
imagens, ajustando as diferentes luminosidades incidentes sobre o terreno.
4.2 Elaboração do Mosaico da Imagem Fotográfica
Inicialmente, foi montado o fotoíndice com a finalidade de identificar possíveis
falhas e direcionar a montagem do mosaico de interesse. O mosaico do Lagamar foi
organizado utilizando-se as fotografias em meio digital.
Durante a montagem lançou-se foto sobre foto, obedecendo-se as áreas de
superposição lateral e longitudinal. Para controlar as distorções, foi utilizada base
cartográfica da PROSPEC (1998) como pano de fundo.
A Figura 12 ilustra a sobreposição de fotografias para a formação do mosaico.
4.3 Atualização da Base Cartográfica e Vetorização das Feições de Interesse
Neste trabalho foi realizada a atualização das bases cartográficas com o GPS de
precisão. Este equipamento forneceu as coordenadas UTM dos pontos de apoio (sistema
viário, quadras, principais equipamentos, bueiros, riachos e etc.), que foram acrescidos à
base cartográfica em meio digital.
Com o painel fotográfico sobreposto à base cartográfica, foi feita a vetorização
dos elementos pertinentes ao trabalho, como casas, prédios públicos, igrejas,
arruamentos, corpos hídricos e outros.
A Figura 13 demonstra a vetorização feita sobre a imagem fotográfica já
trabalhada no editor de imagem e a Figura 14 ilustra a base cartográfica atualizada.
4.4 Formatação do Produto Final e Qualidade do Produto
Nesta etapa realizou-se a reambulação dos dados durante os trabalhos de campo,
em que foram verificadas as toponímias de interesse.
A formatação final da atualização da base cartográfica do Lagamar do rio Cocó
foi realizada a partir da inserção dos seguintes dados na planta cadastral:
1) identificação da planta,
2) data e local de elaboração,
3) nome do desenhista responsável,
4) escala do trabalho,
5) mapa de situação e
6) malha de coordenadas UTM.
A qualidade do trabalho está relacionada com a precisão da base cartográfica,
neste caso a base planimétrica da PROSPEC S/A. (1998), que possui tolerância de até
1m por estar em escala de 1: 2.000. Porém, de modo a complementar a avaliação da
qualidade final do produto, utilizou-se o software ERDAS Imagine para verificar a
acurácia dos pontos e a grandeza dos erros.
Vale ressaltar que a verificação da acurácia teve por finalidade verificar
preliminarmente alguns pontos da imagem e da base, sendo necessário um estudo mais
detalhado e completo com o produto cartográfico.
A Figura 15 ilustra a localização dos pontos que foram coletados em campo, em
um trecho da área de estudo, e inseridos no software ERDAS Imagine e a Tabela 2
revela os erros estimados por ponto.
Tabela 02 - Relatório de precisão dos pontos.
Pontos Eixo X Eixo Y Erro médio quadrático*
01 0,718 0,706 1,317
02 0,753 0,728 1,343
03 0,801 0,768 1,405
04 0,704 0,726 1,319
05 0,688 0,715 1,296
06 0,821 0,834 1,423
07 0,832 0,805 1,418
08 0,642 0,687 1,281
09 0,653 0,645 1,275
10 0,689 0,678 1,291
11 0,744 0,704 1,322
12 0,708 0,715 1,316
13 0,804 0,785 1,411
14 0,902 0,884 1,492
15 0,728 0,715 1,332
16 0,715 0,716 1,321
17 0,743 0,726 1,339
18 0,748 0,753 1,348
19 0,832 0,815 1,419
20 0,803 0,773 1,408
21 0,901 0,895 1,496
Média 0,758 0,751 1,361
* Erro Médio Quadrático (ou desvio padrão): m = + - √(Σ(Y-Ŷ)²/(n-1)). Onde: m= desvio-padrão; Y= cada
uma das observações, Ŷ= média das ‖n‖ observações do erro calculado e n = número de observações.
Fonte: Souza (2007)
5. Caracterização Geoambiental do Lagamar do Rio Cocó
5.1 Aspectos Geológico-Geomorfológicos
A composição geológica da área do Lagamar do rio Cocó data da era Cenozóica
do período Quaternário, estando em seu entorno sedimentos inconsolidados definidos
estratigraficamente desde o Plioceno até o Holoceno que correspondem à Formação
Barreiras e aos depósitos aluvionares.
A Formação Barreiras apresenta-se de forma irregular ao longo da costa,
sobrepondo-se discordantemente sobre a superfície de erosão das rochas Pré-
Cambrianas. É constituída por sedimentos de composição arenosa, contendo níveis de
argilas, seixos de quartzo e óxidos de ferro, sendo que este último mostra-se na estrutura
por coloração que varia de amarelada a avermelhada.
Os sedimentos de mangue pertencem aos depósitos aluvionares e são
constituídos essencialmente por argilas (de coloração negra) e matéria orgânica (restos
de organismos, carapaças de animais e etc.) (FREIRE, 1989). A composição
mineralógica é essencialmente formada por grãos de quartzo, caracterizando-se por
areias de coloração clara e creme- esbranquiçada.
O relevo é caracterizado pelo Tabuleiro Pré-Litorâneo e a Planície Flúvio-
Marinha. Os Tabuleiros Pré-Litorâneos comportam-se como um glacis de acumulação,
que se inclina de modo gradativo, do interior para o litoral (LIMA; MORAES; SOUZA,
2000).
Considerando-se o Lagamar do rio Cocó, sabe-se que as planícies Flúvio-
Marinhas são áreas de inundação que possuem relevo plano e têm sua dinâmica
condicionada ao regime pluviométrico e à oscilação das marés.
5.2 Clima e Recursos Hídricos
A posição geográfica do estado do Ceará insere todo o seu território
climaticamente na zona tropical com temperaturas elevadas, chuvas irregulares e forte
insolação anual. No Estado vários sistemas atmosféricos atuam nas condições do tempo
e do clima, sendo o de maior importância o da Zona de Convergência Intertropical
(ZCIT), responsável pelo estabelecimento da quadra chuvosa entre fevereiro e maio
(CEARÁ, 1989).
Na maior parte do ano, o Ceará fica sob a ação do Anticiclone do Atlântico Sul,
responsável pela estabilidade do tempo, o que resulta no período de estiagem
prolongado. Este período é expresso por elevadas temperaturas, amplitudes térmicas
diárias altas, baixos índices de nebulosidade, forte insolação, elevadas taxas de
evaporação e marcante irregularidade das chuvas no tempo e no espaço, principal
característica do regime pluviométrico estadual (CEARÁ, 1989).
Na região litorânea, as temperaturas são amenizadas pelos ventos alísios e brisas
marinhas, sendo registradas temperaturas médias anuais situadas entre 26 C e 27 C, não
excedendo a 32º C. O tipo climático de Fortaleza é o tropical quente e sub-úmido, sendo
os índices pluviométricos em torno de 1000 a 1350mm anuais (SILVA;
CAVALCANTE, 2000).
5.3 Solos , Vegetação e Fauna
Os solos predominantes da região estudada são os Solos Indiscriminados de
Mangue na área do manguezal e os Argissolos Vermelho-Amarelo que ocorrem,
principalmente, na área do Tabuleiro Pré-Litorâneo (PEREIRA, 2001).
Na Tabela 03 podem-se observar as principais unidades paisagísticas da área de
estudo e os principais solos identificados, com suas características e limitações de uso.
Tabela 03 – Associações de solos, características dominantes e limitações de uso e
ocupação
Unidades
Geoambientais Classes de solos
Características Dominantes Limitações de Uso
Planície Flúvio-
Marinha Gleissolos
Solos orgânicos, salinos e mal
drenados, muito ácidos e parcialmente
submersos
Excesso de água, salinização,
drenagem ruim e inundações
Tabuleiro Pré-
Litorâneo
Argissolo Vermelho-Amarelo
Profundos, textura argilosa,
moderadamente ou imperfeitamente
drenado, fertilidade baixa
Drenagem moderada
Fonte: Adaptado de LIMA; MORAIS; SOUZA (2000)
A vegetação natural da área sofreu grandes transformações, tendo como causa
fundamental a intensa ação antrópica. Os principais tipos de vegetação são os
pertencentes à Vegetação Tropical Paludosa de Mangue (SILVA, 1993).
A Vegetação Tropical Palaudosa de Mangue caracteriza-se por possuir plantas
halófitas, que compreendem cinco espécies principais: o mangue vermelho (Rhizophora
mangle), o mangue preto (Avicennia germinans e A. schaueriana), o mangue branco
(Lagucunlaria racemosa) e o mangue botão (Conocarpus erectus) (SCHAEFFER-
NOVELLI, 1995). Porém, no Lagamar do rio Cocó existe atualmente uma
predominância de espécies do mangue preto e mangue vermelho.
Devido à grande diversidade do habitat, a fauna da área é muito diversificada. O
manguezal é habitado por diversos animais, desde microorganismos até aves, répteis e
mamíferos, ocupando os sedimentos, a água, as raízes e os troncos. A maior parte da
fauna do manguezal vem do ambiente marinho: moluscos, caranguejos, siris, camarões
e peixes. Da água doce há crustáceos como o pitu e algumas espécies de pescados
(SCHAEFFER-NOVELLI, 1995).
A Figura 16 ilustra alguns exemplares de mangue preto durante o período
chuvoso e a Figura 17 detalha um trecho próximo à Av. Murilo Borges, onde tem
grande concentração de lixo e aguapé.
6. Formas de Uso e Ocupação do Solo e Propostas de Medidas Conservacionistas
para o Lagamar do Rio Cocó
A bacia hidrográfica do rio Cocó foi sendo transformada progressivamente
devido à expansão urbana da cidade de Fortaleza, acarretando em uma conseqüente
ocupação dos terrenos que legalmente são considerados como APP‘s (Áreas de
Preservação Permanente). No caso da bacia hidrográfica do rio Cocó, as áreas de
preservação envolvem toda a extensão das margens que estão sujeitas à inundação.
A zona estuarina do rio Cocó, região do baixo curso, iniciava-se na área de
lagamar e se estendia até a foz, na praia do Caça e Pesca. Todavia, as ações de
desmatamento, assoreamento e dragagem do leito resultaram em modificações
substanciais na dinâmica natural, interrompendo a penetração dos fluxos das marés até o
lagamar.
Além da interrupção do fluxo das marés houve também ocupações e usos
inadequados no conjunto e entorno das áreas inundáveis. Assim, por meio do
Sensoriamento Remoto e da aplicação de técnicas cartográficas foi possível delimitar as
principais feições paisagísticas decorrentes das intervenções espaço-temporais.
A aplicação da fotografia aérea não-métrica de pequeno formato resultou no
mapa de uso e ocupação representado na Figura 18, que expõem as informações obtidas
através de uma cartografia temática. Essas informações podem ser diretamente
aplicadas no diagnóstico de áreas de risco e na indicação de áreas de conservação,
preservação e recuperação ambiental, sendo base eficiente para um futuro planejamento
do uso e ocupação do Lagamar do rio Cocó.
Desse modo, delimitaram-se as principais unidades da cobertura vegetal do
ecossistema manguezal: mangue clímax, mangue em regeneração, salgado e apicum.
Quanto às formas de ocupação, são observadas as residências localizadas em área de
risco, as áreas residenciais consolidadas e as áreas urbanas não edificadas.
A Figura 19 representa as feições paisagísticas definidas utilizando-se somente
os vetores.
A Tabela 04 especifica quantitativamente a distribuição espacial das feições
delimitadas, bem como as extensões das águas flúvio-marinhas e a Estação de
Tratamento de Esgoto da CAGECE (Companhia de Água e Esgoto do Ceará).
Tabela 04 - Quantificação das feições paisagísticas de uso e ocupação no Lagamar do
Cocó (1999).
Tipos de Feições Área (ha) Área (%)
Mangue clímax 31.90 7.15
Mangue em regeneração 11.42 2.56
Salgado/areia 12.90 2.89
Apicum 69.17 15.51
Ocupação residencial/área de risco 13.41 3.00
Ocupação residencial/consolidada 207.94 46.62
Área urbana não edificada 46.29 10.39
Leito do rio Cocó 38.77 8.69
Estação de Tratamento de Esgoto 3.15 0.71
Lagoas 11.05 2.48
Total: 446.00 100
Fonte: Souza (2007)
Percebe-se que grande parte da planície flúvio-marinha do Lagamar do rio Cocó
foi desmatada, sendo inclusive objeto de exploração de salinas que, posteriormente,
foram abandonadas. Atualmente, os terrenos do Lagamar constituem as feições de
mangue em regeneração, salgados e apicuns. As ocupações das margens levaram o que
na Figura 18 é considerado como ―áreas de risco‖, uma vez que se encontram sujeitas à
inundação durante o período chuvoso (primeiro semestre do ano).
Nesse contexto, as proximidades da Rodovia Br-116, nas margens do Lagamar,
constituem os terrenos residenciais com maior risco de inundação. A margem direita
estava ocupada em 1999, data do vôo, por uma extensa favela chamada ―Gato Morto‖
que foi removida no período entre 2001 e 2002. Na área da favela foram instalados
equipamentos de caráter social e esportivo, como quadras poliesportivas, pistas de
atletismo e etc., inibindo novas ocupações.
Apesar das ocupações inadequadas, verifica-se que há um potencial de
regeneração do manguezal, que só não se desenvolveu plenamente devido à reduzida
influência das águas marinhas. Quanto às áreas residências consolidadas, percebe-se que
progressivamente vão se instalando equipamentos e serviços de infraestrutura, que de
certa forma melhoram as condições de vida da população.
Apesar da presença da estação de tratamento de esgoto percebe-se, em campo,
que ainda há inúmeros focos de lançamento de esgoto no corpo hídrico do Lagamar,
comprometendo assim a qualidade ambiental do ecossistema manguezal.
Deste modo, as propostas de manejo sustentável devem englobar o bem-estar
social, o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza. Assim, o
planejamento ambiental é tido como fundamental para a realização de medidas
conservacionistas, pois se mostra como uma ferramenta institucional, composta por leis,
planos diretores, projetos participativos e instrumentos políticos.
Uma das principais propostas conservacionistas para as comunidades do
Lagamar é a educação ambiental, através de um programa interdisciplinar que aponte as
principais problemáticas existentes na área e possibilite a construção conjunta de
soluções praticáveis. Assim, pode-se trabalhar diretamente com temáticas referentes à
disposição incorreta dos resíduos sólidos e à descarga de esgotos in natura, utilizando-
se como parceiros instituições públicas municipais e estaduais.
Como alternativa de recuperação do ambiente do entorno do Lagamar pode-se
citar um programa de arborização urbana, construção de hortas comunitárias nas escolas
públicas e promoção de atividades de lazer em áreas apropriadas. Porém, deve-se
primeiramente realizar um programa integrado de segurança pública na região, pois se
sabe que uma das maiores problemáticas da área é a violência urbana.
Finalmente, é imprescindível a implantação de sistemas de esgotamento
sanitário com o tratamento adequado para os efluentes e a coleta de lixo sistemática em
todas as residências.
Contudo, vale ressaltar que as propostas de manejo sustentável sugeridas para o
Lagamar do Rio Cocó só poderão ser efetivamente executadas, a partir do envolvimento
das várias instâncias sociais: instituições acadêmicas, poder público, comunidades
locais e organizações sociais engajadas.
7. Conclusão
A presente pesquisa demonstrou que fotografias aéreas de pequeno formato
podem ser utilizadas para atualizar plantas cadastrais e realizar estudos ambientais,
utilizando-se como área-piloto o Lagamar do rio Cocó.
Os serviços de aerofotogrametria e a obtenção de imagens de satélite por
sensores remotos se justificam para o mapeamento de grandes áreas, considerando-se a
relação custo X beneficio. Entretanto, para mapeamentos de pequenas áreas tornam-se
inviáveis financeiramente e as fotografias aéreas de pequeno formato revelam-se como
uma alternativa de atualização de plantas cadastrais para pessoas físicas, empresas e
gestores de pequenos municípios.
Por outra parte, as fotografias aéreas de pequeno formato podem ser utilizadas
na análise ambiental de pequenas áreas, mostrando-se ideal para fundamentar estudos de
caso em áreas urbanas ou em setores da zona rural. Uma vez que as ocupações
antrópicas e as feições de detalhe podem ser visualizadas com clareza, considerando-se
fatos e situações em intervalos temporais recentes.
O presente trabalho recomenda a atualização de produtos cartográficos a partir
de fotografias não-métricas de pequeno formato para áreas de até 4.000 hectares. Vale
ressaltar que a obtenção do produto cartográfico pode ser realizada somente em regiões
de relevo predominantemente plano, que possuam variações de altura (topo X base) das
feições morfológicas inferiores a 100m, evitando-se assim grandes distorções nas
imagens finais.
Portanto, a atualização da base cadastral utilizando-se a técnica descrita é
justificada por possuir qualidade cartográfica, ser acessível financeiramente e ter
execução em curto período de tempo. Deste modo, o mapeamento realizado pode ter
várias finalidades como ações de planejamento urbano (elaboração de planos diretores),
cadastro imobiliário e estudos de impacto ambiental.
Todavia, mesmo vislumbrando as vantagens expostas, deixa-se claro que a
técnica em questão tem suas limitações e não se deve confundi-la com
aerofotogrametria.
Finalmente, a obtenção de informações cartográficas a partir de fotografias de
pequeno formato mostra-se como uma ferramenta prática e viável em relação à
realidade de muitos consumidores, no sentido de disponibilizar aos gestores (empresas,
municípios e pesquisadores) o apoio visual de áreas de interesse.
8. Referências Bibliográficas
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A ESPACIALIDADE DIOCESANA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Ana Carolina Lobo Terra5
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Introdução
Na confluência das relações entre o espaço – objeto primaz das análises
geográficas, futuro imediato e passado imediato, presente conclusivo e inconclusivo,
sempre em processo de renovação – e a cultura – parte integrante do escopo social – se
torna possível ao geógrafo compreender as diferentes configurações sociais da
atualidade (CORRÊA, 2003). Dentre as diversas possibilidades de estudos acerca da
dimensão espacial da cultura, a materialização da fé vem se acentuando como tema de
análise científica. A religião pode ser percebida em sua forma, função, processo e
estrutura, através das quais produz marcas que identificam a organização singular no
espaço geográfico. A crença, a fé e a prática religiosa permitem ao homem religioso
vivenciar seus espaços sagrados durante seus tempos sagrados (ELIADE, 1962).
Nesta investida geográfica, mediante a evolução temática da geografia da
religião no Brasil e na América Latina, atrelar-nos-emos a discussão da religião em sua
esfera política de ação. A religião cria territórios religiosos com o objetivo de atender
sua demanda de fiéis e controlar objetos e coisas. Assim, com vistas na Igreja Católica –
instituição hierárquica e burocrática, com forte presença na história do espaço brasileiro
– entenderemos quais territorialidades foram utilizadas para ampliação de seu domínio e
difusão de sua fé doutrinária. O recorte empírico se atém ao estudo da gênese e da
difusão dos territórios diocesanos capixabas e fluminenses.
Na formação da base epistemológica os conceitos teóricos são: território
religioso, territorialidade religiosa e redes geográficas. Ao descortinar a implantação
de territórios religiosos diocesanos no espaço fluminense – percebidos com regiões
culturais funcionais, uma vez que apresentam conectividade para a difusão de valores e
ideais católicos (CORRÊA, 2008) –. Relacionaremos, posteriormente, as formas de
apropriação afetiva e efetiva destes territórios e as práticas desenvolvidas por dado
grupo religioso para a proteção e controle dos mesmos.
5 Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura
Discussões sobre Território e Territorialidade
Com vistas à discussão do conceito território, ressalta-se a polissemia presente
no termo. Lima (2001) retorna a etimologia da palavra território, correspondendo o
mesmo a ―terra‖, ―territorium‖, que quer dizer terra pertencente a. Em seu bojo
ontológico, não é possível conceber a sociedade sem seu território. Este, de abrangência
local, apresenta as materialidades, advindas dos objetos que expressam conteúdo
técnico, participando da condição técnica (SANTOS, 1999) e práticas (objetivas e
subjetivas) do grupo social que o constitui. Logo, ―não existe etnia ou grupo cultural
que, de uma maneira ou de outra não tenha investido físico e culturalmente num
território‖ (BONNEMAISON, 2002:97). Em tempos de globalização, os territórios
viverão em dissonâncias e consonâncias as intervenções do poder global e local, não
perdendo suas particularidades e, nem, suas singularidades.
Como então descortinar o território mediante sua polissemia de significados?
Com base nos estudos de Haesbaert (2004), propomos a compreensão deste conceito em
quatro vertentes:
Quadro 1: Leituras sobre Território
Vertentes Agente Compreensão Território
Política Político Reflete acerca das relações gerais
entre espaço e poder.
Um espaço delimitado
e controlado, através
do qual se exerce um
determinado poder. Jurídico-
político
Busca em seu escopo as relações
espaço-poder institucionalizadas.
Possui uma forte relação com o
espaço vital.
Cultural ou
Simbólico
Cultural
Cultural Prioriza a dimensão simbólica e
mais subjetiva nas relações entre
espaço e poder.
Produto da
apropriação e/ou
valorização simbólica
de um grupo em
relação ao seu espaço
vivido.
Econômica Econômico Enfatiza a dimensão espacial das
relações econômicas.
Fonte de recursos e/ou
incorporado no
embate entre as
classes sociais e na
relação capital-
trabalho
Naturalista ―Homem
Natural‖
Entende o comportamento natural
dos homens em relação ao
ambiente físico elencado.
Espaços apropriados.
Fonte: Haesbaert, R. (2004) “O Mito da Desterritorialização”. Elaborado por TERRA,
A. C. L. (2009).
Vale salientar que tais vertentes poderão ocorrer em uma perspectiva individual,
―parcial‖, onde somente uma será objetivada na análise cientifica, ou com uma
perspectiva ―integradora‖, onde as problemáticas permitirão uma visão pluralista do
território. Existem outras possibilidades para a classificação dos modelos de estudo do
território, mas, de forma breve, reportaremos a investida científica aqui apresentada.
Com base no que percebemos sobre o território, pontua-se que, independente da
vertente de análise e, conseqüentemente, de seu agente gestor, o mesmo trará em seu
foco a discussão do poder. Tal poder corresponderá ―à habilidade humana de não apenas
agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo‖ (ARENDT, 1985:24), o que
qualificará ao representante utilizar seu poder visando o interesse coletivo e, não,
individual. O poder é inerente ao grupo que o legitima, sendo válido somente enquanto
o grupo encontra-se unido. Para Arendt (1985) a perda do poder resulta na violência que
poderá ser ou não percebida durante a implantação dos territórios.
Os territórios, lidos como as relações sociais projetadas no espaço concreto,
serão, sobretudo, ―um conjunto de lugares hierarquizados, conectados a uma rede de
itinerários‖ (BONNEMAISON, 2002:99). ‖O território funcionará como o encontro dos
indivíduos de uma mesma identidade cultural, promovendo a alteridade com os
―outros‖ (outsiders) (RAFFESTEIN, 1977). Pode-se assim incorporar, dentro deste
contexto de análise, um novo conceito: a territorialidade.
A territorialidade será compreendida em seu caráter relacional. Trará, em seu
escopo, a fixação e a mobilidade dos grupos culturais. Configura-se como ―a expressão
de um comportamento vivido‖ (BONNEMAISON, 2002:100). Nas contribuições de
Sack (1986) encontraremos o termo definido como ―uma tentativa, por um indivíduo ou
grupo, de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e
assegurando controle sobre a área geográfica. Esta área será chamada território‖ (p.19).
A territorialidade será a estratégia, a normatização, o procedimento. A ela se qualifica a
decisão dos diferentes graus de acesso à pessoa, coisas e relações. Dentro deste
contexto, o território só existe mediante sua apropriação, delimitação e controle, caso
contrário, o mesmo não existe.
A territorialidade é uma expressão geográfica básica de poder social, sendo a
maneira pela qual o espaço e sociedade estão interconectados. Relaciona-se ao espaço e
ao tempo por trazer o agente atuando sobre um onde, em um como e um quando nas
leituras territoriais. Neste escopo, Souza (2006) percebe territorialidades flexíveis,
atreladas a escala temporal, além de territorialidades cíclicas, móveis, contínuas e
descontínuas.
Como relatado anteriormente, para a construção desta investida científica torna-
se necessário relacionar os conceitos de território e territorialidade com a dinâmica da
difusão da fé religiosa católica no espaço brasileiro. A partir da sapiência de que a Igreja
Católica adota, em seus dois mil anos de história, as divisões territoriais e a organização
hierárquica como estratégias políticas destinadas a assegurar o controle, a vivência e a
vigilância de seus fieis (ROSENDAHL, 1999), exemplificaremos a seguir, as categorias
território religioso e territorialidade religiosa. Estas se figuram harmoniosas para com os
questionamentos do estudo.
Território Religioso e Territorialidade Religiosa: categorias especiais
A Geografia Cultural Renovada está focalizada na interpretação das
representações que os diferentes grupos sociais construíram a partir de suas próprias
experiências e práticas. Dentre as diversas possibilidades de estudos acerca da dimensão
espacial da cultura, a materialização da fé vem se apresentando como tema de análise
científica. Nesta perspectiva, o estudo da religião deve estar centrado na espacialidade
do sagrado, impondo ao geógrafo o conhecimento dos preceitos da religião em estudo
(CORRÊA, 2007). O sagrado, detentor de representação espacial, irrompe sua
importância no saber geográfico para a compreensão do espaço socialmente construído.
Assim, a Geografia da Religião firmou-se como mais um viés de análise junto à ciência,
destacadamente pós 1990, tendo entre seus estudiosos propostas para sua metodologia
de análise. Rosendahl (1996) elenca como fundamental ao estudo o descortinar das
relações entre o sagrado e o profano – cotidiano –. Na espacialização do sagrado,
Rosendahl (1996) define o espaço sagrado como
“um campo de forças e valores que eleva o homem religioso
acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto no
qual transcorre sua existência. È por meio de símbolos, dos
mitos, dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação
entre o homem e a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto
expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em
contato com a realidade transcendente chamada deuses”
(ROSENDAHL, 1996:30)
Na compreensão do sagrado, o espaço sagrado validará uma vivência oposta ao
espaço profano. A primeira possui valor existencial para o devoto: é o seu referencial, o
cosmo, ponto de toda orientação inicial, ―o centro do mundo‖, no ―recinto sagrado,
torna-se possível à comunicação com os deuses; conseqüentemente, deve existir uma
‗porta‘ para o alto, por onde os deuses podem descer a Terra e o homem pode subir
simbolicamente ao Céu‖ (ELIADE, 1962: 29). A segunda ocorre na ausência do ―ponto
fixo‖, que qualifica a permanência do caos.
A religião compreendida como um ―sistema solidário de crenças e de práticas
relativas à coisa sagradas, isto é, separadas, proibidas (...) reúne uma mesma
comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a adorem‖ (DURKHEIM,
1996:32). Apresenta um culto com periodicidade (ELIADE, 1962), uma doutrina
composta pela ética e pelas práticas religiosas, além de ritos devocionais exclusivos
(WEBER, 1991). Podendo ser percebida em suas formas, funções, processos e
estruturas através das quais produz marcas que identificam a organização singular no
espaço geográfico. Nos estudos acerca da dimensão política do sagrado (ROSENDAHL,
2008), encontraremos a relação entre religião, território e territorialidade. Ao tratar a
religião como prática social (ROSENDAHL, 1996), será possível descortinar estratégias
e ações adotadas por dada instituição religiosa com vistas à normatização do espaço
geográfico. Assim, torna-se mister compreender as categorias território religioso e
territorialidade religiosa.
Como já elucidado, os territórios poderão ser regulados por diferentes agentes.
Ao pensar na regulação dessas áreas por um agente religioso, teremos a categoria
território religioso. Os territórios religiosos foram primariamente definidos como
espaços apropriados afetiva ou efetivamente (ROSENDAHL, 1996). Tal definição
deriva diretamente dos estudos de Sack (1986), onde tais territórios eram os territórios
católicos, uma vez que o autor atinha sua discussão a estrutura administrativa da
instituição católica. Com a seqüência dos estudos na temática, Rosendahl (2005) propõe
ler o território religioso como um território demarcado, controlado em seus acessos e
ações por um profissional religioso. Este profissional especializado apresenta-se como
chefe e representante deste espaço, conferindo a centralidade do mesmo
(BORDIEU,1987). Na tipologia da religião em sua função na sociedade, Weber (1991)
ratifica três agentes:
(a) o profeta religioso – dotado de carisma –;
(b) o sacerdote – produtor do sagrado –; e, por fim,
(c) o leigo – consumidor do sagrado –.
O sacerdote é o ―funcionário do sagrado‖, responsável por difundir a doutrina e
a ideologia da instituição religiosa. Responde ainda por distribuir e regular os bens de
salvação, seguindo uma divisão hierárquica. O corpo sacerdotal, encarregado da
manutenção do culto, funciona como um dos gestores do território religioso. Rosendahl
(2005) adiciona ao território religioso a visão do mesmo como reflexo de uma
identidade cultural, amalgamada por um sentimento mútuo de pertencimento pelos seus
integrantes. Neste território, tanto o exercício da fé quanto a identidade religiosa do
devoto encontram-se favorecidas (ROSENDAHL, 2008), tornando-o um geossímbolo
(BONNEMAISON, 2002). Neste contexto, a categoria territorialidade religiosa trará em
sua significação ―o conjunto de práticas desenvolvidas por instituições ou grupos no
sentido de controlar um dado território‖ (ROSENDAHL, 2008:195). Tal territorialidade
só será mantida mediante a existência de um território religioso a fim de fortalecer as
experiências religiosas coletivas ou individuais da religião.
Nosso estudo reconhece na instituição religiosa o agente modelador do espaço
geográfico que se insere. Por conta disso,
“torna-se necessário considerar a forma e a intensidade do
poder desse agente. A criação, bem como a fusão de outros,
envolve inúmeras localizações regionais, nacionais e
internacionais, à semelhança do papel também exercido pelas
grandes corporações” (ROSENDAHL, 2005:200)
Neste escopo, faremos a análise do desenvolvimento da territorialidade numa
organização complexa, hierárquica e religiosa, que possui em seus objetivos originais a
redenção das almas e a divulgação da virtude: a instituição da Igreja Católica Apostólica
(SACK,1986). Na leitura desta instituição, perceberemos que
“a igreja possui duas naturezas. A primeira constitui um
sistema abstrato de fé e de doutrina, originando a Igreja
invisível; a segunda refere-se às instituições sociais da Igreja e
compreende seus membros, seus funcionários, suas regras e
suas estruturas físicas e propriedades. Esta chamaremos de
Igreja física ou visível. Edifícios da Igreja, propriedades,
lugares sagrados, paróquias e dioceses são elementos na Igreja
visível. São lugares separados por limite e dentro dos quais a
autoridade é exercida e o acesso é controlado. Em outras
palavras, são territórios” (SACK, 1986: 93)
Dentre os variados tipos de territórios controlados pela Igreja, destacamos
aqueles marcados por forte identidade simbólica e de poder. Estes se encontram
interligados as estruturas administrativas como paróquias, dioceses e arquidioceses. A
ênfase deste artigo recai a compreensão das práticas e estratégias da Igreja Católica,
utilizando para isso a escala regional – dioceses – no espaço fluminense e capixaba.
Tais dioceses funcionarão como centros difusores de idéias, valores e normatizações,
configurando uma rede gestora de tais territórios. Na próxima etapa desta elucidação,
trataremos das redes diocesanas e de seu enfoque na dimensão geográfica do estudo.
Redes Geográficas: redes diocesanas
Em seus estudos, Corrêa (2001) aponta três dimensões de analise das redes
geográficas. A primeira retratada é qualificada como organizacional e refere-se à
configuração interna da entidade estruturada em rede. Abrange os agentes sociais, a
origem da rede, a natureza dos fluxos, a função e a finalidade da rede, sua existência e
construção, sua formalização e organicidade. O autor endossa que tais aspectos
analisados não adquirem concreticidade se estiverem desvinculados do tempo e do
espaço. Leremos então, uma dimensão espacial e outra temporal nesta categoria. Nesta
análise espacial, a escala, a forma espacial e a conexão são apresentadas. A segunda
categoria de estudo remete-se a dimensão temporal presente na rede geográfica. Propõe
o relato da duração da rede, a velocidade com que os fluxos se realizam na transmissão,
bem como a freqüência em que a mesma se estabelece. Duração, velocidade, freqüência
e historia são aspectos presentes nesta dimensão.
Dada a vinculação existente entre as dimensões temporal e espacial, Corrêa
(2001), propõe a dimensão espaço-temporal. Tal dimensão articula, em seus estudos,
espaço e tempo unidimensionalmente, atrelando-se assim a temática da difusão. Com
este foco, percebemos que a difusão da rede de uma entidade institucional religiosa
como a Igreja Católica é de grande interesse para o estudo, pois permite dar
inteligibilidade ao processo de formação dos territórios religiosos nos espaços capixaba
e fluminense. Segundo este geógrafo, as redes geográficas poderão ser qualificadas
como formal ou informal, hierárquica ou não, planejada ou espontânea, dendrítica ou
complexa. Com o relato da importância do estudo de todas as dimensões inerentes a
compreensão das redes, e, mais especificamente, da importância da dimensão espaço-
temporal, entendemos como a difusão da fé ocorre no espaço e no tempo mediante a
difusão das próprias redes diocesanas.
A difusão desta territorialidade católica apresenta distintos períodos distintos,
por nós formulados, com objetivo a compreensão da difusão da fé doutrinária no recorte
fluminense. Assim, segue a formulação dos tempos de difusão da pesquisa.
Periodização e o espaço fluminense
Na difusão das dioceses no espaço fluminense – marcado por abruptas
diferenciações tanto no seu quadro físico quanto no socioeconômico que o coloca em
posição singular dentre os Estados brasileiros – poderemos reconhecer diferenciações
sócio-espaciais figuradas no planejamento territorial da Igreja Católica. A lógica de
implantação dos territórios religiosos diocesanos no espaço fluminense funda-se na
hierarquia dos lugares centrais (CORRÊA, 1997; e RIBEIRO, 2000) e, segue, em
primeira importância, a lógica de ocupação populacional deste Estado, ocorrendo em
saltos na relação tempo-espaço, partindo do litoral ao interior.
A fim de elucidar a implantação do território diocesano, criamos uma escala
difusional para análise:
i. O primeiro marco da difusão católica pontua-se como o centro de difusão desta
análise. Neste recorte, teremos somente a implantação da diocese primeira
fluminense;
ii. Com a proclamação da república (1889) e a separação entre a Igreja e o Estado
(1890), que possibilitou a pluralidade religiosa presente no espaço brasileiro, a
Igreja adotou como prática a implantação de dioceses em todas as Unidades
Federativas recém-criadas, além de cidades que exerciam centralidades
econômicas e em centros que se localizavam em áreas de contato entre áreas de
povoamento antigo e entre cursos (ROSENDAHL E CORRÊA, 2001). As
dioceses implantadas pós-1890, denominaremos T1 (primeiro tempo);
iii. A Igreja Católica apresenta-se flexível e dinâmica em suas apresentações. No
contexto da pós-segunda guerra, quando a sociedade voltou-se ao extraordinário
em suas percepções, a Igreja Católica imprimiu diferentes posturas a fim de
manter-se com um grande contingente populacional religioso. No caso
brasileiro, o momento da história brasileira que compreende os anos de 1955 e
1964, marca o período da Igreja Reformista, onde existiu uma intensificação das
mudanças internas desta instituição católica no Brasil (MAINWARING, 2004).
A Igreja Católica, na década de 1960, se ausenta de um olhar meramente
―elitista‖ e passa a creditar uma política de proteção aos ―desfavorecidos‖
socialmente (BARBOSA, 2005). Assim, as dioceses implantadas neste período,
configuram-se como o nosso T2 (segundo tempo) de análise. ;
iv. A economia brasileira, em espacial, a economia fluminense passou por
diferentes etapas econômicas. O Estado do Rio de Janeiro configurou sua
economia historicamente desde a exportação portuária até a presença de pólos
industriais e concentrações locais de bens e serviços. Tais pontos industriais
conferem, desde a década de 1980, um aumento populacional em tais áreas.
Assim, visando atender a demanda de assistência religiosa, a Igreja Católica cria
novos territórios diocesanos. Neste escopo, as dioceses criadas pós-1980
remeter-se-ão ao T3 de nosso estudo, último tempo de análise.
Para uma maior compreensão, da implantação das dioceses mediante seus
tempos de difusão, reportamos o quadro abaixo:
Quadro 3: Territorialidade Católica no Espaço Fluminense: Dioceses e Difusão
Tempo de Difusão Quantidade de Dioceses Dioceses Implantadas Criação
Centro de Difusão 1 São Sebastião do Rio de Janeiro 1676
T1 4 São Lourenço de Niterói 1892
Campos 1922
Barra do Piraí – Volta Redonda 1922
Valença 1925
T2
3 Petrópolis 1946
Nova Friburgo 1960
Nova Iguaçu 1960
T3
2 Duque de Caxias 1980
Itaguaí 1980
Total de Dioceses: 10
Fonte: CERIS (2000) ―Anuário Católico do Brasil 2000‖ * Elaborado por TERRA, A.
C. L. (2009).
Com tais tempos de difusão, priorizamos a leitura da dinâmica da territorialidade
católica no espaço fluminense. Evidenciamos que, em um espaço tão plural e intenso
em suas apresentações, teremos estratégias e ações diretas por parte do agente
institucional. Em contra-ponto ao dinâmico espaço fluminense, encontra-se o espaço
capixaba, segundo foco de nossa análise, e com sua periodização impressa no sub-item
a seguir. Vale salientar que esta se encontra diferenciada a fim de permitir uma maior
compreensão do fenômeno espacial em estudo.
A rede diocesana fluminense apresenta singularidades que se atrelam
diretamente ao interesse de seu gestor religioso. Nosso estudo visa o descortinar de tais
estratégias e a compreensão da dinâmica de seus territórios. O geógrafo, conhecedor do
homem e do meio, reconhece o poder da fé na organização sócio-política do lugar.
Neste sentido, no próximo momento do trabalho, intitulado ―Conclusões e Apreensões‖,
relataremos o aprendizado obtido e as indagações retidas em nossa investida cientifica.
Conclusões e Apreensões
O término da investida cientifica não esgota as possibilidades acerca do objeto
proposto. Neste bojo, respondemos aos nossos questionamentos e despertamos a novas
proposições. Entender a territorialidade católica, descortinando seus espaços-tempo de
gestão religiosa nos espaços fluminense e capixaba, era nosso objetivo e acreditamos tê-
lo alcançado. Nossa busca, com foco na instituição religiosa Igreja Católica Apostólica
Romana, ateve-se a procurar os fatos externos (visíveis) de uma realidade interna e
espiritual (invisível). A Igreja apresentou uma caminhada a fim de difundir sua fé
doutrinária e gerir sua população religiosa, sendo o descortinar deste itinerário útil as
nossas análises.
A territorialidade imprime-se como um atributo comportamental intrínseco ao
indivíduo social e aos grupos organizados.
“A territorialidade, como um proponente de poder, não é
apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma
estratégia para criar e manter grande parte do contexto
geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o
dotamos de significado” (SACK, 1986:219)
Neste escopo, a Instituição Católica insere-se, apresentando uma nítida dimensão
espacial em suas ações na esfera institucional. O implantar de novos territórios
religiosos – sejam eles diocesanos ou paroquiais – deriva de um estudo cuidado, de uma
seletividade espacial. Neste processo, emergiram diferentes periodizações, e estas se
adequam diretamente as desigualdades percebidas no Estado. Com vistas à
territorialidade católica no espaço fluminense, informações foram apreendidas. As
dioceses foram implantadas em cidades de diferentes aspectos socioeconômicos.
Contudo, tais desmembramentos apresentam singularidades geográficas: os territórios
diocesanos foram implantados em centros urbanos, que exprimiam centralidade na
construção da rede socioeconômica fluminense na época de sua erição, em um dos três
tempos difusionais por nós elencados. A lógica de implantação dos territórios religiosos
diocesanos no espaço fluminense funda-se na hierarquia dos lugares centrais e segue,
em primeira importância, a lógica de ocupação populacional deste Estado. Partindo do
litoral ao interior, veremos o desmembramento de dioceses ao longo do recorte temporal
estudado. Salientamos que a difusão dos territórios diocesanos aderiu a uma difusão
hierárquica, com saltos espaços-temporais. Um outro ponto a ser percebido, é a forte
presença de ordens religiosas neste recorte. Jesuítas, beneditinos6, entre outros grupos
religiosos, foram importantíssimos à difusão da fé no tempo pretérito deste recorte e
ainda hoje figuram em sua área limítrofe.
A territorialidade católica fluminense segue diferentes escalas de controle em
suas jurisdições eclesiásticas. Teremos dioceses mais detentoras de paróquias do que
outras; o que justifica nas primeiras a necessidade de um controle efetivo pela
instituição. Para comparação, segue a tabela abaixo:
Tabela 1: Dioceses Fluminenses
Dioceses Ano
de Criação
Número de
Municípios
Número de
Paróquias
Barra do Piraí – Volta 1922 10 22
6 Detentores da Abadia Territorial de Nossa Senhora de Monserrate, localizada na cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro.
Redonda
Campos 1922 17 36
Duque de Caxias 1980 2 19
Itaguaí 1980 5 17
Niterói 1892 14 57
Nova Friburgo 1960 19 45
Nova Iguaçu 1960 6 43
Petrópolis 1946 8 34
São Sebastião do Rio de
Janeiro (Arquidiocese)
1676 1 240
Valença 1925 9 26
Fonte: Anuário Católico do Brasil, 2000 * Elaborador por TERRA, A. C. L. (2009)
Como já apresentado, as dioceses de São Sebastião do Rio de Janeiro, de Duque
de Caxias e de Itaguaí foram implantadas em áreas de forte crescimento populacional e
centralidade logística. No caso de Duque de Caxias, em espacial, a força das CEBs
apresenta grande projeção. Por tais fatores, acreditamos ser esse controle religioso tão
efetivo em nível local.
A espacialização das dioceses permite conceber a diferenciação das áreas e as
diferenças e semelhanças das estratégias institucionais do gestor religioso. Dentre as
semelhanças, elucidamos que os territórios religiosos foram implantados em cidades de
diferentes aspectos socioeconômicos, mas, localizadas em centros urbanos. Nas
diferenças relatamos os tempos difusionais das redes diocesanas, que com vistas ao
controle da população religiosa, encontram-se diferenciados. Mediante nosso estudo,
acreditamos que a partir da configuração de uma nova realidade sócio-espacial, a Igreja
Católica adotará novas práticas de gestão, resultando em novas dioceses e paróquias em
suas redes diocesanas.
Ao final, verificamos as impressões cernentes as práticas da instituição religiosa
católica e a devoção do homem religioso no lugar que as pratica. Este homem funciona
como um transmissor das idéias, valores e condutas elencadas pela fé católica, servindo
como nó em redes sociais menores. Enfim, esperamos com esta pesquisa, ter auxiliado
na compreensão da dinâmica da fé católica nos espaços fluminense e capixaba,
permitindo novas propostas e metodologias aos geógrafos encantados com as relações
entre o sagrado e o espaço.
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FUSÕES, AQUISIÇÕES E PRIVATIZAÇÕES NA DÉCADA DE 1990: O CASO BRASILEIRO.
Domingos Sávio Corrêa7
RESUMO
Esta pesquisa analisa o processo de concentração de capital, através de
fusões e aquisições de empresas privadas e públicas no Brasil, nos anos 90,
devido as políticas neoliberais adotadas pelos governos Collor de Mello e
Fernando Henrique. Nos anos 90, os programas neoliberais difundidos na
América Latina, foram delimitados pelo Consenso de Washington e
formalizados nos acordos entre o FMI e o Banco Mundial com os governos
latino americanos. As orientações visavam a estabilização das economias dos
“países emergentes”, a contenção de gastos e investimentos Estatais, restrição
do papel do Estado, com a privatização de empresas, bancos, recursos
minerais e energéticos, etc. Assim, a abertura comercial e as reformas
econômicas promovidas no Brasil, com aumento da participação dos
investimentos externos deflagraram fusões e aquisições entre empresas
nacionais (chamadas transações domésticas), e transações realizadas por
empresas estrangeiras (denominadas cross border). A participação de
empresas estrangeiras superou o volume de negócios entre empresas
nacionais em quantidade, volume e valores, causando debates sobre a
desnacionalização da economia brasileira.
PALAVRAS-CHAVE
Fusões, aquisições, privatizações, concentração, desnacionalização.
MERGERS, ACQUISITIONS AND PRIVATIZATIONS IN THE DECADE OF
1990: THE BRAZILIAN CASE
ABSTRACT
This research analyzes the process of capital concentration, through merger
and acquisitions of private companies and public in Brazil, in years 90, had the
“neoliberal” politics adopted by the governments Collor de Mello and Fernando
7 Aluno do Programa de Pós-Graduação (doutorado) em Geografia Humana da Universidade de São
Paulo. Professor substituto do Curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista, Unidade
Diferenciada de Ourinhos/SP. Endereço eletrônico: [email protected]
Henrique. In years 90, the spread out “neoliberal” programs in Latin America,
they had been delimited by the Consensus of Washington and legalized in the
agreements between the FMI and the World Bank with the Latin American
governments. The instructions aimed at the stabilization of the economies of the
"emergent countries", the State containment of expenses and investments,
restriction of the paper of the State, with the privatization of companies, mineral
and energy banks, resources, etc. Thus, the commercial opening and the
promoted economic reforms in Brazil, with increase of the participation of the
external investments motivate merger and acquisitions between national
companies (called domestic transactions), and transactions carried through for
foreign companies (called cross border). The participation of business-oriented
foreign companies surpassed the volume between national companies in
amount, volume and values, causing debates on the denationalization of the
Brazilian economy.
KEY WORDS
Mergers, acquisitions, privatizations, concentration, denationalization.
Introdução
As fusões e aquisições de empresas, associadas ao processo de privatização e
concomitante desnacionalização, marcou a década de 1990 no Brasil – através das
reformas e desregulamentações executadas pelos governos neoliberais, em
conformidade com as determinações e acordos realizados com o Fundo Monetário
Internacional e outras instituições financeiras internacionais8 9.
As transações entre empresas, principalmente através de aquisições,
privatizações e fusões, repercutiram na economia desde meados dos anos 1990, no
Brasil, quando ocorreram os primeiros negócios. Primeiramente através da venda de
empresas privadas brasileiras, e em seguida como o resultado de discussões no âmbito
do governo, que culminaram com o Plano Nacional de Desestatização e o conseqüente
processo de privatização.
Para viabilizar e justificar o processo de desestatização, difundiu-se na sociedade
a idéia (neoliberal) de que as empresas estatais seriam ineficientes, dispendiosas e
serviriam apenas a propósitos políticos, através do loteamento de cargos e empreguismo
desenfreado. A Siderúrgica Usiminas, por exemplo, primeira empresa a ser privatizada
(24/10/1991) no governo Fernando Collor, além de ser uma estatal estratégica, era
também superavitária e profissionalmente administrada.
Deve ser ressaltado o descompasso entre a liberalização implementada pelo
governo, desde a gestão Collor, e a realidade das empresas no início da década, pois
muitas delas, além de estratégicas para o desenvolvimento do país, também eram
lucrativas – como nos setores de mineração, financeiro, de telecomunicações, químico,
petroquímico, siderúrgico – e a necessidade da sua privatização seria questionável. O
modelo de privatização implantado no país caracterizou-se pela transferência do
patrimônio público ao setor privado, sobretudo ao capital estrangeiro. A Bolsa de
8 No início da década de 1990, o Bird sugeria mudanças no projeto de privatização em discussão no
âmbito do governo Collor, no sentido de abrir as privatizações à participação de investidores externos (O
Estado de S. Paulo, 10/03/1990), o que terminou ocorrendo em larga escala nas privatizações do governo
Fernando Henrique. 9 Em 1998, por exemplo, o ministro da Fazenda (Pedro Malan) ao discutir com o presidente do BNDES
(André Lara Resende), os termos de um discurso da campanha de reeleição de Fernando Henrique,
revelou o interesse do FMI em saber o teor do discurso antes da sua divulgação (Folha de S. Paulo,
27/05/1999).
Valores do Rio de Janeiro foi fechada e houve diminuição expressiva do volume de
ações nas bolsas de investimentos10
.
O governo de Fernando Henrique deu continuidade ao vergonhoso processo de
privatizações e, através da criação do PROER – Programa de Reestruturação e
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional – priorizou o setor financeiro nacional,
através do qual carreou recursos aos bancos que se encontravam em dificuldades e, em
seguida, abriu aos grandes bancos internacionais a participação na desnacionalização do
setor. Com o mesmo espírito, porém com meios distintos, ao setor produtivo privado
nacional os governos neoliberais legaram a abertura comercial – promotora em muitos
setores de concorrência desleal11
–, as altas taxas de juros (desde o Plano Collor) e o
câmbio supervalorizado (a partir do Plano Real). É certo que tal política promoveu o
sucateamento do parque industrial e o aumento de falências e concordatas na indústria
nacional12
.
Um aspecto importante refere-se às discussões que vinham ocorrendo na
sociedade e também no âmbito do governo, referentes à questão da privatização, no
período imediatamente anterior à década de 1990. Tais discussões aparecem,
inicialmente, a partir de duas tendências tão díspares quanto inconciliáveis, opondo os
―privatistas‖ e os ―estatistas‖, em um jargão que poderia considerar a oposição da
década de 1990 entre ―monetaristas‖ e ―desenvolvimentistas‖. Mencionadas como
agentes das fusões e aquisições, no Brasil, as privatizações remetem à celeuma
estabelecida entre essas tendências. O primeiro grupo avaliando a participação do
Estado na economia como nociva e prejudicial à atividade econômica. O segundo,
considerando a importância da participação das empresas estatais no processo de
desenvolvimento econômico brasileiro, cuja economia cresceu 26 vezes no período
10
―O fechamento da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, além de causar prejuízo às empresas produtivas,
às corretoras e à economia em geral, talvez seja um derradeiro sinal de alerta à nação. A falta de foco em
investimentos produtivos por parte da política econômica governamental torna as empresas reféns das
taxas de juros, esvazia a poupança interna e, na mesma proporção, amplia a dependência externa‖
(Azevedo, Folha de S. Paulo, 29/05/2002). 11
No setor de brinquedos, por exemplo, entre 1991 e 1995, das 848 fábricas associadas a Abrinq, 536
faliram (Atma e Troll, entre outras) ou entraram em concordata (Revista da Indústria, 15/jul/96. pp. 14-6).
O clássico caso da indústria de brinquedos e têxtil, como também os setores de máquinas e equipamentos,
autopeças, entre outros, tiveram como saldo da abertura comercial a falência de aproximadamente 50%
das empresas. Muitas daquelas que permaneceram no mercado tiveram, em algum momento, de se
converter em importadoras. Cabe lembrar que não houve apenas a queda nas alíquotas de importação,
impostos que incidiam sobre os produtos nacionais não incidiam sobre os similares importados, como o
IPI. 12
Em 1996, ano da venda da Metal Leve para a alemã Mahle, era anunciado que a ―abertura desenfreada
aos importados, taxas altas de juros, câmbio valorizado e arrocho no crédito vão transformando setores
inteiros da indústria brasileira em maquiladoras‖ (Revista Atenção, ano 2, nº 7, 1996).
compreendido entre 1930 e 1980, enquanto o Japão cresceu 14 vezes e o México
cresceu cerca de 12 vezes. Apenas a União Soviética apresentou crescimento industrial
similar ao do Brasil no mesmo período (Rangel, 1987, p. 43).
Rangel (1987), avaliava que era preciso ser estatista e privatista ao mesmo
tempo, na medida em que no processo de desenvolvimento surgissem atividades que
deveriam ser estatizadas enquanto outras deveriam ser privatizadas. Sua proposta de
concessão dos serviços públicos, discutida e desenvolvida em trabalho junto a
economistas do BNDE na década de 1980, considerava a ―redistribuição das atividades
econômicas entre os setores público e privado‖ (p. 17), através da substituição da
―concessão de serviço público a empresa publica, pela concessão de serviço público a
empresa privada‖ (p. 23) como forma de superar a crise e gerar novo ciclo de
desenvolvimento econômico.
É preciso ressaltar que sua proposta não defendia a venda do patrimônio público
de empresas como a Usiminas ou mesmo a Telebrás, empresas superinvestidas ou com
capacidade de alavancar recursos (Pizzo, 1997, p.117)13
. O objetivo principal das
concessões seria carrear recursos para os setores que necessitavam de investimentos, e
diante das dificuldades financeiras do Estado, extremamente endividado, o setor privado
seria o único em condições de assumir essa responsabilidade. A tarefa do Estado seria a
de organizar e realizar a concessão dos serviços públicos nos setores carentes de
investimentos ou ociosos.
No contexto internacional, observou-se que não havia homogeneidade na
movimentação de transações entre os países. Evidenciava-se que a onda de fusões e
aquisições no Brasil decorria das políticas dos governos de Fernando Collor (1990-
1992) e Fernando Henrique (1995-2002), que adotaram medidas econômicas
liberalizantes, com a redução da participação do Estado na economia, cortes de gastos
no setor de serviços públicos, nos investimentos em infra-estrutura, em saúde e
educação, além da venda das empresas estatais.
Essa opção mostrou-se favorável à ampliação da participação estrangeira através
de investimentos externos diretos na economia brasileira, como verificado, por
exemplo, nas declarações do então presidente do Banco Central, em 1998, ao interpretar
13
―Não se trata de você estar transferindo empresas com capacidade ociosa para a iniciativa privada.
Porque isso, do ponto de vista da economia como um todo não representa nada, ou seja, transferir a
Usiminas, a Mafersa, empresas carregadas de capacidade ociosa, não vai fazer, pelo fato de estarem na
mão do setor privado, que elas invistam, porque elas estão superinvestidas. Você não precisa mais investir
em equipamentos, porque ele já está investido, então é uma simples transferência de patrimônio, que, do
ponto de vista macroeconômico, não significa nada‖ (Pizzo, 1997, p. 108).
o aumento dos investimentos estrangeiros no Brasil como o resultado da desvalorização
das empresas brasileiras no mercado internacional, considerando positivo o
endividamento destas14
.
Por outro lado, o aumento da participação estrangeira na economia indicava uma
reorganização territorial e espacial dos grupos e firmas nos diversos setores da
economia. Verificou-se a predominância de negócios com participação estrangeira nos
setores estratégicos da economia (Biondi, 1999; Gonçalves, 1999; Lesbaupin e Mineiro,
2002) como, por exemplo, no setor de telecomunicações com 60,8% de participação
estrangeira, energia elétrica, gás e água, com 57,3%, e no setor financeiro, com 59,0%.
Outros setores também demonstraram forte concentração de participação estrangeira:
setor de alimentos, com 71,2% de participação estrangeira; comércio varejista, 77,5%
de participação estrangeira; minerais não metálicos, 71,4% de participação estrangeira;
farmacêutico, higiene e limpeza, 98,2% de participação estrangeira; maquinaria, 80,7%
de participação estrangeira, etc. (Ferraz e Iooty, 2000, p. 54).
As políticas neoliberais dos anos 1990, divulgadas como ―modernizadoras‖,
corresponderam às determinações principalmente do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional. As prescrições do Consenso de Washington foram
responsáveis pela desregulamentação dos mercados e abertura comercial, afetando a
economia nacional, bem como transformando o ambiente econômico em meio de
competição predatória, no qual a empresa de capital nacional transformou-se em frágil
alvo do capital estrangeiro.
Em um quadro de intensificação da crise econômica, a burguesia nacional sofreu
reveses, o que resultou em aumento da quantidade de falências, transferência de
propriedade ou maior endividamento de empresas. Mas o setor social mais prejudicado
foi o da classe trabalhadora, sobretudo com a retração do seu poder de compra e o
aumento dos índices de desemprego. Em vários momentos dos anos 1990 o desemprego
atingiu um quinto da população economicamente ativa nos grandes centros urbanos
(Pochmann, 2001).
A conclusão possível, portanto, indica que as diretrizes políticas e econômicas
implementadas no Brasil da década de 1990, com a abertura comercial e o fim da
reserva de mercado de vários setores da economia, além das desregulamentações nas
14
Conforme Gustavo Franco: ―Esse investidor (estrangeiro) enxerga no Brasil empresas que estão
baratas para qualquer padrão internacional. E, portanto, você tem um movimento de entrada de
investimentos muito grande‖ (―Empresa barata atrai capital, diz Franco‖, Folha de S. Paulo, 21/11/1998).
esferas da produção, das finanças e nas relações de trabalho, aumentaram
exponencialmente as transações entre as empresas, principalmente através do
movimento de aquisições, fusões e privatizações realizado pelos governos federal e
estaduais, com a intensificação do processo de concentração e centralização de capitais,
o aumento do fluxo de investimentos estrangeiros e o processo de desnacionalização
(Gonçalves, 1999, p. 81).
Fundamentos teóricos da acumulação do capital
A acumulação de capital, conforme Marx (1968), é fator primordial do
desenvolvimento da produção capitalista. Partindo, primeiramente, do capitalista
individual a acumulação representa a reprodução simples do capital, no processo de
produção sob o domínio do capitalismo, ou seja, a ―retransformação da mais-valia em
capital‖ que se realiza no investimento constante em novos meios de produção. A
intensidade da acumulação de capital define o processo de concentração, concretizado
no conjunto dos investimentos em meios mais modernos de produção, aplicado pelo
capitalista. Mas, será a somatória desses investimentos concentrados, associados com a
concorrência capitalista e a capacidade de endividamento que proporciona o processo de
centralização do capital, com a eliminação dos capitalistas menos aparelhados15
.
O processo de acumulação ocorre, em primeiro lugar, baseado no aumento da
concentração dos meios de produção em poder de ―capitalistas individuais‖ e, em
segundo lugar, através da repartição ―do capital social de cada ramo de produção (...)
entre muitos capitalistas que se confrontam como produtores de mercadorias,
independentes uns dos outros‖ mas que são concorrentes. Assim, a acumulação
decorreria do aumento da ―concentração (...) dos meios de produção e do comando
sobre o trabalho‖ e também ―da repulsão recíproca de muitos capitais individuais‖.
Marx descreve a repulsão dos diversos capitais e a sua dispersão, acompanhada pelo
processo de atração como determinante de outra conseqüência da acumulação, qual seja,
a centralização propriamente dita, caracterizada pela ―transformação de muitos capitais
15
―Todo capital individual é uma concentração maior ou menor dos meios de produção com o comando
correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de
nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de riqueza que funciona como capital, a acumulação aumenta a
concentração dessa riqueza nas mãos de capitalistas individuais e, em conseqüência, a base da produção
em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social
realiza-se através do crescimento de muitos capitais individuais. Não se alterando as demais condições, os
capitais individuais e com eles a concentração dos meios de produção aumentam enquanto o capital social
acresce.‖ (Marx, 1968, p. 726).
pequenos em poucos capitais grandes‖ (p. 726-727)16
. A centralização desenvolve-se
com a concorrência e o crédito, que funcionam como alavancas, a partir da ampliação
da produção e da acumulação capitalista17
.
Lênin e o imperialismo
Para Lênin (2000), o intenso crescimento da indústria e da concentração da
produção em um número reduzido de grandes empresas representa uma das principais
tendências do capitalismo no início do século XX, ou seja, a transformação da
concorrência em monopólio. Também os bancos se transformam, de ―modestos
intermediários‖ em monopólios influentes, dispondo da quase totalidade do capital-
dinheiro, dos grandes capitalistas aos pequenos empresários, como também controlando
os meios de produção e as fontes de matéria-prima de um país18
. O auge do processo,
conforme Lênin, resume-se na transformação do capitalismo em imperialismo, e nesse
ponto Lênin considera imprescindível analisar a concentração bancária19
.
Na Alemanha, a concentração bancária ocorreu em reduzido tempo, na
passagem do século XIX para o século XX: em 1895 o total de estabelecimentos
bancários era de 42; em 1900 esse número atingiu 80 estabelecimentos, e em 1911
alcançou o total de 450 estabelecimentos. Lênin assinala que à época muitos analistas
que observavam estes dados consideravam-nos um processo de descentralização, porém
não verificaram o processo de centralização de empresas, outrora dispersas, em uma
―empresa capitalista única, nacional a princípio e mundial depois‖. Consistia, então, ―na
subordinação a um centro único de um número cada vez maior de unidades econômicas
que antes eram relativamente ‗independentes‘, ou, para sermos mais exatos, eram
localmente limitadas‖. Este movimento representava a centralização, ou o reforço e o
fortalecimento do poder dos gigantes monopolistas. A exemplo da disputa entre dois
16
―O capital se acumula aqui nas mãos de um só, porque escapou das mãos de muitos noutra parte. Esta é
a centralização propriamente dita, que não se confunde com a acumulação e a concentração.‖ (Marx,
1968, p. 727). 17
―Além disso, o progresso da acumulação aumenta a matéria que pode ser centralizada, isto é, os capitais
individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria a necessidade social e os meios técnicos
dessas gigantescas empresas industriais cuja viabilidade depende de uma prévia centralização do capital.
Hoje em dia, portanto, é muito mais forte do que antes a atração recíproca dos capitais individuais e a
tendência para a centralização.‖ (Marx, 1968, p. 728). 18
―Os bancos pequenos são afastados pelos grandes, nove dos quais concentram quase metade de todos
os depósitos. E aqui ainda não se têm em conta muitos elementos, por exemplo, a transformação de
numerosos bancos pequenos em simples sucursais dos grandes, etc.‖ (Lênin, 2000, p. 24). 19
Os dados assinalados por Lênin, referentes à Alemanha do início do século XX, foram os indicadores
da concentração (Lênin, 2000, p. 30).
dos mais importantes bancos berlinenses, o Deutsche Bank e a Disconto-Gesellschaft
(Sociedade de Desconto de Berlim) que possuíam, respectivamente, 15 milhões e 30
milhões de marcos em 1870; em 1908 o capital do primeiro era de 200 milhões e o do
segundo de 170 milhões; em 1914 o Deutsche Bank elevou seu capital para 250
milhões, enquanto a Disconto-Gesellschaft, após efetuar uma fusão com a Aliança
Bancária Schaffhausen, elevou o seu para 300 milhões. Lênin apresenta como exemplo
na França a concentração em três bancos: Crédit Lyonnais, Comptoir National e Société
Générale, cujas sucursais e caixas aumentaram de 64 em 1870, para 258 em 1890 e para
1229 no ano de 1909 (p. 26-27).
Os dados apresentados por Lênin, relativos tanto ao capital bancário, como ao
número de escritórios, das sucursais dos bancos e de suas contas correntes, demonstram
uma ―contabilidade geral‖ que envolve não apenas a classe capitalista, na medida em
que os bancos recolhem os rendimentos em dinheiro dos patrões e dos empregados e
também ―de uma reduzida camada superior dos operários‖, o que resulta, formalmente,
em uma ―distribuição geral dos meios de produção‖ entre os bancos da época, em um
número que variava entre 3 a 6 na França e 6 a 8 na Alemanha20
.
Conforme Lênin, ―a última palavra no desenvolvimento dos bancos é o
monopólio‖ (p. 31), agora com um novo papel relacionado à indústria, dada a
freqüência de suas operações (desconto de letras, abertura de contas, etc.) e a reunião
em seu poder de capitais do setor. Isto favoreceria aos bancos o conhecimento
pormenorizado da situação do capitalista, seu cliente, e resultaria em maior dependência
do industrial, além do progressivo aumento ―da união pessoal dos bancos com as
maiores empresas industriais e comerciais‖. Igualmente, possibilitaria a fusão através da
―posse das ações, (...) a participação dos diretores dos bancos nos conselhos de
supervisão‖, de forma que, por exemplo, os seis maiores bancos de Berlim tinham
representações (através de seus diretores) em um total de 751 sociedades de diversos
ramos, como verificaria nas companhias de seguros, restaurantes, teatros, indústrias de
objetos artísticos, etc.. Esses mesmos bancos possuíam, em 1910, em seus conselhos de
administração, nada menos do que a participação de 51 grandes industriais, entre eles o
diretor da Krupp, da companhia de navegação Hapag. Tais participações também
20
―Mas, pelo seu conteúdo, essa distribuição dos meios de produção não é de modo algum ‗geral‘, mas
privada, isto é, conforme os interesses do grande capital, e em primeiro lugar do maior, do capital
monopolista, que atua em condições tais que a massa da população passa fome e em que todo o
desenvolvimento da agricultura se atrasa irremediavelmente em relação à indústria, uma parte da qual, a
‗indústria pesada‘, recebe um tributo de todos os restantes ramos industriais.‖ (Lênin, 2000, p. 28-29).
acolhem a de membros do governo ou do parlamento, completando, assim, a união dos
bancos com a indústria e o Estado. A partir destas, aperfeiçoam-se os grandes
monopólios capitalistas, inclusive através da especialização dos dirigentes dos bancos
(p. 32) em função da complexidade das suas novas relações com os diversos e diferentes
ramos da indústria, ou com relações estabelecidas em seu conjunto ou em um âmbito
mais geral, ou então, de maneira mais específica. A exemplo disto, quando um diretor
responsabiliza-se pelas indústrias da parte mais industrializada do país, um outro se
responsabiliza com as indústrias do setor elétrico, e assim por diante. Emerge, desta
maneira, uma divisão do trabalho em função da maior complexidade oriunda do novo
papel dos bancos – ―acima dos negócios puramente bancários‖ – na busca de uma
competência maior – para lidar com os ―problemas gerais da indústria‖ ou com ―os
problemas especiais dos seus diversos ramos‖ –, a fim de preparar seus funcionários em
determinada esfera de influência do banco em relação ao setor industrial em que opera.
Na interpretação de Bukharin (1988) a questão da definição econômica e do
futuro do imperialismo torna-se uma questão de análise ―das tendências de evolução da
economia mundial e das prováveis modificações de sua estrutura interna‖ (p. 17-18). Ao
considerar a economia mundial enquanto uma rede imensa, ―tecida de um emaranhado
de laços econômicos os mais diversos, baseados nas relações de produção encaradas em
sua amplitude mundial‖ (p. 57), Bukharin parece antecipar e decifrar parte do processo
que, atualmente, é denominado por ―globalização‖, sem que se ignore, com tal
afirmação, a complexidade crescente das relações comerciais internacionais e a
elevação da composição orgânica do capital, com o incremento de novas técnicas e da
ciência, surgimento da informática e desenvolvimento das telecomunicações, entre
outros.
Bukharin analisa o imperialismo enquanto ―a política do capital financeiro‖ (p.
103) e ressalta o fato de que esta política reveste-se, na verdade, por um ―caráter de
conquista‖ e pelo que, nas suas palavras, seria a característica do imperialismo,
enquanto ―valor historicamente definido‖, de constituir-se em uma ―política de rapina
do capital financeiro‖. O autor passa a examinar a concorrência capitalista ―na época do
capital financeiro‖, a partir da idéia da concentração e centralização do capital (p. 107-
108).
Trustes e cartéis conforme Lewinsohn
Para Lewinsohn (1945), a finalidade econômica da concorrência é a dominação do mercado, ou a
imposição de uma derrota ao competidor, configurando essa luta uma tendência para eliminar a
concorrência. Há, nesse caso, dois modos possíveis de atingir esse objetivo: o primeiro caso resulta da
vitória de um dos concorrentes de tal maneira que força a desistência dos demais; o segundo caso decorre
de um acordo que agrupa os oponentes em torno de objetivos comuns. Entre variantes e combinações
intermediárias, o primeiro caso resulta no truste e o segundo no cartel (Lewinsohn, p. 11).
A concorrência que, por diversos meios, força a falência de um pequeno
comerciante, ou de uma pequena empresa com dificuldades para permanecer no
mercado, não alteraria a composição da empresa, apenas contribuiria para a exclusão de
um adversário. Se, ao contrário, a loja ou empresa tivesse alguma importância, seria
mais interessante apoderar-se dela, através de algum tipo de acordo que conduzisse, por
exemplo, à venda de produtos produzidos pela grande empresa, a preços impostos, ou
que a inserisse em uma rede de filiais, o que em princípio não alteraria o negócio, mas
também eliminaria um concorrente. Tais procedimentos também são encontrados na
indústria, como quando um grande estabelecimento controla oficinas menores e
independentes entre si, entre outros exemplos. Duas espécies de concentração são
identificadas: a concentração vertical, que ocorre em ramos ou setores diferentes,
comparadas aos ―andares diferentes de um edifício econômico‖, em oposição à
concentração horizontal, junção ―de empresas de um mesmo ramo e do mesmo grau de
produção (fábrica de automóveis com fábrica de automóveis, mas também fábrica de
tintas com indústria farmacêutica)‖ (Lewinsohn, p. 12).
A associação pode ocorrer, com alguma freqüência, pela tomada de iniciativa do
competidor mais fraco em associar-se ao mais forte, em uma capitulação ―antes que
seja tarde demais‖, mas na maioria das vezes a associação não decorre de falência ou da
capitulação do mais fraco, pois é com muita regularidade que duas empresas em
condições de igualdade e de forma voluntária unem-se com o objetivo de aumentar a
sua lucratividade, o que não conseguiriam sem a união.
Independente das causas das associações, elas resultam em unidades cada vez
maiores, designadas na maior parte dos idiomas por ―trust‖, termo que se origina no
―direito inglês e prevê a transferência de capitais para um agente fiduciário (trustee)
para que este lhes assuma a gestão‖ e serviu à formação do truste petrolífero da
Standard Oil (1882). Diante dos diversos tipos de trustes (konzern, na Alemanha,
consortium e groupe, na França), Lewinsohn, demonstra que as semelhanças entre esses
trustes e os seus similares resultam da ―tendência a expansão‖ enquanto ―extensão do
grupo econômico‖, ―ligação financeira ou administrativa entre suas diferentes partes‖,
como também têm por objetivo alcançar os maiores lucros ―e uma posição mais
poderosa na vida econômica‖. A diversidade das formas desse tipo de organização
depara-se com a forma clássica de holding, espécie de ―supersociedade‖ que administra
os negócios ou controla financeiramente as demais empresas que a formam. Outro caso
ocorre através da troca de ações, quando uma empresa coage as outras a capitularem e
passa a conduzir a administração do truste. Também se verifica a fusão total ou parcial
das empresas, o que não impede o agrupamento em torno desse núcleo de outras
sociedades. Tais casos foram observados nos setores siderúrgico e químico, da
Alemanha, motivados ―pela necessidade de racionalização técnica‖ (Idem, p. 13-15).
Em relação aos cartéis, Lewinsohn sustenta que eles seriam, ao menos em
relação a sua finalidade, mais definidos que os trustes, pois enquanto estes, ao longo do
tempo, deixaram de se preocupar exclusivamente com a supressão da livre
concorrência, a tendência dos cartéis continua sendo a da eliminação ou obstrução da
livre concorrência, pois aumentar os preços ou ―impedir a sua baixa‖ é a sua finalidade
(p. 16). Assim, os membros do cartel costumam preservar sua independência,
principalmente a financeira, não sendo dirigidos por qualquer administração central,
como no truste. Entretanto, os membros devem obedecer ao estatuto do cartel, sendo
passíveis de punição quando ocorre alguma infração. O cartel exerce pressão moral
sobre seus membros e também sobre os não membros, pois a não adesão ou a saída do
cartel também é motivo da imposição de pressões materiais. Quanto à denominação do
cartel na Alemanha e na França, apesar de certo desacordo, era comum encontrar
organizações com a designação de sindicato e comptoir, respectivamente.
Lewinsohn distingue dois grandes grupos de cartéis: aqueles que impõem aos
membros obediência a métodos de negócios ou a preços iguais seriam os ―cartéis de
igualização‖, enquanto os ―cartéis de quotas‖ seriam aqueles cujos membros dividem o
mercado em quotas de ―participação na produção ou nas vendas totais‖. Outro tipo,
considerado ―mais moderado‖, seria o dos cartéis que prescrevem ―normas gerais a
serem empregadas com a clientela‖, através da negação de créditos além de certos
limites aos seus clientes, ao não permitirem descontos ou abatimentos, a serem
obrigados a aceitar restrições na sua publicidade, convenções mais comuns entre os
bancos, cartelizados em quase toda parte. Outra forma comum seria o cartel de preço,
com acordos que garantiriam a manutenção de um preço mínimo ou de preços fixos (p.
16). Para realizar o cartel de preços, é necessário um rigoroso controle entre os
membros (p. 17).
A tendência monopolista nos cartéis se evidencia quando há divisão regional dos
mercados, ou seja, um grupo ou grande sociedade recebe o direito exclusivo para a
venda de determinado produto em uma região, e os membros do cartel se comprometem
a não entrar naquele mercado. Esse cartel assumiu grande importância no setor de
transportes, por exemplo na França, onde ―até a época de sua fusão, as companhias de
estradas de ferro tinham delimitado suas esferas de interesses‖. Lewinsohn menciona
exemplos de cartéis internacionais que dividem o mundo entre si, conforme suas áreas
de interesse: das companhias de navegação da Alemanha, que antes da primeira guerra
mundial buscaram com a International Mercantile Marine Company, grupo de
companhias anglo-americanas controladas por J. P. Morgan, a repartição dos mares e
oceanos entre si, tentativa malograda, mas que possibilitou delimitar portos de escala
para os navios de diferentes linhas. Outro exemplo, também anterior à primeira guerra,
refere-se à repartição de mercados para a exportação de mercadorias. Aos Estados
Unidos coube a exclusividade, nessa divisão, do mercado da América do Norte, ao sul
dos grandes lagos; em troca, eram obrigados a renunciar a qualquer exportação para fora
da América. Inglaterra e França poderiam exportar para as suas respectivas colônias, e a
Alemanha poderia escoar seus produtos no mercado sueco. ―Para os outros mercados,
foram fixadas quotas. Não se chegou a um acordo quanto ao mercado sul-americano,
que assim permanecia livre para todos os países concorrentes‖ (Lewinsohn, 1945, p. 17-
18).
Para Lewinsohn os cartéis podem transgredir a liberdade das empresas, e a idéia
de que as empresas seriam dependentes nos trustes mas independentes nos cartéis não
corresponderia à realidade, pois ―as sociedades formando um truste são muitas vezes
mais livres do que as pertencentes a um cartel rigoroso‖. A principal diferença entre um
e outro se refere ao ―dinamismo dos dois gêneros de organização‖, pois enquanto o
cartel pode ficar restrito a um tipo de mercadorias ou serviços, o truste dissemina-se por
diversos ramos e apropria-se do que for possível. Um cartel internacional, ou mundial,
não pode funcionar sem fortes cartéis nacionais no mesmo ramo. Os trustes ignoram as
fronteiras nacionais, e quanto mais controlam e participam de sociedades no estrangeiro,
mais importantes eles se tornam. O cartel é estabelecido, geralmente, por um prazo
determinado, por vezes bastante curto, de três a cinco anos, enquanto o truste
desconhece delimitação temporal na sua organização, durando enquanto permanecerem
as condições financeiras propícias para a sua existência, geralmente por períodos
longos, variando entre vinte e oitenta anos ou por mais tempo (p. 18).
Chandler e o crescimento das empresas
Alfred Chandler comparou o desenvolvimento das grandes empresas na
Inglaterra, na Alemanha e especialmente nos EUA, desde o final do século XIX,
abordando a história e as causas da expansão dos empreendimentos e o papel das
grandes empresas no crescimento econômico21
. Conforme McCraw (1998), o mais
importante é que suas obras influenciaram toda uma geração de estudiosos em países
como Grã-Bretanha, França, Alemanha, Japão, Itália e Bélgica, e em disciplinas como
história, economia, sociologia e administração (p.8).
Ao alcançar o grau de investimento necessário na produção e distribuição, e com
a intenção de explorar as economias de escala e de escopo, haveria quatro maneiras da
empresa crescer: 1) por associação horizontal; 2) por integração vertical; 3) através da
expansão geográfica; e, 4) pelo emprego das tecnologias ou dos mercados das empresas
para criar novos produtos. As duas primeiras maneiras são estratégias geralmente
defensivas, uma forma de proteger os investimentos já realizados. Nas outras duas
formas de crescimento, com os investimentos e com a capacidade organizacional
anteriormente existente, as empresas aproveitavam para introduzir-se em novos
mercados e em novas atividades (Chandler, in MCCRAW , p. 330-331).
As aquisições ou fusões aconteceriam, em muitos casos, para permitir o controle
eficaz da produção, do preço e dos mercados, pois somente ocorreria aumento da
produtividade na associação horizontal quando, nas empresas adquiridas ou
incorporadas, se estabelecesse o controle administrativo centralizado, e se racionalizasse
o quadro de pessoal e as instalações para a obtenção de economias de escala e de
escopo, como ocorreu no exemplo da associação da Standard Oil, quando as suas
associadas se uniram legalmente na formação do cartel Standard Oil. Se as empresas
incorporadas ou adquiridas não fossem, em termos administrativos, centralizadas e
racionalizadas, mas continuassem agindo de forma autônoma, a empresa ampliada
continuaria apenas como ―uma federação de empresas‖. No caso da expansão vertical,
21
―O advento da grande empresa verticalmente integrada não mudou apenas as práticas dos industriais
norte-americanos e das suas indústrias. Já aludimos aqui aos efeitos sobre os comerciantes, sobretudo
atacadistas, e sobre os financistas, especialmente banqueiros de investimentos.‖ (Chandler, 1998, p. 64).
―(…) a maior inovação na economia norte-americana entre a década de 1880 e a virada do século foi a
criação da grande empresa na indústria norte americana. Essa inovação, como tentei mostrar, foi uma
resposta ao crescimento do mercado nacional cada vez mais urbano que resultou da construção de uma
rede ferroviária nacional – a força dinâmica da economia nas duas décadas e meia anteriores a 1880.‖
(Chandler, 1998, p. 66).
através da aquisição de empresas no interior da cadeia de produção as razões seriam
mais complexas, pois para ampliar a produção, diminuir custos, aumentar a
produtividade e aumentar os ganhos em processos adicionais as empresas deveriam
estar unidas por sistemas de transporte, pois se tornaria inviável o aumento da produção
quando unidades de processos afins estivessem geograficamente separadas – como
ocorre na fabricação de químicos, metais e máquinas. Em tais investimentos, o motivo
para a expansão vertical seria defensivo, mas não como na associação horizontal, cuja
finalidade poderia ser privar os concorrentes de suprimentos ou garantir o fornecimento
constante de materiais com a finalidade de ―manter as vantagens de custos em função da
escala e do escopo‖ (idem, p. 331).
Então, quanto maior o investimento em ―instalações com alto coeficiente de
capital‖, ou ―quanto maior o tamanho mínimo eficiente‖ – maior será a ―necessidade de
proteção contra os custos de transação‖. Assim, como decorrência da maior
concentração nas unidades de produção e nas fontes de suprimentos, maior será a
possibilidade de integração em uma só empresa. A integração, entretanto, incide
diretamente no crescimento das economias de escala ou de escopo, sobretudo quando
surgiam diferentes fontes de suprimento com preços acessíveis e era preferível para os
industriais adquirir os seus suprimentos no mercado ao invés de investir na sua
produção. Esse investimento, por vezes, podia ser feito ―como uma transação de títulos
lucrativa‖, mas a maioria das empresas preferia incorporar unidades onde ―a estrutura
física e a capacidade organizacional existentes propiciavam-lhes nítida vantagem
competitiva‖ (Chandler, p. 332).
As associações, defensivas ou estratégicas, realizavam-se em resposta a
―situações históricas específicas que variavam de uma época para outra, de um país para
outro, de uma indústria para outra e até mesmo de uma empresa para outra‖. Como, por
exemplo, o caso da indústria automobilística dos EUA, no período entre guerras,
quando ―a Ford continuou verticalmente integrada, a General Motors adotava a política
de controlar um quarto de seus fornecedores, e a Chrysler adquiria quase todos os seus
suprimentos de produtores independentes‖ (Chandler, p. 332).
Estratégias de expansão geográfica, determinantes para o desenvolvimento
contínuo da moderna empresa industrial, foram realizadas geralmente a partir da
exploração de vantagens competitivas em mercados distantes22
, durante a primeira
metade do século XX. Assim, com a evolução das estratégias de expansão geográfica e
de diversificação de produtos, para utilizar a ―capacidade organizacional gerada pela
concorrência funcional‖ foi o que permitiu a neutralização da ―inércia burocrática
inerente a toda organização hierárquica de grande porte.‖ Além dos incentivos que
―levavam ao investimento direto no exterior‖, também as tarifas e outras medidas que
aumentavam os custos dos bens exportados e motivavam a construção de fábricas no
exterior, até mesmo para conter a concorrência, ―explorar um mercado potencial‖, ou
variar a produção para atender necessidades locais. Para tanto, esse investimento
realizava-se partindo do princípio que a empresa detivesse ―vantagem competitiva sobre
os produtores locais‖ (Idem, p. 332-333) 23
.
Abordagens recentes sobre o período
As associações entre empresas, que resultaram em processos de fusões e
aquisições em território brasileiro, na década de 1990, provocaram uma literatura com
enfoque organizacional desenvolvida principalmente por administradores, consultores
de empresas e economistas. Esta abordagem, geralmente restrita ao âmbito da empresa,
apresenta alguns aspectos: das ―estratégias‖ (Héau, Rossetti e Dupas, in BARROS,
2001)24
, das ―oportunidades‖ e das ―patologias‖ (Héau)25
26
, e do ―choque cultural‖
22
―A diversificação de produtos decorria da possibilidade de usar de maneira mais lucrativa as instalações
e o pessoal empregados na produção, na comercialização e nas atividades de pesquisa, visando
igualmente explorar as vantagens competitivas.‖ (Chandler, 1998, p. 332). 23
―Obviamente a aquisição de instalações de produção em lugares distantes só acontecia depois de o
vanguardeiro ter feito seus investimentos iniciais na produção, na distribuição e na administração. O
primeiro incremento da produção geralmente ocorria com a ampliação do estabelecimento original,
quando tal incremento propiciava maiores economias de escala e de escopo. À medida que a organização
de comercialização se expandia geograficamente, surgiam oportunidades para reduzir os custos de
produção, transporte e aprovisionamento montando no próprio país fábricas situadas mais perto dos novos
mercados ou de fontes locais de suprimentos, matérias-primas ou mão-de-obra.‖ (Chandler, 1998, p. 333). 24
O termo ―estratégia‖ – comum na literatura acadêmica e na imprensa especializada –, aplicado às
fusões e aquisições, contempla as formas de atuação da empresa no futuro (curto, médio ou longo prazo).
Assim, os diversos tipos de estratégias a serem adotadas marcarão o posicionamento ou a inserção da
empresa frente a diferentes conjunturas. 25
O termo ―oportunidade‖ designa a situação de possibilidade de realização de um novo negócio. Refere-
se, por exemplo, à possibilidade de aquisição de outra empresa, em um quadro de excesso de liquidez ou
ao interesse dos herdeiros de uma empresa em transferir o negócio fundado por seus antepassados (Héau,
2001). 26
Denominam-se ―patologias‖ os problemas não previstos nas aquisições, que podem causar o fracasso
dessas transações. Decorrem, basicamente, de um mau negócio ou de uma integração insuficiente na
seqüência de uma fusão (Héau, 2001).
(Barros, 2001)27
. Rasmussen (1989), pouco antes da abertura comercial brasileira,
analisa o aspecto estratégico ressaltando o ―planejamento estratégico‖, os ―benefícios‖ e
os ―planos de expansão‖, principalmente. De maneira geral, os trabalhos citados acima
não se contrapõem às reformas na política econômica brasileira dos anos 1990, ou
mesmo são complacentes com esta. Não há, então, tratamento da concentração e
centralização de capitais, trata-se da abordagem no ponto de vista administrativo e
organizacional das empresas.
Os trabalhos de Miranda & Martins (2000), Gonçalves (1999 e 2000), Ferraz &
Iootty (2000), Bonelli (2000) e Barros (2001 e 2003), ressaltam o crescimento das
transações envolvendo fusões e aquisições de empresas ocorridas no Brasil e no centro
do sistema capitalista (EUA, União Européia e Japão), principalmente a partir da década
de 1990.
Ferraz e Iootty (2000) consideram relevante para a análise econômica o
―processo de fusões e aquisições em curso nas principais economias do planeta‖, cujo
crescimento revelou-se exponencial durante a última década. Constatam a ocorrência de
uma aceleração internacional dos fluxos de bens, serviços, tecnologia e capital, além da
intensificação do processo de transformações tecnológicas e de ―mudanças nos regimes
nacionais de incentivos e regulação, em busca de uma liberalização econômica‖. As
fusões e aquisições resultariam, portanto, de estratégias empresariais em busca da
imposição de novos padrões de consumo e a exploração ―de mercados com amplitude
global, antecipando ou em resposta às mudanças no ambiente competitivo onde
operam‖, consistindo em um tipo de empresa que busca a sua expansão além das
fronteiras nacionais (p. 39). Assinalam, ainda, que a grande participação de empresas
estrangeiras em fusões e aquisições acentua a concentração econômica, e podem causar
a internacionalização patrimonial interna, além da substituição ou adiamento de
investimentos em ampliação de capacidade produtiva (p. 39). Ressaltam que o
entendimento destes aspectos seria importante para o verdadeiro conhecimento da
profundidade do processo de fusões e aquisições ocorrido no Brasil, mas que o
conhecimento do processo seria parcial atualmente, no país, exceção feita ao artigo de
Miranda e Martins (2000).
27
―Choque-cultural‖ evidencia a dificuldade de entrosamento entre estruturas diferentes. A busca por uma
empresa, para fusão ou aquisição, considera possíveis semelhanças, e quanto maiores forem essas
semelhanças, maiores serão as possibilidades do processo não resultar em um fracasso (Barros, 2001).
Miranda & Martins (2000) consideram a ocorrência do ―crescimento continuado
do movimento de fusões e aquisições de empresas‖ e que este aponta para uma
crescente tendência de concentração e de centralização do capital (p. 67). Estes autores
contribuem, também, com uma metodologia para a análise dos dados divulgados pelas
empresas de consultorias em fusões e aquisições, notadamente a KPMG Corporate
Finance e a Securities Data, cujos dados foram utilizados e comparados no trabalho28
.
Vegro e Sato (1995) demonstraram o crescimento de fusões e aquisições no
setor de alimentos, tendo realizado considerações referentes ao crescimento das firmas
(onde ressaltam processos de diversificação e aquisição). Apresentam dados e procuram
caracterizar o fenômeno, além de identificar as principais transações ocorridas com a
participação de empresas transnacionais, com um maior detalhamento no ramo de
produtos lácteos e de carnes e óleos. Ressaltam que as fusões e aquisições não seriam
um privilégio dos países centrais, com a ocorrência de importantes negócios em países
em desenvolvimento (p. 9).
Triches (1996) aponta o dinamismo característico do mercado brasileiro durante
os anos 1990 quanto às fusões e aquisições, apresenta uma definição dos termos mais
utilizados na literatura e, em termos gerais, com alguns dados e informações de
transações realizadas no período 1985-1994. Triches atribui à crise enfrentada pela
economia brasileira na década de 1980 e no começo da década de 1990, o aumento das
transações então verificado29
.
Comin (1996) apresenta um panorama da situação das fusões e aquisições no
mundo, analisa mais detalhadamente o caso dos EUA, onde a atividade seria mais
intensa e aponta dados referentes à América Latina. O intento de Comin é mostrar ―que
o mundo vive hoje uma nova ‗onda de fusões‘, com o crescimento sem precedentes do
processo de centralização de capital‖ (p. 63). Reforça o caráter financeiro do processo.
Rodrigues (1999) analisa o que determinou o aumento da participação das
empresas estrangeiras, no início da década, nas fusões e aquisições nos setores de
autopeças e alimentos/bebidas. Compara o aumento dos ingressos líquidos de
28
Miranda & Martins (2000) sistematizaram os dados para proceder a uma análise científica do assunto,
em uma tentativa de diminuir as discrepâncias referentes ao montante de transações efetivamente
realizadas ou quanto aos valores envolvidos nos negócios, através de uma série de comparações. 29
A crise (...) e a abertura de mercado levaram muitos grupos empresariais, que tinham diversificado suas
atividades, a vender ou a incorporar empresas para concentrar esforços nos ramos industriais
considerados de maior domínio. A recessão, as altas taxas de juros praticadas no mercado financeiro, a
implementação de sucessivos planos de estabilização, o congelamento de preços e salários e o problema
de sucessão familiar foram os principais fatores que forçaram a venda de muitas empresas (Triches, 1996,
p. 20).
investimento direto estrangeiro (de US$ 397 milhões em 1993, para US$ 1,9 bilhão em
1994, US$ 9,4 bilhões em 1996 e US$ 17 bilhões em 1997) com estimativas da
SOBEET que mostram o crescimento do Brasil, ―na ponta vendedora‖, em relação ao
volume de transações internacionais, da seguinte ordem: de US$ 1,3 bilhão em 1994,
US$ 2,1 bilhões em 1995 e US$ 4 bilhões em 1996 (p. 5).
Lodi (1999) refere-se às fusões e aquisições realizadas no cenário brasileiro,
apresentando as biografias de algumas empresas familiares nacionais. Este autor baseia-
se em sua experiência profissional como consultor de empresas. Além da sua
experiência empresarial, o autor também escreveu artigos para jornais e manteve,
durante certo período, uma coluna sobre negócios, fusões e aquisições na Revista Carta
Capital.
Gonçalves (1999 e 2000) aponta as correlações entre a ―globalização‖, a
centralização do capital e a desnacionalização da economia brasileira, principalmente
através do aumento de investimentos externos diretos e as fusões e aquisições realizadas
no Brasil.
Bonelli (2000) ocupa-se das fusões e aquisições no âmbito do Mercosul, onde
observa as estratégias das empresas transnacionais. Indica que existe relação entre os
processos de abertura, integração e estabilização econômica ocorridos na América
Latina com o recente movimento das fusões e aquisições.
Cano (1999) analisa as reformas econômicas e as conseqüências da abertura em
países da América Latina, e relata os processos de privatização empreendidos nos
diversos países da região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e
Venezuela).
Barros (2001 e 2003) organizou duas coletâneas que tratam do processo de
fusões e aquisições e seus impactos na economia brasileira. Os artigos convergem para
uma análise favorável ao movimento em curso como, por exemplo, Rossetti (2001), em
que as fusões e aquisições teriam propiciado aumento da competitividade e resultariam
de amplo processo de modernização, no decorrer dos anos 1990.
Tipologia, causas da internacionalização e globalização
Gonçalves (2000) distingue os diversos tipos de fusões e aquisições, assinalando
as principais definições (p. 81):
i. fusão estatutária: apontada como a combinação entre duas empresas, causando o
desaparecimento de uma delas;
ii. fusão subsidiária: seria a junção entre duas empresas, onde uma torna-se a matriz e a
outra, conseqüentemente, resultaria em sua subsidiária;
iii. fusão horizontal: quando dois competidores se fundem;
iv. fusão vertical: ocorre com uma empresa fornecedora;
v. Conglomerado: acontece quando as empresas não possuem relação direta entre si;
vi. Consolidação: junção entre duas ou mais empresas para a formação de uma nova
empresa;
vii. Aquisição ou takeover: envolve ação unilateral, sem negociação, através de oferta
de compra de ações;
viii. Joint venture: caracterizada pela criação de uma nova empresa, ou pela realização
de um acordo entre duas empresas, cada uma delas participando com ativos de sua
propriedade.
Pode-se observar, entre as causas principais para o aumento das fusões e
aquisições mundiais, razões estratégicas, por parte das grandes empresas, que
procuraram se concentrar em seus negócios mais importantes, dispensando os negócios
menos importantes, e a busca de maior sinergia em seu setor principal de atuação
através de alguma forma de associação (Bonelli, 2000, p. 65).
Em relação às causas, ou aos principais determinantes de cada uma dessas
formas de fusões e aquisições, pode-se apontar as seguintes:
Sinergia: quando as empresas buscam sinergia, elas podem estar buscando
economias de escala (aumento da escala de produção e redução do custo médio),
pois ―ao duplicarmos os fatores de produção pode-se verificar que o volume de
produção mais do que duplica‖. Outra alternativa pode ser com base ―na economia
de escopo (...) quando o mesmo conjunto de insumos pode ser usado para produzir
uma ampla gama de bens e serviços‖ (Gonçalves, 2000, p. 82). Pode ocorrer,
também, busca de sinergia financeira, que visa basicamente reduzir os custos de
captação de recursos;
Diversificação de risco: neste caso, a estratégia de fusões e aquisições aparece nos
conglomerados, ou é deles característica, como resposta, por exemplo, a turbulências
nos mercados. Exemplos dessa estratégia seriam os conglomerados japoneses e
coreanos, além da GE, que opera na indústria e também em serviços. ―A expansão
das F&A‘s transfronteiriças nos últimos anos tem envolvido uma diversificação
geográfica de investimentos que permite a redução da volatilidade da taxa de retorno
dos investimentos em escala global― (idem, p. 82);
Reestruturação produtiva: essas estratégias resultam de ―mudanças nas condições de
competitividade e lucratividade das empresas‖, causadas em grande parte pelo
aumento da concorrência internacional, e aspectos relacionados a ―mudanças
tecnológicas e organizacionais‖. A reestruturação produtiva incentivou grande parte
das transações na Europa, durante a década de 1980, quando da iminência do
processo de integração européia, como reação das empresas ―ao estabelecimento do
mercado comum e à criação de um cronograma de união monetária‖ (idem, p. 84);
Acesso à tecnologia: ―(...) o processo de F&A‘s responde, em grande medida, à
necessidade de obter uma tecnologia que é um ativo específico à propriedade de
outra empresa‖ (p. 84). Na maior parte dos casos, quando o motivo é o acesso à
tecnologia, as empresas preferem realizar alianças estratégicas, joint ventures ou
acordos de cooperação;
Desregulamentação: processo que pode incentivar as empresas a uma integração
vertical para aumentar seu poder de mercado, como exemplificado pela indústria de
alumínio, que investiu na indústria de latas. Também a ―desregulamentação dos
mercados e a liberalização com relação à entrada de investidores estrangeiros
tendem também a influenciar o processo de F&A‘s. Em ambos os casos as empresas
existentes com menor capacidade de competição tornam-se ‗presas‘― (Gonçalves, p.
85);
Privatizações: processos marcados por ―transferência de ativos de propriedade
estatal para investidores privados tem sido um dos principais mecanismos para
aquisições cross border― (idem, p. 85), como é evidente no caso da América Latina;
Incentivos fiscais: na forma de benefícios tributários, podem ser importantes para a
realização de fusões e aquisições, quando há créditos a serem transferidos ou perdas
que podem ser compensadas;
A idéia de ―globalização‖ tem revelado certa polêmica, evidenciada
principalmente no âmbito da academia. Esse tema suscita alguma apreciação, na medida
em que aparece na literatura sobre as fusões e aquisições de forma consensual. Alguns
aspectos são apresentados, aqui, em relação ao tema das fusões e aquisições, entretanto
sem a pretensão de esgotá-lo.
O movimento de fusões e aquisições disseminou-se pela economia mundial e
tem sido interpretado como uma das características do período de ―globalização‖
(Ferraz & Iootty, 2000). Entretanto, este processo de ―globalização‖ econômica não
teria sido suficientemente explicado, conforme entendimento de Lacerda (1999), mas
para Hirst e Thompson (2001) o conceito de ―globalização‖ teria se transformado em
uma moda das Ciências Sociais, e para Cano (1999) ele teve ―um uso generalizado e
banalizado na imprensa e mesmo na academia‖ (p. 37).
Para P. N. Batista Jr. (1997), o termo ―globalização‖ seria inadequado e
transmitiria ―uma idéia incorreta do que passa no mundo hoje‖ e deveria ser utilizado
apenas ―entre aspas para denotar distanciamento e até ironia‖ (p. 06). Este termo,
carregado de ideologia, serviria para divulgar ―a idéia de que existe um processo
irresistível na economia mundial‖, qual seja, o de adaptar-se ―a esse movimento
inexorável da economia, comandado por forças tecnológicas e pelas grandes
corporações, ditas transnacionais, que operam no plano internacional‖ (p. 07).
A fim de evitar qualquer ―mal-entendido‖, Batista Jr. ressalta, entretanto, ser
inegável o aumento das transações econômicas internacionais, apoiado em
progressos tecnológicos e inovações em áreas como informática,
telecomunicações e finanças. Nos últimos 30 anos, houve crescimento expressivo
do comércio internacional de bens e serviços, dos investimentos diretos e dos
empréstimos e financiamentos internacionais. Mas é preciso resguardar-se contra
a carga de fantasia e mitologia que se constrói em cima dessas tendências reais,
que são bem mais limitadas do que sugere o barulho em torno do assunto (Batista
Jr., 1997, p. 07).
É necessário discutir não tanto o conceito de ―globalização‖, ou seja, esta
discussão não deve ser reduzida apenas a uma questão semântica, mas precisa
considerar outros aspectos, como a estratégia ―liderada pelos EUA em relação à
América Latina‖ que procura alcançar ―a abertura comercial indiscriminada dos
mercados nacionais e assim a quebra da reserva de mercado, a desindustrialização, e a
diminuição da soberania já limitada que desfrutamos‖ (Mamigonian, 1999, p. 140).
Em sua análise sobre a ―globalização‖, Santos (2000) observa que os ―últimos
anos do século XX foram emblemáticos, porque neles se realizaram grandes
concentrações, grandes fusões, tanto na órbita da produção como na das finanças e da
informação‖ (p. 46) e critica os defensores do estado mínimo, pois a respeito das
privatizações considera que estas decorreram de um ―discurso‖ que tentava convencer a
sociedade da necessidade de ―haver menos Estado‖, tendo por base ―o fato de que os
condutores da globalização‖ necessitariam ―de um Estado flexível a seus interesses‖.
Em sua análise, as privatizações seriam o exemplo da extrema voracidade do capital.
Como as privatizações foram realizadas sob a ótica da desoneração dos Estados
Nacionais, com o intuito de retirar de seu controle uma série de empresas importantes
ou estratégicas, os capitais privados, notadamente estrangeiros, foram os maiores
beneficiários de seus efeitos. Como conseqüência, observa-se a ampliação de mercados
e a radicalização de relações de produção nessas economias, inseridas em condições de
desigualdade no processo de globalização30
.
Rangel e a concessão de serviços públicos
Como foi mencionado na introdução deste trabalho, Ignácio Rangel elaborou
uma proposta de concessão de serviços públicos a iniciativa privada, e a discutiu com
técnicos do BNDE (Pizzo, 1997, p. 104-105) com o propósito de superar tanto a crise
financeira como a crise cíclica em geral, através de uma redistribuição das atividades
entre o setor público e o setor privado da economia.
É preciso ressaltar que o instrumental teórico de Rangel considerava a teoria dos
ciclos, e avaliava a situação do país em relação a uma crise econômica emanada do
centro do sistema, uma crise externa relacionada ao ciclo longo (4º Kondratieff)
coincidente com a crise do ciclo interno de curta duração (ciclo de Juglar). É no quadro
coincidente, portanto, de uma crise externa e de uma crise interna que Rangel reflete
sobre a economia do país e procura soluções para a superação da crise com a retomada
do desenvolvimento (Rangel, 1983, p. 11).
Rangel (1985) analisava o desenvolvimento econômico e industrial do País pela
―ação concomitante e coordenada‖ (p. 39) entre o setor público e o setor privado, mas
entendia que as partes correspondentes a cada um desses setores mudariam a cada ciclo.
Assim,
sempre que o empresariado privado se julga em condições de assumir a
responsabilidade por um grupo de atividades, começa a pressionar pela
privatização desse setor, o que não impede que o mesmo empresariado entre a
cobrar do Estado certos serviços e produtos que, afinal, irão recompor o setor
público desfalcado, na fase final da crise. Afinal, depois como antes, haverá, lado
a lado, um setor público e um setor privado, em conflito que não exclui
colaboração, e, em colaboração, que não exclui conflito. Dialeticamente. (Rangel,
1985, p. 39).
30
―A nação é, sem dúvida, uma categoria histórica, uma estrutura que nasce e morre, depois de cumprida
sua missão. Não tenho dúvida de que todos os povos da Terra caminham para uma comunidade única,
para ‗Um Mundo Só‘. Isto virá por si mesmo, à medida que os problemas que não comportem solução
dentro dos marcos nacionais se tornem predominantes e sejam resolvidos os graves problemas suscetíveis
de solução dentro dos marcos nacionais. Mas não antes disso. O ‗Mundo Só‘ não pode ser um
conglomerado heterogêneo de povos ricos e de povos miseráveis, cultos e ignorantes, hígidos e doentes,
fortes e fracos‖ (Ignácio Rangel, in Mamigonian, 1997).
Sua proposta considerava o esgotamento da capacidade de investimento do
Estado, causada por um endividamento que o tornava incapaz de gerar novos
investimentos nos setores mais necessitados da economia, como em infra-estrutura,
transporte urbano, energia, água e esgoto, ou seja, todos aqueles ―serviços públicos que
se atrasaram no seu funcionamento e hoje são as áreas estranguladas‖ (Pizzo, p. 107).
Seu argumento incidia na utilização da capacidade de produção interna, de indústrias
que estavam operando com altos índices de ociosidade, notadamente a indústria pesada,
a de construção e o setor exportador, setores com capacidade de angariar recursos e de
realizar investimentos. Isso ocorreria através da transferência às empresas privadas das
empresas públicas que careciam de investimentos, associadas aos setores estrangulados
da economia, e que portanto eram os que mais necessitavam de investimento, e,
conforme Pizzo (1997)31
não a transferência de empresas que estavam funcionando bem
(como nos citados casos da Usiminas e Telebrás, além da Companhia Vale do Rio Doce
e outras empresas)32
.
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31
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macroeconômica, a da economia como um todo. Houve uma simples transferência de patrimônio. Quer
dizer, não era disso que Rangel estava falando‖ (Pizzo, 1997, p. 108). 32
―Chegamos, pois, ao ‗x‘ do problema nacional, a saber: o quadro institucional atual dos serviços de
utilidade pública – concessão de serviço público a empresa pública – esgotou suas possibilidades, porque
conduziu a uma taxa de juros proibitivamente elevada, incompatível com a economia desses serviços. A
tragédia do endividamento interno e externo prende-se a isso. É indispensável fazer intervir no processo
outra grandeza: que não pode ser senão a garantia hipotecária‖ (Rangel, 1987, p. 22).
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América Economia
Carta Capital
Folha de São Paulo
Forbes Brasil
Gazeta Mercantil
O Estado de São Paulo
Reportagem - Revista da Oficina de Informações
Revista Atenção
Revista Istoé
Revista Veja
ASSOCIATIVISMO E PORDUÇÃO ESPACIAL EM SALVADOR-Ba: uma
discussão sobre solidariedade, justiça social e democracia no Brasil contemporâneo
a partir da produção espacial por novos personagens urbanos.
Margarete Rodrigues Neves Oliveira33
Discutir a produção do espaço e de territorialidades em Salvador-Ba a partir da
ação de um grupo cultural organizado, numa comunidade local, como um tipo de
associativismo, representa uma forma singular de discutir solidariedade, justiça social e
democracia na realidade contemporânea do Brasil, particularmente da Bahia. Tal
empreendimento requer, sem dúvida, um esforço descritivo, explicativo e analítico de
grande monta. Algo que as limitações do presente estudo dificilmente conseguirão
alcançar. Todavia, esse esforço justifica-se pelo exercício de aproximação de discussões
teóricas a um objeto empírico.
As ações de produção espacial e cristalização de territorialidades, por
associações de caráter cultural e/ou religioso são derivadas, entre outras razões, das
contradições geradas pelas novas e sempre crescentes necessidades postas à produção e
desenvolvimento do capitalismo, sobretudo para as cidades, e, também das políticas
públicas adotadas, no que se refere à produção, distribuição e acesso aos bens públicos.
Tais políticas por serem dirigidas preferencialmente aos setores mais rentáveis da
produção e do consumo orientam a prioridade dos serviços e a distribuição de
equipamentos urbanos. Em detrimento das reais necessidades de grande parte da
população residente, restando às parcelas da sociedade civil desempenhar, muitas vezes,
funções negligenciadas pelo Estado, como forma de preencher algumas das suas
demandas.
O presente trabalho objetiva analisar brevemente a atuação de um desses
movimentos sociais urbanos, considerado como ―novo‖, bem como a ação de setores
privados e do próprio Estado na produção do espaço de Salvador e, tecer considerações
sobre o bairro da Liberdade, comunidade que abriga a Associação Cultural Bloco
Carnavalesco Ilê Aiyê, como objeto empírico estudo. Para tanto, antes será
desenvolvida uma breve revisão teórica sobre a cultura política brasileira, justiça social
e democracia e Vale ressaltar que o esforço de investigar o papel do referido grupo,
33
Mestre em Geografia Urbana / UFBa; professora de Geografia da EsAEx/ CMS — Escola de
Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador . [email protected]
reconhecendo-o como um ―novo‖ movimento social, colabora com a pesquisa em
Geografia Urbana, num diálogo interdisciplinar com outras áreas das ciências sociais.
Tradição da cultura política brasileira.
A Cultura política brasileira é vista por muitos autores como um fator relevante
na cristalização de uma ordem sócio-econômica desigual quanto à distribuição de renda
e bens públicos (IVO, 2001). Essa cultura política pode ser identificada por intermédio
da análise da mediação entre o Estado e a sociedade que se caracteriza pelo caráter
patrimonialista, centralizador e autoritário, permeado por relações clientelistas e
complementado pelo ciclo burocrático. Além do caráter restritivo das políticas de
seguridade social e do volume de pobreza. Somando-se às constatações defendidas por
Ivo, DaMatta (1991) afirma que no Brasil — apesar de ser amplamente divulgado o
predomínio, em seu território, do credo liberal, baseado nas instituições jurídicas — a
cidadania, que essencialmente constitui-se num conceito importante para estabelecer o
universal e acabar com a rede de privilégios defendendo que o papel social do cidadão é
justamente de caráter universal e igualitário, está cristalizada em teias de hierarquização
locais, operando de um modo que privilegia as mais flagrantes relações pessoais.
Assim, para alcançar os objetivos estabelecidos para o presente trabalho, antes
de mais nada, é importante caracterizar os aspectos citados da cultura política brasileira.
Primeiro, o conceito de patrimonialismo. Definido como o uso privado da coisa pública
que encontra sua expressão no clientelismo, no insulamento do Estado, na corrupção e
num Estado incompleto (IVO, 2001). E que podem ser exemplificados por alguns dos
processos de produção do espaço em Salvador. Segundo, o caráter centralizador e
autoritário que historicamente acompanhou o Estado patrimonialista, debilitando o
sistema de representação e conseqüentemente a democracia (TOURRAINE, 1996),
criando um ambiente de incertezas quanto às regras do ―jogo‖ e, certezas quanto aos
resultados da participação política e suas mazelas conseqüentes, o autoritarismo.
Terceiro, o caráter restritivo de inclusão de massas trabalhadoras ao regime salarial,
segmentando o mercado de trabalho no plano do direito. Nesse momento é possível
resgatar o pensamento de Heller (1998) e de Mashall (1967) quanto ao conceito de
igualdade em oportunidade de vida, que preconiza para os indivíduos a possibilidade de
levar uma vida digna de acordo com o padrão da sua sociedade e não aquilo que foi
apontado por Santos (apud DaMatta, 1991) como uma cidadania regulada, na qual
apenas alguns podem usufruir mais direitos do que os outros. Por fim, o volume de
pobreza e as altas taxas de desigualdades, sendo que essas significam uma cidadania
segmentada, posto que exclui uma grande parcela da população da possibilidade de
incorporar-se a comunidade política, e de defender seus direitos, entre eles o direito
cultuar uma herança cultural.
Um outro aspecto da cultura política brasileira pode ser apresentado, ainda que
com ressalvas, a partir do pensamento de Baiardi (1995)34
ao analisarmos os aspectos
históricos que contribuíram para a formação da sociedade brasileira, a saber: a
colonização de exploração de matriz católica ibérica, que cristalizou valores e visões de
mundo patriarcal senhorial, baseado no pensamento aristocrático, que valorizaria,
segundo esse autor, a permanência das hierarquias sociais; a demora da implantação de
um mercado de trabalho livre e a tardia industrialização, quando de sua implantação —
baseada num modelo substitutivo —, a opção por um modelo concentrador, voltado à
grande indústria que resultou num crescimento exagerado das metrópoles
desacompanhado de uma política de reforma agrária.
Os aspectos apresentados são relevantes por constituírem as bases da sociedade
brasileira que se materializou no processo de produção espacial ao traduzir nas formas
urbanas as mesmas verticalidades da cultura política, cristalizadas num espaço
socialmente desigual.
Produção do espaço da cidade de Salvador
Nas últimas décadas, todas as capitais e grandes cidades brasileiras apresentaram
elevado índice de crescimento populacional. Em várias partes do mundo as áreas
urbanas concentram a maior parte da população. Segundo dados do Censo Demográfico
do ano de 2000, no Brasil esse índice é de 81,25% (IBGE, 2000). Os reflexos de tal fato,
geralmente, possuem mais aspectos negativos do que positivos.
A falta de moradias, saneamento básico, atendimento médico/ hospitalar,
escolas, empregos, congestionamentos do trânsito de veículos, deslizamentos de
encostas, as áreas inundadas, são problemas dessas cidades que crescem rápida e
34
Ressalva-se das análises empreendias por Bairdi o caráter determinista ambiental com que ele apresenta
a origem dos padrões culturais de comportamento da sociedade brasileira, atribuindo para tanto
explicações com base em latitudes (os trópicos) e na raça (os negros descendentes dos escravos).
desordenadamente e que estão em freqüente transformação, num infindável processo de
construção / reconstruções.
Partindo da premissa de que a cidade pode ser considerada, segundo HARVEY
(apud Correa, 2001, p.121), ―como a expressão concreta de processos sociais na forma
de um ambiente construído sobre o espaço geográfico‖, percebe-se que a organização
do espaço citadino não busca solucionar problemas para que todos os cidadãos tenham
suas necessidades atendidas, que sejam respeitados, possuam direitos e não apenas
deveres, que possam influenciar decidir e, sobretudo usufruir desse espaço. Em verdade,
a essa organização espacial foram impostas as demandas do atual período pós-fordista,
imprimindo-lhes uma integração funcional para que atendam às exigências cada vez
maiores por fluidez do capital. E essa dinâmica interessa fundamentalmente aos agentes
hegemônicos que buscam a implantação de estruturas espaciais que lhes permitam fazer
economia máxima das falsas despesas de produção (LOJKINE, 1997), que vêem o
cumprimento das suas necessidades viabilizadas pelo Estado, posto que este se
encarrega de garantir ao capitalismo pós-fordista uma relativa estabilidade e
durabilidade (foi assim também para os regimes precedentes) (HIRSCH, 1998).
Essa fluidez contemporânea prescrevida é baseada em redes técnicas, necessárias
ao suporte e à competitividade dos agentes do capital privado, nacional e/ou
internacional, e ao Estado nacional de competição35
. A eficiência dessas redes depende,
consideravelmente, do modo como a organização espacial da cidade se dá.
Preferencialmente, se estas oferecerem uma oferta de equipamentos e de serviços como
transporte e comunicação.
O resultado do crescente compromisso com a referida fluidez promove espaços
socialmente segregados dentro das cidades, restando aos segmentos da sociedade civil36
,
por intermédio dos movimentos sociais, preencherem as lacunas deixadas pelo Estado
no que se refere à materialização das formas diretamente relacionadas às suas demandas
comunitárias. O que cria condições para a permanência de conflitos latentes na
sociedade.
35
Como afirma HIRSCH (1998), tal noção de Estado substitui a de Estado do Bem Estar Social que
caracterizou o período fordista, sendo que este novo Estado poderia ser chamado de Estado nacional de
competição. Assim, esta forma de regulação política se ampara na justificativa de atender às necessidades
de competitividade para firmar um Estado nacional qualquer numa posição internacional vantajosa. 36
A sociedade civil é quem promove fóruns para expressão e confrontamento de questões do interesse
público, posto que ela pode ser vista como um campo de batalhas políticas e ideológicas do qual
concepções alternativas de desenvolvimento e ordem social podem emergir. (HIRSCH, 2003).
Para fim de diferenciação teórica, considerou-se tanto a ação dos movimentos
sociais urbanos tradicionais — as associações de moradores ou de bairros — quanto à
ação do setor privado e do próprio Estado na produção do espaço urbano.
Ao empreendermos o resgate do processo de produção de Salvador é possível
constatar que, desde sua fundação, em 1549, o sítio inicial de Salvador foi escolhido em
consideração a dois aspectos principais: acessibilidade e defesa. Tais aspectos sempre
tiveram caráter relevante para a dinâmica do capitalismo mundial projetado na cidade,
pois definiram a função portuária e administrativa que a caracterizou, bem como a
segurança dos fluxos comerciais. Entretanto, essa função portuária decaiu após o
período colonial, encerrando um dinamismo econômico verificado até então e deixando
a cidade numa estagnação econômica até o fim da década de 1950 do século XX.
Todavia, a partir do contexto econômico chamado de substituição das
importações, concentrada na região Sudeste e que encontrava repercussão em território
baiano, começou a desenvolver-se, no âmbito da administração municipal, uma
perspectiva funcionalista para o ordenamento da cidade. Dessa forma, com o objetivo
declarado de "criar na Bahia uma consciência urbanística" (FMLF, 2002), aconteceu em
1935 a Semana do Urbanismo, considerada como um dos mais relevantes antecedentes
históricos para a consolidação da atual organização espacial da cidade.
Todavia, o que não estava declarado nos objetivos daquele evento, era que, com
a execução do seu resultado concreto — o plano do EPUCS37
— que traria sugestões
para o plano diretor da cidade e discussões sobre a circulação urbana, instalavam-se as
bases da mercantilização do solo em Salvador, com regulamentação definida pelo
Decreto nº. 701, de 09 de novembro de 1948, que dispunha sobre a divisão e utilização
da terra na zona urbana e regulava os loteamentos, revelando a intenção de controle ao
acesso ao solo urbano.
No referido plano do EPUCS constavam às diretrizes para ocupação e
zoneamento, identificando a localização das atividades diferenciadas da população
urbana em setores próprios, que se integravam na estrutura física e social da cidade.
Esse plano buscava aplicar uma racionalidade funcionalista e higienista, fundamentada
na estruturação de habitações populares temporárias em bairros proletários, próximos às
zonas industriais. O discurso apaziguador desse plano pregava que a pobreza das classes
trabalhadoras seria superada com o desenvolvimento industrial, fato que não se
37
Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador (FMLF, 2002)
concretizou. De fato, o zoneamento aplicado à cidade tratava-se da racionalização
articulada a fim de produzir os espaços necessários para atender à lógica do capital,
local e nacional. Pois, a idéia de instalação provisória dos assentamentos proletários,
supunha uma contínua eliminação das vizinhanças pobres, que, por intermédio de um
discurso desenvolvimentista, buscou eliminar a ocupação espontânea das áreas ociosas
da cidade e produzir reservas de solo para a expansão econômica, visto que, enquanto
pregava-se uma solução higienista para a localização compartimentada das classes
populares, concomitantemente, de acordo com BRANDÃO (1973), registrava-se junto
ao poder municipal uma crescente solicitação, por parte de grandes proprietários de
terras, de autorização para criação de loteamentos e posterior comercialização dos
mesmos.
Esse processo caracterizou o que BRANDÃO (1973, p.248) chamou de
―produção ideológica da ilegitimidade: a desordem‖. Na visão dessa autora a idéia de
―desordem‖ associava-se à necessidade de estabelecer uma ordem ou ―ordenamento‖ do
solo. O resultado concreto disso foi a produção de um crescente monopólio do solo
urbano a partir da produção da escassez e, conseqüente, elevação do seu preço.
A ação planejada e articulada do estado e do capital
É importante reconhecer que o espaço é dialeticamente construído a partir das
relações sociais, envolvendo agentes distintos, sendo esta a base de uma concepção
materialista (SOJA, 1993), (LIPIETZ, 1988). Assim, para se entender o processo de
produção e apropriação do espaço urbano, é necessário considerar a existência de uma
relação entre o capital financeiro (bancos e organismos financeiros), o capital fundiário
(os proprietários de terras), o capital produtivo (as construtoras) e o Estado.
Reconhecendo esses como os agentes hegemônicos da produção espacial, a partir da
centralização e associação das suas ações, que se realizam num espaço/tempo limitado,
e do estabelecimento de estratégias de interesses mútuos, contrapondo-se aos interesses
dos demais membros da sociedade, fato observado para a cidade de Salvador que no fim
da década de 1950, teve sua estrutura produtiva regional e o seu papel na economia
nacional redefinidos.
Assim, sobre as bases dos eventos já citados e a partir da década de 1960 se
constituiu o suporte de uma ―modernização conservadora‖ (DAVIDOVICH, 1998, p.
79), responsável por transformações na divisão do trabalho social entre os setores
urbanos em expansão e as oligarquias rurais. Essas transformações repercutiram na
ampliação do espaço físico da cidade (CARVALHO, 1997), tornando-o maior e mais
complexo, mas também contraditório. Sobretudo contraditório, porque ao mesmo tempo
em que se estruturava uma cidade formal dotada de todas as infra-estruturas necessárias
ao seu desenvolvimento, fruto de um planejamento seletivo, outra, informal, mantinha-
se a base da espontaneidade e de crescimento irregular, afastada, ou não, das áreas de
expansão do capital, acreditando que as vicissitudes (alagamentos, deslizamentos, etc.)
que lhe afligia eram inevitáveis (MOORE Jr., 1987).
Sobre os processos de reconfiguração do espaço urbano podem ser apontados
como marcos históricos a implantação da RLAM (Refinaria Landulfo Alves), em 1950;
bem como a construção do CIA (Centro Industrial de Aratu), nos anos 1960; a
instalação do COPEC (Complexo Petroquímico de Camaçari), 1970, caracterizados por
PORTO & CARVALHO (1986, p. 46), como elementos estruturantes que constituiriam,
junto com a descentralização do terciário para a área uma nova da cidade: o Vale do
Camurugipe, o que eles denominam de ―chassi da economia do estado da Bahia, a partir
da macrorregião de Salvador‖. Essa nova base econômica redefiniu o crescimento de
Salvador e do seu entorno, antes baseado nas atividades agrícolas do Recôncavo.
Após a implantação dos referidos marco, o crescimento físico da cidade foi
redirecionado e reorganizado, resultando uma urbanização seletiva. Destacam-se nesse
processo as décadas de 1960 e 1970, quando ocorreram modificações no uso do solo em
Salvador, conseqüentes da nova dinâmica econômica e social da cidade, que refletiu em
escala local a dinâmica nacional e da América Latina como um todo (OLIVEIRA,
2003).
Esses eventos citados permitem a aplicabilidade teórica de algumas das
categorias de análise geográfica e dos elementos do espaço: as firmas, as instituições e
as infra-estruturas (SANTOS, 1985), pois o papel das firmas e das instituições ganha
destaque com a penetração de organismos internacionais e nacionais — CEPAL,
SUDENE, DESENBANCO e CONDER —, na organização de um espaço local, ao
conceber financiar e permitir a alocação de infra-estruturas ou geografização das
formas.
Ao analisarmos esse processo na escala estadual, a criação do DESENBANCO é
um exemplo emblemático. Essa instituição pública atuou na forma de agente de
produção espacial, pois teve relevante papel como agente financeiro, viabilizando a
execução de vários projetos, podendo ser considerado como mais um agente produtor
do espaço. Destaca-se Também a implantação das regiões metropolitanas e com elas o
poder metropolitano, pelo governo militar, que legitimava a possibilidade de controlar e
implantar, em escala regional e local, as diretrizes deliberadas externamente.
A expansão da malha viária de Salvador e de outros empreendimentos tais
como: terminais rodoviários, centros comerciais e administrativos representaram a
materialização dessas ações, pois redirecionaram e redimensionaram os fluxos da
cidade, redefiniram a organização espacial e da circulação por intermédio de um sistema
de vias arteriais modernas, ao mesmo tempo em que excluía consolidadas áreas de
ocupação popular, carentes dessas ações, ao não integrá-las a essa nova forma da
cidade.
A cavaleiro dos investimentos públicos, através da instalação de infra-estruturas
e socialização dos custos da produção espacial, empreendimentos de caráter privado,
chamados de TAC38
, para fins de liberação para criar loteamentos residenciais, se
alocaram no entorno das novas áreas, numa clara expressão de relações clientelistas e
patrimonialista (IVO, 2001), pois as ações do poder público, na forma de regulação
social, favoreceram principalmente os setores econômicos e os grupos de rendas médias
e altas soteropolitanos, textualmente presentes nas considerações gerais e dos objetivos
expressos em alguns estudos prévios tal como o do Projeto Pituba, financiado pelo
DESENBANCO e pelo FINEP, que trazia expresso em documento o objetivo de
―oferecer por antecipado, uma área para o desenvolvimento e a localização de
atividades econômicas de significativa importância‖, uma vez que a área da Pituba
―ostentava fortes atrativos para as camadas da renda que atende ao mercado formal de
habitações, particularmente aquelas que optam pela casa isolada e de alto nível‖, por
poder absorver forte densidade demográfica e por, naquela época, ―contar com toda a
infra-estrutura urbana no melhor padrão de Salvador‖ como: ―água, esgoto sanitário,
luz, rede de drenagem e viária‖ (PROJETO PITUBA, 1976, p.15).
Esses dados revelam a idéia de intencionalidade e associação de interesses
privados, pois, como apontavam os documentos, essa área constituía-se num verdadeiro
vazio urbano, que, no entanto, já possuía uma infra-estrutura instalada bem melhor que
muitas áreas já ocupadas da cidade. Mas, além das infra-estruturas, ―no melhor padrão‖,
38
TAC ou Termo de Acordo e Compromisso são contratos legais celebrados entre a Prefeitura Municipal
e proprietários de terras, a partir dos quais são autorizados a criação de loteamentos privados,
estabelecendo as características gerais do empreendimento o número de lotes comercializados, sua
delimitação, área total, as áreas de uso coletivo etc. (PMS/LOUOS, 2001).
também já estava circundada por vias do sistema viário principal da cidade e articulada
por meio dessas com centros industriais e a importantes terminais, além de dispor de
sub-centro definido e caracterizado.
E também, de acordo com o próprio Decreto, nas considerações e nos objetivos
estabelecidos, a defesa da ―urgente necessidade de se estabelecer orientação normativa,
a fim de possibilitar o desenvolvimento das atividades da iniciativa privada sem
contradição com as diretrizes estruturais a serem estabelecidas pelo Plano‖, referindo-se
ao PLANDURB (Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador), que não poderiam
ser prejudicadas pelas tendências espontâneas. Cabe ressaltar aqui que as terras dessa
área, em sua maior parte, já haviam sido legalizadas na forma de loteamento, como já
foi mencionado. Esse indicativo de rentabilidade da área já havia sido considerado pelos
executores do projeto, ao defenderem que a área possuía uma estrutura fundiária
adequada a grandes projetos de incorporação fundiária por oferecer ―atributos que
atraem às camadas da população de mais elevado padrão de demandas, atendidas pelo
mercado formal de habitação‖ (PROJETO PITUBA, 1976, p.15).
As considerações e os objetivos apresentados nos documentos exemplificam
uma característica comum às políticas de urbanização nos Estados capitalistas. Segundo
LOJKINE (1997), com suas intervenções na cidade, o Estado impede que processos
anárquicos minem a urbanização seletiva, além de socializar as forças produtivas não
rentáveis. No que tange a este segundo item, para esse autor, as ações do Estado
permitem fazer o máximo de economia das falsas despesas de produção, e também
subordinar o crescimento econômico unicamente à valorização do próprio capital.
Assim sendo, é possível analisar a relação entre a ação governamental e a
produção espacial, sobretudo as políticas que remodelaram a forma urbana da cidade do
Salvador, no sentido de criar as estruturas espaciais necessárias às demandas do capital,
confrontando o discurso oficial do planejamento estatal como os objetivos estabelecidos
pelo planejamento urbano.
O desenvolvimento urbano que a cidade apresentou nas últimas décadas foi
responsável por produzir uma nova organização espacial, com efeitos sobre: o território,
a economia, a sociedade e o setor imobiliário em Salvador, ocasionando um
rodoviarismo que priorizou as questões viárias da cidade num claro objetivo de otimizar
a implantação e a fluidez de uma estrutura de redes econômica. Inserindo Salvador no
que muitos autores chamam de fordismo periférico, que materializa as condições de
espaços ótimos para a produção, sem os benefícios da implantação do Estado de bem
estar social, próprio desse regime de acumulação (mais uma vez aplicam-se as análises
empreendidas por IVO 2001, no patrimonialismo e no insulamento do Estado).
Segundo MARICATO (1996), as redes viárias e os lotes clandestinos urbanos
foram as bases para a expansão horizontal das grandes cidades brasileiras nas décadas
de 1940, 1950, 1960 e 1970. A autora afirma que o Estado e o judiciário desenvolveram
estratégias para conviver com o ocultamento da cidade concreta (dos lotes clandestinos
ou irregulares). Uma legislação rigorosa e detalhista, que serve às relações calcadas no
favor, arbitrariedade, corrupção, clientelismo político, se ocupa da cidade formal,
convivendo com um processo anárquico e desastroso de ocupação de solo.
A ocupação ilegal foi consentida enquanto os imóveis possuíam valor irrisório,
passaram a ser proibidas e reprimidas quando os imóveis se valorizaram, pois terrenos
ocupados por favelas pressionariam para baixo o valor dos imóveis do entorno. Foi
assim nas reformas urbanas higienistas do início da República, durante o populismo
varguista e na ditadura militar.
O ―desenvolvimento moderno do atraso‖ (MARICATO, 1996), marcou as
grandes cidades do capitalismo periférico, originando um processo de urbanização
acelerado e concentrado, cujo resultado é a degradação do meio ambiente, a segregação
espacial, baixa qualidade de vida, gigantesca miséria social e violência. Embora existam
segregações de etnias e de nacionalidades, a segregação das classes sociais predomina
na estruturação urbana. Segundo VILLAÇA (1998, p.143), o mais conhecido padrão de
segregação da metrópole brasileira é o do centro X periferia.
Segregar espacialmente não implica em concentrar exclusivamente uma classe
social num determinado espaço. Existem espaços de concentração das camadas de alta
renda que possuem camadas de baixa renda. A situação inversa dificilmente acontece. O
que determina, em um espaço, a segregação de uma classe é a concentração
significativa dessa classe mais do que outra. VILLAÇA (1998) argumenta que existe
uma tendência desses bairros segregarem-se numa mesma região da cidade. Dessa
forma, facilitariam a instalação de infra-estrutura e outros benefícios que pudessem ser
implantados pela legislação urbana e pelas intervenções do Estado.
Além da legislação urbana, estabelecer as áreas de ocupação das casas dos
moradores pobres, em algumas metrópoles o poder público possui a prática de transferir
grupos de moradores pobres para ―áreas permitidas‖, atendendo à lógica da valorização
do capital e exigindo que os moradores reivindiquem a garantia da permanência no
local, através do título de propriedade.
Para MARICATO (1996), a exclusão social poderia ser caracterizada por
indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa
escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, sobretudo, a ausência da cidadania.
Seria expressa na segregação espacial ou ambiental, configurando pontos de
concentração de pobreza à semelhança de guetos, ou imensas regiões onde a pobreza é
homogeneamente disseminada. Pontos que apresentariam dificuldade de acesso aos
serviços e infra-estrutura urbanos, menores oportunidades de emprego, maior exposição
à violência, difícil acesso ao lazer, etc.
O Estado brasileiro, especialmente o judiciário, algumas vezes é tolerante em
relação às ocupações ilegais de terras urbanas. Institui normas genéricas que implicam
controle social para toda a sociedade e não apenas para parte dela, abrindo espaço para a
contradição, esta tolerância nem sempre acontece. A justiça acaba se realizando pela
forma como a lei é esquecida e não pela forma como ela é colocada em prática, como
bem explica DaMatta (1991) ao analisar o tratamento diversificado que a noção de
cidadania pode receber se considerarmos práticas sociais tão diversas, quanto às
encontradas no Brasil. Também Heller (1998) pode ser recorrida nas suas análises sobre
igualdade.
Emergência dos novos personagens
No Brasil da década de 1930, institui-se um Estado centralizador, interventor e
protecionista da acumulação urbano-industrial, que elaborou uma legislação trabalhista,
privilegiando o trabalhador urbano, em detrimento do trabalhador rural. A manutenção
de relações arcaicas de propriedade rural resultou numa situação de profunda
concentração fundiária e ocasionou um gigantesco processo de migração do campo para
as cidades.
O processo de desenvolvimento industrial se caracterizou pela relação entre a
produção ilegal de moradias e o urbanismo segregador. Os baixos salários não
possibilitaram à maior parte dos operários adquirirem uma casa no mercado imobiliário
legal.
A política praticada pelo SFH — Sistema Financeiro de Habitação — atendeu
interesses de empresários privados (construção, promotores imobiliários, banqueiros e
proprietários de terra), de políticos clientelistas (governadores, prefeitos, deputados,
vereadores). A distribuição das moradias populares foi uma das maiores fontes de troca
de favores. Ocasionou também a concentração de renda, uma vez que privilegiou a
produção de habitação subsidiada para a classe média em detrimento dos setores de
mais baixa renda.
Combinando investimento público com ação reguladora, o Estado garantiu a
estruturação de um mercado imobiliário capitalista para uma parcela restrita da
população, enquanto à sua maioria restaram as opções das favelas, dos cortiços ou dos
loteamentos ilegais na periferia (sem urbanização) das metrópoles.
Atualmente, nas grandes cidades, a exclusão se caracteriza pela ilegalidade
generalizada: nas condições de moradia, nas relações de trabalho; e se expressa na
segregação ambiental. O Estado privilegia o segmento social local que detêm o capital e
também o capitalismo internacional, aprofundando a miséria e a exclusão social.
Até a década de 1980, na consolidação do mercado imobiliário da Cidade de
Salvador, promoveu-se a construção e aquisição da casa própria através dos
financiamentos promovidos pelo BNH/SFH (Lei n. 4380/64). Mas, em meados da
década de 1980 diversas crises econômicas afetaram profundamente o setor imobiliário
e culminaram com o fechamento do BNH em 1986, acentuando o processo de ocupação
de terras39
.
No início da década de 1970 as manifestações envolvendo famílias de áreas de
ocupação tornaram-se constantes. Movimentos sociais urbanos de caráter
reivindicatório40
tornam-se nacionais e repercutiram na Cidade de Salvador. Além das
Comunidades de Base e de Organização não Governamentais vinculadas à Igreja, em
1973, surge em Salvador um movimento conhecido como ―Trabalho Conjunto‖,
envolvendo 12 entidades profissionais, que atuava em defesa das reivindicações dos
moradores de bairros da cidade41
. A atuação do ―trabalho Conjunto‖ contribuiu para o
39
Segundo Souza (2002, p.171), ―em Salvador, do total de área ocupada por habitação, em 1991, 14,3%
correspondia a invasões, representando 30% da população. Ultrapassa a oferta de conjuntos habitacionais,
que correspondia a uma ocupação de 10,8%, no mesmo ano. Somando-se às invasões os demais
parcelamentos informais, tais como loteamentos clandestinos, áreas de arrendamento, etc., tem-se que
32% do total da área ocupada surgiu à revelia de parâmetros urbanísticos adequados, correspondendo a
60% da população de Salvador‖. 40
Esses são considerados como Movimentos Sociais Tradicionais, pois se articulam com as causas
reivindicatórias tradicionais, associados, geralmente, a uma organização partidária ou ideológica. Cuja
pauta principal de reivindicação é o acesso aos bens e serviços coletivos, são os movimentos de: classe,
bairros, gênero, etc (SADER, 1988). 41
Segundo TEIXEIRA (2002:246), ―Na Bahia, além da disseminação das CEBs, com o apoio do CEAS,
do Mosteiro de São Bento e de ONGs vinculadas inicialmente à Igreja (MOC), a partir de 1973,
desenvolve-se, em Salvador, um trabalho importante de entidades profissionais, coordenadas pelo IAB,
de suporte principalmente aos movimentos espontâneos de bairros (ocupações contra as enchentes),
surgimento da FABS – Federação de Associações de Bairros de Salvador. Esta última
passou a coordenar todo o movimento de bairros de Salvador quando, no final da
década de 1970, a primeira foi desestruturada42
. Que podem ser entendidas como formas
de associativismos quanto às formas de mediação entre a sociedade e a política do
Estado (IVO, 2001).
Todavia, a mobilização da sociedade civil continuava de várias maneiras. Entre
as décadas de 1970 e 1980, surgem movimentos sociais alternativos, ou, novos
movimentos sociais do qual participam novos protagonistas com agendas baseadas em
reivindicações de identidade, preservação ambiental (de primeira e de segunda
natureza), etc. Além das tradicionais por acesso a bens e serviços. De acordo com
SADER (1988), esse novo movimento considera o sujeito coletivo e descentralizado,
despojado de seus marcos burgueses de individualidade, não se apóia em velhos agentes
— como a Igreja, sindicatos e a esquerda — consideradas instituições em crise, são
baseada na autonomia do movimento, revelando uma determinação decisiva e operando
com fontes populares de informação, aprendizado e conhecimento prático. Esses
movimentos também se apóiam na multidimensionalidade da cidadania, SANTOS
(1996).
Apresenta-se como uma das associações pioneira dessas iniciativas a Associação
Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê, fundada em 1974, no bairro da Liberdade. Desde
então um bairro populoso que reflete todos os indicadores de exclusão espacial por parte
das ações do Estado e com a maior concentração de negros da cidade. Hoje, de acordo
com dados do IBGE, a Liberdade possui cerda de 600.000 habitantes.
Assim, no contexto da Ditadura Militar em uma cidade espacial e racialmente
segregada que vivenciava forte repressão a todas as manifestações destoantes dos
padrões e costumes formais — da elite e da classe média branca —, daquela época,
surgem na cidade organizações culturais oriundas de comunidades majoritariamente
negras. Com proposta inicial de criarem um espaço próprio para participarem
ativamente dos festejos de carnaval, uma vez que muitas das agremiações existentes em
Salvador não permitiam o acesso de negros a estas. Com o passar do tempo essas
conhecido como ―Trabalho Conjunto‖, envolvendo 12 entidades. Esse movimento, de marca
caracterizadamente urbana, de base social na classe média, buscou atuar na luta de resistência à ditadura,
no apoio e defesa das reivindicações de bairros e no debate de questões da problemática urbana‖. 42
Segundo TEIXEIRA (2002), existia em Salvador 3000 Associações de Bairros, dessas, apenas 300
eram filiadas à FABs. Para o autor, a crise da entidade decorre não só do refluxo dos movimentos sociais
em geral, mas também é agravada em conseqüência das disputas internas dos seus dirigentes.
organizações assumiram posturas de resistência para além das questões do carnaval
baiano. Compreendendo que as necessárias mudanças não poderiam restringirem-se à
proteção de bens e acesso a direitos, mas implicava na percepção da necessidade de
participação e representação política.
Originárias de bairros periféricos, populosos e majoritariamente habitados por
população negra de Salvador, como: Liberdade, Periperi e Itapoã, as associações
culturais preencheram lacunas deixadas pelo Estado43
, no que se refere ao oferecimento
de serviços e bens coletivos às suas comunidades, bem como na possibilidade da
construção de espaços de resistência à homogeneização cultural, imposta pelos valores
dominantes da sociedade. Numa forma de resistir a integrar-se àquilo que Santos
chamou de alienação espacial, pois: ―quando o homem se defronta com um espaço que
não ajudou a criar, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa
alienação‖ (1996, p.61). Assim era e ainda é a cidade de Salvador para grande parcela
da sua população, sobretudo a negra.
Vale destacar que tais comunidades são muitas vezes localizadas em áreas de
ocupação espontânea e/ou áreas de riscos: como fundo de vales, encostas ou de alcance
das marés.
Com sede no Curuzu, bairro da Liberdade, o Ilê Aiyê desenvolve, desde a
década de 1980, ações comunitárias, sobretudo as voltadas à educação e ao combate ao
racismo. Essas ações foram materializadas na forma de escolas comunitárias como a
Escola Mãe Hilda, que funciona desde 1989 e atende hoje cerca de 100 alunos, além de
uma escola de Percussão. Esta organização cultural conseguiu se cristalizar naquele
espaço, estendendo sua territorialidade para seu entrono imediato e em outras áreas da
cidade, sendo sua centralidade representada pelo Centro Cultural Senzala do Barro
Preto. Uma edificação de oito pavimentos, com 4.500 m2 que abriga as mais variadas
atividades dessa associação cultural, voltadas para a comunidade, tais como escola;
biblioteca; videoteca; auditório e consultórios médicos e odontológicos, entre outros.
Além desses serviços oferecidos e a inclusão de parcelas da população em atividades
culturais, é possível afirmar que a contribuição mais relevante foi contribuir,
significativamente, nos debates da sociedade brasileira sobre a questão racial e o
racismo, exercitando o que Tourraine (1996) chamou de representatividade a partir da
43
De acordo com IVO 2001, na RMS, que possui um dos mais baixos níveis de associativismo no Brasil,
as associações concentram-se, sobretudo nos bairros periféricos: subúrbio ferroviário, região do centro,
liberdade e áreas do miolo da cidade, bairros de ocupação da população pobre da cidade e que essas
associações são, majoritariamente, associações de moradores e agremiações religiosas.
conscientização da particularidade de cada indivíduo e/ou grupo, i.e. o elemento social
da cidadania, o que corresponde ao direito de defender uma herança cultural e de levar
uma vida civilizada de acordo com os padrões societários.
Além do exemplo do Ilê Aiyê, existem ainda outras iniciativas com o mesmo
perfil, mesclando resgate cultural à ação comunitária. Para oferecer serviços e bens
coletivos, bem como possibilitar, por intermédio da cultura, o desenvolvimento da
consciência de pertencimento a um grupo e com isso promover uma territorialização
cujo cimento é essa cultura. Assegurando à comunidade, na qual se insere, a realização
de uma cidadania que vai além da necessidade materiais de sobrevivência. Mas, aquela
que Santos chamou de multidimensional, em que cada dimensão se articula com as
demais na procura de um sentido para a vida (1996, p.41) e que não se realiza apenas no
consumo ou na ação política da participação eleitoral.
Em Periperi, no subúrbio ferroviário da cidade, habitado por cerca de 400.000
pessoas, o Bloco Ara Ketu desde 1980, quando foi criado com o intuito de preservar os
signos da cultura afro-brasileira, vem desenvolvendo tais atividades comunitárias.
Particularmente por intermédio de oficinas comunitárias que, a partir de 1997 procuram
integrar o morador do subúrbio ferroviário às diversas atividades desenvolvidas pelo
bloco.
Já em Itapoã, no parque do Abaeté, funciona a sede do Bloco Male DeBalê que,
desde 1979 vem desenvolvendo trabalhos sócio educativos com a comunidade local,
contando atualmente com cerca de 400 integrantes da comunidade local e adjacências.
Considerações finais.
Entre a cidade formal, fruto de planejamento urbano e da articulação entre o
capital imobiliário e o Estado, e a cidade totalmente esquecida, entregue a informalidade
e a espontaneidade, na qual muitos indivíduos desenvolvem estratégias de
sobrevivências, em razão do esquecimento dos órgãos oficias para com a condição em
que vivem, existem espaços em que a sociedade civil, por intermédio de atores aqui
chamados de ―novos personagens‖ buscam traduzir suas necessidades em ações
concretas materializando formas e produzindo arranjos espaciais que, além de suprirem
as carências de serviços como educação e áreas de lazer, tornam-se redutos de
resistências culturais, construindo territórios e territorialidades dentro da cidade.
A capital baiana, a despeito da sua contundente hereditariedade africana,
geograficamente mostra-se uma das mais excludentes para os seus afro-descententes,
restando-lhes como estratégia, não só de afirmação cultural, mas, também de
sobrevivência, a criação de organizações que promovam uma inserção e atendas
demandas concretas da comunidade.
Foi proposta desse trabalho, apresentar uma revisão teórica e também comparar
a ação articulada dos atores formais, com as estratégias dos novos personagens na
produção do espaço de Salvador. Verificou-s que, enquanto a ação e articulação dos
atores formais, na produção espacial, deu-se em níveis macro-econômico como
resultado de políticas de desenvolvimentos locais, nacionais e até mesmo internacionais,
a atuação dos novos personagens ocorreu justamente na escala local, em pontos
específicos da cidade que ficaram fora da ação governamental. Todavia, é relevante
atentar para o fato de que esses personagens no início de suas atividades — períodos
mais difíceis — contaram apenas com a ação dos moradores locais, hoje essa realidade
apresenta outra nuance. Resultante das pressões popular e da visibilidade trazida pela
cobertura midiática que alcançaram, ocorreu a participação de segmentos do Estado, em
escala municipal e nacional na alocação de investimentos, além do reconhecimento de
órgãos internacionais e de segmentos do capital privado. Assim, as ações desenvolvidas
por esses novos personagens na forma de associações ganharam mais visibilidade e tem
conseguido materializar mais efetivamente realizações.
Após as análises realizadas é possível inferir que, na modernidade
contemporânea a noção de solidariedade e justiça passa pela reflexão renovada da
ordem democrática, uma ordem que esteja lastreada em princípios que contribuam para
a manifestação das diversas formas de solidariedade, diminuindo os custos da coerção e
favorecendo a cooperação. Nesse cenário é imprescindível que os indivíduos sejam
considerados iguais para exercerem plenamente os três elementos da cidadania
(influenciar, decidir e usufruir) e desenvolverem do senso de justiça. Sobretudo, quando
se desvinculam, como afirmou Moore Jr. B. (1987), do sentido e do sentimento de
inevitabilidade de muitos dos fatos sociais que lhes afligem e reconhecem que por trás
destes esconde-se a injustiça.
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O SAMBA NA CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE
URBANIZAÇÃO E CONFORMAÇÃO DE TERRITORIALIDADES
NA CIDADE DE SÃO PAULO
Alessandro Dozena 44
RESUMO
Este artigo analisa o processo de implantação e consolidação do samba
na cidade de São Paulo, desde a sua presença inicial nos bairros centrais até a
posterior dispersão em direção aos bairros marginais. Acompanhando este
processo, a população negra que saiu das áreas rurais e migrou para a capital
paulista trouxe consigo a tradição do batuque rural, que foi gradativamente
incorporado ao samba no contexto urbano. Com a intensificação do
crescimento urbano, houve a expulsão dos segmentos sociais mais pobres e a
disseminação do samba para outros bairros paulistanos. Após um itinerário
histórico, o artigo é concluído com uma reflexão sobre a “Fábrica dos Sonhos”,
projeto recém anunciado pela prefeitura da cidade de São Paulo e que deverá
se conformar em um relevante território da indústria do carnaval paulistano.
Palavras – Chave: Samba, urbanização, história de São Paulo, bairros,
identidade
THE SAMBA IN THE CONSTITUTION OF THE PROCESS OF
URBANIZATION AND FORMATION OF TERRITORIALITIES IN SAO PAULO
CITY
ABSTRACT
This article analyzes the implantation and consolidation of samba in Sao
Paulo city, since its initial presence in the central neighborhoods until the
subsequent dispersion towards the marginal neighborhoods. In such process,
there is the presence of the black population who has left the rural areas and
migrated to the capital of Sao Paulo State, brought the tradition of rural
44
Professor da Universidade Paulista – UNIP, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de
São Paulo – USP e pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.
Email: [email protected]
drumming that was gradually incorporated to the samba in an urban context. In
this way, through the intensification of urban growth the expulsion of the poorer
social segments of central areas and the spread of samba to other
neighborhoods from São Paulo happened. The article is concluded with a
reflection about the “Factory of Dreams”, project recently announced by the city
hall of Sao Paulo and that will conform in a relevant territory of the paulistana
carnival industry.
Key-words: Samba, urbanization, history of Sao Paulo, neighborhoods, identity
INTRODUÇÃO
O samba proveniente da zona rural paulista e que na cidade de São Paulo
incorporou algumas características urbanas, constitui um elemento marcante da
história da capital paulista, com profundas implicações na compreensão
de seu processo de urbanização e conformação de territorialidades45
.
No últ imo quartel do século XIX, por sua estrutura, rede de transportes e
centralidade financeiro-comercial, a cidade de São Paulo apontava para o que seria
a metrópole que se firmaria em meados do século XX. Desde aquela época, alguns
bairros paulistanos estiveram tradicionalmente relacionados a redutos de
sambistas, onde surgiram os primeiro s cordões carnavalescos que
posteriormente se transformaram em escolas de samba. Também nestes
bairros, a convivência entre segmentos raciais e étnicos heterogêneos foi a base para a
organização dos primeiros territórios de samba na cidade.
Ao longo dos anos, o processo de implantação e consolidação do samba
paulistano foi acompanhado por usos territoriais diferenciados e definidos por interesses
também distintos, muitas vezes amparados pelas festas carnavalescas, que ditaram a
forma de apropriação do espaço e do tempo na capital paulista. Nesse sentido, a
45
Vale lembrar que existem várias abordagens acerca do conceito de territorialidade e, nem sempre,
aquela que envolve as ações de demarcação e controle do espaço geográfico derivado de relações
culturais, políticas e econômicas, permite a compreensão das redes de sociabilidade. Estas, muitas vezes,
não se enquadram na lógica de poder predominante, pois o território também é apropriado
simbolicamente, e as relações sociais produzem ou fortalecem uma identidade que utiliza o espaço como
referência. Neste artigo, consideramos a existência de territórios do samba e de territórios da indústria
carnavalesca, estes últimos mais voltados às ações de demarcação e controle do espaço geográfico; ainda
que ambos estejam dialeticamente relacionados.
formação das ―raízes territoriais‖ do samba na cidade de São Paulo acompanhou o uso
específico do seu território em cada momento, sendo o samba um dos principais
mediadores da construção da identidade da população negra. Nesse ponto, destaca-se o
fato de que ―o território pode ser visto pela análise geográfica como um nexo
totalizador, que reintegra a unidade dos sub-campos da geografia humana, articulando
no movimento histórico de sua formação os processos e fenômenos específicos‖
(MORAES, 2001, p. 47). Esse é o principal objetivo deste artigo, o de procurar entender
alguns processos e fenômenos específicos relacionados à formação das ―raízes
territoriais‖ do samba paulistano, demonstrando a relevância das políticas territoriais na
expansão do samba e na conformação de territorialidades no atual período histórico.
AS ―RAÍZES TERRITORIAIS‖ DO SAMBA PAULISTANO
Eu era menino, mamãe disse vamo embora Você vai ser batizado·no samba de Pirapora
Mamãe fez uma promessa Para me vestir de anjo
Me vestiu de azul-celeste Na cabeça um arranjo Ouviu-se a voz do festeiro
No meio da multidão Menino preto não sai aqui nessa procissão
Mamãe, mulher decidida Ao santo pediu perdão Jogou minha asa fora
E me levou pro barracão Lá no barraco Tudo era alegria Nego batia na zabumba
E o boi gemia Iniciado o neguinho Num batuque de terreiro
Samba de Piracicaba Tietê e Campineiro Os bambas da Paulicéia
Não consigo esquecer Fredericão na zabumba Fazia a terra tremer
Cresci na roda de bamba No meio da alegria Eunice puxava o ponto
Dona Olímpia respondia Sinhá caía na roda Gastando a sua sandália
E a poeira levantava Com o vento das sete saias Lá no terreiro
Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia
Lá no terreiro Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia.
Música: Batuque de Pirapora – Geraldo Filme
Esta composição evidencia a importância da cidade paulista de Bom Jesus de
Pirapora (hoje chamada de Pirapora do Bom Jesus), que a partir da segunda metade do
século XIX atuou como um importante local de encontro dos negros que para lá se
dirigiam em toda primeira quinzena de agosto, quando ocorriam os festejos em
homenagem ao patrono da cidade. Por outro lado, a composição narra o preconceito
racial vivenciado por Geraldo Filme, importante sambista paulistano, quando ainda era
criança.
Nesta festa religiosa, os romeiros provenientes não só do estado de São Paulo
como principalmente de Minas Gerais e Paraná costumavam se encontrar. Um pouco
distante da cidade havia dois barracões abandonados, anteriormente ocupados por
seminaristas, onde ficavam alojados os negros, em um ambiente bem descrito pelo
folclorista Mário Fagner da Cunha:
A festa de Bom Jesus de Pirapora tem um aspecto religioso e
outro profano. À noite a Igreja não chega para conter as pessoas,
todavia, há muita luz e muito barulho. São os negros a sambar,
puxados a sanfona que começam a se animar. É a festa profana, que
deve durar até alta madrugada (CUNHA, 1937, p. 5).
Esse mesmo autor explica que a decadência da Festa de Bom Jesus de Pirapora
se deu devido às pressões exercidas pela Igreja Católica, além da repressão policial
realizada para frear as manifestações dos negros nos festejos, o que culminou com a
proibição definitiva do samba nos barracões onde estes se reuniam para cantar e dançar,
no ano de 1937. Aqui cabe observar que, preocupada com a expansão das manifestações
dos negros consideradas profanas, a Igreja Católica ordenou a demolição dos barracões.
Foto 1 – Barracão de romeiros em Pirapora do Bom Jesus – São Paulo
Fonte: Márcio Marcelino Michalczuk, 2008.
Feitas estas colocações, vale agregar à análise o fato de que embora o samba já
acontecesse em algumas áreas da cidade de São Paulo, é a partir dos elementos rurais
provenientes do interior do estado que ele se configura e se impregna de influências
rítmicas e melódicas, primeiramente manifestadas nos ranchos e cordões carnavalescos
que aí se organizaram.
Assim sendo, ao mesmo tempo em que a cidade se urbanizava, recebia a
contribuição dos negros provenientes das cidades interioranas, onde as concentrações de
comunidades escravizadas permitiram a estruturação do samba nos espaços rurais, a
partir do batuque, do tambú e das danças de umbigada. Neste ponto da argumentação, é
interessante assinalar que a própria prática do samba atuava como estética para a criação
artística, para o suprimento das necessidades emocionais e a afirmação dos valores dos
negros escravizados, além de destoar do discurso oficial da época e incomodar pelo tipo
de musicalidade que trazia.
Com o samba, os negros buscavam formas de acalmar a angústia resultante das
sucessivas espoliações sofridas no ―cativeiro da terra‖, sobretudo nas ocasiões em que
aconteciam boas colheitas de café e eram organizadas as festas de comemoração nas
senzalas, ocasião em que era consentido o batuque e a umbigada. Já no século XVII,
registra-se o relato de Zacharias Wagener, soldado e posteriormente escrivão de
Maurício de Nassau (entre 1637 e 1644), no qual descreve o acontecimento festivo após
a semana de trabalho, acompanhado por danças, músicas e batuques:
Quando os escravos terminam sua estafante semana de trabalho, lhes é
permitido então comemorar ao seu gosto os domingos, dias em que,
reunidos em locais determinados, incansavelmente dançam com os
mais variados saltos e contorções, ao som de tambores e apitos
tocados com grande competência, de manhã até a noite e da maneira
mais desencontrada, homens e mulheres, velhos e moços, enquanto
outros fazem voltas, tomando uma forte bebida feita de açúcar
chamada garapa; e assim gastam também certos dias santificados,
numa dança ininterrupta em que se sujam tanto de poeira, que às vezes
nem se reconhecem uns aos outros (TINHORÃO, 1998, p. 28).
Conforme demonstrado pelos estudos de Olga Simson (1989), a origem do
samba paulistano provém do interior do estado e está associada às práticas da população
negra escravizada nas fazendas de café. A partir delas, o samba de roda, o samba de
bumbo e o samba-lenço eram praticados ao som de tambores, também utilizados no
jongo e no lundu, cavados com fogo nos troncos de árvores e recobertos com couro de
animais.
Foto 2 – Samba-lenço em terreiro de Rio Claro, São Paulo.
Fonte: Coleção particular de Rodolpho Copriva, 1955.
Assim sendo, os escravizados que saíram das áreas rurais e vieram para a cidade
de São Paulo trouxeram a tradição do batuque rural, que foi sendo gradativamente
incorporado ao samba já em um contexto urbano, nos três territórios negros da São
Paulo da primeira metade do século XX: Bexiga, Baixada do Glicério e Barra Funda
(Simson, 1989). De todo modo, não se pode concluir que antes desta migração campo-
cidade nada havia de samba na cidade de São Paulo, mas sim que a partir dela as rodas
de tiririca (um tipo de capoeira sambada) e as rodas de samba, ganharam a importante
contribuição do samba retumbado nos cafezais do interior do estado, marcadamente
ritmado pelo som grave do bumbo46
.
Além disso, deve-se lembrar que o samba surgiu como resistência e protesto à
condição sócio-econômica pesadamente vivenciada pelos negros. Sendo assim, a sua
conformação na cidade de São Paulo também esteve associada com a manifestação
religiosa desta população, em um ambiente onde os aspectos ligados ao profano e ao
sagrado conviviam lado a lado.
46
Sobre o tema ver o segundo capítulo de: MORAES, José Geraldo Vinci de. As sonoridades paulistanas:
A música popular na cidade de São Paulo – Final do século XIX ao início do século XX. Rio de Janeiro:
Funarte, 1995. Sobre a trajetória que o samba percorreu, do contexto rural para o urbano, ver:
MARCELINO, Márcio Michalczuk. Uma leitura do samba rural ao samba urbano na cidade de São
Paulo. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, 2008.
Neste ponto da argumentação, vale lembrar que além das religiões afro-
brasileiras, o catolicismo teve grande importância na organização dos primeiros cordões
carnavalescos no Brasil. Segundo Simson (1989), nas primeiras décadas do século
passado, era dada permissão policial para a ocorrência dos desfiles dos cordões, na
medida em que estes se organizavam ao modo das procissões habituais presentes nas
festas religiosas desde o século XIX. Como explica a autora:
Esses embriões de associações não surgiram de repente, do nada, pelo
simples fato de famílias negras estarem morando próximas (...)
Deveria haver indicações de experiências festivas anteriores, reunindo
essa população, que formassem uma espécie de bagagem para a
criação dessas entidades carnavalescas (...) Foi certamente essa
vivência festiva, repetida anualmente, que permitiu à população negra
paulistana elaborar seus folguedos carnavalescos, baseada em espaços
urbanos que lhe eram próprios, em grupos musicais existentes e em
experiências profano-religiosas anteriores (SIMSON citada por
MORAES, 2000, p. 143).
Na cidade de São Paulo, os locais onde a população negra passou a se reunir,
especialmente nos momentos festivos, foram a cercania da Igreja dos Enforcados no
Largo da Liberdade, a Igreja da Santa Cruz no bairro do Glicério e a Igreja da
Achiropita no bairro do Bexiga. Como coloca Simson (1989), a Capela de Santa Cruz
das Almas dos Enforcados reunia grande parte da população pobre e negra da época, em
decorrência de por lá ter sido enforcado o cabo revoltoso Francisco José das Chagas (o
Chaguinhas), contrariando a vontade do povo. ―Conta-se que na primeira e na segunda
tentativa de enforcamento a corda se rompera, o que teria sido um sinal da vontade de
Deus não respeitada pelo governo, que mesmo assim mandou executar o réu‖
(SIMSON, 1989, p. 86).
Nesse quadro, outro aspecto interessante era a questão da moradia da população
negra recém-alforriada ou fugitiva chegada a São Paulo, que em grande parte se
estabeleceu no bairro do Bexiga, conforme explica Penteado, diretor da escola de samba
Vai-Vai:
Quando os tropeiros vinham do interior paravam ali onde atualmente
está a Praça da Bandeira (...) Havia um entreposto com vários tipos de
especiarias e escravos (..) Alguns escravos fugiam de lá e vinham para
cá, para esta região, o Alto do Caagaçú como era chamado na época,
pois tinham uma visão boa de quem viesse atrás deles para capturá-los
(...) Então se formou um quilombo aqui que ficou sendo chamado de
Quilombo da Saracura (...) O pessoal que morava por aqui era
chamado de saracura, porque tinha o brejo do rio com muitas
saracuras (Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).
Fotos 3 e 4 – Fotos de 1860 e 1864 respectivamente
Largo do Piques (atual Praça da Bandeira), local de hospedaria de tropeiros,
leilão de escravos e feira de mercadorias.
Fonte: Coleção Ítalo Bagnoli. DIM-DPH-SMC
Até a década de 1890, essa região descrita por nosso entrevistado ainda se
encontrava pouco ocupada e era pontuada por campos, pastos e chácaras. Dentre as
principais estavam a Chácara do Bexiga47
, pertencente a Fernando de Albuquerque.
Mais a sudoeste, ―beirando o Anhangabaú, os campos do Estaleiro Bexiga e mais ao
longe o Sítio do Sertório. A oeste, a Chácara de Martinho da Silva Prado, onde ficava o
47
Atualmente, o bairro do Bexiga pertence oficialmente ao distrito da Bela Vista. Coimbra citada por
Torres (1998) afirma que ainda hoje muitos moradores fazem questão de escrever Bixiga com ―i‖, tal
como se pronuncia. No início do século alguns italianos repudiaram a mudança do nome do bairro para
Bela Vista, contrariando a solicitação feita por ingleses que também habitavam a área. Há os que atestam
que a denominação Bexiga provém de uma epidemia de varíola ocorrida no século XVIII. Outros a
associam à existência de um matadouro localizado na região, onde se vendia ―bexiga‖ de boi; outros,
ainda, ao sobrenome de Antonio Manoel Bexiga, dono da chácara em que o bairro se constituiu.
Tanque Reúno ou do Bexiga‖ (BRUNO, 1954, p. 205). O adensamento populacional
somente começou a ser registrado quando, entre os anos de 1880 e 1890, iniciou-se o
processo de loteamento dessas áreas. Observa-se claramente este processo no anúncio
publicado pelo Correio Paulistano em 28/03/1881, abaixo reproduzido:
Uma pechincha lucrativa
Roberto Tavares
Vende sabbado 30 do corrente
Ás 5 horas da tarde
Por conta e ordem de quem pertencer
Terrenos promptos para edificar
Situados no Bexiga junto ao
Tanque Reuno, 5 minutos da cidade
Estes bel issimos terrenos constam de
30 braças de frente sobre mais de
35 de fundo, banhado pelas águas do
Tanque Reúno.
Um chafariz
De bella e excellente água nativa,
Dando maios de 50 pipas por dia,
é o que ali ha de mais lucrativo.
O terreno é todo cercado por fio inglez e postes.
Além do Bexiga, a população negra estabeleceu-se em outros bairros que
rapidamente se dinamizavam, acompanhando a importância econômica adquirida pela
cidade de São Paulo que, desde a segunda metade do século XIX, passou a representar a
nova cidade pujante no Brasil, classificada por Pierre Mombeig (1953) como a ―Capital
dos Fazendeiros‖. Nesse momento, já se pronunciava a polarização que se consolidaria
no século XX:
Os desdobramentos do complexo cafeeiro e o aumento dos
negócios levaram fazendeiros, empresários comerciais e industriais,
funcionários do governo, além do caudal de imigrantes que vinham se
assalariar ou tentar algum negócio por conta própria, a fixar residência
na capital. A cidade de São Paulo perdia sua aparência primitiva e
homogênea, começando a dar uma impressão cosmopolita de abrigar
várias cidades em uma só (PEREIRA, 2004, p.13).
Para auxiliar este processo, há com o declínio da economia cafeeira o incentivo
da migração de famílias de negros para a capital, atraídas pelo promissor mercado de
trabalho fomentado pelo processo de transformação da sociedade da época, de
escravista para de trabalho livre e assalariado. Neste contexto e momento é que o samba
se consolida na cidade, tendo como matrizes as características rurais trazidas pelos que
chegavam do interior e se tornavam mão-de-obra braçal e barata. Em um espaço urbano
em expansão, os diferentes hábitos culturais se entrecruzavam na configuração do
samba paulistano, a exemplo da co-influência que se deu entre a cultura italiana e a
negra no bairro do Bexiga48
.
Como já expresso, em um primeiro momento estas famílias de negros se
concentraram destacadamente no Bexiga, na Baixada do Glicério e na Barra Funda.
Procedendo-se a um levantamento da presença dos negros nestas áreas, percebe-se que
ali existiam moradias que funcionavam como pontos de encontro, vislumbrando-se
redes de sociabilidade, laços de parentesco, amizade, compadrio e relações afetivas
informais que marcavam a vida social e o processo de resistência nesta época. A
respeito dessa resistência, as mulheres negras tiveram um importante destaque, como
aponta Penteado:
A mulher negra teve um papel muito importante (...) Não existiam
muitas frentes de trabalho para os homens negros (...) A mulher era
lavadeira, passadeira, cozinheira, entendeu ? (...) Para sustentar a
família e fazer samba, era a mulher que levava o dinheiro e o livro de
ouro para os seus patrões assinarem (...) Minha avó por exemplo
trabalhava como quituteira para um barão de café (...) Então ela levava
o livro de ouro para o pessoal assinar (...) Também a mulher é que
segurava a religiosidade, o candomblé (...) Os terreiros de candomblé
eram terreiros de samba também (...) Então se ia para dentro do
terreiro para fazer samba e a polícia vinha, para acabar com o samba,
mas diziam que o estavam fazendo era culto religioso (...) E quando a
polícia vinha para acabar com o culto diziam que estavam fazendo
48
Para o aprofundamento desta questão ver: CASTRO, Márcio Sampaio de. Bexiga: um bairro afro-
italiano. São Paulo: Annablume, 2008, 108 p.
samba (...) E as mulheres sempre se punham à frente, se não fossem
elas eu não sei se o samba sobreviveria (...) Elas que seguraram...
(Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).
Em particular, é a proximidade que no século XIX marcou a trajetória da fixação
dessa população que, ao longo dos anos, deslocou-se com expressividade das áreas mais
centrais em direção às regiões adjacentes da cidade, no geral ainda pouco povoadas e
com grande disponibilidade de terrenos. O trecho abaixo bem elucida essa
movimentação:
Conforme foi chegando o progresso, a cidade foi
―embranquecendo‖ (...) Ali onde hoje está a Câmara Municipal era
tudo sobrado de cortiços onde moravam os negros (...) Então a cidade
foi crescendo e ―embranquecendo‖ (...) Este é o termo certo, pois os
negros foram jogados para a Bela Vista e a Barra Funda, em um
segundo momento para a Casa Verde, Limão e Freguesia do Ó e em
um terceiro momento para o Grajaú, Cidade Tiradentes e Tatuapé (...)
Estou te explicando isto porque o samba ia junto, entendeu ? (...)
Aqueles sambistas que moravam por aqui foram para outras áreas da
cidade e levaram o samba junto com eles (Penteado, entrevista
realizada em 24/10/2007).
Sobre este ponto, é interessante notar que os proprietários das residências
controlavam a habitação nos cortiços (que surgem como locais de moradia coletiva),
mediante uma vigilância exercida por eles próprios:
Bairros como a Bela Vista (Bexiga), Santa Ifigênia e Liberdade
representavam áreas com grande concentração de cortiços. Nessas
habitações eram fortes os laços de vizinhança. Essa proximidade
fortalecia a solidariedade orgânica no interior desses bairros. Por sua
vez, os proprietários, que viviam no mesmo prédio nas partes mais
privilegiadas, exerciam uma significativa vigilância sobre os costumes
e sua conservação (SCARLATO, 2004, p. 257).
O contato com as fontes, principalmente os textos referentes à cidade do século
XIX, demonstra que em São Paulo as distinções sociais ainda não se reproduziam
espacialmente, como ocorrerá no século XX a partir da conformação dos ―bairros
paulistanos nobres‖. Assim sendo, cabe observar que a população mais pobre residia
muito proximamente às famílias mais abastadas, a quem serviam como pedreiros,
marceneiros, empregadas domésticas, vendedores ambulantes, trabalhadores braçais,
quituteiras, dentre outras atividades. Isto ocorria, por exemplo, no Morro dos Ingleses,
situado na parte mais alta da Bela Vista, onde se instalou a parcela rica dos moradores
composta por fazendeiros de café e investidores ingleses, em oposição aos negros e
italianos que habitavam a região mais baixa, como a Rua Treze de Maio; local onde
acontecia a festa de Santa Cruz e os negros libertos comemoravam a abolição (Coimbra
citada por Torres, 1998).
No entanto, esta proximidade não eliminava as desigualdades sociais e os
preconceitos, pois havia um monitoramento assíduo dos sambistas para se evitar a
―bagunça‖ nas ruas, em práticas sucessivas de cerceamento de suas ações e usos
territoriais49
.
Vale lembrar que neste momento os negros da classe média e alta não podiam
freqüentar os clubes da elite, levando-os a fundarem em 1961 a Associação Aristocrata
Clube no bairro de Santo Amaro. Já que a aristocracia paulistana não os aceitava em
seus clubes, um grupo de jovens atletas, intelectuais, compositores, sambistas e
indivíduos de outros segmentos da sociedade negra resolveram criar o seu próprio50
.
Fotos 5 e 6 – Eventos sociais no Aristocrata Clube
49
Em todos os anos, no dia 20 de novembro, é realizada a ―Marcha do Dia da Consciência Negra‖. Além
de lembrarem a morte de Zumbi, os participantes costumam percorrer treze locais da cidade de São Paulo
em alusão aos 13 de Maio, dia da assinatura da Lei Áurea. É interessante notar que a comunidade negra
assegura ter perdido o direito de uso territorial desses locais: praças públicas, igrejas, terrenos, dentre
outros. 50
Sobre esta questão assistir o documentário ―Aristocrata Clube‖ de Jasmin Pinho e Aza Pinho – Itaú
Cultural 2004, o qual relata por depoimentos, fotos e imagens, a história do glamoroso clube da zona sul
de São Paulo, revelando aspectos da resistência efetuada pelos negros que obtiveram ascensão econômica
e política na época. É interessante observar que o clube se apropriou de símbolos da aristocracia branca,
reproduzindo-os para que houvesse a afirmação social como negros (o termo ―Aristocrata‖ é exemplar). O
documentário também evidencia a crise atual do clube, contrapondo-se com a pujança obtida nas décadas
de 1960, 1970 e 1980. Para uma análise comparativa com um clube carioca, ver: MELLO, João B.F;
PAIXÃO, Aimeé L.R. Renascença Clube: Um símbolo da negritude carioca. In: Anais do 18º UERJ Sem
Muros, Rio de Janeiro, 2007.
Fonte: Memorial Virtual, consultado em agosto de 2007.
www.memorialvirtual.com.br
Com o passar dos anos, a segregação sócio-espacial foi se acentuando e a cidade
passou a ser vivenciada de modo distinto pelos vários segmentos sociais nela presentes.
Como conseqüência, evidenciou-se a posição de marginalidade da população negra,
sobretudo com relação à sua religiosidade, expressão musical, moradia e tipo de
ocupação exercida. Nesse sentido, dentre as alternativas criadas pelas comunidades
negras para amenizar as situações de injustiças e desigualdades resultantes deste
contexto social discriminatório e hierarquizado, encontrou-se o ingresso nas irmandades
e confrarias de pretos e pardos:
A origem das irmandades religiosas é encontrada no período medieval
e surgiu a partir do modelo das corporações de ofício, que atendiam
aos interesses profissionais de seus integrantes, mas tinham também
como objetivo a assistência mútua entre seus membros. Enquanto as
corporações limitavam o seu auxílio aos próprios membros, as
irmandades eram formadas por leigos, sem restrições de qualificação
profissional e, até mesmo, sem distinção social (MESGRAVIS citada
por QUINTÃO, 2002, p. 73).
Segundo Quintão (1991), as Irmandades e Confrarias presentes em São Paulo no
final do século XIX foram importantes focos de solidariedade e resistência,
congregando membros ativos do movimento abolicionista liderados por Antônio Bento,
também conhecidos como caifazes. Quintão avalia que:
Além das atividades religiosas que se traduziam na organização de
procissões, festas, coroação de reis e rainhas, as Irmandades também
exerciam atribuições de caráter social como: ajuda aos necessitados,
assistência aos doentes, visita aos prisioneiros, concessão de dotes,
proteção contra os maus tratos dos senhores e ajuda para a compra da
carta de alforria. A mais famosa dentre as inúmeras irmandades de
pretos é a de Nossa Senhora do Rosário (QUINTÃO, 2002, p. 75).
Embora houvesse a coabitação em mesmos espaços, em muitas ocasiões, a
proximidade entre os segmentos sociais e raciais heterogêneos vinha acompanhada de
hostilidades, a exemplo da proibição de que os negros freqüentassem as mesmas igrejas
que o segmento sócio-econômico dominante. Até mesmo no Bexiga, bairro fortemente
marcado pela presença negra, encontravam-se placas de aluguel de quartos com as
seguintes palavras: ―Aluga-se quarto, não se aceita pessoa de cor‖ (BARBOSA citado
por MOURA, 1988, p. 216).
Assim, as moradias de negros localizavam-se em quase todas as ruas da cidade,
intercaladas a sobrados e a casas térreas, em dispersões que vão mudando de sítio em
função da remodelação urbana intensificada a partir das últimas décadas do século XIX.
Esta coexistência com o segmento médio e alto também envolvia os imigrantes
europeus e asiáticos, que conforme chegavam iam se encontrando em bairros como a
Barra Funda (ocupação favorecida pela proximidade da linha e da estação de trem),
Baixada do Glicério (que desde aquela época até hoje apresenta o alagamento de suas
ruas em dias muito chuvosos e por isso teve seus terrenos desvalorizados com o
decorrer dos anos), Bela Vista (Bexiga) e Liberdade; além das ruas transversais às
principais.
Nesse sentido, Rolnik (1981) observa que no início do século XX a elite
econômica ainda ocupava as áreas próximas às ruas São Bento, XV de Novembro e
Direita. Só que com o aumento da vocação comercial do centro, houve uma gradativa
transferência desta elite para as chácaras dos Campos Elíseos, bairro vizinho, onde
alguns casarões foram construídos para que houvesse a instalação de órgãos
governamentais e das famílias dos barões de café, a exemplo do Palácio do Governo.
Posteriormente, a elite ―subiu‖ para o Morro dos Ingleses, situado próximo a elegante
Avenida Paulista; e Jardins, situado no lado oposto da encosta. À medida que o
crescimento urbano se intensificou, aumentou a expulsão dos segmentos sociais mais
pobres e a elite impôs sua presença na região central, buscando apropriar-se do território
com medidas de cerceamento impostas:
Quando a Bela Vista começou a se desenvolver, os negros foram
primeiramente para a Casa Verde, que era um bairro distante (risos),
havendo um embranquecimento, falando de uma forma bem popular
né, ou no linguajar da época, começou a se limpar o centro ... (...)
Disseram que tinham que tirar a negrada dali (...) E assim quando
fizeram a COHAB José Bonifácio lá no Grajaú, umas das primeiras
(...) muita gente nossa foi para lá, ou para a Cidade Tiradentes, assim
como também muita gente saiu da Barra Funda e Bom Retiro (...) No
bairro da Casa Verde, muitos negros trabalhavam na extração de areia
dos rios lá existentes (Penteado, entrevista realizada em 24/10/2007).
Para continuar a argumentação, faz-se importante verificar quais foram os
fatores que conduziram a expansão territorial do samba na cidade de São Paulo, para
que as reflexões captem a correlação existente entre as políticas territoriais e o
movimento das escolas de samba e dos sambistas na totalidade do espaço geográfico
paulistano.
POLÍTICAS TERRITORIAIS E A EXPANSÃO DO SAMBA NA CIDADE DE
SÃO PAULO
As transformações ocorridas no centro da capital paulista implicaram em uma
ampla reformulação da cidade, ao passo que muitos cortiços e moradias pertencentes à
população negra foram sendo destruídas, expulsando-a para locais remotos. Deste
modo, houve o gradativo deslocamento desta parcela populacional para as áreas
marginais, com destaque para aquelas situadas na região norte, como explica o
importante sambista paulistano:
De uma hora para outra surgiu a ordem de que os pobres não
poderiam mais ocupar os porões e então os meus parentes tiveram que
comprar terreno para os lados do Peruche, onde estavam vendendo
barato (...) Todos os que eram pobres, tanto os brancos como os
negros, tiveram que sair (Toniquinho Batuquero, Samba à Paulista,
2007, parte II, 42‘56‖).
Com isso, intensificou-se a expropriação do uso territorial pela população mais
pobre, que como visto anteriormente, ocupava as áreas centrais no início da formação
da cidade de São Paulo. Esse processo a leva às áreas mais distantes, onde o acesso ao
terreno e a moradia era economicamente mais viável. Ao mesmo tempo, a implantação
de grandes infra-estruturas urbanas e o processo de reforma urbana irá impulsionar a
expansão urbana periférica. Acerca deste assunto, Francisco Scarlato comenta:
O Brás, a Bela Vista e a Liberdade foram retalhados por viadutos e
avenidas. Um número muito grande de desapropriações para a
construção de grandes obras não somente desfiguraram aquelas
paisagens como acabaram expulsando parte significativa de sua
população tradicional (SCARLATO, 2004, p.264).
Ao mesmo tempo em que ocorre o deslocamento da população mais pobre em
direção aos bairros periféricos, as escolas de samba começam a ganhar força nesses
bairros. Se antes estavam concentradas próximas à região central, passam também a se
localizar em bairros situados além das marginais51
.
Do ponto de vista das políticas de saneamento implantadas, ocorreu na cidade de
São Paulo algo semelhante ao ocorrido no Rio de Janeiro: a busca da higienização da
área central por meio da remoção da população pobre.
Em São Paulo, foram realizadas dezenas de intervenções no espaço urbano pelo
poder público e privado, procurando-se estruturar, higienizar, regular, disciplinar e
embelezar a cidade. Tudo isso, devido ao quadro de instabilidades marcado por
conflitos e tensões sociais ocasionadas pelo descontrole nas ações urbanizadoras e nas
políticas sociais implantadas (Moraes, 2000).
Com o passar dos anos, o rápido e desordenado desenvolvimento da cidade de
São Paulo exigiu clareza nas ações e nas metas definidas, direcionadas às políticas de
urbanização. A alteração deste direcionamento se deu na década de 1930, quando a
postura da administração pública municipal rompeu com o descaso ao planejamento e
passou a buscar análises e visões prospectivas para a cidade:
51
Cabe notar que as escolas de samba Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Lavapés continuam situadas no
mesmo lugar onde surgiram, respectivamente no Bexiga, na Barra Funda e no Glicério.
Se as primeiras preocupações apareceram no governo Pires do Rio
(1926-30), foi a partir de meados da década, nas gestões de Fábio
Prado (1934-38) e Prestes Maia (1938-45), que os projetos
urbanísticos saíram do papel e permitiram uma planejada intervenção
do Estado no espaço urbano, criando condições para o
desenvolvimento da ―cidade industrial‖ (MORAES, 2000, p. 202).
A principal iniciativa do engenheiro Prestes Maia (posteriormente eleito prefeito
da cidade) foi a criação do Plano de Avenidas, durante a gestão do prefeito Pires do Rio,
com o intuito de permitir maior rapidez aos veículos, além de reduzir os
congestionamentos na área central e abrir novas saídas (radiais) em direção às marginais
dos rios Pinheiros e Tietê. Neste sentido, seu planejamento urbanístico para a
organização da cidade visava:
O descongestionamento da região central por meio do sistema viário
radial-perimetral, a reorientação do crescimento urbano em diversas
direções, a descentralização dos espaços e dos serviços urbanos, a
preferência pelo transporte de superfície, mais especificamente pelo
automóvel público ou privado, a preocupação com a verticalização da
cidade; e finalmente, a intervenção direta e indireta do Estado
(MORAES, 2000, p.207).
Todas estas ações contribuíram para ―levar a cidade‖ para além dos rios,
mediante uma expansão urbana de tipo radial concêntrico, possibilitada pela presença
das avenidas radiais e perimetrais52
. Nesse sentido, foram sucessivas as transformações
incitadas pelas ações da prefeitura, com destaque para o Plano de Avenidas elaborado
por Prestes Maia. A capital paulista adquire uma ―roupagem moderna‖, privilegiando-se
a acessibilidade e a fluidez dos automóveis, em um momento de expressivo acréscimo
dos veículos automotores nas ruas. Nos transportes coletivos, os ônibus substituem
gradativamente os bondes e se enquadram nas diretrizes do Plano de Avenidas, dentre
elas, a de descentralizar e expandir a cidade para outros centros, ―espalhando o
movimento e as atividades, multiplicando-se os centros‖ (MAIA, 1930, p.6).
52
Para informações mais específicas sobre estas intervenções urbanas, consultar: MAIA, Prestes. O Plano
de Avenidas para a cidade de São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, 1930.
Para Moraes (2000), as gestões municipais de Fábio Prado e Prestes Maia ainda
tiveram como iniciativas: a construção do Estádio do Pacaembu, da Biblioteca
Municipal, da Avenida 9 de Julho, do Túnel do Parque Trianon, a reforma do Viaduto
do Chá, a retificação do rio Tietê, a canalização do rio Tamanduateí, a ampliação da
rede de iluminação elétrica das ruas calçadas, além da melhoria dos sanitários públicos,
das paradas de ônibus, dos túneis de pedestres e do escoamento fluvial.
Juntamente com o crescimento urbano vieram as contradições, demarcadas pelo
desprezo aos prédios e monumentos antigos, além da já citada expulsão da população
mais pobre dada pela valorização dos terrenos. É assim que, a partir do final dos anos 50
e início dos anos 60, inicia-se uma nova etapa de transformações urbanas que
―refundam‖ São Paulo:
Em meados de um século, São Paulo ergueu três sítios urbanos
diferentes, destruindo quase completamente dois deles. Daí Claude
Lévi-Strauss ter afirmado em Tristes Trópicos, no ano de 1935, que
São Paulo era uma cidade de ciclo rápido e perpetuamente jovem, mas
nunca completamente sã (MORAES, 2000, p.214).
É interessante notar que neste momento, tomam conta de boa parcela da
população paulistana os sentimentos nostálgicos daquela cidade que perdeu suas
características mais naturais e saudáveis. Conforme Moraes (2000), implantava-se e
sedimentava-se no imaginário dos paulistanos a noção da cidade que não parava de
crescer e fugia do olhar e da vida de seus habitantes, rejuvenescendo-se ―eternamente‖.
Todos esses processos de alterações urbanas fizeram com que a área urbana de
São Paulo extrapolasse o seu limite mais central, disseminando-se horizontalmente.
Entretanto, cabe salientar que as políticas de urbanização levadas a cabo ficaram
inicialmente restritas ao núcleo urbano central e que, a expansão frenética dos
loteamentos na zona leste, oeste, norte e sul, revelaram as contradições desse
desenvolvimento desigual e excludente; que marginalizava as áreas distantes e
proporcionava lucros altos a partir da renda proveniente da venda de lotes.
Assim, por intermédio dos novos arranjos configurados nas periferias, os negros
estabelecem pontos de encontro a partir das escolas de samba, dos campos de futebol de
várzea, das rodas de capoeira, dos terreiros de candomblé e umbanda; concretizando
uma presença marcante nestas áreas. Quanto a este ponto, é interessante assinalar que,
paulatinamente, foram conseguindo traduzir as suas manifestações em cultura popular,
com dimensões compatíveis às do consumo de massa. Isto se dá exemplarmente na
transformação dos cordões carnavalescos em escolas de samba voltadas ao espetáculo,
fato que conduziu muitos sambistas a uma re-elaboração de seus próprios gostos,
hábitos e práticas sociais da cultura do samba, em um consolidado e implacável
―mercado cultural de massa‖.
Igualmente, a população negra que migrou para as periferias marcará sua
presença na cidade mediante outros tipos de relações significativas, como é o caso da
criação de ―redes de interesses políticos‖ organizadas segundo estratégias apoiadas na
doação ou empréstimo de terrenos públicos. Esta prática de cessão de terrenos às
escolas de samba facilitou a expansão territorial das mesmas, possibilitando a
concretização de diferentes e peculiares formas de apropriações, nem sempre
estabelecidas no entorno em que a escola se originou. Nesse sentido, é interessante notar
o caso da Escola de Samba Rosas de Ouro, instalada fora de seu local de origem que é o
bairro da Brasilândia, na região oeste da cidade:
A Rosas de Ouro é uma grande escola de São Paulo que se originou na
Brasilândia e por isto a comunidade de lá se sentiu traída em
decorrência da mudança desta para os arredores da Ponte da Freguesia
do Ó, em um momento em que a prefeitura disponibilizou terrenos
para algumas escolas de samba, situados próximos à Marginal do Rio
Tietê (Lino, entrevista realizada em 29/11/2006).
A necessidade de apoio político tornou-se fundamental não somente com relação
à cessão do terreno onde seria construída a quadra, mas também com relação ao seu uso
posterior.
Neste sentido, mesmo com a mudança de algumas escolas de seu lugar de
origem e a intensa participação política em suas dinâmicas, pode-se afirmar que os
moradores trazem consigo suas referências firmadas no samba, o que se reproduz
atualmente na cada vez maior adesão aos blocos carnavalescos e escolas de samba53
.
Essa territorialidade permite que o morador firme um espaço de referência mediado pelo
samba, ainda que este possa se mudar para bairros distantes do local em que morava
53
Diferentemente do que ocorreu com os circos, que foram perdendo seus espaços de manifestação na
cidade, as escolas de samba, blocos carnavalescos, rodas de samba, projetos e movimentos de samba
estão presentes hoje em praticamente todos os bairros da cidade.
anteriormente. Dentro desse conjunto de situações que envolvem uma reterritorialização
de suas práticas sociais – para utilizarmos uma noção de Rogério Haesbaert (2004),
muitos freqüentadores do ―mundo do samba‖54
fazem do bairro o lugar para a sua
existência libertária na cidade:
Para um indivíduo ou grupo de pessoas, podemos falar numa
territorialização como a construção de uma experiência integrada de
espaço. Se antigamente era possível detectar claramente um território
como experiência total do espaço, como território zona contínuo e
relativamente estável, hoje temos esta experiência integrada (nunca
total) muito mais na forma de territórios-rede, descontínuos, móveis,
espacialmente fragmentados (HAESBAERT, 2004, p.341).
Assim sendo, podemos pensar que os sambistas constroem seus (multi)
territórios (Haesbaert, 2004) integrando conjuntamente suas experiências econômicas,
políticas e culturais em relação ao espaço, utilizando-se do samba como um elemento
mediador. Nesse sentido, esses (multi) territórios encontram no bairro o refúgio para a
experimentação e a reconstrução de sociabilidades, embora, como nos lembra o autor,
exista a possibilidade de se experimentar vários territórios ao mesmo tempo e a partir
daí se formular territorializações efetivamente múltiplas.
Buscaremos ampliar a reflexão sobre o uso do território na cidade de São Paulo
a partir de algumas territorialidades conformadas pelas novas dinâmicas surgidas nos
últimos anos, quando o carnaval ganhou importância econômica e passou a ser
reconhecido como um dos principais eventos anuais da cidade, ativando diretamente o
setor turístico, gerando empregos e promovendo negócios.
54
A designação ―mundo do samba‖ visa englobar as atividades que têm o samba como o elemento
central, dentre elas aquelas que acontecem nas escolas de samba, rodas de samba, bares, casas noturnas
especializadas, projetos e movimentos de samba.
―FÁBRICA DOS SONHOS‖: A CRIAÇÃO DE UM ESPAÇO ESPECIALIZADO
No início do ano de 2008, mais especificamente no dia 09/01/2008, a Prefeitura
Municipal de São Paulo anunciou a construção da ―Fábrica dos Sonhos‖, um projeto
arrojado que deverá seguir o modelo da ―Cidade do Samba‖ carioca, agrupando em um
único local os barracões das escolas de samba do Grupo Especial. Segundo o projeto
inicial, a construção será concretizada em um local próximo ao Sambódromo, nos
arredores da Marginal Tietê com a Ponte da Casa Verde.
Para as escolas de samba, esta facilidade de acesso será extremamente relevante
para o transporte dos carros alegóricos no dias que antecedem o desfile carnavalesco55
.
Esta tendência evidencia a possibilidade de efetivação de uma ―mancha do samba‖,
categoria trabalhada pelo antropólogo José Guilherme Magnani (1998). Na perspectiva
deste autor, as ―manchas‖ constituem áreas contíguas do espaço urbano dotadas de
equipamentos que marcam seus limites e viabilizam uma atividade ou prática
predominante, sendo que estes equipamentos podem competir entre si ou se
complementar.
Segundo o prefeito municipal Gilberto Kassab, ―os sambistas terão as condições
adequadas para o desenvolvimento de seu trabalho, sendo que serão realizados todos os
investimentos necessários pela prefeitura, e o local será administrado pela São Paulo
Turismo - SPTuris‖ 56
.
De acordo com o presidente da São Paulo Turismo – SPTuris, Caio Luiz de
Carvalho, este é um investimento necessário pois ―durante o ano todo o samba gera
direta e indiretamente mais de 100 mil empregos‖ e a ―Fábrica dos Sonhos‖ deverá
impulsionar o turismo em São Paulo. Vale mencionar que a área onde será construída a
―Fábrica dos Sonhos‖ terá um espaço para a realização de shows, eventos culturais e a
instalação do Memorial do Samba. Segundo os seus idealizadores, o intuito é o de que a
área funcione durante o ano todo:
55
É interessante notar a re-territorialização de alguns barracões de escolas de samba, que nos últimos
anos foram estrategicamente deslocados para as proximidades do Sambódromo, distanciando-se da sede
original das escolas de samba. Para elas, esta facilidade de acesso é extremamente relevante no que se
refere ao transporte dos carros alegóricos nos dias que antecedem o desfile carnavalesco. Esta tendência
já se evidencia com a presença dos barracões das escolas de samba Império de Casa Verde, Vai-Vai,
Nenê da Vila Matilde, Leandro de Itaquera e Gaviões da Fiel. 56
Matéria de autoria de Leandro Calixto, publicada no Jornal Diário de São Paulo de 10/01/2008 e
intitulada: ―São Paulo também vai ter sua Cidade do Samba‖.
O empreendimento terá um Barracão Escola: um centro de referência
para a formação de profissionais de Artes Cênicas, que poderão
prestar serviços principalmente para as Escolas de Samba de São
Paulo. Outro destaque será a arena ―Casa de Bambas‖, voltada para
shows. A recepção abrigará diversos serviços, dentre eles o tão
sonhado ―Memorial do Samba Paulistano‖. Terá também
estacionamento e um ponto para reciclagem e reaproveitamento de
materiais57
Neste ponto da argumentação, cabe observar que a efetivação desse projeto
divide opiniões:
A Fábrica dos Sonhos de São Paulo é uma cópia daquilo que foi feito
no Rio de Janeiro (...) Só que o Rio tem outras necessidades, é uma
cidade que vive do turismo (...) Lá, se você quiser ver samba de raiz
de verdade, tem que ir à periferia (...) Para o turismo de São Paulo a
Fábrica dos Sonhos será boa (...) Este projeto faz parte de uma
intenção política para a reeleição do atual prefeito (Celso, entrevista
realizada em 25/02/2008).
Vale observar que no caso da cidade do Rio de Janeiro, a ―Cidade do Samba‖ foi
construída a partir de uma atitude gerencial e empresarial da prefeitura fluminense, em
parceria com a Liga das Escolas de Samba. Suas atividades se iniciaram em 2005, em
uma área destinada aos barracões das escolas de samba pertencentes ao Grupo Especial.
De certo modo, a ―Cidade do Samba‖ é um produto turístico que foi concebido
para a arrecadação mediante a cobrança por ingressos e produtos que lá são vendidos.
Assim sendo, mais do que um empreendimento carnavalesco, configura-se como um
empreendimento empresarial e turístico, como explica uma de nossas entrevistadas:
As escolas de samba cariocas são hábeis pois sabem que podem
vender o carnaval como um produto turístico (...) Em São Paulo,
somente agora o carnaval está começando a ser explorado como
produto turístico (...) Ao contrário do Rio, os turistas ainda são a
minoria absoluta no Sambódromo do Anhembi (...) Eu
particularmente credito que as escolas de samba de São Paulo não são
57
Fonte: idem/ibidem.
organizadas no sentido empresarial (...) Mesmo se a Fábrica dos
Sonhos ficar pronta, acredito que as escolas de samba irão subutilizar
o espaço, pois a organização das escolas de samba de São Paulo é
muito diferente das do Rio de Janeiro (Nancy, entrevista realizada em
20/02/2008).
Em razão mesmo desse papel turístico representado pelo carnaval paulistano,
alguns estudos foram realizados pela São Paulo Turismo – SPTuris, demonstrando que
cerca de 4% do público presente nos desfiles carnavalescos já ocorridos provém de
áreas que estão fora da Região Metropolitana de São Paulo. Desse total, 2,5% são
brasileiros e 1,5% estrangeiros58
.
Neste sentido, a ―Fábrica dos Sonhos‖ pode ser pensada como uma forma
motivada por processos sociais que, por terem conteúdo, poderão realizar a sociedade
paulistana de maneira particularizada (particularidade que se deve exatamente a sua
forma). Cabe mencionar que o tratamento do território como forma-conteúdo é uma
herança da influência estruturalista em Milton Santos (1985), sobretudo a advinda da
lingüística de Roman Jakobson. Este tratamento envolve uma circunscrição espacial,
dinamizada pelo conteúdo e por seus fluxos, configuradores das formas.
Como também coloca Antonio Robert de Moraes (2001), o conceito de forma-
conteúdo sugerido e utilizado por Milton Santos em algumas de suas obras, ganha
significado pelo ―usufruto da forma, sua utilização em movimento‖ (MORAES, 2001,
p. 102). Neste sentido, acreditamos que uma possível analogia entre a estrutura urbana
de São Paulo e a do Rio de Janeiro permite considerar que a primeira é mais ―maleável‖
do que a segunda, em virtude de sua fisiografia (o que permitiu e ainda permite uma
expansão urbana mais horizontal).
No caso da ―Fábrica dos Sonhos‖, pode-se dizer que será uma forma sobre a
qual a sociedade paulistana, representada pelos sambistas, depositará parte de seu
dinamismo, realizando-se na interação solidária com o lugar; em arranjos territoriais e
organizacionais proveitosos.
Finalmente, vale destacar que de modo geral, o projeto ―Fábrica dos Sonhos‖
tem sido bem avaliado pelos sambistas, conforme relata um de nossos entrevistados:
58
Fonte: www.anhembi.com.br
Eu estou feliz com o anúncio da Fábrica dos Sonhos (...) Essa é uma
notícia boa para o segmento do carnaval e como sambista tenho por
obrigação ficar feliz (...) A Fábrica dos Sonhos é necessária, ela é um
sonho antigo dos sambistas (...) Ela intensificará os roteiros turísticos,
proporcionará maior infra-estrutura para o carnaval e para as escolas
de samba, o que é preciso pois se poderá trabalhar com maior
tranqüilidade (...) A sociedade e o poder público irão reclamar menos
por não encontrar carros alegóricos jogados pela cidade (...) A Fábrica
dos Sonhos é uma via de duas mãos, se sair será nota dez (...)
Ideologicamente, esta idéia já havia sido proposta há muito tempo,
inclusive envolvendo o uso do terreno da aeronáutica localizado
próximo ao Sambódromo (...) Antes, todas as escolas levavam os
carros alegóricos embora, o que piorava em muito o trânsito (...) Então
falamos: ―Temos que estacionar estes carros em algum lugar pois
senão a cidade entrará em colapso‖ (...) Imagine, uma cidade como
São Paulo na Quarta-Feira de Cinzas, com todos os carros alegóricos
nas ruas (Róbson, entrevista realizada em 05/03/2008).
O que até aqui foi expresso é, por uma questão do próprio formato do artigo,
uma simplificação dos processos e dos contextos associados aos territórios do samba e
da indústria do carnaval na cidade de São Paulo.
Ao retratar o samba na constituição do processo de urbanização e conformação
de territorialidades na cidade de São Paulo, duas lógicas tornaram-se evidentes: a da
metrópole que transforma o samba em produto para o consumo de ampla massa
populacional (com destaque para a festa carnavalesca) e a do lugar, tradicional espaço
de cultivo e fruição de vínculos de sociabilidade e pertencimento. Neste sentido, tendo
como fio condutor o território, torna-se possível o estabelecimento de um diálogo entre
o tradicional e o moderno, verificando-se a forma de integração dos ―sambistas
contemporâneos‖ às dinâmicas atuais, bem como a dialética existente entre os territórios
do samba e os territórios da indústria do carnaval.
Admitindo-se que toda manifestação cultural é dinâmica, cabe considerar que a
questão do tradicional x moderno ou do autêntico x inautêntico se transforma em uma
falsa questão quando considerada ao extremo, na medida em que os distintos grupos
sociais têm diferentes interesses e visões de mundo; posto que atuam constantemente no
contexto do chamado dinamismo cultural.
Considerando-se também o caráter amplo da temática aqui abordada, não é
difícil demonstrar que o ―mundo do samba‖ é constituído por uma variedade de eventos.
Um detalhamento maior nos revela que estes eventos podem ser ao mesmo tempo
produto do lugar e do mundo onde, o ―mundo do samba‖, emerge como um
caleidoscópio de situações que permitem encarar ―uma definição atual dos subespaços e
o processo histórico que os leva à sua existência e evolução‖ (SANTOS, 2002, p. 163).
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DOS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO AOS
PROJETOS PONTUAIS NO BRASIL E A INFLUÊNCIA DO
MODAL RODOVIÁRIO59
Vitor Hélio Pereira de Souza60
Márcio Rogério Silveira61
RESUMO: As aglomerações de empresas sempre estiveram no centro dos planos de desenvolvimento brasileiro. Primeiramente, nos grandes projetos das décadas de 1960 e de 1970 do século XX, com os pólos de desenvolvimento e complexos industriais e, consecutivamente a partir dos anos de 1989, com o paradigma atual de organização territorial dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), enquanto forma de intensificar o poder de competição das micro e pequenas empresas. Todavia, tais projetos não fluiriam se, associados a eles, não houvesse planejamento para os sistemas de movimento no território. O rodoviarismo foi o mais adequado meio para o escoamento da produção das ilhas de prosperidade, da captação de matérias-primas e para a concretização do movimento circulatório do capital no território brasileiro, com a entrega da mercadoria ao consumidor. Nesse sentido, há o rompimento dos arquipélagos geoeconômicos e as desigualdades regionais assumem outro nível, ou seja, no plano produtivo. Logo, estabelecem-se novos padrões de interações espaciais. PALAVRAS-CHAVE: planejamento, atividades produtivas, transporte, interações espaciais. ABSTRACT: The agglomerations of firms has always been at the heart of Brazilian development plans, primarily at the major projects of the 1960s and 1970s of the twentieth century, with the poles of development and industrial complexes and, consecutively, from the years 1989, with the current paradigm of territorial organization of the local productive arrangements (LPAs), while a way to intensify the power of competition of the micro and the small enterprises. However, such projects wouldn´t flow if, associate with them, it wouldn´t have a planning to the movement systems in the territory. The rodoviarismo was the most suitable mean for the disposal of the production of the islands of prosperity, the capitation of raw materials and to the implementation of the circulatory movement of capital in Brazil, with the delivery of the goods to the consumer. In this sense, there is the disruption of the geoeconomic archipelagos and the regional differences take another level, or else, namely in the production plan. Once, new standards of spatial interactions are set.
59
Reflexões do trabalho de Iniciação Científica ―O transporte rodoviário e sua influência nos paradigmas
de desenvolvimento territorial: uma análise a respeito do município de Ourinhos/SP‖, financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e orientado pelo Prof. Dr. Márcio
Rogério Silveira, integrante do Projeto Temático ―O mapa da indústria no início do século XXI.
Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo‖,
coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito e desenvolvido pela UNESP, USP, UFPR e
UNIOESTE. 60
Graduando do curso de Geografia da UNESP, Campus de Ourinhos. 61
Professor do Curso de Graduação em Geografia da UNESP, Campus de Ourinhos, e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia da UNESP, Campus de Presidente Prudente.
KEYWORDS: planning, production activities, transportation, roads, spatial interactions.
INTRODUÇÃO
A transição dos grandes projetos para o projeto de categoria pontual é fruto
do desmonte do ―Estado Desenvolvimentista‖, em favor da liberalização que a
economia brasileira sofreu. Assim, buscou-se a inserção do país na economia mundial,
forçando grande parte das indústrias a aumentarem sua competitividade, induzindo as
empresas a passarem por uma reestruturação produtiva para não sucumbirem.
Segundo Pochmann (2004, p. 40), a ―(...) crença no poder das forças de
mercado deslocou a orientação dos projetos de desenvolvimento nacional para a maior
ênfase nas propostas de desenvolvimento local‖. Assim, os APLs (Arranjos Produtivos
Locais) foram idealizados com o objetivo de angariarem maior eficiência econômica às
pequenas e médias empresas62
, utilizando-se das vantagens que estas aglomerações
podem proporcionar63
, principalmente as das cadeias produtivas horizontais.
Contribuiu, também, para tal fato, a modificação quanto à utilização do
micro-crédito (evolução do micro-crédito), que se torna mais acessível aos
trabalhadores. Estes, ao perderem seus empregos, conseguem se capitalizar para
investirem em seu próprio negócio, uma vez que, no contexto em que a informação é
mercadoria, torna-se mais fácil a criação de novos empreendimentos.
Houve momentos em que o Estado pareceu ter a pretensão de agir enquanto
planejador das atividades produtivas em seu território, como no estudo encomendado
pelo Governo Federal na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso,
denominado ―Eixos de Desenvolvimento‖, que tinha a pretensão de identificar
oportunidades de investimentos públicos ou privados, em uma área estudada, orientada
pelo modal rodoviário. No entanto, o projeto somente serviu para demonstrar
problemáticas relacionadas à logística64
e às infraestruturas em transportes, não
62
As pequenas e médias empresas auferem uma grande parcela da representatividade das indústrias
brasileiras, apresentando, de 1989 a 2001, um crescimento de 282,1% e chegando a corresponder a 99%
do total de estabelecimentos paulistanos (POCHMANN, 2004). 63
Economias de aglomeração. 64
Entendemos a logística pela concepção de Silveira (2008). Assim, a ―(...) logística, especificamente, a
de transportes (estratégia, planejamento e gestão da circulação), no nosso entender, condiciona a
aplicação e a evolução dos sistemas de movimento e fluxos políticos, sociais e econômicos no território‖.
Portanto, antes de haver estritamente uma ‗revolução nos transportes‘, há uma revolução logística
resolvendo a questão das disparidades inter-regionais, pois houve maior investimento
nos espaços já dinâmicos e atraentes ao capital em detrimento dos demais. Já na
academia, a discussão sobre os Eixos de Desenvolvimento ganha novo fôlego. O
período da redemocratização marca a estagnação nas infraestruturas em transportes e, a
partir do governo Fernando Collor de Mello, houve uma ampla entrega destas à
administração privada (concessões de serviços públicos à iniciativa privada), tanto na
escala nacional quanto na escala dos estados federativos.
Sendo assim, propomos discorrer sobre algumas das principais
características dos projetos supracitados. Primeiro, trataremos dos grandes projetos de
desenvolvimento no tópico ―complexo industrial‖ e ―pólos de desenvolvimento‖ e, num
segundo momento, devemos tratar do projeto de cunho pontual, os APLs, seguido do
que parecia ser a volta de um Estado planejador, os eixos de desenvolvimento. O foco
será principalmente a base conceitual dos mesmos, para consecutivamente se
demonstrar a influência do modal rodoviário nesta dinâmica, este que se configura
enquanto base material, isto é, um sistema de objetos que, com a maior complexidade
que adquire a estrutura econômica brasileira, sofre modificações para atender às novas
demandas necessárias para a reprodução do capital. Compreendemos assim, dois
principais momentos do planejamento dos transportes no Brasil: o primeiro referente à
constituição dos estoques de capital65
e o segundo referente a novas estratégias de
manutenção dos estoques de capital já existentes. Estes estabelecem novos padrões de
―interações espaciais‖ que parecem nos levar ao risco da ―fragmentação da Nação‖
como explicita Pacheco (1998).
Caracterizamos, então, o primeiro momento de 1940 a 1980, que ocorreu
consecutivamente à diversificação da estrutura produtiva do país. Neste período houve a
implantação de novas infraestruturas de transporte no espaço, de modo associado ao
planejamento global de Nação, pautado em uma ideologia nacionalista
desenvolvimentista, que buscou integrar e desenvolver o país através de grandes planos,
(condicionada por um ou por diversos fatores). A logística ultrapassa qualquer modo de produção ou fase
dele, entretanto, é condição fundamental para a aceleração contemporânea vivenciada atualmente, em
menor ou em maior grau, por todos nós. A logística, lato sensu, é a estratégia, o planejamento, a gestão
para transportar, armazenar e estocar. A logística varia em grau de intensidade de sofisticação e pode ser
utilizada nas ações civis (públicas e privadas) e militares. Ela pode estar relacionada aos níveis
organizacionais, territoriais, globais (macrologística) e intra-firma (micrologística) (SILVEIRA, 2009, p.
14). 65
Elevado investimento realizado em capital fixo para a constituição de infraestruturas, que após sua
consolidação necessita apenas de reparos para sua manutenção. Logo, as novas melhorias instaladas vêm
representar um acréscimo de capital imobilizado, constituindo com o passar dos anos um ―estoque de
capital‖.
como os complexos industriais e os pólos de desenvolvimento. Já a partir de 1980 se
caracteriza um segundo momento em que a grande maioria das infraestruturas
rodoviárias está instalada, havendo poucos investimentos em novos fixos. O
planejamento é deixado de lado devido à necessidade de se estabilizar a economia (crise
inflacionária) e com a situação de alarde em foco, a atuação do governo tornou-se
imediatista. Já após a estabilização da economia ocorreu a retomada do planejamento,
porém de curto e de médio prazo, ocorrendo de modo fragmentado. Vale frisar a
emergência de uma ênfase exacerbada do local enquanto escala privilegiada do
planejamento. Constata-se, assim, um retrocesso nas tentativas de integração territorial e
econômica, mais equitativa da Nação.
EVOLUÇÃO E CONCEITOS DE COMPLEXO DE ATIVIDADES
PRODUTIVAS
Para tratar do complexo de atividades produtivas, deve-se ter consciência de
que este é um produto da evolução da divisão social do trabalho, que se acentua
conforme a evolução dos modos de produção. Desse modo, com a passagem do modo
artesanal de produção, no qual o trabalhador tem conhecimento de todo o estágio de
produção, para a manufatura, começa-se a exigir uma especialização do trabalhador, que
deixa de dominar o processo produtivo como um todo e passa a exercer uma única
função. Porém, é com a Primeira Revolução Industrial que se potencializa a divisão do
trabalho tanto no âmbito social quanto territorial e que se aumenta a escala de produção
de modo elevado, devido ao emprego de máquinas (meios de produção).
Dessa maneira, o conhecimento das etapas de produção é suprimido e as
cadeias produtivas, ou seja, as sequências de etapas pelas quais a matéria-prima passa
até chegar ao produto final, tornam-se cada vez mais extensas e complexas. Esses
blocos ou complexos de produção, no Brasil, têm sua origem no espaço rural, com o
denominado ―complexo rural‖, que funcionava à base de mão de obra escrava. Sua
função se estendia desde a criação de condições para se manter a força de trabalho até a
produção total dos meios necessários para o cultivo do café, que era destinado à
exportação66
.
Com a pressão externa da Inglaterra, que proibiu o tráfico de escravos em
1850, ocorreu a importação de mão de obra européia para o Brasil. Esses trabalhadores
tornaram-se colonos67
dos cafeicultores, trabalhando nas plantações de café e
produzindo alimentos para garantir sua subsistência. Logo, além de garantirem a
alimentação familiar, os alimentos excedentes das plantações particulares dos colonos
eram convertidos em produtos comercializáveis próximos às fazendas, possibilitando a
criação de um mercado interno68
. Conforme Mamigonian (1969, p.60)
(...) em São Paulo a expansão da cafeicultura foi aproveitada por
tais imigrantes que, trazendo experiências de trabalho bastante
variadas (agricultores, artesãos, operários especializados,
profissionais liberais e pequenos industriais), possuindo nível de
vida bem mais elevado que o dos escravos, praticando hábitos
econômicos equilibrados (trabalho persistente, consumo sóbrio)
e com forte vontade de independência, promoveram a
industrialização e modernização da agricultura em São Paulo.
No ano de 1941, no governo Vargas, foi instalada a Usina de Volta
Redonda. Cria-se, assim, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1942, realizou-
se o empréstimo do Eximbank para a realização de investimentos estatais em indústrias.
Ocorre também a Missão Técnica de Moris Llewellyn Cooke, que rende ao país a
66
Passada a crise internacional, não há mais possibilidade de sustentação do ―complexo rural‖ – baseado
na autossubsistência. Assim, o complexo rural se abre dando origem ao complexo agroindustrial. Já
estamos falando do início da industrialização brasileira. 67
―Pelo sistema de colonato, o trabalhador e sua família tinham que cuidar de um número determinado de
pés de café. Ele recebia no final do ano uma quantia em dinheiro para cada 1000 pés de café que cuidasse
e outro tanto pelo café colhido. Essa era a parte em dinheiro que recebia. (...) outro recurso do qual o
colono se utilizava para tirar o seu sustento era a produção familiar de alimentos, ou seja, a cultura de
subsistência (feijão, milho, legumes, etc.), que em muitas fazendas se desenvolvia em solo fértil no meio
dos cafezais‖ (TOMAZI, 1993, p. 68). 68
Conforme Mamigonian (1976, p.14), a expansão da cafeicultura no século XIX fez crescer o mercado
consumidor. Vale lembrar que os produtos produzidos pelas primeiras indústrias brasileiras eram artigos
rústicos, os produtos consumidos pela aristocracia européia eram de artigos de alta qualidade e os
escravos praticamente não consumiam produtos industrializados, sendo assim, de grande importância a
presença do imigrante europeu. No Sul do Brasil, com exceção dos planaltos e das planícies
latifundiárias, estabeleceu-se a ―Pequena Produção Mercantil‖. Esse sistema de produção rural e urbana
também propiciou a geração de excedentes comercializáveis a ponto de se tornarem a base do
desenvolvimento sulino, especialmente do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Assim, os
estabelecimentos de grandes corporações industriais e comerciais, nesses espaços, se tornaram comuns,
como a Sadia, a Perdigão, a Tigre, a Tramontina, a Randon, as Lojas Colombo, a Tupy, a Hering, a
Sulfabril, a Portobello, a Eliane e muitas outras (SILVEIRA, 2006).
instalação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a criação da Hidrelétrica de
Paulo Afonso.
Surge, assim, um complexo industrial orientado por indústrias de base, no
qual as fábricas apresentam relações umas com as outras e existe uma diversificação
quanto ao produto final69
. Desse modo, segundo Prochnik (2002), o complexo torna-se
um espaço de articulação entre cadeias produtivas, que podem ocorrer em menor ou em
maior escala, originando um microcomplexo ou um macrocomplexo industrial70
.
Pode haver diferentes modos de cadeias produtivas, como a empresarial, na
qual cada empresa é detentora do controle sobre uma etapa da cadeia produtiva, ou
setorial, na qual a empresa pode ser dona de mais de uma etapa da cadeia produtiva,
possibilitando um maior agrupamento das cadeias produtivas, criando, por conseguinte,
os blocos de produção ou complexos produtivos industriais. Conforme Lausuen (1978,
p.137), as firmas evoluíram de modo a reforçar
(...) a tendência a polarizações geográficas (...). Algumas firmas
evoluíram do tipo produto-único/indústria-única para o esquema
multiproduto/indústria-única, devido às vantagens resultantes da
revolução da engenharia de produção. (...) assim inicia-se, no
século XX, as primeiras mudanças no sentido de firma
multiproduto/multi-fábrica/multiplicidade.
De modo que o complexo industrial se torna um elemento paradoxal, pois se
trata de uma relação de coopetition71
entre as unidades e o conjunto de unidades
produtivas, comandadas por combinação de forças oligopolistas que podem mudar sua
relação indústria-motriz (propulsora) e indústria-movida/mercado rapidamente.
EVOLUÇÃO E CONCEITOS DE PÓLO DE CRESCIMENTO E DE
DESENVOLVIMENTO
A partir da Segunda Grande Guerra surge, no Brasil, a preocupação com o
planejamento territorial, sendo que após o ―choque do petróleo‖ ocorre um
69
Para Perroux (1975), o complexo industrial tem como característica principal a presença de uma
indústria-chave, que influencia na economia do complexo como um todo. Esta é de difícil definição, pois
varia conforme diversos fatores (geralmente tende a ser indústria produtora de matéria-prima, de energia
ou de transporte, atuando através de um regime de não concorrência). Constituindo pontos dinâmicos de
crescimento. Logo, a indústria-chave deve influenciar as indústrias motrizes (indústrias inovadoras que
comandam a cadeia produtiva) e as indústrias movidas (indústrias complementares). 70
Microcomplexo: cadeia produtiva cujo processo produtivo encontra fatores análogos somente à jusante
da cadeia produtiva, ou seja, o insumo. Macrocomplexo: cadeia produtiva onde ocorre a interação de mais
de uma cadeia de produção para se originar o produto final.
71 Termo utilizado para designar uma atuação de competição e de cooperação simultânea.
direcionamento da economia do país em busca de um nicho do mercado internacional.
De modo que o governo, para conseguir a posição almejada, opta por uma política de
integração nacional, baseada na conquista de uma maior competitividade tanto local
quanto regional e, sucessivamente, nacional, através dos pólos de crescimento, entre
outros projetos.
A teoria dos póle de coissance ou pólos de crescimento – desenvolvida pelo
francês François Perroux – foi alvo de várias análises. Todavia, no que tange a sua
essência, baseia-se na idéia de que ―o crescimento não se faz de forma difusa por todo o
espaço, mas se manifesta em certos pontos e com intensidade variável‖ (PERROUX,
1975, p.7). Assim, esses espaços de forças centrífugas (atração) e centrípetas (dispersão)
tornam-se pontos dinamizadores da economia de uma determinada localidade.
Esses espaços são produtos de uma indústria motriz72
que atua no mercado e
incentiva o surgimento de indústrias fornecedoras de materiais adicionais (indústrias
afetadas), necessárias para a composição do produto final. Assim, a indústria motriz ou
propulsora, baseada no caráter inovador de seus produtos, alcança um desempenho
relativamente superior ao crescimento médio da indústria73
nacional, exigindo também
uma maior produção das denominadas ―indústrias-chave‖ 74
.
Quanto aos aspectos da indústria motriz, deve-se ressaltar que o crescimento
baseado nas inovações proporcionadas por esta indústria ocorre com progressos e
retrocessos, de modo que:
O boom termina e a depressão começa após a passagem do
tempo que deve transcorrer antes que os produtos dos novos
empreendimentos possam aparecer no mercado. E um novo boom se
sucede à depressão, quando o processo de reabsorção das inovações
estiver terminado (SCHUMPETER, 1996, p.202).
72
Pode haver outras atividades primárias que realizem a função de indústria motriz enquanto agente
propulsor ao desenvolvimento econômico (PERROUX, 1977). 73
A aparição de inovações bem realizadas fomenta o surgimento de novos produtos concorrentes, com
características parecidas, criando-se uma atmosfera de criatividade, na qual se desperta o desejo dos
demais empresários para conseguirem sucesso e poder semelhante. Estas inovações podem gerar uma
série de outras inovações durante um período curto, como a ―febre do canal‖ e a ―febre do ouro‖, ou
podem se difundir de forma lenta, gerando, no entanto, um grande número de novas operações como as
Revoluções Industriais ou a Revolução Agrícola (PERROUX, 1975). 74
As indústrias-chave são indústrias integradoras da totalidade do sistema econômico nacional e variam
conforme estudo de caso, mas, geralmente, trata-se de indústrias de matérias-primas, de energia e de
transportes (PERROUX, 1975).
Vale lembrar também que essas inovações podem ser: técnicas (novas
máquinas, produtos e serviços ao consumidor), organizacionais (quanto às
estruturas de organização e às práticas administrativas), culturais (relativas aos
novos valores) ou sócio-políticas (ligadas aos novos padrões de relações sociais e
institucionais), tendo como objetivo primordial de sua atuação a realização de
mudanças no espaço geográfico em decorrência de suas influências
(FRIEDMANN, 1975, p. 33).
Para o Estado-Nação é vantajosa a existência cada vez maior de zonas
de desenvolvimento, devido a sua maior capacidade de influência econômica no
território. Para tanto, deve-se dar atenção aos pólos potenciais, áreas onde há
possibilidade de crescimento, caso haja uma indústria motriz que fomente estes
pólos. Sendo sua ativação positiva, na medida em que se possa homogeneizar as
oportunidades de emprego e de renda pelo espaço, possibilitar-se-á a redução da
migração de trabalhadores em massa de outras regiões.
Assim, a presença de vários pólos de crescimento, em uma determinada
região, interligados através de vias de acesso, pode consolidar interações espaciais
a ponto de se constituírem eixos de fluxos capazes de gerar um crescimento
continuado no território, propagando, assim, o desenvolvimento de um pólo a
outro. Cria-se um eixo de desenvolvimento, que seria uma espécie de zona de
desenvolvimento, todavia, orientada por uma via de comunicação.
Segundo Rochefort apud Andrade (1977), uma indústria nunca surge
sozinha no espaço, pois há atração de outras atividades produtivas e de serviços. Os
pólos de desenvolvimento geram o efeito arrastão no território, possibilitando a
ampliação da cadeia produtiva, na sua montante ou na sua jusante. Em decorrência do
crescimento dos pólos de desenvolvimento, ocorre também o efeito aglomeração, que
cria vantagens para a instalação de novos empreendimentos, como as economias
externas (externalidades benignas), a infraestrutura local e os serviços públicos, tais
como água, energia elétrica e outros. Logo, conforme o autor supracitado, a quantidade
de indústrias existentes em um determinado espaço está ligada ao potencial de
infraestruturas e de serviços que a cidade tem a oferecer.
Com o passar dos anos, os pólos de desenvolvimento fomentam o
aparecimento de diversas atividades econômicas que visavam/visam atender aos
trabalhadores, como a expansão da infraestrutura urbana, fazendo com que o pólo se
configure enquanto centro de alocação de capital fixo e de recursos humanos. Devido às
externalidades positivas, pode haver concentração de novas empresas, além de recursos
humanos que busquem usufruir do aparato social e infraestrutural instalado (KON,
1999). Ocorre, assim, uma concentração de renda que gera diferenças intra-regionais,
mas há também uma tendência à redução das diferenças inter-regionais.
No Brasil, os ―pólos de desenvolvimento‖ fortificam-se no II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND), no período de 1975 a 1979, e estão listados nas
―estratégias de integração nacional‖ que visavam integrar o Nordeste, a Amazônia e o
Centro Oeste. Para dar sustentação a tais planos, foram criadas a SUDENE75
(Superintendência de Desenvolvimento da Região Nordeste) e, em seguida, baseadas no
mesmo modelo, a SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-
Oeste), a SUDESUL (Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul), a SUDAM
(Superintendência de Desenvolvimento da Região Amazônica) e a SUFRAMA
(Superintendência da Zona Franca de Manaus). Por consequência, estabelecem-se os
―Programas Especiais de Desenvolvimento Regional‖, como o POLONORDESTE
(Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste), o POLAMAZÔNIA
(Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia), o POLOCENTRO
(Programa Especial de Desenvolvimento dos Cerrados), o PRODEGRAN (Programa de
Desenvolvimento da Grande Dourados) e o PRODEPAN (Programa de
Desenvolvimento do Pantanal) (MELO, 2008).
As superintendências tinham como objetivo a integração econômica destas
regiões às áreas mais dinâmicas economicamente, a fim de se fortalecer o mercado
interno e de se criar possibilidades de melhor distribuição de renda no território
nacional. No entanto, com o abandono da agenda de planejamento, a SUDECO é extinta
em 1990, seguida pela SUDAM e pela SUDENE que, sob suspeita de corrupção no
início do ano de 2000, também encontraram o mesmo fim.
Já a partir de 2007, sob a gestão do governo Luis Inácio Lula da Silva, a
SUDAM e a SUDENE, através das leis complementares nº 124 e 125, voltam as suas
atividades vinculadas ao Ministério da Integração Nacional. Com um orçamento
aprovado para o ano de 2007 de R$ 8,9 bilhões (liberados conforme análise de risco dos
Bancos do Nordeste e da Amazônia), o objetivo é apoiar iniciativas dos setores público
e privado na área de infraestrutura (transporte e energia, etc.), em busca de se promover
o crescimento econômico e o consecutivo desenvolvimento social regional.
75
A SUDENE foi criada em 1959, fruto dos estudos realizados por Celso Furtado, que foi seu primeiro
superintendente, sendo o primeiro Órgão de Desenvolvimento Regional do país.
A ASCENDÊNCIA DOS SISTEMAS PRODUTIVOS LOCAIS NO CENÁRIO
NACIONAL
As aglomerações de empresas não são análogas ao sistema econômico atual
e não têm seu surgimento em um local específico. Apareceram entre os séculos X e XII
em diversas cidades com as ―guildas de oficio‖76
. Assim, as mesmas já atuavam em
conjunto, de modo coletivo e cooperativo.
No entanto, é no ―pós-fordismo‖ que as pequenas e médias empresas
ganham destaque em diversos países, devido à facilidade com que as mesmas
conseguiram se adequar ao novo sistema de acumulação integral, baseado na
flexibilidade produtiva da contratação e do mercado. Juntamente com a difusão da
ideologia neoliberal – que se espalhou pelo cenário mundial, sobretudo nos anos de
1990 – são criadas condições propícias para a reprodução do capital e para o incremento
do imperialismo.
Diante disso, a partir da década de 1990 no Brasil, os grandes projetos de
desenvolvimento nacional são retirados das pautas do governo. Por outro lado, ganham
destaque, tanto no âmbito governamental, como no acadêmico, as discussões sobre o
desenvolvimento em âmbito local através das médias e das pequenas empresas (MPEs).
Assim, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são inseridos nos projetos do Plano
Plurianual 2003/2007 (governo Luis Inácio Lula da Silva), com diversas linhas de
créditos aprovadas para garantirem sua viabilização.
Os APLs e os clusters de atividades, segundo Santos; Diniz; Barbosa
(1994) são frutos, principalmente, da observação de dois modos de agrupamentos
produtivos que, embora se diferenciem enquanto algumas das suas características de
funcionamento, obtiveram relativo êxito econômico e social entre as décadas de 1980 e
1990 devido às vantagens que a concentração geográfica de empresas especializadas
possibilitou aos mesmos77
. São estes o Distrito Italiano ou Marshalliano e o Vale do
76
Entre os séculos X e XII, copiando as guildas de mercadores, surgem, em diversas cidades, as guildas de
ofício. Identificamos aí as primeiras aglomerações de empresas, que já surgem com espírito cooperativo:
―reuniam patrões e empregados, mestres e aprendizes como parceiros desiguais, mas esforçavam-se por
assegurar os todos os membros iguais oportunidades de progresso e êxito‖ (MORAES apud LOPES,
2008). 77
É interessante lembrar que as vantagens conquistadas através da presença de indústrias especializadas
em core não são novidade no Brasil. Silveira (2006) alerta para casos observados no Sul do país, nas
décadas de 1960 e 1970, como: pólo calçadista do Vale do Rio dos Sinos, pólo calçadista de São João
Batista, pólo metal-mecânico de Caxias do Sul, pólo eletro-metal-mecânico de Caxias do Sul, pólo eletro-
metal-mecânico do nordeste catarinense, pólo tecnológico de Florianópolis, de Blumenau e de Joinville,
Silício na Califórnia. Torna-se, assim, oportuno discorrer sobre as principais
características de ambos, para uma melhor compreensão do que se almeja serem os
arranjos produtivos locais.
O Distrito Italiano tem sua base em Alfred Marshall (1989), que estudou os
aspectos relacionados à concentração espacial de pequenas manufaturas, como as têxteis
e as gráficas na Inglaterra. Desta forma, este modelo foi utilizado também para se
compreender as aglomerações de pequenas e de médias empresas na região central e
nordeste da Itália. Estas apresentavam cadeias produtivas horizontais, destacando-se as
têxteis, as calçadistas e as moveleiras.
Vale ressaltar que essas empresas trabalham com grande sinergia devido à
existência de uma ―osmose perfeita entre a comunidade local e as empresas‖, podendo
ser explicada através da compreensão da ―evolução histórica de seus agentes locais‖
(BECATTINI, 1994, p 20)78
. Tal fato tornou possível o surgimento de vários fatores,
tais como:
O espírito de cooperação e a propagação de conhecimentos a partir de
relações cotidianas;
As facilidades para aquisição de novas máquinas e;
O surgimento de um mercado de máquinas de segunda mão, que pode vir
a interessar a outras empresas, e a criação de indústrias complementares,
entre outros.
Quanto ao Vale do Silício, reduto de empresas de alta tecnologia
(equipamentos de telecomunicação, hardware e software, semicondutores e empresas
virtuais, entre outras), houve a constituição de um ―cluster‖ (cacho), concentração
geográfica de pequenas e de médias empresas, organizadas em uma cadeia produtiva
verticalizada, isto é, com a presença de grandes empresas a montante de suas cadeias
produtivas. A empresa líder, por sua vez, atua enquanto empresa motriz, propulsora do
aumento da demanda das demais indústrias.
Ressalte-se que esse sistema produtivo obteve sucesso, principalmente,
entre 1995 e 1999, devido a fatores como:
Mão de obra especializada, suficiente para atender à demanda das empresas;
pólo têxtil e do vestuário catarinense (Joinville-Blumenau-Brusque e Criciúma e arredores), pólo
agroindustrial do oeste catarinense (Caçador e Chapecó), pólo ceramista do sul de Santa Catarina
(Criciúma e arredores) e pólo de tubos e conexões de Joinville. 78
Entrementes, não devemos esquecer que não há extinção da exploração do trabalhador e, por isso, há a
luta de classes.
Um ambiente de cooperação;
Apoio de instituições de pesquisa e de desenvolvimento (P&D);
O financiamento de capital de riscos (venture-capital).
Após se explicitar um breve histórico de ambos os casos, inspiradores do
conceito de Arranjos Produtivos Locais, torna-se importante ressaltar a questão da
cooperação existente, contudo, com diferentes características em cada um deles. Assim,
conforme Santos; Diniz; Barbosa (1994), no distrito industrial italiano, a cooperação
multilateral é elemento fundamental para as médias e pequenas empresas garantirem
sua existência, através da criação de vantagens competitivas, como escala e escopo. Já
no segundo caso, do Vale do Silício, ressalta-se a cooperação bilateral entre as médias
e pequenas empresas e as instituições de pesquisa (P&D), cujo intento é a criação de
soluções e de inovações para o mercado, sobretudo para o financiamento de capital de
risco, que viabiliza a implantação de tais projetos.
Outra característica que se faz comum é a economia de conhecimento, ou
seja, uma especialização em core do processo de aprendizagem. Isso devido a fatores
como ―pesquisa, experiência e ação, através dos processos de aprender fazendo, usando
e interagindo‖ (DINIZ apud SIQUEIRA, 2003).
Dessa maneira, os APLs surgem de duas experiências de agrupamentos
distintos quanto a algumas de suas características, no entanto, análogas enquanto as
vantagens adquiridas através dos fatores cooperação e economia de conhecimento. A
concentração de empresas em determinada localidade é justificada por uma
singularidade entre sua dinâmica econômica (principalmente as externalidades
positivas) e fatores técnicos e naturais, como a utilização de mão de obra, presença de
matérias-primas, condições climáticas, entre outras.
Para tanto, foram realizados estudos para identificação dos arranjos
produtivos potenciais. O SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas) é um dos órgãos que, através da análise do grau de especialização econômica
dos municípios, procura identificar os Arranjos Produtivos Locais mais dinâmicos.
Relação esta constituída através dos dados do Cadastro de Estabelecimentos
Empregadores (CEE) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que permitem
tabelar os municípios que apresentam atividades econômicas com participação relativa
superior à média nacional.
No entanto, para que ocorra a evolução destes clusters em potencial para o
estágio de agrupamentos de empresas avançados (clustering), tais fatores destacados
não são suficientes, pois, conforme Lins (2001, p.536) é mister ter consciência de que:
Um cluster (concentração geográfica e setorial de firmas) é um
elemento básico do arranjo sócio-produtivo, tendo consciência
que a configuração espacial não proporciona automaticamente
ganhos para o sistema produtivo. A concentração geográfica
induz a ação conjunta, mas não é sinônimo dela. Pode-se dizer
então que quanto maior cooperativismo maior probabilidade de
êxito econômico.
Estes têm em sua dinâmica o objetivo de evoluírem de agrupamento de
empresas (cluster) para o estágio de arranjo de empresas avançadas (clustering), que é
análogo para muitos autores à configuração de um Distrito Industrial ou Marshalliano79
,
ou seja, espaço de cooperação passível de gerar eficiência coletiva80
, através do
aumento da sinergia entre as empresas e os agentes do distrito. Cria-se a possibilidade
de se promover um plano de ação que contemple os seguintes critérios:
Especialização flexível;
Acesso ao crédito;
Capacitação de recursos humanos;
Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) e;
Desburocratização entre as empresas participantes do Arranjo.
Assim, é através da dinâmica econômica singular, aliada à compreensão da
formação socioeconômica do local, que poderão se verificar as possibilidades de se
gerar ação a partir da cooperação dos agentes locais. Acrescenta-se, ainda, a
necessidade da interação entre as diversas esferas do poder público - federal, estadual e
municipal - além dos empresários locais, da população e de órgãos de apoio, tais como:
a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o SEBRAE, o SENAI (Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
79
Todavia possa haver nos arranjos de empresas avançadas (clustering) a presença de aglomerações de
empresas com cadeia vertical (radial) ou horizontal. Vale frisar que no caso dos arranjos de empresas
verticais a indústria maior age com caráter de articuladora das menores; já no caso das cadeias
horizontais, que são o maior foco das APLs, há uma necessidade de uma maior articulação entre as
empresas para que estas sejam competitivas, embora na atualidade estas aglomerações horizontais de
empresas tendam a adotar características verticalizadas, pois as pequenas e as médias empresas tendem a
se tornar fornecedoras das maiores (VISCONTI, 2001, p. 79). 80
Estas seriam: controle de qualidade, monitoramento de tendências tecnológicas, design de promoção
comercial, entre outros (CNI, 1998).
Econômico e Social), as universidades, entre outros, inclusive no setor comercial e de
serviços.
Prontamente espera-se que os Arranjos Produtivos Locais, por se tratarem
de um modelo de desenvolvimento endógeno, ou seja, elaborado pelos agentes locais,
devam ser realizados de forma sistêmica, não possuindo como foco principal somente o
crescimento econômico, mas também os fatores sócio-ambientais essenciais para a
manutenção da qualidade de vida da população local. Ressalte-se que ―desenvolvimento
local significa economia com mercado e não economia de mercado‖.
Por outro lado, o desenvolvimento local é extremamente utilizado como um
dos importantes atributos da economia de mercado e, por conseguinte, as intervenções
locais geram pouco efeito multiplicador, tanto regionalmente quanto na escala
macroeconômica. A falta, portanto, de um projeto de desenvolvimento nacional é,
inclusive, a causa de muitos dos fracassos dos modelos de desenvolvimento local e de
economia solidária. Assim, vale vislumbrar as idéias de Ignácio Rangel e de outros
grandes pensadores brasileiros para decifrarmos os verdadeiros problemas do baixo
desenvolvimento econômico brasileiro das últimas décadas (ciclos econômicos, pactos
de poder e outros).
A CONFORMAÇÃO DE UM EIXO DE DESENVOLVIMENTO
Busca-se aqui traçar breves considerações a respeito do conceito de eixo de
desenvolvimento, apesar de uma polêmica quanto ao seu conceito, lembrando-se que
tais discussões não são recentes do ponto de vista da evolução científica. Porém, há
poucos teóricos, sobretudo geógrafos, que se dedicam a sua análise. Destacam-se:
François Perroux (1975), J. R. Laussuen (1978), J. Hernández (1998), Andrade (1977),
Matushima e Sposito (2002), Sposito e Bordo (2004), Luís Ablas (2003) e Silveira
(2006).
Pode-se afirmar que o eixo de desenvolvimento é consequência da presença
de pólos de desenvolvimento, isto é, nós, cidades com influência econômica e elevada
polarização, conforme nos traz Andrade (1977, p. 66)
(...) o pólo de desenvolvimento não existe como uma unidade
isolada, mas está ligado a sua região pelos canais por onde se
propagam os preços, os fluxos e as antecipações. (...) esta
propagação feita por um caminho que liga dois pólos da origem
ao que ele (François Perroux) chama de eixo de
desenvolvimento, salientando, porém que o eixo não é apenas
uma estrada, um caminho e que, além disso, ligado à estrada,
deve haver todo um conjunto de atividades complexas que
indicam ―orientações determinadas e duráveis do
desenvolvimento territorial e dependem, sobretudo, da
capacidade de investimento adicional‖.
Assim, ao longo do eixo de desenvolvimento, isto é, uma rede de cidades
com uma vida econômica considerável, há uma cadeia de núcleos urbanos de diversos
tamanhos. Vale lembrar a afirmação de La Blache (1923, p. 293), ou seja, ―a estrada
imprime-se no solo; semeia germes de vida: casas, lugarejos, aldeias, cidades‖ e, na
atualidade, esta se torna uma estimuladora para a localização das atividades produtivas,
comerciais e de serviços, embasada na pretensão de se adotar paradigmas de
desenvolvimento integrado para este recorte espacial81
.
Em síntese, as interações espaciais (ULLMAN, 1972; HAGGETT, 1970),
no contexto do capitalismo, segundo Corrêa (1997), ocorrem através de relações
assimétricas, ou seja, que favorecem um local em detrimento do outro. No entanto, o
eixo de desenvolvimento busca ser um irradiador de desenvolvimento de um
determinado espaço, de modo que se possa homogeneizar ou, ao menos, elevar o
crescimento e o desenvolvimento econômico das cidades que se encontram no eixo.
Tem-se, assim, o eixo de desenvolvimento como possibilitador de interações
espaciais e de polarização das cidades que se encontram sobre o seu traçado. Tal fato
ocorre devido às intensificações de empreendimentos econômicos, com destaque às
empresas de tecnologia de ponta. Na atualidade, o just in time é característica inerente
às indústrias de alta tecnologia, com o intuito de redução da estocagem de mercadorias.
Ademais, estas possuem uma cadeia produtiva fragmentada espacialmente através de
terceirizações de diversas atividades, como, por exemplo, o transporte.
Os eixos de desenvolvimento podem, com o tempo, formar um complexo
industrial. No entanto, tais espaços de considerável importância econômica conseguem
gerar um aumento da mais-valia devido à elevada produtividade e, consecutivamente, à
automatização da produção. Conforme Bordo (2004), o lucro gerado é, em grande
quantidade, absorvido pelo capitalista, anulando-se de fato a possibilidade de geração de
81
Entre as diversas teorias clássicas de localização do século XIX, o transporte e o seu custo foram um
dos principais pontos a serem discutidos para se definir a localização das atividades produtivas, pois ―(...)
la industria del transporte produce valor porque és uma „esfera de producción material‟ que efectúa
cambio material em „el objeto sobre que recae el trabajo, um cambio em el espacio, [um] cambio de
lugar‘‖ (HARVEY, 1990, p. 379).
desenvolvimento social, visto que as vantagens da tecnologia não são repassadas ao
proletariado, transformando-se em utopia as melhorias sociais.
Assim, segundo Silveira (2006), a característica fundamental é a de que os
eixos, caracterizados pela dinâmica produtiva, comercial e de serviços, não geram eixos
de desenvolvimento, mas sim eixos de crescimento (fazendo-se, para tanto, a
diferenciação entre desenvolvimento econômico e crescimento econômico, conforme já
abordou Celso Furtado).
Todavia, na visão keynesiana (―teoria da demanda efetiva‖) mesmo o
crescimento econômico desencadeia desenvolvimento, mas com fugas e escapes de
capitais e de concentração de renda, ou seja, em cascata (SILVEIRA, 2006). Destaca-se,
portanto, um efeito multiplicador em menor quantidade devido à centralização e à
concentração do capital, já que há fugas e escapes de capital no movimento circulatório
deste.
Para a visão de Matushima e Sposito (2002) e Bordo (2004), os eixos de
desenvolvimento representam uma entidade sócio-espacial, na qual se enfatiza a questão
de três elementos: infraestruturas de transporte, atividade industrial e núcleos urbanos.
Tal analogia ocorre devido ao fato de que ambos os autores têm como um dos seus
principais referenciais teóricos José Luis Sánches Hernández (Universidade de
Salamanca), para o qual o eixo desenvolvimento pode ser explicado como ―(...) uma
cadeia de núcleos urbanos de diferentes tamanhos situados ao longo de uma via de
transporte de alta capacidade, que estimula a localização da atividade industrial e
facilita o estabelecimento de relações internas‖ (HERNANDEZ, 1998, p. 33), tornando-
se assim uma expressão material da coesão interna do eixo de desenvolvimento na sua
região.
No entanto, faz-se necessária a contribuição de Ablas (2003), na medida
em que enfatiza a práxis do termo, após este ser incluso no Plano Plurianual (PPA) do
governo federal, no período de 1996-1999. Ele relata que o eixo é um
(...) espaço de influência de uma via de transporte em que a
acessibilidade é privilegiada pela sua presença (base de
polarização geográfica) e a estruturação produtiva existente
nesse mesmo espaço pela presença de um conjunto de setores
interligados (que define a polarização técnica) (...) tendo sua
área de abrangência variável conforme a funcionalidade das
cidades que se localizam próximas às vias (...) de modo que este
se torna uma região de planejamento (...) onde se cria uma
unidade territorial favorável para se propor possibilidades de
integração e desenvolvimento de amplas porções territoriais
(ABLAS, 2003, p. 174).
Conforme Galvão e Brandão (2003), a temática dos eixos de
desenvolvimento destaca-se no governo brasileiro de forma análoga ao Plano Plurianual
(PPA), este apresentado em 1995 enquanto forma de integração das regiões brasileiras
pela ―consolidação da ocupação e abertura de novas fronteiras de desenvolvimento‖. Os
eixos consolidaram-se enquanto política pública através do Programa Brasil em Ação,
no fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, através de doze eixos. O
primeiro passo se restringiu a angariar conhecimentos necessários para se complementar
alguns projetos existentes com apoio do governo, através do Consórcio Brasiliana82
.
Apesar de tantas formulações conceituais, acreditamos que o conceito de
eixos de desenvolvimento precisa ser continuamente discutido, levando-se em
consideração alguns aspectos como:
1) Sua existência é viável diante do contexto brasileiro?
2) Se sim, cabem algumas ressalvas como:
a) Somente o agrupamento de três princípios básicos como infraestruturas de
transporte, atividade industrial e núcleos urbanos é suficiente?
b) Será que não há necessidade de se combinar outros elementos como a
intensidade dos fluxos tangíveis/reais (por modo rodoviário, ferroviário e
outros para mobilização de pessoas, de veículos e de insumo-produto) e
intangíveis/nominais (através das transações do sistema financeiro e os
fluxos de informações)?
c) Tendência à conurbação ao longo das infraestruturas, como construção de
fábricas e de habitações – nesse sentido o contato físico é o mais importante
ou somente os fluxos econômicos, inclusive, que podem ser intangíveis?
OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E A SUA ESTREITA RELAÇÃO
COM O PLANEJAMENTO DOS TRANSPORTES
A alocação de atividades produtivas no espaço está estritamente vinculada ao
planejamento dos transportes, pois com a evolução do sistema econômico, ocasionada
82
Este foi realizado através de encomenda do Governo Federal às empresas Booz Allen & Hamilton do
Brasil Consultores e Bechtel International Incorporation e pelo Banco ABN Amro, supervisionados pelo
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e pelo Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, sendo utilizado para compor o Plano Plurianual (PPA) de 2000-2003, do qual
resultou o programa Avança Brasil.
pela industrialização do país, ocorre a ampliação dos circuitos espaciais de produção,
isto é, torna-se mais complexa e mais difusa a segmentação das cadeias produtivas e a
sua distribuição pelo espaço. Por sua vez, intensifica-se a necessidade da presença de
um sistema de transporte que possibilite a integração entre estas etapas de produção e,
em seguida, entre as empresas e o mercado consumidor.
De modo que o funcionamento do circuito produtivo que se estabelece com
a industrialização está estritamente ligado tanto à dinâmica dos transportes e à
integração quanto ao desenvolvimento do território, em suas diversas escalas,
justamente por se tratar de uma das condições gerais de produção mais relevantes para a
reprodução do capital. Haja vista que, observando-se a evolução da malha ferroviária,
após a I Revolução Industrial até a segunda metade do século XIX, La Blache (1923, p.
307) já apontava que:
O estado actual das comunicações faz surgir sob luz crua os
efeitos do isolamento; pelo menos, este não parecia anomalia,
uma espécie de infracção às condições gerais. Foram os
progressos do comércio aos serviços de uma indústria exigente
de matérias-primas, ávida de mercados, que aumentaram o
afastamento, abrindo quase um abismo entre as regiões
englobadas na rede mundial e aquelas que lhe escapam.
Devemos ter em mente que com a fixação de sistemas de engenharia no
espaço foi viabilizado o que os economistas denominam de ―fluxo real‖, que é referente
à circulação da mercadoria pelo espaço. Isto é, ocorre a ampliação do ―circuito
produtivo‖ e, concomitantemente, do ―fluxo nominal‖, que é gerado ao se realizar a
venda da mercadoria que foi transportada, ou seja, o fluxo financeiro, que tende a
circular de modo oposto ao fluxo real, pagando os custos que o sistema produtivo gera e
concentrando a mais-valia (circuito cooperativo).
O fenômeno que possibilita essa ampliação gradativa dos ―circuitos produtivos‖
e, por conseguinte, dos ―circuitos de cooperação‖ no espaço, é compreendido através
das ―revoluções logísticas‖ (SILVEIRA, 2009), que possibilitaram às empresas
fragmentarem suas cadeias produtivas em busca de vantagens comparativas às que o
espaço possa oferecer, devido à facilidade existente para se transportar as mercadorias,
além da conquista de novos nichos de mercado consumidor. Sendo assim, o uso do
espaço pelo capital torna-se mais abrangente devido à redução do tempo de circulação,
fruto do emprego da técnica na constituição dos fixos e na gestão dos fluxos que
percorrem o espaço.
Vale ressaltar que os ―sistemas de engenharia‖ referentes às revoluções
logísticas, ao serem inseridos no espaço, geram, enquanto uma nova forma,
(...) novos relacionamentos, uma dependência crescente que, daí
por diante, impelirá uma formação socioeconômica em direção a
uma mudança estrutural, muitas vezes fundamental. Este
momento histórico é um momento crucial em que ocorre uma
mutação produzindo uma mudança qualitativa nas condições
previamente prevalecentes (SANTOS, 2003, p. 2001).
Portanto, essas novas formas servem enquanto impulsionadoras de um
reordenamento das interações espaciais e da dinâmica da sociedade no espaço, que
rompem com a regência do tempo ―natural‖ a favor de um tempo ―rápido‖, do qual o
capitalismo necessita (figura 1).
Figura 1: Lógica da circulação de mercadorias no espaço
Org.: Vitor Hélio P. Souza 2008.
Essa redução no tempo de reprodução do capital ocorre devido a um
aumento da fluidez conquistada com as revoluções logísticas, o que é de grande
interesse do capitalista, pois a circulação, tanto do fluxo real quanto do fluxo nominal,
ocorre através do dispêndio suplementar de capital que provem da indústria, para que
seja efetuada a circulação da mercadoria. Conforme Marx (2005), a circulação de
mercadorias no espaço (mobilidade geográfica do capital) é uma atividade que cria
valor e, por conseguinte, dessa atividade é extraída a mais-valia83
.
83
Logo, quanto maior a viscosidade presente no espaço (dificuldades para se realizar a fluidez como:
engarrafamentos, infraestruturas precárias, entre outros), haverá um maior custo de circulação.
Logo, para a reprodução do capital ser de modo eficiente, o planejamento
das atividades produtivas no espaço deverá ocorrer concomitantemente ao planejamento
dos transportes, pois ―quanto mais se torna o tempo de circulação igual a zero, ou mais
se aproxima de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maiores se tornam sua
produtividade e a produção de mais valia‖ (MARX, 2005, p. 140).
Assim, os sistemas de engenharia, devido à evolução das necessidades que a
reprodução do capital demanda, geram uma constante ―substituição de funções já
existentes por outras mais ‗funcionais‘ em termos capitalistas, através da ação direta
sobre antigas formas que são extirpadas e substituídas por novas‖ (SANTOS, 2003,
p.189), como foi o caso da substituição do modal ferroviário pelo rodoviário e a nova
função adquirida pelas estradas de rodagem, que eram apenas utilizadas para transportes
de curtas distâncias.
Sendo assim, com a transição do complexo rural para o complexo industrial,
houve uma modificação nas relações sociais, que se dão neste contexto econômico,
assim como houve a necessidade de novas materializações no espaço, e coube às
infraestruturas de transportes, principalmente à rodovia, em conjunto com os grandes
projetos de desenvolvimento (Complexo Industrial e Pólo de Desenvolvimento),
desempenharem este papel, servindo à formação de um mercado regional e,
consecutivamente, nacional. Através da intensificação das relações entre os núcleos
urbanos, devido à ―circulação mais aberta e integradora‖ (LEISTER, 1980) que foi
possibilitada, ―(...) provocou uma modificação na própria estrutura comercial e na
organização das redes urbanas regionais‖ (BERNARDES apud GRACIANO, p. 84).
Tome-se como exemplo as cidades do Oeste Paulista que tiveram sua função
modificada, deixando de ser apenas espaços de produção de bens primários e tornando-
se também um mercado de bens de consumo em potencial. Tais modificações estão
imbricadas na questão da configuração de uma nova rede física (modal rodoviário), que
possibilitará, por sua vez, uma maior coesão da rede urbana84
, através da intensificação
das interações espaciais. Logo, o que se percebe é uma modificação no padrão dessas
―interações espaciais‖ nas últimas décadas. Poderíamos contextualizar dois principais
períodos:
No primeiro período, de 1940 a 1980, houve a tentativa de se viabilizar as
interações espaciais, em suas diversas escalas, pelo governo federal, através de
84
Pretendemos, nesta reflexão, demonstrar o caráter de complementaridade da malha rodoviária. Não há
pretensão de se atribuir à mesma enquanto única causa da coesão da rede urbana.
uma articulação entre infraestrutura e desenvolvimento da estrutura produtiva,
pois, como sabemos, as interações ocorrem somente quando surgem
complementaridades entre as cadeias produtivas de determinados espaços ou
quando há necessidade de intercâmbio de produtos inexistentes num desses
espaços e que não compense (ou não seja viável) a produção dos mesmos neste
espaço. Vale frisar que, conforme a ―lei de oportunidade mediadora de
Stouffer‖, a ligação entre pontos distantes, como ocorreu no país, não cria fluxos
exclusivamente entre estes pontos mais distantes, mas também entre os pontos
que se encontram distribuídos pelo seu trajeto. Admite-se, assim, uma redução
dos custos de sua instalação, através da realização de ―interações espaciais‖ em
diversas escalas.
No segundo período, a partir de 1980, com os planos pontuais de
desenvolvimento, como é o caso das APLs, há um novo padrão de interações
espaciais que necessitam também de complementaridade, porém esta tende a
ocorrer no nível intra-urbano, entre pequenas unidades produtivas. Logo, é
reduzida a tentativa de integração interurbana e regional, pois os APLs tendem a
direcionar seus produtos para o mercado externo. Já desponta, também, embora
ainda haja poucos estudos, a tendência de concentração de interações espaciais
em eixos, isto é, uma complementaridade que ocorre entre cidades relativamente
próximas, orientadas por um determinado modal rodoviário. Este cria uma
complementaridade que ocorre no âmbito das cadeias produtivas, mas também
em relação ao capital fixo (infraestrutura), que potencializa as interações
espaciais nessas áreas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este percurso, deve-se destacar a criação de novos trechos de rodovias,
principalmente na década de 1970, além de uma opção, a partir da década de 1980, em
se investir na manutenção e na ampliação (ainda que reduzida) dos estoques de capitais
já existentes. Estes investimentos realizados, nas últimas décadas, não tiveram como
objetivo gerar externalidades positivas para as políticas de desenvolvimento regional,
mas suprir as exigências imediatas, principalmente de áreas com maior relevância
econômica, ou seja, demandas corporativas que buscam espaços cada vez mais fluídos
que ajam em conformidade com os interesses da reprodução cada vez mais eficiente do
capital.
Deve-se salientar que após 1980, com a nova Constituição Brasileira baseada no
―federalismo cooperativo‖, houve o abandono do projeto de desenvolvimento nacional,
planejado de modo global, e passou-se para um planejamento setorial, que ocorre muitas
vezes enquanto medidas paliativas e de curto prazo. Soma-se a este fato a
americanização da administração pública, que passa a atuar utilizando-se de técnicas da
administração privada, como, por exemplo, a opção pela administração gerencial, na
qual o Estado criou as ―Agências Reguladoras‖ (BERCOVICI, 2005).
Essa conjuntura dificulta a atuação do Estado enquanto planejador de um
espaço mais fluído e integrado no âmbito da Nação, pois com o atrelamento do
planejamento ao orçamento (conforme art. 165 da Constituição Federal de 1988), tende-
se a haver uma redução da efetividade do mesmo em detrimento dos moldes
orçamentais, na tentativa de se gerar ativos positivos. Sendo assim, torna-se mais viável
para o Estado realizar a manutenção dos estoques de capitais já existentes, que ocorre
naturalmente, através de tributos como ICMS85
e IPVA86
, os quais estão destinados à
manutenção do sistema rodoviário, além da opção pelas concessões, que criam um novo
tributo direto, qual seja, a taxa de pedágio.
Esta é baseada no pagamento imediato durante a utilização do serviço87
,
possibilitando reverter uma maior parcela de incentivos, por meio da isenção de
impostos a produtos de necessidade básica para as populações menos abastadas
economicamente. Já as áreas com menores fluxos e que se tornam menos atraentes à
iniciativa privada continuam tendo, como fonte de recursos para a manutenção de seus
fixos, os ativos de tributação indireta (ICMS e IPVA), dos quais o Estado continua
sendo o principal investidor.
85
É a principal fonte de receita dos Estados, sendo que 25% do produto arrecadado são distribuídos entre
os municípios, proporcionalmente ao movimento econômico, que é calculado através do Valor Adicional
Fiscal (VAF) do Estado (soma dos Valores Adicionados Fiscais dos municípios) dividido pelo VAF do
município que, por sua vez, é a somatória das receitas menos os custos das mercadorias produzidas pelas
empresas do município, constituindo-se em uma das principais fontes de receitas. 86
Imposto cobrado pelo Estado, sendo que 50% do valor do imposto pertencem ao município onde o
veículo se encontrar registrado, matriculado, emplacado ou licenciado. 87
Porém, ―conforme a Comissão de Monitoramento das Concessões do Estado de São Paulo, cerca de
18% da receita bruta das concessionárias serão devolvidos ao poder público através de impostos, o que
deve atingir, segundo as previsões das propostas, mais de 7 bilhões de Reais no final do período
concessivo. Assim, somando-se estes itens, ainda que numa conta exemplificativa, chegaríamos à
conclusão de que cerca de 36% do valor que se paga de pedágio vão para o Estado, ou seja, não são
usados diretamente para a manutenção das rodovias onde o pedágio foi cobrado, nem são parte do lucro
da concessionária‖ (BARELLA, 2003).
Essa descentralização do planejamento no nível da federação também deu
origem a uma disputa entre os entes federados pela instalação de novos
empreendimentos em seus territórios. Houve, assim, uma banalização da prática do
incentivo fiscal para a incorporação de novas atividades produtivas (guerra fiscal),
enquanto estratégia para o desenvolvimento territorial, de modo que esta se tornou
demasiada a ponto de se caracterizar uma ―renúncia fiscal‖ (incentivos fiscais
oferecidos pelo Estado ao setor privado sem critérios muito definidos). Sendo assim, as
vantagens comparativas (relativas ao espaço) são relativizadas em relação às vantagens
competitivas (economia de conhecimento), reafirmando-se o papel da região
concentrada, da macrometropolitana, da metropolitana e da metrópole enquanto efetiva
polarizadora da economia do país e dos estados federativos.
Destarte, após se percorrer alguns aspectos referentes aos planos de
desenvolvimento nacional e à importância do planejamento dos transportes, foi possível
demonstrar-se a simbiose que há entre ambos, sendo que a interação entre os mesmos
colabora para a integração e para a criação de um mercado doméstico brasileiro,
enquanto efetivação de uma relação de complementaridade (complementarity) entre
diversas áreas do país, embora na atualidade constate-se a opção por uma organização
dos sistemas de engenharia que, muitas vezes, nos remete a denominadas ―vias de
penetração‖. Estas são infraestruturas que têm o objetivo principal de promover
interações espaciais88
entre produção local e mercado consumidor estrangeiro (como foi
o caso do projeto dos Eixos de Desenvolvimento do governo FHC), deixando de lado a
promoção de infraestruturas que possam se configurar enquanto materialização de uma
rede de trocas que favoreça a ampliação do mercado doméstico brasileiro. Ampliam-se,
assim, cada vez mais, as disparidades inter-regionais do país.
Logo, devemos ter a lucidez de que, mesmo em meio à inexistência de uma
gestão descentralizada das unidades federativas, o planejamento dos sistemas de
engenharia não teve e nem nunca terá sua importância reduzida, pois o mesmo
estabelece-se enquanto uma das condições de produção primordial para a manutenção
do capitalismo. Espera-se, assim, maior clareza dos gestores públicos em
compreenderem que o planejamento das questões produtivas é intrínseco ao
ordenamento da fluidez do capital, a fim de que as políticas de governo ocorram com
maior cautela, sem se ceder ao imediatismo do lucro que o capital exige (demandas
88
As interações espaciais seriam um conjunto complexo de deslocamentos de pessoas, bens e
informações (CORRÊA, 1997).
corporativas), mas sim em função de uma gestão do território eficiente, que não seja
pensado enfaticamente pelas partes (unidades federativas), mas através do todo (Nação).
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