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M M R Revista Médica de Minas Gerais Volume 26 • Suplemento 1 Julho de 2016 issn 0103-880 X e-ISSN 2238-3181 G 26 / S1 Suplemento da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais Julho de 2016

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MMRRevista Médica de Minas Gerais

Volume 26 • Suplemento 1Julho de 2016

issn 0103-880 Xe-ISSN 2238-3181

G26/S1

Suplemento da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais

Julho de 2016a rmmg é resultado da parceria entre as seguintes Instituições

Parceiros da SAMG

issn 0103-880 X

e-ISSN

2238-3181

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O anestésico que proporciona ANALGESIA EFETIVA1-4

Contraindicação - Absolutas: Hipersensibilidade à cetamina e porfi ria. Relativas: Hipertensão arterial, antecedentes de acidente vascular cerebral e insufi ciência cardíaca severa. Interação Medicamentosa: Pode prolongar o período de recuperação da anestesia dos hidrocarbonetos halogenados.Referências Bibliográfi cas - 1. White PF, Schüttler J, Shafer A, Stanski DR, Horai Y, Trevor AJ. Comparative pharmacology of the ketamine isomers. Studies in volunteers. Br J Anaesth. 1985 Feb; 57(2): 197-203. 2. Lauretti GR, Lima ICPR, Buscatti RY, Reis MP. Avaliaçäo clínica dos efeitos hemodinâmicos, analgésicos, psicodélicos e do bloqueio neuromuscular da cetamina racêmica e de seu S(+) isômero. Rev. Bras. 2000 Set-Out; Anestesiol; 50(5): 357-62. 3. Arendt-Nielsen L, Nielsen J, Petersen-Felix S, Schnider TW, Zbinden AM. Effect of racemic mixture and the (S+)-isomer of ketamine on temporal and spatial summation of pain. Br J Anaesth. 1996 Nov; 77(5): 625-31. 4. Kanellopoulos A, Lenz G, Mühlbauer B. Stereoselective differences in the vasorelaxing effects of S(+) and R(-) ketamine on rat isolated aorta. Anesthesiology. 1998 Mar; 88(3): 718-24. 5. Ishizuka P, Garcia JB, Sakata RK, Issy AM, Mülich SL. Avaliação da S(+) cetamina por via oral associada à morfi na no tratamento da dor oncológica. Rev Bras Anestesiol. 2007 Feb; 57(1): 19-31. 6. Oliveira CMB, Sakata RK, Issy AM, Garcia JBS. Cetamina e analgesia preemptiva. Rev. Bras. Anestesiol. 2004 Set-Out; 54(5): 739-752. 7. Ketamin®: Cloridrato de dextrocetamina. Bula do medicamento.KETAMIN - cloridrato de dextrocetamina – 50mg/mL - Indicações: agente anestésico único para pequenos procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos que não necessitem relaxamento muscular esquelético; pode ser usado em doses adicionais para procedimentos mais prolongados; indutor anestésico quando da administração de outros agentes anestésicos gerais. Também é indicado para complementar a anestesia com agentes de baixa potência, tais como o óxido nitroso. Nas áreas de aplicações específi cas ou tipos de procedimentos, incluem-se: procedimentos cirúrgicos em pacientes queimados, cirurgias superfi ciais, intervenções neurodiagnósticas, intervenções diagnósticas e cirúrgicas nos olhos, ouvidos, nariz e boca, intervenções diagnósticas e cirúrgicas na faringe, laringe ou árvore brônquica (com utilização de relaxante muscular), sigmoidoscopias, pequenas cirurgias do ânus e do reto e circuncisão, intervenções ginecológicas extraperitoniais (dilatação e curetagem), intervenções obstétricas (incluindo partos distócicos e cesarianas), intervenções ortopédicas, anestesia de pacientes de grande risco, com funções vitais deprimidas. Cateterismo cardíaco. Contraindicações: Absolutas: Hipersensibilidade a cetamina e porfi ria. Relativas: Hipertensão arterial, antecedentes de acidente vascular cerebral e insufi ciência cardíaca severa. Cuidados e advertências: não utilizar o medicamento durante a gravidez e o período de amamentação. Nunca excluir o monitoramento dos sinais vitais. A função cardíaca deve ser continuamente monitorada durante o procedimento em pacientes predispostos a hipertensão ou descompensação cardíaca. Pode ocorrer depressão respiratória com uma superdosagem ou com a administração muito rápida. O KETAMIN deve ser usado por profi ssionais treinados na administração de anestésicos gerais, na manutenção das vias aéreas e no controle da respiração; deve-se dispor de equipamento de ressuscitação pronto para uso. A dose I.V. deve ser administrada num período de 60 segundos. O produto não deve ser utilizado como agente único em intervenções cirúrgicas ou diagnósticas da faringe, laringe ou árvore brônquica. Miorrelaxantes poderão ser necessários, devendo-se então prestar especial atenção à respiração. Não se deve empregar dextrocetamina como anestésico único nas intervenções obstétricas que exijam relaxamento do músculo uterino. Poderá ocorrer delírio durante o período de recuperação. Precauções para o período de recuperação: Para indício de reação psíquica durante o período de recuperação, considerar o uso de uma das seguintes drogas: diazepam (5 -10 mg para adultos por via I.V.) ou droperidol (2,5 - 7,5 mg por via I.V. ou I.M.). Pode-se administrar uma dose hipnótica de um tiobarbitúrico (50 -100 mg por via I.V.) para eliminar as reações graves da fase de recuperação. Ao se empregar qualquer uma dessas drogas, o período de recuperação pós-anestésica poderá se prolongar. Interações medicamentosas: KETAMIN é compatível com os anestésicos locais ou gerais de uso corrente, desde que mantida uma ventilação pulmonar adequada. As doses empregadas em associação com outros anestésicos variam nos limites das doses para indução de anestesia. A associação do produto com outro anestésico poderá permitir redução das doses. Potencializa os efeitos bloqueadores neuromusculares da tubocurarina. Pode prolongar o período de recuperação da anestesia dos hidrocarbonetos halogenados. A administração concomitante com barbitúricos e/ou narcóticos pode prolongar a fase de recuperação. Aumento do risco de hipotensão e/ou de depressão respiratória dos anti-hipertensivos ou depressores do SNC. Risco de hipertensão e taquicardia quando administrado em conjunto com hormônios da tireóide. Há incompatibilidade química entre os barbitúricos e a dextrocetamina ocorrendo formação de precipitado, não devendo ser injetados na mesma seringa. Os efeitos de dextrocetamina são potencializados pelo uso de diazepam; as duas drogas devem ser administradas separadamente. Reações adversas: manifestações fi siológicas acontecem na fase de emergência da anestesia e variam entre sonhos agradáveis, imagens vividas, alucinações e delírio. Estas reações da emergência ocorrem em frequência muito menor do que no uso da mistura racêmica. Cardiovasculares: pode ocorrer aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, hipotensão, bradicardia, arritmia cardíaca. Respiratórias: Poderá ocorrer depressão ou apneia, após a administração I.V. rápida de doses elevadas de dextrocetamina. Têm sido observados casos de laringoespasmo e outras formas de obstrução das vias respiratórias durante a anestesia. Neurológicos: Há relatos de pacientes com movimentos tônicos e clônicos, que às vezes assemelham-se a convulsões. Esses movimentos não implicam num plano superfi cial de anestesia. Posologia: a resposta individual de dextrocetamina varia, até certo ponto, de acordo com a dose, a via de administração, a idade do paciente e com administração ou não de outros anestésicos, de modo que não se podem fazer recomendações posológicas absolutamente fi xas. A dose deve ser ajustada às necessidades de cada paciente. Como a indução da anestesia após a injeção inicial I.V. de dextrocetamina é rápida, o paciente deve ser mantido em posição assistida durante a injeção. Geralmente uma dose I.V. de 2 mg/kg de peso corporal produz anestesia cirúrgica dentro de 30 segundos e o efeito anestésico dura de 5 -10 minutos. Em geral, uma dose I.M. de 10 mg/kg produz anestesia cirúrgica dentro de 3 - 4 minutos após a injeção e via de regra a anestesia dura de 12 - 25 minutos. A recuperação da consciência é gradativa. Superdosagem: pode ocorrer depressão respiratória após dose excessiva de dextrocetamina. A utilização de ventilação mecânica, que mantenha uma saturação adequada do oxigênio sanguíneo e eliminação de dióxido de carbono, é preferível ao emprego de analépticos. KETAMIN oferece ampla margem de segurança. Doses excessivas acidentais de até 10 vezes maiores que as habituais têm sido seguidas de recuperação prolongada, porém completa. CRISTÁLIA - Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda - Farm. Resp.: Dr. José Carlos Modolo – CRF-SP nº 10.446 - Rod. Itapira-Lindóia, km 14 - Itapira-SP - CNPJ Nº 44.734.671/0001-51 - SAC 0800-7011918 - Nº do Lote, Data de Fabricação e Prazo de Validade: Vide Rótulo e Caixa - CLASSIFICAÇÃO: VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA - RESTRITO A HOSPITAIS – SOB RETENÇÃO DE RECEITA – Reg. MS nº 1.0298.0213 - SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.

Menos alucinações2,5 Redução da dose para 1mg/kg2

Analgesia efetiva com a metade da dose1-4

Analgesia superior2 4x + estereosseletividade pelos receptores NMDA4,6

Expediente

Uma publicação do INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA EM SAÚDE (IEPS)

Mantenedoras:Associação Médica de Minas Gerais – AMMG Presidente: Lincoln Lopes Ferreira • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG Presidente: Fábio Augusto de Castro Guerra • Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG-Feluma Diretor: Neylor Pace Lasmar • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG Diretor: Tarcizo Afonso Nunes • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – UNIMED-BH Presidente: Samuel Flam •

Conselho Curador (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2015):Paulo Pimenta de Figueiredo Filho (UNIMED-BH) – Presidente • Luciana Costa Silva (AMMG) – Vice-Presidente • Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRM-MG) • Ricardo de Mello Marinho (FCMMG) • Tarcizo Afonso Nunes (FM/UFMG) •

Conselho Diretor (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2018):Odilon Gariglio Alvarenga de Freitas (AMMG) – Diretor Presidente • Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRM-MG) – Diretor Vice-Presidente • Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Diretor Administrativo-Financeiro •

Conselho Fiscal (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2018):Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Presidente • Oswaldo Fortini Levindo Lopes (FCMMG) • Antonio Vieira Machado (FCMMG)•

Suplentes:Luiz Fernando Neves Ribeiro (UNIMED-BH)• Antônio Eugênio Mota Ferrari (FCMMG) • Geraldo Magela Gomes da Cruz (FCMMG)•

Conselho Gestor da RMMG (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2016):Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRMMG) • Fernando Coelho Neto (UNIMED-BH) • Odilon Gariglio Alvarenga de Freitas (AMMG) • Ricardo de Mello Marinho (FCMMG) • Tarcizo Afonso Nunes (FM-UFMG) •

Editor Geral: Enio Roberto Pietra Pedroso

Editor Administrativo: Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite

Revisores:

Magda Barbosa Roquete de Pinho Taranto (Português) • Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite (Normalização) • Nice Shindo (Inglês)

Produção Editorial: Folium Editorialwww.folium.com.br

Indexada em: LILACS-Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; PERIÓDICA-Índice de Revistas Latinoamericanas; LATINDEX – Sistema Regional de Información em Línea para revistas Científicas da América latina, El Caribe y Portugal.

ISSN: 0103-880X e-ISSN: 2238-3181

Disponível em: www.rmmg.org

Faculdade de Medicina da UFMG:

<http://rmmg.medicina.ufmg.br/>

Biblioteca Universitária da UFMG:

<https://www.bu.ufmg.br/periodicos/revista-medica-de-minas-gerais>

Portal de Periódicos CAPES:

<http://www-periodicos-capes-gov-br.ez27.periodicos.capes.gov.br/>

Afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Início da Publicação: v.1, n.1, jul./set. 1991

Periodicidade: Trimestral

Normas para publicação, instruções aos autores e submis-são de manuscritos estão disponíveis em: <www.rmmg.org>

Correspondências:Revista Médica de Minas Gerais – Faculdade de Medicina da UFMG

Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Sala 12. CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG – Brasil. Telefone: 55-31-3409-9796

e-mail: [email protected]

Submissão de artigos: www.rmmg.org

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1

Editorial

26/S1

Mensagem dos Coordenadores Revista Mineira de Anestesiologia

A primeira descrição dos relaxantes musculares data do séc. XVI, quando os exploradores europeus encontraram nativos da Amazônia usando setas envenenadas que provocavam a morte em animais. Esse veneno levava à morte por paralisia e asfixia e ficou conhecido hoje como curare, liderando os primeiros estudos em Farmacologia. Seu princípio ativo, a tubocurarina, assim como muitos dos seus derivados sintéticos, desempenhou importante papel nas experiências científicas que determinaram a função da acetilcolina na transmissão neuromuscular.

Mais uma edição da Revista Mineira de Anestesiologia, mais um tema. Neste primeiro volume de 2016 da Revista Mi-neira de Anestesiologia, com um novo Conselho Editorial, foi proposto um tema muito prevalente no nosso dia a dia: o uso de bloqueadores neuromusculares.

O objetivo deste volume foi abordar temas pertinentes ao uso rotineiro dos bloqueadores neuromusculares, com uma base teórica brilhantemente abordada pelos autores convidados. Vale ressaltar que “os bloqueadores neuromusculares são fármacos capazes de provocar alterações indesejáveis em doses habituais e a interação com outras drogas utilizadas durante a anestesia pode potencializar, prolongar ou reverter precocemente o relaxamento neuromuscular desejado”, como escreve a Dra. Ananda no artigo sobre “Adversidades do Bloqueio e da Reversão Neuromuscular”. À luz desses conceitos, somos então obrigados a nos remeter às bases da monitorização neuromuscular, cujo principal objetivo é a segurança do paciente, apesar de que na grande maioria das anestesias, não monitorizamos o grau de relaxamento muscular dos nossos pacientes.

Situações particulares e o uso dos bloqueadores neuromusculares como gestação, cirurgias videolaparoscópicas, doenças neuromusculares, cirurgia cardíaca e obesidade não poderiam ser esquecidas e mereceram artigos em cada uma dessas situações.

Ao falar sobre bloqueadores neuromusculares, vem à tona a eterna briga: succinilcolina X rocurônio. Esse tema é abordado pelo Dr. Alysson Higino e seus colaboradores, que ficaram com a séria responsabilidade de tentar elucidar melhor as diferenças, qualidades e adversidades no uso desses dois fármacos.

Igualmente imperdível é a leitura do artigo: “A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout”, escrito pelo Dr. Paulo José Ribeiro e Dr. Fábio Lopes, ambos médicos psiquiatras. Esses dois autores mostram o quão prevalente e assustador é o burnout entre os anestesiologistas e propõem medidas simples para mudar a história natural dessa doença dos tempos modernos.

Uma boa leitura a todos.Marcel Andrade Souki

Tarcísio de Melo NogueiraCoordenadores do Conselho Editorial da Revista Mineira de Anestesiologia

DOI: 10.5935/2238-3182.20160001

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S1-S882

26/S1

sumário

1 • Mensagem dos Coordenadores Revista Mineira de AnestesiologiaMarcel Andrade SoukiTarcísio de Melo Nogueira

4 • Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensinoEvaluation of postoperative pain in patients undergoing abdominal hysterectomy in a teaching hospital

Álvaro Regino de Carvalho Melo, Gutemberg Clementino Martins Mendes Soares, Fernando José Amorim Martins, Walkíria Wingester Villas Boas

10 • Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantesNeuromuscular blockers in pregnant women

Fernando Hernandes de Meneses, Daiane Aparecida Vilela Rezende, Hendrik Ranieri de Oliveira Carvalho, Paula de Siqueira Ramos, Vinícius Almeida Soares Maia

15 • A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnoutMental health in anesthesiology and burnout syndrome

Verônica Botelho Teixeira, Paulo José Ribeiro Teixeira, Fábio Lopes Rocha

22 • Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscularAdversities related to neuromuscular blockade and reversal

Ananda Ferreira Fialho Alencar, Laura Aparecida Lacerda e Louzada, Jaci Custódio Jorge, Monique Corrêa e Castro de Sá

34 • Bases da monitorização neuromuscularBases of neuromuscular monitoring

Marcos Vinícius Pimentel Cardoso, Maíla Aparecida Vinhal Andrade, Joana Angélica Vaz de Melo, William Costa Rocha, Flávia Aparecida Resende, Aline Viana Carvalho Amorim

39 • Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicasNeuromuscular blocking agents and allergic response

Rodrigo de Lima e Sousa, Luciano Costa Ferreira, Guilherme Vieira Cunha, Lucas Almeida Valente

47 • Cirurgias videolaparos-cópicas e bloqueio neuro-muscular, o que há de novo?Videolaparoscopic surgeries and neuromuscular block, what́ s new?

Felipe Ribeiro da Silva Camargos

52 • Doenças neuromuscu-lares e bloqueadores neuromuscularesNeuromuscular diseases and neuromuscular-blocking drugs

Sofia Meinberg Pereira, Eduardo Azevedo de Castro, Vitor Michelstaedter Brochado

Editorial

Capa: Logomarca da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais Artigos Originais

Artigos de Revisão

Educação Médica

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S1-S88 3

60 • Implicações anestési-cas na miastenia gravis – revisão da literaturaAnesthetics implications in myasthenia gravis – review

Marcelo Fonseca Medeiros, Marcelo Vaz Nunes, Luis Gustavo Torres dos Santos, Rafael Bahia Ravaiane

65 • Influência do bloque-ador neuromuscular em cirurgia cardíaca envolven-do circulação extracorpó-rea em relação a bloqueio neuromuscular residual em adultos: revisão da literaturaInfluence of neuromuscular-block drug on cardiac surgery involving cardiopulmonary by-pass in respect of residual neuromuscular blockade in adults: literature review

Luis Gustavo Torres dos Santos, Marcel Andrade Souki

COORDENADORESDr. Marcel Andrade Souki

Dr. Tarcisio de Melo Nogueira

MEMBROSDr. Alysson Higino Gonçalves da Silva

Dr. Erick Martins Faria de Abreu

Dr. Luciano Costa Ferreira

Dra. Roberta Ferreira Boechat

Dra. Vanessa Patricia Valle Gusmão

Dr. Wellington de Souza e Silva

corpo editorial do Suplemento SAMG

69 • Novos bloqueadores neuromuscularesNew neuromuscular blocking drugs

Héctor Yuri de Souza Ferreira, Vinicius Caldeira Quintão, Carlos Alexandre de Freitas Trindade

73 • Obesidade e bloquea-dores neuromuscularesObesity and neuromuscular blocking agents

Laura Aparecida Lacerda e Louzada, Ananda Ferreira Fialho Alencar, Jaci Custódio Jorge, Monique Corrêa e Castro de Sá

82 • Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápidaSuccinylcholine vs. rocuronium for rapid sequence induction

Alysson Higino Gonçalves da Silva, Henrique Rodrigues Lemos Silva, Ivana Mares Trivellato, Joyce Romano, Marina Ferreira Guimarães

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S4-S94

ARTIGO ORIGINAL

Instituição:Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIG

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Álvaro Regino de Carvalho Melo

E-mail: [email protected]

1 Médico. Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento – CET. Hospital das Clínicas da

Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico. Residente em Ortopedia. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG – Brasil.

3 Médico Anestesiologista. Título de Especialista em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiolo-

gia TEA/SBA. Professor da Universidade Federal do Piauí. Teresina, PI – Brasil.

4 Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA/SBA. Doutora. Coordenadora do CET do Hos-pital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A infusão intratecal de opioides representa um ponto-chave no controle da dor. O objetivo deste estudo foi comparar a analgesia pós-operatória e efeitos adversos com duas combinações de drogas utilizadas em raquinaestesia. As pacientes submetidas à histerectomia abdominal foram divididas nos grupos 1 e 2. As alocadas no grupo 1 receberam bupivacaína, clonidina e morfina, enquanto as do grupo 2 receberam bupiva-caína, clonidina e fentanil. O estudou incluiu 40 pacientes, sendo 50% (n=20) no grupo 1 e 50% (n=20) no grupo 2. Em relação à dor, não houve diferença significativa entre os grupos na primeira hora de pós-operatório. Na sexta hora, o grupo 1 apresentou melhor controle álgico. Na 24a hora, houve diferença com a escala analógico numé-rica, porém não ocorreu o mesmo com a escala de expressão facial. As pacientes do grupo 1 solicitaram menos medicação analgésica. O grupo 1 apresentou menos náusea, não houve diferença significante em relação a vômitos e prurido. A realização de histe-rectomia abdominal sob raquianestesia com a combinação 1 propicia melhor controle álgico nas primeiras 24 horas de pós-operatório em relação à combinação 2, sem alterar a incidência dos efeitos adversos vômitos e prurido.

Palavras-chave: Histerectomia; Raquianestesia; Analgesia; Dor; Medição da Dor.

ABSTRACT

The intrathecal infusion of opioids is a key point in controlling pain during and after the procedure. The aim of this study is to compare postoperative analgesia and incidence of adverse effects with two combinations of drugs used in spinal anesthesia. Patients undergoing abdominal hysterectomy were divided in groups 1 and 2. The allocated in group 1 received bupivacaine, clonidine and morphine, while in group 2 received bupivacaine, clonidine and fentanyl. The study included 40 patients, 50 % (n =20) in group 1 and 50 % (n = 20) in group 2. In relation to pain, there was no significant differ-ence between groups in the first hour postoperatively. At the sixth hour, group 1 showed better pain control. In the twenty-fourth hour, there were differences with the numerical analog scale, but there was not the same with the scale of facial expression. The group 1 patients requested fewer analgesics. Group 1 showed less nausea, but there was no significant difference in relation to vomiting and pruritus. Performing abdominal hysterec-tomy under spinal anesthesia with combination 1 provides better pain control in the first twenty-four hours of the postoperative period compared to combination 2 without altering the incidence of adverse effects vomiting and pruritus.

Key words: Hysterectomy; Anesthesia, Spinal; Analgesia; Pain; Pain Measurement.

Evaluation of postoperative pain in patients undergoing abdominal hysterectomy in a teaching hospital

Álvaro Regino de Carvalho Melo1, Gutemberg Clementino Martins Mendes Soares2, Fernando José Amorim Martins3, Walkíria Wingester Villas Boas4

Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

DOI: 10.5935/2238-3182.20160002

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S4-S9 5

Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

aprovado pela plataforma Brasil, sob o número de protocolo CAAE: 12505113.5.0000.5210. Os procedi-mentos descritos seguiram os princípios éticos em pesquisas com seres humanos, editados pelo Conse-lho Nacional de Saúde, garantindo a confidencialida-de, anonimato e a não utilização das informações em prejuízo dos outros, sendo os dados obtidos em-pregados somente para fins previstos nesta pesquisa.

Para viabilizar o estudo, antes da definição da amostra a equipe responsável apresentou o projeto aos cirurgiões-anestesiologistas da instituição. A se-leção amostral ocorreu apenas entre as pacientes que se submeteram a procedimentos nos quais tanto a operação como o procedimento anestésico foi rea-lizado por profissionais que aceitaram colaborar com a presente pesquisa, adotando o protocolo aqui des-crito. A amostra foi formada por 40 pacientes subme-tidas à histerectomia eletiva por via abdominal com incisão de Pfannenstiel, realizadas no Hospital da Po-lícia Militar do Piauí no período de junho a setembro de 2013. Foram incluídas na amostra todas as pacien-tes submetidas ao procedimento com idade entre 18 e 65 anos, ASA I ou II e que apresentaram bom nível cognitivo. Foram excluídas do estudo as pacientes em uso de antipsicóticos e antidepressivos. Para se-rem incluídas, as mesmas precisaram ainda ler e as-sinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

As pacientes foram distribuídas a partir de esco-lha aleatória e disponibilidade dos anestesiologistas nos grupos 1 e 2. As alocadas no grupo 1 receberam raquianestesia por abordagem de linha média ou pa-ramediana, agulha Quincke, com as drogas bupivaca-ína hiperbárica a 0,5% na dose de 20 mg, mais cloni-dina 150 µg/mL na dose de 50 µg, mais morfina 0,2% na dose de 100 µg. As pertencentes ao grupo 2 recebe-ram raquianestesia por abordagem de linha média ou paramediana, agulha Quincke com as drogas bupi-vacaína hiperbárica a 0,5% na dose de 20 mg, mais clonidina 150 µg/mL dose 50 µg, mais fentanil dose 25 µg. A administração dessas drogas foi realizada pelos anestesistas responsáveis pela operação, em prévio acordo com os responsáveis pelo estudo.

Todas as pacientes submetidas a este estudo rece-beram dipirona 500 mg/mL na dose de

1 g de seis em seis horas diluído em 8 mL de água destilada por via intravenosa associada a tenoxicam 20 mg na dose de um frasco-ampola mais água des-tilada, por via intravenosa, de 12 em 12 horas. Em caso de pacientes com dor refratária a este proto-colo, foi administrado tramadol 50 mg/mL na dose

INTRODUÇÃO

Desde a introdução da anestesia, a dor durante procedimentos é diretamente combatida, porém a pós--operatória não recebeu o mesmo foco e dedicação por parte dos médicos. Durante dezenas de anos, esta foi considerada um mal necessário para que se obtivesse a cura pelo ato operatório. Contrapondo-se a essa percep-ção, descobertas na área de neurofisiologia e farmaco-logia permitiram a melhor compreensão dos mecanis-mos da dor e das dimensões da experiência dolorosa, criando, assim, um novo paradigma em seu manejo.1

A anestesia subaracnóidea, ou raquianestesia, consiste na inserção de anestésicos locais no inte-rior do espaço subaracnóideo. Tais medicações blo-queiam de modo reversível a condução do impulso das fibras nervosas no seu trajeto por esse espaço. É uma técnica relativamente simples e capaz de pro-porcionar alguma analgesia pós-operatória.2

Estudos mostram que a anestesia espinhal é su-perior à geral para histerectomia e outras cirurgias abdominais, proporcionando menos desconforto ál-gico e menos necessidade de medicações analgési-cas no pós-operatório.3,4

Além dos anestésicos locais, como lidocaína e bupicavaína, outros fármacos, chamados adjuvantes, podem ser adicionados buscando-se melhorar a qua-lidade e/ou estender a duração do bloqueio, como os opiáceos. Estes têm sido utilizados para analgesia espi-nhal por mais de um século e a sua infusão intratecal ou peridural representa um ponto-chave no controle da dor. Desde o descobrimento dos opiáceos endóge-nos o seu uso se difundiu e hoje se encontra presente no manejo da dor crônica e aguda pós-operatória.5

Embora as drogas utilizadas neste estudo sejam classicamente empregadas em raquianestesia, per-manecem campos de incerteza sobre qual a melhor combinação, tanto em relação à analgesia propria-mente dita, quanto a efeitos adversos. Vários estudos têm sido desenvolvidos em busca da melhor combi-nação de anestésicos e adjuvantes.5-9

O objetivo deste trabalho é comparar a qualidade da analgesia e incidência de efeitos adversos com duas combinações de drogas utilizadas em raquianestesia.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo longitudinal e prospectivo ou clínico. Este trabalho foi submetido à apreciação e

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S4-S96

Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

nas escalas de dor. Para a descrição das variáveis categóricas – solicitação de medicação analgésica e presença de efeitos adversos –, usou-se a leitura dos percentuais.

Teste T de Student para amostras independentes observou se houve diferença significativa entre as va-riáveis. Em ambos os testes, o nível de significância foi de 5%. O programa PASW Statistics 18 processou o teste estatístico.

RESULTADOS

Foram avaliadas 40 pacientes no período compre-endido entre junho e setembro de 2013, sendo 50% das pacientes (n=20) alocadas no grupo 1 (bupivacaína 20 mg + morfina 100 µg + clonidina 50 µg) e os outros 50% de pacientes (n=20) postos no grupo 2 (bupivaca-ína 20 mg + fentanil 25 µg + clonidina 50 µg).

A aferição da dor, nos grupos 1 e 2, na primei-ra, sexta e 24a hora de pós- operatório, com base nas escalas analógica numérica e de expressão facial, encontra-se na Tabela 1. Observou-se que na primei-ra hora de pós-operatório não houve diferença signi-ficativa entre os valores dos dois grupos em ambas as escalas (p=0,300 para escala analógica numérica e p=0,491 para escala de expressão facial). Na sexta hora de pós-operatório, houve diferença estatistica-mente significativa, comparando-se as duas escalas, com melhor desempenho para o grupo 1 (p<0,001 para escala analógica numérica e p=0,001 para esca-la de avaliação facial). Na 24a hora de pós-operatório, comparando pela escala analógica numérica, houve diferença estatisticamente significativa a favor do grupo 1 (p=0,002), não se configurando, entretanto, diferença estatisticamente significativa ao comparar pela escala de expressão facial (p=0,058).

No que diz respeito à variável solicitação de me-dicação analgésica, o resumo da análise encontra-se na Tabela 2. Houve diferença estatisticamente signi-ficativa entre os grupos, com maior solicitação pelo grupo 2 (p=0,022).

Ademais, a proporção das incidências dos efei-tos adversos náusea, vômitos e prurido encontra-se sumarizado na Tabela 3. Houve diferença estatisti-camente significativa em relação à ocorrência de náusea, sendo esta maior no grupo 2 (p=0,022). No tocante às variáveis vômitos e prurido, não houve di-ferença relevante entre os grupos.

de 100 mg diluídos em 100 mL de soro fisiológico por via intravenosa.

A avaliação da dor seguiu a escala analógica nu-mérica e escala de expressão facial, que foram aplica-das na primeira, sexta e 24a hora após o término da cirurgia, demarcado pelo fechamento total da incisão. As pacientes não tiveram ciência do grupo no qual fo-ram alocadas, constituindo um estudo simples cego.

A escala numérica visual ou analógica numérica utiliza os números como categoria em que cada qual representa uma parte da dor. A mesma é formada por linha ou quadros, com 10 cm de comprimento, cujas extremidades contam com palavras-chave como “au-sência de dor” e “dor insuportável” (Figura 1). Na aplicação desta ferramenta, orienta-se o paciente para que indique o número que melhor representa a intensidade da dor sentida.

A escala de expressão facial utiliza como padrão desenhos de faces com diferentes expressões de dor. O próprio paciente, de maneira direta, indica a face que melhor exterioriza ou se parece com a intensida-de da dor que ele vivencia naquele momento.

A solicitação de medicação analgésica de resga-te, bem como a ocorrência de efeitos adversos, tais como náusea, vômitos e prurido, foi feita na 24a hora, a partir da revisão do prontuário médico e entrevista direta com o paciente. Após a devida coleta, as va-riáveis foram catalogadas em instrumento padrão de coleta de dados.

A análise estatística foi realizada pela leitura de medidas de posição (média) e de variedade de desvio-padrão para as variáveis numéricas presentes

Figura 1 - Escala analógica numérica. Fonte: Posso, 20111.

1 2 3 4 1098765

Escala numérica visual

Ausência de dor

Dor insuportável

Figura 2 - Escala de expressão facial. Fonte: Posso, 20111.

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Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

-operatório. O efeito dos opioides pré-sináptico resulta da inibição da substância P e na pós-sinapse ocorre inibição da adenilciclase e do AMP cíclico, levando também à hiperpolarização neuronal pelo efluxo de potássio.10,11 É bem estabelecido que a infusão intrate-cal de anestésicos locais e clonidina produz analgesia a partir de ação direta na medula espinhal.5,9,11

O possível mecanismo de ação dos opiáceos por via intratecal se dá a partir de ação medular direta e absorção sistêmica. Há ligação medular direta a re-ceptores específicos presentes na substância cinzen-ta no corno posterior da medula e a receptores ines-pecíficos na substância branca. Além disso, parte da droga é absorvida e ganha a circulação sanguínea.5

DISCUSSÃO

Os dois esquemas utilizados neste trabalho con-sistem em associações de anestésico local, clonidina e opiáceo. Os anestésicos locais são as medicações mais classicamente utilizadas em raquianestesia, agin-do através do bloqueio dos canais de sódio, que desem-penham papel central na despolarização neuronal. A clonidina é um alfa-2 agonista que age em duas vias: realizando bloqueio pré-sináptico no neurônio aferen-te e hiperpolarizando o neurônio pós- sináptico, abrin-do canais de potássio. Essa classe de medicamentos comprovadamente possui capacidade de incrementar a analgesia e diminuir a incidência de náusea no pós-

Tabela 1 - Aferição da dor nos grupos 1 e 2 com base nas escalas analógica numérica e de expressão facial na primeira, sexta e 24a hora de pós-operatório, diferença entre as médias e valor de p em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de Teresina-Piauí durante o período de junho a setembro de 2013

VariáveisMédia Diferença entre as

medias em modulo PGrupo 1 Grupo 2

Aferição pela escala analógica numérica na primeira hora 2,5 1,45 1,0 0,300

Aferição pela escala de expressão facial na primeira hora 3,55 3,95 0,4 0,491

Aferição pela escala analógica numérica na sexta hora 2,55 7,60 5,0 < 0,001*

Aferição pela escala de expressão facial na sexta hora 3,60 6,50 2,9 0,001*

Aferição pela escala analógica numérica na 24a hora 2,05 5,25 3,2 0,002*

Aferição pela escala de expressão facial na 24a hora 2,75 4,20 1,4 0,058

*Diferença estatisticamente significativa

Valores apresentados em média com desvio-padrão, média e valor fracionário de p.

Tabela 2 - Proporção de solicitação de medicação analgésica nos grupos 1 e 2, em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de Teresina-Piauí durante o período de junho a setembro de 2013

VariáveisProporção

Diferença de proporções PGrupo 1 Grupo 2

Solicitação de medicação analgésica de resgate 0,20 0,50 0,30 0,022*

*Diferença estatisticamente significativa

Valores apresentados em percentuais, valor absoluto e relativo.

Tabela 3 - Proporção da incidência de náusea, vômitos, prurido e diferença entre as médias e valor de p nos grupos 1 e 2 em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de Teresina-Piauí durante o período de junho a setembro de 2013

VariáveisMédia Diferença entre as

medias em modulo PGrupo 1 Grupo 2

Aferição pela escala analógica numérica na primeira hora 2,5 1,45 1,0 0,300

Aferição pela escala de expressão facial na primeira hora 3,55 3,95 0,4 0,491

Aferição pela escala analógica numérica na sexta hora 2,55 7,60 5,0 < 0,001*

Aferição pela escala de expressão facial na sexta hora 3,60 6,50 2,9 0,001*

Aferição pela escala analógica numérica na 24a hora 2,05 5,25 3,2 0,002*

Aferição pela escala de expressão facial na 24a hora 2,75 4,20 1,4 0,058

*Diferença estatisticamente significativa

Valores apresentados em percentuais, valor absoluto e relativo.

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Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

ladas foram de 7,6 na EAF e 6,5 para EEF. Salmah et al., utilizando a mesma droga, galgou média de aproxi-madamente 3,5 na sexta hora. Houve diferença estatis-ticamente significativa entre os grupos, o que denota superioridade da morfina sob o fentanil para analgesia pós-operatória na sexta hora após o procedimento.

Por fim, na 24a hora de pós-operatório, atingiu--se, no grupo 1, média 2,05 pela EAN e 4,20 pela EEF. Utilizando a EAN, Hein et al. salientaram média dois, enquanto Siti Salmah e Choy8 ressaltaram média um. Para o grupo 2, anotou-se o valor de 5,25 para EAN e de 4,2 para EEF, enquanto Siti Salmah e Choy8 adquiriram média aproximada de três. Comparando os dois grupos, houve significância estatística ao comparar-se pela EAN, o que não foi corroborado por análise semelhante com os números oriundos da EEF. Esta última escala, entretanto, sofre influência do estado emocional e bem-estar das pacientes, que em sua maioria se encontrava satisfatório, pois ainda que apresentassem dor estavam tratando as devidas doenças que motivaram a realização da cirurgia.

A solicitação de medicação analgésica nas primei-ras 24 horas ocorreu em 20% dos pacientes no grupo 1 e, por sua vez, em 55% dos pacientes alocados no grupo 2. Tal diferença obteve significância estatística, identi-ficando mais necessidade desses medicamentos para o grupo 2. Outros estudos demonstram que a morfina é capaz de reduzir a necessidade de analgésicos no pós--operatório.4,7 Outro trabalho comparando a morfina e o fentanil corrobora este achado, pois mostrou menos necessidade cumulativa de analgésico no grupo morfi-na.8 Há também que se considerar que, em tabelas de referência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o preço da ampola de morfina utilizada neste estudo é aproximadamente a metade do tramadol. Assim sendo, a solicitação de medicação analgésica pode apresentar elevação de custo hospitalar.

A incidência de náusea no presente estudo foi de 45% no grupo 1 e 80% no grupo 2. Em relação aos vô-mitos, a incidência foi de 30% para o grupo 1 e 40% para o grupo 2. A náusea com a utilização de morfina varia amplamente na literatura, com valores de 20% a 60%.6,8 Em relação ao fentanil, Siti Salmah e Choy8 chegaram à incidência de 48%. Houve diferença signifi-cativamente estatística entre os grupos para a variável náusea, com a maior incidência no grupo 2. O mesmo não ocorreu em relação à variável vômito. Este achado está em desacordo com a literatura. Por ser um opioide lipofílico e com menos biodisponibilidade, esperava--se que o grupo 2 apresentasse incidência de náusea

A biodisponibilidade dos opioides no sítio medular de aplicação é inversamente proporcional à lipossolu-bilidade dessas medicações, sendo maior para os hi-drofílicos, como a morfina, e menor para os lipofílicos, como o fentanil. Os lipofílicos rapidamente cruzam a barreira hematoencefálica, possuem melhor absorção vascular e se ligam à medula tanto na substância cin-zenta como na branca. Clinicamente, isso resulta em menos latência, difusão rostral limitada com analgesia espinhal no nível da aplicação, menos tempo de dura-ção e ainda elevado risco de apneia respiratória pre-coce. Em contraste, os hidrofílicos têm mais dificulda-de para cruzar a barreira hematoencefálica e menos absorção vascular, porém se ligam especificamente à substância cinzenta. Isso resulta em um início de ação mais tardio, maior difusão cranial, maior área medular bloqueada, mais tempo de duração e mais riscos de depressão respiratória tardia.5

Não há na literatura trabalhos utilizando combina-ções de drogas e doses idênticas às do presente estudo após histerectomia abdominal sob raquianestesia. Por-tanto, a comparação com outros experimentos deve ser cuidadosamente avaliada e individualizada, uma vez que diversos fatores podem alterar a ação das dro-gas e a própria percepção da dor, como: enfermidade do paciente, procedimento realizado, técnica cirúrgica adotada, assistência ao paciente no pós-operatório e condição social, entre outras. É importante destacar, entretanto, que em uma visão global, a analgesia foi sa-tisfatória, principalmente no grupo 1, e seguiu a mesma tendência de outros estudos disponíveis na literatura.7, 8

Analisando a primeira hora do pós-operatório no grupo 1, a média de aferição da dor com a escala ana-lógica numérica foi de 2,5, enquanto com a escala de expressão facial chegou- se à média de 3,55. Estudo abordando analgesia pós-operatória com o uso de morfina intratecal após histerectomia abdominal sob anestesia geral encontrou média três com escala ana-lógica visual, o que mostra, portanto, que o achado do presente estudo está em conformidade com a li-teratura e representa satisfatório controle da dor na primeira hora.7 Em relação ao grupo 2, encontrou-se média de 1,45 para EAN e de 3,95 para a EEF. Não hou-ve diferença estatisticamente significativa em relação à dor na primeira hora para os dois grupos estudados.

Na sexta hora, o grupo 1 alcançou média de 2,55 para EAN e 2,60 para EEF. Wein et al. encontraram média um, enquanto outro estudo utilizando morfina intratecal pós-cesariana também obteve, por meio da EAN, média inferior a 1.8 No grupo 2, as médias calcu-

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Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

trole álgico nas primeiras 24 horas de pós-operatório em relação ao mesmo procedimento com 20 mg de bupivacaína, 25 µg de fentanil e 50 µg de clonidina, sem alterar significativamente a incidência dos efei-tos adversos vômitos e prurido.

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menor ou igual ao grupo 1. Entretanto, possivelmente essa discrepância ocorreu devido ao alto nível de dor que os pacientes do grupo 2 apresentaram, uma vez que já é estabelecida a relação causal entre dor e a ansiedade relacionada à náusea.12

Quanto ao prurido, chegou-se à frequência média de 50% para o grupo 1 e de 25% para o grupo 2. Em-bora a incidência de prurido seja outra variável com ampla variação na literatura, o número alcançado para o primeiro grupo encontra-se de acordo com a literatura.6,8 Para o fentanil, Salmah et al.8 registra-ram incidência de 51,8%, entretanto, tal estudo abor-da gestantes submetidas à cesariana, que apresentam mais sensibilidade à ação de opioides, por fisiologica-mente apresentarem menor volume de líquido cere-broespinhal. A incidência média de prurido no grupo 2, embora tenha sido menor, não exibiu diferença es-tatisticamente significativa. A depressão respiratória, temido efeito adverso dos opioides, não foi testada, pois a amostra utilizada seria insuficiente para alcan-çar os parâmetros estatísticos aqui utilizados.

O melhor entendimento da fisiopatologia da dor permitiu um grande avanço em relação aos seus cuida-dos. Medicamentos e princípios relativamente recen-tes vêm alterando paradigmas relacionados às crises álgicas. A analgesia preemptiva, por exemplo, defende que estímulos nociceptivos são capazes de estimu-lar os mecanismos centrais e periféricos da dor.13,14 Com isso, o início precoce do cuidado pode evitar a sensibilização álgica, permitindo um pós-operatório menos doloroso. A sensação álgica do pós-operatório é considerada previsível, portanto, espera-se que seja autolimitada, devendo diminuir ou cessar em pouco tempo.1 O presente estudo serve de subsídio para a corrente que defende a adoção da dor como quinto sinal vital, uma vez que a maior parte das pacientes não se apresentou livre desta nas primeiras 24 horas após o procedimento. Tendo-se que tal medida seja adotada, acredita-se que os cuidados ao paciente no tocante a experiências álgicas serão incrementados, possibilitando-lhe mais conforto nos pós-operatório.1,15

CONCLUSÃO

O presente estudo permite concluir que a realiza-ção de histerectomia abdominal sob raquianestesia com a associação de 20 mg de bupivacaína, 100 µg de morfina e 50 µg de clonidina propicia melhor con-

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ARTIGO ORIGINAL

Instituição:Hospital Felício Rocho

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Nome: Fernando Hernandes de Meneses

E-mail: [email protected]

1 Médico Especializando em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento (CET) do Hospital Felício Rocho.

Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médica Anestesiologista. Departamento de Anestesiolo-

gia do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Justificativa: a necessidade da anestesia geral em pacientes obstétricas gera muitas controvérsias, principalmente quanto ao uso dos bloqueadores neuromusculares (BNM). A escolha das drogas deve levar em conta as alterações no organismo materno e as repercussões no feto. Objetivos: avaliar os BNMs que apresentam melhor perfil farmacológico para boas condições de intubação por sequência rápida, manutenção do bloqueio neuromuscular e que apresentam mínimas repercussões materno-fetais. Métodos: revisão teórica de artigos publicados na base de dados do PubMed, com o tema bloqueadores neuromusculares na gestação. Conclusão: o bloqueador neuro-muscular deve fornecer relaxamento adequado no primeiro minuto e com curto tempo de duração. A succinilcolina (1-1,5 mg/kg) é a medicação de escolha devido às suas características de efeito ultrarrápido e curta duração. O rocurônio é alternativa segura e eficaz, nas doses de 0,6-1,2 mg/kg, na indução em sequência rápida, com a possibili-dade de reversão do bloqueio com sugamadex 16 mg/kg.

Palavras-chave: Bloqueadores Neuromusculares; Anestesia; Anestesia Obstétrica; Gestantes; Gravidez.

ABSTRACT

Background: The need for general anesthesia in obstetric patients generates much controver-sy especially regarding the use of neuromuscular blockers (NMB). The choice of drugs should consider the changes in the mother’s body and the effects on the fetus. Objectives: Evaluate the NMB that have better pharmacological profile for good intubation conditions by rapid sequence of neuromuscular blockade maintenance and that have minimal maternal and fetal outcome. Method: literature review of articles published in the PubMed database, with neuromuscular blockers theme during pregnancy. Conclusion: The neuromuscular blocker should provide adequate relaxation in the first minute and a short duration, succinylcholine (1-1,5 mg/kg) is the drug of choice because of its characteristics of ultrafast and short-term effect. The rocuronium is a safe and effective alternative, the dose 0.6-1.2 mg/kg for induction in rapid sequence, with the possibility of reversing with sugammadex 16 mg/kg.

Key words: Neuromuscular Blocking Agents; Anesthesia; Anesthesia, Obstetrical; Preg-nant Women; Pregnancy.

INTRODUÇÃO

Entre os vários tipos de pacientes e suas peculiaridades, as gestantes encontram--se no grupo que gera mais controvérsias, principalmente quando se discute sobre anestesia geral, indução por sequência rápida e o emprego dos bloqueadores neuro-

Neuromuscular blockers in pregnant women

Fernando Hernandes de Meneses1, Daiane Aparecida Vilela Rezende2, Hendrik Ranieri de Oliveira Carvalho1, Paula de Siqueira Ramos1, Vinícius Almeida Soares Maia1

Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes

DOI: 10.5935/2238-3182.20160003

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Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes

cinco milhões desses receptores, entretanto, a ativa-ção de apenas quinhentos mil é suficiente para a con-tração muscular normal. A acetilcolina é rapidamente hidrolisada em acetato e colina pela enzima acetilco-linesterase. Essa enzima está presente na membrana da placa motora.3 Os bloqueadores musculares des-polarizantes ligam-se aos receptores dessa substân-cia, gerando um potencial de ação muscular.

Tais drogas, contudo, não são metabolizadas pela acetilcolinesterase e, dessa forma, sua concentração na fenda sináptica se mantém durante mais tempo, gerando prolongada despolarização da placa moto-ra. Essa despolarização contínua causa relaxamento muscular porque altera a configuração dos canais de sódio, mantendo-os fechados até que a placa motora se repolarize, o que não ocorre enquanto o bloqueador neuromuscular estiver ligado aos recep-tores de acetilcolina. A succinilcolina é o represen-tante do grupo de agentes despolarizantes. Eles têm estrutura química muito semelhante à acetilcolina e se ligam aos receptores dela, por isso chamados de agonistas. Os agentes adespolarizantes são os esteroidais (pancurônio, rocuronio e vêcurônio) e as benzilisoquinolinas (atracúrio, cisatracúrio e mi-vacúrio). Esses agentes competem com a acetilco-lina nos seus sítios de ligação, sendo denominados antagonistas competitivos.4

Alterações fisiológicas da gravidez e sua relação com a anestesia

Alterações hemodinâmicas, neuroendócrinas, re-nais e até gastrintestinais da gravidez são determinan-tes na escolha das medicações utilizadas durante o ato anestésico, pois podem modificar a farmacodinâmica e a farmacocinética de várias drogas. Logo, a utiliza-ção do BNM entre esse rol de medicações deve ser pautada no conhecimento sobre tais alterações e so-bre suas repercussões no organismo materno e fetal.2

Entre as modificações observadas no sistema cardiovascular, como o aumento do débito cardíaco, aumento da frequência e diminuição da resistência vascular, o principal a ser considerado consistiria no aumento do volume plasmático. Com variação de 25% até 45% no terceiro trimestre, acreditava-se que esse maior volume de distribuição afetaria a ação dos BNMs. Entretanto, o que atualmente se sabe é que a concentração dos BNM é mais acentuada no meio ex-

musculares (BNM) para procedimentos obstétricos. Atualmente, o bloqueio do neuroeixo é preferível nessas pacientes, entretanto, existem situações em que a anestesia geral é necessária, como em casos de emergência ou por contraindicação à peridural ou ra-quianestesia.1,2 Este artigo tem por objetivo a revisão das alterações no organismo materno, o mecanismo de ação e as indicações dos BNMs para os casos em que a anestesia geral é inevitável na Obstetrícia.

METODOLOGIA

Foi feita revisão teórica dos artigos publicados a respeito do uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes. Para a obtenção do referencial teórico, foram utilizados artigos científicos selecionados por meio da consulta à base de dados do PubMed, sem restrição de datas e por grau de relevância. Foram empregadas as seguintes palavras-chave e suas pos-síveis combinações por meio dos termos do MeSH: anestesia/ anesthesia; bloqueadores neuromuscula-res/ neuromuscular blockingagents; obstetrícia/ obs-tetrics; gestação/ pregnancy. Além disso, foi realizada pesquisa complementar da literatura atual em livros textos, atualizados nos últimos 10 anos, em relação à anestesia em Obstetrícia e à farmacocinética e à far-macodinâmica dos bloqueadores neuromusculares.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Bloqueadores neuromusculares

Os bloqueadores neuromusculares atuam sobre a musculatura esquelética, mais precisamente na junção neuromuscular, região que une o neurônio motor e a célula muscular. As membranas celulares do neurônio e da fibra muscular são separadas por um estreito espaço, a fenda sináptica. A liberação de acetilcolina na fenda sináptica ocorre quando um potencial de ação chega até a junção neuromuscu-lar. Esse fenômeno ocorre após um fluxo de cátions (íons sódio e cálcio para dentro do citoplasma e íons potássio para fora) na placa terminal. As moléculas de acetilcolina difundem-se pela fenda sináptica para se ligarem aos receptores colinérgicos nicotínicos em uma porção especializada da membrana muscular, a placa motora. Cada placa motora contém cerca de

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Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes

ção.5 Isso pode ser explicado pelo aumento no ritmo de filtração glomerular que ocorre durante a gravi-dez. A duração de ação do vecurônio na gestante a termo e no puerpério é duas vezes maior do que a duração nos demais pacientes, embora tenha sido re-latado aumento no clearance do vecurônio durante o parto cirúrgico. Apesar da redução na concentração plasmática de pseudocolinesterase, o tempo de ação da succinilcolina é o mesmo nas pacientes gestantes e levemente aumentado no pós-parto.5

As propriedades dos bloqueadores neuromuscu-lares podem ser alteradas por medicações relaciona-das à transmissão neuromuscular, como exemplo o sulfato de magnésio, que faz parte das medidas utili-zadas no tratamento da eclâmpsia. O magnésio reduz a concentração de cálcio sérico e diminui a sensibi-lidade da junção neuromuscular para a acetilcolina. Com isso, devem-se usar doses mais baixas na manu-tenção do bloqueio neuromuscular, a fim de evitar um prolongamento do mesmo. Porém, a dose para indução deve permanecer inalterada.8

Indução em sequência rápida

A intubação por sequência rápida é indicada na gestação devido às alterações que ocorrem nesse pe-ríodo e que ocasionam aumento na incidência de sín-drome da aspiração gástrica. Além disso, é preferível utilizar drogas cujo início de ação é rápido, o tempo de ação é curto ou é possivelmente reversível, devido à maior chance de falha na intubação dessas pacien-tes. As principais drogas utilizadas nessa ocasião são asuccinilcolina e o rocurônio.9,10

A succinilcolina é uma droga despolarizante, muito utilizada na sequência rápida de intubação devido ao seu efeito ultrarrápido, propiciando relaxamento mus-cular em aproximadamente 60 segundos, em sua dose habitual (1-1,5 mg/kg). Seu tempo de ação curto tam-bém é útil nos casos em que não foi possível conseguir manter uma via aérea definitiva, pois a paciente pode retornar à respiração espontânea em 5 a 10 minutos.9,11

As desvantagens da succinilcolina incluem o po-tencial em desencadear bradicardia, o fato de ser uma das principais drogas causadoras de anafilaxia, a pos-sibilidade de ocasionar hipertermia maligna e fasci-culações. Tais riscos podem ser prevenidos com o uso de uma dose baixa de um agente adespolarizante.10,12

Entre os bloqueadores neuromusculares adespola-rizantes, o rocurônio é a droga que pode ser utilizada

tracelular e, assim, o volume plasmático aumentado não afetaria o funcionamento dessa medicação.5

Em relação às alterações renais, o aumento da taxa de filtração glomerular em cerca de 50% duran-te o período gestacional leva à diminuição do tempo de meia-vida das drogas que têm a via renal como principal via de eliminação.5

As modificações do sistema respiratório e gastrin-testinal não têm grande influência na farmacocinéti-ca e na farmacodinâmica dos BNMs, contudo, a con-sideração dessas alterações no organismo materno é imprescindível para a indicação das drogas adequa-das no momento da indução. O fato de a via aérea da gestante ser potencialmente difícil e haver im-portante redução da capacidade residual funcional pulmonar faz com que os BNMs selecionados para a intubação tenham rápido início de ação e tempo de duração diminuído. Como nessas pacientes existe grande redução do esvaziamento gástrico e risco de estômago cheio, deve-se seguir o mesmo princípio para proteção de aspiração durante a sequência rá-pida, com foco em BNM de rápido início de ação, ca-racterísticas comuns à succinilcolina e ao rocurônio, com suas respectivas doses ajustadas.2,5 A diminui-ção da atividade da colinesterase plasmática durante a gravidez poderia prolongar o tempo de duração da succinilcolina, entretanto, essa alteração só foi obser-vada em pacientes com alteração genética responsá-vel pela redução da atividade da colinesterase, e não em todas gestantes como antes se acreditava.6,7

Bloqueadores neuromusculares na gestação

A maioria dos agentes anestésicos intravenosos atravessa livremente a placenta. Algumas alterações fisiológicas da gravidez como aumento do peso cor-poral, do volume plasmático e do volume sanguíneo podem influenciar no volume de distribuição de dro-gas. Entretanto, isso não ocorre em relação ao atracú-rio, vecurônio e pancurônio, segundo o estudo de Guay et al.5 Com uma eliminação que independe da função renal e hepática, o clearance do atracúrio se mantém inalterado nas gestantes quando comparado aos pacientes não gravídicos, devido à sua metaboli-zação pela esterase plasmática. Isso é corroborado pela duração de ação também inalterada desse blo-queador neuromuscular nessa população específica. Por outro lado, observou-se aumento do clearance do pancurônio em 27% em mulheres no final da gesta-

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Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes

na capacidade de fornecer relaxamento adequado no primeiro minuto e em curto tempo de duração. Nesse sentido, a succinilcolina (1-1,5 mg/kg) é a me-dicação de escolha para o bloqueio neuromuscular, pois suas características de efeito ultrarrápido e curta duração não sofrem influências significativas na ges-tante e não atingem o feto. Por outro lado, os estudos mostram que o rocurônio é uma alternativa segura, nas doses 0,6-1,2 mg/kg, na indução em sequência rápida, com a possibilidade de reversão do bloqueio com sugammadex 16 mg/kg.13-15

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para sequência rápida quando utilizada em doses ele-vadas (1,2 mg/kg), permitindo adequado controle da via aérea em 60 segundos. Quando utilizado em doses mais baixas (0,6 mg/kg), aproximadamente metade das pacientes não apresenta relaxamento adequado aos 60 segundos, porém 100% delas o apresentam com 90 segundos.13 Esse agente possui mais tempo de duração que o promovido pela succinilcolina.

Estudos têm demonstrado que 1,2 mg/kg de ro-curônio podem ser rapidamente revertidos com a uti-lização dosugamadex na dose de 16 mg/kg.13,14 Com a sua utilização, é possível o retorno da função neuro-muscular de forma mais rápida do que o retorno es-pontâneo dessa função após o uso da succinilcolina. Dessa forma, o rocurônio é considerado uma opção segura para a sequência rápida em gestantes.7,13

Segurança fetal

A succinilcolina é degradada pela colinesterase de forma muito rápida, praticamente não atingindo o feto em sua dose usual (1-1,5 mg/kg). O rocurônio pode atravessar a placenta em níveis de até 7-22%, dependendo da dose utilizada. Atenção deve estar focada no neonato quando utilizadas doses eleva-das de agentes adespolarizantes, uma vez que o bloqueio neuromuscular neonatal pode ocorrer e medidas de suporte ventilatório ou o uso de agen-tes antagonistas dos fármacos bloqueadores neu-romusculares podem ser necessários. O escore de Apgar aos 5 minutos não se altera quando utilizado o rocurônio na dose de 0,6 mg/kg.15

CONCLUSÃO

A anestesia geral é utilizada na prática da Obste-trícia para cesarianas ou em cirurgias de emergên-cias não obstétricas quando o bloqueio neuroaxial está contraindicado. Considerar as alterações fisio-lógicas durante a gravidez é preponderante durante a anestesia e associado ao conhecimento farmaco-cinético das drogas reduz os riscos de repercussões indesejadas no organismo materno e fetal.

A indução em sequência rápida esta indicada nas gestantes, considerando o seu potencial risco de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico e, ainda, a possibilidade de uma via aérea difícil. Logo, a esco-lha do bloqueador neuromuscular deve ser pautada

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Uso de bloqueadores neuromusculares em gestantes

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EDUCAÇÃO MÉDICA

Instituição:Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Paulo José Ribeiro TeixeiraE-mail: [email protected]

1 Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Psiquiatria. Mestre em Ciências da Saúde. Coordenador do Programa de Psiquiatria da Residência Médica do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico Psiquiatra. Doutor em Ciências da Saúde. Coor-denador da Clínica Psiquiátrica do IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A síndrome de burnout é compreendida como uma resposta ao estresse laboral crônico e apresenta as seguintes dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal no trabalho. A anestesiologia possui características próprias que contribuem de forma diferenciada para a ocorrência dessa síndrome: proximidade do sofrimento e da morte, dificuldades na interação com outros membros da equipe médi-ca, estresse físico do ambiente cirúrgico e a privação do sono. Estudos em todo o mun-do revelam que médicos apresentam taxas alarmantes da síndrome. No Brasil, pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina e publicada em 2007 mostrou que 57% dos médicos apresentavam algum grau preocupante de burnout. Levantamentos epidemio-lógicos realizados com anestesiologistas do Brasil e de outros países evidenciam que a prevalência dessa síndrome nessa categoria também é elevada. A prevenção de burnout deve iniciar-se com o esclarecimento dos anestesiologistas sobre sua alta prevalência, muitas vezes desconhecida pelos profissionais. Além disso, devem ser tomadas medidas, tanto no nível individual quanto no nível institucional, para que a prevenção seja mais efetiva. Essas medidas incluem modificações no ambiente de trabalho que visem a redu-zir o estresse e melhorar a convivência entre os profissionais, promovendo a autonomia e a participação individual nas tomadas de decisões, além de medidas individuais que promovam o relaxamento e reduzam a frustração e a autocrítica exacerbada.

Palavras-chave: Anestesiologia; Esgotamento Profissional; Saúde Mental.

ABSTRACT

The burnout syndrome is a response to work stress and presents itself as the following aspects: emotional exaustion, despersonalization and a reduced feeling of personal accomplishment. Anaesthesiology has particular features that contribute to the occur-rence of the syndrome: closeness of suffering and death, relationship issues between the medical team, physical stress at the surgical environment and sleep deprivation. In Brazil, a research conducted by the Federal Council of Medicine and published in 2007 showed that 57% of the doctors presented warning level of burnout. Others epidemiological surveys conducted in Brazil and other countries showed that the syndrome prevalence in anaesthesiologists is also high. Burnout prevention should begin with the anaesthesio-logists clarification about its prevalence, often unknown by those professionals. Besides that, some measures must be taken at the individual and organizational level to improve the prevention. Those measures include workplace changes to reduce stress and improve the professional relationships, encouraging individual autonomy and participation in decision-making, as well as individual measures that promotes relaxation and reduces frustration and self-criticism.

Key words: Anesthesiology; Burnout, Professional; Mental Health.

Mental health in anesthesiology and burnout syndrome

Verônica Botelho Teixeira1, Paulo José Ribeiro Teixeira2, Fábio Lopes Rocha3

A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

DOI: 10.5935/2238-3182.20160004

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A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

são estressores relevantes. Entretanto, parece que o fator mais importante é a insatisfação profissional.1,4

Em face dessas circunstâncias, não é de se sur-preender que médicos apresentem taxas elevadas de transtornos psiquiátricos. Depressão, transtornos de ansiedade e aqueles relacionados ao uso de álcool ou outras drogas são problemas comuns. Entretanto, frequentemente, não procuram tratamento e muitas vezes recorrem à automedicação.1,7

A prevalência de depressão ao longo da vida entre os médicos é de 13% em homens e 20% em mulheres, comparável à da população geral; todavia essas taxas são maiores que as da população em estudantes de medicina e médicos residentes (15 a 30%).8 Além do sofrimento pessoal, a depressão causa redução da ca-pacidade de trabalho e maior taxa de erros médicos.8

Um estudo extenso realizado na Austrália encontrou uma prevalência de depressão em médicos de 5% para homens e de 8,1% para mulheres. Nesse estudo a preva-lência de depressão entre anestesiologistas foi de 7,1%.7

Estudos específicos acerca da prevalência de transtornos de ansiedade entre médicos e estudantes de medicina não são comuns. Dados do estudo aus-traliano revelaram que aproximadamente 9% dos mé-dicos relataram terem recebido diagnóstico de trans-torno de ansiedade em algum momento da vida, em contraste com 5,9% da população. Diagnóstico atual de transtorno de ansiedade foi reportado por 3,7%, versus 2,7% na população. Todavia, entre anestesiolo-gistas a prevalência foi menor, de apenas 2,4%.7

O abuso de álcool é outro problema relevante en-tre os médicos. Um levantamento recente realizado nos EUA mostrou que 15,3% dos profissionais apre-sentavam abuso ou dependência de álcool, sendo 12,9% do sexo masculino e 21,4% das médicas.9 Nesse estudo, a anestesiologia estava entre as especialida-des com as maiores taxas, junto com a dermatologia, cirurgia ortopédica, medicina de urgência e patolo-gia. No Brasil, uma pesquisa realizada com médicos pelo Conselho Federal de Medicina encontrou uma taxa surpreendentemente baixa de 1,7% para a de-pendência de álcool. No entanto, os autores acredi-tam que tenha havido subestimação.10

Os médicos apresentam uma taxa de mortalidade menor que a população geral para todas as causas, exceto suicídio.11 No Brasil, aproximadamente 5% dos médicos afirmam se sentir sem esperanças, infelizes e apresentam ideias de suicídio.12 Assim, embora a prevalência de depressão entre os médicos seja com-parável à da população geral, o risco de suicídio é

INTRODUÇÃO

Médicos são profissionais que vivem um profun-do paradoxo. Desempenham seu ofício sob um com-promisso básico para com os doentes, baseado no aforismo hipocrático: “curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre”. Entretanto, mui-tas vezes se esquecem de cuidar da própria saúde, abstêm-se de procurar ajuda de colegas e recorrem à automedicação, com prejuízos em sua vida pessoal e em sua capacidade de cuidar de outras pessoas. Essa realidade é particularmente grave em relação à saúde mental dos médicos em geral e à saúde mental dos anestesiologistas em particular.1,2

A expressão “staff burn-out” foi usada pela primei-ra vez em 1974 pelo psiquiatra Herbert Freudenber-ger para descrever uma síndrome caracterizada por exaustão, desilusão e distanciamento em trabalhado-res da área de saúde mental.3 Atualmente, a síndrome de burnout é compreendida como uma resposta ao estresse laboral crônico, quando as estratégias de en-frentamento falham em seu manejo, resultando em colapso no processo adaptativo.4

A prevenção e o tratamento de burnout são de ex-trema relevância. A presença dessa síndrome pode corromper o profissionalismo, reduzir a qualidade do cuidado, aumentar o risco para erros e promover a aposentadoria precoce. Contribui também para o uso problemático de álcool, a ideação suicida e a quebra de relacionamentos.5,6

Nesse artigo, os autores discorrerão em um pri-meiro momento sob a saúde mental dos médicos em geral, com ênfase em estudos que avaliaram a prevalência de burnout nessa categoria e, em par-ticular, entre anestesiologistas. Em um segundo momento, delinearão estratégias para detecção de burnout em profissionais de saúde e diretrizes para sua prevenção e tratamento.

A SAÚDE MENTAL DO MÉDICO

A profissão médica está relacionada a um con-junto de estressores que se fazem presentes ainda na vida acadêmica e que concorrem para a gênese de distúrbios fisiológicos e psicológicos. Condições de trabalho inadequadas, remuneração incompatível, excesso de trabalho, necessidade permanente de es-tudo e atualização, falta de preparo para lidar com de-mandas emocionais dos pacientes e ausência de lazer

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A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

para o estresse profissional e a ocorrência de burnout entre os profissionais que a exercem. Magalhães et al.18 elencaram algumas dessas características. São elas a proximidade do sofrimento e da morte, as necessida-des físicas e emocionais dos pacientes e a pressão para se obter sempre bons resultados. Questões ligadas ao relacionamento dentro da equipe também são relevan-tes, destacando-se as interações com cirurgiões, obs-tetras e outros profissionais. Esse tipo de relação pode envolver confusão quanto às responsabilidades de cada um e podem surgir divergências sobre como atin-gir os objetivos e selecionar elementos que devam ser prioritários. Há também o estresse físico decorrente de fatores do ambiente cirúrgico, que incluem poluição sonora, exposição a gases anestésicos, radiação, látex, infecções, frio ou calor excessivo, uso de cadeiras des-confortáveis ou mesmo limitação de espaço. O ruído nas salas de cirurgia pode ser suficiente para provocar hiperatividade simpática e efeitos adversos cognitivos e psicológicos. Outro fator de importância é a privação de sono, haja vista que a anestesiologia é uma especia-lidade que exige a disponibilidade diuturna de profis-sionais durante todo o ano.18

Diversos estudos foram realizados para avaliar a prevalência da síndrome de burnout nas várias espe-cialidades médicas. Médicos informam taxas alar-mantes de burnout. Na pesquisa realizada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina e publicada em 2007, a maioria dos médicos (57%) manifestou algum grau preocupante de burnout, sendo que 23% foram classificados como padecendo de burnout grave e 10% de burnout extremo.12

Outro estudo realizado nos Estados Unidos e pu-blicado em 2012 documentou que a classe médica daquele país apresenta taxas de burnout mais altas do que a população controle. Quase 45% dos 7.288 médicos que compuseram o estudo pontuaram com escores elevados nas subescalas de despersonaliza-ção e exaustão emocional do Maslach Burnout In-ventory. Os médicos trabalhavam em média 10 horas semanais a mais que a população controle e tinham mais dificuldade em conciliar o trabalho com sua vida social e familiar.6

Levantamento recente realizado em 2015 pelo site Medscape com médicos que o acessam encontrou pre-valência de 46%, taxa semelhante à investigação norte--americana. Em uma escala de zero a sete de avaliação da gravidade de burnout (sendo 0= “não interfere em minha vida” e 7=“tão grave que penso em deixar a Me-dicina”), 10% dos médicos que padeciam de burnout

significativamente maior.13,14 Uma metanálise que in-cluiu 25 estudos de taxas de suicídio entre médicos comparadas com população de referência mostrou que a razão das taxas agregadas para médicos do sexo masculino foi de 1,41 (IC 95% = 1,21-1,65) e para as médicas de 2,27 (IC 95% = 1,90-2,73).15 No estudo realizado na Austrália, 13,2% dos anestesiologistas avaliados relataram que tiveram pensamentos suici-das nos últimos 12 meses.7

Fatores já identificados na população em geral, como idade mais avançada, ser divorciado, solteiro ou estar em processo de separação, sofrer de de-pressão ou abuso de substância, sofrer de dor ou doença crônica e ter história de comportamento de risco, elevam o risco de suicídio em médicos. Toda-via, fatores relacionados à profissão, como excesso de trabalho e perda recente de status profissional ou econômico também são importantes. Fatores prote-tores incluem tratamento adequado, suporte familiar e social, resiliência e fé religiosa.8

BURNOUT: ESTUDOS DE PREVALÊNCIA

A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a síndrome de burnout com as seguintes dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa reali-zação pessoal no trabalho. A exaustão emocional ma-nifesta-se pelo sentimento de que pouco se pode fazer pelos pacientes ou pelas demais pessoas. O indivíduo tende a apresentar sentimentos de raiva, irritabilida-de, impaciência e desesperança. Além disso, torna-se menos amistoso e cortês, sendo comum a ocorrência de conflitos. Sinais e sintomas físicos como baixa de energia, fadiga crônica, tensão muscular, elevada sus-ceptibilidade a doenças, náuseas, cefaleias e dores no corpo também podem estar presentes. A despersona-lização caracteriza-se por um sentimento de alienação em relação aos demais. Outras pessoas, sejam pacien-tes ou colegas, são vistas de forma negativa e o indiví-duo busca minimizar ou evitar os contatos pessoais no ambiente de trabalho. Por fim, o sentimento de baixa realização pessoal no trabalho tem por base uma per-cepção de que nada a fazer vale à pena ou produz re-sultados significativos. Embora essa percepção possa ser verdadeira em alguns casos, a expectativa negativa prévia acaba levando a uma avaliação inadequada da própria atitude ou dos resultados obtidos.16,17

A anestesiologia é uma especialidade que possui características que contribuem de forma diferenciada

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A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

ESTRATÉGIAS PARA A PREVENÇÃO DA SÍNDROME DE BURNOUT

A prevenção de burnout deve iniciar-se com o es-clarecimento dos anestesiologistas sobre a alta pre-valência dessa síndrome, muitas vezes desconhecida pelos médicos em geral. Em levantamento realizado em Santo André, 76% desses profissionais desconhe-ciam a existência da síndrome de burnout.20 Além disso, é importante que se faça a mensuração de sua magnitude nos diversos hospitais e serviços médicos onde esses especialistas atuam. A avaliação da pre-valência e da gravidade da síndrome de burnout pode ser realizada utilizando-se o Inventário de Burnout de Maslach, um instrumento de avaliação autoaplicável relativamente simples (Tabela 1).24,25

se avaliaram nos valores seis e sete. As causas mais importantes de burnout citadas pelos médicos foram excesso de atividades burocráticas, excesso de horas de trabalho e remuneração insuficiente.19

A prevalência de síndrome de burnout entre anes-tesiologistas também é elevada. A taxa entre os 309 anestesiologistas que participaram do estudo ame-ricano citado foi ligeiramente superior à taxa global dos médicos em geral.6 Já na pesquisa realizada pelo site Medscape, a taxa de burnout em anestesiolo-gistas foi de 44%, um pouco abaixo da média geral. Desses, 9% se avaliaram como padecendo de burnout grave.19 Por fim, no estudo australiano citado ante-riormente – no qual foram avaliadas separadamen-te a prevalência das três dimensões da síndrome de burnout -, os anestesiologistas apresentaram taxas de despersonalização e de baixa realização no trabalho próximas das dos clínicos gerais (32,3% versus 32,1% e 14,2% versus 12,0%, respectivamente) e taxa menor de exaustão emocional (24,6% versus 33,1%).7

Outros estudos tiveram os anestesiologistas como população-alvo específica. No Brasil, estudo publicado em 2013 e realizado no Distrito Federal revelou que, dos 134 anestesiologistas entrevistados, 10,4% apresen-taram síndrome de burnout. Nesse estudo, observou-se que a síndrome ocorreu principalmente em homens (64,2%) na faixa de 30 a 50 anos (64,2%), com mais de 10 anos de profissão (64,2%), com atuação em plantões noturnos (71,4%) e sedentários (57,1%).18 Em outro estu-do realizado na Faculdade de Medicina do ABC (Santo André), os sintomas de burnout foram detectados em 100% dos anestesiologistas (n=59), sendo que 80% apre-sentavam risco médio ou alto para essa síndrome.20 Em Recife, em uma amostra composta de 110 anestesiolo-gistas associados à Cooperativa dos Médicos Aneste-siologistas de Pernambuco (COOPANEST-PE), a análise subjetiva da qualidade de vida revelou que 44,6% dos participantes tinham percepção negativa ou indefinida sobre sua qualidade de vida, sendo que o grau de satis-fação com a saúde e o excesso de trabalho apresenta-ram influência negativa nesse resultado.21

Estudo realizado na França avaliou fatores asso-ciados à burnout nas equipes de anestesiologia e de reanimação. Dos 1.550 indivíduos que participaram do estudo, o total de 62,3% tinha sintomas de burnout, sendo que 6,3% possuíam os três componentes da síndrome.22 Na cidade de Mexicali (México), estudo realizado com amostra de 92 anestesiologistas ob-teve prevalência de 44% para essa síndrome, sendo 9,3% em grau moderado e 6,9% em grau elevado.23

Tabela 1 - Inventário de Burnout de Maslach

1. Sinto-me emocionalmente decepcionado com meu trabalho.

2. Quando termino minha jornada de trabalho, sinto-me esgotado.

3. Quando me levanto pela manhã e enfrento outra jornada de trabalho, sinto-me fatigado.

4. Sinto que posso entender facilmente como as pessoas que tenho que atender sentem-se a respeito das coisas.

5. Sinto que estou tratando alguns receptores de meu trabalho como objetos pessoais.

6. Sinto que trabalhar todo dia com gente me cansa.

7. Sinto que trato com muita efetividade os problemas das pessoas que tenho que atender.

8. Sinto que meu trabalho está me desgastando.

9. Sinto que estou influenciando positivamente a vida das pessoas por meio de meu trabalho.

10. Sinto que me tornei mais duro com as pessoas desde que comecei esse trabalho.

11. Preocupo-me com esse trabalho que está endurecendo-me emocionalmente.

12. Sinto-me muito vigoroso em meu trabalho.

13. Sinto-me frustrado por meu trabalho.

14. Sinto que estou trabalhando demais no meu trabalho.

15. Sinto que realmente não me importa o que está ocorrendo com as pessoas as quais tenho que atender profissionalmente.

16. Sinto que trabalhar direto com as pessoas me estressa.

17. Sinto que posso criar com facilidade um clima agradável com os receptores de meu trabalho.

18. Sinto-me estimulado depois de trabalhar diretamente com quem tenho que atender.

19. Creio que consigo coisas muito valiosas nesse trabalho.

20. Sinto-me com se estivesse no limite de minhas possibilidades.

21. No meu trabalho eu manejo os problemas emocionais com muita calma.

Continua...

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A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

belecimento de limites de horas trabalhadas.16 Além disso, Rama-Maceiras et al.27 sugerem algumas medi-das a serem implementadas pelas coordenações dos serviços de anestesiologia. São elas:

■ promover uma liderança positiva e um clima agradável de relacionamento entre os membros da equipe, encorajando a comunicação e a parti-cipação em grupos de apoio;

■ garantir a justiça organizacional, não recompensan-do ritmos de trabalho acelerados e desorganizados;

■ encorajar os profissionais a se engajarem nas toma-das de decisões, estimulando a autonomia e a par-ticipação em programas de controle de qualidade;

■ evitar cobranças irreais dos membros da equipe e garantir o reconhecimento das metas atingidas, for-necendo ferramentas e estratégias para superá-las;

■ reduzir a pressão pelo tempo em que as tarefas devem ser realizadas, diminuindo assim a fadiga emocional e o caos no trabalho;

■ perceber a tensão no ambiente de trabalho e diagnosticar os membros da equipe que pade-cem de burnout, bem como aqueles com risco de desenvolvê-lo;

■ identificar agentes estressores específicos no am-biente de trabalho;

■ garantir que todos realizem tarefas gratificantes e permitir que sintam que estão fazendo a diferen-ça na vida de alguém;

■ estimular estilos de vida saudáveis.

Os mesmos autores27 também recomendam medi-das individuais que devem ser aplicadas pelos anes-tesiologistas:

Alternativamente, o anestesiologista também pode detectar se está propenso a desenvolver burnout. Em entrevista publicada no site da American Medical As-sociation, o Dr. Mark Linzer, especialista no estudo de burnout em médicos, propôs algumas questões para que o próprio médico avalie seu risco de desenvolver burnout. Essas questões encontram-se expostas de for-ma adaptada na Tabela 2.26

Ainda se carece de estudos controlados que com-provem a eficácia de medidas específicas para a pre-venção de burnout na categoria médica em geral e na anestesiologia em particular Contudo, diversos auto-res sugerem estratégias promissoras. Para se conse-guir que essas estratégias sejam realmente eficazes, é necessário que a instituição, as chefias de equipe e os profissionais médicos trabalhem em conjunto.

Ainda em 1998 a OMS recomendou algumas ações que devem ser tomadas em nível institucional para se prevenir o burnout. Entre elas se destacam o treinamento dos profissionais em gerenciamento de tempo e técnica de relaxamento, bem como o esta-

... continuação

Tabela 1 - Inventário de Burnout de Maslach

22. Parece-me que os receptores de meu trabalho culpam-me por alguns de seus problemas.

Escore para cada item:0 (Nunca) – 1 (Poucas vezes ao ano ou menos) – 2 (Uma vez ao mês ou menos) – 3 (Poucas vezes ao mês) – 4 (Uma vez na semana) – 5 (Poucas vezes na semana) – 6 (Todos os dias)

Avaliação por dimensões:Exaustão emocional: itens 01, 02, 03, 06, 08, 13, 14, 16 e 20Despersonalização: itens 05, 10, 11, 15 e 22Realização no trabalho: itens 04, 07, 09, 12, 17, 18, 19 e 21 (devem ser avaliados de forma inversa)

Fonte: Lautert L 199525.

Tabela 2 - Avaliação do risco de se desenvolver burnout

1. Você possui alta tolerância ao estresse?

Estresse é o preditor número um de burnout e os anestesiologistas não deveriam ignorá-lo. Médicos que trabalham sob condições de muito estresse apresentam risco 15 vezes maior de desenvolver burnout.

2. Sua prática profissional é muito caótica?

Cuidar bem de pacientes motiva o profissional de saúde. Ambientes de trabalho extremamente caóticos pioram a qualidade da assistência e da relação com os pacientes. Uma mudança na organização do ambiente de trabalho não só melhora a assistência como também diminui o risco de burnout.

3. Há discordância de valores com a liderança do serviço?

Médicos necessitam sentir que seus líderes compartilham dos mesmos valores que orientam o cuidado ao paciente.

4.Você age como “tampão emocional” de seus pacientes?

Médicos frequentemente necessitam atuar no sentido de poupar o paciente das dificuldades que eles próprios enfrentam na prestação de assistência. Esse papel pode chegar a um limite insustentável.

5. Seu trabalho interfere constan-temente em sua vida familiar? Ter tempo com qualidade para o convívio familiar auxilia o médico a trabalhar melhor.

6.Você tem controle sobre sua escala de trabalho e sobre seu tempo livre?

Quando o trabalho aumenta sem que haja controle sobre a escala de trabalho, o estresse aumenta e junto com ele o risco de burnout.

7. Você cuida de si? A negligência com o cuidado de si mesmo acaba por levar à negligência com o cuidado aos pacientes.

Fonte: adaptado de: How to beat burnout: 7 signs physician should know. AMA Wire. 201526

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A saúde mental do anestesiologista e a síndrome de burnout

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■ identificar os objetivos pessoais e profissionais, visando a estabelecer adequado equilíbrio entre vida pessoal e profissional;

■ descobrir hobbies e outras atividades de interesse; ■ identificar agentes estressores que possam ser eli-

minados da rotina diária; ■ buscar um estilo de vida saudável, com dieta ba-

lanceada e prática regular de atividade física; ■ realizar intervalos durante o trabalho; ■ tirar férias com frequência; ■ praticar a autorreflexão e liberar as emoções; ■ diferenciar o autoconhecimento da autocrítica

excessiva; ■ aprender e praticar a resiliência; ■ buscar a excelência e não a perfeição.

Complementando as medidas já citadas, Gurman et al. propuseram outras que podem auxiliar o anes-tesiologista a lidar com o estresse e promover a pre-venção de burnout. Entre elas se destacam a prática da meditação, o estabelecimento de prioridades, a busca de suporte e assistência, quando necessários, a evitação de situações embaraçosas e possíveis cri-ses, a atitude flexível e o senso de humor.28

CONCLUSÃO

Diversos estudos demonstraram a alta prevalência de burnout entre os anestesiologistas, com taxas bem mais altas que as da população geral. Isso se deve a fatores de risco que permeiam a especialidade, favo-recendo o desenvolvimento da exaustão emocional, da baixa realização no trabalho e do afastamento pessoal. O profissional que sofre de burnout se torna menos eficiente, contribui menos nas resoluções de problemas enfrentados, é menos criativo e proativo e gera mais gastos em saúde e faltas no trabalho. As-sim, é imprescindível que as instituições médicas e os serviços de anestesiologia implementem medidas preventivas no ambiente de trabalho que reduzam a prevalência da síndrome e que contribuam para o bem-estar físico e mental dos profissionais.

O esclarecimento dos anestesiologistas sobre a síndrome de burnout é também importante para que estes identifiquem os fatores de risco indivi-duais, estabeleçam mudanças no estilo de vida e para que possam buscar o auxílio e tratamento ne-cessários quando se perceberem acometidos por essa síndrome.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Instituto da Previdenciados Servidores

do Estado de Minas Gerais – IPSEMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Monique Corrêa e Castro de Sá

E-mail: [email protected]

1 Médica Residente em Anestesiologia do Centro de Ensino e Treinamento – CET. Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG.

Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia –

TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA. Instituto da Previdência dos Servidores do Estado

de Minas Gerais – IPSEMG e Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Vera Cruz.

Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Anestesiologista. Hospital da Polícia Militar e Hospital

João XXIII. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Evento adverso relacionado a um fármaco é definido, pela Organização Mundial de Saúde, como uma resposta nociva e não intencional a uma droga que ocorre após o uso de doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma doença ou para modificação de uma função fisiológica. Os bloqueadores neuromusculares (BNM) são fármacos capazes de provocar alterações indesejáveis em doses habituais e a interação com outras drogas utilizadas durante a anestesia pode potencializar, prolongar ou reverter precocemente o relaxamento neuromuscular desejado. O processo de reversão do bloqueio não é isento de riscos e complicações. Eventos adversos podem ocorrer desde o momento da administração de drogas reversoras até o período pós-operatório, no qual pode ocorrer paralisia residual. É importante reconhecer os possíveis efeitos adversos associados ao uso dessas drogas, uma vez que a escolha do BNM adequado para cada situação irá afetar diretamente o desfecho do ato anestésico.

Palavras-chave: Bloqueio Neuromuscular/efeitos adversos; Bloqueadores Neuromus-culares/efeitos adversos; Interações de Medicamentos.

ABSTRACT

The World Health Organization defines an adverse drug reaction as “a response to a drug which is noxious and unintended, and which occurs at doses normally used in man for the prophylaxis, diagnosis, or therapy of disease, or for the modification of physiologi-cal function”. Neuromuscular blocking agents (NBA) are drugs that can cause undesira-ble alterations in usual doses, and the interaction with other drugs used during anesthe-sia can enhance, prolong or promote early reversal of the neuromuscular blockade. The blockade reversal process is not free from risks and complications since adverse events can occur from the time of administration of reversal drugs until the postoperative period, when may occur residual paralysis. It is important to recognize the potential adverse effects associated with use of these drugs, since the appropriatechoice of NBA for each situation will directly affect the outcome of anesthesia.

Key words: Neuromuscular Blockade/adverse effects; Neuromuscular Blocking Agents/adverse effects; Drug Interactions.

INTRODUÇÃO

Bloqueadores neuromusculares são drogas essenciais na prática anestésica, pois facilitam a intubação orotraqueal e promovem condições cirúrgicas ótimas para uma variedade de procedimentos. Essas drogas possuem papel predominan-

Adversities related to neuromuscular blockade and reversal

Ananda Ferreira Fialho Alencar1, Laura Aparecida Lacerda e Louzada1, Jaci Custódio Jorge2, Monique Corrêa e Castro de Sá3

Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

DOI: 10.5935/2238-3182.20160005

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

Sistema respiratório

Os BNMs adespolarizantes têm efeitos antimusca-rínicos distintos nos receptores M2 e M3 da muscula-tura lisa brônquica.7 O antagonismo do receptor M3 pós-sináptico é responsável pela broncodilatação. Por outro lado, a inibição do receptor pré-sináptico M2, ao aumentar a liberação de acetilcolina, resulta em bron-coconstrição.4 O rapacurônio possui 15 vezes mais afi-nidade pelos receptores M2 quando comparado aos receptores M3 e foi retirado do mercado devido ao seu potencial de provocar, de maneira dose-dependente, broncoespasmo e aumento transitório de pressão nas vias aéreas durante ventilação controlada.1, 7-9

A administração de bloqueadores da classe dos benzilisoquinoleínicos, com exceção do cisatracú-rio, é associada à liberação de histamina que resulta em aumento da resistência das vias aéreas e bronco-espasmo, principalmente em pacientes com hiper--reatividade de vias aéreas.10

Sistema cardiovascular

Bloqueadores neuromusculares podem ocasio-nar efeitos hemodinâmicos importantes por meio de suas ações antimuscarínicas diretas e da liberação de histamina.11 Os BNMs com potência antimuscarí-nica são capazes de suspender a dominância paras-simpática na função cardíaca. Essas drogas induzem taquicardia a partir de ação vagolítica e impedem a inibição da liberação de noradrenalina pelo blo-queio de receptores M2 pós-sinápticos e pré-sinápti-cos, respectivamente.4 Níveis médios plasmáticos de histamina de 1.600 pg/mL resultam em aumento na frequência cardíaca, enquanto aumentos em torno de 4.600 ± 2.000 pg\mL resultam em hipotensão.11 BNM de maior potência necessitam de menor nú-mero de moléculas para exercer seu efeito e, como consequência, a liberação de histamina tende a ser menor e de pouco significado clínico.12

O pancurônio aumenta a frequência cardíaca de maneira dose-dependente.2,4,11 Essa droga bloqueia o efeito inibitório na liberação de noradrenalina do ter-minal nervoso simpático, que é desencadeado pelo estímulo de receptores muscarínicos. Efeitos inotró-picos e cronotrópicos positivos também têm sido relatados após administração de pancurônio, sendo que o efeito inotrópico parece ocorrer com altas do-ses, com base na estimulação direta de receptores

te na incidência de reações adversas decorrentes do ato anestésico.1 A revisão a seguir tem por objetivo reunir dados relevantes sobre os principais efeitos indesejáveis relacionados ao uso dos bloqueadores neuromusculares, assim como suas interações medi-camentosas e potenciais complicações relacionadas à reversão do bloqueio neuromuscular.

EFEITOS AUTONÔMICOS

Os efeitos autonômicos associados ao uso dos BNMs ocorrem devido à sua interação com recepto-res nicotínicos extrajuncionais localizados nos gân-glios autonômicos, nos quimiorreceptores do corpo carotídeo e nos receptores muscarínicos do coração. Ligando-se a esses receptores, os BNMs geram efeitos adversos que variam com a potência e especificidade pelo receptor colinérgico em questão.2,3

No sistema nervoso central

Em condições normais, os BNMs não são capazes de atravessar a barreira hematoencefálica. No entan-to, em situações de hipóxia, trauma cranioencefálico ou edema cerebral, quando há perda da integridade dessa estrutura, existe uma chance de o relaxante pe-netrar no sistema nervoso central e predispor a con-vulsões e morte neuronal.4,5 O provável mecanismo da neurotoxicidade dos BNMs consiste no aumento da concentração intracelular de cálcio. Esse aumen-to é proporcionado pela ação agonista dessas drogas em subtipos específicos de receptores nicotínicos centrais, que são sete vezes mais permeáveis ao cál-cio que os da junção neuromuscular.6

Trato gastrintestinal

Os relaxantes neuromusculares podem ter ação inibitória sobre os receptores nicotínicos pós-sináp-ticos de acetilcolina localizados no plexo mioenté-rico. Essas drogas também atuam nos receptores muscarínicos pós-sinápticos tipo M3, localizados em células da musculatura lisa. Tais efeitos resultam em bloqueio da atividade gastrintestinal reflexa, com re-dução da peristalse. Não há ensaios clínicos, até o momento, que correlacionem o uso dessas drogas com o íleo paralítico pós-operatório.4

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

Outros efeitos adversos

Convulsões

A laudanosina é um potente estimulante cerebral e atravessa livremente a barreira hematoencefáli-ca íntegra. Em altas concentrações, tem sido citada como causa provável de convulsões.19 Sua concentra-ção plasmática é cinco a 10 vezes mais baixa após administração do cisatracúrio quando comparada ao uso de doses equipotentes de atracúrio. Pacientes com alterações de função renal ou hepática podem sofrer acúmulo importante desse metabólito.18

Dor à injeção

A incidência de movimentos de retirada dos membros com a administração de rocurônio é signi-ficativamente alta, podendo levar à perda do acesso venoso periférico. O possível mecanismo que explica esse evento é a liberação de mediadores locais que provocam dor. Lidocaína 10 a 30 mg e fentanil 2 mcg/kg 45 segundos antes da administração do rocurônio reduzem significativamente a incidência e intensida-de da dor e os movimentos espontâneos associados.18

Miopatia do doente crítico

Uma fração de pacientes em ventilação mecânica prolongada pode cursar com fraqueza muscular im-portante na recuperação do bloqueio neuromuscular. Tal condição é mais frequente quando um BNM ami-noesteroide é utilizado concomitante a corticotera-pias. As causas relacionadas à miopatia podem incluir imobilidade prolongada, distúrbios metabólicos e tera-pia com múltiplas drogas, o que torna improvável que esse evento adverso ocorra pelo uso de BNM isolado.20

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES

Diversas substâncias são capazes de interagir com relaxantes musculares, porém apenas algumas dessas interações são clinicamente relevantes. Esses efeitos se devem, principalmente, a alterações na

beta. A liberação de histamina após sua administra-ção é mínima.2

O rocurônio, em doses clínicas habituais, não pos-sui atividade vagolítica ou importante efeito liberador de histamina.2,3 Em doses maiores que 5DE95, foi re-latado aumento de 13% na frequência cardíaca.13,14 Na ausência de estímulo cirúrgico, foi evidenciado que o rocurônio associou-se a reduzidas necessidades de uti-lização de vasopressores e à atenuação da queda da pressão arterial média.15,16 Em outro estudo realizado em pacientes submetidos à revascularização miocárdi-ca, a administração de rocurônio foi associada a au-mentos no índice cardíaco e no índice de volume sistó-lico, sem alteração da frequência cardíaca.14

O vecurônio possui alta margem de segurança em relação aos seus efeitos autonômicos e liberação hista-minérgica. Estudos sobre vecurônio em cirurgia cardí-aca demonstram que não há alteração significativa na frequência cardíaca e na pressão arterial após sua ad-ministração.14 No entanto, a ausência de qualquer efei-to cronotrópico com o uso do vecurônio predispõe a bradicardias intensas, o que pode ser significativo em pacientes usuários de betabloqueadores e crianças.17

O mivacúrio tem sido reconhecido como agente indutor de taquicardia transitória e hipotensão com doses de 3DE95.2,3,17 Esse efeito torna-se ainda mais significativo se a droga for injetada em menos de 30 segundos. Na dose de 2DE95, o mivacúrio induz li-beração relativamente fraca de histamina, com míni-mas repercussões hemodinâmicas.3

O atracúrio e o cisatracúrio, em doses habituais, não possuem efeitos autonômicos relevantes.18 Seu metabólito primário laudanosina, gerado pela eli-minação de Hoffman, exerce forte ação liberadora de noradrenalina, podendo induzir taquicardia.3,4 O atracúrio pode causar hipotensão arterial impor-tante quando administrado em doses superiores a 2DE95.10 A intensidade desse efeito depende da dose e da velocidade de injeção.12 Em estudo comparando uso de atracúrio em doses de 0,5 mg/kg e 0,8 mg/kg, foi possível prevenir o aumento significativo da concentração plasmática de histamina com doses de 0,8 mg/kg de atracúrio injetando-se a droga durante 75 segundos.17 O cisatracúrio parece oferecer boa es-tabilidade cardiovascular mesmo em doses superio-res a 8DE95.12,18 Estudos sugerem que essa droga não causa aumento dos níveis plasmáticos de histamina, independentemente da dose. Além disso, a adminis-tração rápida parece não resultar em repercussões cardiovasculares significativas.3

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

BNMs adespolarizantes e succinilcolina

A administração de BNMs adespolarizantes após o uso de succinilcolina resulta em potencialização do blo-queio adespolarizante, uma vez que o relaxante despola-rizante bloqueia os receptores nicotínicos pré-sinápticos e leva à diminuição da mobilização e da liberação de acetilcolina na fenda. Ao contrário, o uso de um rela-xante despolarizante após um bloqueio adespolarizante resulta na necessidade de aumento da dose do primeiro. É o que ocorre no pré-tratamento com BNMs adespola-rizantes para diminuir fasciculações decorrentes do uso da succinilcolina. Essas drogas interagem de forma com-petitiva, logo, recomenda-se o aumento da dose da suc-cinilcolina para 1,5 mg/kg nessas situações.21, 22

Uso simultâneo de BNMs adespolarizantes

O uso simultâneo de BNMs adespolarizantes da mesma classe tende a promover interação aditiva, en-quanto BNMs de diferentes classes interagem de for-ma sinérgica por afinidades distintas aos receptores pré e pós-sinápticos de acetilcolina.21,23-25 A duração do efeito clínico resultante do uso de BNMs diferen-tes depende da sequência de administração, pois a maioria dos receptores de acetilcolina permanece ligada à primeira droga injetada, predominando suas características no bloqueio.24 Doses priming utiliza-das para acelerar o início de ação dos BNMs são tão baixas que a interação sinérgica ou aditiva entre as drogas parece tornar-se pouco significativa.25

BNMs adespolarizantes e outras drogas

Antiepilépticos

O uso crônico de antiepilépticos promove resis-tência aos BNMs por meio de mecanismos de indução enzimática e alteração na expressão de receptores, di-

magnitude do bloqueio, no seu início de ação, dura-ção clínica e tempo de recuperação21 (Tabelas 1, 2).

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES ADESPOLARIZANTES

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES ADESPOLARIZANTES E OUTRAS DROGAS

Tabela 1 - Bloqueadores neuromusculares adespo-larizantes

Após o uso de succinilcolina Potencialização do bloqueio adespolarizante

Antes do uso de succinilcolina (pré-tratamento de fasciculações)

Resistência ao bloqueio, necessidade de ↑ dose da

succinilcolina

Associação entre BNMs adespolarizantes

Duração depende do primeiro BNM injetado

Tabela 2 - Bloqueadores neuromusculares adespo-larizantes e outras drogas

Antiepilépticos (ácido valproico, fenitoína, carbamazepina)

Uso crônico: resistência ao bloqueio neuromuscular

Uso agudo: potencialização do bloqueio

Antibióticos (aminoglicosídeos, lincosamidas, polimixinas, tetraciclinas)

Potencialização e prolongamento do bloqueio

Anestésicos inalatórios Potencialização e prolongamento do bloqueio

Agentes hipnóticos Potencialização do bloqueio (controverso)

Anestésicos locais Potencialização e prolongamento do bloqueio

Opioides (morfina) e naloxona Possível potencialização do bloqueio

Alfa-2-agonistas Possível potencialização do bloqueio

Etanol Resistência ao bloqueio

Tabagismo Possível resistência ao bloqueio

Antieméticos (exceto ondansentrona) Prolongamento do bloqueio

Anticolinesterásicos (ecotiofato, ciclofosfamida, tacrina, fenelzina)

Prolongamento do bloqueio do mivacúrio e succinilcolina

Lítio Discreto prolongamento do bloqueio

Furosemida Resistência ao bloqueio. Possível potencialização no uso agudo.

Antiarrítmicos Potencialização do bloqueio

Magnésio Potencialização e prolongamento do bloqueio

Bicarbonato de sódio Potencialização e prolongamento do bloqueio

Corticosteroides Resistência ao bloqueio

Continua...

... continuação

Tabela 2 - Bloqueadores neuromusculares adespo-larizantes e outras drogas

Bloqueadores dos canais de cálcio

Possível potencialização do bloqueio

Betabloqueadores Possível resistência ao bloqueio

Fenotiazinas Potencialização do bloqueio

Inibidores da fosfodiesterase Resistência ao bloqueio

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

musculares.35 O propofol apresenta curto efeito de arreflexia flácida e aumenta a potência de alguns BNMs de maneira dose-dependente. Estudos recen-tes indicam que anestesia profunda com propofol induz paralisia de cordas vocais e permite a inser-ção do tubo orotraqueal sem necessidade da utili-zação de BNM.36 Parece haver efeito aditivo entre propofol e rocurônio em situações de intubação em sequência rápida.21

Anestésicos locais

Os anestésicos locais são capazes de produzir bloqueio neuromuscular isoladamente ou potencia-lizar os relaxantes neuromusculares como resultado de seu efeito nos canais de sódio voltagem-depen-dentes.37,38 Lidocaína e procaína podem produzir fa-diga na ausência de bloqueadores neuromusculares, mesmo em baixas doses.21 A procaína inibe a colines-terase plasmática.33

Opioides

Foi demonstrado que a morfina deprime a con-tração muscular e a facilitação pós-tetânica e que esses efeitos são parcialmente antagonizados pela naloxona. Essa droga, isoladamente, também pode apresentar efeito similar ao da morfina na junção neuromuscular.39 A ação dessas substâncias pode ser explicada pela diminuição da liberação de ace-tilcolina.33 Há poucos estudos sobre a interação dos BNMs com os demais opioides utilizados na prática anestésica.40

Alfa-2 agonistas

O efeito dos alfa-2 agonistas sobre o bloqueio neu-romuscular é controverso e não foi extensivamente estudado até o momento.41 Foi demonstrado que a dexmedetomidina altera significativamente o tempo do bloqueio induzido pelo vecurônio.40 Em apenas um estudo foi verificado o potencial da clonidina de, por via oral, aumentar o relaxamento induzido pelo vecurônio.42 Em concentrações maiores que as utilizadas na prática clínica, a dexmedetomidina e a clonidina podem potencializar o relaxamento indu-zido pelo rocurônio.41

minuindo a afinidade dessas estruturas pelos bloquea-dores.26,27 O uso agudo, por outro lado, pode aumentar o nível do bloqueio devido à inibição pré-sináptica da liberação de acetilcolina na fenda.28 Drogas que inde-pendem do metabolismo hepático, como o atracúrio e o mivacúrio, parecem não ter sua farmacocinética alterada pelo uso crônico de anticonvulsivantes.27, 29

Antibióticos

A maioria dos antibióticos deprime a condução neuromuscular.30 Os aminoglicosídeos, em doses clí-nicas, potencializam e prolongam o relaxamento neu-romuscular adespolarizante. Bloqueiam canais de só-dio voltagem-dependentes no nervo motor e possuem efeito pré e pós-sináptico nos canais nicotínicos.21 O bloqueio decorrente dessa interação é parcialmente revertido pela neostigmina ou cálcio. O efeito das lin-cosamidas advém de seu bloqueio pós-sináptico no canal nicotínico aberto. A clindamicina é mais potente do que a lincomicina nessa ação. Seu bloqueio não é revertido por cálcio ou neostigmina.31 A polimixina B induz bloqueio neuromuscular pós-sináptico adespo-larizante-símile.32 Esse bloqueio parece ser reversível com a administração de cálcio. Penicilinas têm pouca interação com bloqueadores neuromusculares.21

Anestésicos inalatórios

Os anestésicos inalatórios potencializam e pro-longam o bloqueio neuromuscular.21,33 Os possíveis mecanismos envolvidos são o aumento do fluxo sanguíneo muscular, que facilita a chegada dos blo-queadores na junção, a diminuição na liberação de acetilcolina no terminal nervoso e ação na membra-na pós-sináptica. De todos os anestésicos inalatórios, foi demonstrado que o xenônio é o único que não influencia o tempo de início de ação, duração e recu-peração do bloqueio neuromuscular.34 O uso de BNM reduz a CAM da maioria dos anestésicos voláteis. Ex-ceção a essa regra é o atracúrio, que pode aumentar a CAM devido ao acúmulo de laudanosina.21

Agentes hipnóticos venosos

Existem controvérsias a respeito da interação dos agentes venosos com os bloqueadores neuro-

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

Lítio

Produz bloqueio neuromuscular semelhante ao sulfato de magnésio. Em altas concentrações, depri-me a síntese e liberação de acetilcolina. Contudo, em doses clínicas habituais, gera apenas modesto pro-longamento do bloqueio adespolarizante.21

Furosemida

A furosemida acelera a recuperação do bloqueio neuromuscular pelo aumento do clearance renal e por estimular a atividade do AMP cíclico associado à produção e à liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Entretanto, na administração aguda de altas doses, o desbalanço da concentração de po-tássio intra e extracelular pode induzir sensibilidade aos BNMs adespolarizantes.21

Antiarrítmicos

Procainamida e quinidina causam potencializa-ção clinicamente significativa no efeito de relaxantes adespolarizantes, principalmente por sua atividade bloqueadora do receptor de acetilcolina. A quinidina também causa depressão da liberação de acetilcoli-na, provocando sintomas miastenia-símiles.21

Magnésio

O principal efeito do magnésio na junção neuro-muscular é a redução dose-dependente da liberação de acetilcolina no terminal nervoso motor devido à competição com o cálcio na membrana pré-sináptica e no sarcolema do músculo.47,48 Ocorre também di-minuição do potencial de ação da acetilcolina e de-pressão da excitabilidade da membrana da fibra mus-cular.49 Rocurônio e mivacúrio são os relaxantes que apresentam maior prolongamento do bloqueio quan-do administrados em associação com o magnésio.48

Bicarbonato de sódio

Associação de bicarbonato de sódio com o ro-curônio implica menos dor à injeção, início mais rá-

Etanol

O etanol estimula a liberação de acetilcolina, pro-longa o tempo de abertura dos canais nicotínicos e aumenta a resistência desses aos BNMs adespolari-zantes. Desse modo, pode afetar a dose necessária para produzir relaxamento muscular adequado.43

Tabaco

Estudos demonstram resultados conflitantes so-bre os efeitos do cigarro na ação dos bloqueadores neuromusculares. Alguns estudos indicam que ta-bagistas tendem a necessitar de altas doses de ve-curônio, devido a estímulos na junção neuromuscu-lar e ao aumento na biotransformação do vecurônio decorrente de propriedades indutoras enzimáticas da nicotina.44

Antieméticos

O droperidol tem sido implicado como causa de bloqueio neuromuscular prolongado quando em associação com BNMs adespolarizantes, de-vido a ações pré e pós-sinápticas. A metoclopra-mida inibe a colinesterase plasmática e pode pro-longar o bloqueio por succinilcolina e mivacúrio. Não há interação significativa entre ondansentro-na e BNM.45,46

Drogas com atividade anticolinesterásica

Iodeto de ecotiofato – colírio utilizado para tra-tamento de glaucoma – tem sido implicado como droga capaz de produzir inibição prolongada da colinesterase plasmática. A tacrina, um anticoli-nesterásico de longa ação, tem sido utilizado para tratamento da doença de Alzheimer e pode pro-longar o efeito da succinilcolina. A ciclofosfamida bloqueia a colinesterase plasmática de maneira irreversível, podendo sua atividade permanecer reduzida em torno de 70% por várias semanas. A fe-nelzina, inibidora da monoamina oxidase, tem sido reconhecida por seu efeito de reduzir os níveis da colinesterase plasmática a 10% do normal após um mês de tratamento.21

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE AOS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES

Os bloqueadores neuromusculares são responsá-veis por 50 a 70% dos casos de anafilaxia em Aneste-siologia, dos quais 15 a 50% ocorrem na ausência de qualquer exposição prévia.12,55 Reações de hipersen-sibilidade aos BNMs têm sido reportadas na literatu-ra desde 1950 e, com a introdução dos novos BNMs, houve aumento do número de casos.3 São usualmen-te mediadas por IgE, sendo o amônio quaternário o maior epítopo alergênico. Existe risco de sensibili-zação cruzada devido a esse epítopo, que chega a ser em torno de 63,4% entre um ou mais BNMs em pacientes sensibilizados previamente.56,57 Qualquer paciente que sofre reação de hipersensibilidade du-rante uma anestesia deve investigar para confirmar eventual reação alérgica IgE-dependente.58

REAÇÕES ADVERSAS RELACIONADAS AO USO DA SUCCINILCOLINA

A estrutura da succinilcolina consiste na união de duas moléculas similares à acetilcolina. Atua a partir da despolarização da junção neuromuscular, manten-do o receptor inativo até que se difunda para o plasma e seja decomposta pela pseudocolinesterase, processo que ocorre em quatro a cinco minutos. Pacientes com gene anormal para colinesterase podem apresentar paralisia prolongada após dose de succinilcolina, com duração de bloqueio, nas variantes homozigóticas graves, acima de 4h.59,60 Seu mecanismo de ação é res-ponsável pelos efeitos adversos associados ao seu uso, que incluem: mialgias, fasciculações, hipercalemia, hipertermia maligna, arritmias, além do aumento das pressões intragástrica, intraocular e intracraniana.61

Mialgias e fasciculações são eventos adversos fre-quentes, não ameaçadores à vida, mas que podem gerar desconforto duradouro em diversos pacientes. Metanálise conduzida por Schreiber et al.62, verificou que até 50% dos pacientes cursam com mialgia nas primeiras 48h após administração de succinilcolina e até um terço destes irá experimentar dor após 72h do procedimento com duração de uma semana. O mecanismo das fasciculações consiste na ativação de receptores nicotínicos pré-sinápticos. Por outro lado, a

pido de ação, mais potência e duração do bloqueio. Tal fato pode ser explicado pela elevação do pH, que aumenta a fração não ionizada do rocurônio.50

Corticosteroides

Tem sido reportada associação ocasional de resistência à ação dos BNMs adespolarizantes em pacientes recebendo corticoterapia. Os corticoides podem melhorar o transporte de colina e aumentar a disponibilidade de acetilcolina. Esses efeitos po-dem ser clinicamente importantes com uso de altas doses a longo prazo.21

Betabloqueadores e bloqueadores canal de cálcio

Há relatos ocasionais de resistência a BNMs adespolarizantes em pacientes recebendo atenolol e propranolol. Os bloqueadores dos canais de cál-cio, em altas doses, têm potencial de induzir sinto-mas miastenia-símile. O verapamil pode dificultar o antagonismo do bloqueio adespolarizante.51 Toda-via, na prática clínica, a interação entre essas dro-gas e os BNMs não é clinicamente significativa.21

Fenotiazinas

Fenotiazinas (clorpromazina, promazina) em altas doses diminuem a formação de acetilcolina, produzindo sintomas miastenia-símiles, e aumen-tam a sensibilidade aos relaxantes musculares adespolarizantes.21

Inibidores da fosfodiesterase

Os inibidores da fosfodiesterase III aumentam a força de contração e melhoram a transmissão neu-romuscular. A milrinona torna a junção neuromus-cular mais sensível à ação da acetilcolina, atrasa o início do bloqueio e acelera a recuperação.52 A teofilina, inibidor não seletivo da fosfodiesterase, antagoniza o efeito dos BNMs de modo semelhante à milrinona.53,54

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

ADVERSIDADES DA REVERSÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

Desde sua introdução, relaciona-se o BNM ao au-mento da mortalidade em anestesia geral, por com-plicações respiratórias associadas à paralisia residu-al, que é definida por uma relação no TOFde T4/T1 < 0,9. A estratégia de administrar anticolinesterásicos ao final dos procedimentos reduziu de 62% para 3% esse tipo de complicação. Para evitar efeitos musca-rínicos, como bradicardia e hipotensão, é utilizado concomitantemente um antagonista muscarínico, como a atropina e o glicopirrolato. Tal associação, porém, expõe o paciente ao risco de taquicardia, xe-rostomia e visão turva.74

A neostigmina é limitada para reversão do blo-queio neuromuscular. Possui efeito-teto com dose máxima recomendada de 0,07 mg/kg. Sua capacida-de de reverter o bloqueio depende do início de recu-peração espontânea. Estima-se que o tempo médio de recuperação após duas respostas no TOF é de 18,5min, porém esse tempo é de grande variabilida-de individual.74 Estudos demonstram que apenas 16% dos pacientes entre três e quatro respostas no TOF alcançam relação T4/T1 >0,9 em 10 minutos.75

Efeitos cardiovasculares

A administração de anticolinesterásicos é seguida por pronunciados efeitos vagais como bradiarritmias – bradicardia sinusal, ritmos juncionais, extrassísto-les ventriculares, bloqueio atrioventricular total –, podendo levar à assistolia. A gênese desses ritmos relaciona-se ao início de ação dos anticolinesterá-sicos, sendo mais rápido com o edrofônio, seguido por neostigmina e, mais lentamente, piridostigmina. Atropina e glicopirrolato contrabalanceiam os efeitos cardíacos, porém a taquicardia resultante pode ser indesejável em cardiopatas.10

Efeitos respiratórios

Anticolinesterásicos agem sob receptores mus-carínicos da musculatura lisa das vias aéreas, pro-vocando broncoconstrição, que é inibida pela atropina. Todavia, há relatos de broncoespasmo em pacientes asmáticos, principalmente na doen-

origem da mialgia é multifatorial e sua correlação com a fasciculação não é direta.63 Administração de 10% da DE95 de BNM adespolarizantes 2-3 minutos antes do uso da succinilcolina demonstrou reduzir fascicula-ções e a gravidade da mialgia, sendo que o rocurônio e o pancurônio foram os mais eficazes, com NNT de seis e três, respectivamente.62,64,65 Já o pré-tratamento com anti-inflamatório não esteroidal, lidocaína, gaba-pentina e pregabalina foram capazes de reduzir signifi-cativamente a mialgia em ensaios recentes.63

Durante a instalação do bloqueio despolarizante, há aumento de 0.5 a 1 mEq/L da concentração plasmá-tica de potássio com pico em três a quatro minutos. Em situações de denervação ou imobilização prolongada, a proliferação de receptores extrajuncionais do tipo α7 promove efluxo acentuado de potássio, que pode atingir níveis séricos imprevisíveis e ameaçadores à vida.66,67 A proliferação de receptores extrajuncionais inicia 6 a 12h da imobilização ou denervação, porém se torna clinicamente relevante após 48 a 72h. Disfunção muscular e hipercalemia foram verificadas após oito se-manas de recuperação de acidentes vasculares encefá-licos e um a dois anos após queimaduras graves. Logo, é recomendado evitar succinilcolina nesses pacientes. Esse efeito não é atenuado pela pré-curarização.67

A incidência de hipertermia maligna induzida por succinilcolina e anestésico inalatório pode chegar a um em 62.000 casos, porém hoje a mortalidade é inferior a 10% pela introdução do dantrolene.10 Arrit-mias graves podem ocorrer após doses altas ou sub-sequentes de succinilcolina. Seu efeito em receptores muscarínicos parece ser o responsável por bradiar-ritmias, todavia, taquiarritimias que podem ocorrer ocasionalmente ainda não possuem o mecanismo elucidado.68,69 O uso de atropina para prevenção de bradicardia ainda é controverso.70 A succinilcolina pode provocar aumento na pressão intraocular em 10 mmHg pelo período de 10min. Associada à larin-goscopia, esse aumento pode exceder 20 mmHg o que, na lesão ocular aberta, pode levar à expulsão dos conteúdos do globo ocular. Estudos demonstram que indução com plano anestésico adequado, pré--curarização e uso de adjuvantes como alfa-2 agonis-tas pode permitir o uso do bloqueio despolarizante em traumas oculares com certa segurança.71,72 Pode ocorrer também aumento da pressão intracraniana e da pressão intragástrica, sem relevância clínica veri-ficada por estudos até o momento. Essas complica-ções podem ser prevenidas com o uso prévio de um bloqueador adespolarizante.73

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Adversidades do bloqueio e da reversão neuromuscular

Supõe-se que o sugammadex, ao encapsular o rocurô-nio (alérgeno), seria relevante em reações graves, mas estudos falharam em demonstrar tal eficácia. Sua pró-pria molécula tem sido reconhecida como causadora de reações anafiláticas principalmente em doses altas.86

Efeitos em pacientes pediátricos são incertos e seu uso foi aprovado apenas para crianças maiores de dois anos. Em idosos, o tempo de recuperação está pouco aumentado, porém com a mesma eficácia. Obesos necessitam de doses mais altas de sugamma-dex, adicionando-se 40% a mais ao cálculo do peso ideal.80 O bloqueio neuromuscular pode persistir com uso de doses inadequadas e ausência de avaliação do efeito com monitorização do TOF ratio. Revisão siste-mática recente demonstrou que o sugammadex redu-ziu os efeitos colaterais relacionados ao uso de antico-linesterásicos, mas concluiu não haver evidências até o momento de que esse seja superior à neostigmina em reduzir eventos respiratórios críticos.78

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Efeitos no trato gastrintestinal

O uso intravenoso de anticolinesterásicos associa-dos a antagonistas muscarínicos não parece elevar o risco de NVPO, segundo revisão sistemática recente.78 Não há qualquer evidência, até o momento, de que neostigmina comprometa anastomoses intestinais.79

Sugammadex: seu uso reduz efeitos adversos?

O sugammadex é uma gamaciclodextrina formu-lada para encapsular a molécula do rocurônio e de outros aminoesteroides, como o vecurônio. No plas-ma, ele se liga ao rocurônio e diminui rapidamente sua concentração. Esse gradiente é responsável pelo deslocamento do aminoesteroide do tecido para o sangue e o complexo sugamadex-rocurônio será fil-trado pelo glomérulo e eliminado pelos rins. Em si-tuações de doença renal, a reversão do bloqueio se processa mais lentamente e o complexo permanece por mais tempo circulando, porém não há evidências de recurarização Ainda não há estudos que garan-tam a segurança do uso nessa população.74,80-82

Experimentos demonstraram associação entre altas doses de sugammadex e prolongamento do tempo de tromboplastina parcial ativado (PTTa) e tempo de protrombina (TP), possivelmente por ação da droga na formação e ativação do fator Xa. Ensaios clínicos demonstraram aumento do PTTa e TP em pacientes que utilizaram sugammadex, todavia, esse aumento não aparenta relevância clínica no sangra-mento pós-operatório.83 Na dose habitual de 4 mg/kg, verificou-se que não interfere na agregação plaquetá-ria mesmo em pacientes em uso de aspirina.84

Bloqueadores neuromusculares são a maior causa de anafilaxia entre o arsenal anestésico, sendo o ro-curônio o mais importante entre os adespolarizantes.85

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Felício Rocho

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Marcos Vinícius Pimentel Cardoso

E-mail: [email protected]

1 Médico em Especialização do Centro de Ensino e Treina-mento – CET/Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA

do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médica Anestesiologista. Hospital Felício Rocho.

Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médica Anestesiologista. Título Superior em Aneste-siologia – TSA/SBA. Corresponsável pelo CET-SBA do

Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

O uso seguro de bloqueadores neuromusculares requer monitorização. Por muito tempo, esta era baseada em critérios clínicos, pouco eficazes na detecção de bloqueio residual. A medida da função neuromuscular em resposta ao estímulo elétrico de um nervo motor é, hoje em dia, o método mais eficaz. Diferentes músculos podem ser usados com essa finalidade, por sensibilidades variáveis à ação dos bloqueadores. A monitorização auxilia o anestesiologista na indução, manutenção e recuperação do procedimento anestésico-cirúrgico. Assim, o conhecimento dos equipamentos e dos diferentes padrões de estímulo é fundamental na prática anestésica, de modo a garantir precisão e segurança no uso dos bloqueadores neuromusculares.

Palavras-chave: Bloqueio Neuromuscular; Bloqueadores Neuromusculares; Monitora-ção Neuromuscular; Anestesia.

ABSTRACT

The safe use of neuromuscular blocking agents requires monitoring. For a long time, this was based on clinical criteria, ineffective in the residual block detection. The measure-ment of neuromuscular function in response to electrical stimulation of a motor nerve is, nowadays, the most effective method. Different muscles can be used for this purpose, by varying sensitivities to the action of blockers. Monitoring assists the anesthesiologist in the induction, maintenance and recovery of the anesthetic-surgical procedure. Thus, knowledge of the equipment and the different stimulus patterns is essential in anesthesia to ensure accuracy and safety in the use of neuromuscular blockers.

Key words: Neuromuscular Blockade; Neuromuscular Blocking Agents;Neuromuscular Monitoring; Anesthesia.

INTRODUÇÃO

O bloqueio neuromuscular é desejável durante o ato anestésico-cirúrgico para facilitar a intubação traqueal e possibilitar exposição e manejo cirúrgico adequado. No entanto, seu uso seguro requer vigilância da resposta motora. Essa monitoriza-ção foi realizada por muito tempo a partir exclusivamente de critérios clínicos, como tônus muscular, volume corrente, pressão inspiratória máxima, capacidade de sus-tentar a cabeça e abrir os olhos. Entretanto, esses parâmetros são pouco eficazes na detecção de bloqueio residual, necessitam de comparação com os parâmetros apresentados pelo paciente no pré-operatório e sofrem influência de outras drogas utilizadas no intraoperatório.1-3 A medida da força de contração de um músculo peri-

Bases of neuromuscular monitoring

Marcos Vinícius Pimentel Cardoso1, Maíla Aparecida Vinhal Andrade1, Joana Angélica Vaz de Melo1, William Costa Rocha1, Flávia Aparecida Resende2, Aline Viana Carvalho Amorim3

Bases da monitorização neuromuscular

DOI: 10.5935/2238-3182.20160006

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Bases da monitorização neuromuscular

antes de fixar os eletrodos, devem-se remover os pe-los do local de fixacão e friccionar a pele com gaze e álcool para diminuir a resistência à corrente elétrica. Tem-se, por convenção, que o cátodo, eletrodo negati-vo, usualmente de cor mais escura, deve ser colocado sobre o nervo que se deseja estimular e é denominado “eletrodo ativo”. O ânodo, eletrodo positivo, da cor ver-melha, denominado “eletrodo indiferente”, é colocado proximal ao cátodo, distando 2 a 5 cm deste.3-5

SÍTIOS DE ESTÍMULO

Os músculos não respondem de forma uniforme aos BNMs. Embora qualquer nervo motor possa ser estimulado, dá-se preferência àqueles cuja disposi-ção anatômica seja superficial à pele e cuja resposta seja fácil de ser mensurada. A melhor opção é esco-lher um local de monitorização que tenha resposta similar à do músculo de interesse.

Músculo adutor do polegar

É inervado pelo nervo ulnar, que se torna superfi-cial na área do punho onde se posiciona o eletrodo ne-gativo. O eletrodo positivo é colocado apenas alguns centímetros proximalmente. A força de contração desse músculo tornou-se padrão na monitorização do bloqueio neuromuscular. A recuperação dos mús-culos das vias aéreas superiores e do músculo adutor do polegar ocorre quase que simultaneamente, logo, o bloqueio residual verificado neste sítio aumenta a pos-sibilidade de obstrução das vias aéreas superiores.6

O músculo adutor do polegar também pode ser estimulado posicionando-se eletrodos diretamente sobre ele, no espaço que se encontra entre as bases do primeiro e segundo metacarpos, nas faces palmar e dorsal da mão, respectivamente. A corrente para se obter estimulação direta com os eletrodos nessas posições é bem maior do que a estimulação nervosa.

A estimulação do nervo ulnar também provoca flexão e abduçao do quinto dedo, que geralmente se recupera antes do adutor do polegar. A discrepância na primeira contração tem sido em torno de 15 a 20%. Baseando-se na resposta do quinto dedo, a recupera-ção do bloqueio pode ser superestimada. Abdução do dedo indicador também pode ocorrer pela esti-mulaçao do nervo ulnar, com sensibilidade compará-vel à do músculo adutor do polegar.7

férico, em resposta ao estímulo elétrico do seu nervo motor correspondente, é o método mais eficaz para avaliar a função neuromuscular. Vários fatores podem interferir nessa medida, como o estado contrátil do músculo, o estado funcional da junção neuromuscu-lar, local da estimulacão, as características do estimu-lador e do estímulo elétrico. Conhecer essas variáveis torna-se fundamental na prática anestésica de modo a garantir precisão na monitorização e segurança no uso dos bloqueadores neuromusculares (BNM).

MONITORIZAÇÃO CLÍNICA DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

A avaliação do grau de bloqueio neuromuscular dá-se, tradicionalmente, por critérios clínicos, como a capacidade de levantar e sustentar a cabeça, ele-var as pernas e dar um aperto de mão por cinco se-gundos. Parâmetros como volume corrente normal, capacidade vital acima de 15-20 mL/kg e força inspi-ratória negativa que exceda -25 cmH

2O também são utilizados como critérios de reversão. Estes testes, contudo, não são sensíveis para avaliação do blo-queio residual. Ensaios clínicos evidenciaram que testes subjetivos podem ser executados por pacien-tes, mesmo diante de graus significativos de bloqueio residual, como TOF de 0,5, o que não garante segu-rança ao ato anestésico.4

A ESTIMULAÇÃO NERVOSA E O EQUIPAMENTO

A resposta neural ao estímulo elétrico depende, fundamentalmente, da corrente elétrica aplicada, de sua duração e do posicionamento dos eletrodos, que estabelecem a conexão entre o estimulador de nervo periférico e o paciente.

Os estimuladores de nervo periférico devem for-necer uma corrente máxima de 60 a 80 mA.5 A dura-ção da corrente emitida deve ser longa o suficiente para despolarizar todos os axônios, mas não a ponto de exceder o período refratário do nervo. Na prática, a duração do pulso de 0,1 a 0,2ms é aceitável.5

A maioria dos estimuladores é desenvolvida de for-ma a fornecer uma corrente constante, o que é preju-dicado quando há elevada impedância. Dessa forma,

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Bases da monitorização neuromuscular

■ mecanografia: nesta técnica, um transdutor de força é utilizado para converter a força da con-tração muscular isométrica em estímulo elétri-co. A amplitude do sinal é proporcional à força de contração. Há necessidade de se aplicar uma pré-carga de 200-300 gramas para recrutamento de todas as fibras musculares. Em função do pre-ço, tamanho do equipamento e montagem mais elaborada, não é utilizado rotineiramente, sendo mais útil em pesquisas clínicas, sendo considera-do o padrão-ouro por muitos especialistas.5,11

■ eletromiografia: é a técnica mais antiga para avaliação do bloqueio neuromuscular. Baseia-se no fato de a força de contração muscular ser pro-porcional ao potencial de ação gerado, de modo que o equipamento registra a atividade elétrica do músculo estimulado. Teoricamente, pode ser uti-lizada não apenas nos polegares, mas em outros locais de interesse, como o diafragma e a laringe. Na prática, os sítios mais utilizados são a eminên-cia hipotenar, o primeiro interósseo dorsal e o adutor do polegar, todos supridos pelo nervo ul-nar. Foi utilizada primariamente em pesquisas.5-7

PADRÕES DE ESTIMULAÇÃO

O bloqueio neuromuscular pode ser monitorizado com diferentes formas de eletroestimulação. Todos os tipos de estímulo são realizados com corrente de in-tensidade supramáxima e pulsos de ondas quadradas com duração de até 0,3ms. O que os difere é a frequ-ência de estimulação, que corresponde ao número de pulsos administrados por segundo, sendo a unidade de medida o Hertz (Hz). Uma frequência de 1 Hz cor-responde a um pulso a cada segundo. Por sua vez, 0,1 Hz equivale a um pulso a cada 10 segundos.

■ estímulo simples: o nervo periférico é submeti-do a um estímulo simples supramáximo com fre-quência de 0,1-1 Hz. Frequência de estimulação acima de 0,15 Hz já pode resultar em diminuição da resposta da contração muscular devido à fadi-ga.5-7 É útil na elaboração de curvas de dose-res-posta e na avaliação do início de ação dos BNM. Sem equipamentos de monitorização adequados, como aceleromiografia ou eletromiografia, a téc-nica não produz informações confiáveis sobre bloqueio neuromuscular residual, uma vez que sua resposta necessita de comparação com um estímulo prévio ao uso do BNM.

Músculos do olho

O músculo orbicular dos olhos cobre a pálpebra e sua resposta aos BNMs é semelhante à do músculo adutor do polegar. O músculo que movimenta a so-brancelha, o corrugador do supercílio, tem respos-ta comparada à do músculo adutor da laringe, com início e recuperaçao mais rápidos do que o músculo adutor do polegar. Ambos podem ser avaliados a par-tir da estimulação do nervo facial, de acordo com o posicionamento dos eletrodos.8

Músculos do pé

O nervo tibial posterior pode ser estimulado atrás do maléolo medial e produz flexão do primeiro dedo pela contraçao do músculo flexor do hálux. A recu-peração do bloqueio neuromuscular neste sítio não difere significativamente daquela do músculo adutor do polegar. A estimulação do nervo fibular comum produz dorsiflexão do pé, mas sua sensibilidade ain-da não foi comparada.9

MÉTODOS DE MONITORIZAÇÃO

Na prática clínica, o uso de estimuladores de nervo periférico simples fornece uma avaliação da resposta muscular a partir do método visual ou tátil. Esses são métodos qualitativos e subjetivos, com baixo grau de confiabilidade para detectar o bloqueio neuromuscu-lar residual, não sendo capaz de diferenciar, por exem-plo, TOF de 0,7 e de 1,0. Os métodos quantitativos e objetivos são recomendados, sendo os mais utilizados a aceleromiografia, mecanografia e eletromiografia.8

■ aceleromiografia: seu princípio é baseado na se-gunda lei de Newton, segundo a qual força é igual à massa vezes a aceleração. Sendo a massa cons-tante, o valor da força é proporcional à acelera-ção. Um transdutor de aceleração (piezoelétrico) é acoplado à extremidade distal da musculatura estimulada, mais comumente o músculo adutor do polegar. A movimentação muscular produz uma voltagem no transdutor, que é proporcional à ace-leração. Para evitar erros de leitura, o antebraço, bem como a mão do paciente, deve se manter fixo durante a cirurgia, com o polegar livre para reali-zar seu movimento de adução. Atualmente, é o mé-todo mais difundido para uso na prática clínica.10

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Bases da monitorização neuromuscular

dois minutos. Baurain et al.13 verificaram que a au-sência de fadiga após um estímulo tetânico de 100 Hz por cinco segundos corresponde a um TOF 0,85.5-7,11 Entretanto, estudos demonstraram que a sensibilidade da estimulação tetânica para a de-tecção de bloqueio residual é próxima de 70% e sua especificidade em torno de 50%.12

■ contagem pós-tetânica (CPT): é utilizada para avaliar a profundidade do bloqueio neuromuscu-lar, quando ainda não há resposta tátil ou visual no TOF. Faz uso do fenômeno de FPT para sua de-terminação. Para a CPT, é realizado um estímulo tetânico de 50 Hz durante cinco segundos, segui-do por estímulos supramáximos simples de 1 Hz após intervalo de três segundos.14 O resultado é o número de respostas a esses estímulos simples se-quenciais, o qual deve ser zero em caso de um blo-queio neuromuscular muito profundo (Figura 3). A detecção de cinco a sete respostas pode indicar que o retorno da resposta ao TOF está próximo.3,5

■ double-burst (DBS): a técnica foi introduzida em 1984 por Engbaek et al.15 e permite melhor avaliação tátil ou visual de bloqueio neuromus-cular residual. O DBL ou “estimulação com du-pla salva” consiste na aplicação de dois ou três estímulos tetânicos de 50 Hz, espaçados entre si por 750 milissegundos (Figura 4).3,5 Na ausência de diminuição gradual da contração muscular, há 90% de chance de TOF > 0,6. Já a redução na resposta muscular do segundo impulso, com-parado ao primeiro, corresponde a um TOF<0,6. Deve-se aguardar 12 a 15 segundos entre duas estimulações DBS.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

A condição ideal para intubação depende do esta-do de relaxamento dos músculos das vias áreas e da respiração. Os músculos adutores da laringe e o dia-fragma são os mais resistentes aos bloqueadores ades-polarizantes. Como resultado dos diferentes níveis de sensibilidade dos músculos e tempo de início de ação dos BNMs, o bloqueio da musculatura da laringe e da mão, após um bolus do BNM, pode ocorrer de formas distintas. A estimulação do nervo facial, com inspe-ção da resposta da sobrancelha, é o mais indicado para predizer condições de intubação, uma vez que a sensibilidade do músculo corrugador do supercílio é comparável à da musculatura laríngea.6-8,16

■ sequência de quatro estímulos (TOF – Train of Four): o padrão de estimulação consiste na aplicação de quatro estímulos em uma frequên-cia de 2 Hz (quatro estímulos em dois segundos). Um intervalo de 10 segundos deve ser aguardado entre sucessivos TOFs, para evitar fadiga mus-cular durante as medidas.8 O bloqueio pode ser avaliado pelo número de respostas musculares e por meio da relação entre a amplitude da quarta e da primeira respostas da sequência (proporção T

4/T1). No bloqueio neuromuscular, é observado progressivo decréscimo na amplitude de respos-ta, proporcional à profundidade do relaxamento (Figura 1).3,5 Na ausência de bloqueio neuromus-cular, todas as quatro respostas são de igual am-plitude. A perda da quarta resposta corresponde a 75-80% do bloqueio do primeiro estímulo. O desaparecimento da terceira, segunda e primei-ra contrações corresponde ao bloqueio de cerca de 85%, 90% e 98-100%, respectivamente.5,6 Valor de T4/T1 > 0,7 sugere recuperação do bloqueio do diafragma. Porém, não é suficiente para prevenir aspiração do conteúdo gástrico. Valor de T

4/T1> 0,8 representa a capacidade do paciente em gerar 90% de seu volume corrente. A dificuldade de de-glutição desaparece apenas com T

4/T1> 0,9, sendo este o valor desejável na prática clínica, a fim de garantir recuperação ótima e, portanto, mais se-gurança ao paciente.12

■ estimulação tetânica: corresponde à estimu-lação de alta frequência (50-100 Hz), mantida durante período de cinco segundos. A resposta muscular é percebida como contração única e sustentada durante a ausência de bloqueio.10 Em caso de bloqueio neuromuscular residual, é ob-servada diminuição gradativa da resposta neuro-muscular durante a estimulação (Figura 2).3,5 Foi percebido que frequências acima de 100 Hz es-tavam associadas à fadiga das fibras musculares, mesmo sem uso de BNM. No bloqueio adespolari-zante, a estimulação tetânica pode resultar em au-mento da resposta neuromuscular após estímulo simples, pelo mecanismo de facilitação pós-tetâ-nica (FPT). A FPT ocorre em função da síntese de acetilcolina e da mobilização de vesículas para o terminal nervoso. Esse fenômeno perdura após interrupção do estímulo tetânico e desaparece após cerca de 60 segundos. Para evitar que o blo-queio seja superestimado, a estimulação tetânica não deve ser repetida em intervalos inferiores a

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O relaxamento cirúrgico adequado é obtido quando apenas uma ou duas respostas são mantidas no TOF ao se estimular o músculo adutor do pole-gar.4,8 Todavia, com esse parâmetro, o relaxamento pode ser insuficiente nos casos em que a completa imobilidade do paciente é necessária. Os movimen-tos diafragmáticos e tônus abdominal podem ocorrer nesse nível de bloqueio. A administração de maior quantidade de BNM para aumentar a profundida-de do bloqueio consegue abolir esses movimentos. O uso de opioides, o aumento na concentração de agentes inalatórios e a hiperventilação para redução do CO

2 são métodos que podem ser utilizados como adjuvantes. Deve ser levado em consideração que do-ses adicionais de BNM podem prolongar o tempo de recuperação do bloqueio.

Para avaliação da recuperação do bloqueio neu-romuscular, a ventilação espontânea não é um sinal adequado. É desejável que o completo retorno da fun-ção neuromuscular seja atingida ao final do procedi-mento cirúrgico, antes de ser realizada a extubação. Fraqueza significativa pode ocorrer com TOF<0,9, com risco aumentado de disfunção faríngea e bron-coaspiração.13 A monitorização pelo TOF orienta a dose dos agentes de reversão a serem usados. Agen-tes anticolinesterásicos são administrados com mais segurança quando os quatro estímulos retornam no TOF aferido no adutor do polegar, já que pode não haver reversão completa do bloqueio neuromuscular quando usados mais precocemente.6 A reversão com-pleta pode demorar, em média, 15 a 20 minutos. Em níveis mais profundos, o sugammadex seria melhor opção de reversão e sua dose deve ser adequada à profundidade do bloqueio.17

CONCLUSÃO

O manejo cuidadoso da função neuromuscular pode reduzir o risco de paralisia residual e suas com-plicações associadas. Estudos disponíveis sugerem que a prática clínica baseada em evidências no uso dos BNMs tende a melhorar o desfecho do pacien-te, encurtando o período de recuperação anestési-co-cirúrgico. O desenvolvimento de novas drogas representa um progresso promissor no campo da farmacologia neuromuscular, que poderá impactar com baixas taxas de bloqueio residual e redução da morbidade associada.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Madre TeresaBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Luciano Costa FerreiraE-mail: [email protected]

1 Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia--TSA da Sociedade Brasileira de Anestesiologia-SBA. Coordenador do Centro de Ensino e Treinamento (CET) do Hospital Madre Teresa. Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG). Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Anestesiologista. Título de Especialista em Anesteso-logia-TEA/SBA. Colaborador do CET do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico em Especialização em Anestesiosiologia-ME2 do CET do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

As reações alérgicas representam importante causa de complicações perioperatórias. Os anestesiologistas expõem os pacientes, rotineiramente, a uma gama de agentes que incluem drogas (anestésicos inalatórios, antibióticos, bloqueadores neuromusculares – BNM, opioides, sedativos, hipnóticos), polipeptídeos (protamina), produtos derivados do sangue e agentes ambientais (látex). Entre essas substâncias, os bloqueadores neuromus-culares respondem por mais de 50% das reações que envolvem a liberação de histamina, seja por reações dependentes de imunoglobulina do tipo E (IgE – reações anafiláticas) ou por histamino-liberação não específica (anteriormente denominada “reação anafilactoi-de”), que não envolve, em um primeiro momento, a participação de imunoglobulinas.

Palavras-chave: Hipersensibilidade; Bloqueadores Neuromusculares; Imunoglobuli-nas; Histamina.

ABSTRACT

Allergic reactions are a major cause of perioperative complications. Anesthesiologists routinely expose patients to a range of agents that include drugs (inhaled anesthetics, antibiotics, neuromuscular blocking agents, opioids, sedatives, hypnotics), polypeptides (protamine), blood products and environmental agents (latex). Among these substances, neuromuscular blocking agents account for over 50% of the reactions that involve the rele-ase of Histamine by Immunoglobulin type E dependent-reaction (IgE – Anaphylactic Reac-tions) or Non-Specific Histamine Release (formerly called “Anaphylactoid Reactions”) that does not involve, in a first moment, the participation of Immunoglobulins.

Key words: Hypersensitivity; Neuromuscular Blocking Agents; Immunoglobulins; Histamine.

INTRODUÇÃO: VISÃO GERAL DO SISTEMA IMUNE

O sistema imune protege o corpo contra invasores externos a partir do reconhe-cimento e remoção de substâncias estranhas (chamadas de antígenos). Nosso corpo também possui, em contrapartida, mecanismos para tolerar configurações molecula-res semelhantes pertencentes ao hospedeiro (“self-tolerance”). Os problemas surgem quando o sistema imune está funcionando de forma dissonante, como nos casos de autoimunidade, que podem gerar doenças graves (p.ex. artrite reumatoide e lúpus).1

Antígenos podem ser definidos como substâncias que se ligam especificamen-te a anticorpos ou receptores de antígenos nos linfócitos T. Os antígenos que se ligam aos anticorpos incluem grande variedade de moléculas, entre elas açúcares, lipídios, carboidratos, proteínas e ácidos nucleicos, ao contrário dos receptores de antígeno da célula T, que reconhecem somente antígenos peptídicos.2

Neuromuscular blocking agents and allergic response

Rodrigo de Lima e Sousa1, Luciano Costa Ferreira2, Guilherme Vieira Cunha3, Lucas Almeida Valente3

Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

DOI: 10.5935/2238-3182.20160007

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Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

Cada anticorpo possui ao menos duas cadeias pesadas e duas leves que são unidas por ligações bissulfídicas. Os fragmentos Fab (cadeias leves) têm a habilidade de se ligar aos antígenos enquan-to o fragmento Fc (cadeia pesada ou cristalizável) é responsável pelas características biológicas úni-cas de cada classe de imunoglobulinas (ligação a células e ativação do complemento).1 Os anticor-pos funcionam, assim, como moléculas recepto-ras específicas para as células imunes e proteínas.

A resposta imune envolve a imunidade celular e humoral. No caso da imunidade celular, como o pró-prio nome sugere, há ação de células direcionadas para a eliminação ou destruição de agentes patóge-nos ou células estranhas ao organismo. Macrófagos, monócitos, neutrófilos (polimorfonucleares), eosinó-filos basófilos e mastócitos (Figura 1)2 representam importantes células efetoras que migram até as áreas para onde foram recrutadas em resposta a fatores quimiotáticos específicos que incluem linfocinas, citocinas e mediadores derivados do complemento.

O “depósito” de anticorpos ou fragmentos do complemento na superfície de células invasoras é chamado de opsonização, um processo que promo-ve a morte desses invasores pelas células efetoras. Adicionalmente, linfocinas e citocinas produzem qui-miotaxia de outras células inflamatórias. A ativação desses processos celulares é coordenada por múlti-plos mecanismos harmônicos, sejam eles químicos, físicos, hormonais e/ou neuronais, etc.

Já a imunidade humoral compreende diferentes anticorpos e proteínas (p. ex., complemento), que podem diretamente ou em conjunto com células da imunidade celular promover destruição ou dano de agentes estranhos ao organismo.

Anticorpos são proteínas específicas denomina-das imunoglobulinas, que podem reconhecer e se li-gar a antígenos específicos. São sintetizados somente pelas células da linhagem de linfócitos B e existem em duas formas: anticorpos ligados à membrana na superfície dos linfócitos B (funcionam como re-ceptores de antígenos) e anticorpos secretados (que neutralizam toxinas, previnem a entrada e dissemina-ção dos patógenos e eliminam microrganismos).2 A estrutura básica de uma molécula de anticorpo está ilustrada na Figura 2.1

Figura 1 - Morfologia dos mastócitos, basófilos e eosinófilos. Fonte: adaptado de Abbas et al.2

Figura 2 - Configuração estrutural básica de uma mo-lécula de anticorpo (IgG). Fonte: adapatado de Bara-shet et al.1

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Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

teste de IgE foram estudados entre 1998 e 2002 e os BNMs foram responsáveis por 37% dessa casuís-tica, enquanto antibióticos corresponderam a 44% e outras causas somaram 19%.5 Estudo envolvendo populações de Suécia e Noruega (sendo que nesta última houve incidência de reações anafiláticas por BNM seis vezes maior na que na Suécia) evidenciou que a pré-sensibilização à morfina, succinilcolina e folcodina mediadas por IgE pode explicar tal di-ferença na população norueguesa.6 A folcodina é um antitussígeno consumido na Noruega, França e outros países europeus, mas pouco difundido em países como EUA e Holanda, com estrutura similar à morfina, cuja exposição está diretamente relacio-nada ao aumento do IgE sérico associado à hiper-sensibilidade aos BNMs.7,8

Na Nova Zelândia, estudo retrospectivo entre 2004 e 2011 em dois centros de Auckland demons-trou que 46% das reações de hipersensibilidade se atribuíam aos BNMs, sendo o rocurônio (1:2.500 ca-sos) e a succinilcolina (1:2.000 casos) os agentes mais comuns.9 Na Austrália, o rocurônio também é citado como o maior responsável por casos de anafilaxia re-lacionada a BNM, com 56% dos casos, seguido pela succinilcolina com 21% e vecurônio com 11%.10

Nos EUA, em estudo publicado em 2015 sobre as causas de hipersensibilidade peroperatórias entre 2005 e 2011 em Cleveland os BNMs foram atribuídos a 13% dos casos registrados.11

Em todos os trabalhos analisados houve concor-dância na maior incidência de anafilaxia em pacien-tes do sexo feminino.

Quando os antígenos formam uma ligação covalente com os fragmentos Fab, o anticorpo passa por altera-ções conformacionais que ativam o fragmento Fc. Os resultados da ligação antígeno-anticorpo dependem do tipo celular, o que levará a um tipo específico de ativação no sistema imune (p.ex., proliferação linfo-citária e diferenciação no interior das células B pro-dutoras de anticorpos, de granulação de mastócitos, ativação do complemento, etc.).1

As cinco grandes classes de anticorpos em huma-nos são: IgG, IgA, IgM, IgD e, de mais interesse para a anestesiologia, IgE. A cadeia pesada determina a estrutura e o funcionamento de cada uma das mo-léculas. As propriedades básicas de cada anticorpo estão descritas na Tabela 1.1

EPIDEMIOLOGIA

No Brasil não existem dados que correlacionem o uso de BNM a reações de hipersensibilidade em anestesia. Há apenas estudos que revelam o atracú-rio como principal BNM utilizado por anestesiologis-tas de todo o país e de relatos de casos de anafilaxia por rocurônio.3

Na Europa, por outro lado, sabe-se que 50 a 70% dos casos de anafilaxia estão relacionados aos BNMs. Na França, estudo retrospectivo entre 1999 e 2001 envolvendo 518 casos revelou os BNMs como responsáveis por anafilaxia em 58,2% dos casos, se-guidos por látex (16,7%) e antibióticos (15,1%).4 Na Espanha, 27 casos de anafilaxia confirmados por

Tabela 1 - Características biológicas das imunoglobulinas

IgG IgM IgA IgE IgD

Cadeia pesada γ μ α ε δ

Peso molecular (Da) 160.000 900.000 170.000 188.000 184.000

Subclasses 1,2,3,4 1,2 1,2

Concentração sérica (mg/dL) 6-14 0,5-1,5 1-3 <-0,5 x 103 <0,1

Ativação do complemento Todos os subtipos, menos IgG4 Sim Não Não Não

Transferência placentária Sim Não Não Não Não

Meia-vida sérica (dias)

Mastócitos (IgG4)NeutrófilosLinfócitos

MonunuclearesPlaquetas

Linfócitos MastócitosBasófilos

NeutrófilosLinfócitos

Ligação a células 0,85L/Kg/h 0,85L/Kg/h 0,85L/Kg/h 0,85L/Kg/h 0,85L/Kg/h

Meia vida 1,6h 1,6h 1,6h 1,6h 1,6h

Fonte: adapatado de Barash et al.1

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Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

receptores de alta afinidade Fc-epsilon-RI localiza-dos nas membranas dos mastócitos, tanto plasmáti-cos quanto de mucosas, e de basófilos, predominan-temente plasmáticos. Há também contribuição da ligação dos imunocomplexos a receptores de bai-xa afinidade Fc-epsilon-RII de plaquetas, linfócitos e eosinófilos.13,16 O resultado disso é a transdução de sinal celular que gera liberação de histamina, proteases (triptase e quinase), heparina ecitocinas pró-inflamatórias (TNF, interleucinas 4 e 13, fator de ativação plaquetária, leucotrienos, prostaglandina D2, tromboxano A2).13,16

Da mesma forma, reações não mediadas por IgE provocam a liberação dessas moléculas na corrente sanguínea, normalmente com predominância da his-tamina. Nessas reações, no entanto, há ligação direta do agente causador às células liberadoras, não de-pendendo, portanto, de contato prévio entre agente e sistema imunológico.15

Entre os agentes e seus efeitos nessa cascata de-corrente da anafilaxia, podem-se destacar (Tabela 4).

FISIOPATOLOGIA DAS REAÇÕES ALÉRGICAS A BNM

Anafilaxia é uma síndrome multissistêmica agu-da, potencialmente letal, resultante de liberação súbita de mediadores pró-inflamatórios por mastó-citos e basófilos na circulação sanguínea.12 É mais comumente resultante de uma reação imunológica, mediada por IgE, a alimentos, medicamentos, cos-méticos, picada de insetos, entre outros, embora também possa ocorrer por reação não imunológi-ca, não mediada por IgE, envolvendo exclusivamen-te a degranulação de mastócitos e basófilos por estímulo direto do agente causador.13 Este último fenômeno, anteriormente conhecido em anestesio-logia como “reação anafilactoide”, é hoje mais bem caracterizado pela Academia Europeia de Alergio-logia e Imunologia Clínica como reação anafilática não mediada por IgE ou anafilaxia não imunológi-ca (alguns autores também se referem a ela como histamino-liberação não específica) e pode causar repercussões clínicas importantes.12,14

Os diferentes tipos de reações de hipersensibilida-de estão apresentados na Tabela 2.2

O resultado da degranulação celular pode afetar em diferentes níveis as mucosas, pele, trato gastrin-testinal, sistemas cardiovascular e respiratório, sendo os variados resultantes clínicos classificados desde sinais leves até o choque (Tabela 3).15 Aqui cabe sa-lientar que essa escala não representa uma sequên-cia cronológica de eventos, podendo o colapso car-diovascular ser o primeiro sinal.

As reações anafiláticas mediadas por IgE depen-dem de sensibilização prévia e ocorrem por ligação de imunocomplexos (IgE + agente precipitador) aos

Tabela 2 - Classificação dos tipos de hipersensibilidade

Tipo de hipersensibilidade Mecanismos imunopatológicos Mecanismos de lesão tecidual e de doença

Tipo I: Imediata Anticorpo IgE; células TH2 Mastócitos, eosinófilos e seus mediadores (aminas vasoativas, mediadores lipídicos, citocinas)

Tipo II: Mediada por anticorpo Anticorpos IgM, IgG contra antígenos de superfície celular ou da matriz celular

1. Opsonização e fagocitose das células. 2. Recrutamento e ativação de leucócitos mediados pelo

receptor de Fc e pelo complemento3. Anormalidades nas funções celulares como

sinalização do receptor de hormônio, bloqueio do receptor de neurotransmissores 184.000

Tipo III: Mediada por imunocomplexo

Imunocomplexos de antígenos circulantes e anticorpos IgM ou IgG

Recrutamento e ativação de leucócitos mediados pelo receptor de Fc e pelo complemento

Tipo IV: Mediada por células T 1. Células T CD4+ (TH1 e TH17) 2. CTLs CD8+ 1. Inflamação mediada por citocinas2. Morte direta da célula-alvo, inflamação mediada por citocinas

Fonte: adaptado de Abbas et al.2

Tabela 3 - Escala de respostas das reações de hi-persensibilidade

Grau Sinais

I Sinais cutaneomucosos: eritema, urticária com ou sem angioedema

IISinais multiviscerais moderados:

sinais cutaneomucosos ± hipotensão ± taquicardia ± dispneia ± distúrbios gastrintestinais

III

Sinais de risco de morte mono ou multiviscerais: colapso cardiovascular com taquicardia ou bradicardia

± arritmias ± broncoespasmo ± sinais cutaneomucosos ± distúrbios gastrintestinais

IV Parada cardíaca

Fonte: adaptado de Ring e Messmer.15

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Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

Na suspeita de reações anafiláticas devem ser realizados diagnósticos diferenciais, uma vez que al-terações cardiovasculares podem ser resultantes de IAM, choque, reação vagal, tamponamento cardíaco, enquanto que sinais respiratórios podem estar rela-cionados a asma, pneumotórax, embolia e hiperter-mia maligna.

Testes laboratoriais

Os testes laboratoriais podem auxiliar na confir-mação etiológica das reações de hipersensibilidade. As pesquisas laboratoriais são, basicamente, focadas na detecção sérica de histamina, triptase e IgE.

A histamina é liberada pelos mastócitos e basófi-los nas reações de hipersensibilidade. Sua meia-vida é de, aproximadamente, 15 a 20 minutos e especu-la-se que as reações mais vigorosas estendam essa meia-vida para até 2h, provavelmente devido à satu-ração das enzimas que a degradam.22

A triptase é uma pré-enzima presente nos mastó-citos e é liberada nas reações de hipersensibilidade, Sua concentração plasmática mantém-se de 2 a 24h. Por ser menos fugaz que a histamina, tem mais valor clínico nas pesquisas de anafilaxia. Uma peculiarida-de da triptase é que sua liberação é mais frequente nas reações anafiláticas mediadas por IgE.22

A pesquisa de IgEs específicas para BNM, diferen-temente dos outros testes, pode identificar a classe do alérgeno causador da reação anafilática. O suxametô-nio apresenta imunoglobulina específica identificada. Para os demais BNMs utilizam-se aminas quaternárias ou fragmentos das moléculas de opioides. Tais molé-culas estão presentes nos BNMs e são as principais suspeitas de causarem reações alérgicas.6,7,25 Alguns trabalhos revelam que 90% das anafilaxias aos BNMs originam-se das aminas quaternárias.26

Os testes de IgE devem ser feitos duas a três sema-nas após as reações de hipersensibilidade Essa espe-ra se justifica pelo consumo de imunoglobulinas e o tempo necessário para repô-las.23

Fatores limitantes para a realização do teste são a sua disponibilidade limitada e não especificidade a qual BNM de amina quaternária o paciente é sensível, o que pode limitar o uso de vários BNMs se o teste de IgE for positivo. O resultado negativo não exclui a alergia ao bloqueador, ou seja, é o valor preditivo positivo que interessa no teste.22,23,27

DIAGNÓSTICO

O paciente que se submete ao ato anestésico é exposto a múltiplos agentes alergênicos. Aqueles que possuem hipersensibilidade a algum desses fa-tores podem desencadeá-la durante procedimentos anestésico-cirúrgicos. O diagnóstico da hipersensibi-lidade é feito, inicialmente, pela presunção dos sinais e sintomas dos pacientes anestesiados. Sua confirma-ção etiológica pode ser feita por testes laboratoriais ou cutâneos, visto que os pacientes estão sob influên-cia de múltiplos fatores.22,23

Os sinais e sintomas comumente iniciam segun-dos a minutos após o contato com o alérgeno e manifestam-se com taquicardia, bradicardia, outras arritmias, hipotensão, falência cardíaca, eritema, edema, rubor, broncoespasmo, elevação ou queda súbita da ETCO

2, aumento de pressão inspiratória e choque.22,23 Devido à variabilidade dos sinais e sintomas, o diagnóstico pode tornar-se de difícil.24 No paciente sob anestesia geral, perdem-se alguns parâmetros para avaliação tais como alterações de consciência, prurido e distúrbios gastrintestinais. Outro fator limitante no diagnóstico é o encobrimen-to do paciente por campos cirúrgicos, que devem ser prontamente retirados se houver a necessidade de um exame clínico mais detalhado.23

Tabela 4 - Os efeitos sistêmicos dos produtos da degranulação celular

Agente Efeito

Histamina

Na pele causa urticária. Na corrente sanguínea, quanto mais altos seus níveis, maiores os efeitos multissistêmicos, sem necessariamente causar

urticária. Ação em receptores H1 e H2 por altos níveis de histamina provoca aumento da permeabilidade

vascular, vasoespasmo coronariano, diminuição da pressão diastólica com aumento de pressão de pulso.17,18 A ação isolada em receptores H1 causa também desde

broncoespasmo até parada respiratória.17

Triptase

Ativa vias do sistema complemento (consumo de C3 e C4), vias da coagulação (consumo de fatores

V, VIII, e fibrinogênio) e a via do sistema cinina-calicreína.17,19 Repercussões clínicas dessas vias

incluem hipotensão, angioedema, coagulação e lise de coágulos, sendo estes responsáveis por CIVD em

casos de anafilaxia grave.19,20

Fator de ativação plaquetária

Diminui o fluxo sanguíneo coronariano, tem efeito inotrópico negativo, retarda a

condução atrio-ventricular.21

HeparinaModula a atividade da triptase, tem atividade

anticoagulante, inibe a plasmina e calicreína. Seu efeito limita a gravidade da anafilaxia.17,19

Quinase Facilita a conversão de angiotensia I em angiotensina II. Também limita a gravidade da anafilaxia.17,19

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S39-S4644

Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

mcg. Reações do tipo III têm indicações formais para o uso da adrenalina, nas doses de 100-200 mcg em bolus, seguidas de infusões de 0,05-0,1 mcg/kg/min se o tratamento inicial não for efetivo. Em casos de colapso cardiovascular, as doses de 1 a 3 mg devem ser administradas de 3/3min.22,32

Não existe contraindicação absoluta para a adre-nalina, entretanto, seu uso deve ser feito com cautela, pelos efeitos colaterais associados, como: arritmias, síndromes coronarianas e vasoespasmos. Sua infu-são intravenosa deve ser feita lentamente para mini-mizar tais efeitos.22,31

Broncoespasmo não responsivo à adrenalina pode ocorrer. Seu tratamento é feito com b2 inalató-rios como o salbutamol ou albuterol. Em casos ex-tremos, em que não há resposta inalatória, o uso de salbutamol venoso é indicado com dose inicial de 100-200 mcg, seguido de infusões de 5 a 25 mcg/min para manutenção.

Reposição volêmica

A perda de volume para o terceiro espaço é sig-nificativa, pode chegar a mais de 35% da volemia do paciente em poucos minutos. É necessária infusão de 1.000 a 2.000 mL de cristaloides nos primeiros minu-tos para tentativa de reversão do choque.24,31 Nas situ-ações não responsivas a cristaloides, os coloides são uma opção controversa devido ao potencial alergê-nico das móleculas de hidroxietilamido e gelatinas.22

Glicocorticoides

Seu uso é uniforme na literatura. Agem no orga-nismo 4 a 6h após sua infusão, modulanm reações in-flamatórias e, teoricamente, previnem um pico tardio da reação anafilática.22,35 Porém, estudos controlados não conseguiram verificar relação de causa e efeito com a administração dessas medicações.35 Seu uso é comprovadamente eficaz nas reações anafiláticas com broncoespasmo, diminuindo as reações infla-matórias desencadeadas no pulmão.22

Anti-histaminicos

Apesar de comum na prática clínica, o uso de drogas anti-H1 e H2 na reação anafilática é contra-

Teste cutâneo

O teste é realizado colocando-se os agentes alér-genos em contato com a epiderme do paciente, co-mumente no antebraço ou dorso, para observar as possíveis reações de hipersensibilidade. A avaliação é realizada medindo-se o diâmetro das pápulas for-madas em comparação com os grupos controles (ne-gativo: injeção salina; positivo: histamina).22,28

Existem dois tipos de teste: o teste cutâneo (SPT) e o teste intradérmico (DTs). Seu uso é controverso na literatura devido a variações nas concentrações das drogas e do estímulo à degranulação dos mastó-citos pelo atracúrio e rocurônio o que, por si só, po-deria levar a uma clínica exuberante e risco de morte para o paciente. É recorrente a existência de falso-po-sitivos.29,30 Seu uso é de mais valia para confirmação etiológica após reações anafiláticas.30

TRATAMENTO

Após o diagnóstico, devem-se tomar medidas imediatas para tratar o quadro anafilático. Todos os estudos demonstraram que quanto mais rápido o diagnóstico e tratamento, mais baixos são os índices de morbimortalidade.31

As medidas que devem ser tomadas, são24,32:1. remoção da causa suspeita;2. solicitar ajuda;3. oxigênio a 100%;4. adrenalina;5. posicionamento adequado;6. reposição volêmica;7. abreviação do ato cirúrgico.

O manejo da anafilaxia engloba o controle das vias aéreas, da ventilação e da dinâmica circulatória.31

A adrenalina é a droga de eleição para o trata-mento da anafilaxia. Sua ação interfere na fisiopato-logia da reação, por inibir a liberação de mediadores pelos mastócitos e basófilos, melhorar o edema das vias aéreas, promover broncodilatação (receptores b2 adrenérgicos) e tratar os distúrbios circulatórios pela vasoconstrição (receptores a1 adrenérgicos na musculatura lisa vascular periférica) e estimulação cardíaca (receptores b1 miocárdicos).31,34 Nas reações de menos intensidade clínica, tipo I de Ringe Mess-ner (Tabela 3), seu uso não se faz necessário; nas do tipo II, algumas vezes é indicada em doses de 10-20

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Bloqueadores neuromusculares e reações alérgicas

casos relatados de pacientes em anafilaxia por ro-curônio tratados com sugammadex foram utilizadas doses maiores do que aquelas usadas para a reversão do bloqueio neuromuscular.36

O sugammadex demonstrou capacidade intrínse-ca de causar anafilaxia, sendo a molécula de ciclo-dextrina, presente em diversos alimentos, o provável responsável pela reação imunológica cruzada

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Situações especiais

O glucagon tem seu uso indicado nos pacien-tes betabloqueados resistentes ao tratamento com adrenalina. Seu efeito inotrópico positivo se dá pela ativação do AMPc, não interferindo nos b-receptores previamente bloqueados. Sua dose de 1 a 5 mg em bolus no adulto pode ser seguida por infusões contí-nuas de 1 a 15 mcg/min.31

A vasopressina é outra droga que pode ser utili-zada nos pacientes com choque refratário ou em pa-cientes betabloqueados. Sua ação sobre o seu recep-tor V1 gera vasoconstrição periférica intensa, assim como estudos sugerem que ela interfere na diminui-ção da produção de óxido nitroso, forma reativa de oxigênio responsável por vasodilatação e resistência aos vasopressores.31

Vasoplegia refratária pode ocorrer, por vezes, nas reações anafiláticas. O azul de metileno pode ser usado para o tratamento dessa situação, porém as doses são incertas; bolus de 1 a 2 mg/kg sugerem ser suficientes. Novos estudos devem ser realizados para esclarecer a ação e manipulação desse fármaco.22,31,33

Sugammadex

O sugammadex pode ser utilizado para reversão do bloqueio neuromuscular do rocurônio e vecurô-nio. Sua ação se dá pelo envolvimento da molécula do BNM na reação de 1:1, tornando esse complexo hidrofílico e aumentando sua depuração plasmática e eliminação renal. Devido a esse envolvimento das moléculas de rocurônio, foi aventado seu uso com o objetivo de atenuar as reações anafiláticas. O com-plexo sugammadex-BNM impediria o contato com os mastócitos e diminuiria a reação anafilática. Entre-tanto, estudos com este fim são inconclusivos.28 Nos

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Mater DeiBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Felipe Ribeiro da Silva CamargosE-mail: [email protected]

1 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA. Rede Mater Dei de Saúde. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Introdução: historicamente a utilização dos bloqueadores neuromusculares (BNMs) per-mitiu a realização dos procedimentos cirúrgicos que demandavam relaxamento muscular profundo. A atual disponibilidade do reversor do bloqueio neuromuscular suggamadex permitiu a rápida e segura reversão do bloqueio profundo (TOF=0, PTC 1-2) ao término do procedimento cirúrgico. Essa possibilidade gerou o questionamento se o bloqueio neuromuscular profundo, quando comparado ao bloqueio neuromuscular moderado, utilizado durante cirurgias videolaparoscópicas permitiria a utilização de pressões intra--abdominais mais baixas e estaria associado ao campo cirúrgico de melhor qualidade ou a outros benefícios clínicos. Método: foi realizada busca na literatura médica disponível no banco de dados on-line PubMed utilizando os termos relevantes ao tema, assim como busca na bibliografia das publicações encontradas por meio desse método. Conclusão: a produção científica disponível atualmente revela uma provável relação entre a melhor qualidade do campo cirúrgico durante cirurgias videolaparoscópicas e o bloqueio neu-romuscular profundo. Entretanto, não existem evidências claras sobre qual a profundi-dade adequada desse bloqueio nem sobre desfechos clínicos favoráveis em vigência de bloqueio profundo comparado ao bloqueio moderado ou superficial.

Palavras-chave: Anestesia; Bloqueio Neuromuscular; Bloqueadores Neuromusculares; Laparoscopia; Cirurgia Vídeoassistida; Pneumoperitônio.

ABSTRACT

Introduction: Historically, the use of neuromuscular blockingagents (NMB) allowed the execution of surgical procedures requiring deepmusclerelaxation. The current availability of suggamadex as a neuromuscular block reversal agent allowed therapid and safe reversal of deepneuromuscular blockade (TOF = 0, PTC 1-2) at the end of the surgical procedure. This possibility led to the question whether the deep neuromuscular blockade, when compared to moderate neuromuscular blockade, used during laparoscopic surgery would enable the use of lower intra-abdominal pressure and would be associated with better surgical space or other better clinical outcomes. Methods: A search was performed in the medical literature available through the online database PubMed using the terms relevant to the topic. In addi-tion, we studied the reference lists of the articles retrieved in these arch and of other relevant articles known to the authors. Conclusion: The scientific literature currently available points to a probable relation ship between deep neuromuscular blockade and better surgical space during laparoscopic surgery. However there is little objective data to support the proposition that deep neuromuscular block (when compared with less intense block) contributes to bet-ter patient out come or improves surgical operating conditions.

Key words: Anesthesia; Neuromuscular Blockade; Neuromuscular Blocking Agents; Lapa-roscopy; Video-Assisted Surgery; Pneumoperitoneum.

Videolaparoscopic surgeries and neuromuscular block, what́ s new?

Felipe Ribeiro da Silva Camargos1

Cirurgias videolaparoscópicas e bloqueio neuromuscular, o que há de novo?

DOI: 10.5935/2238-3182.20160008

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S47-S5148

Cirurgias videolaparoscópicas e bloqueio neuromuscular, o que há de novo?

Os tipos de bloqueio neuromuscular, assim como as características dos diferentes estímulos utilizados para sua monitorização, fogem do escopo desta revi-são, mas possuem extensa e acessível literatura.

O bloqueio neuromuscular profundo possui apli-cações práticas muito importantes durante alguns mo-mentos da anestesia, como, por exemplo: durante a in-tubação traqueal, cirurgias intracranianas ou cirurgias robóticas. Desde o início do uso dos BNMs foi ques-tionado se seria realmente necessário o relaxamento muscular completo durante a duração total de todos os procedimentos cirúrgicos. Tais questionamentos persistem até hoje.3 Em 2000, King et al.4 publicaram trabalho avaliando o uso de BNMs durante cirurgia in-tra-abdominal (prostatectomia radical) e concluíram que a qualidade do campo cirúrgico foi considerada boa ou excelente pela equipe cirúrgica em aproxima-damente dois terços dos pacientes que receberam ape-nas uma dose de succinilcolina para intubação traque-al, colocando, assim, em dúvida a necessidade do uso rotineiro desses fármacos. Devido à capacidade limi-tada dos agentes anticolinesterásicos em reverter o bloqueio neuromuscular profundo, a conduta atual de grande parcela de anestesiologistas é evitar esse tipo de bloqueio ao término do procedimento. A utilização apenas da dose de indução dos BNMs ou o não uso de doses subsequentes próximo do fim do procedimento são estratégias comuns. Com a disponibilidade atual do suggamadex, surgiu a possibilidade de reversão completa do bloqueio neuromuscular, mesmo profun-do, ao término do procedimento. Iniciaram-se, então, questionamentos sobre os benefícios clínicos poten-ciais do bloqueio neuromuscular profundo mantidos durante todo o procedimento, principalmente durante cirurgias videolaparoscópicas.2

Há dúvidas se a manutenção do bloqueio neu-romuscular profundo durante cirurgias videolapa-roscópicas permitiria a utilização de pressões intra--abdominais mais baixas durante o procedimento. Em alguns estudos, pressões intra-abdominais mais baixas têm sido associadas à redução da dor após a cirurgia.5 Pesquisas têm tentado comprovar melhor condição cirúrgica com o uso do bloqueio neuromus-cular profundo. A avaliação da qualidade do campo cirúrgico é complexa e subjetiva, além de envolver múltiplos fatores não relacionados à profundidade do bloqueio neuromuscular, tais como: a profundidade da anestesia geral ou até mesmo a relação pessoal entre a equipe cirúrgica e o anestesiologista.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a utilização dos bloqueadores neuromusculares (BNMs) permitiu a realização dos procedimentos cirúrgicos que demandavam relaxamento muscular profundo. A introdução da d-tubocurarina na prática médica, em 1942, iniciou uma nova era de mais facilidade de acesso cirúrgi-co mediada por medicamentos. A d-tubocuranina possuía lento início de ação (3 a 6 minutos) e efeito prolongado (80 a 120 minutos). Essas características farmacológicas associadas à inexistência de moni-tores de profundidade do bloqueio neuromuscular, falta de compreensão do mecanismo de ação dos BNMs e da fisiologia da junção neuromuscular acar-retaram aumento nos casos de insuficiência respira-tória pós-operatória devido ao bloqueio neuromus-cular residual.1 Durante as décadas seguintes foram introduzidos novos medicamentos com característi-cas farmacocinéticas mais favoráveis ao uso intrao-peratório dos BNMs.

Em 2008, na Europa, foi aprovado o uso do agen-te de reversão do brometo de rocurônio e brometo de vecurônio denominado suggamadex. Esse medi-camento permitiu, pela primeira vez, a reversão do bloqueio neuromuscular em poucos minutos, inde-pendentemente da profundidade de bloqueio ou do intervalo da última dose do BNM. Tal característica permitiu que os pacientes fossem mantidos em esta-do de bloqueio neuromuscular profundo até o térmi-no do procedimento e tivessem o bloqueio devida-mente revertido antes do despertar.

CONDUTAS ATUAIS

Na literatura atual não há consenso em relação às definições de bloqueio neuromuscular profundo, moderado e superficial, tornando, assim, difícil a comparação entre trabalhos científicos de origens distintas. Entretanto, para facilitar o entendimento desta revisão, será adotada a definição mais comu-mente encontrada nas produções científicas: 2

■ bloqueio extremo, contagem pós-tetânica (PTC) igual a zero;

■ bloqueio profundo, PTC ≥ 1 associada à sequên-cia de quatro estímulos (TOF) igual a zero;

■ bloqueio moderado, TOF entre um e três estímulos; ■ bloqueio superficial, TOF igual a quatro, relação T4/T.

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Cirurgias videolaparoscópicas e bloqueio neuromuscular, o que há de novo?

dose inicial de rocurônio de 0,6 mg/kg, seguida de doses subsequentes de 5 mg sempre que a monitori-zação eletromiográfica por sequência de quatro estí-mulos exibia valores acima de dois (TOF>2).

A equipe de cirurgia envolvida nos procedimen-tos, após estabilizar a pressão intra-abdominal causa-da pelo pneumoperitônio em 13 mmHg, definia uma nota para a qualidade do campo cirúrgico entre um e quatro a cada 10 minutos, sendo elas excelente (nota um), boa mas não ótima (dois), ruim, mas aceitável (três) e inaceitável (quatro). O resultado das notas obtido, respectivamente, para os grupos S e D foram os seguintes: um em 21 (42%) e 34 (68%) pacientes, dois em 11 (22%) e 11 (22%) pacientes, três em quatro (8%) e cinco (10%) pacientes e quatro em 14 (28%) e nenhum paciente. Tais resultados demonstraram tendência a notas piores no grupo submetido ao blo-queio neuromuscular superficial.

Como anteriormente citado, essa classificação da profundidade do bloqueio neuromuscular no estudo de Dubois et al.10 difere da mencionada inicialmente nesta revisão. Valores de TOF inferiores a dois eram considerados bloqueio neuromuscular profundo, sendo que de fato ambos os grupos apresentavam bloqueio moderado ou superficial (TOF entre um e quatro). Aliado a isso, metade dos pacientes que re-ceberam nota quatro (campo cirúrgico inaceitável) apresentava valores de TOF acima de 40%. Apesar da classificação da profundidade do bloqueio ser um fator de confusão nesse estudo, a quantidade de pacientes com campo cirúrgico de qualidade inacei-tável (28%) no grupo de bloqueio superficial e o fato de nenhum procedimento ter sido interrompido com valores de TOF<1 são indicativos de que um bloqueio neuromuscular profundo pode desempenhar impor-tante papel em cirurgias videolaparoscópicas.

Martini et al.11 realizaram abordagem diferente comparando dois grupos de pacientes (n=24) subme-tidos a laparoscopias para procedimentos urológicos, realizadas pelo mesmo cirurgião. Os pacientes eram submetidos a bloqueio moderado (TOF um e dois) ou bloqueio profundo (PTC um ou dois) e a qualida-de do campo cirúrgico era classificada em uma es-cala de um a cinco, sendo um condições péssimas e cinco condições ótimas. A reversão do bloqueio era atingida utilizando-se neostigmine para o grupo de bloqueio moderado e suggamadex para o grupo de bloqueio profundo em doses convencionais. A nota média apresentada pelos grupos foi 4,0 (bloqueio moderado) e 4,7 (bloqueio profundo), alcançando

CIRURGIA VIDEOLAPAROSCÓPICA

A manutenção do paciente em estado de bloqueio neuromuscular profundo durante cirurgias videolapa-roscópicas é uma das situações que merecem atenção especial, pois a possibilidade de se utilizar pressões intra-abdominais mais baixas associadas a um campo cirúrgico de melhor qualidade poderia ser um fator a ser considerado na busca de melhor desfecho clínico.

Chassard et al.6, avaliando a relação entre a profun-didade do bloqueio neuromuscular e sua repercussão, tanto na pressão de pico das vias aéreas durante venti-lação mecânica como na elastância abdominal, foram incapazes de encontrar alterações nas propriedades elásticas torácicas ou abdominais em animais, com ou sem o uso de BNMs durante o pneumoperitônio. Recentemente, Chen et al.7, analisando o uso de BNMs durante laparoscopias ginecológicas, não encontra-ram diferença na condição cirúrgica entre os grupos que utilizaram BNM em comparação aos grupos que não utilizaram a medicação. No entanto, o tempo de recuperação do grupo sem bloqueio neuromuscular foi significativamente mais curto (p<0,01). Algumas publicações8,9 apresentam resultados semelhantes a esses, quando comparados dois grupos de pacientes submetidos à videolaparoscopia, sendo os pacientes distribuídos entre grupos submetidos a bloqueio neu-romuscular e intubação traqueal versus pacientes sem bloqueio neuromuscular e respiração espontânea uti-lizando máscara laríngea. Em aproximadamente um terço (28%) dos pacientes do estudo de Williams et al.9 que respiravam espontaneamente, o pneumoperitônio foi considerado inadequado para inserção do primeiro trocater, demonstrando que esta seria uma técnica não ideal para videolaparoscopias. A utilização de ventila-ção espontânea durante videolaparoscopias associada à grande diferença entre os dois grupos e, ainda, ao fato de os procedimentos nos estudos serem de curta dura-ção não permite adequada conclusão sobre a qualida-de do campo cirúrgico relacionada ao uso de BNMs.

Em estudo mais recente, Dubois et al.10 realizaram experimento comparando dois grupos de pacientes (n=100) submetidos à anestesia geral para realização de histerectomia laparoscópica, utilizando desflura-no e estratégias distintas de bloqueio neuromuscular. O grupo denominado S (bloqueio superficial) rece-bia uma dose inicial de 0,45 mg/kg de rocurônio se-guida de doses de até 5 mg sempre que a qualidade do campo cirúrgico era considerada inaceitável. Já o grupo denominado D (bloqueio profundo) recebia

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Cirurgias videolaparoscópicas e bloqueio neuromuscular, o que há de novo?

fisiológicas indesejadas. Staehr-Rye et al.13 compararam dois grupos de pacientes submetidos à colecistectomia videolaparoscópica sob bloqueio neuromuscular pro-fundo ou moderado. O objetivo do estudo seria avaliar o impacto do bloqueio neuromuscular profundo na qualidade do campo cirúrgico quando utilizado valor de pressão abdominal de 8 mmHg. Os resultados de-monstram discreto benefício do bloqueio neuromus-cular profundo (p=0,05) quando o campo cirúrgico é considerado ótimo pela equipe cirúrgica. Não foram encontradas diferenças entre os grupos quando avalia-dos outros parâmetros pós-operatórios, como dor, con-sumo de oxicodona, náuseas e vômitos ou retorno às atividades normais. Em quase metade dos pacientes foi necessário o aumento da pressão intra-abdominal até 12 mmHg para conclusão do procedimento em ambos os grupos, podendo isso ser responsável pela ausência de diferenças nos resultados.

Em recente revisão publicada pela “The Cochrane Collaboration”5 foram avaliados os possíveis riscos e benefícios da realização de colecistectomia videola-paroscópica quando empregados valores de pressão intra-abdominal de 12 mmHg (denominado “baixa pressão”) versus 16 mmHg (denominado “pressão--padrão). Foram incluídos no estudo 1.092 pacientes distribuídos entre os dois grupos, pertencentes a 21 publicações. Apesar da observação dos autores de que a maioria dos estudos era de qualidade de evi-dência baixa ou muito baixa, consideraram possível a realização do procedimento em ambos os níveis de pressão. Não foram encontradas diferenças entre os grupos, quando avaliada a taxa de conversão de cirurgia laparoscópica para cirúrgica aberta ou du-ração da estada hospitalar. O tempo cirúrgico médio do procedimento foi dois minutos mais longo no grupo de pressão mais baixa, sendo considerado, as-sim, sem significado clínico. O retorno às atividades cotidianas, ao trabalho e à qualidade de vida após o procedimento não foram avaliados nos estudos. A expectativa de redução na taxa de complicações cardiopulmonares quando utilizados valores mais baixos de pressão intra-abdominal não se confirmou, mesmo nos trabalhos que relatavam morbidade pós--operatória. Uma possível explicação para tal achado seria o perfil de baixo risco cardiovascular da maio-ria dos pacientes incluídos no estudo. Associa-se a isso a opção por definir o grupo de baixa pressão abdominal como pressões abaixo de 12 mmHg, va-lor este considerado padrão em outras publicações. O benefício potencial do pneumoperitônio usando

significância estatística (p<0,001). Os pacientes sub-metidos à reversão do bloqueio utilizando suggama-dex apresentaram-se aptos à extubação (TOF>90%) em metade do tempo do grupo que utilizou neostig-mine (5,1 min vs 10,9 min). Observou-se no estudo grande variação nos valores de concentração de CO

2 registrados por capnografia entre pacientes (33 a 56 mmHg), podendo ser uma das causas de contrações diafragmáticas não relacionadas à ventilação Como todos os procedimentos no experimento foram reali-zados pelo mesmo cirurgião, é necessária cautela na extrapolação dos dados encontrados no resultado, como é indicado pelos próprios autores do trabalho.

Como explicitado por Kopman e Naguib2, “ainda são necessários estudos comparando a qualidade do campo cirúrgico durante o bloqueio neuromuscular profundo versus moderado e sua consequente relação com a segurança dos pacientes e desfecho clínico”.

BLOQUEIO NEUROMUSCULAR E PRESSÃO INTRA-ABDOMINAL

Laparoscopia é o processo de inspecionar a cavi-dade abdominal por meio de um endoscópio. O gás carbônico é o agente universalmente utilizado para insuflar o abdome. A insuflação de gases dentro do abdome e o consequente aumento da pressão ab-dominal associada ao posicionamento extremo do paciente são responsáveis por efeitos fisiológicos sig-nificativos e possível comprometimento cardiovascu-lar e respiratório.12 Não existe na literatura definição clara dos limites de pressão abdominal para classifi-car o pneumoperitônio em pressão baixa, moderada ou alta. Os valores mais comumente utilizados para designar baixas pressões intra-abdominais são infe-riores a 10 ou 12 mmHg. A dor pós-operatória, apesar de possuir etiologia multifatorial, tem sido associada à utilização de pressões intra-abdominais mais altas. As causas para explicar esse fato são variadas, entre elas se podem citar a distensão do nervo frênico pelo pneumoperitônio, gás intra-abdominal residual, bai-xa umidade do gás insuflado e o volume total de gás utilizado durante o procedimento.

Múltiplas publicações têm tentado avaliar se a uti-lização de bloqueio neuromuscular profundo seria capaz de permitir a utilização de pressões intra-abdo-minais mais baixas, sem prejudicar a execução do pro-cedimento proposto, evitando-se, assim, as alterações

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A associação de valores mais baixos de pressão in-tra-abdominal com redução da dor abdominal ou com dor referida no ombro, durante o período pós-operató-rio, foi avaliada em diversas publicações14–16, incluindo uma recente metanálise.17 As conclusões desses estu-dos são incertas, pois o benefício da redução da pres-são abdominal nos níveis de dor somente pode ser en-contrado em alguns estudos. Esse benefício é aparente apenas em determinados períodos após o procedimen-to cirúrgico, porém não há concordância entre as pes-quisas em relação ao momento. Por essas publicações apresentarem alta probabilidade de viés associado à falta de padronização da avaliação de dor pós-opera-tória em cirurgias videolaparoscópicas, ainda não é possível definir valores de pressão intra-abdominal nos quais haveria redução da dor pós-operatória.5

CONCLUSÃO

A produção científica disponível atualmente su-gere provável relação entre a melhor qualidade do campo cirúrgico durante cirurgias videolaparoscó-picas e o bloqueio neuromuscular. Entretanto, não existem evidências claras sobre qual a profundidade adequada desse bloqueio nem sobre desfechos clíni-cos favoráveis em vigência de bloqueio profundo em vez de bloqueio moderado ou superficial. A libera-ção para utilização do suggamadex como reversor do bloqueio neuromuscular nos Estados Unidos a partir de dezembro de 2015 irá, provavelmente, contribuir para o aumento de estudos, investigando o bloqueio neuromuscular profundo durante todo o procedi-mento cirúrgico. Estudos clínicos futuros com proto-colos bem definidos (Standard ProtocolItems: Recom-mendations for Interventional Trials – SPIRIT –, http://www.spirit-statement.org) serão indispensáveis para definir alterações na rotina do manejo do bloqueio neuromuscular em cirurgias laparoscópicas.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Centro de Ensino e Treinamento da

Santa Casa de Belo HorizonteBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Sofia Meinberg Pereira

E-mail: [email protected]

1 Médica Anestesiologista. Título de Especialista em Dor. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte,

MG – Brasil. 2 Médico Anestesiologista. Título Superior em

Anestesiologia. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

3 Médico-residente em Anestesiologia. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

As doenças neuromusculares são caracterizadas por alterações no neurônio motor, no receptor de acetilcolina (AchR) ou na musculatura esquelética, sendo classi-ficadas em pré-juncionais, juncionais e pós-juncionais. O manejo perioperatório de pacientes acometidos pode ser desafiador, visto que são doenças de baixa incidência e com manifestações diversas. Portadores de doenças neuromusculares muitas vezes apresentam resposta anormal ao uso de bloqueadores neuromus-culares (BNM) e anticolinesterásicos. A teoria clássica de up e down-regulation explica, em parte, a sensibilidade ou resistência a essas medicações. Acredita-se que nessas enfermidades a margem de segurança da transmissão neuromuscular encontra-se reduzida. O uso de doses habituais de bloqueadores adespolarizantes pode comprometer a recuperação do paciente, prolongando a necessidade de assistência ventilatória. A succinilcolina (Sch) pode causar hipercalemia grave nos casos em que há aumento do número de AchR. Esta revisão apresenta algumas desordens neuromusculares e as respectivas respostas aos BNMs como orientação na condução da anestesia nesses pacientes.

Palavras-chave: Doenças Neuromusculares; Bloqueadores Neuromusculares; Neurô-nios Motores; Junção Neuromuscular; Hipersensibilidade a Drogas.

ABSTRACT

Neuromuscular diseases are characterized by the alterations in the motor neuron, acetylcholine receptor (AchR), or in the muscle. This group of diseases is classified as pre-junctional, junctional, and post-junctional. The perioperative management of affected patients could be very challenging due to the fact that neuromuscular disorders are uncommon and have various distinctive ways of manifestation. People who are carriers of these conditions often show abnormal responses to the usage of neuromuscular-blocking drugs (NMBD) and anticholinesterasics. The classical theory of “up and down-regulation” explains, partly, the sensibility or resistance patients have to these medications. People believe that in neuromuscular diseases, the safety margin of neuromuscular transmission is reduced. Usual doses of nondepolarizing muscle relaxants could compromise the patient’s recovery, which would extend the need for ventilatory assistance. In cases in which there is an increase of the number of AchR, succinylcholine (Sch) could cause severe hyperkalemia. This review demonstrates some neuromuscular disorders and its respective responses to NMBD as how to con-duct the patient’s anesthesia.

Key words: Neuromuscular Diseases; Neuromuscular Blocking Agents; Motor Neurons Neuromuscular Junction; Drug Hypersensitivity.

Neuromuscular diseases and neuromuscular-blocking drugs

Sofia Meinberg Pereira1, Eduardo Azevedo de Castro2, Vitor Michelstaedter Brochado3

Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

DOI: 10.5935/2238-3182.20160009

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Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

dução da síntese, internalização ou aumento da destruição dos mesmos. Trata-se de fenômeno bem mais restrito no qual ocorre resistência aos agonistas e sensibilidade aos antagonistas.1

CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES

CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

Esclerose lateral amiotrófica

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma do-ença progressiva, caracterizada por atrofia muscular secundária a uma degeneração neurológica.3,4

O uso de relaxantes musculares é uma grande preocupação durante o ato anestésico nesses pacien-tes. A succinilcolina (Sch) é estritamente contraindi-cada devido ao risco de hipercalemia.4 Bloqueado-res adespolarizantes podem ser utilizados, porém é descrita atividade prolongada em alguns casos. Na literatura, existem relatos evidenciando a segurança da anestesia geral e da anestesia regional para os pa-cientes portadores dessa doença. Esses doentes não têm risco aumentado de hipertermia maligna (HM) e rabdomiólise.5 Redução da dose de bloqueadores, monitorização neuromuscular contínua e uso de an-

INTRODUÇÃO

Doenças neuromusculares podem apresentar di-versas etiologias, sendo comum o comprometimento respiratório, cardiovascular e autonômico. Devido à resposta anormal aos bloqueadores neuromuscula-res (BNM), seu uso pode agravar condições clínicas prévias ou mesmo causar risco de morte por hiper-calemia. O conhecimento da fisiopatologia dessas doenças em relação à junção neuromuscular (JNM) pode orientar e facilitar o manejo dos pacientes.

UP E DOWN-REGULATION DOS RECEPTO-RES DE ACETILCOLINA E ALTERAÇÃO DA MARGEM DE SEGURANÇA DA JNM

A teoria de up e down-regulation não é o único mecanismo responsável pelas respostas alteradas ao uso de BNM em pacientes portadores de doenças neuromusculares, mas provavelmente é o principal. Nessas doenças ocorrem mudanças qualitativas e quantitativas em receptores de acetilcolina (AchR), tanto na JNM como fora dela.1

Segundo a clássica teoria farmacodinâmica, a exposição a antagonistas causa aumento do número de receptores, fenômeno denominado up-regulation. Nessas condições, tem grande relevância a privação da influência neural no músculo, ou seja, denerva-ção, que leva à formação de AchRs denominados imaturos. Esses receptores disseminam-se além da área juncional, são mais instáveis e apresentam mais tempo de abertura. Receptores imaturos são resistentes aos bloqueadores adespolarizantes, mas, por outro lado, são responsáveis pela hipercalemia com risco de morte após o uso de bloqueador des-polarizante. Geralmente, o aumento do número de receptores causa sensibilidade aos agonistas e re-sistência aos antagonistas.1 Entretanto, há relatos de sensibilidade aos bloqueadores adespolarizantes em enfermos com denervação funcional ou real, fato ex-plicado pela redução da margem de segurança da transmissão neuromuscular. Em indivíduos saudá-veis, é necessária ocupação de 70% dos receptores para o bloqueio da condução nervosa, enquanto em indivíduos afetados apenas 10% de ocupação cau-sam fraqueza clínica.2

O down-regulation ocorre quando há estimu-lação crônica de receptores por agonista, com re-

Tabela 1 - Classificação das doenças neuromusculares

Adquiridas

Pré-juncionais

Doenças do neurônio motor superior

Doenças do neurônio motor inferior

Esclerose Lateral Amiotrófica

Esclerose Múltipla

Síndrome de Guillain-Barré

Neuropatia periférica: diabetes mellitus

JuncionaisMiastenia Gravis

Síndrome de Eaton-Lambert

Pós-juncionaisMiopatias inflamatórias

Polineuropatia do doente crítico

Hereditárias

Pré-juncionaisAtaxia de Fredrich

Charcot-Marie-Tooth

Pós-juncionais

Distrofias de Duchenne e Becker

Miotonias

Doenças mitocondriais e metabólicas

Fonte: adaptado de Marsh S, Ross N, Pittard A, 2011.3

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Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

dependendo da fase da doença. Resistência a esse grupo de fármacos ocorre na fase de denervação, provavelmente atribuída ao aumento dos AchRs extrajuncionais. Em contrapartida, sensibilidade so-brevém durante a fase de reinervação e é atribuída à imaturidade da JNM.4

Miastenia Gravis

A Miastenia Gravis (MG) é uma doença neuromus-cular imunomediada causada por autoanticorpos contra os AchRs da JNM. É caracterizada por fraque-za muscular e fadiga, que se agrava após movimentos repetitivos.4,6,8,9 Sintomas bulbares incluem disartria, dificuldade de mastigação e disfagia. Acometimento respiratório pode afetar cerca de 20% dos pacientes.4

Os anticorpos reduzem o número de receptores disponíveis para a estimulação muscular, aparente-mente por bloqueio e degradação aumentada. Em pacientes com MG crônica, o número de receptores é reduzido até cerca de 30%.6

Graças à diminuição do número de AchR ou o seu bloqueio por anticorpos funcionais, os pacientes mias-tênicos manifestam resistência à Sch.4,9 Por outro lado, a atividade da pseudocolinesterase plasmática pode encontrar-se reduzida devido à administração crônica de anticolinesterásicos ou secundária à plasmaférese, resultando na potencialização do efeito da Sch. A in-teração entre esses dois fatores (resistência à Sch e re-dução da atividade da pseudocolinesterase) deve ser considerada quando se utiliza BNM despolarizante. É comum a progressão para o bloqueio de fase II.2

Em contraste, pacientes com MG exibem sensibi-lidade aos agentes bloqueadores não despolarizan-tes.6,8-10 Frente ao número reduzido de AchR, parece razoável a administração de apenas 10% da dose ha-bitual prevista, objetivando bloqueio neuromuscular satisfatório. Mesmo assim, a duração do bloqueio pode ser prolongada, especialmente se fármacos de ação duradoura forem empregados.9,10

Síndrome miastênica de Eaton-Lambert

A síndrome miastênica de Eaton-Lambert é uma doença adquirida, rara, secundária a auto-anticorpos contra os canais de cálcio localizados nas termina-ções nervosas da JNM. A ação imunológica resulta na diminuição do número e conteúdo das vesículas

tagonistas (inibidores da colinesterase) devem fazer parte do manejo perioperatório.4,6

Esclerose múltipla

Trata-se de doença crônica do sistema nervoso que tem a característica de poupar os nervos periféri-cos. Desmielinização das fibras neuronais é a marca da esclerose múltipla. Os sintomas clínicos desenvol-vem-se como resultado de múltiplas lesões na medu-la espinhal e cérebro.6,7

Durante o ato anestésico, o uso de relaxantes musculares requer considerações especiais.3,7 Succi-nilcolina deve ser evitada devido à associação com hipercalemia grave. Apenas pacientes com sinais de lesão do neurônio motor (flacidez, espasticidade, hiper-reflexia) correm esse risco. Cuidado especial deve ser adotado quando se trata de pacientes clini-camente debilitados.6,7

A resposta ao uso de BNM adespolarizante pode ser variada. Alguns pacientes necessitam de aumen-to da dose, fenômeno explicado pelo maior número de AchR, aumento no metabolismo dos bloqueado-res devido à indução das enzimas hepáticas, além da redução da fração livre da droga secundária às alterações na ligação dos fármacos com as proteínas plasmáticas.6,7 Os pacientes devem receber monitori-zação do bloqueio neuromuscular.3,6,7 O uso de dro-gas anticolinérgicas deve ser evitado ao máximo.6,7

Síndrome de Guillain-Barré

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) consiste em uma polineuropatia autoimune, geralmente desenca-deada por processo infeccioso agudo. Clinicamente, manifesta-se como paralisia ascendente simétrica e possível acometimento da musculatura respiratória. Disfunção autonômica é frequente, predispondo à instabilidade hemodinâmica.2,4,6,7

Pacientes com SGB desenvolvem quadro de de-nervação muscular com consequente aumento dos AchRs extrajuncionais. Portanto, deve-se evitar o uso de Sch devido ao risco de hipercalemia fatal e parada cardíaca.2,6 Existem relatos na literatura refe-rentes ao desenvolvimento de resposta hipercalêmi-ca à Sch mesmo após a resolução da sintomatolo-gia clínica. O comportamento farmacológico frente aos bloqueadores não despolarizantes é variável,

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Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

do e duração prolongada.4,6 De acordo com trabalhos recentes, o tempo de início e a duração de ação do rocurônio e mivacúrio estão prolongados após o uso de doses convencionais.6

Distrofia de Becker

A distrofia muscular de Becker é uma doença ge-nética na qual a proteína distrofina encontra-se par-cialmente ausente.14 Sua sintomatologia assemelha-se à de Duchenne, porém tem evolução mais benigna.7

Esses pacientes cursam com o desenvolvimento de sinapses extrajuncionais, portanto, deve-se evitar o uso de BNM despolarizante.7 A despolarização das sinapses extrajuncionais e a rabdomiólise secundária à lesão da célula muscular são causas de hipercale-mia catastrófica.7,14

Bloqueadores neuromusculares não despolari-zantes devem ser usados com moderação. É des-crito atraso no início de ação e na recuperação do bloqueio neuromuscular, podendo ocorrer bloqueio residual prolongado. Caso sejam utilizados, a monito-rização neuromuscular é mandatória.3,7

Distrofia miotônica

A distrofia miotônica é uma doença multissistêmi-ca que acomete, frequentemente, olhos, coração, cé-rebro e tireoide. Sua principal característica clínica é a potente rigidez muscular secundária à ausência do relaxamento após uma contração voluntária.6,7

A maior preocupação anestésica nesses pa-cientes consiste em evitar o uso de BNM despolari-zante. A administração de Sch é associada a com-plicações graves.15 Os doentes podem apresentar resposta exagerada a essa droga, evoluindo com dificuldade de ventilação e intubação decorrentes da contração miotônica e espasmo da musculatura temporomandibular.4,7 Outra complicação poten-cialmente fatal é o risco de parada cardíaca secun-dária à hipercalemia.6,7

Os BNMs não despolarizantes podem ser usados caso o relaxamento muscular seja necessário. É des-crita sensibilidade a esse grupo de fármacos, portan-to, sua administração deve ser sempre titulada com o auxílio da monitorização neuromuscular.4,7 Os BNMs adespolarizantes não estão associados à indução de miotonias, todavia, o uso de anticolinesterásicos

pré-sinápticas. O resultado final consiste na redução da disponibilidade de acetilcolina (Ach) na fenda.4,11

O uso de BNM é o maior desafio durante o ato anestésico. Se possível, os BNMs devem ser evita-dos. Esses pacientes têm sensibilidade aos fármacos despolarizantes e adespolarizantes. Exceção a essa regra são os pacientes que estão em uso de 3,4-diami-nopiridina, que apresentam resistência a essas dro-gas.4,7 Os enfermos podem permanecer com fraqueza ou paralisia muscular por vários dias após o uso de BNM. Sendo necessário relaxamento muscular, deve--se reduzir ao máximo a dose, guiando-se pela moni-torização do bloqueio neuromuscular.4

Anticolinesterásicos podem ser administrados, porém sua eficácia é limitada.4,7 Muitas vezes esses fármacos são incapazes de reverter bloqueios em que foram administrados apenas 5% da dose habitual de BNM não despolarizante.6,8

Inflamação / Infecção

Processos inflamatórios e infecciosos provocam alterações na JNM e, portanto, modificações nas res-postas aos BNM adespolarizantes e Sch.1,12,13 Toxinas bacterianas podem inibir a liberação de Ach na placa motora, culminando com o up-regulation dos AchRs.1

Estudos demonstram resistência aos bloquea-dores não despolarizantes em pacientes portadores de infecção grave com duração igual ou superior a quatro dias. Após uma semana do início do quadro infeccioso, o risco de hipercalemia induzida pela Sch torna-se clinicamente significativo.1

Distrofia muscular de Duchenne

A distrofia muscular de Duchenne é causada por mutações no gene responsável pela síntese da prote-ína distrofina. Essa proteína é necessária para a for-mação correta da membrana pós-sináptica da JNM.14 A maioria desses pacientes necessita de cirurgias or-topédicas corretivas ao longo da vida.6,8

O uso de Sch deve ser evitado devido ao poten-cial risco de rabdomiólise.8 A administração de BNMs adespolarizantes é segura, desde que seja realizada a monitorização do bloqueio neuromuscular. O efeito dessas drogas depende do estágio da doença em que o paciente se encontra. Em portadores de doença avançada, seu uso é associado a efeito inicial retarda-

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S52-S5956

Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

Anticonvulsivantes

Os anticonvulsivantes possuem ação depressora sobre a liberação de Ach na JNM.10 O uso agudo de fenitoína e outros antiepilépticos assemelha-se aos efeitos de baixas doses de BNM adespolarizantes. As semelhanças de efeitos pré e pós-sinápticos dos anticonvulsivantes e BNMs não despolarizantes su-gerem que o uso crônico de fenitoína pode causar antagonismo da Ach em sítios pré e pós-juncionais, resultando em resistência a esse grupo de BNM. Esse fato é evidenciado pela recuperação acelerada a par-tir do bloqueio neuromuscular e há necessidade de doses aumentadas para atingir bloqueio completo e satisfatório.1,10 Por conseguinte, é concebível que o uso de drogas antiepilépticas pode simular denerva-ção química crônica, resultando em proliferação de AchR e resistência aos antagonistas competitivos. Em contrapartida, faltam dados na literatura relacionan-do o uso de anticonvulsivantes e sensibilidade à Sch.1

Explicações adicionais referentes à resistência aos bloqueadores adespolarizantes podem estar re-lacionadas aos efeitos sistêmicos das drogas. Os an-ticonvulsivantes disponíveis na prática clínica são potentes indutores das enzimas hepáticas e podem, dessa forma, aumentar o clearance dos BNMs. Além disso, drogas anticonvulsivas estimulam a liberação de proteínas de fase aguda, incluindo a alfa-1 glico-proteína ácida, responsável pela ligação às diversas drogas. Especula-se, portanto, que a resistência aos BNMs adespolarizantes conferida pelo uso crônico de antiepilépticos pode apresentar bases farmaco-cinéticas e farmacodinâmicas, especialmente para os fármacos que sofrem metabolização hepática.1

O aumento quantitativo dos AchRs nos usuários de anticonvulsivantes é modesto e poderia explicar a ausência de relatos referentes à hipercalemia induzida pela Sch. Consequentemente, é provavelmente seguro o uso de Sch nesses indivíduos. A administração de BNMs não despolarizantes em indivíduos sob terapia recente com fenitoína parece resultar em potencialização do bloqueio neuromuscular. Em contrapartida, a resistên-cia aos antagonistas competitivos nesses usuários geral-mente ocorre após duas semanas de tratamento.1

Paralisia cerebral

A paralisia cerebral (PC) consiste em um grupo de doenças crônicas não progressivas do desenvol-

pode precipitar contraturas devido à sensibilidade aumentada à acetilcolina.6

Distúrbios metabólicos / mitocondriais

Miopatias metabólicas compreendem um grupo de condições que resultam de um erro inato do meta-bolismo, advindo comprometimento muscular.7

Apesar dos dados disponíveis na literatura não su-gerirem o acometimento da JNM no curso clínico das miopatias mitocondriais, foi demonstrada mais sensi-bilidade aos BNMs não despolarizantes. Concomitan-temente, foi relatado aumento da sensibilidade à Sch nesses pacientes. A relação entre HM e miopatias mi-tocondriais não está claramente definida. No entan-to, o consenso atual é de que existe fraca evidência dessa associação. Todavia, frente à suscetibilidade à rabdomiólise, deve-se evitar a Sch.2,4

Imobilização / atrofia

A imobilização prolongada, inserida no contexto clínico de diversas condições patológicas críticas, está associada à atrofia muscular secundária ao desuso.2,16 Em contraste à lesão do neurônio motor, a estrutura neural encontra-se intacta, as fibras musculares per-manecem inervadas, a julgar-se por critérios morfoló-gicos e por potencial presença de placa terminal, além dos segmentos distais das fibras nervosas e muscula-res funcionarem normalmente, uma vez que a estimu-lação do nervo resulta em contração muscular, embo-ra a tensão gerada seja atenuada devido à atrofia.1,2

O comportamento clínico nos quadros de imobi-lização é comparável, porém em menor magnitude, às síndromes de denervação em que há atrofia mus-cular, expansão da área sensível à Ach e proliferação dos AchRs extrajuncionais.1,2,16

A proliferação de AchRs extrajuncionais associa-da à imobilização resulta em sensibilidade à Ach e Sch. Up-regulation pode ser observado precocemen-te, a partir de 6-12 horas, embora não alcance níveis críticos para desencadear hipercalemia maciça até 24-72 horas após o início do quadro.1 Por essa razão, recomenda-se evitar o uso de Sch quando a imobi-lização exceder 24 horas.1,16 Conforme esperado, há um desvio para a direita das curvas dose/resposta e concentração/resposta aos BNMs adespolarizantes, resultanto em resistência a esse grupo de fármacos.1

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Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

que o agonismo crônico aos AchRs resulta em down--regulation também foi demonstrada clinicamente.1,10

O uso prolongado de anticolinesterásicos está as-sociado à diminuição do número de AchR, redução na sensibilidade da área juncional à Ach, atenuação da resposta de contração muscular evocada por estimula-ção direta e indireta, mionecrose e restrição na libera-ção de neurotransmissores pelo terminal pré-sináptico. Conforme esperado, há um desvio para a direita da cur-va dose/resposta à Ach e Sch, resultando em resistên-cia aos agonistas colinérgicos. Em compensação, ob-serva-se sensibilidade aos BNMs não despolarizantes.1

Queimaduras

Pacientes queimados manifestam sensibilidade au-mentada à Ach e Sch e resistência aos BNMs adespola-rizantes. Alterações semelhantes àquelas encontradas em casos de denervação constituem a base fisiopato-lógica para tal comportamento farmacológico.1,16

O tempo necessário para o desenvolvimento de resposta hipercalêmica ao uso de Sch ainda é incer-to. Entretanto, a maioria dos autores contraindica a administração de Sch após 24-48 horas do evento de queimadura. Resistência aos efeitos dos BNMs ades-polarizantes são vistos frequentemente em pacientes com superfície corporal queimada superior a 20%.1

vimento motor e postural, causada por um insulto ao sistema nervoso central imaturo. Associa-se a distúr-bios cognitivos e neurossensoriais.10,17,18

A Sch tem sido utilizada em crianças com PC há vários anos, sem relatos de resposta hipercalê-mica. Embora exista evidência laboratorial de que esses pacientes apresentam mínima up-regulation dos AchRs, esses receptores extrajuncionais não se encontram distribuídos de forma generalizada ao longo das fibras musculares, mas nas proximidades da JNM.17 Além disso, parecem não potencializar a resposta à Sch. Uma das teorias para justificar esse achado é de que os portadores de PC não possuem musculatura totalmente desenvolvida e funcional-mente inervada. Em contrapartida, esses doentes podem demonstrar resistência aos BNMs adespolari-zantes tipo aminoesteroide, conforme determinado por uma rápida recuperação do bloqueio neuro-muscular após a administração de vecurônio. Con-sequentemente, é prudente monitorizar o bloqueio neuromuscular nessas crianças.17

Anticolinesterásicos

Encontra-se estabelecido na literatura que a re-dução crônica dos níveis de Ach na JNM resulta em proliferação dos AchRs. Sobremaneira, a hipótese de

Tabela 2 - Considerações farmacológicas em pacientes com desordens neuromusculares

Entidade Succinilcolina BNM Adespolarizante

Esclerose múltipla Sensibilidade Resposta variável

Esclerose lateral amiotrófica Sensibilidade Sensibilidade

Charcot-Marie-Tooth Evitar Sensibilidade

Distrofinopatias (Duchenne e Becker) Sensibilidade Resposta variável

Distrofia miotônica Evitar Sensibilidade

Miopatias mitocondriais Sensibilidade Sensibilidade

Miastenia gravis Resistência – duração prolongada em usuários crônicos de anticolinesterásicos Sensibilidade

Eaton-Lambert Sensibilidade Sensibilidade

Guillain-Barré Sensibilidade Resistência durante a fase de denervação e sensibilidade durante a fase de reinervação

Pós-poliomielite Sensibilidade Sensibilidade

Imobilização / atrofia Sensibilidade Resistência

Anticonvulsivantes Uso provavelmente seguro Sensibilidade durante o uso agudo e resistência após duas semanas de tratamento com anticonvulsivantes

Condicionamento muscular Comportamento farmacológico incerto Sensibilidade

Paralisia cerebral Uso provavelmente seguro Resistência

Continua...

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Doenças neuromusculares e bloqueadores neuromusculares

criteriosa para conhecimento da doença em ques-tão, do grau de acometimento muscular, respira-tório, cardiovascular e autonômico. O uso de pré--medicação deve ser evitado quando constatado comprometimento da musculatura respiratória e faríngea devido à maior sensibilidade a esse tipo de fármaco. A monitorização da temperatura é importante para evitar efeitos indesejáveis da hipo-termia, como a potencialização do BNM adespola-rizante, assim como para detecção de hipertermia. Drogas que potencializam o bloqueio neuromus-cular, como anestésicos inalatórios, barbitúricos e benzodiazepínicos, devem ser evitados ou ter suas doses restringidas.

Na impossibilidade de realização de anestesia venosa e sendo necessário o uso de BNM ades-polarizante, recomenda-se a redução de doses e monitorização rigorosa. O uso de Sch é contraindi-cado quando há proliferação de AchR. Conforme o comprometimento da reserva respiratória, deve-se assegurar suporte ventilatório no pós-operatório.

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COMPLICAÇÕES

Complicações respiratórias são frequentes no porta-dor de doença neuromuscular, devido ao envolvimento da musculatura ventilatória e da faringe. Além disso, as deformidades físicas podem predispor a doenças pul-monares restritivas. A administração de medicamentos que alteram a mecânica respiratória, como os BNMs, pode levar à descompensação clínica.5 A extubação deve ser feita o mais precoce possível para prevenção da fraqueza muscular secundária à ventilação mecâni-ca prolongada, porém com essa conduta há risco de formação de atelectasias, aspiração, infecção e falên-cia respiratória. A principal causa de morte nesses pa-cientes relaciona-se ao comprometimento respiratório.3

Complicações cardiovasculares incluem descom-pensações, arritmias malignas e aumento da concen-tração sérica de potássio após o uso de Sch, com consequente parada cardíaca. Nesses enfermos, o uso de Sch também pode causar rabdomiólise, ca-racterizada por ativação de AchR extrajuncionais, hipercalemia maciça, aumento sustentado do cálcio sarcoplasmático, hipermetabolismo, depleção de ATP e dano à célula muscular. Os sinais de rabdomi-ólise incluem níveis de CK acima de 10.000U/L, mio-globinúria, acidose metabólica e hipercalemia.5,19

A HM pode ser desencadeada por anestésicos ina-latórios e Sch. Historicamente, há associação entre do-enças neuromusculares e HM, o que não é comprovado pela literatura.3 Entre as miopatias, apenas a doença do core central tem associação com HM, sendo que 90% dos portadores têm mutações do gene da rianodina.8

CONCLUSÃO / RECOMENDAÇÕES

Frente ao paciente portador de doença neuro-muscular, deve ser feita avaliação pré-operatória

... continuação

Tabela 2 - Considerações farmacológicas em pacientes com desordens neuromusculares

Entidade Succinilcolina BNM Adespolarizante

Anticolinesterásicos Resistência Sensibilidade

Queimaduras Sensibilidade Resistência

Inflamação / Infecção Sensibilidade após cerca de sete dias do início do quadro infeccioso Resistência

Charcot-Marie-Tooth Charcot-Marie-Tooth Charcot-Marie-Tooth

Ataxia de Fredrich Ataxia de Fredrich Ataxia de Fredrich

Charcot-Marie-Tooth Charcot-Marie-Tooth Charcot-Marie-Tooth

Fonte: adaptado de Romero A, Joshi GP, 20134; e Martyn JAJ, White DA, Gronert GA et al,19921.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Centro de Ensino e Treinamento da

Santa Casa de Belo HorizonteBelo Horizonte-MG, Brasil

Autor correspondente:Marcelo Fonseca Medeiros

E-mail: [email protected]

1 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia

– SBA. Especialista em Clínica Médica. Instrutor do Centro de Ensino e Treinamento – CET/SBA da Santa Casa

de Belo Horizonte. Anestesiologista do Hospital Municipal Odilon Behrens. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico Anestesiologista. Especialista em Clínica Médica. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de

Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico especializando em Anestesiologia. CET/SBA da

Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Miastenia gravis é uma rara doença autoimune que acomete a junção neuromuscular. A fraqueza e fadiga muscular são um desafio no manejo anestésico, principalmente pelo risco de complicações respiratórias. A escolha da técnica anestésica deve levar em con-sideração a fisiopatologia, o estágio clínico da doença, as drogas utilizadas no tratamen-to clínico e suas interações anestésicas. Se o bloqueador neuromuscular for utilizado, a monitorização do bloqueio neuromuscular é fundamental para uma anestesia segura.

Palavras-chave: Miastenia Gravis; Miastenia Gravis/cirurgia; Junção Neuromuscular; Bloque-adores Neuromusculares; Anestesia/métodos; Interações de Medicamentos; Anestésicos.

ABSTRACT

Myasthenia Gravis is a rare autoimmune disease that affects the neuromuscular junc-tion. The weakness and fatigue of the muscle are a challenge in anesthetic management, manly for respiratory complications. The choice of anesthetic technique should consider the pathophysiology, the clinical stage of disease, the drugs used in a clinical treatment and their anesthetics interactions. If the neuromuscular block was used, the neuromuscu-lar monotoring is essential for a safe anesthesia.

Key words: Myasthenia Gravis; Myasthenia Gravis/surgery; Neuromuscular Junction; Neuromuscular Blocking Agents; Anesthesia/methods; Anesthetics; Drug Interactions.

INTRODUÇÃO

A miastenia gravis (MG) é uma rara doença autoimune que acomete a junção neuromuscular.1,2 A doença apresenta distribuição bimodal, acometendo principal-mente mulheres na terceira e quarta décadas de vida, na proporção de 3:23 e idosos entre 60 e 80 anos.4 A prevalência da MG aumentou nas últimas décadas, possivel-mente pelo envelhecimento da população e maior número de diagnósticos, entre-tanto, sem aumento correspondente na mortalidade.3

Não existe etiologia definida, sendo relatadas como as possíveis: fatores am-bientais, agentes infecciosos, principalmente virais5,6, e predisposição genética.7 Os fatores desencadeantes da doença também são desconhecidos, tendo possíveis associações com uso de antimicrobianos, infecções, estresse emocional, cirurgias, traumas e gestação.8

A doença é desencadeada por anticorpos contra a junção neuromuscular e esse caráter imunológico é demonstrado pela melhora clínica substancial com o uso de plasmaférese.9,10 Outro fator que demonstra um possível componente imunológico

Anesthetics implications in myasthenia gravis – review

Marcelo Fonseca Medeiros1, Marcelo Vaz Nunes2, Luis Gustavo Torres dos Santos3, Rafael Bahia Ravaiane3

Implicações anestésicas na miastenia gravis – revisão da literatura

DOI: 10.5935/2238-3182.20160010

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Implicações anestésicas na miastenia gravis – revisão da literatura

Clínica da Fundação Americana de Miastenia Gravis (CCFAM), como se segue:

Classificação Clínica da Fundação Americana de miastenia gravis:

■ Classe I – fraqueza ocular, sem comprometimen-to de outros músculos.

■ Classe II – fraqueza leve afetando além da mus-culatura ocular.

■ IIa – afetando predominantemente membros, musculatura axial ou ambos. Pode ter menos envolvimento de musculatura orofaríngea.

■ IIb – afetando predominantemente orofarin-ge, musculatura respiratória ou ambos. Pode ter menos ou igual envolvimento de mem-bros, musculatura axial ou ambos.

■ Classe III – fraqueza moderada afetando além da musculatura ocular.

■ IIIa – afetando predominantemente membros, musculatura axial ou ambos. Pode ter menos envolvimento de musculatura orofaríngea.

■ IIIb – afetando predominantemente orofarin-ge, musculatura respiratória ou ambos. Pode ter menos ou igual envolvimento de mem-bros, musculatura axial ou ambos.

■ Classe IV – fraqueza grave afetando além da mus-culatura ocular.

■ IVa – afetando predominantemente membros, musculatura axial ou ambos. Pode ter menos envolvimento de musculatura orofaríngea.

■ IVb – afetando predominantemente orofarin-ge, musculatura respiratória ou ambos. Pode ter menos ou igual envolvimento de mem-bros, musculatura axial ou ambos.

■ Classe V – definida por intubação, com ou sem ventilação mecânica, exceto quando utilizada de rotina no pós-operatório. O uso de cateter de oxigê-nio sem intubação classifica o paciente como IV b.

O diagnóstico é baseado na detecção dos anticor-pos antirreceptores colinérgicos nicotínicos ou anti-corpos anticinase específica do músculo. A adminis-tração intravenosa de baixas doses de edrofônio (2-8 mg) com consequente melhora da força muscular pode auxiliar no diagnóstico. Em alguns casos faz--se necessária a eletroneuromiografia de fibra única, que evidencia fadiga após estímulos repetidos.11-13

O tratamento da MG é baseado em quatro medi-das: tratamento sintomático, imunomodulação crôni-ca, imunomodulação de inicio rápido e tratamento

são as anormalidades do timo: 75% dos pacientes apresentam hiperplasia deste órgão e 10% eviden-ciam timoma. A timectomia, quando indicada, pode melhorar os sintomas, mas não necessariamente cura a doença.11

Cerca de 80 a 85% dos pacientes apresentam anti-corpos contra receptores nicotínicos (rAch) da placa motora. Os demais 20% evidenciam sorologia nega-tiva para os rAchs e positiva para anticorpos contra cinase específica do músculo.11

No paciente miastênico a menor eficiência da transmissão neuromuscular combinada à exaustão pré-sináptica normal resulta na ativação de um nú-mero cada vez menor de fibras musculares, pelos su-cessivos impulsos nervosos que, por sua vez, levam à fraqueza e fadiga dos músculos esqueléticos. A dimi-nuição da força muscular e fadiga pioram ao longo do dia com o uso repetitivo e apresentam melhora após o repouso.

Existem várias formas de acometimento: a fraque-za localizada da musculatura ocular (diplopia e ptose), o envolvimento bulbar (disartria e disfagia) e a fraque-za muscular generalizada com possível comprome-timento respiratório.10,12-14 Pacientes com MG podem apresentar exacerbações agudas conhecidas como crises miastênicas, que se manifestam com piora da fraqueza muscular e piora do padrão respiratório.

A gravidade e caráter flutuante dos sintomas da MG, assim como a variabilidade de grupos muscula-res envolvidos, tornam extremamente difícil a clas-sificação desses pacientes. Classicamente, a escala de Osserman tenta classificar os pacientes de acordo com o acometimento ocular ou sistêmico, assim como em relação à evolução da doença, conforme se segue:

Classificação de Osserman e Genkins – 1971: ■ Grau I – ocular pura. ■ Grau II a – generalizada leve com lenta progres-

são, sem crises, responsiva a drogas. ■ Grau II b – generalizada moderada, com envol-

vimento muscular esquelético e bulbar, mas sem crises e com respostas limitadas às drogas.

■ Grau III – aguda fulminante com rápida progres-são para insuficiência respiratória.

■ Grau IV – tardia grave, a qual progride como grau III, porém fica mais de dois anos como grau I ou II.

Com o intuito de tentar uniformizar os grupos de pacientes de acordo com a gravidade dos sintomas e estabelecer linhas terapêuticas comparáveis, criou--se uma nova classificação clínica, a Classificação

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Implicações anestésicas na miastenia gravis – revisão da literatura

não necessitará de suporte ventilatório no pós-operató-rio. Quando a soma estiver entre 10 e 34 pontos, a pro-babilidade de suporte ventilatório após a cirurgia é alta.

Lu et al.22 avaliaram fatores de risco para pos-sibilidade de falência respiratória na extubação e identificaram que níveis elevados na Classificação Clínica Americana de Miastenia Gravis é um fator de risco independente.

Outros critérios para extubação de pacientes com MG são propostos. A extubação deve prosseguir após serem alcançados nível normal de consciência, volu-me corrente de, no mínimo, 5 mL.kg, ventilação es-pontânea com PaCO2 ≤ 50 mmHg, PO2 ≥ 90 mmHg e frequência respiratória ≤ 30 incursões.min-1. É crucial que se faça monitorização da função neuromuscular para garantir que não haja bloqueio residual antes de promover a extubação.10,23 Uma medida de sequência de quatro estímulos SQE ≥ 0,9 seria segura para tal fim.

O tipo de tratamento realizado também deve ser discriminado. A maioria dos pacientes estará usan-do inibidores da acetilcolinesterase, como a piridos-tigmina, e menos comumente a neostigmina. A piri-dostigmina atua inibindo tanto a acetilcolinesterase como a pseudocolinesterase. Como consequência há alteração na hidrólise da succinilcolina e do BNM adespolarizante mivacúrio10, potencializando sua ação.24 A manutenção da piridostigmina até o dia do procedimento não é consenso entre os auto-res10; os pacientes em uso desses inibidores podem ter diminuição da resposta à neostigmina no perio-peratório, dificultando ainda mais a reversão do blo-queio neuromuscular13 e com risco de desencadear crise colinérgica.

A crise colinérgica ocorre quando há superdo-sagem de anticolinesterásico, manifestando-se com sialorreia, sudorese excessiva, cólicas abdominais, urgência urinária, bradicardia, fasciculações e fra-queza muscular. O tratamento é de suporte, incluin-do intubação traqueal e atropina10,13 até a interrupção dos sintomas colinérgicos. A diferenciação entre as crises miastênica e colinérgica pode ser realizada com a administração de dose única de edrofônio. Com isso haveria melhora dos sintomas da miastenia e agravamento dos sintomas colinérgicos.

A monitorização perioperatória deve contemplar a mínima necessária exigida pela Resolução do CFM nº 1802/06.25 Atenção especial deve ser prestada ao grau de bloqueio neuromuscular. Parâmetros clíni-cos têm se mostrado insuficientes em predizer a res-posta individual aos bloqueadores neuromusculares.

cirúrgico. O tratamento sintomático é realizado com anticolinesterásico, principalmente piridostigmina, com o objetivo de prolongar o efeito da acetilcolina, melhorando a força muscular. A imunomodulação crônica é feita com a administração de glicocorticoi-des, azatioprina, micofenolato e ciclosporina. Por sua vez, a imunomodulação de início rápido é realizada com a plasmaférese ou imunoglobulina, ficando re-servado para pacientes de difícil controle ou que se apresentem com crise miastênica. A timectomia está indicada em pacientes com timoma e aqueles com doença generalizada e grave, visando reduzir o nível de anticorpos contra receptores de acetilcolina.11,12,16,17

MANEJO ANESTÉSICO NA MIASTENIA GRAVIS

A escolha da técnica anestésica nos pacientes com miastenia gravis é desafiadora. Deve-se ter em mente a fisiopatologia da doença e sua alteração no funciona-mento da placa motora, bem como as possíveis intera-ções dos vários agentes anestésicos na função muscular. Além disso, o próprio tratamento da MG com anticoli-nesterásicos pode influenciar o manejo anestésico.13,18

Avaliação pré-anestésica detalhada é de extre-ma importância nos casos de MG. Faz-se necessário determinar o grau de fraqueza muscular e os grupos musculares envolvidos. Quantificar a função pulmo-nar é importante em todos os estágios da doença.19

Testes de função respiratória podem ser úteis20, aju-dando a determinar uma possível necessidade de ventilação prolongada no pós-operatório.13

Leventhal et al.21 elaboraram uma pontuação para predizer a necessidade de suporte ventilatório no pós-operatório em pacientes com MG submetidos à timectomia:

Caso o paciente tenha pontuação de seus fatores abaixo de 10, provavelmente poderá ser extubado e

Tabela 1 - Pontuação para predição da necessida-de de ventilação mecânica no pós-operatório de Miastenia Gravis

Fatores de Risco Pontos

Duração da doença > 6 anos 12

História de doença pulmonar crônica 10

Dose diária de piridostigmina > 750 mg 8

Capacidade vital > 2,9 L 4

Total de pontos 34

Fonte: adaptada de Leventhal et al. 21

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Implicações anestésicas na miastenia gravis – revisão da literatura

grau de resposta aos bloqueadores neuromusculares nos pacientes com miastenia gravis.

O uso de bloqueadores neuromusculares em pa-cientes com MG tem sido associado a elevada taxa de extubação malsucedida e maiores tempos de ven-tilação mecânica pós-operatória e de internação.18 Quando for necessário utilizar esses agentes, reco-menda-se que sejam administrados aqueles de curta/intermediária duração, tais como mivacúrio, atracú-rio, cisatracúrio, rocurônio e vecurônio e, em meno-res doses, aliado à monitoriação neuromuscular.10

A reversão do BNM com o uso de anticolines-terásicos é controversa12, pelo risco de desenca-deamento de crise colinérgica. Recentemente foi introduzido no mercado o sugammadex, uma ga-maciclodextrina quimicamente modificada capaz de encapsular agentes adespolarizantes esteroidais, como o rocurônio e vecurônio. Foram demonstra-das por vários autores a segurança e efetividade de seu uso nos pacientes com MG.29

Vymazal et al.30 anestesiaram 117 pacientes com MG usando rocurônio 0,6 mg.kg-1 e sugammadex 2 mg.kg-1 ou 4 mg.kg-1, dependendo do grau de bloqueio medido pela SQE. Não foi observado qualquer sinal de curarização residual ou depressão respiratória no pós-operatório. O estudo também não registrou caso de reintubação nas primeiras 48 horas ou casos de pneumonia nas primeiras 120 horas. A reversão do bloqueio neuromuscular com o sugammadex foi con-fiável, previsível e rápida, sem a necessidade de haver redução na dose de indução do rocurônio.

CONCLUSÃO

O manejo de um paciente portador de MG re-quer a compreensão da fisiopatologia da doença e o conhecimento da interação entre os agentes anes-tésicos mais comumente usados e o tratamento da MG. As alterações musculares devem ser levadas em consideração para a escolha da técnica anestésica, priorizando o uso de fármacos sem grande potencial de acúmulo e de rápida eliminação. Caso seja neces-sário o uso de BNM, é prudente monitorizar o grau de bloqueio neuromuscular e certificar-se de que não haja bloqueio residual no momento da extubação.

O sugammadex é uma escolha segura e confiável na eventualidade da necessidade de reversão de blo-queio neuromuscular pelo rocurônio ou vecurônio em pacientes portadores de MG.

Agentes anestésicos podem alterar a atividade da placa motora e alguns autores, como Mann et al. 26, sugerem que a monitorização neuromuscular com a sequência de quatro estímulos (SQE, TOF) seja rotina nos pacientes com MG, devendo ser instituída logo na indução anestésica.

O uso de halogenados na MG tais como sevoflu-rano, isoflurano, desflurano, enflurano ou halota-no interferiu na transmissão neuromuscular, tanto in vitro, quanto in vivo. Na prática, isso pode ser percebido com a redução dose-dependente na re-lação T4/T1 durante anestesia com esses agentes. Importante lembrar que esses inalatórios podem aumentar os efeitos dos BNMs adespolarizantes.27 Entretanto, não há evidências clínicas significativas de bloqueio neuromuscular residual pós-operatório ocasionado exclusivamente por isoflurano, sevoflu-rano ou desflurano.13

Entre os fármacos venosos para indução e ma-nutenção, o propofol parece ser a melhor opção. Ele não demonstra alterar a função neuromuscular13 e tem a capacidade de diminuir os reflexos das vias aéreas, permitindo boas condições de intubação na maioria dos pacientes. Seus perfis farmacodinâmico e farmacocinético permitem rápida recuperação da consciência, dos reflexos de via aérea e retorno à ventilação espontânea.18

Com a preocupação de se evitar depressão res-piratória pós-operatória, o uso de opioides com po-tencial de acúmulo deve ser evitado. O remifentanil apresenta perfil farmacológico adequado para anal-gesia no perioperatório.28

Analgesia peridural mostra benefícios nos pa-cientes com MG tanto durante a cirurgia como no pós-operatório, para o melhor controle da dor e me-lhora da função ventilatória. Os anestésicos locais (AL) do tipo éster são metabolizados por pseudoco-linesterases, devendo ser evitados em pacientes em tratamento com anticolinesterásicos. Os ALs do tipo aminoamida, como a ropivacaína e bupivacaína, são seguros para o uso em MG.10

O equilíbrio entre a perda de receptores de ace-tilcolina e a atividade dos receptores remanescentes determina os sintomas clínicos e a sensibilidade aos bloqueadores neuromusculares.26 A diminuição do número e função desses receptores na placa motora interfere na resposta à acetilcolina, aumenta a resistên-cia aos BNMs despolarizantes, como a succinilcolina, e aumenta a sensibilidade aos BNMs adespolarizan-tes.24 Há uma heterogeneidade de apresentações no

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Santa Casa de Belo Horizonte Centro de Ensino e Treinamento Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Luis Gustavo Torres dos SantosE-mail: [email protected]

1 Médico Especializando em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento (CET) da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Anestesiologista. Instrutor do Centro de Ensino e Treinamento (CET) da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

O advento da modalidade fast-track em cirurgias cardíacas resultou do uso de fármacos em doses mais baixas ou de ação mais curta e com menos potencial de acúmulo. O manejo do bloqueio neuromuscular também é passível de sofrer alteração decorrente da escolha do agente utilizado. Este estudo é uma revisão da literatura acerca da influência do tipo de bloqueador neuromuscular nas cirurgias cardíacas com circulação extracor-pórea (CEC) na população adulta e da incidência de bloqueio neuromuscular residual no pós-operatório. A extubação precoce é um dos pilares do fast-track. Existe nova tendência a se usar agentes de intermediária duração e há recomendação de que o grau de bloqueio seja monitorizado tanto no intra como no pós-operatório, no momento da extubação. Há benefícios para o sistema cardiovascular e respiratório, quando se reassu-me a ventilação espontânea, tais como melhora na função sistólica, aumento do índice cardíaco e redução no shunt intrapulmonar e atelectasias. Pacientes submetidos a uma segunda operação cardíaca relatam que extubação traqueal precoce é uma experiência muito superior em comparação com 12-24h de intubação pós-operatória.

Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Cardíacos; Bloqueadores Neuromusculares; Circulação Extracorpórea.

ABSTRACT

The advent of fast-track mode in heart surgeries result from the use of drugs in smaller doses or shorter action and less accumulation potential. The management of neuromus-cular blockade is also likely to be altered due to the choice of agent used. This study is a review of the literature about the influence of the type of neuromuscular blocker in cardiac surgery with cardiopulmonary bypass (CPB) in theadult population and the incidence of residual neuromuscular blockade postoperatively. Early extubation is one of the fast-track pillars. There is a new trend to use of intermediate duration agents and a recommendation that the degree of block is monitored both intra- and postoperatively at the time of extubation. There are benefits to the cardiovascular and respiratory sys-tem when it resumes spontaneous breathing, such as improvement in systolic function, increased heart rate and reduced intrapulmonary shunt and atelectasis. Patients who underwent a second heart surgery reported that early extubation is a far superior expe-rience compared to 12-24 h postoperative intubation.

Key words: Cardiac Surgical Procedures; Neuromuscular Blocking Agents; Extracorporeal Circulation.

Influence of neuromuscular-block drug on cardiac surgery involving cardiopulmonary by-pass in respect of residual neuromuscular blockade in adults: literature review

Luis Gustavo Torres dos Santos1, Marcel Andrade Souki2

Influência do bloqueador neuromuscular em cirurgia cardíaca envolvendo circulação extracorpórea em relação a bloqueio neuromuscular residual em adultos: revisão da literatura

DOI: 10.5935/2238-3182.20160011

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Influência do bloqueador neuromuscular em cirurgia cardíaca envolvendo circulação extracorpórea em relação a bloqueio ...

proteínas plasmáticas, apesar de que isso parece não ser alteração significativa no que se refere a agentes bloqueadores neuromusculares.

A hipotermia durante a CEC leva a alterações no metabolismo, diminuindo a atividade enzimática, po-dendo, com isso, diminuir funções de tecidos como o muscular, hepático, renal e cerebral. A diminuição da taxa de eliminação durante a hipotermia provoca len-tificação no declínio da concentração plasmática do BNM ao longo do tempo, consequentemente, maior quantidade de fármaco fica disponível na junção neu-romuscular.5,6 Quando se dá o reaquecimento, pode haver o retorno para a circulação de fármacos que porventura ficaram depositados nos tecidos, fazendo com que sua concentração plasmática se altere.

Ademais, os efeitos da redução da temperatura corpórea induzida durante a CEC têm impacto relevan-te em todo o organismo e na duração dos efeitos dos agentes bloqueadores neuromusculares, uma vez que existe relação direta entre a temperatura corporal cen-tral e o grau de resposta muscular, que pode ser esti-mada por meio da medição da temperatura do sangue central. Assim, pequenas alterações na temperatura corporal total (> 2°C) podem causar considerável pro-longamento da duração dos efeitos desses fármacos.7

Esse fato pode ser explicado porque a constante de velocidade de equilíbrio plasma-sítio efetor (Ke0) diminui com a redução da temperatura corporal cen-tral. Assim, o equilíbrio entre a droga na circulação e a junção neuromuscular é ligeiramente prolongado durante a hipotermia. A implicação clínica é que o tempo de latência do relaxante muscular está aumen-tado em pacientes hipotérmicos e o tempo de recupe-ração pode ser prolongado.5

Mudanças nas concentrações de alguns íons du-rante a CEC ainda podem interferir na ação dos agen-tes neuromusculares, em particular a diminuição das concentrações plasmáticas de magnésio e cálcio re-sulta em diminuição da contratilidade muscular.8 A hipotermia pode reduzir a sensibilidade dos miofila-mentos ao Ca2+, o que explicaria a redução da contra-tilidade, como referem alguns estudos em animais.9-11

A extubação traqueal tão cedo como nas primei-ras oito horas após a admissão na UTI é considerada um dos objetivos-chave do fast-track. O uso de BNM de curta/intermediária duração e a recuperação da transmissão neuromuscular a valores normais mostram-se necessários para esse fim. É possível que o uso de bloqueadores de longa duração, como tradicionalmente se faz recorrendo ao pancurônio,

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é revisar a hipótese de influência da escolha do bloqueador neuromuscular nas cirurgias cardíacas com circulação extracorpó-rea (CEC) na população adulta em relação à incidên-cia de bloqueio neuromuscular residual (BNMR) no pós-operatório e ao tempo de ventilação mecânica (VM), bem como eventuais consequências relevan-tes relacionadas.

O trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfi-ca para revisar a literatura, tendo como base:

■ artigos científicos sobre o tema, acessados nas bases de dados do MEDSCAPE, MEDLINE, CO-CHRANE, Portal CAPES, sem restrição quanto ao ano de publicação;

■ livros didáticos disponíveis em acervo próprio.

Para inclusão na revisão foram consideradas as referências que abordassem cirurgia cardíaca, circulação extracorpórea, fasttrack, bloqueio neu-romuscular, bloqueio residual, tempo de ventilação mecânica na unidade de tratamento intensivo (UTI) e complicações pós-operatórias. Após a seleção, rea-lizou-se leitura analítica e pormenorizada a fim de se obter e organizar dados que permitissem responder ao questionamento do trabalho.

CONTEXTO TEÓRICO

Em meados da década de 1990, com o objetivo de reduzir custos hospitalares sem alterar a segurança do cuidado ao paciente, teve início uma abordagem na qual foram reduzidas as doses de opioides, hipnóticos e agentes voláteis na anestesia para cirurgia cardía-ca.1-3 Essas mudanças fazem parte do então chama-do “programa fast-track”. Incluída nele ainda está a tentativa de extubação traqueal tão cedo como nas primeiras 8 a 10 horas após a admissão na unidade de tratamento intensivo (UTI), alta da unidade intensiva durante as primeiras 24 horas de pós-operatório e alta hospitalar no sexto dia pós-operatório, ou antes.4

Durante a cirurgia, a CEC e a solução utilizada para o priming conferem modificações farmacodinâ-micas e farmacocinéticas. A hemodiluição ocasiona-da pode acarretar diminuição da concentração total de fármaco livre, bem como na quantidade de pro-teínas circulantes. Assim, pode haver desequilíbrio entre as frações livres de fármacos e aquela ligada às

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BENEFÍCIOS DE EXTUBAÇÃO PRECOCE

Além das complicações citadas anteriormente, o uso de bloqueadores neuromusculares de duração in-termediária contribuiria para a diminuição do tempo de ventilação mecânica. Essa redução na duração de intubação traqueal resultaria em inúmeras vantagens para o paciente, já que há benefícios potenciais, in-clusive quando o tempo de desmame e de extubação traqueal é reduzido, mesmo para tão pouco quanto 1 a 3h. A transição da ventilação controlada para venti-lação espontânea e extubação resulta em melhorias rápidas no desempenho cardíaco. Ocorrem aumentos significativos no diâmetro ventricular esquerdo no fi-nal da diástole, na função sistólica e índice cardíaco. Extubação precoce traqueal também pode reduzir a demanda por sedativos e analgésicos, permitir mobi-lização precoce do paciente e melhorar a função pul-monar, reduzindo shunt intrapulmonar e atelectasias. Finalmente, extubação traqueal precoce pode produ-zir melhorias na percepção da experiência periopera-tória dos pacientes. Há relato de pacientes submetidos a uma segunda operação cardíaca de que extubação traqueal precoce é uma experiência muito superior em comparação com 12-24h de intubação pós-operatória.6

Existem algumas divergências nos resultados do fast-track em relação ao tempo de permanência na UTI, bem como na duração total de internação hos-pitalar.3,4,6,15Algumas hipóteses para que não haja di-ferenças significativas nesse quesito são, por exem-plo, horários predefinidos pela enfermagem para troca de plantão, o que atrasaria a transferência dos pacientes para tipos diferentes de unidade de inter-nação quando há proximidade com o horário limite entre turnos.   Além disso, pode haver interferência do número reduzido de funcionários, tanto de mé-dicos quanto da enfermagem, no período noturno, podendo ser fator de adiamento da alta para outras unidades no turno seguinte.

CONCLUSÃO

Anestesia geral baseada no uso de opioides em baixa dose e protocolos dirigidos para o fast-tra-ck têm riscos similares de mortalidade e principais complicações pós-operatórias quando comparados aos do tratamento convencional (não fast-track) e, portanto, parece ser segura em pacientes considera-dos de risco baixo a moderado.

estivesse associado ao prolongamento do bloqueio muscular e do tempo em ventilação mecânica. Pes-quisa realizada por Murphy et al.12 revelou que o pancurônio ainda era o principal BNM utilizado nas cirurgias cardíacas, o que parece ir em direção con-trária à prática atual anestesiológica: evitar o uso de BNMs de longa duração.8,12

Murphy et al. realizaram estudo comparando pancurônio e rocurônio e a influência deles no tempo necessário para extubação traqueal. Foram usadas como parâmetro as medidas de trainof four (TOF) e sinais e sintomas de paralisia residual 15 min após a extubação. O valor médio do TOF foi de 0,99 para o grupo do rocurônio e de apenas 0,26 no grupo de pancurônio, na quarta hora após admissão na UTI.13

Sobre o resultado negativo do bloqueio neuro-muscular residual pós-operatório, sabe-se que o BNMR está associado a várias complicações pós-ope-ratórias: obstrução da via aérea superior, hipoventi-lação, atelectasia, disfunção faríngea com aumento do risco de aspiração, diminuição da resposta venti-latória à hipóxia e colapso das vias aéreas durante a inspiração forçada7. O uso prolongado de BNMs du-rante a internação na UTI pode levar a neuromiopatia e fraqueza muscular.

Graus moderados de bloqueio neuromuscular levam à diminuição da sensibilidade de quimiorre-ceptores à hipóxia. No estudo realizado por Berg14 para avaliar BNMR como fator de risco para com-plicações pulmonares pós-operatórias, notou-se maior incidência dessas complicações no grupo que recebeu pancurônio em contraste com aque-les que receberam atracúrio ou vecurônio. Parali-sia parcial dos músculos ventilatórios e o funcio-namento incompleto dos músculos da faringe e esôfago superior por período prolongado provavel-mente levaram o grupo que recebeu pancurônio a alto índice de complicações.14

Sempre que bloqueadores neuromusculares são utilizados, ou tenham sido utilizados, deve ser feito monitoramento estrito. Titulação para um acompanha-mento objetivo pode reduzir a quantidade de bloquea-dores, evitar BNM profundo desnecessário e permitir a titulação do fármaco para necessidades específicas. Qualquer agente com o risco de acúmulo, como o pan-curônio, deve ser abandonado8, pelo impacto negativo no desfecho por atrasar extubação traqueal, prolongar tempo de ventilação mecânica e, devido a isso, estar associado a complicações pulmonares.

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Embora não tenha havido redução no tempo de permanência hospitalar no tipo de cirurgia analisa-da, conforme se demonstrou na presente revisão de literatura, o fast-track reduziu o tempo de extubação e encurtou o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva.

A alta incidência de paralisia residual pós-ope-ratória em cirurgia cardíaca pode também ser devi-da ao fato de que muitos anestesiologistas ainda se concentram mais no manejo hemodinâmico durante a cirurgia, nem sempre considerando o fast-tracking para o pós-operatório como a sua prioridade de aten-dimento.8 Com isso, é frequente o uso de BNM de ação prolongada como o pancurônio, com potencial de acúmulo, não levando em consideração os poten-ciais benefícios de uma extubação precoce no me-lhor desfecho para o paciente. Ocorre que uma das bases do programa de fasttrack é a seleção da “me-lhor prática” entre as diferentes opções de manejo.

Tendo em vista o exposto, é possível que seja de grande relevância para o manejo anestésico de cirurgia cardíaca com uso de CEC a monitorização do bloqueio neuromuscular tanto no intraoperatório, como no pós-operatório durante tentativa de extuba-ção. Assim, o BNM seria usado de forma racional e na quantidade adequada, de acordo com a necessidade de cada fase da cirurgia. E, para isso, a melhor opção seria adotar preferencialmente agentes de intermedi-ária duração, como cisatracúrio ou rocurônio.

Para que se possa afirmar categoricamente os be-nefícios decorrentes do uso de BNM de intermediária duração nas cirurgias cardíacas, são necessárias mais pesquisas que ratifiquem a hipótese apresentada.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Gustavo Henrique Silva E-mail: [email protected]

1 Médico Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento-CET/Sociedade Brasileira de Anestesiologia--SBA. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Anestesiologista. Título Superior em Aneste-siologia-TSA/SBA. Corresponsável pela Residência em Anestesiologia. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia-TSA/SBA. Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Os bloqueadores neuromusculares (BNM) estão no cotidiano dos anestesiologistas e fazem parte de um arsenal terapêutico amplo na prática médica. Entretanto, a succinil-colina permanece como única droga de ação ultracurta e segura em relação a bloqueio residual para a maioria dos pacientes. O bloqueio neuromuscular residual está associa-do a aumento da morbimortalidade peroperatória, principalmente devido às complica-ções pulmonares pós-operatórias. Diante disso, deu-se início à criação dos novos BNMs gantacúrio e seu sucessor CW002 que, associados à cisteína, molécula reversora do bloqueio, podem diminuir os riscos de bloqueio residual. Nesse cenário, o sugamma-dex vê o calabadion, fármaco com mecanismo de ação similar, superar e ampliar seus desfechos relacionados à reversão do bloqueio neuromuscular profundo.

Palavras-chave: Bloqueio Neuromuscular; Bloqueadores Neuromusculares; Anestesia; Ações Farmacológicas; Drogas em Investigação.

ABSTRACT

Neuromuscular-blocking drugs are in daily life of Anesthesiologist and are part of a broad therapeutic arsenal in medical practice. However, succinilcoline is still the only ultra-short action drug and safe in relation to residual block for majority of patients. Residual neuromuscular block is related to increase in perioperative morbi-mortality, mainly due to respiratory complications. Therefore, research was held in developing new neuromuscular-blocking drugs: gantacurium and CW002, which associated with cysteine, a block-reversal molecule, may decrease the risks related to residual block. In this scenario, the new calabadion drug, with simular pharmacodynamics to sugam-madex, may overcome and augment their outcomes related to reversal of a profound neuromuscular block.

Key words: Neuromuscular Blockade; Neuromuscular Blocking Agents; Anesthesia; Phar-macologic Actions; Drugs, Investigational.

INTRODUÇÃO

Mais de 400 milhões de pacientes recebem bloqueadores neuromusculares (BNM) anualmente com o objetivo de facilitar a intubação orotraqueal, melhorar a exposi-ção do campo cirúrgico ou nas unidades de terapia intensiva e centros cirúrgicos para controle da ventilação mecânica nos casos de assincronia paciente-ventilador.1

Após mais de 70 anos da introdução do doxacúrio no ambiente cirúrgico, a suc-cinilcolina, introduzida em 1951, permanece como o único BNM com rápido início de ação e duração ultracurta (menos de 10 minutos). A indústria farmacêutica conti-

New neuromuscular blocking drugs

Héctor Yuri de Souza Ferreira1, Vinicius Caldeira Quintão2, Carlos Alexandre de Freitas Trindade3

Novos bloqueadores neuromusculares

DOI: 10.5935/2238-3182.20160012

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Novos bloqueadores neuromusculares

mg/kg), libera histamina em moderada quantidade, trazendo repercussão hemodinâmica, evidenciada pela diminuição de 17% da pressão arterial média (PAM).9 Nos ensaios clínicos em humanos também foi determinado o início de ação com 2 minutos uti-lizando uma DE95 e duração de 12 a 14 minutos, evi-denciado pelo retorno do train of four acima de 90%.

A experiência com gantacúrio fez surgir o me-canismo de inativação pela cisteína, cuja interação não parece ser transitória, já que se misturando as duas drogas e injetando-as em cães houve rápida recuperação do bloqueio neuromuscular, mesmo se utilizando doses altas de gantacúrio. Além disso, sua base molecular – fumarato – serviu de modelo para a criação do CW002, molécula mais estável (com a retirada da molécula de Cloro) e que mantém o me-canismo de inativação pela cisteína.10

Desse modo, o CW002 foi intencionalmente modi-ficado para que a interação com a cisteína endógena fosse mais lenta, o que possibilita duração de ação in-termediária ou pelo menos superior à do gantacúrio.11 Os estudos pré-clínicos em animais trouxeram mais variabilidade na dose-padrão com a mudança das espécies avaliadas se comparado ao gantacúrio. In-dependentemente disso, o aumento de duas a três ve-zes da DE95 demonstrou um bloqueador de duração intermediária, a despeito da espécie, o que era o ob-jetivo inicial da modificação molecular.12 Os ensaios clínicos em humanos de fase 1 iniciaram em 2012 e mostraram uma DE95 de 0,07 mg-kg, com duração de 55 min. Aumentando a DE em 50% ou dobrando-a, o início de ação seria de 2 minutos, semelhante à do gantacúrio, mas sem diminuição da PAM. Não houve evidência de liberação de histamina.13,14 Mais estudos estão sendo conduzidos para garantir a segurança do CW002 em humanos.

A cisteína é um aminoácido essencial e seu uso já está consagrado na dieta enteral para recém--nascidos, sem efeitos adversos graves.15 Também é muito útil nos casos de intoxicação por paracetamol nos EUA, onde é utilizada a N-acetilcisteína em altas doses com boa tolerância.16 Entretanto, estudo reali-zado em cães procurou estimar a dose ideal e avaliar o perfil de neurotoxicidade da mesma.17-19 A molécula tem potencial neuroexcitatório e parece contribuir para processos neurodegenerativos. Todavia, nesse estudo, cães receberam doses repetidas de cisteína e não tiveram alterações de comportamento ao lon-go de quatro semanas de seguimento. Ao contrário do binômio sugammadex-rocurônio, em que há um

nua à procura da droga ideal que suplante os efeitos adversos da succinilcolina2,3 e mantenha suas carac-terísticas farmacocinéticas ideais, tais como chance remota de efeito residual e ótimas condições de intu-bação em 60 segundos.4

Nos últimos anos, após mais disponibilidade e estudo da monitorização da junção neuromuscular5, grande preocupação foi direcionada para o bloqueio neuromuscular residual, responsável por boa parte das complicações pulmonares pós-operatórias, prin-cipalmente em pacientes suscetíveis, tais como ido-sos, obesos e cirurgias de abdome superior.6,7

Nesse sentido, tornou-se necessária a criação de bloqueadores neuromusculares de ação ultracurta ou a utilização de reversores mais eficazes e com menos efeitos colaterais. Portanto, essa revisão aborda a cria-ção do gantacúrio e seu sucessor – CW002 –, ambos fumaratos, como futuros BNMs que aumentariam a se-gurança do procedimento anestésico associado à re-versão do bloqueio neuromuscular profundo pela cis-teína. Além disso, o artigo traz à tona o fenômeno de encapsulamento molecular dos BNMs pelo calabadion em modelos animais, fenômeno este primeiramente descrito com o uso de sugammadex e rocurônio.

GANTACÚRIO E CW002 VERSUS CISTEÍNA

O gantacúrio (dose eficaz DE95: 0,19 mg/kg), um alfafumarato e protótipo molecular de duração ul-tracurta, trouxe ao cenário anestesiológico um novo paradigma: a inativação do bloqueio neuromuscular pela cisteína.3

Inicialmente foi levantada a hipótese de rápida hidrólise plasmática, mas observações posteriores evidenciaram interação do gantacúrio com a L-cis-teína endógena. Ficou demonstrado que essa inte-ração era bem rápida (meia-vida em torno de 15s) e terminava na produção de um adulto com pouquíssi-ma afinidade pelo receptor nicotínico. A inativação molecular é feita por mecanismos não enzimáticos. Envolve interação entre o grupo tiol da cisteína com o centro olefínico do fumarato. O átomo de Cloro, presente no gantacúrio, aparentemente facilita essa reação. Estudos em animais, utilizando altas doses desse bloqueador (até 25 vezes a DE95), não mos-traram evidencias de broncoespasmo e repercussão hemodinâmica advinda da liberação de histamina.8,9 Entretanto, quando utilizado para sequência rápida de intubação em humanos (acima de 2,5 DE95: 0,3

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Novos bloqueadores neuromusculares

inativando a molécula ao captá-la para a cavidade lipofílica. Os cucurbit(n)urils como o calabadion são superiores às ciclodextrinas porque se ligam a uma variedade de espécies neutras e catiônicas com alta seletividade e afinidade, além de estarem disponíveis em uma variedade de tamanhos.26,27

Foram necessários um a dois minutos para rever-são do rocurônio na dose 3,5 mg/kg utilizando o ca-labadion na dose de 90 mg/kg. Essa reversão foi mais rápida que o sugammadex, na dose de 16 mg/kg, nas mesmas espécies e em condições experimentais. Foi mais rápido que a neostigmina no retorno da amplitu-de da contração tanto para o rocurônio quanto para o cisatracúrio. Não houve alterações significativas na PAM, frequência cardíaca ou nos parâmetros da gasometria arterial. Além disso, a grande vantagem do calabadion é que esse composto cobre os sítios de amina quaternária tanto dos benzilisoquinolínicos quanto dos aminoesteroides, tornando seu uso am-plo na reversão do bloqueio e com potencial redução da morbimortalidade associada às complicações pul-monares pós-operatórias.

A Tabela 1 resume os principais reversores do BNM e suas características.

CONCLUSÃO

A procura pelo bloqueador neuromuscular não despolarizante isento dos efeitos adversos da succi-nilcolina ainda continua. Gantacúrio e seu sucessor CW002, ambos benzilisoquinolínicos (ou também de-nominados de fumaratos por alguns autores), são pro-missores, mas ainda carecem de ensaios clínicos com pacientes de várias idades e com diferentes comor-bidades. Além disso, não existem estudos de longo prazo para estabelecer o perfil de segurança dos mes-mos. Mais conservadora, a agência americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou somente em 2015 o sugammadex, lançado no mercado em 2009.

Já existem dois candidatos fortes para a substitui-ção da neostigmina como droga de reversão do BNM.

encapsulamento, o CW002-cisteína envolve mudan-ça na molécula, o que diminui 60 vezes a afinidade pelo receptor nicotínico. Na pesquisa com cães, não houve diferença estatística significativa entre 50 e 100 mg-kg para a reversão, ficando 50 mg-kg como dose prototípica da droga até estudos pré-clínicos em hu-manos mostrarem a verdade.20

REVERSÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR: NOVOS CONCEITOS

A neostigmina, amplamente utilizada no nosso meio como principal reversora do bloqueio neuro-muscular, não é isenta de efeitos colaterais. Sialor-reia, bradicardia, náuseas, vômitos e até perfura-ção intestinal são descritos.21,22 Além disso, carece de efeito rápido e ainda pode causar bloqueio por dessenbilização quando utilizada em altas doses. A despeito disto, ela também consegue acelerar a re-cuperação do BNM quando associada ao CW002 em bloqueios superficiais. Entretanto, a L-cisteína exóge-na foi capaz de reverter bloqueios profundos e com mais rapidez se comparada à neostigmina.23

Diferentemente desses mecanismos, o sugamma-dex – uma ciclodextrina que possui alta afinidade pelo rocurônio (e menos intensa pelo vecurônio) – pode reverter o bloqueio neuromuscular sem chance de bloqueio residual, como demonstrado em cirur-gias abdominais num estudo prospectivo e randomi-zado.24 Também pode atuar em bloqueios profundos tornando-se uma opção nos casos de via aérea difícil não prevista se utilizado na dose de 16 mg-kg, inclusive com ampla vantagem sobre o uso de succinilcolina.25

O calabadion é um membro acíclico do grupo dos cucurbit(n)uril que, comparado ao modelo de ação do sugammadex, forma complexos com molé-culas de tamanho bem variáveis.

Esse encapsulamento químico é uma técnica crescente, com pesquisas constantes sobre o tema. As ciclodextrinas funcionam como um “container”,

Tabela 1 - Características fisicoquímicas e farmacocinéticas da lidocaína

Estrutura Alvo Mecanismo

Sugammadex Ciclodextrina Aminoesteroides: rocurônio e vecurônio Encapsulamento químico restrito

Cisteína Aminoácido Novos benzilisoquinolinicos Diminuição da afinidade por mudança conformacional

Calabadion Cucurbit(n)uril acíclico Aminoesteroides e benzilisoquinolínicos Encapsulamento químico amplo

Fonte: adaptado de Heerdt PM.11

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Monique Corrêa e Castro de SáE-mail: [email protected]

1 Médica Residente em Anestesiologia do Centro de En-sino e Treinamento-CET do Instituto da Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA/Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA. IPSEMG; Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Vera Cruz. Belo Horizonte, MG – Brasil. 3 Médica Anestesiologista. Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais e Hospital João XXIII da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A crescente prevalência de obesidade na população mundial exige que o anestesiologista esteja familiarizado com as diferenças anatômicas, fisiológicas, metabólicas e farmacoló-gicas associadas ao aumento de peso. A utilização adequada de bloqueadores da junção neuromuscular é fundamental para o correto manejo intraoperatório e para a redução das complicações nesse grupo de pacientes. O presente artigo objetiva revisar o uso dos relaxantes musculares, sua interação com a função respiratória e as complicações pós--operatórias, bem como sua adequada monitorização e reversão no paciente obeso.

Palavras-chave: Obesidade; Bloqueadores Neuromusculares; Bloqueio Neuromuscu-lar; Monitoramento.

ABSTRACT

The increasing prevalence of obesity in the world population requires that the anesthe-siologist be familiar with the anatomical, physiological, metabolic and pharmacological differences associated with the weight gain. Proper use of the neuromuscular blocking agents is critical to the correctintraoperative management and reduction of complications in this group of patients. This article aims to review the use of the neuromuscular block-ing agents, their interaction with the respiratory function and postoperative complications as well as their monitoring and reversal in obese patients.

Key words: Obesity; Neuromuscular Blocking Agents; Neuromuscular Blockade; Monitoring.

INTRODUÇÃO

O consenso de que o paciente obeso necessita de cuidados específicos diferen-tes dos da população não obesa é amplamente aceito. Características que incluem a elevada prevalência de comorbidades, tais como a síndrome plurimetabólica e a apneia do sono, a alta incidência de via aérea tecnicamente difícil, bem como de complicações tromboembólicas, somam-se às modificações na fisiologia cardio-vascular e respiratória e às diferenças na farmacocinética e farmacodinâmica das drogas, tornando o manejo perioperatório desse tipo de paciente particularmente desafiador para o anestesiologista.

Sendo um dos maiores problemas de saúde pública no mundo atualmente, a obesidade (IMC>30) é reconhecida como preocupação crescente e atinge hoje cer-ca de 15% da população mundial.1 Dados do Ministério da Saúde demonstram que 16% dos homens e 18% das mulheres eram obesos no Brasil em 2014.2 Estima-se que aproximadamente um terço (33,8%) da população norte-americana é obesa.

Obesity and neuromuscular blocking agents

Laura Aparecida Lacerda e Louzada1, Ananda Ferreira Fialho Alencar1, Jaci Custódio Jorge2, Monique Corrêa e Castro de Sá3

Obesidade e bloqueadores neuromusculares

DOI: 10.5935/2238-3182.20160013

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Obesidade e bloqueadores neuromusculares

revelou que as mudanças nos volumes pulmonares ocorrem em estágios precoces da obesidade e não são restritas aos pacientes com o IMC muito elevado.5

Paralelamente às alterações dos volumes pulmo-nares e da taxa metabólica, o obeso possui disfunção da musculatura respiratória, o que aumenta a possibi-lidade de complicações ventilatórias no período pe-rioperatório.6 Apesar do trabalho respiratório elevado e da necessidade constante de vencer a baixa com-placência da parede torácica para respirar adequada-mente, quando comparado com a população normal, o obeso produz pressões inspiratórias mais baixas.7

Como resultado das alterações fisiológicas e prin-cipalmente da pronunciada redução na capacidade residual funcional, a dessaturação rápida da hemo-globina é mais provável durante períodos de apneia. A reduzida tolerância à apneia associada à alta in-cidência de via aérea tecnicamente difícil torna a indução anestésica especialmente complicada nos pacientes obesos. Apneia do sono, circunferência do pescoço maior que 40 cm, sexo masculino, aumento do tecido mole entre a pele e a traqueia visto pela ultrassonografia e classificação de Mallampati III e IV são possíveis fatores preditores de via aérea difícil nos obesos, especialmente quando não há correto posicionamento para laringoscopia. O colapso alveo-lar que segue a intubação traqueal pode progredir durante todo o ato anestésico caso manobras para melhorar a oxigenação e restaurar os volumes pul-monares – a exemplo da pressão positiva ao final da expiração (PEEP) – não forem empregadas.

Existe correlação direta entre o índice de massa corpórea (IMC) e a distribuição de gordura abdomi-nal com a redução da capacidade residual funcional, tendência ao fechamento das pequenas vias aéreas e formação de atelectasias e shunt, tanto no intraopera-tório como no período pós-operatório imediato.8

Doenças respiratórias podem potencializar as al-terações da fisiologia respiratória no paciente obeso. A influência da obesidade nas doenças respiratórias é complexa, indo além das alterações mecânicas e fisiológicas do excesso de peso, associando-se a dis-funções metabólicas, imunológicas e inflamatórias. O tecido adiposo é atualmente considerado um órgão endócrino, metabolicamente ativo, cujos hormônios, citocinas e outros mediadores inflamatórios atingem órgãos e tecidos, agravando doenças e intensificando modificações na homeostase típicas da obesidade.9

A obesidade é um importante fator associado à apneia obstrutiva do sono (AOS), a qual se caracte-

A previsão é de que essa doença atinja 50% de pre-valência em 2030.3

A Organização Mundial de Saúde classifica a obe-sidade em três categorias (Tabela 1).

ALTERAÇÕES DA FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA NO OBESO

As alterações na fisiologia respiratória no obeso determinam especial atenção no período periopera-tório. É de vital importância empregar técnicas anes-tésicas que sejam capazes de manter a oxigenação e volume pulmonar adequados.

O paciente obeso apresenta múltiplas alterações dos volumes e capacidades do sistema respiratório. Tais alterações são mais pronunciadas quando o padrão de distribuição do tecido adiposo é predo-minantemente abdominal, ocorrendo redução da capacidade vital e pulmonar total, do volume de re-serva expiratório e da capacidade residual funcional. A capacidade de fechamento pode superar o volume residual funcional e se aproximar do volume corren-te, determinando o fechamento de pequenas vias aéreas, alterações da relação ventilação-perfusão, shunt e hipoxemia. A posição supina e o relaxamento muscular durante a anestesia aumentam a redução da capacidade residual funcional e potencializam as alterações respiratórias típicas do obeso. Tanto a complacência pulmonar quanto a do sistema respi-ratório estão reduzidas graças às alterações dos vo-lumes pulmonares, da parede torácica e do aumento do conteúdo abdominal. Existe aumento da deman-da metabólica, que se correlaciona diretamente com o aumento do IMC, determinando mais trabalho res-piratório, consumo de oxigênio e produção de dióxi-do de carbono. Como mecanismo compensatório à redução do volume corrente, verifica-se a elevação da frequência respiratória basal no obeso.4 Estudo

Tabela 1 - Classificação da obesidade segundo a Organização Mundial de Saúde

Índice de massa corporal Classificação

< 18,5 Abaixo do peso

18,5-24,9 Normal

25,0-29,9 Sobrepeso

30,0-34,0 Obesidade Classe I

35,0-39,9 Obesidade Classe II

> 40 Obesidade Classe III

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é que o cálculo das doses leve em consideração ou-tros fatores não relacionados ao peso, a exemplo do sexo, da idade e de comorbidades. Existem diversas equações para o cálculo do peso magro, a maioria apresentando resultados semelhantes. Uma das fór-mulas mais usadas é a equação de Janmahasatian, reproduzida na Tabela 2.15

Existem poucas informações e estudos científi-cos sobre os efeitos da obesidade na farmacologia dos anestésicos. A maioria dos estudos envolvendo a farmacocinética e a farmacodinâmica de medica-mentos trata a obesidade como um fator de exclusão. A maior parte do excesso de peso no obeso é tecido adiposo, que possui menos fluxo sanguíneo relati-vamente aos outros tecidos. É sabido que drogas li-pofílicas terão mais volume de distribuição quando comparadas a drogas hidrofílicas, mas alterações do volume de distribuição de drogas na população obesa são droga-específicas e não há respaldo na literatura médica para generalizações.16 Quanto à far-macodinâmica, sabe-se que as disfunções respirató-rias e cardiológicas associadas à obesidade podem potencializar efeitos adversos e reduzir a janela tera-pêutica de diversas drogas.17

O volume de distribuição dos anestésicos no obe-so é alterado por diversos fatores, tais como quantida-de relativa reduzida de água corporal total, aumento do tecido adiposo, aumento da massa magra, altera-ção da concentração e da ligação de drogas às prote-ínas plasmáticas, aumento do volume sanguíneo, do fluxo sanguíneo renal, esplâncnico e do débito cardí-aco, aumento do tamanho dos órgãos e elevação das concentrações plasmáticas de ácidos graxos, triglicé-

riza por obstrução periódica (parcial ou completa) da via aérea superior durante o sono. Embora pos-sa ocorrer devido às alterações no sistema nervoso central, a causa mais comum está relacionada ao excesso de tecidos moles na orofaringe e na região cervical. A incidência de via aérea tecnicamente difícil é maior em pacientes portadores de AOS. Os episódios frequentes de hipoventilação e hipo-xemia associam-se à elevada sensibilidade desses pacientes aos opioides, aumentando o risco de de-pressão respiratória.10 Se não reconhecida e tratada, a apneia obstrutiva do sono está associada a hiper-tensão pulmonar, disfunção de ventrículo direito e aumento das complicações respiratórias e cardioló-gicas no período pós-operatório.

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES E OBESIDADE

É de fundamental importância que o obeso re-torne rapidamente à sua função respiratória basal. Nesse contexto, o uso de drogas anestésicas de curta duração e com poucos efeitos depressores da venti-lação, tais como a dexmedetomidina, torna-se espe-cialmente indicado. Sedativos e opioides de longa duração devem ser evitados sempre que possível.11

Objetivando evitar a superdosagem, os anestési-cos venosos raramente têm suas dosagens baseadas no peso corporal total. Para a grande maioria das dro-gas anestésicas utilizam-se o peso corporal magro, peso ideal ou peso ideal corrigido, titulando-se cuida-dosamente a dose de acordo com o efeito desejado.12

Alguns autores afirmam que o uso do peso ideal para cálculo de doses de medicamentos não reflete as alterações da composição corporal típicas da obe-sidade. Embora haja aumento da massa magra, que pode atingir até 20 a 40% do excesso de peso no obe-so, há aumento desproporcional do tecido adiposo em relação à massa muscular.13 Outra crítica ao uso do peso ideal como base para o cálculo das dosa-gens dos anestésicos é que todos os pacientes com a mesma altura receberiam a mesma dose, o que cons-titui uma generalização perigosa e pode gerar con-centrações subterapêuticas em alguns casos. Nessa perspectiva, o uso da massa magra ou peso ideal corrigido parece ser mais razoável, já que é na massa corporal magra que a maioria das reações metabóli-cas e o clearance das drogas ocorrem.14 O importante

Tabela 2 - Fórmulas para cálculo do peso corporal ideal, peso magro e peso corrigido em obesos

Peso ideal (Broca) Homens: altura (cm) – 100)Mulheres: altura (cm) – 105

Peso ideal (Lemmens) Peso ideal: 22 x altura²(m)

Peso ideal (Devine) Homens: 49,9 + 0,89 x (altura em cm -152,4) Mulheres: 45,4 + 0,89 x (altura em cm -152,4)

Peso corporal corrigido

Peso ideal (Devine) + 0,4 (Peso Total – Peso ideal)

Peso corporal corrigido (Servin) Peso ideal + (Peso total – Peso ideal) x (20-40%)

Peso magro (Equação de James)

Homens: (1,10 x peso) – (128 x IMC)Mulheres: (1,07 x peso) – (148 x IMC)

Peso magro (Janmahasatian)

Homens: 9270 x Peso total/ (6680 + 216 x Peso ideal)

Mulheres: 9270 x Peso total/ (8780 + 244 x Peso ideal)

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eliminação da droga e não de sua redistribuição.20 Em contraste, quando a dose é determinada de acor-do com o peso ideal, a duração do efeito clínico é re-duzida sem aumento do tempo de início de ação.21,22

Atracúrio e cisatracúrio possuem a mesma corre-lação entre a duração prolongada de ação e as doses administradas de acordo com o peso corporal total. Essas drogas não apresentam diferenças na meia-vi-da de eliminação, volume de distribuição ou clearan-ce quando se comparam obesos e não obesos.23 O fato de que o cálculo da dose do atracúrio e do cisa-tracúrio baseado no peso corporal ideal pode evitar a recuperação prolongada do bloqueio muscular se explica pelo volume de distribuição e massa corpo-ral magra semelhantes em obesos e não obesos.24

Bloqueio neuromuscular profundo em obesos é necessário não apenas para propiciar melhores condi-ções cirúrgicas e segura manipulação dos instrumen-tos laparoscópicos, mas também para facilitar a venti-lação mecânica. Outra vantagem da associação entre cirurgia videolaparoscópica e bloqueio neuromuscu-lar profundo é que possibilita a utilização de menos pressões intra-abdominais durante o pneumoperitô-nio, minimizando as alterações hemodinâmicas e res-piratórias da técnica e reduzindo, assim, a intensidade da dor pós-operatória e o consumo de analgésicos.25 O tipo do relaxante muscular utilizado não é tão impor-tante quanto a profundidade do bloqueio anestésico.26

MONITORIZAÇÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

A monitorização do bloqueio neuromuscular é obrigatória quando são utilizadas drogas relaxantes musculares no obeso. Os principais métodos de mo-nitorização utilizados atualmente fundamentam-se em duas características farmacológicas específicas dos agentes bloqueadores musculares não despola-rizantes: fadiga e facilitação pós-tetânica.

O método mais comumente utilizado de monitori-zação do bloqueio neuromuscular na sala de cirurgia é a sequência de quatro estímulos (train-of-four, TOF), o qual consiste de quatro estímulos supramáximos com intervalos de 0,5 milissegundos (2Hz) entre eles. A intensidade da resposta muscular aos estímulos é diretamente proporcional ao grau de bloqueio neuro-muscular, o que torna a sequência de quatro estímulos o padrão-ouro para monitorização. Seu uso reduziu

rides, colesterol e alfa-1 glicoproteína. A elevação no volume de distribuição dos medicamentos aumenta a duração de seus efeitos, mesmo quando o clearan-ce das drogas permanece inalterado ou aumentado. A elevada prevalência de disfunção renal e hepática também contribui para alterações na farmacologia dos anestésicos utilizados na população obesa.

Drogas com fraca ou moderada lipofilidade, a exemplo dos bloqueadores neuromusculares, po-dem ter suas dosagens calculadas com base no peso magro. Uma regra prática consiste em saber que o peso magro raramente ultrapassa 70 quilos em mu-lheres e 100 quilos em homens.17

Devido a alterações fisiológicas do obeso, a to-lerância a períodos de apneia durante a indução anestésica reduz em proporção direta ao aumento do IMC. Nesse contexto, o uso de drogas relaxantes musculares de rápido início de ação é fundamental para o manejo apropriado da via aérea. Quando não há disponibilidade do sugammadex para a rápida re-versão do rocurônio, a succinilcolina, devido à sua velocidade de ação e curta duração, é recomenda-da para intubação orotraqueal em pacientes obesos, devido à possibilidade de via aérea difícil, alto risco de hipoxemia ou aspiração pulmonar. Os principais determinantes da duração de ação da succinilcolina, o volume extracelular e a atividade da pseudocoli-nesterase plasmática são maiores em obesos. Para o completo relaxamento muscular e obtenção de con-dições ideais de intubação preconiza-se a dose de 1 mg/kg de peso corporal total.18

Usado como alternativa à succinilcolina para a in-dução em sequência rápida, o rocurônio não apresenta diferenças marcantes em sua farmacocinética no que diz respeito à obesidade. Mesmo quando são adminis-tradas doses calculadas de acordo com o peso corpo-ral ideal, não há atraso significativo do início de ação.19

Bloqueadores musculares de ação intermediária são sempre preferíveis em obesos porque propiciam recuperação mais rápida da função respiratória. Os relaxantes musculares adespolarizantes, como ro-curônio e vecurônio, devem ter a dose inicial calcu-lada conforme o peso ideal ou peso magro. As doses adicionais devem ser administradas de acordo com a necessidade determinada pela monitorização do bloqueio neuromuscular. A farmacocinética dessas drogas não se altera no obeso, mas quando o cálculo da dose é baseado no peso corporal total o tempo de recuperação do bloqueio muscular é prolongado porque passa a ser dependente do metabolismo e da

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do bloqueio, não é tão confiável para monitorização de seu início. O diafragma e a musculatura laríngea exibem relaxamento muscular adequado para rea-lização da intubação orotraqueal após o adutor do polegar manifestar sinais de bloqueio neuromuscular profundo. Muitos autores argumentam que o uso do músculo corrugador do supercílio é preferível como sítio de monitorização neuromuscular durante a indu-ção anestésica, já que se correlaciona melhor com a musculatura das cordas vocais e diafragma.

COMPLICAÇÕES PERIOPERATÓRIAS RELACIONADAS AO USO DE BLOQUEDO-RES NEUROMUSCULARES NO OBESO

O período pós-operatório é marcado por altera-ções na fisiologia respiratória, ocorrendo redução de todos os volumes e capacidades pulmonares. Essas alterações são mais expressivas em cirurgias abertas realizadas no andar superior do abdome, mas tam-bém ocorrem frequentemente em cirurgias torácicas, cirurgias laparoscópicas e procedimentos realizados no abdome inferior. Quanto mais prolongada a du-ração do procedimento cirúrgico, mais marcante o comprometimento da função pulmonar no pós-ope-ratório.30 MacKay comprovou, em estudo publicado recentemente, que pacientes obesos têm atraso na recuperação dos reflexos protetores das vias aéreas quando submetidos à anestesia prolongada com os agentes inalatórios sevoflurano e desflurano, agra-vando o risco de complicações pós-operatorias.31

Os bloqueadores neuromusculares, apesar de serem drogas amplamente utilizadas em anestesiolo-gia, não são isentas de problemas. É no período de recuperação da anestesia geral que as complicações associadas ao uso de tais medicações representam mais significado clínico, potencializando as altera-ções na mecânica ventilatória típicas do período pós--operatório. As complicações incluem, mas não se li-mitam à hipoxemia, atelectasias, obstrução das vias aéreas superiores, tempo de recuperação pós-anes-tésica prolongado, tempo de ventilação mecânica prolongado e complicações pulmonares em geral.32

Bloqueio neuromuscular residual é a mais fre-quente complicação neuromuscular observada em pacientes em cuidado pós-anestésico. É definido como uma relação entre a quarta e a primeira res-posta no TOF inferior a 0,9. Cada caso varia em gra-

significativamente a frequência do bloqueio neuro-muscular residual durante a recuperação anestésica.27

Mesmo quando o bloqueio neuromuscular é profundo e a sequência de quatro estímulos é igual a zero, podem-se obter informações adicionais a respeito da intensidade do relaxamento muscular. Para tanto, utiliza-se a contagem pós-tetânica (PTC), mensurada após estímulo de 50Hz com duração de 5 segundos, seguido por uma pausa de 3 segundos e 20 estímulos de 1 Hz. O número de respostas aos estímu-los é o valor da contagem pós-tetânica. Geralmente, quando próxima de 10, tal contagem coincide com o aparecimento da primeira resposta na sequência de quatro estímulos (TOF).

Testes clínicos – por exemplo: elevação da cabeça por mais de 5 segundos, elevação das pernas, abertu-ra palpebral sustentada e protusão da língua são me-nos confiáveis e podem ser executados por pacientes com bloqueio neuromuscular residual significativo. A capacidade de oferecer resistência à remoção de objetos posicionados entre os dentes, como um abai-xador de língua ou tubo orotraqueal, aparentemente é um sinal mais confiável de recuperação da muscu-latura que protege a via aérea superior, mas não deve substituir a monitorização do relaxamento muscular.28

No paciente intubado e respirando espontanea-mente, o volume-minuto e a capnografia dentro da normalidade não garantem a completa recuperação dos músculos. Pacientes intubados e que apresentam troca gasosa e função respiratória normais podem sofrer completo colapso e obstrução ventilatória alta quando extubados. Isso ocorre porque o diafragma é um dos primeiros músculos a se recuperar do blo-queio neuromuscular não despolarizante, exigindo concentrações plasmáticas elevadas de drogas rela-xantes musculares para a manutenção da paralisia. Já a musculatura que protege a via aérea superior é mui-to mais sensível, com recuperação mais prolongada.29

Tendo em vista que os diferentes grupos muscu-lares possuem diferentes sensibilidades aos agentes bloqueadores neuromusculares, realiza-se a monito-rização do relaxamento muscular em diversos locais. O músculo mais utilizado na prática clínica para mo-nitorização do relaxamento é o adutor do polegar. Seu tempo de recuperação correlaciona-se bem com a re-cuperação da musculatura faríngea, responsável por evitar o colapso e a obstrução da via aérea superior, sendo um bom indicador do momento seguro e ade-quado para a extubação. Apesar do adutor do polegar ser confiável para a monitorização da recuperação

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das na farmacocinética. Tal fato é especialmente verda-deiro no que se relaciona a bloqueadores adespolari-zantes aminoesteroides como rocurônio e vecurônio.36

A acetilcolina compete com as moléculas dos re-laxantes musculares adespolarizantes pelo receptor nicotínico. Anticolinesterásicos como neostigmine e edrofônio impedem a degradação e aumentam a concentração de acetilcolina na fenda sináptica, des-locando as moléculas do bloqueador neuromuscu-lar e revertendo a paralisia muscular. Uma vez que a acetilcolinesterase seja totalmente inibida, doses subsequentes de anticolinesterásicos não gerarão efeito adicional. Por outro lado, não há um limite para a concentração de bloqueador neuromuscular na fenda sináptica caso doses maiores sejam inadver-tidamente administradas. Em termos práticos, a pro-fundidade máxima do bloqueio neuromuscular que pode ser rapidamente antagonizada pelos anticoli-nesterásicos corresponde ao aparecimento da quarta resposta na sequência de quatro estímulos (TOF).37

Se a relação entre a quarta (T4) e a primeira res-posta (T1) no TOF é superior a 0,9, nenhuma reversão do relaxamento muscular é necessária, visto que os anticolinesterásicos e anticolinérgicos não são dro-gas isentas de efeitos adversos. Existem evidências de disfunção muscular causada por anticolinesterási-cos. Tal fato ocorre especialmente quando essas dro-gas são administrados em pacientes com ausência de bloqueio neuromuscular residual (TOF>0,9).

O sugammadex é uma ciclodextrina desprovi-da de afinidade a proteínas plasmáticas, que se liga de forma permanente às moléculas dos relaxantes musculares rocurônio e vecurônio, formando um complexo estável que é eliminado pelos rins. Essa droga possui perfil de ação mais favorável que as tradicionais drogas anticolinesterásicas, porque pro-move reversão mais rápida, mais confiável e com menos risco de recuperação incompleta da função neuromuscular, se for utilizada na dosagem correta. Uma característica notável do sugammadex é que a reversão do bloqueio pode ser realizada mesmo para graus mais profundos de relaxamento (TOF 0). Sua dosagem correta ainda é objeto de controvérsia, mas deve ser suficiente para capturar todas as moléculas remanescentes do bloqueador adespolarizante, afe-tando o gradiente entre os compartimentos central e periférico. Caso contrário, pode haver bloqueio residual.38 Apesar de ser uma droga com pequeno volume de distribuição (aproximadamente 0,16 L/kg), a recomendação atual do fabricante é de que a

vidade e conta com múltiplos fatores interferindo em seu desfecho. Alguns derivam do tipo de bloqueador neuromuscular utilizado (mecanismo e duração de ação), outros da reversão ineficiente do bloqueio e/ou monitorização inadequada durante o procedi-mento cirúrgico.27 O bloqueio neuromuscular resi-dual pode estar presente até 4 horas após o uso de um agente bloqueador neuromuscular de duração de ação intermediária.33

Um dos principais músculos afetados pela para-lisia residual é o genioglosso. Quando esse músculo não recupera totalmente sua função, ocorre estreita-mento da faringe durante a inspiração, com conse-quente obstrução ventilatória. A capacidade inspira-tória, a resposta ventilatória à hipóxia, a deglutição e a tosse também são prejudicadas pelo bloqueio neuromuscular residual, aumentando a chance de complicações respiratórias e aspiração traqueal.38

Outra complicação que se correlaciona fortemen-te com o uso de agentes relaxantes musculares no obeso é a consciência intraoperatória. Em 2014 foi publicado grande estudo que avaliou a incidência de consciência intraoperatória no Reino Unido. Nesse trabalho os autores concluíram que o despertar in-traoperatório é quatro a cinco vezes mais comum em obesos quando comparado com a população em ge-ral, sendo o uso de agentes bloqueadores da junção neuromuscular e da anestesia venosa total fator inde-pendente de risco para tal complicação.35 A monito-rização da profundidade da anestesia é importante para a individualização e a titulação das doses das medicações anestésicas, devendo ser obrigatoria-mente utilizada sempre que o uso de bloqueadores neuromusculares for considerado em obeso.11

ANTAGONISMO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

No momento da extubação orotraqueal o obeso deve estar desperto e com a paralisia muscular com-pletamente revertida. Existe grande variabilidade in-dividual na sensibilidade aos relaxantes musculares. Similarmente, a duração do efeito clínico também é bastante variável, mesmo quando são administradas doses semelhantes em indivíduos saudáveis com o mesmo peso corporal. Idosos e portadores de doenças que interfiram no metabolismo hepático ou renal das drogas apresentam diferenças ainda mais pronuncia-

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causado tanto por drogas do grupo benzilisoquino-lina quanto do grupo aminoesteroides. Entretanto, ainda não está disponível para comercialização.46

CONCLUSÃO

Os obesos constituem um grupo especial de pa-cientes que exigem cuidados específicos no período perioperatório. Compreender as diferenças anatômi-cas, fisiológicas, metabólicas e farmacológicas asso-ciadas à obesidade é essencial para diminuir com-plicações e melhorar o desfecho em procedimentos cirúrgicos nessa população. A utilização de bloquea-dores da junção neuromuscular facilita o manuseio das vias aéreas e propicia adequadas condições ope-ratórias, mas não é isento de problemas. Se usadas de forma incorreta, tais drogas potencializam alterações da função respiratórias típicas do excesso de peso e aumentam a incidência de complicações pós-opera-tórias. O emprego de doses baseadas no peso corpo-ral ideal, a adequada monitorização do relaxamento muscular e sua correta reversão são fundamentais para o adequado manejo anestésico do obeso.

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Quando não houver disponibilidade do sugamma-dex e o nível de relaxamento muscular não for pro-fundo (aparecimento da segunda resposta no TOF), a neostigmine pode ser utilizada para reversão dos agentes adespolarizantes. Sua dose é baseada no peso corporal total, mas deve levar em conta a quantida-de administrada e o tempo decorrido desde a última infusão do relaxante muscular, bem como a profun-didade do bloqueio neuromuscular residual. Doses acima de 5 mg não devem ser administradas porque não geram efeito clínico adicional e aumentam a ocorrência de complicações.41 A administração de al-tas doses de neostigmine pode isoladamente induzir fraqueza muscular. O mecanismo fisiopatológico não está totalmente esclarecido, mas se acredita que seja multifatorial e que envolva a adenosina, a dessensi-bilização e o bloqueio dos receptores colinérgicos.42 Sabe-se que a neostigmine não deve ser utilizada sem o acompanhamento de monitorização quantitativa do bloqueio neuromuscular.43 É importante que pacien-tes com recuperação espontânea do bloqueio neuro-muscular não recebam agentes reversores. Fuchs-Bu-der demonstrou que quando o grau de relaxamento muscular for mais superficial (T4/T1 próximo a 0,6), doses tão baixas quanto 10 mcg/kg de neostigmine são efetivas para a reversão do bloqueio.44 Todavia, mesmo quando utilizada adequadamente, existem evidências de que a neostigmine não é tão efetiva quanto o sugammadex na prevenção da ocorrência de bloqueio neuromuscular residual no período pós--operatório.45 Em estudo recente, Sasaki et al. identi-ficaram o uso de neostigmine como importante fator associado ao aumento de complicações respiratórias, especialmente a formação de atelectasias.42

O calabadion é um novo antagonista do bloqueio muscular que possui a capacidade de reverter até mesmo níveis profundos de relaxamento muscular

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Felicio Rocho

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Joyce Romano

E-mail: [email protected]

1 Médico Anestesiologista. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico Especializando em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento (CET) do Hospital Felício Rocho.

Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

No contexto da intubação em sequência rápida, o anestesiologista conta com duas op-ções de drogas para bloqueio neuromuscular: a succinilcolina e o rocurônio. Cada uma delas possui suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas que lhe confe-rem propriedades específicas. A succinilcolina, bloqueador neuromuscular despola-rizante, mostra-se benéfica, uma vez que possui início de ação e latência ultracurtos, associado a bom relaxamento neuromuscular e boas condições para intubação. No en-tanto, essa droga apresenta desvantagens importantes e potencialmente catastróficas, como a reação alérgica e a hipercalemia. Já o rocurônio, bloqueador neuromuscular adespolarizante, tem baixa incidência de reações alérgicas, não gera distúrbios iônicos e também proporciona bom relaxamento neuromuscular com condições adequadas para intubação em curto tempo. Entretanto, sua latência é prolongada e, quando ne-cessário, exige reversão neuromuscular. O sugammadex, droga que reverte a ação do rocurônio, exerce tal função com eficácia, porém é de alto custo, exige doses variáveis que dependem da profundidade do bloqueio e, ainda, demanda tempo para diluição e administração, o que pode acarretar intercorrências indesejáveis. Nesse cenário, cabe ao anestesiologista avaliar de maneira individualizada a melhor droga a ser utilizada nos diferentes pacientes e situações.

Palavras-chave: Bloqueadores Neuromusculares; Fármacos Neuromusculares Despola-rizantes; Succinilcolina; Intubação.

ABSTRACT

In the context of rapid sequence intubation, the anesthesiologist has two drug options for neuromuscular blockade, succinylcholine and rocuronium. Each has its pharmacokinetic and pharmacodynamic characteristics, giving it specific properties. The succinylcholine, depolarizing neuromuscular blocker shown beneficial, since it has an onset of action and short ultra latency associated with good neuromuscular relaxation and good conditions for intubation. However, this drug has significant and potentially catastrophic disadvantages, such as allergic reaction and hyperkalemia. Already rocuronium, nondepolarizing neuro-muscular blocker, has a lower incidence of allergic reactions, it does not generate ionic disorders and also provides good neuromuscular relaxation with adequate conditions for intubation in short time. However, latency is prolonged and, when necessary, requires neuromuscular reversal. The sugammadex, a drug that reverses the action of rocuronium, exercises that function effectively, but has a high cost, requires varying doses dependent on the blockade depth and also takes time to dilution and administration, which can lead to undesirable complications. In this scenario, it is up to the anesthesiologist to assess an individual way the best drug to be used in different patients and situations

Key words: Neuromuscular Blocking Agents; Neuromuscular Depolarizing Agents; Suc-cinylcholine; Intubation.

Succinylcholine vs. rocuronium for rapid sequence induction

Alysson Higino Gonçalves da Silva1, Henrique Rodrigues Lemos Silva2, Ivana Mares Trivellato2, Joyce Romano2, Marina Ferreira Guimarães2

Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

DOI: 10.5935/2238-3182.20160014

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Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

ou baixos níveis enzimáticos que acompanham ges-tação, doença hepática, jejum prolongado, insuficiên-cia cardíaca ou renal e queimaduras podem retardar a degradação da droga. A administração concomitan-te a outras drogas, como, por exemplo, neostigmina, fenelzina, ciclofosfamida, metoclopramida, esmolol, pancurônio, contraceptivos orais, remifentanil e eto-midato também pode resultar em redução da ativida-de da colinesterase plasmática.5,6

O registro de complicações graves e as contraindi-cações associadas ao uso da succinilcolina levaram os pesquisadores a buscar um bloqueador neuro-muscular adespolarizante como alternativa para in-dução em sequência rápida, com latência e duração semelhantes. Dois bloqueadores neuromusculares aminoesteroides foram, então, lançados no mercado – o rapacurônio e o rocurônio.

O primeiro deles, o rapacurônio, apresentava rápido início de ação e curta duração. Todavia, a frequência alta de complicações graves, como o broncoespasmo e a presença de metabólitos ativos em regime de infusão contínua, contribuíram para a suspensão de sua comercialização.2

O rocurônio tem se apresentado como boa al-ternativa, por proporcionar condições de intubação similares às geradas pela succinilcolina, com rápida instalação do bloqueio das cordas vocais e estabili-dade cardiovascular. É antagonista competitivo da acetilcolina no receptor nicotínico pós-sináptico e a ligação entre eles impede a despolarização da fibra muscular. O início do bloqueio neuromuscular ocor-re quando 70-80% dos receptores estão ocupados e para que haja bloqueio completo é necessária a ocu-pação de mais de 90% dos receptores. Os relaxantes musculares adespolarizantes também atuam nos re-ceptores pré-juncionais da junção neuromuscular e inibem a mobilização adicional de acetilcolina.3,4 A metabolização do rocurônio a 17-deacetilrocurônio corresponde a pequena parte de sua eliminação. A maior parte da droga é excretada de forma inalterada pela urina, bile ou fezes.2

Muito se tem discutido sobre a posologia ade-quada do rocurônio para intubação em sequência rápida. O aumento da dose da droga está associado a menos latência, mais relaxamento e melhores con-dições de intubação. Porém, as doses preconizadas entre 1,0 e 1,2 mg/kg relacionam-se a prolongamento de até duas horas do bloqueio neuromuscular, carac-terística desfavorável em caso de falha de intubação, ou situações de “não intubo, não ventilo” (NINV).

INTRODUÇÃO

A indução em sequência rápida (ISR) é a técni-ca para indução anestésica em pacientes com risco de aspiração pulmonar e visa à intubação traqueal no menor tempo possível após abolição dos reflexos protetores da via aérea, com respostas hemodinâmi-cas mínimas à laringoscopia.1,2

Em 1946, Mendelson relacionou a alimentação à ocorrência de broncoaspiração durante o parto sob anestesia geral com máscara. Porém, foi somente após a introdução da succinilcolina na anestesia clí-nica, em 1952, por Foldes, e da primeira descrição fei-ta por Sellick, em 1961, da pressão na cartilagem cri-coide para prevenção da regurgitação, que surgiu o conceito de indução em sequência rápida. A técnica envolve a oferta de oxigênio suplementar por másca-ra facial sem ventilação com pressão positiva, rápida administração de uma sequência de medicamentos – incluindo um hipnótico e um relaxante muscular, associado ou não a um narcótico –, aplicação de pressão sobre a cartilagem cricoide, seguido de intu-bação endotraqueal em um minuto da administração do bloqueador neuromuscular.1-4

As características ideais do bloqueador neuromus-cular a ser utilizado na ISR compreendem um rápido início de ação, para minimizar o risco de aspiração, um tempo de ação curto e previsível, para facilitar o retor-no da ventilação espontânea se houver falha de intuba-ção, e mínimos efeitos hemodinâmicos ou sistêmicos.4

Com características farmacológicas favoráveis como rápido início de ação, curta duração e relaxa-mento satisfatório, a succinilcolina ou suxametônio, um relaxante muscular despolarizante, é ainda a es-colha dos anestesistas e intensivistas na abordagem de pacientes com estômago cheio ou com preditivos de via aérea difícil, mesmo após seis décadas de uso.3

A succinilcolina consiste em duas moléculas de acetilcolina unidas. Essa semelhança estrutural pos-sibilita a ligação a receptores nicotínicos, gerando um potencial de ação a partir da abertura de canais de sódio. A transmissão desse potencial de ação gera uma contração passageira das fibras musculares, a chamada fasciculação. Sem degradação pela acetico-linesterase, a concentração da succinilcolina se man-tém elevada na fenda sináptica com despolarização prolongada da placa motora e consequente relaxa-mento.5 A succinilcolina é rapidamente metabolizada pela pseudocolinesterase, mas condições como hipo-termia, pseudocolinesterase geneticamente aberrante

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Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

nas bases de dados PUBMED e Cochrane, em inglês e português. O objetivo é realizar uma revisão de li-teratura com o intuito de definir a melhor droga a ser utilizada na indução anestésica em sequência rápida.

DISCUSSÃO

Desde sua criação, há mais de seis décadas, a succinilcolina tem sido utilizada para indução em se-quência rápida para intubação traqueal em pacientes com risco aumentado para aspiração pulmonar ou com preditivos de via aérea difícil. Ela se difundiu de-vido ao seu perfil farmacológico favorável, apresen-tando rápido início de ação, entre 40 e 60 segundos, curto tempo de duração, em torno de 6 a 10 minutos, e mínimos efeitos hemodinâmicos ou provendo exce-lentes condições de intubação.1,4

Exibe, no entanto, efeitos colaterais e contraindica-ções ao seu uso. A succinilcolina tem sido associada a hipercalemia potencialmente letal e arritmias, atri-buído à liberação de potássio durante a despolariza-ção induzida pela droga. Observa-se elevação média do potássio sérico em 0,5 mEq/L, que embora insig-nificante em pacientes hígidos e normocalêmicos, é potencialmente letal nos pacientes com hipercalemia preexistente, vítimas de queimaduras ou traumas ma-ciços. Em pacientes renais crônicos, o uso da succinil-colina é seguro, desde que tenham níveis normais de potássio. Grandes queimados têm risco maior entre o 9º e o 60º dia pós-queimadura. Nas primeiras 48 ho-ras do evento, o uso da succinilcolina é considerado seguro. O risco de hipercalemia é também aumenta-do após lesões com desnervação, quando a isoforma imatura do receptor de ACh pode ser expressa dentro e fora da junção neuromuscular (up-regulation), levan-do à despolarização disseminada e à extensa libera-ção de potássio. O risco de hipercalemia parece ter pico em sete a 10 dias após a lesão.5

As fasciculações acometem grandes grupos mus-culares, como os peitorais e os abdominais, e tem alta prevalência – 60 a 90% – após rápida injeção da suc-cinilcolina, especialmente em adultos. O suxametô-nio está relacionado também ao aumento da pressão intracraniana e intraocular, limitando seu uso em pa-cientes que podem ter quadro neurológico agravado por esses efeitos. É descrita redução da frequência cardíaca após administração de doses subsequentes de succinilcolina e até falência cardíaca. Isso se deve à ação da droga em receptores muscarínicos, pela

Em 2009, foi introduzido no mercado o sugamma-dex, uma gamaciclodextrina quimicamente modifi-cada que atua como antagonista seletivo do rocurô-nio. Apresenta núcleo lipofílico revestido por camada hidrofílica periférica, com extensões que permitem a encapsulação da molécula de rocurônio, inativando a porção livre no plasma e favorecendo, assim, a libe-ração da porção ligada ao receptor nicotínico. Além do rocurônio, o sugammadex também tem afinidade por outros relaxantes musculares aminoesteroides, como o vecurônio e o pancurônio. Apesar da sua reduzida afinidade com o vecurônio, a reversão do bloqueio é eficiente. O bloqueio com pancurônio foi revertido com sucesso em estudos clínicos.7 A dose recomendada depende da profundidade do bloqueio neuromuscular. Na reversão, é recomendado o uso de 2 mg/kg para a reversão de bloqueio neuromus-cular moderado e de 4 mg/kg para os bloqueios neuromusculares profundos. O tempo médio para a recuperação da relação T4/T1 para 0,9 é de aproxi-madamente três minutos. Se necessária a reversão imediata após dose de 1,2 mg/kg de rocurônio, a dose de sugammadex recomendada é de 16 mg/kg. O tempo médio para a recuperação da relação T4/T1 para 0,9 é de aproximadamente 1,5 minuto.1,4 Ao contrário dos inibidores da acetilcolinesterase, o su-gammadex não requer algum grau de recuperação do bloqueio neuromuscular antes da sua adminis-tração, não gera instabilidade autonômica que faça necessária a administração de anticolinérgicos e pro-move rápida reversão do bloqueio após a administra-ção.4,7 Todas essas características transformaram o rocurônio-sugammadex em alternativa atrativa para uso em sequência rápida.

Diversos estudos têm comparado o uso da suc-cinilcolina e do rocurônio na indução em sequência rápida, porém com resultados conflitantes. O objeti-vo do presente trabalho é estabelecer um comparati-vo entre os dois fármacos a partir da revisão da lite-ratura, primariamente sob os aspectos de segurança quanto à latência, condições de intubação, retorno à ventilação espontânea e efeitos adversos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram revisados artigos científicos sobre o tema succinilcolina versus rocurônio utilizando as palavras--chave succinilcolina, rocurônio, indução em sequên-cia rápida e sugammadex, entre os anos de 2010 e 2015

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Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

95% de sucesso na intubação endotraqueal em 45 se-gundos, porém doses mais altas estão associadas à maior duração do bloqueio neuromuscular.14

Estudo conduzido por Marsch et al.15 comparou os dois fármacos em pacientes críticos que exigiam intu-bação de urgência em unidades de terapia intensiva. Foi demonstrado não haver vantagens no uso de do-ses maiores de rocurônio para intubação, já que são observadas características semelhantes à succinilco-lina mesmo em doses habituais.

Além da dose aumentada, outros fatores têm sido atribuídos à diminuição da latência do rocurônio para uso em emergência. Metanálise de Dong et al. eviden-ciou que o uso de pequenas doses de rocurônio antes dos outros fármacos da indução, infusão prévia de efe-drina ou sulfato de magnésio são eficazes para acelerar o início do bloqueio neuromuscular pelo rocurônio.9

Os estudos que comparam os dois bloqueadores quanto às condições de intubação em sequência rápida obtiveram resultados divergentes, em parte relacionados às doses do rocurônio utilizadas para indução de sequência rápida. A revisão de Cochrane sugere que o rocurônio tem sido associado a condi-ções menos favoráveis de intubação quando compa-rado à succinilcolina.1 No entanto, 30 dos 37 estudos inclusos registraram o uso do rocurônio na dose de 0,6 a 0,7 mg/kg. Já é bem estabelecido o efeito dose--dependente da droga, e o uso de doses mais altas (> 0,9 mg/kg) exibe resultados diferentes, com menos latência e melhores condições de intubação.15

Marsch et al.15 compararam a incidência de hipo-xemia após uso de rocurônio em pacientes críticos que exigiam intubação por sequência rápida, e não mostraram diferenças quanto à qualidade da intuba-ção, sucesso de intubação ou dessaturação severa quando comparado ao uso da succinilcolina. Nesse grupo de pacientes, não houve benefícios de doses maiores do rocurônio.

Grande inconveniente tem sido atribuído ao uso do rocurônio, primariamente quanto ao tempo de recuperação do bloqueio neuromuscular. O tempo de ação prolongado é desfavorável quando se pre-vê dificuldade para intubação e pode ser trágico na condição “não intubo, não ventilo” (NINV). Essa preocupação manteve a succinilcolina na predileção para indução de casos de possível via aérea difícil. A necessidade de administração de altas doses de rocurônio contribui para longa duração do fármaco. Kirkegaard-Nielsen et al.14 mostraram que o aumento da dose do rocurônio para 1 a 1,2 mg/kg atrasa o tem-

sua semelhança estrutural com acetilcolina. Hiper-termia maligna e reações anafiláticas são observadas com o uso do fármaco em indivíduos predispostos. A incidência de reações anafiláticas é estimada entre 1:5.000 e 1:10.000.5

Além disso, é frequente a queixa de mialgia nos primeiros dias após o uso da droga.4,8,9 Descrita em até 89% dos pacientes, é mais comum em jovens, pacientes ambulatoriais e mulheres saudáveis, e a intensidade da dor pouco se relaciona à intensidade das fasciculações.6

São descritas alternativas para minimizar os efeitos adversos da succinilcolina. O uso do sulfato de magné-sio tem sido associado a baixa incidência de fascicu-lações e mialgia, além de minimizar as repercussões hemodinâmicas secundárias à intubação. Nam Kim et al.10 demonstraram que a administração de baixas doses de rocurônio (0,4 mg/kg) 3 minutos antes da in-dução em sequência rápida com succinilcolina pode minimizar as repercussões das fasciculações, apesar de prolongar a latência da succinilcolina. O vecurô-nio, mivacúrio, galamina e atracúrio também podem ser usados para esse fim.11 O uso de anti-inflamatórios não esteroidais pode diminuir a intensidade das dores musculares associadas ao uso do suxametônio.5

A observação dos efeitos deletérios da succinilco-lina e suas contraindicações impulsionou a busca por alternativas. Entre os bloqueadores neuromusculares, o rocurônio é o bloqueador não despolarizante que exibe menos tempo de início de ação e sua única contraindicação é o raro relato de alergia à droga, sendo, assim, alternativa atrativa para sua utilização em sequência rápida. É necessário cautela no uso do rocurônio em pacientes com diagnóstico de miastenia gravis, síndrome miastênica, doença hepática, neuro-muscular, carcinomatose ou caquexia, pois nessas situações a duração da droga pode ser prolongada.1,2

Muito se tem discutido a respeito das características dos dois fármacos, primariamente sob os aspectos de segurança quanto à latência, condições de intubação, retorno à ventilação espontânea e efeitos adversos.

Quanto ao tempo de início de ação, a succinilco-lina foi relacionada à maior velocidade de instalação do bloqueio neuromuscular, em média 45 segundos, quando comparada ao rocurônio em doses habituais, de 0,6 mg/kg (2 DE 95), que promove relaxamento ótimo com latência de 60 segundos. Porém, estudos com doses aumentadas, 0,9-1,2mg/kg, encurtou esse tempo, equiparando à latência da succinilcolina.1,13 Kirkegaard-Nielsen et al. relataram que 1,04 mg/kg de rocurônio é necessário para a probabilidade de

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Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

CONCLUSÃO

Diante dos aspectos descritos, deve-se ressaltar a necessidade de avaliação cuidadosa e individualiza-da do paciente para definição do melhor bloqueador neuromuscular a ser utilizado. Anamnese detalhada e avaliação pré-anestésica das condições clínicas podem identificar fatores que desfavorecem o uso da succinilcolina devido às potenciais repercussões adversas. Critérios na avaliação da via aérea podem prever dificuldade de intubação e ventilação. O lon-go tempo de bloqueio neuromuscular do rocurônio pode piorar o prognóstico em situações de NINV, principalmente na indisponibilidade do sugamma-dex. O conhecimento das características farmacoló-gicas das drogas e o estudo clínico do paciente são os preditores mais favoráveis para a melhor escolha dos fármacos e melhor desfecho da abordagem do paciente com risco aumentado de aspiração.

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Em 2009 foi apresentado o sugammadex como rá-pido reversor específico do bloqueio neuromuscular desencadeado pelo rocurônio. A partir disso, o uso desse bloqueador adespolarizante tem sido ainda mais promissor. Foi comprovado que o sugammadex a 2 mg/kg promoveu reversão do bloqueio em 2 a 3 minutos e doses aumentadas de 4 a 16 mg/kg aproxi-madamente 3 minutos após administração do rocurô-nio produzem efeito ainda mais ágil, de 1 a 2 minu-tos, independentemente do tempo decorrido desde a administração do bloqueador.16 Esses dados sugerem que a administração de altas doses (1 a 1,3mg/kg) de rocurônio com uso precoce de sugammadex (4-16mg/kg) pode ser mais eficaz do que a recuperação espon-tânea da ventilação após o uso da succinilcolina. So-rensen et al. ressaltaram que o tempo de recuperação do bloqueio da succinilcolina em 90% dos casos era de 518 segundos e 168 segundos após rocurônio e su-gammadex.17 Bisschops et al.18, no entanto, comentam sobre os obstáculos logísticos ao uso do reversor. Se-gundo o estudo, são necessários 6,7 minutos para pre-parar e administrar dose necessária de sugammadex.18 É necessário fácil acesso ao induzir uma provável via aérea difícil com rocurônio, além de treinamento da equipe anestésica e demonstração clara das variações de doses relativas a cada paciente.4

Cabe ainda avaliação do alto custo do reversor e disponibilidade do mesmo ao optar pelo uso do ro-curônio. Por outro lado, é preciso ponderar os custos das complicações caso o sugammadex não esteja disponível para uso, primariamente em situações de emergência, como NINV. Dispositivos de via aérea ci-rúrgica e os desfechos de hipóxia prolongada podem onerar ainda mais o atendimento ao paciente de via aérea difícil. Questionamentos éticos devem ser ava-liados ao induzir intubação em sequência rápida com rocurônio, caso o sugammadex seja indisponível ou de difícil acesso no contexto da intubação.

Em contrapartida, o uso da succinilcolina pode surpreender quanto à duração do bloqueio. A deficiên-cia da butirilcolinesterase pode atrasar a degradação do fármaco, alargando seu período de ação. Existe en-tão variabilidade no tempo de metabolismo da droga, e o prolongamento deste pode ser prejudicial em con-dições de NINV. Nesses casos, a inexistência de um reversor pode agravar as condições do paciente.

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Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 1): S82-S87 87

Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida

15. Marsch SC, Steiner L, Bucher E, Pargger H, Schumann M, Aebi T

et al. Succinycholine versus rocuronium for rapid sequence in-

tubation in intensive care: a prospective, randomized controlled

trial. Crit Care. 2011; 15:R199.

16. Blobner M, Eriksson LI, Schols J. Reversal of rocuronium-indu-

ced neuromuscular blockade by sugammadex compared with

neostigmine during sevoflurane anaesthesia: results of a rando-

mised, controlled trial. Eur J Anaesthesiol. 2010; 27:874-81.

17. Sorensen MK, Bretlau C, Gatke MR. Rapid sequence induction

and intubation with rocuronium-sugammadex compared with

succinylcholine: a randomised trial. Br J Anaesth. 2012; 108:682-9.

18. Bisschops MMA, Holleman C, Huitink JM. Can sugammadex save

a patient in a simulated ‘cannot intubate, cannot ventilate’ situa-

tion? Anesthesia 2010; 65:936-41.

11. Schreiber JU, Lysakowski C, Fuchs-Buder T, Tramer MR. Preven-

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12. Magorian T, Flannery KB, Miller RD. Comparison of rocuronium,

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14. Kirkegaard-Nielsen H, Caldwell J, Berry P. Rapid tracheal intuba-

tion with rocuronium: a probability approach to determining

dose. Anesthesiology. 1999; 91:31-6.

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Corpo Editorial

EDITOR GERALEnio Roberto Pietra Pedroso Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

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Federico LombardiUniverstá degli Studi di Milano Milano, ITALY

Francisco José Dutra SoutoUniversidade Federal do Mato GrossoCuiabá – MT, Brasil

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Marco Antonio RodriguesFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

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Mauro Martins TeixeiraInstituto de Ciências Biológicas da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

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Nagy HabibImperial College London. Department of SurgeryLondon, UK

Nicolau Fernandes KruelUniversidade Federal de Santa Catarina – UFSC e UNISUL Florianópolis. SC – Brasil

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Paulo Roberto CorsiFaculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SPSão Paulo, SP – Brasil

Pedro Albajar ViñasOrganização Mundial da SaúdeGenebra, Suiça

Pietro AccettaUFF / Faculdade de Medicina Niterói – RJ – Brasil

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Renato Manuel Natal JorgeUniversidade do PortoPorto – Portugal

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Sérgio Danilo PenaInstituto de Ciências Biológicas – UFMG Núcleo de Genética Médica – GENEBelo Horizonte – MG, Brasil

William HiattColorado Prevention CenterDenver, Colorado, USA

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O anestésico que proporciona ANALGESIA EFETIVA1-4

Contraindicação - Absolutas: Hipersensibilidade à cetamina e porfi ria. Relativas: Hipertensão arterial, antecedentes de acidente vascular cerebral e insufi ciência cardíaca severa. Interação Medicamentosa: Pode prolongar o período de recuperação da anestesia dos hidrocarbonetos halogenados.Referências Bibliográfi cas - 1. White PF, Schüttler J, Shafer A, Stanski DR, Horai Y, Trevor AJ. Comparative pharmacology of the ketamine isomers. Studies in volunteers. Br J Anaesth. 1985 Feb; 57(2): 197-203. 2. Lauretti GR, Lima ICPR, Buscatti RY, Reis MP. Avaliaçäo clínica dos efeitos hemodinâmicos, analgésicos, psicodélicos e do bloqueio neuromuscular da cetamina racêmica e de seu S(+) isômero. Rev. Bras. 2000 Set-Out; Anestesiol; 50(5): 357-62. 3. Arendt-Nielsen L, Nielsen J, Petersen-Felix S, Schnider TW, Zbinden AM. Effect of racemic mixture and the (S+)-isomer of ketamine on temporal and spatial summation of pain. Br J Anaesth. 1996 Nov; 77(5): 625-31. 4. Kanellopoulos A, Lenz G, Mühlbauer B. Stereoselective differences in the vasorelaxing effects of S(+) and R(-) ketamine on rat isolated aorta. Anesthesiology. 1998 Mar; 88(3): 718-24. 5. Ishizuka P, Garcia JB, Sakata RK, Issy AM, Mülich SL. Avaliação da S(+) cetamina por via oral associada à morfi na no tratamento da dor oncológica. Rev Bras Anestesiol. 2007 Feb; 57(1): 19-31. 6. Oliveira CMB, Sakata RK, Issy AM, Garcia JBS. Cetamina e analgesia preemptiva. Rev. Bras. Anestesiol. 2004 Set-Out; 54(5): 739-752. 7. Ketamin®: Cloridrato de dextrocetamina. Bula do medicamento.KETAMIN - cloridrato de dextrocetamina – 50mg/mL - Indicações: agente anestésico único para pequenos procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos que não necessitem relaxamento muscular esquelético; pode ser usado em doses adicionais para procedimentos mais prolongados; indutor anestésico quando da administração de outros agentes anestésicos gerais. Também é indicado para complementar a anestesia com agentes de baixa potência, tais como o óxido nitroso. Nas áreas de aplicações específi cas ou tipos de procedimentos, incluem-se: procedimentos cirúrgicos em pacientes queimados, cirurgias superfi ciais, intervenções neurodiagnósticas, intervenções diagnósticas e cirúrgicas nos olhos, ouvidos, nariz e boca, intervenções diagnósticas e cirúrgicas na faringe, laringe ou árvore brônquica (com utilização de relaxante muscular), sigmoidoscopias, pequenas cirurgias do ânus e do reto e circuncisão, intervenções ginecológicas extraperitoniais (dilatação e curetagem), intervenções obstétricas (incluindo partos distócicos e cesarianas), intervenções ortopédicas, anestesia de pacientes de grande risco, com funções vitais deprimidas. Cateterismo cardíaco. Contraindicações: Absolutas: Hipersensibilidade a cetamina e porfi ria. Relativas: Hipertensão arterial, antecedentes de acidente vascular cerebral e insufi ciência cardíaca severa. Cuidados e advertências: não utilizar o medicamento durante a gravidez e o período de amamentação. Nunca excluir o monitoramento dos sinais vitais. A função cardíaca deve ser continuamente monitorada durante o procedimento em pacientes predispostos a hipertensão ou descompensação cardíaca. Pode ocorrer depressão respiratória com uma superdosagem ou com a administração muito rápida. O KETAMIN deve ser usado por profi ssionais treinados na administração de anestésicos gerais, na manutenção das vias aéreas e no controle da respiração; deve-se dispor de equipamento de ressuscitação pronto para uso. A dose I.V. deve ser administrada num período de 60 segundos. O produto não deve ser utilizado como agente único em intervenções cirúrgicas ou diagnósticas da faringe, laringe ou árvore brônquica. Miorrelaxantes poderão ser necessários, devendo-se então prestar especial atenção à respiração. Não se deve empregar dextrocetamina como anestésico único nas intervenções obstétricas que exijam relaxamento do músculo uterino. Poderá ocorrer delírio durante o período de recuperação. Precauções para o período de recuperação: Para indício de reação psíquica durante o período de recuperação, considerar o uso de uma das seguintes drogas: diazepam (5 -10 mg para adultos por via I.V.) ou droperidol (2,5 - 7,5 mg por via I.V. ou I.M.). Pode-se administrar uma dose hipnótica de um tiobarbitúrico (50 -100 mg por via I.V.) para eliminar as reações graves da fase de recuperação. Ao se empregar qualquer uma dessas drogas, o período de recuperação pós-anestésica poderá se prolongar. Interações medicamentosas: KETAMIN é compatível com os anestésicos locais ou gerais de uso corrente, desde que mantida uma ventilação pulmonar adequada. As doses empregadas em associação com outros anestésicos variam nos limites das doses para indução de anestesia. A associação do produto com outro anestésico poderá permitir redução das doses. Potencializa os efeitos bloqueadores neuromusculares da tubocurarina. Pode prolongar o período de recuperação da anestesia dos hidrocarbonetos halogenados. A administração concomitante com barbitúricos e/ou narcóticos pode prolongar a fase de recuperação. Aumento do risco de hipotensão e/ou de depressão respiratória dos anti-hipertensivos ou depressores do SNC. Risco de hipertensão e taquicardia quando administrado em conjunto com hormônios da tireóide. Há incompatibilidade química entre os barbitúricos e a dextrocetamina ocorrendo formação de precipitado, não devendo ser injetados na mesma seringa. Os efeitos de dextrocetamina são potencializados pelo uso de diazepam; as duas drogas devem ser administradas separadamente. Reações adversas: manifestações fi siológicas acontecem na fase de emergência da anestesia e variam entre sonhos agradáveis, imagens vividas, alucinações e delírio. Estas reações da emergência ocorrem em frequência muito menor do que no uso da mistura racêmica. Cardiovasculares: pode ocorrer aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, hipotensão, bradicardia, arritmia cardíaca. Respiratórias: Poderá ocorrer depressão ou apneia, após a administração I.V. rápida de doses elevadas de dextrocetamina. Têm sido observados casos de laringoespasmo e outras formas de obstrução das vias respiratórias durante a anestesia. Neurológicos: Há relatos de pacientes com movimentos tônicos e clônicos, que às vezes assemelham-se a convulsões. Esses movimentos não implicam num plano superfi cial de anestesia. Posologia: a resposta individual de dextrocetamina varia, até certo ponto, de acordo com a dose, a via de administração, a idade do paciente e com administração ou não de outros anestésicos, de modo que não se podem fazer recomendações posológicas absolutamente fi xas. A dose deve ser ajustada às necessidades de cada paciente. Como a indução da anestesia após a injeção inicial I.V. de dextrocetamina é rápida, o paciente deve ser mantido em posição assistida durante a injeção. Geralmente uma dose I.V. de 2 mg/kg de peso corporal produz anestesia cirúrgica dentro de 30 segundos e o efeito anestésico dura de 5 -10 minutos. Em geral, uma dose I.M. de 10 mg/kg produz anestesia cirúrgica dentro de 3 - 4 minutos após a injeção e via de regra a anestesia dura de 12 - 25 minutos. A recuperação da consciência é gradativa. Superdosagem: pode ocorrer depressão respiratória após dose excessiva de dextrocetamina. A utilização de ventilação mecânica, que mantenha uma saturação adequada do oxigênio sanguíneo e eliminação de dióxido de carbono, é preferível ao emprego de analépticos. KETAMIN oferece ampla margem de segurança. Doses excessivas acidentais de até 10 vezes maiores que as habituais têm sido seguidas de recuperação prolongada, porém completa. CRISTÁLIA - Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda - Farm. Resp.: Dr. José Carlos Modolo – CRF-SP nº 10.446 - Rod. Itapira-Lindóia, km 14 - Itapira-SP - CNPJ Nº 44.734.671/0001-51 - SAC 0800-7011918 - Nº do Lote, Data de Fabricação e Prazo de Validade: Vide Rótulo e Caixa - CLASSIFICAÇÃO: VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA - RESTRITO A HOSPITAIS – SOB RETENÇÃO DE RECEITA – Reg. MS nº 1.0298.0213 - SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.

Menos alucinações2,5 Redução da dose para 1mg/kg2

Analgesia efetiva com a metade da dose1-4

Analgesia superior2 4x + estereosseletividade pelos receptores NMDA4,6

Expediente

Uma publicação do INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA EM SAÚDE (IEPS)

Mantenedoras:Associação Médica de Minas Gerais – AMMG Presidente: Lincoln Lopes Ferreira • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG Presidente: Fábio Augusto de Castro Guerra • Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG-Feluma Diretor: Neylor Pace Lasmar • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG Diretor: Tarcizo Afonso Nunes • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – UNIMED-BH Presidente: Samuel Flam •

Conselho Curador (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2015):Paulo Pimenta de Figueiredo Filho (UNIMED-BH) – Presidente • Luciana Costa Silva (AMMG) – Vice-Presidente • Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRM-MG) • Ricardo de Mello Marinho (FCMMG) • Tarcizo Afonso Nunes (FM/UFMG) •

Conselho Diretor (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2018):Odilon Gariglio Alvarenga de Freitas (AMMG) – Diretor Presidente • Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRM-MG) – Diretor Vice-Presidente • Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Diretor Administrativo-Financeiro •

Conselho Fiscal (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2018):Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Presidente • Oswaldo Fortini Levindo Lopes (FCMMG) • Antonio Vieira Machado (FCMMG)•

Suplentes:Luiz Fernando Neves Ribeiro (UNIMED-BH)• Antônio Eugênio Mota Ferrari (FCMMG) • Geraldo Magela Gomes da Cruz (FCMMG)•

Conselho Gestor da RMMG (mandato – Nov. 2014 / Nov. 2016):Bruno Mello Rodrigues dos Santos (CRMMG) • Fernando Coelho Neto (UNIMED-BH) • Odilon Gariglio Alvarenga de Freitas (AMMG) • Ricardo de Mello Marinho (FCMMG) • Tarcizo Afonso Nunes (FM-UFMG) •

Editor Geral: Enio Roberto Pietra Pedroso

Editor Administrativo: Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite

Revisores:

Magda Barbosa Roquete de Pinho Taranto (Português) • Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite (Normalização) • Nice Shindo (Inglês)

Produção Editorial: Folium Editorialwww.folium.com.br

Indexada em: LILACS-Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; PERIÓDICA-Índice de Revistas Latinoamericanas; LATINDEX – Sistema Regional de Información em Línea para revistas Científicas da América latina, El Caribe y Portugal.

ISSN: 0103-880X e-ISSN: 2238-3181

Disponível em: www.rmmg.org

Faculdade de Medicina da UFMG:

<http://rmmg.medicina.ufmg.br/>

Biblioteca Universitária da UFMG:

<https://www.bu.ufmg.br/periodicos/revista-medica-de-minas-gerais>

Portal de Periódicos CAPES:

<http://www-periodicos-capes-gov-br.ez27.periodicos.capes.gov.br/>

Afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Início da Publicação: v.1, n.1, jul./set. 1991

Periodicidade: Trimestral

Normas para publicação, instruções aos autores e submis-são de manuscritos estão disponíveis em: <www.rmmg.org>

Correspondências:Revista Médica de Minas Gerais – Faculdade de Medicina da UFMG

Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Sala 12. CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG – Brasil. Telefone: 55-31-3409-9796

e-mail: [email protected]

Submissão de artigos: www.rmmg.org

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MMRRevista Médica de Minas Gerais

Volume 26 • Suplemento 1Julho de 2016

issn 0103-880 Xe-ISSN 2238-3181

G26/S1

Suplemento da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais

Julho de 2016a rmmg é resultado da parceria entre as seguintes Instituições

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