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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação A inclusão na Educação Infantil em uma escola da Rede de Ensino da Prefeitura de Belo Horizonte vista pelos seus protagonistas “ - Você sabe o que é Criança Deficiente? - É criança, professora!” GRAZIELLE VIEIRA MAIA DE CASTRO Belo Horizonte 2011

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Page 1: Você sabe o que é Criança Deficiente? - É criança ... · Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Dra. Magali Reis Belo Horizonte 2011 . ... Agradeço à professora Magali, que

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação

A inclusão na Educação Infantil em uma escola da Rede de Ensino da

Prefeitura de Belo Horizonte vista pelos seus protagonistas

“ - Você sabe o que é Criança Deficiente?

- É criança, professora!”

GRAZIELLE VIEIRA MAIA DE CASTRO

Belo Horizonte 2011

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GRAZIELLE VIEIRA MAIA DE CASTRO

A inclusão na Educação Infantil em uma escola da Rede de Ensino da

Prefeitura de Belo Horizonte vista pelos seus protagonistas

“ - Você sabe o que é Criança Deficiente?

- É criança, professora!”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas, como exigência parcial para a obtenção de título de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof. Dra. Magali Reis

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Castro, Grazielle Vieira Maia de C355i A inclusão na Educação Infantil em uma escola da Rede de

Ensino da Prefeitura de Belo Horizonte vista pelos seus protagonistas: “- Você sabe o que é criança deficiente? – É criança professora!” / Grazielle Vieira Maia de Castro. Belo Horizonte, 2011.

144f.: il. Orientadora: Magali Reis Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação de Crianças. 2. Educação especial. 3. Educação

Inclusiva. I. Reis, Magali. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 376(815.11)

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Grazielle Vieira Maia de Castro

A inclusão na Educação Infantil em uma escola da Rede de Ensino da Prefeitura de Belo Horizonte vista pelos seus protagonistas

“ - Você sabe o que é Criança Deficiente? - É criança, professora!”

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção de título de Mestre em Educação, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da PUC Minas.

Prof. Dr. Magali Reis – PUC Minas Orientadora

_______________________________________________________________

Carlos Roberto Jamil Cury – PUC Minas _______________________________________________________________

Maria Isabel de Oliveira e Silva – UFMG

Belo Horizonte, 09 de junho de 2011.

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Este trabalho se estabeleceu em defesa de uma educação de qualidade para todas as crianças.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiríssimo lugar, agradeço a todas as crianças que passaram em minha

trajetória profissional e, em especial, agradeço às crianças da EMPJB que me receberam

com tanta afetuosidade. Todas contribuíram de alguma forma para alimentar meu desejo

por reflexões e uma postura cada vez mais a favor de uma educação de qualidade para

elas.

Agradeço à professora Magali, que tão pacientemente, didaticamente e

profissionalmente conduziu meus passos por uma caminhada dialógica com as

infâncias. Agradeço por cada aula participada e por cada orientação recebida, pelo

exemplo profissional e pela ética com que tratou todas as questões e implicações por

nós vivenciadas.

Aos demais professores da PUC-Minas, da UFMG, do CEFET e da UEMG

pelos conhecimentos possibilitados! Às professoras Isabel de Oliveira e Silva e Iza

Rodrigues da Luz, assim como à professora Maria do Carmo Xavier, pelas

considerações específicas sobre minha pesquisa. E ao professor Carlos Roberto Jamil

Cury, que aceitou participar de minha banca de defesa desta dissertação, além de

possibilitar muitos saberes ao longo do trajeto do mestrado!

Agradeço ao meu esposo, Fernando de Castro, que companheiramente esteve

nas trilhas deste investimento intelectual, sempre com motivação, compreensão, amor e

considerações que ampliavam minhas reflexões.

Agradeço aos meus familiares: meu pai, que me apoia e investe nos meus

desejos; minha mãe, educadora que me influenciou desde a gestação pelos campos da

educação; minha avó Maria, educadora Mor! Minhas irmãs, Jaqueline e Patrícia, pelo

companheirismo e escuta, acolhendo minhas angústias e renovando minhas energias

para a continuidade; minha mãezinha Lulu, pelo colo sempre disponível. Aos meus

sogros, cunhados, tias, primas e primos pela compreensão e apoio nas minhas escolhas.

Agradeço também aos profissionais da Escola Municipal Professor José Braz

que acolheram minha proposta de pesquisa com imediata abertura, favorecendo meu

crescimento profissional através das reflexões permitidas e pelas oportunidades de

convivência sincera com todos os desafios do contexto educacional da instituição.

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Agradeço a minha amiga Nagibe, seu esposo e filha – Rivero e Ana Laura, pela

plena parceria para com todos os meus sonhos. Sem Nagibe, este momento seria

impossível.

À minha grande referência profissional Beth Accioly, educadora comprometida

com a qualidade do ensino e desafiadora dos comodismos! Profissional que acreditou

em meu potencial e possibilitou meu crescimento.

Aos meus amigos Jéferson e Rachel, que me escutam, acolhem e apontam luzes

na escuridão dos conflitos que me assolam.

Aos colegas do mestrado que muito contribuíram para minha formação com suas

participações, tolerâncias, posicionamentos e reflexões. Obrigada, principalmente,

Ângela, Maria Célia, Joaquim, Pollyanna, Juliana, Geraldo, Dudu e Marco Aurélio!

Aos colegas de trabalho da Jasmim, que continuam a acreditar no meu trabalho,

apesar de tantas ausências. E aos colegas da Unipac, pela parceria!

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O Que É, O Que É? Composição e Interpretação: Gonzaguinha

Eu fico Com a pureza Da resposta das crianças É a vida, é bonita E é bonita... Viver! E não ter a vergonha De ser feliz Cantar e cantar e cantar A beleza de ser Um eterno aprendiz... Ah meu Deus! Eu sei, eu sei Que a vida devia ser Bem melhor e será Mas isso não impede Que eu repita É bonita, é bonita E é bonita... E a vida! E a vida o que é? Diga lá, meu irmão Ela é a batida De um coração Ela é uma doce ilusão Hê! Hô!... E a vida Ela é maravilha Ou é sofrimento? Ela é alegria Ou lamento? O que é? O que é? Meu irmão... Há quem fale Que a vida da gente É um nada no mundo É uma gota, é um tempo Que nem dá um segundo... Há quem fale Que é um divino Mistério profundo É o sopro do criador Numa atitude repleta de amor...

Você diz que é luxo e prazer Ele diz que a vida é viver Ela diz que melhor é morrer Pois amada não é E o verbo é sofrer... Eu só sei que confio na moça E na moça eu ponho a força da fé Somos nós que fazemos a vida Como der, ou puder, ou quiser... Sempre desejada Por mais que esteja errada Ninguém quer a morte Só saúde e sorte... E a pergunta roda E a cabeça agita Eu fico com a pureza Da resposta das crianças É a vida, é bonita E é bonita...

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RESUMO

Nesta pesquisa investigamos o trato com as diferenças a partir do ponto de vista das crianças e

professores de uma escola municipal de educação infantil de Belo Horizonte. Buscamos

compreender como se estabelece a inclusão em função da política governamental que garante

vagas a todos os sujeitos com necessidades educacionais especiais de forma compulsória nas

escolas. Abordamos as concepções de infâncias e socialização para entender as dinâmicas que

se apresentaram no ambiente escolar, compreendendo as questões sobre a inclusão nas

relações escolares da etapa da Educação Infantil. Analisamos o contexto da Educação Infantil

e da Educação Especial historicamente, de forma a compreender a construção do direito à

escolarização dos sujeitos menores de sete anos de idade. Descrevemos aspectos do convívio

e do confronto das diferenças na rede de ensino do município de Belo Horizonte. Destacamos

a percepção das crianças e dos adultos de uma escola da rede municipal de ensino selecionada

para as observações de campo. Refletimos sobre a percepção distinta de crianças e adultos,

porém, enfocamos as vozes das crianças, colocando em evidência sua facilidade para lidar

com as diferenças, na contrapartida de professores e profissionais que, além de permanecerem

alheios às visões das próprias crianças, apresentaram conflitos pessoais frente à

impossibilidade de obter resultados mais significativos nos procedimentos educacionais com

todas as crianças. Optamos pela etnografia como metodologia de trabalho, de forma a permitir

uma abordagem qualitativa para se compreender o contexto proposto de forma plena,

favorecendo a participação das crianças e não realizando apenas uma pesquisa sobre as

crianças. A partir de roteiros de entrevistas, ouvimos crianças, professores, demais

profissionais da escola e do Núcleo de Inclusão da Secretaria de Educação do município.

Consideramos que, apesar do dilema da inclusão permanecer complexo, colocamos em

destaque a resposta das crianças para que haja efetivamente a garantia de uma escola para

todos.

Palavras chaves: Infâncias. Inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais.

Educação infantil. Sociologia da infância.

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ABSTRACT

In this interview, we have investigated how to deal with differences from the point of view of

children and teachers in a children’s education municipal school located in Belo Horizonte.

We have made an effort to understand how to establish the inclusion, from the government

politics, to guarantee places in these institutions for children bearing educational especial

needs, in a compulsory way. We have approached the conceptions of childhood and

socialization to better understand the dynamics we had to face for the comprehension of

questions concerning the inclusion of school relationships in the various phases of children’s

education. We have historically analysed the context of Children’s Education and of the

Especial Education so as to understand the construction of the right to study, especially for

children under seven years of age. We have described the school children’s sharing of

experiences and the facing of differences, including the municipal schools of Belo Horizonte.

We have paid especial attention to the perception of children and adults in a municipal school

specifically selected for camp observation. We have reflected upon the distinct perception of

children in relation to the adults’: mainly the way children spoke, showing their natural

capacity of dealing with differences, whereas teachers and other professionals, who seemed

not to have been touched by the visions of the children themselves, showed internal conflicts,

when confronted with the impossibility of obtaining more significant results from their

educational procedures from all the children. We have decided for the ethnography as a work

methodology in order to produce a more qualitative approach when seeking to fully

understand the proposed context, making it easier for the children to participate actively in our

project, instead of simply being the subjects of our investigation. From our set of interviews,

we have had the opportunity to hear children, teachers and other school professionals, as well

as those from the Center of Inclusion of the City’s Educations Department. We consider that,

although the dilemma of inclusion seems to remain complex, we have highlighted the

children’s response so that we can really make sure there is a school for all.

Key-words: Childhoods. Inclusion of subjects with especial educational needs. children’s

education. Childhood sociology.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Francesco Tonucci – Qual deles é surdo?...................................................12

Figura 2 Francesco Tonucci – Quando eu for grande................................................19

Figura 3 Francesco Tonucci – (1980) Uma Creche para estar juntos........................30

Figura 4 Francesco Tonucci – A criança tem um corpo e uma história.....................49

Figura 5 Vista da região onde a escola está situada.................................................70

Figura 6 Vista da entrada da escola..........................................................................71

Figura 7 Francesco Tonucci – (1976) É necessário determinar aqueles que são diferentes...................................................................................................................74

Figura 8 Pátio da escola............................................................................................78

Figura 9 A casinha.....................................................................................................78

Figura 10 O piso emborrachado no pátio...................................................................79

Figura 11 O pátio depois da reforma..........................................................................79

Figura 12 Francesco Tonucci – A creche não é um cabideiro...................................89

Figura 13 Francesco Tonucci – (1974) A avaliação (1)............................................100

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado

AEEL – Auxílio Extra Escolar com Libras para estudantes surdos

BH – Belo Horizonte

CAPE – Centro de Apoio Pedagógico Especializado

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação

CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

EMPJB - Escola Municipal Professor José Braz

FIEP – Federação das Indústrias do Estado do Paraná

FNCEE – Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação

GERED Barreiro - Gerência Regional de Educação do Barreiro

GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil

OMEP – Organização Mundial para Educação Pré-Escolar

PBH - Prefeitura de Belo Horizonte

SEED – Secretaria de Estado da Educação

SEESP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

SESU – Secretaria de Educação Superior (MEC)

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (MEC)

SMED/BH – Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

UMEI’s – Unidades Municipais de Educação Infantil

UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação

Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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Figura 1

Fonte: Tonucci, 1997.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

2 PESQUISA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A PARTICIPAÇÃO DA S CRIANÇAS: A

METODOLOGIA DESTA PESQUISA...............................................................................

200

3 AS INFÂNCIAS E A SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS ...... .....................................31

3.1 A infância: um conceito em permanente transformação .............................................31

3.2 Contribuições da Sociologia da Infância ........................................................................ 37

3.3 A criança participativa: a socialização na escola da infância....................................... 42

4 CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DA EDUCAÇÃO ESPEC IAL ............. 50

4.1 A construção social da infância: do direito à Educação Infantil.................................. 50

4.2 O convívio e confronto das diferenças ............................................................................ 63

4.3 A Escola Municipal Professor José Braz........................................................................ 69

5 E A VIDA, ELA É MARAVILHA OU É SOFRIMENTO?....... ..................................... 75

5.1 “A gente dá a mão a ele, aí ele vai”: a perspectiva da criança ..................................... 75

5.2 “A gente não é preparado para receber esses alunos”: a perspectiva dos adultos..... 82

6 EU FICO COM A RESPOSTA DAS CRIANÇAS........................................................... 90

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 101

ANEXOS ............................................................................................................................... 113

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1 INTRODUÇÃO

Atuar na Educação Infantil se apresenta no Brasil contemporâneo como um

compromisso com a gênese da escolarização das crianças enquanto sujeitos de direitos.

Reconhecer a relevância desta etapa da formação básica passou a exigir profunda reflexão no

sentido de garantir cuidado e educação na infância. A possibilidade de construções

significativas e ativas de conhecimentos e socializações foi a marca impressa pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394/96. Esta Lei assegurou inclusive à

nossa realidade escolar o direito das crianças com necessidades educacionais especiais

conviverem e ampliarem seus níveis cognitivos e sócio-afetivos, uma vez que as vagas foram

garantidas nas escolas públicas.

Ao longo de nossa trajetória profissional como docente na Educação Infantil das redes

particular e pública, a nova legislação representou grande avanço social para a população

brasileira, mas não descrevia naquele momento de implementação, nem regularizava, a

estrutura da educação a ser ofertada às crianças com necessidades educacionais especiais.

Durante esse percurso, pudemos observar, como professoras, que crianças foram recusadas

nas escolas públicas por falta de rampas e elevadores. Nesse sentido, também, não foi menos

decepcionante presenciar cadeirantes, crianças com microcefalia ou com Síndrome de Down

serem discriminadas do trabalho docente por serem “deficientes”.

Já em outro contexto, atuando como docente e coordenadora na Educação Infantil da

rede particular, esta realidade despertou em nós uma curiosidade intelectual para entender por

que alguns professores recusavam-se a trabalhar com crianças com necessidades educacionais

especiais de um lado e, de outro, o engajamento de diretores com quem convivia na busca por

uma educação de qualidade e significativa, para todas as crianças, segundo a qual todos

tivessem a oportunidade de desenvolvimento pleno. Essa experiência vivenciada engrandeceu

o desejo pela pesquisa em outras realidades a fim de verificar como o projeto governamental

de inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais estava acontecendo na

educação infantil1. Compreendemos que, apesar da escola e do Estado adotarem ações

políticas na construção de uma educação de qualidade para todos, o sucesso da inclusão

depende do vínculo estabelecido com a família e com as demais instituições que acompanham

1 Trataremos a política governamental de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais no sistema de ensino, e na escola comum, doravante apenas como inclusão.

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as crianças com necessidades educacionais especiais. Porém, com o desenvolvimento desta

pesquisa observamos que nem sempre as relações se constituem de forma a facilitar este

processo em benefício da criança.

Adotamos em nossa trajetória profissional como filosofia de trabalho uma atenção

àqueles que apresentam dificuldades no contexto escolar e limitações físicas, neurológicas ou

outras. Assim, sempre procuramos favorecer com mais empenho e mais ações àqueles que

mais apresentavam dificuldades. Essa atitude para nós era um desafio! Começamos a indagar

como estava acontecendo a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na

educação infantil, na rede pública de Belo Horizonte. Cidade que apresentava importantes

projetos educativos, como a Escola Plural2, que é uma experiência da década de 1990 que

favorecia o trabalho escolar em ciclos de aprendizagem, superando a lógica da seriação com

aprovação por nota e de total responsabilidade pedagógica sobre o aluno, bem como

centrando-se na aprendizagem, nas experiências dos discentes e na formação integral dos

estudantes e profissionais. Belo Horizonte (BH) apresenta uma Secretaria Municipal de

Educação (SMED) estruturada3 para dar atenção à sua população e tem condições financeiras

e recursos humanos para oferecer uma educação pública de qualidade.

Outras indagações foram sendo delineadas: existiam formas diferentes de relações, de

experiências pedagógicas ocorrendo? Como a inclusão estava realmente acontecendo em uma

rede pública de ensino, que atende grande parte da população infantil da cidade –

praticamente 11,5% das 33,8% crianças matriculadas na pré-escola4? Como esta rede, que já

implementou e garante a matrícula das crianças com necessidades educativas especiais na

escola pública, faz para promover o ensino a esta população específica? Há encontros entre

membros da secretaria, professores e pais para refletir sobre a aprendizagem das crianças?

Como, de fato, tem ocorrido a inclusão? E, por fim, sendo a criança um sujeito com direitos5

reconhecidos, como ela própria pensa a inclusão? O que manifesta sentir, o que considera de

positivo e negativo neste novo desafio do processo de escolarização?

2 Apesar da inovadora proposta de trabalho pedagógico em ciclos, a Escola Plural não perdurou, conforme apontou Miranda (2007), sendo considerada por muitos como polêmica por ter procurado romper com a cultura tradicional da escola pública, implementando uma concepção de educação mais ampla, democrática, inclusiva, plural, que levasse “em conta múltiplas dimensões da formação da pessoa humana e na qual as crianças das classes populares tivessem condições de ser bem-sucedidas. Buscava-se responder aos desafios presentes nas políticas públicas para expandir o Ensino Fundamental e, especialmente, melhorar a qualidade da escola pública”, porém as práticas tradicionais já estavam arraigadas e o temor dos professores pela não reprovação prejudicaram a implantação do programa. 3Conforme pode ser verificado na estrutura do funcionamento da Secretaria, nos anexos. 4 A Prefeitura de Belo Horizonte pretende atender 59.192 crianças de 0 a 5 anos e 6 meses, em rede própria, até 2012, ampliando esse percentual de 11,5% para 44,4%. Dados disponíveis em Belo Horizonte, 2011 e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2011. 5 Constituição Federal de 1988, Art.227 e ECA de 1990.

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Estabelecemos, portanto, como objetivo geral investigar o trato com as diferenças a

partir do ponto de vista das crianças e dos professores, em uma escola municipal de educação

infantil de Belo Horizonte e, especificamente, desejávamos:

a) Identificar se as crianças percebiam as diferenças presentes na sala de aula, e se

percebiam, como percebiam;

b) Observar e caracterizar as práticas educativas dos professores, ditas inclusivas,

indagando sobre: suas posturas pedagógicas com relação às crianças com necessidades

educacionais especiais; os problemas e dificuldades encontrados; e como suas ações

eram articuladas em relação a todas as crianças;

c) Caracterizar os possíveis vínculos sociais, culturais e afetivos estabelecidos,

nas relações criança-criança, adulto-criança, adulto-adulto.

Ressaltamos que inicialmente investigamos sobre pesquisas acadêmicas já realizadas

com o tema da inclusão na Educação Infantil e localizamos apenas um professor brasileiro

que tem feito investimentos sobre esta questão. Contudo, seus trabalhos condensam a

Educação Infantil junto aos anos iniciais do Ensino Fundamental e envolve todos os níveis de

ensino da educação brasileira. O professor José Geraldo Silveira Bueno é professor na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e desde 2006 participa do grupo de pesquisas

da pós-graduação dessa instituição cuja linha é a Inclusão/exclusão escolar e desigualdades

sociais.

Na procura de uma metodologia que pudesse dar visibilidade a perspectiva dos

incluídos e seus pares, optamos pela etnografia com as crianças e não sobre as crianças,

conforme autores como Fernandes (1979), Martins (1993), Corsaro (2005) e Montandon

(2001; 2005), entre outros, já vêm fazendo. O nosso nível de participação plena no campo só

foi possível pela aceitação dos professores da escola, assim como dos demais profissionais,

das famílias e das próprias crianças que me tiveram como uma adulta diferente, por ficar

direto com elas nos recreios, no lanche, nos momentos de pátio pelo chão, na sala, isto é, em

todos os espaços onde as crianças estavam. Os resultados deste estudo serão analisados nesta

dissertação, organizada em cinco capítulos.

No capítulo seguinte a esta introdução, apresentamos a metodologia do trabalho,

destacando a pesquisa etnográfica com suas características. Apresentamos também os

trabalhos de Montandon (2001; 2005), de Corsaro (2005), de Sirota (2001; 2005) como

embasamento para a ação enquanto pesquisadores das infâncias, pois neles se escutou as

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crianças, possibilitando que suas vozes fossem de fato ouvidas. Suas contribuições na

perspectiva de ouvir o que as crianças tinham a dizer influenciou consideravelmente os

estudos realizados por nós. Ainda nesta parte do trabalho, destacamos a busca pelo campo

para a pesquisa prática, sua organização e desenvolvimento embasadas pelas contribuições de

Qvortrup (2010), Reis (2007; 2009), Plaisance (2004; 2005), Rayou (2005), Rockwell (1990),

Cruz (2008), Gullestad (2005), Javeau (2005), Mollo-Bouvier (2005), Tosta (2007), Caldeira

(1998), Fazzi (2000), além das observações registradas no caderno de campo.

No terceiro capítulo, abordamos os conhecimentos teóricos que fundamentaram esse

investimento intelectual, apresentando as concepções sobre Infâncias e Socialização e a

complexidade da permanente transformação destes conceitos. Destacamos as contribuições de

Rousseau (2004) e Durkheim (2001) para esta construção teórica. Abordamos também as

elaborações teóricas contemporâneas de Ghiraldelli Jr. (2000), Reis (2007), Cambi (1999),

Sarmento (2005), Montandon (2001; 2005), Belloni (2007; 2009), Goulart (2008), Plaisance

(2005), Mollo-Bouvier (2005), Ariès (1986), Kramer (2006) e Silva (2010) para compreender

as dinâmicas que corroboraram na construção do protagonismo das crianças e suas infâncias.

O quarto capítulo contemplou o contexto da Educação Infantil e da Educação

Especial. Descrevemos sobre a construção social do direito a esta etapa da formação, hoje

considerada obrigatória e gratuita no ciclo básico de estudos dos brasileiros. Descrevemos

sobre o convívio e o confronto das diferenças, inclusive na rede municipal de BH. E

apontamos, por fim, as complexidades sociais, políticas, pedagógicas envolvidas na escola

que se prontificou a participar desta pesquisa – Escola Municipal Professor José Braz, que

será chamada daqui em diante por EMPJB. Neste capítulo, nos embasamos nas reflexões de

Bujes (2003), Bobbio (1992), Telles (1999), Rosemberg (1995), Scherer (2009), Cerisara

(1999), Faria e Palhares (1999), Godoy (1997), Santos e Vieira (2006), Kramer (1984) e

Khulmann Jr. (2000). Analisamos os documentos da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

(PBH, 2009) e o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP, 2006) para perceber a

construção do direito à Educação da Infância na cidade de Belo

Horizonte. Assim como, resgatamos as considerações de Rousseau (2004) para compreender a

percepção histórica de construção do direito à educação.

No quinto capítulo, destacamos primeiramente a percepção das crianças, para em

seguida ouvir os adultos envolvidos na escolarização daquele contexto pesquisado –

professoras, equipe administrativa, demais funcionários da escola e da rede, pais.

Apresentamos suas considerações sobre a diferença, a convivência, a aprendizagem e

especialmente sobre a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na escola

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comum. Recorremos às contribuições de Corsaro (2005), Fernandes (1979), Montandon

(2001; 2005), Kramer (1984), Rosemberg, Campos e Ferreira (1995) e Khulmann Jr (2000)

como suporte teórico para nossas reflexões.

Finalmente, nas considerações finais, destacamos a completa abertura das crianças

para a convivência, a partir de suas próprias falas e ações, independente dos desafios

apresentados, mas permeadas das concepções, dos anseios e das imposições dos adultos,

principalmente das suas professoras. As professoras, por sua vez, apresentaram alta

especialização, analisada através da pesquisa documental e dos depoimentos delas próprias,

quando pudemos verificar que um número significativo de professoras possui várias pós-

graduações lato-sensu. Porém, através de análise mais detida dos documentos pudemos

constatar que, a despeito da alta especialização, há ainda falta de sintonia com os desafios do

seu cotidiano e da inclusão, como será analisado mais adiante.

Pudemos destacar a complexidade em que se encontra o processo de inclusão na rede

de educação da PBH: ações ainda desarticuladas de seus profissionais, assistindo-se, de um

lado, a defesa por parte do Núcleo de Inclusão6 do acolhimento de crianças com necessidades

educacionais especiais a partir de um trabalho pedagógico direcionado tanto a elas como às

demais crianças de cada turma. E do outro lado, professoras que não sabem como conduzir a

dinâmica da sala de aula com as diferenças a serem consideradas e a equipe técnica da escola

que tem encontrado sérias dificuldades para incorporar na dinâmica de seu trabalho a

perspectiva de um trabalho inclusivo.

Surgiram novos questionamentos que foram se constituindo durante o processo

investigativo: Como as crianças agem em relação aos diferentes? Estão abertas, são

acolhedoras e ativas, ou não? Existem no âmbito do trabalho pedagógico práticas educativas

inclusivas? Se existem estas práticas são construídas pelas singularidades de seus agentes?

Como uma rede pública de ensino poderia realmente contemplar a perspectiva formativa de

sua equipe profissional em prol de sistemas eficientes de ensino/aprendizagem, valorizando a

todos sem distinção?

Ao buscar respostas a estas e outras questões, novas descoberta puderam ser feitas,

embora nem todas as indagações iniciais tenham sido respondidas. O acúmulo do

conhecimento sobre a infância e sua educação indica que há perspectivas teórico-

6 O Núcleo de Inclusão foi criado pela PBH para apoiar as pessoas com necessidades educacionais especiais, assim como aos professores que atenderiam as esses sujeitos, num acompanhamento sistemático às escolas por regional. Esse Núcleo é composto de 3 profissionais da educação por regional aproximadamente – como no Bairro do Barreiro, regional oeste – e cada regional atende em torno de 12 escolas, pretendendo ajudar o professor, planejar ações e fortalecer os processos de ensino e aprendizagem.

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metodológicas muito distintas coexistindo na Educação Infantil, assim como há pontos de

vista e referenciais por vezes antagônicos no trato com as crianças. Porém, logo que iniciamos

nossa pesquisa um fato chamou a atenção e possibilitou que redimensionássemos nossas

observações. Ao ser apresentada a primeira turma, a professora assim se dirige às crianças: -

Crianças! Esta é a Grazielle, ela está estudando as crianças com deficiência e vai ficar aqui na

sala com a gente. Vocês sabem o que é criança com deficiência? As crianças neste momento

não hesitam e respondem em coro: - É uma criança, professora!

A percepção das crianças de imediato se mostrou tão distinta daquela cristalizada

pelos adultos que passamos a observá-las com mais intensidade, registramos suas ações e

reações frente aos seus pares com necessidades educacionais especiais, suas formas de

acolhimento, seu jeito de lidar com as diferenças. Ao final do estudo, chamamos atenção para

estas especificidades do ponto de vista da criança e embora estejamos solidárias com as

professoras e seus conflitos pessoais frente à impossibilidade de obter resultados mais

significativos nos procedimentos educacionais com todas as crianças, pudemos perceber que,

de modo geral, os adultos ainda permanecem alheios à visão da própria criança e é sobre esta

perspectiva que este estudo se debruça. Assim, destacamos as vozes das crianças a partir do

próprio título deste estudo, procurando colocá-las em evidência, assim como nos apoiamos no

campo de estudos emergente que diz respeito à intersecção entre sociologia e infância.

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Figura 2 – Quando eu for grande Fonte: Tonucci, 1997

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2 PESQUISA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A PARTICIPAÇÃO DA S CRIANÇAS: A

METODOLOGIA DESTA PESQUISA

As várias concepções de infância, como representações sociais de determinada idade

em seus contextos, revelam a dinâmica cultural, econômica e política do ocidente. As

dificuldades que os adultos têm sobre a representação e o trato dispensado às crianças foram

marcas do processo educativo que historicamente submeteu as crianças às imposições dos

adultos. Como nos apresenta Qvortrup (2010), falar de infâncias não é apontar para os seres

em “potência” 7 ou as pessoas que serão ou que devem ser integradas à sociedade. Ao se falar

de infâncias, segundo este autor, teremos que retratar, de forma coletiva, questões essenciais à

categoria, enquanto um grupo geracional. Porém, diante do eixo específico de cada

pesquisador, é fundamental adotar o ponto de vista das crianças, recorrendo a mecanismos de

observação e coleta de dados que serão desenvolvidos de acordo com cada finalidade da

pesquisa.

Hoje, dado o apelo legal para a inclusão das diferenças nas instituições de ensino,

várias questões podem ser levantadas quanto à temática:

a) Como as crianças agem em relação aos diferentes?

b) Estão abertas, são acolhedoras e ativas, ou não?

c) Existem no âmbito do trabalho pedagógico práticas educativas inclusivas? E se

existem, estas práticas são construídas pelas singularidades de seus agentes?

d) Há problemas em relação às diferenças no âmbito escolar? Se sim, observa-se a

busca de caminhos significativos para as problemáticas que envolvem as diferenças?

e) Como se articulam os vínculos familiares com a escola?

f) Como as crianças detectam os diferentes em seus pares escolares?

g) Como reagem nesta situação?

h) As crianças detectam desafios na interação social? E se detectam, como são

incentivadas a superar esses desafios?

i) Como é possível perceber a intensidade afetiva nestes contextos?

7 Para Qvortrup, a infância é a potência que permite a renúncia do previsível e ilumina aquilo que não se revela de imediato; é a descontinuidade que permite modificar o cotidiano. A infância coloca o sujeito no lugar de produtor da cultura e, com outros interlocutores, ela acrescenta sentido ao mundo através das suas práticas e falas, conforme analisou GOMES (2010).

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O advento da escolaridade obrigatória coincide com o desenvolvimento da

preocupação e observação científica em relação à criança de forma orientada

metodologicamente, estabelecendo representações importantes sobre as infâncias

contemporâneas e destacando complexidades particulares no âmago das construções sobre as

realidades sociais. Dessa forma descreve Montandon (2001) em seus estudos, afirmando que é

significativo destacar as modificações das relações estabelecidas com as crianças, pelas

crianças e aquelas estabelecidas a partir delas.

As transformações dos conhecimentos sobre as infâncias provocaram mudanças de

representações da sociedade. Analisando esse processo também como uma construção

histórica e social, buscamos o entendimento sobre como o grupo discente e docente, daquela

instituição acompanhada, percebiam a questão da inclusão, considerando este espaço um local

importante de socialização na infância.

Compreendemos que a concepção de inclusão se apresenta como um desafio à

valorização das diferenças, ao pensamento emancipado do discurso racional e ao universo de

valores que permeiam as reflexões acerca do universo infantil escolar. Com base nesta linha

de pensamento, investigamos o trato com as diferenças a partir do ponto de vista das crianças

e das professoras em uma escola municipal de educação infantil de Belo Horizonte.

Nessa opção metodológica, enfatizamos o encontro com a criança, protagonista deste

estudo. Assim, a investigação utilizou-se de múltiplos referenciais teórico-metodológicos:

ciências sociais, sociologia da infância, história da criança, política para a infância,

antropologia da criança, geografia da infância, filosofia da infância. Buscamos estabelecer

estratégias para ouvir as crianças, que já se apresentam em vários outros estudos: Reis (2009),

Montandon (2001 e 2005), Corsaro (2005), Gullestad (2005), Javeau (2005), Mollo-Bouvier

(2005), Plaisance (2004 e 2005), Rayou (2005), Sirota (2001 e 2005).

Estes autores ouviram as crianças em seus variados investimentos intelectuais

relacionados às infâncias: pesquisa sobre a qualidade da educação, o que as crianças

esperavam de seus pais, das festas de aniversário, dentre outros. Tais investimentos

enfatizaram sujeitos localizados num determinado tempo/espaço/cultura/sociedade/grupo

social que precisavam manifestar seus pontos de vista para que a compreensão do assunto

fosse completa. Assim, ouvir os sujeitos foi o destaque deste estudo etnográfico, que envolveu

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ao todo aproximadamente8 240 crianças, matriculadas na EMPJB e adultos, a elas vinculados:

os profissionais e os pais/responsáveis pelas crianças.

A escolha desta escola se deu em razão das características de sua localização: região

do Barreiro. Esta regional, segundo a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, em 2006,

contava com cerca de 300 mil habitantes, 9.747 atividades comerciais e de serviços, 355

indústrias e 573 profissionais autônomos, ou seja, é um território com elevada urbanização,

movimentando 40% dos recursos financeiros do município, mas oferecendo apenas 7

Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIs), 1 escola municipal para a Educação

Infantil e 25 creches conveniadas que atendem crianças na faixa etária dos 0 aos 5 anos de

idade9. O Barreiro pode ser caracterizado, então, por sua imensa extensão urbana, como maior

regional de Belo Horizonte, pelas desigualdades sociais que a compõem e por contemplar

uma Escola Municipal que ainda não fazia parte dos projetos de UMEIs. Portanto, esta

instituição escolar não oferecia as mesmas condições de ensino daquelas UMEIs, conforme o

trecho abaixo ilustra.

As UMEIS foram concebidas, a partir de 2004, com a proposta de construção de

espaço que foi pensado para uma aprendizagem infantil lúdica, interativa e criativa,

possibilitando uma configuração do processo de escolarização distante da perspectiva

tradicional de ensino:

Móveis são projetados para oferecer o melhor desempenho pedagógico. As salas de aulas, amplas e bem ventiladas, são equipadas com armário e pia. O número reduzido de alunos nas turmas facilita a interação e aprendizagem. Todo material é identificado individualmente e, por meio de uma agenda, pais e educadores trocam informações sobre qualquer alteração no dia a dia das crianças... Isso garante aos pequenos oportunidades de vida muito melhores do que as que seus pais tiveram. (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2011).

A partir, então, do objetivo posto de se investigar a inclusão do ponto de vista das

crianças, e em seguida do das professoras, delimitou-se o campo de pesquisa a uma escola de

Educação Infantil Pública de Belo Horizonte. Assim, é relevante destacar a escolha por uma

abordagem qualitativa de pesquisa, pois, a partir desta opção definimos como metodologia de

investigação a etnografia, tendo como procedimentos a observação participante e entrevistas.

A pesquisa etnográfica tem como preocupação revelar elementos que caracterizam as

interações, que possibilitam aprendizagens, que configuram identidades na realidade

8 Aproximadamente porque a escola tinha 6 salas de aulas com 20 crianças cada, funcionando de manhã e à tarde, porém houve transferências de discentes ao longo de todo o ano escolar, tanto saindo como entrando na escola. 9 Mais informações em (BELO HORIZONTE, 2011).

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estudada. “Pesquisar sobre a educação requer entendê-la como fenômeno dinâmico, complexo

e mutável além de datado historicamente”. (TOSTA, 2007).

Como primeiro ensejo, esta investigação sistemática e específica se estabeleceu a

partir da necessidade de acompanhar todos os momentos do ambiente escolar, observando não

apenas as atitudes, atividades e comentários explícitos, como também as formas menos

explícitas do processo escolar, que possibilitasse o elo afetivo fundamental entre a

pesquisadora e o ambiente social da pesquisa. Foi essencial conquistar a confiança dos

sujeitos envolvidos neste trabalho.

Esta conquista de confiança foi importante, primeiro, porque se trabalhou com

diferentes faixas etárias, crianças e adultos, com peculiaridades diferentes: jeitos de entender

as tarefas escolares, as relações estabelecidas nesta instituição, os usos dos espaços, a

distribuição dos tempos. Segundo porque cada momento do processo escolar poderia

apresentar dados para o problema de interesse apontado: fosse o período de acolhimento,

fosse a fase de avaliações diagnósticas, fossem os recreios, as atividades em sala e nos demais

espaços que se apresentariam, fossem nas reuniões de equipes, com os pais, fossem nas

problemáticas que poderiam surgir. Assim, todas as situações poderiam revelar elementos

para uma possível análise sobre a percepção da inclusão das diferenças na Educação Infantil,

sob a perspectiva de seus protagonistas: as crianças e os professores.

Outra razão para esta estratégia metodológica se fez pela possibilidade de produzir um

trabalho de reflexão conceitual, cujo legado favorecesse a relação entre as teorias e as

descrições acumuladas a partir da observação e interação com o contexto da prática local.

Rockwell (1990) e Qvortrup (2010) afirmam que por não haver uma norma metodológica que

indique quais as técnicas específicas para a investigação, a etnografia exige que se definam os

meios apropriados a partir de cada objeto de pesquisa e campo selecionado, destacando assim

melhores situações de coleta das informações relevantes.

É significativo apontar que todos os dados recolhidos como novos elementos da

investigação tiveram o caráter de favorecer o entendimento da investigação social, buscando

nossa inserção no contexto das relações dos sujeitos, seus comportamentos e suas escolhas no

dia-a-dia da instituição. Ou seja, considerando a situação nos âmbitos interativos da natureza

histórico-sociológica, foi de grande relevância apontar todos os elementos da diversidade que

envolvessem o campo pesquisado.

Fazer pesquisa etnográfica exige estudar o cotidiano – entendido como lugar

privilegiado para a análise social de forma interdisciplinar ou em fronteiras de alguns campos

de conhecimentos em suas múltiplas e complexas dimensões. (CALDEIRA, 1998). Isto é,

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apreender pessoas, grupos e comportamentos, desenvolvendo um trabalho de campo

sistemático e prolongado, o que é inerente à abordagem de uma vivência densa a qual se

pretende aproximar, interpretar e desnaturalizar.

A pesquisa etnográfica favorece essa interpretação particular e geral (micro e macro;

explícita e implícita) dos elementos do cotidiano no processo real, com procedimentos que

permitem compreender o geral pelo aprofundamento particular de cada caso investigado em

descrições sucessivas e interpretativas, reconstrutoras das redes de relações e tramas das

histórias. Assim, a etnografia tem objetivos científicos bem definidos para favorecer o

mergulho no campo de pesquisa e possibilitar o registro das regularidades que regem sua

constituição social e cultural. Além disso, é plenamente contextualizada e beneficia as

explicitações e comparações para a apreensão de constantes e variáveis que envolvem o

objeto, neste caso, a inclusão na perspectiva de seus protagonistas.

O plano de ação envolveu, primeiramente, a conquista de confiança dos sujeitos desta

investigação, como já foi explicitado anteriormente. Em relação aos adultos, profissionais e

pais/responsáveis, conversamos desde janeiro de 2010 para lhes explicar sobre os interesses e

objetivos, recebendo apoio geral para o desenvolvimento do trabalho. Com as crianças,

seguimos algumas orientações de Corsaro (2005) sobre como aproximarmos delas:

participávamos das brincadeiras que elas construíam no recreio, no pátio e na sala, estávamos

sempre no chão ou em cadeiras iguais as delas para mantermos as suas alturas, lanchávamos

juntas, ou seja, durante todo o horário da aula estávamos juntas. Isso possibilitou que as

crianças nos identificassem como pessoas que queriam estar com elas e não somente com os

adultos, como os demais que visitavam a escola (a representante do Núcleo de Inclusão, a

representante da Coordenação Pedagógica da Regional, a Nutricionista, os Pais, entre outros).

Outro fator de aproximação com as crianças foi nossa facilidade de guardar os nomes

de todas e nos dirigirmos de forma pessoal a elas, o que favoreceu o contato intenso durante

as semanas. Pudemos, então, promover o reconhecimento e a caracterização da unidade

escolhida; caracterizar os sujeitos pesquisados; e elaborar os roteiros10das entrevistas

estruturadas e semi-estruturadas, que foram desenvolvidas para ouvir as crianças, os

representantes das professoras, da diretoria, da secretaria, da vigilância, da cantina, da

limpeza, estagiárias, do Núcleo de Inclusão da PBH. Além destes, escutamos outros sujeitos

10 Cf. Anexo

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relacionados à escola como os responsáveis pelas crianças que tiveram as vagas garantidas de

forma compulsória11 devido à alguma necessidade educacional especial.

As entrevistas com as crianças foram realizadas ao longo de algumas semanas, de

manhã e à tarde, em alguma sala disponível na escola naquele dia – houve entrevista na

biblioteca, na sala da coordenação e na sala dos professores. Dentre as crianças que não eram

da inclusão, foram selecionadas aquelas cujas famílias assinaram a autorização de

participação, totalizando duas de cada turma, sendo um menino e uma menina, a fim de obter

diferentes pontos de vista. Num momento determinado pela professora, de forma a não

atrapalhar o desenvolvimento das atividades com a turma, as crianças eram convidadas a

conversarem comigo. Todas aceitaram prontamente. Seguimos então com a conversa a partir

do roteiro. Houve casos em que a criança se sentiu tão à vontade que até iniciou uma

brincadeira “Repete, tá?! Paca, tatu; cutia, não!”

As crianças com necessidades educacionais especiais também foram ouvidas, mesmo

aquelas que ainda não se comunicavam pela linguagem oral, normalmente recorriam aos

gestos para complementar suas comunicações e demonstraram muito mais receptividade e

segurança quando estavam com seu grupo etário. No caso dessas crianças, pensamos em uma

metodologia complementar para a obtenção de dados da pesquisa, houve situações no

cotidiano em que recorremos inclusive a outras estratégias lúdicas para alcançar as

informações necessárias – como o uso de alguns brinquedos da sala de aula e da escola,

músicas cantadas por elas, a fim de alcançar a comunicação daquelas que ainda não falavam,

o que não significava que não se expressassem ou se comunicassem, conforme descrevem

Reis (2007) e Cruz (2008).

Nesses momentos, dirigíamos questões sobre a convivência com os colegas e

professores na escola, as aprendizagens já alcançadas e a rotina de cada criança. A partir da

manifestação satisfatória ou não das crianças da inclusão, registrávamos suas considerações

no caderno de campo. Houve criança que ria compulsivamente, demonstrando total vínculo

com os colegas. Houve criança que buscava algum material (folha de trabalhinho e brinquedo

preferido) para demonstrar sua participação nas tarefas propostas. E houve criança que ficava

atenta aos colegas, depois pegava algum objeto para observar mais detalhadamente, indicando 11 Há casos em que a vaga é garantida por determinação da Secretaria de Educação: qualquer família que lá chegue com um laudo médico da criança procurando vaga, os profissionais devem procurar a escola mais próxima à residência da família e emitir um documento para a escola estabelecendo a obrigatoriedade de se efetivar a matrícula daquela criança. Sendo a escolarização em instituições regulares de ensino um direito público subjetivo, as famílias já saem orientadas pelo hospital que atende às suas crianças a procurarem à Secretaria de Educação. Ou seja, as famílias não precisam interceder por seus direitos em instâncias jurídicas, a própria prefeitura garante o direito através da matrícula compulsória.

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sua curiosidade e inserção nas conversas propostas ou imitava os comportamentos de alguns

de seus pares.

Em relação aos adultos, as entrevistas realizaram-se nos mesmos espaços (sala de

professores, biblioteca e sala da coordenação) e dependo da disponibilidade do sujeito no dia,

as mesmas se estenderam por mais algumas semanas. Procuramos flexibilizar os horários de

acordo com as particularidades de cada um que se prontificava a concedê-la. Porém, nem

sempre a maleabilidade resultava em um retorno positivo, como por exemplo um pai que

pediu para enviar a entrevista por e-mail, mas não quis responder depois. Em relação aos pais

das crianças da inclusão, seis foram convidados, correspondendo ao total de crianças

matriculadas naquele ano compulsoriamente sob o critério da inclusão. Desses, quatro

participaram da entrevista e dois não quiseram ser entrevistados, e não externaram as suas

motivações para a recusa.

Destacamos que conforme Kramer (2002) descreveu que em pesquisas feitas com

crianças numa abordagem qualitativa, a questão dos nomes se tornou uma dificuldade: devia-

se apresentar os nomes verdadeiros e expor as crianças – contrário ao que impõe o Estatuto da

Criança e do Adolescente – mas garantindo a autoria em uma pesquisa que almejou dar voz

aos sujeitos pesquisados? Segundo a autora, de antemão deve se recusar alternativas tais como

usar números, mencionar as crianças pelas iniciais ou as primeiras letras do seu nome, pois

isso negava a sua condição de sujeitos, desconsiderava a sua identidade, simplesmente

apagava quem eram e as relegava a um anonimato. Para não comprometer a forma da escrita

do nosso trabalho e prejudicar a narração dos fatos e sem revelar a identidade das crianças,

seguimos a orientação de Kramer (2002) e decidimos pedir para as crianças escolherem os

nomes com que queriam aparecer na versão oficial do trabalho. E, para aquelas que ainda não

falavam ou quiseram manter seus nomes, optamos por citar nomes que apareceram nas suas

brincadeiras ao longo da observação de campo. Permanece assim o anonimato das crianças,

positivo pela proteção e negativo pela omissão de quem contou suas histórias, riu e se

emocionou ao revelar segredos. Com os adultos que participaram desta pesquisa e que

aparecerão neste registro, a identificação se fará com nomes fictícios, escolhidos por eles

mesmos, seguida da sua função social para melhor orientação do leitor, como professora,

profissional de determinada área ou mãe. Assim, também há a preservação de suas

identidades.

A investigação também se processou intensamente pela observação e registro dos

detalhes diários, rotineiros, dos fragmentos dispersos de informações apresentados por várias

pessoas que compunham o contexto escolar, das diferentes situações e momentos que

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possibilitaram a compreensão do funcionamento das múltiplas articulações e relações,

explícitas, ocultas e até reprodutoras no processo escolar. Contudo, cabe destacar que as

habilidades das crianças não podem ser corrigidas como certas e/ou erradas e tabuladas

conforme critérios dos adultos. Deste modo, fez-se necessário deixar a criança explicar seu

raciocínio de decisão para não distorcer a complexidade de suas respostas. (FAZZI, 2000).

Então, para se realizar tal proposição, foi necessário estabelecer uma metodologia que

permitisse a observação e interação direta com as crianças em ação, apontando o que aquela

realidade apresentava em si mesma e o que tornava viável para aqueles que a ela pertenciam.

Destaca-se que houve um momento anterior à observação do campo e à coleta dos dados, no

qual explicamos minuciosamente à equipe profissional da instituição e famílias, apresentando

detalhadamente a pesquisa e coletando a autorização por escrito através do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido12, conforme aprovação do Comitê de Ética da PUC

Minas que concedeu aval para os procedimentos do estudo.

Tivemos, então, o estudo aprofundado de uma escola infantil de Belo Horizonte – a

EMPJB. “Rompendo de vez com a premissa positivista da neutralidade científica e de um

certo projeto de ciência moderna”, (TOSTA, 2007), empregamos como procedimento

metodológico, entrevistas às crianças com roteiros semi-estruturados13 a fim de direcionar o

foco de interesse, mas permitindo-se que os entrevistados se sentissem acolhidos para

relatarem suas crenças, valores e ações. Pretendeu-se, portanto, observar, de forma ampla e

sistemática através da ida ao campo – durante quatro meses, nos dois turnos (manhã e tarde),

chegando no início do horário escolar e saindo com o seu término –, a rotina escolar em seus

diferentes momentos pedagógicos, tendo em vista, a escuta dos ‘sentimentos’14 e pensamentos

das crianças sobre a inclusão – a partir de suas manifestações na rotina escolar e nas nossas

entrevistas. Com este intuito, também, observou-se como as crianças se inseriam no fluxo

constante e espontâneo da vida social e não somente os explicitados nas normas legais, nos

encontros oficiais – aulas e atividades direcionadas, por exemplo.

A partir das informações coletadas, propusemo-nos a realizar a análise das entrevistas

e das ações, evidenciando os significados da vivência da inclusão nos processos de

socialização. Realizamos, na sequência, agrupamentos de falas e atitudes em categorias à

medida que indicaram características semelhantes em relação às interpretações pessoais.

12 Cf. Anexo. 13 Cf. Anexo. 14 O termo sentimento assim colocado não indica um apego afetivo, ou amoroso, mas um distanciamento que permite ver o outro nas suas diferenças, reconhecendo, contudo, suas semelhanças ou, dito de outro modo, é compreender os outros como iguais em suas diferenças.

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Desta forma, almejávamos apresentar similaridades e diferenças das posturas das crianças e

adultos entre si que ordenavam o universo cultural investigado e possibilitavam a apreensão

da totalidade.

Deste modo, permaneceu todo o trabalho laborioso de coleta de dados, interpretação e

integração à vivência empírica, uma vez que esse se associa a objetividade de observação

específica, que a etnografia exige, para a caracterização das estruturas e processos que nela

ocorrem, com a sua reconstrução complexa através das interrelações e interações.

Pretendíamos desde o início da pesquisa, em observar o cotidiano de uma experiência

de educação infantil inclusiva, procurando compreender se valores, atitudes, comportamentos,

crenças, noções e preconceitos se evidenciavam ou se dissimulavam em relação às diferenças,

ou se as crianças os traziam de suas vivências pessoais e se os testavam neste espaço. E,

ainda, como o/as educadores mediavam, agiam diante destas situações. Portanto, a intenção

foi deslindar como os sujeitos sociais no espaço escolar, especialmente na voz das próprias

crianças, se manifestavam frente às diferenças.

Este foco de observação se estabeleceu na tentativa de interpretar as falas e práticas

das crianças a fim de constatar o que significava para elas e como aprendiam, através do

convívio e do confronto com as diferenças, a própria ideia não relativamente ao que é

diferente, mas como percebiam a inclusão. Nesta perspectiva, as interações sociais que as

crianças estabeleceram entre si foram tão importantes quanto as suas relações com os demais

agentes de socialização escolares. Dito de outro modo, a preocupação deste estudo foi

observar a dinâmica da vida social, uma vez que as crianças agem, resistem, reelaboram,

criam e influenciam adultos tanto quanto são influenciadas por eles Num primeiro momento, entramos em contato com a Secretaria de Educação de Belo

Horizonte solicitando informações referentes à Inclusão por regional, conforme organização

interna do município, para selecionar uma realidade específica a partir da análise destes

dados. Contudo, este material não foi fornecido pela Secretaria, que alegou pouco pessoal em

serviço e muito trabalho a ser executado, o que a impossibilitou o oferecimento das

informações solicitadas para os fins de uma pesquisa acadêmica. Apesar disso, houve a

sugestão deste setor público de que procurasse qualquer escola, uma vez que todas

participavam da inclusão. Diante deste fato, selecionamos uma Escola de Educação Infantil da

região do Barreiro, conforme explicitado no início deste capítulo, cujos profissionais

acolheram e aceitaram participar da pesquisa proposta. Esta escola funcionava em dois turnos e tinha, no início do ano letivo de 2010, quatro

crianças na inclusão à tarde e três pela manhã, mas durante o ano uma criança saiu do turno da

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manhã, totalizando as seis mencionadas anteriormente. A pesquisa de campo mais densa se

estendeu de janeiro a junho, de três a quatro vezes na semana, e depois em julho, setembro,

novembro e dezembro. Em janeiro, aconteceram as intervenções com a Secretaria de

Educação de Belo Horizonte e depois a articulação direta com a Escola selecionada. Em

fevereiro e março a pesquisa de campo se deu à tarde. Em abril, maio e junho se deu pela

manhã, inclusive porque a partir de março o turno da tarde entrou em greve, só retornando às

aulas em maio. E em julho, setembro, novembro e dezembro, retornamos à escola nos dois

turnos para a realização das entrevistas e coletas de dados complementares à pesquisa inicial.

A finalidade desta organização se fez de forma a observar e participar do cotidiano da escola,

inicialmente para a coleta de dados gerais, seguida pelas entrevistas e ações lúdicas para

coleta de dados específicos. Depois, retornamos ao campo sempre que necessário, inclusive,

após o período de frequência mais sistemática (fevereiro a junho), à medida que surgiam

necessidades de complementação das informações para os registros da pesquisa.

Outro compromisso assumido com a instituição que se dispôs a participar desta

pesquisa foi de retorno dos resultados desta pesquisa após sua conclusão, inclusive após o

momento da defesa, de forma a contribuir para as reflexões do grupo sobre questões do seu

fazer pedagógico.

Neste sentido, este estudo abrangeu as relações entre as várias partes que compõem

este objeto de interesse em seu contexto de forma a abordar as crianças com a sua própria

ação e intervenção e não simplesmente de uma fala das/sobre crianças. Aqui, o ponto de vista

de crianças e professores foi o caminho para se compreender a inclusão escolar.

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Figura 3– (1980) Uma Creche para estar juntos Fonte: Tonucci, 1997

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3 AS INFÂNCIAS E A SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

Somos nós que fazemos a vida Como der, ou puder, ou quiser...

(GONZAGUINHA, 1982)

3.1 A infância: um conceito em permanente transformação

A infância pode ser concebida ou representada pelos adultos como o período inicial da

vida e a criança é o sujeito real que vive este momento. (KRAMER, 2009). A história

ocidental da infância está relacionada aos adultos, à sociedade, à cultura, aos elementos

econômicos, políticos, significando uma categoria social do tipo geracional, e a criança é o

sujeito concreto, o ator principal em sua relação com outras crianças, com adultos, com a

cultura e a sociedade. (SARMENTO, 2005). Esses termos adquirem relevância na história

ocidental à medida que as pesquisas das ciências sociais apontam para a importância do

pertencimento etário na produção de identidades sociais.

Tem-se, então, a infância15 como um termo derivado da forma latina In fans, que

designa aquele que ainda não fala. Conforme interpreta Sarmento (2005), com esta etimologia

o sujeito sumariza um processo de distinção, de separação, de exclusão do mundo de forma

negativa, pois é detentor de um discurso inarticulado, desarranjado, ilegítimo e, juridicamente,

inimputável – incompetente. Aparece a partir do século XIX associado ao termo juvenil, ou

seja, infanto-juvenil, e ganha limites mais precisos no século XX. Este vocábulo e seus

derivados designam criança e tudo que lhe diz respeito em senso estrito16. A criança, por sua

vez, está em processo de criação, de dependência, de interdições em prol de sua proteção, que

é um fator histórico de considerável relevância civilizatória. É possível verificar a

15 Segundo Lauand (2011), nas Etimologias de Isidoro de Sevilha, o Livro XI, capítulo 2 - as idades do homem, apresenta as divisões de idade (do homem) sendo seis: a infância (infantia), meninice (pueritia), adolescência (adolescentia), juventude (iuventus), maturidade (gravitas), e velhice (senectus). E, em relação a primeira idade indo desde o nascimento até os 7 anos - "o homem na primeira idade é chamado infante (infans) porque não é capaz de falar (in-fans). Não tendo ainda os dentes bem arranjados, menos ainda é capaz da linguagem". 16 Curiosamente, também diz respeito ao soldado a pé – àquele que serve os demais na hierarquia e, ainda, aos filhos excluídos da herança da sucessão dos reis de Portugal e da Espanha – ou seja, aqueles que são caracterizados pela submissão.

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complexidade em que se insere a adoção destes termos, numa orientação contrária ao senso

comum aglutinante, permeada pela distinção semântica e conceitual. (SARMENTO, 2005).

O termo aluno, por seu turno, deriva da forma latina alumnus, e significa a criança

dada para criar, pupilo, discípulo. Com o nascimento das escolas, passou a indicar quem lá era

entregue para ser educado. Foi aplicado às crianças na fase de amamentação, ao escravo

nascido em casa e à criança recolhida nas ruas e tornada cativa pelos que a alimentavam e

educavam.

A escola observada ressalta esses conceitos de forma intensa ainda no tempo atual. A

criança é percebida como um sujeito que não tem o direito de se manifestar, algumas até

falam, mas não são ouvidas. Como manifesta Branquinha em sua entrevista: “Quando a

professora fica brava, né (...) Porque tem uns meninos bobos, como o Ícaro, que

desobedecem. Ai ela fala: ‘abaixa a cabeça!”

A partir das relações estabelecidas na sala de aula entre alguns professores e as

crianças, também é possível perceber que impera o poder disciplinador das primeiras sobre as

segundas, como quando a professora Maria, do turno da manhã, estava em sala orientando o

grupo de alunos a colorir um desenho levado por ela e algumas crianças começaram a

conversar. Ela fez as crianças que conversavam levantar e as expõem ao grupo, chamando-

lhes a atenção pela conversa, de forma impositiva e desrespeitosa, chegando inclusive a

“cuspir” em uma das crianças pela forma nervosa e autoritária que adotou. As crianças

quiseram chorar, mas ela não lhes permitiu. Nunca saberá o que aquelas crianças tinham a

dizer .

Na história do pensamento ocidental, destacam-se as concepções sobre a infância

vindas de Santo Agostinho17 e de Descartes18. No Século V, Santo Agostinho concebia a

criança imersa no pecado, na medida em que, não possuindo a linguagem (infans: o que não

fala), mostrava-se desprovida de razão, exatamente o que seria o reflexo da condição divina

nos adultos. Séculos se passaram e a mentalidade Agostiniana encontrou eco em Descartes, no

século XVII. O filósofo francês concebia a criança como alguém que vive uma época do

predomínio da imaginação, dos sentidos e sensações sobre a razão, e mais, uma época da

17 Nasceu em 354, numa província do norte da África, hoje a Argélia, onde estudou gramática e retórica, sendo professor, posteriormente. Seu pensamento se destaca pelo aspecto pedagógico religioso no qual os cristãos deveriam adquirir conhecimentos universais e eternos para superarem o próprio indivíduo e se colocarem além da linguagem – esta considerada como instrumento, segundo Cambi (1999). 18 René Descartes nasceu em 1596 na França, cuja linha pedagógica era de orientação racionalista – valorização do raciocínio, da operação mental lógica e discursiva, opondo-se à jesuítica. Nas escolas da linha racionalista, o método ressalta a língua nacional, a matemática, ciências naturais, história e geografia, afirmando um programa de instrução mais aderente à experiência histórico-cultural da época e à psicologia da criança, conforme descreveu Cambi (1999).

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aceitação acrítica das tradições, impostas pelos preceptores – tudo o que macularia nosso

pensamento, conduzindo-nos mais tarde, uma vez adultos, à dificuldade no uso da razão e,

portanto, ao erro. Tanto para Santo Agostinho quanto para Descartes, quanto mais cedo se

saísse da condição de criança, melhor!

No século XVII, Jean Jacques Rousseau19 propôs uma concepção de infância muito

diferente da visão agostiniana e de Descartes, na medida em que colocou o erro, a mentira e a

corrupção como sendo frutos da incapacidade de julgar de quem não pode mais beneficiar-se,

nos seus julgamentos, do crivo de um “coração sincero” e puro, próprio da condição infantil.

No Emílio, Rousseau afirmou que a criança expressa a condição do “bom selvagem”. A

infância, até então, inimiga número um da filosofia e, portanto, da verdade e do bem, agora,

inversamente, seria a própria condição para a filosofia. Nela estariam a inocência e a pureza

necessárias para o acolhimento da verdade e para a participação no que é moralmente correto.

(CAMBI, 1999; ROUSSEAU, 2004)

A percepção moderna de infância contrasta com a concepção medieval que afirmava

que a infância não seria inocente, mas nem por isso cumpriria o destino posto por sua

natureza, pois é a educação que irá corrigi-la.

Sentimentos distintos, na cultura ocidental nos séculos XIX e XX, foram associados a

essa nova forma de falar sobre o que fazer com as crianças em favor da adultez e da vida

social. A infância já aparece como algo obtido por construção. Inclusive, uma construção de

valores e regras que se entrelaçam com a cidade e com a escola, sendo que esta última deveria

transformar a criança em Homem a partir de valores e regras. O conto As Aventuras de

Pinóquio, de Carlo Collodi, é uma narrativa desse tipo. O autor descreve a infância como

natural, segundo um recorte que se pretendia único. A infância é qualquer coisa recortada de

modo menos rígido, pois é vista como dependente de construção histórica e surge numa

constituição em que concorrem várias forças culturais, completamente contingentes, entre as

quais a cidade e a escola se tornaram muito importantes, assim como Rousseau (2004) ilustra:

O homem civil é apenas uma unidade fracionária que se liga ao denominador, e cujo valor está em sua relação com o todo, que é o corpo social. As boas instituições sociais são as que melhor sabem desnaturar o homem, retirar-lhe sua existência absoluta para dar-lhe uma relativa, e transferir o eu para a unidade comum, de sorte que cada particular já não se julgue como tal, mas sim como uma parte da unidade, e só seja perceptível no todo. (ROUSSEAU, 2004, p. 11).

19 Rousseau (1712-1778) é um dos autores precursores do iluminismo - conceito que envolve tradições filosóficas, sociais, políticas, correntes intelectuais e atitudes religiosas. Em sua obra Emilio, Rousseau aborda a decadência do ensino dos colégios, afirmando uma educação com currículo de formação moral e social. (CAMBI, 1999).

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Ariès (1986) descreve a infância como uma fase dos seres humanos, construída

histórica e socialmente. Ele trata a noção de infância como um conceito modificado a partir de

novas formas de falar e sentir dos adultos em relação ao que fazer com as crianças. A escola e

a cidade são elementos que concorrem para que a criança se torne um “menino de verdade”.

Ou seja, são as forças culturais, completamente contingentes, que estão presentes e que forjam

a infância. As próprias noções que diferenciam um menino de um adulto aparecem como

criação – criação prática a partir da conversação e dos afetos que os grupos urbanos

desenvolvem a respeito de seus filhos. A partir dos estudos de Ariès, conforme descrevem

Ghiraldelli Jr (2000) e Kohan (2003), é possível admitir que a ideia de infância moderna é

uma invenção, seja ela posta pela ciência, pela filosofia, pela literatura e pelas artes em geral.

Para Reis (2007), contudo, as infâncias são construções permeadas de ambiguidades,

contradições de caráter social e sentidos conflitantes com a infância imaginária, demonstrando

que ser criança não garante a vivência da infância idealizada pelo romantismo. Ideia

reforçada, inclusive, pelo advento dos longos anos de escolarização com o “governamento dos

corpos infantis” 20 (REIS, 2007, p. 74). Montandon (2001) registra que a preocupação com a

criança se intensifica na sociedade industrial:

Por volta do final do século XIX, no contexto de industrialização intensa, urbanização, imigração, explosão demográfica e expansão da instrução pública, emergiu um interesse pelos problemas da infância, particularmente pelo trabalho das crianças, pela deficiência mental e delinquência juvenil. (MONTANDON, 2001, p. 34).

O século XX se constitui de um novo e radical horizonte antropológico-social, no qual

o mundo burguês e o popular aparecem substancialmente desagregados. (CAMBI, 1999). A

massificação da vida social fixa uma prática educativa com ênfase no papel das ciências para

o desenvolvimento da vida humana e renova a ação educativa e pedagógica, propostas cada

vez mais ricas, incisivas e sofisticadas. A partir dos estudos sociológicos da década de 20 do

século passado, observa-se o impulso das pesquisas interacionistas, fenomenológicas e

interpretativas nos estudos dirigidos à construção da infância. A criança com suas

necessidades e capacidades passa a ser observada como o centro do processo educacional.

20 Reinaldo de Souza Marchesi esclarecerá o termo como “ato, ação ou efeito de governar” que Michel Foucault cria, em 1978. Assim, ao titular o uso governamento em relação às técnicas, táticas e modos de governo com relação aos corpos escolares. Deste modo, a educação produz corpos escolarizados, via um conjunto de práticas de governamento, que são ao mesmo tempo: sociais, econômicas, religiosas, culturais e psicológicas, que não são neutras e que podem ser observadas através da instituição, através das pedagogias, das arquiteturas, dos currículos, dos tempos, espaços, em suas lógicas e usos (BUJES, 2003).

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Contudo, na chave das pedagogias não diretivas, o fazer irá preceder o conhecer, numa

perspectiva operatória piagetiana, rompendo radicalmente com as ideias formalistas,

disciplinares e verbalista no trato escolar da criança. Nossa pedagogia contemporânea é,

portanto, permeada pelos cânones da pedagogia moderna: centrada na valorização da ação do

professor, detentor de saberes que deveriam ser memorizados pelos alunos, estes por sua vez

eram os responsáveis por seu sucesso ou fracasso na carreira escolar e podiam receber

punições severas por estarem se saindo mal nas tarefas e posturas na escola.

Houve uma cena ilustrativa na pesquisa de campo na qual a professora Lúcia propõe

uma atividade de classificação às crianças. Para executarem, ela tira um balde de seu armário,

com grande quantidade de vasinhos de diferentes flores de plástico de diferentes cores. Ela

permite às crianças explorarem suas hipóteses sobre como agrupar aqueles materiais. Ela

estimula que colegas se ajudem, que conversem entre si. Durante a execução da proposta, ela

fez perguntas breves às crianças que lhes indicavam possíveis alternativas de agrupamentos:

“Por que vocês misturaram as cores? Vocês acham que estas flores se parecem?”

As “escolas novas”, advindas desse processo de expansão na Europa e nos Estados

Unidos da América, vão favorecer uma concepção de infância como período de vida pré-

intelectual e pré-moral, na qual os processos cognitivos se entrelaçariam estritamente com a

ação e o dinamismo motor e psíquico. Com isso, aborda-se a criança como espontaneamente

ativa e interessada, cujas faculdades intelectuais precisam ser desenvolvidas harmonicamente,

a partir de uma escola que deve se tornar um pequeno mundo real-prático. Assim, coliga-se,

sistematicamente, a inteligência, a energia, a vontade, a força física, a habilidade manual, a

agilidade infantil num sistema que valoriza a característica de autogoverno e que atinge plena

felicidade a partir dos centros de interesses para inspiração de uma educação ligada ao ideal

libertário, em que cada sujeito assume com responsabilidade suas tarefas.

Na década de 50 do século XX, destaca-se a pedagogia de projetos desenvolvida por

Dewey21 nos sistemas escolares, motivando de forma prática o momento intelectual infantil,

valorizado pelo interesse das crianças e atribuindo importância às experiências concretas e

problemáticas. A racionalização do trabalho escolar, nessa perspectiva, irá favorecer a visão

eurocêntrica da infância ativa e produtiva, ou seja, as escolas precisavam criar estratégias de

ensino que valorizassem a ação curiosa da criança, principalmente partindo de áreas de

interesses dos sujeitos infantis que compunham o grupo em cada ano letivo, de forma a

21 John Dewey foi filósofo no século XX, cujo modelo propunha uma educação nova, ligada à ideia de razão aberta, como instrumento na complexa dinâmica da experiência individual e histórica. (CAMBI, 1999)

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favorecer a permanência ativa das crianças no espaço institucionalizado para o atendimento às

crianças.

Contudo, nos anos 70, as questões relativas à criança enfatizam a relação ator-

estruturas, ou seja, uma relação micro-macro que valoriza a implicação recíproca, a ação

criada conjuntamente. Houve uma multiplicação dos saberes sobre a infância, renovando a

abordagem do processo de socialização para uma produção da vida social pelos próprios

indivíduos, numa variedade de formas de engajamentos e estratégias de ligação direta à

problematização com o tempo e espaço das estruturas sociais nas quais se inseriam.

Nas décadas que se seguem, conforme nos aponta Sarmento (2008, p. 30),

especificamente nos anos 80 e 90, iniciará um campo empírico distinto: uma arrumação

teórica pouco fiel a apenas uma realidade teórica, a apenas um paradigma. Os estilos de

investigação e as diferenciadas temáticas recorrerão à etnografia – estudos interpretativos, à

sociologia desconstrucionista (trabalhando sobre as imagens e normas sociais da infância a

partir do construcionismo social, análise discursiva e desconstrucionismo) – estudos

estruturais – e ao trabalho investigativo e analítico de caráter participativo – estudos de

intervenção. Neste período, então, haverá processos teóricos e de análise sobre as infâncias de

forma a também conhecer a sociedade a partir desta via.

Assim, podemos refletir que, na primeira década do século XXI, apesar da maioria dos

profissionais da escola pesquisada ainda manter uma postura em relação à criança como o in

fans, a contemporaneidade traz a implicação de um histórico sócio-econômico-afetivo-

cultural de trajetórias das infâncias que considere a participação infantil no âmbito social,

conforme analisa Gomes (2011), ou seja, ainda para esta autora, a complexidade das infâncias

e a atuação das crianças não mais permitem pensar apenas por um caminho. Há interações,

tensões, dominações, exclusões e resistências que configuram significados socialmente

construídos por adultos, velhos e crianças.

O Brasil acompanhou esse processo de percepção da criança, principalmente a partir

do século XIX, com as mudanças políticas/econômicas e sociais mundiais, constituindo uma

colônia cada vez mais atrelada aos interesses da burguesia industrial urbana. Nosso país

forneceu mão de obra, serviços, matérias-primas e materiais a partir da demanda europeia. E

as crianças foram deixando de ser força produtiva para se constituir numa categoria geracional

à medida que as perspectivas políticas redimensionam a posição do Brasil nas relações

econômicas internacionais, elaborando uma concepção de infância que precisava ser protegida

e educada para garantir o futuro da nação brasileira, que se configurava.

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Especificamente em Belo Horizonte, é possível apontar que práticas diferenciadas do

modelo tradicional aconteciam. Uma das professoras entrevistadas descreve sua primeira

experiência escolar de forma muito lúdica e significativa, cuja influência decorre dessas novas

perspectivas de educação:

...teve uma ex-diretora aqui que foi a minha primeira professora. Mas como ela foi a minha primeira professora? Ela pegava a meninada da rua e levava pra pracinha, pra brincar, pra brincar de roda, ela juntava os meninos e ensaiava peça de teatro, aí no final do mês a gente apresentava pros pais. Tudo ali na rua, ela morava ali, na minha rua. (Professora Janete, entrevistada em 07/06/2010) 22.

3.2 Contribuições da Sociologia da Infância

É significativo destacar que a expressão “sociologia da infância” se encontrava

formulada desde a década de 30 do século XX, porém havia uma perspectiva de geração sobre

a qual os adultos realizavam ações culturais transmissivas, como apontou Mauss (2010) “é na

educação que a ação da sociedade sobre o indivíduo se observa melhor. Quem diz de

formação de uma geração por outra, diz de, adestramento da criança pelo adulto”. Neste texto

de Marcel Mauss (idem), também destacamos outras preocupações sobre uma sociologia da

infância em três observações, como o sociólogo francês formulou: a infância, enquanto

substrato social de entendimento sobre as crianças está localizada num meio (localização

espacial e relações estabelecidas) “de certo modo historicamente determinado”. Há problemas

entre gerações, pois os interesses variam quando se agrupam as pessoas por idade assim como

por sexo; e, o uso de técnicas do corpo de forma a “ensinar a moral e os usos que se quer que

a criança adquira” (MAUSS, 2010, p. 244). Nesta perspectiva, destacamos que já em 1934 a

sociologia geral manifestava suas significativas considerações sobre a importância de se

pesquisar sobre as crianças.

Contudo, vimos que as pesquisas sobre crianças só tiveram novos investimentos no

final do século XX. Durante algumas décadas, as infâncias sofreram ações econômicas,

políticas, sociais, culturais, mas não foram diretamente registradas por estudiosos das ciências

sociais. (GOMES, 2011).

22 Esta professora se refere ao início da década de 1960.

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Atualmente, a Sociologia da Infância se insere na construção da complexidade

contemporânea sobre a realidade social da criança. Este campo específico de pesquisa veio se

desenvolvendo pela necessidade de compreensão do paradoxo: parte das crianças hoje é

intensamente cuidada e atendida, mas todas elas continuam dependentes dos adultos, assim

como a infância se apresenta como um grupo geracional que acumula indicadores de

conquistas legais – creches e escolas públicas, direitos sociais indicados pela legislação

vigente23, mas nem sempre garantidos na prática –, assim como também submisso aos efeitos

da regulação das relações sociais e funcionamento das instituições conforme afirma Sarmento

(2005). Para este pesquisador português também em assuntos de criança, a Sociologia da

Infância assinala a variação de intragerações, recusando a concepção uniformizadora de

infância por considerar os fatores sociais, de classe, de gênero, de etnia, de raça, de espaço

geográfico como condições de efeitos e consequências do plano analítico.

A ideia da uniformidade está intimamente relacionada a processos de formação.

Podemos destacar, nesta chave, o conceito de socialização, objeto importante para a relação

Sociologia e Infância, cujo início do pensamento sociológico se estabeleceu com Durkheim

(2001), remetendo às crianças as condições subordinadas para o controle social. Porém, a

Sociologia da Infância alerta para a necessidade da desconstrução do conceito de socialização

inerente à emancipação da infância cuja interpretação visava o devir adulto. A criança precisa

ser considerada como sujeito teórico socialmente pleno, dotada de capacidade de ação e

culturalmente ativa. (SARMENTO, 2005; PLAISANCE, 2005). Na pesquisa de campo, a

maioria das professoras ainda percebe as crianças como sujeitos que precisam de controle

para se adequarem às regras sociais, às quais elas, sem a intervenção dos adultos não

respondem, como a professora Janete que diz: “[...] igual, eu falo, eu xingo às vezes, mas eu

brigo com aquela criança que tá saindo do padrão, tá extrapolando nas atitudes. Então eu

brigo, eu ponho de castigo [...]”

Neste trecho, a professora demonstra como intervém nos processos de socialização,

destacando seu ponto de vista de controle social a partir de valores sociais que considera

significativos e que, segundo ela, devem ser muito bem apreendidos pelas crianças. Isso se

procede, na maioria extrema das vezes nesta instituição pesquisada, sem a consideração da

perspectiva das crianças enquanto sujeitos ativos no processo social. Podemos destacar com

este exemplo que o conceito de socialização ainda é aquele enfatizado do século XIX até

aproximadamente os anos de 1970, no qual Durkheim (2001, p.12 e 82) afirma que “educação

23 No caso do Brasil podemos citar o ECA, os Conselhos de Direitos, entre outros.

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é processo social [...] consiste pois, sob qualquer de seus aspectos, numa socialização

metódica de cada nova geração”.

Destacamos, contudo, a infância como um período da vida que historicamente

desperta interesse de diferentes áreas do como a Filosofia, a Medicina, o Direito, a Psicologia,

a Pedagogia e a História, por exemplo. No entanto, os estudos sociológicos sobre a infância

passam a reunir-se sob a chave da Sociologia da Infância somente na segunda metade do

Século XX. Montandon (2001) analisa a produção inscrita na Sociologia da Infância a partir

de trabalhos acadêmicos de língua inglesa, constatando nos últimos anos do Século XX a

predominância de estudos empíricos sobre a infância e a grande diversidade de questões

exploradas. De forma sistemática, podemos agrupar esses estudos em quatro blocos para

compreender a trajetória das concepções de infância neste período:

a) As relações entre gerações: crianças não mais como objetos dos adultos, mas

como sujeitos nos processos de socialização, no processo disciplinar na interação pai-

filho, adulto-criança; o desenvolvimento da criança de pais divorciados, demonstrando

que elas aprendem a superar o problema e se reajustar positivamente no âmbito da

escola, da família e dos colegas; mudança de atitudes e valores dos pais, tendo uma

crescente preferência à independência e autonomia frente à obediência e resignação

diante da autoridade; a não diferença mais sobre a preferência entre filhos e filhas

pelos pais; na cultura japonesa a criança pequena é considerada como essencialmente

boa: atividades físicas e barulhos são naturais e não incomodam os adultos, que

contudo, não dispensam repressões nestes casos. É interessante destacar que nestes

estudos houve longas entrevistas com as crianças de maneira a ter boa compreensão de

seus pontos de vistas, não limitando aos discursos e práticas dos pais unicamente.

b) As relações entre as crianças: brincadeiras e relações das crianças entre si se

tornaram elementos essenciais da relação pai-filho a partir dos valores –

independência e autonomia – reforçados como boas qualidades aprendidas.

c) Crianças como um grupo de idade: continuam sendo escolares, evidenciando

questões relativas aos limites da infância. Do ponto de vista econômico, mas também

social e cultural, a utilidade deste grupo no uso do tempo e do espaço como ações de

produtividade escolar pela oferta de empregos variados a adultos, com trabalhos

marginais e diretos à criança – professores, lazeres. As tarefas domésticas a elas

destinadas também foram percebidas como elementos limitadores da infância, assim

como percepções de que a criança se torna força futura à sociedade.

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d) Os diferentes dispositivos institucionais dirigidos às crianças: instituições que

se ocupam das crianças – escola, creche, lazer e mídia – influenciam e organizam a

vida cotidiana, assim como formam um campo inspirador de vários trabalhos sociais –

oficina de balões, recreadores e outros. Estes estudos apontaram para o papel

desempenhado pelas crianças nestas instituições, cuja ordem se tornou negociada nas

relações, não mais aparecendo de forma rígida e apenas impostas pelos adultos.

Montandon (2001) apontou, então, as várias facetas e aspectos que envolvem o mundo

da infância na contemporaneidade. A construção de abordagens teóricas na perspectiva

sociológica sobre a criança demonstra preocupações originais no conjunto de produções que

datam dos anos 1990, possibilitando constatar a superação da concepção psicologizada da

criança e de sua socialização; um modelo de infância como grupo de determinada idade com

sua própria cultura, com traços específicos, ritualização e sistemas de trocas próprios de

sujeitos em seu contexto particular. Nessa relação direta, as crianças às vezes controladas, às

vezes controladoras, estão sob o efeito das estruturas e, às vezes, “são produtoras das

estruturas” (MONTANDON, 2001, p. 53).

Neste percurso, a infância não deveria ser percebida como única, mas sim por suas

múltiplas dimensões, como afirmou Sarmento (2005), ora vista pelo seu aspecto psicológico,

ora sociológico, ora histórico, ora socioeconômico. Contudo, na observação efetuada em

campo e pela maioria das entrevistas concedidas, é possível analisar que nesta escola infantil

da rede pública de ensino de Belo Horizonte, apesar da formação dos educadores (todos

graduados, a maioria com Pós-Graduação lato-sensu e alguns com até 4 ou 5 destas pós

graduações), essa formação não está diretamente relacionada ao trabalho docente24, o que não

garante que o trabalho pedagógico destes adultos contemple a perspectiva das crianças como

sujeitos daquela estrutura. As professoras entrevistadas e profissionais demonstraram visões

diversas sobre seus alunos, seja pelo contexto social de suas origens, sejam pelos aspectos

psicológicos individuais ou do grupo, sejam pelas características econômicas e históricas, mas

todos – sem exceção – demonstram insegurança sobre suas ações, principalmente no que diz

respeito à inclusão. Quando lhes perguntamos sobre o que acham de mais positivo ou

negativo da educação inclusiva e sobre como têm tido acompanhamento e apoio didático-

pedagógico para este trabalho, afirmaram:

24 Havia pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior, Gestão Administrativa, por exemplo.

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Eles [legislação e equipe da prefeitura] falam que não pode [ter] o preconceito, que não pode ter a exclusão... Mas da forma que vem... a gente não é preparado pra receber esses alunos... a gente não sabe como agir... (Professora Janete, entrevistada em 07/06/2010). Faço tudo por tentativa e erro... Falta de conhecimento do professor para �tende-la melhor [a educação inclusiva]. Conhecer mais a situação das crianças, seria mais fácil para mim e para elas. (Professora Isabele, entrevistada em 10/05/2010). Fiz a inscrição da prefeitura com um questionário sobre o curso e área de interesse. Fui chamada para um curso que esclareceu sobre questões administrativas – horas de trabalho, valor do salário, benefícios, obrigações, telefones úteis. É um curso para todos os estagiários da prefeitura. Ele ocorre numa manhã, no dia seguinte você já vai para a escola. Não há preparação específica para o tipo de trabalho. Não há nada relacionado à questão da inclusão. (Estagiária Sônia, entrevistada em 24/05/2010). Escola inclui, mas muitas vezes não tem como assistir. Não tem condições para acompanhar. Professores que vêem os deficientes e minimizam estas crianças, não oferecendo algo a mais para elas se desenvolverem. Tem professores que deixam só por conta da estagiária... (Professora Lice, entrevistada em 07/06/2010).

Analisando-se as relações entre gerações nesta escola, crianças continuam como

objetos das intervenções dos adultos, sendo percebidos como sujeitos menos significativos

nos processos de socialização. Houve situação em que uma criança com necessidades

educacionais especiais ainda estava sem estagiária25 no segundo trimestre e a sua mãe a

acompanhava na escola, a pedido da professora. Ao fazer uma birra, a mãe lhe aplica algumas

chineladas, na frente dos demais colegas. De fato, as crianças demonstram que aprendem a

superar problemas e se reajustar positivamente no âmbito da escola (MONTANDON, 2005),

mas alguns estigmas permanecem: essa criança que apanhou era recorrentemente adjetivada

pelos colegas como ‘levado’ e sempre afirmavam que ela precisava apanhar para entender.

Durante a observação foi possível analisar que essa criança tentava se comunicar, estabelecer

vínculos com os colegas, participar das brincadeiras, num contínuo rearranjo de suas ações

sociais, repetidas vezes sem sucesso.

Quando havia estímulos em relação à construção da independência e autonomia frente à

obediência e resignação diante da autoridade as crianças participavam bem, mas por pouco

tempo, logo chamavam algum adulto para lhes auxiliar na resolução dos conflitos. Num

determinado dia, no momento do recreio, por exemplo, 120 crianças receberam uma bola.

Depois de a disputarem por quase 15 minutos, sugerimos uma brincadeira de acertar um alvo

25 Funcionário contratado pela PBH, devendo ser estudante do Ensino Superior, para atender às turmas com crianças na inclusão, auxiliando no processo de aprendizagem seguindo orientações da professora regente, conforme expôs a profissional 4. Contudo, este funcionário não recebe capacitação pela prefeitura, cujo curso é de ½ turno para tratar de questões administrativas da contratação: salário, horas de trabalho, benefícios, obrigações, telefones úteis – conforme entrevista com profissional 8. Verificamos também a falta de encontros entre professoras, coordenação e direção com este funcionário para orientações a respeito do serviço de acompanhamento aos casos de inclusão. No caso excepcional a mãe substituiu a figura do estagiário, algo que não é recomendado pela Secretaria de Educação.

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na parede. Poucas crianças participaram da elaboração das regras do jogo. À medida que

outras chegaram para participar, as primeiras não conseguiram compartilhar as regras e a

brincadeira foi reorientada pelas professoras que acompanhavam o recreio, tirando totalmente

a oportunidade das próprias crianças reverem as regras que haviam construído. Ou seja,

crianças são vistas como um grupo de idade, continuam escolarizadas, moralizadas,

evidenciando as questões relativas à imposição de limites por vezes desnecessários.

Do ponto de vista econômico, a utilidade deste grupo etário se torna impulsionadora

da força produtiva com oferta de empregos variados a adultos, numa relação direta com a

criança como professores e estagiárias, e indiretos como as cantineiras, faxineiras, guarda

municipal, bibliotecárias, secretárias, entre outros.

A escola como dispositivo institucional dirigido à criança reafirma a sua necessidade

social para a organização da vida cotidiana das famílias que dela usufruem. Todas as

representantes das famílias entrevistadas apontaram a importância daquela escola nas suas

vidas. Quando questionadas sobre o que consideram mais importante na escola, dizem:

Ah, eu gosto de tudo aqui. Para mim, tinha só que vim a pessoa mais rápido para ajudar a professora. Igual, aqui para mim e para meu marido, aqui é uma família. (Mãe Graça, entrevistada em 06/05/2010) Levantamos às 5:20h da manhã e saímos para a escola... (Mãe Palmira, entrevistada em 05/05/2010).

Todavia, nenhuma família, como apontaram as entrevistas, percebia a escola como um

direito da criança, mas como um espaço essencialmente voltado à sua socialização.

3.3 A criança participativa: a socialização na escola da infância

O termo socialização descreve um processo caracterizado como um espaço

privilegiado da transmissão social dos sistemas de valores, dos modos de vida, das crenças e

das representações, dos papeis sociais e dos modelos de comportamento. (BELLONI, 2007 e

2009). Este processo de aprendizagem varia de acordo com o universo de socialização,

diferente segundo a origem social da criança, definida pela sociedade onde ela vive, pela

classe social a que pertence e por seu grupo familiar.

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O ser humano não se torna espontaneamente um ser social com competências sociais

efetivas. Este processo, extremamente complexo e dinâmico, integra a influência de todos os

elementos presentes no meio ambiente e exige a participação ativa da criança. Nas sociedades

contemporâneas, caracterizadas pela globalização econômica e cultural e, sobretudo, pela

presença crescente de poderosas mídias eletrônicas e novos objetos técnicos, a socialização se

torna um processo essencialmente ativo que se desenrola durante toda a infância e

adolescência por meio das práticas e das experiências vividas, não se limitando de modo

algum a um simples treinamento realizado pela família, escola e outras instituições

especializadas. Conforme Reis (2007):

A burguesia, deslumbrada pelo entusiasmo romântico, começa a encarar a infância como um estado natural e indestrutivelmente genuíno e autêntico. (...) às crianças das famílias abastadas, a infância era o período no qual deveriam aprender os signos de comportamento que a sociedade esperava de sua futura posição social, estas famílias supunham que só tardiamente seus filhos deveriam assumir responsabilidades, diferente do que ocorria com os filhos dos operários. Porém, ainda que sua infância não possuísse conexões com o mundo do trabalho, ela se subordinava também à transição para a fase adulta. Este mesmo grupo social considerava a infância, das crianças pobres, alheia e ameaçadora, e não era pequeno seu esforço em mantê-la afastada de seu círculo mais próximo. (REIS, 2007, p.74-75).

Corsaro (2003), abordando as crianças a partir da apropriação criativa da informação

vinda do adulto para produzir suas próprias culturas de pares propõe o conceito de

“reprodução interpretativa”26. Esta reinterpretação dos conteúdos culturais constitui o núcleo

central do processo de desenvolvimento da criança, concebido como a construção de uma

cultura específica, sendo o foco da Sociologia da Infância. Cabe lembrar que, embora a

criança seja, sem dúvida, um sujeito ativo e criativo em seu processo de socialização, não se

pode minimizar ou ignorar a ação sistemática e objetiva das instâncias de socialização,

institucionais ou não.

Pensando a modernidade, o exercício de ministrar aulas se tornou desafiante pela

busca da compreensão sobre a relação da criança com o conhecimento, numa aproximação e

escuta do universo infantil. A partir da revolução industrial, como afirma Goulart (2008), é

que se observa a mudança no papel social da criança burguesa. De um caráter produtivo nas

26 Corsaro (2005) aborda a socialização na infância como Reprodução Interpretativa, ou seja, interpretativa porque captura os aspectos inovadores da participação das crianças na sociedade, indicando o fato de que as crianças criam e participam de suas culturas de pares singulares por meio da apropriação de informações do mundo adulto de forma a atender aos seus interesses próprios enquanto crianças e reprodutiva porque as crianças não apenas internalizam a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e a mudança cultural. Para o autor, significa também que as crianças são afetadas pela reprodução cultural, de acordo com as sociedades e culturas das quais são membros.

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sociedades feudais, com aprendizagem dos conhecimentos no mesmo espaço social que os

adultos, que tem como centro a família, com controle autoritário dos sujeitos diante de seus

papeis na sociedade (CAMBI, 1999, p.176), para um caráter passivo de ser cuidado,

escolarizado, preparado para o futuro, tendo em vista a sociedade de grandes organismos

coletivos (Igreja, Império, economia, família e comunidade) cuja ordem social e cultural é

estática, autoritária, religiosa e política, para um estado laico, republicano, de organização

familiar nuclear.

Com a ascensão definitiva da burguesia ativa e industrial, o centro da vida se torna a

cidade. A nova ordem cultural e econômica em expansão proporciona a descoberta de um

novo sentimento27 de infância, de brincadeiras pela preservação da pureza original e da

inocência, já abordadas. A exigência era organizar o trabalho doméstico por idade, evitando a

promiscuidade moral com condições de aprendizagem e ensino adequadas à nova realidade. A

socialização infantil estava associada diretamente à atividade educativa que iria instruir os

cidadãos para a administração das cidades, sendo dever da autoridade temporal exigir dos

súditos a manutenção dos filhos na escola (CAMBI,1999, p. 248).

Segundo Goulart (2008), Marx descreve a infância no início do século XIX como

resultado da negociação crua entre o capital, o Estado e os interesses dos trabalhadores. A

infância das classes dominantes sofre pressão social quanto às expectativas de sucesso,

fazendo as crianças se sentirem responsáveis a dar uma resposta positiva ao apelo dos pais.

Para a autora, a criança negra no Brasil do Século XX tem de lidar com preconceitos

camuflados. Deste modo, as infâncias vão sendo socialmente construídas a partir de

interações combinadas por conflitos econômicos, familiares, estatais e profissionais. Portanto,

para cada concepção de infância há um projeto social de atendimento e de educação.

A autora prossegue afirmando que no Brasil, e mais especificamente na cidade de São

Paulo, o atendimento às crianças em instituições educativas data do final do século XIX a

favor das elites, cujo objetivo era a socialização das artes, da literatura, do jogo e da

brincadeira, importando o contato com valores e produções culturais sofisticadas produzidas

para a preservação da própria classe social. Ou seja, a preocupação maior era a difusão dos

valores burgueses já na infância. No decorrer do século XX, tem-se a disseminação da escola

27 Reis (2007) analisa a partir dos estudos de Golden e Kohan que que a infância como categoria social está presente no pensamento de diferentes grupos sociais desde a antiguidade, indicando que o ‘sentimento’ de infância enquanto percepção diferenciada da criança relativamente ao adulto sempre existiu, porém transforma-se de acordo com o grupo social, o momento histórico e a cultura. Transformações na base de produção material de um modelo social podem alterar sobremaneira o papel da criança na sociedade. Deste modo, com a ascensão da burguesia uma profunda mudança no papel social da criança se faz sentir de maneira indelével estendendo-se no imaginário ocidental como um ideal de infância até a contemporaneidade.

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pública para as camadas populares. Com raízes prováveis no processo de colonização

portuguesa, (GOULART, 2008, p. 120), cuja tendência era o ensino propedêutico e

acadêmico, tem-se a expansão das escolas infantis com caráter escolarizador a partir dos

fatores social, econômico, cultural e político. Nesta perspectiva, a organização das propostas

pedagógicas nos jardins de infância particulares leva em conta o universo cultural de suas

crianças enquanto as instituições públicas voltam-se para a criança pobre, prevalecendo a

guarda de caráter assistencial, com um projeto educativo baseado na submissão.

Assim, as diversas concepções de infância convivem simultaneamente e revelam sua

pedagogia: há aquelas que favorecem à criança, reconhecendo a infância como um tempo

próprio e há as que as vêem como tempo de preparação ou espera para o mercado de trabalho.

Como afirmou a coordenadora Juliana na entrevista: “Nesta escola acho a qualidade bacana,

há resistência de alguns professores em relação ao brincar, ao lúdico. Acreditam que tem que

trabalhar com papel e preparar para o ensino fundamental”. Nesta encruzilhada, as crianças se

inserem no mundo dependentes dos adultos, os quais lhes atribuem um significado prévio

produzido socialmente e de acordo com o ideal de homem e sociedade definido de antemão.

Deste modo, pensar a socialização nos tempos atuais requer uma preocupação com as

infâncias, suas implicações na relação direta com objetos e demais pessoas, bem como com

um grupo ou vários, sendo um processo recíproco de trocas na produção da vida social e dos

comportamentos para as estruturas, cuja interação depende das próprias pessoas, das

instituições, do lugar que ocupam, de seu entorno, reações, negociações e redefinições desta

realidade social. Reconhecer a criança como sujeito pleno, cujo direito à infância deve ser

garantido pelas instituições que a atendam, conforme rege na Constituição Federal brasileira,

deve provocar uma postura de promoção de sua participação ativa na busca da compreensão

de mundo, na construção de esquemas que lhe permita “ler” a realidade e as dinâmicas que

possibilitem o aprender participando – ativamente!

Estudos recentes concebem as crianças como sujeitos históricos e sociais, sendo

consideradas em suas dimensões física, afetiva, intelectual, social e moral, propondo

conceitos de desenvolvimento e aprendizagens situados nas práticas sociais concretas, cujo

envolvimento no processo parte do ambiente frequentado por elas.

Nesta visão, a tarefa das instituições escolares é desafiar seus membros em atividades

diversificadas mais significativas que favoreçam o poder de ação das crianças, ainda que

simbólico, destacando as suas contribuições importantes e criticando os discursos autoritários

em prol de diálogos verdadeiros. À escola cabe, enfim, um conjunto de atividades, rotinas,

artefatos, valores e preocupações para que todas as crianças produzam e partilhem interações

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com seus pares apropriando, reinventando, reproduzindo e produzindo o mundo que as

rodeiam, além das possibilidades de oportunidades para desenvolver suas próprias

potencialidades (SILVA, 2010, p. 26).

A realidade investigada aponta alguns rumos. Os profissionais, todos eles – desde o

auxiliar de serviços gerais à direção da escola – revelam a necessidade de serviços integrados

para atender às crianças atualmente. Quando questionados sobre se recebem apoio para seu

trabalho inclusivo, dizem:

Falta estrutura pedagógica e física. A PBH precisa avançar. A gente precisaria contar com equipe da própria prefeitura. Há contato com as equipes de atendimento das crianças, mas ainda é muito distante. Neste ano, só a equipe de uma criança nos procurou... Os demais apresentaram relatórios escritos trazidos pelos pais. (Coordenadora Juliana, entrevistada em 07/06/2010). Falta apoio às vezes, de trocas. (Professora Rita, entrevistada em 07/06/2010).

As crianças estão na escola, favorecidas pela expansão da oferta de vagas, resultantes

de projetos políticos conquistados pela própria sociedade civil organizada, mas a escola

sozinha nesse atendimento à criança enquanto sujeito histórico-social-econômico-psicológico-

cognitivo está longe de ser qualitativamente reconhecida, ouvida e participativa nas decisões

que afetam suas vidas e dizem respeito aos seus direitos. Quando pergunto às crianças se elas

ajudam aos colegas com necessidades educacionais especiais, respondem:

Eu não! É a professora. Mas outro dia eu ajudei ele, porque a professora deixou. (Patrick, entrevistado em 16/06/2010).

Quando as pergunto sobre como esses colegas reagem, dizem:

É, de vez em quando ela puxa o cabelo. Ela tem problemas mesmo! Deixo, né! (Branquinha, entrevistada em 10/05/2010).

Quando pergunto sobre a postura da professora em relação a essa ajuda entre colegas, pontuam:

Se for aquela professora brava, não deixa a gente ficar perto dela! (Branquinha, entrevistada em 10/05/2010).

E quando pergunto sobre o significado da escola para elas, afirmam:

A escola é boa, é para brincar. (Gabriela, entrevistada em 28/05/2010).

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A educação contemporânea, então, pode finalmente fazer educação sem ter de

perguntar se Pinóquio, por ter cabeça de pau, deve ou não estar na escola, mesmo que

amparado pelas legislações atuais sobre o direito à escolarização e, e, ainda que, os debates

sobre a educabilidade na perspectiva da integração escolar se enraizaram no século XVIII

para crianças com deficiências sensoriais (surdas e cegas), conforme destaca Plaisance (2005,

p. 411): “escolarização é um direito; acolher é um dever”. Neste aspecto, muitas pessoas já

exprimem a importância das diferenças no seio das instituições sociais.

Quando questionamos sobre o que entendem sobre educação inclusiva, afirmam:

[Inclusão implica em] Oportunidade e respeito à criança, uma vez que todos têm direito... desde 1987/88, nesta época crianças diferentes eram meninos com dificuldades, levados, alguns até babavam. A prefeitura nem reconhecia ainda a inclusão, mas eles já eram incluídos na Prefeitura. (Professora Isabele, entrevistada em 10/05/2010). Educação inclusiva é a inclusão de todos: pobres, ricos, falando socialmente, deficientes mentais, físicos... (Coordenadora Juliana, entrevistada em 07/06/2010). Vejo [a inclusão] de forma distorcida. Fala-se muito em inclusão, mas há necessidade de buscar proporcionar a esta criança algo mais. Tenho preocupação em relação à minha formação para fazer realmente a inclusão. As crianças estão integradas. É colocar uma pessoa no meio e buscar formas para que ela interaja. (Professora Lice, entrevistada em 07/06/2010). Acho que [com a inclusão] fica bem melhor para ela. Aqui todo mundo tem o mesmo carinho, a mesma atenção (...) às vezes, pode-se tirar a criança da escola, botar numa particular e não vai ser a mesma coisa. Cada escola vai ter um atendimento, um jeito de lidar com esse tipo de criança. E pelo visto, desde o dia em que eu comecei a trabalhar aqui, mãe nenhuma reclamou não! (Auxiliar da limpeza Davi Vilas, entrevistada em 28/06/2010).

Em outra perspectiva, pode-se destacar a socialização da criança também a partir das

suas relações familiares, além da própria história da família, seu funcionamento, sua

participação na comunidade. Os estudos de Norbert Elias (1993 apud MONTANDON, 2005,

p. 488) apontaram que a mudança dos modelos familiares, cujos pais têm uma visão menos

persuasiva da educação, alteraram os estilos de autoridades, com práticas e atitudes educativas

remodelando as regras e proibições e ensinando as crianças que algumas coisas podem ser

negociadas, outras não. Numa concepção de infância plena e de reconhecimento da criança

como sujeito de direitos, as práticas educativas familiares pesquisadas fixam outras vertentes,

ressaltando os pontos de referência para a criança e lhes permitindo apenas se apropriar da

ordem moral social e, no caso das crianças com necessidades educacionais especiais, as

famílias utilizam todos os meios que lhes são acessíveis para que a criança possa se integrar e

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ser aceita socialmente. Por exemplo, perguntamos às famílias sobre como é a rotina da criança

fora da escola, disseram:

Eu e minha mãe ficamos com a criança. Ela fica conosco e nos acompanha em tudo que fazemos, às vezes ficamos na porta da rua olhando o movimento, às vezes vamos à pracinha para brincar no chão. Algumas crianças lhe emprestam uma moto elétrica. Minha sobrinha de 15 anos também fica com ela, assistem TV juntas e vão à praça também. Todas terças-feiras tem APAE de 13:30 às 14h com Fisioterapia, depois tem de 14 às 14:30h Terapia ocupacional e Fonoaudiologia. Nestes dias eu não a trago à escola, porque não dá tempo de chegar lá e a criança fica muito cansada. (Mãe Palmira, entrevistada em 05/05/2010). Começamos o acompanhamento com Psicóloga... Quando ela vem para a escola e vai para a APAE é uma maravilha, porque ela faz muita coisa que agrada. (Mãe Graça, entrevistada em 06/05/2010).

A noção de socialização, conforme propõe Mollo-Bouvier (2005, p. 391), dispõe

exatamente sobre a banalização do sentido de assimilação dos indivíduos aos grupos sociais.

A partir das dinâmicas de interações na aquisição de know-hows e vínculos de construção de

si e do outro, as atividades socializadoras podem ser descritas como um contínuo, embora

não-linear de ajustes constantes de um sujeito em relação a si, aos outros e ao seu ambiente

social, ou seja, “socialização compõe-se de dessocializações e ressocializações sucessivas”.

(MOLLO-BOUVIER, 2005, p. 393). Mais detalhadamente, socialização será uma conquista

nunca alcançada de um equilíbrio cuja concepção implica num olhar sobre a criança enquanto

sujeito social que participa, produz, reproduz e transforma a sociedade.

Do ponto de vista das crianças, conforme Montandon (2005) descreveu, há uma visão

informada do papel e das qualidades que lhes são atribuídas pela educação seja parental, seja

institucional. Em pesquisas realizadas pela autora em Genebra, as crianças apontaram suas

convicções: esperam de seus pais apoio, amor, escuta, compreensão, consolo, ensinando-lhes

uma boa educação – ou seja, como se comportar/controlar. Nestas entrevistas, as crianças

mostraram que algumas se sentem mais espreitadas que escutadas, na verdade. Demonstraram

também que elas têm menos consciência dos desejos de seus pais. Em relação ao seu futuro,

levaram em conta a realidade social a que pertencem, considerando inclusive seus resultados

escolares. Perceberam, ainda, a complexa influência de sua educação nas relações que

estabelecem com seus pares nos vários agentes de socialização. Por fim, mesmo diante das

diferentes práticas educacionais, influenciadas por diversos fatores em um complexo quadro

de interações, os efeitos da socialização são percebidos e participados pelas crianças.

Enfim, nesta construção teórica e prática sobre as infâncias, evidenciamos os

processos de socialização contemporâneos constituindo, construindo e desconstruindo

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perspectivas, caracterizando a sociologia da infância. Conforme Gomes (2011): “a ordem da

vida social já posta, organizada a partir de práticas e posições, repete-se quotidianamente e

está pautada por relações de poder e dominação, mas é sobretudo sobre essa rotina que as

crianças agem.” Pensar espaços de socialização, neste momento, significa oferta de espaço

para diálogos, ações, participações e interpretações com o mundo.

Figura 4 – A criança tem um corpo e uma história

Fonte: Tonucci, 1997

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4 CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E DA EDUCAÇÃO ESPEC IAL

...eu sei Que a vida devia ser

Bem melhor e será (GONZAGUINHA, 1982).

4.1 A construção social da infância: do direito à Educação Infantil

A ideia de infância que temos hoje decorre de uma construção social, histórica e

cultural, o que equivale afirmar que as noções e concepções de infâncias modificam com o

tempo, o espaço e lugar social que cada sujeito ocupa. Ao recuperarmos a ideia de infância,

numa perspectiva histórica, podemos compreender melhor a distância que tal conceito adquire

em cada momento.

Assim, é possível apontar, de acordo com Kramer (1984), que na idade média as

crianças tinham papel ativo, junto aos adultos, inseridas em todas as situações e

acontecimentos sociais. A partir das mudanças socioeconômicas, caracterizando o fim deste

período, assistiu-se o surgimento da sociedade capitalista, configurando gradativamente um

espaço mais urbano-industrial. Neste novo contexto, as crianças passam a ser separadas da

sociedade, a ser cuidadas, escolarizadas e preparadas para uma vida futura. Divulga-se uma

ideia de infância baseada no modelo idealizado pela sociedade burguesa, sob critérios de

idade e de dependência do adulto. No século XVIII, parte da Europa assiste a emergência de

uma ciência política liberal, a partir da qual os sujeitos passam a ter mais importância para o

Estado. A arte de governar irá se direcionar à preocupação com o bem-estar e a felicidade

social, a fim de alcançar uma segurança nacional pela autoregulação. A criança pequena,

neste contexto, era concebida como futuro da nação.

Com a autoregulação do estado liberal europeu, os sujeitos se tornam objetos de

interesses públicos para controle dos direcionamentos econômicos e dos sujeitos de direitos,

envolvidos pela tríade “mercado, sociedade civil, cidadania” (BOBBIO,1992, p. 2) Ainda

segundo este autor, John Locke e Jean J. Rousseau destacam bem as orientações para a época,

nas quais respectivamente destacamos: “os homens são livres e iguais” e “deixar a ignorância

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e apropriar-se de si inclusive para celebrar contratos”. (BOBBIO,1992, p. 19). A criança,

nesta perspectiva, é tida pelo adulto como um ser economicamente não produtivo que deve ser

alimentada e protegida. Seria pela aspiração educacional, conforme Kramer (1984) refletiu,

que este pequeno sujeito poderia representar maiores ganhos para a sociedade. A educação

torna-se um valor de investimento a médio e longo prazo, contribuindo para aumentar o

capital familiar, com variações dependendo do grupo social que a família ocupa.

Assim, a concepção de criança foi sendo constituída pelo campo político e discursivo

do liberalismo. Verifica-se no século XIX, na Europa, a proliferação de disciplinas a fim de

ajustar os indivíduos à sociedade em aparelhos de produção e reprodução que se

complexificam – censos, estatísticas, controle de doenças, índices de natalidade (BUJES,

2003). Tais procedimentos, caracterizados pela racionalidade política irão se estender à

infância para suprir as deficiências da saúde e da nutrição, na direção do modelo capitalista

cuja organização depende de uma estrutura de classes. A expansão do discurso oficial de

proteção e favorecimento aos desfavorecidos, explorados, marginalizados, de baixa renda,

carentes, deficientes, inferiores se direcionou também com medidas de implementação de uma

escola compensatória – inclusive uma pré-escola compensatória. Crianças pequenas, nesse

modelo, também precisam superar suas privações culturais e financeiras. Kramer (1984)

reporta-se ao pensamento de Froebel 28 e depois Montessori29 – do século XIX e início do

XX, apontando a contribuição de cada autor para a constituição do direito à educação de

crianças pequenas. A autora, desenvolvendo trabalhos em favelas da cidade do Rio de Janeiro,

com crianças pobres, enfatizou a estimulação cognitiva para sanar suas supostas deficiências

assim como a necessidade da assistência médica e odontológica, podendo ser caracterizados

como antídotos às condições em as crianças pobres estavam sujeitas no sistema capitalista.

Kramer (1984) pontuou ainda que somente após a Segunda Guerra Mundial, uma série de

fatores contribuiu para valorizar a expansão mundial de pré-escolas, mesmo que de caráter

compensatório: necessidades das mulheres saírem para o trabalho para aumentarem as rendas

familiares e até mesmo manter a família na ausência do homem no pós-guerra; garantia de

28 O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva para a formação. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças e fundou os jardins-de-infância, destinado aos menores de 8 anos. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho da aprendizagem; não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. 29 Maria Montessori (1870-1952) foi uma educadora italiana. Doutorou-se em medicina pela Universidade de Roma. Aos 25 anos começou a dedicar-se às crianças anormais, na clínica da universidade, mudando os rumos da educação tradicional, que dava maior privilégio à formação intelectual. O método Montessori era ativo quanto à criação e aplicação, cujo objetivo principal era o desenvolvimento de atividades motoras e sensoriais visando, especialmente, à educação pré-escolar.

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emprego a professoras, enfermeiras e outros profissionais; além de “fornecer um ambiente,

que pretendia ser, saudável e emocionalmente estável para crianças carentes de dois a cinco

anos de idade” (KRAMER, 1984, p. 27). Muito embora, as primeiras experiências Europeias

de educação coletiva de crianças pequenas – as creches – datem do século XVII, desde o

século XIX havia os jardins de infância, voltados às crianças da elite a partir dos 4 anos de

idade.

Em nosso país, durante os anos de colonização – principalmente a partir do século

XVIII – podemos destacar as rodas dos expostos, instituições de cunho religioso que acolhiam

as crianças abandonadas nas primeiras idades e a Escola de Aprendizes Marinheiros, para os

meninos maiores de 12 anos. A partir dos estudos de Moncorvo Filho30 sobre a proteção da

infância no Brasil, da época da colonização até os anos de 1920, aproximadamente, Kramer

(1984) destacou a pouca ênfase em projetos voltados para as crianças. Somente aparecendo

projetos isolados, elaborados de forma particular e principalmente de médicos. De meados do

século XVIII ao XIX – o Código Civil vigente no regime do Império se referia ao menor

desvalido como delinquente ou criminoso, apresentando medidas repressivas para solucionar

os problemas ‘daquele menor’. A autora verificou que faltava interesse da administração

pública pelas condições da criança brasileira.

Kuhlmann Jr (2000) descreveu que as concepções de uma educação compensatória,

com assistência nutricional, médica e odontológica, chegaram ao Brasil no período do

Império, na década de 1870, mas somente na República – a partir do início do século XX –

criaram as primeiras instituições para atender às crianças. Neste momento, ainda intensamente

se pensava na “infância desamparada”, cujas proposições visavam promover a organização

familiar. “De certo modo, isso expressa a tradição colonizadora da catequese jesuítica que

previa o recrutamento dos pequenos curumins como forma de interferir nas culturas nativas”

(KUHLMANN JR, 2000). As proposições de creches e jardins às crianças pequenas também

estavam associadas às ideias de eugenia e higienização a favor da construção de uma raça

civilizada e do bem-estar geral da nação. Segundo o autor, a educação nesta época pode ser

vista como fonte de “revigoramento da raça”. A formação do cidadão passava pelo cultivo da

polidez, ordem e senso estético em exercícios regrados e conduzidos por uma mestra.

Para Kramer (1984), a partir do século XX, a situação começou a alterar com a ideia

de proteção da infância despertando, mas permanece o atendimento restrito e iniciativas

isoladas/localizadas. “Em 1908, teve início a primeira creche popular cientificamente dirigida

30 Sobre a situação do Médico Arthur Moncorvo Filho ver Wadsworth (1999).

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a filhos de operários até dois anos e, em 1909, foi inaugurado o Jardim de Infância Campos

Salles, no Rio de Janeiro”. (KRAMER, 1984, p. 54). No país, assistiu-se a intensificação de

programas de higiene infantil – médica e escolar. Nas primeiras décadas do século passado,

teve-se a inauguração de órgãos públicos voltados para o atendimento e discussão de questões

relativas às crianças, como: Departamento da Criança no Brasil – 1919; Departamento

Nacional da Criança (DNCr)– 1940; Serviço de Assistência a Menores – 1941; Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF) – 1946; Organização Mundial de Educação Pré-

Escolar (OMEP) – 1948. A finalidade de cada órgão era específica, mas no geral fomentavam

iniciativas de amparo à criança e à mulher grávida pobre, publicação de boletins, divulgação

de conhecimentos relativos às crianças, promoção de congressos, proclamando a necessidade

de atendimento à infância brasileira. Nessas publicações e ações, segundo Kramer (1984), foi

possível constatar a necessidade de preparação das crianças para se tornarem os adultos

desejados socialmente para o amanhã e a necessidade do fortalecimento do Estado brasileiro.

Contudo, os problemas relacionados às crianças eram tratados de forma homogênea, não os

analisando na lógica imposta pelo modo de produção capitalista, especialmente no que diz

respeito às desigualdades sociais, responsabilizando, via de regra, às próprias crianças e suas

famílias, por suas condições de vida degradadas:

A dissolução atual da família, a dissociação de seus elementos pelo enfraquecimento da autoridade paterna, pela ausência diária da mulher do recinto do lar, pela guarda dos menores em mãos mercenárias dão à família moderna uma estrutura frágil e inconsciente. (KRAMER, 1984, p.62).

Educação tornou-se possibilidade de ascensão social e passou a ser defendida, a partir

de 1930, como direito de todas as crianças, consideradas como iguais – numa organização

social que se estabelecia como padrão para a “nova burguesia urbano-industrial”. (KRAMER,

1984). Essa ideia foi reforçada pela articulação do Movimento Escolanovista, que se

despontava e crescia nos Estados Unidos e Europa, influenciando os intelectuais brasileiros. O

reforço ao patriotismo e as medidas de conciliações políticas nacionais - com o fim da

estratégia do café-com-leite31 – influenciaram a conjuntura administrativa educacional para

com a infância brasileira. Os programas de atendimento à criança estavam relacionados à

assistência médico-pedagógica para o desenvolvimento da nação, para a formação de uma

raça forte e sadia. A partir de 1930, o Estado convocava associações particulares para

31 Política de revezamento do poder nacional executada na República Velha entre 1898 e 1930, por presidentes influenciados pelo setor agrário do café do estado de São Paulo – o mais poderoso economicamente - e Minas Gerais - maior polo eleitoral do país da época e produtor de leite.

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colaborarem com a proteção à infância. Nessa ação, o governo demonstrava a importância dos

assuntos relativos à infância ao mesmo tempo em que decretava sua impossibilidade de

resolvê-lo. Assim, os atendimentos prestados neste período podem ser caracterizados como

assistencialistas. Durante as décadas de 1940 e 1950, intensificam-se estudos e pesquisas

sobre as crianças e suas condições no Brasil pelo Departamento Nacional da Criança e pelo

Serviço de Assistência a Menores. Porém, Kramer (1984) verificou que o conceito de infância

permanecia único, apoiado na idealização da classe burguesa. Os programas e campanhas

anunciavam medidas de combate à desnutrição, vacinações, entre outras pesquisas de cunho

médico, fornecimento de auxílio técnico em hospitais e maternidades, permanecendo a

tendência individual-assistencialista, inclusive com programas de fortalecimento da família e

educação sanitária. Kulhmann Jr (2000) destacou que na década de 1950, houve movimentos

localizados de escolas em defesa de uma educação que superasse as concepções

compensatórias por uma educação com atividades artísticas e intelectuais criadoras para as

crianças, como o Colégio Bennett de formação de professoras no Rio e Janeiro e a Sociedade

Pestalozzi em Belo Horizonte, por exemplo. A partir da década de 1960, Kramer (1984)

analisou que a expansão das pré-escolas estava diretamente relacionada às pesquisas sobre o

pensamento da criança e a influência da linguagem no rendimento escolar. Desta forma,

aquelas crianças que estavam “privadas” tanto educacional quanto culturalmente chegariam à

escola elementar32 já caracterizadas pelo fracasso, necessitando de uma educação pré-escolar

como medida preventiva, numa “guerra contra a pobreza”, conforme descreveu em seus

estudos do Projeto Head Start nos Estados Unidos em 1965. Esse projeto redundava, segundo

a autora, no interesse por ‘melhorias sociais’ advindas do sentimento de culpa pelo fosso entre

ricos e pobres naquele país. Aprofundando esses aspectos Kramer (1984) apontou ainda que

desde a implementação das políticas de favorecimento à expansão de pré-escolas de caráter

compensatório várias modificações gradativas aconteceram, diversificando os modelos de

compensação. Seu alerta foi uma chamada a todos os estudiosos e interessados na educação

infantil, pois as políticas compensatórias estavam apenas se tornando diferentes, mas suas

tendências permaneciam claramente com as mesmas fundamentações teóricas de intervenção

precoce em favorecimento à eliminação das desvantagens educacionais. Somente na década

de 1960 foram instituídas medidas legais relativas ao direito à educação das crianças menores

de sete anos de idade, principalmente pela promulgação em 1961 da Lei n.4024, que

determina as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que destinava dois artigos para a pré-

32 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 5692/71, a escola elementar era obrigatória dos 7 aos 14 anos de idade, caracterizando o ensino de 1º grau.

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escola. Essa garantia legal oferecia à geração da infância o local adequado à educação, mesmo

que na superficialidade, pois o atendimento escolar era principalmente para filhos de mães

trabalhadoras:

TÍTULO VI Da Educação de Grau Primário CAPÍTULO I Da Educação Pré-Primária Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância. (BRASIL, 1961).

Na década de 1970, tem-se um retrocesso legal, pois a Lei nacional n.5692 de 1971,

que fixou diretrizes e bases para a educação de 1º e 2º graus, referiu apenas aos locais de

ensino antes dos sete anos de idade sem determinar financiamento, organização e atribuições,

além de ter revogado os artigos da legislação anterior – 4024/61. A legislação, então, pode ser

considerada ambígua e omissa quanto a medidas de viabilização para a maioria da população:

CAPÍTULO II Do Ensino de 1º Grau Art. 19. § 2º Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes. (BRASIL, 1971).

Ainda na década de 1970, aconteceram seminários que reuniram profissionais e

pesquisadores da infância visando a definição de bases teóricas e projetos para a pré-escola,

assim como o estabelecimento de normas técnicas buscando caracterizar esta etapa do ensino

além analisar perspectivas de programas já realizados até aquele momento. Desta forma, os

seminários organizados pretendiam treinar e atualizar os participantes nos aspectos de

planejamento da educação escolar. Apesar dessas discussões, ainda permaneceram sugestões

compensatórias de alguns órgãos de governo. Kramer (1984).

Contudo, na mesma década também verificamos que o Projeto Casulo da Legião

Brasileira de Assistência (LBA), implementado em todo o território brasileiro a partir da

solicitação dos municípios e estados, foi o único programa, segundo Kramer (1984), até então,

que visava o atendimento nutricional associado a atividades recreativas. Por outro lado,

Campos, Rosemberg e Ferreira (1995) descreveram que a experiência da LBA, mesmo sendo

o único com abrangência nacional e tendo um alto índice de funcionários, permanecia com

caráter emergencial e assistencialista devido à diversidade na qualidade do atendimento às

crianças: insuficiência per capta para a manutenção das crianças, a falta de uma única gestão

com os vários convênios estabelecidos, a ausência de recursos humanos para supervisão

sistemática e treinamento das equipes, instalações procurando aproveitar espaços ociosos da

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comunidade, com equipamentos simples. Estas características se apresentaram como

elementos dificultadores de um trabalho pelas crianças.

No entanto, para Kramer (1984) o projeto da LBA foi a quebra do paradigma de uma

educação inicial não-escolarizada com vistas a resolver por si as problemáticas da infância.

Uma concepção que introduziu o oposto das concepções até o momento exaltadas de processo

de mudança nas estruturas básicas da sociedade, na qual as crianças da classe desfavorecida

nada traziam de suas casas e famílias, necessitando ser preparadas para ingressarem na escola

elementar. Porém, para Campos, Rosemberg e Ferreira (1995), Santos e Vieira (2006) e

Kuhlmann Jr (2000), o Projeto Casulo mantém as mesmas posturas governamentais de caráter

assistencial, mesmo que tendo sobrevivido às mudanças políticas no país de 1977 a 1987 e

oferecendo atendimento em nível nacional, pois tratava-se mais de evitar que as crianças

morressem de fome do que o desenvolvimento de critérios de qualidade para a educação de

crianças pequenas.

Kuhlmann Jr (2000) também analisou o Movimento de Lutas Por Creches (MLPC) em

1979 como reivindicações que contribuíram para imprimir ritmo à expansão do atendimento

às crianças. Segundo o autor, a ampliação do trabalho feminino nos setores médios levou a

classe média a buscar instituições educativas para deixarem seus filhos. As instituições de

educação infantil, ainda de acordo com Kuhlmann Jr (2000), neste momento da história

brasileira33 representaram a possibilidade para as mulheres se “ libertarem do jugo das

obrigações domésticas”, superando os limites da estrutura familiar e apaziguando os conflitos

sociais por serem vistas como meio para uma sociedade igualitária. Nesta perspectiva, a luta

pela educação pré-escolar pública, popular “se confundia com a luta pela transformação

política e social mais ampla”. (KUHLMANN JR, 2000, p. 11).

O atendimento às crianças foi estabelecido de forma barata pelo governo, inclusive em

classes anexas nas escolas primárias, tendendo mais a contribuir para solucionar os problemas

da pobreza – fome, promiscuidade e marginalidade – e as altas taxas de reprovação no ensino

de 1º grau. De toda forma, o Movimento de Luta por Creches legitimou o atendimento das

crianças de forma geral e não mais como uma destinação exclusiva aos filhos dos pobres.

A professora Silva (2008) apontou que as lutas pró-creches das classes populares nas

décadas de 1970 e 1980 representaram uma tentativa de responder às suas necessidades

passando de um discurso pessoal para um discurso coletivo. Esse movimento resultou na

assimilação pelas autoridades políticas de discursos e ações que enfatizavam a importância do

33 Momento no qual alguns setores da sociedade brasileira muito questionavam o regime militar, como os movimentos sindicais, populares, feministas e estudantis, generalizando os conflitos sociais no país.

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desenvolvimento das crianças, incrementando o atendimento à criança pequena. Apesar da

complexidade do campo de relações a este respeito – participação popular/ autonomia

institucional/ crescimento da sociedade e da pobreza no Brasil – Silva (2008) ponderou que a

participação do MLPC constituiu uma referência para a legitimação do atendimento

educacional regular público à infância menor de sete anos.

Ao recuperarmos esta trajetória, pudemos perceber o caráter burocrático e

fragmentado de atendimento às crianças pequenas pela tentativa de superação dos problemas

da nação de um sistema social estratificado e, portanto, desigual, enfatizando a assistência à

saúde e ao bem-estar da família para depois se atingir programas de educação. O direito à

educação das crianças com menos de sete anos de idade começou a despontar, no entanto,

apenas uma minoria desta população foi contemplada, revelando que o setor educacional não

estava dentre as prioridades básicas da política nacional. A criança era vista como culpada

pelo seu fracasso, a família era considerada doente, o meio inadequado e a cultura popular

inferior, sem questionamento mais direto aos próprios processos de escolarização e das raízes

socioeconômicas dos problemas analisados. Os planos de atendimento pré-escolar

incorporavam concepções compensatórias. Todavia, a educação pré-escolar passava a ser

gradativamente reconhecida como fator de superação das desigualdades de oportunidades e

libertação da dependência sociocultural (KRAMER, 1984). Segundo Silva (2008), a luta

social pela democracia e cidadania mesmo envolvendo as ambivalências teóricas, históricas e

políticas da sociedade ocidental, também constituiu a legitimação dos direitos para a criança

pequena.

Belo Horizonte também participou da construção do direito à escolarização para as

crianças pequenas. Alguns estudos, como o de Filgueiras (1994) e Veiga (2001), abordaram

sobre a participação das mulheres dos bairros de periferia pela criação e implementação de

creches comunitárias para que pudessem trabalhar e sustentar suas famílias. Os movimentos

na capital mineira, segundo estas pesquisadoras, estavam ligados tanto à Igreja Católica

quanto aos movimentos feministas, sendo ambos importantes no processo por possibilitar

visibilidade às reivindicações de construção, substituição e ampliação das referências de

atendimento às crianças. As intervenções da Associação de Apoio à Creche Comunitária Casa

da Vovó (AACC) e a Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo Englert

(Ameppe) também foram agentes externos do MLPC que influenciaram a construção dos

ideários e das práticas com propostas de princípios e organizações das estruturas de

atendimento às crianças além dos projetos de formação dos educadores, inclusive com

publicações sistemáticas de experiências, que muito contribuíram para as propostas nacionais

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e de Belo Horizonte. A Ameppe, por exemplo, organizava-se para estruturar Programas de

Educação Infantil, Programa de Políticas Públicas, Programa de Documentação, Publicação e

Produção do Conhecimento, Programa de Educação e Escolarização Popular que foram

influenciadores das ações de reivindicações. Conforme Filgueiras (1994) e Faria Filho (1993)

analisaram, em Belo Horizonte o destaque das lutas sociais prevaleceu pela conquista de

creches conveniadas (e não de creches públicas) acompanhadas da gestão dos seus

equipamentos pela comunidade, não conferindo ao Estado a atribuição de gerir a educação à

infância de forma afastada da intervenção popular. As reivindicações, então, formulavam-se

muito mais no sentido de exigir do Estado a contrapartida social pelos impostos pagos em

ações que melhorassem as condições de vida dos grupos articulados aos movimentos social,

neste caso principalmente de mulheres e mães. Silva (2008) disse inclusive que o MLPC

fortaleceu a perspectiva “preventiva” arrolando às creches comunitárias os argumentos de que

tirariam as crianças da rua e possibilitariam a diminuição da delinquência e do preconceito

social à marginalização devido a pobreza crônica de certos grupos atendidos.

A partir da década de 1980, com o fim do regime ditatorial, pudemos perceber várias

reivindicações sociais. O ressurgimento dos movimentos sociais pós-regime militar

possibilitou dar maior visibilidade para a educação das crianças pequenas, pelo direito à

educação em todos os níveis e pela qualidade da educação integral dos sujeitos.

Manifestações e exigências sociais intensificaram no sentido de regulamentação e diretrizes

para uma educação mais igualitária. A participação de diferentes entidades e organizações foi

fundamental à elaboração de documentos que buscavam a superação das desigualdades e

defendiam a atenção à criança. Destacamos, dentre elas: Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação - CNTE, Conselho Nacional de Secretários de Educação -

CONSED, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino -

CONTEE, Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP, Fórum Nacional dos

Conselhos Estaduais de Educação - FNCEE, Grupo de Institutos - GIFE, Fundações e

Empresas, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO,

Organização Mundial para Educação Pré-Escolar - OMEP, Movimento Interfóruns de

Educação Infantil do Brasil MIEIB, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação

UNCME, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME, Secretaria de

Educação Superior (SESU – MEC), Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

(SETEC – MEC), Secretaria de Educação do Estado de São Paulo SEESP, Secretaria de

Estado da Educação SEED, Secretaria de Atenção à Saúde e Secretaria de Política de

Assistência Social sobre questões relacionadas à infância e à educação infantil.

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Contudo, Campos, Rosemberg e Ferreira (1995), alertaram que o atendimento às

crianças nos anos de 1980 ainda era feito por órgãos com autonomia administrativa, técnica e

financeira – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e Secretaria Especial

de Ação Comunitária (SEAC), tendo como finalidade uma política de bem-estar e não o

engajamento educacional enquanto direito das crianças. O Ministério da Educação (MEC)

apresentava pequeno interesse em relação às pré-escolas, criando, extinguindo e modificando

diferentes órgãos gestores da educação pré-escolar, não ultrapassando o seu nível de atuação

como “Coordenadoria”. Campos, Rosemberg e Ferreira (1995) apresentaram que em 1984 as

despesas do MEC com as pré-escolas foram de 4% de seu orçamento e em 1987 foram apenas

de 2,89%.

A promulgação da Carta Magna de 1988, segundo Campos, Rosemberg e Ferreira

(1995), marcou profundamente a década por reconhecer o direito à educação das crianças

pequenas. A Constituição de 1988 34 possibilitou ações, pesquisas e movimentos organizados

em prol da educação de crianças pequenas, pela mudança na legislação educacional vigente,

entre outras. Desta lei podemos destacar a regulamentação da educação, incluindo o nível da

educação infantil como obrigatória e gratuita:

CAPÍTULO III DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO Seção I DA EDUCAÇÃO Art. 208 IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. (BRASIL, 1988).

Em Belo Horizonte a Lei Orgânica Municipal também expôs sobre a garantia do

direito à Educação Infantil e à Educação Especial Regular:

Art. 157- DA EDUCAÇÃO § 1º II - atendimento obrigatório e gratuito em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade, em horário integral, bem como acesso automático ao ensino de primeiro grau; V - atendimento à criança em creche, pré-escola e no ensino de primeiro grau, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, de assistência à saúde e de alimentação, inclusive, para a carente, nos períodos não-letivos; VIII - atendimento educacional especializado ao portador de deficiência, sem limite de idade, na rede regular de ensino, bem como vaga em escola próxima a sua residência; Art. 158 – Dispõe da promoção da educação pré-escolar e do ensino de primeiro e segundo graus com 11 princípios;

34 Alterada pela Redação da Emenda Constitucional n.53, de 2006. Então, atualmente é oferecida até os 5 anos de idade, mas em 1988 era até os 6 anos de idade.

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Art. 159 - Para o atendimento de crianças de zero a seis anos de idade, o Município deverá: II - atender, por meio de equipe multidisciplinar, composta por professor, pedagogo, psicólogo, assistente social, enfermeiro e nutricionista, às necessidades da rede municipal de creches; Art. 161 - Fica assegurada a cada unidade do sistema municipal de ensino, inclusive às creches, a destinação de recursos necessários à sua conservação, manutenção e vigilância e à aquisição de equipamentos e materiais didático-pedagógicos, conforme dispuser a lei orçamentária. Art. 162 - O Município elaborará plano bienal de educação, visando à ampliação e à melhoria do atendimento de sua obrigação de oferta de ensino público e gratuito. (BELO HORIZONTE, 1990).

A década de 1990 culminou com reivindicações sociais, encontros de pesquisadores,

profissionais e interessados na educação infantil propondo estratégias específicas para a

educação escolar das crianças, assim como na efetivação legal de diretrizes, normas e

financiamentos para este nível de ensino, principalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação n.9394 de 1996 e o Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI) em

1998.

Faria e Palhares (1999) abordaram as várias propostas oficiais em favor da educação

infantil brasileira. Elas destacaram que a equipe da Coordenação Geral da Educação Infantil -

COEDI35 - produziu ao longo da década de 1990 documentos ímpares para a história das

crianças brasileiras, reconhecidas pelas suas características sociais, regionais, culturais e

econômicas. Destacamos: “Política de Educação Infantil” de 1993; “Por uma Política de

Formação do Profissional de Educação Infantil” de 1994; “Educação Infantil no Brasil:

situação atual” também de 1994; “Critérios para um atendimento em Creches e Pré-Escolas

que respeite os Direitos Fundamentais das Crianças” de 1995; “Proposta Pedagógica e

Currículo para a Educação Infantil: um diagnóstico e a Construção de uma Metodologia de

Análise” de 1996 e “Subsídios para Elaboração de Diretrizes e normas para a Educação

Infantil” de 1998. Faria e Palhares (1999) apontaram que esses documentos representaram um

significativo avanço nas relações entre representantes dos centros de produção de

conhecimentos sobre as infâncias brasileiras e o encaminhamento de Políticas Nacionais para

a Educação Infantil.

Na LDB, a Educação Infantil passa a compor a primeira etapa da Educação Básica

obrigatória a todos os brasileiros, assim como a organização para seu funcionamento,

35 Coordenação Geral da Educação Infantil, órgão direto da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC.

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caracterizando definitivamente a conquista do Direito à Educação das crianças com menos de

sete anos36:

Seção II Da Educação Infantil Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. (BRASIL, 1996).

Outro grande avanço para a conquista do direito à educação das crianças foi a

elaboração dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI),

mesmo que caracterizado pelas consideráveis críticas à sua concepção de criança/infância

completamente oposta àquelas construídas nos documentos do COEDI ao longo da década de

1990. Cerisara (1999), apresentou críticas ao RCNEI, caracterizando a ruptura com o

reconhecimento das diversas realidades e contextos nacional que envolvem as crianças

brasileiras, assim como as suas especificidades, demonstrando total falta de maturidade do

sistema político em organizar um referencial único a todas as instituições de educação Infantil

do país.

Ainda na década de 1990, tivemos a promulgação da Lei n.8069 de 1990 – Estatuto

da Criança e do Adolescente, cujo enfoque à educação da criança e do adolescente se

caracterizou no Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, que

em seu Art. 53. definiu:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho assegurando-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. (BRASIL,1990).

Podemos evidenciar também, como base legal do direito das crianças pequenas, as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil sob a Resolução nº 5 de 17 de

dezembro de 2009 que institui propostas pedagógicas e orienta políticas públicas na área,

elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares,

assim como dispõe sobre a organização do trabalho, do tempo, do espaço para este

atendimento nesta etapa da formação. Conforme destaca:

36 Naquele momento, a Educação Infantil seria para crianças de 0 a 6 anos de idade. Somente em 2005 com a Lei Nacional n.11.114 é que se altera a idade de atendimento do Ensino Fundamental no nosso país, passando consequentemente a Educação Infantil atender às crianças de 0 a 5 anos de idade.

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Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009).

Deste modo, nas décadas de 1980 e 1990, as pressões foram fortes em busca da

legitimação jurídica à Educação Infantil, assim como os movimentos para sua expansão e

institucionalização qualificada37.

A partir dos anos 2000, mais pesquisas acadêmicas e a participação da sociedade

civil estão presentes nos movimentos relacionados à educação infantil. Contudo, é necessário

destacar ainda alguns paradigmas em conflito. Saber e poder estão conectados a formas de

governamento. Contradições são dificilmente superadas pelas formas sutis como se

apresentam, polemizam e aprisionam algumas “verdades acabadas”. (BUJES, 2003). O efeito

normalizador das práticas educativas voltadas às crianças pequenas é excludente e precisa ser

desnaturalizado para que se percebam as dinâmicas de poder em construção. A maquinaria

governamental em ação conecta o saber e o poder. Coloca o sujeito na ordem da moralidade,

mas ordena e orienta maneiras de entender o mundo. Uma análise minuciosa ainda se faz

essencial ao perscrutar as formas de governamento da infância, seja pela sua variação, sejam

pelas suas ações: fertilização assistida, testes ecográficos, gravidez monitorada, contracepção,

estímulo à maternidade, aleitamento, vacinas, escolhas de brinquedos, modelação de gostos

musicais, preferências de consumo, escolha de escolas pelos seus projetos político

pedagógicos, escolha das atividades extra-escolares, o estímulo à vigilância dos pais, às

programações de TV, os espaços da e na escola, os espaços de lazer, as revistas destinadas a

estes sujeitos e uso dos templos de consumo! Estes são temas que demandam novos estudos.

Deste modo, a expansão da Educação Infantil no Brasil se apresenta hoje crescente e

garantida legalmente, seja pela participação mais consistente da sociedade, seja pelas

profundas mudanças ocorridas – intensificação da urbanização, participação da mulher no

37 São observadas na legislação específica da educação infantil: qualidade do terreno e da construção. Adaptação dos equipamentos e materiais pedagógicos; clima afetivo; jornada e custo de pessoal. Facilidade de acesso à população definida como prioritária e o perfil profissional necessário ao desempenho das tarefas que compõem um serviço integral de atendimento às crianças pequenas: elaboração pedagógica, alimentação e higiene. Conferir em ROSEMBERG, 1995.

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mercado de trabalho, alteração da organização e estrutura familiar, reconfiguração do sistema

capitalista e, assim, as experiências da infância vão se constituindo.

Diante deste contexto de construção de direitos, precisamos compreender como se deu

também o cenário do direito à educação daqueles que são hoje considerados como sujeitos

com necessidades educacionais especiais.

4.2 O convívio e confronto das diferenças

Em todas as sociedades existem pessoas com algum tipo de deficiência física,

sensorial ou mental, cujas causas e consequências costumam ser agravadas em decorrência de

cada cultura. No entanto, deficiência alguma poderia ser motivo de discriminação, pois

pertencemos a um mesmo grupo de seres vivos, único, mas diverso!

O tratamento dispensado às pessoas com necessidades educacionais especiais evoluiu

dos cuidados primários e do confinamento em instituições asilares ao reconhecimento do

direito à educação, reabilitação, seguridade social, trabalho, transporte, lazer e cultura.

Analisando a trajetória da educação especial a partir de Bautista (1997), podemos

afirmar que as primeiras experiências positivas aconteceram na Europa, expandiram para os

Estados Unidos, Canadá e outros países, inclusive o Brasil. A primeira impressão sobre

educação de deficientes foi na França em 1620 –‘Redação das letras e a arte de ensinar os

mudos a falar’ de Jean Paul Bonet. Em 1770, Charles M. Eppée fundou a primeira instituição

especializada na educação de surdos-mudos em Paris, inventando o ‘método oral’. Em 1784, a

fundação do Instituto Nacional dos Jovens Cegos inspirou o surgimento de instituições

similares em toda Europa. O Instituto, criado por Valdin Hauy, ensinava leitura tátil com

letras em relevo. Charles Barbier em 1819 apresentou ao Instituto o sistema de escrita

codificada e expressa por pontos salientes a candidatos militares. Em 1829, o jovem cego

Louis Braile adaptou o código militar às necessidades dos cegos, transformando-o no

conhecido sistema que recebeu seu nome.

Jean Marc Itard, médico francês, no século XIX, sistematizou os primeiros métodos

para o ensino de crianças com deficiência mental, elaborando o primeiro manual de educação

de ‘retardados’, através do estudo de caso de uma criança ‘idiota’, cuja regra básica de

aprendizagem era a repetição de experiências de sucesso. O médico Edward Seguin fundou o

primeiro internato público para crianças ‘retardadas mentais’ na França, a partir dos estudos

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de Itard. Seguin criou um currículo baseado em neurofisiologia, utilizando material didático

com cores e músicas para motivar as crianças, orientando por um treinamento sistemático os

professores.

Escolas para cegos, surdos e retardados proliferaram de 1817 a 1850. Entre 1850 e

1920, houve um crescimento de escolas residenciais nos Estados Unidos sob influência do

modelo europeu. Tais escolas passaram a ser concebidas como instituições tutelares para

crianças e adultos sem esperança de vida independente e sem os programas de externato.

Maria Montessori, médica e educadora italiana, aprimorou os estudos desenvolvendo uma

metodologia com ênfase na ‘auto-educação’, empregando uma grande variedade de materiais

didáticos - blocos, encaixes, recortes, objetos coloridos, letras em relevo e outros. Seu método

mostrou-se eficiente, sendo difundido para as crianças na idade escolar.

As pessoas com deficiências tornaram-se cada vez mais ativas, constituindo

organizações próprias, integradas por seus familiares em defesa de melhores condições de

vida. Em 1940, nos Estados Unidos, surgiu a primeira associação organizada por pais de

crianças com Paralisia Cerebral, visando angariar fundos para centros de tratamentos,

pesquisas e treinamento de pessoal. Em 1950, os pais das crianças com deficiência mental

criaram a National Association for Retarded Children – NARC, que exerceu grande influência

mundial.

Então, o período anterior ao século XIX foi caracterizado pela total exclusão social.

Ao final do século XIX e até meados do século XX, verifica-se uma segregação social. A

partir da década de 1960, assiste-se a um processo de integração social. No tempo atual,

vivencia-se um processo de adequação da sociedade às necessidades de seus membros:

Inclusão Social.

No Brasil esse processo acompanha as tendências mundiais. E, enfatizando a

perspectiva da inclusão, alguns documentos têm sido de fundamental importância para a

construção de uma nova concepção de mundo, sociedade e de ser humano, que garantam os

seus direitos e que possa romper com a ética escolar clássica. Dentre eles, é importante

destacar:

a) A Constituição Brasileira de 1988 que garante a todos o acesso à escola:

• ... a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o

desenvolvimento nacional; reduzir as desigualdades sociais; promover o bem de

todos, sem preconceitos. (BRASIL, 1988, art 3º).

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b) A Declaração de Salamanca: Conferência Mundial sobre necessidades

educativas especiais: acesso e qualidade, na Espanha de 7 a 10 de junho de 1994:

• [...] as escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outros. Devem acolher crianças com deficiências e bem dotados; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas. (UNESCO, 1994; p.18).

c) A LDB n.9394 de 1996, que garantiu o acesso de qualquer criança à escola

regular preferencialmente:

• Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. (BRASIL,1996).

d) A Convenção de Guatemala de 2001 que reafirma às pessoas com deficiências

os mesmos direitos e liberdades que as demais pessoas.

e) As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica que

determinam sobre os princípios, a operacionalização dos sistemas de ensino, o

currículo, a questão da terminalidade específica para o atendimento aos educandos

com necessidades educacionais especiais, iniciando pela primeira etapa da educação

básica – nosso foco em evidência:

• Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos terá início na educação infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e mediação com a família e a comunidade, a necessidade do atendimento educacional especializado. (BRASIL, 2001).

f) Outras Resoluções e Pareceres Nacionais, a partir de 2001, que foram

regulamentando a Educação Especial – Lei n.10.172/01 (Plano Nacional de

Educação), Lei n.853/89 (Apoio às pessoas com deficiências), Lei n.8069/90 (Estatuto

da Criança e do Adolescente, com os artigos 2º e 5º), Decreto n.3.298/99 (Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), Portaria MEC

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n.679/99 (Requisitos de Acessibilidade), Lei n.10.098/00 (Normas e critérios de

acessibilidade).

• [...] estamos trabalhando para ter toda criança na escola e para

assegurar uma boa escola para todos. Integrando-se a esse processo, as

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,

instituídas pela Resolução n.02/2001, da Câmara de Educação Básica do

Conselho Nacional de Educação, vem representar ao mesmo tempo um

avanço na perspectiva da universalização do ensino e um marco fundacional

quanto à diversidade na educação brasileira. (BRASIL, 2001, p.6)

A inclusão postula uma reestruturação do sistema de ensino, com o objetivo de fazer

com que a escola se torne aberta às diferenças e trabalhe com a diversidade da condição

humana em suas singularidades. E, por fim, Godoy (2001) alerta: “a educação inclusiva não

ocorrerá por decreto, mas por mudanças estruturais”, (GODOY, 2001) que se caracterizam

por atividades escolares, por encontros de equipe para discussão de propostas específicas para

turmas nessa perspectiva.

Como se constituiu essa mudança sobre a inclusão na realidade escolar de ensino de

Belo Horizonte? A Prefeitura de Belo Horizonte de 1957 a 2003, conforme o documento

oficial de Proposições Curriculares (2009), atendia crianças de quatro a seis anos de idade em

horário parcial em 13 Pólos de Educação Infantil e em creches conveniadas. Porém, a

Prefeitura reconheceu desde 1983 a crescente demanda populacional em relação ao

atendimento às crianças pequenas, inclusive pela multiplicação das creches conveniadas.

Reconheceu também o importante papel do Movimento de Lutas Pró-Creches que desde essa

época atuou na garantia da continuidade do direito à educação da infância.

Em 1995, com a Escola Plural, proposta de organização das escolas da rede municipal

de Belo Horizonte em ciclos de idade, as crianças de 6 anos foram incluídas ao ensino

fundamental, sendo universalizado o seu atendimento em 1998. Com isso, as crianças de três

anos passaram a ser atendidas nos pólos e creches. E, em 2004 acontece a ampliação da

Educação Infantil para as crianças de zero a três e com jornada de tempo integral. Atualmente

e após vários “exercícios e propostas elaboradas” pela prefeitura, cria-se o cargo de educador

infantil e as Unidades Municipais de Educação Infantil – UMEI’s, vinculadas a uma escola

municipal já existente. Contudo, o governo municipal reconhece que não há, ainda, o

atendimento universal em relação à demanda. Inclusive, aponta a diversidade de formas de

atendimento na tentativa de garantia do direito das crianças: há escolas municipais de

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Educação Infantil, há turmas da Educação Infantil em escolas de Ensino Fundamental e há as

UMEI’s (BELO HORIZONTE, 2009, p.16). Em 2004, a PBH atendia 2.400 crianças de três a

seis anos de idade e em 2008 passou a atender 14.800 crianças de zero a cinco anos.

A prefeitura declara que as muitas mudanças no cenário social e político promoveram

forte interferência na realidade da Educação Infantil (BELO HORIZONTE, 2009, p.16;

BELO HORIZONTE, 2009, p. 9), dentre elas a reformulação do conceito de “infância ou

infâncias” a partir dos estudos advindos da pedagogia e da sociologia. Expõe sobre o papel da

escola como espaço educativo que deve possibilitar vivências e experiências, organizadas

conscientemente e de maneira intencional, garantindo o desenvolvimento integral da criança.

E, ainda, há o compromisso da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

(SMED/BH) para com a criança com necessidades educacionais especiais. Atender a esta

criança significa para o órgão público da capital mineira reconhecê-la como um cidadão de

direitos. Para contemplar a ação educativa comprometida com a cidadania e a formação

democrática, toda criança com necessidade educacional especial tem vaga compulsória

garantida pela SMED nas unidades de atendimento às crianças. O que se confirma pela

exposição de Lila, da direção da escola observada, quando questionada sobre se já tinha

alguma experiência com a educação inclusiva:

[...] em toda minha experiência sempre teve crianças especiais pelas escolas que passei. Tanto particulares como públicas: síndrome de Down, cadeirantes, dificuldades com fala, hiperativos. Todas as crianças sempre tiveram garantia de participação. (Entrevista, abr.2010).

Mas, apesar de reconhecer a diversidade de infâncias, a PBH estabelece como

atendimento prioritário àquela população infantil em situação de vulnerabilidade social,

situação de risco ou sem atendimento às suas necessidades básicas com 70% das vagas sendo

destinadas a esse grupo. Estabelece que 20% das vagas sejam por sorteio para os inscritos e

10% delas sejam para famílias que residam até 1Km de distância da unidade de educação

infantil. Segundo o documento, a intenção é de oferecer prioridade de oportunidade para

aqueles que se encontram em situação de desigualdade, conforme propõe o ECA.

Tais critérios de seleção nos levam a indagar sobre as reais formas de acolhimento às

infâncias: se a prioridade garante aos que estão em situação de risco a participação na escola,

os demais podem ficar de fora, que direito é esse que seleciona quem dele pode desfrutar?

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As Proposições Curriculares38 da Prefeitura de Belo Horizonte (2009), também

apontam que além da construção das UMEI’s, foram projetadas para atender às necessidades

da criança pequena, houve implementações de acompanhamento e aprimoramento das

práticas pedagógicas nas instituições. A direção e coordenação apontaram para esse fato

quando interrogadas sobre qual o apoio oferecido pela SMED para o trabalho inclusivo:

[A SMED] Encaminhou estagiárias para atender as crianças. A acompanhante do Núcleo de Inclusão (Lauzir), a acompanhante Pedagógica (Tânia) e a acompanhante da Merenda (Lourdes), sempre nos ajudam a pensar estratégias de ação. (Vice Diretora Lila, entrevistada em 23/06/2010). A PBH oferece uma educação de qualidade porque é rica em materiais, recursos, estrutura financeira para excursões. Professores que não trabalham, é porque não querem. Na inclusão, há mais qualidade porque a criança está ganhando, mas faltava melhorar o atendimento. (Coordenadora Juliana, entrevistada em 07/06/2010).

As professoras, de um modo geral, reconhecem as Proposições Curriculares, mas são

bastante críticas com relação aos resultados práticos delas. Quando as dirigimos a mesma

interrogação de apoio da SMED, disseram:

Escola inclui, mas muitas vezes não tem como assistir. Não tem condições para acompanhar. (...) Vejo que a lei determina. Por parte dos órgãos públicos não vejo empenho. O estagiário, atualmente, para dar suporte, precisaria conhecer os casos com quais irá lidar e ter treinamento. Secretaria de Educação precisa investir mais e ter o olhar diferenciado. (Professora Lice, entrevistada em 07/06/2010).

Falta apoio às vezes, trocas. (...) Há uma política de participação da criança diferente que é seguida. (Professora Rita, entrevistada em 07/06/2010). Eu vejo a falta de suporte ao profissional, à criança. Também vejo que deixa a desejar, a relação que eles tem com o grupo acho muito vago, o pessoal da inclusão da PBH vem muito pouco à escola, não traz um médico, não conversam com todos que lidam com as criança, desde o porteiro que eu acho que é importante também. É, acaba que o estagiário é meio que jogado, ele não é direcionado para o que ele pode ou não pode fazer, o que é melhor para a criança, o que não é. Nem o professor, no que a criança consegue avançar ou não. Acho que eles colocam a criança atualmente mais para cumprir a lei, não no bem estar da criança, para oferecer o melhor para ela, para ela progredir. (Professora Maria, entrevistada em 10/05/2010). [A Lauzir, Responsável pelo Núcleo de Inclusão] vem aqui. Mas, como são muitos casos, prioriza de acordo com as necessidades. (Professora Isabele, entrevistada em 10/05/2010).

38 Documento Específico da PBH, complementar aos RCNEI, que pretende constituir-se como material de apoio ao trabalho dos educadores com enfoque na discussão ampla e coletiva do currículo da rede municipal de ensino para a Educação Infantil.

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Deste modo, as Proposições Curriculares da SMDE trazem, em seu texto preliminar,

um projeto de cultura comum que deve ser desenvolvido com as crianças em experiências

educativas de aprendizagem numa perspectiva de direito à formação integral. Ressalta ainda

que não pretende ser uma forma de condução dos trabalhos educativos por ser uma proposta

de construção coletiva em toda rede escolar, assim como na escola observada.

4.3 A Escola Municipal Professor José Braz39

A escola municipal que foi acompanhada nesta pesquisa localiza-se na região oeste de

Belo Horizonte, caracterizada como local de atuação de uma grande mineradora e empresas

multinacionais, rodeadas de residências dos seus trabalhadores diretos e indiretos, além do

intenso comércio. Situa-se próxima da linha férrea que separa o centro comercial do Barreiro

e a Avenida Tereza Cristina, no limite entre os municípios de Belo Horizonte e

Contagem. Por tratar-se de uma escola da rede municipal, recebe as crianças residentes na

cidade de Belo Horizonte, embora esteja localizada no limiar dos municípios. Este fator gera,

inclusive, questionamentos da comunidade que não entende o fato da escola atender crianças

que moram longe, porém em BH, e não contemplar vizinhos, por sua vez de Contagem. A

região também apresenta áreas de risco em decorrência de enchentes e inundações.

A escola ainda não foi transformada numa Unidade Municipal de Educação Infantil,

mas atende apenas crianças na idade 2 anos e 8 meses até 5 anos e 8 meses. Estas crianças

provêm, em sua maioria, de pais jovens – entre 21 e 40 anos de idade – com nível de instrução

correspondente ao ensino fundamental incompleto, que trabalham normalmente em atividades

informais: pedreiros, faxineiras, vendedores, eletricistas, conforme descreve o Projeto Político

39 O Professor José Braz (1924-1983) nasceu em Vargem Linda, Município de São Domingos do Prata (MG). Era filho de Arthur Braz e Alice de Assis Fraga e teve seis irmãos. Estudou no Colégio Arquidiocesano de Ouro Preto e foi Membro efetivo do Grêmio Literário Tristão de Athaíde, também daquela cidade. Trabalhou e lecionou durante mais de 10 anos no Colégio Anchieta, em B. H., onde prestou muita colaboração, dando vazão à sua forte inclinação para as Letras e o Magistério. Em reconhecimento à sua amizade e dedicação, recebeu da direção do Colégio Anchieta carinho e respeito, através da homenagem de colocar seu nome em uma das escolas da rede municipal, decretada pelo Dr. Newton de Paiva Ferreira Filho, quando Secretário Municipal de Educação da prefeitura de BH. Foi também, comerciante e industrial no ramo de panificação, com marcante passagem pelo sindicato. Prestou serviço à editora Delta, tendo ali sido premiado como um dos seus mais atuantes e dinâmicos promotores de vendas, o que demonstrou mais uma vez sua grande tendência para a divulgação das letras e da cultura.

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Pedagógico (2006) da escola. Este documento aponta ainda que poucas famílias são atendidas

pelos programas assistenciais do governo.

Figura 5 - vista da região onde está situada a escola, sobre um viaduto de acesso ao local.

Fonte: Arquivo do autor

A primeira iniciativa de educação voltada para as crianças surgiu na sede da Associação do

Bairro que ficava atrás da linha de trem que atende à mineradora - que pode ser vista na

primeira foto, onde está a segunda passarela, de telhado amarelo. Destaca-se que o local havia

sido anteriormente um matadouro de animais, depois foi uma horta coletiva, em seguida foi

construído um prédio para o funcionamento da Associação do Bairro, que disponibilizava

seus espaços para favorecer às demandas da população, de encontro para reuniões e de espaço

para o cuidado das crianças enquanto as mães iam para o trabalho. Hoje este local foi

transformado em uma passarela de travessia de pedestres sobre a linha de trem, com uma

praça com brinquedos e entrada para o shopping da região. Conforme descreve Lima (1989):

“Nada é mais dinâmico do que o espaço por que ele vai sendo construído e destruído”.

(LIMA, 1989)

Com o passar dos anos, o tráfego aumentou consideravelmente e devido ao grande

risco de acidentes a Associação conseguiu em 1982 que a PBH adquirisse um terreno nas

proximidades. Contudo, pode-se perceber que após a aquisição, as famílias proprietárias do

lote não saíram totalmente do terreno, sendo a geometria da escola recortada por casas

residenciais, conforme descrevem a diretora e sua vice. Elas pontuam também que há três

mandatos existem projetos de uso desses espaços pela escola em parceria com a prefeitura,

mas as negociações não fluem e os moradores não saem do local, mesmo já tendo sido

indenizados.

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Figura 6 – Vista da entrada da escola

Fonte: Arquivo do autor

É num espaço físico que a criança estabelece a relação com o mundo e com as pessoas, e ao fazê-lo esse espaço material se qualifica (...) o espaço em que se vive, ou o que a memória preserva, funde em si tanto o calor do ambiente e a cor das paredes quanto a alegria e a segurança que nele se sente. O espaço material é, pois, um pano de fundo, a moldura, sobre a qual as sensações se revelam e produzem marcas profundas que permanecem... (LIMA, 1989).

Assim, em 1993 a escola – nomeada de Jardim Municipal Professor José Braz, que

será referida a partir daqui com a sigla EMPJB, atuava em sua sede própria: “um prédio com

dois blocos”, conforme documenta o Projeto Político Pedagógico (PPP, 2006), atendendo um

universo de 236 crianças, distribuídas em 12 turmas, em dois turnos. É destaque no PPP que o

prédio construído inicialmente para o “Jardim” ainda não comporta a demanda de crianças da

comunidade nesta faixa etária na região.

A EMPJB traz como fins e objetivos para o seu trabalho os art.1º e 4º do Parecer do

Conselho Municipal de Educação:

A educação infantil... constitui um direito da criança de 0 a 6 anos, a que o Estado tem o dever de atender, complementando a ação da família e da comunidade. A educação infantil norteia-se pelos princípios da igualdade, liberdade, ideais de solidariedade, tendo por finalidade o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, afetivo, cognitivo, social, contribuindo para o exercício da cidadania e pautando-se: I- No respeito à dignidade e aos direitos das crianças em suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas sem distinção; II- Numa concepção que faz do brincar a forma privilegiada de expressão, de pensamento e de interação da criança; III- Na garantia do acesso aos bens sócio-culturais e artísticos disponíveis. (CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÂO, 2006, p. 6).

Nesta perspectiva, a EMPJB almeja, conforme descrição em seu PPP (2006),

promover a inserção da criança no espaço da escola de forma agradável além de lhe

oportunizar desenvolvimento cognitivo de aquisição de autonomia, hábitos, habilidades e

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atitudes positivas frente a um ambiente tranquilo e acolhedor. Assim, também há descrição de

seus objetivos no trabalho com as crianças: promover indiscriminadamente o seu

desenvolvimento integral, descritos acima, complementando a ação familiar e contribuindo

para a integração daqueles com necessidades especiais; ser fiel aos princípios da dignidade e

aos direitos das crianças; “trabalhar para elevar a autoestima individual e coletiva dos alunos”;

valorizar hábitos e cuidados com a saúde e bem estar; estimular a observação, fomentando a

curiosidade para contribuir com a conservação do ambiente; utilizar de diferentes linguagens

para enriquecer as formas significativas de expressão humanas (corporal, musical, plástica,

oral, escrita); “planejar a utilização do espaço garantindo condições de segurança”; organizar

o tempo com “possibilidades diversas de atividades nos diferentes eixos de trabalho (...) como

elemento facilitador das percepções infantis” para reconhecer a rotina; promover interação

geral dos membros do espaço escolar.

No documento desta instituição de educação infantil, a concepção de criança aparece

descrita como um sujeito social e histórico, cidadã, portadora e produtora de cultura,

demonstrando uma redação com avanço conceitual considerável em relação à criança

enquanto categoria etária inventada no século XVIII. (SCHERER, 2009). A infância é

considerada no PPP da escola como um tempo em si e não uma “preparação para”, um tempo

para brincar, jogar, sorrir, chorar, sonhar, desenvolver, interagir com o outro e com o mundo,

apresentando um sistema de infância conforme aquele instituído por Rousseau (2004), onde a

pedagogização integral da criança, passa a ocupar o centro das atenções a partir da Era das

Luzes e que precisa ser orientada para assegurar a coerência do campo social. A escola, apesar

de um discurso contemporâneo, cumpre atribuições da era moderna de “desnaturalizar o

homem”, de transferi-lo do seu eu para a unidade comum a partir daquilo que a criança traz

em sua essência: a ação! “Viver não é respirar, mas agir!” (ROUSSEAU, 2004).

Vale acrescentar que no PPP (2006) também tem a descrição das atribuições de cada

função existente na escola, assim como tem a relação das atribuições da família e do

colegiado, a organização da dinâmica cotidiana, dos eventos realizados anualmente, conforme

pode ser conferido nos anexos.

Em relação à questão da inclusão, o documento apresenta, inicialmente, uma breve

descrição identificando como projeto a busca profissional pela formação para “lidar com os

portadores de necessidades especiais”. Aponta a inquietação e o desafio causados na escola

com a normatização destes sujeitos nas classes regulares, uma vez que o que se espera não

mais é a adaptação do sujeito à escola, mas sim que esta se transforme de forma a possibilitar

a inserção daquele (PPP, 2006, p.26). À página 33, o capítulo XIII aborda sobre a legislação

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vigente que garante às pessoas com necessidades especiais o direito de participarem da vida

social, sendo a escola um espaço privilegiado de convivência. Descreve que na maioria das

escolas, assim como nesta, não há qualificação profissional adequada e estrutura material

apropriada. “Outro problema” descrito é a falta de integração da escola com as instituições da

saúde. O documento elenca, ainda, os compromissos dos profissionais da escola: estudar as

deficiências; debater sobre o tema da inclusão; buscar alianças; promover a formação dos

pais; avaliar constantemente o trabalho. (PPP, 2006, p.34). No entanto, dados obtidos através

da observação permitem afirmar que essa formação não ocorre a contento na escola

pesquisada, uma vez que até maio, as reuniões pedagógicas que aconteceram foram apenas

discussão de eventos coletivos na escola: carnaval, aniversário da escola, páscoa e festa

junina.

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Figura 7- É necessário determinar aqueles que são diferentes

Fonte: Tonucci, 1997

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5 E A VIDA ELA É MARAVILHA OU É SOFRIMENTO?

E a vida Ela é maravilha

Ou é sofrimento? Ela é alegria Ou lamento?

O que é? O que é? Meu irmão... (GONZAGUINHA,1982)

5.1 “A gente dá a mão a ele, aí ele vai”: a perspectiva da criança

Eu gosto [dele]. Porque ele é especial. Porque ele ainda vai aprender.

O que pensam as crianças sobre a inclusão

Ao passar cinco meses acompanhando a rotina das crianças na Escola Municipal

Professor José Braz, verificamos que elas interagem reciprocamente com todos os colegas

desde que os combinados40 prevaleçam. No recreio, por exemplo, todos podem jogar futebol,

desde que ninguém pegue a bola só para si, como fez um dia Matteo41. Com a manifestação

da garotada, os adultos que acompanhavam este momento interferiram tomando a bola de

Matteo e devolvendo ao grupo. Diante desta atitude, Matteo começa a chorar (sem lágrimas) e

tira suas roupas. Sua mãe, que estava na escola, lhe aplica umas palmadas. Os demais colegas

continuam sua brincadeira, outras crianças param o que estão fazendo e olham para a cena,

Matteo chora mais, mas se veste. E tudo volta ao estágio anterior da brincadeira, até que o

recreio acaba e todos têm que mudar de espaço e atividade obrigatoriamente.

A rotina da escola está alterada em razão da presença da mãe de Matteo, que

permaneceu na escola como auxiliar de seu filho até chegar a estagiária – de abril a maio a

pedido da professora 2, sob a alegação de que precisava garantir a segurança da criança por 40 Regras construídas, às vezes com as crianças, às vezes somente pelos adultos de forma a garantir o desenvolvimento de ações, extraídas de processos de negociação entre os sujeitos, que respeitam a situação social e histórica e o sistema de práticas em que se inserem as atividades concretas. Nesta escola, houve situações em que as regras eram discutidas apenas entre os adultos, cabendo às crianças segui-las. 41 Os nomes das crianças foram escolhidos por elas na maioria dos casos, quando não podiam fazê-lo atribuímos nomes fictícios a fim de preservar suas identidades.

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sair muito da sala sem autorização e de que precisava exercer com os outros o trabalho

pedagógico. Ao entrevistarmos as crianças sobre a ação da mãe, dizem que Matteo precisa de

alguém que possa bater nele porque tira a roupa. Elas dizem gostar dele, desde que não mexa

nas coisas delas e divida os materiais que a professora coloca na mesa no momento de

atividade de registro (os trabalhinhos).

Em uma turma de outro turno, todos interagem com coleguismo. Mesmo Sofia não se

expressando verbalmente, está sempre inserida nas atividades e brincadeiras das crianças.

Nesta mesma turma, todos querem transportar Marina. Ser cadeirante é um atrativo que

aproxima os colegas que buscam auxiliá-la. Levar até ela os materiais para a execução da

atividade pedagógica é sempre disputado pelos demais alunos da turma. Sofia, que em alguns

momentos precisa de apoio para dosar suas manifestações de carinho com os colegas, está

sempre a beijar Marina. Na entrevista com Alan e Valquíria, citaram que Marina deve gostar

muito dos colegas na escola porque está sempre feliz quando eles estão perto dela. Disseram

também que a Sofia deve gostar mais da professora porque fica muito feliz quando está em

sua companhia.

Em outra turma, as crianças entrevistadas, Chocolate e Branquinha, descrevem que a

colega tem problemas no pé e na boca porque não anda e não fala e já tem 5 anos de idade.

Dizem das várias formas que a ajudam em sala e nos demais espaços desde que permitido

pela professora: se for aquela professora Maria brava, não deixa a gente ficar perto dela e, em

seus relatos, compreendem as ações agressivas desta, como por exemplo, a prática de puxar o

cabelo das crianças como forma de repreensão.

Em outra turma ainda, as crianças Gabriela e Cauã apontam como aspectos negativos

na sala atitudes como bater, morder, chutar, referindo-se a colegas variados que tem esse tipo

de ações durante a aula sem mencionar a criança com síndrome. Apontaram que o problema

de Lucas é não saber desenhar, então eles ajudam: eu desenho para ele... Dando um beijinho,

mas bater não, né?! Ele é nosso amiguinho e temos que dar carinho e não bater. No recreio

apontaram que Lucas brinca de corre cutia direitinho: ele corre e a gente vai atrás, assim como

de bolinha de sabão.

Em mais uma turma deste turno, tem-se Luana e Patrick que também apontam as

necessidades específicas de um colega que apresenta dificuldades motoras e cognitivas leves.

Quando lhes perguntamos se algum colega precisava de ajuda, disseram:

O Murilo precisa de ajuda, porque a perninha dele não nasceu direito. A gente dá a mão a ele, aí ele fica só na pontinha do pé e vai. Ele faz um monte de coisas. Ele não aprendeu foi a ler, ele só rabisca. Mas a mão dele torta, né?! (...) Eu ajudo. Não, é a

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professora! Mas outro dia eu ajudei ele, porque a professora 6 deixou... (Patrick, entrevistado em 16/06/2010)

A professora Cecília desta turma aprova as ações das crianças com os colegas com

necessidades educacionais especiais.

Descrevemos a seguir mais um episódio, ocorrido no recreio, para demonstrar a

cumplicidade que as crianças assumem ao se sentirem seguras quando ouvidas pelos adultos.

Um colega evacuou muito no escorregador. Eu estava dentro da casinha de bonecas,

brincando com outras as crianças. No pátio ainda havia duas professoras e uma auxiliar da

limpeza, observando o recreio. Algumas crianças eufóricas vieram até mim e solicitaram

ajuda, descrevendo o fato. Orientei-as a chamar as professoras ou a auxiliar. Passados dez

minutos, aproximadamente, as crianças retornaram ainda mais agitadas, pois o colega ainda

estava sujo ao lado do escorregador, sem nenhuma ajuda de adultos. Questionados sobre a

busca do apoio dos demais adultos que acompanhavam aquele momento, disseram que iriam

esperar a professora daquele colega chegar. Quando me dirigi imediatamente para auxiliar o

garotinho à higiene e ofereci minha mão para conduzi-lo ao banheiro – o que foi aceito

imediatamente, as demais crianças bateram palmas aos sons de várias risadas e gritos de

vitória! O episódio é emblemático da não escuta dos adultos às crianças. Elas continuam não

sendo ouvidas, permanecem sem voz e sem poder alterar as situações que lhes são impostas.

Quando verificam a ação de algum adulto na direção de seus apontamentos, elas se sentem

reconhecidas como sujeitos e comemoram como uma vitória.

Em outra turma, Carol e Artur descrevem que o colega com necessidades educacionais

especiais não participa das atividades porque bate. Então, ele está sempre afastado do grupo

ninguém não senta muito com ele não... Põem o carrinho dele afastado da gente... Ele não vai

para a rodinha não, porque ele fica no carrinho, porque se alguém senta perto dele, pode bater

ou morder. Todavia, dizem gostar dele: eu gosto. Porque ele é especial. Porque ele ainda vai

aprender. Porque a gente pode ensinar ao Carlos a aprender muitas coisas.

Nestes exemplos, percebe-se a espontaneidade com a qual as crianças se envolvem

com seus pares sem distinções, até que os adultos delimitem questões, promovam regras de

socialização e interação entre as crianças. Descrevendo ainda sobre o recreio, um intervalo de

20 minutos de encontro das seis turmas da escola no pátio de trás – que pode ser visualizado

nas fotos abaixo – todas as cento e vinte crianças do turno interagiam entre si, escolhendo

suas brincadeiras e estabelecendo suas regras. Apenas se percebem ações discriminatórias

quando há interferências dos adultos. Por exemplo, Carlos só se relacionava com a estagiária

que o acompanhava e outras crianças só se aproximavam dele quando ela permitia, o que para

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ela era uma forma de protegê-lo para não se irritar e bater nas outras crianças. Esta estagiária

estava orientada pela professora a ficar sempre muito próxima ao Carlos para garantir sua

segurança e a dos colegas. No espaço do recreio, que atendia 120 crianças ao mesmo tempo,

tinham-se poucas opções de brinquedos, mas sempre criavam interações sobre os objetos,

sobre as plantas e os espaços.

Figura 8: Pátio de trás: do fundo para frente. Figura 8: Pátio de trás: da frente para o fundo.

Fonte: Arquivo do autor Fonte: Arquivo do autor

Figura 9: A casinha de bonecas, vista externa e interna.

Fonte: Arquivo do autor

O pátio estava com uma determinada área isolada para reforma. Esta área era

composta de areia e brinquedos de ferro, mas devido às chuvas no início e no final do ano

decidiu-se colocar um piso emborrachado e outros brinquedos mais seguros para as crianças

em qualquer estação do ano. Esta reforma, prevista para janeiro de 2010, só foi finalizada em

novembro de 2010, permanecendo o espaço com uma área isolada do acesso das crianças.

Nessas cenas, não aparecem as crianças, conforme propõe o Estatuto da Criança e do

Adolescente no artigo 17, de forma a respeitar a inviolabilidade de suas integridades, o que

abrange a preservação da imagem.

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Figura 10: Vista do piso de emborrachado aplicado no espaço que tinha areia.

Fonte: Arquivo do Autor

Figura 11: O pátio após a reforma de mudança, com os brinquedos de ferro isolados num pequeno espaço e o acréscimo dos brinquedos de plástico junto ao piso de emborrachado 42.

Fonte: Arquivo do Autor

As crianças entenderam rapidamente as intervenções dos adultos nas suas interações e

ajustaram suas condutas diante das normas impostas ou construídas com elas. Elas

demonstraram acolhimento a qualquer colega: menino, menina, mais velho, mais novo,

especial, mais agitado, mais quieto, desde que o sentimento de respeito, a elas e às regras,

fosse recíproco. Toda vez que alguém se manifestava com atitudes mais agressivas,

rapidamente os demais se afastavam e procuravam novas brincadeiras, novos colegas e, se os

adultos interviessem, esperavam para verificar a mudança de comportamento do colega que

incomodou a organização de pares estabelecida antes para retornarem às mesmas

brincadeiras. Nos espaços internos, sala de aula, principalmente, cantina e banheiro, crianças

demonstravam normalmente auxílio e cumplicidade para com todos os colegas, desde que

houvesse cumprimento das regras gerais ou, se em acordo, quisessem experimentar novas

possibilidades nesses espaços – como lanchar rapidinho para ir ao pátio e brincar enquanto os

outros colegas terminassem; disputar brinquedos nas salas; jogar água no espelho do banheiro

para ver as reações de outros colegas e efeitos da ação – foram alguns exemplos

42 Estas fotografias foram inseridas no trabalho a fim de facilitar o entendimento do leitor sobre o vínculo das crianças com espaço escolar, demonstrando concretamente quais brinquedos dispunham para conviver o tempo da escolarização.

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acompanhados durante o período de permanência na instituição e anotados no caderno de

campo. As crianças também demonstram cumplicidade nas ações, independente do colega que

as acompanhavam.

Questionadas a respeito da importância da escola em suas vidas, todas as crianças

apontam o reconhecimento desta instituição enquanto local privilegiado de convivência e

aprendizagens, além da ludicidade:

A escola é legal para brincar... (Kaíque, entrevistado em 10/05/2010). É... faz pontinhos ai: primeira – quando a gente anda de velotrol; brinca no parquinho; traz brinquedo na segunda-feira (eu trouxe um cachorro e um boneco); a piscina. Só que a piscina está estragada. Os brinquedos de montar... (Branquinha, entrevistada em 10/05/2010). A gente tem que estudar muito e a escola vai ensinando, né Branquinha? É, eu já sei escrever uma receita! ( Chocolate, entrevistado em 10/05/2010). A escola é boa... é para brincar. Porque é boa... Brincadeiras, meus amigos brincam comigo. Todos eles. Tem muito brinquedo aqui que eu gosto. (Cauã, entrevistado em 28/05/2010). Eu venho para a escola porque eu acho legal! (Luana, entrevistada em 16/06/2010) Para aprender a ler, eu quero aprender a ler! (Patrick, entrevistado em 16/06/2010). Eu venho para a escola porque senão vou ficar trancado sozinho lá em casa. E eu, para não ficar burra! (Antônio, entrevistado em 16/06/2010). Porque aqui a gente faz muita coisa legal: aprender a desenhar, a colorir, a não bater, o alfabeto, as vogais. (Carol, entrevistada em 16/06/2010). Porque vai me fazer crescer. Porque estuda muito. Eu quero ajudar meu tio a construir uma casa para a minha prima. Eu carrego 1 ou 2 tijolos, sabia? (Kaíque, entrevistado em 10/05/2010).

Elas (as crianças) também apontam a importância deste espaço para os outros colegas:

A Marina vai aprender a pintar, andar, comer... Brincar sozinha... (Mara, entrevistada em 16/06/2010). Ele ainda vai aprender a ler. Ele não aprendeu a ler, ele só rabisca. (Luana, entrevistada em 16/06/2010). O Carlos vai aprender a colorir, fazer tudo. Fazer o para casa. Escrever. (Cauã, entrevistado em 28/05/2010).

Todas as crianças entrevistadas apontaram que a maioria dos colegas com

necessidades educacionais especiais são felizes e gostam da escola. As crianças detectam tal

sentimento pela satisfação dos colegas no período em que estão na escola. Eles riem, eles

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gostam de beijar, gostam quando recebem beijinhos. Apenas uma criança apareceu em

destaque negativo. Colegas disseram que Carlos não deve gostar da escola, como na

afirmação de Branquinha: “eu acho que não gosta muito, não, porque ele só fica chorando,

querendo a faxineira dele”. As crianças apontaram ainda que talvez o colega não seja feliz,

por não falar e só chorar, ‘toda hora’, além de Sérgio dizer: “Ah, mas também ele é

doentinho”! Carlos, apontado como uma criança triste pelos colegas é aquela que fica sempre

com a estagiária. Não participa dos desafios cognitivos junto com a turma, nestes momentos

ele e a estagiária saem da sala para dar uma volta, pois em razão de suas necessidades

educacionais especiais ele não conseguia desenvolver as atividades propostas para o grupo de

sua turma. Nos momentos de roda, ele ficava assentado em um carrinho de bebê afastado do

grupo. No recreio e demais momentos de brincadeiras, ele estava exclusivamente com a

estagiária.

As percepções das crianças eram críticas em certos casos e solidárias em outros, elas

tinham uma percepção muito precisa das posturas dos adultos e das atitudes das crianças. Elas

demonstraram parte daquilo que Montandon (2001) analisou e que descrevemos inicialmente.

De um lado, as crianças já são percebidas como um grupo de idade que recebe diferentes

dispositivos, porém que continua escolar e muitas vezes dependente das ordens e perspectivas

dos adultos. As relações entre gerações alteraram: as crianças sabem com quais pessoas –

sejam crianças ou adultos – podem negociar e sabem mais, com quais adultos tem que ter

postura completamente submissa em atos de disciplinamento exacerbados por esses.

São essas as percepções das crianças. Elas disseram dos colegas, dos adultos que

compartilhavam com elas de suas rotinas. Elas elaboravam sobre os espaços da escola, dos

tempos das atividades e da importância da socialização e das aprendizagens em suas vidas,

assim como em certos casos reproduziam o pensamento predominante da sociedade, sejam

através das ações dos adultos, sejam por suas falas, seus silêncios, suas posturas, mas de

forma interpretativa e não apenas reprodutivista como pudemos observar nos depoimentos e

como propõe. (CORSARO, 2005).

As crianças reconheceram as diferenças, compreenderam os desejos dos colegas,

comunicaram-se e se interagiam espontaneamente. Criaram e recriaram brincadeiras e ações

no sentido da aproximação com qualquer colega. Porém, quando percebiam que os adultos

têm outras perspectivas, alteravam suas posturas com os colegas para não serem punidas nos

espaços coletivos, pois a maioria delas reconhecia que suas vozes nem sempre são escutadas,

seus motivos considerados, seus desejos realizados. Mais uma vez, as constatações de

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Montandon (2005) e Fernandes (1979) se evidenciavam, pois as crianças têm uma visão

informada de seus papeis e das qualidades que delas são esperadas.

5.2 “A gente não é preparado para receber esses alunos”: a perspectiva dos adultos

Os adultos – professoras, coordenadoras, direção, auxiliares da limpeza, porteiros,

secretária, representante do Núcleo de Inclusão da PBH, além de pais e familiares – também

foram ouvidos nesta pesquisa, uma vez que são tão protagonistas quanto as crianças no

ambiente escolar. Faremos aqui a sistematização de suas considerações e ações ao longo do

período de acompanhamento da instituição com a intenção de complementar a perspectiva das

crianças para a compreensão daquele espaço escolar em relação à inclusão, observado durante

o período da pesquisa.

Em uma das entrevistas, Lauzir, representante do núcleo de inclusão da Gerência

Regional de Educação do Barreiro (GERED), convidada a assumir esta função, após ter

desenvolvido projeto de matemática enquanto docente no 3º ciclo do Ensino Fundamental

(alunos de 12 a 14 anos de idade) que promoveu alto envolvimento dos alunos com

necessidades educacionais especiais de suas turmas e aprendizagens, segundo seu relato, nos

contou que a equipe da inclusão da regional Barreiro é formada por ela junto a mais três

professoras da rede de ensino de BH, cada uma acompanha em média 12 instituições, sendo o

número de UMEIs e escolas igual para todas. A distribuição do atendimento, segundo a

entrevistada, se deu sob o critério de proximidade com a região da residência de cada uma

delas.

A SMED tem ainda o Núcleo de Apoio, com mais três pessoas que recebem as

demandas do município e encaminham às regionais assim como promovem capacitações aos

docentes e aos membros dos núcleos de inclusão. O tema mais abordado nas capacitações está

relacionado às condições para a alfabetização, pois nas escolas de ensino fundamental,

aparecem problemas sérios no momento escolar no qual esta habilidade é uma exigência. A

filosofia do núcleo de inclusão é desenvolver a perspectiva de que todas as crianças são

especiais, principalmente para suas famílias, e que cabe à escola construir formas de trabalho

que atendam também às crianças com “deficiência”, uma vez que incluir é estender o

atendimento e o processo de ensino/aprendizagem independente de quem o procura, mas

buscando-se a excelência para todos.

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Ela descreveu que as escolas de educação infantil e, principalmente, as UMEIs são as

meninas dos olhos da prefeitura, pois a PBH acredita que as crianças, todas elas – com ou sem

alguma “deficiência”, entrando na escola desde muito pequenas (1 ano) poderão obter muito

mais aprendizagens, uma vez que a escola, a família e a área da saúde terão mais

oportunidade de estarem em total parceria. Já vimos anteriormente, no item 4.1 (A construção

social da infância: do direito à Educação Infantil), que Kramer (1984), Rosemberg, Campos e

Ferreira (1995) e Kuhlmann Jr (2000) discordam plenamente desta questão, considerando esse

argumento como uma forma compensatória para o atendimento às crianças. E, ainda, em

relação a essa proposta de articulação entre as instituições que atendem às crianças, há uma

completa desarticulação: o Núcleo de Inclusão não consegue atender adequadamente à escola

e às professoras. A escola não consegue se reunir com as famílias, muito menos com as

equipes de saúde de cada criança, demonstrando que as propostas não estavam acontecendo

conforme sua proposição.

Lauzir afirmou, ainda, que a convivência de uma criança com “deficiência” junto às

demais promove um referencial de sociedade mais respeitosa garantindo inclusive o direito à

alfabetização às pessoas com alguma síndrome, autistas, com déficit de atenção e outros,

evitando o que se tem hoje na rede pública de BH: alunos com 14 anos de idade

encaminhando para o Ensino Médio sem saber ler e escrever. Ela apontou para a importância

e responsabilidade do papel pedagógico da equipe docente, que sempre a indica alunos com

problemas para aprender, solicitando dela análise dos casos para posteriores indicações de

ajudas extraescolares. Relatou que a postura da equipe de inclusão tem sido de abordagem à

equipe pedagógica para refletir sobre a própria prática para se evitar jogar o problema para

frente. Toda instituição deve criar proposta de trabalho que atenda a todos os seus alunos,

independente do tipo de dificuldade/necessidade que eles apresentem: O professor está sendo

formado e contratado para isso e não para passar por psicólogo, psicanalista ou que quer que

seja. Então a equipe da inclusão descreveu ter por tarefa auxiliar a escola a criar as

alternativas e possibilidades para favorecer a aprendizagem dos discentes.

A entrevistada descreveu as ações recentes da PBH para favorecer a aprendizagem de

todos: o primeiro foi garantir o acesso de todos na escola comum; o segundo foi a criação de

uma sala de recursos para o contraturno43 - que estava sendo revista pelas questões práticas e

43 Atividade pedagógica lúdica, exercida em espaços cedidos pela PBH, com os próprios professores da rede atuando, que deveria ser realizada em horário diferente ao da escola regular para ajudar alunos a superarem suas dificuldades.

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funcionais, pois esta sala era um ambiente de complemento e enriquecimento ao trabalho do

turno regular e estava sendo entendida como uma substituição deste; a terceira ação foi a

...contratação dos estagiários – estudantes de nível superior da área de educação – de apoio à inclusão para auxiliarem o professor no atendimento cada vez mais individualizado às crianças com deficiência no trabalho pedagógico e contribuir nas atividades cotidianas para o desenvolvimento da proposta pedagógica e da interação dos estudantes com agrupamentos de pares de idade, bem como nas atividades escolares gerais. (Lauzir, entrevistada em 30/09/2010).

As mais recentes ações foram: criação do Núcleo de Inclusão para assessorar no

trabalho, uma vez que os desafios do trabalho com as deficiências ainda estavam postos no

dia-a-dia escolar e adequação e construção de prédios acessíveis e disponibilidade de

materiais que favoreçam à inclusão até o final de 2011. Os projetos atuais para auxiliarem aos

educandos são: Auxílio Extra Escolar com Libras para estudantes surdos que se estende

também às famílias, Projeto de Alfabetização e Letramento para estudantes cegos com o

Atendimento Educacional Especializado para apoio a estudantes e professores, Projeto de

Socialização para alunos com Autismo, no qual um profissional do Núcleo de Inclusão vai à

escola acompanhar o desenvolvimento do processo da criança, o Centro de Apoio ao

Professor e ao Estudante (CAPE) que amplia materiais escritos como livros didáticos ou

outros solicitados pelos professores para alunos com baixa visão e o Programa Saúde na

Escola que iniciou em 2010 com a avaliação de especialistas, dentre eles psicólogo e

fonoaudiólogo, e posterior encaminhamento ao acompanhamento extra escolar. Segundo a

entrevistada, a articulação interssetorial da educação com a saúde deveria ser rotineira, no

entanto, este dado quando confrontado com outros depoimentos não se confirma, como

veremos mais adiante. Os desafios naquele momento em que acontecia a entrevista,

enfrentados pelo Núcleo de Inclusão diziam respeito às crianças com necessidades

educacionais especiais no ensino fundamental que foram para a rede após o fechamento das

escolas especiais e o boletim eletrônico44, que não expressa as peculiaridades e

especificidades de cada criança com deficiência com a intenção de não excluir, de não

discriminar.

Todas as professoras descreveram a regularização da inclusão como uma ação política

positiva para todas as crianças, mas “jogada”. Afirmaram ter pouca orientação sobre como

trabalhar com cada caso especial e ter raros momentos de encontros para reflexão do tema e

44 Documento emitido pelas escolas da rede de ensino municipal de Belo Horizonte no sistema on-line da prefeitura para que as famílias tenham mais acesso ao aproveitamento escolar de seus filhos. Contudo ele tem um padrão único, não permitindo à equipe pedagógica alterar os campos e alternativas conforme demandas específicas das crianças na Inclusão.

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de estratégias, seja com a família, com demais profissionais que acompanham as crianças,

com os próprios funcionários da rede da PBH e muito menos com as estagiárias que as

acompanham. As professoras reconhecem apenas o esforço da direção da escola em apoiá-las

no trabalho, fornecendo os materiais solicitados ou algum suporte humano quando é possível

na dinâmica institucional.

A gente não é preparado para receber esses alunos. Tem hora, dia que fica sem saber que tipo de atividade, dependendo do caso... da necessidade da criança, a gente não sabe como agir... Não tem um especialista para dar uma noção para a gente de como trabalhar com esta criança. É... os outros ficam um pouco excluídos para que se haja a inclusão. (Professora Janete, entrevistada em 07/06/2010)

Algumas professoras não sabiam que as crianças da inclusão tinham suas matrículas

compulsórias com a exigência da entrega de laudos médicos na secretaria escolar sobre cada

caso. Algumas pontuaram que não tinham acesso ao laudo médico, contudo, para todas as

crianças os laudos estavam arquivados em suas pastas na secretaria desta escola, conforme

observado durante nosso levantamento documental. Outras professoras pontuaram que mesmo

tendo acesso ao laudo não conseguem sequer entender a letra do médico que o elaborou, o que

dificultava suas pesquisas a respeito das necessidades de cada caso especial que receberam.

Verificamos que a proposição do PPP (2006) da EMPJB de promover estudos e

debates sobre as deficiências e a própria inclusão, reforçada no Plano de Trabalho Pedagógico

para o mandato da atual direção na dimensão de gestão do processo ensino-aprendizagem de

qualidade para todos, foi considerado insatisfatório pela equipe docente principalmente

quando perguntado a elas sobre a oferta de condições para o trabalho inclusivo da escola:

A educação inclusiva veio para dar uma oportunidade para aquele que tem uma necessidade a mais que as pessoas ditas normais. Mas, na realidade não é sempre o que acontece por n motivos: falta de estrutura da escola, falta de acompanhamento clínico, porque o professor não é médico, por isso que ele não consegue estar avançando sozinho e falta de acompanhamento da escola, dos pais, turmas cheias, coisas que são comuns às crianças ditas normais. (Professora Maria, entrevistada em 10/05/2010)

Falta estrutura pedagógica e física. A PBH precisa avançar. A gente precisaria contar com equipe da própria prefeitura. Há contato com as equipes de atendimento das crianças, mas ainda é muito distante. Neste ano, só um atendimento da Marina nos procurou. Os demais apresentaram relatórios escritos trazidos pelos pais. (Coordenadora Juliana, entrevistada em 07/06/2010)

A equipe pedagógica sabe da necessidade dos professores de pesquisar mais, de se

instruir sobre os diferentes casos e desafios de cada ano letivo. Mas, a maioria dos

profissionais da área pedagógica se posiciona de maneira muito alheia às necessidades

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concretas do dia-a-dia escolar. Quando interrogados se havia discussões e capacitações para a

efetivação dos planejamentos, disseram:

Na educação também é necessário pesquisar, reunir, trocar ideias, construir sugestões e ações! Mas, a gente não pode ultrapassar até onde você pode ir. Eu estou numa fase... com a saúde frágil, sabe? (Professora Isabele, entrevistada em 10/05/2010). Eu não tenho muito conhecimento porque a gente tem aqui a acompanhante, que é a Lauzir. Com ela, eu sozinha, não encontrei nenhuma vez. Já teve assim, eu estava no pátio, ela chegou e falou que vinha a estagiária. Mas sozinha com ela eu ainda não tive nenhum encontro. Eu não sei o que está sendo feito. Talvez a direção da escola possa estar... Eu vejo que quando a Lauzir vem, como no ano passado, que eu era apoio, ela vinha e chamava as professoras que tinham portadores e conversava. Mas esse ano, eu ainda não fui chamada. O apoio mesmo é só a direção e coordenação da escola. Tanto que eu nem sei certinho qual o problema da Marta. Ai, um dia eu fui e pedi à coordenadora que tipo de doença, porque eu ia pesquisar. Aí com esse negócio de faltar professor, você fica sem horário de estudo. Mas vou tentar fazer isso... (Professora Janete, entrevistada em 07/06/2010).

Fica explícita, ainda, a falta do suporte físico:

[...] acho que falta muita coisa. Podia ter alguns equipamentos para a gente e a estagiária trabalharmos, igual quem tem dificuldade motora ... barras na sala e no banheiro, elevador, ser mais acessível. (Professora Maria, entrevistada em 10/05/2010).

A dificuldade de percepção sobre as atribuições docentes ficam ainda mais distantes

do trabalho pedagógico consistente quando os profissionais definem os obstáculos a serem

enfrentadas em cada ano escolar à questão do comportamento, da disciplina ou da

indisciplina, como apontou uma professora quando perguntamos sobre como organizava seu

trabalho a partir da perspectiva inclusiva:

Ao meu ver, o que faltava mais para ele era limite, no caso. E a gente não tinha o laudo, então fica difícil de estar falando. E eu tratava ele igual aos outros. E ele não tinha necessidade de ser tratado de outra forma. E é o que a maioria das crianças que não tem o neurológico tão comprometido precisam... (Professora Maria, entrevistada em 10/05/2010).

Outra questão demarcada pela equipe pedagógica é o fraco suporte direcionado ao

estagiário, quando este chega à instituição. Professores e coordenação apontam que eles

entendem pouco da inclusão, assim como os professores. Há alguns que chegam com

iniciativa, outros não (Coordenadora Juliana, entrevistado em 07/06/2010). E, como a própria

estagiária pontuou: não há preparação específica para o tipo de trabalho no curso da prefeitura

que acontece em uma manhã. Não há nada relacionado à questão da inclusão. E, ainda mais

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sério, foi sua consideração para a dificuldade grande dos funcionários em tratar a criança,

referindo-se a ela como a criança do estagiário exclusivamente.

Tanto para os funcionários administrativos, como para os da secretaria, da cantina e

dos serviços gerais, que também tiveram representantes ouvidos neste estudo, a inclusão tem

acontecido de forma positiva. A despeito da falta de formação e atuação indireta nas funções

pedagógicas faz com que estes profissionais avaliem as experiências nesta escola como

importante e positiva para as crianças:

Aqui, todo mundo tem o mesmo carinho, a mesma atenção. Não vejo nada de ruim acontecendo aqui. Às vezes pode até ter coisa para melhorar, né? Como um projeto, um passeio, tem o parquinho aí... (Auxiliar da limpeza Davi Vilas, entrevistada em 23/06/2010).

As famílias da maioria das crianças especiais, que se dispuseram a ser entrevistadas

para esta pesquisa, também apresentaram satisfação para com a escola. Disseram da alegria de

suas crianças em ir para lá, da felicidade de reconhecer o prédio quando chegam. Disseram

ainda, da melhora em casa, depois que passaram a frequentar esta escola, comparativamente

às experiências negativas vivenciadas em outras instituições.

Ela adora vir. Ainda está se adaptando, tudo é novidade. Já vejo que vir para cá a ajuda muito. A escola irá ajudar no desenvolvimento psico e motor, além da fala. (Mãe Palmira, entrevistada em 05/05/2010). Ai, eu gosto de tudo aqui. Para mim, só tinha que vir a pessoa mais rápido para ajudar a professora. Igual, aqui, para mim e para Matteo, é uma família. (Mãe Graça, entrevistada em 06/05/2010).

Todas as famílias apontaram que tirariam suas crianças da escola se percebessem que

elas estivessem sendo tratadas de forma diferente, que estivessem sendo excluídas.

Como verificamos, as professoras demonstraram aquilo que Silva (2010) analisou

como problema para a dimensão do cuidado da Educação Infantil – a professora aborda a

questão na perspectiva de gênero – nós podemos dizer da inclusão: os profissionais

reconhecem a importância da convivência de todas as crianças no espaço escolar, mas

imprimem posturas ambivalentes: delimitam espaços e materiais para as crianças com

necessidades educacionais especiais diferenciados sem qualquer reflexão sobre a

intencionalidade e a repercussão de suas ações para todas as crianças. E quando as professoras

são questionadas se houve momentos de discussão sobre as situações por elas enfrentadas

com a inclusão, todas demonstraram a falta de diálogo e estudo sobre o assunto pelo coletivo

da escola e por parte da prefeitura do município de forma sistemática.

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A maioria das professoras ainda não imprimiu aquilo que Montandon (2001) detectou

em sua pesquisa sobre trabalhos da língua inglesa, o reconhecimento das crianças como

sujeitos nas relações. Imprimem constantemente a postura de disciplinamento para que não se

perca o controle da turma e de cada situação, dispensando repressões constantes.

A almejada inclusão das diferenças ainda é parte utópica na realidade pesquisada. A

integração pode até ser evidenciada, como a recepção das crianças com necessidades

educacionais especiais na escola comum, mesmo assim sob a égide uma ação compulsória por

parte do poder público – a secretaria de educação do município. As posturas continuam na

linha pedagógica de que as crianças que se adaptem ao modelo de ensino abordado pela

professora. Efetivamente, não verificamos intervenções pedagógicas que articulassem ações

diferenciadas a fim de se promover a inclusão de todos aos desafios pedagógicos propostos.

Entendendo, entretanto, que as professoras e demais profissionais da escola necessitam de

maior suporte teórico-metodológico com cursos de formação permanente organizados pela

própria secretaria de educação, vinculados ao trabalho pedagógico em sala de aula,

necessitam também de profissionais de apoio do quadro efetivo.

A relação profissional estabelecida com o estagiário corresponde à precarização do

trabalho docente, tendendo à informalidade e à diminuição dos direitos trabalhistas. Estes são

apenas alguns dos graves problemas educacionais que impedem que todas as crianças de fato,

aprendam.

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Figura 12 - A creche não é um cabideiro Fonte: Tonucci, 1997

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6 EU FICO COM A RESPOSTA DAS CRIANÇAS

Ao final da pesquisa pudemos analisar dois pontos de vista distintos nos processos de

inclusão: o das crianças e o dos adultos. As crianças demonstraram intensamente a satisfação

de estar na escola. Elas afirmaram que aprendem algumas coisas: a colorir, as letras, a

escrever seus nomes, a ler, a conviver, mas, principalmente, todas apontaram que o mais

motivador em ir para a escola era poder brincar muito. Elas descreveram o espaço escolar

muito mais atrativo por seus brinquedos e espaços de socialização com as outras crianças do

que como espaço de aquisição de saberes formais. Apesar de não serem escutadas, pois a

maioria das decisões é tomada pelos adultos sem consulta às suas opiniões e pontos de vistas,

a maioria se sente bem e segura de participar das atividades propostas. Elas até compreendem

a postura mais severa dos professores autoritários, dizendo que é preciso manter a ordem na

sala senão fica tudo bagunçado, apesar deles serem “bravos”.

Nesta perspectiva, constatamos que as crianças confirmam as proposições de

Sarmento (2005) e Plaisance (2005) estando culturalmente ativas nos contextos a que

pertencem, demonstrando capacidade de ação social por conhecerem a dinâmica que as

envolvem. Assim como Corsaro (2005) propôs, as crianças não reproduzem simplesmente os

valores e atitudes que lhes são ensinados, mas os reproduz interpretando-os, ou seja, aqui

também nesta pesquisa os sujeitos infantis demonstraram em suas ações e em suas falas que

capturam os aspectos culturais dos grupos a que pertencem de forma associada aos aspectos

inovadores de criar ativamente novas formas de interações e participações nessas relações que

as envolvem, às vezes até transformando a produção material e simbólica quando ouvidas

pelos adultos daquele espaço escolar.

As crianças também demonstraram constantemente iniciativa de ajudar os colegas,

todos os colegas, independente de suas dificuldades. E dificuldades de aprendizagens eram

diversas. Mas, para as crianças, cada uma apresentava a sua em determinado elemento

escolar: fosse para segurar o lápis corretamente, fosse para saber as letras, fosse para colorir

dentro do desenho, fosse para seguir o desafio proposto pela professora. Elas tinham certeza:

cada um aprenderia a seu tempo o que lhes era apresentado. Dificuldades de aprendizagem

todos poderiam ter, segundo elas, ninguém precisava ser bom em tudo. Para isso, elas estavam

prontas para ajudar, a “ensinar” os outros. Conforme Mollo-Bouvier (2005), a atividade

dinâmica da socialização se constitui desses contínuos de interações e ajustes nada lineares.

Isso reforça a constatação do capítulo 3 desta dissertação, sobre uma Sociologia da Infância

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preocupada e envolvida com as concepções e visões informadas desta categoria geracional

que reproduz, produz, transforma e participa ativamente da sociedade a que pertence. Cabem

aos adultos, também envolvidos nestas relações, alterarem suas considerações em relação a

esta categoria geracional, pensando de forma diferenciada sobre as ações das crianças, como

afirmou Gomes (2011). E, ainda como Reis (2007) e Goulart (2008) analisaram, o espaço

escolar pensado e construído pelos adultos precisa superar as concepções permeadas das

ambiguidades de guarda assistencial, caráter social e sentidos conflitantes por uma proposta

educativa que se processe para além do treinamento, inserindo as considerações da categoria

infantil na construção das novas culturas.

Contudo, para elas – as crianças, as atitudes de colegas que batiam, cuspiam,

chutavam eram negativas, independente dos colegas que as faziam – fossem ou não da

inclusão e, como foi registrado no período de observação, quem mais as faziam não eram os

colegas da inclusão. Estas crianças, quando adotavam esse comportamento, normalmente

eram estigmatizadas no grupo. Percebemos, inclusive, que algumas reações de colegas da

inclusão se faziam desta forma, principalmente pelo atraso no desenvolvimento da própria

fala. Verificamos que, até para alguns funcionários e mesmo professoras, a não compreensão

dessas atitudes implicou em posturas de isolamento daqueles que não respeitavam as regras de

convivência sem agressão, influenciando as outras crianças em agir conforme aquele modelo

para demonstrarem suas reprovações. As crianças às vezes entendiam porque determinado

colega agia batendo ou cuspindo, mas reagiam conforme as orientações dos adultos,

chamando-os para intervirem, ou não permitindo que brincassem junto, ou não lhes

emprestando materiais, ou simplesmente lhes entregando apenas aqueles materiais que já

eram reservados para eles.

Para as crianças, criança da inclusão é simplesmente criança! Como respondeu uma

turma ao questionamento da professora sobre o conhecimento deles a respeito da questão.

Para nós, essas crianças apontaram o direcionamento de toda e qualquer intervenção.

Conforme Kramer (1984), Rosemberg, Campos e Ferreira (1995), os sujeitos na infância

precisam de cuidados e educação de forma a considerar a afetividade, o desenvolvimento

físico, cognitivo independente de quaisquer elementos. Os desafios, os obstáculos, as

diferenças precisam ser realmente estudadas e discutidas coletivamente para que as

instituições escolares possam expandir sua atuação para além do controle comportamental

diante do direito daqueles sujeitos que delas participam. Novos arranjos escolares precisam

ser condescendidos a fim de se efetivar posturas mais políticas quanto ao que fazer e como

fazer diante dos desafios para não se ficar intuitivamente testando ações num momento

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histórico em que a escola não é mais reconhecida como um espaço de compensar carências,

mas como um direito fundamental de todas as crianças. Tampouco a educação infantil se

constitui como espaço de preparação para que a criança continue no sistema formal de ensino.

Os profissionais da educação de hoje precisam atuar a partir dos conhecimentos acumulados

para além de um simples sanar certas “deficiências” que em verdade se constituem como

resultado das desigualdades sociais.

Retomando os capítulos 3 e 4 – sobre a Socialização e o Contexto da Educação

Infantil e da Educação Especial – a construção do direito à educação na sociedade ocidental,

tanto para as crianças quanto para um ensino regular também àquelas com necessidades

educacionais especiais, perpassou por todas as dinâmicas sociais, econômicas e politicas. Se

na Idade Média a criança era tida, conforme apresentou Santo Agostinho, como desprovida de

linguagem com a necessidade de superação desta condição a partir da educação para se

alcançar a maior aproximação com Deus, na Era das Luzes, Descartes irá ecoar essa proposta

no intuito de promover aos sujeitos infantis a superação da imaginação pelo uso da razão.

Rousseau, na Era Moderna, rompeu com esta visão propondo uma infância inocente e pura

capaz de acolher qualquer verdade, por isso precisaria ser conduzida por uma educação

moralmente correta. A partir das concepções indicadas por Cambi (1999), a educação da

infância foi se construindo na perspectiva das sociedades urbanas e industriais, elaborando-se

cada vez mais espaços e formando profissionais a fim de transformar os sujeitos infantis pelos

valores de condutas e regras socialmente construídas. O crescimento e o desenvolvimento da

dinâmica social urbana foram massificando a vida social e sofisticando os atendimentos à

criança com propostas educativas diversas: com ênfase no papel das ciências numa proposta

tradicional de ensino; com projetos de racionalização do trabalho intelectual escolar; com

oferta de conhecimentos e valores a partir dos padrões sociais enfatizando uma estimulação

cognitiva em prol da raça civilizada e do bem-estar geral da nação pela polidez da ordem e do

senso estético. Até alcançarmos a proposta de educação expressa na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação enquanto direito social geral,

garantido legalmente como forma de desenvolvimento pessoal/individual diante das

potencialidades particulares de cada sujeito articuladas em processos de convivências

coletivas respeitosas. Contudo, esta proposta apresenta distância prática para o seu alcance

real, seja pela postura dos adultos ainda não conscientes dos direitos de todas as crianças,

sejam pelas próprias medidas políticas que não garantem o acesso e as condições favoráveis

de ensino a todos os sujeitos infantis brasileiros, seja porque em Belo Horizonte se tem a

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contratação de dois tipos de profissionais para atender as crianças (professores e educadores

infantis), promovendo a falta de isonomia no trabalho equivalente de ambos.

Mesmo tendo conquistado a Constituição Federal (1988), o Estatuto da Criança e do

Adolescente (1990), uma Lei Orgânica Municipal (1990), a Lei Nacional de Diretrizes

Curriculares para a Educação (1996), uma Lei Nacional de Diretrizes Curriculares para a

Educação Especial (2001) e uma Lei Nacional de Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil (2009) a partir dos movimentos e lutas sociais, o direito à educação na

infância está longe de ser garantidos a todos, está distante, pelo que observamos na prática de

ser um direito e público. Os governantes municipais expõem a necessidade de se privilegiar o

atendimento àqueles sujeitos que estão em situação de risco porque ainda não é possível

atender a toda população infantil; não garantem também uma estrutura de trabalho que

favoreça a discussão coletiva sobre a atuação consciente e articulada dos educadores entre si,

com as famílias e com os demais órgãos que atendam às crianças; os profissionais do ensino

ainda não estão suficientemente preparados teórica e metodologicamente para lidar com um

ensino fora dos moldes tradicionais e muito menos que considere as individualidades de uma

educação especial no sistema regular.

Por outro lado, as famílias demonstram reconhecer a importância da escola na vida de

seus filhos. Sabem, inclusive que sem a matrícula na escola regular não recebem atendimento

nas clínicas de acompanhamento a crianças com alguma “deficiência” ou síndrome ou

problemas genéticos que comprometem o desenvolvimento. As famílias também revelaram a

satisfação da maioria das crianças em chegar à escola, expressando tranquilidade, alegria,

batendo palmas, demonstrando segurança de permanecerem naquele espaço. Apenas uma

criança chorava muito toda vez que tinha de se separar de sua babá, só acalmando quando a

estagiária chegava perto e deslocava sua atenção para uma atividade educativa.

Todas as famílias descreveram suas dificuldades de deslocamento com a criança até à

escola, mas o faziam com prazer porque sentiam que suas crianças ficavam bem e eram

tratadas como iguais no grupo e tinham que fazer tudo conforme os outros educandos. A

maioria das famílias descreveu inclusive que as suas crianças apresentavam mudança positiva

de comportamento em casa quando estavam frequentando regularmente a escola: seguiam

melhor a rotina de almoço, banho, hora de brincar, de arrumar seus brinquedos, de fazer suas

higienes e de se relacionar com a família em geral.

Se retornarmos as quatro categorias de Montandon (2001), veremos que alguns

profissionais já os partilham plenamente, outros ainda se apresentaram como desafios a serem

encarados:

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a) As relações entre gerações estão compartilhadas: as famílias, Davi Vilas e a

professora Cecília conseguem, normalmente, escutar as crianças;

b) As relações entre as próprias crianças são essenciais para aquisição de

segurança e autonomia na perspectiva dos adultos;

c) As crianças são consideradas como um grupo de idade que precisa de

instituições, atividades, discussões específicas;

d) Porém, os diferentes dispositivos institucionais para as crianças, pesquisados e

registrados nesta dissertação, ainda não conseguem estabelecer relações

negociadas, ou seja, situações nas quais as crianças sejam realmente escutadas

para que as decisões sejam efetivadas.

Diante dos estudos realizados e da convivência na EMPJB, é possível desenvolver

algumas reflexões. Verificamos que apesar da Prefeitura de Belo Horizonte ter uma estrutura

política que exalta a importância da inclusão hoje no sistema de ensino – como as matrículas

compulsórias para os sujeitos com necessidades educacionais especiais e ter o Núcleo de

Inclusão, específico para auxiliar na formação permanente dos profissionais em cada regional

da cidade sobre efetivas ações educacionais nas instituições – suas intervenções ainda não

conseguem atingir os desafios do trabalho escolar cotidiano. O apoio do Núcleo de Inclusão

se faz de forma reduzida, pelo número insuficiente de funcionários diante das demandas e não

consegue manter uma periodicidade regular e pequena nas escolas para promover as

intervenções necessárias, conforme a maioria das professoras da escola observada descreveu

nas entrevistas e alguns dos pais entrevistados que também manifestaram carência em relação

à ação deste Núcleo diretamente com eles. Nos relatos e nas observações de campo, de

fevereiro a junho de 2010, havia acontecido apenas um encontro coletivo entre pais e

coordenação da escola com a representante do Núcleo e apenas para apresentar de forma geral

qual seria sua atuação naquela instituição. Durante todo o tempo de permanência sistemática

no campo da pesquisa, Lauzir não conseguiu visitar a escola nem uma vez por mês.

O dilema permanece complexo, pois numa rede de ensino municipal, as decisões não

podem ser localizadas apenas no âmbito da especificidade da cada instituição escolar.

Todavia, percebemos a lentidão com que os órgãos públicos promovem atendimento

satisfatório às suas demandas. Se pensarmos o atendimento da Lauzir (do Núcleo de

Inclusão), com 12 escolas para serem acompanhadas em apenas um turno de trabalho – quatro

horas e meia em cinco dias na semana, além da sua própria capacitação – seria o mesmo que

dizer que, num mês de 22 dias letivos, esse profissional poderia comparecer em cada uma das

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suas 12 escolas, no máximo, duas vezes por mês. Isso se ele só ficar visitando escolas. Como

ele faria para atender as famílias e a equipe pedagógica das 6 crianças da inclusão da EMPJB

em 9 horas de trabalho mensal fragmentado? E, ainda, como os próprios profissionais da

escola poderiam se organizar para discutir alternativas se a SMED não os libera para reuniões

e capacitações devidamente remuneradas fora do horário de aula, uma vez que aos educandos

é garantido o direito de 22 horas e 30 minutos de atividades presenciais na escola? Diante da

proposta curricular que se tem na rede de ensino municipal para a Educação Infantil, como se

constitui o desenvolvimento das crianças, de todas as crianças? São questões que um estudo

desta natureza não pode responder, mas que abrem novas perspectivas analíticas para outros

estudos.

A escolha da PBH em atender à população em vulnerabilidade social ou em situação

de risco imprime o reforço aos valores de que o sistema capitalista necessita: oferecer

prioridade de oportunidade àqueles que se encontram em situação de desigualdade para

amenizar os conflitos sociais. Essa postura confirma a complexidade dos dilemas que

envolvem, no nosso caso, a questão da Inclusão na Educação Infantil na rede municipal de

ensino: um atendimento compulsório, mas precário pela falta de formação permanece dos

profissionais e a ausência de uma infraestrutura que permita de fato a inovação pedagógica45

no trato com todas as crianças. Esses, quando buscam por si mesmos algum complemento de

formação (pós-graduação, normalmente), não conseguem reverter os conhecimentos

adquiridos em benefício imediato àqueles que estão sob sua responsabilidade – os educandos.

Essa busca por titulação se converge muito mais pelo interesse na melhoria do salário

possibilitada pelo plano de carreira que pela motivação de reflexões e contribuições para a

prática docente.

A garantia legal do trabalho de Inclusão, por ser neste momento histórico inaugural,

tem promovido ainda espera por parte da instituição escolar pela ação e orientação do Núcleo

de Inclusão. Todas as atividades, discussões com as famílias das crianças, ficam aguardando a

posição e intervenção da Lauzir, mas o cotidiano escolar é muito dinâmico para ficar na

expectativa de tão poucos encontros.

Foi possível observar também que diante da organização dos horários de estudo para

os professores, a escola demonstra pouca participação na organização e condução destes

momentos. Primeiro, porque o nível de ausências de funcionários é alto, imprimindo a ação de

deslocar o professor apoio para a sala de aula sem professor, prejudicando os demais em seus

45 Resignificação de experiências educativa, rompendo com o modelo tradicional, num processo que favoreça interlocução dos sujeitos envolvidos, segundo Silva (2010).

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horários de estudo, que aconteceriam exatamente quando o professor apoio assumisse a

turma. Segundo, porque não havia encontros periódicos das professoras com a coordenação

da escola, como observaram as professoras para tratarem dos assuntos específicos de suas

turmas, como a inclusão por exemplo. Terceiro, porque nas reuniões coletivas, que no

primeiro semestre aconteceram quase que uma por mês – num arranjo organizado pela direção

daquela escola e não por estrutura de trabalho da prefeitura até aquele momento – o tempo era

destinado para acordos sobre a organização dos eventos que envolveriam toda a escola

(Adaptação, Carnaval, Páscoa, Aniversário da Escola, Dia das Mães, Festa Junina). A partir

de final de maio, conforme registros do diário de campo, a prefeitura liberou verbas para que

a escola contratasse monitores para realizarem atividades com as crianças enquanto a equipe

pedagógica (professores, coordenação e direção) fizesse reunião de estudo sobre o documento

preliminar das “Proposições Curriculares para a Educação Infantil da Rede Municipal de

Educação e Creches Conveniadas com a PBH – Desafios da Formação”, a fim de coletar

sugestões de melhorias para o currículo para a educação infantil pública no município. Nestes

momentos, então, a equipe estudava e discutia o documento assim como se tomavam decisões

a respeito de questões gerais específicas da escola, como por exemplo, a mudança do recreio

de forma que cada duas turmas brincassem juntas e em horários diferentes das demais para se

possibilitar melhor atendimento às crianças neste momento. Mas nada se discutiu sobre

Inclusão, ou sobre cada uma das crianças na Inclusão matriculada na EMPJB.

Retornando ao PPP da escola, o compromisso de estudar as “deficiências”, o tema da

inclusão, a busca de parcerias, no ano de 2010 não se estabeleceu. A escola também não

conseguiu estabelecer parceria direta com os demais profissionais que atendiam as crianças da

inclusão. Sequer conseguiu até julho promover um encontro das professoras com as famílias

destas crianças. Enquanto pesquisadoras na instituição, tivemos muito mais contato com as

famílias pela nossa demanda de entrevistas que as próprias professoras das crianças. Apenas

uma professora da tarde conseguiu encontrar com a mãe de uma criança da inclusão, por

necessidade da família sobre alguns esclarecimentos a respeito dos procedimentos da escola.

Podemos avaliar também que o direito à escolarização em turmas regulares não tem

sido atingido na íntegra. Conforme as legislações estudadas, as crianças com necessidades

educacionais especiais, além de estarem na escola comum, deveriam participar de propostas

pedagógicas específicas para que adquirissem avanços em seus níveis cognitivos, se preciso,

até mesmo com a construção de um currículo funcional da instituição para elas. (BRASIL,

2001). Contudo, na escola acompanhada, assistimos muito mais o acolhimento pela obrigação

da inclusão do que o investimento pedagógico dirigidos a estes sujeitos de direitos.

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Observamos a preocupação maior quanto à socialização e participação à rotina escolar do que

às atividades planejadas de forma a se levar em consideração os níveis de aprendizagem das

crianças incluídas. Algumas ficavam até isoladas das atividades do grupo, como por exemplo,

não participavam da roda de início do dia, permanecendo afastadas do grupo. Foi muito

marcante a fala das professoras, nas entrevistas e nos acompanhamentos do campo, de que

não tinham orientação para trabalhar com crianças com necessidades educacionais especiais

tão específicas, não dispondo de tempo nem de estudo ou momento de trocas de saberes e

conhecimentos sobre ações pedagógicas para as crianças da inclusão.

Outro aspecto a se considerar é a demora para chegada do estagiário que auxiliaria o

processo escolar. Com a chegada deste apoio às turmas da inclusão somente em maio,

verificamos a dificuldade das professoras em conduzir o trabalho pedagógico geral, fosse pela

mobilidade de algumas crianças, fosse pelo comportamento diferente, fosse pelo nível de

atenção que demandam durante o processo de construção de conhecimentos cognitivos, uma

vez que naquele ano se tinham necessidades educacionais muito diferentes: Autismo46,

Síndrome de Down47, Síndrome de Pallister Killian48, Paralisia Bilateral49, Déficit Intelectual

Moderado50. Quando, contudo, os estagiários chegaram não receberam orientações específicas

sobre como agir. Estes buscavam orientações em experiências particulares, em grupos de

estudantes nas faculdades que frequentavam, até conosco. Em várias de suas ações, também

percebemos a maneira intuitiva com que testavam as ações pedagógicas, agindo de forma a

atrasar e até comprometer ainda mais o avanço das crianças da inclusão, pois uma decisão

frequente era tirar a criança da atividade que os demais estavam realizando. Além, de se

tornar mais um fator de segregação das crianças, verificamos que não basta o governo

municipal disponibilizar funcionários, é necessário primeiramente formá-los, �repara-los

para o trabalho e acompanhar sua atuação, articular encontros destes com as professoras de

forma a se refletir sobre estratégias efetivas para o suporte pedagógico, pois da forma como se

tem articulado o seu apoio à inclusão apenas se reforça um sistema de ensino excludente.

Dificilmente verificamos práticas educativas inclusivas construídas pelas

singularidades dos sujeitos. A busca de caminhos alternativos ao ensino tradicional estava

lenta e dependente dos órgãos específicos da PBH para auxiliarem em quaisquer decisões. O

vínculo com a família era distante, quando se davam os encontros no início ou no final do

46 Cf. Anexo II 47 Cf. Anexo II 48 Cf. Anexo II 49 Cf. Anexo II 50 Cf. Anexo II

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turno, normalmente se apontava algum elemento comportamental apenas. Torna-se urgente

um projeto de reflexão sobre o papel da instituição de Educação Infantil, para que crianças e

adultos não fiquem expostos a ambiguidades e repressões constantes na composição de seus

contextos de vidas.

Toda pesquisa teórica efetuada foi muito significativa para compreender a própria

escola acompanhada. Foi possível compreender as motivações para a alteração da

nomenclatura adotada para se referir à oferta de vagas na educação infantil, enquanto direito

conquistado. Deste modo, o antigo jardim de infância passa a denominar Escola de Educação

Infantil. O estudo também permitiu analisar as posturas dos profissionais, os investimentos da

PBH, pelo embasamento anteriormente discutido nesse documento. Efetuar uma pesquisa

participante foi a escolha mais acertada, pois ninguém está neutro diante dos acontecimentos

que se processam em suas experiências. Poder contribuir também para o próprio grupo refletir

sobre suas ações e intervenções na prática escolar cotidiana tem de ser uma responsabilidade

da parceria entre o pesquisador e o campo da pesquisa. Há situações em que é através dessa

parceria que acontecerão possibilidades de desconstrução dos preconceitos camuflados,

conforme Goulart (2008) analisou.

É importante destacar ainda que apesar de todas as considerações sobre o trabalho

pedagógico, as famílias demonstraram uma visão positiva da experiência escolar de seus

filhos naquela instituição. Poderíamos compreender tal perspectiva diante apenas dos laços

afetivos que a família espera das instituições que atendem suas crianças, seja pela dificuldade

que passam em criar uma criança com síndrome ou problemas de saúde para o

desenvolvimento, seja pela evidencia da total falta de instrução a respeito do direito de

educação que toda criança tem. Observamos, nesta pesquisa, que as famílias não participam

dos conflitos didáticos vivenciados pela equipe docente. Mesmo para mães, como aquela que

permaneceu na escola por um mês como estagiária de sua criança relatado no capítulo 5 desta

dissertação, a falta de compreensão sobre a proposta de uma educação de qualidade em

termos de oferta de oportunidades iguais para o desenvolvimento pleno de cada criança na sua

individualidade. A expectativa das famílias era apenas de acolhimento afetuoso. Em relação a

esse fator, elas se sentiam totalmente atendidas.

Ouvir o que as crianças pensavam sobre a inclusão foi a melhor aprendizagem para

nós, devido o compromisso profissional com estes sujeitos. Foi também a melhor alternativa

para se apresentar como resultado de um intenso investimento em benefício principalmente

desses próprios sujeitos, que tiveram oportunidade se manifestar e estão sendo ouvidas, agora.

Estamos passando por profundas transformações sociais que tem alterado consideravelmente

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os sistemas de ensino brasileiro: a inclusão conquistou direitos políticos, direitos civis e tem

que ser garantida quanto aos direitos sociais. O direito à educação não pode caminhar nas

trilhas da utopia. E as escolas, seus profissionais, precisam dar conta dessas discussões, pois

do contrário, poderá ocorrer um esvaziamento do seu potencial formativo. Garantir

acessibilidade é fundamental, mas não é falar de uma escola para todos. Os discursos têm

realmente que se proceder sobre o que efetivamente está sendo ensinado.

Por fim, eu fico com a resposta das crianças que é considerar sempre que criança na

inclusão é criança!

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Figura 13 -– (1974) A avaliação (1) Fonte: Tonucci, 1997

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ANEXOS I Termo de Consentimento Livre e Esclarecido II Lista das Diferentes Necessidades Educacionais na EMPJB em 2010 III Roteiros das entrevistas IV Secretaria Municipal de Educação - Prefeitura de Belo Horizonte - Estrutura Organizacional V Parte do Projeto Político Pedagógico da escola VI Plano de Trabalho Pedagógico da Direção Eleita para o triênio 2009/11

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ANEXO I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do Projeto: A diversidade na educação da infância: a perspectiva das crianças e de profissionais de uma Escola de Educação Infantil Pública de

Belo Horizonte Prezado Senhor (a),

Este Termo de Consentimento pode conter palavras que você não entenda. Peça ao

pesquisador que explique as palavras ou informações não compreendidas completamente.

1 ) Introdução

Você está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa que estudará o A DIVERSIDADE

NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA: A PERSPECTIVA DAS CRIANÇAS E DE

PROFESSORES. Você foi selecionado por possuir informações imprescindíveis à pesquisa e

sua participação não é obrigatória. O objetivo do projeto é estudar A INCLUSÃO DE

TODAS AS DIFERENÇAS A PARTIR DO PONTO DE VISTA DAS CRIANÇAS E

PROFESSORES.

2 ) Procedimentos do Estudo

Para participar deste estudo solicito a sua especial colaboração em conceder entrevista, que

será gravada, sobre a percepção que você tem DA DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DA

INFÂNCIA.

3 ) Riscos e desconfortos

Gostaríamos que se sentisse à vontade para responder às perguntas que desejar.

4 ) Benefícios

Espera-se que, como resultado deste estudo, você e possa conhecer melhor A

DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA assim como poderá auxiliar na

elaboração de novas políticas de atendimento à criança pequena em espaços coletivos.

5) Custos e Reembolso

Você não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não receberá

pagamento pelo mesmo.

6) Caráter Confidencial dos Registros

A sua identidade será mantida em sigilo. Os resultados do estudo serão sempre apresentados

como o retrato de um grupo e não de uma pessoa. Dessa forma, você não será identificado

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quando o material de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica

ou educativa.

7) Participação

Sua participação neste estudo é muito importante e voluntária. Você tem o direito de não

querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, sem penalidades. Em caso de

você decidir retirar-se do estudo, favor notificar o profissional e/ou pesquisador que esteja

desenvolvendo a pesquisa.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, coordenado pela Professora Maria Beatriz Rios Ricci, que poderá

ser contatada em caso de questões éticas, pelo telefone: 3319-4517 ou pelo email:

[email protected].

A pesquisadora responsável pelo estudo poderá fornecer qualquer esclarecimento sobre o

estudo, assim como tirar dúvidas, bastando contato no seguinte endereço e/ou telefone:

Nome do Pesquisador: GRAZIELLE VIEIRA MAIA

Endereço: Dom José Gaspar, 290, Belo Horizonte - MG, CEP 30535-610.

Telefone para contato: 34127269.

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Declaração de Consentimento Li, ou alguém leu para mim, as informações contidas neste documento antes de assinar este

termo de consentimento. Declaro que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste

estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas

dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem

qualquer penalidade.

Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo.

Nome do participante ______________________________________________________

Assinatura do participante __________________________________________________

Obrigado pela sua colaboração e por merecer sua confiança.

Nome e Assinatura do pesquisador

______________________________Data:____/____/2010

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Declaração de Consentimento Li, ou alguém leu para mim, as informações contidas neste documento antes de assinar este

termo de consentimento. Declaro que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste

estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas

dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem

qualquer penalidade.

Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo.

Nome do participante ______________________________________________________

Nome do responsável ______________________________________________________

Assinatura do responsável __________________________________________________

Obrigado pela sua colaboração e por merecer sua confiança.

Nome e Assinatura do pesquisador

______________________________Data:____/____/2010

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ANEXO II

Lista das Diferentes Necessidades Educacionais Especiais na EMPJB em 2010

Autismo Descobertas recentes apontam a possibilidade de que o autismo possa ser causado por uma interação gene-ambiente. Caracteriza-se por um comprometimento grave e global em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação ou presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades. Os prejuízos qualitativos que definem estas condições representam um desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo. Disponível em http://www.autismo.com.br/site.htm consultado em 07/05/2011. Síndrome de Down A Síndrome de Down decorre de um acidente genético que ocorre em média em 1 a cada 800 nascimentos, aumentando a incidência com o aumento da idade materna. Atualmente, é considerada a alteração genética mais frequente. Acomete todas as etnias e grupos sócio-econômicos igualmente. É uma condição genética conhecida há mais de um século, descrita por John Langdon Down e que constitui uma das causas mais frequentes de deficiência mental (18%). No Brasil, de acordo com as estimativas do IBGE realizadas no censo 2000, existem 300 mil pessoas com Síndrome de Down. As pessoas com a síndrome apresentam, em consequência, retardo mental (de leve a moderado) e alguns problemas clínicos associados. Disponível em http://www.portalsindromededown.com/oqueesd.php consultado em 07/05/2011. Síndrome de Pallister Killian Fenótipo similar e mosaicismo para um cromossomo marcado e descrito por Pallister et al., em 1976, apresentando tetrassomia 12p, documentada através de fibroblastos da pele de indivíduos afetados, mas não no sangue periférico. Apresenta as seguintes anormalidades: crescimento - estatura, peso e circunferência cefálica normais ou aumentados ao nascimento com desaceleração do crescimento pós-natal da estatura e da circunferência cefálica, frequentemente há o desenvolvimento de obesidade; desempenho - deficiência mental profunda com desenvolvimento mínimo da linguagem; convulsões; hipotononia com desenvolvimento de contraturas com o avançar da idade; surdez; craniofaciais - cabelos esparsos na região anterior, sobretudo nas regiões temporais na infância, com sombrancelhas e cílios ralos, fronte proeminente, a face se torna mais grosseira no decorrer do tempo, fissuras palpebrais direcionadas para cima, hipertelorismo ocular, ptose palpebral, estrabismo, epicanto, base nasal larga e achatada e nariz curto com narinas antevertidas, bochechas rechonchudas, filtro longo com lábio superior fino e formato de "arco de cupido", lábio inferior protruso, erupção dentária retardada, orelhas largas com lóbulos espessos protrusos, pescoço curto; além de faixas de hiper ou hipopigmentação, mãos largas com dedos curtos e encurtamento desproporcional de braços e pernas. Disponível em http://www.professorjarbasbio.com.br/sindrome.htm consultado em 07/05/2011. Paralisia Espástica Bilateral Paralisia cerebral é uma dificuldade de controle neuromotor (nervo e músculo). É o resultado de um dano ao cérebro impossibilitando-o de amadurecer completamente, causando uma lesão fixa. A Paralisia Cerebral afeta os movimentos e a postura, não progressiva, que ocorre antes, durante, ou depois do nascimento. O dano cerebral numa Paralisia Cerebral não é reversível, produzindo incapacidade física pelo resto da vida. No caso da Espástica Bilateral, ocorre hipertonicidade, hiperreflexia e persistência anormal dos reflexos neonatais, pernas em

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tesoura, posturas anormais dos membros e contraturas, dificuldade de deglutição e salivação excessiva. Disponível em http://www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/neuro/hidroterapia_espastica.htm consultado em 07/05/2011. Déficit Intelectual Moderado A deficiência intelectual pode ter várias causas, entre as principais estão fatores genéticos, perinatais (ocorridos durante a gestação e o parto) e pós-natais. O diagnóstico correto dos fatores causais no momento do nascimento pode não só amenizar os sintomas mas até mesmo evitar o dano cerebral como por exemplo erros inatos do metabolismo que se não controlados, entre outros danos, serão causa de lesão cerebral. Entre suas características, destaca-se a diversidade de danos cerebrais, condições psicossociais capazes de afetar a função mental (QI), e/ou seus componentes como atenção, memória ou as diversas formas de raciocínio, intrinsecamente relacionados entre si. Quanto à avaliação da atividade intelectual, uma das fecundas abordagens dos últimos tempos foi a proposição de Inteligências múltiplas por Howard Gardner. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Defici%C3%AAncia_mental consultado em 07/05/2011.

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ANEXO III

Entrevistas semi-estruturadas

ENTREVISTA: PAIS E/OU RESPONSÁVEIS DAS CRIANÇAS NA INCLUSÃO 1) Qual seu nome e sua idade?

2) Qual a sua formação?

3) Quantos filhos você tem?

4) Seu filho tem alguma necessidade educacional específica? Qual?

5) Qual a razão da escolha desta escola?

6) Como você vê a participação de seu filho nesta escola?

7) O que você espera da escola?

8) O que você considera mais importante na escola?

9) O que você não gosta na escola?

10)Há alguma iniciativa pública de apoio ao desenvolvimento integral para as

crianças? São gratuitos? Como são organizados?

11)O que seus filhos fazem quando não estão na escola?

12)Seus filhos brincam juntos? Com que brincam? Quais as brincadeiras que

mais gostam?

13)Brincam em locais abertos? Ao ar livre? Onde? De que brincam?

14)Como e o que seu filho fala sobre a escola?

15)O que fala sobre os colegas da escola? E sobre os adultos?

16)Com quem seus filhos ficam quando não estão na escola?

17)Gostaria de fornecer mais alguma informação que considera relevante para a

pesquisa?

18)Gostaria de receber mais alguma informação sobre a pesquisa?

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ENTREVISTA: PROFESSORES E PROFISSIONAIS 1) Qual seu nome? Idade?

2) Qual a sua formação?

3) Há quanto tempo atua na educação?

4) O que você entende por educação inclusiva?

5) Já teve ou está tendo alguma experiência com a educação inclusiva?

6) O que você acha que é mais positivo na educação inclusiva?

7) O que você acha que é mais negativo na educação inclusiva?

8) A escola oferece condições estruturais e operacionais para a inclusão?

Quais?

9) Há alguma proposta da Secretaria com relação à educação inclusiva? Qual?

10)A Secretaria Municipal de Educação proporciona algum apoio ao seu

trabalho? Qual?

11)Você conta com profissionais de apoio? Há equipe multidisciplinar na escola?

Explique.

12)Você recebe estagiários em sua sala?

13)Como você percebe a atuação do estagiário em relação às crianças?

14)Você planeja as atividades educativas? O faz sozinho ou em equipe?

15)Há discussões coletivas sobre o planejamento?

16)Quem conduz as discussões?

17)Você recorre a produções teóricas como suporte ao seu planejamento? Como

o faz?

18)Como você avalia seu trabalho?

19)O que você considera mais positivo em seu trabalho?

20)O que considera negativo no seu trabalho?

21)Gostaria de fornecer mais alguma informação que considera relevante para a

pesquisa?

22)Gostaria de receber mais alguma informação sobre a pesquisa?

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ENTREVISTA: ESTAGIÁRIA

1) Qual o seu nome e sua idade?

2) Qual é seu curso de formação?

3) Você já trabalhou com educação inclusiva?

4) Como foi trabalhar com inclusão?

5) Você já possui alguma experiência profissional anterior ao estágio? Suas

experiências anteriores contribuíram para a sua atuação no estágio?

6) Como você considera a sua contribuição as crianças incluídas? Explique.

7) Você encontra alguma dificuldade no curso de seu estagio? Qual?

8) O que você considera mais positivo no estágio?

9) O que você considera mais negativo no estágio?

10) Você tem tido acompanhamento e apoio didático-pedagógico durante o

seu estágio? Explique.

11) Qual a contribuição do estágio para a sua formação?

12) Gostaria de fornecer mais alguma informação que considera relevante

para a pesquisa?

13) Gostaria de receber mais alguma informação sobre a pesquisa?

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ENTREVISTA: CRIANÇAS

1) Qual o seu nome?

2) Quantos anos você tem?

3) Há quanto tempo estuda nesta escola? (Quais foram as suas professoras?)

4) Seus colegas são os mesmos?

5) Você gosta da sua turma da escola? Por quê?

6) O que acontece de bom na sua turma?

7) O que acontece que não é legal na sua turma?

8) Como são seus colegas?

9) Algum deles precisa de ajuda? Como?

10) Você acha que seus colegas ajudam este colega? Como?

11) Como você brinca com este colega na sala (usar alguns dos materiais lúdicos deste

espaço)?

12) Ele já assentou perto de você na sala de aula?

13) O que você já aprendeu com este colega?

14) O que você já ensinou a este colega?

15) O que você já aprendeu este ano?

16) E seu colega, o que você acha que ele já aprendeu na escola?

17) De que você brinca no recreio? Com quem?

18) E seu colega? Com quem ele brinca? De quê?

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ANEXO IV

Secretaria Municipal de Educação Prefeitura de Belo Horizonte Estrutura Organizacional

1)Gabinete Secretária Municipal de Educação - Macaé Maria Evaristo Secretário Municipal Adjunto de Educação - Afonso Celso Renan Barbosa Chefe de Gabinete - Luiz Henrique Borges RAMAIS 8606 - 8593 - 8594 2)Gerência de Articulação da Política Educacional - GAPE Rosavani & Fernanda Cecília Ávila Sala 728 - Ramal: 8594 3)Gerência de Articulação de Administração e Planejamento - GAAP 4)Gerência de Gestão Administrativa e Financeira - GGAF Edina Custódio Alves Sala 723 - Ramal: 8616 5)Gerência de Recursos Materiais da Educação - GERMA-ED Evandro Fagundes dos Santos - Sala 317 - Ramais: 8653 ou 8611 6)Gerência de Almoxarifado da Educação - GERALM Antônio Carlos de Noronha - Ramal : 6043 7)Gerência de Contratos e Convênios da Educação - GCCON-ED Maria Regina Dias Florêncio - Sala 725 - Ramal: 8619 8)Gerência de Controle e Prestação de Contas de Subvenções - GCPCS Nilton Pereira dos Santos - Sala 310 - Ramal: 8586 9)Gerência Administrativa - Financeira - GEAFI-ED Idê Maria de Nazaré - Sala 313 - Ramal: 8612 10)Gerência Orçamentário Financeira - GEOFIN Éder Franklin Gondim Arruda - Sala 315 - Ramal: 8831 11)Gerência de Transporte - GETRAN Rogério Luis Zanetti - Ramal:8620 12)Gerência de Organização Escolar - GEOE Helen Elenimar Faria 713 - Ramal 8626 13)Gerência de Planejamento Escolar - GEPES

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Magda Lane de Araújo - Sala 710 - Ramais: 8630 ou 8631 14)Gerência de Pessoal-GERPES-ED Laura Araújo Henriques - Sala 714 - Ramal:8632 15)Gerência de Planejamento e Informação - GPLI Corina Giovanini Sala 726 - Ramal 8595 16)Gerência de Rede Física Escolar - GERFE José Aloísio Gomes F. de Castro - Sala 617 - Ramal 8856 17)Gerência de Informações Educacionais – GINED Eleonora Ferreira de Paula- Sala 615 - Ramal 8617 18)Gerência de Cadastro e Estatística Escolar - GECCE Denise Nascimento Souza - Sala 608 - Ramal 8602 19)Gerência de Avaliação de Políticas Educacionais - GAPED Eliani Maria de Brito - Sala 724 - Ramal 8633 20)Gerência de Funcionamento Escolar - GEFE Inêz Maria de M. Dolabela Sala 719 - Ramal: 8639 21)Gerência de Avaliação e Verificação do Funcionamento Escolar - GAVFE Elza Maria Maia O. Fernandes - Sala 720 - Ramal: 8599 22)Gerência de Autorização de Funcionamento Escolar - GAFESC Auréa Noá Lisboa Leão - Sala 708 - Ramal:8622 23)Gerência do Programa Bolsa-Escola - GEBE Flávia Julião Sala 607 - Ramal 8725 24)Gerência de Articulação do Programa Bolsa - Escola GEABE Alessandro Monteiro- Sala 728 - Ramal 8606 25)Gerência de Cadastro e Gestão Administrativa do Programa Bolsa-Escola - GECBE Margarida Mussi Coelho Rocha- Sala 604 - Ramal 8638 26)Gerência de Processamento do Benefício e Apoio Administrativo - GEBEBE Jacy Telma de Oliveira Rocha - Sala 601 - Ramal 8855 27)Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de Formação-GCPF Dagmá Brandão Silva Sala 816 - Ramal: 8613

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28)Gerência de Coordenação da Educação Infantil - GECEDI Mayrce Terezinha da Silva Freitas - Sala 820 - Ramal: 8625 29)Gerência de Educação Básica e Inclusão - GEBAS Adriana Mota - Sala 820 - Ramal: 8643 30)Gerência de Coordenação do Centro de Apoio Pedagógico para o atendimento às pessoas com deficiência visual - GECCAP Elizabet Dias de Sá - Ramal: 4517 31)Gerência de Comunicação Social - GCOS Marcos André Ribeiro Costa sala 733 D - ramal 8600 ou 8601 32)Gerência de Relações com a Imprensa – GRIMP Magi Cristina Mappa sala 733 D - ramal 8600 ou 8601 33)Gerência de Ouvidoria da Educação - GEOUV-ED Clélia Márcia C. de Andrade sala 733 C - ramal: 8646/ 9905 34)Gerência de Eventos e Relações Públicas - GEEVRP sala 733 A/B - ramal: 9900/ 9901

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ANEXO V Parte da Proposta Política Pedagógica da Escola

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ANEXO VI

Plano de Trabalho Pedagógico da Direção Eleita para o triênio 2009-2011

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